Direito Processual Penal
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Direito Processual Penal289 Direito Processual Penal Ricardo Silvares � QUESTÕES 1. Princípios e Garantias • CF, art. 5º • Decreto 678/1992 (Convenção Americana de Direitos Humanos) 01. (UEG – Delegado de Polícia – GO/2013) Sobre o direito de defesa, tem-se que a) a defesa técnica é indispensável, na medida em que, mais do que garantia do acusado, é condição de paridade de armas, imprescindível à concreta atuação do contraditório. b) constitui nulidade relativa, violadora do princípio da ampla defesa, a nomeação de defensor dativo sem intimação do réu para constituir novo defensor, em virtude da renúncia do advogado. c) na investigação criminal, a defesa é imprescindível, uma vez que, nessa fase, são assegurados o contraditório, a ampla defesa e a assistência do advogado ao preso em flagrante. d) a autodefesa, composta pelo direito de audiência e pelo direito de presença, é dispensável pelo juiz, mas dela o acusado não poderá renunciar, devendo a ele ser imposta. COMENTÁRIOS Alternativa correta: letra “A”: a defesa pessoal é facultativa, tanto que o imputado pode, durante toda a persecução penal, permanecer calado. Porém, a defesa técnica – por advogado ou defensor público – é imprescindível, sob pena de nulidade absoluta. É garantia constitucional, prevista no inciso LV do art. 5º da CF (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegu- rados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”). No conceito de ampla defesa, não pode ficar de fora a ideia de ter o imputado possibilidade de responder à acusação por intermédio de defensor técnico. Tanto que o art. 263, caput, assegura que, se o acusado não tiver defensor, “ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação”. O STF, por sinal, entende que: “No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu” (Súmula 523). Alternativa “B”: entendemos haver nulidade absoluta nesse caso, já que tem o acusado o direito de escolher sua defesa técnica. Somente no caso de não ser localizado ou, intimado, quedar-se inerte, ou ainda não ter condições de constituir advogado, deverá o juiz nomear defensor dativo. Nesse sentido, decisão do STJ: “HABEAS CORPUS. JULGAMENTO DA APELAÇÃO. ABANDONO (OU RENÚNCIA) DO ADVOGADO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO CLIENTE OU AO TRIBUNAL. CERTIFICAÇÃO DE TRÂNSITO EM JULGADO. NULIDADE ABSOLUTA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. DEVOLUÇÃO DO PRAZO. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA EM RELAÇÃO A UM DOS DELITOS. 1. Segundo o disposto no art. 261 do CPP, nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. 2. "Constitui nulidade absoluta, por evidente cerceamento de defesa, a falta de intimação do réu sobre a renúncia de seu advogado, para que possa substituí-lo por outro de sua confiança ou, ao menos, caso assim não proceda, para que lhe possa ser nomeado um defensor dativo" (HC 69.644/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ de 28.5.07). (…)” (HC 41.655-AC, Rel. Min. Og Fernandes, j. 11.12.2009). 290Ricardo Silvares Alternativa “C”: entendemos que é garantida a ampla defesa mesmo na fase de investigação, mas não o contraditório, que incide exclusivamente na fase judicial. Porém, na fase de investigação, não é imprescindível a defesa, já que o imputado pode permanecer calado (deixando de exercer a defesa pessoal) e não precisa fazer-se acompanhar de advogado. Alternativa “D”: o acusado pode renunciar à autodefesa, tanto que pode permanecer calado. No entanto, deverá o juiz garantir a realização do interrogatório, ainda que seja para o acusado declarar seu desejo de não responder a qualquer pergunta. O interrogatório – momento da autodefesa do acusado – é ato obrigatório do processo, salvo se o imputado não comparecer à audiência, tendo sido regularmente intimado. 02. (Delegado de Polícia – SP/ 2011 – ACADEPOL) A respeito da entrevista do preso em flagrante com seu advogado, é correto afirmar. a) É assegurada, de forma reservada, até mesmo antes do seu interrogatório. b) Poderá ocorrer, antes do interrogatório, em presença da autoridade policial. c)Poderá ocorrer, reservadamente, emissão da nota de culpa. após a d)Antes do interrogatório, somente poderá ocorrer em presença do condutor do preso. e) Trata-se de direito processual, não aplicável na fase inquisitiva. COMENTÁRIOS Nota do autor: o inciso LXIII do art. 5º da CF garante que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. Vejamos, nos comentários abaixo, as consequências de tal garantia. Alternativa correta: letra “A”: se tem o preso o direito de assistência de advogado quando for preso, obviamente tal assistência inclui o de receber a devida orientação jurídica do citado profissional. Para tanto, deve ser garantida uma entrevista reservada entre preso e advogado (art. 7º, III, Lei 8.906/1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB), de preferência antes do interrogatório, para que realmente tal garantia tenha alguma aplicação prática, pensando-se em outro princípio – que, de certo modo, abarca tal garantia –, qual seja, o da ampla defesa: o profissional poderá orientar o preso quanto ao que declarar ou não em seu interrogatório e até mesmo sobre eventual vantagem do silêncio. Alternativa “B” (responde, também, a alternativa “D”): a entrevista deve ser reservada, como estabelece o art. 7º, III, da Lei 8.906/1994. Alternativa “C”: a emissão da nota de culpa se dá depois do interrogatório. Portanto, a entrevista e a orientação do advogado deve anteceder tal momento. Alternativa “E”: tal direito é aplicável a todas as fases da persecução penal. 03. (Delegado de Polícia – SP/ 2011 – ACADEPOL) Historicamente, o processo penal acusatório distinguia-se do inquisitório porque enquanto o primeiro era a) escrito e público, o segundo era oral e sigiloso. b) escrito e sigiloso, o segundo era oral e público. c) misto (oral e escrito), o segundo era exclusivamente oral. d) oral e público, o segundo era escrito e sigiloso. e) oral e sigiloso, o segunde era escrito e público. COMENTÁRIOS Nota do autor: adotando as lições de Ada Pellegini Grinover (A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório, Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 27, 1999), no sistema acusatório “as funções de acusar, defender e julgar são atribuídas a órgãos distintos”, enquanto no sistema inquisitório “as funções estão reunidas e o inquisidor deve proceder espontaneamente. É só no processo acusatório que o juízo penal é o actum trium personarum (...), enquanto no processo inquisitório a investigação unilateral a tudo se antepõe (...)”. No sistema acusatório, os elementos de informação colhidos na fase pré-judicial servem apenas para o convencimento do órgão acusatório, normalmente não podendo fazer parte do processo ou ser valorados pelo julgador como provas. Além disso, no sistema acusatório “o exercício da jurisdição depende de acusação formulada por órgão diverso do juiz (...)” e “todo o processo deve desenvolver-se em contraditório pleno, perante o juiz natural”. Alternativa correta: letra “D” (responde todas as demais alternativa): o processo acusatório caracteriza-se pela separação das figuras do acusador e do julgador e, na fase pré-processual, pela separação do investigador e do julgador. Corolário do sistema acusatório é a oralidade – embora, pode-se ter processo acusatório com menor características de oralidade – e a publicidade. O sistema inquisitório, por outro lado, normalmente deixa de lado a oralidade e caracteriza-se pelo sigilo, inclusive em relação ao acusado. Direito Processual Penal 291 04. (Delegado de Polícia – MT/ 2010 – UNEMAT) Assinale a alternativa que destoa do sistema acusatório encampado pelo Código de Processo Penal. Alternativa “E”: é uma exigência da CF (art. 93, IX, CF) a fundamentação das decisões judiciais, não havendo qualquer incompatibilidade com o princípio acusatório. a) Isonomia Processual. 