fevereiro 2004 - Beija-Flor

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fevereiro 2004 - Beija-Flor
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Revista Beija-Flor
www.beija-flor.com.br
Beija-Flor de Nilópolis é uma escola campeã.
Basta fazer uma retrospectiva e veremos a enorme contribuição que a agremiação de Nilópolis deu
e tem dado ao desfile de Carnaval, ao samba e à sua comunidade.
E nesse ano de 2004, em que a escola completa 50 anos de desfiles e de histórias, é importante lembrar o
papel da Beija-Flor de Nilópolis na história do Carnaval, seja na renovação de conceitos, na inovação na
forma de apresentar o desfile, seja na ousadia de enfrentar forças políticas e religiosas assegurando a arte
e a criatividade do espetáculo.
Foi também a azul-e-branco de Nilópolis que inaugurou a época do Carnaval de equipe instituindo a
Comissão de Carnaval.
Mas a Beija-Flor fez mais. Muito mais.
Em 50 anos de desfiles retratamos as belezas da nossa terra Brasil. Suas histórias, lendas e a esperança do
seu povo, mostrando ao mundo o verdadeiro Brasil.
Para nós, que editamos a revista Beija-Flor de Nilópolis - uma escola de vida, é uma grande honra poder
colaborar com a história da agremiação, resgatando sua memória, valorizando os ícones por muitos
esquecidos, e, principalmente, reforçando para o público o papel de vanguarda da escola, que foi capaz de
inovar, também, no mercado editorial do samba.
A partir da revista Beija-flor de Nilópolis - uma escola de vida, fomos capazes de mostrar ao leitor, com arte,
cor, conteúdo e qualidade, que uma escola só é forte quando tem história, que pode ser contada e recontada.
Fomos a primeira revista a tratar o samba e o Carnaval com a abrangência que lhes é devida. Sentimo-nos
na obrigação de divulgar e valorizar histórias, opiniões e acontecimentos.
Instituímos a era da informação nas revistas de samba, convidando ícones do samba como Sérgio Cabral,
Haroldo Costa e Hiram Araújo, que nos brindaram com suas reflexões sobre temas importantes do samba,
do Carnaval e da vida.
Nesta edição, fomos além.
Decidimos mostrar ao leitor a contribuição que as escolas de samba dão na construção de uma identidade
nacional ao cidadão brasileiro, através da valorização da sua terra e das suas riquezas.
Para isso, contamos com as reflexões de dois grandes nomes da literatura nacional: dr. Hiram Araújo e o
sociólogo Edson Farias, da Universidade Federal da Bahia.
Hoje, mais do que nunca, sabemos que somente aqueles brasileiros que aprenderam a amar realmente o
nosso país poderão construir e assegurar a dignidade dessa nação e do seu povo.
E os desfiles das escolas de samba, fazem isso. Tocam o nosso coração e o nosso orgulho de sermos
brasileiros.
E porque queremos incentivar as iniciativas que fazem do Brasil um país melhor, mergulhamos um pouco
mais no universo das atividades sociais da Beija-Flor de Nilópolis, escola de sambistas e de brasileiros. Lá,
diária e anonimamente, um exército de corajosos brasileiros planta as sementes da esperança, do saber e
da felicidade naquelas crianças, que serão o futuro dessa nação chamada Brasil.
Por fim, queremos agradecer mais uma vez ao Anizio pela confiança que depositou em nossa equipe para
que pudéssemos fazer esse trabalho que a todos nos orgulha.
Muito obrigado, Anizio, muito obrigado família Beija-Flor.
Hilton Abi Rihan e Ricardo Fonseca
Editores
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004: meio século de desfiles da Beija-Flor.
Impossível não lembrar de tudo que fizemos e que virou história.
Foram anos em que a Beija-Flor viveu momentos de alegria, de euforia pelas vitórias, de apreensão
pelos resultados, mas também de tristeza, de sensação de injustiça e de muitas lágrimas derramadas.
Mas vivemos esses momentos com a mesma determinação e coragem, convictos da nossa missão.
Cientes de que no Carnaval, vitória e derrota se espreitam e se alternam.E isso nunca nos assustou...
Nem nos intimidou. Ao contrário, essa linha que as separa sempre nos fez caminhar para frente e com
muita ousadia... Inovando, modificando conceitos, questionando padrões e levando para o público
novas visões do mundo que nos cerca.
E fizemos isso sempre com muito respeito e amor.
Afinal, o povo sempre espera o melhor de nós.
E é isso que procuramos fazer. Desfiles inesquecíveis, que se tornam parte da vida daqueles que vão
à Sapucaí para ver a Beija-Flor cantar uma mensagem de resistência e luta, e de descoberta de um
Brasil mágico, desconhecido de muitos.
Um Brasil colorido, alegre, sensível, artístico... Um Brasil de bromélias, de Bidus Sayão, esmeraldas,
gaúchos e o Brasil com fome, o Brasil sem fome...
E, por isso, o grande desafio da Beija-Flor é revelar o Brasil aos seus filhos sem perder a poesia, o ritmo
e o espírito que animam o Carnaval.
Foi assim com a imortal Bidu Sayão, a desbravadora Margaret Mee, a mística Agotime e Araxá, de onde
se avista o sol primeiro.
E por isso sambamos... E cantamos...
...Com um exército de anjos a 4.000 vozes, que soltam a sua alma para contar histórias e levar esperança
e alegria à Sapucaí, em uníssono com as 100.000 vozes que aguardam nas arquibancadas e camarotes
o canto da Beija-Flor, que será ouvido por milhões de pessoas no mundo inteiro.
E assim caminha a Beija-Flor, lutando pelo que acredita e tentando mudar o mundo para melhor.
Essa escola chamada Beija-Flor, formada por Marias, Josés, Severinos, Marlenes, Claudios, Nelsons,
Selmas, e outros anjos, que se dedicam e fazem o mais deslumbrante espetáculo da Terra.
Se a Beija-Flor de Nilópolis foi a campeã em 2003, parabéns a todos que tornaram isso possível.
Mas 2004 está aí, à nossa frente, exigindo novas conquistas.
E a garra, a disciplina, a coragem e a determinação da Beija-Flor vão nos guiar nesse desfile para a
conquista de mais um título.
Um desfile que mais uma vez nos chama à brasilidade, ao amor ao nosso país.
E é essa a mensagem que queremos deixar à família Beija-Flor e ao povo brasileiro: que compreendam
o país em que vivem e o amem como se fosse parte de vocês, porque se vocês forem capazes de
fazer isso, entenderão que o Brasil é, realmente, parte de vocês.
E vocês, parte dele.
Anizio Abrão David
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E XPEDIENTE
CAPA
Beija-Flor de Nilópolis:
Meio século
contando segredos
e histórias de um
Brasil vitorioso.
Editores
Hilton Abi-Rihan
Ricardo Fonseca
expediente
Projeto Editorial
Hilton Abi-Rihan
Ricardo Fonseca
Produção e Marketing
Designum Comunicação
Criação: Designum Comunicação
Fotos: HMatos, DTavares e RBarreto
Jornalista responsável
Ricardo Fonseca, MTb RJ23267JR
Redação
Miro Lopes
Ricardo Albuquerque
Maurício Louro
Karla Legey
Colaboradores
Hiram Araújo
Vicente Dattoli
Edson Farias
R evisão de TTexto
exto
Mariflor Rocha
Heloisa Borghi
Fotografia
Henrique Mattos
Danilo Tavares
Robson Barreto
Valter Henrique
Acervo PMN
Acervo Beija-Flor
S UMÁRIO
Carnaval 2004 - Manôa, Manaus - Amazônia
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O Desfile
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Beija-Flor de Nilopólis. Onde começa o amor ao Brasil
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Entrevista com Boni
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Beija-Flor de Nilópolis: 50 anos de conquistas
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D E S I G N U M
comunicação
www.designum.com.br
e-mail: [email protected]
Rua Senador Dantas, 117 gr. 2028
Rio de Janeiro
Telefones:
(21) 2240-3338 / 9776-2554
A revista Beija-Flor - uma escola de vida, ISSN 1678-3611, é uma publicação do Grêmio Recreativo
Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis e da Designum Comunicação Ltda. As opiniões emitidas
nas entrevistas concedidas e os artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não
refletindo, necessariamente, a posição dos editores. É permitida a reprodução parcial ou total das
matérias, desde que citada a fonte.
Fevereiro de 2004 - Tiragem: 60 mil exemplares
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Farid
ilópolis. Década de 20.
Aqui se inicia uma história de amor.
Recém chegados do Líbano, o mascate Abrão e sua jovem companheira Júlia, adotam a cidade para ser o lugar onde
irão vivenciar o amor ao semelhante, transformando a vidas das pessoas a sua volta.
Nilópolis. Século 21. Da chegada do casal de imigrantes libaneses para cá, muito tempo se passou, mas as lições que
Dona Júlia deixou ficaram impressas na lembrança de seus filhos, que agora, honram a memória da família dando
continuidade a essa história de amor.
Um amor que se faz presente a cada momento: no gabinete de trabalho, na construção de uma sala de aula, no convívio
cotidiano com as pessoas, nas festas de Natal, e Cosme e Damião, nos projetos e benfeitorias de interesse público... na
quadra da escola... e na passarela, quando a Beija-Flor de Nilópolis desfila com garbo, diante do seu povo.
É essa história de amor que prossegue no olhar e no sorriso de uma criança da Creche e do Educandário, que agora já
tem onde estudar... Da empolgação dos jovens que graças às atividades do CAC encontraram o rumo de suas vidas...
Por tudo que vivi nesses anos, tenho muito a agradecer a Deus e, por isso, peço a Ele que continue iluminando nossos
caminhos, para que essa história de amor, que começou com D. Júlia e Seu Abrão, nunca acabe.
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Ricardo Albuquerque
ais do que um grito de alerta em defesa
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açados pela devastação, poluição e ambição do homem.
do meio ambiente, a Beija-Flor mos-
Os espíritos guardiães da floresta também serão exalta-
trará ao público, em 2004, o maior tesouro ecoló-
dos no desfile, que contará as lendas que povoam e prote-
gico do planeta. A Amazônia será apresentada
gem a Amazônia, uma das regiões mais ricas do planeta,
como o verdadeiro Eldorado do século XXI, a ter-
que inclui terras do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana,
ra sagrada que guarda os segredos da cura e da
Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.
paz. A Comissão de Carnaval escolheu e elaborou
Somente a Amazônia brasileira compreende 3.581 km2,
o enredo "Manôa - Manaus - Amazônia Terra San-
o que equivale a 42,07% do território do país. A Amazônia
ta, que Alimenta o Corpo, Equilibra a Alma e Trans-
abriga o maior rio do mundo, 33% das florestas tropicais e
mite a Paz", com dois objetivos: despertar a cons-
cerca de 30% das espécies conhecidas de plantas e ani-
ciência sobre a importância de se preservar a re-
mais.
gião considerada o pulmão do mundo; e conquis-
A idéia de levar a Amazônia para a Marquês de Sapucaí
tar o bicampeonato para a escola de Nilópolis, com
surgiu há três anos, quando Luiz Fernando Ribeiro do Carmo,
uma mensagem de que dias melhores virão, a partir
o Laíla, coordenador da Comissão de Carnaval da Beija-
do momento em que o verde da floresta e as águas
Flor de Nilópolis, esteve na região. "Quando estive em Parintins
dos rios sejam respeitados.
e assisti à festa local, achei a história muito interessante e
Ao contrário do que imaginavam os explora-
sabia que ia dar um grande carnaval. Viajei para Manaus
dores espanhóis, no século XVI, o Eldorado sem-
diversas vezes, e fiz contatos com empresários para viabilizar
pre existiu. Mas não era de ouro, prata ou esmeral-
o desfile", afirma Laíla. Cid Carvalho, também da Comissão
das, e sim um paraíso ecológico que guarda os
de Carnaval, complementa o raciocínio: "A Amazônia precisa
segredos da cura para os males do corpo e do
ser enxergada com os olhos da alma. Por trás de uma folha
espírito.
está um grande depósito de vida e cura para os males do
Os oito setores da escola vão contar a história
mundo. Falta consciência aos brasileiros também. Muita gente
da fauna, da flora e da abundância do maior reser-
vai a Nova York, mas nem conhece a energia que se mani-
vatório de água potável do mundo, tesouros ame-
festa naquele lugar. A Amazônia tem que ser mostrada como
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felicidade
o lugar especial, não apenas como um simples depósito de
sãos. Que o quadro do futuro não seja pintado com os tons
folhinhas".
de cinza das queimadas, o negro das fumaças das fábricas
O vôo da Beija-Flor para conquistar o primeiro
ou os tons de marrom das águas poluídas, mas que seja
bicampeonato do século começará no segundo dia de des-
sim, tingido com as variadas cores e infinitos matizes que
file do Grupo Especial, quando os 4.000 componentes entra-
nos legaram todos os deuses: o verde das matas, o azul do
rem na Marquês de Sapucaí - a escola será a quinta
céu e das águas, a explosão de cores dos pássaros e das
agremiação a se apresentar. Os diretores e os integrantes da
flores, o branco da paz. Que ecoem para todo o sempre as
Comissão de Carnaval garantem que a força da comunidade
vozes dos povos e dos espíritos da floresta na imensidão
estará presente em todas as alas, cantando o samba-enredo
verde. Evocando sob a luz da lua cheia os espíritos dos
e exibindo muita garra e determinação, para contagiar a Pas-
ancestrais pajés feiticeiros em louvor da deusa Amazônia, a
sarela do Samba, exatamente como aconteceu nos últimos
Senhora Guardiã dos Segredos da Própria Vida. Manôa que
cinco anos. E o resultado desse esforço é significativo: cam-
virou Manaus. O coração do Amazonas. Uma Terra Santa
peã em 2003 e quatro vice-campeonatos.
que Alimenta o Corpo de quem transforma sua fauna e flora
em uma forma de vida e de cura, que Equilibra a Alma da-
Sinopse poética
A sinopse poética da Beija-Flor foi elaborada por Cid
Carvalho e Carlos Fernandes, o Shangai, e um dos trechos
queles que tiveram seu espírito perturbado pelo caos da
civilização e Transmite a Paz em tempos em que o homem
insiste em declarar guerras".
resume com precisão o objetivo do enredo e a mensagem
da escola para o público: "[...] Fica então aqui o nosso grito
A força da comunidade
de alerta para que juntos, numa junção de energias univer-
Mais uma vez, a grande estrela do carnaval da Beija-Flor
sais, possamos enfim compreender que o Eldorado de fato
será a comunidade da Baixada Fluminense. O presidente
é real, mas de ouro não é não, nem mesmo diamantes ou
Anizio Abrão David é o primeiro a exaltar a importância da
esmeraldas. Que todos se dêem conta que o verdadeiro
força do povo, lema seguido à risca pelos integrantes da
Eldorado é verde e brota no coração da floresta. Que nas
Comissão de Carnaval. Cria da escola, desenhista e figurinista,
suas folhas, ramagens, cipós, flores e ervas estão guarda-
Ubiratan Silva, o Bira, é um dos membros da comissão e
dos os segredos para a cura dos males do corpo e do
resume com poesia a força da comunidade na Avenida: "Você
espírito. Que a nossa guerra seja por um mundo melhor, por
sente a força do povo. Você reconhece as pessoas na Ave-
saudáveis gerações. Que a nossa luta seja eterna para pre-
nida, dando todo o suor, toda a garra. Quando a comunida-
servarmos uma dádiva infinitamente valiosa: a água - o fan-
de canta é mágico. Não adianta você ter um samba maravi-
tástico combustível da vida. Como guerreiros, transformar-
lhoso se a escola não acredita nele, não canta, não acompa-
mos a sede que ameaça o planeta, em sede permanente da
nha. Se você tem uma fantasia linda e colocar em um estran-
batalha por um mundo de pessoas com o corpo e a mente
geiro para desfilar, vai faltar alma, ao contrário do que acon-
tece quando uma pessoa da comunidade veste a fantasia:
de termos a liberdade para criar, muita coisa do que apre-
ganha alma, ganha vida. O canto da ala da comunidade é
sentamos na Sapucaí é a versão artística de fatos reais, que
coisa de louco. Primeiro que o Laíla ensina a cantar e exige
aconteceram. Damos um colorido especial, mas partimos
que todos cantem. As pessoas cantam o samba afinadas. A
de acontecimentos reais, que trouxeram conseqüências re-
comunidade treina e canta horas e horas, para chegar na
ais para a sociedade. Por isso, na etapa de pesquisa, somos
Avenida e passar o verdadeiro recado. A gente chega na
muito cuidadosos. A partir de uma idéia discutida pelo Laíla e
concentração cantando o samba, atravessa a Avenida can-
por todos nós, da Comissão de Carnaval, inicio a pesquisa
tando, chega na Praça da Apoteose cantando, vai para arqui-
bibliográfica. Nessa hora, mergulhamos nos livros, enciclo-
bancada e continua cantando. Isso funciona e é muito lindo.
pédias e na internet para colher informações das mais diver-
Isso é a Beija-Flor de Nilópolis".
sas, com os mais variados enfoques, para subsidiar o de-
Mais de duas mil fantasias serão doadas pela Beija-Flor
senvolvimento do projeto do desfile. É um trabalho exausti-
à comunidade. São ritmistas, baianas,
vo, mas agradável, porque sabemos
crianças e passistas que desfilam sem
que uma boa pesquisa faz com que a
gastar um centavo. Mas é preciso mais
Comissão de Carnaval tenha mais ele-
do que samba no pé e a letra do samba
mentos para desenvolver um carnaval
na ponta da língua. A assiduidade aos
de primeira... Como temos desenvolvi-
ensaios, o empenho e a emoção são
do nos últimos anos."
fatores importantes para garantir a fan-
Após a pesquisa, que se estende
tasia que irá brilhar na Passarela do Sam-
aos demais integrantes da Comissão de
ba. As pessoas são catalogadas pela
Carnaval, a sinopse poética foi definida
Comissão de Carnaval e, até três dias
e escrita por Cid Carvalho e Shangai,
antes do desfile, têm que comparecer
com aprovação de todos os membros
aos ensaios e mostrar o espírito que
da comissão.
serve de combustível para a Beija-Flor:
Em agosto, Bira, Fran e Cid fizeram
os rascunhos dos figurinos e dos car-
o amor à escola.
ros alegóricos, transformando as idéias
Comissão de Carnaval
As palavras que melhor definem o
em realidade pela primeira vez. É o que
Diretor de Harmonia e de Carnaval da Beija-Flor de Nilópolis,
Laíla criou na agremiação a Comissão de Carnaval...
trabalho da Comissão de Carnaval da
os carnavalescos da Beija-Flor chamam
de organograma inicial, que pode so-
Beija-Flor são organização e dedicação. A primeira reunião
frer algumas alterações ao longo do planejamento. "A gente
para definir o enredo aconteceu em julho, quando os cinco
discute o que vai ser e faz os rascunhos, que viram dese-
integrantes foram pesquisar o assunto. "Primeiro, o enredo
nhos e são pintados, para enfim ganharem vida. Na noite de
seria 'Deixem a Amazônia em Paz. A Guerra em Busca da
apresentação dos protótipos, a comunidade e o público pas-
Água'. Aí a gente achou melhor mudar o nome, mas a essên-
sam a ter uma idéia precisa da nossa proposta, porque está
cia permaneceu a mesma. O nosso enredo é uma denúncia
tudo ali, devidamente materializado", explica Bira, que junto
do começo ao fim", recorda Laíla, que acredita numa receita
com Fran Sérgio, criou e pintou os desenhos.
simples para fazer um bom carnaval: o enredo é fundamental
Como Fran Sérgio é arquiteto, os rascunhos e as plantas
para o sucesso do desfile, sem esquecer é claro de ingredi-
técnicas dos carros alegóricos ficam sob a sua responsabi-
entes importantes como o samba bem cantado pela comu-
lidade. As visões frontais e laterais dessas alegorias facilitam
nidade, belas fantasias e alegorias capazes de surpreende-
o trabalho de montagem e carpintaria, que envolve dezenas
rem o público e os jurados.
de pessoas. Materiais como isopor, fibra e espuma são muito
Além de liderar o trabalho de escultor e entalhe em metal,
utilizados para dar vida e cor. "Eu acompanho a formação
Shangai, que é muito elogiado por Laíla pela sua cultura geral
dos carros e todos da comissão têm ciência do que é feito
e inteligência, é o responsável pelas principais pesquisas que
aqui", observa Fran, responsável também pela elaboração
irão embasar o trabalho de elaboração e descrição do des-
do mapa de metro e meio que contém a planta baixa dos
file, feito pela Comissão de Carnaval. Segundo Shangai, "O
carros e mostra onde cada pessoa ficará localizada. "Cada
Desfile de carnaval é um acontecimento muito importante.
diretor de carro tem uma planta baixa, com o nome, foto e
Milhares de pessoas estão acompanhando a festa e, apesar
localização de cada pessoa que estará no carro. Essa orga-
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nização é fundamental para evitar o corre-corre e permite
que todos os integrantes da comissão possam se preocupar com outras questões durante o desfile na Avenida. Eu,
por exemplo, fico encarregado do abre-alas, que tem 15
metros de comprimento", comenta Fran Sérgio.
O trabalho de Fran antecede ao de Cid Carvalho que cuida
da decoração final dos carros alegóricos, observando minuciosamente cada detalhe, para que nada escape à proposta
inicial da reunião feita em julho com os integrantes da Comissão de Carnaval. Depois de participar da criação das fantasias
Autores:Cláudio Russo, Zé Luís, Marquinhos, Jessi e Leleco
A ambição cruzou o mar
Trazida pelo invasor
A Espanha veio explorar,
Pilhar e semear a dor
e dos protótipos, Cid mergulha no que chama de trabalho de
bancada. "É o desenvolvimento dos adereços que irão deco-
Amazônia, Terra Santa
rar os carros. Tudo isso está prontinho, embalado e guardado
Dos Igarapés, mananciais
para evitar acúmulo de poeira e tirar o brilho do material. O
Alimenta o corpo, equilibra a alma
ateliê é o coração estético do desfile", conta Cid, que sobe e
Transmite a paz
desce as escadas do ateliê intermináveis vezes para supervisionar o trabalho do pessoal. Cid trabalhou com Joãosinho
Brilhou o Eldorado
Trinta, de 1989 a 1992, e com Milton Cunha, em 1996, também
No coração da mata
na Beija-Flor, mas defende a idéia de se criar uma Comissão
As guerreiras
de Carnaval como um meio de se alcançar melhores resultados. Mas alerta: "A Comissão de Carnaval ajuda a valorizar os
jovens carnavalescos sim, desde que os componentes este-
Belezas naturais, riquezas minerais
O reino de Tupã ergue a bandeira
jam engajados e mergulhados no enredo e sejam altamente
entrosados. Debater as idéias é fundamental", conclui.
Qualquer alteração nas fantasias somente pode ser feita
Êh! Manôa
Minha canôa vai cruzar o Rio-Mar
com a aprovação dos integrantes da Comissão de Carnaval.
Verde paraíso é onde Iara
A principal preocupação é manter a unidade de cores de for-
Me seduz com seu cantar
mas, sem prejudicar o enredo e bom andamento do desfile.
Embora não revelem as surpresas preparadas para o desfile,
Força, mistério e magia
os integrantes da Comissão de Carnaval apostam no sucesso
Fruto da energia o meu guaraná
da fantasia do curupira, uma das lendas da Amazônia e na
A lágrima que o trovão derramou
comissão de frente, que irá retratar a lenda das amazonas.
A terra guardou semente no olhar
Em 2004, após a passagem da Beija-Flor, os membros
da comissão esperam que o objetivo da escola tenha sido
Maués, Anauê, cultura milenar
Anauê, Manaus, Mamirauá
atingido: sensibilizar o público da
Marquês
Viva a Paris tropical
de
Água que lava minh’alma
Sapucaí e a opi-
Ao matar a sede da população
nião pública sobre
Caboclo ê a homenagem hoje é
os riscos iminen-
A todo povo da floresta um canto de fé
tes de a Amazônia sucumbir diante da cobiça dos
Se Deus me deu vou preservar
homens.
Meus filhos vão se orgulhar
A Amazônia é o Brasil, é luz do Criador
Avante com a tribo Beija-Flor
... integrada pelos competentes Shangai, Fran-Sérgio, Bira e Cid Carvalho,
além do próprio Laíla.
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Foto: Robson Barreto
Amazônia
U
ma escola campeã, que não economiza alegria na avenida. Essa é a Beija-Flor de Nilópolis,
uma agremiação que se preocupa em levar para o seu público um desfile que sensibi-
lize pela beleza e pela criatividade, desenvolvido sob um enredo audacioso, mas responsável,
e que transmita uma mensagem útil aos seus espectadores em todo o mundo.
Com o objetivo de ampliar a compreensão do enredo e dar maior repercussão ao desfile
da escola, estaremos apresentando, nas próximas páginas, a seqüência do desfile da BeijaFlor de Nilópolis, com a apresentação de cada ala e carro alegórico, com seus destaques, e
o que eles representarão na avenida.
As fotos que ilustram cada seção são meramente decorativas, e retratam o desfile da azule-branco de Nilópolis no Carnaval de 2003.
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A Lenda das Amazonas
Comissão de Frente
A
s lendas da Região Amazônica vão povoar o
setor 1
Foto: HM
e a ganância espanhola
de dança e ritmo da comissão de frente da
imaginário popular quando a Beija-Flor entrar na
azul-e-branco de Nilópolis há oito anos.
Avenida. As 15 bailarinas da comissão de frente farão uma
Ghislaine leu a sinopse poética do enredo em
homenagem à força espiritual da maior floresta tropical do
julho, reuniu-se com a Comissão de Carnaval
planeta. Os gestos e os movimentos foram criados pela co-
e começou a ensaiar as bailarinas pouco tem-
reógrafa Ghislaine Cavalcanti, responsável pelo espetáculo
po depois. "Faço questão de começar cedo
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Foto: DT
os ensaios, por entender que o treinamento é vital para que
As bailarinas têm formação clássica e trabalham com
possamos fazer uma grande apresentação", confessa a co-
a coreógrafa há oito anos, o que facilita o entrosamento,
reógrafa, que assistiu a vídeos sobre danças folclóricas da
como constata a bailarina e publicitária Carla Martins, 23
região e fez algumas viagens à Amazônia, para se inspirar na
anos. "A nossa integração é de suma importância, porque
criação dos movimentos adequados à proposta do enredo.
na hora do desfile a Ghislaine não terá como corrigir algu-
O encontro com o figurinista Henrique Filho definiu os
ma falha. Portanto, precisamos estar bem concentradas."
detalhes da fantasia. De 30 a 20 dias antes do desfile, pelo
Desde os 16 anos, Carla freqüenta a quadra, o bar-
menos três ensaios técnicos com as fantasias serão realiza-
racão e os ensaios da comissão, e revela que a cada
dos, para que as bailarinas não tenham problema de adapta-
desfile a emoção é diferente e indescritível. "Não me
ção à roupa. "Eu preciso que o corpo tenha liberdade para
acostumo, sempre rola uma emoção forte e muita ten-
atuar dentro de uma fantasia deslumbrante e o Henrique tem
são porque estamos ali para sermos julgadas e avalia-
feito isso com muita competência nos últimos quatro anos.
das não apenas pelos jurados, mas por todo um públi-
Eu digo o que quero e, geralmente, ele faz melhor do que
co, como aconteceu em 2001, quando em plena Aveni-
imaginei", revela. As principais preocupações de Ghislaine
da fizemos a transformação da rainha em pantera
são emocionar o público e agradar tecnicamente os jurados,
(Agotime). Por isso, não podemos falhar", completa.
por ser um quesito de julgamento. "Com um tema tão com-
Segundo Ghislaine, desfilar é uma realização profissio-
plexo como o desse carnaval, cada detalhe tornou-se ainda
nal para cada uma delas. "Desfilar é uma realização pro-
mais importante, por requerer ainda mais criatividade", diz
fissional. Todas sabem o seu papel e a sua função na
Ghislaine, que tem uma consultora especial para assuntos
Avenida", observa a coreógrafa, que mantém duas bai-
místicos: a pajé Ineida, de uma tribo do Pará.
larinas reservas para qualquer eventualidade.
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Foto: Danilo Tavares
Foto: DT
Gelo - a Origem Fria do rio Amazonas
Ala Comunidade
Pela Amazônia passa o maior rio do mundo, o majestoso Rio Amazonas, com cerca de 7.100 quilômetros de extensão
desde a Nascente a 5.300m de altitude, na montanha Nevado Mismi, na Cordilheira dos Andes (Peru) - um lugar frio e coberto
de gelo - até a sua foz no Oceano Atlântico.
Neve - Flocos Brancos de Cristais Estrelados
Ala Comunidade
Nos Andes, quando a neve que cobre a cadeia de altas montanhas derrete, transforma-se em água e desce a montanha
formando o Rio Huarco. Depois o Huarco vai serpenteando e mudando de nome: Rio Toto, Rio Santiago, Afurimac, Ene, Tambo
e Uacayali. Quando este rio entra no Brasil, recebe o nome de Solimões. Perto de Manaus (capital do Amazonas) encontra o
Rio Negro e passa a se chamar Rio Amazonas.
Alegoria 1a e 1b - Carro abre-alas: "O Império Inca e a Ganância Espanhola"
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: A Prata (Fabíola Oliveira), Espanhol Francisco Orellana (Fran-Sérgio), A
Ambição (Alessandra Pirotelli), Sacerdote Inca (Marcos Oliveira) e O Império do Sol (Paulo Robert), entre outros.
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Fabíola Oliveira
Destaque
sse ano não vai ser igual aquele que passou. Pelo do público e tem que dar tudo de si, a cinco ou seis metros do
menos para a primeira-dama da Beija-Flor, Fabíola chão, o que naturalmente provoca uma certa tensão. Na pista,
Oliveira, que voltará a desempenhar um papel que já faz parte a gente mantém contato direto com os diretores, os passistas
de sua vida, há 15 anos, quando começou a pedir passagem e as alas, o que emociona muito e é altamente prazeroso
para o desfile da sua escola de coração. Do alto do carro também. Em qualquer lugar na Beija-Flor, o importante é que
abre-alas, Fabíola representará a síntese do desfile: "venho no reina a emoção de uma comunidade voltada exclusivamente
carro que retrata a principal razão pela qual os espanhóis en- para o desfile, disposta a dar tudo pela escola", completa.
frentaram o grande perigo do oceano em direção ao continente americano. Minha fantasia é muito interessante. Ela faz uma
convergência dos diversos significados dos astros Sol e Lua,
na visão do povo Inca, dos índios das tribos amazônicas e do
explorador espanhol. Os Incas adoravam a Deusa Lua e o
Deus Sol, enquanto as tribos amazonenses adoravam Jaci e
Guaraci. Por outro lado, na visão gananciosa do invasor espanhol, esses símbolos de adoração representam a prata (lua) e
o ouro (sol). Minha fantasia é uma mistura dessas visões e
significados."
O desfile de 2004 marcará o retorno de Fabíola à Sapucaí,
depois de ficar afastada por vontade própria, em 2003, em
virtude da gravidez de Micaela, uma das mais novas integrantes da família Beija-Flor.
O retorno é encarado com muito orgulho, prazer e responsabilidade. Fabíola sabe da importância de ser o destaque
do carro abre-alas. "A emoção é muito forte e eu passo o
tempo inteiro dançando e cantando o samba da escola, chamando o público com o coração a participar do nosso desfile", observa ela, que ano passado optou por desfilar na pista e
pôde ver com muita alegria a irmã mais velha, Alessandra,
substituí-la no carro que saúda o público e abre caminho para
a apoteose da Beija-Flor na avenida. "Eu estava com quase
cinco meses de gravidez e sentia muito enjôo. Por isso, achei
melhor vir no chão, dividindo a alegria diretamente com o meu
marido e o meu filho, Gabriel", explica.
A experiência na pista também serviu para Fabíola ver o
quanto é importante a união de todos os componentes da
escola, sem exceção. "No abre-alas, você está sozinho diante
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Foto: DT
O Sapa Inca - Imperador Filho do Sol
Ala Sem Compromisso
setor 2
O Sapa Inca, o Filho do Sol, era o imperador supremo da civilização Inca. Adorado como um deus, era o mediador das
civilizações entre o mundo dos homens e o mundo dos deuses. Cada novo Sapa Inca que ascendia ao trono casava-se com
Coya, sua irmã mais velha (embora pudesse ter um número ilimitado de esposas) e vivia em meio ao luxo e à riqueza.
Transmitia a proteção e a segurança do Universo, o que garantia a ordem social.
Acllas - as Virgens do Sol
Ala Amizade
As Virgens do Sol, também denominadas Acllas, eram moças que se dedicavam ao serviço do Sol e do Inca, além de
trabalhar em rituais. Geralmente eram filhas dos nobres mais proeminentes e tornavam-se esposas do Inca ou dos nobres.
Coya Raymi - Festa da Lua
Ala Comigo Ninguém Pode
Coya Raymi, a festa da Lua e da rainha, era uma festividade na qual os guerreiros dançavam. Ocorria no mês de setembro
e era planejada por Coya e pela Sacerdotisa Suprema (esta última, escolhida entre as Virgens do Sol, era uma mulher que
levava uma vida de castidade).
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Ganância Espanhola - a Destruição de Civilizações
Ala 1001 Noites
A ganância espanhola foi a força propulsora de um choque cultural seguido de um processo de dominação das populações ameríndias. Ávidos por prestígio e riquezas, os espanhóis foram responsáveis pela destruição das civilizações nativas.
A Cobiça Dourada Move a Espanha
Ala Dá Mais Vida
O ouro - metal amarelo, precioso e brilhante - foi a principal motivação para que os espanhóis, movidos pela cobiça, se
lançassem ao mar em busca das riquezas existentes na América.
