Olhe para dentro do livro

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Olhe para dentro do livro
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Missões,
Militância Indigenista
e Protagonismo Indígena
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Protasio Paulo Langer
Graciela Chamorro
Missões,
Militância Indigenista
e Protagonismo Indígena
Produção
NHANDUTIEDITORA
Financiamento
4
Artigos originais:
Conjunto deste livro:
© dos/das autores/as
© Nhanduti Editora 2012
Organização: Protasio Paulo Langer, Graciela Chamorro
Revisão e diagramação: Nhanduti Editora
Capa e arte:
Nhanduti Editora sobre a gravura “Idololatria et feritas Deo et regi domitae” de Nicolás del Techo (1611-1685) e publicada em Trnava (Tyrnauiæ) em 1759 por Ladislao Orosz
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Langer, Protasio Paulo; Chamorro, Graciela. Missões, Militância Indigenista e
Protagonismo Indígena. XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas,
Volume II / Protasio Paulo Langer; Graciela Chamorro. – São Bernardo do Campo:
Nhanduti Editora, 2012, 368p.
Bibliografias.
ISBN 978-85-60990-15-3
1. Missão 2. Cultura e religião guarani 3. Movimentos e lutas indígenas
I. Langer, Protasio Paulo; Chamorro, Graciela. II. Título.
CDD-266.8; 305.898382; 303.98
Índices para catálogo sistemático:
1. Missão na América do Sul
2. Cultura e religião guarani 3. Movimentos indígenas : Missão cristã na América do Sul
: Grupos étnicos – guarani
: Processos sociais indígenas
na América do Sul 266.8
305.898382
303.98
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer
meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema
ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.
Nhanduti Editora
Rua Planalto 44 – Bairro Rudge Ramos
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Financiamento
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Dourados – MS, Brasil
Reitor: Damião Duque de Farias
Pró-Reitor: Cláudio Alves Vasconcelos
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Boas-vindas da Editora
Este é mais um livro lançado pela Nhanduti,
uma editora que tem a alegria de ter nascido
no Brasil, na América Latina, no Planeta Terra
para ser uma enredadeira:
junto com você queremos criar
redes em vez de centros
pontes em vez de muros
diálogos em vez de ataques
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intercâmbio em vez de inimizade
relações de parceria em vez de dominação.
Entre – o livro é seu:
use,
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e amadurecer idéias próprias
comente,
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que lhe chamou atenção.
Nhanduti Editora
O nome da editora é emprestado da palavra guarani ñandu, aranha, evocando a idéia da teia de aranha, da “rede” - ñanduti.
O termo ñanduti indica a renda paraguaia (cf. o lindo exemplo no
logotipo) que nos serviu de inspiração para descrever as relações que
nossa editora procura promover.
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Comitê Editorial
Deise Lucy Montardo – Universidade do Amazonas
Eudes Fernando Leite - Universidade Federal da Grande Dourados
Guillermo Wilde – Universidad San Martín, Buenos Aires (Argentina)
Joana Aranha Moncau – Universidade de São Paulo e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Jorge Eremites – Universidade Federal da Grande Dourados
Lauri Wirth – Universidade Metodista de São Paulo
Lori Altmann – Universidade Federal de Pelotas
Lúcio Tadeu Motta – Universidade Estadual de Maringá
Neimar Machado – Universidade Católica Dom Bosco
Renata Lourenço – Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
Ruth Monserrat – Universidade Federal do Rio de Janeiro
Thiago Cavalcante – Universidade Estadual Paulista
Wolf Dietrich – Westfälische Wilhelms-Universität, Münster (Alemanha)
Agradecemos também ao Museo Guido Boggiani (San Lorenzo - Paraguai)
por autorizar a reprodução de fotografias de objetos pertencentes
à comunidade indígena Tymaka-Chiriguano
de Santa Teresita (Mariscal Estigarribia, Departamento de Boquerón - Paraguai).
Livro produzido pela Nhanduti Editora
e financiado pela Universidade Federal da Grande Dourados
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Sumário
Introdução geral (Protasio Paulo Langer, Graciela Chamorro) . . . . . . . . . . . . 11
Descrição da imagem da capa (Carlos A. Page)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
I.
Reflexões sobre Missões Religiosas /
Protagonismo Indígena
Inovação pastoral da Igreja Católica: O Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
(Paulo Suess)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
“Deus na aldeia”. A relação entre protagonismo indígena, ação missionária
de Igrejas cristãs e outros agentes em comunidades indígenas
(Roberto E. Zwetsch)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
La mala fe potorera. Apóstatas, donecillos y dinámicas étnicas en Chiquitos
(Isabelle Combès)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Las Jornadas Meridionales y la formación de los aldeamientos indígenas
de las provincias de San Paulo, Paraná y Mato Grosso entre 1840 y 1889:
profetismo y movilidad guaraní
(Pablo Antunha Barbosa)
............................................................
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As Ações das Missões Salesianas no Rio Negro, Amazonas/Brasil (1916-1923):
“Conversão” e “Civilização” do Índio
(Mauro Gomes da Costa) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95
Liderança Kaiowá: Entre a religião tradicional e a Igreja pentecostal
(Ana Maria Melo e Souza) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Dimensões imateriais da Tava Mirĩ São Miguel no discurso Mbyá-Guarani
contemporâneo
(José Otávio Catafesto de Souza e Mônica Arnt,
Carlos Eduardo de Moraes, Daniele Pires, Rita Lewkowicz) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135
Missionários de papel: imagens dos índios Caiuá em jornais protestantes
(Carlos Barros Gonçalves) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
Significados do processo de conversão dos Kaiowá e Guarani ao pentecostalismo
e sua inserção no cenário de inovação cultural
(Levi Marques Pereira)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
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Entre a religiosidade Guarani e as Igrejas cristãs. Entrevista com Édina Silva
de Souza (Kunhá Apyká Rendy’í)
(Gustavo Gomes dos Santos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 205
II. Protagonismo Indígena: Educação / Terra /
Reterritorialização
Missão Evangélica Summer Institute of Linguistics e a experiência da formação de
professores / monitores bilíngues Kaingang
(Cássio Knapp) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219
“O trabalho com os índios”. A atuação da IECLB junto aos Kaingang no Rio Grande
do Sul e outros povos indígenas
(Sandro Luckmann)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231
Territorialidade e educação escolar indígena: Desafios da experiência Guarani em
Santa Catarina
(Clovis Antonio Brighenti e Graciela Chamorro) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
Conflitos, violências e territorialidade. A resistência Guarani em Paranhos/MS
(Célia Maria Foster Silvestre e Lauriene Seraguza Olegário e Souza) . . . . . . . 261
O sistema-mundo moderno-colonial e os discursos para a não demarcação de
terras-territórios Guarani e Kaiowa
(Juliana Grasiéli Bueno Mota)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
Mapas da Fronteira
(Aloir Pacini)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 291
Violinistas Kaiowá/Guarani: dados etnográficos e históricos sobre os violinos de
procedência missioneira no atual Mato Grosso do Sul
(Protasio Paulo Langer)
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317
Ta’angá Tava Mirĩ: São Miguel (RS, Brasil) enquanto Espectro da Morada dos Deuses
aos Mbyá-Guarani
(José Otávio Catafesto de Souza e José Cirilo Pires Morinico) . . . . . . . . . . . . . . . 339
Dados biográficos dos autores e das autoras
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 359
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Introdução
O foco deste segundo volume de trabalhos apresentados nas XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas realizadas em Dourados, Mato
Grosso do Sul, Brasil, de 30 de agosto a 03 de setembro de 2010 incide sobre
questões indígenas e indigenistas num recorte cronológico mais ou menos
contemporâneo. De um lado, o livro reúne artigos relativos a missões religiosas, religiosidade, conversão e evangelização e, de outro, textos sobre educação, terra, território e territorialidades.
As Jornadas acontecem bianualmente durante os últimos 26 anos. Originaram-se a partir do Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros de Santa Rosa/
RS, evento também bianual, realizado de 1975 a 1995. A promoção dos Simpósios foi fomentada por agentes e instituições eclesiásticas – como a Faculdade Dom Bosco dos Padres Salesianos, os Padres Jesuítas e a Diocese de
Santo Ângelo – historicamente atuantes no campo missionário entre os povos
indígenas. Um dos motivos da longevidade desses eventos foi certamente sua
proposta de conjugar temas do passado histórico com a agenda do presente
etnológico, político e religioso dos povos indígenas e das práticas indigenistas.
Um aspecto histórico observável tanto nos Simpósios como nas Jornadas
é a recorrência de palestras marcadas por um discurso de teor teológico impulsionado pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e pela Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín (1968). À luz desses
eventos, alguns setores eclesiásticos repensaram criticamente as “missões coloniais” e, a partir do paradigma da Teologia da Libertação, elaboraram novas
diretrizes para as missões entre os povos indígenas. Em suma, na perspectiva
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dessa corrente teológica, os indígenas seriam um dos grupos pobres e oprimidos que, desde essa posição, interpelavam a Igreja a posicionar-se em defesa
dos povos indígenas e de seus projetos de vida.
Embora o mote desses eventos tenha sido o fenômeno missionário jesuítico-guarani dos séculos XVII e XVIII no Paraguai colonial, tanto nos Simpósios
como nas Jornadas era constante e vigoroso o debate de temas missiológicos/
antropológicos e de dilemas políticos indígenas/indigenistas contemporâneos.
Nas décadas de 1970-80, diante das terríveis ameaças que pairavam sobre os
povos indígenas e seus territórios tradicionais (representadas pela ação de madeireiros, garimpeiros e latifundiários, pela construção de usinas hidrelétricas
e rodovias, e pela implementação de uma política indigenista assimilacionista pelo Estado), tais eventos tornaram-se um efetivo espaço para abordagens
tidas por “subversivas” pelos órgãos da segurança nacional (Schwade 1975).
Num período em que a produção acadêmica sobre os povos indígenas
contemporâneos era incipiente, em que antropólogos indigenistas ou estavam
no exílio ou eram vigiados pelos órgãos da segurança nacional, no Simpósio
sobre fricção interétnica na América do Sul, ocorrido em 1971 em Barbados, estiveram presentes quatro antropólogos brasileiros: Darcy Ribeiro, Pedro
Agostinho da Silva, Carlos de Araújo Moreira Neto e Silvio Coelho dos Santos.
Apenas Darcy Ribeiro, exilado no Chile, assinou a “Declaração de Barbados
I – Pela libertação do indígena”. “Os demais não o fizeram por questão de
segurança devido ao regime militar que imperava no Brasil” (Prezia 2003,
328). Nesse contexto surgiram organismos eclesiásticos que propugnavam
pastorais de defesa dos povos indígenas, tais como o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil), e o COMIN (Conselho de Missão entre Indígenas), um órgão da IECLB
(Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil). Eles articularam militância
político-pastoral e estudos acadêmicos nas diversas áreas das ciências humanas (História, Linguística, Antropologia, Teologia etc.). O motivo condutor da
reflexão era que as Igrejas, que haviam sido cúmplices das iniquidades coloniais no passado, precisavam reparar as injustiças históricas mediante práticas
político-pastorais pautadas na defesa dos povos indígenas e na cumplicidade
com suas bandeiras de luta.
