diamantes britânicos - Roger Jones Consultancy

Transcrição

diamantes britânicos - Roger Jones Consultancy
produto/product
por marta barbosa, de londres
fotos sam frost e divulgação
diamantes
britânicos
Após décadas de esquecimento,
as trufas ressurgem em quantidade
nas florestas da Grã-Bretanha e
surpreendem por sabor e aroma intensos
A
história das trufas no Reino Unido é pontuada por um mistério. O cogumelo originário dos subterrâneos britânicos, que
hoje aparece com destaque nos cardápios de restaurantes es-
trelados de Londres, não é novidade desde pelo menos o início do século XVIII, de quando datam os primeiros registros de caça. Já àquela
época, ele era reverenciado como joia rara e valiosa. Por mais de 200
anos, e até o início dos anos 1930, a família Collins esteve no centro
desse comércio, admitindo recordes de quilos encontrados nas f lorestas inglesas. Até que Alfred, da terceira geração dos Collins, o mais
famoso caçador de trufas da Inglaterra, decidiu se aposentar e riscar
de vez seu sobrenome desse mercado. Por alguma razão incógnita,
ele manifestou o desejo de que seu conhecimento e o negócio da
família morressem com ele, negando às novas gerações a chance de
uma vida milionária.
A enigmática decisão de Alfred não apenas deu fim à dinastia dos
Collins, mas também abalou profundamente o mercado inglês, que
não mais vivia um momento lá tão forte como, por exemplo, a França
– onde, no século XVIII, o escritor Brillat-Savarin denominou a trufa
de “o diamante da cozinha”. Sem o mais importante caçador de cogumelo subterrâneo e sem o mesmo apetite dos vizinhos franceses, a
oferta em terras galesas diminuiu, abrindo espaço para que italianos,
franceses e espanhóis abastecessem as mesas londrinas.
Mas, eis que a trufa inglesa ressurge com surpresa no final dos
anos 2000. Os caçadores da modernidade evitam divulgar quanto e
onde exatamente seus cães farejam, mas é bem possível que a produção no Reino Unido esteja novamente no ápice. Há registros de uma
fazenda em Wiltshire, no sudoeste da Inglaterra, que soma até 100
quilos de trufas a cada colheita anual, em uma área de 4 hectares.
24
british
diamonds
After decades of neglect, truffles have
reappeared in quantity underneath Britain's
forests and are becoming known for their
intense flavor and aroma
The history of truff les in the United Kingdom is punctuated
by a mystery. The underground fungus now featured prominently on fine restaurant menus in London has not been “new”
since at least the early 18th Century, when the first records of
truff le hunting appear. At the time, it was revered as a rare and
valuable gem. For over 200 years and until the early 1930s, the
Collins family was at the center of this trade, with records of kilos discovered in English forests. Until Alfred, a third generation
Collins and the most famous truff le hunter in England, decided
to retire and remove his name from the market. For some unknown reason, he expressed his desire that his knowledge and
the family business die with him, denying future generations the
chance of a profitable life.
Alfred’s inexplicable decision not only ended the Collins
dynasty, but also deeply harmed the British market, which has
not experienced a strong expansion such as in France, for example, where the 18th Century writer Brillat-Savarin dubbed
the truff le the “diamond of cuisine.” Without the most important hunter and lacking the same appetite as the French, local
sources began to dry up, opening room for Italian, French and
Spanish producers to supply London’s tables.
Suddenly, however, English truff les resurfaced unexpectedly at the end of the 2000s. While today’s hunters avoid disclosing how and where exactly their dogs find the delicacies, it
is quite possible that production in the UK is again at its peak.
There are records of a farm in Wiltshire, in southwest England,
which collects up to 100 kilos of truff les each annual harvest in
an area of just four hectares.
Although botanically identical, there are two native varieties
in Britain: the summer truff le (Tuber aestivum), which is about
the size of an apple, and the Burgundy truff le (Tuber uncinatum), found between October and December. In terms of appearance, the English truff le is generally darker internally with
very intense f lavor and aroma.
25 mesa tendências
produto
It did not take long for professional cooks to take notice of the precious rediscovery. Roger Jones of The Harrow at Little Bedwyn, in Wiltshire – which has had
a Michelin star for seven years –, was one of the first chefs to experiment the new
British variety. He received a specimen from a young hunter who sought references and opinions on the find. “I was surprised that it was a local product, but
had read that this was an area of valuable truff les in 1920. The quality was amazing and on a visit to the farm I saw them find two kilos in 30 minutes,” he says. “I
contacted the most important researcher of fungi in Europe, Roger Philips, who
has written numerous books on the theme, and he qualified them as the finest
summer truff les he had ever tasted.”
