Direito Processual Penal

Transcrição

Direito Processual Penal
Direito Processual Penal289
Direito
Processual
Penal
Ricardo Silvares
� QUESTÕES
1. Princípios e Garantias
• CF, art. 5º
• Decreto 678/1992 (Convenção Americana de Direitos Humanos)
01.
(UEG – Delegado de Polícia – GO/2013)
Sobre o direito de defesa, tem-se que
a) a defesa técnica é indispensável, na medida
em que, mais do que garantia do acusado, é
condição de paridade de armas, imprescindível
à concreta atuação do contraditório.
b) constitui nulidade relativa, violadora do princípio da ampla defesa, a nomeação de defensor
dativo sem intimação do réu para constituir
novo defensor, em virtude da renúncia do advogado.
c) na investigação criminal, a defesa é imprescindível, uma vez que, nessa fase, são assegurados
o contraditório, a ampla defesa e a assistência
do advogado ao preso em flagrante.
d) a autodefesa, composta pelo direito de audiência e pelo direito de presença, é dispensável
pelo juiz, mas dela o acusado não poderá
renunciar, devendo a ele ser imposta.
COMENTÁRIOS 
Alternativa correta: letra “A”: a defesa pessoal
é facultativa, tanto que o imputado pode, durante
toda a persecução penal, permanecer calado. Porém,
a defesa técnica – por advogado ou defensor público
– é imprescindível, sob pena de nulidade absoluta.
É garantia constitucional, prevista no inciso LV do
art. 5º da CF (“aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegu-
rados o contraditório e ampla defesa, com os meios
e recursos a ela inerentes”). No conceito de ampla
defesa, não pode ficar de fora a ideia de ter o imputado possibilidade de responder à acusação por
intermédio de defensor técnico. Tanto que o art. 263,
caput, assegura que, se o acusado não tiver defensor,
“ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado
o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de
sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso
tenha habilitação”. O STF, por sinal, entende que:
“No processo penal, a falta da defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se
houver prova de prejuízo para o réu” (Súmula 523).
Alternativa “B”: entendemos haver nulidade
absoluta nesse caso, já que tem o acusado o direito
de escolher sua defesa técnica. Somente no caso de
não ser localizado ou, intimado, quedar-se inerte,
ou ainda não ter condições de constituir advogado,
deverá o juiz nomear defensor dativo. Nesse sentido,
decisão do STJ: “HABEAS CORPUS. JULGAMENTO DA
APELAÇÃO. ABANDONO (OU RENÚNCIA) DO ADVOGADO. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO AO CLIENTE
OU AO TRIBUNAL. CERTIFICAÇÃO DE TRÂNSITO
EM JULGADO. NULIDADE ABSOLUTA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. DEVOLUÇÃO
DO PRAZO. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO
DA PRETENSÃO PUNITIVA EM RELAÇÃO A UM DOS
DELITOS. 1. Segundo o disposto no art. 261 do
CPP, nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor. 2.
"Constitui nulidade absoluta, por evidente cerceamento de defesa, a falta de intimação do réu sobre
a renúncia de seu advogado, para que possa substituí-lo por outro de sua confiança ou, ao menos, caso
assim não proceda, para que lhe possa ser nomeado
um defensor dativo" (HC 69.644/SP, Relatora Ministra
Laurita Vaz, DJ de 28.5.07). (…)” (HC 41.655-AC, Rel.
Min. Og Fernandes, j. 11.12.2009).
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Alternativa “C”: entendemos que é garantida a
ampla defesa mesmo na fase de investigação, mas
não o contraditório, que incide exclusivamente na
fase judicial. Porém, na fase de investigação, não é
imprescindível a defesa, já que o imputado pode
permanecer calado (deixando de exercer a defesa
pessoal) e não precisa fazer-se acompanhar de advogado.
Alternativa “D”: o acusado pode renunciar à
autodefesa, tanto que pode permanecer calado. No
entanto, deverá o juiz garantir a realização do interrogatório, ainda que seja para o acusado declarar
seu desejo de não responder a qualquer pergunta.
O interrogatório – momento da autodefesa do
acusado – é ato obrigatório do processo, salvo se o
imputado não comparecer à audiência, tendo sido
regularmente intimado.
02.
(Delegado de Polícia – SP/ 2011 –
ACADEPOL) A respeito da entrevista do
preso em flagrante com seu advogado, é correto
afirmar.
a) É assegurada, de forma reservada, até mesmo
antes do seu interrogatório.
b) Poderá ocorrer, antes do interrogatório, em
presença da autoridade policial.
c)Poderá ocorrer, reservadamente,
emissão da nota de culpa.
após
a
d)Antes do interrogatório, somente poderá
ocorrer em presença do condutor do preso.
e) Trata-se de direito processual, não aplicável na
fase inquisitiva.
COMENTÁRIOS 
 Nota do autor: o inciso LXIII do art. 5º da CF
garante que “o preso será informado de seus direitos,
entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe
assegurada a assistência da família e de advogado”.
Vejamos, nos comentários abaixo, as consequências
de tal garantia.
Alternativa correta: letra “A”: se tem o preso
o direito de assistência de advogado quando for
preso, obviamente tal assistência inclui o de receber
a devida orientação jurídica do citado profissional.
Para tanto, deve ser garantida uma entrevista
reservada entre preso e advogado (art. 7º, III, Lei
8.906/1994 – Estatuto da Advocacia e da OAB), de
preferência antes do interrogatório, para que realmente tal garantia tenha alguma aplicação prática,
pensando-se em outro princípio – que, de certo
modo, abarca tal garantia –, qual seja, o da ampla
defesa: o profissional poderá orientar o preso quanto
ao que declarar ou não em seu interrogatório e até
mesmo sobre eventual vantagem do silêncio.
Alternativa “B” (responde, também, a alternativa “D”): a entrevista deve ser reservada, como
estabelece o art. 7º, III, da Lei 8.906/1994.
Alternativa “C”: a emissão da nota de culpa se
dá depois do interrogatório. Portanto, a entrevista
e a orientação do advogado deve anteceder tal
momento.
Alternativa “E”: tal direito é aplicável a todas as
fases da persecução penal.
03.
(Delegado de Polícia – SP/ 2011 –
ACADEPOL) Historicamente, o processo
penal acusatório distinguia-se do inquisitório
porque enquanto o primeiro era
a) escrito e público, o segundo era oral e sigiloso.
b) escrito e sigiloso, o segundo era oral e público.
c) misto (oral e escrito), o segundo era exclusivamente oral.
d) oral e público, o segundo era escrito e sigiloso.
e) oral e sigiloso, o segunde era escrito e público.
COMENTÁRIOS 
 Nota do autor: adotando as lições de Ada
Pellegini Grinover (A iniciativa instrutória do juiz no
processo penal acusatório, Revista Brasileira de Ciências Criminais, nº 27, 1999), no sistema acusatório “as
funções de acusar, defender e julgar são atribuídas
a órgãos distintos”, enquanto no sistema inquisitório “as funções estão reunidas e o inquisidor deve
proceder espontaneamente. É só no processo acusatório que o juízo penal é o actum trium personarum
(...), enquanto no processo inquisitório a investigação unilateral a tudo se antepõe (...)”. No sistema
acusatório, os elementos de informação colhidos
na fase pré-judicial servem apenas para o convencimento do órgão acusatório, normalmente não
podendo fazer parte do processo ou ser valorados
pelo julgador como provas. Além disso, no sistema
acusatório “o exercício da jurisdição depende de
acusação formulada por órgão diverso do juiz (...)” e
“todo o processo deve desenvolver-se em contraditório pleno, perante o juiz natural”.
Alternativa correta: letra “D” (responde
todas as demais alternativa): o processo acusatório caracteriza-se pela separação das figuras do
acusador e do julgador e, na fase pré-processual,
pela separação do investigador e do julgador. Corolário do sistema acusatório é a oralidade – embora,
pode-se ter processo acusatório com menor características de oralidade – e a publicidade. O sistema
inquisitório, por outro lado, normalmente deixa de
lado a oralidade e caracteriza-se pelo sigilo, inclusive
em relação ao acusado.
Direito Processual Penal 291
04.
(Delegado de Polícia – MT/ 2010 –
UNEMAT) Assinale a alternativa que destoa
do sistema acusatório encampado pelo Código de
Processo Penal.
Alternativa “E”: é uma exigência da CF (art. 93,
IX, CF) a fundamentação das decisões judiciais, não
havendo qualquer incompatibilidade com o princípio acusatório.
a) Isonomia Processual.
05.
b) Ampla defesa.
c) Presunção de inocência.
d) Produção de provas ex officio pelo juiz em fase
inquisitiva.
e) Obrigatoriedade de motivação das decisões
judiciais.
(Delegado de Polícia – PI/ 2009 –
NUCEPE) Considerando os princípios do
processo penal, pode-se dizer que não se aplica às
ações penais de iniciativa privada:
a) o princípio da legalidade.
b) o princípio da indisponibilidade.
c) o princípio da demanda.
COMENTÁRIOS 
 Nota do autor: basicamente, o sistema acusatório pressupõe uma separação entre as funções de
acusar e julgar, bem como de investigar e julgar.
Trata-se, segundo a maioria da doutrina, de princípio
aplicável ao processo penal brasileiro, decorrente da
própria CF.