A título de exemplo lembramos que no primeiro Simpósio, de 1975, um
dos conferencistas foi o então jesuíta Egydio Schwade, que na década de
1960 havia sido missionário entre os Manoki e na década de 1970 foi um
dos fundadores do CIMI, entidade da qual se tornou Secretário Executivo.
Em sua conferência, após breves considerações sobre fatores e influências
históricas que concorreram para a “organização social, política e econômica
das missões” jesuíticas do século XVII-XVIII, Schwade passa a discorrer sobre
o indigenismo do SPI e da FUNAI. Critica severamente a Política da Tutela,
classificando-a como uma “[...] doença crônica das políticas oficiais latino-
Introdução
11
americanas, que tem contribuído muito para a espoliação do índio brasileiro”
(Schwade 1975, 46-47). Na sequência, o autor aponta como perspectiva “para
os índios e para a humanidade” a união progressiva dos povos indígenas em
assembleias, apoiadas pelo CIMI, para discutirem e buscarem saídas para os
seus problemas. Nessa mesma conferência, após ilustrar com vários exemplos
o protagonismo político dos indígenas frente às instituições nacionais, Schwade expôs cinco premissas norteadoras da ação indigenista do CIMI. Além de
explicitar sua atuação nos âmbitos políticos/jurídicos, esse programa expõe
seu ideário teológico:
1. Apoiar decidida e eficazmente em todos os níveis o direito que têm os
povos indígenas de recuperar o direito de domínio de sua terra [...].
2. Reconhecer, respeitar e apoiar abertamente o direito que têm os povos
indígenas de viver segundo a sua cultura [...].
3. Procurar por todos os meios devolver aos povos indígenas o direito a
serem sujeitos, autores, e destinatários do seu crescimento [...].
4. [...] optar seriamente, como pessoa e como Igreja, por uma encarnação
realista e comprometida com a vida dos povos indígenas, convivendo
com eles, investigando, descobrindo, valorizando, adotando sua cultura e assumindo sua causa.
5. Exprimir e encarnar os apelos dos “oprimidos e marginalizados, superando nossos individualismos e interesses das congregações, necessitando conjuntamente a união e a coordenação de todos os esforços
para uma ação libertadora”.
Vale observar que em 1975, quando essas diretrizes foram propostas, o
CIMI já havia dialogado intensamente com outras Igrejas e com antropólogos
atuantes nas universidades brasileiras (Silvio Coelho dos Santos, Carlos A.
Moreira Neto, Pedro Agostinho da Silva) e exilados (Darcy Ribeiro). Como
destaca Prezia (2003, 54-56), diversos eventos que discutiram a situação dos
povos indígenas na América Latina haviam repercutido no âmbito missionário/indigenista do Brasil: a reunião de Iquitos (Peru 1971), o Encontro de
Barbados I (1971), patrocinado pelo Programa de Combate ao Racismo do
Conselho Mundial de Igrejas, e o Encontro de Assunção (1972) que reuniu
missionários católicos e protestantes. Esses eventos, além de denunciarem
contundentemente as agressões privadas e governamentais, contribuíram para
o surgimento de um novo paradigma missiológico.
Na última edição dos Simpósios (1995), o teólogo Roberto Zwetsch historiou a gradativa tomada de posição da IECLB frente à questão indígena.
Segundo ele, esse tema passou a inquietar cada vez mais a consciência de
pastores, pastoras e comunidades, a partir do momento em que, no processo
de expansão das fronteiras agrícolas, membros das comunidades luteranas e
as pessoas responsáveis por elas se defrontavam com grupos indígenas expulsos das suas terras. Além de historiar o despertar da consciência pró-indígena
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e de relatar sua própria experiência missionária na década de 1970, Zwetsch
também destaca a repercussão do Encontro de Barbados I, do Encontro de
Assunção (1972) e dos documentos e informes emitidos pelo CIMI (1995,
68-70). No âmbito da IECLB, esse panorama – expansão agrícola, congressos
antropológicos, encontros ecumênicos sobre missões entre indígenas, entre
outros eventos – resultou na criação do COMIN em 1982.
Em reconhecimento à presença marcante de intelectuais com um perfil simultaneamente militante (da causa indigenista) e acadêmico nas diversas edições das Jornadas, o presente livro prioriza estudos voltados para questões
indígenas do tempo presente.
Na Primeira Parte, “Reflexões sobre Missões Religiosas / Protagonismo Indígena”, abrimos o livro com dois artigos que mostram a pertinência e a complexidade do tema “missão”. No primeiro capítulo, Paulo Suess faz um balanço
do CIMI, que em 2012 completa 40 anos de atividades pastorais. Os temas
tratados são o contexto político nacional e a “violência institucionalizada”
contra os povos indígenas, as diretrizes teológicas que subjazem à implantação do CIMI, as perseguições a indígenas e indigenistas ligados a esse órgão,
a legitimidade do indigenismo avaliada a partir da capacidade de promover o
reconhecimento, e o protagonismo dos povos indígenas.
Roberto Zwetsch parte do arcabouço conceitual da obra “Deus na Aldeia”,
organizada por Paula Monteiro, para analisar em que momento e em que medida a ação missionária e indigenista obstaculiza ou promove o protagonismo
indígena. Este é definido pelo autor como “o esforço persistente das comunidades indígenas, de suas lideranças e intelectuais pela garantia de direitos
inalienáveis, por autonomia cultural, de pensamento e crença, e pelo direito
a uma identidade diferenciada”. Zwetsch percebe que os recursos epistemológicos que possibilitam uma análise densa e complexa das articulações entre
povos indígenas e missionários do período colonial são apropriados para a
análise das relações que se estabelecem, hodiernamente, entre missões cristãs
e sociedades indígenas.
Na sequência apresentamos os textos que destacam o protagonismo indígena. Mesmo nos processos históricos exógenos que foram ou são implantados
em seu meio, os povos indígenas não são sujeitos passivos. Eles se apropriam
desses projetos, parodiam-nos, fazem críticas, ressignificam a intenção original
dos agentes não indígenas da missão e são ativos na recepção da missão e na
negociação com esses agentes. Os capítulos a seguir dão conta disso.
Dos seus estudos sobre os grupos de fala zamuco, Isabelle Combès analisa
no seu artigo como esses grupos, tradicionalmente tidos como “preservados” das
missões jesuíticas da Chiquitania na Bolívia, foram atingidos por processos assimilacionistas das referidas missões. Nessa perspectiva, a autora propõe superar
a visão simplista e caricaturesca acerca dos atuais ayoreos do oriente boliviano.
Introdução
13
Pablo Antunha Barbosa discute como os agentes a serviço do Barão de
Antonina identificaram, entre os guarani-falantes do Sul do Mato Grosso, de
São Paulo e do Paraná, redes político-sociais familiares, a partir das quais negociavam o estabelecimento de aldeias em conformidade ao decreto nº 426 de
1845 acerca das Missões de Catequese dos Índios, do Brasil Imperial.
Em seu estudo sobre a experiência missionária salesiana no Noroeste Amazônico nas primeiras décadas do século XX, Mauro Gomes da Costa analisa
a afinidade de objetivos entre a Igreja e o Estado, assim como os impactos da
ação missionária salesiana sobre os povos indígenas missionados.
Ana Maria Melo e Souza apresenta a influência do discurso pentecostal
sobre o “modo de ser” Kaiowá. A partir de uma comunidade específica, a
autora verifica como os valores propagados pela Igreja Deus é Amor impõem
às famílias indígenas a adoção de novos comportamentos e crenças, e como a
liderança do pastor se confronta com a do xamã.
Por sua vez, Carlos Barros Gonçalves discorre sobre o surgimento da Missão Caiuá, um projeto protestante de cristianização e civilização do povo Kaiowá do então Sul do Mato Grosso a partir de 1929. O autor mostra a difusão
dada às estratégias utilizadas no processo nos jornais das Igrejas consorciadas
nessa missão.
O artigo de Levi Marques Pereira mostra que para os Kaiowá e Guarani
o processo de conversão ao pentecostalismo tem um efeito reintegrador da
personalidade social, por dissolver formas de sociabilidade tradicionais e inaugurar novas redes de relações sociais no âmbito físico da congregação. Para
o autor, pela conversão os Kaiowá e Guarani assumem a posição de agentes
transformadores de seu próprio sistema social.
Em Dimensões imateriais da Tava Mirĩ São Miguel no discurso Mbyá-Guarani
contemporâneo, José Otávio Catafesto de Souza, Mônica Arnt, Carlos Eduardo
de Moraes, Daniele Pires e Rita Lewkowicz mostram o embate travado pelos
Mbyá com os representantes “civilizados” dos países em que vivem. Nele, os
Mbyá rompem com o pensamento que quer enclausurá-los no mundo do mito
e da cosmologia e entram no âmbito da política e do direito.
Através de uma entrevista, Gustavo Gomes dos Santos recupera o trabalho
apresentado de forma oral nas XIII Jornadas por Édina Silva de Souza (Kunhá
Apyká Rendy’í), indígena Guarani. O mesmo tratou da relação entre a religiosidade guarani e as Igrejas cristãs dentro da Reserva Indígena de Dourados e
da pertença indígena a ambas as matrizes religiosas.
Na Segunda Parte, “Protagonismo Indígena: Educação / Terra / Reterritorialização”, um primeiro bloco de textos é relativo à educação, hoje uma espécie
de missão não religiosa, mas no passado sobretudo religiosa. E no âmbito da
educação emerge o tema da terra, da fronteira, do território e da luta contemporânea por reterritorialização.
Cássio Knapp analisa a experiência de formação de monitores bilíngues
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Kaingang na Terra Indígena de Guarita implementada pelo grupo de pesquisadores-missionários da Missão Evangélica Summer Institute of Linguistics (SIL),
via o Curso Normal Bilíngue, realizado na Escola Indígena Clara Camarão em
1970. O autor estuda o bilinguismo de transição e/ou substituição, adotado
como ferramenta de alfabetização do SIL.
Sandro Luckmann, por sua vez, apresenta a atuação missionária da IECLB na Terra Indígena de Guarita/RS nas décadas de 1960 e 1970, através da
educação escolar, âmbito de atuação que permanece nas décadas seguintes,
quando a missão entre indígenas passa a ser organizada pelo Conselho de Missão entre Indígenas (COMIN), criado em 1982. O autor faz uma breve apresentação dos propósitos e princípios teológicos da atuação atual do COMIN.
Clovis Antonio Brighenti e Graciela Chamorro confrontam em seu artigo
as propostas de educação indígena e de educação escolar indígena apresentadas pelos Guarani de Santa Catarina em 2001, no documento final do “Seminário sobre a educação escolar Guarani no sul e sudeste brasileiro”, com
as experiências e os desafios atuais das escolas em comunidades indígenas,
conforme contam no documento da Comissão Guarani Nhemonguetá, encaminhado à I Conferência de Educação Escolar Indígena (CONEEI) em 2009.