05. b) Ampla defesa. c) Presunção de inocência. d) Produção de provas ex officio pelo juiz em fase inquisitiva. e) Obrigatoriedade de motivação das decisões judiciais. (Delegado de Polícia – PI/ 2009 – NUCEPE) Considerando os princípios do processo penal, pode-se dizer que não se aplica às ações penais de iniciativa privada: a) o princípio da legalidade. b) o princípio da indisponibilidade. c) o princípio da demanda. COMENTÁRIOS Nota do autor: basicamente, o sistema acusatório pressupõe uma separação entre as funções de acusar e julgar, bem como de investigar e julgar. Trata-se, segundo a maioria da doutrina, de princípio aplicável ao processo penal brasileiro, decorrente da própria CF. Alternativa correta: letra “D”: no sistema acusatório, o juiz não pode produzir provas na fase inquisitiva, pré-processual, salvo se houver necessidade de antecipação, nos termos do art. 156, I, do CPP. É verdade que tal dispositivo prevê que o juiz poderá determinar a produção da prova, de ofício, antes de iniciada a ação penal. Porém, pensamos ser tal permissão legal inconstitucional, eis que colido frontalmente com o princípio acusatório. Nada impede, porém, que haja a produção de prova, desde que requerida pelo Ministério Público. Note-se que, coerentemente com tal princípio, o CPP impede que o juiz decrete, de ofício, prisão preventiva na fase investigativa. Alternativa “A”: a igualdade entre as partes no processo é almejada no processo, sendo característica do devido processo legal, não destoando, portanto, do sistema acusatório. Alternativa “B”: a ampla defesa é garantia constitucional (art. 5º, LV), sendo princípio complexo, incluindo o direito à autodefesa, o direito à defesa técnica, o direito à produzir provas, o direito de presença aos atos do processo; o direito de postular pessoalmente; o direito de audiência etc. Não é, por óbvio, destoante do princípio acusatório. Alternativa “C”: tal princípio decorre do art. 5º, LVII, da CF. Significa que ninguém pode ser considerado culpado antes que advenha sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Disso decorrem diversas consequências, sendo importante sublinhar: a) o acusado não tem que provar sua inocência, cabendo a prova da culpabilidade à parte acusadora; b) não é possível execução provisória da pena, a não ser para fins de progressão de regime ou aplicação de regime menos severo (v. STF, Súmulas 716 e 717). Não destoa do sistema acusatório. d) o princípio da paridade de armas. e) o princípio da oportunidade. COMENTÁRIOS Alternativa correta: letra “B”: o princípio da indisponibilidade somente se aplica às ações penais públicas. Segundo ele, uma vez proposta a ação penal pública pelo Ministério Público, este não pode dela desistir. O princípio encontra-se gravado no CPP, em seu art. 42 (“O Ministério Público não poderá desistir da ação penal”). Alternativa “A”: o princípio da legalidade aplica-se às ações penais privadas, devendo ser observados os procedimentos trazidos pela lei, somente sendo cabíveis tais ações nos casos expressamente previstos na legislação penal e processual. Alternativa “C”: pelo princípio da demanda (também chamado de princípio dispositivo, ou da ação, ou da iniciativa das partes), a atividade jurisdicional deve ser provocada por meio da ação, o que se aplica, por óbvio, também às ações penais privadas, já que o juiz não pode instaurá-las de ofício. Alternativa “D”: o princípio da paridade de armas (ou da igualdade entre as partes) significa que a Defesa deve ter os mesmos direitos, no processo, que o Ministério Público e vice-versa. É a igualdade formal, que decorre do art. 5º, caput, da CF. Mas, há a necessidade também da igualdade substancial, com a criação de mecanismos que garanta, efetivamente, a igualdade entre as partes no processo, já que a realidade mostra que, a prática, há desigualdade de forças entre o acusado – ou a maioria deles, que não possuem recursos para bancar, por exemplo, assistentes técnicos ou investigações privadas – e o Ministério Público. Alguns mecanismos foram criados, como no caso dos embargos infringentes (só possível para a Defesa) e a revisão criminal (já que é vedada a revisão pro societate, ou seja, revisão só a favor do acusado). Naturalmente, aplica-se o princípio a todo o processo penal, incluindo às ações penais privadas. 292Ricardo Silvares Alternativa “E”: o princípio da oportunidade aplica-se às ações penais privadas, pois cabe ao seu legitimado decidir se ingressa ou não em juízo com a ação. É o contrário do princípio da obrigatoriedade, aplicável às ações penais públicas, em que o Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia, se presentes provas do fato e indícios suficientes de autoria e ausentes causas de exclusão da ilicitude. 06. (Delegado de Polícia – RJ/ 2009 – CEPERJ) Segundo o professor Canotilho, a densificação do sentido constitucional dos direitos, liberdades e garantias é mais fácil do que a determinação do sentido específico do enunciado “dignidade da pessoa humana”. O eminente constitucionalista português afirma que pela análise dos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, deduz-se que a raiz antropológica se reconduz ao homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como administrado (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição, Almedina, 2003, p. 249). Sobre a busca por uma “integração pragmática” do princípio da dignidade humana é correto afirmar: a) A teoria dos três componentes é adequada às sugestões normativas da Constituição. Compõem a dignidade humana: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) o livre desenvolvimento da personalidade; 3) a garantia da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdo, formas e procedimentos do Estado de Direito. Por tal razão o indiciado não pode ser algemado. b) A teoria dos cinco componentes é adequada às sugestões normativas da Constituição. Compõem a dignidade humana: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) o livre desenvolvimento da personalidade; 3) a libertação da angustia da existência; 4) a garantia da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdo, formas e procedimentos do Estado de Direito; 5) na igualdade de tratamento perante a lei. Decorre daí que o sigilo no inquérito policial não visa apenas à função utilitarista para assegurar a eficiência da investigação, mas também a tutela da dignidade do indiciado. c) A teoria dos quatro componentes é adequada às sugestões normativas da Constituição. Compõem a dignidade humana: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) o livre desenvolvimento da personalidade; 3) a garantia da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdo, formas e procedimentos do Estado de Direito; 4) na igualdade de tratamento perante a lei. Decorre daí a necessidade de se garantir o sigilo total do inquérito policial. d) A dignidade humana tem sua densificação em dois elementos: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) a garantia da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdo, formas e processos do Estado de Direito, não se aplicando ao inquérito por ser este um procedimento administrativo desprovido de contraditório. e) O princípio da dignidade humana é norma programática, ou seja, sua eficácia é limitada e consiste em inspirar os programas estatais inclusive à atividade legislativa relativamente ao processo penal. COMENTÁRIOS Nota do autor: a questão lida com tema dos mais complexos, mais afeto ao direito constitucional, que irradia seus efeitos por todo o ordenamento, inclusive, por óbvio, o processo penal. Não se trata apenas de norma programática, como afirma a alternativa “E”, mas verdadeiro fundamento do Estado brasileiro (art. 1º, III, CF). Nos limitaremos a comentar a alternativa correta, pois esgota o assunto, como veremos. Alternativa correta: letra “B”: Canotilho apresenta, em seguida ao trecho acima transcrito, a teoria dos cinco componentes do constitucionalista alemão Plotlech. Diz o grande jurista português, na sequência do trecho já transcrito: “Quanto à dignidade da pessoa humana, a literatura mais recente procura evitar um conceito ‘fixista’, filosoficamente sobrecarregado (dignidade humana em sentido ‘cristão e/ou cristológico’, em sentido ‘humanista-iluminista’, em sentido ‘marxista’, em sentido ‘sistémico’, em sentido ‘behaviorista’). Nesta