Alternativa correta: letra “D”: no sistema
acusatório, o juiz não pode produzir provas na fase
inquisitiva, pré-processual, salvo se houver necessidade de antecipação, nos termos do art. 156, I, do
CPP. É verdade que tal dispositivo prevê que o juiz
poderá determinar a produção da prova, de ofício,
antes de iniciada a ação penal. Porém, pensamos
ser tal permissão legal inconstitucional, eis que
colido frontalmente com o princípio acusatório.
Nada impede, porém, que haja a produção de
prova, desde que requerida pelo Ministério Público.
Note-se que, coerentemente com tal princípio, o CPP
impede que o juiz decrete, de ofício, prisão preventiva na fase investigativa.
Alternativa “A”: a igualdade entre as partes
no processo é almejada no processo, sendo característica do devido processo legal, não destoando,
portanto, do sistema acusatório.
Alternativa “B”: a ampla defesa é garantia constitucional (art. 5º, LV), sendo princípio complexo,
incluindo o direito à autodefesa, o direito à defesa
técnica, o direito à produzir provas, o direito de
presença aos atos do processo; o direito de postular
pessoalmente; o direito de audiência etc. Não é, por
óbvio, destoante do princípio acusatório.
Alternativa “C”: tal princípio decorre do art.
5º, LVII, da CF. Significa que ninguém pode ser
considerado culpado antes que advenha sentença
penal condenatória com trânsito em julgado. Disso
decorrem diversas consequências, sendo importante sublinhar: a) o acusado não tem que provar sua
inocência, cabendo a prova da culpabilidade à parte
acusadora; b) não é possível execução provisória da
pena, a não ser para fins de progressão de regime ou
aplicação de regime menos severo (v. STF, Súmulas
716 e 717). Não destoa do sistema acusatório.
d) o princípio da paridade de armas.
e) o princípio da oportunidade.
COMENTÁRIOS 
Alternativa correta: letra “B”: o princípio da
indisponibilidade somente se aplica às ações penais
públicas. Segundo ele, uma vez proposta a ação
penal pública pelo Ministério Público, este não pode
dela desistir. O princípio encontra-se gravado no
CPP, em seu art. 42 (“O Ministério Público não poderá
desistir da ação penal”).
Alternativa “A”: o princípio da legalidade
aplica-se às ações penais privadas, devendo ser
observados os procedimentos trazidos pela lei,
somente sendo cabíveis tais ações nos casos expressamente previstos na legislação penal e processual.
Alternativa “C”: pelo princípio da demanda
(também chamado de princípio dispositivo, ou da
ação, ou da iniciativa das partes), a atividade jurisdicional deve ser provocada por meio da ação, o
que se aplica, por óbvio, também às ações penais
privadas, já que o juiz não pode instaurá-las de ofício.
Alternativa “D”: o princípio da paridade de
armas (ou da igualdade entre as partes) significa que
a Defesa deve ter os mesmos direitos, no processo,
que o Ministério Público e vice-versa. É a igualdade
formal, que decorre do art. 5º, caput, da CF. Mas, há a
necessidade também da igualdade substancial, com
a criação de mecanismos que garanta, efetivamente,
a igualdade entre as partes no processo, já que a
realidade mostra que, a prática, há desigualdade
de forças entre o acusado – ou a maioria deles, que
não possuem recursos para bancar, por exemplo,
assistentes técnicos ou investigações privadas – e
o Ministério Público. Alguns mecanismos foram
criados, como no caso dos embargos infringentes
(só possível para a Defesa) e a revisão criminal (já
que é vedada a revisão pro societate, ou seja, revisão
só a favor do acusado). Naturalmente, aplica-se o
princípio a todo o processo penal, incluindo às ações
penais privadas.
292Ricardo Silvares
Alternativa “E”: o princípio da oportunidade
aplica-se às ações penais privadas, pois cabe ao seu
legitimado decidir se ingressa ou não em juízo com
a ação. É o contrário do princípio da obrigatoriedade, aplicável às ações penais públicas, em que o
Ministério Público é obrigado a oferecer a denúncia,
se presentes provas do fato e indícios suficientes de
autoria e ausentes causas de exclusão da ilicitude.
06.
(Delegado de Polícia – RJ/ 2009 –
CEPERJ) Segundo o professor Canotilho,
a densificação do sentido constitucional dos
direitos, liberdades e garantias é mais fácil do que
a determinação do sentido específico do enunciado
“dignidade da pessoa humana”. O eminente constitucionalista português afirma que pela análise
dos direitos fundamentais, constitucionalmente
consagrados, deduz-se que a raiz antropológica se
reconduz ao homem como pessoa, como cidadão,
como trabalhador e como administrado (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7ª edição, Almedina, 2003, p. 249).
Sobre a busca por uma “integração pragmática”
do princípio da dignidade humana é correto
afirmar:
a) A teoria dos três componentes é adequada
às sugestões normativas da Constituição.
Compõem a dignidade humana: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) o
livre desenvolvimento da personalidade; 3) a
garantia da autonomia individual através da
vinculação dos poderes públicos a conteúdo,
formas e procedimentos do Estado de Direito.
Por tal razão o indiciado não pode ser algemado.
b) A teoria dos cinco componentes é adequada
às sugestões normativas da Constituição.
Compõem a dignidade humana: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) o livre
desenvolvimento da personalidade; 3) a libertação da angustia da existência; 4) a garantia da
autonomia individual através da vinculação dos
poderes públicos a conteúdo, formas e procedimentos do Estado de Direito; 5) na igualdade
de tratamento perante a lei. Decorre daí que
o sigilo no inquérito policial não visa apenas à
função utilitarista para assegurar a eficiência
da investigação, mas também a tutela da dignidade do indiciado.
c) A teoria dos quatro componentes é adequada
às sugestões normativas da Constituição.
Compõem a dignidade humana: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) o
livre desenvolvimento da personalidade; 3) a
garantia da autonomia individual através da
vinculação dos poderes públicos a conteúdo,
formas e procedimentos do Estado de Direito;
4) na igualdade de tratamento perante a lei.
Decorre daí a necessidade de se garantir o sigilo
total do inquérito policial.
d) A dignidade humana tem sua densificação em
dois elementos: 1) a integridade física e espiritual do homem; 2) a garantia da autonomia
individual através da vinculação dos poderes
públicos a conteúdo, formas e processos do
Estado de Direito, não se aplicando ao inquérito
por ser este um procedimento administrativo
desprovido de contraditório.
e) O princípio da dignidade humana é norma
programática, ou seja, sua eficácia é limitada
e consiste em inspirar os programas estatais
inclusive à atividade legislativa relativamente
ao processo penal.
COMENTÁRIOS 
 Nota do autor: a questão lida com tema dos
mais complexos, mais afeto ao direito constitucional,
que irradia seus efeitos por todo o ordenamento,
inclusive, por óbvio, o processo penal. Não se trata
apenas de norma programática, como afirma a alternativa “E”, mas verdadeiro fundamento do Estado
brasileiro (art. 1º, III, CF). Nos limitaremos a comentar
a alternativa correta, pois esgota o assunto, como
veremos.
Alternativa correta: letra “B”: Canotilho apresenta, em seguida ao trecho acima transcrito, a
teoria dos cinco componentes do constitucionalista
alemão Plotlech. Diz o grande jurista português, na
sequência do trecho já transcrito: “Quanto à dignidade da pessoa humana, a literatura mais recente
procura evitar um conceito ‘fixista’, filosoficamente
sobrecarregado (dignidade humana em sentido
‘cristão e/ou cristológico’, em sentido ‘humanista-iluminista’, em sentido ‘marxista’, em sentido ‘sistémico’,
em sentido ‘behaviorista’). Nesta perspectiva, tem-se
sugerido uma ‘integração pragmática’, susceptível
de ser condensada da seguinte forma: (1) Afirmação
da integridade física e espiritual do homem como
dimensão irrenunciável da sua individualidade
autonomamente responsável (…). (2) Garantia da
identidade e integridade da pessoa através do livre
desenvolvimento da personalidade (…). (3) Libertação da ‘angústia da existência’ da pessoa mediante
mecanismos de socialidade, dentre os quais se
incluem a possibilidade de trabalho e a garantia de
condições existenciais mínimas (…). (4) Garantia e
defesa da autonomia individual através da vinculação dos poderes públicos a conteúdos, formas e
procedimentos do Estado de direito. (5) Igualdade
dos cidadãos, expressa na mesma dignidade social
e na igualdade de tratamento normativo, (…), isto é,
igualdade perante a lei. Esta ‘teoria de cinco-componentes’ (PODLECH) parece adequada às sugestões
Direito Processual Penal 293
normativas da constituição e ao contexto jurídicocultural”. A afirmativa vai além e considera que o
sigilo do inquérito existe não somente para proteção
das informações contra o investigado, mas também,
em razão da dignidade humana, para também
protegê-la.
07.
