duelo na usiminas

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duelo na usiminas
PENSÃO EM RISCO FOME DE INOVAÇÃO
C A P I TA L A B E R T O • A N O 1 2 • N Ú M E R O 1 3 5 • N OV E M B R O 2 0 1 4
INADIMPLÊNCIA DE
TÍTULOS PRIVADOS
AGRAVA PREJUÍZO
DA PETROS
ANO 12 • NÚMERO 135 • NOVEMBRO 2014 • R$ 34,00
DUELO
NA
USIMINAS
OS MOTIVOS POR TRÁS DO
CONFRONTO MIDIÁTICO
ENTRE A SÓCIA JAPONESA
NIPPON STEEL E A
ARGENTINA TERNIUM
EM BUSCA DE IDEIAS
ORIGINAIS, COMPANHIAS
INVESTEM EM
EMPREENDEDORES
Editorial
Demasiado
humanos
ANO 12 - NÚMERO 135 — NOVEMBRO DE 2014
A Capital Aberto é uma publicação
mensal da Editora Capital Aberto Ltda.
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Os investidores que buscam bons negócios, para além das ações, despendem muito tempo em conversas com os administradores e sócios das
companhias. Não é à toa. Eles sabem que, antes do código de ética, da
regulamentação e da lei, ou até mesmo dos balanços e das projeções de
resultados, prevalecem as pessoas, suas visões de mundo e seus interesses.
São as atitudes delas que, afinal, escrevem a história das companhias — não
seus discursos. Se os proprietários das empresas pertencem a grupos diversos,
aí é bom redobrar o cuidado. Nesse caso, vale atentar não só à forma de cada
sócio pensar e agir como à temperatura das relações entre eles.
O acervo de intempéries corporativas guarda inúmeros episódios em
que sentimentos como desconfiança, cobiça e vaidade se sobrepõem ao
bom senso e à razão. A reportagem de capa desta edição ilustra um deles.
Nippon e Ternium, sócios da Usiminas, se estranhavam com discrição
há pelo menos dois anos, desde que a segunda ingressou na siderúrgica.
Após um lance em que o conglomerado japonês destituiu diretores apontados pelos argentinos, eles deflagraram suas desavenças sem pudor,
valendo-se inclusive da mídia para dar publicidade a elas. Tomados pela
raiva, deixaram a contenda macular o preço das ações na bolsa de valores e
subtrair-lhes algo como R$ 50 milhões do patrimônio em poucas semanas.
Descontentamentos com a redução de contratos de gordas cifras, dividendos
não pagos, quebra de confiança e resultados aquém do esperado são algumas
das razões para a fúria, como mostra a reportagem de Yuki Yokoi.
Para não falar apenas de desencontros, a capital aberto inaugurou
em setembro mais uma plataforma de conhecimento para seus leitores: o
Grupo de Discussão (GD). Baseados em reuniões sobre temas de interesse
do mercado de capitais, os GDs se propõem a promover a troca de experiências e a estimular reflexões interessantes. O insumo valioso de ideias e
informações gerado nas sessões dos grupos é depois aproveitado nos textos
da publicação mensal, como vocês conferem nas reportagens sobre corporate
venture e insider trading desta edição. Uma forma colaborativa de produzir
jornalismo, que nos aproxima de nossas audiências. Esperamos que gostem.
Simone Azevedo
Nota aos leitores
As opiniões expressas nos artigos e boletins customizados são as de seus autores e não necessariamente as da capital aberto.
É proibida a reprodução ou transmissão de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia.
Para receber um exemplar como cortesia, acesse a seção Exemplar Cortesia, em www.capitalaberto.com.br.
04 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Editora executiva
Simone Azevedo
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Editora
Luciana Tanoue
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Editor de texto e produção
Bruno Rodrigues
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Repórteres
Bruna Maia
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Yuki Yokoi
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Colaboradores
João Carlos de Oliveira
Mariana Segala
Mitchel Diniz
Colunistas
Alexandre Di Miceli da Silveira
Marta Barcellos
Ney Carvalho
Peter Jancso
Articulistas desta edição
Diego Barreto
Gilberto Biojone
Renato Vetere
Projeto e direção de arte
Beto Nejme e Marco Mancini
Grau 180
Diagramação
Grau 180
Rodrigo Auada
Ilustrações
Beto Nejme
Eric Peleias
Marco Mancini
Rodrigo Auada
Impressão
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Circulação
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Fone: (11) 3935-5524
Distribuição nacional
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e Distribuidora
Data de fechamento
28/10/2014
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Circulação
auditada:
Sumário
Novembro 2014
16
CAPA
22
Insider trading
26
Aposentadoria em déficit
32
Círculo de Debates
Os motivos por trás das desavenças entre
as sócias Nippon e Ternium na Usiminas
Como prevenir e tratar o risco de
vazamento em fusões e aquisições
Problemas com títulos privados
agravam prejuízos da Petros
SEÇÕES
4
Editorial
Especialistas discutem reforma
da norma de fundos imobiliários
6
Mural do Leitor
36
De empresa para empresa
7
Relevo
40
Para corajosos
8
capital aberto n@ Web
Gestoras fogem da acomodação
e investem em créditos de alto risco
9
N@ Web
44
Sustentabilidade
10
Seletas
Corporate venture entra no radar de
brasileiras comprometidas com inovação
Pesquisa revela os investimentos
responsáveis e eficientes
David Wright
48
Alta&Baixa
50
Notas Internacionais
52
Antítese
54
Artigo
55
Governança
56
Histórias
58
Retrato
61
Prateleira
62
Azul: Banco do Brasil
Vermelho: Triunfo
Hong Kong errou ao negar o IPO
do Alibaba?
Como desenvolver green bonds no Brasil
Sua companhia e o acionista universal
Vitória contra o atraso
Alexandre Barreto
Expectativas racionais
Saideira
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 05
Mural do Leitor
Governança
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
Decisão do TCU sobre Petrobras incita reflexão sobre
a atuação dos boards. Conselheiros sobrecarregados
e pouco focados tendem a negligenciar atribuições
básicas — como duvidar sistematicamente do que
ouvem e fazer as perguntas certas
Conselhos
que acreditam
demais
Por Bruna Maia Carrion e Yuki Yokoi
Em 23 de julho, o Tribunal de Contas da União (TCU)
aprovou o relatório do ministro José Jorge sobre a refinaria
de Pasadena. O documento apurava o prejuízo da Petrobras
com a compra da usina, nos Estados Unidos, em 2006 — um
total de US$ 792 milhões. O órgão determinou o bloqueio
de bens de três diretores da companhia e isentou de culpa
o conselho de administração em atividade naquela época.
A alegação: os conselheiros receberam da diretoria uma
documentação bastante distinta da que embasava o negócio,
sem detalhamento sobre cláusulas potencialmente prejudiciais. O TCU declarou ainda que, caso fossem comprovadas
irregularidades na conduta dos conselheiros, eles poderiam
ser incluídos na lista de responsáveis mais tarde. A decisão
incomodou a muitos, foi compreendida por outros, mas de
modo geral deixou no ar uma interrogação. Como definir
a fronteira que divide a negligência do conselheiro de sua
real inocência?
Ca pita l de risco
Não é público o conteúdo da ata de 3 de fevereiro de 2006,
em que o conselho autorizou, entre outras coisas, a compra
de 50% dos bens e direitos da refinaria de Pasadena, por
US$ 360 milhões. Até então, a unidade pertencia apenas à
belga Astra Oil, que a havia adquirido em janeiro de 2005 por
US$ 42,5 milhões. A primeira oferta da refinaria à Petrobras
ocorreu em fevereiro de 2005. Em abril, as duas empresas assinaram um acordo de confidencialidade sobre a possível compra.
Até que a operação fosse aprovada, dez meses depois, Petrobras
e Astra Oil negociaram preços e termos do contrato. Entre
eles estava a polêmica cláusula marlim, que garantia à belga
um lucro de 6,9% ao ano e obrigava a Petrobras a comprar
sua metade em caso de desentendimento — o que veio a
ocorrer em 2008. Quatro anos e uma batalha judicial depois,
a Petrobras teve que pagar US$ 820,5 milhões à Astra Oil.
Os US$ 360 milhões gastos inicialmente viraram nada menos
que US$ 1,18 bilhão.
Apesar da confidencialidade da ata, sabe-se, por meio do
processo público do TCU, que o conselho recebeu apenas um
resumo elaborado pela diretoria, segundo o qual o negócio
havia sido avaliado e considerado justo pelo Citigroup. Sabe-se também que o órgão colegiado não recebeu informações
sobre um parecer da consultoria Muse & Stencil, especializada
em condições de refino, dizendo que a refinaria valia apenas
US$ 126 milhões, e não os US$ 360 milhões que a Petrobras
pretendia pagar. Portanto, foi a partir desse resumo capenga,
sem laudos anexados, que o conselho aprovou a aquisição.
E sua defesa é exatamente essa.
Entretanto, o documento em que o ministro Jorge — indicado ao TCU em 2008 por seu partido, o DEM — se baseou para
chegar à conclusão de que havia insuficiência de informação
seguia o caminho oposto. Assinado pelo procurador do Ministério Público no TCU Marinus de Vries Marsico, ele sugeria
que Dilma Rousseff, Antônio Palocci, Cláudio Haddad, Fabio
20 C APITAL A BERTO Setembro 2014
Setembro 2014 C APITAL A BERTO 21
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
38 C APITAL A BERTO Agosto 2014
Carlos Miyahira, sócio da consultoria
Grounds
ELES ACREDITAM DEMAIS I
Uma possível solução para os problemas que geraram os episódios recentes
(“Conselhos que acreditam demais”, ed.
133, setembro) é implantar um sistema de
compliance independente. Uma equipe
examinaria os novos negócios em andamento, com acesso irrestrito aos relatórios
de due diligence financeira e legal, avaliação econômica, análise do contrato de
compra e venda. A partir daí, diagnosticaria os principais pontos que impactam
o negócio, observando criteriosamente os
desvios, que, se comprovados, devem ser
punidos. Devem-se considerar, ainda, os
aspectos da Lei Anticorrupção. O produto
final seria um relatório submetido à apreciação da administração e dos conselheiros.
Esse precedimento poderia evitar perdas
financeiras.
06 C APITAL A BERTO Novembro 2014
René Werner, sócio-fundador
da Werner & Associados
ELES ACREDITAM DEMAIS II
Não há publicação na mídia que não
devote grande parte de seus artigos à governança corporativa, assunto da moda
(“Conselhos que acreditam demais”, ed.
133, setembro). Resta-nos perguntar o que
é uma boa governança. Cabe listar, em
primeiro lugar, a consistência técnica,
sem a qual o conselho tem como único
interesse a remuneração. Ética (valores
intrínsecos dos indivíduos) e moral
(uma forma de adução) também devem
estar presentes. Não há um sem o outro.
Algo que os nossos governantes tendem
a esquecer (intencionalmente) e, por consequência, convivem com os escândalos
que surgem na imprensa.
Cynthia Catlett, sócia de Forensic
Investigations & Dispute Services da
Grant Thornton
PATRIMÔNIO EM PERIGO
A reportagem da edição de agosto
sobre a desconsideração da personalidade jurídica (“Direto ao sócio”,
ed. 132) reforça a importância de os
gestores que operam fundos no Brasil
os examinarem cuidadosamente. Conforme a matéria explica, as diligências
são de extrema importância. Além de
aumentar a previsibilidade e a transparência da informação, auxiliam
investidores na gestão de riscos, de
forma eficaz. É importante encorajar
seu uso para mitigar riscos financeiros,
jurídicos e de reputação.
Relevo
David Wright
Foto: divulgação
“A regulação deve focar
o investidor comum”
Foram mais de 34 anos se debruçando sobre as políticas regulatórias da Comissão Europeia antes
de o britânico David Wright assumir o cargo de secretário-geral da International Organization of
Securities Commissions (Iosco). Hoje, sua função é zelar pela regulação dos 120 mercados de
capitais que integram a instituição. Uma das questões que mais desassossega Wright é fazer
regras díspares convergirem. Outra é como proceder diante das mudanças que a tecnologia vem
trazendo ao mundo dos negócios. Confira abaixo sua entrevista à Relevo.
Por Bruna Maia Carrion
Integração mundial
“Acredito num mundo pacífico, com
capitais fluindo entre as nações. É para
esse caminho que a história mundial
aponta. Muitos países emergentes estão crescendo e vão se tornar grandes
mercados de capitais em conexão com
outros mercados, como Estados Unidos,
Europa e Japão. Por isso, precisamos
pensar em como assegurar que recursos continuem circulando, de maneira
responsável. Outra questão é como
garantir que regras de um mercado
não bloqueiem os fluxos de outro e
vice-versa. Temos trabalhado bastante
nisso. Montamos uma força-tarefa para
pensar em formas de integrar diferentes
regimes legais e lidar com eventuais
conflitos entre eles. Existem várias
maneiras de fazer isso — uma delas é o
reconhecimento mútuo de jurisdições.”
Derivativos
“A regulação de derivativos de balcão
é um tema importante e complicado.
É muito difícil obter dados robustos e
relativamente padronizados sobre essas
negociações, como existe para compra
e venda de ações em bolsa. Há pelo
menos 25 centros de armazenamento de
dados sobre derivativos, que não compartilham informação. Nosso objetivo
é que o maior número possível desses
derivativos sejam negociados em ambientes com câmara de compensação,
controle de riscos e dados integrados.
Hoje, 50% dos contratos de swap passam por clearings. É mais do que antes,
mas preocupa que metade deles ainda
não siga esse caminho.”
Acesso à informação
“A dificuldade de obter dados sobre
derivativos e outros produtos não é à
toa. Estão em jogo tópicos complexos
relacionados à privacidade e à propriedade da informação. Hoje, os dados são
muito valiosos comercialmente. Várias
bolsas, aliás, ganham mais ao agregar
e vender dados do que ao realizar suas
operações tradicionais. Os recentes
escândalos mundiais de espionagem
não ajudaram a trazer confiança para
o princípio de intercâmbio de informações entre países ou instituições.
Deve-se garantir, porém, que os reguladores tenham os dados necessários.
Essa situação não ocorre hoje.”
Negociação em alta frequência
“Temos analisado o problema dessas
transações há alguns anos. Embora o
assunto seja de grande importância, não
está no topo da agenda dos reguladores
agora. Se não podemos barrar o avanço
tecnológico, temos que garantir que as
negociações ocorram da forma mais
justa possível. O high frequency trading (HFT) está disponível a um grupo
limitado de pessoas. Quais — e quantas — vantagens devemos permitir que
esse grupo tenha? A regulação precisa
se focar em assegurar que investidores
comuns consigam executar suas ordens
de compra e venda da melhor maneira
possível. É nessas pessoas que devemos
pensar, não nos grandes negociadores.”
Novas tecnologias
“Ao invadir os mercados financeiro e
de capitais, a tecnologia muda a forma
como os negócios são feitos. Os intermediários podem ficar obsoletos ou
menos importantes. O crowdfunding
promete se tornar mais interessante
que a abertura de capital para muitas
companhias; é ótima solução para as
pequenas e médias. Essas mudanças são
potencialmente boas para o consumidor, mas podem tornar o mercado volátil. Reguladores terão que responder
a isso. Como prevenir os riscos e evitar
que uma pessoa gaste todo o seu dinheiro com um produto ruim? O avanço da
tecnologia tende a tornar o suitability
muito mais difícil, ou impossível.”
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 07
CAPITAL ABERTO n@ Web
Por Yuki Yokoi
Artigos
bit.ly/1DrtdVq
Blogs
Mundo da bola
Foco no usuário
bit.ly/1nNHzh9
Direito de excluir
Scilio Faver, sócio do escritório Vieira de Castro e Mansur e professor da PUC-RJ,
trata da importância de poder excluir da sociedade acionistas que cometam faltas
graves ou atos ilícitos, em detrimento da companhia.
bit.ly/1wEqPvK
Cap a
ça
refor
As demonstrações financeiras têm
um objetivo claro: levar informação
a investidores e analistas. Na prática,
porém, companhias e auditores
preparam o balanço mais preocupados
com possíveis sanções da CVM.
O resultado é o excesso de dados,
em especial das notas explicativas.
“Não deveria o regulador tomar um
papel mais ativo nesse ciclo nada
virtuoso e formalizar a exigência de
que preparador e auditor devem olhar
para o usuário, e somente para ele?”,
questionou Eliseu Martins.
ncia
bit.ly/1oRGLZs
Olhos abertos
da
Vigilâ
Eliseu Martins
A exploração dos direitos econômicos de jogadores de futebol é tema dos advogados Pedro Fida e Ulisses Bresciani,
em artigo exclusivo do site da capital aberto. No fim de
setembro, a Fifa anunciou que proibirá a compra desses
direitos por fundos de investimentos, prática comum na Europa. Por aqui, a polêmica gira em torno de uma plataforma que permite ao usuário
apostar num jogador. A dúvida é: não seria uma forma irregular de oferta pública?
ão:
traç
Ilus
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Mar
u 180
/ Gra
Raphael Martins
bit.ly/1rwda25
Termo
comprometedor
A eficiência dos termos
de compromisso é sempre um assunto polêmico.
A discussão sobre o tema
esquentou após notícias de
que um executivo da Petrobras teria apresentado à
CVM sua quarta proposta
de termo. Todas dizem
respeito à mesma infração:
falha em divulgar informação relevante. Para Raphael
Martins, o instrumento
vem sendo usado de forma
indiscriminada e pode gerar
distorções no mercado.
08 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Em vigor desde janeiro, Lei Anticorrupção impõe multas
pesadas a quem corromper funcionários públicos e
estimula companhias a investirem em compliance
Por Cristine Prestes
22 C APITAL A BERTO Fevereiro 2014
“Vigilância reforçada”, capa da edição de fevereiro, ficou
em terceiro lugar no Prêmio IBGC-Itaú 2014, na categoria
Imprensa. A reportagem de Cristine Prestes contou como
a Lei Anticorrupção estimulou as companhias a investir
em compliance.
bit.ly/1tAfrzS
bit.ly/1yFTkXR
Bom para quem?
Sem colchão
A charge da edição de outubro tratou
dos desafios impostos às companhias
pelo crescimento dos investidores com
posição vendida. “O profissional de
RI precisa estar preparado para lidar
com públicos
de interesses
uuuuuuu
fora u
diferentes,
!
uuuuu
muitas vezes
u
conflitantes”,
comentou o
presidente do
MZ Group,
Denys Roman,
pelo Facebook.
A maioria dos leitores é contra a
ideia de que as gestoras de recursos
apresentem capital mínimo para
funcionar. A proposta foi feita alguns
anos atrás pela CVM e posteriormente
abandonada. Agora, o colegiado da
autarquia determinou a reabertura
do debate e reacendeu a polêmica na
pauta do mercado de capitais.
resultados
o que aconteceu?
nossos números
estão ótimos...
chefe, acho que você
esqueceu... esta é a reunião
com os investidores que
alugam ações.
25%
75%
N@ Web
Por Bruna Maia Carrion
bit.ly/1DXV5CI
on.fb.me/1zeDNl3
Alguém feliz com a Petro
Tentativa de reação
A cada detalhe divulgado sobre o esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, a imagem da petroleira
piora. Para o short seller — investidor que ganha com
a baixa de ativos — Jim Chanos, a notícia é excelente. Em 28 de outubro, ele declarou que os papéis de
Petrobras e Vale são suas maiores apostas de desvalorização para este ano, e que a estatal de capital
aberto “não era uma ação, e sim uma armação”. Suas
palavras repercutiram no Twitter e na bolsa americana. O site Activists Short, especializado em ativistas
de posição vendida, anunciou: “A manhã é boa para
Chanos: Petrobras está em queda de 18% na negociação de ADRs. Lembrem-se, é (era) uma companhia de
US$ 80 bilhões, e não uma penny stock”.
A Petrobras tem se esforçado para melhorar sua imagem. Em sua página no
Facebook, um dia antes das incisivas
palavras de Jim Chanos, anunciou a
contratação de duas empresas independentes para investigar as denúncias
relacionadas à Operação Lava Jato, que
vem expondo escandalosos casos de corrupção com contratos da
companhia. Curtida
mais de 1.200 vezes e
compartilhada mais
de 400, a publicação
encaminhava os usuários para o blog Fatos
e Dados, ferramenta
de comunicação da
empresa. Ali, um texto
detalha as providências
que a Petrobras vem
tomando em relação
ao caso.
bit.ly/1nNVjs9
bit.ly/1yH3qrx
Faltou sensibilidade
Sem papas na língua
O antigo diretor-presidente da Microsoft, Steve Ballmer, deixou a companhia com fama de teimoso e irritadiço.
O comportamento um tanto explosivo sempre teve seu charme: os gestos
duros, as frases incisivas e o rosto vermelho de tanta exaltação chegaram a
virar meme na época em que era chefe.
Hoje, ele é um dos maiores investidores
individuais da Microsoft e não tem mais
um cargo importante para segurar a língua. Essa postura ficou evidente em sua
entrevista para o talk show de Charlie
Rose. Cerca de 10 mil pessoas assistiram
no YouTube à parte em que ele enche
a boca para falar mal da Amazon: “Eles
não ganham dinheiro nenhum, Charlie.
No meu mundo, um negócio não é de
verdade até que ganhe dinheiro.” Em
outubro, a empresa de comércio eletrônico teve prejuízo de US$ 170 milhões.
A maior epidemia de ebola da
história está acontecendo agora.
Já foram registrados 9.216 casos
em sete países, totalizando 4.555
mortes. Pegando carona no assunto,
o Goldman Sachs resolveu escrever
sobre a doença do ponto de vista do
mercado financeiro. E a conclusão foi:
não há o que temer. O banco ressaltou
que recentes temores de vírus mortais,
como a gripe suína e aviária, não
tiveram impacto algum na economia
americana, nem sequer diminuíram
o número de turistas circulando pelo
país. A análise repercutiu na internet,
com alguns usuários ironizando a
atitude do banco de analisar o ebola
do ponto de vista econômico. “Vamos
esperar que eles sejam melhores em
[prever os efeitos do] ebola do que
foram na Copa do Mundo”, comentou
um usuário do Twitter. Em maio, o
banco prognosticou vitória do Brasil
no Mundial em casa.