England does not produce (at least there is no news about it) valuable white
truff les such as from Alba, in Italy, although it can be said that the British summer
truff les are comparable to the best specimens of the type found in France and
Spain. “I would say that the English ones are even better,” said Jones, explaining
that they have a more-pronounced nutty f lavor and are less pungent than white
and black truff les. “For this reason we use them in the most delicate dishes like
sashimi, risotto and fish.” Classic examples from his menu are grilled sea bass
with wild English truff les and Jerusalem artichoke cream and scallop sashimi
with radish. On the list of more experimental dishes are truff le macarons with
fresh crab, pork cheek with truff les and Aberdeen Angus carpaccio with Eng-
lish truff le shavings, not to mention foie gras and venison macarons with salted
caramel and truff les.
While all the dishes are now successes, Roger Jones recalls that a few years
ago, to circumvent the look of surprise customers showed when learning that the
summer truff les on the menu were British, many leading chefs instead said they
were excellent examples imported from France. “Today it is the diner who insists
on ordering truff les from here,” says the chef, who still buys the incomparable
white truff les from Alba, valued at £3,000 per kilo – British truff les cost around
£400 per kilo.
New Hunter
If more and more high-quality truff les are coming out of England’s forests, demand has been growing even faster. “They are so popular that we are unable
to meet all the demand,” says Wiltshire Truff les owner Zak Frost, from the new
generation of hunters and dealers. “The interest is great not only because they
are local, but because the quality is markedly different – in my opinion, better
than imported truff les of the same kind.”
Zak, a former DJ and currently music producer, entered the truff le business
when by chance he discovered a farm full of them. He had returned from Italy,
where he lived for years and learned truff le hunting secrets. With the discovery
Embora botanicamente idênticas, são duas
as variedades nativas da Grã-Bretanha: a de
verão (ou Tuber aestivum), que tem o tamanho de uma maçã, e a Burgundy (Tuber
uncinatum), encontrada entre outubro e dezembro. Na aparência, a trufa inglesa pode
ser mais escura internamente, com sabor e
aroma bem intensos.
Não demorou até que os cozinheiros profissionais se dessem conta da preciosa redescoberta. Roger Jones, do The Harrow at Little
Bedwyn, em Wiltshire, há sete anos com uma
estrela no Guia Michelin, foi um dos primeiros
chefs de cozinha a experimentar a nova trufa
britânica. Ele a recebeu de um jovem caçador
que buscava referências e opiniões sobre o
“Os caçadores da modernidade evitam divulgar quanto
achado. “Fiquei surpreso que fosse um produ-
e onde exatamente seus cães farejam, mas é bem possível
uma área de valiosas trufas. A qualidade era
que a produção no Reino Unido esteja novamente em
encontrar 2 quilos em 30 minutos”, diz. “Entrei
em contato com o mais importante pesquisa-
Macaron foie gras and
venison with salted caramel
and truffles, on the menu
of the Michelin-starred The
Harrow at Little Bedwyn,
in Wiltshire
que já escreveu inúmeros livros com o tema, e
“Today’s hunters avoid disclosing how much and where exactly their dogs go, although it is possible that production in the UK is again at its peak.”
26
impressionante e em uma visita à fazenda os vi
Macaron de foie gras
e carne de cervo com
caramelo salgado e trufas,
no cardápio do estrelado
The Harrow at Little
Bedwyn, em Wiltshire
dor de cogumelos na Europa, Roger Philips,
seu ápice.”
Bochecha de porco com
trufas, criação de Roger
Jones, um dos primeiros
chefs a redescobrir
o cogumelo de origem
britânica
to local, mas eu tinha lido que, em 1920, esta era
Pork cheek with truffles, a
creation of Roger Jones, one
of the first chefs to rediscover
British varieties
ele as qualificou como as mais refinadas trufas
de seu menu são o robalo grelhado com trufas inglesas selvagens e
de verão que conhecia.”
creme de alcachofra de Jerusalém; e o sashimi de vieiras com raba-
A Inglaterra não produz (ao menos não se
nete. Na lista dos pratos mais experimentais estão macaron de trufa
tem notícia) as valiosas trufas brancas, como
com caranguejo fresco; bochecha de porco com trufas; carpaccio de
as de Alba, na Itália, mas se pode dizer que
Aberdeen angus com lascas de trufa inglesa; além do macaron de
as britânicas de verão são comparáveis aos
foie gras e carne de cervo com caramelo salgado e trufas.
melhores exemplares do tipo encontrados na
Todos os pratos são um sucesso de pedidos, mas Roger Jones lem-
França e na Espanha. “Eu diria que as ingle-
bra que poucos anos atrás, para driblar o ar de surpresa que os
sas são até melhores”, afirma Jones ao expli-
clientes mostravam ao saber que as trufas de verão do cardápio eram
car que elas têm um sabor mais acentuado
britânicas, muito chef estrelado preferia dizer tratar-se de exemplares
de nozes e são menos pungentes que as
importados da França. “Hoje é o comensal que faz questão de pedir
trufas brancas e negras. “Por isso, a usa-
pela trufa daqui”, diz o chef, que ainda assim compra as insubstituí-
mos em pratos mais delicados com peixe,
veis trufas brancas de Alba, avaliadas em 3.000 libras o quilo – as
como sashimi e risoto.” Exemplos clássicos
inglesas custam 400 libras o quilo.