(Delegado de Polícia – RJ/ 2009 – CEPERJ)
Dois acórdãos paradigmáticos do STF
afirmam o seguinte: HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA “EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA”. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que “o
recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e
uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para
a execução da sentença”. A Lei de Execução Penal
condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em
seu art. 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado
culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”. 2. Daí a conclusão de que os preceitos
veiculados pela Lei n. 7.210/84, além de adequados
à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se,
temporal e materialmente, ao disposto no art. 637
do CPP. 3. Disso resulta que a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser
decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não
se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas
as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso, a execução da sentença
após o julgamento do recurso de apelação significa,
também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de
aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa
pré-pretensão. 5. A antecipação da execução penal,
ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da
conveniência dos magistrados – não do processo
penal. A prestigiar-se o princípio constitucional,
dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários, e
subsequentes agravos e embargos, além do que
“ninguém mais será preso”. Eis o que poderia ser
apontado como incitação à “jurisprudência defensiva”, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo
amputa garantias constitucionais. A comodidade, a
melhor operacionalidade de funcionamento do STF,
não pode ser lograda a esse preço. 6. Nas democracias, mesmo os criminosos são sujeitos de direitos.
Não perdem essa qualidade, para se transformarem
em objetos processuais. São pessoas inseridas entre
aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional
da sua dignidade. É inadmissível a sua exclusão
social, sem que sejam consideradas, em quaisquer
circunstâncias, as singularidades de cada infração
penal, o que somente se pode apurar plenamente
quando transitada em julgado a condenação de
cada qual Ordem concedida. (STF, HC 85417,
02/09/08, Rel. para o acórdão Min. Eros Graus).
A privação cautelar da liberdade individual
reveste-se de caráter excepcional, somente devendo
ser decretada ou mantida em situações de absoluta
necessidade. A prisão cautelar, para legitimar– se
em face de nosso sistema jurídico, impõe – além da
satisfação dos pressupostos a que se refere o art.
312 do CPP (prova da existência material do crime
e presença de indícios suficientes de autoria) – que
se evidenciem, com fundamento em base empírica
idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade
dessa extraordinária medida cautelar de privação
da liberdade do indiciado ou do réu. – A questão da
decretabilidade ou manutenção da prisão cautelar.
Possibilidade excepcional, desde que satisfeitos os
requisitos mencionados no art. 312 do CPP. Necessidade da verificação concreta, em cada caso, da
imprescindibilidade da adoção dessa medida extraordinária. Precedentes. A MANUTENÇÃO DA PRISÃO
EM FLAGRANTE – ENQUANTO MEDIDA DE NATUREZA CAUTELAR – NÃO PODE SER UTILIZADA COMO
INSTRUMENTO DE PUNIÇÃO ANTECIPADA DO INDICIADO OU DO RÉU. – A prisão cautelar não pode – e
não deve – ser utilizada, pelo Poder Público, como
instrumento de punição antecipada daquele a quem
se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas,
prevalece o princípio da liberdade, incompatível
com punições sem processo e inconciliável com
condenações sem defesa prévia. A prisão cautelar
– que não deve ser confundida com a prisão penal
– não objetiva infligir punição àquele que sofre
a sua decretação, mas destina-se, considerada a
função cautelar que lhe é inerente, a atuar em benefício da atividade estatal desenvolvida no processo
penal. A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO
CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO
CAUTELAR DA LIBERDADE. – A natureza da infração
penal não constitui, só por si, fundamento justificador da decretação da prisão cautelar daquele que
sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado.
Precedentes. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO, NO
CASO, DA NECESSIDADE CONCRETA DE MANTER-SE
A PRISÃO EM FLAGRANTE DO PACIENTE. – Sem que
se caracterize situação de real necessidade, não se
legitima a privação cautelar da liberdade individual
do indiciado ou do réu. Ausentes razões de necessidade, revela-se incabível, ante a sua excepcionalidade, a decretação ou a subsistência da prisão
cautelar. O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA
PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO
TRATE, COMO SE CULPADO FOSSE, AQUELE QUE
AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL. – A prerrogativa jurídica da liberdade – que
possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV)
– não pode ser ofendida por interpretações doutri-
294Ricardo Silvares
nárias ou jurisprudenciais, que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam
por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de
direitos e garantias fundamentais proclamados pela
Constituição da República, a ideologia da lei e da
ordem. – Mesmo que se trate de pessoa acusa da da
suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível,
não se revela possível – por efeito de insuperável
vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumirlhe a culpabilidade. No sistema jurídico brasileiro,
não se admite, por evidente incompatibilidade com
o texto da Constituição, presunção de culpa em sede
processual penal. Inexiste, em consequência, no
modelo que consagra o processo penal democrático,
a possibilidade jurídico-constitucional de culpa por
mera suspeita ou por simples presunção. – Ninguém
pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a
natureza do ilícito penal cuja prática lhe tenha sido
atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão
judicial condenatória transitada em julgado. O princípio constitucional da presunção de inocência, em
nosso sistema jurídico, consagra, além de outras
relevantes consequências, uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se
comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao
denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem
sido condenados, definitivamente, por sentença do
Poder Judiciário. Precedentes. Precedentes (STF, HC
93056, 16/12/2008, Ministro Celso de Mello).
Da leitura dos arestos supra pode-se dizer que
o Desenho Constitucional do Processo Penal
brasileiro tem cariz:
a)utilitarista
b)garantista
c) instrumentalista (instrumentalidade das formas)
d)finalista
e)positivista
COMENTÁRIOS 
 Nota do autor: a alternativa correta é a letra
“B”. Muito se fala em garantismo, mas pouco se
explica tal questão. Assim, entendemos que é extremamente importante explicarmos tal ideia, que, por
si, resolverá toda a questão. Por sinal, abordaremos
os temas de todas as alternativas abaixo.
Alternativa correta: letra “B”: o grande nome
quando se fala em garantismo é o do italiano Luigi
Ferrajoli, que escreveu importante e densa obra com
título principal “Direito e Razão”, já traduzida para
nossa língua. Resumindo tal complexa obra neste
espaço limitado, pode-se dizer que Ferrajoli traz
um modelo penal garantista, tratando o garantismo
sob três perspectivas: da racionalidade, da justiça
e da legitimidade da intervenção do Estado na
esfera punitiva. Do ponto de vista da racionalidade,
o garantismo “designa um modelo normativo de
direito, relacionado com o Direito Penal, um modelo
de estreita legalidade, que, sob o plano epistemológico, caracteriza-se como um sistema cognitivo. Sob
o plano político, o modelo normativo caracteriza-se
como uma técnica de tutela idônea a minimizar a
violência e a maximizar a liberdade. E sob o plano
jurídico, como um sistema de vínculos impostos ao
poder punitivo do Estado para garantia dos direitos
dos cidadãos (...). O segundo significado de garantismo designa uma teoria jurídica da validade e da
efetividade como categorias distintas entre si, mas
também entre a existência o vigência das normas.
O garantismo opera como doutrina jurídica de
legitimação interna do Direito Penal, que demanda
do jurista uma constante revisão crítica acerca das
leis vigentes, tanto do ponto de vista do direito
válido como efetivo (...). O terceiro e último significado de garantismo designa uma filosofia política,
que pressupõe a separação entre direito e moral,
entre validade e justiça, entre ser e dever-ser (...)”
(Bechara, Fábio Ramazzini. Garantia constitucional
do processo justo: eficiência e garantismo. In: Revista
do Advogado, ano XXXII, n. 117, AASP, p. 85). Os dois
acórdãos citados na questão trazem reflexos do
garantimos, já que buscam assegurar a observância
dos direitos fundamentais, incrustados em princípio
dos mais relevantes: o princípio da presunção da
inocência. Notem que os dois julgados procuram dar
a maior amplitude possível a tal princípio, sobretudo
no primeiro caso, deixando claro que deve prevalecer ao que dispõe a lei ordinária: pouco importa
que se saiba não terem os recursos especial e extraordinário efeito suspensivo, já que, no campo penal,
não haverá execução da pena antes do trânsito em
julgado e, assim, a prisão, antes disso, não será pena,
mas custódia cautelar. No campo do processo penal,
a obra de Ferrajoli é muito rica, trazendo importantes considerações sobre as provas e seus objetivos, deixando claro que o processo garantista não
pode ser decisionista, mas um sistema cognitivo:
o juiz decide desse ou daquele modo não porque
tem poder, mas porque segue um modelo racional
de valoração da prova, amparado por modelos
legais de meios de produção da prova. Enfim,
como dissemos, a matéria é muito rica e complexa,
mas deixamos este breve resumo. Se a perspectiva
dos arestos citados fosse utilitarista, não teriam as
preocupações neles vistas. Tomemos um exemplo:
a pena de morte. Pode-se adotar uma posição – de
certo modo, mais próxima do garantismo – e assim
afirmar: a pena de morte não deve existir porque
não se deve matar ninguém e tal vedação aplicase ao Estado. É a posição, por exemplo, de Bobbio.
Ou pode-se adotar uma posição utilitarista e dizer:
devemos adotar a pena de morte, já que no país “x”
foi adotada e funcionou. Sob o ponto de vista da
Direito Processual Penal 295
instrumentalidade das formas, se o ato processual
atingiu seu objetivo, deve ser considerado válido.
Assim, não guarda relação com os arestos. O mesmo
pode-se afirmar quanto ao finalismo, doutrina ligada
ao Direito Penal (v. Welzel). Em relação ao positivismo, pode-se dizer que os acórdãos fogem de
uma perspectiva de análise pura da norma, pois, do
contrário, o primeiro aresto chegaria à conclusão de
que o recurso especial ou extraordinário não impediria a execução da pena, que é o afirmado pela lei.