perspectiva, tem-se sugerido uma ‘integração pragmática’, susceptível de ser condensada da seguinte forma: (1) Afirmação da integridade física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua individualidade autonomamente responsável (…). (2) Garantia da identidade e integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade (…). (3) Libertação da ‘angústia da existência’ da pessoa mediante mecanismos de socialidade, dentre os quais se incluem a possibilidade de trabalho e a garantia de condições existenciais mínimas (…). (4) Garantia e defesa da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdos, formas e procedimentos do Estado de direito. (5) Igualdade dos cidadãos, expressa na mesma dignidade social e na igualdade de tratamento normativo, (…), isto é, igualdade perante a lei. Esta ‘teoria de cinco-componentes’ (PODLECH) parece adequada às sugestões Direito Processual Penal 293 normativas da constituição e ao contexto jurídicocultural”. A afirmativa vai além e considera que o sigilo do inquérito existe não somente para proteção das informações contra o investigado, mas também, em razão da dignidade humana, para também protegê-la. 07. (Delegado de Polícia – RJ/ 2009 – CEPERJ) Dois acórdãos paradigmáticos do STF afirmam o seguinte: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “o recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. 2. Daí a conclusão de que os preceitos veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso, a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pré-pretensão. 5. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados – não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários, e subsequentes agravos e embargos, além do que “ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF, não pode ser lograda a esse preço. 6. Nas democracias, mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual Ordem concedida. (STF, HC 85417, 02/09/08, Rel. para o acórdão Min. Eros Graus). A privação cautelar da liberdade individual reveste-se de caráter excepcional, somente devendo ser decretada ou mantida em situações de absoluta necessidade. A prisão cautelar, para legitimar– se em face de nosso sistema jurídico, impõe – além da satisfação dos pressupostos a que se refere o art. 312 do CPP (prova da existência material do crime e presença de indícios suficientes de autoria) – que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade do indiciado ou do réu. – A questão da decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar. Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. A MANUTENÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. – A prisão cautelar não pode – e não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar – que não deve ser confundida com a prisão penal – não objetiva infligir punição àquele que sofre a sua decretação, mas destina-se, considerada a função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. – A natureza da infração penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. Precedentes. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. – Sem que se caracterize situação de real necessidade, não se legitima a privação cautelar da liberdade individual do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão cautelar. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL. – A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutri- 294Ricardo Silvares nárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem. – Mesmo que se trate de pessoa acusa da da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumirlhe a culpabilidade. No sistema jurídico brasileiro, não se admite, por evidente incompatibilidade com o texto da Constituição, presunção de culpa em sede processual penal. Inexiste, em consequência, no modelo que consagra o processo penal democrático, a possibilidade jurídico-constitucional de culpa por mera suspeita ou por simples presunção. – Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em nosso sistema jurídico, consagra, além de outras relevantes consequências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes. Precedentes (STF, HC 93056, 16/12/2008, Ministro Celso de Mello). Da leitura dos arestos supra pode-se dizer que o Desenho Constitucional do Processo Penal brasileiro tem cariz: a)utilitarista b)garantista c) instrumentalista (instrumentalidade das formas) d)finalista e)positivista COMENTÁRIOS Nota do autor: a alternativa correta é a letra “B”. Muito se fala em garantismo, mas pouco se explica tal questão. Assim, entendemos que é extremamente importante explicarmos tal ideia, que, por si, resolverá toda a questão. Por sinal, abordaremos os temas de todas as alternativas abaixo. Alternativa correta: letra “B”: o grande nome quando se fala em garantismo é o do italiano Luigi Ferrajoli, que escreveu importante e densa obra com título principal “Direito e Razão”, já traduzida para nossa língua. Resumindo tal complexa obra neste espaço limitado, pode-se dizer que Ferrajoli traz um modelo penal garantista, tratando o garantismo sob três perspectivas: da racionalidade, da justiça e da legitimidade da intervenção do Estado na esfera punitiva. Do ponto de vista da racionalidade, o garantismo “designa um modelo normativo de direito, relacionado com o Direito Penal, um modelo de estreita legalidade, que, sob o plano epistemológico, caracteriza-se como um sistema cognitivo. Sob o plano político, o modelo normativo caracteriza-se como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade. E sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos ao poder punitivo do Estado para garantia dos direitos dos cidadãos (...). O segundo significado de garantismo designa uma teoria jurídica da validade e da efetividade como categorias distintas entre si, mas também entre a existência o vigência das normas. O garantismo opera como doutrina jurídica de legitimação interna do Direito Penal, que demanda do jurista uma constante revisão crítica acerca das leis vigentes, tanto do ponto de vista do direito válido como efetivo (...). O terceiro e último significado de garantismo designa uma filosofia política, que pressupõe a separação entre direito e moral, entre validade e justiça, entre ser e dever-ser (...)” (Bechara, Fábio Ramazzini. Garantia constitucional do processo justo: eficiência e garantismo. In: Revista do Advogado, ano XXXII, n. 117, AASP, p. 85). Os dois acórdãos citados na questão trazem reflexos do garantimos, já que buscam assegurar a observância dos direitos fundamentais, incrustados em princípio dos mais relevantes: o princípio da presunção da inocência. Notem que os dois julgados procuram dar a maior amplitude possível a tal princípio, sobretudo no primeiro caso, deixando claro que deve prevalecer ao que dispõe a lei ordinária: pouco importa que se saiba não terem os recursos especial e extraordinário efeito suspensivo, já que, no campo penal, não haverá execução da pena antes do trânsito em julgado e, assim, a prisão, antes disso, não será pena, mas custódia cautelar. No campo do processo penal, a obra de Ferrajoli é muito rica, trazendo importantes considerações sobre as provas e seus objetivos, deixando claro que o processo garantista não pode ser decisionista, mas um sistema cognitivo: o juiz decide desse ou daquele modo não porque tem poder, mas porque segue um modelo racional de valoração da prova, amparado por modelos legais de meios de produção da prova. Enfim, como dissemos, a matéria é muito rica e complexa, mas deixamos este breve resumo. Se a perspectiva dos arestos citados fosse utilitarista, não teriam as preocupações neles vistas. Tomemos um exemplo: a pena de morte. Pode-se adotar uma posição – de certo modo, mais próxima do garantismo – e assim afirmar: a pena de morte não deve existir porque não se deve matar ninguém e tal vedação aplicase ao Estado. É a posição, por exemplo, de Bobbio. Ou pode-se adotar uma posição utilitarista e dizer: devemos adotar a pena de morte, já que no país “x” foi adotada e funcionou. Sob o ponto de vista da Direito Processual Penal 295 instrumentalidade das formas, se o ato processual atingiu seu objetivo, deve ser considerado válido. Assim, não guarda relação com os arestos. O mesmo pode-se afirmar quanto ao finalismo, doutrina ligada ao Direito Penal (v. Welzel). Em relação ao positivismo, pode-se dizer que os acórdãos fogem de uma perspectiva de análise pura da norma, pois, do contrário, o primeiro aresto chegaria à conclusão de que o recurso especial ou extraordinário não impediria a execução da pena, que é o afirmado pela lei. No entanto, chega a uma outra conclusão, analisando um princípio constitucional, o da presunção de inocência. 