O autor problematiza ainda a relação entre oferta de escola e demanda de
terras indígenas.
Embora distante geográfica e etnicamente do artigo anterior, Célia Maria
Foster Silvestre e Lauriene Seraguza Olegário e Souza oferecem um exemplo
da problemática aludida pelo autor anterior, a questão da luta pela terra e a
educação escolar indígena. O artigo situa o desaparecimento e a morte de
dois professores indígenas, Rolindo e Genivaldo Vera, no contexto do conflito e da violência vivenciados pelo povo Guarani da Área Indígena Pirajuí
do município de Paranhos/MS, na luta pela recuperação de seus territórios
tradicionais, pelo seu direito à língua, cultura, saúde, educação e soberania
alimentar. As autoras documentam que as narrativas dos Guarani mostram a
dor e a luta de um povo que busca retomar as terras onde viveu até algumas
década atrás.
Partindo do pressuposto de que a luta pela terra das sociedades indígenas
é uma luta pela alteridade, na qual a demarcação dos territórios tradicionais
indígenas é um aspecto importante, mas não o único para a concretização
dos direitos garantidos constitucionalmente, Juliana Grasiéli Bueno Mota analisa as principais notícias divulgadas pelo Jornal O Progresso em 2008 e 2009
sobre as retomadas das terras indígenas, levadas a cabo por grupos Guarani e
Kaiowá. A autora mostra como essas ações são criminalizadas pelo diário. A
partir do caso “Terra Indígena Panambizinho”, ela destaca os ataques da sociedade moderna capitalista marcada pelo agronegócio ao modo de relação
indígena com a terra.
Aloir Pacini analisa fragmentos de uma cartografia da fronteira entre Brasil
Introdução
15
e Bolívia, mostrando o caráter dinâmico dos limites entre os dois países e as
influências deixadas pelas linhas divisórias na autocompreensão da população chiquitana, que outrora fizera parte da Missão de Chiquitos (1691-1767).
Nesse contexto, o povo imagina a Terra Indígena Chiquitana como Portal do
Encantado.
Protasio Paulo Langer apresenta indicadores etnográficos e históricos do
uso de instrumentos musicais de corda, executados com arco nos grupos
guarani-falantes do sul de Mato Grosso do Sul. Seus dados mostram que nas
aldeias da região de Dourados e Amambai havia num passado recente indígenas violinistas que executavam em eventos étnicos e interétnicos instrumentos
fabricados por eles próprios.
Em parceria com o líder Mbyá José Cirilo Pires Morinico, José Otávio Catafesto de Souza exemplifica a disposição Mbyá ao diálogo com órgãos que
objetivam integrar o reconhecimento dos direitos originários em suas ações.
Ao retomarem São Miguel física e simbolicamente, os grupos Mbyá fazem
do símbolo da presença jesuítica no sul do Brasil o local do ressurgimento
Guarani (Mbyá) e reivindicam vínculo prioritário e precedente sobre os remanescentes declarados Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Seu pedido
é que São Miguel seja registrado como Lugar de Referência Cultural MbyaGuarani, para que o Estado Brasileiro reconheça oficialmente essa ligação
entre o material e o imaterial reivindicada pelos Mbya-Guarani nesse lugar e
em toda a região.
Os artigos deste livro, como já mencionado acima, não só afirmam e confirmam o protagonismo indígena em meio aos projetos coloniais e missionários que, em geral, não eram seus. Também mostram que os povos indígenas
continuam sendo alvos de uma missão civilizadora, religiosa ou não. Nela,
os agentes não indígenas são cada vez mais conscientes de que a história da
missão colonial e colonialista é impressionante e triste. Impressionante pela
coragem dos homens que se lançaram à conquista material e espiritual; triste porque no enfrentamento ibero-americano foram destruídas populações e
culturas inteiras “por causa de Deus”. Os agentes não indígenas da missão,
pelo menos os implicados nos artigos deste livro, são hoje conscientes de que
o procedimento usado com os indígenas era antievangélico, impedindo-se
que os indígenas se “descobrissem”, se “fizessem conhecer” àqueles que queriam evangelizá-los. Entendemos que este é o grande desafio para as missões
contemporâneas, religiosas ou não: reconhecer a alteridade e agir de modo
consequente.
Para problemáticas como essa, o escritor búlgaro Zvetan Todorov (1983)
apresenta uma tipologia da relação com o outro. Para ele, a relação no plano
axiológico é mediada pelo julgamento de valor de um sujeito (eu) sobre o
indígena, quem não chega a se tornar “tu” por ser reduzido a objeto. Neste
caso, as populações índias são objetos de juízos tais como “más”, “boas”,
16
“iguais”, “inferiores”. O sujeito (eu) pode gostar ou não deles. É como o turista
que aprecia o artesanato indígena, mas nada quer com o artesão indígena.
A relação no plano praxiológico é mediada no esquema todoroviano pela
aproximação ou distanciamento que alguém (eu) toma perante o indígena.
Neste modo de aproximação, o indígena pode ser tomado como modelo.
Identificando-me com ele, eu sou ele, reduzo-me. Esta aproximação não deixa de ser uma espécie de distanciamento, pois, assimilando o indígena a mim,
ao meu ideal ou à minha imagem, rejeito-o, reduzo-o a mim submetendo-o.
Outra atitude da mesma ordem é não sair do lugar, é ser indiferente aos indígenas. Eles não me dizem respeito, não são relativos a mim.
Um terceiro tipo de relação se dá para Todorov no plano epistêmico. Nele,
o sujeito (eu) procura conhecer o indígena como sujeito que se dá a conhecer
(tu), sem juízo de valor, sem querer reduzi-lo a mim ou a meus ideais, mas
respeitando-o e reconhecendo-o na sua própria perspectiva (Panikkar 1971;
1993).
A aproximação dos povos indígenas da América esteve sobretudo marcada
por relações nos planos axiológicos e praxiológicos, pelo juízo de valor, pela
indiferença ou pela filosofia assimilacionista. Isto impediu que os povos índios fossem conhecidos enquanto “Outro”, como sujeitos de fala, de cultura
e de vida religiosa. Na mudança de paradigma em curso em instituições eclesiásticas e universitárias, bem como na sociedade civil como um todo, é cada
vez mais valorizada a aproximação dos povos indígenas contemporâneos – e
do seu devir histórico – no intento de conhecê-los, encontrá-los e descobrilos na sua própria historicidade e suas formas de se darem a conhecer. Por
isso, o terceiro modelo de relação com o outro é um desafio atual, tanto para
quem se aproxima dos povos índios “por causa” de Deus, das políticas do
Estado, das Ciências Sociais, da História e das próprias populações indígenas.
Nesse esforço há que se evitar que da igualdade se deduza identidade/identificação (2º plano), que o eu incorpore o outro, achando-o em tudo igual a
mim mesmo (idem). Há que se perceber e viver a diferença (entre nós) sem
que a degeneremos em hierarquia do tipo “superior – inferior” (1º plano); há
que fazer valer e, em alguns casos, viver a igualdade na diferença (3º plano).
Isso significa em nosso afazer intelectual tentar conhecer os povos indígenas
como sujeitos históricos de processos que na maioria das vezes não foram
iniciados por eles nem levaram em conta seu protagonismo.
Entendemos que os artigos reunidos neste livro são ensaios dessa forma de
aproximação que corresponde ao terceiro modelo. Esperamos que o prazer
que nos acompanhou na sua preparação, a atenta avaliação dos artigos de
parte dos membros do Comitê Editorial deste volume e o generoso engajamento de Monika Ottermann e Leszek Lech da Nhanduti Editora na construção e editoração desta obra se propalem numa enriquecedora leitura. Nossos
agradecimentos a todas as pessoas que contribuíram para que este segundo
Introdução
17
livro das XIII Jornadas Internacionais sobre as Missões Jesuíticas saia à luz;
lembramos em especial Olga Bachega, Ariane Rigotti e Cláudio Vasconcelos,
pela prontidão e eficiência com que encaminharam nosso pedido de financiamento perante a nossa universidade, a UFGD.
Quanto à grafia das línguas guarani, tentamos na medida do possível unificar a modalidade adotada por cada autor ou autora. Vão em maiúsculas os
nomes próprios e os etnônimos, as outras categorias gramaticais seguem em
minúsculas. Os acentos e o “nh” foram via de regra usados pelos autores para
facilitar a pronúncia a falantes da língua portuguesa. Quando as autorias se
ativeram às normas das línguas guarani (ñandéva), kaiowa e mbya, os acentos
foram marcados para as palavras paroxítonas e proparoxítonas, ficando sem
marcação as oxítonas.
Protasio Paulo Langer e Graciela Chamorro
Obras consultadas
ACOSTA, José de. De Procuranda Indorum Salute: educación y evangelización, I y II. Madri:
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1987 (Corpus Hispanorum de Pace, 24)
PANIKKAR, Raimon. Hinduísmo e cristianismo. In: VV. AA. Ecumenismo das religiões. Petrópolis: Vozes, 1971, 211-237
PANIKKAR, Raimon. La mística del diálogo. Entrevista de Raúl Fornet-Betancourt con Raimon Panikkar. In: Anuario de Teologías contextuales (Jahrbuch für Kontextuelle Theologien), 1. Frankfurt: Verlag für Interkulturelle Kommunikation, 1993, 19-37
PREZIA, Benedito (org.). Caminhando na luta e na esperança. São Paulo: Loyola, 2003
SCHWADE, Egydio. Organização social, política e econômica das missões. In: I Simpósio
Nacional de Estudos Missioneiros (Anais). Santa Rosa: Faculdade de Filosofia Ciências e
Letras Dom Bosco, 1975
TODOROV, Tzvetan. A conquista da América. A questão do outro. São Paulo: Martins Fontes, 1983
ZWETSCH, Roberto. Os luteranos e o desafio das comunidades indígenas. In: XI Simpósio
Nacional de Estudos Missioneiros (Anais). Ijuí: Editora da Unijuí, 1997
Dourados, 15 de janeiro de 2012
18
19
Descripción de la imagen
de la tapa
Es un grabado anónimo ubicado en la anteportada del libro Decades virorum illustrium Paraquariae Societatis Iesu… publicado
en Tyrnavia en 1759. Representa
una ascensión de San Ignacio con
ángeles que sostienen cartelas con
las regiones de la provincia del
Paraguay: Río de la Plata, Uruguay y Tape, Paraná, Paraguay Itatí,
Tucumán, Chile y Guayra. La ilustración es presidida por una gran
cartela, donde se inscribe Idololatria et Feritas Deo et regi domitae,
y dos querubines que en sus trompetas llevan banderines con otras inscripciones. Al pie de la misma dos ángeles y tres indios acompañan el planisferio
apoyado sobre un dragón encadenado. Sobre el globo terráqueo se ubican el
escudo de España y arriba, abriéndose entre las nubes, el anagrama de Jesús.