Acompanhe a seção Na Web
no canal “Últimas Notícias” do
site www.capitalaberto.com.br
bzfd.it/134qian
Ele fica
O que Jamie Dimon diz chama a
atenção por si só. Afinal, ele preside
um dos principais bancos do mundo,
o J.P. Morgan. Sua participação numa
conferência sobre mercado imobiliário,
em Nova York, no dia 21 de outubro,
era mais aguardada do que nunca.
O site Buzzfeed acompanhou o evento e
manteve os leitores informados minuto
a minuto pelo Twitter. É que Dimon
luta contra um câncer de garganta
desde julho e passa por tratamento de
quimioterapia. Havia a expectativa de
que, durante a conferência, anunciasse
seus planos para o futuro, como deixar
a companhia para cuidar da saúde, por
exemplo. O CEO do J.P. Morgan declarou, contudo, que pretende permanecer
à frente do banco por mais cinco anos,
para depois se dedicar a algum projeto
de caridade.
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 09
Seletas
Por Yuki Yokoi
Ajustes na Instrução 480 melhoram a
divulgação de informações
CVM facilitará voto à distância
em assembleia ordinária
Criada em 2009, a Instrução 480 da CVM reformou as regras para registro de emissores e criou
o formulário de referência — hoje, o documento
com informações das companhias abertas mais
completo à disposição dos investidores. A partir
de janeiro de 2015, a quantidade de conteúdo irá
aumentar, graças à edição, em outubro, da Instrução 552, que trouxe novidades para o formulário.
Dois dos mais delicados temas que o mercado
enfrenta atualmente ganharam anexos específicos.
No de número 32, estarão descritas informações
sobre aumento de capital e exercício do direito de
preferência. Com a reforma da 480, o regime de
divulgação de informações de aumento de capital
deliberado pelo conselho de administração passa
a estar sujeito às mesmas exigências da operação
submetida ao crivo de uma assembleia de acionistas, pondo fim à atual assimetria. As companhias
que aprovarem a capitalização apenas com o aval
dos board deverão fornecer dados que vão desde
as características da transação até a “opinião dos
administradores sobre os efeitos do aumento
de capital, sobretudo no que se refere à diluição
provocada”. As regras a serem adotadas para o
exercício de direito de preferência e exercício de
sobras também deverão ser informadas.
O outro tema é o regime de informações das
transações com partes relacionadas, que foi fixado no anexo 33. A divulgação do documento será
imediata e obrigatória sempre que a companhia
celebrar operações que representem, individualmente ou em conjunto, R$ 50 milhões ou 1% do
ativo total do emissor. A comunicação de negócios
abaixo dos parâmetros definidos ficará a critério
da administração.
No mês passado, a CVM iniciou a reforma da Instrução 481, para
facilitar o voto à distância. A proposta do regulador é criar um boletim,
padronizado e disponível no sistema eletrônico IPE, que antecipe as
diversas situações de voto de uma assembleia ordinária. Assim, o investidor poderá participar de qualquer votação remotamente, sem precisar
de um procurador.
O boletim poderá ser enviado de duas formas. A primeira delas é com
a ajuda da própria companhia, que disponibilizará o boletim para que
o investidor o preencha com seus votos. Caberá à empresa determinar
procedimentos e garantias que atestem a autenticidade do documento.
A segunda forma de envio é a mais inovadora: o boletim poderá chegar
à companhia por meio do banco depositário ou do custodiante do papel.
Essa nova cadeia de envio de voto tende a ser usada por investidores
institucionais, principalmente os estrangeiros. Ao enviar o boletim com
seus votos pelo custodiante ou depositário, os acionistas não residentes
no Brasil ficarão livres do custo e da burocracia atualmente exigidos,
como a notarização e a consularização dos documentos. A facilidade
virá do aproveitamento do banco de dados que esses agentes possuem,
já usado para o pagamento de proventos. A transmissão da antecipação
de voto será, portanto, um serviço adicional que poderão oferecer.
“Tentamos fazer um boletim
que inclua todas as situações
possíveis”, diz Luciana Dias,
diretora da CVM. O material
cogitará a possibilidade de voto
múltiplo, por exemplo, e permitirá a inclusão de matérias e
candidatos com critérios mais
flexíveis do que os previstos
em lei. O modelo sugerido de
boletim está disponível para comentários, assim como o novo
texto da instrução. A consulta
pública vai até 19 de dezembro,
e a expectativa é que a norma
seja editada no primeiro semestre de 2015.
Se o cronograma for cumprido, a implantação do novo
sistema será feita em duas etapas. Nos dois primeiros anos de
vigência, apenas as companhias
integrantes do Ibovespa e do
IBX serão obrigadas a oferecer
o boletim de votação. Após esse
período, o sistema será ampliado para todas as empresas registradas na categoria A. Paralelamente, a
CVM deverá avaliar a possibilidade de ampliar o uso do boletim, para que
o voto remoto seja utilizado também nas assembleias extraordinárias.
10 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Ilustrações: Rodrigo Auada
BNDES seleciona gestores
de fundos que fomentarão
Bovespa Mais
Brasil Plural e Leblon Equities serão os gestores
dos primeiros fundos apoiados pelo BNDES para
fomentar as ofertas iniciais de ações (IPOs) de
companhias de médio porte. A iniciativa faz parte
do Programa BNDES de apoio a ofertas públicas
em mercados de acesso. O patrimônio comprometido nos dois fundos somará cerca de R$ 600
milhões, e a participação do banco de fomento será
de aproximadamente 30%.
A Leblon Equities criará um fundo de investimento em participações (FIP) para investir tanto
em empresas que se prepararam para um IPO no
Bovespa Mais quanto em companhias que, logo
após a estreia em bolsa, necessitem de liquidez. “No
primeiro trimestre de 2015, já estaremos prontos
para começar a investir”, diz Pedro Rudge, sócio
da gestora.
Já a Brasil Plural pretende aportar recursos em
companhias mais próximas do IPO. “Buscamos
empresas que possam chegar ao Bovespa Mais num
período que pode variar de seis meses a dois anos”,
afirma Rodolfo Riechert, diretor-presidente do
banco. A ideia é aproveitar a atividade das diversas
áreas do Brasil Plural para encontrar companhias
que necessitem de reforço financeiro, ajustes de
governança e orientação para preparar uma abertura de capital. Grandes arrumações de casa não
estão nos planos do banco.
Interagentes lança cartilha com orientações
para administradores
A responsabilidade dos
administradores é o assunto da vez. Prova disso é a
crescente lista de executivos na berlinda: Petrobras,
OGX, Oi e Forjas Taurus
são algumas das companhias que enfrentam
questionamentos, e até
processos, devido à suspeita de que seus executivos
não foram diligentes o
bastante. Para orientar os
administradores, o grupo
de trabalho (GT) Interagentes, formado por 11
entidades do mercado,
lançou uma cartilha sobre o tema.
O documento traz orientações para circunstâncias específicas. Uma
delas é como agir em companhias de economia mista. De acordo com
a Lei das S.As., a responsabilidade do administrador dessas empresas é
igual à do comandante de companhia aberta. O artigo 238, no entanto,
permite que o acionista controlador oriente “as atividades de modo a
atender o interesse público que justificou a sua criação”. Para evitar que
essa exceção seja mal utilizada, a cartilha sugere aos administradores
informar se suas decisões estão fundamentadas no dispositivo.
As fusões e aquisições também ganharam recomendações. A cartilha
destaca a importância de o gestor fazer as devidas indagações e obter
todas as informações necessárias para uma tomada de decisão refletida,
informada e desinteressada, avaliando as opções existentes. E ressalta: se
for o caso, deve exercer a prerrogativa ou o dever de dizer não à operação.
Ourofino promove primeiro IPO do ano
A Ourofino, fabricante de produtos
farmacêuticos para animais, protagonizou, em outubro, o primeiro IPO
do ano. No pregão de estreia, as ações
ordinárias da companhia do interior
paulista, listadas no Novo Mercado, fecharam com alta de 2,4%, a R$ 27,65 — o
preço de colocação foi de R$ 27, no topo
da expectativa. Foi a primeiro abertura
de capital do mercado brasileiro desde
a estreia da CVC, em dezembro de 2013.
A transação, em pleno período eleitoral, surpreendeu o mercado. A novata
conseguiu captar R$ 418 milhões, dos
quais R$ 311 milhões foram obtidos
por meio de oferta secundária — além
dos fundadores, a BNDESPar, braço de
investimentos do BNDES, atuou como
acionista vendedora.
A presença do General Atlantic no
papel de investidor âncora garantiu o
sucesso da emissão. O fundo de private
equity comprou R$ 200 milhões em
ações, conforme havia se comprometido previamente, e garantiu a demanda.
Em abril do ano passado, o General
Atlantic agiu da mesma forma no IPO
da Smiles, empresa de programas de
fidelização da Gol.
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 11
Seletas
Providência desagrada minoritários
com fechamento de capital
Os acionistas minoritários da Providência, líder na fabricação de não tecidos no Brasil, estão bastante zangados com a
PGI, que adquiriu o controle da companhia em janeiro. Dona
de 71,2% do capital, a empresa de origem americana vem tentando convencê-los a acatar um fechamento de capital que
eles consideram desfavorável. Um dos motivos é a sinalização
da Providência de que deixará o Novo Mercado mesmo sem
conseguir a adesão dos minoritários ao leilão de retirada
das ações da bolsa.
A oferta pública de aquisição de ações (OPA) para
fechamento de capital depende do aval de dois terços dos donos de ações em
circulação. Já a OPA exigida pela BM&FBovespa para
saída do Novo Mercado está
condicionada à aprovação da
maioria dos acionistas em assembleia. Como o controlador
pode aprovar a oferta de aquisição exigida para deixar o Novo
Mercado, o sucesso dessa parte da operação é garantido. Os
minoritários alegam que a saída do nível diferenciado de governança os induz a aceitar a oferta para de fechamento de capital.
As duas transações serão unificadas. E a elas se somará
ainda uma terceira OPA — esta decorrente do artigo 254A da Lei das S.As. O dispositivo garante aos investidores o
direito de receber ao menos 80% do valor pago pela PGI ao
antigo controlador, um grupo de fundos de investimentos.
Os minoritários discordam do preço proposto, de R$ 9,55 por
ação, válido para as três ofertas. O valor correto, na visão deles,
é R$ 9,75, uma vez que a PGI pagou R$ 9,75 pelo controle, dos
quais R$ 0,20 corresponderam à remuneração do Lazard, assessor da transação. Para os minoritários, descontar os R$ 0,20
significa lhes repassar uma despesa exclusiva dos controladores.
Por fim, reclamam da proposta de pagamento: R$ 7,36 à
vista e outros R$ 2,19 a prazo. A fatia parcelada se vincula,
principalmente, a uma contingência tributária que o balanço
da companhia não havia provisionado. Diante da insatisfação,
a Providência se propôs a pagar R$ 8,15 à vista, em parcela
única. Os minoritários avaliam, no entanto, que o valor ainda
está abaixo do que consideram justo.
Acompanhe a seção Seletas no canal “Últimas
Notícias” do site www.capitalaberto.com.br
12 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Cade ajusta os critérios de notificação
e análise de atos de concentração
O Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência
(Cade) publicou mudanças nas regras que definem os critérios
de notificação e análise de atos de concentração. Os ajustes
resultam da experiência acumulada pelo órgão antitruste nos
últimos dois anos, período de vigência do arcabouço que implantou a necessidade de aprovação prévia para as operações
com potencial de afetar a livre concorrência.
Uma das novidades se refere a operações realizadas em
bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado.
A regra atual esclarece que essas transações não dependem
de aprovação prévia. Na prática, o entendimento já existia,
mas não estava explícito na Resolução 2, agora alterada com
a publicação da regra de número 9. No entanto, haverá a
suspensão automática do exercício dos direitos políticos
relativos à parcela comprada até que o conselho dê o aval
para a transação.
Estão sujeitos ao embargo todos os negócios que se
encaixarem na nova versão do artigo 10 da resolução.
No caso de empresas concorrentes ou que atuem em negócios
verticalmente relacionados, a suspensão vale para compras
de, ao menos, 5% do capital social ou votante. Para as não
concorrentes, o sarrafo é mais alto: 20%.
O Cade também promoveu um ajuste significativo nas regras aplicáveis aos fundos de investimentos. A partir de agora,
será levada em conta apenas a receita dos cotistas com mais
de 50% do fundo envolvido na transação ou das empresas nas
quais o veículo detenha pelo menos 20% do capital. Antes,
o faturamento do
gestor também era
considerado e, por
causa disso, um número elevado de
casos sem potencial
para afetar a livre
concorrência era
submetido ao órgão. “Com isso, o
Cade atendeu um
pleito antigo da indústria, afastando
a distorção que era
analisar casos de
baixa relevância”,
comentou Carlos
Alexandre Lobo,
sócio do Veirano
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Jurisprudência
Boletim
ANO VIII — No
60
Mercado de Capitais
Este mês apresentamos três casos. No primeiro, a CVM informou à empresa ISDA ser desnecessário
registrar contratos assinados no exterior conforme a Lei 6.385. O segundo evento foi uma demanda que
não teve sucesso: o presidente da Rima Industrial viu sua reconsideração de processo administrativo
sancionador ser negada pela autarquia. Por fim, o Santander conseguiu autorização para realizar oferta
pública de aquisição de ações (OPA) de saída do Nível 2 da BM&FBovespa sem atender limite de compra.
Registro exigido pela Lei 6.385 não
vale para contrato firmado no exterior
O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) deu parecer favorável a uma consulta a respeito do escopo e da abrangência do parágrafo 4o do artigo 2o da Lei 6.385. No pedido, feito em 26 de agosto, a International Swaps and Derivatives Association
(ISDA) indagou:
1. se o registro exigido pela Lei 6.385 alcançaria
aqueles contratos celebrados no exterior e regidos por lei
estrangeira, que formalizavam operações de derivativos
entre pessoas jurídicas localizadas no Brasil e contrapartes estrangeiras (por exemplo, o ISDA Master Agreement, publicado pela consulente);
2. se esse registro também se aplicaria a negócios
que, por suas características, assemelhavam-se às operações de derivativos (por exemplo, opções de venda e
compra de ações ou compromissos de venda conjunta,
comuns em operações de fusão e aquisição de sociedades anônimas).
O colegiado ouviu a Superintendência de Relações
com o Mercado (SMI) e a Procuradoria Federal Especializada da CVM (PFE) antes de responder à consulta
da ISDA. Segundo seu entendimento,
1. o registro de que trata o parágrafo citado da Lei
6.385 não constitui requisito de validade para os contratos celebrados no exterior e regidos por lei estrangeira, ainda que tenham sido firmados por brasileiros. No
entanto, esse entendimento não prejudica a incidência
de deveres de natureza regulatória atualmente existen-
tes ou que venham a ser estabelecidos pelos reguladores brasileiros; e
2. o texto legal é aplicável a todos os contratos enquadráveis ao conceito de contrato derivativo previsto
na Lei 6.385. Sua aplicação, portanto, não se estende às
operações que não estejam previstas nos incisos VII e
VIII do artigo 2o da Lei 6.385.
CVM nega reconsideração de
julgamento do presidente da Rima
Com fundamento no artigo 65 da Lei 9.784, Ricardo
Antonio Vicintim pediu reconsideração do julgamento
de um processo administrativo sancionador (PAS) que
o condenou, na qualidade de diretor-presidente e acionista controlador da Rima Industrial S.A.
Conforme os argumentos do recorrente,
1. o artigo 55 da Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabelece que a companhia,
seus controladores e administradores respondem por
infrações cometidas até o cancelamento do registro da
companhia;
2. em 12 de abril de 2010, a Rima teve seu registro
suspenso pelo regulador;
3. faltaria à autarquia competência para aplicar a penalidade de multa e para até mesmo prosseguir com o
processo sancionador, uma vez que a responsabilidade
imputada no processo diz respeito a conduta supostamente contrária à lei, praticada na assembleia geral ordinária de 20 de abril de 2012.
O relator Roberto Tadeu esclareceu que, de acordo
com o que o colegiado já decidiu nos autos dos processos
administrativos sancionadores 5, de 2008, e SP2007/139,
não caberia pedido de reconsideração das decisões do
órgão da CVM em julgamento de PAS. Essas decisões
seriam passíveis de recurso ao Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), segundo o parágrafo 4o do artigo 11 da Lei 6.385 e o artigo 37 da Deliberação 538 da CVM, publicada em 2008.
O relator ressaltou, ainda, que a revisão prevista pelo
artigo 65 da Lei 9.784 seria cabível somente após o trânsito em julgado, caso surgissem fatos novos ou circunstâncias relevantes capazes de justificar a inadequação
da sanção aplicada. Dessa forma, não se poderia falar
em revisão de uma decisão ainda passível de recurso
ao CRSFN.
O colegiado, por unanimidade, se baseou nos argumentos sustentados por Tadeu para manter a decisão recorrida. Indeferido, assim, o pedido de reconsideração,
deve ser dado regular trâmite legal ao processo.
Santander é dispensado de observar
limite em OPA de saída do Nível 2
O espanhol Banco Santander S.A. requereu, em conjunto com Banco Santander Brasil S.A., o registro da
oferta pública de aquisição de ações (OPA) para saída
do Nível 2 de governança corporativa da BM&FBovespa.
A OPA para saída do Nível 2 visava a compra de todas
as ações ordinárias e preferenciais, bem como units, de
emissão do Santander Brasil que não fossem de titularidade do ofertante — o Santander Espanha, acionista
controlador da companhia. A forma de pagamento proposta foi a permuta por Brazilian depositary receipts
patrocinados Nível III (BDRs Nível III), representativos de ações ordinárias de emissão do banco espanhol.
O ofertante solicitou, ainda, a dispensa de observar
os limites de aquisição de um terço e dois terços das
ações em circulação, previstos no artigo 15 da Instrução
361 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Com
base no artigo 35 da norma, alegou que a OPA:
1. decorreria de exigência do regulamento de listagem do Nível 2;
2. não implicaria no cancelamento do registro de
companhia aberta; e
3. ofereceria um preço de aquisição (permuta) superior ao valor econômico da ação, apurado pelo N. M. Rothschild & Sons (Brasil) Ltda., instituição selecionada
pelos titulares de ações em circulação em assembleia geral extraordinária realizada em 9 de junho.
A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) manifestou-se favoravelmente ao pleito.
A dispensa poderia ser concedida, desde que a OPA para
saída do Nível 2 contasse com mecanismo de tutela da
liquidez das ações remanescentes, com vistas a assegurar que seus destinatários, livres de coerção, pudessem
tomar uma decisão refletida e independente quanto à
aceitação da OPA, conforme prevê o inciso II do artigo
4o da Instrução 361.
Nesse contexto, a SRE entendeu que um mecanismo
de tutela adequado seria a obrigação de o ofertante adquirir as espécies de ações remanescentes, pelo prazo de
três meses, caso a adesão à referida OPA fosse superior
a um terço das respectivas espécies de ações em circulação, nos moldes previstos pelo parágrafo 2o do artigo
10 da norma citada. Para tanto, a exigência acarretaria
na alteração do item 7.1 do edital da OPA.
O colegiado concordou com o entendimento da SRE
no que diz respeito à dispensa da observância, por parte do ofertante, dos limites de que trata o artigo 15 da
Instrução 361. No entanto, o órgão da CVM concedeu a
autorização sem condicioná-la à alteração do edital da
OPA, por entender que a exigência formulada pela SRE
não encontrava respaldo na Instrução 361.
Jurisprudência Mercado de Capitais é um informativo bimestral produzido por Motta, Fernandes Rocha Advogados e veiculado
com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. Comentários sobre o informativo podem ser enviados para o e-mail [email protected].
Capa
União
instável
Interesses
privados opõem
Nippon e Ternium,
os dois acionistas
controladores
da Usiminas.
Desde que eles se
juntaram, a ação
desaba na bolsa
de valores
16 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Por Yuki Yokoi
O
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
casamento entre os japoneses do grupo liderado pela
Nippon e os argentinos da
Ternium-Techint, que juntos comandam a Usiminas,
estremeceu no fim de setembro. Uma investigação
conduzida por Paulo Penido,
presidente do conselho de administração da siderúrgica, apontou que Julián
Eguren, CEO da companhia, e Paolo
Bassetti e Marcelo Chara, ambos vice-presidentes, receberam remuneração
irregular ao longo dos últimos dois
anos. A denúncia rendeu a exoneração
dos executivos durante a reunião do
board realizada em 25 de setembro.
O detalhe: Penido é indicado pelos japoneses, enquanto os demitidos fazem
parte da cota dos argentinos. A polarização é mais do que simbólica. O episódio
expôs uma relação há muito desgastada
e cheia de interesses particulares.
O controle acionário da Usiminas resulta de um acordo firmado no começo
de 2012 que se estenderá até 2031. Sua
assinatura ocorreu logo após empresas
do grupo Ternium se unirem para comprar os 25,97% das ordinárias até então
pertencentes a Votorantim e Camargo
Corrêa e outros 1,69% que eram da Caixa de Empregados da Usiminas (CEU)
— participações que integravam o bloco de controle na época. De posse das
ações, os argentinos passaram a compartilhar o comando com os japoneses,
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 17
Capa
donos de 27,75% das ordinárias, e a CEU, que restou com 6,75% do capital votante. Desde então, o
consenso é regra na Usiminas. O acordo exige que
todas as matérias submetidas ao crivo do conselho
de administração ou de uma assembleia geral sejam previamente aprovadas pelos controladores.
As minúcias que circundam a dispensa dos
executivos denotam que malícia e ingenuidade
não são características exclusivas de nenhum dos
controladores. A acusação de remuneração irregular foi feita pela Nippon. Em silêncio, o chairman
Paulo Penido conduziu uma investigação interna e
confirmou as suspeitas dos japoneses: os diretores
receberam benefícios que seus pacotes de remuneração, previamente aprovados pelo conselho, não
lhes concediam. O chairman, então, compartilhou
a informação com os colegas do board, que exigiu
a devolução dos valores indevidos. O ressarcimento não foi considerado suficiente. Na visão da
Nippon, a má conduta dos executivos pode “provocar danos reputacionais e, portanto, não passíveis
de perdão”. Por isso, em junho, “de forma a proporcionar um exemplo interno e manter os mais altos
níveis de padrão moral na companhia”, propôs a
destituição imediata dos diretores.