08. (Delegado de Polícia – RJ/ 2009 – CEPERJ) Na precisa lição de Canotilho: a idéia de reserva de jurisdição implica a reserva de juiz relativamente a determinados assuntos. Em sentido rigoroso, reserva de juiz significa que em determinadas matérias cabe ao juiz não apenas a última palavra, mas também a primeira (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª edição, Almedina, 2003, p.664). Leia as afirmativas e marque a opção correta: I. Para o STF a cláusula constitucional da reserva de jurisdição incide sobre determinadas matérias, a saber: a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI). A reserva de jurisdição traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. II. Para significativa parte da doutrina a cláusula da reserva de jurisdição tem maior amplitude ficando na exclusiva esfera do judiciário a deliberação não só sobre temas como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI), como também os sigilos bancário, fiscal e telefônico. III. Para o STF, a cláusula de reserva de jurisdição não alcança o sigilo telefônico. IV. Os poderes de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) não estão limitados pela cláusula de reserva de jurisdição já que o art. 58 § 3° da CRF/88 dispõe que elas terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas. a) Apenas I e II estão corretas. b) Apenas II e III estão corretas. c) Apenas III e IV estão corretas. d) Apenas a I está correta. e) Apenas a I, II e III estão corretas. COMENTÁRIOS Alternativa correta: letra “E”. Estão corretas as afirmativas I, II e III. Item I: certo. O STF não havia enfrentado a questão de conceituar a reserva de jurisdição, o fazendo em acórdão paradigmático, cujo trecho da ementa de interesse para a questão é o seguinte: “(...) POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO: UM TEMA AINDA PENDENTE DE DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O postulado da reserva constitucional de jurisdição importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros, inclusive daqueles a quem se haja eventualmente atribuído o exercício de "poderes de investigação próprios das autoridades judiciais". A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a possibilidade do exercício de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina. – O princípio constitucional da reserva de jurisdição, embora reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo Tribunal Federal – Min. CELSO DE MELLO (Relator), Min. MARCO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO (Presidente) – não foi objeto de consideração por parte dos demais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, que entenderam suficiente, para efeito de concessão do writ mandamental, a falta de motivação do ato impugnado” (MS 23.452-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, j. 16.09.2009). Como se percebe, tais noções coincidem com a exposta na afirmativa e acabaram por constar da própria ementa do acórdão, 460Ricardo Silvares estabelecimento prisional (art. 112, caput, LEP). Há necessidade, isto sim, de prévias manifestações do Ministério Público e do defensor (art. 112, § 1º). produção e, por via de consequência, no convencimento do juiz. É por isso que o art. 155 do CPP determina que o juiz deve formar sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação (pois na fase de investigação, posto tenha a Defesa acesso aos autos – STF, Súmula Vinculante 14 –, não vige o contraditório), ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. Nestes três últimos casos ocorre o que a doutrina chama de “contraditório diferido”. Alternativa “D”: o Conselho Penitenciário será ouvido pelo juiz antes de conceder o livramento condicional, conforme estipula o art. 131 da LEP, não havendo a mesma exigência, como visto acima, quanto à progressão de regime. DICAS 1. Princípios e Garantias • • CF, art. 5º Decreto 678/1992 (Convenção Americana de Direitos Humanos) • Princípio da presunção de inocência (ou da não-culpabilidade ou do estado de inocência): decorre do art. 5º, LVII, da CF. Significa que ninguém pode ser considerado culpado antes que advenha sentença penal condenatória com trânsito em julgado. Disso decorrem diversas consequências, sendo importante sublinhar: a) o acusado não tem que provar sua inocência, cabendo a prova da culpabilidade à parte acusadora; b) não é possível execução provisória da pena, a não ser para fins de progressão de regime ou aplicação de regime menos severo (v. STF, Súmulas 716 e 717). • Princípio da ampla defesa: decorre do art. 5º, LV, da CF, que assegura a ampla defesa, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, com os meios e recursos a ela inerentes. Assim, todo acusado tem direito à defesa técnica, devendo o Estado providenciá-la, caso aquele não possa fazê-lo (art. 5º, LXXIV, CF). O acusado também tem direito à autodefesa, mas se trata de opção dele, que pode ou não exercê-la (ou seja, o acusado pode confessar o delito, negá-lo, silenciar a respeito etc.). A defesa técnica deve ser efetiva e a falta dela constitui nulidade absoluta. Já sua insuficiência, de acordo com entendimento do STF (Súmula 523), é causa de nulidade apenas relativa, devendo ser demonstrado prejuízo ao acusado. É importante observar que a Defesa deve ter acesso à todas as provas dos autos e a todas as informações nele disponíveis, inclusive na fase policial (v. STF, Súmula Vinculante 14). • Princípio do contraditório: também chamado por alguns de “princípio da bilateralidade da audiência”, decorre do mesmo art. 5º, LV, da CF, que o afirma ao lado da ampla defesa. Todas as provas devem ser produzidas sob o contraditório, pois as partes tem o direito de presenciar sua produção e, mais importante, de influir na • Princípio da paridade de armas (ou da igualdade de partes): a Defesa deve ter os mesmos direitos, no processo, que o Ministério Público e vice-versa. É a igualdade formal, que decorre do art. 5º, caput, da CF. Mas, há a necessidade também da igualdade substancial, com a criação de mecanismos que garanta, efetivamente, a igualdade entre as partes no processo, já que a realidade mostra que, a prática, há desigualdade de forças entre o acusado – ou a maioria deles, que não possuem recursos para bancar, por exemplo, assistentes técnicos ou investigações privadas – e o Ministério Público. Alguns mecanismos foram criados, como no caso dos embargos infringentes (só possível para a Defesa) e a revisão criminal (já que é vedada a revisão pro societate, ou seja, revisão só a favor do acusado). • Princípios do juiz imparcial e do juiz natural: decorrem de dois dispositivos da CF, quais sejam, os incisos XXXVII (não haverá juízo ou tribunal de exceção) e LIII (ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) do art. 5º, sendo a garantia do juiz imparcial implícita. Bastante explícito, a nosso ver, é a garantia do juiz natural, já que os dois dispositivos asseguram que sempre haverá um juiz com competências previamente definidas, de modo que, ocorrendo um crime, já se saberá qual magistrado deverá julgá-lo (na realidade, já se saberá se deverá ser julgado por vara especializada ou se deverá ocorrer distribuição a uma das varas da comarca). Além disso, nenhum tribunal especial não previsto na CF poderá ser formado para julgar um caso determinado. • Princípio da motivação: decorre da regra decorre da regra do inciso IX do art. 93 do texto constitucional (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos Direito Processual Penal 461 quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação).. Isso inclui não somente as decisões finais, mas também, segundo boa parte da doutrina, as