El libro está escrito íntegramente en latín y consta de una primera parte
de 375 páginas, compuesta por Nicolás Del Techo, y una segunda de 173
páginas, por Ladislao Orosz. Antes de los textos de Del Techo se encuentran
la autorización de edición, un prólogo (Premonitio. Ad benevolum Lectores)
de sólo dos páginas y luego una cronología histórica de la provincia del Paraguay de 38 páginas que se inicia con el descubrimiento de América y termina
en 1645, por lo que seguro la escribió el P. Del Techo. El autor de la primera
parte del libro escribe cinco capítulos, ordenados cronológicamente en latín
y llamados “décadas”, cada uno compuesto por 10 biografías. Mientras el
P. Orosz le incorpora otras cuatro “décadas” con otras diez biografías cada
una, excepto una con nueve. Es decir que en total suman 89 biografías. En
el mismo libro se aclara al principio que un profesor de Tyrnau enmendó al-
20
gunos puntos del texto de Del Techo y ordenó los papeles de Orosz para que
fueran impresos. Según Furlong, ese profesor, llamado Nicolás Schmith, fue
un amigo de Orosz y era por entonces rector de la Universidad de Tyrnavia.
Él se encargó de la edición de los manuscritos llevados especialmente por
el P. Orosz a Europa cuando fue procurador de la provincia del Paraguay
(1746-1749). El P. Orosz quedó que próximamente completaría la obra con
más envíos para que la universidad los imprimiera. Una acotación final, más
que interesante, pues el ejemplar de la biblioteca de los bolandistas es uno
de los dos únicos que existe en el mundo. El otro fue hallado por Szabó en
la biblioteca de la Universidad de Budapest, donde se encuentra parte de
los originales de Orosz. El hecho curioso, y lo explica el bibliógrafo jesuita
Stoeger, es que los superiores de Roma, una vez impreso el libro y viendo
que las circunstancias no eran favorables a los jesuitas – suponemos ante
tanta extravagancia en número de biografiados, y apenas saliendo de la guerra
guaranítica – ordenaron que se destruyera la obra. Lamentablemente este singular y valioso libro nunca se volvió a editar, siendo no pocas las gestiones
que hicimos al respecto.
Carlos A. Page
21
I
Reflexões sobre
Missões Religiosas /
Protagonismo Indígena
22
Homenageamos com este livro o historiador Antônio Jacó Brand. Como militante indigenista, pesquisador e docente, ele deixou um legado singular para a Antropologia e a
História dos povos Kaiowá e Guarani. Sua atuação política e acadêmica na causa indígena nos convida a prosseguir, com integridade, na luta em prol dos direitos indígenas.
Antonio Jacó Brand (1950-2012)
Foi fundador do Conselho Indigenista
Missionário – CIMI - no Mato Grosso do
Sul. Na década de oitenta, atuou em
Brasília, como secretário geral da instituição,
ocasião em que mobilizou líderes indígenas,
indigenistas e profissionais da antropologia
para garantir os direitos indígenas na
Constituição de 1988. Graduou-se em História
na UNI-SINOS, tornou-se Mestre e Doutor em
História na PUCRS. Atuou por 16 anos como
docente/pesquisador na UCDB, em Campo
Grande - MS. Coordenou o Grupo de Pesquisa
(Programa Kaiowá/Guarani) e o Projeto Rede
de Saberes. Foi bolsista produtividade do CNPq.
O professor Antônio Brand lutou durante toda sua vida e se tronou imprescindível, segundo
os versos de Bertold Brecht. Isso resume minhas impressões dos quatro anos de convivência
com ele. Ele conseguia conciliar, como poucos, o brilhantismo teórico, o reconhecimento
acadêmico e o ativismo incansável na defesa dos Kaiowá e Guarani. Uma perda irreparável.
[Marco Antonio de Almeida]
Conheci o Antônio em 1985 e devo a ele minha militância indigenista. Ele me apresentou
aos Ofaié, povo que desde então acompanho pelos caminhos da vida e da morte. Antônio
celebrou um pacto de vida com os povos indígenas, especialmente com o povo Guarani.
Construindo pontes de saberes, deu visibilidade à luta dos povos marginados e esquecidos
pela história e pela política humana. [Carlos Alberto dos Santos Dutra]
Antonio Brand foi um estudioso militante que dedicou sua vida à causa indígena e sempre
desafiou a todos(as) que o circundaram demonstrando a inseparabilidade entre ética social
e pesquisa. [Antonio Dari Ramos]
Sus fundamentales estudios sobre los Kaiowä los puso al servicio de la justicia. [Bartomeu
Melià, s.j.]
Nosso querido Antonio Brand parte para a viagem mais misteriosa da existência humana, mas
nos deixa uma vida clarividente e plena de feitos maravilhosos. Por ora fica a dor, inevitável de
ser sentida; porém, jamais podemos perder a esperança de seguir adiante na luta onde Brand
teve destacada participação, a luta dos povos indígenas. [Secretariado Nacional – Cimi]
A vida do Antonio é um exemplo admirável. A saúde lhe faltou agora num momento tão
importante para os povos Guarani e Kaiowá do MS, que lutam em especial pela recuperação
de suas terras. Que sua memória permaneça viva entre nós e ele encontre a paz verdadeira,
nos braços do Deus vivo. [Lori Altmann e Roberto Zwetsch]
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Inovação pastoral da Igreja Católica:
O Conselho Indigenista
Missionário (Cimi)
Paulo Suess
1. Gênese, contexto e objetivos
O Cimi, uma entidade articuladora de missionárias e missionários que fazem uma autocrítica da pastoral indigenista, nasce durante a ditadura militar,
numa década de violência causada pelo modelo de desenvolvimento. O plano da “Operação Amazonas”, de 1966, é substituído pelo famoso “Plano de
Integração Nacional”, de 1970. No mesmo ano vem ao Brasil uma comissão
da Cruz Vermelha para investigar casos documentados com fotos de índios
torturados. A “pacificação” dos Cinta-Larga ocupa desde 1969 as manchetes
dos jornais. A construção das rodovias BR-230 (Transamazônica), 174 (Manaus – Boa Vista), 163 (Cuiabá – Santarém), 364 (Cuiabá – Porto Velho) e 210
(Perimetral Norte) projeta suas sombras sobre dezenas de povos indígenas na
Amazônia. As notícias sobre massacres indígenas e sobre o grande número de
índios mortos por doenças tornam-se cada vez mais frequentes. O órgão da
política indigenista do Estado, a Fundação Nacional do Índio (Funai), dirigida
por coronéis e generais, tem a incumbência de garantir que os índios não representem um obstáculo à política desenvolvimentista.
Na época da fundação do Cimi, em 1972, a sociedade brasileira e as Igrejas locais não acreditavam na possibilidade de que os povos indígenas poderiam ter um futuro próprio como povos e nações. Esperavam que o desenvolvimento e o progresso pudessem solucionar a questão indígena. Na década
24
Páginas 26-38 indisponíveis na versão digital
25
“Deus na aldeia”
A relação entre protagonismo indígena,
ação missionária de Igrejas cristãs
e outros agentes em comunidades indígenas
Roberto E. Zwetsch
1. Missão, civilização, mediação cultural: a possibilidade do protagonismo indígena
“Dessa forma, ao analisarmos na longa duração
a relação entre índios e missionários,
temos de abandonar a pergunta relativa ao se e quanto
os índios se converteram ao cristianismo,
e investigar os significados que a noção de conversão foi assumindo
ao longo de quatro séculos de missão,
no interior do discurso das diferentes ordens,
nos diversos momentos da história das relações entre Igreja,
Estado e grupos indígenas, e, finalmente,
na medida em que nos permitem as fontes, no próprio discurso indígena.”
(Cristina Pompa, in: Deus na aldeia, 135)
Tomando como inspiração o debate produzido pela obra organizada por
Paula Montero, Deus na aldeia1, neste artigo pretendo discutir em que medida missionários e outros agentes da sociedade brasileira conseguem suplantar, reduzir, abafar ou apoiar o protagonismo indígena em relação a seus modos de vida, concepções de mundo e objetivos para o futuro. A ideia inicial
1 MONTERO, Paula (org.). Deus na aldeia. Missionários, índios e mediação cultural. São Paulo: Globo, 2006.
26
Páginas 40-56 indisponíveis na versão digital
27
La mala fe potorera.
Apóstatas, donecillos
y dinámicas étnicas en Chiquitos1
Isabelle Combès
Chanés, gorgotoquis, chibocicoçis, quivaracoçis, comithees, copores,
maripanos, paroquis o çimionos: “muchos indios con diferentes nombres y
lenguas”2 son los que encontraron los conquistadores quinientistas en los alrededores de la primera ciudad de Santa Cruz, en la actual Chiquitania boliviana. Dos siglos después, cuando florecen las misiones jesuíticas, la misma diversidad étnica sigue caracterizando la región: se cuentan seis grupos
lingüísticos (con un sin fin de lenguas y dialectos particulares) y más de 75
grupos diferentes que fueron evangelizados por los hijos de San Ignacio3. Todo
esto, en una región donde sólo existen hoy dos grupos indígenas: los chiquitanos, y los ayoreos.
No es ninguna novedad atribuir esta homogeneización étnica y cultural
a las misiones jesuitas, que concentraron a las diversas “parcialidades” en
las reducciones e impusieron el chiquito como lengua franca. Los chiquitanos contemporáneos son el resultado de un “amalgamiento cultural de los
diferentes grupos por la reunión obligada de los indígenas en las reducciones jesuíticas” (Krekeler 1995, 27); “la etnia conocida como ‘chiquitana’ es
producto del sistema de reducciones jesuíticas que reunió a diversos grupos
étnicos” (Radding 2002, 520) – y podrían multiplicarse las citas al respecto.
Para emplear una palabra de moda, la “etnogénesis” del pueblo chiquitano
no puede ser leída ni entendida sin referencia a los 76 años de la presencia
jesuita en la región. En este sentido, la fecha de 1691 (cuando se funda la pri1 Texto originalmente publicado na Revista Campos 9(2): 23-41, 2008 (ISSN: 1519-5538). Agradecemos a autorização da Campos para reeditá-lo.
2 Relación verdadera… 2008 [1571], 212.
3 Tomichá 2002, 654 y cap. III.
28
Páginas 58-72 indisponíveis na versão digital
29
Las Jornadas Meridionales
y la formación de los aldeamientos indígenas
de las provincias de San Pablo, Paraná
y Mato Grosso entre 1840 y 1889:
profetismo y movilidad guaraní
Pablo Antunha Barbosa
En la literatura sobre la región de frontera entre el sur de Mato Grosso y el
oriente paraguayo, el escenario y la cronología de ocupación y expropiación
de los territorios guaraníes fueron retratados de la siguiente manera. En primer
lugar, la Guerra de la Triple Alianza (1864-1870) aparece como un acontecimiento clave en la redefinición de toda la dinámica territorial y poblacional
de la región. Con el final de la guerra en 1870 se firmó un nuevo Tratado de
Límites (1872) y se instituyeron las fronteras actuales entre Brasil y Paraguay. El
fin de la guerra marcaría, entonces, la consolidación de la explotación privada,
abriendo vastos espacios para el capital. En el sur de Mato Grosso, el Ciclo de
la Hierba – nombre dado por la historiografía a la segunda etapa – se inició
en 1882, después de que el gobierno brasileño arrendara extensos hierbales
naturales a la Cia. Matte Larangeiras1. Del lado paraguayo, el mismo proceso
se observaría a partir de 1883 con la creación de La Industrial Paraguaya S.A2.