No entanto, chega a uma outra conclusão, analisando um princípio constitucional, o da presunção
de inocência.
08.
(Delegado de Polícia – RJ/ 2009 – CEPERJ)
Na precisa lição de Canotilho: a idéia de
reserva de jurisdição implica a reserva de juiz relativamente a determinados assuntos. Em sentido rigoroso, reserva de juiz significa que em determinadas
matérias cabe ao juiz não apenas a última palavra,
mas também a primeira (CANOTILHO, J. J. Gomes.
Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª
edição, Almedina, 2003, p.664).
Leia as afirmativas e marque a opção correta:
I.
Para o STF a cláusula constitucional da reserva
de jurisdição incide sobre determinadas matérias, a saber: a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI),
a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e
a decretação da prisão de qualquer pessoa,
ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º,
LXI). A reserva de jurisdição traduz a noção de
que, nesses temas específicos, assiste ao Poder
Judiciário não apenas o direito de proferir a
última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de dizer, desde logo, a primeira palavra,
excluindo-se, desse modo, por força e autoridade do que dispõe a própria Constituição, a
possibilidade do exercício de iguais atribuições,
por parte de quaisquer outros órgãos ou autoridades do Estado.
II. Para significativa parte da doutrina a cláusula
da reserva de jurisdição tem maior amplitude
ficando na exclusiva esfera do judiciário a deliberação não só sobre temas como a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF,
art. 5º, XII) e a decretação da prisão de qualquer
pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF,
art. 5º, LXI), como também os sigilos bancário,
fiscal e telefônico.
III. Para o STF, a cláusula de reserva de jurisdição
não alcança o sigilo telefônico.
IV. Os poderes de investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) não estão limitados
pela cláusula de reserva de jurisdição já que
o art. 58 § 3° da CRF/88 dispõe que elas terão
poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos
regimentos das respectivas Casas.
a) Apenas I e II estão corretas.
b) Apenas II e III estão corretas.
c) Apenas III e IV estão corretas.
d) Apenas a I está correta.
e) Apenas a I, II e III estão corretas.
COMENTÁRIOS 
Alternativa correta: letra “E”. Estão corretas as
afirmativas I, II e III.
Item I: certo. O STF não havia enfrentado a
questão de conceituar a reserva de jurisdição, o
fazendo em acórdão paradigmático, cujo trecho da
ementa de interesse para a questão é o seguinte:
“(...) POSTULADO CONSTITUCIONAL DA RESERVA
DE JURISDIÇÃO: UM TEMA AINDA PENDENTE DE
DEFINIÇÃO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O
postulado da reserva constitucional de jurisdição
importa em submeter, à esfera única de decisão
dos magistrados, a prática de determinados atos
cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política,
somente pode emanar do juiz, e não de terceiros,
inclusive daqueles a quem se haja eventualmente
atribuído o exercício de "poderes de investigação
próprios das autoridades judiciais". A cláusula constitucional da reserva de jurisdição – que incide sobre
determinadas matérias, como a busca domiciliar (CF,
art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII)
e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância (CF, art. 5º, LXI) – traduz
a noção de que, nesses temas específicos, assiste ao
Poder Judiciário, não apenas o direito de proferir a
última palavra, mas, sobretudo, a prerrogativa de
dizer, desde logo, a primeira palavra, excluindo-se,
desse modo, por força e autoridade do que dispõe
a própria Constituição, a possibilidade do exercício
de iguais atribuições, por parte de quaisquer outros
órgãos ou autoridades do Estado. Doutrina. – O princípio constitucional da reserva de jurisdição, embora
reconhecido por cinco (5) Juízes do Supremo
Tribunal Federal – Min. CELSO DE MELLO (Relator),
Min. MARCO AURÉLIO, Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,
Min. NÉRI DA SILVEIRA e Min. CARLOS VELLOSO
(Presidente) – não foi objeto de consideração por
parte dos demais eminentes Ministros do Supremo
Tribunal Federal, que entenderam suficiente, para
efeito de concessão do writ mandamental, a falta de
motivação do ato impugnado” (MS 23.452-RJ, Rel.
Min. Celso de Mello, j. 16.09.2009). Como se percebe,
tais noções coincidem com a exposta na afirmativa e
acabaram por constar da própria ementa do acórdão,
460Ricardo Silvares
estabelecimento prisional (art. 112, caput, LEP). Há
necessidade, isto sim, de prévias manifestações do
Ministério Público e do defensor (art. 112, § 1º).
produção e, por via de consequência, no convencimento do juiz. É por isso que o art. 155 do CPP
determina que o juiz deve formar sua convicção
pela livre apreciação da prova produzida em
contraditório judicial, não podendo fundamentar
sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação (pois na fase de
investigação, posto tenha a Defesa acesso aos
autos – STF, Súmula Vinculante 14 –, não vige o
contraditório), ressalvadas as provas cautelares,
não repetíveis e antecipadas. Nestes três últimos
casos ocorre o que a doutrina chama de “contraditório diferido”.
Alternativa “D”: o Conselho Penitenciário será
ouvido pelo juiz antes de conceder o livramento
condicional, conforme estipula o art. 131 da LEP,
não havendo a mesma exigência, como visto acima,
quanto à progressão de regime.
DICAS
1. Princípios e Garantias
•
•
CF, art. 5º
Decreto 678/1992 (Convenção Americana
de Direitos Humanos)
•
Princípio da presunção de inocência (ou da
não-culpabilidade ou do estado de inocência):
decorre do art. 5º, LVII, da CF. Significa que
ninguém pode ser considerado culpado antes
que advenha sentença penal condenatória com
trânsito em julgado. Disso decorrem diversas
consequências, sendo importante sublinhar: a)
o acusado não tem que provar sua inocência,
cabendo a prova da culpabilidade à parte acusadora; b) não é possível execução provisória
da pena, a não ser para fins de progressão de
regime ou aplicação de regime menos severo (v.
STF, Súmulas 716 e 717).
•
Princípio da ampla defesa: decorre do art.
5º, LV, da CF, que assegura a ampla defesa, aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, com os meios e
recursos a ela inerentes. Assim, todo acusado
tem direito à defesa técnica, devendo o Estado
providenciá-la, caso aquele não possa fazê-lo
(art. 5º, LXXIV, CF). O acusado também tem
direito à autodefesa, mas se trata de opção dele,
que pode ou não exercê-la (ou seja, o acusado
pode confessar o delito, negá-lo, silenciar a
respeito etc.). A defesa técnica deve ser efetiva
e a falta dela constitui nulidade absoluta. Já sua
insuficiência, de acordo com entendimento do
STF (Súmula 523), é causa de nulidade apenas
relativa, devendo ser demonstrado prejuízo ao
acusado. É importante observar que a Defesa
deve ter acesso à todas as provas dos autos e a
todas as informações nele disponíveis, inclusive
na fase policial (v. STF, Súmula Vinculante 14).
•
Princípio do contraditório: também chamado
por alguns de “princípio da bilateralidade da
audiência”, decorre do mesmo art. 5º, LV, da CF,
que o afirma ao lado da ampla defesa. Todas as
provas devem ser produzidas sob o contraditório, pois as partes tem o direito de presenciar
sua produção e, mais importante, de influir na
•
Princípio da paridade de armas (ou da igualdade de partes): a Defesa deve ter os mesmos
direitos, no processo, que o Ministério Público
e vice-versa. É a igualdade formal, que decorre
do art. 5º, caput, da CF. Mas, há a necessidade
também da igualdade substancial, com a
criação de mecanismos que garanta, efetivamente, a igualdade entre as partes no processo,
já que a realidade mostra que, a prática, há
desigualdade de forças entre o acusado – ou a
maioria deles, que não possuem recursos para
bancar, por exemplo, assistentes técnicos ou
investigações privadas – e o Ministério Público.
Alguns mecanismos foram criados, como no
caso dos embargos infringentes (só possível
para a Defesa) e a revisão criminal (já que é
vedada a revisão pro societate, ou seja, revisão
só a favor do acusado).
•
Princípios do juiz imparcial e do juiz natural:
decorrem de dois dispositivos da CF, quais
sejam, os incisos XXXVII (não haverá juízo
ou tribunal de exceção) e LIII (ninguém será
processado nem sentenciado senão pela autoridade competente) do art. 5º, sendo a garantia
do juiz imparcial implícita. Bastante explícito, a
nosso ver, é a garantia do juiz natural, já que os
dois dispositivos asseguram que sempre haverá
um juiz com competências previamente definidas, de modo que, ocorrendo um crime, já
se saberá qual magistrado deverá julgá-lo (na
realidade, já se saberá se deverá ser julgado
por vara especializada ou se deverá ocorrer
distribuição a uma das varas da comarca). Além
disso, nenhum tribunal especial não previsto
na CF poderá ser formado para julgar um caso
determinado.
•
Princípio da motivação: decorre da regra
decorre da regra do inciso IX do art. 93 do
texto constitucional (todos os julgamentos dos
órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em
determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos
Direito Processual Penal 461
quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação).. Isso inclui não somente
as decisões finais, mas também, segundo boa
parte da doutrina, as interlocutórias. Admitese, porém, sobretudo nos Tribunais Superiores,
que o juiz pode referir-se a argumentos do
Ministério Público ou o Tribunal pode referir-se
às razões de decidir do juiz de primeiro grau,
sendo isso suficiente. Os Tribunais Superiores
também vêm admitindo não ser necessária
fundamentação no recebimento da denúncia,
já que se está no início do processo e o recebimento implica em aceitação implícita dos
requisitos da denúncia.