O Desejo Insano Feito de Prata
Ala Dos Cem e Ala Amar é Viver
A prata - metal precioso branco e brilhante - junto com o ouro, foram as riquezas materiais que alimentaram a ganância
desregrada da Espanha pela conquista e posse das terras e bens das civilizações pré-colombianas.
A Floresta de Pedras Preciosas
Ala Signos
Quando saíram da Europa em busca de riquezas, os espanhóis procuravam por algo mais além de ouro e prata. No
fascinante Eldorado, acreditava-se que as sementes dos frutos eram as mais belas pedras preciosas.
A Nobreza Sonhada de um Reino Legendário
Ala Animação Cultural
Acreditando na existência do fantástico Reino de Manôa, os espanhóis se perdem em delírios. Ultrapassando os limites da
realidade e indo além das fronteiras do tempo e do espaço, antecipam-se como se já houvessem encontrado o lendário lugar.
Imaginam-se em um fictício reino como membros de uma suntuosa Corte, os quais orgulham-se em exibir a fortuna encontrada.
Eldorado - a Lendária Terra de Riquezas Inestimáveis
Ala Baianas
A lenda do Eldorado afirmava a existência de terras no território sul-americano onde a riqueza era fascinante. O ouro
abundava em tamanha quantidade nessa região, que até os lajedos eram desse precioso metal. Foi a exuberância de pedras
e metais preciosos que motivou a saída de europeus rumo ao Eldorado.
Alegoria nº2: "Em Busca do Eldorado - Manôa e a Floresta de Ouro e Prata"
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: Riquezas (Luciano e Cláudio) e Corte do Eldorado (Paulo Balbino) entre
outros.
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Demônio Inquieto da Ambição
Icamiabas - a Tribo Guerreira das Amazonas
Ala Comunidade
As Icamiabas ou Amazonas eram índias guerreiras que amputavam o seio direito a fim de manusear o arco e flecha com
Amazonas inspirou não só o nome do rio, mas também o de um Estado da Federação e de toda uma região.
Guacaris - Os Privilegiados Amantes das Amazonas
Ala Comunidade
setor 3
extraordinária perícia. Também não possuíam marido, embora esporadicamente acasalassem com os Guacaris. A lenda das
Índios de tribo vizinha à das Amazonas. Desposavam estas mulheres guerreiras em uma festa anual dedicada à lua, a qual
ocorria às margens de um lago. Criavam os filhos homens provenientes destas relações, enquanto as filhas eram criadas
pelas próprias guerreiras.
O Amuleto do Espelho da Lua
Ala Velha Guarda / Baianas
Os muiraquitãs eram amuletos dados aos índios Guacaris pelas Amazonas que, após o acasalamento, mergulhavam em
um lago chamado Espelho da Lua para buscar uma espécie de barro verde, matéria-prima de que era feito o talismã.
Geralmente representava uma rã, e diz-se que este artefato trazia felicidade e boa sorte aos seus portadores, além de ser
motivo de orgulho exibi-lo.
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Foto: Henrique Matos
Foto: HM
Reino Espanhol
A Chama Ardente da Ambição
Ala Tom e Jerry
Quando partiram para o Novo Mundo, os espanhóis estavam decididos a possuir terras, ouro e subjugar outros homens.
Os planos eram tecidos sem hesitação, pois acreditavam que a América era para ser conquistada, subjugada e explorada. A
destruição das civilizações nativas foi justificada pela cultura conquistadora da Espanha (suposta superioridade do sangue
espanhol) e pela expansão da fé cristã.
O Desejo da Tradição Espanhola na Selva
Ala Comunidade
As touradas, prática medieval que é tradição do povo espanhol, certamente preencheram as mentes invasoras de sonhos
de possivelmente se transportar, das arenas da Espanha para a selva, um das principais costumes da terra natal.
O Rei Espanhol da Floresta Tropical
Ala Comunidade
Fernão de Gusmão é aclamado rei em plena selva amazônica, quando os espanhóis decidem fundar um reinado espanhol
na floresta, proclamando-se independentes da Coroa espanhola.
Alegoria nº3: "Reino Espanhol - Demônio Inquieto da Ambição"
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: Rei da Floresta (Charles Henry), Touradas na Selva (Carlos Martins e
Marcos Zezito) entre outros
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Carnaval 2004
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Foto: DT
Místico
Honorato - a Encantada Cobra Rio
Ala Tu e Eu
Curupira - O Defensor dos Animais e da Mata
Ala Comunidade
Ente fantástico que habita as matas e afasta o mal ao
de (Boiúna), Honorato foi transformado em cobra quando a
caminhar. Apresenta cabeleira hirta, olhos de brasa e os pés
mãe o atirou no rio. Como tinha boa índole, protegia a floresta
voltados para trás. Espírito protetor da caça e das florestas,
e seus habitantes de alma pura. À noite, transformava-se em
é responsável por rumores misteriosos, desaparecimentos
belo e elegante rapaz para levar uma vida normal na terra. Foi
de caçadores, esquecimentos de caminhos e pavores súbi-
libertado quando um soldado derramou leite na boca da co-
tos inexplicáveis.
bra e feriu-lhe a cabeça até sangrar.
A Dança da Tribo Beija-Flor
Iara - A Proteção Sedutora dos Rios
Ala Comunidade
Bela morena que exerce fascínio e encantamento sobre
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Filho de índia amazônica que engravidou da Cobra Gran-
Passistas Adultos, Passistas Mirins, Princesas da Bateria, 1º Passista, Rainha de Bateria e Intérprete de Samba Enredo
os homens. Como utiliza uma espécie de saia ou vestido,
alguns fazem confusão com a parte inferior de um peixe. Tem
O Ecoar da Natureza - a Energia Mística
o poder de aprisionar no fundo das águas aqueles que tei-
Bateria
mam em agredir os rios.
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Carnaval 2004
Boiúna
2º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Iara
3º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Jaci e Guaraci
4º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Jurupari
5º Casal de Mestre-Sala e Porta-Bandeira:
Curupira
Neguinho da Beija-Flor e puxadores da escola imprimindo mais emoção ao samba
enredo...
Casal Mirim de Mestre-Sala e Porta-Bandeira
Jaci, a Lua - Vida Vegetal e Crescimento
Ala Apoteose e Ala Borboletas
fazer grandes festas com comidas, bebidas, cantos e danças,
Na mitologia indígena, Jaci representa a lua, a mãe dos fru-
logo que a lua aparecia, pois presidia à vida vegetal e ao cresci-
tos. É irmã e esposa de Guaraci, o sol. Era costume indígena
mento. Recebia diferentes homenagens consoante suas fases.
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Entidade sobrenatural dos selvagens, aparece em soNa mitologia indígena, Guaraci representa o sol, irmão e
marido de Jaci. Criador de todos os viventes, Guaraci prote-
nhos aos homens. É o senhor todo-poderoso e guardião
das florestas.
ge os seres vivos do reino animal através de seus súditos. O
nome significa "Mãe deste dia".
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: A Cobra Grande (Jussara Calmon), Jurupari (Jorge Braz), Oxalá
(Jucely) entre outros
primeira vez a gente nunca esquece. Que o diga a
menina Raissa de Oliveira, 13 anos, que desfilou
pela primeira vez à frente dos ritmistas como rainha da bateria da Beija-Flor em 2003, substituindo a conhecida Sônia
Capeta, que virou destaque da agremiação depois de nove
anos ocupando uma das funções mais cobiçadas nas escolas de samba.
"Foi uma emoção imensa. Recebi apoio da minha família e fui bem recebida pelos ritmistas, que me deixaram
bem à vontade, porque na época eu estava muito
ansiosa, mas graças a Deus saiu tudo bem", revela a
menina. Em 2004, Raissa vai repetir a dose com uma
coreografia especial. Ela treina semanalmente com o
professor Edson Bittencourt, o Edinho, para fazer bonito na Marquês de Sapucaí. "O Edinho me dá muitas
dicas, criando junto comigo a coreografia", revela.
A beleza e a graça de Raissa ganham mais arrojo
com as aulas de balé com a coreógrafa Ghislaine Cavalcanti,
responsável pela performance da comissão de frente. Toda
quarta-feira, Raissa aprende os passos clássicos e recebe
dicas importantes, que ajudam a melhorar o seu desempenho como passista. "Não vejo a hora de desfilar, para mim é
um momento muito especial."
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"A potência, o vigor, a força moral de significação misteriosa que protege e preserva a natureza. O som como pedido de
apelo em prol da preservação da maior bacia hidrográfica, biodiversidade e riqueza mineral do mundo; do maior e mais
estratégico reservatório de água, ecossistema de florestas tropicais e reserva de plantas medicinais do planeta - A Amazônia.”
uando o coração da Beija-Flor de Nilópolis come-
performance das caixas, surdos de primeira, surdos de se-
çar a pulsar na Marquês de Sapucaí, o público
gunda, surdos de terceira, chocalhos, tamborins, repiques e
terá a oportunidade de ver mais uma vez a força da bateria da
cuícas. "Somos rigorosos com a rapaziada quanto à pre-
escola. Os 250 ritmistas formam uma orquestra afinada, for-
sença nos ensaios, porque sabemos da importância da ba-
mada exclusivamente por instrumentos de percussão, que
teria que, além de ser o quesito de desempate, podendo
percorrem os 550 metros da Passarela do Samba, dando
decidir um campeonato, carrega mais quatro quesitos", diz
vida ao samba de enredo, motivando a comunidade e convi-
Paulinho. "Se a bateria errar, compromete a harmonia, a evo-
dando a todos a se embalar pelas lendas da Amazônia.
lução, o conjunto e a fantasia", completa ele, que compara a
Paulinho e Plínio dividem o comando do exército
função da bateria à de um goleiro em final de Copa do Mun-
nilopolitano do ritmo. Os dois mestres de bateria contam
do. "Não temos o direito de errar, para não jogar por terra o
com o apoio de oito diretores de bateria para cuidar da
trabalho de um ano".
Mestre Plínio e Mestre Paulinho
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As bossas e as paradinhas da bateria são ensaiadas normalmente, porém não significa que no dia do desfile o público
poderá assistir às inovações, para evitar o comprometimento do canto e da dança da escola. "Preparados nós estamos,
mas no dia da nossa apresentação, somente se o Laíla liberar
é que colocamos em prática alguma novidade que tenha sido
ensaiada, porque o mais importante é fazer bonito na avenida
sem comprometer a imagem da Beija-Flor", observa Plínio.
O segredo da bateria da Beija-Flor, que mantém em seu
currículo notas máximas, é explicado por Paulinho: "O nosso
time é o mesmo, conhecemos os ritmistas e exigimos disciplina nos ensaios. Além disso, o casamento de mestres de
bateria, ritmistas e diretoria da escola é perfeito".
Plínio começou na Em Cima da Hora e faz parte da família
Beija-Flor desde 1973, quando começou tocando surdo de
terceira. Assumiu o posto de primeiro diretor de bateria em
1996 e comandou os ritmistas sozinho até a chegada de
lhor para a escola", diz. Mestre de bateria há 15 anos, Paulinho
Paulinho, em 1997. "Sou feliz na Beija-Flor e o trabalho que eu e
passou pela Caprichosos, Viradouro e Portela antes de se
o Paulinho fazemos é de muita união, buscando trazer o me-
tornar o mestre e supervisor de bateria na Beija-Flor.
bateria
Não é dessa vez que a graça e o batuque da bate-
bateria-mirim, tem o apoio de Perninha e Rodnei, direto-
ria-mirim da Beija-Flor vão desfilar. O mestre Douglas
res da bateria principal, que contribuem para dar identi-
Botelho, 25 anos, acredita que, em 2005, será possível
dade a mais um projeto da Beija-Flor. E os pequenos
que a semente lançada pelo presidente de honra da
dão duro: os ensaios aconteciam aos sábados, depois
Beija-Flor, Anízio Abraão David, ganhe força suficiente
passaram a ser toda segunda e quinta e, na época de
para dar frutos e trazer mais orgulho à escola de Nilópolis.
concursos, segunda, terça, quarta e sexta são dias de
Com 62 ritmistas, entre meninos e meninas da comuni-
marcar o ritmo na quadra para fazer bonito na televisão.
dade, a bateria-mirim participou do concurso deste ano
da Rede Globo com três notas 10, mas ainda está em
fase de formação. "Ainda estou recrutando o pessoal e,
desde outubro, a gente vem ensaiando e, pelo jeito,
essa idéia vai dar samba. E dos bons", observa Douglas.
Mestre Douglas é ritmista desde os 8 anos de idade, quando entrou, junto com outros amigos, para a
bateria da Caprichosos de Pilares, onde seu pai, o Mestre Paulinho, era responsável pelo comando. Veio para
a Beija-Flor em 1994 e permaneceu até 1996, voltando
com o pai há seis anos para Nilópolis. Para orientar a
Bateria-mirim da Beija-Flor de Nilõpolis
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Foto: HM
Luz
Surge os frutos dos
deuses - o Guaraná
O Bem e o Mal - um Confronto de Forças na
Floresta
Ala Alto Astral
O bem é tudo aquilo que é bom, útil. O mal é o contrário de bem;
o que prejudica, fere ou incomoda. No caso deste confronto de forças específico, o bem são as forças convenientes, que agem em
benefício, em favor da natureza; enquanto o mal é tudo aquilo que traz
prejuízo ou causa dano e estrago à natureza e aos seus protetores.
Os Olhos de Tupã - a Visão do Trovão
Ala Comunidade
Tupã, é o rei do trovão, da tempestade, do fogo e dos raios, a
suprema divindade indígena que vê e sabe de tudo o que se passa na
Terra. Ao presenciar a maldade infligida contra as vidas que estavam
sob sua proteção, se compadece. Uma grande tempestade cai sobre a floresta e um poderoso raio veio atingir a terra, da energia
liberada nasce uma planta cujas sementes lembram perfeitamente,
quando amadurecidas, um par de olhos negríssimos - O Guaraná.
Matinta Pereira - a Velha Coruja
Ala Comunidade
Maués - Detentores do Fruto da Energia
Ala Sambando na Beija-Flor
setor 5
A Matinta Pereira é uma velha que emite um assobio estridente e bastante característico. Gosta de mascar tabaco e pede fumo
a quem encontra. A Matinta pode aparecer de diversas formas, transformando-se quase sempre em coruja, apesar de aparecer
também na forma de outros animais. A lenda conta ainda que a Matinta Pereira possui poderes sobrenaturais, protegendo as matas.
Maués é o nome usado para designar a nação indígena que significa "papagaio curioso ou inteligente". A aldeia dos Maués
é a terra originária do guaraná, e esses índios são os guardiões desse fruto de sabor amargo e estimulante, o qual possui o
formato dos olhos do Criador.
Pajés - Curandeiros e Feiticeiros
Ala Comunidade
No Brasil, o termo pajé refere-se ao chefe espiritual dos indígenas, um misto de sacerdote, profeta e médico-feiticeiro. Um
Benzedor, curandeiro e conselheiro da tribo a quem se atribui poderes místicos e sobrenaturais.
Alegoria nº5: "Da Suprema Luz, Surge o Fruto dos deuses - O Guaraná"
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: Flor do Guaraná (Zeza Mendonça), Guardiões Maués (Marcelo
Gonçalves)entre outros
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Foto: Robson Barreto
Henrique Mattos
A obra do homem que surgiu lentamente, regada pelo suor e alimentada pela cobiça
O Envenenar das Águas - Escassez e Sede
Ala Jovem Flu
O mundo está ficando sem água doce, pois a humanidade está poluindo, desviando e esvaziando a fonte de vida em um
ritmo surpreendente. A ameaçadora escassez global da água pode ser justificada tanto pelo desperdício excessivo e falta de
cuidado com um bem finito, quanto pela ganância econômica de corporações que dela se apropriam de modo ilegal e
indevido.
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Fogo Devastador - o Verde Vira Cinzas
Ala Karisma
As queimadas e o desmatamento excessivo ocorrem numa proporção e rapidez absurdas. Tamanho crime, que contribui para
o aquecimento e deterioração do conforto ambiental, é uma das principais causas do efeito estufa. Depois da retirada das madeiras
de valor comercial, o restante da mata que é derrubado e queimado consome inúmeras espécies de valor medicinal e ornamental.
Caça - a Ação Predatória que Silencia
Ala Comunidade
A destruição dos ecossistemas está ocorrendo de maneira assustadora e impiedosa. A caça aos animais, especialmente
os mais raros, vem ocasionando a extinção de variadas espécies. A biopirataria não é apenas o contrabando de diversas
formas de vida da fauna, mas também da flora. É uma atividade altamente rentável, e tamanha lucratividade é oriunda de
excessiva exploração dos recursos naturais, os quais não são inesgotáveis.
Extinção - Prisão, Morte e Tráfico de Vidas
Ala Cabulosos
A extinção dos animais ocorre principalmente em função dos maus tratos para com os animais e do contrabando, que é
feito quase que exclusivamente em condições precárias. Calcula-se que para cada dez animais que são presos para serem
comercializados, apenas um (no máximo dois) sobreviva(m).
Surf na Pororoca - o Índio na Onda da Aculturação
Ala Comunidade
O fenômeno da Pororoca ocorre na região Amazônica, principalmente na foz do seu grandioso e mais imponente rio, o
Amazonas. É formado pela elevação súbita das águas junto à foz, provocada no momento da quebra do equilíbrio entre água
doce e a salgada, quando o mar tenta invadir o rio com pressão titânica, formando uma grande onda. Esta onda de maré vem
a ser surfável, e transforma índios em surfistas, à deriva da aculturação.
Ala Uni-Rio e Ala Camaleão Dourado
setor 6
Índios Punks - a Rebeldia de Pele Vermelha
Desenhos espalhados pelo corpo, objetos perfurando a pele avermelhada, cabelos pintados com cores vibrantes. Seriam
os índios os criadores das tatuagens, piercings e tinturas de cabelo? Embora tivessem uma cultura própria, os nativos foram
induzidos a assimilar traços da chamada civilização. Contrariados, desprezam os valores estabelecidos pela sociedade numa
tentativa de manter viva as raízes de seus ancestrais. São punks usando penas.
Suor e Alimentada Pela Cobiça"
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: Queimadas (Maurízio Médici), Índio Punk (Nabil), Índio Surfista
(Marcos Jasmim), Devastação (Claudia Raia) entre outros
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Foto: Antonio Carlos
A Paris dos Trópicos
Inspiração Francesa - uma Metrópole de Estilo Europeu
Ala Casarão das Artes
O desenvolvimento desencadeado pelo ciclo da borracha propiciou o período áureo de Manaus, transformando-a em
uma grande cidade de caráter europeu. Centro urbano moderno, elegante e acolhedor, viveu entre 1890 e 1920 um período de
realizações e riqueza até então desconhecidos. Nesta época foram realizadas grandes obras públicas, dentre elas a construção do Teatro Amazonas.
Manaus - Cidade Luz...do Sol
Ala Muvuca e Ala Travessia
Homens públicos ousados tornaram realidade o sonho de uma cidade-luz nos trópicos. Um cuidadoso planejamento
possibilitou a introdução de iluminação elétrica em Manaus, a segunda cidade do país a receber energia, depois de Campos
dos Goitacazes. Nesta mesma época, muitas metrópoles européias ainda mantinham o antiquado sistema a gás.
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Can-Can - As Índias Experimentam a Sensualidade Parisiense
Ala Comunidade
A ânsia de mesclar as tradições francesas às da selva, certamente levaram os europeus a imaginar as belas índias vestidas
para o Can-Can, uma dança considerada escandalosa e imoral que surgiu na França no final do século XIX, onde observa-se
uma mistura de acrobacias, malabarismos, mímica, canto e coreografias de aparato cênico e visual, na qual as dançarinas
costumeiramente se apresentavam usando longas meias.
Manaus - um Toque de Paris em Terras Tropicais
Ala Comunidade
A importação de hábitos e costumes de estilo europeu, em especial o estilo parisiense de viver, se comportar e de se vestir,
tornou-se uma prioridade para aqueles que buscavam transformar a capital do Amazonas em uma nova Paris. Ainda que o
calor dos trópicos não combinasse em nada com os longos vestidos usados na Europa, era "chique estar na moda"..
Teatro Amazonas - o Valor da Arte
Ala Tudo Por Amor e Ala Liberdade
Construído durante o período de desenvolvimento do chamado ciclo da borracha, e inaugurado em 31 de dezembro de
1896, o belo marco arquitetônico do século XIX foi embelezado com colunatas, estatuetas e escadarias executadas por
marmoristas europeus, enquanto as decorações interiores foram obras de artistas consagrados, como Domenico De Angelis.
Alegoria nº7: "Manaus - A Paris dos Trópicos"
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: Paris Tropical (Linda Conde) entre outros.
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Foto: DT
Amazônia
A senhora guardiã
dos segredos da
própria vida
Flora Amazônica - o Valioso Manto Verde
Ala Vamos Nessa
O bioma amazônico presta serviços ambientais essenciais ao planeta
em desequilíbrio, e é considerado o grande refrigerador do mundo e da
humanidade. Além disso, a biodiversidade da flora amazônica possui um
valor incalculável, visto que parte do patrimônio genético nacional ainda não
foi sequer descrito pela ciência.Na bandeira nacional o verde vem simbolizar
nossas extensas florestas e a nossa natureza pródiga.
O Amarelo Brilhante do Ouro - a Riqueza Mineral
Ala Beijerê
ouro; metal precioso de cor amarela, com que se fabricam jóias, sinônimo
de dinheiro e opulência. Em nossa bandeira nacional o amarelo representa,
sol da vida e o símbolo do poder e da autoridade.
Água Doce - Purificação e Continuidade da Vida
Ala Comunidade
O mais estratégico e maior reservatório de água doce do planeta encontra-se na Amazônia. De aparência cristalina, a água
potável amazônica certamente adquiriu as propriedades mágicas do lugar, dotando-se da capacidade de eliminar as impurezas, lavando a alma dos homens que se banham em suas águas, buscando matar a sede e prolongar a sua existência.
O Branco Divino que Transmite a Paz
Ala Colibri de Ouro
Sempre que buscamos tranqüilizar a nossa alma, seja qual for a nossa crença, elevamos o nosso espírito naquele que
acreditamos ser o nosso Deus. Atribuindo um caráter divino a cor branca, ela tornou-se sublime e capaz de propagar aquilo
que tanto prezamos. Realçando o permanente anseio que nutrimos pela concórdia e a disposição para o convívio pacífico, o
branco também é apresentado na bandeira brasileira como um tributo a Paz.
Saúde, Fé e Paz - Pedidos do Beija-Flor ao Criador
Ala Baianinha
O azul apresentado na bandeira brasileira é um firmamento resplandecente de estrelas, as mesmas do céu da proclamação da República; luzes de democracia, de cidadania, de ordem, de progresso, de respeito e de soberania. E é nesse mesmo
céu azul e branco, repleto de nuvens, que uma revoada de beija-flores risca o ar com a missão de conduzir os pedidos de toda
a humanidade até o Criador.
Ala Velha-Guarda
Alegoria nº8: "Amazônia - A Senhora Guardiã dos Segredos da Própria Vida
Nesta alegoria estarão os seguintes destaques: O Branco da Paz (Zezito Ávila), Verde das Matas (Nil D Yemanjá), Índia
(Vanessa Camargo) entre outros
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Beija-Flor
Foto: DT
é minha paixão
Beija-Flor de Nilópolis é uma escola de samba que
tem suas peculiaridades.
Resultado do perfeito entendimento do significado do Carnaval, a agremiação de Nilópolis é uma dessas escolas que
valoriza o poder e a importância da sua comunidade.
Segundo Anizio: "O importante é a escola ter pessoas
que a amem e que 'vistam a camisa da agremiação' com
lealdade. E é o pessoal da comunidade é que dá esse retorno que a gente espera. O artista, geralmente, vai à agremiação
para se promover. Muitos não sabem nem sambar... Aqui na
Beija-Flor, nós prestigiamos as pessoas que estão ao lado
da escola. Que a amam realmente. Mas isso não significa
que a escola esteja fechada para os artistas. Ao contrário,
todas as pessoas bem intencionadas são bem-vindas e bem
tratadas pela escola. O que ocorre é uma preocupação com
o presente e o futuro da Beija-Flor, que precisa ser formada
por pessoas que se manterão fiéis a ela, independentemente
de vitórias ou derrotas.".
Os atores Cláudia Raia e Edson Celulari são um exemplo
disso.
São artistas que têm na Beija-Flor de Nilópolis a sua paixão no
Carnaval, e que ao chegarem à escola foram recebidos com
todo o carinho. Hoje fazem parte da família Beija-Flor. Para Cláudia foi amor à primeira vista. Bateu o olho na escola pela televisão
e virou fã. Morava no interior de São Paulo e não lhe passou pela
cabeça um dia desfilar no Carnaval carioca. Mas já tinha feito sua
escolha entre as escolas do Rio. Já na Cidade Maravilhosa, foi
convidada por Joãosinho Trinta para ser o destaque principal do
enredo de "A Lapa de Adão e Eva", em 1985. "Na verdade, eu já
era Beija-Flor desde quando assistia aos carnavais em Campinas. A Beija-Flor que me chamou. Mas eu já a tinha escolhido
como a minha escola." Edson Celulari, seu marido, chegou no
encalço. O trabalho na mesma novela e as muitas afinidades
uniram o casal. Também do interior paulista, Bauru, Edson tinha se
tornado fã da agremiação pelos desfiles transmitidos na televisão. Há quatro anos integra a bateria da escola: "Sempre fui BeijaFlor. Gostava muito da Mangueira, da bateria do mestre André da
Mocidade... Uma vez a Cláudia me apresentou ao Anizio. Falei
que meu sonho era participar da bateria. Então houve o convite.
Mas não foi só me apresentar ao mestre Paulinho... Fiz um teste,
passei e hoje ajudo a defender o carnaval da Beija-Flor com
muito orgulho. Então, acho que também fui escolhido pela escola.
Também escolhi de coração a Beija-Flor".
Assim como no exercício vitorioso da atividade profissional,
o casal Raia e Celulari participou de momentos de grande sucesso da escola. Ratifica-se, então, o mito das duplas, tanto na arte
como no Carnaval, de que fala o pesquisador e escritor Hiram
Araújo. E, mais uma vez, ponteando na história da Beija-Flor,
desde Nelson e Anizio, Trinta e Laíla, mestres Plínio e Paulinho,
Selminha Sorriso e Claudinho e por aí... Agora, Cláudia e Edson...
Desfilando pela Beija-Flor, Claudia não disfarça a emoção que viveu ao longo de duas décadas desfile: "É o maior
espetáculo do qual já participei. É uma coisa absolutamente
diferente de tudo que já vivenciei na minha vida. Ali, pra mim, é a
celebração da alegria. Acho que as pessoas todas ali estão
unidas pela alegria". Sobre o desfile de 2004, Claudia fala das
suas expectativas: "Acho este enredo riquíssimo. A Amazônia é um assunto sem fim. Gostei da maneira como ele foi
abordado, mais uma vez de forma inusitada e diferente. Aborda a espiritualidade, as deusas, o misticismo da Amazônia,
que é uma característica da Beija-Flor. Quero ressaltar que
nunca vi um samba tão bonito. Acho o melhor samba da
Beija-Flor até agora".
Edson aproveita para reforçar seus sentimentos pela escola. Reafirma seu orgulho de sair na bateria da Beija-Flor e
ressalta a importância de se saber quando se é protagonista
ou mais um elemento junto à comunidade: "Eu espero o dia
que tenho que ir para a quadra ensaiar, aprender o samba e
depois entrar na Avenida. O que acho bacana, é que quando
estou no teatro ou na televisão sou o protagonista principal
daquela história. Agora, quando estou na Beija-Flor sou um
componente a mais, muito orgulhoso, que faz parte daquela
grande festa, onde o protagonista é a bandeira da escola e o
samba que ela carrega. Pra mim é uma emoção igual como se
eu fosse a primeira figura de um grande espetáculo".
Numa coisa o casal é unânime: "Aqueles que forem ao
Sambódromo ver a Beija-flor devem aguardar uma grande
festa. Se for pelo samba e pelo entusiasmo, temos certeza
que a Beija-Flor será campeã".
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Revista Beija-Flor
www.beija-flor.com.br
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Carnaval 2004
Eduardo Braga nasceu na cidade de Belém, no Estado do Pará e iniciou sua carreira política como
vereador de Manaus, aos 21 anos de idade. Foi deputado estadual, deputado federal e hoje, enfrenta o
desafio de governar um dos mais importantes estados do Brasil.
Revista Beija-Flor - A região amazônica é uma região ainda
pouco conhecida e, pela sua característica ímpar, identificar a
melhor maneira de promover o seu desenvolvimento é um
grande desafio, já que uma decisão equivocada, fruto de uma
visão parcial ou limitada, poderá colocar em risco a estabilidade da região. Como governador do maior estado da região amazônica, a forma como o senhor conduzirá o desenvolvimento
do Estado do Amazonas certamente será um modelo a ser
seguido ou criticado. Como analisa o desafio que está em suas
mãos e qual rumo compreende ser o melhor para o desenvolvimento do seu estado e da própria região amazônica?
Fora a Zona Franca de Manaus, meu programa de governo,
Governador Eduardo Braga - É evidente que os olhos de
mundo se voltam para a Amazônia. Diria até que muitas vezes as pessoas que não vivem nesta região não distinguem
as diferenças entre Amazônia e Amazonas. Pois eu lhe digo
que o Amazonas, que é o maior estado da região e do país
em território, tem tudo a ver com preservação, sim! Temos
98% de nosso território absolutamente preservado, graças
principalmente ao caboclo que vive aqui. Além disso, a Zona
Franca de Manaus colaborou decisivamente para esta preservação, na medida em que concentrou na capital
amazonense a atividade econômica, garantindo a sobrevivência do estado, gerando empregos e evitando que houvesse uma exploração desenfreada dos recursos naturais.
Por isso envidamos todos os esforços para prorrogar este
modelo de desenvolvimento implantando em 1967, ainda no
governo militar, que teria vigência até 2013, de acordo com a
Constituição, mas agora durará pelo menos até 2023. Reuni
todas as forças políticas do estado e conseguimos a prorrogação, que está incluída no texto da reforma tributária. Para
isso, contamos com a ajuda imprescindível do presidente
Luís Inácio Lula da Silva.
uma Agência de Agronegócios, temos programas para a
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Revista Beija-Flor
registrado em cartório durante a campanha de 2002 e em
plena execução desde a posse prevê a implantação do
projeto Zona Franca Verde, que pretende incentivar o
desenvolvimento sustentável no interior do estado,
estimulando atividades que não degradam o meio ambiente
e implantando áreas de manejo florestal. Para tanto, criamos
a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável,
mantivemos o financiamento de atividades artesanais e do
setor primário, por meio da Agência de Fomento, criamos
piscicultura que já estão em andamento, como o tanquerede, a distribuição de alevinos e tudo o mais que ocupe e
gere renda para o nosso caboclo, de forma a evitar que ele
agrida o meio ambiente.
Além dos tesouros verdes, representados pela rica e
desconhecida biodiversidade da região, a Amazônia é rica
também em recursos minerais, entre eles estanho, ferro,
bauxita, alumínio e cobre, elementos de grande interesse do
mercado mundial. Que caminhos devem ser trilhados para
assegurar que a exploração sustentável dessas riquezas gere
equilíbrio social e desenvolvimento à região, e que não faça
dela uma mera colônia a serviço de interesses capitalistas?
EB - O grande projeto neste momento, no que diz respeito
aos recursos naturais, é a construção do gasoduto CoariManaus. Existe uma enorme reserva de gás em Urucu, município de Coari, que a Petrobras já explora há algum tempo.
Com a construção do gasoduto, teremos energia pelo menos 50% mais barata para o consumidor final em Manaus, o
que garantiria a ampliação da atividade produtiva nas indústrias da Zona Franca. O pequeno consumidor e o taxista
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reserva biológica
também sairiam ganhando. Agora, o governo está fazendo a sua parte. Realizamos todas as audiências públicas previstas em lei para a concessão da licença
ambiental da obra. Falta agora a Petrobras se manifestar sobre o início dos trabalhos. Existe ainda uma outra
grande reserva de gás no município de Silves, que poderia ser explorada beneficiando não apenas o Amazonas, mas também os estados vizinhos. São recursos
naturais que não degradam o meio ambiente e impulsionam o desenvolvimento. Fora isso, não temos o menor interesse em atividades degradantes.
A questão do índio é ainda muito complexa e merece
muita atenção dos líderes nacionais. Como vem sendo
tratada essa questão pelo seu governo? Nas tribos que
se relacionam com o "homem branco" o estado tem
atuado de alguma maneira? Como se ajusta desenvolvimento e progresso com respeito às raízes e à cultura indígena? Ainda sobre a questão, certamente existem tribos ainda
desconhecidas do governo e da sociedade. O governo do
Amazonas tem algum projeto para avançar na mata e descobrir essas tribos para oferecer os benefícios do progresso?
EB - Criamos a Fundação Estadual da Política Indigenista
(Fepi), que é dirigida por um indígena, o Bonifácio José, da
tribo baniwa. Ele tem avançado na discussão de temas voltados para a integração dos povos indígenas à sociedade
amazonense. Há aspectos culturais que precisam ser respeitados. Nossa relação com as tribos é de parceria. Há
poucos meses distribuímos recursos, por meio da Agência
de Fomento, para a produção de artesanato da tribo saterémawé, que se situa no município de Maués, que aliás é citado
no samba-enredo da Beija Flor. Enfim, respeitamos as reservas e procuramos dar toda assistência para que os índios
amazonenses, que são os mais numerosos do país, sobrevivam e se desenvolvam a contento. Vale ressaltar que são
muito raros os conflitos com o "homem branco", como você
chama, no Amazonas. Sobre as tribos desconhecidas, o
processo de contato é natural e à medida que for acontecendo, terá o tratamento adequado por parte de nossos representantes junto às comunidades indígenas.