El Ciclo de la Hierba, que utilizó ampliamente la mano de obra indígena, tuvo
una duración de aproximadamente cinco décadas, cediendo su lugar a un ter
1
BRAND, Antônio. Os Kaiowá/Guarani no Mato Grosso do Sul e o processo de confinamento – a
“entrada de nossos contrários”. In: Conflitos de Direitos sobre as Terras Guarani Kaiowá no Estado
do Mato Grosso do Sul. São Paulo: Palas Athena, 2000, 98-100.
2
REED, Richard. Los guardianes de la selva. Comunidades Guaraní y recolección comercial. Asunción: CEADUC, 2003; PASTORE, Carlos. La lucha por la tierra en el Paraguay. Montevideo: Editorial Antequera, 1972; SOUCHAUD, Sylvain. Geografía de la inmigración brasileña en Paraguay.
Asunción, 2007.
30
Páginas 74-94 indisponíveis na versão digital
31
As ações das Missões Salesianas no
Rio Negro, Amazonas/Brasil (1916-1923):
“Conversão” e “Civilização” do Índio
Mauro Gomes da Costa
1. Introdução
Este trabalho investiga as práticas educativas e os efeitos da ação missionária da Ordem Salesiana junto aos Povos Indígenas do Rio Negro (Amazonas,
Brasil) no atual município de São Gabriel da Cachoeira, região do Noroeste
Amazônico, no primeiro quartel do século XX. Antes de adentrar nos objetivos específicos deste artigo, remetemos, a modo de aceno, ao contexto
regional amazônico com a intenção de oferecer elementos que auxiliem na
compreensão da conjuntura local e das implicações desta nas relações entre
Igreja, Estado e Povos Indígenas.
O contexto econômico no qual se deu a chegada dos Salesianos de Dom
Bosco na Amazônia foi marcado pela decadência do ciclo extrativo da borracha, que se prolongou nos anos 1920. A expansão da extração gomífera
erradicou os índios de suas terras, obrigando-os a ingressar compulsoriamente
na vida comercial da economia extrativa (Wenstein 1993). O exclusivismo da
borracha, afirma Queiroz (2006, 316), fez com que o látex fosse “responsável
não apenas pela importância que a Região Amazônica assumiu na economia
brasileira desse período, como também pela sua projeção no mercado internacional”. Euclides da Cunha (1999, 3), classificou a estrutura da economia
da borracha como “a mais criminosa organização do trabalho” onde o “seringueiro [...] é o homem que trabalha para escravizar-se”.
A expansão das fronteiras econômicas (extrativas, pastoris, agrícolas) para
áreas indígenas acarretou conflitos entre colonos e índios, circunstância que
32
Páginas 74-120 indisponíveis na versão digital
33
Liderança Kaiowá:
entre a religião tradicional
e a Igreja pentecostal
Ana Maria Melo e Souza
Ao conviver com os indígenas Kaiowá da Aldeia Panambizinho (próxima
à cidade de Dourados, no Mato Grosso do Sul, Brasil) quando realizava pesquisa de campo para minha dissertação de mestrado, entre 2007 e 2009, ouvi
vários relatos sobre a chegada da Igreja pentecostal Deus é Amor à aldeia e
sobre as influências que seu discurso religioso passara a exercer sobre o modo
de vida desta comunidade.
A presença da Igreja era criticada pela comunidade, que a considerava
um dos agravantes para o impedimento da realização do mais importante ritual da tradição kaiowá1, o Kunumi Pepy2, durante o qual os pais e os líderes
religiosos transmitem conhecimentos diversos aos meninos que se encontram na faixa etária entre 9 e 14 anos, preparando-os para a fase adulta. A
proposta de minha pesquisa era compreender como este grupo memorizava
e atribuía sentidos a esta cerimônia que, apesar de relevante e sempre presente em seus discursos, não ocorria no Panambizinho há mais de 15 anos,
1
O grupo étnico Kaiowá é um dos grupos Guarani atuais que pertencem ao tronco linguístico
Tupi-Guarani, que há pelo menos 2500 anos teria se desdobrado do tronco Tupi mais antigo e
cuja história abarca no mínimo 5000 anos. A história dos Tupi tem por cenário a floresta tropical,
enquanto a dos Guarani, as matas subtropicais da bacia dos Rios Paraguai, Paraná e Uruguai. No
tempo da conquista europeia foram contatados em torno de 14 grandes grupos de populações
Guarani, que se configuravam como unidades sociais e territoriais independentes. Desse total, dez
grupos desapareceram. Os quatro que subsistiram são os Chiriguano, os Paï-Tavyterä ou Kaiowá,
os Chiripá ou Nhandeva e os Mbyá. Embora estes grupos apresentem características linguísticas e
culturais semelhantes, revelam identidades diferenciadas, marcadas no âmbito dos costumes e da
cultura material, como também no modo de falar a língua Guarani (Chamorro 1999, 5).
2No Kunumi Pepy, os meninos têm o lábio inferior perfurado e ornamentado pelo tembeta, enfeite
labial característico do homem adulto kaiowá, produzido a partir de uma resina retirada da árvore
tembeta’y. O uso deste adorno é a marca identitária desta etnia, garantindo sua legitimidade, pois
somente os homens que o portam são considerados “verdadeiros homens kaiowá”.
34
Páginas 122-134 indisponíveis na versão digital
35
Dimensões imateriais da Tava Miri~ São Miguel
no discurso Mbyá-Guarani contemporâneo
José Otávio Catafesto de Souza e
Mônica Arnt, Carlos Eduardo de Moraes,
Daniele Pires, Rita Lewkowicz
1. Introdução
Tava Mirĩ é o termo através do qual os grupos Mbyá-Guarani reconhecem
a igreja de São Miguel Arcanjo no município de São Miguel das Missões, situado no noroeste do Rio Grande do Sul. O presente texto trata dos complexos
significados da Tava Mirĩ São Miguel para os Mbyá-Guarani, enfatizando sua
imagem como uma manifestação degradada da antiga morada das divindades.
Esta comunicação apresenta parte dos resultados do “Estudo dos significados
mitológicos, cosmológicos e identitários atribuídos pelos Mbyá-Guarani ao
sítio de São Miguel Arcanjo (Tava Mirĩ São Miguel)”, o qual integra políticas
culturais de proteção ao patrimônio imaterial aplicadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)1 e que decorre de demandas
desta população pelo reconhecimento formal pelo Estado Brasileiro do Sítio
de São Miguel Arcanjo enquanto Lugar de Referência Cultural Mbyá-Guarani.
A investigação, focada na relação dos Mbyá-Guarani com o Sítio Histórico-Arqueológico São Miguel Arcanjo, fundou-se na análise de narrativas de li1
Agradecemos ao Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM) pelo convite para a realização da pesquisa e ao IPHAN por oportunizar a produção do conjunto de dados e interpretações
nos quais se baseia este texto.
36
Páginas 136-152 indisponíveis na versão digital
37
Missionários de papel: imagens dos índios
Caiuá em jornais protestantes
Carlos Barros Gonçalves
Os primeiros contatos entre protestantes e povos indígenas no Brasil ocorreram, ainda no período colonial, na Baía de Guanabara (1555–1560) durante a ocupação francesa e em Pernambuco (1630-1654) durante o domínio
holandês. A missão dos huguenotes franceses contou com o apoio de João
Calvino, que enviou ao Brasil os pastores Pedro Richier e Guilherme Chartieur,
além de Jean de Léry. Este último escreveu o livro “Viagem à terra do Brasil”,
onde relatou, entre outras coisas, o modo de vida religioso dos selvagens da
costa do Brasil, sem, no entanto, reconhecer nos costumes, danças, cânticos
e ritos tupinambá descritos por ele nenhuma forma de manifestação religiosa.
As concepções cristãs de Léry o levaram a escrever que os nativos não adoravam qualquer divindade terrestre ou celeste. No entanto, afirmou que pairava
alguma luz entre as trevas da ignorância dos índios, uma vez que os mesmos
acreditavam na existência de espíritos maus e na imortalidade da alma.
Os holandeses empreenderam duas tentativas de fundação de uma colônia
no Brasil. No primeiro momento, em 1624, foram expulsos ao tentarem conquistar a Bahia. Após seis anos, em 1630, os holandeses anexaram o território
de Pernambuco onde estabeleceram uma organizada estrutura administrativa
e eclesiástica. Investiram na evangelização dos indígenas, chegando a confeccionar um catecismo trilingue (holandês – português – tupi). Tais atividades
38
Páginas 154-176 indisponíveis na versão digital
39
Significados do processo de conversão dos
Kaiowá e Guarani ao pentecostalismo
e sua inserção no cenário de inovação cultural
Levi Marques Pereira
Introdução
O presente capítulo explora algumas implicações do processo de conversão dos Kaiowá e Guarani de MS às Igrejas cristãs neopentecostais. O pentecostalismo é aqui considerado enquanto fenômeno catalisador de transformações históricas e sociais pelas quais passam essas comunidades indígenas.
A partir da segunda década do século XX ocorreu a imposição da obrigatoriedade das comunidades passarem a viver em pequenos espaços, demarcados como Reservas e depois denominadas de Terras Indígenas. Esses espaços
foram transformados em áreas destinadas ao recolhimento e acomodação de
inúmeras comunidades.
Na década de 1980 iniciou-se o processo de conversão dos Kaiowá e Guarani ao pentecostalismo1, em ritmo vertiginoso. Os significados atribuídos ao
processo de conversão pelos Kaiowá e Guarani ao pentecostalismo são aqui
analisados em termos:
1
O termo pentecostalismo é usado aqui para indicar o movimento religioso que chegou ao Brasil
em 1910 e que se caracteriza pela sua ênfase nas manifestações chamadas pentecostais, como
expressão dos dons espirituais de profecia, cura, capacidade de falar em línguas estranhas etc. Se
levarmos em conta a teoria das três ondas da sua inserção no Brasil, pode se dizer que o pentecostalismo nas aldeias indígenas é sobretudo da segunda onda (anos 1950 e 1960) e da terceira
onda (anos 1970 em diante). Nessas décadas foram fundadas, entre outras, a Igreja Deus é Amor
(1962) e Igrejas neopentecostais (desde fins de 1970), de massiva presença nas aldeias indígenas.