•
•
Princípio da publicidade: também decorre
do inciso IX do art. 93 do texto constitucional
(todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas
todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos
quais a preservação do direito à intimidade do
interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação). Por isso, a Súmula
Vinculante 14 do STF, que dispôs ser direito
do defensor, no interesse do representado, ter
acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de
polícia judiciária, digam respeito ao exercício do
direito de defesa. De se notar que as restrições
à publicidade dos atos processuais são aquelas
acima mencionadas, podendo a lei infraconstitucional regulá-las, como faz o CPP no art. 782,
por exemplo. Não se considera haver qualquer
infringência à regra constitucional na chamada
“sala secreta” ou “sala especial” no Tribunal
do Júri (ou seja, a recolha dos jurados para a
votação, caso não seja possível a realização
desta no próprio Plenário, depois de esvaziado).
Princípio do duplo grau de jurisdição: não
possui previsão no texto da CF, mas é reconhecido pela doutrina com base no art. 8º, h, da
Convenção Americana de Direitos Humanos
(Pacto de São José da Costa Rica), referendado
pelo Decreto 678/1992. Há divergência no
Supremo Tribunal Federal quanto à natureza
jurídica das disposições da referida convenção,
havendo, de um lado, entendimento de que
teriam status de norma constitucional e, por
outro, de que teriam natureza supralegal. De
qualquer modo, os dispositivos da Convenção
integram nosso ordenamento jurídico. Mas, há
exceção evidente ao princípio: casos de competência originária dos Tribunais. Assim, por
exemplo, no caso de competência originária do
Supremo Tribunal Federal, não caberá recurso a
outro tribunal, pois este simplesmente inexiste.
•
Princípio da oficialidade: significa que os
órgãos responsáveis pela investigação e pela
ação penal pública são órgãos do Estado, com
funções públicas. No caso da ação penal pública,
a titularidade é privativa do Ministério Público,
conforme o disposto no art. 129, I, da CF, sendo
possível, apenas em caso de inércia de tal órgão,
a ação penal privada subsidiária da pública.
•
Princípio da obrigatoriedade: preenchidos
os requisitos legais, os órgãos incumbidos de
investigar e de promover a ação penal pública
são obrigados a fazê-lo. O Ministério Público,
por sinal, não pode desistir da ação ou de
recurso que tenha interposto, nem o Delegado
de Polícia pode arquivar o inquérito policial
(princípio da indisponibilidade). O princípio não se aplica à ação penal privada. A lei
somente autoriza que o Ministério Público deixe
de propor ação penal nos casos de crimes de
menor potencial ofensivo (Lei 9.099/1995), pois
há previsão de transação penal previamente ao
momento do oferecimento da denúncia. Aceita
a transação pelo autor do fato, a ação deixa de
ser proposta.
•
Princípio da duração razoável do processo:
trata-se de garantia do acusado, prevista no
inciso LXXVIII do art. 5º da CF. Não há previsão
legal sobre o que seja prazo razoável ou quais as
consequências da não observância da garantia.
No entanto, é certo que pode acarretar a
concessão da liberdade ao acusado que estiver
preso provisoriamente.
•
Princípio do devido processo legal (due
process ou law): decorre da previsão do art. 5º,
LIV, da CF (ninguém será privado da liberdade
ou de seus bens sem o devido processo legal).
Segundo a doutrina, divide-se em devido
processo legal substantivo (substantive due
process) e devido processo legal processual
(procedural due process). O primeiro significa que as leis devem ser razoáveis e racionais
quando se referem a atos do Estado e o segundo,
na verdade, engloba diversos outros princípios,
sendo o que alguns denominam de “princípio
síntese” (ou seja, nele estão englobados os princípios do juiz natural, sob contraditório, observada a ampla defesa, perante juiz imparcial etc.).
•
Princípio do Promotor Natural: significa que
o Procurador-Geral não pode nomear qualquer membro do Ministério Público para atuar
em casos determinados, havendo necessidade
de previsão – antecipada, por regramentos
internos – de qual órgão ministerial deve atuar
em determinadas situações. Há muita contro-
462Ricardo Silvares
vérsia sobre a existência deste princípio, posto
não previsto expressamente no texto constitucional. Normalmente, entre os membros
do Ministério Público, há a aceitação da existência de tal princípio: haverá sempre uma
regra de distribuição de feitos predeterminada,
que não pode ser alterada, exceto nos casos
expressamente previstos pela lei, evitando-se
o acusador de exceção (assim como não pode
haver tribunal de exceção). Na Lei 8.625/1993
(Lei Orgânica Nacional no Ministério Público)
encontram-se hipóteses em que é possível
um feito passar de um membro do Ministério
Público a outro, como o art. 10, IX, g (pode o
Procurador-Geral, por ato excepcional e fundamentado, designar membro da instituição,
submetendo sua decisão previamente ao
Conselho Superior do Ministério Público) e o
art. 24 (o Procurador-Geral de Justiça poderá,
com a concordância do Promotor de Justiça
titular, designar outro Promotor para funcionar
em feito determinado, de atribuição daquele). É
importante que se observe não ter o Supremo
Tribunal Federal reconhecido, até agora, a existência, na CF, de tal princípio (nesse sentido,
HC 90.277-DF, relatora Ministra Ellen Gracie,
julgado em 17.06.2008).
•
•
Princípio da Verdade Real: muito se afirma que
o processo penal, diferentemente do processo
civil, não se contenta com a verdade formal,
mas deve o Magistrado buscar uma reconstrução histórica fidedigna dos fatos. É sempre
muito citado em manifestações do Ministério
Público e mesmo em Acórdãos dos Tribunais,
inclusive do Superior Tribunal de Justiça. No
entanto, a doutrina vem questionando sua existência. É que a lei estabelece diversas restrições
ao juiz quanto ao que pode ser aceito como
prova, havendo a proibição das provas ilícitas e
daquelas não produzidas sob o contraditório (se
únicas nos autos). Entendemos que o processo
não de prescindir da busca da verdade, mas não
deve iludir-se com a ideia de que seja capaz de
atingir a “verdade real”.
Princípio da identidade física do juiz: O § 2º
do art. 399 estabelece que o juiz que presidiu
a instrução deverá proferir a sentença, com o
que o CPP adotou o princípio da identidade
física do juiz. A jurisprudência, porém, não
tem considerado absoluto o princípio. Nesse
sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“HABEAS CORPUS. FUGA DE PESSOA PRESA
OU SUBMETIDA A MEDIDA DE SEGURANÇA.
SENTENÇA PROFERIDA POR JUIZ DIVERSO
DO QUE PRESIDIU A INSTRUÇÃO DO FEITO.
PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ.
AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO NECESSÁRIA
AO DESLINDE DA QUESTÃO. NECESSIDADE
DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM
DENEGADA. 1. De acordo com o princípio da
identidade física do juiz, que passou a ser aplicado também no âmbito do processo penal
após o advento da Lei nº 11.719, de 20 de junho
de 2008, o magistrado que presidir a instrução
criminal deverá proferir a sentença no feito,
nos termos do § 2º do artigo 399 do Código
de Processo Penal. 2. Em razão da ausência de
outras normas específicas regulamentando o
referido princípio, nos casos de convocação,
licença, promoção ou de outro motivo que
impeça o juiz que tiver presidido a instrução de
sentenciar o feito, por analogia – permitida pelo
artigo 3º da Lei Adjetiva Penal -, deverá ser aplicada a regra contida no artigo 132 do Código de
Processo Civil, que dispõe que os autos passarão
ao sucessor do magistrado. Doutrina. Precedente. 3. No caso em apreço, o impetrante não
se desincumbiu de seu ônus de comprovar que
o magistrado que teria presidido a instrução
criminal não estaria impedido de proferir a
sentença, ou seja, que não seria aplicável quaisquer das hipóteses excepcionais elencadas no
citado dispositivo do Código de Processo Civil.
4. O rito do habeas corpus pressupõe prova
pré-constituída do direito alegado, devendo a
parte demonstrar, de maneira inequívoca, por
meio de provas documentais que evidenciem
a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo
paciente. 5. Ordem denegada” (HC 242.115-PE.
Rel. Min. Jorge Mussi, j. 02.08.2012).
2. Norma Processual Penal e sua
Aplicação
• CPP, arts. 1º a 3º.
•
Aplicação da lei penal no espaço: a regra é a
aplicação da lex fori, ou seja, a regra da territorialidade, que encontra exceção no próprio art.
1º, I, do CPP: aplica-se o tal Código aos casos que
devam ser julgados em território brasileiro, salvo
disposições em contrário previstas em tratados,
convenções ou regras de direito internacional.