interlocutórias. Admitese, porém, sobretudo nos Tribunais Superiores, que o juiz pode referir-se a argumentos do Ministério Público ou o Tribunal pode referir-se às razões de decidir do juiz de primeiro grau, sendo isso suficiente. Os Tribunais Superiores também vêm admitindo não ser necessária fundamentação no recebimento da denúncia, já que se está no início do processo e o recebimento implica em aceitação implícita dos requisitos da denúncia. • • Princípio da publicidade: também decorre do inciso IX do art. 93 do texto constitucional (todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação). Por isso, a Súmula Vinculante 14 do STF, que dispôs ser direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. De se notar que as restrições à publicidade dos atos processuais são aquelas acima mencionadas, podendo a lei infraconstitucional regulá-las, como faz o CPP no art. 782, por exemplo. Não se considera haver qualquer infringência à regra constitucional na chamada “sala secreta” ou “sala especial” no Tribunal do Júri (ou seja, a recolha dos jurados para a votação, caso não seja possível a realização desta no próprio Plenário, depois de esvaziado). Princípio do duplo grau de jurisdição: não possui previsão no texto da CF, mas é reconhecido pela doutrina com base no art. 8º, h, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), referendado pelo Decreto 678/1992. Há divergência no Supremo Tribunal Federal quanto à natureza jurídica das disposições da referida convenção, havendo, de um lado, entendimento de que teriam status de norma constitucional e, por outro, de que teriam natureza supralegal. De qualquer modo, os dispositivos da Convenção integram nosso ordenamento jurídico. Mas, há exceção evidente ao princípio: casos de competência originária dos Tribunais. Assim, por exemplo, no caso de competência originária do Supremo Tribunal Federal, não caberá recurso a outro tribunal, pois este simplesmente inexiste. • Princípio da oficialidade: significa que os órgãos responsáveis pela investigação e pela ação penal pública são órgãos do Estado, com funções públicas. No caso da ação penal pública, a titularidade é privativa do Ministério Público, conforme o disposto no art. 129, I, da CF, sendo possível, apenas em caso de inércia de tal órgão, a ação penal privada subsidiária da pública. • Princípio da obrigatoriedade: preenchidos os requisitos legais, os órgãos incumbidos de investigar e de promover a ação penal pública são obrigados a fazê-lo. O Ministério Público, por sinal, não pode desistir da ação ou de recurso que tenha interposto, nem o Delegado de Polícia pode arquivar o inquérito policial (princípio da indisponibilidade). O princípio não se aplica à ação penal privada. A lei somente autoriza que o Ministério Público deixe de propor ação penal nos casos de crimes de menor potencial ofensivo (Lei 9.099/1995), pois há previsão de transação penal previamente ao momento do oferecimento da denúncia. Aceita a transação pelo autor do fato, a ação deixa de ser proposta. • Princípio da duração razoável do processo: trata-se de garantia do acusado, prevista no inciso LXXVIII do art. 5º da CF. Não há previsão legal sobre o que seja prazo razoável ou quais as consequências da não observância da garantia. No entanto, é certo que pode acarretar a concessão da liberdade ao acusado que estiver preso provisoriamente. • Princípio do devido processo legal (due process ou law): decorre da previsão do art. 5º, LIV, da CF (ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal). Segundo a doutrina, divide-se em devido processo legal substantivo (substantive due process) e devido processo legal processual (procedural due process). O primeiro significa que as leis devem ser razoáveis e racionais quando se referem a atos do Estado e o segundo, na verdade, engloba diversos outros princípios, sendo o que alguns denominam de “princípio síntese” (ou seja, nele estão englobados os princípios do juiz natural, sob contraditório, observada a ampla defesa, perante juiz imparcial etc.). • Princípio do Promotor Natural: significa que o Procurador-Geral não pode nomear qualquer membro do Ministério Público para atuar em casos determinados, havendo necessidade de previsão – antecipada, por regramentos internos – de qual órgão ministerial deve atuar em determinadas situações. Há muita contro- 462Ricardo Silvares vérsia sobre a existência deste princípio, posto não previsto expressamente no texto constitucional. Normalmente, entre os membros do Ministério Público, há a aceitação da existência de tal princípio: haverá sempre uma regra de distribuição de feitos predeterminada, que não pode ser alterada, exceto nos casos expressamente previstos pela lei, evitando-se o acusador de exceção (assim como não pode haver tribunal de exceção). Na Lei 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional no Ministério Público) encontram-se hipóteses em que é possível um feito passar de um membro do Ministério Público a outro, como o art. 10, IX, g (pode o Procurador-Geral, por ato excepcional e fundamentado, designar membro da instituição, submetendo sua decisão previamente ao Conselho Superior do Ministério Público) e o art. 24 (o Procurador-Geral de Justiça poderá, com a concordância do Promotor de Justiça titular, designar outro Promotor para funcionar em feito determinado, de atribuição daquele). É importante que se observe não ter o Supremo Tribunal Federal reconhecido, até agora, a existência, na CF, de tal princípio (nesse sentido, HC 90.277-DF, relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 17.06.2008). • • Princípio da Verdade Real: muito se afirma que o processo penal, diferentemente do processo civil, não se contenta com a verdade formal, mas deve o Magistrado buscar uma reconstrução histórica fidedigna dos fatos. É sempre muito citado em manifestações do Ministério Público e mesmo em Acórdãos dos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça. No entanto, a doutrina vem questionando sua existência. É que a lei estabelece diversas restrições ao juiz quanto ao que pode ser aceito como prova, havendo a proibição das provas ilícitas e daquelas não produzidas sob o contraditório (se únicas nos autos). Entendemos que o processo não de prescindir da busca da verdade, mas não deve iludir-se com a ideia de que seja capaz de atingir a “verdade real”. Princípio da identidade física do juiz: O § 2º do art. 399 estabelece que o juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença, com o que o CPP adotou o princípio da identidade física do juiz. A jurisprudência, porém, não tem considerado absoluto o princípio. Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça: “HABEAS CORPUS. FUGA DE PESSOA PRESA OU SUBMETIDA A MEDIDA DE SEGURANÇA. SENTENÇA PROFERIDA POR JUIZ DIVERSO DO QUE PRESIDIU A INSTRUÇÃO DO FEITO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA AO DESLINDE DA QUESTÃO. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. 1. De acordo com o princípio da identidade física do juiz, que passou a ser aplicado também no âmbito do processo penal após o advento da Lei nº 11.719, de 20 de junho de 2008, o magistrado que presidir a instrução criminal deverá proferir a sentença no feito, nos termos do § 2º do artigo 399 do Código de Processo Penal. 2. Em razão da ausência de outras normas específicas regulamentando o referido princípio, nos casos de convocação, licença, promoção ou de outro motivo que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de sentenciar o feito, por analogia – permitida pelo artigo 3º da Lei Adjetiva Penal -, deverá ser aplicada a regra contida no artigo 132 do Código de Processo Civil, que dispõe que os autos passarão ao sucessor do magistrado. Doutrina. Precedente. 3. No caso em apreço, o impetrante não se desincumbiu de seu ônus de comprovar que o magistrado que teria presidido a instrução criminal não estaria impedido de proferir a sentença, ou seja, que não seria aplicável quaisquer das hipóteses excepcionais elencadas no citado dispositivo do Código de Processo Civil. 4. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de provas documentais que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. 