A região amazônica é cheia de desafios para seus
administradores. Um deles é o relacionado ao desenvolvimento urbano. Em muitas de suas microrregiões, a densidade demográfica não chega a dois habitantes por km2. Em
contraposição, a densidade demográfica de cidades como
Manaus e Belém ultrapassa 1,2 milhão de habitantes, com
problemas típicos das grandes metrópoles, como os
relacionados à saúde, saneamento, energia elétrica e educação. Quais são os principais problemas que o senhor identifica
no seu estado e, sabendo da impossibilidade de todos serem
resolvidos, quais os problemas que o seu governo vem se
empenhando em resolver? E de que maneira?
EB - No Amazonas esse problema é ainda mais acentuado,
uma vez que Manaus é uma cidade-estado, que concentra a
metade da população do estado, graças principalmente à
Zona Franca, como falei anteriormente. O que estamos fazendo é desenvolver projetos para fixar o homem no interior
e evitar o "inchaço" ainda maior da capital. É o caso da Zona
Franca Verde, que também citei anteriormente. E para tentar
solucionar os principais problemas da capital, investimos o
que podemos. O Projeto Cidadão, que está em execução, já
atende mais de duas mil famílias em situação de risco social
na capital. As pessoas recebem cursos profissionalizantes,
bolsa-escola para manter os filhos estudando, possibilidade
de estágio, documentação e alfabetização, para quem não
conseguiu freqüentar a escola. Além disso, estamos removendo para conjuntos habitacionais construídos pelo estado
famílias que habitavam a margem dos igarapés que cortam a
cidade, sem as mínimas condições de higiene. Nesses locais, são realizados serviços de drenagem e limpeza. Conseguimos ainda recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, para incrementar o trabalho de saneamento em alguns dos principais igarapés de Manaus. Por
outro lado, lançamos o programa "Manaus Mostra o Caminho", que pretende resolver os principais problemas do trânsito na cidade, abrindo vias de ligação nas regiões que mais
crescem. Fizemos ainda esforços para garantir o abastecimento de energia tanto para a capital quanto para o interior.
Já instalamos vários grupos geradores e renovamos contratos com produtores independentes de energia. Nosso
combate a endemias como a dengue e a malária tem dado
resultados. Para tanto, contamos com parcerias importantes, como a do Exército. Enfim, estamos cuidando do nosso
povo.
Sabemos que um homem sem meios de assegurar a sua
subsistência e de sua família é uma presa fácil para crimes
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como corte ilegal de madeira, tráfico de entorpecentes, prostituição, entre outros. O que tem sido feito pelo seu governo
para assegurar ao cidadão nativo uma renda que lhe permita
manter a dignidade?
EB - Isso é uma obsessão do nosso governo. Na campanha,
dizíamos que uma de nossas principais metas era atrair indústrias de componentes para Manaus. Muitos duvidavam. Pois
conseguimos. Algumas já se instalaram e outras, como a
Multibrás e a CCE, que importavam praticamente todos os
seus componentes, agora já produzem grande parte deles.
Isso, aliado ao trabalho para a prorrogação da Zona Franca,
atraiu mais indústrias para nossa capital. Empresas como a
LG, Semp-Toshiba, Moto Honda e Evadim já anunciaram a
expansão de seus investimentos. O resultado é que geramos
no primeiro ano 56 mil novos empregos, contando ainda com
a realização de três grandes concursos públicos para as áreas de segurança, educação e saúde e com investimentos diretos em microempresas, por meio da Agência de Fomento.
Vamos persistir nesse trabalho, até porque prevemos a geração de vários outros empregos este ano em várias áreas.
Além dos problemas que atingem diretamente o cidadão
amazonense, existem questões que precisam ser abordadas,
como a exploração da região por grupos que sobrepõem os
interesses mercantis aos nacionais e sociais, como a
biopirataria, a queima desordenada etc. Como o senhor analisa
essas questões e o que tem sido feito pelo seu governo?
EB - Todos os nossos projetos de governo têm um só objetivo, que é o de garantir o Amazonas para os amazonenses,
com mais empregos, mais energia, mais atividade econômica. No que diz respeito à biopirataria, nossa atitude é de
cooperação com o governo federal, que é o responsável
direto pelo combate a esse tipo de crime, por meio do Ibama
e da Polícia Federal. Temos trabalhado em conjunto,
disponibilizando estrutura e até recursos para que o nosso
território seja preservado dessas incursões criminosas. Nossa polícia e nossas autoridades ambientais estão absolutamente empenhadas nesse processo.
O que é a Zona Franca Verde?
EB - Baseado no conceito de desenvolvimento sustentável,
o programa Zona Franca Verde já é realidade nas
mesorregiões do Alto Solimões, do Juruá e de Maués, com
projetos que buscam utilizar os recursos naturais de cada
região para geração de emprego e renda, com respeito à
natureza. Utilizando técnicas modernas, como o manejo florestal e de pesca é possível usar de forma inteligente os
recursos naturais como a madeira e os produtos não-madeireiros, a pesca e a piscicultura bem como a agricultura
familiar, sem agredir a natureza.
Em cada região, o estado está investindo no apoio a ativida-
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Revista Beija-Flor
des produtivas e na melhoria da infra-estrutura urbana e social. Em parceria com as prefeituras, o governo do estado
fornece apoio técnico, científico e financeiro, incentivando
dessa forma a implantação de indústrias de extração e
beneficiamento dos recursos naturais. Já foram aplicados
R$ 35 milhões no Alto Solimões e no Juruá. Em Maués, o
programa de investimentos para os próximos 10 anos, em
parceria com a iniciativa privada, chega a R$ 60 milhões.
Ao mesmo tempo o estado se empenha na conservação da
natureza, com a criação de áreas protegidas. Foram criados
sete parques e reservas de proteção ambiental estaduais, que
somados têm quatro milhões de hectares. O governo está
também reforçando o conceito de reserva de desenvolvimento sustentável, uma forma de proteção da floresta que prioriza
o homem. Enquanto nas unidades de preservação a população era removida de seu hábitat, nas reservas de desenvolvimento ela é mantida em seu lugar e apoiada para usar os
recursos naturais de forma sustentável, contribuindo assim
para a proteção da área.
Como já havíamos anteriormente comentado, a região
amazônica é o grande desafio dos nossos líderes, nos âmbitos
municipal, estadual e federal. Com uma análise que extrapola
e congrega a sua visão de governador, cidadão amazonense e
brasileiro, qual a missão da Amazônia?
EB - A Amazônia tem papel fundamental na biodiversidade do
planeta. Aqui são desenvolvidas pesquisas que beneficiam
toda a humanidade. O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), por exemplo, tem dado importante contribuição
nesse sentido. O Amazonas, como disse, é um exemplo na
área da preservação e vai continuar sendo, com os projetos
que estamos implantando. Na área de pesquisa, acabamos
de investir mais de R$ 14 milhões para incentivar novos projetos. Criamos ainda a Secretaria de Ciência e Tecnologia, que é
dirigida por uma pessoa muito respeitada pela comunidade
científica, que é a professora Marilene Corrêa. Estamos avançando nessa área e vamos avançar ainda muito mais.
Como o senhor analisa a decisão da Beija-Flor de Nilópolis de
elaborar o desfile de 2004, ano em que a agremiação completa
50 anos de existência, abordando a questão da Amazônia?
EB - É fundamental que utilizemos a nossa cultura para falar
daquilo que fazemos e temos de bom. A Beija-Flor, atual campeã do Carnaval carioca, é uma vitrine muito importante para a
comunidade internacional. Eles precisam saber que cuidamos
bem da nossa biodiversidade. Isso evitaria comentários maldosos de grupos que insistem na tese da internacionalização
da Amazônia. Tenho tomado conhecimento de que os diretores da escola têm vindo constantemente colher subsídios aqui
no estado e que artistas nossos, de Parintins, estão ajudando
a concretizar o carnaval da escola. Isso é muito importante,
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para dar fidelidade à abordagem que a agremiação fará na
Avenida. Ouvi o samba-enredo e gostei muito. É preciso falar
dessa Amazônia que dá certo e o Amazonas, em particular,
tem muito a colaborar nesse sentido. Espero que, com esse
tema, a escola ganhe mais um campeonato.
Que mensagem gostaria de deixar para os leitores da revista?
EB - A mensagem de que é importante evoluir e o Amazonas
está evoluindo, cuidando de sua gente e trabalhando de olho
no futuro. Parabéns à Beija-Flor pela escolha do enredo.
Estamos aqui de portas abertas para todos os sambistas que
queiram somar conosco e conhecer melhor nossa cultura.
Aproveito para convidar a todos para prestigiar nosso Festival Folclórico de Parintins, uma das mais importantes manifestações culturais do país, que ocorre nos dias 28, 29 e 30 de
junho. Venham curtir conosco o que existe de mais impressionante na nossa cultura. Estamos investindo para ampliar a
capacidade do Centro Cultural, o Bumbódromo, e da própria
cidade de Parintins, para atender melhor a demanda. Fazemos o mesmo em várias outras frentes, já que temos festas
Governador Eduardo Braga
importantíssimas em todo estado, ao longo de todo ano. E
vale ressaltar que nosso Carnaval também é forte e este ano
reunirá certamente mais de 100 mil pessoas no Sambódromo.
natureza e cultura a serem decifradas
Desde que os primeiros desbravadores puseram os
pés na Amazônia, por volta do século XVI, estabeleceu-se
uma relação entre o homem branco e a natureza definida
pelo ímpeto de revelar e de tentar compreender o enigma
em que se constitui a floresta e seus habitantes. Passados
mais de cinco séculos e com alguns importantes avanços
no campo científico em relação ao conhecimento que se
tem da região, a Amazônia permanece como uma esfinge
a fustigar: decifra-me...
Tarefa de grande envergadura essa de revelar aquilo
que é, ao mesmo tempo, real e simbólico. Sim, a Amazônia
é um imenso bioma com cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados, riquíssima biodiversidade em termos
de fauna, flora, microorganismos e recursos hídricos. Tudo
isso inserido em uma complexa mescla de culturas de povos tradicionais, sobretudo índios e populações caboclas
que se fundem ao próprio lugar por meio de delicadas
tramas de significados e simbolismos vários. Cultura e meio
ambiente são indissociáveis. E este é mais um dos campos
que a região oferece ao mundo para ser compreendido.
Talvez nessa busca que ultrapassa o material possamos
aprender como melhor cuidar dessa terra.
Tudo é diverso, amplo, mega, hiper quando se fala da
Amazônia. Tudo é superlativo. A Amazônia é a mais rica
floresta tropical do mundo. A parte brasileira corresponde
a 60% de toda a região que se estende ainda por outros
oito países da América do Sul. Ali se encontra um quinto
da água doce do planeta, um número improvável de plantas, peixes, insetos, aves, mamíferos, répteis, anfíbios e
microorganismos que podem guardar segredos de extrema importância para a humanidade. Isso sem falar nas
peculiaridades do clima e todas as outras invisibilidades
que determinam que a Amazônia seja o que ela é. A verdade é que a fina trama de tudo ainda está muito longe de ser
compreendida.
Em relação aos povos da floresta, os mistérios não
são menores. Ainda hoje, em plena era tecnológica, há
comunidades humanas na Amazônia que vivem sem
contato com o resto do mundo, com padrões e referências culturais que nem sequer suspeitamos. E cremos
que assim devam continuar.
Ribeirinhos e habitantes dos rincões amazônicos vivem há séculos em simbiose com a mata, o que não
significa que vivam em "perfeita" harmonia. Mesmo porque tais povos acabam assimilando modos civilizados
nocivos ao meio ambiente. Todavia, se esse homem
amazônico por vezes é vetor de degradação também
será ele o principal fator de manutenção da floresta. Ninguém em sã consciência pode esperar que um governo
de um país possa dar conta sozinho de proteger algo
que tenha as dimensões e a magnitude amazônicas. Somente
seus habitantes bem instruídos,
garantidos em seu direito à terra
e com a segurança das condições básicas é que darão conta
de semelhante feito.
Assim, acreditamos sobretudo no homem amazônico e, para
isso, defendemos uma política
que integre as comunidades ao
processo de desenvolvimento
que seja sustentável e baseado
na vocação eminentemente florestal da Amazônia. Em cada
mistério, uma solução. Em cada
enigma, a direção do caminho a
seguir.
Marcus Barros
presidente do IBAMA
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E NSAIO
DESFILE DAS ESCOLAS DE
SAMBA e a memória coletiva
Edson Farias
O simples ato de lembrar, sabemos, está longe de algo
meramente espontâneo. No tocante à vida de uma pessoa,
implicações físicas ou emocionais, ou, ainda, a combinação
de ambas, podem constranger o uso da memória. Quando
se trata de uma sociedade nacional, como o Brasil, a situação é bem mais complexa. Basta pensarmos na extensão da
área territorial do país, mas sobretudo na variedade múltipla
de indivíduos e grupos que a habitam, dotados de trajetórias
e interesses igualmente diversos ou até mesmo díspares,
contraditórios entre si. Logo, podemos concluir sobre as
muitas negociações e lutas envolvidas na projeção adquirida
por um personagem, evento ou processo que, alçado do
passado, torne-se relevante no cotidiano da nação, hoje. A
depender do conteúdo social inscrito em determinado acontecimento histórico, a lembrança e o esquecimento poderão
resultar em conseqüências desastrosas para o futuro da
comunidade ou decisivos à sua renovação. Afinal, em se
tratando desta última possibilidade, a consciência dos cidadãos agora poderá considerar outros aspectos para reavaliar
interpretações no presente e, assim, trocar os sinais na direção do futuro. Mas vale ressaltar que a vigência de um ou
outro resultado está condicionada ao momento posterior ao
exercício mesmo de rememorar.
À luz deste quadro, o desfile das escolas de samba do
Rio de Janeiro, ao longo do seu percurso histórico, tem desempenhado importante papel na formação não apenas de
uma imagem do Brasil. Ou seja, esse evento anual, além de
constituir um poderoso veículo de divulgação da cultura brasileira, obtendo êxito no implemento da atividade turística,
também contribui para remodelar a memória e fortalecer a
saúde civil do país, na medida em que os enredos cantados
e contados na pista carnavalesca revolvem o passado ou
iluminam o presente, trazendo à cena pública nomes e situa-
46
Revista Beija-Flor
ções, a princípio, invisíveis. Porém, a partir da atitude de
rememorá-los, os percebemos imprescindíveis à melhor
compreensão do dia a dia nacional.
Os já familiarizados com o desfile das escolas de samba
reconhecem se tratar de um evento artístico-cultural popular
específico, porque se define como um cortejo com características dramatúrgicas e audiovisuais, mas possuindo dotes
de canto e dança, ambos sustentados na tradição percussiva
do samba. Não é esta a oportunidade de esmiuçar os encaminhamentos mediante os quais se chegou a esse formato.
Importante é destacar a peculiaridade nessa mesma formação, a saber, a presença de enredos a cada ano renovados.
Como sugere a antropóloga Maria Laura Viveiros de Castro
e Cavalcanti, o enredo - como trama central no cortejo -, pela
troca anual de temas, correlaciona, numa negociação tensa
entre reciprocidade e repulsa, agentes e idéias díspares arrumados na forma estética e cultural do desfile. Ou seja, é
mediante a forma de uma grande ópera-balé de rua, motivada pela narrativa descrita tanto nos elementos cenográficos
e nas indumentárias quanto na música que se estabelece o
diálogo entre os mais diversos planos sociais constituintes
da cidade e do país. Estão, portanto, montadas as condições para que traços da memória coletiva urbana e nacional
sejam ressignificados.
Data do final da década de 1920 o início das apresentações públicas das escolas de samba cariocas. Aquele fora
um período conturbado na história do país, já que o regime
republicano instalado em 1889 representara não simplesmente
a troca de um sistema governamental, envolvera também
outras alterações bem mais profundas. Principalmente, o que
ganhava impulso era um lento processo de democratização,
para o qual muito contribuíram as lutas tendo por cume o fim
do trabalho escravo. Aliás, a existência das escolas e seus
www.beija-flor.com.br
desfiles são expressivos deste movimento, pois exprimem a
possibilidade de grupos até então marginalizados darem voz
aos seus anseios pelo canto e dança, participando de um
lento mais constante enfrentamento visando à conquista do
direito de negros, mestiços e pobres pelo reconhecimento
público como pessoas dignas de respeito. Ao mesmo tempo, a década de 1930 igualmente marcou deslocamentos
nos equilíbrios de poder no plano nacional; encerrava-se o
domínio majoritário das oligarquias na cena política do país.
O crescimento das cidades e o fôlego tomado pelo desenvolvimento industrial contribuíram para a ascensão de outros
grupos mais comprometidos com um projeto nacional.
Deste modo, Getulio Vargas chega ao poder federal, e
assim estivera por 15 anos, no comando de uma ditadura
nacionalista. A natureza ambígua deste momento surge porque o Estado Novo implicou a perseguição e a opressão de
adversários políticos do governo; contudo, também são
lançadas as bases de uma industrialização mais vigorosa,
com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, por exemplo. Igualmente eis o período em que os empenhos orientados para a defesa e divulgação de uma cultura nacional adquirem importância nas políticas públicas estatais. De fato, o
"Brasil" se torna um tema apreciável, vale lembrar das canções de Ary Barroso e Dorival Caymmi, ao lado da figura
tropical de Carmem Miranda. A imagem do carnavalesco
país mestiço, quente, alegre se espalha pelas ondas do rádio
e pelas fitas cinematográficas.
É aspirando tal atmosfera que as então jovens escolas
de samba estavam experimentando fórmulas a serem incorporadas nas suas exibições carnavalescas. Mas coube aos
integrantes da Império Serrano a melhor adequação deste
clima patriótico nos ingredientes musicais e cenográficos dos
desfiles. Na metade final da década de 1940, a agremiação
se notabilizou desenvolvendo em suas tramas personagens
e episódios centrais da história brasileira, como "Tiradentes"
e "Batalha naval do Riachuelo", por exemplo. Nessa mesma
época, já sob o impacto da Guerra Fria, em meio ao que era
considerada a "ameaça comunista", o governo do marechal
Eurico Gaspar Dutra impõe os temas nacionalistas às escolas de samba.
No entanto, a chegada dos anos 50 trouxe maior ênfase
à tendência de ampliação dos debates sobre o país,
deflagrada desde o início do movimento modernista, em 1922.
O crescimento de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro
tanto colocara em tela novos grupos, sobretudo os operários fabris, quanto permitira uma maior circulação de idéias
sobre o Brasil, acentuado seja com a expansão dos órgãos
voltados para produção e divulgação da cultura erudita e
popular seja devido à implantação das primeiras universidades, ocorrida na década de 1930. A percepção quanto às
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E NSAIO
contradições socioeconômicas, regionais e étnico-raciais
absorvem a atenção de diversos intelectuais e artistas. É
questionada a maneira mesma de apreender a história do
país. Ora, já em 1959, a novata Acadêmicos do Salgueiro foi
um canal de expressão dessas insatisfações. Afinal a assinatura dos artistas plásticos Dirceu e Marie Louise Nery à sua
apresentação na avenida Rio Branco, a partir do enredo "Viagem pitoresca pelo Brasil", adequou reajustes estéticos ao
relevo dado aos personagens priorizados na narrativa. Enfim, as pinturas do pintor alemão Rugendas, um dos membros da missão artística aqui presente, em 1816, por encomenda do príncipe regente d. João VI, inundou a pista carnavalesca com a recriação de cenas coloniais, que retratavam
hábitos cotidianos, principalmente, dos africanos e seus descendentes escravizados.
A ousadia do Salgueiro não parou aí. No ano seguinte,
mas agora capitaneada por outro artista plástico, Fernando
Pamplona, no comando de um grupo de estudantes da Escola de Belas-Artes, instaura-se uma seqüência temática devotada a resgatar heróis populares negros ou mulatos. Sucedem-se: "Zumbi dos Palmares", "Aleijadinho", "Chica da Silva", "Chico Rei" e outros. Vejamos em que essa pesquisa
estético-antropológica assinala os comprometimentos que
pavimentam as direções tomadas pela memória coletiva,
48
Revista Beija-Flor
como chamamos atenção antes. No decorrer dos anos 60
as bases sociais das escolas de samba se ampliam e a
presença desses artistas de formação erudita dá conta disso. Mas não apenas. A transferência dos desfiles para a avenida Presidente Vargas, a implantação de arquibancadas e a
utilização de uma exuberante decoração aérea e nas laterais
da pista superdimensionam a notoriedade do evento, cada
vez mais apreendido pelo seu potencial turístico e, ao mesmo tempo, torna-se alvo do interesse das emissoras comerciais de televisão em busca de ampliar sua audiência. Por
outro lado, a popularidade gozada pelas escolas atrai contingente diversificado e numeroso aos seus locais de ensaio.
Novas alas então se formam e também novos quadros de
liderança administrativa e estética.
É na esteira desse movimento de transformação do Brasil em um país urbano-industrial, traduzido no interior dos
processos e estruturas do Carnaval das escolas de samba,
que o modo mesmo de conceber o país nos enredos ganha
matizes, inserindo outras cenas, episódios e personagens.
Não apenas o negro, mas também o índio, como o fez a
Portela, em 1970, ao apresentar "Lendas e mistérios da Amazônia". Nesse sentido, a mesma escola oferece em 1975 um
momento auspicioso. Por escolha do departamento cultural,
fora tomado o célebre livro "Macunaíma", de Mário de
Andrade, para inspirar alegorias, fantasias e o samba-enredo. Assim, antecedendo o filme de Joaquim Pedro e a peça
teatral de José Celso Martinez, a Portela levou à avenida
Antônio Carlos a saga do anti-herói brasileiro imaginado pelo
escritor paulista e um dos expoentes do modernismo no
país. Macunaíma é a imagem antropológica de uma tropical
nação complexa, graças às suas características mestiças e
às contradições tão flagrantes, aliando não somente africanos, portugueses e ameríndios, mas alegria e miséria, preconceito e malandragem.
A inserção de novos traços e tons impingindo
remanejamentos na imagem do Brasil e dos brasileiros era,
naquele momento, contemporânea do garrote político e
institucional imposto pela ditadura militar ao conjunto civil.
Regime de exceção cuja permanência por mais de 20 anos
no poder em muito se justificou por ressaltar o credo no
progresso a todo custo, às expensas dos estragos culturais,
sociais e ecológicos que pudesse provocar. Tanto o esgotamento desse modelo de desenvolvimento econômico quanto os passos hesitantes dados pela redemocratização do
país abriram a senda à reflexão e crítica das transformações
e conseqüências do ímpeto modernizador. A picardia do
carnavalesco Fernando Pinto, como ninguém, apreendeu e
retratou a situação, ironizando os efeitos do modo agressivo
de integração que não considerou as diferenças culturais, as
desigualdades étnicas e de classe e o equilíbrio ambiental.
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Para o desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel,
de 1985, ele idealizou a exuberância idílica e etnológica do
Xingu imolada pelos símbolos da modernidade urbano-industrial, que aterrissava junto a um enorme pássaro metálico. São inesquecíveis as cenas dos índios ciclistas ou sob
patins ou skates, ouvindo walkman. Já em 1987, o autor imaginou a futurista sociedade de consumo tupiniquim na paisagem da conturbada "Tupinicópolis". Shopping centers, letreiros luminosos, insegurança, poluição, longos congestionamentos, superpopulação, prostitutas, enfim, ícones das metrópoles confundiam-se com os índices indígenas. Contudo,
o instante em que a dúvida sobre o que representou a modernização do país adquiriu maior dramaticidade foi aquele
do desfile da Beija-Flor em 1989. Ali, no rasgo definitivo da
genialidade de Joãosinho Trinta, a invasão do Sambódromo
por mendigos e loucos sob os braços do Cristo andrajo
compôs a abertura do enredo "Ratos e urubus larguem minha fantasia".
Vale dizer, porém, que no rastro dessas alterações
concomitantes ao aprofundamento democrático no Brasil,
mas em meio ao incremento das dificuldades
socioeconômicas nas duas últimas décadas, tomaram vulto
outros esforços de correção da imagem pública de grupos
formadores da população nacional. Mulheres e negros, por
exemplo, nas últimas décadas enfrentaram a condição subalterna e os estigmas. Os movimentos sociais envolvidos
com tais objetivos se dispuseram a ver prevalecer leis e
políticas públicas orientadas a fazer justiça diante deste quadro de iniqüidade e igualmente pressionaram a consciência
nacional para reavaliar seus limites, incluindo a diversidade
de gênero e étnica. Uma vez mais, os modos de lembrar e as
questões recordadas nos temas das escolas de samba ajudam a compreender as negociações envolvidas com os
conflitos que constituem a dinâmica da sociedade. Já no
atual século, em 2001, a Comissão de Carnaval da mesma
Beija-Flor decidiu narrar, agora no Sambódromo, uma outra
saga de um personagem também popular, mas tratava-se
de uma mulher negra - a da rainha Agotime. Vítima do ardil do
enteado, que lhe usurpou o trono, e vendida aos traficantes
de escravos que a trouxeram ao Brasil, a odisséia da rainha
do Daomé transcendeu a versão, reduzindo-a a uma mera
peça substituível da economia colonial portuguesa. Na trama
exibida na Passarela do Samba, Agotime atravessa o Atlântico com a missão mística de reunir seu povo, dispersado
pela diáspora, e recriar o culto dos vodus nas terras do
Novo Mundo. Indo às minas de Lençóis, no interior da Bahia,
obtém recursos para comprar a alforria e, aconselhada por
Ifá, toma o destino de São Luís, pois lá estariam muitos dos
seus conterrâneos. Na capital do Maranhão, ao fundar a Casa
do Tambor de Mina, cumpre a sina e, mais ainda, enraíza na
América uma importante instituição de guarda e divulgação
das tradições dos afro-descendentes. Revelando nestes mais
que multidões passivas e, sim, gente com histórias prenhes
de significado ao entendimento do presente.
Exemplos como os aqui mencionados poderiam ser sacados aos montes, entretanto o importante é sublinhar como
o ritual festivo, no seu formato de espetáculo de rua expressa, ao lembrar e divulgar, a trama social tensa. Assim, a exposição, pelo amplo diálogo que instaura, pode contribuir para
reorientar a direção da memória e a compreensão que todos
nós, cidadãos, possuímos da rede da qual somos agentes e
produtos.
Edson Farias
é sociólogo e professor do
Programa de Pós-Graduação
em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia.
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Revista Beija-Flor
www.beija-flor.com.br
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E NSAIO
Carnaval e nacionalismo
o amor ao Brasil em ritmo de samba
Hiram Araújo
Quando, na segunda metade do século XIX, o Carnaval
carioca modelo português se esgotou e começou a ser substituído pelo Carnaval carioca modelo refinado europeu, a fesFoto: DT
ta ganhou outros contornos.
O Carnaval carioca modelo entrudo português, um artifício do poder dominante para evitar movimentos revolucionários capazes de trazer riscos à ordem pública, tinha um
significado emblemático, funcionando como válvula de escape, capaz de liberar as tensões sociais reprimidas. E se
destinava, prioritariamente, às camadas sociais escravizadas, devolvidas à rua simbolicamente para expressarem suas
culturas.
Essas conquistas de territórios provisórios eram consideradas "selvagens" porque as ocupações dos trechos concedidos geravam disputas entre grupos carnavalescos, com
brigas e perseguições policiais.
A modernização da cidade do Rio de Janeiro estimulou,
em 1855, um grupo de intelectuais, à frente José de Alencar,
a se organizar e, buscando inspiração na França, fundar o
primeiro clube carnavalesco do Brasil, chamado Congresso
ropeu, com passeatas pela cidade.
A partir daí se inicia um novo ciclo no Carnaval carioca.
Os espaços das ruas são ordenados em áreas delimitadas: a elite foi para a rua do Ouvidor e, a ralé, para o largo de
São Domingos (proximidade da atual avenida Presidente
Vargas).
Nas grandes sociedades, pessoas de alto nível social e
intelectual como José de Alencar, Muniz Barreto, Pinheiro
“Numa primeira etapa os enredos abordam a história do
Brasil e são apresentados didaticamente em versos descritivos que são verdadeiras aulas expositivas.”
Guimarães e Manoel Antonio de Almeida, entre outros.
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Revista Beija-Flor
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As três mais famosas grandes sociedades da cidade
aglomerado comercial, obrigando a população a se transfe-
iniciaram a participação do nacionalismo no Carnaval, im-
rir para as periferias da cidade: os ricos vão para a Zona Sul
plantando movimentos patrióticos de emancipação da es-
e os pobres para os morros e subúrbios.
cravatura e instauração da República.
Sem comunidades de apoio, o Carnaval carioca modelo
Com o surgimento dos pufes (transcrições literárias dos
refinado europeu entra em crise e desaparecem as grandes
enredos nos jornais) saem publicações nos jornais produzi-
sociedades e ranchos carnavalescos, carros-chefes do Car-
das por escritores, poetas e jornalistas exaltando o naciona-
naval carioca.
lismo.
A ascensão do governo Vargas ao poder, na década de
A apropriação dos ranchos carnavalescos, de origem
1930, traz uma mudança de postura perante a cultura popu-
nordestina, pela classe média, transformou suas apresenta-
lar, transformando a perseguição em proselitismo (entram
ções em verdadeiras operetas, produzindo belos enredos
em cena os novos conceitos de cultura de massa).
de cunho cultural baseados na "Aida", de Verdi, e na "Divina
Comédia", de Dante Alighieri entre outros.
A predominância de temas com histórias universais despertou o protesto do escritor Coelho Netto que em uma crô-
As agremiações carnavalescas nascidas nos subúrbios
e bairros logo ganham os nomes de escolas de samba, e
começam a escrever um novo capítulo na história do Carnaval carioca.
nica, no jornal "A Noite" de 22 de fevereiro de 1925, condenou
Inicia-se o processo de democratização do Carnaval,
o excesso de aproveitamento das lendas gregas e romanas
com a participação de todas as camadas sociais num mes-
nos cortejos alegóricos das grandes sociedades e ranchos
mo ambiente, e uma nova concepção de nacionalismo no
carnavalescos.
Carnaval.
O Ameno Resedá, rancho escola que iniciou o processo
de transformação dos ranchos nordestinos em pequenas
sociedades, de imediato deu apoio ao "Príncipe dos Trovadores", outorgando-lhe o título de "Persona (muito) Grata".
Em 1924 o Ameno Resedá levou o enredo do Hino Nacional, mas teve uma má classificação, fazendo com que os
Em 1933 é criada a União Geral das Escolas de Samba,
elo com o governo Vargas.
Em 1934, o governo Vargas começa uma política de controle e censura das atividades carnavalescas, criando o Departamento Oficial de Publicidade (DOP), que, em 1937 se
transforma na Divisão de Informação e Propaganda (DIP).
dirigentes daquele rancho escrevessem ao renovado escri-
Em 1935 o prefeito Pedro Ernesto convoca as escolas
tor e poeta Coelho Netto o seguinte: "Na verdade, com muito
de samba e as oficializa, exigindo a apresentação dos estatu-
maior facilidade se adapta um enredo histórico ou tradicio-
tos sociais e alvarás de licença.
nal, quer de fantasia ou de amor, a um préstito, onde imagens
Cumpridas as exigências, as escolas de samba ganham
nunca foram corporificadas, mas apenas idealizadas e, onde
as siglas GR (Grêmio Recreativo), com direito a terem vida
em conseqüência, o artista é forçado a aplicar toda concep-
legal e uma verba de ajuda (subvenção) para empregarem
ção, criando as figuras simbolizadas no verso, dando-lhes
vida, apresentando-as em sentido figurado, com mais realidade possível..." (trecho extraído do livro "Carnavais de guerFoto: AL
ra", de Dulce Tupy, transcrito do livro "Carnavais" de Jota Efegê).
A incursão do nacionalismo nos enredos das grandes
sociedades e ranchos carnavalescos, em conseqüência,
perde força.
As reformas arquitetônicas empreendidas pelo prefeito
Pereira Passos, em 1904, transformam a cidade aldeã do Rio
de Janeiro numa megalópole ao estilo parisiense.
Hiram Araújo
A derrubada das casas coletivas substituídas por edifícios comerciais, as estreitas ruas dando lugar a avenidas e
viadutos tornam o centro da cidade, outrora residencial, um
é pesquisador de
carnaval e diretor
Cultural da Liesa
fevereiro 2004
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E NSAIO
em seus carnavais.
A tendência das escolas de samba era seguir as regras
Em 1953, Osvaldo Vitalino (Padeirinho) faz homenagem
a Getulio Vargas:
da internacionalização do Carnaval usadas pelas grandes
sociedades e ranchos carnavalescos, entretanto, em 1938,
"No ano de 1883, no dia 19 de abril
Nascia Getulio Dornelles Vargas
Que mais tarde seria presidente do Brasil
Ele foi eleito deputado
passa a constar no regulamento dos desfiles a obrigação
dos temas nacionais.
Nesse ano não houve desfile.
Para defender as cores de nosso país."
No ano seguinte, em 1939, a Escola de Samba Vizinha
Faladeira, considerada a mais rica da época, desconhece a
Em 1963, Anescarzinho e Noel Rosa de Oliveira cantam
proibição e leva o enredo "Branca de Neve e os Sete Anões".
Chica da Silva, tirando do anonimato uma figura da história
Apesar da bela apresentação, a Vizinha Faladeira foi
do Brasil:
desclassificada e desapareceu do cenário carioca, reaparecendo somente muito tempo depois.
O nacionalismo no Carnaval deve ser estudado como
um capítulo nas escolas de samba.
Entra em cena o veículo samba de enredo na transmissão de mensagem da escola de samba.
"Apesar
De não possuir grande beleza
Chica da Silva
Surgiu no seio da mais alta nobreza
O contratador João Fernandes de Oliveira
A comprou para ser a sua companheira."
O samba de enredo passa a exercer a função da escola
tradicional nas comunidades, levando os ensinamentos através dos cantos da escola.