A decisão provocou o primeiro embate. Os três
conselheiros indicados pela Nippon e os três designados pela Ternium não chegaram a um consenso
na reunião prévia ao encontro do conselho, como
exige o acordo de acionistas. Os japoneses invocaram a Lei das S.As. e foram adiante com o plano
de demissão. O artigo 118 do diploma prevê que a
celebração do acordo não exime as partes de suas
responsabilidades — e, assim, a Nippon interpretou que o dever fiduciário de punir a irregularidade
é obrigação que não pode ser restringida pelas
regras acertadas entre os sócios. A contragosto dos
argentinos, foi realizada a reunião do conselho de
administração do último dia 26 de setembro.
O placar não poderia ter sido mais apertado.
A favor da exoneração votaram os três conselheiros
indicados pelos japoneses e os dois representantes
dos minoritários, preferencialistas e ordinaristas.
Do outro lado ficaram os três administradores
conduzidos pelos argentinos, além dos dois conselheiros eleitos pelo fundo de previdência CEU.
Como o desempate é atribuição do chairman,
Penido fez prevalecer a vontade da Nippon.
A Ternium reagiu. Recorreu ao Poder Judiciário
mineiro, pedindo uma liminar que anulasse a reunião do dia 25. Os argentinos invocaram o mesmo
18 C APITAL A BERTO Novembro 2014
artigo 118 da Lei das S.As., usado na argumentação dos japoneses, desta vez para alegar que a legislação determina que o
presidente da assembleia ou do conselho de administração
“não computará o voto proferido com infração de acordo
de acionistas”. Se o fizer, na leitura de advogados, violará o
combinado — o contrato entre os controladores estabelece
que a deposição do diretor-presidente é uma das matérias
sujeitas a reunião prévia. A Justiça, entretanto, negou o
pleito da Ternium, que prometeu prosseguir com a ação em
outras instâncias.
Gota-d’água
Foi quando chegou ao tribunal que a briga ganhou vulto.
Primeiro, por tornar-se pública — a Justiça de Belo Horizonte negou o pedido de sigilo do caso. Depois, porque os dois
controladores não pouparam esforços para trocar acusações
na imprensa. Os pormenores da polêmica em torno da remuneração começaram a parecer, ao menos financeiramente, desproporcionais a uma batalha judicial com tamanha
visibilidade.
Os argentinos não negam a existência da remuneração.
Alegaram que o pagamento ocorreu por engano do departamento de recursos humanos (RH) da Usiminas e que os
valores impróprios foram devolvidos. Denominado Bônus
Car, o privilégio concede aos executivos valores equivalentes
ao de automóveis — a auditoria interna apontou que os três
diretores receberam, entre janeiro de 2012 e fevereiro de
2014, R$ 925 mil. Enquanto os sócios se debatiam, as ações da
Usiminas descambavam. As ordinárias caíram 9,41% do início
de pendenga, em 24 de setembro, até o dia 24 de outubro; as
PNAs, mais líquidas, recuaram 20%, ante baixa de 8,13% do
Ibovespa. No período, a companhia perdeu R$ 47,2 milhões
em valor de mercado.
Lance astuto
Até o fechamento desta edição, a dispensa dos três diretores
não havia sido revertida. A conquista da Nippon, no entanto,
assumiu ares de vitória de pirro após o revide arquitetado pela
Ternium. No dia 2 de outubro, uma semana após a demissão, os argentinos anunciaram a compra de 10,4% das ações
ordinárias detidas pelo fundo de pensão dos funcionários do
Banco do Brasil, a Previ. Pagaram R$ 616 milhões, o equivalente a R$ 12 por papel, um sobrepreço de 82% em relação à
cotação de mercado. Com a tacada, a Ternium atingiu 37,83%
das ONs da Usiminas. Essa posição, entretanto, não afeta o
equilíbrio de poder dos controladores. O acordo de acionistas cogita a possibilidade de seus signatários adquirirem
ações ao longo do tempo, mas não as incorpora aos termos
assinados em 2012. Dessa forma, as novas ações tornam-se
nulas para efeito da disputa societária. A Ternium continuará
votando com 27,66% das ordinárias, conforme o percentual
estabelecido no acordo. A participação excedente irá apenas
contabilizar em favor da posição definida nas reuniões prévias
aos encontros decisórios.
A limitação parecia não justificar a aquisição dos papéis da
Previ. Oficialmente, o grupo manifestou que o negócio era
apenas uma demonstração de seu compromisso com a Usiminas. No dia 28 de outubro, entretanto, a tacada ficou clara: o
conselheiro Wanderley Rezende de Souza, indicado ao posto
pela Previ, renunciou. A atitude seria apenas consequência
da redução da parcela acionária nas mãos do fundo — que
restou com 0,27% das ordinárias da companhia e 1,33% das
preferenciais —, não fosse uma peculiaridade: oito
dos dez membros do conselho de administração da
Usiminas foram eleitos por voto múltiplo.
O benefício do voto múltiplo é assegurado pela
legislação societária aos investidores que possuam, no mínimo, um décimo do capital social.
Ele amplia as chances de minoritários elegerem
representantes ao atribuir a cada ação o número
de votos equivalente ao total de assentos a serem
ocupados. A legislação, no entanto, prevê um estorvo: uma vez adotado o voto múltiplo, a renúncia
de qualquer um dos eleitos por meio dele provoca
a destituição de todos os demais.
A saída de Souza foi, portanto, providencial para
a Ternium — ou estratégica, na visão de alguns investidores. Argentinos e japoneses terão que designar, cada um, três membros para o novo conselho
(e nada impede que reconduzam os atuais administradores). O ponto crítico do processo será a escolha do presidente do órgão. Os controladores precisarão sentar para acordar quem ficará com o posto; já se sabe que, por oposição da Ternium, o nome
não será Paulo Penido, o chairman de confiança
dos japoneses. Os argentinos questionam, inclusive na Comissão de Valores Mobiliários (CVM),
sua isenção. Segundo porta-vozes da Ternium,
além de ter violado a legislação ao aceitar os votos
favoráveis à demissão dos diretores, Penido agiria
com mais zelo pelos interesses econômicos dos
japoneses do que pelos da própria Usiminas.
Cortina de fumaça
O embate deflagrado pelo erro do setor de RH é, na
verdade, a ponta de um iceberg. Na base da montanha de gelo estão os interesses econômicos que
levaram duas empresas de culturas tão diferentes
a se unir. Os japoneses estão na Usiminas desde a
sua criação, na década de 1950, durante o governo
Juscelino Kubitschek. Originalmente, a empresa
era uma joint venture que mesclava a participação
estatal ao apoio financeiro e tecnológico japonês.
Em 1991, a companhia desembarcou na bolsa de
valores após inaugurar o Programa Nacional de
Desestatização previsto no Plano Collor. A partir
daí, passou ao controle exclusivo de sócios privados.
A antiga participação na Usiminas é fonte de
lucros altos para os sócios nipônicos. A companhia
resulta de um conjunto de empresas que atuam
na cadeia siderúrgica — da mineração à transformação do aço. Elas pagam royalties pelo uso
da tecnologia oriental ou compram máquinas e
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 19
Capa
equipamentos do grupo liderado pela Nippon (que
inclui, por exemplo, a Mitsubishi). Os contratos
são rentáveis para os japoneses, mas vinham encolhendo desde o ingresso da Ternium. Em março de
2014, somavam R$ 419 milhões, ante R$ 1,3 bilhão
no mesmo mês de 2012 e R$ 38 bilhões em 2011.
A Ternium, por sua vez, investiu cerca de R$ 5
bilhões para entrar no bloco de controle da Usiminas em 2012 (sem contar os mais de R$ 600
milhões desembolsados este ano, pelas ações da
Previ), com a intenção de fazer a companhia ganhar
eficiência operacional. O que se viu na última linha
do balanço foi o oposto. Depois de uma década de
lucros líquidos consecutivos, a Usiminas passou
a registrar prejuízo: em 2012, perdeu R$ 639,5
milhões; no ano passado, R$ 141 milhões. Para os
acionistas, foram dois anos sem dividendos e com
forte queda do valor do papel. Ao ingressar na
companhia, em 2011, a Ternium pagou R$ 36 por
cada ação do bloco de controle (as ações ordinárias
negociavam na casa dos R$ 20 na bolsa de valores).
Hoje, o preço de R$ 6,83 representa uma perda
acumulada de 81%.
Assim, quando vistos de perto, os interesses
econômicos abalados de ambas as partes se mostram um motivo mais plausível para a queda de
braços do que as divergências em torno do bônus
irregular. A troca de farpas agora pública, no entanto, já vinha acontecendo nos bastidores, sob
as mais variadas alegações. Em abril, a Nippon
havia sugerido uma espécie de revezamento da
diretoria: a cada dois anos, ela e a Ternium se
alternariam na indicação dos principais diretores.
Para a companhia, os argentinos teriam feito da
Usiminas uma espécie de cabide de empregos, ao
alocar um número excessivo de indicados seus na
siderúrgica, cada vez mais bem remunerados. De
acordo com o último Anuário de Governança Corporativa das Companhias Abertas, publicado pela
capital aberto este ano, a remuneração global
dos administradores subiu 87% de 2012 para 2013,
passando de R$ 16,5 milhões para R$ 30,9 milhões.
Caldeirão de insatisfações
Conforme os controladores digladiam-se entre si, o
principal minoritário da Usiminas também coloca
suas reivindicações em jogo. Marcelo Gasparino,
conselheiro indicado pelo fundo Geração LPar,
do investidor Lírio Parisotto, dispõe de 5,33% das
preferenciais e carrega uma lista de melhorias a
serem feitas no próximo biênio. Para aumentar a
20 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Opiniões ainda divididas sobre tag along
Em 2011, quando a Ternium chegou ao bloco de controle da
Usiminas, muitos investidores argumentaram que a compra
de quase 30% das ações ordinárias pelos argentinos deveria
desencadear o tag along — direito dado ao minoritário de vender
sua parcela, em oferta pública, por pelo menos 80% do valor pago
pelos papéis do controlador. Na época, a pendenga foi parar na
Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O regulador entendeu que
movimentações dentro do bloco de controle, como a que ocorreu
na Usiminas, não disparavam o benefício. Ainda assim, o fato de
a Ternium desembarcar na siderúrgica assumindo o comando da
diretoria sempre deixou no ar a suspeita de que poderia ser mais
poderosa do que aparentava.
A atual briga com a Nippon ressuscitou a polêmica. Há quem
entenda que a disputa entre os dois controladores mostrou o acerto
da CVM ao não conceder o tag along. “Ficou claro que nenhuma das
duas empresas manda sozinha na Usiminas”, disse um advogado
consultado pela reportagem. Já a Associação de Investidores no
Mercado de Capitais (Amec), em artigo publicado em 27 de outubro, reafirmou sua visão de que o tag along era aplicável e cravou
uma opinião sobre a disputa atual: “O que estamos assistindo na
Usiminas é uma briga pela divisão dos espólios da companhia,
desviados dos minoritários em favor dos controladores. É a prova
material dos ganhos desproporcionais e injustificados dos controladores, o que, de certa forma, explica os elevados prêmios
pagos pelas ações de controle”. Na visão da Amec, quando um
comprador paga um prêmio pelas ações, esse benefício deve ser
compartilhado com todos os acionistas. (Y. Y.)
vigília, o executivo reivindicará alteração no regimento do
conselho de administração, documento interno que regula
o funcionamento do board. O normativo atual exige que
ao menos três conselheiros apoiem a inclusão de um tema
na pauta de reunião, mas o problema é que apenas os dois
controladores possuem tal quórum. Os outros pedidos são
a migração para o Nível 2 da BM&FBovespa e a instalação
de conselhos de administração com representantes dos
minoritários nas principais subsidiárias, além da reforma do
acordo de acionistas, para que os não controladores tenham
mais direitos.
Enquanto isso, a Usiminas segue com o comando rachado
e inerte. O acordo requer o consenso para todas as decisões
relevantes — sem ele, o bloco não vota. Em 29 de outubro,
dia seguinte ao encontro em que o conselheiro da Previ renunciou, o board se reuniu novamente, mas não chegou a nenhuma decisão. Em comum entre os envolvidos, inclusive os
minoritários, prevalece o interesse de que o duelo se encerre
o quanto antes. Até agora, ninguém ganhou nada com ele.
CAPTAÇÕES
As novidades da Instrução 551
Camila Goldberg e Gabriel Bürgel
D
esde a abertura de audiência pública para alterar as
Instruções 400 e 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no sentido de permitir ofertas públicas com esforços restritos de ações e outros ativos, criou-se grande expectativa no mercado. A facilitação do acesso
ao mercado de capitais é sempre uma iniciativa bem-vinda.
Se nos últimos anos as ofertas iniciais de ações já não
vinham repetindo os números do fim da década passada,
o primeiro semestre de 2014 foi emblemático por não ter
registrado nenhum IPO — o que não ocorria desde 2004.
Além dos diversos fatores exógenos que ajudam a explicar
os números baixos de captações no mercado de capitais,
há o receio das companhias em relação ao custo-benefício
desse tipo de negócio.
Por outro lado, é expressivo o volume recente de debêntures ofertadas via Instrução 476: segundo a Cetip, mais de
70% do estoque em circulação é composto por títulos desse
tipo, o que se deve, em parte, à agilidade do processo.
Diante desse cenário, e com o objetivo de facilitar o
acesso ao mercado, em 25 de setembro a CVM editou a Instrução 551. Sua grande novidade é justamente permitir que
ações, debêntures conversíveis ou permutáveis em ações,
bônus de subscrição, certificados de depósitos e BDRs Nível
3 sejam ofertados com esforços restritos de colocação sob
o regime da Instrução 476, com dispensa automática do
registro da oferta perante o regulador.
Para o lançamento e a distribuição dos ativos nessa modalidade será preciso, todavia, que os emissores observem
certas regras. Destacam-se, entre elas, as seguintes obrigações, por parte da companhia: ser registrada na CVM como
emissora categoria A, conforme a Instrução 480; e conferir
direito de prioridade de aquisição a seus acionistas na subscrição dos valores mobiliários ofertados.
A exigência de registro na categoria A tem gerado dúvidas sobre a efetividade da norma em simplificar e popularizar as ofertas, pois um dos grandes atrativos da 476 seria
justamente evitar as obrigações aplicáveis às companhias
abertas. De todo modo, a dispensa de registrar a oferta na
CVM ou na Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e de seguir as regras
da Instrução 400 deve ser encarada como boa notícia pelas
organizações mais enxutas que desejam acessar o mercado.
Outra novidade é a não aplicabilidade do lock-up à
negociação dos valores mobiliários após 90 dias de cada
subscrição ou aquisição. Cite-se, ainda, a possibilidade de
negociação no mercado secundário por investidores de varejo, para companhias que realizem oferta pública de ativos
Ao permitir ofertas públicas com esforços restritos
de ações e outros ativos, a nova 476 causa grande
expectativa de retomada nos IPOs
das mesmas espécie e classe registradas na CVM ou após 18
meses da admissão para negociação em bolsa de tais ativos.
Houve também mudanças nas regras gerais da norma,
como o aumento do número de investidores qualificados
que a empresa pode procurar (de 50 para 75) e que podem
subscrever ou adquirir os papéis (de 20 para 50). Fundos e
carteiras administradas cujas decisões de investimento sejam tomadas pelo mesmo gestor serão considerados como
um único investidor, e o envio à CVM de anúncio de início
da oferta deve ocorrer em cinco dias contados da “primeira
procura a potenciais investidores” (o que já gera dúvidas
sobre qual seria exatamente esse momento).
Embora ainda não se saibam quais serão as consequências
efetivas da regra, já se inicia um movimento de procura pela
estruturação de captações por meio da nova 476. É grande a
expectativa de retomada nas ofertas públicas e IPOs, principalmente por parte de companhias de médio porte.
O boletim captações é um informativo bimestral produzido por BM&A (www.bmalaw.com.br) e veiculado com exclusividade pela capital aberto. As opiniões aqui expressas são as do escritório
e não, necessariamente, as da revista.
Conduta
Insider começa
em casa
Por Yuki Yokoi
O mau uso de informação privilegiada é um
problema grave, cuja solução vai além de fiscalizar
e punir. Cabe aos profissionais envolvidos com
fusões e aquisições prevenir o risco de vazamento
— e, se ele ocorrer, fazer a coisa certa
22 C APITAL A BERTO Novembro 2014
D
Questão endêmica
A incidência do insider trading nas fusões e aquisições vem sendo retratada em diversos estudos
e reportagens. Em junho, pesquisadores das
Universidades McGill e de Nova York publicaram
o estudo Informed options trading prior to M&A
announcements: insider trading?. Concluíram que
25% das transações de M&A feitas nos Estados
Unidos entre 1996 e 2012 foram precedidas por negociações atípicas das opções de compra de ações.
No Brasil, não há estudo específico sobre vazamento de dados em fusão e aquisição, mas sua
ocorrência no mercado de modo geral vem sendo
observada. Os professores Orleans Silva Martins
e Edilson Paulo, da Universidade da Paraíba, analisaram o comportamento de 229 ações na bolsa
de valores, emitidas por 194 companhias em 2010
e 2011, e perceberam que a mesma parcela de 25%
das operações no pregão provavelmente se realizou sob a influência de informações seletivas. O
estudo não infere que houve insider trading nesses
casos, mas indícios dele. “O modelo considera que
determinados desequilíbrios na negociação, como
oscilações de volume e preço, indicam a probabi-
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
e um lado, o segredo é fundamental
para o sucesso de uma fusão ou aquisição (M&A, na sigla em inglês). Com
ele é possível negociar os termos de
uma transação sem a interferência de
um concorrente ou de outras partes
impactadas. Do outro, a boa comunicação com o mercado é essencial para
a equidade das condições de negociação na bolsa
de valores. A arte está em atingir a excelência
nas duas pontas, simultaneamente — uma tarefa
desafiante. Prova disso é que mercados no Brasil
e no mundo estão submersos numa enxurrada
de negócios possivelmente realizados com base
em informações privilegiadas. Como resolver o
problema? Certamente o rigor da fiscalização e
das punições podem ajudar, e muito, ao tolher o
ímpeto dos fraudadores. Mas há outro aspecto que
está na raiz da questão: o procedimento dos executivos e assessores envolvidos com a informação
privilegiada. A conduta adequada desses profissionais tende não só a reduzir significativamente as
chances de a notícia vazar como a tornar mínimos
os estragos caso o acidente aconteça.
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 23
C on d u ta
lidade de assimetria nas informações
disponíveis”, explica Orleans Martins.
Quando se trata especificamente
de transações de M&A, a conduta dos
profissionais que atuam na operação
é crucial para prevenir o insider. Por
isso, investir em códigos de negociação
e de comunicação com o mercado, em
treinamento e em fiscalização é uma
receita eficaz para reduzir as chances
de vazamento. Outra medida aconselhável é envolver a auditoria interna.
Conforme um negócio evolui, outras
áreas da empresa participam de seus
trâmites, o que aumenta a chance de
quebra do sigilo. Os pesquisadores Viviane Muller Prado e Renato Vilela, da
FGV Direito SP, se debruçaram sobre 34
processos administrativos da Comissão
de Valores Mobiliários (CVM) relativos
a negociação com informação privilegiada e concluíram que dois terços das
171 pessoas indiciadas eram terceiros e
não insiders primários, como administradores e assessores.
Dependendo do agente envolvido,
contudo, essa tarefa pode ser mais ou
menos complicada. No escritório de
advocacia Pinheiro Neto, vigora uma
regra rígida: todos são proibidos de
negociar ações, exceto por meio de
fundos de investimento. Já nos bancos,
esse tipo de vedação não é tão simples
de ser implementado. Ao mesmo tempo
em que uma área está envolvida com
um M&A, outros departamentos podem
prestar serviços relacionados às ações
da mesma companhia. Isso ocorre, por
exemplo, nos contratos de formador
de mercado e nos negócios que exigem
do banco a compra de ativos para fazer
hedge. “Se impedirmos essas áreas de
negociar porque há uma transação
em curso, corremos o risco de dar ao
mercado uma informação que ele não
tinha”, relata Sérgio Goldstein, gerente
jurídico do Itaú BBA. Nesse sentido, ele
afirma que o banco teria mais conforto
se a regulamentação explicitasse que
a instituição pode manter um serviço
quando ele não tem a finalidade de afetar o preço das ações — ao fazer hedge,
por exemplo.
24 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Quando a
informação vaza,
muitas vezes a
empresa solta um
comunicado que
despista o investidor:
não confirma a
existência do
negócio, mas diz
ser normal avaliar
oportunidades. Dias
depois, um fato
relevante anuncia a
transação. A tática,
embora cômoda
para a companhia,
põe em xeque a
imagem de seus
administradores
Entre a transação e o minoritário
Os estudos mencionados não permitem concluir que o mercado brasileiro
sofre mais com insider trading do que o
americano. Há, no entanto, a sensação
de que por aqui os agentes são apressados. “Nos Estados Unidos e na Europa,
o vazamento de informações, inclusive
pela imprensa, parece acontecer quando
há grande certeza de que o negócio vai
se concretizar. No Brasil, ocorre ainda
baseado na especulação”, diz Marcelo
Martins, diretor de relações com investidores (DRI) e de M&A da Cosan.
Essa particularidade torna a tarefa do
DRI mais complexa: ainda que ele não
esteja diretamente envolvido na negociação, é sua a incumbência de decidir
quando se comunicar com o mercado
e o que falar ao investidor. A Instrução
358, arcabouço principal do tema, afirma
que, havendo uma transação fechada
ou um indício claro de vazamento de
informação, os investidores precisam ser
avisados. Na prática, porém, a decisão é
cheia de nuances. “É difícil se posicionar
num momento inicial da transação, com
base em especulações e boatos que não
são integralmente verídicos. Na dúvida, é
melhor comunicar”, aconselha Martins.
Não são poucos os complicadores.
A começar pela responsabilidade que a
própria regulamentação atribui ao DRI:
é dele o dever de garantir informações
equânimes e tempestivas ao investidor.
“Ele tem sempre dois patrões. Um é
o mercado, que quer a divulgação da
informação; o outro é a companhia,
muitas vezes com um controlador que
deseja preservar o segredo da transação o máximo possível”, lembra Henry
Sztutman, sócio do escritório Pinheiro
Neto. E quando for preciso decidir a
qual deles obedecer? O diretor da Cosan
não hesita: a obrigação do DRI é servir
ao mercado. “Nenhuma transação pode
ser mais importante do que a hipótese
de permitir um insider trading”, defende
Martins. “Para ser um bom DRI, é fundamental entender que trabalhamos para
o minoritário”, completa.