27 mesa tendências
produto
“A Inglaterra não produz (ao menos não se tem notícia) as
valiosas trufas brancas, mas se pode dizer que as britânicas
de verão são comparáveis aos melhores exemplares do
tipo encontrados na França e na Espanha”
“England does not produce (at least there is no news about it) valuable white truffles, but it can be said that British summer truffles are comparable to the best specimens
of the type found in France and Spain”
sale. No one knows for sure what the best time
of the year is to do this, so we do it all year.”
Like other hunters of his generation, Zak
does not reveal numbers, but neither does he
hide his euphoria about an increasingly profitable future in the form of the aromatic black fungus. “The important thing is to treat the woods
with respect,” he says. “We hunt with dogs and
let them take us to truff les; we never bring machines into the forest and take great care not to
compact the soil. And when removing the truff les, we do not dig too deep so as not to disturb
the mycelia all around the area.” Golden rules
for those who hope to continue reaping these
British diamonds for many, many generations.
Novo caçador
Zak Frost, one of the new generation of
truffle hunters in England: “The important
thing is to treat the woods with respect”
Zak Frost, da nova geração de caçadores de
trufas na Inglaterra: “O importante é que nós
tratamos o bosque com respeito”
in his native country, Zak made friends and became a partner of the farm’s
owners, and today hunts, sells and delivers truff les to the leading restaurants in
London. His aides are two Labrador dogs, although he says he does not need
them around here. That’s because English truff les grow so close to the surface it
is possible to find them with a delicate movement of the earth. Dogs and pigs can
accelerate the job, but are unnecessary in England.
28
Zak’s work is to keep the earth healthy and protected so that production is
not interrupted. “When areas of the forest start to get too dark, we try to open up
light by pruning or even removing some selected trees. Not all trees carry truff le
varieties, so of course we will generally remove those that do not produce. Here
they are mainly found under beech, birch and hazelnut trees,” he says. “We also
scatter truff le shavings around the woods, from parts that are not suitable for
Se das f lorestas inglesas saem cada vez mais trufas
e protegida para que a produção não seja interrompida.
de qualidade, a demanda cresce em velocidade ainda
“Quando as áreas de f loresta começam a ficar escuras,
maior. “Elas estão tão populares que somos incapazes
tentamos deixar a luz passar, podando ou até retirando
de atender toda a procura”, diz Zak Frost, da nova gera-
algumas árvores selecionadas. Nem todas as árvores são
ção de caçadores e revendedores, dono da Wiltshire Tru-
portadoras de variedades de trufas, por isso, é claro, va-
ff les. “O interesse é grande não apenas pelo inusitado
mos geralmente remover as que não produzem. Aqui,
de elas serem locais, mas porque a qualidade é notável,
elas são encontradas principalmente em faias, vidoeiros
em minha opinião, superior à das trufas importadas da
e pés de avelã”, afirma. “Nós também descartamos apa-
mesma espécie.”
ras de trufas por todo o bosque – peças que não estão
Zak, ex-DJ e atualmente produtor musical, entrou no
adequadas para a venda. Ninguém sabe ao certo qual é
negócio de trufas quando descobriu, por acaso, uma fa-
a melhor época do ano para fazer o descarte, por isso o
zenda cheia delas. Ele voltava da Itália, onde morou por
fazemos o ano todo.”
anos e aprendeu os segredos da caça ao fungo. Com a
Como os outros caçadores de sua geração, Zak não
descoberta na sua terra natal, Zak ficou amigo e sócio
fala de números, mas não esconde sua euforia com um
dos donos da propriedade e, hoje, caça, vende e entre-
futuro cada vez mais rentável em forma de fungos negros
ga as trufas na porta dos mais renomados restaurantes
aromáticos. “O importante é que tratamos o bosque com
de Londres. Seus ajudantes são dois cachorros da raça
respeito”, diz. “Nós caçamos com cães e deixamos que
labrador, mas ele conta que nem precisa deles por es-
eles nos levem até as trufas, nunca levamos máquinas
sas bandas. Isso porque as trufas inglesas crescem tão
para a f loresta e temos muito cuidado para não compac-
próximas da superfície que é possível encontrá-las com
tar o solo. Ao remover as trufas, fazemos sem cavar em
um delicado movimento da terra. Os cães, assim como
excesso, para não perturbar os micélios que estão por
os porcos, aceleram o trabalho, mas são dispensáveis na
toda parte.” Regras de ouro para quem espera continuar
Inglaterra.
colhendo esses diamantes britânicos por muitas e muitas
O trabalho de Zak consiste em manter a terra saudável
gerações.
29 mesa tendências

Documentos relacionados