•
Aplicação da lei penal no tempo: a regra geral
do art. 2º o CPP estabelece que a lei processual
penal aplica-se desde logo, sem prejuízo da
validade dos atos realizados sob a vigência da
lei anterior. Portanto, alterada a lei processual,
a nova deve ser aplicada, sem prejuízo do que
Direito Processual Penal 463
já ocorreu no processo. No entanto, a doutrina
vem entendendo que, no que tange às normas
a respeito de medidas cautelares pessoais
privativas ou restritivas da liberdade, por possuírem conteúdo misto, ou seja, penal e processual, deve seguir a regra do art. 5º, LV, da CF, que
proíbe a retroação de norma penal, salvo para
beneficiar o réu. Além disso, entende que ainda
pode ser aplicado, mesmo que por analogia, o
disposto no art. 2º do Decreto-lei 3.931/1941
(Lei de Introdução ao Código de Processo
Penal), que prevê expressamente, quanto à
prisão preventiva e à fiança, a aplicação da lei
mais favorável no caso de intertemporalidade.
8.906/1994), que garante que tais profissionais
possam examinar autos de inquérito policial
em qualquer repartição policial. E a Súmula
Vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal
dispõe ser direito do defensor, no interesse do
representado, ter acesso amplo aos elementos
de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão
com competência de polícia judiciária, digam
respeito ao exercício do direito de defesa
•
A doutrina reconhece a existência de investigações que não são feitas pela Polícia Judiciária: a) inquéritos parlamentares, realizados
pelas Comissões Parlamentares de Inquérito
ou pelas próprias polícias da Câmara dos
Deputados e do Senado Federal, em caso de
crimes cometidos em suas dependências (STF,
Súmula 397); b) inquéritos policiais militares,
conduzidos por autoridades militares; c) investigações de infrações penais cometidas por
Juízes de Direito e Promotores de Justiça, que
são conduzidas pela cúpula das respectivas
instituições; d) investigações de infrações
penais de pessoas com prerrogativa de função
pelos Tribunais Superiores.
•
O inquérito civil previsto na Lei 7.347/1985
(que trata da ação civil pública) não é instaurado para apurar crime, mas como preparação
para a ação mencionada. No entanto, pode
ser usada para embasar a denúncia no âmbito
criminal.
•
O Ministério Público entende que tem poderes
de investigação. Não há posição definitiva a
respeito pelo Supremo Tribunal Federal. A 2ª
Turma daquela Corte tem, porém, admitido tal
possibilidade, sendo paradigmático o Acórdão
proferido no HC 84.965-MG, de que foi relator
o Ministro Gilmar Mendes, julgado em 13 de
dezembro de 2011 (a respeito do pode de investigação do Ministério Público, outro Acórdão da
mesma Turma, no HC 85.000-MG, mais recente
– 13 de março de 2012 – reiterou tal entendimento). Eis a ementa: “HABEAS CORPUS. CRIMES
CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE
QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO MINISTÉRIO
PÚBLICO E DE NÃO-CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FALTA DE JUSTA
CAUSA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. 1. POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. EXCEPCIONALIDADE DO
CASO. Não há controvérsia na doutrina ou juris-
Analogia: o art. 3º do CPP permite a aplicação
da interpretação extensiva e da analogia,
consistindo esta, realmente, na aplicação
extensiva de princípios jurídicos presentes em
normas específicas. Assim, há uma lacuna, que
pode ser integrada por meio da analogia. Para
tanto, toma-se a regra existente para situações
semelhantes, aplicando-se para aquela em que
há a lacuna: ubi eadem ratio, ibi eadem jus (onde
a mesma razão de fato, o mesmo direito).
•
3. Inquérito Policial e outros Procedimentos Investigatórios
•
•
•
•
CPP, arts. 4º a 23
Lei 9.099/1995, art. 69
Lei 12.037/2009, art. 3º
CF, arts. 58, § 3º, e 129
•
O Inquérito Policial (IP) é conduzido pela
Polícia Judiciária, função exercida, nos Estados,
pela Polícia Civil e, no âmbito da União, pela
Polícia Federal (art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF).
Estão excluídos das atribuições de tais Polícias
os crimes militares.
•
O IP é presidido por Delegado de Polícia
(estadual ou federal), tendo como objetivo a
apuração da materialidade e autoria das infrações penais.
•
Tem o IP natureza administrativa e serve
de base para a propositura de ação penal
(portanto, é um procedimento administrativo
preparatório).
•
O IP tem natureza inquisitória, é escrito e sigiloso. É inquisitório, pois não se aplica o princípio do contraditório, o que não quer dizer
que não deva ser aplicado outro: o princípio
da ampla defesa. Quanto ao sigilo, é certo que
não se aplica aos advogados, em virtude do
disposto no art. 7º, XIV, do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (Lei
464Ricardo Silvares
prudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da
polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos
do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF. A celeuma sobre
a exclusividade do poder de investigação da
polícia judiciária perpassa a dispensabilidade
do inquérito policial para ajuizamento da ação
penal e o poder de produzir provas conferido às
partes. Não se confundem, ademais, eventuais
diligências realizadas pelo Ministério Público
em procedimento por ele instaurado com o
inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do
poder acusatório, não interfere na relação de
equilíbrio entre acusação e defesa, na medida
em que não está imune ao controle judicial –
simultâneo ou posterior. O próprio Código de
Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único,
dispõe que a apuração das infrações penais e
da sua autoria não excluirá a competência de
autoridades administrativas, a quem por lei seja
cometida a mesma função. À guisa de exemplo,
são comumente citadas, dentre outras, a atuação
das comissões parlamentares de inquérito (CF,
art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo
Conselho de Controle de Atividades Financeiras
– COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo
Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que
não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias
e os processos administrativos no âmbito dos
poderes do Estado. Convém advertir que o poder
de investigar do Ministério Público não pode ser
exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de
investigação, seja ela exercida pela Polícia ou
pelo Ministério Público, merece, por sua própria
natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento dos atos de investigação, como bem
afirmado na Súmula Vinculante 14 desta Corte,
exige não apenas que a essas investigações se
aplique o princípio do amplo conhecimento de
provas e investigações, como também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar
menos formalismo à investigação do Ministério
Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos razoável ainda é que se
mitigue o princípio da ampla defesa quando for
o caso de investigação conduzida pelo titular
da ação penal. Disso tudo resulta que o tema
comporta e reclama disciplina legal, para que
a ação do Estado não resulte prejudicada e não
prejudique a defesa dos direitos fundamentais.
É que esse campo tem-se prestado a abusos.
Tudo isso é resultado de um contexto de falta
de lei a regulamentar a atuação do Ministério
Público. No modelo atual, não entendo possível
aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a
atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado
pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento
do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos
próprios agentes e organismos policiais, como
tortura, abuso de poder, violências arbitrárias,
concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos
em que se verificar uma intencional omissão
da Polícia na apuração de determinados delitos
ou se configurar o deliberado intuito da própria
corporação policial de frustrar, em função da
qualidade da vítima ou da condição do suspeito,
a adequada apuração de determinadas infrações penal”. No caso concreto, constata-se situação, excepcionalíssima, que justifica a atuação
do Ministério Público na coleta das provas que
fundamentam a ação penal, tendo em vista a
investigação encetada sobre suposta prática de
crimes contra a ordem tributária e formação de
quadrilha, cometido por 16 (dezesseis) pessoas,
sendo 11 (onze) delas fiscais da Receita Estadual, outros 2 (dois) policiais militares, 2 (dois)
advogados e 1 (um) empresário. 2. ILEGALIDADE
DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ANTE A FALTA DE
CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. De fato, a
partir do precedente firmado no HC 81.611/DF,
formou-se, nesta Corte, jurisprudência remansosa no sentido de que o crime de sonegação
fiscal (art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990)
somente se consuma com o lançamento definitivo. No entanto, o presente caso não versa,
propriamente, sobre sonegação de tributos,
mas, sim, de crimes supostamente praticados
por servidores públicos em detrimento da administração tributária. Anoto que o procedimento
investigatório foi instaurado pelo Parquet com
o escopo de apurar o envolvimento de servidores públicos da Receita estadual na prática de
atos criminosos, ora solicitando ou recebendo
vantagem indevida para deixar de lançar tributo,
ora alterando ou falsificando nota fiscal, de modo
a simular crédito tributário. Daí, plenamente
razoável concluir pela razoabilidade da instauração da persecução penal. Insta lembrar que
um dos argumentos que motivaram a mudança
de orientação na jurisprudência desta Corte foi
a possibilidade de o contribuinte extinguir a
punibilidade pelo pagamento, situação esta que
sequer se aproxima da hipótese dos autos. 3.
ORDEM DENEGADA”.
Direito Processual Penal 465
ESPÉCIE DE AÇÃO
INÍCIO DO IP
• de ofício, pela Autoridade Policial, que elabora portaria inaugural
• por requisição do Ministério
Público
Ação penal pública
• por requisição do juiz (há
incondicionada CPP,
quem entenda que isso atinge
arts. 5º, caput, e 8º
o sistema acusatório, sendo
inconstitucional)
• por requerimento do ofendido
• por auto de prisão em flagrante
Ação penal pública
condicionada
•
• depende de representação do
ofendido ou seu procurador
CPP, art. 5º, § 4º
• ou de requisição do Ministro
da Justiça, quando cabível
Ação penal privada
CPP, art. 5º, § 5º
• depende de requerimento do
ofendido
Foro por
prerrogativa de
função
• depende de autorização do Tribunal competente para julgar o
caso
De qualquer modo, o IP é dispensável, conforme
se depreende dos arts. 12, 27, 39, § 5º, e 46, §
1º, do CPP. Portanto, com base em outros tipos
de informações (peças de informação, termos
circunstanciados no caso dos delitos de menor
potencial ofensivo, etc.), pode a ação penal ser
oferecida.