Mas o que fazer se, apesar dos cuidados, a informação vazar? A empresa
provavelmente será questionada pelos
reguladores e terá que se pronunciar.
Um expediente ao qual o mercado se
acostumou a recorrer nessas situações
são os comunicados que despistam os
investidores: não confirmam a existência da transação, mas dizem ser
parte da rotina da companhia avaliar
oportunidades de negócios. Dias depois,
não raro, surge um fato relevante anunciando a transação. A tática, embora
cômoda para a empresa, põe em xeque
a imagem de seus administradores.
“É preciso pensar no dia seguinte ao
anúncio. Quando se divulga a transação, fica carimbado que aquela forma
de falar não era verdadeira”, avalia
Goldstein. Martins, da Cosan, observa
que a qualidade da comunicação nessas
ocasiões impacta a reputação do profissional de RI. “É preciso ter autonomia
para fazer um comunicado. Se eu acredito que aquela informação é importante, devo bancar, inclusive, um eventual
desgaste interno”, afirma.
Despiste é crime
Para quem acredita que o abalo na reputação é pouco, ou que as punições recaem somente sobre os que se beneficiam diretamente da informação privilegiada, um alerta. A Lei 7.492, de 1986,
sobre crimes contra o sistema financeiro nacional, prevê pena de reclusão
de dois a seis anos a quem “induzir ou
mantiver em erro sócio ou investidor
[...] relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente”.
Segundo Mário Panseri, sócio do
Pinheiro Neto e especialista em direito
criminal, autoridades já entendem que a
não difusão de fato relevante se encaixa
no dispositivo. “Da mesma forma, um
fato relevante lacônico pode ser equiparado a informação falsa, se a lacuna
induziu o investidor ao erro”, comenta
o especialista. Ou seja, o executivo que
se comunica mal com o investidor pode
não só ser punidos administrativamente
pela CVM ou civilmente na Justiça; ele
também podem ir para a cadeia. O insider, afinal, é um problema de todos.
CVM cria força-tarefa
contra insider trading
Evitar que poucos se beneficiem do uso
de informações privilegiadas é um dos
principais focos da Comissão de Valores
Mobiliários (CVM). A informação foi
dada por Leonardo Pereira, presidente da
autarquia, no congresso da International
Organization of Securities Commissions
(Iosco), realizado em novembro no Rio de
Janeiro. Segundo ele, uma força-tarefa para
investigar e punir o insider trading está em
fase de implantação. “Não podemos nos
render a desculpas como a de que é muito
difícil investigar e punir”, afirmou Pereira.
De acordo com o presidente, a CVM
vem acompanhando todas as negociações
de valores mobiliários realizadas por
detentores de informação primária — principalmente executivos – e se atualizando
sobre novas tecnologias de monitoramento
de mercado e técnicas de investigação.
O presidente da CVM também se comprometeu a executar uma meta ousada:
a partir de 2016, nenhum caso anterior
a 2013 estará à espera de apreciação.
“Uma ação demorar dez anos para ser
julgada não é uma boa prática”, ressaltou.
Pereira também reconheceu que as atuais
punições administrativas são insuficientes
para coibir infrações.
A CVM ainda pretende dar ênfase aos
acordos de cooperação que mantém com
o Ministério Público Federal e com as instituições do Poder Judiciário. O objetivo é
evitar manipulação de mercado e garantir
a efetividade das punições. (Y. Y.)
A delicada missão de lidar com a
informação relevante nas fusões
e aquisições foi tema do primeiro encontro do Grupo de Discussão de M&A
e private equity, realizado em setembro
em São Paulo. Veja mais em http://bit.
ly/1wvDq1P.
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 25
Previdência
Pensão
com
problemas
Conjuntura econômica e aumento
da inadimplência em títulos
privados agravam prejuízo
da Petros. Déficit do fundo
dobra em apenas sete meses
26 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Por Mariana Segala
Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com
N
ão é preciso grande esforço para entender
por que os fundos de pensão de empresas
estatais são alvo constante de escrutínio. Com patrimônios multibilionários,
destinados a cobrir as aposentadorias
de milhares de participantes, sua capacidade de investimento é invejada — e
almejada — pelas entidades dos mercados financeiro e de capitais. E, sendo patrocinados
por companhias da União, os contribuintes se
sentem, ao menos em parte, donos dos recursos.
No caso da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, segundo maior do Brasil com
investimentos da ordem de R$ 69 bilhões, todos
os passos despertam interesse generalizado. Ainda
mais em tempos de operação Lava Jato, apelido
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 27
Previdência
dado à investigação da Polícia Federal dedicada a desbaratar
um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo diretores da
Petrobras. Denúncias divulgadas na imprensa de que o doleiro
Alberto Youssef, alvo central da operação, teria influência sobre os investimentos realizados pela fundação surpreenderam
os funcionários da estatal. “Os sinais são muito preocupantes.
Não podemos deixar nosso patrimônio sob risco”, afirma
Silvio Sinedino, representante dos empregados da Petrobras
no conselho deliberativo da Petros.
No negativo
A situação da Petros não é confortável. O déficit registrado
pela fundação chegou a superar os R$ 6 bilhões durante o
primeiro semestre. Em julho, último dado a que a capital
aberto teve acesso, estava em R$ 4,8 bilhões, mais do que
o dobro do verificado no fim do ano passado (R$ 2,3 bilhões).
O número corresponde ao chamado equilíbrio técnico do
fundo de pensão. Neste caso, ele indica uma insuficiência
patrimonial em relação a seus compromissos — ou, noutras
palavras, ao pagamento das aposentadorias.
Durante o ano passado, a maior parte das perdas do fundo
de pensão foi ocasionada pela marcação a mercado do gigantesco volume de notas do Tesouro Nacional (NTN), títulos
públicos que pagam juros e são corrigidos pela inflação, carregado pela fundação. Mais de um quarto dos investimentos
da Petros está alocado nessa modalidade. Em decorrência
do aumento da taxa de juros entre 2013 e 2014 — a Selic
passou de 7,25% para 11% ao ano em menos de 12 meses —,
o valor de face dos papéis da carteira foi revisado para baixo.
O portfólio de renda variável também não ajudou. O recuo
de mais de 15% do Ibovespa em 2013 impactou negativamente
a rentabilidade da fundação. Movimento semelhante afetou
outros fundos de pensão.
Escolhas ruins
Mais recentemente, outra parte do portfólio começou a
chamar a atenção. São os investimentos em crédito privado,
incluídos na carteira da Petros em 2005 com o propósito
de diversificar riscos e melhorar a rentabilidade no médio
e longo prazos. O mix de papéis, que financiam empresas e
instituições financeiras, inclui debêntures, letras hipotecárias e financeiras, certificados de depósito bancário (CDBs),
certificados de recebíveis imobiliários (CRI), cédulas de
crédito bancário (CCB) e imobiliário (CCI), entre outros.
Há também fundos de investimento em direitos creditórios
(FIDCs). Somados, as aplicações em títulos de crédito e FIDCs
representam 2% do portfólio da fundação. Tratando-se de Petros, porém, mesmo a menor fatia significa uma cifra enorme.
Neste caso, cerca de R$ 1,5 bilhão.
O problema é que, no meio dessa porção reduzida de investimentos, há diversas aplicações que se revelaram grandes
28 C APITAL A BERTO Novembro 2014
“As constantes perdas com
investimentos demonstram
falta de acuidade prudencial
na avaliação dos riscos
inerentes às operações
e aos emissores dos
títulos”, ressaltaram
dois conselheiros fiscais
da Petros
furadas. Entre os FIDCs mantidos pela Petros,
por exemplo, há fundos lastreados em recebíveis
do BVA, banco envolvido num caso de fraude que
lhe rendeu intervenção do Banco Central em 2013
e decretação de falência em outubro deste ano.
O BVA também está presente na carteira da Petros
por meio de CCBs emitidas pela V55 Empreendimentos, uma sociedade de participação ligada ao
ex-presidente do banco, Ivo Lodo. O investimento
inicial, de R$ 51 milhões, feito em 2009, aparece
zerado nos relatórios mais recentes da fundação.
A Petros possui ainda um FIDC com créditos do
Trendbank, uma empresa de factoring em atividade desde a década de 1970, sediada em São Paulo.
O fundo chegou a ter patrimônio de mais R$ 400
milhões, mas hoje não passa dos R$ 8 milhões, em
razão de persistentes casos de inadimplência. Cabe
lembrar que o FIDC do Trendbank, atualmente
gerido pelo Brasil Plural, começou como uma
carteira administrada pelo Cruzeiro do Sul, banco
liquidado em 2012. A carteira de títulos privados
da Petros também está perdendo com debêntures
e CCBs da Inepar, que pediu recuperação judicial
em setembro, e com CCBs da varejista mineira
Eletrosom, originados pelo BVA.
Provisões crescem
O risco dos ativos de crédito privado se reflete numa linha específica dos balanços da Petros: a de provisões para devedores
duvidosos. O fundo de pensão reserva dinheiro para cobrir
perdas com papéis cujos emissores atrasam os pagamentos
por mais de 61 dias. Há menos de cinco anos, em 2010, as
provisões somavam R$ 88 milhões. O volume se multiplicou
por quase seis desde então, chegando a R$ 513 milhões no fim
de 2013. Somente no primeiro semestre deste ano, teve alta
superior a 25% e atingiu aproximadamente R$ 660 milhões.
Quase metade das provisões realizadas em 2013 se concentrava nas CCBs, títulos emitidos por empresas que têm
bancos como contraparte. As perdas provisionadas em CCBs
somavam R$ 216 milhões em 2013, o equivalente a 96% da
carteira de cédulas de crédito bancário da Petros na época,
de cerca de R$ 224 milhões. A fundação alega que, como as
reservas para dívidas não pagas são cumulativas, deve-se
compará-las com o total já investido por ela em CCBs, o que
resulta num índice de 19% em seis anos.
“As constantes perdas com investimentos na Petros demonstram uma falta de acuidade prudencial na avaliação
dos riscos inerentes às operações e aos emissores dos títulos”,
ressaltaram os conselheiros fiscais da fundação Epaminondas
de Souza Mendes e Ronaldo Tedesco Vilardo ao justificar seu
voto contra a aprovação das demonstrações contábeis em
2013. Os investimentos da Petros são incumbência da diretoria
executiva, que se pauta pela política de investimentos. Ela é
atualizada e aprovada anualmente pelo conselho deliberativo
da fundação, eleito pelos empregados da Petrobras. Mas apenas investimentos que mobilizem mais de 1% da carteira (o
equivalente a cerca de R$ 690 milhões hoje) precisam, desde
2010, ser submetidos diretamente ao conselho deliberativo.
A Petros afirma que até 2012 as provisões para perdas cresceram na mesma proporção do aumento dos investimentos
em títulos privados. A partir daí, subiram “em razão do cenário
macroeconômico, já que houve uma deterioração da capacidade de pagamento das empresas brasileiras”.
Cálculos realizados pelo economista Marcelo
D’Agosto, com base nos relatórios mensais de
atividades elaborados pela Petros desde 2010,
indicam que as perdas com os papéis de empresas, em função das provisões para devedores
duvidosos, superaram os ganhos em 2013 e 2014.
No ano passado, estima-se que o prejuízo líquido
com títulos privados tenha somado R$ 54 milhões.
Entre janeiro e julho deste ano, foram mais R$ 36
milhões. As perdas intensas se concentraram na
cesta composta de CCBs, CCIs e CRIs: somaram
R$ 111 milhões em 2013 e outros R$ 91 milhões
até julho. Outros papéis privados, como CDBs
e letras financeiras e hipotecárias, tiveram retorno positivo de R$ 38 milhões em 2013 e R$ 31
milhões em 2014, ajudando a amenizar o prejuízo
nessa porção do portfólio. A carteira de FIDCs
Queda livre
A rentabilidade anual do fundo de pensão da
Petros caiu drasticamente no ano passado
2008
2,2%
2009
18,7%
2010
16,7%
2011
11,8%
2012
15,7%
2013
- 0,2%
2014 (até agosto)
9,9%
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 29
Previdência
também registrou prejuízo em 2013, de R$ 51 milhões, e ganho de R$ 9 milhões neste ano. “Aparentemente, investir em
papéis de crédito privado não se revelou a melhor estratégia.
Tanto é assim que os balanços indicam uma redução no
tamanho dessa carteira, seja devido às perdas, seja pela não
renovação de contratos”, avalia D’Agosto. Junto com FIDCs,
títulos privados chegaram a representar quase 4% de todos os
investimentos da Petros em 2011, totalizando R$ 2,2 bilhões.
Hoje esses números foram reduzidos a 2% (R$ 1,5 bilhão).
Insatisfação
“Já estamos sofrendo com a conjuntura econômica. Não é
hora de perder mais dinheiro com investimentos alternativos”, ressalta o conselheiro Sinedino. Ele é um dos que
não engoliram, por exemplo, o investimento de quase R$ 25
milhões feito pela Petros, em 2011, em debêntures do grupo
Galileo Educacional, mantenedor das universidades cariocas
Gama Filho e UniverCidade. Ambas foram descredenciadas
pelo Ministério da Educação (MEC) em janeiro deste ano,
devido à baixa qualidade acadêmica e ao grave comprometimento da situação financeira do grupo. Resultado para a
Petros: mais prejuízo. O valor atribuído às debêntures do
Galileo nos seus últimos relatórios de atividades bate em
cerca de R$ 9,5 milhões.
Apesar do aumento na linha de provisões para devedores duvidosos, a Petros se defende dizendo que o nível de
inadimplência de sua carteira está “absolutamente dentro
dos padrões do mercado”, que todas as operações de crédito
privado contam com garantias e que provisões, a priori, não
são sinônimo de perda financeira efetiva. “No caso de eventual inadimplência, a fundação busca judicialmente reaver os
valores investidos”, afirmou em nota.
Uma nova diretoria, liderada pelo presidente Carlos Fernando Costa, antigo responsável pela área de investimentos,
assumiu em fevereiro. Ele entrou no lugar de Luís Carlos
Afonso, que presidia a Petros desde 2011 e deixou o cargo por
motivos pessoais, segundo divulgou a fundação à época. Antes
de começar a trabalhar no fundo de pensão, Costa foi diretor
financeiro do município de Santo André na gestão de Celso
Daniel e secretário adjunto de finanças durante o mandato
de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo. Em outubro último, reuniões com os conselheiros deliberativos debateram
os investimentos mais sensíveis da fundação atualmente.
A carteira começou a esboçar reação nos últimos meses. Até
abril, a rentabilidade dos investimentos ainda era negativa,
mas depois virou. Em julho, a carteira acumulava avanço de
5,1%, contra uma meta atuarial de 7,1%. A Petros informa ter
conseguido superar a meta atuarial em agosto: os investimentos renderam 9,9%, contra o objetivo de 7,8%. “À medida
que os resultados dos investimentos foram melhorando neste
ano, o déficit atuarial foi consequentemente sendo reduzido”,
disse a fundação em nota.
30 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Desequilíbrio técnico
Petros volta a registrar déficit elevado.
Número indica que patrimônio é insuficiente
para pagar as aposentadorias (em R$)
2000
- 84,5 milhões
2001
- 431,1 milhões
2002
- 827,0 milhões
2003
- 2,2 bilhões
2004
- 5,2 bilhões
2005
- 4,4 bilhões
2006
- 2,9 bilhões
2007
- 1,8 bilhão
2008
+ 712,9 milhões
2009
+ 1,8 bilhão
2010
+ 3,9 bilhões
2011
+ 4,0 bilhões
2012
+ 3,3 bilhões
2013
- 2,3 bilhões
2014 (até julho)
- 4,8 bilhões
Fonte: Petros.
Os maus resultados registrados, no entanto,
engajaram os beneficiários. Multiplicam-se as
organizações — algumas formais, outras não —
lideradas por participantes dedicados a fiscalizar,
na medida do possível, cada passo da fundação.
Há grupos cobrando a patrocinadora Petrobras por
dívidas supostamente não quitadas com o fundo
de pensão, outros avaliando grandes investimentos em participações feitos pela Petros, e há ainda
os que reivindicam direitos de trabalhadores que
repactuaram as condições de suas aposentadorias.
Foram feitas denúncias à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), à Superintendência Nacional de
Previdência Complementar (Previc) e ao Ministério
Público. Os sinais de alerta estão disparados. Cabe
à nova diretoria mostrar resultados que resgatem
a confiança dos participantes.
Fale com os Correios: correios.com.br/falecomoscorreios
CAC: 3003 0100 ou 0800 725 7282 (informações) e 0800 725 0100 (sugestões e reclamações)
Ouvidoria: correios.com.br/ouvidoria - SIC: correios.com.br/acessoainformacao
TM Rio 2016
Unindo tecnologia com a sua tradição
de confiança, os Correios criaram o e-Carta,
uma solução sob medida para empresas
e órgãos públicos no envio de documentos
oficiais, como multas, intimações e
citações judiciais, que exigem sigilo em seu
processamento e comprovação de entrega.
Com o e-Carta, o cliente só se preocupa com
o fornecimento do conteúdo. Os Correios
encarregam-se de todo o processo, da
produção à entrega do documento, otimizando
tempo e recursos, tudo com a segurança que
o cliente exige e só os Correios entregam.
Preparação, produção, envelopamento e envio dos documentos.
Produção do material em ambientes restritos, monitorados por câmeras 24 horas.
Certificação digital e comprovação de entrega ao destinatário.
Controle de todas as fases do processo de trabalho.
Em construção
32 C APITAL A BERTO Novembro 2014
APOIO:
Ana Cláudia Akie
Utumi, sócia do
Tozzini Freire
Advogados
É de 2008 a norma que regula o funcionamento dos fundos de investimento
imobiliário (FIIs), a ser substituída em breve. Em agosto, a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública proposta de alteração da Instrução 472, com o intuito de aperfeiçoá-la, sobretudo, em dois aspectos: divulgação
de informações pelos administradores e governança dos fundos. As mudanças
propostas pela autarquia foram discutidas na 12a edição do Círculo de Debates da
CAPITAL ABERTO. A seguir, confira uma seleção de trechos do debate.
Por Luciana Tanoue
Alexandre Machado,
diretor da CSHG
na área de fundos
imobiliários
Bruno Barbosa de
Luna, gerente de
acompanhamento de
fundos estruturados
da CVM
Ricardo Orihuela,
investidor pessoa
física
José Alberto Diniz,
sócio-diretor de
investimentos
imobiliários da
Rio Bravo
Reinaldo Lacerda,
presidente do comitê
de produtos imobiliários
da Anbima
CAPITAL ABERTO: A CVM propõe que
detentores de, no mínimo, 1% do total
de cotas emitidas pelo fundo possam
aprovar a eleição de um representante
dos cotistas em carteiras com mais de
cem investidores. Na visão de vocês, essa
proposta é adequada?
José Diniz: Eu acredito que não. Nós
defendemos que o representante seja
eleito por um quórum representativo
de cotistas. Da mesma forma que os
administradores são obrigados a buscar
um quórum qualificado para aprovar
determinadas matérias, entendemos que
os cotistas também devem ser obrigados
a perseguir um quórum minimamente
representativo para eleger um representante. Na Rio Bravo, com o percentual de
1%, há em cada FII uns 30 cotistas que,
sozinhos ou com mais um investidor,
detêm esse percentual.
Reinaldo Lacerda: Ninguém é contra
a figura do representante de cotista,
mas essa pessoa precisa efetivamente
representar os investidores do fundo.
Estamos finalizando uma proposta para
levar à CVM e devemos sugerir que esse
número seja elevado para cerca de 5%.
Ricardo Orihuela: Eu já fui escolhido
representante de cotistas em 2004 no
fundo Continental Square Faria Lima.
Além de mim, foram eleitos o Sérgio
Belleza [profissional que desde 1991 atua
na indústria de FIIs], representantes da
Petros, que era dona de 30% das cotas,
e mais três cotistas com perfil parecido
ao meu. Graças ao conhecimento técnico do Belleza e ao amparo jurídico da
Petros, conseguimos ganhar uma briga
com o gestor, que havia parado de pagar
a renda garantida prevista pelo fundo.
Entretanto, se não tivéssemos a representatividade, o que conseguimos tendo
um investidor relevante ao nosso lado,
eu tenho dúvidas quanto ao resultado
final — se teria sido o mesmo. Ainda assim, no fim da reunião muitos cotistas já
nos olhavam com cara de: “Quem é esse
cara que a gente acabou de eleger?” É
como se automaticamente você passasse
a ser chapa-branca. Minha preocupação
é se vamos ter cotistas com capacitação
para exercer o papel. A meu ver, a CVM
está terceirizando a fiscalização para o
elo mais fraco do sistema, que é o pequeno cotista. A ele estão sendo atribuídas
as mesmas obrigações do administrador,
mas sem ferramental para isso.
Bruno Luna: Acho importante frisar que
o representante do cotista não precisa
ser necessariamente um investidor do
fundo. Pode ser um profissional contratado, conforme a norma permite.
Quanto à qualificação do representante,
a CVM já tem um programa de capacitação, cujo carro-chefe é o investimento
imobiliário. E nada impede que a gente
faça uma capacitação para o representante, talvez com o apoio da autorregulação. Também cabe esclarecer que
a CVM não quer, com isso, terceirizar
o papel da fiscalização. O que a gente
espera é que o representante nos ajude
no desenvolvimento desse mercado.
Ana Utumi: O que eu achei interessante
na figura do representante do cotista é
ela ser um espelho do conselheiro fiscal existente nas companhias abertas.
Na minha visão, é positivo ter alguém
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 33
próximo ao administrador olhando
se tudo está correto. Com relação ao
quórum para eleição do representante,
é importante que ele não seja muito
alto. Caso contrário, isso pode virar um
problema, inclusive do ponto de vista
tributário. Se o fundo começar a ter
investidores com participações grandes,
ele pode vir a ter menos do que 50 cotistas e perder o incentivo fiscal.
Reinaldo Lacerda: A Ana colocou muito
bem essa questão da similaridade entre
o conselheiro fiscal e o representante de
cotista. Uma confusão bastante comum
é o representante achar que é gestor do
fundo. Muitos pensam que, uma vez empossados, podem tomar decisões junto
com o gestor. E isso não é verdade. Sua
função é fiscalizar.