5. Ordem denegada” (HC 242.115-PE. Rel. Min. Jorge Mussi, j. 02.08.2012). 2. Norma Processual Penal e sua Aplicação • CPP, arts. 1º a 3º. • Aplicação da lei penal no espaço: a regra é a aplicação da lex fori, ou seja, a regra da territorialidade, que encontra exceção no próprio art. 1º, I, do CPP: aplica-se o tal Código aos casos que devam ser julgados em território brasileiro, salvo disposições em contrário previstas em tratados, convenções ou regras de direito internacional. • Aplicação da lei penal no tempo: a regra geral do art. 2º o CPP estabelece que a lei processual penal aplica-se desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior. Portanto, alterada a lei processual, a nova deve ser aplicada, sem prejuízo do que Direito Processual Penal 463 já ocorreu no processo. No entanto, a doutrina vem entendendo que, no que tange às normas a respeito de medidas cautelares pessoais privativas ou restritivas da liberdade, por possuírem conteúdo misto, ou seja, penal e processual, deve seguir a regra do art. 5º, LV, da CF, que proíbe a retroação de norma penal, salvo para beneficiar o réu. Além disso, entende que ainda pode ser aplicado, mesmo que por analogia, o disposto no art. 2º do Decreto-lei 3.931/1941 (Lei de Introdução ao Código de Processo Penal), que prevê expressamente, quanto à prisão preventiva e à fiança, a aplicação da lei mais favorável no caso de intertemporalidade. 8.906/1994), que garante que tais profissionais possam examinar autos de inquérito policial em qualquer repartição policial. E a Súmula Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal dispõe ser direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa • A doutrina reconhece a existência de investigações que não são feitas pela Polícia Judiciária: a) inquéritos parlamentares, realizados pelas Comissões Parlamentares de Inquérito ou pelas próprias polícias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crimes cometidos em suas dependências (STF, Súmula 397); b) inquéritos policiais militares, conduzidos por autoridades militares; c) investigações de infrações penais cometidas por Juízes de Direito e Promotores de Justiça, que são conduzidas pela cúpula das respectivas instituições; d) investigações de infrações penais de pessoas com prerrogativa de função pelos Tribunais Superiores. • O inquérito civil previsto na Lei 7.347/1985 (que trata da ação civil pública) não é instaurado para apurar crime, mas como preparação para a ação mencionada. No entanto, pode ser usada para embasar a denúncia no âmbito criminal. • O Ministério Público entende que tem poderes de investigação. Não há posição definitiva a respeito pelo Supremo Tribunal Federal. A 2ª Turma daquela Corte tem, porém, admitido tal possibilidade, sendo paradigmático o Acórdão proferido no HC 84.965-MG, de que foi relator o Ministro Gilmar Mendes, julgado em 13 de dezembro de 2011 (a respeito do pode de investigação do Ministério Público, outro Acórdão da mesma Turma, no HC 85.000-MG, mais recente – 13 de março de 2012 – reiterou tal entendimento). Eis a ementa: “HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E DE NÃO-CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. 1. POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. Não há controvérsia na doutrina ou juris- Analogia: o art. 3º do CPP permite a aplicação da interpretação extensiva e da analogia, consistindo esta, realmente, na aplicação extensiva de princípios jurídicos presentes em normas específicas. Assim, há uma lacuna, que pode ser integrada por meio da analogia. Para tanto, toma-se a regra existente para situações semelhantes, aplicando-se para aquela em que há a lacuna: ubi eadem ratio, ibi eadem jus (onde a mesma razão de fato, o mesmo direito). • 3. Inquérito Policial e outros Procedimentos Investigatórios • • • • CPP, arts. 4º a 23 Lei 9.099/1995, art. 69 Lei 12.037/2009, art. 3º CF, arts. 58, § 3º, e 129 • O Inquérito Policial (IP) é conduzido pela Polícia Judiciária, função exercida, nos Estados, pela Polícia Civil e, no âmbito da União, pela Polícia Federal (art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF). Estão excluídos das atribuições de tais Polícias os crimes militares. • O IP é presidido por Delegado de Polícia (estadual ou federal), tendo como objetivo a apuração da materialidade e autoria das infrações penais. • Tem o IP natureza administrativa e serve de base para a propositura de ação penal (portanto, é um procedimento administrativo preparatório). • O IP tem natureza inquisitória, é escrito e sigiloso. É inquisitório, pois não se aplica o princípio do contraditório, o que não quer dizer que não deva ser aplicado outro: o princípio da ampla defesa. Quanto ao sigilo, é certo que não se aplica aos advogados, em virtude do disposto no art. 7º, XIV, do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 464Ricardo Silvares prudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF. A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14 desta Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do amplo conhecimento de provas e investigações, como também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de investigação conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penal”. No caso concreto, constata-se situação, excepcionalíssima, que justifica a atuação do Ministério Público na coleta das provas que fundamentam a ação penal, tendo em vista a investigação encetada sobre suposta prática de crimes contra a ordem tributária e formação de quadrilha, cometido por 16 (dezesseis) pessoas, sendo 11 (onze) delas fiscais da Receita Estadual, outros 2 (dois) policiais militares, 2 (dois) advogados e 1 (um) empresário. 2. ILEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ANTE A FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. De fato, a partir do precedente firmado no HC 81.611/DF, formou-se, nesta Corte, jurisprudência remansosa no sentido de que o crime de sonegação fiscal (art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990) somente se consuma com o lançamento definitivo. No entanto, o presente caso não versa, propriamente, sobre sonegação de tributos, mas, sim, de crimes supostamente praticados por servidores públicos em detrimento da administração tributária. Anoto que o procedimento investigatório foi instaurado pelo Parquet com o escopo de apurar o envolvimento de servidores públicos da Receita estadual na prática de atos criminosos, ora solicitando ou recebendo vantagem indevida para deixar de lançar tributo, ora alterando ou falsificando nota fiscal, de modo a simular crédito tributário. Daí, plenamente razoável concluir pela razoabilidade da instauração da persecução penal. Insta lembrar que um dos argumentos que motivaram a mudança de orientação na jurisprudência desta Corte foi a possibilidade de o contribuinte extinguir a punibilidade pelo pagamento, situação esta que sequer se aproxima da hipótese dos autos. 3. ORDEM DENEGADA”. Direito Processual Penal 465 ESPÉCIE DE AÇÃO INÍCIO DO IP • de ofício, pela Autoridade Policial, que elabora portaria inaugural • por requisição do Ministério Público Ação penal pública • por requisição do juiz (há incondicionada CPP, quem entenda que isso atinge arts. 5º, caput, e 8º o sistema acusatório, sendo inconstitucional) • por requerimento do ofendido • por auto de prisão em flagrante Ação penal pública condicionada • • depende de representação do ofendido ou seu procurador CPP, art. 5º, § 4º • ou de requisição do Ministro da Justiça, quando cabível Ação penal privada CPP, art. 5º, § 5º • depende de requerimento do ofendido Foro por prerrogativa de função • depende de autorização do Tribunal competente para julgar o caso De qualquer modo, o IP é dispensável, conforme se depreende dos arts. 12, 27, 39, § 5º, e 46, § 1º, do CPP. Portanto, com base em outros tipos de informações (peças de informação, termos circunstanciados no caso dos delitos de menor potencial ofensivo, etc.), pode a ação penal ser oferecida. • Identificação criminal em caso de a pessoa já ser civilmente identificada: o assunto é regulado pela Lei 12.037/2009, que estabelece os casos em que o civilmente identificado poderá