• Identificação criminal em caso de a pessoa já
ser civilmente identificada: o assunto é regulado
pela Lei 12.037/2009, que estabelece os casos
em que o civilmente identificado poderá ser
submetido à identificação criminal. São tantas as
hipóteses previstas, que haverá a possibilidade
de que seja realizada a identificação criminal,
ainda que o indivíduo seja civilmente identificado. Os casos são os seguintes (art. 3º):
– o documento apresentar rasura ou tiver indícios
de falsidade;
– o documento apresentado for insuficiente para
identificar cabalmente o indiciado;
– o indiciado portar documentos de identidade
distintos, com informações conflitantes entre si;
– a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá
de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da
defesa;
– constar de registros policiais o uso de outros
nomes ou diferentes qualificações;
– o estado de conservação ou a distância temporal
ou da localidade da expedição do documento
apresentado impossibilite a completa identificação dos caracteres essenciais.
•
Indiciamento: o CPP não define critério algum.
Trata-se de ato por meio do qual a Autoridade
Policial indica quem, segundo os indícios coligidos no IP, é o autor da infração penal. O indiciamento deve ser feito durante o IP, sendo pacífico
na jurisprudência o entendimento de que não
cabe quando já há denúncia oferecida. Diz o §
6º do art. 3º da Lei 12.830/2013 que: “O indiciamento, privativo do delegado de polícia, darse-á por ato fundamentado, mediante análise
técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a
autoria, materialidade e suas circunstâncias”
•
Incomunicabilidade do preso: é vedada pela
CF durante o estado de defesa, conforme regra
expressa (art. 136, § 3º, IV). É certo que o art. 21
do CPP a prevê. No entanto, se mesmo durante
o estado de defesa ela é vedada, entende-se
que com mais razão ainda a incomunicabilidade
não é possível em condições de normalidade
institucional. Logo, concordamos com o entendimento segundo o qual o art. 21 do CPP não foi
recepcionado pela CF de 1988. Há, é verdade,
entendimento contrário. Mas, vale lembrar que
até quem entende cabível a incomunicabilidade reconhece não valer para o advogado do
preso e para o membro do Ministério Público.
Com efeito, é prerrogativa do membro do
Ministério Público o acesso ao indiciado preso,
a qualquer momento, mesmo quando decretada a sua incomunicabilidade (art. 41, IX, Lei
8.625/1993). Já quanto aos advogados, diz o art.
7º, III, do Estatuto da Advocacia e a Ordem dos
Advogados do Brasil (Lei 8.906/1994) ser direito
do advogado “comunicar-se com seus clientes,
pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos
ou recolhidos em estabelecimentos civis ou
militares, ainda que considerados incomunicáveis”.
PRAZOS PARA ENCERRAMENTO DO IP
imputado
solto
imputado preso
Regra geral
(CPP)
30 dias,
prorrogáveis
10 dias
PF (art. 66, Lei
5.010/1966)
30 dias,
prorrogáveis
15 dias
Lei 11.343/2006
(Lei de Drogas)
90 dias, podendo 30 dias, podendo
ser duplicado
ser duplicado
IPM
40 dias,
prorrogáveis por
mais 20 dias
20 dias
Crimes contra
a ecônomia
popular
Lei 1.521/1951,
art. 10, § 1º)
10 dias
10 dias
498Ricardo Silvares
•
imprópria (concedida depois do trânsito em
julgado);
•
geral ou plena (menciona os fatos e atinge a
todos que os cometeram);
•
parcial ou restrita (menciona fatos, mas exige o
preenchimento de alguma condição pessoal do
criminoso, como a primariedade);
•
incondicionada ou irrestrita (não exige o atendimento de nenhum requisito);
•
condicionada ou restrita (exige o atendimento
a certos requisitos, podendo ser recusada pelo
anistiado).
–
uma vez concedida, a anistia não pode ser
revogada, porque a lei posterior revogadora
prejudicaria os anistiados, violando o princípio
constitucional de que a lei não pode retroagir
para prejudicar o acusado (art. 5º, XL);
–
a lei que concede a anistia retira todos os efeitos
penais, principais e secundários do fato, mas
não os efeitos extrapenais;
–
não é possível a concessão de anistia aos crimes
mencionados na Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes
Hediondos).
•
Agravo em execução: recurso cabível contra
decisões proferidas na exeção penal.
–
o agravo em execução não terá efeito suspensivo, conforme disposição expressa do art. 197
da LEP;
–
o Superior Tribunal de Justiça entende não ser
cabível a interposição de mandado de segurança para dar efeito suspensivo ao agravo;
–
o prazo para a interposição é o mesmo do
recurso em sentido estrito, aplicando-se, aqui,
o disposto no art. 586 do CPP. A Lei de Execução
Penal silencia a respeito, mas esse entendimento encontra-se na Súmula 700 do Supremo
Tribunal Federal.
•
2. Inquérito Policial e outros procedimentos investigatórios
•
STF – Súmula 397 – O poder de polícia da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal,
em caso de crime cometido nas suas dependências, compreende, consoante o regimento,
a prisão em flagrante do acusado e a realização
do inquérito.
•
STF – Súmula 524 – Arquivado o inquérito
policial, por despacho do juiz, a requerimento
do promotor de justiça, não pode a ação penal
ser iniciada sem novas provas.
•
STF – Súmula 568 – A identificação criminal
não constitui constrangimento ilegal, ainda
que o indiciado já tenha sido identificado civilmente.
•
STF – Súmula Vinculante 14 – É direito do
defensor, no interesse do representado, ter
acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de
polícia judiciária, digam respeito ao exercício do
direito de defesa.
•
STJ – Súmula 234 – A participação de membro
do Ministério Público na fase investigatória
criminal não acarreta seu impedimento ou
suspeição para o oferecimento de denúncia.
•
STJ – Súmula 444 – É vedada a utilização de
inquéritos policiais e ações penais em curso
para agravar a pena-base.
3. Ação Penal
•
STF – Súmula 524 – Arquivado o inquérito
policial, por despacho do juiz, a requerimento
do Promotor de Justiça, não pode a ação penal
ser iniciada, sem novas provas.
•
STF – Súmula 554 – O pagamento de cheque
emitido sem provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal
•
STF – Súmula 594 – Os direitos de queixa e de
representação podem ser exercidos, independentemente, pelo ofendido ou por seu representante legal.
•
STF – Súmula 609 – É pública incondicionada a
ação penal por crime de sonegação fiscal.
� SÚMULAS APLICÁVEIS
1. Princípios e Garantias
•
STF – Súmula 523 – No processo penal, a falta
da defesa constitui nulidade absoluta, mas a
sua deficiência só o anulará se houver prova de
prejuízo para o réu.
•
STF – Súmula 716 – Admite-se a progessão
de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata do regime menos severo nela
determinada, antes do trânsito em julgado da
sentença condenatória.
STF – Súmula Vinculante 14 – É direito do
defensor, no interesse do representado, ter
acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de
polícia judiciária, digam respeito ao exercício do
direito de defesa.
Direito Processual Penal 505
14. Execução Penal
•
•
STF – Súmula 611 – Transitada em julgado a
sentença condenatória, compete ao juízo das
execuções a aplicação de lei mais benigna.
STF – Súmula 700 – É de cinco dias o prazo
para interposição de agravo contra decisão do
juiz da execução penal.
� INFORMATIVOS APLICÁVEIS
1. Princípios e Garantias
� Duplo julgamento pelo mesmo fato: “bis in
idem” e coisa julgada
A ação instaurada posteriormente jamais poderia ter existido, seria nula em razão da litispendência, e que apenas
a primeira teria validade no mundo jurídico, independentemente da pena cominada em ambos os processos.
Destarte, retirar-se-ia uma das condenações, em favor do
agente, ou seja, a segunda. HC 101.131, red. p/ ac. Min.
Marco Aurélio, J. 25.10.2011 (STF, Info 646).
•
STF – Súmula 715 – A pena unificada para
atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código
Penal, não é considerada para a concessão de
outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.
•
STF – Súmula 716 – Admite-se a progressão de
regime de cumprimento da pena ou a aplicação
imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença
condenatória.
•
STF – Súmula Vinculante 5 – A falta de defesa
técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.
•
STF – Súmula Vinculante 9 – O disposto
no artigo 127 da Lei no 7.210/1984 (Lei de
Execução Penal) foi recebido pela ordem constitucional vigente, e não se lhe aplica o limite
temporal previsto no caput do artigo 58.
A designação do juiz prolator da pronúncia, em caráter
exclusivo, pelo Presidente do Tribunal do Estado do Pará,
mediante portaria, estaria fundamentada em Código Judiciário do Estado e no Regimento Interno daquele tribunal,
o que não configuraria constrangimento ilegal. HC 86.604,
Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28.06.2011 (STF, Info 633).
•
STF – Súmula Vinculante 26 – Para efeito de
progressão de regime no cumprimento de pena
por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da
execução observará a inconstitucionalidade
do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de
1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado
preenche, ou não, os requisitos objetivos e
subjetivos do benefício, podendo determinar,
para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
� TRÁFICO DE DROGAS E LIBERDADE PROVISÓRIA
•
STJ – Súmula 192 – Compete ao juízo das
execuções penais do Estado a execução das
penas impostas a sentenciados pela Justiça
Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos
a estabeleciementos sujeitos à administração
estadual.