Bruno Luna: Hoje, a norma de FIIs trata
genericamente o papel do representante
dos cotistas, o que, de fato, gera dúvidas
sobre a fronteira de atuação do representante e do administrador. Por isso,
na minuta, estabelecemos exatamente
quais são os deveres dos representantes.
Vale lembrar também que essa figura não
existe apenas nos fundos imobiliários.
Ela também está presente no FIDC, por
exemplo. No caso dos FIIs, no entanto,
ganha notoriedade porque esse produto
tem um mercado secundário ativo.
José Diniz: Essa definição do papel de
cada um é muito importante, e ela ainda
não está clara para alguns investidores.
Há algumas semanas, um cotista ligou
para mim dizendo que detém pouco
mais de 1% das cotas e que, pela regulamentação proposta pela CVM, ele poderia se eleger representante. Caso isso
ocorresse, disse que gostaria de convocar
uma assembleia para definir os rumos
estratégicos do fundo. E olha que esse
cotista é um empresário de sucesso, uma
pessoa qualificada. Assim, por mais que
se tenha tentado estabelecer essa fronteira entre a atuação do representante
e a do administrador, por um tempo
alguns calos serão pisados, e a CVM irá
receber reclamações do tipo: “O admi-
34 C APITAL A BERTO Novembro 2014
nistrador não me deixou fazer a minha
reunião estratégica”.
Alexandre Machado: A eleição de um representante de cotistas é uma evolução e
pode ajudar na questão da transparência.
Algumas informações do fundo eventualmente não são passíveis ou não são
interessantes de serem divulgadas abertamente. E talvez o representante seja esse
elemento que consegue acessar um pouco
mais de informação. Por isso, diante da
facilidade de obter o 1%, me preocupa a
inserção nesse ambiente de pessoas eventualmente mal-intencionadas, movidas
por interesses que não sejam exatamente
o do fundo ou dos cotistas.
Ana Utumi: Justamente para evitar a má-fé é que eu vejo com bons olhos atribuir
responsabilidades aos representantes.
Para que ele saiba que deve agir como
um homem probo, em benefício de todos
os cotistas.
CAPITAL ABERTO: Além das mudanças
em relação ao representante, a CVM está
propondo que os administradores prestem mais informações sobre a carteira
dos fundos, dando detalhes, por exemplo, sobre os contratos de imóveis que
integram o FII. Como essa transparência
pode afetar a indústria?
Alexandre Machado: A meu ver, isso
pode comprometer a estratégia e o andamento do FII. A CSHG tem alguns FIIs
de gestão ativa. Quando negociamos o
aluguel com um locatário e ele sabe que
somos um fundo, percebemos que faz
a lição de casa: lê os relatórios do FII e
busca informações para usar a seu favor.
Então, dependendo da informação que
se precise abrir, ela contribuirá muito
pouco para o entendimento do fundo
e pode ser usada, por uma contraparte,
para prejudicar o retorno da carteira.
Ricardo Orihuela: Concordo. Com essa
divulgação, seu concorrente vai saber
até o dia em que acaba o contrato com
o locatário e quanto ele terá que oferecer
para conseguir ficar com o inquilino.
José Diniz: Hoje, eu posso ter alguns
contratos de aluguéis que estão acima
do mercado, porque consegui negociar
melhor ou porque o locatário não pediu
desconto ou solicitou desconto menor.
Mas, se essa informação se tornar pública, eu terei, no dia seguinte, meia dúzia
não só de proprietários de unidades no
próprio edifício, mas também de vizinhos, oferecendo uma coisa melhor para
meus inquilinos. Ainda mais em tempos
de vacância em alta.
Ricardo Orihuela: É preciso lembrar
que os fundos imobiliários concorrem
com algumas companhias abertas,
como BR Properties e São Carlos, e essas
empresas não são obrigadas a informar
nada. Essa obrigação criará dois pesos e
duas medidas.
Bruno Luna: Para definir o que pedir de
informação, a CVM fez estudos, viu o que
os administradores já divulgavam e ouviu
muitos analistas. Alguns disseram que
essa abertura da carteira era necessária
para fazerem um acompanhamento mínimo do fundo. Independentemente disso,
eu gostaria de esclarecer que o grande
objetivo da CVM com essas mudanças
no regime informacional diz respeito à
padronização. Se olharmos hoje informações de quatro fundos diferentes,
veremos que o nível de informação é absolutamente distinto de um para outro. E
não há como desenvolver o mercado sem
o mínimo de comparabilidade.
Alexandre Machado: Outro ponto que
eu gostaria de entender é por que a CVM
está pedindo informações a respeito de
todos os investimentos em fundos feitos
pelo diretor responsável do FII e pelo
representante dos cotistas. Eu tenho
dificuldade em entender a utilidade
desse dado. Ele pode prejudicar ou gerar
o desinteresse de alguns bons cotistas
em se tornarem representantes caso
não se sintam confortáveis em divulgar
esses conteúdos.
Ricardo Orihuela: Acho natural que
se peça a posição no fundo em que sou
APOIO:
representante, mas o que a CVM quer é
praticamente minha posição patrimonial. Isso vai inibir os cotistas de exercerem essa função.
Bruno Luna: Esse pedido de informação
veio de algumas consultas que recebemos. Seu objetivo é entender se os interesses de representante e administrador
estão alinhados com os do fundo.
José Diniz: Se existe essa preocupação,
acho que a CVM dispõe de outros mecanismos para lidar com ela, sem precisar
expor tanto o cotista e o diretor do fundo. Uma solução talvez seja estabelecer
um percentual mínimo de investimento
que essas pessoas precisariam ter no
fundo. Outro item cuja publicação nos
preocupa é o laudo de avaliação, que
traz dados estratégicos sobre o fundo.
Talvez a CVM pudesse limitar o acesso
a esse documento ao representante de
cotistas. O que me preocupa é deixar
esse documento público em meio digital,
com livre circulação. Isso pode expor o
FII e prejudicar os cotistas.
Ana Utumi: Eu gosto dessa ideia de ter
a informação disponível para o cotista,
com o administrador declarando que
garante que o valor do aluguel negociado se baseia em determinado laudo.
A preocupação maior é que o investidor
acabe sendo lesado com um aluguel
muito abaixo do praticado no mercado.
Reinaldo Lacerda: Mas a questão é: por
que o gestor alugaria uma laje para uma
empresa pela metade do preço que poderia cobrar? Qual é a razão? Primeiro é
preciso entender que não é tão simples
dizer quanto vale o aluguel de um prédio.
No mesmo edifício, eu tenho pessoas
que pagam preços diferentes. E por quê?
Porque você vai ter uma empresa que
precisava mudar e achou o lugar que
atendia perfeitamente às suas necessidades e aceitou pagar R$ 140 o metro quadrado. Mas há, no mesmo prédio, pessoas pagando R$ 90, porque eu tinha um
andar inteiro vago que precisava alugar.
Então, qual é o valor de mercado daquele
Uma confusão
bastante comum é
o representante dos
cotistas achar que
é gestor do fundo.
Muitos pensam
que, uma vez
empossados, podem
tomar decisões junto
com o gestor. E isso
não é verdade. Sua
função é fiscalizar.
prédio? Quando eu alugo por R$ 90
eu estou lesando o investidor? Não,
estou buscando preencher o prédio na
média do melhor aluguel possível.
CAPITAL ABERTO: A CVM também
propõe que a remuneração do administrador de FII cujas cotas sejam negociadas em pregão e integrem índice de
bolsa corresponda a um percentual do
patrimônio líquido do fundo calculado
a valor de mercado. Isso no caso de FIIs
não destinados exclusivamente a investidores qualificados. Qual é a opinião de
vocês sobre essa forma de cálculo?
Bruno Luna: É importante entender o
conceito por trás disso. Se você olhar
hoje quatro regulamentos de FIIs, per-
ceberá que as fórmulas de remuneração
são completamente diferentes, o que não
pode continuar. E a melhor forma de
alinhar os interesses do administrador
com os do fundo é ele ser remunerado
conforme o retorno do FII.
Reinaldo Lacerda: Acho correto que a
CVM busque padronização. Mas cada
produto é um produto. Então, por
que não oferecer ao mercado algumas
formas de fazer essa padronização?
É preciso levar em conta que o preço da
cota no mercado secundário está sujeito
a muitas variáveis, que independem do
que o administrador está fazendo. Também não podemos esquecer que a taxa
de administração é uma remuneração
que custeia o trabalho do fundo. Não
dá para olhar para ela apenas pensando
no alinhamento de interesses. A Anbima
pretende propor que a taxa de remuneração do gestor seja padronizada em quatro ou cinco tipos diferentes de cálculo,
de acordo com as peculiaridades do FII.
Ricardo Orihuela: Acho o esforço válido,
mas me parece dantesco, dada a dificuldade de segmentar os fundos.
Reinaldo Lacerda: A Anbima tem uma
proposta de segmentação que vem sendo
discutida há mais de ano, inclusive com a
CVM. Ela já está pronta e agora estamos
entrando nos detalhes operacionais de
como colocá-la no ar, em conjunto com a
BM&FBovespa. Essa segmentação ajudará no entendimento de vários aspectos,
entre os quais o tipo de produto em que
o cliente está entrando.
CAPITAL ABERTO: Não faltarão bons
elementos para a CVM analisar após
a audiência pública. Obrigada a todos
pelas contribuições e à autarquia pela
abertura e pela transparência em participar do debate.
Ouça o podcast deste
Círculo de Debates em
www.capitalaberto.com.br
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 35
Capital empreendedor
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
36 C APITAL A BERTO Novembro 2014
A quatro
mãos
Corporate venture entra
no radar de empresas
brasileiras interessadas
em investir em startups
para promover inovação
Por Bruna Maia Carrion
O
número de fotos tiradas em 1990 era bastante inferior ao de hoje. Há uma profusão de autorretratos
instantâneos feitos com celular e disseminados nas
redes sociais — os chamados selfies. Essa mudança
de comportamento deve-se à inovação tecnológica.
Com a substituição das máquinas fotográficas analógicas pelas digitais, as pessoas não precisam mais
economizar cliques para aproveitar bem o filme ou
esperar dias para ver o resultado de uma pose.
A Kodak, inventora dos filmes fotográficos e gigante do
setor, não se moldou aos novos tempos. Abriu falência em
2012, após se tornar uma sombra do que era: seu negócio virou imprimir fotos em alta qualidade. Para afastar as chances
de se tornar obsoletas, as companhias precisam não apenas
produzir inovação dentro de casa como aliar-se às mentes que
pensam o novo do lado de fora. Daí surgiu o que nos Estados
Unidos se denominou corporate venture, agora no foco também de empresas brasileiras como Totvs, Embraer e Natura.
O conceito por trás desse tipo de investimento tem raízes
no venture capital, em que empresas nascentes são financia-
das por investidores, geralmente fundos de capital de risco.
No corporate venture, a diferença é que as próprias companhias financiam outros empreendedores. “No último ano,
muitas empresas vieram nos procurar querendo entender
o universo das startups e saber como se aproximar delas.
O corporate venture é uma forma de fazer isso”, diz Arthur
Garutti, diretor da Aceleratech, aceleradora independente
que aporta dinheiro e presta assessoria a empresas em seus
primeiros passos.
No exterior, o corporate venture é amplamente difundido.
Companhias do porte de Microsoft, Telefónica, Google, Intel,
Qualcomm, Samsung, Novartis, IBM, Nokia, Citibank, além
da recém-listada em bolsa Alibaba, financiam empresas menores que tenham sinergias com seus negócios ou potencial
de mudar a forma como produtos e serviços são pensados e
desenvolvidos. Levantamento da CB Insights, provedora de
dados para a indústria de venture capital e investimento anjo,
mostra que, nos Estados Unidos, o investimento em corporate
venture avança a passos largos. Apenas no primeiro semestre,
companhias americanas aportaram cerca de US$ 7 bilhões em
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 37
Capital empreendedor
316 empresas ao redor do mundo — um valor muito próximo
a esse foi destinado em todo o ano de 2013 para 525 negócios.
Por lá, o valor médio de investimento nesse tipo de negócio
é de US$ 20 milhões. A aplicação pode ser feita tanto diretamente como por meio de um fundo de investimento em
participações (FIP).
Versão brasileira
No Brasil, a desenvolvedora de softwares e plataformas
digitais Totvs tornou-se a primeira empresa a criar uma
estrutura de corporate venture. No começo de 2013, a Totvs Venture aportou R$ 3,2 milhões na empresa gaúcha de
aplicativos móveis uMov.me, abocanhando 20% do capital.
A investida oferece uma plataforma digital que permite criar
ferramentas corporativas sem conhecimento de programação
(os aplicativos ajudam as empresas a gerir questões internas,
como vendas e logística, por exemplo). Na visão de Alexandre
Trevisan, diretor-presidente da uMov.me, a grande vantagem
do corporate venture em relação ao venture capital é a oportunidade de receber dinheiro junto com outros aportes que só
uma companhia pode oferecer. “Além do capital, ganhamos
acesso à rede de clientes da Totvs”, destaca. A investida não
revela quanto cresceu desde que recebeu o aporte da Totvs,
que tem no seu portfólio outras duas empresas de tecnologia:
GoodData e Zero Paper.
Se para o empreendedor o corporate venture é uma forma
de estabelecer conexões poderosas desde o princípio, para a
empresa é uma maneira de superar os limites do investimento
próprio em pesquisa e desenvolvimento. “Grandes companhias
têm uma série de procedimentos, controles internos e metas
de curto prazo que tornam difícil o florescimento de ideias”,
observa Filipe Borsato, gerente da área de capital empreendedor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES). Existe, afinal, uma dificuldade comum a
essas organizações: elas são sufocadas pelo próprio tamanho.
Os processos, a cultura e a mentalidade dos funcionários
não se voltam à criação e ao teste de novos projetos, mas às
metas de produtividade e à continuação de um modelo que
já se mostrou bem-sucedido. Reside na empresa menor a
disposição de errar até achar o caminho — e, não raro, é ali
que surgem projetos revolucionários. Ao financiá-la por meio
do corporate venture, a companhia investidora consegue criar
vínculo com uma firma inovadora sem interferir em sua dinâmica ou sobrecarregá-la com burocracias que comprometam
a agilidade. Isso explica também por que essa transação pode
ser mais vantajosa do que uma aquisição. “Queremos desenvolver um bom ecossistema de negócios no setor”, afirma
Karime Hajar, gerente de novos negócios da Totvs Ventures.
Outra opção para empresas que querem investir em novos negócios é criar uma aceleradora. Essa estrutura é mais
parecida com o capital semente ou o investimento anjo. Enquanto o corporate venture geralmente adquire participação
acionária de uma companhia com ideia bem desenvolvida e
38 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Nas grandes organizações, os
processos não são voltados à
criação, mas à produtividade.
Reside na empresa menor a
disposição de errar até achar o
caminho e, não raro, é nela que
surgem projetos revolucionários
modelo de negócios definido, a aceleradora entra num estágio
anterior. O aporte de dinheiro geralmente ocorre por meio
de debêntures conversíveis em ação. A ajuda, no entanto,
não para por aí: a aceleradora também presta assessoria de
negócios à investida, contribuindo para elaborar um plano de
longo prazo, solucionar questões jurídicas e refinar o produto.
A espanhola Telefónica apostou nesse modelo e conta com
uma aceleradora própria, a Wayra. “Durante muito tempo,
o setor de telecom viveu de vender SMS e ligação telefônica.
Mas, com inovações tecnológicas que permitem às pessoas
enviar mensagens de texto e conversar por meio da internet,
esse modelo tem que ser repensado. Precisamos buscar inovação”, defende Carlos Pessoa, diretor da Wayra no Brasil.
Diálogo desafinado
Embora a teoria por trás da criação das aceleradoras e dos
corporate ventures seja bonita e inteligível, a coexistência
da cultura corporativa com a do empreendedorismo não é
trivial. “Os setores de corporate venture e as aceleradoras
precisam explicar com frequência aos diretores da empresa
investidora que não estão fazendo um processo de fusão e
aquisição (M&A), e que a investida precisará ter autonomia”,
orienta Rodrigo Menezes, sócio do escritório Derraik & Menezes Advogados. O preparo para se reconhecer essa diferença
ainda é questionado. “A comunidade empresarial, em linhas
gerais, não tem conhecimento para negociar com empresas
em estágio inicial”, analisa o executivo de uma companhia
brasileira que planeja investir em startups.
O desconhecimento não parte apenas dos empresários.
Donos de startups, por vezes, não parecem se esforçar para
compreender aspectos além de seus negócios. “Recebo
muitos projetos com premissas irrealistas e termos jurídicos
fora de contexto”, comenta Pessoa. “Para fazer sucesso, um
empreendedor precisa ter um sonho, mas também ser resiliente ao lidar com o fracasso e buscar conhecimento”, ressalta
Franklin Luzes, diretor da Microsoft Ventures no Brasil.
Da parte dos novos empresários, há o receio de que as
companhias investidoras tenham pouco apetite para assumir
riscos, mesmo sabendo que lidam com empresas que têm
grandes chances de dar errado. Noutras palavras, teme-se
que busquem nos planos de negócios clareza quanto às projeções futuras de faturamento e lucro. “Por isso não temos
um Google aqui”, alfineta Arthur Farache, diretor da Intoo,
startup criada para facilitar o acesso a crédito para pequenas
e médias empresas. Pessoa, da Wayra, rebate que nem sempre
o modelo de negócio é uma condição imposta. “Me dou ao
Bons roteiros mundo afora
Conheça os gestores de coporate venture mais relevantes
Google Ventures
Começou a operar em 2009 e é o mais ativo do mundo hoje. Apresenta um
portfólio com mais de 250 empresas de diversos setores, como comércio
eletrônico, saúde e gestão de dados.
Intel Capital
Iniciado em 1991, já investiu US$ 11 bilhões em 1.370 empresas de 56 países
diferentes. Fora dos Estados Unidos, a maior parte de seus investimentos
ocorre em nações asiáticas.
Lilly Ventures
Ligado à farmacêutica Eli Lilly, investe em projetos de biotecnologia e
tecnologia médica, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Não
se destaca pelo tamanho — tem US$ 200 milhões investidos —, mas é
reconhecido por ter surgido na hora certa: em 2001, ajudou a empresa a
não perder o bonde das avançadas pesquisas em genética.
Qualcomm Ventures
É um dos mais ativos do mundo. No Brasil, apostou em ideias como o aplicativo de celular 99Taxis, que facilita o contato entre passageiros e taxistas.
Microsoft Ventures
Além de investimentos diretos, o Microsoft Ventures costuma aportar
recursos em aceleradoras e fundos independentes, como as brasileiras
AceleraTech e Accelera Partners. No início do ano, montou um FIP em
conjunto com o Banco Espírito Santo para oferecer investimentos entre
R$ 120 mil e R$ 3 milhões a startups brasileiras.
luxo de correr risco cego em empresas sem faturamento, num
percentual menor do portfólio”, conta. Luzes, da Microsoft,
reconhece: “Não invisto em empresas que não geram caixa.
Mas há, sim, quem fomente esse tipo de negócio”.
The end
Resta uma pergunta: ultrapassadas as barreiras contratuais
e feito o investimento, a união entre empresa investida e
companhia investidora precisa ser eterna? A resposta é não.
As estratégias de desinvestimento são similares às de um fundo de venture capital ou private equity tradicional: venda para
outro fundo ou empresa, ou abertura de capital. A diferença,
aqui, é que a venda da investida tem chances consideráveis
de ser feita para a própria investidora, ainda que não haja
nenhuma obrigatoriedade de isso ocorrer. “Restringir as portas de saída seria confundir o corporate venture com M&A.
Buscamos deixar claro que a aquisição pela Totvs não é o
único caminho possível, tampouco o mais provável”, enfatiza
Karime, da Totvs Ventures, que ainda não definiu qual será
seu processo de saída da uMov.me e das outras investidas.
Apesar de o discurso dos departamentos de corporate
venture e das aceleradoras apontar para várias possibilidades de saída, o ponto não é pacífico. É comum os contratos
firmados preverem o direito de última oferta à investidora.
Isso significa que, se a investida receber uma oferta de compra
ou fusão de outra empresa, ela deve apresentar essa mesma
proposta à patrocinadora do corporate venture, dando-lhe a
chance de apresentar uma contraproposta. “O problema disso
é que muitas potenciais compradoras se veem desestimuladas
a começar a negociação e perder tempo elaborando ofertas
que tendem a ser superadas”, pondera um empreendedor que
não quis se identificar.
Obstáculos à parte, empresas e pessoas com desejo de
apostar em novas ideias são uma boa notícia para qualquer
país — e, principalmente, para uma nação como o Brasil.
Emergentes precisam basicamente de um ingrediente
para ingressarem no mundo desenvolvido: investimento.
É esse capital que gera emprego, renda e permite mudanças sociais. O Brasil investiu, em 2013, apenas 18% do PIB,
e a taxa deve cair este ano. Para efeitos de comparação, na
Coreia do Sul, esse número atingiu 29%; no México, 22%.
Assim, não há dúvidas de que os corporate ventures e as aceleradoras são bem-vindos por aqui. Nossos empreendedores
agradecem.
Corporate venture foi o tema do
primeiro encontro do Grupo de
Discussão Venture Capital e Empreendedorismo, realizado em
outubro, em São Paulo. Veja mais
em http://bit.ly/1tdpQk1.
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 39
Gestão de recursos
Eles querem
adrenalina
Por Bruna Maia Carrion
As aventuras
dos gestores
brasileiros que
investem em
junk bonds e
créditos judiciais
40 C APITAL A BERTO Novembro 2014
H
á muito dinheiro disponível no mundo, principalmente graças à intensa política de recompra
de títulos de dívida soberana (quantitative easing)
pelo banco central americano (FED). Seu congênere
europeu, o BCE, cogita iniciar processo semelhante
para reativar a economia do continente. Quando
bonds soberanos, tradicionalmente seguros, passam
a render tão pouco (a taxa de juros americana está
em 0,25%), os títulos de dívida mais arriscados e potencialmente lucrativos, conhecidos como high yield bonds, se tornam atraentes. O interesse por esses ativos foi tão intenso ao
longo de 2014 que criou uma bolha, recentemente estourada.