Numa primeira etapa os enredos abordam a história do
Brasil e são apresentados didaticamente em versos descriti-
Em 1962, Cabana já havia composto, para a Beija-Flor
de Nilópolis, "O Dia do Fico", contando detalhadamente este
belo episódio da história do Brasil que transcrevo na íntegra
como registro para a posteridade:
vos que são verdadeiras aulas expositivas.
Em 1946, Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira fizeram
"Conferência de São Francisco":
"Restabeleceu a paz mundial
Depois da guerra mundial
A união entre as Américas do Sul, Norte e Central
Nunca existiu outra igual
Na vida internacional."
Em 1949, Mano Décio, Penteado e Estanislau Silva fazem
o antológico "Exaltação a Tiradentes":
"Joaquim José da Silva Xavier
Morreu a 21 de abril
Pela independência do Brasil
Foi traído e não traiu jamais
A inconfidência de Minas Gerais..."
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Revista Beija-Flor
" 'Como é para o bem de todos
E felicidade geral da nação
Diga ao povo que fico'
E isto aconteceu...
No dia 9 de janeiro de 1822
Data que o brasileiro jamais esqueceu
Data bonita... Palavras bem feitas...
Que o povo inteiro aplaudiu
Preconizando d. Pedro I
'Ilustre Defensor Perpétuo do Brasil'
Foi uma data de glória
Um fato marcante em nossa história
Este momento de glória
Deste povo varonil
Também exaltamos agora
Homens que lutaram
Pelo 'FICO' no Brasil
José Clemente Pereira
E José Bonifácio
Que levaram ao palácio, a petição
Levando a d. Pedro I
Que permanecesse em nossa nação
...Mas como é..."
www.beija-flor.com.br
E NSAIO
Ou como a Beija-Flor de Nilópolis
venceu na Sapucaí e na vida
Karla Legey
O repórter tentava entrevistar a mulher que, vestida em
Reis, rainhas, deuses, deusas, seres alados, orixás, san-
um vestido simples e envelhecido, mantinha seu olhar fixo e
tos e santas, guerreiros, damas da corte, príncipes e prince-
os gestos contidos em total concentração.
sas, heróis e heroínas, passistas ornamentados com pe-
O repórter insiste nervosamente no depoimento daquela
dras preciosas, baianas bordadas de ouro e sonhos... mes-
mulher vestida de andrajos. Talvez um nervosismo fruto do
tres-sala e porta-bandeiras, todos homens e mulheres da
frenesi local - era domingo de carnaval.
comunidade, integrantes de uma mesma família, a família
E lhe pergunta: "E a senhora, o que faz?"
Beija-Flor, e que são as verdadeiras estrelas e celebridades
A mulher, como que saindo de um transe, calmamente
dessa festa.
respondeu: "Eu? Eu sou atriz e, hoje, serei melhor que a
Fernanda Montenegro".
A Beija-Flor de Nilópolis, ano após ano, contribui para a
manutenção dessa conquista, de elevação da auto-estima
O repórter, surpreso com a resposta, não teve tempo de
de cada um de seus componentes no momento em que
refletir no que dizia aquela mulher que, concentrada no des-
descobrem sua importância no barracão, nos ensaios, na
file da sua escola, completou: "Olha, moço, eu sou domésti-
avenida... durante o ano todo.
ca. Mas hoje, aqui no desfile, sou atriz e a melhor delas... Vou
É por isso que muitas vezes vemos nos trens, nas caixas
fazer o povo vibrar e se emocionar, e farei a minha Beija-Flor
de supermercados, nas lojas e no comércio informal o sor-
ganhar... viu? Já virei atriz e poeta!"
riso desses deuses guerreiros, reis e rainhas que trazem
O repórter, preocupado com os detalhes técnicos de
para as ruas, para o seu dia-a-dia o resultado da total valori-
sua entrevista, não foi capaz de perceber a emoção daquele
zação do ser humano e do que é fazer parte de uma comu-
momento. Nem o brilho daquele olhar ou o coração acelera-
nidade, de uma família: a família Beija-Flor!
do batendo no ritmo do bumbo da bateria nota 10 sob a
"É gente humilde, que vontade de..."
batuta de Mestre Paulinho.
.... aplaudir!
Desatento, deixou passar o que há de mais essencial nos
desfiles de carnaval: a emoção.
Perdeu a oportunidade única de descobrir que mágica é
essa que transforma seres comuns em deuses, agindo intensamente na visão de si mesmo e na sua auto-estima ao
ponto de transformá-lo para melhor. A ele, aos seus amigos,
familiares e a sua comunidade.
Escola de samba, escola de vida.
Na terapia dos mais humildes, do povo dessa terra sofrida, o carnaval é forte aliado e a Beija-Flor de Nilópolis, a
concretização de muitos sonhos e vitórias.
Sentados nas arquibancadas ou em nossos lares, aguardamos com ansiedade o passar das personalidades e dos
artistas, mas o que vemos passar pelo nosso olhar curioso
e estupefato são AS VERDADEIRAS CELEBRIDADES do
carnaval.
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Uma escola de brasileiros
Maurício Louro
Q
uem acompanha a história da Beija-Flor de Nilópolis,
outros. Ajudamos a quem precisa e recebemos ajuda de
sabe que, nos seus 50 anos de desfiles, a
quem a pode dar. Patriotismo é amor e companheirismo. É
agremiação tem se empenhado em desenvolver enredos
preservar valores que, apesar de subjetivos, são fortes a
que abordem as mais diversas questões relacionadas ao
ponto de nos manter brasileiros e sempre orgulhosos.
nosso país, destacando tanto os problemas como as belezas dessa grande pátria chamada Brasil.
É bem verdade que o senso de nacionalidade desperta
na pessoa independentemente da idade, raça ou credo. Mas
A Beija-Flor de Nilópolis entende que uma escola de sam-
para se chegar ao ponto ideal, no entanto, é importante que
ba não pode estar alheia aos problemas do país em que
esse amor seja plantado e cultivado nas escolas, pelas pala-
vive, e por ter a exata noção do seu papel na construção de
vras dóceis dos "tios", sobretudo no período da infância,
um país forte, justo e soberano, ela utiliza a força do seu
enquanto nossos pequenos brasileiros ainda estão maleáveis
povo na Avenida para bradar ao mundo, em alto e bom tom,
às noções de moral e civismo.
mensagens de esperança, luta e consciência nacional.
E essa noção de pátria remete à raiz, origem. Não há país
Influenciada por esse espírito, a Beija-Flor de Nilópolis
sem cidadão, nem cidadão sem cidadania. E cidadania é
defende uma atitude de incondicional amor ao país e às suas
respeito pelas origens, pela terra, pela cultura. Por tudo aqui-
manifestações culturais, propondo que cada cidadão de-
lo que torna o indivíduo uma parte do coletivo.
monstre com atitudes cotidianas o seu amor e respeito à
O país Brasil precisa amar seu cidadão, lhe fornecendo
essa pátria, que a todos acolhe com carinho e hospitalidade.
identidade. Em troca, recebe uma das manifestações mais
Nesse momento, é importante entender que o "amor à
potentes de amor, que é justamente o patriotismo.
pátria" pode se manifestar por inúmeras atitudes discretas e
Essa troca é ainda mais sublime quando feita espontane-
cotidianas, como aquele orgulho de falar a língua, de desfru-
amente, na forma de assistência, de apoio a quem precisa de
tar com alegria o clima, as cores, os costumes e os hábitos
uma luz para vislumbrar o lado bom de estar vivo. Não se
do país. De amar, por razão mesmo incompreensível, o chão
trata do assistencialismo do ponto de vista pejorativo que a
e as raízes daquele lugar em que se nasceu e cresceu. É
palavra possa significar, mas sim de um trabalho intensivo,
patriotismo vibrar e se emocionar com as mais diversas con-
gratuito, feito por pessoas que nem de longe carregam em si
quistas do país, sejam elas no esporte, na política econômi-
aquele espírito político, de autopromoção ou coisa parecida.
ca, nas artes ou em qualquer outra situação. Sim, patriotismo
A intenção desta matéria é mostrar o que foi visto pela ótica
é emoção.
jornalística de uma outra Beija-Flor, sem ser aquela conheci-
Assim como também é patriotismo exercermos o voto
da por sua tradição - apesar da eterna juventude -, entre as
para escolher não só o que entendemos ser melhor para
escolas de samba do Rio de Janeiro. Vamos além disso.
nós, mas também para aqueles próximos, do mesmo país.
Aqui estaremos constatando que as atividades desenvolvi-
E para a própria nação. Dessa maneira, cuidamos uns dos
das pela Beija-Flor de Nilópolis, sob a batuta de Anizio Abrão
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Revista Beija-Flor
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David, a tornam uma escola de patriotismo, de nacionalismo
centenas de indivíduos que ganharam assim o seu mais im-
e de amor ao Brasil, com todos os defeitos e virtudes desse
portante diploma, que é o de cidadania. Passaram por cima
grande país com seu povo mestiçamente apaixonante.
de um destino que os poderia lançar na criminalidade ou no
Na comunidade nilopolitana e mesmo pelos municípios
ócio destrutivo. Estão por aí como eletricistas, artesãos, me-
vizinhos, não há quem não reconheça os frutos daquela se-
cânicos, educadores, advogados etc. Modernos e
mente plantada há mais de uma década. Em maio de 1980,
informatizados, prontos para o mundo como a um tempo
nascia uma alternativa de futuro melhor para as populações
jamais poderiam sonhar. São todos indivíduos, amantes de
da Baixada Fluminense e até mesmo para a cidade do Rio de
um país que, por intermédio de iniciativas de outros brasilei-
Janeiro. Era o fio de esperança em que se traduziu as ativida-
ros, puderam ter a chance de se tornar brasileiros, e de for-
des desenvolvidas pela Creche Júlia Abrão David, pelo
mar esse tal Brasil.
Educandário Abrão David e pelo Centro Comunitário Nelson
Quem diria que por trás de tudo, como alavanca mestra,
Abrão David. Cada uma surgindo no decorrer dos anos, nos
estaria uma escola de samba chamada Beija-Flor de Nilópolis.
momentos propícios. Desde então as três entidades passa-
Pensando bem, é até natural.
ram a formar o trabalho social desenvolvido e mantido pela
Afinal, não é o samba a grande tradução sonora do povo
família Abrão David, cuja meta tem sido atender a uma parce-
brasileiro?
la mais desprovida de brasileiros. Muitos, inclusive, passaram a se sentir brasileiros a partir dali.
São muitos casos a serem citados. Pessoas que chegaram à creche quando ainda eram um "rascunho de gente",
com poucos meses de vida, e que aprenderam com a educação a retribuir o que receberam da melhor forma, amando
a Beija-Flor, Nilópolis e o Brasil. Há tanto orgulho que é impossível esquecer o passado. Alguns optaram por repassar
a própria experiência a quem, hoje, vive o que foi um dia um
passado triste. E a vida continua.
A origem desse trabalho não é segredo. Foi ainda menino que Anizio Abrão David constatou a preocupação de sua
mãe, d. Júlia Abrão David, com aquela parcela da população
mais abandonada e excluída dos direitos do cidadão. A
questão da pobreza passou a sensibilizá-lo, a ponto
de entender ser necessário fazer algo que realmente pudesse contribuir para mudar esse
panorama. O tempo foi passando e, depois de
muito trabalho, tornou-se possível ajudar a quem
Anizio sempre achou que merecia. E o desenvolvimento dessa ação teria mesmo que desaguar na
educação, pilar principal da formação do cidadão. Surgiram daí a Creche Júlia Abrão David,
o Educandário Abrão David e o Centro Comunitário Nelson Abrão David, conhecido
pela sigla CAC.
Hoje, todo o trabalho de assistência social tem o mérito de ter lançado no mercado
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Uma escola de brasileiros
O
pontapé inicial está dado. Agora vamos em frente,
devolve a confiança que lhe foi passada com muito trabalho
conhecer alguns detalhes dessa escola de forma-
e dedicação.
ção de brasileiros chamada Beija-Flor de Nilópolis. Primeiro
Apesar de realizada como profissional, Maria de Lourdes
é necessário uma respeitosa apresentação, pois um grande
deixa claro que há ainda muito o que fazer a julgar por sua
projeto envolverá sempre um determinado número de pes-
rotina. Ela chega cedo e é uma das últimas a sair da creche,
soas. São profissionais dedicados e que, escolhidos pesso-
todos os dias, incansavelmente. Exige empenho dos funcio-
almente por Anizio Abrão David, carregam consigo uma gran-
nários, sabe cobrar, mas também sabe dar, estando sempre
de responsabilidade.
disponível para aquele apoio numa hora de necessidade. A
Na Creche Júlia Abrão David, essa pessoa se chama
personalidade forte ajuda em muito o seu perfil de educado-
Maria de Lourdes, e é a diretora da instituição desde sua
ra. Maria de Lourdes passa aquela impressão de firmeza
fundação, em 9 de maio de 1980, e ocupa o mesmo cargo
doce, exigindo algo de um funcionário como se pedisse um
no educandário, criado há cerca de 15 anos para dar se-
favor, incluindo sempre "meu amor" como tratamento. Não
qüência ao trabalho desenvolvido na creche: "Todos os cui-
há quem não respeite seu trabalho, inclusive Anizio, que por
dados com a educação, na creche, poderiam estar compro-
isso mesmo a escolheu como braço direito nos projetos da
metidos se, aos seis anos, a criança voltasse a se confrontar
creche e do educandário.
com a dura realidade da vida. O educandário surgiu como
Maria de Lourdes é o que é em conseqüência da educa-
continuidade ao trabalho. O Anizio se propôs a custear o
ção que teve. E ela lembra que desde o início sua educação
projeto do educandário, fazendo dele uma seqüência da cre-
foi movida por uma forte manifestação de amor ao Brasil.
che. Desde então, o atendimento é feito dos seis meses aos
Sentiu-se cidadã ao mesmo tempo em que desenvolveu um
seis anos na creche e, automaticamente, a partir daí, no
patriotismo inquestionável. É um exemplo claro da importân-
educandário", relata Maria de Lourdes.
cia da escola e da educação na formação do indivíduo: "To-
E a continuidade é mesmo literal. Segundo seu criador e
dos os dias do ano letivo se cantava o Hino Nacional. Vim do
mantenedor, Anizio Abrão David, "toda a criança assistida na
interior, de família tradicional, mas era uma aluna como outra
creche já tem a sua vaga reservada no educandário. Ela fica
qualquer. Estudei em colégio público, e me orgulho disso.
lá, estudando até a oitava série, com mais o curso
profissionalizante. Há ainda inglês, francês e quatro refeições
diárias, na creche e no educandário. Nosso intuito é ajudar a
essa criança até que ela tenha condições de construir sozinha o seu futuro".
Experiente na área de serviço social, Maria de Lourdes
Gostaria que meus filhos tivessem o que tive, passassem
pelo que passei. Ninguém lá era diferente. Amávamos a escola, os professores, a merenda que nos ofereciam. Minha
mãe nunca precisou se preocupar. Eu fui criada assim, e é daí
que me formei como pessoa", diz Maria de Lourdes.
diz ter se realizado profissionalmente a partir do momento
O exemplo é mesmo seguido à risca. Quando nossa
em que iniciou seu trabalho junto à família Abrão David. Ela
equipe de jornalismo chegou à sede da creche, sem que
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Revista Beija-Flor
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nada tivesse sido combinado - os educadores nada sabiam
trabalhar apenas a criança, mas também a família como um
a respeito do tema da matéria -, foi possível constatar o
todo - a exemplo do que ocorreu com Alessandra. Faz parte
sentimento de patriotismo trabalhado ali dentro. Ouvimos o
do processo educativo conscientizar a família de que a crian-
Hino Nacional cantado por um emocionante e estridente coro
ça precisa ter um bom acompanhamento, assistência médi-
de crianças, cada uma querendo cantar mais alto, como numa
ca, odontológica, alimentação. Para aqueles que não têm
disputa para mostrar o quão maior era o orgulho de estar
condições de pagar um plano médico para a criança, por
presente àquele ritual de respeito e amor ao país.
exemplo, a creche acaba sendo uma boa saída: "As famílias
Estávamos ali, testemunhando in loco o exercício da so-
que nos procuram são pobres. Além da assistência material,
berania de um povo através da educação. De cara, sabía-
é preciso apoio moral. Sabemos que isso é difícil no lar de-
mos que a semente do cidadão estava plantada naqueles
les, e procuramos compensar prestando esse serviço aqui.
"projetinhos de gente", brasileiros de berço, pode-se dizer.
Oferecemos acompanhamento médico, odontológico, ves-
Depois, como que por um argumento inquestionável, veio
a materialização do que vislumbramos naquelas crianças. Es-
tuário, uma excelente alimentação, educação e muito amor,
que eu acho que é a base para tudo", conclui.
távamos diante de Alessandra Gatinho, brasileiríssima, de 24
Com a ciência da importância que o trabalho desenvolvi-
anos, professora do Educandário Abrão David, onde estudou
do na creche tem na formação de cidadãos, a direção da
e se formou. Veio ainda bebê, trazida pela mãe assim que esta
creche não abre mão de cultivar naqueles estudantes a no-
ficou sabendo da criação da creche. Bom para aquela menina
ção de brasilidade. Segundo Anizio, "é assim que a pessoa
pobre, hoje casada e futura administradora de empresas, com
passa a respeitar suas origens, sua escola, e, gradativamente,
diploma de faculdade, "se Deus quiser", como ela diz. Sorte ter
agir de maneira honesta e sem pre-
encontrado educação, ensino e alimentação nos projetos
judicar os outros, que são, em últi-
assistenciais da Beija-Flor de Nilópolis. Aliás, sorte de toda a
ma análise, irmãos de pátria". O
família pois, além de Alessandra, também seu irmão, Marlon,
papel da creche estará cumpri-
se formou no educandário, onde estuda Isabela, a irmã mais
do no momento em que se
nova. Com o carinho e a educação que recebeu, Alessandra
formar essa memória, cujo di-
desenvolveu o amor ao próximo, ao país e ao mundo: "A
cionário nos traduz por meio
educação nos prepara para a vida aqui fora. Me sinto prepara-
da palavra valor. E quem teve a
da para o mundo, e acho que não estaria assim se não tivesse
oportunidade de usufruir de tal
a profissão que tenho hoje. Sou grata sim, e quero passar isso
benefício, realmente, jamais
para meus alunos. Tive a oportunidade de construir minha
esquece. Os valores ad-
própria história", relata a orgulhosa cidadã.
quiridos estão arma-
Para não perder o fio da meada, os serviços prestados
pela Creche Júlia Abrão David incluem atendimento a meno-
zenados
para
sempre.
res na faixa de seis meses a seis anos, em regime de semiinternato, e com critério de seleção baseado na renda familiar. Esse valor não pode ultrapassar o teto de três salários
mínimos. A direção da creche estabelece um prazo de 30 a
60 dias para que as mães possam encontrar emprego, atendendo a todas as necessidades básicas das crianças. As
crianças ficam no local, bem cuidadas e em boas mãos. A
direção da creche ajuda também na procura do emprego,
mantendo vínculos com indústrias e comércio da região, proPois bem, Anizio, que tem nas atividades assistenciais a
sua grande realização pessoal, ressalta a importância de não
Foto: DT
curando encaminhar as mães ao trabalho. Quer mais?
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A
criança que sai da creche já tem seu lugar garantido
curriculares. "Os alunos aprendem a cantar o Hino Nacional
no Educandário Abrão David, criado mesmo com a
corretamente, e também assumem uma postura de respeito
finalidade de dar seqüência à formação do aluno como indi-
ao país. A direção cobra essa postura. Se não quiser cantar,
vai se retirar. E ele não vai cantar coçando a perna, a cabeça.
víduo.
O educandário surgiu para dar continuidade ao trabalho
social da Beija-Flor. Os estudantes entram lá após os seis
anos de idade, e só saem como cidadãos formados. Anualmente são atendidos no educandário cerca de mil alunos,
num trabalho que envolve perto de 600 famílias. A demanda
é sempre intensa e, apesar do ritmo pesado do trabalho no
educandário, nem sempre é possível atender a todos:
"Nilópolis é um município sofrido, pobre. A equipe que lá
trabalha o faz no limite, mas não há como suprir a demanda.
Tenho certeza de que as crianças daqui do educandário não
teriam outra alternativa se não existisse o nosso trabalho. É
por isso que a iniciativa foi tão importante para a comunidade. Seria bom se, a exemplo da Beija-Flor, outras escolas
fizessem o mesmo", observa Anizio.
O educandário é a segunda etapa da formação educacional do indivíduo. Daí tanta importância na formação do caráter daquele que será em breve um cidadão brasileiro. A
pobreza, por vezes, relega a segundo plano essa questão
da moral, suplantada pela necessidade cotidiana de sobrevivência. Em muitos casos, os pais não receberam tais informações no passado, quando eram crianças pobres, sem
acesso à educação. Daí vem a grande preocupação em
priorizar, além das disciplinas curriculares, noções de civismo aos jovens alunos. Isso quer dizer que, a exemplo da
creche, no educandário os estudantes também se formam
diante da bandeira, e aprendem a valorar os símbolos representativos da nação. E isso não é praticado sem propósito,
ou com menor importância em relação às outras atividades
O Hino Nacional representa uma oração dentro da escola. É
essa a consciência que mantemos no educandário e para
seus alunos", acrescenta Maria de Lourdes.
Há também um momento importante do ponto de vista
moral e educacional, que acontece antes da refeição. Todos
rezam o Pai Nosso, independentemente de religião ou credo.
Não está em jogo, no caso, a crença de cada um. Para Maria
de Lourdes, é muito mais uma questão de se fazer perceber o
valor de cada ação, a importância que se deve dar àquele
momento através de um ritual de conscientização. "Não é exagero nenhum, pois é tudo feito com o objetivo de formar um
indivíduo com educação de qualidade. Pensamos sempre na
formação do ser humano", conclui Maria de Lourdes.
Todas as datas em que se comemora algum valor nacional são festejadas pelos alunos, não apenas com palavras.
As professoras são instruídas a desenvolverem trabalhos
individuais ou em grupo, que são apresentados com alguma
solenidade. O detalhe é que as atividades contam pontos no
currículo do aluno, o que acaba sendo um incentivo a mais
no reforço da noção de brasilidade dos estudantes. "Fazemos isso em todas as séries, da primeira à oitava. No Dia da
Independência eles fazem pesquisas sobre o tema, assim
como no Dia do Soldado, que representa as Forças Armadas, instituições que defendem nossa soberania como país
e, conseqüentemente, o povo. O mesmo ocorre no Dia das
Mães. Mesmo que o aluno seja criado pela vovó ou titia, ele
tem de fazer um trabalho dissertando sobre o tema. Isso
porque é importante que ele compreenda o papel da mãe na
família e na sociedade. Se por um lado ele teve a infelicidade
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de não ter tido uma mãe, por outro, ele vai conviver com a
Principalmente por ter sido ele um aluno levado, que faltava às
mãe de amiguinhos, de parentes e, quando crescer, se for
aulas, de difícil comportamento. Fui pessoalmente à casa dele,
mulher, será mãe um dia. E se for homem, será pai e terá que
falar com os pais, e com muito amor e respeito a ele e à sua
compreender a importância da mãe dos seus filhos", ressalta
família, dei um ultimato. O rapaz tomou a decisão certa, e
a diretora.
acabou concluindo seus estudos no educandário, indo após
É na família que começa tudo, na visão de Maria de Lourdes,
isso para a Marinha. Sempre que o vejo ele me diz: 'se não
que expõe o pensamento do educandário. Valores além da
fosse o educandário, jamais chegaria onde cheguei'. Nessa
educação vêm de berço. Inclua-se aí questão do patriotismo
hora me emociono muito, e reforço a certeza de que as obras
pois, de acordo com a educadora, a escola cumpre apenas
do Anizio e da família Abrão David são abençoadas por Deus
uma parte, mesmo que fundamental, na formação do cida-
e mensageiras de felicidade para muitas pessoas", conclui.
dão. Em casa, a criança precisa receber as noções de respei-
E é aprendendo a dividir seus conhecimentos para, numa
to aos valores da família para que saiba ocupar seu lugar na
matemática complexa, somar valores, que os jovens do
sociedade. A consciência dos direitos e deveres de cada um
educandário se tornaram brasileiros legítimos, transferindo o
deve começar com a influência dos pais, para que os filhos
que aprendem às pessoas que convivem com eles, seja no
possam ter a liberdade de respeitar o espaço alheio, e saber
trabalho, seja no seio do próprio lar.
até onde ir sem interferir no direito do próximo.
Esse amor à terra onde nasceu e vive assimilado desde
Na visão de Anizio, apesar da complexidade da situação
a infância vem ajudando a formar novos cidadãos, amantes
educacional do país, pequenas iniciativas se tornam grandes
de um país partindo de sua essência, e seguindo rumo à
passos na melhoria da educação do cidadão, e que certa-
educação, como uma bola de neve que, gradativamente, vai
mente terão influência significativa na formação final de cada
derrubando a imagem negativa de um país que insiste em
brasileiro, e do próprio país: "Não é tão complicado assim,
sobreviver, graças ao poder de reação de seu povo.
mas as pessoas deixam passar detalhes importantes. Esse
respeito ao próximo, às suas conquistas, à sua forma de ser,
Sabemos que ainda estamos longe de atingir o nível ideal, mas vamos chegar lá, certamente.
seja branco, negro, amarelo, judeu, muçulmano, cristão ou
Se depender de iniciativas como as obras assistenciais
ateu. São situações que, apesar de mínimas, representam
da Beija-Flor de Nilópolis, a cada momento o Brasil estará
muito, e que ajudam a se amar o seu país cada vez mais e
ganhando um novo cidadão.
querer contribuir na construção de um Brasil melhor".
Curioso é ver como o comportamento daqueles alunos se
Melhor ainda, está recebendo incondicionalmente novos patriotas. Todos
reflete no próprio educandário. Maria de Lourdes destaca al-
educadamente
guns detalhes como a pintura das dependências da instituição.
participativos e generosos. Dispos-
Algumas paredes, segundo ela, estão da mesma forma há 12
tos a dividir todos aqueles valores
anos. As crianças aprenderam a dar valor ao que receberam, e
que os tornam o que são e pron-
demonstram isso em pequenos, porém importantes, gestos.
tos para gerar cidadãos de uma
Não colocam os pés ou mãos nas paredes para não sujar, por
nação melhor a cada dia.
exemplo. Se isso não for sinal de educação, o que seria?
Doutrina não faz mal a ninguém e, na medida certa, é de
brasileiros,
A esperança não morre nunca.
Sempre que estiver pre-
grande importância para a educação. Que o digam hoje aque-
sente uma tal Beija-
les brasileiros que hoje são profissionais das mais diversas
Flor, escola de
áreas, e que nunca perdem o contato com o educandário ou
samba e de
com a própria Maria de Lourdes. São pedagogos, advoga-
brasileiros.
dos e inclusive militares, amantes profissionais da nação, patriotas por devoção e opção. Segundo Maria de Lourdes, "a
ximo. Nossa intenção é manter aquela idéia de família, ou pelo
menos um prolongamento dela. Então, há alunos que também
Foto
: DT
gente lembra de muitos casos, pois o convívio é sempre pró-
não nos esquecem, e fazem questão de demonstrar agradecimento com gestos de carinho. Sou madrinha de casamento
de um ex-aluno que hoje é da Marinha, e me orgulho disso.
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P
roporcionar educação fundamental às comunidades
carentes é uma ação a ser louvada, sem dúvida.
Mas os projetos assistenciais da Beija-Flor não param por
aí. É bem verdade que o estudo leva o cidadão a um grande
passo na vida, e o fato de ele ter vindo de uma iniciativa
particular, quase pessoal, só vem a glorificar ainda mais o
trabalho. Da Creche Júlia Abrão David sai a semente, que
cresce e se desenvolve no Educandário Abrão David para,
então, seguir o rumo da vida. Cada indivíduo segue seu destino já meio que lapidado, e mais distante das armadilhas tão
constantes do cotidiano. Mas a coisa vai além, muito além.
Se a educação é peça chave para a formação do cidadão amante de seu chão, de sua pátria, resta então a consolidação desse sentimento, que virá com a dignidade. E não
há nada mais digno do que a auto-sustentabilidade. A pessoa livre e independente, orgulhosa de si para então desenvolver a mais ferrenha devoção por suas raízes.
É hora de preparar aquele brasileiro para o mercado de
trabalho, para que todos os valores ali investidos não caiam
no esquecimento. A vida é difícil para os mais pobres, não há
dúvida. O mercado competitivo, por natureza, dá mais
chances àqueles que desde cedo puderam desfrutar das
ofertas com mais tranqüilidade.
Falamos agora em profissionalização do indivíduo, o segmento final na formação do bom homem, do cidadão de
bem, do indivíduo orgulhoso de seu país. Isso se faz com
oportunidade. E é o que acontece em outra instituição mantida
por Anizio Abrão David, em mais uma obra assistencial da
família Beija-Flor. É o CAC/NAD, ou Centro de Atendimento
Comunitário Nelson Abrão David. Muito mais do que uma
simples instituição beneficente trata-se de uma manifestação
de brasilidade de seus idealizadores.
Fundado em 3 de agosto de 1991, com o objetivo de
atender adolescentes e adultos das comunidades carentes
do município de Nilópolis e adjacências, o Centro de Atendi-
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mento Comunitário foi idealizado por Nelson Abrão David, e
implantado com sucesso pelo professor Aroldo Carlos, a
partir da decisão de Anizio, presidente de honra da entidade
e principal mantenedor do projeto.
O atendimento visa principalmente a qualificação profissional da população-alvo na preparação para o mercado de trabalho. Vem daí a formação de parcerias com o Senai, Senac,
centrais sindicais, empresas privadas e universidades diversas.
Desde sua fundação, o CAC/NAD já beneficiou cerca de 35 mil
pessoas, segundo índice estatístico próprio. Em sua grande
maioria, os formados ali ocupam seus lugares no mercado.
Aos interessados, o CAC/NAD oferece atendimento na área
profissionalizante e na área social, formando trabalhadores e
favorecendo a comunidade carente com serviços dos mais
diversos. Na área profissional, a instituição é dividida em três
setores, sendo o comercial, o industrial e um terceiro que
prioriza o aspecto humano. Assim, no primeiro caso o CAC/
NAD realiza cursos de informática, telemarketing, técnicas de
vendas, atendimento, turismo, garçom, inglês, espanhol, cabeleireiro, manicure e corte e costura. No setor industrial, são
fornecidos cursos de eletricista, marcenaria, gráfica, refrigeração, hidráulica e mecânica de motos. O último caso refere-se
a cursos de artesanato, ginástica para a terceira idade, caratê,
capoeira e outras atividades do gênero.
Na área social, o CAC/NAC disponibiliza atendimento médico para a população carente. Efetivamente, os serviços oferecidos são os laboratoriais, ginecologia, clínica médica, odontologia, psicologia e oftalmologia. Fugindo um pouco do ramo,
mas com igual importância para a população, há também a
prestação de serviço jurídico. É importante destacar que, em
função da dificuldade financeira de cada aluno, a direção do
CAC/NAD fornece a seus alunos dois vales-transporte por dia,
além de alimentação completa, com lanche e almoço. No caso
do atendimento médico, quando não é possível atender o indivíduo na sede do CAC/NAD, a direção da entidade o encaminha
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a uma clínica ou hospital, custeando o serviço. Há também o
fornecimento de remédios, gratuitamente, em alguns casos.
Se o amor pela pátria está intrinsecamente ligado à formação do cidadão, não há celeiro melhor do que ações como as
promovidas pelo CAC/NAD. Braço direito de Anizio na instituição, Aroldo está lá desde a fundação, e domina todos os
fundamentos do trabalho. Ele mesmo cuida dos detalhes, desde
a escolha dos cursos a serem oferecidos até o
encaminhamento dos novos profissionais ao mercado de
trabalho. Ele está, sim, formando brasileiros: "Ensinamos postura, como falar, como se vestir, e sobretudo a ter amor por
aquilo que se está fazendo, independentemente dos valores
materiais. Nos preocupamos em conscientizar o aluno, indo
além do ensino em sua área específica, ou seja, o profissional
sai daqui sabendo que precisa valorizar o seu local de trabalho, suas relações com os colegas. Afinal, ele depende daquilo
ali para viver. Ele precisa amar o seu trabalho", diz Aroldo.
É importante ressaltar que o CAC/NAD está aberto a toda
a população de Nilópolis e também a de outros municípios.
Quem quer que seja, pode chegar e se inscrever, desde que
haja vaga, nos cursos ministrados. A demanda é grande,
sendo em sua maioria adolescentes que sentem urgência
em tomar um rumo na vida para escapar de ofertas mais
fáceis, porém, menos inteligentes. São pessoas querendo
uma profissão, e se dirigindo ao lugar certo. Saem dali com
novo fôlego para a vida, sentindo grande importância simplesmente pelo fato de terem se tornado produtivos. Não
será esse sentimento pessoal a mola propulsora e fundamental para construir a nação com que todos sonhamos?
"Aqui chegam pessoas em muitos casos de pouca ou nenhuma instrução. Ele vai ser um profissional em pouco tempo,
ou seja, terá uma formação que permitirá pelo menos uma
disputa no mercado de trabalho. Vai se sentir útil. Eles vêm
muitas vezes sem postura, nada sabendo de seus direitos como
cidadão. A gente ensina tudo isso. Se temos um curso que dura
180 horas, damos mais 40 horas de cidadania. Os alunos saem
daqui com outra mentalidade", afirma o coordenador.