ser submetido à identificação criminal. São tantas as hipóteses previstas, que haverá a possibilidade de que seja realizada a identificação criminal, ainda que o indivíduo seja civilmente identificado. Os casos são os seguintes (art. 3º): – o documento apresentar rasura ou tiver indícios de falsidade; – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o indiciado; – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações conflitantes entre si; – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes qualificações; – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais. • Indiciamento: o CPP não define critério algum. Trata-se de ato por meio do qual a Autoridade Policial indica quem, segundo os indícios coligidos no IP, é o autor da infração penal. O indiciamento deve ser feito durante o IP, sendo pacífico na jurisprudência o entendimento de que não cabe quando já há denúncia oferecida. Diz o § 6º do art. 3º da Lei 12.830/2013 que: “O indiciamento, privativo do delegado de polícia, darse-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias” • Incomunicabilidade do preso: é vedada pela CF durante o estado de defesa, conforme regra expressa (art. 136, § 3º, IV). É certo que o art. 21 do CPP a prevê. No entanto, se mesmo durante o estado de defesa ela é vedada, entende-se que com mais razão ainda a incomunicabilidade não é possível em condições de normalidade institucional. Logo, concordamos com o entendimento segundo o qual o art. 21 do CPP não foi recepcionado pela CF de 1988. Há, é verdade, entendimento contrário. Mas, vale lembrar que até quem entende cabível a incomunicabilidade reconhece não valer para o advogado do preso e para o membro do Ministério Público. Com efeito, é prerrogativa do membro do Ministério Público o acesso ao indiciado preso, a qualquer momento, mesmo quando decretada a sua incomunicabilidade (art. 41, IX, Lei 8.625/1993). Já quanto aos advogados, diz o art. 7º, III, do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei 8.906/1994) ser direito do advogado “comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”. PRAZOS PARA ENCERRAMENTO DO IP imputado solto imputado preso Regra geral (CPP) 30 dias, prorrogáveis 10 dias PF (art. 66, Lei 5.010/1966) 30 dias, prorrogáveis 15 dias Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas) 90 dias, podendo 30 dias, podendo ser duplicado ser duplicado IPM 40 dias, prorrogáveis por mais 20 dias 20 dias Crimes contra a ecônomia popular Lei 1.521/1951, art. 10, § 1º) 10 dias 10 dias 498Ricardo Silvares • imprópria (concedida depois do trânsito em julgado); • geral ou plena (menciona os fatos e atinge a todos que os cometeram); • parcial ou restrita (menciona fatos, mas exige o preenchimento de alguma condição pessoal do criminoso, como a primariedade); • incondicionada ou irrestrita (não exige o atendimento de nenhum requisito); • condicionada ou restrita (exige o atendimento a certos requisitos, podendo ser recusada pelo anistiado). – uma vez concedida, a anistia não pode ser revogada, porque a lei posterior revogadora prejudicaria os anistiados, violando o princípio constitucional de que a lei não pode retroagir para prejudicar o acusado (art. 5º, XL); – a lei que concede a anistia retira todos os efeitos penais, principais e secundários do fato, mas não os efeitos extrapenais; – não é possível a concessão de anistia aos crimes mencionados na Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos). • Agravo em execução: recurso cabível contra decisões proferidas na exeção penal. – o agravo em execução não terá efeito suspensivo, conforme disposição expressa do art. 197 da LEP; – o Superior Tribunal de Justiça entende não ser cabível a interposição de mandado de segurança para dar efeito suspensivo ao agravo; – o prazo para a interposição é o mesmo do recurso em sentido estrito, aplicando-se, aqui, o disposto no art. 586 do CPP. A Lei de Execução Penal silencia a respeito, mas esse entendimento encontra-se na Súmula 700 do Supremo Tribunal Federal. • 2. Inquérito Policial e outros procedimentos investigatórios • STF – Súmula 397 – O poder de polícia da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento, a prisão em flagrante do acusado e a realização do inquérito. • STF – Súmula 524 – Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas. • STF – Súmula 568 – A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente. • STF – Súmula Vinculante 14 – É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. • STJ – Súmula 234 – A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta seu impedimento ou suspeição para o oferecimento de denúncia. • STJ – Súmula 444 – É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base. 3. Ação Penal • STF – Súmula 524 – Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas. • STF – Súmula 554 – O pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal • STF – Súmula 594 – Os direitos de queixa e de representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal. • STF – Súmula 609 – É pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal. � SÚMULAS APLICÁVEIS 1. Princípios e Garantias • STF – Súmula 523 – No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu. • STF – Súmula 716 – Admite-se a progessão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata do regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. STF – Súmula Vinculante 14 – É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa. Direito Processual Penal 505 14. Execução Penal • • STF – Súmula 611 – Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna. STF – Súmula 700 – É de cinco dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz da execução penal. � INFORMATIVOS APLICÁVEIS 1. Princípios e Garantias � Duplo julgamento pelo mesmo fato: “bis in idem” e coisa julgada A ação instaurada posteriormente jamais poderia ter existido, seria nula em razão da litispendência, e que apenas a primeira teria validade no mundo jurídico, independentemente da pena cominada em ambos os processos. Destarte, retirar-se-ia uma das condenações, em favor do agente, ou seja, a segunda. HC 101.131, red. p/ ac. Min. Marco Aurélio, J. 25.10.2011 (STF, Info 646). • STF – Súmula 715 – A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução. • STF – Súmula 716 – Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. • STF – Súmula Vinculante 5 – A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição. • STF – Súmula Vinculante 9 – O disposto no artigo 127 da Lei no 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite temporal previsto no caput do artigo 58. A designação do juiz prolator da pronúncia, em caráter exclusivo, pelo Presidente do Tribunal do Estado do Pará, mediante portaria, estaria fundamentada em Código Judiciário do Estado e no Regimento Interno daquele tribunal, o que não configuraria constrangimento ilegal. HC 86.604, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28.06.2011 (STF, Info 633). • STF – Súmula Vinculante 26 – Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico. � TRÁFICO DE DROGAS E LIBERDADE PROVISÓRIA • STJ – Súmula 192 – Compete ao juízo das execuções penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabeleciementos sujeitos à administração estadual. • STJ – Súmula 439 – Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada. • STJ – Súmula 441 – A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento condicional. • STJ – Súmula 471 – Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional. � Princípio do promotor natural e nulidade O postulado do promotor natural teria por escopo impedir que chefias institucionais do Ministério Público determinassem designações casuísticas e injustificadas, de modo a instituir a reprovável figura do “acusador de exceção”. HC 98.841, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.10.2011 (STF, Info 644). � Princípio do juiz natural: vacância e juiz instrutor Discorreu-se que ambas as Turmas do STF teriam consolidado, inicialmente, entendimento no sentido de que não seria cabível liberdade provisória aos crimes de tráfico de entorpecentes, em face da expressa previsão legal. Entretanto, ressaltou-se que a 2ª Turma viria afastando