De acordo com dados da Dealogic, houve US$ 22 bilhões em
resgates líquidos de fundos high yield no ano até 27 de outubro — a maioria após agosto, quando o mercado se tornou
mais volátil e Janet Yellen, presidente do FED, afirmou que
o preço dos ativos estava um tanto exagerado. Tais questões
parecem distantes da nossa realidade. Com uma taxa básica de
Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 41
Gestão de recursos
juros de 11% ao ano, diversas aplicações de renda fixa, como os
títulos públicos, oferecem boa rentabilidade atrelada a baixo
risco. Mas não tiremos conclusões precipitadas: o Brasil tem,
sim, um pequeno grupo de gestores interessados no nicho de
high yield bonds.
JGP Crédito, ASK, Vision, Blackwood e G5 Evercore são
exemplos de gestoras brasileiras que atuam no setor. Enquanto nos Estados Unidos as firmas voltadas a esse nicho
compram, basicamente, bonds com risco maior, aqui, para
ter chances de alto retorno, é preciso expandir o cardápio.
A JGP, por exemplo, foca títulos de dívida de empresas que
podem ou não estar em recuperação judicial. Já a ASK se volta
para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs).
E a Vision compra recebíveis de ações judiciais ganhas contra
companhias ou o Estado (precatórios) ou de empresas em
recuperação judicial. Nos três casos, entretanto, há uma preocupação em ter um pouco de cada um desses investimentos
no portfólio.
A maioria dessas casas surgiu nos últimos cinco anos e tem
uma história similar à de muitas gestoras de recursos criadas
recentemente para investir em ações. Foram fundadas por
ex-funcionários de instituições financeiras que decidiram
juntar seus milhões e gerir os próprios fundos. Uma de suas
peculiaridades é contar com departamentos jurídicos robustos, com seis a oito pessoas dedicadas a analisar termos
de decisões e sentenças judiciais ou avaliar o risco de perda
na compra de um crédito de uma empresa com problemas
financeiros, por exemplo.
Uma das principais motivações para investir em high
yield é o desejo de estar num setor com menos competidores. “Das companhias listadas em bolsa, considero apenas
42 C APITAL A BERTO Novembro 2014
30 realmente boas e líquidas. É muito pouco produto para os milhares de fundos que existem no
mercado”, observa Valério Marega, sócio da ASK
Brasil, que possui hoje patrimônio de R$ 156 milhões. “Nosso objetivo é montar uma carteira que
renda de 25% a 30% ao ano. Pretendemos oferecer
mais que os 17% a 25% dos fundos de private equity,
já que nosso risco é maior”, acrescenta.
Uma das peculiaridades do high yield no Brasil é
justamente uma exigência mínima de retorno muito superior à existente em países desenvolvidos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, os títulos que se
encaixam nessa categoria são aqueles com nota de
crédito abaixo de BBB, de acordo com o padrão das
agências Standard & Poor’s e Fitch, e da categoria
BAA da Moody’s. Uma estimativa da corretora e
gestora de investimentos Charles Schwab informa
que esses títulos rendem, em média, 5,5% ao ano.
Por aqui, as notas de crédito ficam em segundo
plano; importa mais a rentabilidade dos ativos.
“Considero high yield o que rende taxa DI mais
5%”, define Rafael Fritsch, chefe de investimentos
da área de crédito da gestora JGP, com R$ 168,5
milhões em ativos sob gestão.
Fritsch geriu por dez anos títulos de high yield
no exterior, em instituições como J.P. Morgan,
Deutsche Bank e Bank of America, e retornou
ao Brasil em 2009. “Quando comecei a trabalhar
com isso, o mercado de crédito no Brasil ainda
era pequeno. Hoje está bem maior, mas ainda há
poucas gestoras e profissionais interessados”, diz.
De fato, o crédito privado se expandiu no País:
estatísticas do Banco Mundial mostram que ele
correspondia a 31,7% do PIB em 2000 e cresceu
para 70,7% em 2013.
Público qualificado
Por investir em ativos arriscados e exigir longos
períodos para resgate — na Vision, o prazo de
maturação do fundo é de até cinco anos —, os high
yields locais são destinados a investidores qualificados e exigem aporte mínimo de, pelo menos,
R$ 1 milhão. A Vision, que gere cerca de R$ 4,4
bilhões, parte deles investidos em madeira de reflorestamento, em terras e no setor imobiliário, tem
como clientes apenas estrangeiros interessados em
crédito no Brasil. “Buscamos investidores institucionais, como fundos de pensão, e family offices”,
conta Amaury Fonseca Júnior, sócio da Vision.
Na ASK e na JGP, os family offices e os investidores
institucionais, tanto locais como estrangeiros, também
são os principais cotistas dos fundos. “High yield é uma
decisão natural de qualquer um que queira fazer uma alocação diversificada”, comenta Christian Sant’Anna, sócio
e gestor da Titan Capital, que gere fortuna de famílias.
Ele aplica entre 5% e 8% do patrimônio de R$ 106 milhões
da Titan em seis gestoras que buscam oportunidades em
créditos, principalmente FIDCs.
Difícil de recuperar
Quem aposta nesse mercado sabe bem que as dificuldades
são grandes. Uma delas é comum a todos os que lidam com
renda fixa: falta liquidez para negociar os títulos no mercado
secundário. Isso se reflete no tempo de resgate do investimento — os fundos da JGP, por exemplo, são fechados para
retiradas por dois a cinco anos.
Outro desafio diz respeito à resolução de insolvências.
O Brasil está em 135o lugar no ranking do Banco Mundial nesse quesito. A Lei 1.1101, conhecida como Lei de
Falências, editada em 2005, ajudou a resolver a questão
ao criar a figura da recuperação judicial. Ela blinda a empresa contra credores por 180 dias, período em que pode
se concentrar na solução de seus problemas financeiros.
Dados da consultoria Corporate Consulting publicados
em outubro de 2013, contudo, revelavam que apenas 50 das
4,2 mil companhias que entraram com o processo de recuperação desde a edição da lei até outubro de 2013 conseguiram
escapar da bancarrota.
O Brasil tampouco está bem colocado em relação à recuperação de créditos insolventes. Segundo dados do Banco
Mundial, para cada US$ 1 devido no País, apenas US$ 0,195
é recebido pelo credor, em média, depois de quatro anos.
Nos Estados Unidos, é US$ 0,815 em um ano e
meio; no México, US$ 0,676 em um ano e dez
meses; na Argentina, US$ 0,308 em dois anos e
meio. “O papel dos credores na renegociação da
dívida nos Estados Unidos é mais ativo. Mesmo
os sindicatos entram na negociação para resolver
passivos trabalhistas rapidamente”, explica Fritsch.
A baixa chance de recuperação das companhias
não só amplia o risco como prejudica a imagem
dos gestores especializados em ativos de alto risco,
muitas vezes apelidados de abutres. “A melhor coisa
que pode acontecer para nós é a empresa se recuperar. Assim, nosso percentual de ganho aumenta de
maneira significativa”, destaca Marega, da ASK. Recentemente, a gestora fez algo até então inédito em
sua rotina. Prestou assessoria a uma empresa com
dificuldades, cujos créditos havia adquirido. “Fomos
cobrá-la e percebemos que a companhia era boa e
queria melhorar sua situação. Ajudamos a resolver
os problemas, e ela foi vendida com lucro”, relata.
Outro problema enfrentado pelos profissionais
que administram títulos de dívida arriscados é a
pouca especialização do Judiciário nacional para
trabalhar com casos de recuperação judicial e
com investidores que compram créditos podres.
“Aos poucos, os juízes brasileiros estão se acostumando à existência de credores como nós.
Há alguns anos, éramos completamente desconhecidos”, lembra Fonseca Júnior, da Vision. Sinal
de que, aos poucos, os gestores brasileiros de high
yield estão ganhando visibilidade. Tudo o que eles
querem é ser reconhecidos por realizar um ofício
que não entusiasma a maioria.
LL.M. em
DIREITO EMPRESARIAL
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Horário diferenciado
Duração de 24 meses, com opção de conclusão em 18 meses.
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Novembro 2014 C APITAL A BERTO 43
Investimento responsável
Sustentabilidade
com cifras
Quem são e como agem as
companhias que extraem
bons lucros a partir de
investimentos ESG
U
Por Mitchel Diniz
ma companhia de capital aberto que decida construir uma nova fábrica tem, pelo menos, três informações essenciais a transmitir aos investidores.
São elas: as premissas do investimento, seu custo e
o retorno financeiro esperado. Curioso observar que
essa mesma comunicação não é usada em projetos
voltados às áreas social, ambiental e de governança
(ESG, na sigla em inglês), como mostra um estudo
feito pela consultoria espanhola Management & Excellence (M&E), divulgado com exclusividade para a capital
aberto. Digamos que a mesma empresa que construiu a
fábrica decida investir em ecoeficiência, implantando tecnologias para reduzir o consumo de água e energia. A quantia
aportada no projeto decerto chegará ao conhecimento dos
investidores, porém dificilmente se divulgará uma projeção
do retorno financeiro.
“As informações são apresentadas, mas de modo pouco
atraente para o investidor”, constata William Cox, presidente
44 C APITAL A BERTO Novembro 2014
da M&E. No estudo, a consultoria relaciona os investimentos feitos pelas companhias em fatores ESG aos resultados
financeiros obtidos (veja as tabelas na página 46). Foram
definidos quatro tipos de investimento — remuneração de
executivos, treinamento de pessoal, meio ambiente e áreas
social e cultural — e analisadas três empresas que investem
significativamente em cada um deles.
O primeiro item observado foi a remuneração dos executivos. Com um múltiplo simples, a M&E compara o lucro
líquido da organização com o salário pago aos diretores.
A Ambev obteve a melhor performance nesse quesito ao ser
comparada com Bradesco e Itaú. No ano passado, cada R$ 1
que a fabricante de bebidas gastou com os executivos gerou
um retorno de R$ 186,18. A empresa superou o desempenho
dos bancos Itaú (R$ 100,04) e Bradesco (R$ 27,53), que ficaram
em segundo e terceiro lugar, respectivamente.
A JBS ganhou a liderança no aspecto de eficiência ambiental
ao ser observada ao lado de outras duas companhias com elevado risco ambiental e que, portanto, tendem a se beneficiar de
investimentos nessa área (BRF e Cemig). Para cada R$ 1 gasto
com o meio ambiente, a companhia obteve R$ 36,74 em lucro
líquido em 2013, quase cinco vezes mais que sua concorrente
BRF (R$ 7,59). As despesas englobam o investimento em tecnologias para verificar a procedência da matéria-prima animal
e garantir a ecoeficiência das plantas industriais.
A SulAmérica registrou o melhor retorno no múltiplo de
gestão sustentável, que relaciona os gastos com treinamento
ao lucro líquido por funcionário. As três companhias analisadas (SulAmérica, Itaú e Embraer) são reconhecidas por
atuarem em negócios que exigem alto nível de conhecimento.
Quanto mais elevado o percentual, maior a despesa com esse
item em relação ao retorno e, portanto, menor a eficiência.
Na empresa de seguros, a proporção obtida foi de 0,46%.
O segundo lugar foi do Itaú, que registrou 0,74%, seguido
pela Embraer, com 2,41%.
O Itaú obteve a maior eficácia social e cultural em comparação a Cemig e Klabin: cada R$ 1 investido nesse segmento
em 2013 contribuiu com R$ 484,60 para a receita da empresa
— quase nove vezes mais que o retorno da segunda colocada,
a Cemig (R$ 56,50), e 14 vezes o da terceira, a Klabin (R$ 33,04).
Governança certa
Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com
A proximidade do comando social, ambiental e de governança
com a alta administração é uma característica comum nas
empresas que mais extraem valor dos investimentos em
práticas ESG. Na JBS, o diretor de sustentabilidade Márcio
Nappo responde diretamente a um comitê dedicado ao tema
que, entre seus membros, conta com o CEO Wesley Batista.
A presidência do órgão fica a cargo de João Ferraz, conselheiro
de administração da JBS. “As decisões mais importantes na
área de sustentabilidade chegam ao nível do conselho por
meio desse comitê”, observa Nappo. Na Ambev, as equipes
de relações com investidores (RI) e sustentabilidade sentam,
fisicamente, no mesmo escritório, uma ao lado da outra.
“Cada vez mais há interesse dos investidores em conhecer
os projetos de sustentabilidade e entender quais resultados
operacionais e financeiros eles trazem”, afirma Marino de
Lima, gerente de RI da Ambev.
Práticas de governança e sustentabilidade renderam à
SulAmérica dois novos acionistas em 2013. Segundo o vice-
-presidente de relações com investidores da companhia, Arthur
Farme D’Amoed Neto, esses foram aspectos considerados pela
resseguradora Swiss Re e pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), braço financeiro do Banco
Mundial, para investir na companhia de seguros. “A principal
diretriz é e nunca deixará de ser financeira. Mas, havendo a
indicação de que o ativo pode ter desempenho satisfatório,
as práticas de sustentabilidade são valorizadas”, considera.
Na SulAmérica, as áreas de RI e sustentabilidade estão debaixo
da vice-presidência de controle e relações com investidores.
Dessa forma, seguem a mesma orientação estratégica e gozam
de sinergia funcional, relata D’Amoed Neto, que há algum
tempo mantém contato com investidores SRI (aqueles que
aplicam em investimento socialmente responsável, conforme
a sigla em inglês).
Nos Estados Unidos, esse tipo de escolha financeira acelerou
após a crise de 2008, com o aumento do apetite dos investidores por aplicações criteriosas, dotadas de maior nível de
governança, apelo social e preocupação ambiental. Números
de 2012 estimam que os ativos sob gestão dos investidores
SRI nos Estados Unidos somem US$ 3,74 trilhões. Na Europa,
maior mercado desse tipo de investimento do mundo, o valor
alcança € 6,70 trilhões.
Estágio embrionário
Na América Latina, o investimento socialmente responsável
é recente. O Brasil, assim como outros emergentes, ainda
abocanha uma fatia tímida do dinheiro voltado a esse tipo de
aplicação. “Apesar do alto grau de desenvolvimento da governança no Brasil, dos índices de sustentabilidade da Bovespa e
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 45
Investimento responsável
dos elevados recursos aplicados em sustentabilidade pelas
empresas blue chips, os investidores SRI têm dado relativamente pouca atenção à região”, comenta o estudo da M&E.
As empresas trabalham para reverter esse quadro. “Este é
um público com o qual todas as companhias de capital aberto estão aprendendo a lidar e a entender suas prioridades e
interesses”, destaca Marino de Lima, da Ambev. Até o fim do
ano, o Itaú fará um roadshow na Europa para que suas ações
Proporção do gasto com treinamento sobre o lucro líquido
por empregado
ganhem espaço no portfólio dos investidores SRI. Uma das
credenciais do banco é o fato de integrar renomados índices
de sustentabilidade. “Estamos no Dow Jones Sustainability
Index e no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da
BM&FBovespa. É uma pré-condição para estar sentado de
frente para essa turma”, conta Marcelo Kopel, chefe de RI
da empresa.
Em abril, o Itaú passou a ser a primeira instituição financeira do Brasil a lançar um relatório anual de acordo com
a metodologia proposta pelo Comitê Internacional para
Relatos Integrados (IIRC). Há outras na fila. Com o intuito
de evidenciar como os gastos com questões ESG impactam o
negócio, Nappo, da JBS, diz que a companhia pretende adotar
o modelo de relato integrado. “É o mundo ideal. Você deixa
de olhar duas coisas distantes e, a partir do mesmo número,
consegue enxergar o resultado de curto prazo e a perspectiva
de longo prazo”, analisa.
Se temos empresas exemplares no investimento ESG, o que
falta, então, para o Brasil entrar no radar dos fundos socialmente responsáveis? Na opinião de Erika Karp, presidente do
Cornerstone Capital Group, especializado em sustentabilidade financeira, ainda tropeçamos na letra G. “Existem melhores
práticas, mas também algumas piores práticas nas empresas
brasileiras. Se repararmos na governança, na estrutura acionária de algumas empresas, há casos bastante problemáticos”,
frisa a executiva, que cita a instabilidade macroeconômica e
as incertezas políticas como outros obstáculos à chegada de
aplicadores SRI no País.
Empresa
Colocação
Retorno
Boa pedida
SulAmérica
1
0,46%
Itaú
2
0,74%
Embraer
3
2,41%
Lucro e boas ações
Conheça as companhias que se destacaram nos itens
avaliados pela consultoria espanhola M&E em 2013
Retorno com governança
Lucro líquido dividido pelo salário da diretoria
Empresa
Colocação
Retorno
Ambev
1
R$ 186,18
Itaú
2
R$ 100,04
Bradesco
3
R$ 27,53
Retorno com gestão sustentável
Retorno com eficiência ambiental
Lucro líquido dividido pelas despesas com meio ambiente
Empresa
Colocação
Retorno
JBS
1
R$ 36,74
Cemig
2
R$ 25,87
BRF
3
R$ 7,59
Retorno com eficácia social e cultural
Lucro líquido dividido pelo investimento nas duas áreas
Empresa
Colocação
Retorno
Itaú
1
R$ 484,60
Cemig
2
R$ 56,50
Klabin
3
R$ 33,04
46 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Os múltiplos que norteiam o estudo da M&E dão uma dimensão mais precisa da solidez financeira e da performance dos
projetos de sustentabilidade empresarial. É com esse tipo de
dado que a consultoria mede o desempenho das companhias
do índice LatinFinance Brazil Stars, criado em 2009. A carteira
é composta atualmente de 16 companhias brasileiras; em cada
uma delas, até 840 indicadores são analisados. “Quantificamos a gestão de todos os processos sustentáveis”, explica
William Cox. Os dados definem o peso de cada empresa no
índice, que, de dezembro de 2009 a julho de 2014, acumula
performance 64% superior ao Ibovespa.
O bom resultado não chega a ser uma novidade. De acordo
com a M&E, diversos estudos feitos na última década apontam que empresas altamente comprometidas com padrões
ESG registram retornos melhores do que aquelas desligadas
dessas práticas. Em 2009, segundo pesquisa do Fórum de
Investimento Social, 75% dos fundos SRI tiveram performance
superior ao do S&P 500. Além de ter um desempenho em bolsa
melhor, essas companhias costumam exibir resultados mais
positivos e trabalhar com custos de capital reduzidos. Não se
devem esperar impactos financeiros de curto prazo para os
investimentos ESG, entretanto. Somente o tempo é capaz de
referendar o valor de políticas sustentáveis.
Os próximos quatro anos
O que esperar para a infraestrutura com a reeleição de Dilma Rousseff?
O debate eleitoral para a Presidência da República
se pautou por alguns temas centrais. Destacam-se, aí, o desempenho econômico do País e a qualidade da infraestrutura, que foram constantemente relacionados como efeito
e causa de um dos principais desafios para os próximos
anos. O que devemos, então, esperar de mais um mandato
de Dilma Rousseff?
Desde quando ela assumiu o comando do Executivo federal, o tema da infraestrutura pautou de forma recorrente
o discurso do governo. Isso não se pode negar: a problemática da infraestrutura — uma realidade de grande déficit
— foi reconhecida no primeiro mandato da presidente reeleita. Os resultados dessa preocupação, também se admite,
não foram tão expressivos quanto desejado.
A contemplação de algumas hipóteses para os resultados abaixo do esperado, bem como de seus reflexos sobre o desempenho econômico brasileiro, faz notar que o
modelo jurídico-institucional das principais atividades do
setor sofreu relevantes modificações, especialmente para
concentrar competências centrais nos agentes do setor
público. Mudanças nos setores de energia elétrica, petróleo, ferroviário e portuário foram bastante marcantes. Por
consequência, a fragilidade no planejamento para o setor
ganhou relevo.
Em paralelo, a primazia declarada às reduções de preço e tarifa ao consumidor final conduziu a política pública
ao uso expressivo de subsídios, majorando a utilização de
recursos governamentais para financiar a infraestrutura. Esse movimento interferiu diretamente na construção
de um mercado privado robusto para financiar o setor.
O próprio governo federal já havia reconhecido, entretanto, o ciclo vicioso que criara, assim como a necessidade de
encerrá-lo.
Nos próximos quatro anos, pode-se imaginar que o investimento em infraestrutura continuará a protagonizar o
discurso do governo federal — e de todo o País. O nível
de investimentos tende a aumentar, especialmente pela
possibilidade de dar continuidade aos programas anunciados no primeiro mandato e ainda não concluídos. Nesse
mesmo rumo, a participação pública no setor deve crescer,
O nível de investimentos
tende a aumentar, junto com a
participação pública no setor
especialmente se confirmadas as perspectivas de aumento
do risco aos olhos dos investidores privados.
O cenário do novo mandato, portanto, não é devastador. Ao passo atual, contudo, os resultados também não
devem animar muito. Se é possível dar conselhos, registramos que o setor demanda imediato fortalecimento de
suas instituições, reduzindo a centralização governamental e majorando a autonomia das agências reguladoras, que
também precisam reduzir o aparelho de governo nelas inserido. O planejamento deve ser reestabelecido, com o fim
dos programas tirados da cartola da noite para o dia.
Por último, também parece que a crescente participação de órgãos de governo no centro dos setores e projetos
de infraestrutura tende a enfraquecer a participação privada com a qualidade esperada, reduzindo consideravelmente os benefícios dessa opção. Recomenda-se, assim,
uma mudança de paradigma e não um incremento de
ações desconexas.
Por Rosane Menezes Lohbauer (rosane.menezes@
mhmlaw.com.br) e Rodrigo Sarmento Barata
([email protected]), respectivamente
sócia e advogado do MHM Advogados
Infraestrutura é um informativo bimestral produzido por MHM Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO.
Alta&Baixa
Por João Carlos de Oliveira
40
37,07
Caminho pedregoso
Banco do Brasil
2/9/2014
23,57
30
24/4/2014
28,10
21,46
21/5/2014
20
Cotações no fechamento
(em R$)
Alta do spread e dos lucros impulsiona ações, mas inadimplência é ameaça iminente
48 C APITAL A BERTO Novembro 2014
para cada US$ 1 mil de papéis antigos.
Os analistas consideravam a operação
favorável, embora complexa. Porém, o
prazo para a troca terminou em 21 de
outubro e, no dia seguinte, o negócio
foi cancelado por falta de adesão. Um
dos motivos seria a cautela do investidor
devido à eleição.
Quem mais comprou
Investidores que mais aumentaram a
participação em ações ON do BB
Quem entrou
Numa trajetória cheia de altos e baixos, o papel do Banco do Brasil (BB) acumula valorização de 28,5% no ano, até
10 de outubro. É a força dos resultados.