Para maior informação sobre pentecostalismo e neopentecostalismo, consultar Alencar (2008) e
Campos (2008). Dadas as peculiaridades do pentecostalismo indígena e dos objetivos deste artigo, não é levada em conta aqui a distinção entre pentecostalismo e neopentecostalismo, quanto
a ênfases teológicas, organização eclesiástica e ingerência da religião na vida pessoal e social.
40
Páginas 178-204 indisponíveis na versão digital
41
Entre a religiosidade Guarani
e as Igrejas cristãs
Entrevista com Édina Silva de Souza
(Kunhá Apyká Rendy’í)
Gustavo Gomes dos Santos
Édina Silva de Souza (Kunhá Apyká Rendy’í) assume a identidade indígena
Guarani. Nasceu no dia 22 de novembro de 1950. É filha de Marçal de Souza
(Tupã’í) e de Aristídia Silva de Souza. Seu pai – assassinado em 25/11/1983 –
foi um grande líder que se destacou, em meados da década de 1970, na luta
contra a violência que os povos Guarani Kaiowá sofriam diante da perda de
seus territórios tradicionais. Édina vive em Dourados, onde nasceu e estudou
na Escola da Missão Caiuá General Rondon, na Escola Presbiteriana Erasmo
Braga, na Escola Estadual Presidente Vargas e no Colégio Franciscano Imaculada Conceição. Ela e sua irmã foram as primeiras indígenas de Mato Grosso
do Sul a concluírem o curso do magistério. Hoje Édina é formada em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e aluna do programa
de mestrado em Educação na Universidade Católica Dom Bosco em Campo
Grande - MS. Nas XIII Jornadas Internacionais sobre Missões Jesuíticas, em
2010, dentro do Simpósio “Missionários e Igrejas entre os Povos Ameríndios”,
Édina apresentou o trabalho “Relação entre a religiosidade Guarani e as Igrejas cristãs”. Recuperamos parte da sua apresentação oral através desta entrevista, realizada em sua casa na aldeia Jaguapiru (município de Dourados) nos
dias 12 e 21 de novembro de 2011.
Em nossa conversa, Édina fala de sua educação dentro da Missão Caiuá
e da sua experiência religiosa com o cristianismo e com a espiritualidade
Guarani. Entende-se, no decorrer de sua fala, que a ausência de florestas e
rios na Reserva Indígena de Dourados dificulta à comunidade a viver ao seu
42
Páginas 206-216 indisponíveis na versão digital
43
Parte II
Protagonismo indígena:
Educação / Terra / Reterritorialização
44
José Barbosa de Almeida, ZEZINHO
Foto: Egon Heck
Zezinho foi um discreto, mas ardoroso, lutador Kaiowa pelos direitos
indígenas, em especial de sua comunidade Laranjeira Nhanderu, Município de Rio Brilhante, Mato Grosso do Sul, da qual era líder. Em certa
ocasião ele disse: “Nós indígenas não lutamos por qualquer terra. Lutamos por nossas terras sagradas, tradicionais. Por isso voltamos às terras donde fomos expulsos, onde estão enterrados nossos antepassados,
onde podemos desenvolver nossa cultura, economia e espiritualidade”.
E esse tripé da sua luta ele procurava, juntamente com seu pai Olímpio
de Almeida e sua mãe Emiliana Barbosa, fincar no seu acampamento,
num verdadeiro ensaio de criatividade cultural e espiritual. A realização
constante de rituais deu lhe coragem para resistir agressões, despejos e
ameaças.
Sua forma serena de exercer a liderança o tornou uma espécie de
porta voz dos acampamentos indígenas no Conselho da Aty Guasu,
Assembleia Geral Guarani. Participou em inúmeras manifestações públicas contra a violência e impunidade, em várias regiões do país. Ele
ressaltava sempre a dureza da luta e a certeza da vitória. Transmitia alegria por onde passava, de seu coração brotava confiança.
Vítima de atropelamento na BR 163, Km 316,8, por onde ele transitava de bicicleta, no dia 25 de junho, às 9:30 horas, foi socorrido com
vida, vindo a falecer no dia 01 de julho às 14 horas no hospital da Vida
de Dourados, aos 47 anos. Ele foi enterrado na terra reivindicada pela
sua comunidade.
[Texto baseado em A nação Guarani perde um grande guerreiro, de
Egon Heck].
45
Missão Evangélica
Summer Institute of Linguistics
e a experiência da formação de professores/
monitores bilíngues Kaingang
Cássio Knapp
Ainda que a garantia do ensino bilíngue nas escolas indígenas tenha sido
assegurada apenas em 1988, com a Constituição Federal, e respaldada pela
Lei de Diretrizes e Base (LDB) 9.394 de 1996, que em seu Artigo 78 determina
que o Sistema de Ensino da União desenvolva a oferta de educação escolar
bilíngue e intercultural aos povos indígenas, houve diferentes experimentos
de ensino bilíngue nas comunidades indígenas ao longo de seu contato com
as sociedades envolventes. Este texto pretende versar sobre uma dessas experiências: a ação da Missão Evangélica Summer Institute of Linguistics (SIL)
na formação de monitores bilíngues Kaingang por meio de Curso Normal
Bilíngue, realizado no Centro de Treinamento Profissional Clara Camarão
(CTPCC) no Município de Tenente Portela, RS, em 19701.
Contudo, antes se faz necessário abordar algumas questões sobre a escola
Kaingang e a educação bilíngue, a fim de nos posicionarmos sobre a formação de professores Kaingang.
No caso das escolas nas comunidades Kaingang do Rio Grande do Sul,
ainda que a introdução tenha acontecido somente após a criação do Serviço
de Proteção ao Índio (SPI) no ano de 1910, é preciso que se compreenda que,
num primeiro momento, essas escolas foram efetivamente pouco frequenta
1
É preciso levar em conta que os alunos do curso nunca foram chamados pelo Summer de professores, mas sim de monitores. Enquanto falamos da definição do SIL, os denominaremos de monitores. Ao contrário, os designaremos de professores.
46
Páginas 220-230 indisponíveis na versão digital
47
“O trabalho com os índios”
A atuação da IECLB junto aos Kaingang
no Rio Grande do Sul e outros povos indígenas
Sandro Luckmann
Contextualizando a abordagem
A atuação missionária indigenista da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) inicia na década de 1960 na Terra Indígena Guarita,
como extensão das atividades da Comunidade Evangélica de Tenente Portela,
instigada pelo empreendedorismo do P. Norberto Schwantes. Esta atuação da
IECLB, e posteriormente do Conselho de Missão entre Índios (COMIN)1,
é
a mais antiga e constante no âmbito evangélico-luterano, e completa cinco
décadas no biênio 2010/2011.
A educação escolar foi a ênfase motivadora para a atuação da IECLB/COMIN junto aos povos indígenas nestes cinquenta anos. Ela foi estabelecida
como porta de entrada da ação missionária indigenista, com a solicitação de
autorização para a instalação de uma escola para os Kaingang nas proximidades de Tenente Portela/RS em 1960 e com o início das atividades em 1961. A
partir de então, a ênfase na educação escolar pautou-se pela implantação de
unidades escolares, formação de monitores bilíngues e docentes indígenas,
reconhecimento legal das comunidades escolares, elaboração e publicação
de material didático-pedagógico específico às comunidades indígenas, apoio
à reivindicação e implantação de políticas públicas educacionais, bem como
apoio à graduação e pós-graduação de acadêmicos indígenas.
1
Criado em 1982 como órgão indigenista, assessor e vinculado a IECLB.
48
Páginas 232-242 indisponíveis na versão digital
49
Territorialidade e educação escolar indígena:
Desafios da experiência Guarani
em Santa Catarina
Clovis Antonio Brighenti e Graciela Chamorro
1. Introdução
A Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe mudanças significativas para os povos indígenas no âmbito do direito. Nas palavras de Grupioni
(2006, 56), com a “constituição de 1988 assegurou-se aos índios no Brasil o
direito de permanecerem índios”. Em relação ao tema aqui proposto, destaca-se o direito às línguas e terras tradicionais. Os povos indígenas podem ser
doravante alfabetizados em suas próprias línguas e podem reivindicar suas
terras apoiados na Carta Magna. Com isso – e eliminado o princípio da tutela, integração e assimilação presente nas leis anteriores – a constituição e
a escola contribuem para a afirmação da identidade indígena. Contudo, ao
assegurar o direito à terra tradicional e reconhecer as organizações sociais, os
costumes, línguas, crenças e tradições indígenas, esse novo ordenamento jurídico ainda precisa romper com as velhas práticas. A escola e a prática escolar
fazem parte dessa problemática.
Nesse sentido, é objetivo deste artigo discutir as propostas apresentadas
50
Páginas 244-260 indisponíveis na versão digital
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Conflitos, violências e territorialidade
A resistência Guarani em Paranhos/MS
Célia Maria Foster Silvestre
e Lauriene Seraguza Olegário e Souza
O narrador é a figura na qual o justo se encontra consigo mesmo.
(Benjamin, 1994)
O ano de 2009 em Mato Grosso do Sul (MS) permanecerá na memória
sobretudo pelos contínuos conflitos territoriais vivenciados por aqui. Não só
este ano, mas toda a história das sociedades indígenas neste Estado é marcada por espoliações de terras, violências e desigualdades. É possível verificar
a existência desses conflitos desde a chegada das frentes colonizadoras e a
instalação das reservas indígenas na região de MS durante o século XX.
Entre os coletivos falantes da língua Guarani deste Estado, especificamente
entre os Guarani e Kaiowa1, é conhecida a resistência frente à proposta de
territorialização do Estado. Há uma vasta produção acadêmica que aborda
esta temática, por exemplo, de Aline Castilho Crespe Lutti que ressalta:
Este processo de transferência forçada para as reservas é denominado de territorialização: os indígenas são coagidos a deixarem seus territórios e arbitrariamente são
forçados a ocuparem outro espaço que não atende as necessidades físicas e sociais
1
Na literatura antropológica também designados como Guarani Ñandeva e Guarani Kaiowa, respectivamente. Neste texto acatamos a autodenominação dos coletivos abordados.
52
Páginas 262-270 indisponíveis na versão digital
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O sistema-mundo moderno-colonial
e os discursos para a não demarcação
de terras-territórios Guarani e Kaiowa
Juliana Grasiéli Bueno Mota
Apontamentos iniciais: a constituição do sistema-mundo moderno-colonial
O sistema-mundo é uma elaboração teórica de Immanuel Wallerstein e
Aníbal Quijano1, mas, neste artigo, discutiremos esse conceito a partir das
construções teóricas de Carlos Walter Porto-Gonçalves (2006) que compreende o sistema-mundo como parte integrante da moderna-colonialidade. Ainda
faremos uma abordagem a partir de uma perspectiva contra-hegemônica, na
perspectiva de que a mesma busca trazer para o debate as contradições da
constituição do sistema-mundo moderno-colonial. Esta relação deve ser entendida partindo da premissa de que este é o mundo em que vivemos, movido
e envolvido pelos ideários eurocêntricos a partir da descoberta de “novos
mundos”.