a incidência da proibição em abstrato. Reconheceu-se a inafiançabilidade destes crimes, derivada da Constituição (art. 5º, XLIII). Asseverou-se, porém, que essa vedação conflitaria com outros princípios também revestidos de dignidade constitucional, como a presunção de inocência e o devido processo legal. Demonstrou-se que esse empecilho apriorístico de concessão de liberdade provisória seria incompatível com estes postulados. Ocorre que a disposição do art. 44 da Lei 11.343/2006 retiraria do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos de necessidade da custódia cautelar, a incorrer em antecipação de pena. Frisou-se que a inafiançabilidade do delito de tráfico de entorpecentes, estabelecida constitucionalmente, não significaria óbice à liberdade provisória, considerado o conflito do inciso XLIII com o LXVI (“ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”), ambos do art. 5º da CF. Concluiu-se que a segregação cautelar — mesmo no tráfico ilícito de entorpecentes — deveria ser analisada assim como ocorreria nas demais constrições cautelares, relativas a outros delitos dispostos no ordenamento. Impenderia, portanto, a apreciação dos motivos da decisão que denegara a liberdade provisória ao paciente do presente writ, no intuito de se verificar a presença dos requisitos do art. 312 do CPP. Salientou-se que a idoneidade de decreto de prisão processual exigiria a especificação, de modo fundamentado, dos elementos autorizadores da medida (CF, 506Ricardo Silvares art. 93, IX). Verificou-se que, na espécie, o juízo de origem, ao indeferir o pedido de liberdade provisória formulado pela defesa, não indicara elementos concretos e individualizados, aptos a justificar a necessidade da constrição do paciente, mas somente aludira à indiscriminada vedação legal. Entretanto, no que concerne ao alegado excesso de prazo na formação da culpa, reputou-se que a tese estaria prejudicada, pois prolatada sentença condenatória confirmada em sede de apelação, na qual se determinara a continuidade da medida acauteladora, para a garantia da ordem pública. HC 104339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.5.2012. (STF, Info 665). da Lei 9.613/98, na hipótese de demonstração de que os crimes de lavagem de capital teriam sido perpetrados de modo habitual e reiterado. Inq 2.471, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 29.09.2011 (STF, Info 642). � Inquérito policial: sigilo e direito de vista Direito do réu em conhecer o grau de formação profissional do perito criminal (agente auxiliar do poder judiciário) – prerrogativa que se compreende na fórmula constitucional da plenitude do direito de defesa. AP 470 Décimo Quinto AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 12.05.2011 (STF, Info 626). � Identidade física. Juiz. Processo penal � Condução coercitiva de pessoa à delegacia O princípio da identidade física do juiz, aplicável no processo penal com o advento do § 2º do art. 399 do CPP, incluído pela Lei 11.719/08, pode ser excetuado nas hipóteses em que o magistrado que presidiu a instrução encontra-se afastado por um dos motivos dispostos no art. 132 do CPC – aplicado subsidiariamente, conforme permite o art. 3º do CPP, em razão da ausência de norma que regulamente o referido preceito em matéria penal. HC 133.407, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 03.02.2011 (STJ, Info 461). Os agentes policiais, sob o comando de autoridade competente (CPP, art. 4º), possuiriam legitimidade para tomar todas as providências necessárias, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. Observou-se que seria desnecessária a invocação da teoria dos poderes implícitos. Não há cerceamento ao direito de defesa quando magistrado, de forma fundamentada, lastreada em elementos de convicção existentes nos autos, indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória. HC 107.644, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.09.2011 (STF, Info 639). � MEDIDA DE SEGURANÇA. FUNDAMENTAÇÃO. EXECUÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. Em retificação à nota do HC 226.014-SP (Informativo n. 495, divulgado em 25/4/2012), leia-se: A medida de segurança é uma espécie de sanção penal, ao lado da pena, logo não é cabível, no ordenamento jurídico, sua execução provisória, à semelhança do que ocorre com a pena aplicada aos imputáveis. A custódia cautelar só pode ser decretada antes da sentença definitiva, se estiverem presentes os requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP e for devidamente fundamentada. Esse entendimento foi fixado pelo STF em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência. No caso, verificou-se a ilegalidade da medida cautelar; pois, como o paciente encontrava-se em liberdade durante a tramitação da apelação e não foi fundamentada a necessidade da imediata aplicação da medida de segurança de internação, tem ele o direito de aguardar em liberdade até o trânsito em julgado da sentença. Tal interpretação se extrai da LEP; pois, consoante o exposto nos arts. 171 e 172, a guia para a internação do apenado em hospital psiquiátrico ou para sua submissão a tratamento ambulatorial será expedida somente após o trânsito em julgado da decisão que aplicar a medida de segurança. Precedentes citados do STF: HC 84.078-MG, DJe 26/2/2010; HC 98.166-MG, DJe 18/6/2009; HC 90.226-SP, DJe 14/5/2009; do STJ: HC 103.429-SP, DJe 23/3/2009, e HC 148.976-PR, DJe 28/6/2010. HC 226.014-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 19.04.2012 (STJ, Info 496). 2. Inquérito Policial e outros procedimentos investigatórios � Inquérito e lavagem de capitais O elevado número de agentes demanda complexa dilação probatória a justificar o desmembramento do feito. Ademais, salvo hipóteses excepcionais, onde a conduta dos agentes esteja imbricada de tal modo que torne por demais complexo individualizar a participação de cada um dos envolvidos, é de se desmembrar o feito em relação aos que não possuem foro perante o STF. Inexiste empecilho para a exacerbação da pena, com base no § 4º do art. 1º � MINISTÉRIO PÚBLICO E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade da realização de procedimento investigatório criminal pelo Ministério Público. O acórdão impugnado dispusera que, na fase de recebimento da denúncia, prevaleceria a máxima in dubio pro societate, oportunidade em que se possibilitaria ao titular da ação penal ampliar o conjunto probatório. Sustenta o recorrente que a investigação realizada pelo parquet ultrapassaria suas atribuições funcionais constitucionalmente previstas, as quais seriam exclusivas da polícia judiciária — v. Informativo 671. O Min. Gilmar Mendes, acompanhado pelos Ministros Celso de Mello, Ayres Britto, Presidente, e Joaquim Barbosa, negou provimento ao recurso. Ressaltou que a 2ª Turma reconhecera, de forma subsidiária, o poder de investigação do Ministério Público, desde que atendidos os requisitos estabelecidos no inquérito criminal, inclusive quanto à observância da Súmula Vinculante 14. Destacou ser imperioso observar: a) ritos claros quanto à pertinência do sujeito investigado; b) formalização do ato investigativo; c) comunicação imediata ao Procurador-Chefe ou ao Procurador-Geral; d) autuação, numeração, controle, distribuição e publicidade dos atos; e) pleno conhecimento da atividade de investigação à parte; f) princípios e regras que orientariam o inquérito e os procedimentos administrativos sancionatórios; g) ampla defesa, contraditório, prazo para a conclusão e controle judicial. Verificou que seria lícita a investigação do parquet nos crimes praticados por policiais e contra a Administração Pública. Além disso, a 2ª Turma teria reconhecido a higidez da atividade complementar de investigação quando o órgão ministerial solicitasse documentação, como no caso dos autos, em que a mera aferição de documentos para saber se teria havido, ou não, a quebra da ordem de precatórios acarretaria desobediência. RE 593727/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 27.06.2012. (Info 672). � Condenação. Prova. Inquérito 1. A função do inquérito é fornecer elementos tendentes à abertura da ação penal, a exemplo do que reza o art.