Em setembro, logo depois de a instituição ter divulgado o balanço do segundo
trimestre, o Credit Suisse mudou sua
recomendação de neutra para compra,
por causa da expectativa de uma relação
favorável entre risco e retorno.
O spread (diferença entre o juro
pago pelo banco para se financiar e
aquele cobrado do consumidor) subiu
2,9 pontos no primeiro trimestre e
4,2 no período seguinte, chegando a
7,5% — ainda menor que o dos bancos
privados. Os resultados refletiram o
acréscimo: o lucro da instituição no segundo trimestre atingiu R$ 2,8 bilhões,
superando as estimativas em cerca de
R$ 400 milhões.
Até o último dia 22, havia outro
motivo importante para a alta: a possibilidade de o capital ser elevado com
baixo risco de diluição dos investidores,
segundo o BTG Pactual. A estratégia era
trocar títulos de dívida emitidos pelo
banco em 2012 (cerca de R$ 8,1 bilhões)
por títulos novos que poderiam ser contabilizados como capital. Para incentivar o acionista a participar da oferta, o
BB ofereceu US$ 1.180 em novos bônus
21/10/2014
Gestora
Valor investido
31/3/201430/6/2014
XP Gestão de
Recursos
50
1.553
Solidus Administração
de Patrimônio
958
21.754
Fator Administração
de Recursos
78
1.409
JGP Gestão
Patrimonial
0
7.294
Atmos Capital
0
5.356
Mercatto
0
5.177
Fonte: Economatica.
Foram consideradas as posições finais superiores a R$ 1 milhão.
Valores em R$ milhares.
Obs.: Os dados de 30/6/2014 eram os últimos disponíveis até o
fechamento desta edição.
No início do governo Dilma Rousseff,
o BB foi usado como uma espécie de
aríete para derrubar as taxas de juros
bancárias. Essa política fez a parcela
da instituição no mercado de crédito
brasileiro crescer para 21,3%. Entretanto, como lembra Felipe Silveira, da
Coinvalores, o índice de inadimplência
na instituição avançou. No segundo
trimestre, cresceu 0,2 ponto percentual,
enquanto nos bancos privados o calote
regrediu 0,4 ponto. Outro sinal negativo foi o aumento de 8,3% nas provisões
para devedores duvidosos feitas pelo
banco, atingindo R$ 4,57 bilhões.
Para complicar, o governo anunciou
que pretende sacar R$ 3,5 bilhões de recursos do Fundo Soberano para quitar
dívidas, com grande impacto no BB.
O veículo possui R$ 4,3 bilhões, dos
quais R$ 3,8 bilhões em participação
acionária no banco estatal, de acordo
com a CVM. Até agora, contudo, o
Tesouro informou ter vendido entre 29
de agosto e 10 de setembro R$ 178,9 milhões em ações — quase nada. Ainda que
a efetivação do negócio completo não
tenha sido descartada, muitos analistas
passaram a acreditar que o projeto será
abandonado, dada a desvalorização que
trará para o preço do papel. A dúvida,
contudo, permanece.
Triunfo
10
9,49
Bolachas estragadas
15/5/2014
5,21
8
6
21/10/2014
8,96
22/4/2014
5,50
17/9/2014
4
Cotações no fechamento (em R$)
Companhia de infraestrutura vive as dores da diversificação, com despesas e dívidas
graças aos preços bastante altos praticados no mercado de venda à vista.
E a companhia continua investindo no
setor: em agosto, assumiu a concessionária da hidrelétrica de Três Irmãos,
em São Paulo.
Há bolachas, porém, que estragam o
pacote, com gastos altos e dívidas. Uma
Quem mais vendeu
Investidores que mais reduziram a
participação em ações ON da Triunfo
Quem saiu
Quem compra os papéis da Triunfo
Participações e Investimentos adquire
um pacote de investimentos em infraestrutura. Neste ano, ele não rendeu:
a ação acumulava perda de 38% até o
último dia 10. O agrupamento pode
ser visto como uma fragilidade, já que
normalmente o próprio investidor gosta
de montar sua estratégia de diversificação de risco.
Mas a Triunfo montou a dela, unindo
os interesses de seus controladores: a
holding THP (55,4%) e a BNDESPar
(14,8%). Fundada em 1999, a companhia está presente em nove estados
e atua nos segmentos de concessão
rodoviária — responsável, no segundo
trimestre, por 57% de suas receitas —,
administração de aeroportos (leia-se
Viracopos), gestão portuária e geração
de energia. Ela acabou de descontinuar
seus investimentos em cabotagem.
Neste ano, o setor que exibiu a melhor performance foi o de energia: no
primeiro trimestre, registrou margem
Ebitda de 87,2%. As receitas de venda
cresceram 83,6% na segunda metade de
2013 e, agora, a área responde por 15% da
receita líquida total. Os ganhos foram
possíveis com o início da operação da
usina hidrelétrica no rio Canoas num
momento particularmente favorável,
Gestora
Valor investido
31/3/201430/6/2014
Caixa
3.121
1.232
Sparta
1.087
586
Iguana
Investimentos
2.180
1.566
Nenhuma gestora com mais de R$ 1 milhão
se desfez de sua posição no período.
Fonte: Economatica.
Foram consideradas as posições iniciais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares.
Obs.: Os dados de 30/6/2014 eram os últimos disponíveis até o
fechamento desta edição.
delas é a administração de rodovias.
O incremento no tráfego (4,4%) e o
reajuste nas tarifas dos pedágios (4,6%)
elevaram em 9,8% as receitas oriundas
de concessões no segundo trimestre.
Isso, no entanto, não compensou as despesas (excluindo custos de construção e
provisão para manutenção, depreciação
e amortização), que subiram 14,1%.
Outro exemplo: no segmento portuário, o volume da movimentação de
contêineres caiu 1,9% no acumulado
dos primeiros oito meses de 2014.
No segundo trimestre, o Ebitda ajustado do setor caiu 12,2%, enquanto
a alavancagem (relação entre dívida
líquida e Ebitda anual) subiu para 2,21
vezes, contra apenas 0,83 vez no período
anterior. Já em Viracopos, o transporte
de passageiros galgou 5,5% — um reflexo positivo da Copa —, enquanto a
movimentação de carga recuou 9,4%.
A receita líquida total com o aeroporto
se expandiu 7,3% entre o primeiro e o
segundo trimestre. Só que a alavancagem passou de 9,4 para 10,3 vezes no
mesmo período.
A escolha das companhias para esta seção é feita a partir de um
levantamento da Economática com a oscilação e o volume negociado
mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão
por dia. A partir daí, são escolhidas aquelas que se destacam pelas
variações positivas e negativas nos últimos seis meses.
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 49
Notas I nternacionais
Por Bruna Maia Carrion
Captações com DRs voltam a crescer
Todo mundo sabe que o Alibaba
captou US$ 25 bilhões em seu IPO, em
setembro. O detalhe é que não eram
ações, e sim recibos de ações: American depositary receipts (ADRs). Para os
bancos depositários, como BNY Mellon,
Citi, Deutsche e J.P. Morgan, a oferta do
site chinês é, sem dúvidas, uma excelente propaganda. Contudo, em razão do
recente aumento do volume captado via
DRs, eles podem se dar ao luxo de tirar a
empresa da lista, para que o gigantismo
não distorça a estatística.
No primeiro semestre, 41 captações
globais por meio de recibos totalizaram
US$ 9,1 bilhões, montante bastante
superior ao arrecadado no mesmo período de 2013: US$ 3,6 bilhões. Desde
2011, o mercado de DRs vinha decaindo.
Naquele ano, foram captados US$ 14,8
bilhões em 51 operações; em 2012, 31
ofertas totalizaram US$ 12,6 bilhões.
No ano passado, embora o número de
captações tenha sido igual ao de 2011,
o volume foi menor (US$ 10,4 bilhões).
A maioria das captações com recibos
de ações em 2014 veio da China e da
Rússia, seguidas pelo Brasil. Em abril,
a Oi levantou US$ 1,1 bilhão por meio
de ADRs — e foi a única empresa local
a se aventurar no uso de DRs em 2014.
“Passou a época em que os investidores queriam investir no País. Agora,
as empresas brasileiras têm que fazer
um esforço de venda. É um processo
natural em economias emergentes mais
maduras”, disse à capital aberto
Christopher Kearns, CEO da divisão de
DR do BNY Mellon.
Na visão de Kearns, o baixo crescimento da economia brasileira e a incerteza trazida pelas eleições constituem o
principal motivo tanto para o baixo número de IPOs na bolsa local como para a
baixa emissão de recibos fora do Brasil.
De acordo com ele, algumas empresas
nacionais desistiram de emitir DRs este
ano por causa do cenário desfavorável,
mas devem retomar os planos em 2015.
Ilustrações: Rodrigo Auada
Índice apontará investidores que
Proporção de mulheres em
aplicam em companhias poluentes conselhos é recorde nos EUA
Um novo índice pretende expor os investidores institucionais que colocam dinheiro em companhias poluentes, com o
objetivo de envergonhá-los. A iniciativa inusitada partiu da
organização não governamental Asset Owners Disclosure
Project (AODP), voltada a alertar investidores sobre os riscos
de longo prazo trazido por mudanças climáticas.
Com o nome de Global Climate Investment Index, o índice
estará no ar em 2015. A ideia é analisar os portfólios de investidores institucionais que, somados, aplicam mais de US$ 70
trilhões e têm participações relevantes em mais de metade
das companhias listadas globalmente. A maioria dos gestores
analisados será composta de fundos de pensão. De acordo com
o AODP, apenas 2% dos recursos sob gestão das mil maiores
fundações do mundo são investidos em empresas com baixa
emissão de carbono.
50 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Nunca tantas mulheres foram indicadas para ocupar
cadeiras em conselho de administração quanto em 2014.
Dos candidatos a uma vaga no board das empresas do S&P 500,
30% eram do sexo feminino; em 2008, elas eram apenas 15%.
Os dados foram divulgados pela Institutional Shareholder
Services (ISS), maior consultoria de voto do mundo. A proporção de mulheres presentes nos conselhos também cresceu,
embora ainda seja inferior a um quinto. Precisamente 18,7% das
cadeiras das principais companhias americanas são ocupadas
pelo público feminino; há três anos, eram 16,3%.
Pelo mundo, o número de conselheiras aumenta de forma
consistente. Entre as companhias do índice FTSE 350, que reúne as principais empresas da London Stock Exchange, elas são
18,5% — em 2008, elas eram pouco mais de 10%. No Canadá,
14,6% das vagas são ocupadas por mulheres; na Austrália, 14,7%.
Empresa de HFT terá de
pagar US$ 1 milhão à SEC
Consultorias de
remuneração
ganham relevância
As consultorias de remuneração
têm cada vez mais influência sobre
o salário dos executivos. Na hora de
aprovar o pacote de compensação
dos administradores, 48% dos conselheiros americanos levam em conta o
que pensam essas empresas, segundo a pesquisa Corporate Director’s
Survey, da PwC. Em 2013, o número
era consideravelmente menor: 36%.
A sondagem ouviu membros do board
de 863 empresas americanas.
A explicação para isso é a importância que os acionistas e as empresas de
recomendação de voto, como a ISS e a
Glass Lewis, dão ao tema. A obrigatoriedade de ouvir a opinião dos investidores
sobre os pacotes de remuneração na assembleia anual (say on pay), em vigor há
quatro anos, também ajudou a compor
esse cenário: 84% dos conselheiros participantes do levantamento consideram
que a regra os fez prestar mais atenção
nesse tópico.
Curiosamente, apesar de toda a pressão exercida pelas consultorias de voto,
elas são consideradas moderadamente
influentes por 51% deles. A crítica a essas
empresas foi intensa: oito em cada dez
conselheiros as consideram generalistas
e reclamam do fato de usarem padrões
únicos para empresas diferentes.
A Securities and Exchange Commission (SEC)
anunciou, em 16 de outubro, um acordo de
US$ 1 milhão com a firma de investimentos Athena
Capital Research, por manipulação de mercado.
O valor é relativamente pequeno. No ano passado, um processo por insider trading contra a SAC
Capital, por exemplo, culminou no pagamento de
US$ 602 milhões ao regulador.
A novidade neste caso é que, pela primeira vez,
uma gestora foi multada por manipular o preço
de contratos futuros por meio de operações de
alta frequência com algoritmos (HFT, na sigla em
inglês). A Athena inundava o mercado com milhares de ordens de compra ou de venda nos últimos
segundos de pregão — estratégia conhecida em
inglês como “banging the close”. Ao fazer pressão
nos preços para cima ou para baixo no fim do dia,
a firma poderia conseguir um resultado favorável
para papéis adquiridos ao longo do dia.
Apesar de o litígio ter sido resolvido por meio
de acordo, o evento mostrou que a SEC tem tecnologia para monitorar as atividades com HFT e
está pronta para investigar e processar os suspeitos
de manipulação.
Bolsa de Joanesburgo facilita
listagem de estrangeiras
A Bolsa de Valores de Joanesburgo (JSE), na África
do Sul, simplificou a listagem de empresas negociadas em pregões estrangeiros. Companhias que façam
parte das bolsas Australia Stock Exchange, Nyse,
Nyse Euronext, Toronto Stock Exchange e London
Stock Exchange há pelo menos 18 meses poderão
adotar um procedimento mais rápido de listagem
secundária na JSE.
A instituição sul-africana exigirá dessas companhias uma documentação menos volumosa.
Em vez de entregar um prospecto completo, as
empresas precisarão fazer um anúncio da oferta
com informações resumidas. Assim, a JSE pretende
atrair para seu pregão multinacionais que operam
no continente africano.
Índia é o
país asiático
com mais
ativismo
Nem Hong Kong nem
Japão. O país asiático com
mais ativismo é a Índia. Um
relatório do BNP Paribas obtido pela imprensa indiana
mostrou que, desde 2000, o
mercado local teve seis casos
emblemáticos de ativismo
de investidores, seguido
pelo japonês, com quatro.
Na China foram dois e na
Tailândia, um. A promulgação do Companies Act, no
fim de 2013, deve aumentar
ainda mais esse número, já
que o país realizou várias reformas legais para melhorar
a governança das empresas
e empoderar minoritários.
Os ativistas indianos têm
buscado prevenir transações
com partes relacionadas
e intervenção estatal em
empresas de capital misto.
Um caso citado pelo relatório é a briga entre o fundo
britânico The Children’s
Investment Fund e a Coal
India. O fundo reclama que
o controlador da Coal — o
governo — está mantendo
os preços do produto baixos,
na contramão do interesse
dos demais acionistas.
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Internacionais no canal
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Novembro 014 C APITAL A BERTO 51
Antítese
A Bolsa de Hong Kong errou ao negar o IPO do Alibaba?
A Bolsa de Valores de Hong Kong
recusou o registro de abertura de capital
do Alibaba, o maior IPO na história do
mercado de capitais (US$ 25 bilhões),
por fidelidade à norma de “uma ação,
um voto”, prevista em seu regulamento.
Conforme a instituição, os acionistas
da empresa chinesa de comércio eletrônico terão pouco controle sobre a
administração, uma vez que seu fundador e 30 executivos do grupo indicarão
a maioria dos membros do conselho
de administração.
Seria elogiável a postura de Hong
Kong, ao se manter coerente com seu
princípio, mas não é razoável. Assim
como a maior parte de suas similares
pelo mundo, ela é uma empresa com
fins lucrativos, registrada como companhia aberta em seu próprio pregão.
Mas para ela não vale a regra de um
voto por ação. Seis dos doze membros
de seu conselho, além do presidente do
órgão, são indicados pelo governo de
Hong Kong, que não possui ações da
empresa. Há outras situações previstas
no regulamento da Bolsa que, em nome
do interesse público ou da proteção
ao investidor, ignoram esse princípio.
Aliás, ela já admitiu exceções ao preceito
noutras ocasiões.
Assim, soa quixotesca a postura que
impediu à instituição e a seus acio-
nistas receber os benefícios, em seu
mercado, trazidos pelo registro do IPO
gigantesco, apenas porque seus títulos
não obedecem à proporcionalidade entre condição econômica e
poder político. Renunciou
a uma receita que pode ser
a mais importante entre
aquelas proporcionadas
pelos títulos transacionados em seu pregão. Além
de prejudicar os sócios,
privou o mercado local de
recursos que certamente
seriam importantes para
se desenvolver. Por último,
mas não menos importante, dificultou o acesso do
investidor chinês às ações
do IPO.
A importância do Alibaba é inquestionável.
A empresa movimenta 80% do volume de comércio eletrônico da China.
Além disso, seus usuários negociaram
US$ 250 bilhões em seus sistemas, mais
do que os volumes de Amazon e E-Bay
somados. Eram 279 milhões de clientes
em junho, número 50% maior que o
observado doze meses antes. Analistas
estimam que suas vendas subam 30%
ao ano no futuro próximo, dado o
rápido crescimento da atividade de e-
-commerce e a ainda baixa penetração
da internet na China.
A regra “uma ação, um voto” representa a essência do capitalismo: quem
tem mais dinheiro pode ter
mais capital acionário e, assim, mais poder no comando das companhias abertas.
Mas sua observância não é
tão rigorosa nos mercados
— nem mesmo no americano, considerado o mais
eficiente. Diferentes tipos
de ações de uma mesma empresa são frequentemente
admitidos à negociação e,
em muitos casos, observa-se
que os preços dos papéis se
movimentam mais atrelados
a resultados e governança do
que aos diferentes poderes.
Diante desses prognósticos, e das exceções a sua regra, fica
difícil defender a posição assumida pela
bolsa da cidade chinesa. Por não possuir
um mercado capaz de competir com o
maior do planeta, que é o americano, a
comissão a ser paga pelo Alibaba deveria
ter ainda mais importância para a Bolsa
de Hong Kong. Será que essa receita
não seria relevante para ela persistir,
com ainda mais força, na defesa dos
princípios que diz defender?
Além de
prejudicar
seus sócios,
privou o
mercado
local de
recursos
importantes
Gilberto Biojone
([email protected]) é
consultor e ex-superintendente
geral da Bovespa
52 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Uma ação, um voto. Provavelmente
foi esse o principal motivo considerado
pela Bolsa de Hong Kong para recusar
o IPO do Alibaba. E, no contexto da
proposta, acertou em fazê-lo.
O mercado de capitais tem evoluído
positivamente ao exigir de companhias e controladores boas práticas
de governança corporativa, baseadas
em princípios como transparência,
equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Nesse sentido,
políticas discriminatórias e tratamento desproporcional entre acionistas
são inaceitáveis.
O poder político deve sempre guardar relação com o capital investido,
como forma de conferir equilíbrio nas
relações estabelecidas entre acionistas,
companhia, gestão e demais stakeholders. Somente esse equilíbrio propicia
um efetivo alinhamento de interesses.
Apesar de a oferta inicial do Alibaba,
desde o seu planejamento, ter sido
apontada como a maior da história, a
Bolsa de Hong Kong ousou recusar a
listagem. Ao fazê-lo, prestigiou princípios e regras, embora tenha cogitado sua
revisão ou flexibilização, no que foi desestimulada pelo órgão regulador local.
Caso fosse processada, a revisão, além
de possibilitar a desobediência de um
princípio basilar de governança corpora-
tiva, geraria uma profunda insegurança
jurídica. E, ao invés de fomentar o mercado de capitais local, estaria destruindo
o valor da praça ao permitir que o poder
político fosse desproporcional ao risco econômico assumido. O regulador local,
ao posicionar-se fortemente
em favor das boas práticas
de governança corporativa,
demonstrou que a defesa
do investidor é a principal
ferramenta para manter um
mercado sadio e confiável.
O Alibaba teve, então,
que procurar outra bolsa,
e realizou a maior abertura
de capital da história. Nesse
cenário, chama a atenção
a firmeza de propósito das
partes: Hong Kong, que manteve seu
regulamento íntegro, e o Alibaba, que
permaneceu firme com sua proposta
de IPO, sem equilíbrio entre capital e
direito de voto.
Quem desprestigia o princípio “uma
ação, um voto” costuma argumentar
que a manutenção do poder de orientação da companhia nas mãos de poucos
visa preservar o empreendedorismo
e protegê-la de investidores focados
apenas em resultados imediatos,
desalinhados com a perspectiva de
longo prazo. O efeito dessa falta de
democracia societária, contudo, pode
fomentar justamente o efeito inverso:
que o acionista busque, prioritariamente, resultados de curto
prazo, por não permitir que
seja criada uma estratégia
de investimento apta a
influenciar a gestão e, consequentemente, o futuro
da companhia.
No Alibaba, os investidores são a maioria, mas o
poder de direcionamento
dos negócios da companhia
pertence à minoria. Ainda
que se diga que essa minoria é qualificada e alinhada
com a prosperidade da
empresa, a estrutura permite, em determinado momento, que
prevaleçam interesses pessoais. Como
se sabe, o desalinhamento de interesses
e a falta de transparência são elementos
de uma tempestade perfeita em que
perdem a companhia, os investidores e
o mercado de capitais como um todo.
Hong Kong pode, na visão de muitos, ter perdido um grande negócio.
Mas acertou ao preservar o que é mais
importante — princípios, fundamentos
e regras — em detrimento do imediatismo que permeia nossa sociedade.
Acertou ao
preservar o
que é mais
importante:
princípios,
fundamentos
e regras
Renato Vetere
([email protected]) é sócio do
Albertoni Sociedade
de Advogados
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 53
Artigo
Verdinhas
Êxito das debêntures de
projetos ambientais
depende de agências
de fomento, investidores
e boas propostas
Por Diego Barreto*
* Diego Barreto (diego.
[email protected]) faz
MBA no International Institute for
Management Development (IMD)
54 C APITAL A BERTO Novembro 2014
A importância dos empreendimentos
que objetivam reduzir as emissões de
dióxido de carbono (CO2) — os projetos
verdes — é uma realidade sacramentada
no cenário mundial. Para se ter uma
ideia, entre janeiro e setembro foram
investidos mais de US$ 175 bilhões em
fontes de energia renovável (solar, eólica e outras) ao redor do planeta. Houve
um crescimento de 16% em relação ao
mesmo período de 2013.
No Brasil, o volume de financiamentos a iniciativas do tipo pelo mercado
de capitais ainda é tímido. Algumas
recebem instrumentos específicos e se
viabilizam em decorrência de isenções
fiscais, não da mentalidade do ambiente
regulador e de negócios.