A grande meta do CAC/NAD é tirar a pessoa da rua para
dar-lhe uma qualificação. Estando ali, o indivíduo ocupa seu
tempo ocioso. Em média, cada aluno fica cerca de quatro horas
dentro da instituição, aprendendo. Há casos atípicos, mas de
igual ou mais valor. Aroldo cita uma parceria que resultou num
curso para detentos do Complexo Penitenciário de Bangu. Foram absorvidos 30 alunos que estavam para ser liberados pela
Justiça após décadas cumprindo
Cursos
Profissionalizantes:
pena. Eles só poderiam ser liberados
Refrigeração
caso tivessem uma qualificação proArtesanato
fissional, o que não era o caso. De imeEletricista
diato, o CAC/NAD fechou um convêMarceneiro
nio com o Senai para a criação do curFotografia
so de refrigeração. Os presidiários se
Beleza/Estética:
formaram após cursar três meses de
Esteticista
aulas nas dependências do próprio
Cabelereiro
CAC/NAD que, para quem não sabe,
Maquiagem
fica situado onde era a antiga quadra
da Beija-Flor. Esse foi um trabalho de
Moda:
Corte e Costura
ressocialização, ou seja, de recuperaEstilista
ção daqueles que conheceram o ouModelo e Manequim
tro lado da vida, mas que deram a volta
Tricô e Crochê
por cima. Além da profissão, também
ganharam um sentimento novo, de
Culinária:
Decoração artística
amor-próprio, pela vida e pelo país em
para bolos
que vivem. Uma segunda chance.
Doces finos para fes"Quando fizemos a formatura, elabotas
ramos uma solenidade. Vieram autoriSalgados para festas
dades, juízes. Realmente houve uma
Esportes:
oportunidade para eles, e a única porta
Dança de Salão
que se abriu foi aqui. Veja, foi um trabaAerodança
lho feito sem divulgação, sem estardaDança do Ventre
lhaço na mídia. Um deles esteve aqui há
Karatê
algum tempo. Está trabalhando numa
Capoeira
Ginástica
plataforma da Petrobras. Fizemos tudo
por fazer, e com total conhecimento e
Assistencia Social:
aprovação do 'seu' Anízio", observa o
Nutrição
orgulhoso Aroldo.
Clínica Medica
Essa face do trabalho desenvolPsicologia
Jurídico
vido pela Beija-Flor permite entender
Pediatria
o porquê do fato de todos da comuAngiologia
nidade, sem exceção, se referirem à
Odontologia
escola de samba como se fosse um
lar. Utilizam sempre o termo "família
Beija-Flor", com a maior naturalidade. Nada mais justo, afinal
as atividades não se limitam ao samba e ao Carnaval. Há
uma preocupação grandiosa com a conscientização
daqueles que vestem aquelas cores e vão para a Sapucaí.
Se desfilar pela escola é motivo de orgulho, imagine o
que não significa para cada nilopolitano poder dizer "sou
Beija-Flor e brasileiro".
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O
trabalho de assistência social da Beija-Flor já está
dando frutos, pois é uma atividade feita há pelo
menos uma geração. Para comprovar a informação, fomos
buscar casos concretos de pessoas que se formaram no
âmbito dos serviços oferecidos pelos membros da escola
de samba de Nilópolis, sob o comando de Anizio.
Casos como o de Alessandra Gatinho, que agora atua
no educandário como professora, que em poucos anos estará se formando administradora de empresas. Está iniciando o curso agora, em janeiro, na Faculdade Estácio de Sá:
"Freqüentar o educandário me ajudou muito em minha formação como brasileira. É aqui que a gente aprende a amar, a
compartilhar, a respeitar os outros. Aprendi a me comunicar,
a dialogar com as pessoas. Seria diferente se não tivesse
existido o educandário na minha vida. O amor pela bandeira,
ao meu país, às pessoas, a tudo. Vou utilizar no futuro muito
do que aprendi aqui, com certeza, e pretendo dar o mesmo
que recebi. Ajudar no que for preciso".
Há outros bons exemplos de brasileiros formados no
educandário, alguns inclusive se ocupando de preservar e
defender a nação brasileira. Desde policiais militares até oficiais da Marinha.
O Centro de Atendimento Comunitário Nelson Abrão não
fica atrás. Dali saíram profissionais que não esquecem a origem, tanto que volta e meia aparecem para uma visitinha.
Aroldo, o orgulhoso coordenador do CAC/NAD, acrescenta
que, além dos cursos, a instituição encaminha os formados
para o mercado de trabalho. Ele mesmo corre atrás de
empresas privadas em busca de parcerias, e tem obtido
sucesso, conforme o exemplo a seguir.
Reginaldo Roque Barboza, 38 anos, é o responsável
pela área de Recursos Humanos da Bermang, empresa de
telemarketing que trabalha com a TIM, uma das grandes
empresas no ramo de telecomunicações. Entre seus funcio-
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nários encontram-se profissionais que fizeram cursos de
capacitação do CAC/NAD. Estão lá a Gardênia, o Carlos
Eduardo e a Flávia Santos Marinho. De acordo com Reginaldo,
esses profissionais foram selecionados em razão única e
exclusiva da análise de competência: "Instituições como o
CAC/NAD nos procuram, e muitas vezes os contatos são
feitos por intermédio da própria comunidade. Em seguida,
estabelecemos o vínculo e, a partir de um determinado momento, fazemos um apanhado para desenvolver o trabalho.
Vamos ao local para analisar a instituição, o que é importantíssimo. A iniciativa de algumas comunidades e o posterior
aproveitamento das pessoas envolvidas é um assunto sério.
Uma atividade que precisamos respeitar e divulgar na mídia
para dar frutos e expandir esse tipo de atitude".
Sorte a de Flávia Santos Marinho, de 26 anos. Ela trabalha com telemarketing na Bermang. A única dificuldade, segundo ela, foi conseguir uma vaguinha no CAC/NAD, pois a
procura pelos cursos é muito grande, e a concorrência pelas
vagas também: "Soube da existência dos cursos através de
amigos e fui buscar informações imediatamente. Depois de
uma certa batalha, consegui me inscrever no curso de
telemarketing. Eu estava parada, sem uma atividade. Durante
o curso, soube que havia vaga para trabalhar na TIM e, é
claro, me inscrevi. Entrei em junho. Foi uma coisa muito boa
na minha vida, pois me sinto produtiva. O CAC/NAD me colocou no mercado de trabalho", ressalta.
Há muitas outras parcerias, é claro, pois quanto mais demanda de serviços, melhor. E os contatos são feitos com
empresas dos mais diversos ramos. Aroldo cita o caso de
Robson Duarte, que após passar pelo CAC/NAD, conseguiu
emprego de operador de rádio, trabalhando atualmente na
Rádio Táxi Beija-Flor, lá mesmo em Nilópolis. Vale destacar
também a parceria com a Lojas Cem, no mesmo município.
Lindemberg dos Santos Amorim, de 26 anos, é um dos profissionais que entraram na empresa graças ao que aprendeu no
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CAC/NAD: "Sou grato ao CAC/NAD, ao Aroldo, à família Abrão
David e a todos que fazem parte desse trabalho social. Moro
em Nilópolis, sou da comunidade e conheço o que é feito por
lá desde pequeno. Sempre freqüentei a quadra da Beija-Flor,
mesmo antes de construírem a nova. Fiz vários cursos, como
o de telemarketing, estilista e informática. Se me sinto um cidadão hoje, devo isso ao CAC/NAD. Não tenha dúvida".
Émerson dos Santos é colega de Lindemberg, e confirma a sua história. Ele mesmo passou por situação parecida.
É também morador de Nilópolis e freqüentador dos ensaios
da Escola de Samba Beija-Flor. Émerson entrou na Lojas
Cem por intermédio do CAC/NAD. Hoje é vendedor, mas
começou de baixo: "Era muito novo, e não pude fazer outro
serviço, a não ser o de contínuo. Assumi a vaga sem pensar
duas vezes, e me desenvolvi aqui na empresa. Agradeço
muito ao Aroldo, que ajudou não só a mim, pois encaminhou
também meu irmão, Rodrigo Antônio dos Santos. Estamos
empregados, agradecidos e felizes por estarmos num país
de pessoas capazes de atitudes tão grandiosas".
Ver o resultado dos projetos da Família Abrão David,
enche a todos de satisfação. E é por esta razão que um dos
integrantes da Família Abrão David, o deputado estadual
Ricardo Abrão, que é também vice-presidente social da Beija-Flor, faz questão de ressaltar que “as atividades sociais
desenvolvidas pela agremiação na Creche, Educandário e
CAC são o resultado de todo um entrosamento entre a Família Abrão David e a comunidade de Nilópolis. Atuamos de
maneira coordenada promovendo as mais diversas iniciativas, seja através do Anizio, do meu trabalho como deputado
estadual, do Simão Sessim no âmbito federal, e de meu pai,
o prefeito Farid Abrão, no executivo municipal. Esse nosso
envolvimento e esse desejo de realizar foram os responsáveis pelo status que o município de Nilópolis conquistou,
sendo considerado hoje, o segundo município no estado do
Rio de Janeiro em qualidade de ensino e o primeiro em qualidade de vida da baixada.”
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Anizio Abrão David
Hilton Abi-Rihan
Ricardo Fonseca
Muitas das pessoas que conhecem você, e que gostam de
você, não sabem que você está por trás de uma obra social
do porte da desenvolvida em Nilópolis, com atendimento a
milhares de crianças e jovens. Por que o Anizio resolveu
iniciar essas atividades? E por que não as promove mais
para as pessoas?
Posso dizer que tive uma infância feliz. Éramos muitos irmãos, meu pai não tinha muito dinheiro, e por isso passamos algumas dificuldades. Mas mesmo assim, ou por isso
mesmo, aprendi com meu pai e minha mãe que a gente tem
que ajudar as pessoas.
Para você ter uma idéia, onde a gente vivia, não tinha médico
e o sistema de saúde era inexistente. Minha mãe, vendo as
crianças nascerem sem médicos, começou a fazer os partos das crianças da vizinhança. E se tornou parteira da vizinhança.
Sempre que podia, ela ajudava as pessoas da comunidade.
Crescemos vendo isso, e fomos aprendendo com ela.
E hoje, depois de ter trabalhado muito na minha vida, consegui juntar um dinheirinho para gastar com as crianças de
Nilópolis e dar a elas um momento alegre e feliz. A festa de
Cosme e Damião, por exemplo, eu já faço a quase 40 anos.
E sei que os presentes que dou na festa de Cosme e Damião
e de Natal não vão resolver todos os problemas dessas
crianças. Mas também sei que aquele momento para elas é
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especial. Quando
você vê a criança recebendo a bicicleta,
o carrinho ou a boneca, ela está sorrindo, feliz. E tenho cer- Anizio, Fabíola, Gabriel e Micaela.
teza que esse sentimento, despertado nesse momento, vai fazer bem para ela.
E por que você não promove e divulga mais essas atividades?
Ora, o motivo de eu ajudar essas crianças não é para me
promover... Não preciso disso. Além disso, não concordo
com as pessoas que ajudam os outros só quando alguém
está vendo... Essas pessoas na verdade estão fazendo isso
para aparecer, e não porque querem ajudar as pessoas.
Eu não quero aparecer. Quero fazer o que acho certo. E o
que me deixa feliz é ver essas crianças felizes.
E por que, Anizio, você distribui pessoalmente os presentes?
Como falei, dou os presentes para as crianças de Nilópolis
porque gosto delas e quero vê-las felizes. Que adianta dar o
dinheiro para um funcionário meu e mandá-lo comprar e distribuir os presentes? Aí eu vou perder o melhor da festa; que
é ver as crianças e seus pais felizes.
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Nesse ano em que a Beija-Flor comemora 50 anos de desfiles de Carnaval, qual o momento que mais o marcou?
Para mim, dois momentos marcaram a vida da escola. O
primeiro foi a morte do Cabana. Ele era um irmão muito querido de todos nós. Era um sambista muito talentoso e que
atuava em diversas coisas na escola: era diretor de harmo-
Gabriel e sua irmã Micaela.
nia, compositor...
Sempre que posso, repito uma das histórias que me marcou,
que foi no dia do enterro dele. O Cabana sempre me pedia o
seguinte: "Anizio, quando eu morrer bota o caixão no meio da
quadra e toca samba. No dia que eu morrer você faz isso para
mim".
Infelizmente ele faleceu, e quando a família chegou no velório
lá na quadra, e contei essa história: "Olha, o Cabana me pedia
sempre que no enterro dele ninguém chorasse, que todo
mundo brincasse e cantasse os sambas dele". A mulher dele
estranhou, mas de repente disse: "Se ele pediu, vamos fazer". E as filhas dele também consentiram.
Nós então fizemos um grande samba, que virou a noite... Na
madrugada, chegou o Martinho da Vila, o Adelzon Alves, e
todos cantamos todas as músicas do Cabana.
Outro momento inesquecível foi o primeiro título da escola no
Grupo Especial, em 1976. Nós éramos uma escola que tinha
vindo da Baixada Fluminense, disputando com as grandes
escolas... E fizemos um desfile que emocionou o público e a
todos nós que desfilávamos.
O título foi a confirmação do que todos nós já sabíamos: que
a Beija-Flor de Nilópolis tinha vindo para vencer!
Anizio e Fabíola. Abaixo, Anizio com esposa, filhos e netos.
Fotos: HM
Fica difícil para as pessoas que nunca fizeram isso entender
do que estou falando.
Mas tenho uma sugestão para que entendam o que estou
dizendo: vão. Façam. Escolham um dia e comecem a dar
algum brinquedo novo a crianças pobres. Tenho certeza de
que não vão querer parar.
Vou contar um caso interessante: no Dia das Crianças quando
eu estava entregando os presentes para as crianças da creche, uma delas veio perto de mim e disse: "Tio, eu já ganhei um
brinquedo desse igualzinho na festa de Cosme e Damião... Se
o senhor quiser dar esse carinho para outra criança que não
recebeu nada, eu não vou ficar triste não". Aí eu falei para ela:
"Se você quiser, pode ficar com ele. É para você. Aí você fica
com dois carrinhos". Ela fez uma cara de felicidade e me agradeceu com um sincero abraço. Isso é uma coisa que não dá
para viver vendo televisão... Só vivendo.
Simão Sessim
Pronunciamento proferido pelo Deputado
Federal Simão Sessim, em 29/10/2003
Senhor presidente, senhoras e senhores deputados, todos os anos, sempre por ocasião das proximidades do Carnaval, tenho ocupado a tribuna desta Casa para fazer uma
prévia do que a Escola de Samba Beija-Flor - da qual sou
admirador, torcedor, e porque não dizer também incentivador
- se propõe a levar para a passarela da Marquês de Sapucaí,
no Rio de Janeiro.
Faço isso, senhor presidente e nobres pares, para chamar a atenção de Vossas Excelências e da própria sociedade
brasileira para o teor da mensagem que a escola de samba
da cidade fluminense de Nilópolis tem o hábito de levar para
a avenida. Certamente, ela chegará ao palco de uma das
maiores manifestações populares do mundo trazendo mais
uma vez algum tipo de contrariedade em relação ao destino
que este país vem reservando a seus filhos.
No Carnaval de 2003, a Beija-Flor sagrou-se mais uma
vez campeã dos desfiles do Grupo Especial defendendo a
questão social da fome das desigualdades, com o magnífico
enredo "Saco vazio não pára em pé - A mão que faz a guerra
faz a paz", que sacudiu a Marquês de Sapucaí de forma
esplendorosa. Foi, indubitavelmente, uma contribuição de
enorme valia para o país e todos nós que temos a responsa-
culo, provavelmente outro puxão de orelha com um mani-
bilidade de defender uma melhor qualidade de vida para os
festo, agora voltado para um pedaço do Brasil dos mais
nossos irmãos, porque nos chamou a todos, sociedade,
valorosos, porém bastante maltratado e desrespeitado lite-
governo etc. à responsabilidade, pedindo-nos que olhásse-
ralmente na sua própria natureza. É o enredo "Manôa - Manaus
mos com mais carinho para os desassistidos, os excluídos,
- Amazônia Terra Santa... Que alimenta o corpo, equilibra a
os humilhados e vilipendiados.
alma e transmite a paz", idealizado e confeccionado pela
Para 2004, a Beija-Flor, com certeza, nos reserva mais
Comissão de Carnaval. A escola pretende mostrar na aveni-
uma grande surpresa, algum tipo de impacto como espetá-
da que a Amazônia está chorando devido à destruição
78
Revista Beija-Flor
www.beija-flor.com.br
provocada pelos homens que praticam a exploração preda-
dados do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, o Inpe,
tória de um dos maiores santuários ecológicos do mundo,
para mostrar que a destruição apenas em um ano da flores-
sempre em busca do lucro a qualquer preço.
ta com a maior biodiversidade do planeta foi maior do que a
A Beija-Flor vai mostrar que o homem sempre foi um
predador no conceito mais abrangente da palavra. Em nome
área total do estado de Sergipe e pouco menor do que a
Bélgica.
do pseudomovimento de civilização, ele invadiu territórios,
Temos mais números. Fala-se que nos últimos 30 anos,
dizimou e espoliou povos, roubou riquezas, impôs deuses e
15% da Amazônia brasileira foi completamente destruída. A
destruiu culturas milenares. E nessa ambição desenfreada,
área, maior que o território da França, corresponde a mais
ele também chegou à Manôa, que é a Mãe Natureza. E entrou
de 590 mil quilômetros quadrados. E, por trás dessa destrui-
em tamanho delírio, que não se deu conta de que na verdade
ção, estaria o crescimento dramático da atividade madeirei-
o tesouro era verde, brotava do coração de Manôa, e que
ra ilegal e predatória. Só para termos uma idéia do proble-
escondia em suas folhas, cipós e ervas, as curas para os
ma, o Greenpeace lembra que em 1970, a Amazônia era
males do mundo; e que suas águas límpidas haveriam de
responsável por apenas 12% da produção de madeira tro-
matar a sede da humanidade.
pical do Brasil. Hoje em dia, essa produção já chega a 90%,
Mais uma vez, portanto, senhor presidente e senhores
estimada em 30 milhões de metros cúbicos por ano.
deputados, a Beija-Flor vai voar à caça de uma alternativa
Isso tudo nos leva a crer, senhor presidente e senhores
capaz de levar para a Amazônia um modelo de desenvolvi-
deputados, que a floresta amazônica precisa ter a união de
mento que combine com responsabilidade social e proteção
esforços dos governos federal, estaduais e municipais, das
ambiental, de forma a permitir a exploração de seus recursos
organizações não-governamentais e da própria iniciativa
naturais de maneira racional e sem desgastar a qualidade de
privada para sobreviver. Torna-se necessário, portanto, a
vida de seus habitantes.
busca de alternativas para a destruição da Amazônia com a
Como bem define o extraordinário Laíla, este baluarte do
implantação de projetos que garantam o desenvolvimento
Carnaval carioca, a Beija-Flor quer somente lançar o manifes-
sustentável da região, a recuperação das áreas já degrada-
to do naturalismo integral, acreditando que dessa volta à na-
das e a consolidação de programas que assegurem empre-
tureza poderá surgir um novo renascimento e um novo sécu-
go e renda às populações locais.
lo de luzes. Até porque, a Amazônia constitui hoje, no planeta
Na verdade, senhor presidente e nobres deputados, a
Terra, o último reservatório, o derradeiro refúgio da natureza
Beija-Flor vai levar para a Marquês de Sapucaí um ritmo de
integral, razão pela qual a Amazônia é hoje um paraíso que
esperança, de forma a que o quadro do futuro não seja
guarda em si os segredos da cura do mundo, a própria vida.
pintado com os tons de cinza das queimadas, o negro das
Não podemos esquecer que o novo "Atlas mundial da
fumaças das fábricas ou os tons de marrom das águas
biodiversidade: recursos vivos da Terra para o século 21",
poluídas. Porém, que seja, sim, tingido com as variadas
lançado em 2002, em Londres, pela Organização das Na-
cores e infinitos matizes que nos legaram todos os deuses:
ções Unidas (ONU), mostra que as atividades humanas leva-
o verde das matas; o azul do céu e das águas; a explosão
ram a perdas de biodiversidade em ritmo alarmante. As esti-
das cores dos pássaros e das flores, e o branco da paz.
mativas da ONU revelaram, à época da publicação da pes-
Muito obrigado!
quisa, que nos últimos 150 anos os homens impactaram ou
alteraram, diretamente, 47% da área terrestre. Vejam, os senhores, que absurdo!
E os dados não param por aí. O Greenpeace denunciou
também que a taxa anual de desmatamento na Amazônia
Legal, estimada para o período de agosto de 2001 a agosto
de 2002, seria de 25.500 quilômetros quadrados, a segunda
maior da história, equivalente a 5,1 milhões de campos de
futebol. A organização não-governamental chegou a usar
fevereiro 2004
79
entrevista com O HOMEM QUE
REVOLUCIONOU
A TELEVISÃO
BRASILEIRA
Boni
Hilton Abi-Rihan
Ricardo Fonseca
A revista Beija-Flor - uma escola de vida, foi à casa de José Bonifácio Sobrinho, o Boni, em São Conrado, RJ,
e durante algumas horas pôde conhecer um pouco mais o homem que revolucionou a televisão brasileira,
criador do "padrão Globo de qualidade", do Fantástico, do Jornal Nacional e do "plim-plim" da Globo.
Paulista de nascimento, da cidade de Osasco, Boni é um homem gentil e simples no trato pessoal, apesar da
vasta cultura e do poder conquistado devido à história profissional que construiu. Exemplo de perseverança e
presciência, Boni revela aos nossos leitores, em uma entrevista exclusiva, sutilezas do seu pensamento e da
sua forma de agir, que o transformaram num mito nacional.
Ricardo Fonseca - Quando se deu o seu primeiro contato com
o samba?
Boni - O meu primeiro contato com a música vem do meu
convívio com meu pai, que era músico e tocava em rádio,
além de dentista. Ele era violonista, Orlando de Oliveira, conhecido como Caçula, e nós tínhamos em Presidente Altino
(SP), os "Chorões de Presidente Altino", onde tocavam juntos meu pai, que era um violonista razoável e dois grandes
violonistas: o José Patrocínio de Oliveira, o Zé Carioca, e o
Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto.
Assim, o meu primeiro contato com o samba foi na verdade
o contato com o choro. Fim de semana em casa, churrasco
ouvindo meu pai, o Garoto e o Zé Carioca tocando música.
Com isso, fiquei muito ligado à música brasileira. Do choro
para o samba foi um passo.
O meu primeiro contato com o samba e o Carnaval, foi quando o Walter Clark me trouxe para a TV Rio e me pediu para
coordenar a transmissão do desfile na Candelária em 1963,
quando então eu me apaixonei pela escola de samba. Como
paulista que estava chegando ao Rio de Janeiro, fiquei encantado com aquela riqueza e manifestação cultural tão espontânea.
Abi-Rihan - Quem descobriu o Boni?
Boni - Olha, eu acho que foi o próprio Boni. Quando meu pai
morreu, eu tinha sete anos. Resolvi insistir no meu trabalho
dentro do rádio, porque acompanhava ele algumas vezes
em programas de auditório e de calouros, coisas desse tipo.
Aí descobri o que eu queria fazer.
Na verdade, quem me deu a mão no que eu precisava foi o
Dias Gomes, na ocasião diretor da Rádio Clube do Brasil.
Meu tio era diretor da Editora Assunção, que editou o primeiro livro do Dias Gomes. Fui procurar o Dias Gomes porque
80
Revista Beija-Flor
eu queria aprender a ser diretor de rádio. Ele ia pra casa. Eu
ia atrás. Ele ia ao banheiro eu ia atrás dele. Até que um dia ele
me expulsou da rádio e me colocou na Rádio Roquete Pinto
para fazer um curso de rádio com Berlier Junior.
Dali eu comecei a fazer rádio, fui para a Rádio Nacional para
escrever programas infantis, contratado por uma agência de
publicidade que tinha a conta do Toddy. De lá eu fui pra São
Paulo com Manoel de Nóbrega e depois fui contratado pela
TV Tupi.
Abi-Rihan - Antes da TV Globo eu trabalhava na TV Tupi e, antes
dela, na Continental. E me lembro que quando saía da locução
e passava pelo auditório estavam gravando programas para
serem exibidos em rede nacional. Foi criado ali, por você, o
Telecentro. Ele precedeu a Central Globo de Produções?
Boni - O Telecentro foi a primeira idéia de haver realmente
uma produção nacional, e exportação de produtos a partir
de um centro. Foi uma criação da TV Tupi, mas eu fui chamado para ser o primeiro diretor do Telecentro. Quem sugeriu o
meu nome foi o Chico Anísio.
O Telecentro tem a mesma idéia que hoje preside a TV Globo.
Uma rede nacional de televisão a partir de um centro produtor.
Não vingou porque nós cometemos um erro econômico.
Vingou do ponto de vista artístico. Nós conseguimos grandes sucessos com Chico Anísio, Moacir Franco, Flávio
Cavalcanti, Bibi Ferreira, e, em São Paulo, as novelas. Chegamos a ser líderes de audiência nacional, com shows no Rio
de Janeiro e novelas em São Paulo.
O grande erro foi que nós exportávamos os produtos para
emissoras associadas, que naquele tempo só tinham de associadas o nome. O produto ia, mas o dinheiro não voltava. Já
com essa experiência, na Globo nós fazíamos o contrário:
vendíamos o produto aqui, captávamos o valor do produto e
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devolvíamos o troco para as outras emissoras. Se não houvesse o Telecentro, nós não teríamos aprendido que, economicamente, você tem que cobrar os custos da produção e da
veiculação juntos e repassar o troco para os outros. Nós
fazíamos o programa, vendíamos o programa e mandávamos
o dinheiro para os afiliados e ficávamos esperando eles nos
pagarem. Foi um fracasso econômico porque ninguém nos
pagou, com exceção talvez de Minas Gerais, que era muito
pontual e Porto Alegre, que era defensora da idéia do Telecentro.
Mas as outras emissoras iam empurrando com a barriga porque
tinham aquela idéia do "deixa para lá que isso é nosso mesmo...".
Abi-Rihan - Na TV Tupi o pessoal brincava quando a direção
contratou o homem dos seis milhões de dólares que lá o
homem passou a valer menos porque eles tomaram os milhões de dólares para pagar os salários e que fizeram Branca
de Neve e os Sete Anões com cinco anões.
Boni - Isso é a história que você conhece de um personagem
fantástico que era Nereu Bastos. Sempre que aparecia algum
orçamento, ele argumentava para reduzir a despesa. Ele perguntava: "Para que sete anões? Bota um só, que ele entra sete
vezes". Não dá. "Então bota três. Sete anões é demais."
Tem uma história do Nereu em que o Mauro Monteiro foi procurálo para liberar a verba da construção do cenário: "Eu quero
comprar uns sarrafos de 30 cm, algumas folhas de compensado etc.". "Então você quer comprar madeira. No fim, você quer
comprar pau. Me diga uma coisa, Mauro, você já viu o Ibope
perguntar a alguém se está assistindo à madeira da TV Rio ou
da TV Excelsior? Ninguém liga a televisão para ver madeira."
"Mas como é que faz o cenário?" E ele retrucou: "Não faz cenário. Estica o pano. O que interessa é o que acontece na frente...
Nunca vi ninguém ligar a televisão para ver madeira".
Outra do Mauro Monteiro com ele foi quando foi pedir para
comprar luz neon para enfeitar um programa e o Nereu disse: "Não vai comprar neon nenhum não, pois se néon desse
audiência, tava cheio de gente em frente à padaria".
São histórias de Nereu Bastos, já falecido, mas que eu estimo muito. Ele me ensinou uma coisa muito importante, que é
o gerenciamento de custos. Ele fazia de um jeito empírico,
mas extremamente engraçado.
Tem a história do Lúcio Mauro que estava sem receber e foi lá
para pedir para o Nereu pagá-lo: "Você me tirou do Norte,
comprei um apartamento, e agora vou perder o apartamento. Eu não posso perder o apartamento...". E o Nereu respondeu: "Tem gente que perde a mãe, e você não pode perder o apartamento?".
O que faz a diferença é você caminhar. Como diz García
Lorca: "Não há caminho, o caminho se faz ao caminhar".
Então, quando a gente anda para a frente, está fazendo o
caminho.
Ricardo Fonseca - Boni, você falou sobre a coragem de ousar
sem medo de errar. Nos dias atuais de muita disputa e concorrência, você acha que o empregador está aberto a dar
espaço para que o seu funcionário erre?
Boni - Eu acho que hoje a cobrança é menor. O erro é possível. Mas o erro controlado, resultado da busca por uma
coisa nova e de boa qualidade. O erro que não é aceito é o
erro da rotina, nem dos métodos já consolidados.
Eu continuo achando que a Rede Globo é a única empresa
de televisão que aposta no talento brasileiro, que continua
empregando mão-de-obra brasileira maciçamente.
As outras emissoras fazem o mais simples, o pior, e não se
preocupam em criar com qualidade. É evidente que a TV
Globo comete erros... Mas as outras emissoras só cometem erros. Essa é a diferença.
A TV Globo é a única que arrisca criar e lançar produtos
novos, e não tem dúvida alguma em garantir o emprego da
mão-de-obra brasileira.
É uma coisa que ela faz e que tem que ser respeitada.
Fabíola, Anizio, Boni e Gabriel.
Ricardo Fonseca - Seguindo um pouco dessa história do
Telecentro, você afirmou que o fracasso desse empreendimento trouxe lições para você. Isso reforça a idéia de que até
um profissional bem-sucedido e reconhecido mundialmente
como você, também erra. Que dica você dá pra as pessoas
conseguirem chegar ao sucesso que tanto buscam?
Boni - Eu acho que fundamental é não ter medo do fracasso.
Você tem que experimentar, tentar e criar. Você tem que estar
preparado para isso. Eu errei em várias novelas, em vários
programas, mas se você não correr o risco, não enfrentar a
possibilidade de fazer "o novo", você não cresce. Você fica
repetindo a coisa que já foi feita, estagnado, pode até fazer
bem-feito...
fevereiro 2004
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Abi-Rihan - O padrão de qualidade da Globo foi criado por
você. Dizem que você chegava a recusar programas inteiros
porque não se adequavam a esse padrão. Isso é verdade?
Boni - O padrão de qualidade é um rótulo que a imprensa deu
à forma como era conduzida a parte de programação da
emissora. Junto com alguns profissionais da TV Globo nós
criamos um conceito de exigência de tentar fazer o melhor.
Muita gente fala em perfeccionismo. Não é isso. Era uma busca contínua da coisa perfeita. Nós nunca conseguíamos ficar
satisfeitos com o resultado de um produto. E nós íamos lá
olhar em detalhes, coisa que não se fazia na televisão brasileira. Isso se deve a um grupo de profissionais. Realmente, a
última palavra era minha e eu nunca tive dúvida em descartar
uma coisa que não considerava boa. Joguei no lixo pelo menos oito ou dez programas com mais de 20 episódios gravados. O primeiro episódio de Malu Mulher que me apareceu
dizia o seguinte: "dedos ligeiros". Apresentava o personagem
Malu como candidata a um concurso de datilógrafa no programa do Silvio Santos. Eu falei: "Não é isso que eu quero. Eu
quero chumbo grosso. Quero essa mulher separando do marido na porrada e tentando sobreviver". E o Daniel Filho, que
tinha uma comunicação muito rápida comigo, disse: "Se é
chumbo grosso que você quer, deixa comigo!". E saiu essa
maravilha que foi o Malu Mulher... Mas passamos pelo fato de
ter que eliminar uma coisa que a gente não gostou.
Me lembro do Ari Barroso, que dizia que de vez em quando
aparecia na cabeça dele uma melodia tampão, que às vezes
era ruim, mas enquanto ele não fizesse aquela melodia, não
saía a boa.
Você tem que se livrar das coisas ruins para fazer as boas.
Abi-Rihan - Há muitos anos atrás, o desfile das grandes escolas tinha um vencedor no domingo e outro na segunda, que
disputavam entre si um supercampeonato no sábado seguinte. A Rede Globo foi contra isso, e na ocasião você era o vicepresidente da emissora. A transmissão do espetáculo acabou ficando com a TV Manchete, que deu picos de audiência,
chegando a 74 pontos contra 6 pontos da Globo. O que aconteceu, realmente, nesse episódio?
Boni - A minha postura como pessoa que gosta de samba,
que respeita o trabalho dos carnavalescos e os investimentos das escolas, é que seria impossível levar uma decisão
para o sábado, que a gente sabe que está sujeito à chuva, a
participantes que não vão poder desfilar, fantasias estragadas
devido ao desgaste do primeiro desfile, entre outros problemas... Eu tinha certeza de que a decisão do campeonato
tinha que ser feita em um dia só.
Como eu não concordei com essa decisão, combinei com
Moises Veltman, que estava na Manchete, que eu continuaria
batendo contra essa decisão e a Manchete compraria os direitos de transmissão, que seriam repassados à Globo depois.
Acontece que eu fui viajar e o Adolfo Bloch, que tinha suas
diferenças e idiossincrasias com o dr. Roberto Marinho, resolveu que o que Moises Veltman havia combinado comigo
não seria cumprido. A partir disso, ele não atendia mais as
minhas ligações e as do dr. Roberto, porque ele quis ficar
com a transmissão do Carnaval sozinho.
Mas havia sido combinado que a Manchete comprava e repassava para nós. O que não ocorreu. A minha intenção era
até o final do ano ter conseguido convencer o Darcy Ribeiro
82
Revista Beija-Flor
e o Carlos Imperial de que a idéia de um supercampeonato
era ruim para o público e para o Carnaval.
Mais tarde tive que adotar uma posição para recuperar a
transmissão de Carnaval, e com a ajuda do Anizio Abrão
David, do Castor de Andrade e do Capitão Guimarães iniciamos algumas ações que resultaram na criação da Liga Independente das Escolas de Samba.
A Liesa nasceu a partir desse episódio. Eu fui à casa do Brizola,
explicar para ele que eu era contrário àquilo e que tinha visto
que não tinha dado certo, ele concordou, que não podia ser
daquela maneira, e que eu queria retomar o Carnaval, mesmo
que a Manchete continuasse também. E que eu achava que a
maneira de fazer um bom desfile de Carnaval era reduzir o
número de escolas de samba. O Brizola mandou conversar
com o Marcello Alencar, governador na época, que nos recebeu em sua casa, eu, Anizio, Capitão Guimarães e o Castor de
Andrade, e lá estipulamos o enunciado do que seria a Liesa.