Portanto, partimos do pressuposto de que o sistema-mundo moderno-colonial é um momento inaugural das histórias-trajetórias das gentes do mundo
1
Também de autores como Walter D. Mignolo, Edgardo Lander, Santiago-Gómez, Fernando Coronil, entre outros (Porto-Gonçalves 2006).
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Páginas 272-290 indisponíveis na versão digital
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Mapas da Fronteira
Aloir Pacini
Este trabalho foi intitulado Mapas da Fronteira1 como uma forma de chamar a atenção para aspectos interessantes de uma visão das fronteiras da Missão de Mojos e de Chiquitos com o Brasil de forma sintética, por vezes caricatural. Trata-se de uma apresentação e análise de mapas recolhidos durante
minha pesquisa enquanto doutorando que estuda o território e a identidade
étnica chiquitana na fronteira Brasil – Bolívia. Este aspecto vai influenciar no
modo de ver e agir dos Chiquitanos brasileiros em relação à fronteira, pois
são diferentes seus modos de estarem na Chiquitania quando esta pertence ao
Brasil ou à Bolívia.
Por isso, os fragmentos de mapas que trago são instrumentos de análise
privilegiados da colonização e da formação dos Estados nacionais, ou seja,
servem para ler e interpretar dados selecionados que representam os interesses de quem os quis ou elaborou. Esta análise demonstra o caráter dinâmico
dos limites simbolicamente produzidos e mantidos entre dois países, que
deixaram suas marcas na identidade indígena advinda da antiga Missão de
Mojos (1689-1767)2 e de Chiquitos (1691-1767). Porém, o acesso que temos
a estes dados através da etnografia e mesmo os mapas visíveis precisam ser
1
A metáfora do “mapa da mina” e a busca do “El Dorado”, “La Loma Santa” (Riester 1976) ou da
“terra sem males” ou do “Paytiti” (Krekeler 1984, 58-69) está por trás da expressão “mapa da fronteira”, pois alguns mapas podem conter dados equivocados, ou mesmo o próprio mapa pode ser
falso, ou seja, feito para enganar o explorador e levá-lo a lugares muito distantes da mina.
2
Em 1671, os jesuítas conseguem da Real Audiencia de Charcas o direito de fundar misiones em
Mojos e em Chiquitos.
56
Páginas 292-316 indisponíveis na versão digital
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Violinistas Kaiowá/Guarani:
dados etnográficos e históricos
sobre os violinos de procedência missioneira
no atual Mato Grosso do Sul
Protasio Paulo Langer
Entre os guaraniólogos é de conhecimento geral a relação que a etnia Mbyá
Guarani (etnia guarani-falante distribuída ao longo de oito Estados do litoral
brasileiro, da Argentina e do Paraguai) estabelece com dois instrumentos musicais que remontam ao período jesuítico/guarani: o rave (ravé), corruptela
hispânica de rabel (rabeca, violino), e o mbaraka (mbaraká), neste caso, um
violão de cinco cordas. A música dessa etnia tornou-se um produto cultural
bastante difundido, inclusive pela grande mídia em programações relativas ao
“Dia do Índio”. Talvez pelo caráter inusitado e original de “mestiçagem musical”, pelo processo de apropriação, recriação e inserção desses instrumentos
ao universo cosmológico e ritualístico, o rave (violino) e o mbaraka (violão)
são imediatamente associados à etnia Mbyá.
No presente trabalho pretendemos arrolar dados históricos e etnográficos que indicam que, além dos Mbyá, os guarani-falantes do sul de Mato
Grosso do Sul conhecem, praticaram e ainda praticam instrumentos musicais
de corda executados com arco. Estamos num momento histórico em que os
Guarani/Kaiowá estão protagonizando a reconquista dos seus territórios e se
apropriando de instituições de ensino, visando direcioná-las à defesa dos seus
projetos utópicos (Suess 1997). Ano após ano surgem novas pesquisas acadêmicas, muitas delas desenvolvidas por estudantes indígenas, que exploram as
múltiplas dimensões socioculturais da etnicidade Guarani/Kaiowá. Um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), desenvolvido no Curso de Licenciatura
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Páginas 318-338 indisponíveis na versão digital
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Ta’angá Tava Miri:
Miri~
São Miguel (RS, Brasil) enquanto Espectro da
Morada dos Deuses aos Mbyá-Guarani
José Otávio Catafesto de Souza e José Cirilo Pires Morinico
1. Introdução
Os remanescentes materiais das Missões Jesuíticas e os Guarani da Região
Platina Colonial possuem grande repercussão cultural junto aos habitantes
atuais das regiões em que estão distribuídos. No noroeste do Rio Grande do
Sul, onde foram fundados os Sete Povos das Missões (forma local para referir
tais remanescentes), isso serve de suporte material à constituição de muitos
aspectos da identidade regional dos “missioneiros” (como esses habitantes
se autodefinem). Embora haja um orgulho atávico pela origem indígena que
muitos reivindicam – em prosa, verso, música, e também no discurso de agentes políticos –, a “marca” mais lembrada entre eles é a dos jesuítas, que são
tratados como “heróis civilizadores” do que veio a se tornar o gaúcho do sul
do Brasil.
No entanto, a realidade indígena contemporânea é desconhecida pelos
“gaúchos missioneiros”, porque é vista apenas como uma dimensão do passado, opinião compartilhada e fundamentada pela historiografia regional
lusobrasileira que descreve os Guarani e demais indígenas como extintos
ou completamente aculturados depois da expulsão dos jesuítas coloniais.
Sua importância é reconhecida apenas enquanto parte da matriz mestiça na
origem da população regional. Por isso, quase sempre ocorre estranhamento
por parte dos atuais missioneiros quando se deparam com índios Kaingang e
60
Páginas 340-358 indisponíveis na versão digital
61
Dados biográficos dos autores e autoras
Aloir Pacini: Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Minas
Gerais (1990), graduação em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia
e Teologia (1996) e mestrado em Antropologia Social pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (1999). Atualmente é professor no Departamento
de Antropologia da UFMT (Cuiabá) e doutorando no PPGAS da UFRGS.
Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase na etnologia indígena – Chiquitano e Rikbaktsa. E-mail: [email protected]
Ana Maria Melo e Souza: Mestra em História na linha de História Indígena pela
Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. Possui graduação em
Jornalismo pela Universidade de Mogi das Cruzes (1990) e graduação em
Psicologia pela mesma Universidade (2002). Docente com experiência na
área de Comunicação Social e Psicologia, com ênfase em Psicologia da
Comunicação, Psicologia Social e Comunitária e Psicologia Clínica. Desenvolve pesquisas nos seguintes temas: identidade, cultura, comunicação
e saúde indígena. E-mail: [email protected]
Carlos Barros Gonçalves: Doutorando em história pela Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Servidor do Centro de Documentação Regional da Faculdade de Ciências Humanas da UFGD. Desenvolve pesquisas sobre o
protestantismo brasileiro, especialmente as iniciativas ecumênicas. É autor
do livro Até aos confins da Terra: o movimento ecumênico protestante no
Brasil e a evangelização dos povos indígenas, 2011. Parte das reflexões do
artigo aqui apresentado foi extraída do referido livro.
E-mail: [email protected]
Cássio Knapp: Possui graduação em História pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (2007) e mestrado em História pela
UFGD (2011). Atualmente é professor temporário da UFGD no curso de
Licenciatura Indígena Teko Arandu. E-mail: [email protected]
Célia Maria Foster Silvestre: Graduada em Ciências Sociais (1997), mestra
(2002) e doutora (2011) em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (UNESP / FCL) de Araraquara. Trabalhou com a
formação de professores Guarani e Kaiowá de 2007 a 2010. Nesse perí-
62
odo, cursou o doutorado, desenvolvendo pesquisa sobre o envolvimento
dos jovens professores Guarani e Kaiowá nos projetos de vida e futuro de
seu povo. Atualmente é docente da Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul. E-mail: [email protected]
Clovis Antonio Brighenti: Possui graduação em História pela UNOESC –
Campus Chapecó e mestrado em Integração da América Latina pela USP
(2001). Pós-graduado em ecumenismo e Diálogo Inter-religioso (2009).
Como membro do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) acompanha,
assessora e pesquisa as comunidades indígenas Guarani no litoral de Santa Catarina e as comunidades indígenas Xokleng no Alto Vale do Itajaí e
Planalto Norte/SC. Doutorando em História Cultural e bolsista Capes pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É autor do livro: Estrangeiros na Própria Terra: Presença Guarani e Estados Nacional.
E-mail: [email protected]
Graciela Chamorro: Tem doutorado em Teologia pela Escola Superior de Teologia de São Leopoldo, 1996; pós-doutorado em Romanística pela Universidade de Münster (Alemanha), 2002, e doutorado em Antropologia pela
Universidade de Marburgo (Alemanha), 2008. Pesquisa nos povos Kaiowá
e Guarani do Brasil desde 1983. Atua no campo da Linguística Histórica,
das Religiões Indígenas e Missões Religiosas. Professora de História Indígena na UFGD desde 2006, onde também é docente na Licenciatura
Intercultural Indígenas Teko Arandu. Entre suas obras: Terra Madura, Yvy
Araguyje: fundamento da palavra guarani, pela Editora da UFGD, 2008.
E-mail: [email protected]
Gustavo Gomes dos Santos: Licenciado e bacharel em História e mestrando
em História pela UFGD, com o projeto de pesquisa: Conversão Religiosa e
Rearranjos Culturais: uma aproximação do fenômeno nas aldeias indígenas
do sul de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]
Isabelle Combès: Francesa radicada en Bolivia. Doctora en antropología, investigadora asociada con el Instituto Francés de Estudios Andinos UMIFRE nº
17 CNRS/MAE. Professora colaboradora del programa de pós-graduação
em história da Universidade Federal da Grande Dourados. Co-coordinadora de la colección editorial Scripta Autochtona. Historia indígena de las
tierras bajas (Cochabamba, Bolivia). Especializada en etnohistoria del Chaco y tierras bajas de Bolivia. Publicaciones: Etno-historias del Isoso. Chané
y chiriguanos en el Chaco boliviano (siglos XVI a XX). La Paz: IFEA / PIEB,
2005; Zamucos. Cochabamba: Instituto de Misionología, 2009; Diccionario étnico. Santa Cruz la Vieja y su entorno en el siglo XVI. Cochabamba:
Itinerarios / Instituto de Misionología, 2010. E-mail: [email protected]
63
José Otávio Catafesto de Souza: Antropólogo e arqueólogo formado pela
UFRGS, onde atua com professor. Sua dissertação de mestrado (1987) trata
da técnica e da economia Guarani desde uma perspectiva etnoarqueológica, e sua tese de doutorado (1999) aborda a questão da invisibilidade e
do velamento a que os coletivos indígenas (inclusive os Mbyá) estão submetidos desde a construção do projeto nacional no sul do Brasil. Tem forte
atuação enquanto perito em processos ligados às políticas de Estado frente
às demandas indígenas por terra (Justiça, MPF, FUNAI), sustento (EMATER),
saúde (FUNASA), educação (UFRGS, IFES) e patrimônio cultural (IPHAN).