Já o “green bond”, título de dívida
que financia projetos verdes, é consequência de um movimento vinculado
à mentalidade em voga na Europa. Foi
lançado há quase dez anos, quando
instituições multilaterais (Banco Mundial e Banco Europeu de Investimento,
por exemplo) assumiram o papel de
fomentadores. Com o advento do volume, da liquidez e dos primeiros casos
de sucesso, grandes corporações do
setor energético, tais como GDF Suez
e EDF, passaram a atuar nesse mercado. Na sequência, outras companhias
encontraram espaço para emitir os
títulos verdes; uma delas foi a Unilever.
Do outro lado do balcão, a seguradora
Zurich anunciou em julho que dobraria sua exposição aos green bonds, atingindo US$ 2 bilhões.
As emissões do Velho Continente alcançaram US$ 17
bilhões até aquele mês, duas vezes mais que no ano
passado inteiro. Pelo mundo, espera-se que essas
emissões alcancem US$ 40 bilhões ao fim de 2014.
A análise do ambiente europeu permite extrair
dois fatores de sucesso que poderiam ser incorporados na mentalidade e na estrutura do mercado
brasileiro. O primeiro diz respeito ao modelo da
participação de bancos públicos e de fomento.
Em vez de apenas financiar diretamente projetos
verdes com recursos governamentais, na Europa
essas instituições emitiram green bonds para
bancar os empreendimentos. Assim, desde o início
elas criaram um mercado de dívida volumoso, com
ótima qualidade creditícia e liquidez. No Brasil,
BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste
e Banco da Amazônia poderiam fazer esse papel.
Seria interessante, ainda, estimular o ingresso de
agências de fomento internacionais, como o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), na
emissão de “debêntures verdes”.
A outra vertente de êxito reside na estruturação de projetos com grau de investimento, para
estimular a entrada de investidores de extrema
relevância nesse mercado. É o caso das seguradoras (em agosto de 2014, por exemplo, a Brasilprev
atingiu R$ 100 bilhões sob gestão). Isso diminuiria
a dependência dos títulos verdes em relação aos
fundos tradicionais e aumentaria a competição
pelos bonds, com tendência a derrubar o custo da
captação. A viabilidade poderia ser orquestrada por
patrocinadores das iniciativas ambientais, agências
reguladoras e bancos de fomento ou públicos.
A oferta de benefícios fiscais e o financiamento
via bancos públicos têm sido os principais instrumentos de suporte aos projetos sustentáveis no
Brasil, mas eles têm limitações. O desenvolvimento
de uma mentalidade e uma estrutura pró-mercado
poderia fazer companhias e investidores percorrerem um caminho natural, como na Europa. Eles
dependeriam apenas de uma variável adicional: a
existência de boas propostas, capazes de estimular
gestores de recursos a investir.
Governança
Questão de responsabilidade
Ascensão dos
acionistas
universais reforça
a importância
de avaliar as
externalidades
Por Alexandre Di Miceli da Silveira*
A
externalidade é o impacto que
uma transação econômica
entre dois personagens gera
sobre um terceiro não envolvido diretamente nessa relação. As empresas produzem
externalidades positivas e
negativas para a sociedade, de
que se podem citar como exemplo, respectivamente, a inovação e a poluição.
Apesar de aparentemente técnica,
essa discussão é fundamental na governança corporativa, que afeta a vida de todos nós. Há certo consenso ao dizer que
as companhias, principalmente aquelas
dos setores primário e secundário, são
verdadeiras máquinas de externalidades: impõem sistematicamente custos
à natureza e à sociedade sem pagar por
eles. Concorda-se também em que o
preço dos produtos deve refletir seus
verdadeiros custos sociais, a fim de que
os efeitos nocivos sejam reduzidos.
A polêmica sobre o tema ocorre na
definição do responsável por assegu-
rar a minimização das externalidades.
Para os defensores do movimento da
sustentabilidade empresarial, a conta
é da companhia. Isto é, caberia a cada
empresa, de forma ativa e independente
das leis, bancar o custo de seus impactos
ambientais.
Por outro lado, na opinião dos críticos
do movimento, a mitigação das consequências negativas deveria ser responsabilidade exclusiva dos governos, que são
eleitos e devem prestar contas à opinião
pública pela deterioração do espaço natural. Desse ponto de vista, deixar uma
questão tão importante ao critério voluntário e descoordenado das empresas
prejudicaria as bem-intencionadas, que
se veriam em desvantagem competitiva
em relação àquelas menos preocupadas
com suas pegadas ecológicas.
Entre os dois extremos, uma atitude provavelmente consensual para as
companhias realmente interessadas
em melhorar a relação com a natureza é apoiar ativamente a criação de
normas ambientais mais exigentes em
suas indústrias. Assim, todos os membros do setor se sujeitariam a padrões
rigorosos.
O debate ganha importância com
a ascensão, nas últimas décadas, do
chamado acionista universal. Devido
ao peso crescente de investidores institucionais como sócios relevantes das
companhias abertas, o cidadão comum,
beneficiário final desses fundos, se tornou o principal acionista da maioria das
grandes empresas. Nos Estados Unidos,
por exemplo, 65% da população adulta
investe em fundos que, por sua vez, possuem participações acionárias altamente
diversificadas.
Essas pessoas são, a um só tempo,
consumidores, funcionários e cidadãos
das comunidades afetadas pelas companhias. Sua relação, portanto, vai muito
além da propriedade das ações (daí a
expressão “universal”), já que também
são stakeholders interessados no bem-estar duradouro da sociedade.
O acionista universal arca com grande parte dos impactos causados pela
organização. Segundo estimativas da
ONU, as externalidades produzidas por
uma amostra global de 3 mil empresas
custaram US$ 2,15 trilhões para seus investidores em 2010. Logo, o preço que
eles têm que pagar pelo efeito colateral
de suas companhias muitas vezes é inferior ao ganho financeiro obtido como
acionistas. Em outras palavras, o cidadão
comum fornece o capital que é utilizado
contra ele mesmo.
Para alguns autores, o florescimento
do acionista universal deveria incutir nos gestores dos fundos uma visão mais ampla de sua atividade, que
passasse a analisar as externalidades
criadas pelos alvos de investimento.
Com isso, agiriam em favor do mais
amplo interesse de seus beneficiários, algo que vai além do retorno acionário proporcionado pelas empresas.
* Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio-fundador da Direzione Consultoria e autor
de Governança corporativa: o essencial
para líderes. O articulista agradece a Angela
Donaggio pelos comentários e sugestões
Fonte: pri; unep finance initiative. Universal ownership: why
environmental externalities matter to institutional investors.
2010. Disponível em: www.unpri.org/publications/.
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 55
Histórias
Vitória
contra
o atraso
Por Ney Carvalho*
Em novembro de 1882, o Brasil venceu um percalço de mais de duas décadas. No dia 4 daquele mês, Dom Pedro II
sancionou a Lei 3.150, que revogava
as restrições à criação de sociedades
anônimas contidas na famigerada Lei
dos Entraves, de 1860. Os conservadores responsáveis por sua promulgação
julgavam que os recursos disponíveis
deveriam ser alocados exclusivamente
à agricultura. Por isso, buscavam evitar o surgimento de outros negócios,
fossem industriais, fossem comerciais.
Decorreram 22 anos de subordinação do
nascimento de empresas aos caprichos
governamentais.
O espírito da nova legislação era o
oposto das dificuldades desenhadas
pela Lei dos Entraves. O artigo 1o o
instituía as diretrizes, afirmando que
as companhias ou sociedades anônimas, qualquer que fosse seu objeto,
podiam se estabelecer sem autorização
do governo.
A criação de bancos de emissão passava a subordinar-se à anuência legislativa. Para as companhias de comércio,
indústria ou serviços, contudo, voltava
a existir total liberdade de empreender.
Montagem com fotos extraídas da Wikipédia.
Lei 3.150,
sancionada
por Dom Pedro II
em 1882,
impulsionou
a criação de
sociedades
anônimas
Mantinha-se toda uma série de
formalidades burocráticas de que as
sociedades deveriam se revestir para se
constituir e funcionar. Estabelecia-se
ainda a criação de um título autônomo
que ficou conhecido como parte beneficiária, ou de fundador, muito combatida
ao fim do século 20.
A ampla divulgação de atos sociais,
assembleias e demais circunstâncias era
obrigatória. A total liberdade na determinação do direito de voto dos acionistas foi estabelecida no artigo 15 da
nova lei. Era a pedra de toque das democracias societárias existentes no Brasil
à época, em que não havia acionistas
controladores.
A revogação da Lei dos Entraves, em
1882, deu impulso à criação de negócios
sob a forma de sociedade anônima.
O quadro de empresas com ações na
Bolsa do Rio, publicado pelo Jornal do
Commercio em 1881, dava conta das
companhias existentes à época. Eram
somente 67, entre bancos, empresas de
ferrovias, carris, estradas de rodagem,
navegação, seguros, mercados públicos
e gás, além de setores diversos. Conforme a mesma publicação, em 1888,
no intervalo de sete anos foram criadas
mais 30 companhias nos mesmos ramos de atividade, o que significou um
acréscimo de 44%. Uma disparada veio
logo a seguir: entre 1888 e 1891, a bolha
do Encilhamento ampliou o número de
sociedades anônimas para mais de 400.
* Ney Carvalho é historiador e
ex-corretor de valores
56 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Reserve a data
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Retrato
Alexandre Barreto
Disciplina
e resistência
T
Por Marta Barcellos Foto Régis Filho
er resistência e dominar o medo. Quando entrou no
tatame para conquistar sua faixa preta, há cinco anos,
o carateca Alexandre Barreto lembrou-se dos pilares
do treinamento iniciado ainda na adolescência e interrompido durante os primeiros anos da carreira de
advogado. À sua frente estavam enfileirados 15 lutadores
com faixas marrons e pretas, que ele deveria combater
ininterruptamente por pelo menos um minuto cada
um. “Pode parecer pouco tempo, mas 15 minutos são uma eternidade quando estão batendo em você”, brinca o sócio-fundador do
escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados. Quando
usa o verbo “bater”, Barreto não exagera: no chamado caratê de
combate, entra-se para nocautear ou ser nocauteado; não raro,
a conquista da faixa é precedida por uma visita ao hospital.
Mas por que Barreto, carreira consolidada e escritório conceituado no mercado de capitais, foi se meter naquela situação?
Justamente, explica ele, porque os pilares do caratê nunca o
abandonaram em seus anos de dedicação exclusiva ao direito.
Foi exercitando a resistência e o domínio sobre o medo, na busca
constante por autossuperação, que ele não só fundou o escritório
de advocacia com outros sócios como obteve a impressionante
média de 40 operações financeiras por ano, desde sua primeira
venda de American depositary receipts (ADRs) da Petrobras,
em 1997.
O outro motivo para a volta aos treinamentos e a decisão de
conquistar a faixa preta foi o nascimento dos dois filhos, Antonio
e João Pedro, hoje com 8 e 12 anos: “Além de trazer tranquilidade
e confiança, a arte marcial embute valores como disciplina, hie-
58 C APITAL A BERTO Novembro 2014
rarquia, respeito e vida em comunidade”, enumera.
“Queria levar para eles esses valores. Por isso coloquei os dois no caratê, um aos 3 anos de idade e o
outro aos 4.” Para o orgulho do pai, o mais velho
já é faixa marrom; o mais novo, verde.
No escritório, o segredo da resistência física
e mental de Barreto, aos 45 anos, já é conhecido
por todos. Nas inevitáveis “viradas”, em que as
equipes trabalham sem descanso para dar conta de
fusões e aquisições, Barreto assegura manter sua
capacidade de raciocínio intacta mesmo depois de
duas noites sem dormir. “Na terceira noite, porém,
durmo duas ou três horas”, ressalta. O caratê, segundo ele, tem tudo a ver com essa performance:
“Estive recentemente em eventos na Universidade
de Harvard e no MIT [Massachusetts Institute of
Technology]. O pessoal lá só fala em ‘mindfulness’,
que nada mais é do que esvaziar a mente e relaxar.
Lutas como o caratê exigem respostas rápidas, que
não são pensadas. É como se você entrasse num
estado alfa”.
Isso só é possível, claro, com muita disciplina
e treinamento. E foi o que ele encontrou, aos
19 anos, na rotina adotada depois de sair de São
José dos Campos, onde nasceu e cresceu, para
morar em São Paulo e cursar a Faculdade de Direito da USP. No ano anterior, ele havia passado
no vestibular para economia na Unicamp; desistiu,
contudo, de seguir os caminhos do pai economista,
pensando em se concentrar no direito financeiro e
empresarial. “Comecei a trabalhar no primeiro dia
Alexandre Barreto, sócio-fundador
do escritório Souza, Cescon,
Barrieu & Flesch Advogados:
“Nossas maiores lutas na
vida são com nós mesmos.”
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 59
Retrato
3x4
da faculdade, com um advogado especializado
em capital estrangeiro. Logo que me formei, fui
fazer o LL.M. [mestrado] em direito financeiro
na Universidade de Boston”.
Em São Paulo, a rotina de estudo e trabalho se completava com um intenso treino de
caratê numa pequena academia que descobriu
no bairro da Liberdade, próximo à faculdade.
A arte marcial já acompanhava o jovem Alexandre desde os 14 anos, sugerida pelo pai para
acalmar o menino esportista porém agitado,
que se envolvia com frequência em brigas
(“comuns entre garotos no interior”, lembra).
Na salinha da Liberdade, o objetivo ia além
de controlar a agitação ou o estresse: “Ali o
caratê era muito rígido. Havia aquele espírito
de superação dos samurais”, conta. “Conseguir suplantar a dor, o cansaço e o próprio
instinto de parar e se preservar nos ensina
que nossas maiores lutas na vida são com nós
mesmos.” O professor de Barreto, na época,
era ninguém menos que Francisco Filho, o
primeiro não japonês a ser campeão mundial
de caratê de contato. “Ele é um ícone da luta
em pé brasileira. Hoje, no entanto, a prática
tem um objetivo maior de equilíbrio e saúde,
com aulas mais leves.”
Se não exige dos outros a resiliência e a coragem de samurai que perseguiu no passado,
o mesmo não se pode afirmar em relação ao
nível de comprometimento — um valor que
ele ensina aos filhos (que passaram a desligar
o chuveiro para se ensaboar por causa da crise
de água em São Paulo) e também aos novos
pupilos. Fundado em 2001 com 29 funcionários, seu escritório tem hoje quase 400
profissionais, dos quais 200 são advogados.
“A conversa com quem está chegando precisa
ser franca”, diz ele. “A área dos mercados de
capitais e financeiro é intensa e exige respostas rápidas. Se, por um lado, trabalha-se sob
pressão e perdem-se noites de sono, por outro
existe a satisfação pessoal de lidar com coisas
sofisticadas intelectualmente.”
Se o compromisso não for devidamente
selado nesta conversa franca, sempre haverá a
mais poderosa das armas de persuasão de um
treinamento: o exemplo. Afinal, com tantas lutas no currículo, Barreto só foi parar no hospital
uma única vez, e, assim mesmo, dias depois de
sair do tatame. “Era só uma costela quebrada.”
60 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Rotina – Treina caratê em casa com um professor duas vezes por semana, além de
sábado e domingo. Fica no escritório, pelo menos, das 9h às 21h. “Nos primeiros 15 anos
de carreira, eu trabalhava na grande maioria dos fins de semana.”
Adrenalina – Gosta da adrenalina do trabalho e das lutas de caratê. “Por mais que se
tenha controle, existe a adrenalina. Não existe o ‘não sentir medo’, mas o ‘ter algum
domínio sobre o medo’.”
Para relaxar – “A arte marcial também é a válvula de escape, porque qualquer
frustração ou energia negativa se esvai por meio do treino ou da luta.”
Fim de semana – Tenta viajar pelo menos uma vez por mês à casa da família em
Ilhabela, no litoral paulista. “Gostamos muito do mar: surfamos e velejamos juntos.”
Valor – “Eu e minha esposa compartilhamos dos mesmos valores e queremos passá-los
aos filhos. Damos para eles o melhor, sem exageros. A sociedade hoje está cheia de
valores distorcidos e supérfluos.”
O que o tira do sério – Falta de comprometimento. “Tolero falhas e deficiências, mas
não pessoas que deixam suas obrigações em segundo plano por interesses pessoais.”
Operação vitoriosa – Uma das mais marcantes de que participou foi a “shelf
registration” da Petrobras, em 2002, por ter sido a primeira companhia brasileira a se
beneficiar do mecanismo de captação, comum nos Estados Unidos.
Operação frustrada – A tentativa de IPO da Repsol, em 2010, operação de R$ 8 bilhões suspensa porque a empresa foi vendida, no Brasil, para a chinesa Sinopec. “Quem
trabalha com M&A e mercado de capitais sabe que existem variáveis fora do controle.”
Uma admiração – Nunca teve grandes ídolos. “Nem artistas, na adolescência. Pessoas
que brilham muito também produzem muita sombra.”
Conselho a quem está começando – “No caratê se diz que você só começa a
aprender após mil dias de treino. No trabalho, embora formação acadêmica e inteligência sejam importantes, o principal é ter resistência para se dedicar muitas horas.”
Férias – Deserto do Atacama, no Chile, e Machu Picchu, no Peru. “Não é meu estilo
ficar num superhotel em Paris.”
Seriado de TV – Cosmos: uma odisséia no espaço-tempo, continuação da série
apresentada pelo cientista Carl Sagan nos anos 1980. “Redescubro muitas coisas com
os meninos. Uma delas tem sido olhar o universo e perceber como somos um nada do
nada, dentro dos mistérios que existem lá fora.”
Sonho – Velejar na Antártica. “Não é tão impossível quanto parece.”
Livro – O herói de mil faces, do estudioso em mitologia Joseph Campbell. “Gosto de
antropologia e filosofia.” Tomou carona nas leituras da esposa, também advogada,
que fez faculdade de filosofia. “Temos obrigação de nos formar no mundo como seres
humanos. Não podemos esquecer que nosso último objetivo na vida não é trabalhar.”
Prateleira
Doutor em
planejamento
Um método de preparo
financeiro para a
aposentadoria sob a luz
de expectativas racionais
Por Peter Jancso*
B
ill Bernstein não é um médico tradicional. Apesar de ter
dedicado grande parte de sua
vida à profissão, tornou-se
conhecido por uma página
na internet sobre alocação de
ativos e a teoria da fronteira
eficiente. A respeito desses
temas, publicou vários livros. Além disso, hoje em dia ele pratica o que apregoa como sócio da gestora de recursos
Efficient Frontier Advisors. Em sua obra
mais recente, Rational expectations: asset
allocation for investing adults, Bernstein
discute uma metodologia de preparação
financeira para a aposentadoria, apoiado em evidências de mercado sobre os
padrões de risco e retorno de diversas
classes de ativos.
Embora não se dirija a iniciantes na
área de investimentos pessoais, devido
ao pesado uso de jargões financeiros, o
autor tem relativo sucesso na tentativa
de descomplicar o delicado processo
do planejamento econômico para a
aposentadoria. Ele inicia explorando
os padrões históricos de retorno do
mercado americano, para conduzir o
leitor à conclusão de que a gestão ativa
de carteiras de ações não vale a pena —
por causa dos retornos de longo prazo,
que tendem à média do mercado, e das
elevadas taxas de administração.
Sendo assim, o foco deveria ser a
busca por fundos com taxas de administração baixas e gestão passiva, os
Rational expectations:
asset allocation for
investing adults
perspectativa de gasto na aposentadoria. Isto é, quem busca uma receita de
bolo consagrada que prescinda do uso
de massa cinzenta vai frustrar-se com
o conteúdo.
Ao fim da leitura, fica clara a importância das expressões “expectativas
racionais” e “para adultos” no título
da obra. Bernstein exorta o leitor a
abandonar esperanças românticas sobre o retorno de suas aplicações, para
que possa efetivamente executar um
planejamento financeiro conservador,
adulto. Nesse sentido, ele sugere que,
no longo prazo, o retorno composto de
uma carteira de investimentos depende
fundamentalmente de dois aspectos: a
alocação entre as rendas fixa e variável e seu rebalanceamento ao longo
do tempo.
Parece simples, não? O grande desafio é a execução desses princípios com
disciplina ao longo de vários anos, já que
os seres humanos estão sujeitos a distúrbios comportamentais, provocados
pelos sentimentos de medo e ganância. Afinal, como já dizia o personagem
Pogo, do cartunista americano Walt
Kelly: “Nós encontramos os inimigos,
e eles somos nós”.
William J. Bernstein
Editora: Efficient
Frontier Publications
216 páginas
1a edição, 2014
* Peter Jancso é professor de finanças
corporativas da Business School São Paulo
e sócio da Jardim Botânico Investimentos
chamados fundos de índice. A partir
daí, Bernstein avalia o retorno de longo
prazo para várias subclasses de papéis
(value stocks, growth stocks, small caps
etc.). Ele sugere que parte da carteira poderia ser direcionada a ativos de maior
risco e retorno, desde que o investidor
possa permanecer com a alocação por
bastante tempo, pelo menos 20 anos.
Para um brasileiro pensando em
aplicar as metodologias do livro, é importante registrar que as evidências
estatísticas a embasar as expectativas
racionais são apresentadas apenas
para o mercado americano. Logo, seu
emprego no ambiente nacional não é
simples. Ao mesmo tempo, embora o
autor demonstre grande preocupação
com os princípios que sustentam sua
metodologia, a execução cabe a cada
leitor individual, a partir de suas premissas pessoais de renda, poupança e
Novembro 2014 C APITAL A BERTO 61
Saideira
VS
NÃO CONFIAMOS
EM VOCÊS! A
USIMINAS É NOSSA!
SÓ QUANDO VOCÊS
TIVEREM UM MARADONA
E UM CARLOS GARDEL!
62 C APITAL A BERTO Novembro 2014
Muitos problemas parecem
complicados e sem solução.
Até chegarem a nossas mãos.
A Deloitte é referência em consultoria e auditoria no Brasil e no mundo. E isso é
resultado do esforço para encontrar as melhores soluções de negócio e de
seu comprometimento com o desempenho de seus clientes. Isso é o que faz
a Deloitte ser líder. Isso é o que faz a Deloitte ser a Deloitte.
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