Abi-Rihan - Você era diretor-geral da Rede Globo e ficou
decidido que a transmissão do baile a fantasia do Teatro
Municipal e o desfile das escolas de samba seria feito em
pool com uma concorrente. Por que aquele pool?
Boni - Existem duas coisas que movem o mundo. Uma delas
é o interesse e a outra as deficiências que você tem que
suprir. Você tem que armar as idéias que atendam seus interesses e supram suas deficiências.
Dr. Roberto Marinho imaginou que a TV Globo seria uma emissora voltada ao jornalismo, por causa do Globo. Para isso, tinha
montado uma infra-estrutura. Nossas instalações do Jardim Botânico eram pequenas, onde fazíamos as novelas e demais programas e nosso equipamento era de estúdio. A Globo estava
iniciando. Tínhamos câmeras boas, mas que pesavam 100 kg, e
não podiam sair de dentro do estúdio. Foi quando o Walter Clark
inventou as chamadas globetes, que eram equipamentos portáteis, mas de má qualidade. Além disso, nós tínhamos um único
caminhão de externa que veio de São Paulo. Ele era tão antigo, da
época da inauguração da televisão no Brasil, que o chamávamos
de Globossauro. No primeiro dia que nós íamos fazer a transmissão de Carnaval, ele pegou fogo. E nós não tínhamos como fazer
a transmissão do Carnaval. Nós não tínhamos caminhão de externa e nem câmera de externa. A solução era apelarmos para um
pool onde nós ficaríamos no Teatro Municipal e a Tupi faria o
desfile, e trocaríamos as imagens entre as emissoras.
Havia o interesse de fazermos o Carnaval, e a necessidade
de suprir as nossas deficiências. Aquilo foi uma manobra
minha que felizmente deu certo.
Ricardo Fonseca - Nesse caso da criação do pool, fica evidente a sua forma de tratar dos seus negócios. Até quando as
coisas dão errado você não se lamenta ou desiste, mas procura uma maneira de resolver o problema. Você considera
que essa sua maneira de encarar as coisas é um diferencial
entre quem vence na vida e quem é um perdedor?
Boni - Eu acho que isso é uma característica de todo vencedor. Dar a volta por cima. Se você tem um problema tem que
transformá-lo em solução. Limão tem que virar limonada. Eu
gosto de citar pensamentos clássicos. Tem um caso interessante onde o Freud analisa o sonho de um paciente seu que
abriu o chuveiro para tomar banho e caem aranhas peludas
em cima dele. Ele pega as aranhas e transforma em espon-
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jas, tomando um banho maravilhoso.
Então a transformação de problema em solução é característica do vencedor. Você tem um desafio e tem que transformar esse desafio em uma vitória.
abrir essa janela". E ele retrucou: "Onde você se inspirou?". "Me
inspirei na sua janela." "Eu posso vir de vez em quanto despachar aqui?" "Pode. Se o senhor quiser, o senhor pode ficar aqui
definitivamente e eu vou lá para cima."
Ricardo Fonseca - Muitas pessoas consideram que por ser o
Boni a situação é cômoda, porque todas as portas se abrem
para você. É verdade? Todas as portas se abrem para o Boni?
Ricardo Fonseca - Você está com uma emissora de televisão, a
TV Vanguarda, no Vale do Paraíba. O investimento para esse
empreendimento é muito alto, o que faz com que muitos empreendedores optem por alugar espaços dentro da grade de programação de uma emissora e produzam seus programas, na maioria de baixa qualidade. Como você analisa essa questão?
Boni - Não. Pelo contrário. É que você tem que bater na porta
o dia inteiro. Se você tem uma porta fechada e bater uma vez
e não abrir, você tem que insistir. Se você parar de bater, ela
vai continuar fechada. Você tem que bater até o fim.
Abi-Rihan - Você liderou o crescimento da TV Globo em uma
época em que existiam inúmeras interferências políticas.
Como você conseguiu seguir com independência?
Boni - A primeira grande cartada do dr. Roberto foi entregar o
comando da sua televisão a profissionais. Fomos capazes de
reunir uma equipe extraordinária, com o Walter Clark, Mister
Wallack, eu, Armando Nogueira, Daniel Filho, Mario Lucio Vaz,
Borjalo, Magaldi, Homero Casa Sanches. Formamos, na
época, uma equipe muito integrada. Discutíamos abertamente
e de maneira clara o que fazíamos, o que queríamos e o que
precisávamos fazer. O dr. Roberto nunca nos cobrou o que
estávamos fazendo. Ele cobrava resultados: "Como vou pagar a minha conta, como vou pagar minhas dívidas... Coloquei
minha casa e todo o dinheiro que tinha nesse negócio de
televisão... Acredito nisso e vocês precisam devolver esse
dinheiro". E nós tínhamos dito a ele que devolveríamos o
investimento na emissora em cinco anos... Devolvemos em
três. Eu acho que a partir desse momento, a confiança dele em
nós aumentou, e ele nos deixou mais à vontade, sem cobranças.
A única coisa que o dr. Roberto preservou, como jornalista
que era, e com a herança que ele tinha do pai e a presença
dele no jornal O Globo, é que tivesse o controle da questão
editorial da empresa. A interferência dele, que era mínima, era
muito forte. Quando ele queria alguma coisa ou tinha que
atender algum pedido ou fazer alguma coisa que interessava
à empresa ele era implacável, sabia cobrar, exigir e mandar.
Isso era uma coisa aceitável já que ele era o concessionário.
Como a televisão é uma concessão pública, a gente imagina
que ela é mais sujeita do que qualquer outro órgão a pressões que vêm de cima para baixo.
Abi-Rihan - O gabinete do Boni era mais luxuoso que o do dr.
Roberto. Ele tinha ciúme disso?
Boni - Meu gabinete não era mais luxuoso, era mais moderno.
E ele não tinha ciúme não, porque ele achava que o dele era
mais bonito. Dr. Roberto nunca perdeu na vida dele. Ele podia
ter a pior coisa do mundo... Ele achava que o melhor negócio
do mundo era andar de Volkswagen. Quem andava de Cadilac
era um idiota. Tudo que ele teve considerava que, do ponto de
vista dele, era o melhor. A sala dele era uma sala bonita, de
livros, com uma vista espetacular para o Jardim Botânico, o
Jóquei Club e a Lagoa. E minha sala ficava no andar de baixo,
mas não tinha janela. Um dia mandei abri uma janela igual à
dele. Certa ocasião ele foi na minha sala e disse: "Olha, o seu
escritório é mais leve que o meu. É mais branquinho. E essa
janela aqui? Tinha essa janela aqui?". Eu disse: "Não. Mandei
Boni - Existe uma tendência mundial de segmentação na comunicação. Para que você faça uma coisa para cada tipo de indivíduo ou grupo. Considero que isso está sendo feito de uma
maneira exagerada e estamos vivendo uma época de uma quantidade de informação tão grande que fica difícil de processar.
Mas a segmentação é uma tendência. A situação é tão extrema
que existe um sujeito na Califórnia que fica transmitindo diariamente na sua programação um sismógrafo, pra ver quando
tem terremoto. Ele só tem um sismógrafo e uma câmera. O
trabalho é tão primário que o anúncio é um cartãozinho, que ele
segura e coloca em frente da câmera, anunciando quem patrocinou o programa. Ele só tem um sismógrafo e uma câmera e
um canal de televisão que está no cabo.
Ricardo Fonseca - Você não acha que para evitar essa programação de baixa qualidade deveria ser criada uma entidade
que analisasse e controlasse a qualidade dos programas na
televisão?
Boni - Qualquer controle é danoso. O controle tem que ser de
cada empresa. Do ponto de vista do mercado, deve ser exercido pelo anunciante e pelo espectador. Se você não tem qualidade, você não tem anunciante. Se não tem um bom acabamento,
você não tem espectador. E aí se cria um círculo vicioso.
Esse controle será feito pelo próprio mercado. Mas essa
depuração vai demorar um pouco ainda, porque o fenômeno da segmentação é recente. Mas tenho certeza de que vai
prevalecer a qualidade, o entretenimento de bom nível, a informação, a educação, a cultura.
Ricardo Fonseca - Como você analisa o sistema de televisão
brasileiro.
Boni - Um país precisa de um bom sistema de televisão. E o
Brasil, que possui dimensões continentais, precisa de uma
boa televisão aberta, porque o cabo vai ficar restrito a determinadas áreas. O satélite vai cobrir áreas rurais. A televisão
aberta no Brasil tem um papel diferente do que em outros
lugares do mundo.
O país não pode ficar na mão de uma só emissora. Eu respeito e tenho o maior carinho pela TV Globo, mas sou a favor
da democratização. Mas no lugar mais difícil, que é a TV
aberta. Não em uma estaçãozinha de cabo. A Record, o SBT,
a Bandeirantes, a CNT e a Rede TV têm obrigação de tentar
melhorar com seus recursos e tentar crescer. Não só fazer
uma concorrência com a TV Globo, mas tornar o Brasil
dotado de um sistema de televisão mais democrático do
ponto de vista da informação e mais interessante do ponto
de vista do entretenimento.
É por isso que respeito a TV Globo.
fevereiro 2004
83
É importante a gente lembrar que a Globo não começou
como a vemos hoje. Quando fui para a TV Globo, ela era a
quinta emissora em audiência em São Paulo e a quarta no Rio
de Janeiro. Naquele momento, em São Paulo, nós tínhamos
o poder da TV Record, com seus festivais e programas de
música popular brasileira, a Tupi e a Excelsior dominando o
campo das novelas.
Se nós pensássemos como as emissoras concorrentes da
TV Globo pensam hoje, teríamos nos contentado em fazer um
programinha com um apresentador de segunda a sexta-feira,
às 9h da noite e não fazer mais nada. Nós percorremos um
caminho. Fomos trocando as pessoas, criando programas,
implantamos a teledramaturgia e ficamos livres de alguns profissionais que tentaram fazer uma televisão de baixa qualidade.
E nós não fizemos isso com dinheiro. Fizemos isso com
trabalho, um planejamento cuidadoso, levamos aos anunciantes e vendemos nossas idéias a eles, recebemos dinheiro
do mercado para fazer uma televisão que o mercado pudesse se sentir confortável ao anunciar seus produtos.
Fizemos uma televisão para atender não o gosto do anunciante, mas a sua necessidade de veicular seus produtos para
um público de poder aquisitivo elevado. Nós desenhamos
essa televisão. Ela foi feita no papel, antes de ter sido feita no
vídeo. E nós perseguimos isso... Eu diria a você que nós
ainda não completamos o que planejamos.
Eu saí, e o trabalho não foi feito até o final. Tem muita coisa
para ser feita.
Hoje seria necessário que alguma dessas empresas encarasse uma possibilidade dessas, se profissionalizar, analisar o
mercado, encontrar uma maneira de entrar no mercado, aproveitar as fragilidades da TV Globo (se ela é forte, tem também
suas fragilidades), e tentar penetrar de outra maneira.
Ricardo Fonseca - Você é um homem bem-sucedido. Sempre
se afastou das confusões e, mais especificamente, das drogas.
Boni - Sempre me preocupei com a questão das drogas.
Fizemos várias vezes, dentro do que era possível à época,
alguns movimentos dentro da televisão no sentido de evitar a
proliferação do uso de drogas. Eu pessoalmente nunca tive
nenhum envolvimento com drogas. E tive a sorte de meus
filhos também nunca terem tido problemas com drogas. Tenho pavor dessa questão em relação à juventude. Conheço
amigos dos meus filhos e convivi com amigos muito íntimos,
que foram destruídos, se destruíram e destruíram suas oportunidades com as drogas... E digo drogas no sentido mais
amplo: desde o álcool e cigarro até drogas mais pesadas,
como cocaína e outras.
O jovem que pensa que tem que seguir uma trajetória na vida
e que um dia vai encarar a morte de alguma maneira, ele tem
que pensar como é que vai conduzir sua vida para que não
faça disso um inferno.
Acho que todos os meios de comunicação em massa, a
revista de vocês, os desfiles das escolas de samba... Todos
os instrumentos de comunicação que possam ser utilizados
para que se reduza o consumo de drogas têm a obrigação
de se empenhar nessa luta.
Abi-Rihan - Onde está a ética na televisão?
Boni - A televisão é um veículo de comunicação concedido
pelo poder público. Isso obriga que a televisão tenha uma
84
Revista Beija-Flor
postura diferente dos outros veículos. Ela está usando um
bem público, que é o espaço que ela ocupa com sua transmissão. Ela tem a obrigação de manter uma postura ética
maior do que qualquer outro veículo, porque se você quiser
publicar uma coisa horrível, e eu não quiser comprar, eu não
compro. Mas a televisão é uma concessão do governo em
nome do povo. Ela tem obrigações com a informação de
qualidade, honesta e eqüidistante dos diversos interesses
políticos e partidários. Que possa ajudar a evolução da sociedade nos mais diversos níveis, até mesmo no gráfico e
visual. Na Globo a gente sempre teve a preocupação de criar
oportunidades de andar um pouquinho à frente do
telespectador. Não tanto que você fique longe dele e não
possa mais falar com ele, mas que não ande nunca atrás
dele.
Acho que a principal questão da ética na televisão é você não
mentir para o seu espectador, seja através de um programa,
de entretenimentos, de informações jornalísticas e até mesmo
do próprio comercial. Ser absolutamente honesto, claro e que
você procure ser eqüidistante de interesses de correntes.
A ética na televisão está em produzir um espetáculo e um volume de informação acima do nível da população para que ela te
acompanhe e que seja absolutamente isento, sem partidarismo.
Ricardo Fonseca - Essa ética que você está falando convive
bem com a necessidade comercial de uma empresa?
Boni - Eu acho que convive sim. É um engano pensar que os
anunciantes interferem nessa programação. O que interfere,
do ponto de vista comercial, é a necessidade de fazer audiência para poder vender o seu comercial.
A influência comercial em relação à audiência tem que ser
manipulada com cuidado porque um concessionário, que é
a empresa, precisa incutir nos seus contratados que não
adianta fazer audiência com porcaria e baboseira pois não
tem valor comercial.
Eu nunca fiz questão de ganhar em todos os horários na televisão. E sempre recomendo aos meus companheiros: "Façam
um dia uma coisa melhor, percam audiência, mas façam disso
um sucesso artístico ou cultural". Não é preciso ganhar todos os
dias... Isso não é uma corrida de cavalos. Quero ter uma boa
audiência média e qualificada, para que eu possa atender o meu
anunciante, para que eu possa manter uma média e conservar a
minha liderança na emissora. Eu quero ter índices médios. Eu
não quero vencer em todos os horários e em todos os dias. Se
pensar em vencer e ter audiência toda hora, a qualquer custo,
você vai enveredar para o caminho da apelação.
Abi-Rihan - Boni é feliz?
Boni - O sujeito quando é feliz, ele pára. Ele vira o chamado
morto-vivo. Ele fica lá, se conforma com tudo... e está feliz. Acho
que a ansiedade é um tipo de infelicidade produtiva. Eu diria que
sou feliz por um lado, mas que sofro de uma profunda ansiedade. Eu tenho que estar fazendo alguma coisa e me submetendo
ao risco permanentemente, sem isso me sinto infeliz.
Abi-Rihan - O Boni está acostumado com o que existe de
melhor. O que o Boni acha da revista da Beija-Flor?
Boni - Eu gosto de falar do que conheço. E Comunicação é a
minha área. Por isso fico à vontade para falar da revista de
vocês. Ela é muito boa. Gostei muito do design gráfico dela.
E o conteúdo também é excelente. Diria que a revista está
aprovada com louvor. Parabéns!
www.beija-flor.com.br
fevereiro 2004
85
Beija-Flor
em revista
Karla Legey
A
Beija-Flor de Nilópolis tem muito para comemorar.
destaque ao ensaio desenvolvido pelo pesquisador Hiram
Se não bastassem os 50 anos de desfiles como
Araújo, que, além de servir como um aperitivo intelectual,
escola de samba e a conquista de mais um campeonato com
introduz a reportagem que tornou públicas as atividades
o enredo "Saco vazio não pára em pé", a agremiação de
sociais que a Beija-Flor de Nilópolis mantém.
Nilópolis a cada ano vem consolidando a sua visão de van-
Por essas e outras razões, a revista "Beija-Flor de
guarda além da avenida com a publicação da revista "Beija-
Nilópolis - uma escola de vida" passa a ser, inegavelmente, a
Flor de Nilópolis - uma escola de vida".
grande expectativa do amante do samba e do Carnaval.
Depois do desfile das escolas, naturalmente.
Sempre preocupada em levar ao seu leitor informação
em um formato atraente, buscando ser inédita e original no
E para comemorar e promover a edição 2003 da revista,
que apresenta, a revista "Beija-Flor de Nilópolis - uma escola
a Beija-Flor de Nilópolis ofereceu um encontro no Clube
de vida" se vangloria de ter sido a primeira e única a contar
Monte Líbano, que contou com a presença de inúmeros
com um depoimento do presidente da República, Luis Inácio
amigos da escola de samba.
Lula da Silva, que falou sobre o enredo da escola, prestigiando
Segundo o presidente da escola, Farid Abrão, foi uma
a nação nilopolitana e a população do estado do Rio de Ja-
noite de muitos encontros e reencontros: "Além de estarmos
neiro com uma mensagem de otimismo.
comemorando o lançamento dessa lindíssima revista, fico
Mas a Beija-Flor de Nilópolis foi mais além. Não se fixou
muito satisfeito de estar nesta noite com muitos de nossos
em aparências ou preconceitos, e, com um olhar singular,
amigos queridos, que sempre estiveram ao nosso lado nes-
abordou o papel social das escolas de samba, com especial
ses anos de Beija-Flor de Nilópolis."
Equipe distribui a revista durante o Desfile.
86
Revista Beija-Flor
Nelsinho, Abraãozinho e Farid.
Dr. Calmon, Abi-Rihan e Anizio.
www.beija-flor.com.br
Anizio cai no samba, animado pela voz de Neguinho da Beija-Flor e pelo ritmo da bateria da agremiação.
Repleta de personalidades do samba e do Carnaval, a
teve a coragem e o interesse em mostrar o que a nossa escola
cerimônia foi valorizada pela apresentação de Neguinho da
faz pela comunidade da Baixada Fluminense. E o que o Anizio
Beija-Flor, do casal de mestre-sala e porta-bandeira Claudinho
faz por essas pessoas. Agora a justiça foi feita!"
e Selminha Sorriso e da bateria da Beija-Flor, sob a batuta do
mestre Paulinho.
Hiram Araújo, companheiro de primeira hora da revista,
também é pródigo na avaliação: "A revista está extraordiná-
Para falar da cerimônia, nada melhor que o próprio Anizio,
ria. Apresentar o trabalho que o Anizio realiza em Nilópolis foi
que desde 2001 vem injetando um novo espírito no samba e
uma ótima idéia, pois deixa que o público conheça quem é
no Carnaval com a publicação da revista: "Estamos vivendo
esse homem chamado Anizio Abrão David. Além disso, co-
uma noite muito especial. Estar comemorando o lançamento
locar na revista a ordem do desfile da escola, com um breve
de mais uma edição da revista me faz muito bem. A revista está
resumo de cada ala e carro, popularizou ainda mais o Car-
linda, e melhor que a do ano passado. Acho que faz parte do
naval, porque permitiu que o leitor compreendesse mais ain-
espírito da Beija-Flor de Nilópolis a cada ano se superar: seja
da a mensagem que a escola se propôs a levar à Marquês
nos desfiles de carnaval, seja na produção da revista."
de Sapucaí. Parabéns a todos que tornaram essa revista
Mas não só o presidente de honra da escola destacou a qualida-
uma realidade."
O Prefeito César Maia, não pode estar presente à festa,
e a estética da publicação, mas também, e principalmente, o
mas fez sua análise da revista: “a revista da Beija-Flor é um
conteúdo sério e inovador. Segundo Fabíola Oliveira, destaque
exemplo para todas as escolas pois vai além da questão
da escola e esposa de Anizio, "A revista já conquistou um papel
precípua sendo um instrumento de informação e serviços
importante no mundo do samba e do Carnaval, se tornando um
públicos”.
Foto: Naldo Mesquita
de da revista. Muitos dos convidados elogiaram não só a beleza
referencial em revista de samba e carnaval. Mas o que me agra-
Satisfeitos com o resultado da edição 2003, a equipe da
dou muito na edição desse ano foi a reportagem sobre as ativi-
revista espera que a edição 2004 atinja o sucesso esperado,
dades assistenciais que a Beija-Flor de Nilópolis realiza. Nunca
e que contribua com a escola ao sensibilizar o público com
nenhum veículo de comunicação com uma tiragem tão grande
sua mensagem de esperança e fé em dias sempre melhores.
Anizio comemora o lançamento da edição 2003 da revista ao lado de Fabíola de Oliveira e seu pai, sr. Vicente, e de integrantes da Beija-Flor de Nilópolis.
fevereiro 2004
87
Memória
1954 1955 1956 1957 1958
O Caçador de Esmeral- Páginas de ouro da poe- O Gaúcho
das
sia brasileira
10º Lugar. Grupo 1
Campeã . Grupo 2
6º Lugar. Grupo 1
Primeiro desfile, primeira Disputando o título de
vitória
supercampeã, no "tablaA "mágica" evolução de do" armado em frente à
bloco Associação Carna- Igreja da Candelária, na
valesca Beija-Flor para Av. Presidente Vargas, a
GRES Beija-Flor de Beija-Flor compete com
Nilópolis deve-se a opor- a Mangueira, Império
tuna iniciativa de Silvestre Serrano, Portela, CapriDavid dos Santos, o Ca- chosos de Pilares e Salbana, que providencia o gueiro, entre outras.
registro do Bloco na Con- O enredo é de autoria de
federação das Escolas de Nilo e o samba de Osório
Samba. A caçula das Lima.
escolas faz sua estréia no
chamado "berço do sam- O grande sucesso do
ba", e vitoriosa é alçada desfile foi a apresentaao Grupo 1, ingressando ção da "Ala das Meniassim na elite das esco- nas Boêmias", que agradou imprensa, público e
las de samba.
principalmente os juraO
feliz
samba-enredo "O
Caçador dos.
de Esmeraldas",
de autoria de Cabana e composição de
Ozório de Lima,
fala dos bandeirantes e suas heróicas aventuras,
que contribuíram
para
o
desbravamento dos
sertões e expansão
territorial do Brasil.
A revista O Cruzeiro
destaca a beleza
das
passistas
Jurema, Elza e Marlene, "as mulatas
que encantaram o
Rio de Janeiro".
88
Revista Beija-Flor
O enredo de Nilo e o
samba de Cabana faz a
primeira incursão pela
obra de José de Alencar,
considerado o maior escritor brasileiro de todos
os tempos. Escolhem o
tema de "O Gaúcho", seu
primeiro
romance
regionalista, dentro do
projeto de descrição global do Brasil, que o escritor desenvolveu.
Riquezas áureas do Brasil Exaltação às forças armadas
7º Lugar. Grupo 1
10º Lugar. Grupo 1
Mesmo com "a maldição"
de Candeia, que faz troça do samba de Cabana,
por ser curto e simples
(estilo adotado hoje pelos
compositores, por causa
de sua fácil assimilação
pelo público), o compositor não esmorece. E a bateria,
com
apenas
dezessete componentes,
fatura a nota máxima. É
dez!
O enredo de autoria de
A Beija-flor antecipa as
Augusto de Almeida perhomenagens pelo cenmite que o autor do samtenário de nascimento do
ba exalte o País através
escritor cearense.
de sua produção agrícola
Hildebrando, do alto dos e mineral. Cabana puxa a
seus 2 metros, faz sua escola e enaltece a "Miprimeira incursão como nha pátria amada" com
mestre-sala, reverenci- os versos: "Brasil tuas riando a porta-bandeira quezas /(...) Produtos de
Maria Paizinho, e herda grande valorização/Café,
o apelido de "Gaúcho" cacau, diamante e borrapela elegância da fanta- cha/Gigante de nossa exsia, mas desiste cedo do portação".
cargo.
Em virtude do excesso de
público, estimado em 700
mil pessoas, que se interessava pela apresentação que, àquela altura,
havia definitivamente se
transformado numa grande atração, as escolas de
samba conquistam o direito de desfilar no palco
nobre do carnaval carioca, na época, a Avenida
Rio Branco.
O enredo de Benedito dos
Santos e o samba de
Vacele prestam uma justa homenagem aos pracinhas brasileiros, que lutaram contra o nazismo na
Segunda Guerra Mundial,
integrando as forças aliadas. O cenário da batalha
foi a Itália e o Monte
Castello, ponto estratégico do inimigo, conquistado por nossos heróis.
A grande inovação foi a
introdução, no julgamento, do quesito de exibição
Abandonou-se a idéia do de mestre-sala e portatablado.
bandeira. Valendo meio
ponto.
www.beija-flor.com.br
1959 1960 1961 1962 1963
Copa do Mundo
Regência trina
Homenagem à Brasília
Dia do fico
O Guarani (Peri e Ceci)
9º lugar. Grupo 1
9º Lugar. Grupo 1
8º lugar. Grupo 2
2º lugar. Grupo 2
10 º lugar. Grupo 1
A Seleção Brasileira de
futebol e seus canarinhos,
- especialmente Nilton
Santos, a enciclopédia do
futebol -, Didi Folha Seca,
Pelé e Garrincha,- lavaram
a alma brasileira nos gramados da Suécia e a escola de Nilópolis passou
a limpo o sentimento nacional, com muita animação.
Da chegada de D.João VI
à Independência, com
passagem pela Regência
Trina, a Beija-flor de
Nilópolis explorou bem o
mote histórico, conforme
exigência do regulamento, possibilitando a criação de alegorias surpreendentes, orientadas pelo
escultor e carnavalesco
Augusto de Almeida.
De volta ao grupo das chamadas "pequenas", e desfilando na Praça XI, a Beija-Flor de Nilópolis sai na
frente nas homenagens ao
grande idealizador Juscelino Kubistchek e à nova
capital, com o enredo de
Josefá e samba de Cabana.
Com essa classificação,
a Beija-flor volta a integrar o Grupo das 10
Mais, criado no ano anterior. Condição esta
ratificada em outubro,
durante o carnaval fora
de época, realizado no
entorno do Tabuleiro da
Baiana (Largo da Carioca), onde e quando a
escola conquista o título de campeã do "Carnaval da Primavera" e,
ainda, numa disputa paralela, o samba de Cabana é escolhido como o melhor do ano, com o
endosso de Amauri Jório
e Hiram de Araújo, que
consideram-no um dos
mais belos sambas de
enredo, conforme citação no livro "Escolas em
desfile".
A hora de a onça beber
água Depois de "O Gaúcho", agora é o carnavalesco Josefá que investe
na obra de José Alencar,
apostando no seu primeiro romance indianista.
Uma onça, azul e branca, foi motivo de críticas e
apesar de ser um clássico da literatura, "a obra prima e fabulosa" exaltada
no samba de Cabana não
conseguiu segurar a
"onça" no grupo d a s
dez mais.
No asfalto, no primeiro
carnaval após o Brasil
conquistar a Copa do
Mundo, o carnavalesco
Augusto de Almeida reverencia o feito da seleção
de Vicente Feola, cantando loas com o samba de
Amilton Pardal e apresentando num carro giratório
uma alegoria com a escultura dos campeões do
mundo.
Ao transferir a capital do
País para o Planalto CenNa Avenida Rio Branco, tral, JK cumpre uma aspiCabana contou e cantou ração de José Bonifácio
um dos períodos mais rejeitada pela Corte.
conturbados do País: da A chamada Novacap seretirada de cena de D. guiu plano traçado por
Pedro I à maioridade - aos Lúcio Costa e a arquite14 anos - de Pedro II.
tura de Oscar Niemeyer.
Nesse ano, o Salgueiro.
montam um enredo sobre
Zumbi dos Palmares. Era
a primeira vez que uma
escola ia homenagear um
personagem da história
Nesse ano, o Salgueiro não oficial.
contrata os artistas plásti- Devido à discordância na
cos Dirceu Neri e Marie contagem dos pontos neLouise. Ambos abando- gativos introduzidos nesnam os desengonçados se ano, as cinco primeicarros alegóricos e criam ras foram consideradas
os adereços de mãos, campeãs. Apenas oito escausando grande impac- colas desfilaram e, infelizto visual.
mente, a Beija-Flor de
Foi também o Salgueiro
que pela primeira vez, levou uma escola de samba ao exterior. A
agremiação se apresentou em Cuba, pouco depois da vitória de Fidel
Castro.
O Rio, a sempre Belacap,
perde a sede do governo
federal mas continua sendo a capital da cultura, da
alegria e do samba.
Nesse ano, pela primeira
vez se cobrou ingresso
para o Desfile.
No asfalto, o enredo de
Cabana cantava uma
das mais conhecidas
frases de D. Pedro I, o
defensor perpétuo do
Brasil, que caiu na boca
do povo - "Como é para
o bem de todos/e feliciNilópolis desceu para o
dade geral da nação/
Grupo 2.
diga ao povo que fico" atendendo a petição
José Clemente Pereira e
José Bonifácio, com o
aval de 8 mil assinaturas, somente do Rio.
A
miscigenação é o
centro da
história,
que fala
do amor
do índio
Peri e por
C e c i ,
m o ç a
branca,
filha do
nobre D.
Antonio de
Marins.
fevereiro 2004
89
1964 1965 1966 1967 1968
Café, Riqueza do Brasil
Lei do Ventre Livre
12 º lugar. Grupo 2
3 º lugar. Grupo 3
O ciclo cafeeiro marcou a
história e a economia brasileira, como um dos seus
principais produtos de exportação. As riquezas da
terra "onde tudo que se
planta dá", voltam a ser
cantadas por insistência
de Cabana, autor do enredo e do samba.
Cabana propõe um enredo intrinsecamente ligado
ao povão que é a questão da escravidão, na tentativa de resgatar o lugar
de destaque que tinha
conquistado para a Beijaflor no primeiro desfile.
Inovação e ousadia nem
sempre dão bons resultados. Um dos crooners,
como se chamavam os
intérpretes de samba-enredo, Vavá declama parte
letra do samba, ao invés
de cantar, e isso pesou
desfavoravelmente na decisão do jurado.
90
Revista Beija-Flor
Fatos que culminaram A Queda da Monarquia
com a Independência do 2 º lugar. Grupo 3
Brasil
Exaltação a José de
Alencar
9º lugar. Grupo 2
3º lugar. Grupo 3
A Monarquia cai e a Beija-Flor de Nilópolis sobe Primeiro carnaval sob a
Os fatos que antecede- O carnavalesco Augusto égide da família Abrão
ram a Independência do de Almeida e o composi- David. Anízio assume a
Brasil estão diretamente tor Anézio revelam a presidência no ano anteligados à Revolução
quartelada que rior.
Liberal do Porto, seexilou Pedro II
gundo o historiador
e derrubou a No asfalto, o patriarca da
O samba de Nicanor Eduardo Bueno.
monarquia. literatura nacional, no
"Timbó" de Oliveira fala da Os compositores
En- conceito do crítico José
Lei do Ventre Livre, um Jair e Nicanor
Guilherme Melquior, deciimportante passo para li- "Timbó" de Olididamente José de
berdade dos escravos e, veira contam e
Alencar tem um pé na
ao mesmo tempo, uma jo- cantam sua inBeija-Flor.
gada política da época terpretação da
Desta vez, no enredo
que tirava da mão dos lihistória e o
pautado e cantado
berais a bandeira da Abocarnavaem
samba
de
lição, retardando-a por
Anézio. Possivelmais de uma década.
mente por conta
d
o
abrasileiramento
da nossa literatura
lesco e
através de sua obra escultor
dividida em urbana
A u g u s t o
(Lucíola e Senhora),
"Gugu"
de
A l m e i d a
quanto a regionalista (O Gaúcho e
capricha nas alegorias. última festa da Ilha Fiscal O Sertanejo), indianista
Os personagens e ani- rolava rica e farta, os cons- (Ubirajara) e histórica (As
mais pareciam ter vida tal piradores preparavam o Minas de Prata) e, seguna perfeição do trabalho. golpe no clube Militar e cri- do uma revisão crítica
póstuma, no caso dos roO primeiro mestre-sala, avam provisoriamente mances O Guarani e IraHeitor Silva, parceiro da uma república, para cema, indianistas e históporta-bandeira Cleuza, aguardar o sufrágio popu- ricos,- Alencar tenha prochega à presidência da lar que só foi consultado vocado mais de um enreum século depois.
escola.
do para a escola Azul e
O desfile coloca a Beija- Branco.
flor no Grupo 2.
A grande novidade é o
Afastado da escola, Ca- lançamento do primeiro
bana faz parcerias memo- LP com os sambas-enreráveis, com Martinho da do.
Vila e Norival Reis, e grava pela primeira vez: "Tal
é o dia do batizado".
www.beija-flor.com.br
1969 1970 1971 1972 1973
O Paquete do Exílio
9º lugar. Grupo 2
A queda da monarquia
tem segmento no enredo
de Cabana, no samba de
Benjamin "Ivancué" de
Oliveira, que Aloisio Santos, também autor e
crooner, defende no desfile desse ano. O samba
narra "o último capítulo da
monarquia", cuja queda
fora tema da escola dois
anos antes. Fala da per-
sonalidade de D. Pedro II:
"A sua consciência cristalina /Sua imperturbável
linha de honestidade/Elegância de atitude /Dignidade de ação/Ao despedir-se da nossa nação" e
descreve o embarque "Foi
o majestoso Alagoas/O
navio de renome nacional/ Denominado o Paquete do Exílio/Por transportar a família imperial".
Em virtude do atraso promovidos pelas escolas, os
jurados abandonaram o
julgamento, e ficou decidido que escola alguma
seria rebaixada.