•
STJ – Súmula 439 – Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde
que em decisão motivada.
•
STJ – Súmula 441 – A falta grave não interrompe o prazo para obtenção de livramento
condicional.
•
STJ – Súmula 471 – Os condenados por crimes
hediondos ou assemelhados cometidos antes
da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se
ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984
(Lei de Execução Penal) para a progressão de
regime prisional.
� Princípio do promotor natural e nulidade
O postulado do promotor natural teria por escopo impedir
que chefias institucionais do Ministério Público determinassem designações casuísticas e injustificadas, de modo
a instituir a reprovável figura do “acusador de exceção”. HC
98.841, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 11.10.2011 (STF, Info
644).
� Princípio do juiz natural: vacância e juiz instrutor
Discorreu-se que ambas as Turmas do STF teriam consolidado, inicialmente, entendimento no sentido de que não
seria cabível liberdade provisória aos crimes de tráfico de
entorpecentes, em face da expressa previsão legal. Entretanto, ressaltou-se que a 2ª Turma viria afastando a incidência da proibição em abstrato. Reconheceu-se a inafiançabilidade destes crimes, derivada da Constituição (art. 5º,
XLIII). Asseverou-se, porém, que essa vedação conflitaria
com outros princípios também revestidos de dignidade
constitucional, como a presunção de inocência e o devido
processo legal. Demonstrou-se que esse empecilho apriorístico de concessão de liberdade provisória seria incompatível com estes postulados. Ocorre que a disposição do art.
44 da Lei 11.343/2006 retiraria do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos de
necessidade da custódia cautelar, a incorrer em antecipação
de pena. Frisou-se que a inafiançabilidade do delito de tráfico de entorpecentes, estabelecida constitucionalmente,
não significaria óbice à liberdade provisória, considerado o
conflito do inciso XLIII com o LXVI (“ninguém será levado
à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança”), ambos do art. 5º da CF.
Concluiu-se que a segregação cautelar — mesmo no tráfico ilícito de entorpecentes — deveria ser analisada assim
como ocorreria nas demais constrições cautelares, relativas
a outros delitos dispostos no ordenamento. Impenderia,
portanto, a apreciação dos motivos da decisão que denegara a liberdade provisória ao paciente do presente writ,
no intuito de se verificar a presença dos requisitos do art.
312 do CPP. Salientou-se que a idoneidade de decreto de
prisão processual exigiria a especificação, de modo fundamentado, dos elementos autorizadores da medida (CF,
506Ricardo Silvares
art. 93, IX). Verificou-se que, na espécie, o juízo de origem,
ao indeferir o pedido de liberdade provisória formulado
pela defesa, não indicara elementos concretos e individualizados, aptos a justificar a necessidade da constrição do
paciente, mas somente aludira à indiscriminada vedação
legal. Entretanto, no que concerne ao alegado excesso de
prazo na formação da culpa, reputou-se que a tese estaria
prejudicada, pois prolatada sentença condenatória confirmada em sede de apelação, na qual se determinara a
continuidade da medida acauteladora, para a garantia da
ordem pública. HC 104339/SP, rel. Min. Gilmar Mendes,
10.5.2012. (STF, Info 665).
da Lei 9.613/98, na hipótese de demonstração de que os
crimes de lavagem de capital teriam sido perpetrados de
modo habitual e reiterado. Inq 2.471, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, j. 29.09.2011 (STF, Info 642).
� Inquérito policial: sigilo e direito de vista
Direito do réu em conhecer o grau de formação profissional do perito criminal (agente auxiliar do poder judiciário) –
prerrogativa que se compreende na fórmula constitucional
da plenitude do direito de defesa. AP 470 Décimo Quinto
AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 12.05.2011 (STF, Info
626).
� Identidade física. Juiz. Processo penal
� Condução coercitiva de pessoa à delegacia
O princípio da identidade física do juiz, aplicável no processo penal com o advento do § 2º do art. 399 do CPP,
incluído pela Lei 11.719/08, pode ser excetuado nas hipóteses em que o magistrado que presidiu a instrução encontra-se afastado por um dos motivos dispostos no art. 132
do CPC – aplicado subsidiariamente, conforme permite o
art. 3º do CPP, em razão da ausência de norma que regulamente o referido preceito em matéria penal. HC 133.407,
Rel. Min. Jorge Mussi, j. 03.02.2011 (STJ, Info 461).
Os agentes policiais, sob o comando de autoridade competente (CPP, art. 4º), possuiriam legitimidade para tomar
todas as providências necessárias, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos.
Observou-se que seria desnecessária a invocação da teoria
dos poderes implícitos. Não há cerceamento ao direito de
defesa quando magistrado, de forma fundamentada, lastreada em elementos de convicção existentes nos autos,
indefere pedido de diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória. HC 107.644, Rel.
Min. Ricardo Lewandowski, j. 06.09.2011 (STF, Info 639).
� MEDIDA DE SEGURANÇA. FUNDAMENTAÇÃO. EXECUÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO.
Em retificação à nota do HC 226.014-SP (Informativo n. 495,
divulgado em 25/4/2012), leia-se: A medida de segurança
é uma espécie de sanção penal, ao lado da pena, logo não
é cabível, no ordenamento jurídico, sua execução provisória, à semelhança do que ocorre com a pena aplicada
aos imputáveis. A custódia cautelar só pode ser decretada
antes da sentença definitiva, se estiverem presentes os
requisitos autorizadores previstos no art. 312 do CPP e for
devidamente fundamentada. Esse entendimento foi fixado
pelo STF em observância ao princípio constitucional da
presunção de inocência. No caso, verificou-se a ilegalidade
da medida cautelar; pois, como o paciente encontrava-se
em liberdade durante a tramitação da apelação e não foi
fundamentada a necessidade da imediata aplicação da
medida de segurança de internação, tem ele o direito de
aguardar em liberdade até o trânsito em julgado da sentença. Tal interpretação se extrai da LEP; pois, consoante o
exposto nos arts. 171 e 172, a guia para a internação do
apenado em hospital psiquiátrico ou para sua submissão
a tratamento ambulatorial será expedida somente após o
trânsito em julgado da decisão que aplicar a medida de
segurança. Precedentes citados do STF: HC 84.078-MG, DJe
26/2/2010; HC 98.166-MG, DJe 18/6/2009; HC 90.226-SP,
DJe 14/5/2009; do STJ: HC 103.429-SP, DJe 23/3/2009, e HC
148.976-PR, DJe 28/6/2010. HC 226.014-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 19.04.2012 (STJ, Info 496).
2. Inquérito Policial e outros procedimentos investigatórios
� Inquérito e lavagem de capitais
O elevado número de agentes demanda complexa dilação probatória a justificar o desmembramento do feito.
Ademais, salvo hipóteses excepcionais, onde a conduta
dos agentes esteja imbricada de tal modo que torne por
demais complexo individualizar a participação de cada um
dos envolvidos, é de se desmembrar o feito em relação aos
que não possuem foro perante o STF. Inexiste empecilho
para a exacerbação da pena, com base no § 4º do art. 1º
� MINISTÉRIO PÚBLICO E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que discutida a constitucionalidade da realização
de procedimento investigatório criminal pelo Ministério
Público. O acórdão impugnado dispusera que, na fase de
recebimento da denúncia, prevaleceria a máxima in dubio
pro societate, oportunidade em que se possibilitaria ao titular da ação penal ampliar o conjunto probatório. Sustenta o
recorrente que a investigação realizada pelo parquet ultrapassaria suas atribuições funcionais constitucionalmente
previstas, as quais seriam exclusivas da polícia judiciária —
v. Informativo 671. O Min. Gilmar Mendes, acompanhado
pelos Ministros Celso de Mello, Ayres Britto, Presidente, e
Joaquim Barbosa, negou provimento ao recurso. Ressaltou
que a 2ª Turma reconhecera, de forma subsidiária, o poder
de investigação do Ministério Público, desde que atendidos
os requisitos estabelecidos no inquérito criminal, inclusive
quanto à observância da Súmula Vinculante 14. Destacou
ser imperioso observar: a) ritos claros quanto à pertinência
do sujeito investigado; b) formalização do ato investigativo; c) comunicação imediata ao Procurador-Chefe ou ao
Procurador-Geral; d) autuação, numeração, controle, distribuição e publicidade dos atos; e) pleno conhecimento da
atividade de investigação à parte; f) princípios e regras que
orientariam o inquérito e os procedimentos administrativos
sancionatórios; g) ampla defesa, contraditório, prazo para
a conclusão e controle judicial. Verificou que seria lícita a
investigação do parquet nos crimes praticados por policiais
e contra a Administração Pública. Além disso, a 2ª Turma
teria reconhecido a higidez da atividade complementar de
investigação quando o órgão ministerial solicitasse documentação, como no caso dos autos, em que a mera aferição
de documentos para saber se teria havido, ou não, a quebra da ordem de precatórios acarretaria desobediência. RE
593727/MG, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 27.06.2012. (Info 672).
� Condenação. Prova. Inquérito
1. A função do inquérito é fornecer elementos tendentes
à abertura da ação penal, a exemplo do que reza o art.

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