E-mail: [email protected]
José Cirilo Pires Morinico: Mburuvixá Tenondé Mbyá no RS. É uma das principais lideranças dos Mbyá-Guarani no sul do Brasil. Nasceu na aldeia do
Salto Tavai em Porto Leone (Misiones, Argentina) e desde criança assumiu
o propósito de lutar contra o preconceito e a marginalização a que estão
submetidos os indígenas na Argentina. Aos quatorze anos já exercia o papel de cacique (mboruvixá) na aldeia Tekoa Sapucaí. Tornou-se liderança
espiritual e política reconhecida entre os Mbyá, além de ser estudioso das
tradições originárias dos Guarani a ponto de se reconhecer como um verdadeiro antropólogo nativo, embora tenha abandonado a educação formal
desde cedo por sofrer o preconceito escolar.
Mônica de Andrade Arnt (mestranda em Antropologia); Carlos Eduardo de
Moraes (mestre em Antropologia); Daniele de Menezes Pires (mestra em
Antropologia); Rita Lewkowicz (graduada em Ciências Sociais). Alun@s
bolsistas de graduação e mestrado em Ciências Sociais e Antropologia,
ligad@s ao Laboratório de Arqueologia e Etnologia da UFRGS. E-mails:
[email protected]; [email protected]; danipires@terra.
com.br; [email protected]
Juliana Grasiéli Bueno Mota: Possui graduação em Geografia pela Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul (2008) e é mestra em geografia pela UFGD
(2011). Atualmente é professora da Escola Municipal Indígena Agustinho
na Reserva Indígena de Dourados. E-mail: [email protected]
Lauriene Seraguza Olegário e Souza: Possui graduação em Letras pela UFGD
(2007) e é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Antropologia /
PPGANT (2011-2013) pela mesma Universidade. Atualmente é bolsista de
pesquisa da CAPES / UFGD. E-mail: [email protected]
Levi Marques Pereira: Professor de antropologia na UFGD, com mestrado pela
UNICAMP e doutorado em Antropologia pela USP. Além de autor de diversos artigos e capítulos de livros, é autor do livro Os Terena de Buriti: formas
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UFGD Pós-Graduação em História
História Indígena; Movimentos Sociais e Instituições
Fronteiras, Identidades e Representações
História indígena
Esta linha tem por objetivo o desenvolvimento de estudos sobre a trajetória histórica e sociocultural dos povos nativos da América, desde o
período pré-colonial até os dias de hoje. Tais estudos requerem o uso de técnicas, métodos e teorias de várias áreas do conhecimento, sobretudo
da Antropologia e da Arqueologia, além da História, para fins de produção, levantamento, análise e interpretação de dados de natureza variada
(arqueológica, etnográfica, imagética, linguística,
oral, textual etc.). Ela possui, portanto, um viés interdisciplinar e está aberta a estudos que tenham
na história dos povos indígenas o principal tema de investigação. Por isso ela prima
pelo diálogo aberto entre a História e outras disciplinas, superando eventuais fronteiras acadêmicas. A linha busca contribuir para a construção de uma história indígena para além-fronteiras (geográficas e disciplinares), plural e de padrão internacional, parte de uma história total, contínua, crítica e dentro de uma perspectiva de
longa duração, em seus múltiplos aspectos e perspectivas espaço-temporais – embora sua ênfase maior se situe nas realidades regionais sul-mato-grossenses e platinas.
A linha contém quatro grandes eixos temáticos, os quais podem ainda desdobrar-se em
outros tantos. São eles: 1) As questões ecológicas e socioculturais pertinentes às relações
entre povos indígenas e seus respectivos territórios; 2) Os processos de conquista e colonização que causaram desterritorializações, reterritorializações, mudanças socioculturais
abruptas e assimilações de muitos povos indígenas por parte das sociedades envolventes
e seus antecessores europeus; 3) A situação indígena contemporânea e sua relação com
as sociedades não-indígenas e com o próprio estado; 4) A problemática da forma como
as sociedades indígenas são representadas nos relatos de viajantes, iconografia, historiografia e imprensa do país e suas repercussões na formação do pensamento histórico.
Vale assinalar que o campo da História Indígena não se distingue apenas pelo fato
de tomar como objeto os povos indígenas. A nosso ver, ele é também um legítimo produto da melhor tradição da área da História, caracterizada pela capacidade de produzir,
constantemente, novos referenciais críticos – os quais conduzem, por sua vez, a mu-
65
danças e atualizações em seus procedimentos e conceitos. Assim, a presença da História
Indígena, enquanto uma linha de pesquisa em nosso Programa, evidencia a aceitação
do desafio de explorar um conjunto temático sempre visto como atinente ao campo
das Ciências Sociais – desafio que se desdobra na busca da construção dos conceitos
teóricos e metodológicos mais adequados ao tratamento dos problemas colocados pelas
pesquisas.
Livros Produzidos com a Participação de Docentes e Discentes
do Programa de Pós-Graduação em História da UFGD
Fronteiras e Identidades
Encontros e Desencontros entre Povos Indígenas
e Missões Religiosas
Graciela Chamorro, Thiago Leandro Vieira Cavalcante,
Carlos Barros Gonçalves (org.)
O livro reúne alguns trabalhos apresentados nas XIII Jornadas
Internacionais sobre as Missões Jesuíticas. Neles reflete-se sobre
o papel ambivalente e contraditório desempenhado pela missão,
que, umas vezes, contribuiu para a desintegração cultural e a
submissão dos povos missionados ao domínio colonial e, em
outros casos, evitou a destruição física e o desaparecimento desses povos.
A obra reúne, na Primeira Parte, reflexões sobre fronteira, identidade e poder entre
os agentes da colônia e os povos indígenas, a cargo de Guillermo Wilde, Elisa Frühauf
Garcia e Jaime Valenzuela Márquez. Na Segunda, Adone Agnolin e Fernando Torres
Londoño mostram as convergências e divergências na ação missionária dos jesuítas,
mundo afora. Na Terceira Parte, os capítulos escritos por Isabelle Combès, Erneldo
Schallenberger e Thiago Leandro Vieira Cavalcante tematizam conflitos e mitos que
fizeram parte da ação e do imaginário dos conquistadores. Na Quarta Parte, Paulo de
Assunção, Carlos Page e María Laura Salinas apresentam estudos sobre o patrimônio, a
propriedade e as atividades econômico-administrativas nas missões. Na Quinta, Mario
Polia e Paulo Suess tratam das missões religiosas e das cosmovisões autóctones e, na
Sexta Parte, Bartomeu Melià, Maria Cândida Barros e Sieglinde Falkinger analisam parte
do corpus resultante do registro escrito do guarani (e espanhol) jesuítico, da língua geral
amazônica e da língua chiquitana e de sua possibilidade de uso na pesquisa histórica.
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Até os confins da Terra
O movimento ecumênico protestante no Brasil
e a evangelização dos povos indígenas
Carlos Barros Gonçalves
Os Editores:
Até os Confins da Terra: o movimento ecumênico protestante no Brasil
e a evangelização dos povos indígenas é o título do livro publicado pela
Editora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
de autoria de Carlos Barros Gonçalves, egresso da Graduação e Pós-Graduação (FCH/
UFGD), servidor do Centro de Documentação Regional/UFGD e doutorando em
História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). A obra foi fruto de cerca de três
anos de pesquisas em acervos históricos das principais igrejas protestantes de origem
missionária no Brasil. Em seu conjunto, o livro se ocupa com a história das iniciativas
ecumênicas de instituições, de líderes e fiéis protestantes nas primeiras décadas republicanas, para superarem diferenças teológicas e doutrinárias e se orientarem pela visão
de “ecumene”, isto é, da unidade subjacente às diversidades e da consciência de habitar
um único e mesmo mundo. Nesse contexto, o autor inseriu o surgimento dos ideais
para evangelização dos povos indígenas no Brasil e especialmente a criação da Missão
Evangélica Caiuá, instalada em Dourados, antigo Sul de Mato Grosso, em 1929.
Tomé
O Apóstolo da América
em uma
Índios e Jesuitas
História de Apropriações e Ressignificações
Thiago Leandro Vieira Cavalcante
Os Editores:
Desde o início da conquista e colonização da América foi
difundida a idéia de que o apóstolo Tomé teria vindo para o
continente com o objetivo de pregar o evangelho aos indígenas. Ao que tudo indica
o mito surgiu da junção entre um mito cristão e um mito indígena. Ao longo dos
séculos XVI e XVII, com a chegada dos jesuítas, esse mito sofreu novas apropriações
e ressignificações. Este trabalho analisa tais apropriações e ressiginificações, que foram
cunhadas com a intenção de responder aos problemas específicos de cada momento
histórico, e também se envereda para a discussão a respeito da racionalidade nativa.
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Decir el Cuerpo
Historia y etnografía del cuerpo en los pueblos Guaraní
Graciela Chamorro
Os Editores:
A obra Decir el Cuerpo (Dizer o Corpo), da antropóloga e etnolinguista Graciela Chamorro, é o primeiro volume do Dicionário
etnográfico histórico da língua Guarani que, por meio da língua
guarani tal como foi registrada nas fontes jesuíticas do séc. XVII, busca aceder à cultura
e à visão de mundo refletidas por essa língua.
Como os grupos guaranis viviam e compreendiam seus corpos naquela época, em
especial no âmbito erótico, sexual, reprodutivo e no desenvolvimento pessoal? Como os
missionários e civilizadores interferiram nesse âmbito do modo de ser indígena? Quais
apropriações e ressignificações foram feitas por parte dos guaranis e por parte dos jesuít
as? Em busca de respostas, a autora reconstrói a ideia guarani do corpo iluminada por
aspectos da antropologia, história e teologia, por meio de uma releitura minuciosa dos
léxicos publicados pelo jesuíta Antonio Ruiz de Montoya no séc. XVII e a partir do seu
próprio trabalho etnográfico atual com povos indígenas do Brasil, Paraguai e Argentina.
Conversão dos Cativos
Povos Indígenas e Missão Jesuítica
Paulo Suess, Bartomeu Melià, José Oscar Beozzo,
Benedito Prezia Graciela Chamorro, Protásio Langer
Os Editores:
Conversão dos Cativos joga luz sobre os fatos históricos relacionados
com as atividades missionárias jesuíticas entre os povos indígenas
das terras baixas sul-americanas e com a reação dos ameríndios frente ao avanço de
tradições culturais alheias.
Os livros podem ser adquiridos na versão impressa
na Editora da UFGD ou na Nhanduti Editora.
Os livros “Até os confins da Terra” e “Tomé. O apóstolo da América” estão disponíveis também no formato digital na página da Editora da UFGD (www.ufgd.edu.br/
editora/catalogo), que contém todas as obras publicadas pela Universidade.

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