Rio, quatro séculos de Carnaval, sublime ilusão
Glória
7 º lugar. Grupo 2
6 º lugar. Grupo 2
Ainda sob os efeitos das
comemorações do quarto centenário do Rio de
Janeiro, Abílio Pereira estréia na Beija-Flor, como
carnavalesco. O samba
escolhido é o de Walter
de Oliveira, que enaltece
o Rio como palco de episódios decisivos para Brasil. De sua fundação até
Abilio Pereira sintetiza do
carnaval carioca num enredo que abraça toda sua
espontaneidade
e
grandiosidade. São manifestações que se vê, sente e vive. Tudo sublime,
mas ilusão. A Beija-Flor
saúda o povo e pede passagem para os blocos,
ranchos, frevos, cordões
e foliões passarem, com
direito à baile de gala do
Municipal, a Zé Pereira
nas ruas e as sociedades
encerrando com chave de
ouro. Depois "ao alvorecer pelas ruas da cidade
só restam pedacinhos coloridos de saudade" diz o
samba de Walter de Oliveira.
Bahia dos meus amores
6 º lugar. Grupo 2
Educação para o desenvolvimento
2º Lugar. Grupo 2
O carnavalesco Abílio e os
compositores Isaías Pereira, Sebastião Adilson e
Adelson pedem licença
ao Brasil para, através da
Beija-flor de Nilópolis e do
puxador Sílvio, falar das
gentes, da fé, dos costumes, da cultura e do folclore baiano. Reisados,
pastorinhas, terreiro, candomblé, igrejas, saveiros,
escritores, poetas são
destaques do desfile. "E o
capoeira também é bamba no pé", comprovaram
os passistas da Azul-eBranco.
A ala dos compositores se
reorganiza e Aloísio Santos, seu primeiro presidente, promove eventos para
captação de recursos,
que garantem a aquisição
da fantasia e despesas
eventuais de seus componentes.
No asfalto, os carnavalescos Mario Antonio Barroso e João Rosa e o compositor César Darvin exalta os professores, a cultura, a reforma do ensino, o
Mobral, sistema de alfabetização para adultos,
Esse ano, é assinada a que surgiu como a granescritura de compra da de solução para a
sede da Associação das Educação.
Escolas de Samba, na A Beija-flor
No regulamento, é insti- Rua Jacinto, 67 - Méier, retorna ao
tuído o tempo dos desfi- em 27 de maio.
grupo 1.
les das Escolas de Sam- É criada, também, a
bas: 71 minutos para o
os tempos atuais, o autor grupo 1, 55 min para o 2 e RIOTUR. E o seu o primeiro presidente é Aníbal
dá ênfase aos "grandes 40 min para o 3.
Uzeda de Oliveira.
vultos" , como Tiradentes,
É
proibido
o
desfile
de
O gigantismo das escolas
e acontecimentos, como
preocupa. Elas já contaa Abolição da Escravatu- pessoas "em travesti".
vam com cerca de 2.500
ra.
figurantes. "Atravessar" o
Para evitar o atraso foi
samba tornou-se um proreinstituído o quesito
blema freqüente. A
cronometragem.
Portela deu aos compoA partir desse ano, é oficinentes radinhos de pilha
alizado uma exigência da
para que ouvissem a transDitatura Militar, que torna
missão das rádios e não
obrigatório o envio dos
atravessassem.
croquis das alegorias e
fantasias à censura.
fevereiro 2004
91
1974 1975 1976 1977 1978
Brasil ano 2000
O grande decênio
Sonhar com rei dá leão
7 º lugar. Grupo I
7º Lugar. Grupo I
1º Lugar - Grupo I
Vovó e o rei da Saturnália A criação do mundo na
na corte egipciana
tradição Nagô
1º Lugar. Crupo I
Rosa Magalhães, originá- O jogador Zico, o Galinho
ria do Salgueiro, traz sua de Quintino, passa a
criatividade para as alego- desfilar na Beija-Flor.
rias e fantasias da escola.
As promessas de um
O decantado crescimen- Brasil Grande alardeadas
to econômico, com a aber- pelo governo levaram a
tura de estradas, exploraesperança ao povo e à
ção do petróleo, a coninspiração de Bira
cessão de canais de TV,
apostando no "p´ra fren- Quininho. A escola cante Brasil e, em muito pro- tou e mostrou no enredo
gresso "daqui para o ano de Manuel Antônio Bar2000", e a esperança do roso e Rosa Magalhães,
povo estavam no enredo o "milagre" brasileiro,
PIS
e
de Manuel Antônio Barro- "lembrando
so e Rosa Magalhães e PASEP/E também o
nos versos de Walter de FUNRURAL/Que ampaOliveira e João Rosa, can- ra o homem do campo/
tado pelo puxador Zamba. Com segurança total",
Mas o almejado progres- como diz o samba que o
so que começou em
próprio Bira defendeu.
1969, não emplacou 74,
Mas a crise do petróleo,
como sonhavam, dentro
a partir de 73, não pere fora da avenida, todos
os brasileiros. mitiu que se justificasse
essa segunda homenagem da Beija-Flor.
Cada um dos 11 quesitos passam a ser julgados por apenas um
jurado.
O maranhense João Jorge Trinta, Joãosinho Trinta, vitorioso no Salgueiro,
estréia na Beija-flor de
Nilópolis. Conquista o Estandarte de Ouro, do jornal O Globo de Melhor
Enredo.
A estréia dupla de Luiz
Antonio
Feliciano
Marcondes, o Neguinho
da Beija-Flor, como autor
do samba, junto com
Zamba, e como puxador
oficial da a escola, canta
"Sonhar com Rei da
Leão", que sugeria "Não
erre não/O palpite certo é
Beija-flor". Não houve
erro! Era a primeira vez
desde 1937 que a campeã do carnaval não era
uma das quatro grandes.
Trinta propõe algumas alterações no enredo e
apresenta a Beija-flor,
com um luxo inimaginável
para as escolas de samba de então, e faz uma
ilação dos sonhos com a
sorte. Trinta promove uma
revolução estética nos
padrões adotados até então pelas escolas de samba. A inovação garante
mais uma vitória para Azul
e Branco, a primeira no
Sambódromo.
É invertido o sentido do
desfile na Avenida Presidente Antonio Carlos
devido um declive que
torna o trabalho dos
empurradores das alegorias muito pesado.
O desfile é realizado, no
início da avenida Presidente Vargas, hoje Cidade Nova, e as arquibancadas são montadas sobre o canal do Mangue.
92
Revista Beija-Flor
1º Lugar. Grupo I
O figurinista José de Assis O mundo místico da naestréia como destaque da ção Nagô é revelado pelo
escola.
enredo de Joãsinho Trinta
O enredo, de autoria de e pelo samba de
Joãosinho Trinta, e o sam- Neguinho da Beija-Flor,
ba de Savinho e Luciano Gilson Dr e Mazinho ao
são interpretados com grande público da nova e
maestria por Neguinho da definitiva passarela do
samba. Conta a misterioBeija-Flor.
sa criação do universo,
por ordem de Olorun, que
se completa no amor explícito amor de Obatala e
Odudua, do qual se fez a
vida com seu esplendor.
As Gatas, Bira e Zamba
cantaram,
com
Neguinho, assim a tradição Nagô: "Olorun! senhor do infinito!..." que
deve ter ordenado a conquista do tricampeonato,
que acabou com a
hegemonia das grandes
escolas, se revezando
como eternas campeãs.
No regulamento, o número de jurados por quesito
passa a ter dois
julgadores. E as notas são
de 1 a 5.
Nesse ano, a Mangueira
resolve voltar às tradições
e apresenta na Comissão
de Frente todos os seus
fundadores mais ilustres.
As escolas tradicionais resolvem investir em suas
qualidades para combater a riqueza da Beija-flor
ou Mocidade. A Beija-flor
é bicampeã.
A tricampeã fatura ainda
três Estandartes de Ouro:
de Melhor Escola, Destaque Masculino - Viriato
Ferreira e "Ala Desvio".
Maria da Penha Ferreira,
negra, 1m80, esbelta, cabeça raspada, sorriso lindo, muita elegância e
charme, faz o Príncipe
Charles, em visita ao Brasil, dançar literalmente.
Embora desengonçado.
www.beija-flor.com.br
1979 1980 1981 1982 1983
O paraíso da loucura
2º Lugar. Grupo 1-A
No asfalto, a criatividade
de Joãosinho Trinta não
encontra barreiras, desconhece a subjetividade e faz
da loucura um paraíso, num
espetáculo de imaginação,
que leva os compositores
Savinho, Luciano e Walter
de Oliveira proporem que
se "Esqueçam os problemas da vida/O trem, o dinheiro e a bronca do patrão/Não pensem em suas
marmitas/E no alto preço
do feijão/Joguem fora a
roupa do dia-a-dia/E tomem banhos no chuveiro
da ilusão" que o povo cantou com Neguinho da Beija-Flor.
A Marques de Sapucaí
passa a ser a avenida oficial dos desfiles das escolas de samba.
Élcio PV conquista o Estandarte de Ouro de Melhor Mestre-sala.
O Sol da meia-noite:uma Carnaval do Brasil,
O olho azul da serpente
viagem ao País das Ma- a Oitava das Sete Maravi- 6º Lugar. Grupo 1-A
ravilhas
lhas do Mundo
1º lugar. Grupo 1-A
2º Lugar. Grupo 1-A
Linda Conde é a nova
destaque da Azul-eO brilho da Azul-e-Bran- Quem haveria de dis- Branco.
co faz o público embar- c o r d a r ( s e é q u e a l - O reino do folclore norcar numa viagem de lu- guém, 'a época, hou- destino, cordéis, magia e
zes e cores pelo país vesse) de mais esse en- m i s t é r i o ,
d a s m a r a v i l h a s , c o m redo de Joãosinho Trin- maracatu e
cavalos
a l a d o s , ta? Quem haveria de m e s t r e
soldadinhos de chum- discordar do que afirma Vitalino e,
bo, casamento da ba- o samba de Neguinho até Mauríde
rata com o ratão, brin- da Beija-flor, Dicró e Pi- cio
cadeiras infantis e Saci colé, de versos que re- Nassau e o
Pererê, e outros perso- velam toda a magia eró- gênio do
nagens que permitiram tica da festa de Momo: mal, são dealegorias e fantasias "Corpos nus em rituais/ cantados no
não menos maravilho- De gingados sensuais/ enredo de
Joãosinho
sas, ilustrando o que Tamborins e agogôs/
Trinta, que
Saias
rodadas
de
negra
Preta Velha conta, no
transforma a serpenbaianas/Giram
faiscanalegre samba de Zé do
te num rio que transbordo de esplendor...."
Maranhão, Wilson Bomdou de emoção a aveniÉ
ou
não,
tão
maravibeiro e Aluízio, puxado
da. Wilson Bombeiro,
por Neguinho e com o lhoso quanto as sete Carlinhos Bagunça e
maravilhas?
quê a escola inteira caJoel Menezes, beberam
tiva o povo e conquista Volta o critério de dois no Capibaripe e, sem
j u r a d o s p o r q u e s i t o . bruxaria, enfeitiçaram a
mais um título.
E a Comissão de Fren- Também voltam a ser passarela com o samba
julgados os quesitos que Neguinho colocou a
te conquista o
conjunto e comissão de boca do povo, com a for"Estandarte de
frente. As notas são to- ça de sua interpretação.
Ouro", d´O Globo.
das de 1 a 10.
Voltam a ser julgados os
Três escolas venFica proibido o desfile quesitos porta-bandeira
cem o carnaval:
de pessoas em carros e mestre-sala e, juntaBeija-flor, Impera- alegóricos.
mente, com comissão
triz Leopoldinense
Torna-se obrigatória a de frente, recebem pone, pela primeira
presença de uma ala de tos de 1 a 5.
vez em 10 anos a
crianças nos desfiles A alegoria aumenta de
Portela.
das Escolas de Samba. dois para três carros e a
ala de crianças passa a
integrar o desfile.
A grande constelação das
estrelas negras
1º Lugar. Grupo 1-A
Personalidade viva do enredo, Clementina de Jesus ganha o "Estandarte
de Ouro". Juju Maravilha
fica com o troféu de mel h o r
Portabandeira
e Élcio
PV, de
Mest r e sala.
Clementina
de Jesus,
Pinah
e
Grande
Otelo foram
alguns personagens vivos
do enredo
em
que
Joãosinho
Trinta os homenageia juntamente
Pelé, ao lado das pretas velhas Yaôs e Ganga Zumba.
O samba de Neguinho da
Beija-Flor e Nego ratificou
a intenção do carnavalesco. Com o aval do júri
e do público, a escola
emplacou mais um campeonato.
Revogada a proibição de
pessoas nos carros alegóricos e o limite de alegorias.
Nesse ano a luz apagou
durante o desfile da Caprichosos de Pilares. AsMiguel Abrão David assu- sim, ficou decidido que
me a prefeitura de ninguém desceria.
Nilópolis.
fevereiro 2004
93
1984 1985 1986 1987 1988
Um gigante em berço es- A Lapa de Adão e Eva
plêndido
2º Lugar. Grupo 1-A
3º Lugar. Grupo 1-A
O mundo é uma bola
2º Lugar Grupo 1-A
4º Lugar. Grupo 1
O enredo homenageia o
país do futebol, o samba
de Betinho e Canuto festeja os tricampeões "heróis da nossa seleção" ,
mestre Pelé capricha a
frente da bateria e
Neguinho canta que "a
bo", também foi premia- arte é jogar bola". O abrealas com uma bola representa a terra. Outro carro
sugere que a Lua e o Sol
inspiraram a criação da
bola. As alegorias saudavam os grandes clubes
cariocas. Jair da Bola é
Pelé na passarela.
da, juntamente com
Neguinho da Beija-flor Ganha o Estandarte de
eleito o Melhor Puxador Ouro de melhor escola.
Polêmica, inovadora e
de Samba.
De ousadia em ousadia, sempre alegre, a BeijaJoãosinha Trinta imagina Flor fez um dos seus mea Lapa como paraíso do lhores desfiles com o
prazer e do pecado, e a Sambódromo alagado,
cidade, uma verdadeira por uma chuva que durou
babel. Enfim, como uma todo o tempo do desfile
Sodoma e Gomorra, onde da escola. Segundo a cría política é brincadeira, cir- tica "os componentes deco não tem opção, fute- ram uma aula de
bol é de exportação, ca- evolução e harmomelôs levam rasteira e gay nia. Quem estraé sucesso, como diz o gou a festa foi o
samba de Zé do Cavaco, júri".
Cláudia Raia é convidada
Farid Abrão David assu- para integrar a escola. É
me a presidência da es- destaque até hoje.
cola.
Pinah recebe o EstandarÉlcio PV fatura mais um te de Ouro, d' O Globo,
"Estandarte de Ouro" como Destaque.
como melhor Mestre-sala. A ala "Tenentes do DiaNa pista, Joãosinho Trinta
retoma o tema histórico,
redescobre a viagem de
Cabral e "a determinação
dos deuses" de indicar às
caravelas portuguesas
"um gigante em berço esplêndido". Os compositores Neguinho da Beija-Flor
e Nego escrevem e cantam a alegria e a tristeza
da terra do novíssimo continente. Com o tempo, o
gigante acorda e reconstrui um Brasil novo, que
volta a cantar e sorrir. Pelo
menos, na passarela.
Acaba a exigência de a
comissão de frente desfilar depois do abre alas.
Escolhida como avenida
oficial dos desfiles, a
Sapucaí ganha roupagem
de arquibancada, camarotes, palco, museu, etc.
As escolas desfilam em
dois dias, escolhendo-se
a campeã de cada dia e
uma supercampeã num
novo desfile.
Carlos Imperial participa
da apuração do resultado
do desfile e cria o bordão
"É dez!"
94
Revista Beija-Flor
Carlinhos Bagunça, Carnaval, H. O e Patrício,
cantado por Neguinho da
Beija-Flor.
O julgamento volta a ser
unificado, independente
do dia em que a escola
desfilou.São dois jurados
por quesito.
As mágicas luzes da ribal- Sou negro do Egito à Lita
berdade
3º Lugar. Grupo 1
Anizio Abrão David é o O Egito volta brilhar nas
novo presidente da Azul- alegorias e fantasias da
e-branco de Nilópolis.
nossa escola, como no
A Ala "Flor do Samba" samba de Aloísio Santos,
conquista o troféu "Estan- Ivancué, Marcelo Guimarães e Claudinho Inspiradarte de Ouro".
ção. Certo de que o grito
No asfalto, a Beija-flor de liberdade ainda está
mergulha na dramaturgia preso na garganta de
e abre a cortina de mais muitos afrodescendentes
um desfile de autoria de a escola aproveita os próJoãosinho Trinta. O prios atores desta situasambódromo é o palco e ção - que também vivem
as artes cênicas, com na comunidade - para
suas máscaras do drama colocar a boca no trome do riso, é a grande ho- bone, contando a sofrida
menageada no espetá- e longa história do negro
culo apresentado por seus sob o manto da escravimelhores atores: cabro- dão nas mais remotas
chas, baianas, passistas, províncias do Sudão.
ritmistas e sambistas,
embalados pela trilha mu- Olha, o Neguinho da Beisical de Mazinho e Gilson ja-flor cantando: "Eu sou
Doutor e interpretação de negro/E hoje enfrento a
realidade/E abraçado à
Neguinho.
Beija-flor, meu amor/Reclamo a verdadeira liberdade (já raiou)"
Foi a Melhor Escola para o júri do
"Estandarte de
Ouro". Joãosinho
Trinta recebe o
Prêmio Especial,
Moisés o troféu de
Passista e Jésus
Henrique o de Destaque.
www.beija-flor.com.br
1989 1990 1991 1992 1993
Ratos e urubus, larguem Todo mundo nasceu nu Alice no Brasil das mara- Há um ponto de luz na Uni-duni-tê, a Beija-Flor
minha fantasia
imensidão
escolheu você
2º Lugar. Grupo Especial vilhas
2º Lugar. Grupo1
4º Lugar. Grupo Especial 7º Lugar. Grupo Especial 3º Lugar. Grupo Especial
Dez anos depois do desabafo Joãosinho Trinta, por
causa de um jurado que
tinha dado nota baixa em
“fantasia” d´ "O Paraíso da
Loucura", quando teceu a
máxima: "Pobre gosta de
luxo. Quem gosta de miséria é intelectual" e uma
década de luxo nas alegorias e fantasias, ele encerra o carnaval dos anos
80, desafiando a si mesmo e mostra miséria e
mendigos em plena
Sapucaí, em seu mais polêmico enredo.
A escola apresentou o
mais ousados de todos os
seus desfiles, com o enredo "Ratos e Urubus, Larguem a Minha Fantasia".
Deixa de lado o luxo característico e traz a diretoria com uniforme de garis,
e ainda, uma ala de mendigos e com a polêmica
imagem do Cristo Redentor, coberto por ordem da
Igreja, com uma faixa
onde se lia "Mesmo proibido, olhai por nós". No
empate, a Beija-flor ficou
com o segundo lugar.
A criatividade e a mestria
de Joãosinho Trinta voltam
ao Sambódromo, com a
marca da ousadia, num
enredo assinado também
por Carlinhos Bagunça e
Bira. Do caos faz-se a luz
e surge da humanidade
canta Neguinho BeijaFlor: "Vestiu a frente/Cobriu atrás/Por baixo dos
panos/Sacanagem..."
O samba de Betinho,
Jorginho,
Bira
e
Aparecida satiriza as elites dominantes que devoram a riqueza e a beleza
do paraíso Brasil. É isso
aí!
Morre o presidente Nelson O desfile que é notícia na
Abraão David, aos 52 TV faz da TV notícia do
anos
desfile. Um belo arranjo do
Inventando
e carnavalesco Joãosinho
reinventando o carnaval, Trinta cuja a abordagem
Joãosinho Trinta brinca sobre o mais influente
com a imaginação e faz a veículo de comunicação
personagem do clássico e, especialmente, sobre
infantil participar de uma as novelas, seu mais poviagem inusitada e insóli- pular e representativo prota, quanto sua própria his- duto, agrada aos críticos
tória, e mergulhar no abis- e público.
mo da dura realidade do
nosso País. Pelé, Cláudio
Inspiração, Tonho Magrinho e Paulo Roberto fizeram o samba e Neguinho
da Beija-Flor anunciou
uma viagem ao Brasil das
Maravilhas.
A Beija-flor desempata
com Estácio, no quesito
bateria, saindo-se vitoriosa.
Maria Augusta é a nova
carnavalesca e inaugura
uma nova fase para a
Azul-e-Branco.
O enredo evoca o direito
de qualquer um ser criança e com seu "uni-dunitê" - versejado por Wilson
Bombeiro, Edeor de Paula
e Sérgio Fonseca e cantado por Neguinho da
Beija-Flor - escolhe o público para participar de sua
ciranda, semeando amor
e paz pela pista da
Sapucaí, bordando no
chão um arco-íris de luz.
Aparelhos de televisão
transmitiam, em tempo
real, o próprio desfile a
partir de imagens feitas por
cinegrafistas em gruas
aclopadas à alegoria.
Neide é eleita pelo "Estan"Olê, lê, ô, vamos cantar/ darte de Ouro", a Melhor
É TV anunciando/A Beija- Passista.
flor está no ar" escrevem
Dinoel Sampaio e Itinho
para, o também autor,
Neguinho da Beija-Flor
puxar a escola na avenida.
Cássio recebe o "Estandarte de Ouro" de Melhor
Passista.
A Beija-flor fica fora do
desfile das campeãs.
Beija-flor
e
Mocidade
insÉ Criado o Grupo EspeciPertituem
o
computador
para
al, desfile das Escolas de
organizar o desfile.
Samba.
A RIOTUR passa a reservar lugares especiais em
cadeiras de pistas em
Fabiola Oliveira estréia
frente aos setores 4 e 13
como destaque.
para vender aos deficienA Beija-Flor recebe quatro tes físicos.
"Estandartes de Ouro": MeÉ introduzido no regulalhor Escola, Melhor Enredo,
mento o sistema de peso
Melhor Mestre-sala, Marco
para quesitos.
Aurélio, e Joãosinho Trinta
foi a Personalidade do Carnaval.
Fica instituído o meio
ponto.
As transgressões ao
quesito dispersão são
punidas com multas.
A Liesa assume a Coordenação Artística dos
Desfiles.
de (três)
pontos por que um
destaque desfilou sem
tapa-sexo, contrariando o regulamento.
fevereiro 2004
95
1994 1995 1996 1997 1998
Margaret Mee: a dama Bidu Saião e o canto cris- Aurora do povo brasileiro
tal
das bromélias
3º Lugar. Grupo Especial
5º Lugar. Grupo 1 (Espe- 3º Lugar. Grupo Especial
cial)
O carnaval humanista de
Selma Matos da Rocha, Milton Cunha dá lugar a
O carnaval de estréia de a Selminha Sorriso, e uma divagação para traMilton Cunha foi sobre a Cláudio de Souza formam tar da origem do homo
pesquisadora inglesa o primeiro casal de porta- sapiens e busca na
ancestralidade do povo de
Margareth Mee.
Pindorama um elo para
Apaixonada pefalar da nossa evolução.
las bromélias, a
Descobre que desconhedama elege o
ce de onde viemos e, conBrasil na busca
cluiu: "Quem dirá para
de espécimes
onde vamos!"
raras da planta
e acaba descoMas o samba de Miro Barbrindo na Amabosa proclama uma cerzônia e Mata
teza "Somos vestígios naAtlântica, uma
turais da transformação
fauna e flora rida vida". Neguinho da
cas ainda desBeija-Flor implora à "mãe
conhecidas de
negra" África: "Diga quem
todos,
bem
sou/De onde vim/Pra
como se encanonde vou". É a pergunta
ta com as lenque não quer calar.
das contadas
bandeira
e
mestre-sala
da
O primeiro mestre-sala,
pelo nosso povo, como a
Cláudio "Claudinho" de
do boto Tucuxi, que o Azul-e-Branco.
samba
de
Arnaldo Em seu segundo trabalho, Souza, ganha o "EstanMatheus, J. Santos e Almir Milton Cunha escolhe a darte de Ouro".
Moreira mostrou na voz de diva do bel-canto, Bidu
Neguinho, com a Beija- Sayão, para mostrar o reFlor empolgando o públi- conhecimento do povo
brasileiro. Bira, Zé Carlos do
co mais uma vez.
Cavaco, Tião Barbudo,
Sonia Capeta, rainha da
Dequinha
Pottiêr
e
bateria, ganha o "EstanJorginho dão o recado e o
darte de Ouro", de Melhor
tom para que Neguinho da
Passista. E a Ala Canoas Beija-Flor sacramentar no
Indígenas também é pre- gogó essa gratidão imenmiada.
samente anônima, mas
Quando todos esperavam viva e real.
que o título do ano fosse A voz de cristal, que canta
ser decidido entre Sal- as bachianas, Carlos Gomes
gueiro, Portela, Beija-flor e outras canções líricas, teve
ou Mangueira, que empol- seu dia de festa, luz, cor e
garam a platéia, venceu poesia no maior e mais poa Imperatriz.
pular palco do mundo.
96
Revista Beija-Flor
A beija-flor é festa na O mundo místico dos
caruanas nas águas do
Sapucaí
4º Lugar. Grupo Especial patu-anu
2º Lugar. Grupo Especial
A convite do carnavalesco Milton cunha, a coreógrafa Ghislaine Cavalcanti
integra a família Beija-Flor
e cria uma comissão de
frente com 15 bailarinas
clássicas, que substitui a
Velha Guarda a abertura
do Desfile.
O tema sugerido através
de carta por um menino
de 13 anos, aprovado por
Milton Cunha, destaca a
comunidade, as atividades e a importância de
Nilópolis e homenageia o
município no ano de seu
jubileu de ouro. O samba
de Wilson Bombeiro, J.
Santos, Arnaldo Matheus,
Almir Sereno comemorou
na Passarela do Samba
com a escola fazendo a
festa. Dentro e fora da
avenida, o povo sambou
e cantou a emancipação
e o progresso da cidade.
Luis Fernando "Laíla" Ribeiro do Carmo, diretor
geral de Carnaval, promove uma reformulação interna e substitui a figura
do carnavalesco por uma
comissão de carnaval, formada por Fran-Sérgio,
Ubirajara "Bira" Silva, Cid
Carvalho,
Nelson
Ricardo, Amarildo de
Mello, Carlos "Shangai"
Fernandez e Vitor Santos.
A idéia é prestigiar os profissionais que executam o
enredo e que ficavam à
sombra do carnavalesco.
Os carnavalescos trazem
do Pará, o folclore místico
que conta a lenda dos
caruanas, o início do
mundo, a fauna e flora e
o minerais de Auí, a pajelança, e, ainda, marujada,
vaquejada,
carimbó,
lundum e síria, no samba
As Baianas levam o "Es- de Alencar de Oliveira,
tandarte de Ouro" de Me- Wilsinho Paz, Noel Costa,
lhor Ala e Daniele o de Re- Baby e Marcão e no canvelação.
to de Neguinho da Beijaflor. Com a proteção dos
caruanas, Beija-Flor chega na frente. e Selminha
Sorrisso é escolhida pelo
"Estandarte de Ouro"
como melhor Porta-bandeira.
Mangueira, depois de 11
anos, e Beija-flor, pela primeira
vez
no
Sambódromo, faturam o
campeonato no ano de 98.
www.beija-flor.com.br
1999 2000 2001 2002 2003
Araxá, lugar alto onde pri- Brasil, um coração que A saga de Agotime - Mapulsa forte. Pátria de to- ria Mineira Naê
meiro se avista o sol
Grupo Especi2º Lugar. Grupo Especial dos ou terra de ninguém? 2º lugar
2º lugar - Grupo Especial al
Cantando a hospitalidade
de Araxá, que escreveu
sua história com o sangue
dos índios, negros, bandeirantes, colonizadores e
exploradores, e também
com a beleza sedutora de
suas mulheres, como d,
Beja e a escrava Filomena,
o samba de Wilsinho Paz
e Noel Costa fala do paraíso que é esse belo recanto das Minas Gerais.
O tema garantiu a comissão de carnaval seu primeiro "Estandarte de
Ouro", e o terceiro da Ala
das Baianas.
O Brasil dá o ar da sua O povo conta a sua
graça - Ícaro a Ruben história:saco vazio não
pára em pé, - a mão que
Berta, o ímpeto de voar
2º lugar - Grupo Especial faz a guerra, faz a paz
1º lugar - Grupo Especial
Quando se trata de
criatividade e arte popular,
colocar
a
espiritualidade de Chico
Xavier e a fé do negro que
veio com os colonizadores num mesmo tema é
tão compatível quanto
juntar esses sentimentos
ao embate entre os índios
guerreiros e os aventureiros que tinham essa terra
como de ninguém. Mas
essa pátria tinha dono e
um berço, São Vicente,
que surge inspirada na
ordem e no progresso, merece loas
por ser a primeira
cidade dessa pátria de todos como
bem diz o samba
de Igor Leal e
Amendoim da Beija-Flor, cantado
por Neguinho da
Beija-Flor.
Edson
(Edinho)
Bittencourt, presidente da
alas de Passistas-Mirins,
recebe o Estandarte de
Ouro, do jornal O Globo,
como melhor passistas.
Selminha Sorriso conquista seu terceiro Estandarte
de Ouro, de Melhor Porta-bandeira.
Mais audaciosa que nunca, a Beija-Flor bate os
tambores para Maria Mineira Naê e bota carga e
fé nas alegorias, num carro com ebó, entidades e
pretas velhas. Déo,
Caruso, Cleber e Osmar
deram ênfase a energia e
vibração dos orixás e
voduns.
Desfile feito, reza forte e a
Beija-Flor ganha os Estandartes de Ouro, de Melhor
Escola e Enredo.
A Ala das Baianas (100
componentes) ganha o
troféu "Tamborim de
Ouro", do jornal O DIA.
A incansável busca do homem pela realização do
sonho de voar, tem tudo a
ver com a capacidade criadora do brasileiro e, em
particular,
com
a
genialidade inventiva de
Santos Dumont, que se
lançou na louca aventura
e se transformou no "pai da
aviação", bem como tem a
ver com o espírito empreendedor de Rubem Berta,
o fundador da primeira e
maior empresa área brasileira. O enredo retrocede à
Ícaro, chega até os astronautas dos nossos tempos
e, aí, a Beija-Flor faz sonho virar realidade, unindo
a
mais
avançada
tecnologia à imponência e
ao luxo da escola.
A comissão de frente criada
por
Ghislaine
Cavalcanti, com seu corpo de balé, fica com o O samba é de Wilsinho
"Tamborim de Ouro".
Paz, Elcy , Gil das Flores,
Alexandre Moraes, Tamir,
Igor Leal e Tom Tom.
Neguinho da Beija-Flor
ganha seu segundo "Estandarte de Ouro", d´O
Globo. Também são premiados a Ala "O Rei do
Maracatu do Nordeste", o
primeiro casal de mestresala e porta-bandeira,
Selminha Sorriso e Cláudio Souza. A escola recebeu ainda, o "Tamborim de
Ouro", da FM-O DIA, em
sete categorias, inclusive
de melhor bateria, sob a
batuta dos mestres Plínio
e Paulinho.
Raíssa Oliveira, 13 anos,
é a nova rainha da ala de
Bateria, que sai com 246
integrantes, comandados
pelos mestres Plínio e
Paulinho. Assim como no
primeiro desfile, nos últimos
oito anos, a bateria da Azule-Branco vem conquistando a nota dez.
Para a comissão de carnaval é um manifesto humano. Mas pode ser um
balanço de erros e acertos da nossa milenar humanidade. Ou um mea
culpa por conta do livre
arbítrio, da desobediência
aos sábios ensinamentos
do criador, " nós criaturas
descemos os degraus da
bonança à mais total miséria, da felicidade e fartura à maior tristeza e fome.
Fome em todos os sentidos, de justiça, dignidade
e liberdade; fome física que
destrói o corpo; fome espiritual que desespera a
alma; fome social que escraviza, humilha e degrada o corpo e o espírito;
fome de afeto, fraternidade
e união", diz o vitorioso
desfile-manifesto.
Os 3.600 componentes,
distribuídos em 20 alas,
cantam com Neguinho o
samba de Wilsinho Paz,
Elcy, Gil das Flores, Alexandre Moraes, Tamir ,
Igor Leal e Tom Tom.
fevereiro 2004
97
Marlene Senas David
de Passista a Porta-Bandeira
Karla Legey
No ano em que a Beija-Flor de Nilópolis completa 50 anos de desfile como escola de samba
procuramos uma de suas ilustres passistas, que, além de alegrar a avenida na década de
1980, esteve ao lado da escola praticamente desde a sua fundação: a simpática Marlene
Senas David.
M
arlene conviveu com o início da Beija-Flor de Nilópolis
como escola de samba, e nos lembra um pouco do
espírito que animava os foliões de Nilópolis: "A Beija-Flor era um
bloco de carnaval que brincava nas ruas de Nilópolis sem nenhuma pretensão de se tornar uma escola de samba, muito menos, como é hoje, uma das maiores escolas de samba do Brasil. O
objetivo do pessoal de Nilópolis, na época, era apenas se divertir.
Um dia, a rapaziada do bloco resolveu mudar para escola de samba. Isso foi em 1953, e quem ficou responsável por
ver como fazer essa mudança foi o Cabana. Enquanto isso, a
turma que desfilava no bloco, o Helles Ferreira, Osório de
Lima, Nilo, Augusto Almeida, Vacele, Pardal, Josefa, Benedito
dos Santos e o Timbó (Nicanor de Oliveira) entre outros,
resolveram chamar o meu pai, José Rodrigues Sennas, para
ser o presidente da escola, já que ele era uma pessoa séria,
responsável, com uma respeitável folha de serviços prestados ao país como integrante da Marinha, com experiência em
administração e muito bem relacionado com todos.
Quando meu pai assumiu a presidência, comecei a freqüentar mais a escola pois, apesar de ter na época apenas
nove anos, gostava de participar das coisas que meu pai fazia.
Depois que o Cabana deu andamento à inscrição da Beija-Flor de Nilópolis na Associação das Escolas de Samba,
meu pai assumiu a presidência da escola, e o pessoal começou a se reunir lá na casa de papai, pois a escola nessa época
ainda estava começando, e não tinha nada, nem mesmo uma
sede para os seus fundadores se reunirem.
Aos poucos, porém, a escola conseguiu um terreninho
onde instalou a sua quadra, onde hoje é o CAC.
Foi sempre com muita luta que a escola foi conquistando
seu espaço, pois naquela época, as escolas não tinham muita ajuda. Eu mesma me lembro de ter visto por várias vezes
meu pai apreensivo e triste porque estava chegando perto
98
Revista Beija-Flor
do período de preparação para o desfile e a escola não tinha
dinheiro para botar a turma na rua... Ele sofria muito.
A Beija-Flor e outras escolas menores só conseguiam
desfilar porque, assim como papai, criaram um livro de ouro
que se passava no comércio da região."
Marlene tem muitas histórias para contar, e lembra que
como uma freqüentadora assídua da escola, fez o seu primeiro desfile ainda moça, com 16 anos, desfilando na Ala das
Boêmias. Com o tempo se tornou passista da escola, chegando a ser porta-bandeira da agremiação. "Depois que se
tornou escola de samba e começou a desfilar, a Beija-Flor foi
crescendo, ganhando a simpatia das pessoas, não só do
morador de Nilópolis, mas das pessoas que gostavam de
samba e Carnaval. Meu pai, por sua vez, tinha muitos amigos
nas outras escolas de samba. Um dia, em uma festividade em
que a Império Serrano, que é a madrinha da Beija-Flor, iria
batizar a nossa escola, não havia uma porta-bandeira da Beija-Flor para receber a Império Serrano como deveria.
Nessa hora, nos reunimos e decidiram que eu seria a
porta-bandeira da Beija-Flor. Para mim, foi uma honra representar a escola que amo, e que sempre amei. Depois desse
acontecimento, acabei gostando e cheguei a desfilar como
porta-bandeira na avenida."
"Depois, em 1976, no ano do enredo 'Sonhar com rei dá
leão', criei uma ala de 11 pessoas, chamada Ala das Caçulas.
Essa ala era composta por pessoas da família ou muito
próximas, como minhas duas irmãs e meu irmão, o Simão e
a Shirley Sessim, a Lúcia, a Tilize, a Jane (esposa do Farid),
entre outras."
Marlene lembra a importância de José Sennas na administração da escola, mas destaca um acontecimento, que mudaria, para sempre, o destino da Beija-Flor: "Eu tinha uns 20 anos,
e como uma boa sambista, gostava de dançar. Modéstia à
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parte, eu dava um show sambando. Nessa época,
eu ia para a quadra e me esbaldava no samba e me
divertia até cansar. Numa dessas idas reparei em um
rapaz que não parava de me paquerar. Mas eu não
queria paquerar. Meu negócio era sambar, sambar e
sambar.
Sempre que ia para a quadra para sambar,
encontrava ele, que continuava me paquerando.
Até que um dia, depois de muita conversa, comecei a namorar aquele rapaz: era o Nelsinho, irmão
do Anizio.
Nelson era um rapaz bom, trabalhador e que tinha muito
carinho pelas pessoas de Nilópolis. De tão bom que ele era,
de tão companheiro e amigo, quando me dei conta, já estava
casada com ele.
Minha vida com Nelson foi muito boa. Ele sempre foi um
homem atencioso, responsável e quando nossos filhos nasceram, o Nelson foi um superpai."
Naturalmente, o fato de Marlene estar casada com o Nelson e ser filha do José Sennas fez com que a família de
Nelson se aproximasse mais da escola, identificando nela
uma oportunidade de retribuir à comunidade de Nilópolis o
carinho e a hospitalidade que um dia dona Júlia e seu Abrão
receberam ao chegar no Brasil.
Mas, para isso, era necessário um maior envolvimento
de Nelsinho na escola... E isso se deu em 1973, quando Nelson chegou em casa e contou à Marlene que havia decidido
se candidatar à presidência da escola.
Nesse dia, Nelson perguntou à Marlene o que ela achava
da iniciativa. "Se tu tem peito, vai em frente. Vai lá e se
candidata", respondeu Marlene. E foi o que ele fez.
Marlene lembra, como se fosse hoje, a ansiedade que a
tomou naqueles dias, que iriam mudar, para sempre, a história de Nilópolis e do Carnaval carioca: "No dia da eleição eu
estava muito apreensiva. Foi então que a porta de casa se
abriu e o Nelson muito animado entrou festejando: 'Eu, ganhei! Marlene, eu ganhei!'
Foi um momento muito emocionante para todos porque
durante anos vi meu pai dirigindo a escola e fazendo muito pela
comunidade de Nilópolis, e agora surgia para o Nelson uma
oportunidade de também fazer muito pelo pessoal da região.
Mas sabia que, se por um lado o Nelson era uma pessoa
boa, humana e preocupada em ajudar, por outro, ele não
tinha muita experiência administrativa, e você sabe que, para
dirigir uma escola de samba, precisa mais do que boa vontade. Se não for esperto, competente, a coisa desanda.
Por isso, quando Nelson chegou em casa naquela animação, cheguei para ele e falei: 'Agora você vai procurar o pessoal antigo na escola para eles te ensinarem a ser um presidente de escola de samba.' Aí Nelson foi procurar o Cabana,
o Heitor e outros.
Nelson, Nelsinho e Marlene
Durante anos, o Nelson administrou a escola, ajudando a
tocá-la para frente e, ao mesmo tempo, se ocupava em
ajudar as pessoas da comunidade, dentro das nossas possibilidades.
Marlene carrega consigo muitas outras histórias, como a
do desfile da Beija-Flor em 1986 . "O enredo era 'O mundo é
uma bola'. Caiu uma fortíssima chuva, e a água chegava até o
joelho da gente. As fantasias da minha ala eram feitas para
agüentar sol ou chuva, porque tudo era costuradinho; não
havia nada só colado que a chuva pudesse estragar. Eu baixinha, com a água até quase a cintura, falei para minha ala:
'Minha gente, vamos entrar com muita fibra e garra. Eu quero
todo mundo com fibra. Não quero saber se a água está no
joelho, ou molhando. Somos a Beija-Flor de Nilópolis e o
público espera isso de nós.' Aí larguei minha ala e fui de ala em
ala, incentivando e dando força aos componentes da escola.
Eu pulava, sambava, gritava, animava para a escola não perder sua força, naquele momento tão importante. Eu pulava
tanto, e a pista estava tão molhada e inundada que durante o
desfile quase caí em um bueiro que estava aberto, na lateral da
pista. Queria levantar o público da arquibancada, para contagiar o desfile. Parece coisa de novela, mas o resultado foi
mágico: nós e o público vimos a Beija-Flor desfilando e vibrando com uma força e energia, que dava até arrepio.
Infelizmente não fomos campeões nesse ano, mas tenho
certeza que os integrantes da escola deram uma lição de
amor à Beija-Flor, ao público e ao Anizio, que sempre esteve
por trás dos principais momentos da história da Beija-Flor.
De minha parte, só tenho a agradecer a Deus por ter me
dado a oportunidade de crescer, viver e sambar na BeijaFlor de Nilópolis. Por ela devoto um amor muito grande: foi
onde fiz muitos amigos, que carrego no coração para onde
vou. Foi graças a ela que aprendi a valorizar a amizade, as
minhas raízes... E a ser feliz, pois foi lá que encontrei o grande amor da minha vida: o Nelsinho, que me deu muitos momentos bons e filhos maravilhosos.
E tenho certeza de que as pessoas que hoje vivem, trabalham e desfilam na Beija-Flor têm essa mesma sensação: que
a Beija-Flor é, realmente, uma escola de vida. E de felicidade."
fevereiro 2004
99
Os 20 anos da Liga
Vicente Dattoli
H
á quase 20 anos, para ser preciso em 24 julho de
atual presidente da Liga e também o dirigente que por mais
1984, os dirigentes de dez das maiores Escolas de
tempo ocupou, até hoje, o cargo na entidade.
Samba do Rio de Janeiro, contando com o apoio de alguns
As pessoas que vivem o Carnaval, que sentem bater forte
amigos, como eles apaixonados pelo Carnaval e pelas nos-
o coração à passagem de uma Escola de Samba, também
sas Escolas de Samba, decidiram que era hora de mudar as
são unânimes em ressaltar a importância da Liga das Escolas
regras do jogo – até então cruel para aquelas agremiações –
de Samba nos novos rumos da maior festa popular do nosso
e fazer valer, finalmente, o lema de que o nosso Carnaval era
povo. “A criação da Liga foi um marco definitivo para a orga-
o “maior espetáculo da Terra”.
nização dos desfiles e na sua transformação no melhor espe-
Assim, Beija-Flor , Caprichosos de Pilares, Mangueira,
táculo da Terra. Acompanho a festa desde os tempos da Rio
Portela, União da Ilha, Vila Isabel, Imperatriz
Branco, Presidente Vargas, Antônio Carlos, Mangue... Vi mui-
Leopoldinense,Salgueiro, Mocidade Independente de Padre
ta desorganização, regulamento sendo descumprido... Ago-
Miguel e Império Serrano fundaram a Liga Independente das
ra, com a Liga, há um sentimento profissional no que diz res-
Escolas de Samba do Rio Janeiro.
peito à organização, e um carinho incrível por parte de quem
O começo, como não poderia deixar de ser, foi difícil.
dirige a Liga para comandar a festa”, comenta Hilton Abi-Rihan,
O apoio daqueles amigos foi fundamental para a sobrevi-
radialista da Rádio MEC do Rio de Janeiro.
vência da nova entidade, naquele primeiro momento.
A opinião de Abi-Rihan é compartilhada por outro vetera-
Mas a idéia não poderia morrer – e todos se lançaram na
no da crônica carnavalesca do Rio de Janeiro, o colunista
tarefa com o mesmo entusiasmo com que geriam suas vidas
José Carlos Netto. “A Liga surgiu num momento crucial para
pessoais.
o samba. Sua fundação aconteceu num momento em que
Os ganhos foram lentos, é verdade, mas hoje o desfile
estavam esgotadas todas as tentativas de legitimar, com
das Escolas de Samba do Grupo Especial, coordenado pela
transparência, uma modernização na direção das Escolas
Liga, não é apenas o maior espetáculo da Terra, mas também
de Samba. De 1984 para cá a Liga foi-se modernizando e
o melhor, conforme foi apurado, há dois anos, em pesquisa
aperfeiçoando a ponto de, hoje, servir de modelo para vári-
internacional realizada por um veículo de imprensa dos Esta-
as outras entidades, não só no Rio de Janeiro como em
dos Unidos: “Antes da Liga, cada Escola se comunicava dire-
todo o Brasil”, exalta o presidente da Associação Indepen-
tamente com a Riotur. Esse tratamento individual, porém, tira-
dente dos Comunicadores de Carnaval (AICOC).
va o poder de barganha das Escolas de Samba junto ao
Para o médico e historiador do Carnaval, Hiram Araújo, a
Poder Público. E como as Escolas precisavam se dividir para
criação da Liga pode ser considerada a coroação de todo
preparar o Carnaval e negociar, ficavam ainda mais
um processo de transformação dos ingênuos desfiles das
enfraquecidas. Com a criação da Liga, esses problemas fo-
Escolas de Samba para os espetáculos tipo show-business
ram sendo, pouco a pouco, resolvidos. Agora, qualquer ne-
de hoje. “Antes da criação da Liga, a empresa Carnaval era
gociação com o Poder Público é feito diretamente pela Liga,
uma poderosa indústria explorada por forças que enriqueci-
que representa as 14 Escolas que integram o Grupo Especi-
am cada vez mais, enquanto os verdadeiros organizadores
al”, explica Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães,
dos desfiles, as Escolas de Samba, amargavam prejuízos
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Revista Beija-Flor
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crescentes. Com as sementes da Liga
lançadas, e a criação do Sambódromo,
Como surgiu a Liesa e qual a sua participação na criação da entidade?
que dirigiu a Liga ainda nos anos 80. “O Anísio conseguiu um
Antes da criação da Liesa, a entidade que
coordenava o desfile das escolas de samba
era a Associação das Escolas de Samba, formada por diversas agremiações, de grande e
pequeno porte. As decisões promovidas pela
entidade, muitas vezes, desagradavam as
grandes escolas que, em última análise, é que
davam o glamour e agregavam valor aos desfiles. O problema é que as pequenas escolas
tinham o mesmo poder de voto que escolas
tradicionais como a Mangueira e a Portela,
por exemplo. Eu fui uma das primeiras pessoas a pensar em criar uma entidade que mudasse o status quo da associação da época.
Ocorre que, há 20 anos, eu estava entrando
no mundo do samba e não tinha ainda um
peso político para mudar as coisas. Por isso,
procurei o Castor de Andrade e lhe falei: "Castor a Associação do jeito que está não é bom
para as agremiações e nem para o desfile das
escolas. As grandes escolas, que fazem o carnaval, nunca vão vencer uma questão importante aqui dentro porque o grupo das escolas
pequenas é maioria. Precisamos fazer algo".
O Castor falou: "Isso é uma idéia boa". A partir daí, o
Castor de Andrade tomou a iniciativa e marcou as primeiras reuniões na sua casa, onde participavam eu, o Anízio,
entre outros amigos, até que criamos a Liesa.
feito histórico para os compositores: o dinheiro a ser repas-
A que se deve o seu sucesso à frente da Liesa?
sado pelos direitos autorais passou a ser feito diretamente,
Em primeiro lugar, todas as escolas têm um carinho muito
grande por mim. E isso foi uma conquista, fruto de muito
trabalho e dedicação na luta e defesa dos interesses do
carnaval e das escolas de samba. As escolas do Grupo
Especial sabem que têm aqui na Liesa, na minha pessoa,
um incansável defensor do carnaval carioca, do samba e
das escolas de samba.
Com isso, tenho o respeito de todas as escolas nas decisões que tenho que tomar, porque sabem que mesmo
que sejam decisões que não agradem a uma ou outra
agremiação é o melhor para o samba, o carnaval e para
o futuro das escolas de samba.
Em segundo lugar, acredito que minhas características
pessoais tenham ajudado muito a conquistarmos esse
relativo sucesso. Sou uma pessoa muito organizada, ousada, trabalhadora e que prestigia a união. Defendo que
um trabalho bem feito só o é se você tiver um grupo
competente te apoiando.
E o segredo da Liesa é esse: um grupo de abnegados
diretores e colaboradores que administram suas obrigações com competência e seriedade.
os verdadeiros produtores do Carnaval foram beneficiados e hoje temos
este mega-espetáculo que orgulha a todos os brasileiros”, esclarece Hiram
Araújo, autor de livros sobre o Carnaval e diretor Cultural da Liga.
Trabalho de todos – Ao longo destas quase duas décadas de vida, todos os homens que ocuparam a cadeira de presidente da Liga deram sua
colaboração para este crescimento.
Ciente de que todo este trabalho de engrandecimento do espetáculo foi conseguido de forma paulatina, com o
apoio de todos os demais presidentes da Liga, Guimarães
não deixa de exaltar a administração de Anizio Abrão David,
sem a intervenção do ECAD. Hoje, o compositor que ganha
um samba-enredo recebe um dinheiro considerável. Não dá
para que ele fique rico, mas dá para acertar a vida. E isso eles
devem a uma iniciativa do Anizio”, lembra Guimarães.
“Eu vi a Liga nascer numa pequena sala no edifício Marquês do Herval, na Avenida Rio Branco. Hoje, sinto-me feliz em
entrar em qualquer um dos andares que ela ocupa num dos
endereços mais nobres do Centro do Rio de Janeiro”, comemora Abi-Rihan, um entusiasmado defensor das Escolas de
Samba e do grande espetáculo que elas realizam.
“Antes da fundação da Liga, o sambista-dirigente nunca
era visto com bons olhos. Havia uma grande dificuldade de
contato com os diversos órgãos públicos. Hoje, em função
da respeitabilidade de como a Liga conduz as suas negociações – o que foi obtido com o trabalho de todos os seus
dirigentes, como Anizio, Jorge Castanheira (atual vice-presidente) e Luisinho (Luiz Pacheco Drumond), entre outros –, as
discussões acontecem em igualdade de condições”, ressalta
José Carlos Netto.
Vicente Dattoli é jornalista e assessor de imprensa da Liga
Independente das Escolas de Samba
Qual a avaliação que faz da sua gestão?
Considero que a modéstia, quando mal empregada, também é uma demonstração de vaidade. Por isso, tento ser
criterioso no meu julgamento para que não confundam o
meu amor próprio com minhas ações concretas à frente
de qualquer atividade.
Por isso, estou à vontade para afirmar que tudo que a Liesa
possui ou realizou foi feito ou aprimorado na minha administração. E exemplifico: hoje, a Liesa tem uma sede de
alto nível, em uma excelente localização comercial e com
toda a estrutura para receber autoridades, chefes de estado e presidentes de grandes corporações que queiram
conhecer e desenvolver qualquer tipo de parceria com o
Desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Mas aqui
o sambista simples e humilde também é bem recebido e
tratado com todo o carinho e o respeito que merece. É a
filosofia que todos os funcionários da Liesa têm.
fevereiro 2004
101
Beija-Flor de Nilópolis
a escola nº 1 do Carnaval
Em comemoração aos 20 anos de criação da Liesa, a
entidade elaborou um estudo cujo resultado foi o ranking
geral das escolas de samba.
E o que já era esperado, foi confirmado: a Beija-Flor de
Nilópolis é a escola nº 1 do Carnaval do Rio de Janeiro, com a
soma total de 250 pontos.
Além disso, hoje conquistamos um nível de excelência no
desfile que permite que qualquer um que vá ao evento
encontre um ambiente seguro, organizado, sinalizado e que
funciona com um nível de excelência de primeiro mundo.
Ainda falando sobre as melhorias que liderei como presidente da Liesa, destaco a aquisição de quatro andares
para o desenvolvimento das atividades políticas, sociais
e administrativas da entidade, sendo que um andar inteiro dedicado à gravadora e ao Centro de Memória da
Liesa, coordenado pelo dr. Hiram Araújo, um dos principais conhecedores teóricos do carnaval.
Em todas as minhas gestões à frente da Liesa, luto para
que o espetáculo nunca perca o brilho. E muitas vezes,
as pessoas não sabem o que é feito nos bastidores em
defesa dessa festa. Para dar ao leitor um exemplo, há
muito tempo, eu reparei que uma Ala de Baianas tinha
mais de vinte homens vestidos de baianas. Achei aquilo
feio; homens de bigode vestidos de baiana. Temos que
entender que a baiana é uma figura emblemática. Quando alguém fala em baiana, você já desenha aquela imagem de uma senhora. Por isso, é uma ala que tem tradição e representa uma parte importante do desfile. Por
que eu nunca deixei valer ponto para a ala das baianas?
Porque o dia em que for quesito de julgamento, as escolas não vão botar senhoras de 70 anos para desfilar. Vão
colocar meninas de 18 anos, que têm muito mais vigor
físico. E você vai tirar a alegria daquelas senhoras que
trabalham o ano todo sonhando com a glória de desfilar
pela sua agremiação e vai acabar com uma das principais tradições dos desfiles de carnaval. Como disse, são
detalhes que só quem está muito atento pode identificar
e, assim, aprimorar ainda mais esse espetáculo.
Por fim, para não me estender demasiadamente no assunto, a cada dia, conquistamos mais um espaço para
as escolas, seja em questões financeiras seja em questões institucionais e de trabalho, como é o caso da Cidade do Samba, a mais recente conquista da Liesa para as
escolas de samba.
O carnaval da cidade do Rio de Janeiro é hoje um dos
principais atrativos para o turismo receptivo nacional. Qual a participação da Liesa nessa conquista?
O desfile das escolas é, hoje, o carro-chefe das festividades que acontecem no período do carnaval e que trazem
o turista para a cidade. Em razão do desfile das escolas
de samba, giram eventos como os ensaios nas quadras,
as disputas de samba-enredo e uma série de outros eventos que oferecem ao turista momentos de alegria e
descontração, com muita segurança e ordenamento.
Hoje, um pai cuidadoso não se preocupa que sua filha vá
ao desfile na Sapucaí ou os ensaios das escolas. Ele
sabe que é um ambiente seguro e respeitoso onde as
pessoas que lá estão buscam a mesma coisa: se divertir.
O amor e o respeito que as pessoas têm pela sua
agremiação têm permitido que elas mesmas mantenham
na quadra um ambiente de respeito para receber os turistas e visitantes que prestigiam a sua escola de samba.
Não há dúvida de que, ao lado do sambista, que faz todo
esse trabalho de relações públicas com o turista, a Liesa
teve e tem dado uma importante contribuição.
A Liesa é a entidade que luta em defesa dos interesses
do carnaval e das escolas de samba. É ela quem organiza o desfile, cria e mantém um ambiente de estabilidade
entre as escolas, além de ser a responsável por um trabalho eficiente junto ao poder público e às forças de
segurança pública em favor do espetáculo e do turista.
Com esse ambiente a festa se torna segura e o turista
vem prestigiar o desfile, assegurando um bom fluxo de
turismo e divisas para o município e o estado.
A credibilidade que a Liesa agrega e que transmite à
sociedade favorece a essas e outras ações, muitas vezes não identificadas pelo grande público, mas que sustentam e dão suporte ao maior espetáculo da Terra.
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Revista Beija-Flor
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Expressão
do samba
Miro Lopes
Se o samba e o Carnaval são considerados as principais expressões populares do Brasil, o mérito dessa conquista é, sem
dúvida alguma, dos grandes sambistas que fizeram e fazem do samba e do Carnaval a sua vida, e que nunca se preocuparam
com a fama ou o estrelato. Simplesmente deixaram fluir uma energia que circula dentro deles, externalizada pela sua criação.
Iniciando as comemorações pelos 50 anos de desfiles da escola, e buscando reconhecer a contribuição desses homens
ao samba e à cultura nacional, a revista Beija-Flor de Nilópolis - uma escola de vida e a Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis
resolveram criar o prêmio Expressão do Samba.
Uma comissão julgadora formada por Anizio Abrão David, Laíla, Neguinho, Hiram Araújo, Abi-Rihan e Ricardo Fonseca
analisou os nomes de diversos sambistas que contribuíram para o desenvolvimento e divulgação do samba no Brasil e no
mundo para a escolha de sete nomes.
Muitos dos sambistas que não foram escolhidos este ano, o serão em alguma das próximas edições do Expressão do
Samba. Afinal a premiação só está começando.
Por fim, queremos deixar registrada a nossa reverência e gratidão a esses homens que não deixam nossa identidade se
apagar, e que, a despeito de tudo e de todos, não deixam o samba morrer.
Pois se o show deve continuar, o samba jamais pode acabar.
Cabana: um bandeirante na história do samba
Aroldo da Ilha: Melodia de excelência
A vida de Cabana se confunde com a história da
azul-e-branco. Levado por
Zairo (Rodrigues) Gogó
de Ouro a Nilópolis, Cabana disse a que veio: transforma o então bloco em
Grêmio Recreativo e Escola de Samba Beija-Flor.
A
nova
condição
é
sacramentada por registro e pela vitória da estreante, no desfile de 1954,
com o samba de Cabana
e Osório de Lima "O Caçador de Esmeraldas", que
coloca a Beija-Flor imediatamente no Grupo I.
É, portanto, personalidade definitiva na fundação da
escola, embora não tenha participado da reunião que
deu vida e nome ao bloco Associação Carnavalesca
Beija-Flor, que surgira em 1948.
Durante mais de uma década, a escola nilopolitana
disputou carnavais embalados pelo inspirado talento
de Cabana e seus vários parceiros, com destaque
para "Dia do Fico", com o qual voltou a brilhar na
Avenida, conquistando o segundo lugar.
Em 1965, Cabana interrompe uma relação de amor
com a Beija-Flor. A reconciliação acontece em 1973,
e termina 13 anos depois porque o "presidente do
GRES Paraíso Celeste queria reforçar a ala de compositores do céu".
Cabana nasceu em 22 de julho de 1924, na Saúde, e
se chamava Silvestre David dos Santos.
Aroldo Melodia, artisticamente, e Aroldo Forbes,
na pia batismal, ele é um
dos mais festejados compositores da União da
Ilha, onde contabilizou,
entre outras vitórias,
uma muito especial: a
que alçou a escola ao
Grupo I, em 1974, com
o samba-enredo "Lendas
e Festas das Yabás", de parceria com Leôncio Silva.
Depois veio "O que Será?", parceria com Didi, que
virou hit na voz de Simone.
Descoberto pelo presidente Paulo Amoroso, cantando nos redutos de samba e nas gafieiras Elite e
Estudantina, o compositor de melodia harmoniosa e
canto bonito, foi levado para a União da Ilha em 1958,
transformando-se no melhor puxador de samba-enredo que a escola já teve.
Ariano de 19 de agosto, "como Roberto Carlos e Getúlio Vargas" enfatiza Aroldo, nasceu em 1930 na Ilha
do Governador e vive lá até hoje.
Mesmo com as dificuldades impostas pela necessidade de usar cadeira de rodas, Aroldo é presença firme
nos ensaios, todos os domingos. Embora já tenha circulado em outras agremiações, o sambista afirma
"não deixo a União de jeito nenhum". Recentemente,
Aroldo Melodia recebeu homenagens especiais da ala
dos compositores que promoveu uma grandiosa festa de lançamento de um CD comemorativo dos seus
50 anos de samba.
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Revista Beija-Flor
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O samba que está no Gibi
Gibi, ou Walter Pereira, jamais passará em branco
pela história do Carnaval.
Sete vezes sua inspiração
agitou a Avenida, duas
das quais como campeão:
em 1981, com "O Teu Cabelo Não Nega" ou "Só Dá
Lalá", dele, Zé Catimba e
Serjão, pela Imperatriz
Leopoldinense; e, em
1985, com "Ziriguidum
2001 - um Carnaval das
Estrelas", pela Mocidade
Independente. Assim, Gibi
se inscreve definitivamente como expressão do samba.
Gibi chegou à Avenida com outros sambas inesquecíveis: "Martim Cererê", uma parceria com Zé Catimba
(1971), "Por Mares Nunca Dantes Navegados", com
Guga e Sereno (1976), e "Oxumaré, a Lenda do Arcoíris", com Dominguinhos do Estácio e Darci Nascimento
(1978), desfilando pela Imperatriz; "Meu Pé de Laranja Lima", com Arsênio Isaías (1970) e
"Tupinicópolis", de parceria com Chico Cabeleira e
Arsênio Isaías (1987), defendendo a Mocidade, sua
atual escola.
Ex-tintureiro, técnico em prevenção contra incêndio
e diretor da Associação das Escolas de Samba é, atualmente, comerciante, mas é como compositor, certamente, que Gibi será sempre lembrado.
Enfim, a Cidade
do Samba
Um dos mais importantes empreendimentos para o turismo, para o samba e o carnaval, a Cidade do Samba abrigará
os barracões das Escolas de Samba do Grupo Especial,
lojas de produtos e lanchonetes, oferecendo ao visitante e ao
sambista um importante espaço de lazer e entretenimento.
A revista Beija-Flor - uma escola de vida procurou o Prefeito César Maia, e em uma rápida conversa ele nos respondeu algumas perguntas.
Porque iniciar o projeto de construção da Cidade do Samba?
Prefeito Cesar Maia - Pela necessidade do maior evento
cultural do Rio de Janeiro ter vida os 365 do ano.
Qual a importância social da Cidade do Samba?
CM - Emprego é a politica social mais importante de todas. A
Cidade do Samba será o principal point turístico da Cidade e
criará direta e indiretamente milhares de empregos.
A Prefeitura tem ações planejadas a médio e longo prazo para
corrigir problemas da região de acesso à Cidade do Samba?
Hiram Araújo, amor declarado ao Carnaval
Autor de livros sobre o
Carnaval, o pesquisador
Hiram Araújo é um dos
mais ilustres intelectuais
da nossa cultura popular.
Natural de Natal (RN),
Hiram nasceu em 28 de
setembro de 1929 e veio
para o Rio ainda criança.
Assume sua grande paixão pelo Carnaval - que a
repressão não poderia
impedir de escrever e,
muito menos, de sentir na Imperatriz Leopoldinense, levado a convite de
Amaury Jório, com quem escreveu, em 1969, seu livro de estréia Escolas de samba em desfile.
Cirurgião-geral, Hiram Araújo divide-se entre as atividades de médico e a de pesquisador. Foi diretor
cultural da Imperatriz e Portela e, agora, como diretor cultural da Liesa, está montando o Centro de Memória do Carnaval.
Com seu recém-lançado livro Carnaval, seis milênios
de história, o historiador presenteia a bibliografia da
maior festa popular do mundo com os mais
abrangentes registros históricos que se reportam do
ano 4000 a.C. até a atualidade. A obra é dedicada,
em especial à esposa Elizabeth e aos filhos Elizabeth,
Margareth, Hiram, Sérgio, Erika e Fernando, "sem os
quais não reuniria condições para prosseguir meu
projeto de vida", afirma.
CM - Estamos fazendo obras de infraestrtura e abrindo para
carros um tunel da Gamboa a Presidente Vargas que estava
fechado há 40 anos.
O sr. gostaria de deixar alguma mensagem para os leitores da
revista Beija-Flor de Nilópolis - uma escola de vida?
CM - Que o Rio está renascendo do ponto de vista de sua
vocação para eventos com marca internacional. Já conquistamos o PAN. Aí vem as Olimpiadas. E Os grandes equipamentos como a Cidade do Samba, a Cidade da Música, a
Cidade das Crianças, O Estádio
Olimpico, o Centro de Tradições
Nordestinas...
O prefeito César Maia, Aline e Anizio durante a
cerimônia de lançamento da pedra fundamental
da Cidade do Samba.
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E fica o dito, bendito:
Darcy é sinônimo de
samba
Mais do que Cidadão da
Cidade do Rio de Janeiro,
título conferido pelos seus
50 anos de atividades artísticas, Darcy da Mangueira é sim, pelo mérito de
suas conquistas no universo do samba, Cidadão do
Mundo.
Sua inspiração e talento
levaram a Estação Primeira ao tricampeonato com
"O Mundo Encantado de
Monteiro Lobato" (1967),
"Samba Festa de um Povo"
(1968) e "Mercadores e
Suas Tradições" (1969), e
sem premeditar o breque,
retornou em 1971 com
"Modernos Bandeirantes"
e, em 1985, com "Abre
Alas, que Eu Quero Passar".
Nascido Darcy Fernandes
Monteiro, "no pé do Morro
da Formiga", teve seu berço na Unidos da Tijuca, da
qual o pai foi fundador.
Para a azul-e-amarelo
compôs "Epopéia do Rio
Antigo" (1958) e "Sonho
de Bravos" (1960).
Aos 71 anos, casado com
d. Ruth, pai de Tania,
Darcy Filho e Deyse, e avô
de Caio Vitor, Larissa e
Inara, Darcy da Mangueira não pára e escreve um
livro sobre o samba que se
somará à sua discografia.
Além do LP "A História do
Samba Verdadeiro", lançado em 1970 e produzido
por Nonato Buzar, Darcy
participou de diversas gravações, sem falar na inédita "Dona Neuma, Mãe da
Mangueira". Fica o dito
por bendito: Darcy é sinônimo e plural de samba.
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Revista Beija-Flor
Roberto Silva
o Príncipe do Samba
Bastava ter sido o primeiro cantor a gravar um samba-enredo - "Tiradentes"
(Mano Décio), tema do Império Serrano (1949) para Roberto Silva figurar
entre os mais expressivos
incentivadores do gênero.
Ao longo de 65 anos de
carreira, registrou nada
menos do que 600 sambas, em 32 LPs, 150 compactos duplos/simples e 10
CDs - o mais recente lançado no semestre passado, intitulado "Volta por
Cima" (Paulo Vanzollini),
que inclui "A Rita" de Chico
Buarque de Hollanda.
Com os sucessos "Maria
Tereza", "Notícias" e "Mãe
Solteira",
consagra-se
como intérprete e tira
Altamiro Carrilho, Nelson
Cavaquinho e Wilson Batista do anonimato. Depois
vieram "Degraus de Vida",
"Palhaço", "Espelho" (de
Cavaquinho), "Rubro-Negro" (Wilson Batista/Jorge
de Castro) e "Normélia"
(Raimundo Olavo). Daí, o
locutor
Carlos
Frias
denominá-lo o "Príncipe do
Samba", epíteto ratificado
pelo de "mestre do samba
sincopado" - um estilo especial de interpretação
adotado por ele e Ciro
Monteiro.
Carioca de Copacabana,
com 83 anos, sete filhos,
16 netos e oito bisnetos,
Roberto Silva faz shows
por todo o Brasil, assessorado por d. Syone, sua atual mulher e presidente do
seu fã-clube.
Bala fez o Salgueiro
explodir na maior felicidade
O mais salgueirense de todos os fluminenses, o sambista
nasceu
em
Itaperuna. O nome dele é
João Nicolau Carneiro Firmo, mas podem chamá-lo
de Bala. Começou a freqüentar a escola como
simpatizante
e
virou
patrimônio artístico da vermelho-e-branco, depois
que Osmar Valença o levou para a ala dos compositores. Bala também foi
diretor de bateria e de harmonia.
Junto com Manoel Rosa,
levou a vermelho-e-branco para as cabeças com o
samba "Bahia de Todos os
Deuses", em 1974. A escola só conheceu novamente a vitória na Avenida, graças ao inspirado
samba "Explode Coração"
( B a l a / C h a g a s / Tr i n d a d /
Ary), transformado em
hino da escola, que fez o
Salgueiro sacudir toda a
cidade.
Hoje, Bala, que completou
81 anos, curte a lembrança dos bons tempos e dos
parceiros, como Duduca,
com d. Marina e seus nove
filhos, resistindo para o
coração não explodir de
saudades.
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