duelo na usiminas
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PENSÃO EM RISCO FOME DE INOVAÇÃO C A P I TA L A B E R T O • A N O 1 2 • N Ú M E R O 1 3 5 • N OV E M B R O 2 0 1 4 INADIMPLÊNCIA DE TÍTULOS PRIVADOS AGRAVA PREJUÍZO DA PETROS ANO 12 • NÚMERO 135 • NOVEMBRO 2014 • R$ 34,00 DUELO NA USIMINAS OS MOTIVOS POR TRÁS DO CONFRONTO MIDIÁTICO ENTRE A SÓCIA JAPONESA NIPPON STEEL E A ARGENTINA TERNIUM EM BUSCA DE IDEIAS ORIGINAIS, COMPANHIAS INVESTEM EM EMPREENDEDORES Editorial Demasiado humanos ANO 12 - NÚMERO 135 — NOVEMBRO DE 2014 A Capital Aberto é uma publicação mensal da Editora Capital Aberto Ltda. Endereço Rua Wisard, 305 – sala 54 – Vila Madalena – São Paulo, SP – CEP 05434-080 Contatos: (11) 3775-1600 – fax (11) 3775-1604 [email protected] Os investidores que buscam bons negócios, para além das ações, despendem muito tempo em conversas com os administradores e sócios das companhias. Não é à toa. Eles sabem que, antes do código de ética, da regulamentação e da lei, ou até mesmo dos balanços e das projeções de resultados, prevalecem as pessoas, suas visões de mundo e seus interesses. São as atitudes delas que, afinal, escrevem a história das companhias — não seus discursos. Se os proprietários das empresas pertencem a grupos diversos, aí é bom redobrar o cuidado. Nesse caso, vale atentar não só à forma de cada sócio pensar e agir como à temperatura das relações entre eles. O acervo de intempéries corporativas guarda inúmeros episódios em que sentimentos como desconfiança, cobiça e vaidade se sobrepõem ao bom senso e à razão. A reportagem de capa desta edição ilustra um deles. Nippon e Ternium, sócios da Usiminas, se estranhavam com discrição há pelo menos dois anos, desde que a segunda ingressou na siderúrgica. Após um lance em que o conglomerado japonês destituiu diretores apontados pelos argentinos, eles deflagraram suas desavenças sem pudor, valendo-se inclusive da mídia para dar publicidade a elas. Tomados pela raiva, deixaram a contenda macular o preço das ações na bolsa de valores e subtrair-lhes algo como R$ 50 milhões do patrimônio em poucas semanas. Descontentamentos com a redução de contratos de gordas cifras, dividendos não pagos, quebra de confiança e resultados aquém do esperado são algumas das razões para a fúria, como mostra a reportagem de Yuki Yokoi. Para não falar apenas de desencontros, a capital aberto inaugurou em setembro mais uma plataforma de conhecimento para seus leitores: o Grupo de Discussão (GD). Baseados em reuniões sobre temas de interesse do mercado de capitais, os GDs se propõem a promover a troca de experiências e a estimular reflexões interessantes. O insumo valioso de ideias e informações gerado nas sessões dos grupos é depois aproveitado nos textos da publicação mensal, como vocês conferem nas reportagens sobre corporate venture e insider trading desta edição. Uma forma colaborativa de produzir jornalismo, que nos aproxima de nossas audiências. Esperamos que gostem. Simone Azevedo Nota aos leitores As opiniões expressas nos artigos e boletins customizados são as de seus autores e não necessariamente as da capital aberto. É proibida a reprodução ou transmissão de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia. Para receber um exemplar como cortesia, acesse a seção Exemplar Cortesia, em www.capitalaberto.com.br. 04 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Editora executiva Simone Azevedo [email protected] Editora Luciana Tanoue [email protected] Editor de texto e produção Bruno Rodrigues [email protected] Repórteres Bruna Maia [email protected] Yuki Yokoi [email protected] Colaboradores João Carlos de Oliveira Mariana Segala Mitchel Diniz Colunistas Alexandre Di Miceli da Silveira Marta Barcellos Ney Carvalho Peter Jancso Articulistas desta edição Diego Barreto Gilberto Biojone Renato Vetere Projeto e direção de arte Beto Nejme e Marco Mancini Grau 180 Diagramação Grau 180 Rodrigo Auada Ilustrações Beto Nejme Eric Peleias Marco Mancini Rodrigo Auada Impressão Duograf Gráfica e Editora Circulação DPA Consultores Editoriais Ltda. [email protected] Fone: (11) 3935-5524 Distribuição nacional Fernando Chinaglia Comercial e Distribuidora Data de fechamento 28/10/2014 Marketing e Circulação Roberta Palma Eventos Anna Ortiz Publicidade Debora Manzano (11) 3775-1619 International sales Sales Multimedia, Inc. (USA) +1-407-903-5000 – [email protected] Assinaturas (11) 3775-1603 [email protected] Circulação auditada: Sumário Novembro 2014 16 CAPA 22 Insider trading 26 Aposentadoria em déficit 32 Círculo de Debates Os motivos por trás das desavenças entre as sócias Nippon e Ternium na Usiminas Como prevenir e tratar o risco de vazamento em fusões e aquisições Problemas com títulos privados agravam prejuízos da Petros SEÇÕES 4 Editorial Especialistas discutem reforma da norma de fundos imobiliários 6 Mural do Leitor 36 De empresa para empresa 7 Relevo 40 Para corajosos 8 capital aberto n@ Web Gestoras fogem da acomodação e investem em créditos de alto risco 9 N@ Web 44 Sustentabilidade 10 Seletas Corporate venture entra no radar de brasileiras comprometidas com inovação Pesquisa revela os investimentos responsáveis e eficientes David Wright 48 Alta&Baixa 50 Notas Internacionais 52 Antítese 54 Artigo 55 Governança 56 Histórias 58 Retrato 61 Prateleira 62 Azul: Banco do Brasil Vermelho: Triunfo Hong Kong errou ao negar o IPO do Alibaba? Como desenvolver green bonds no Brasil Sua companhia e o acionista universal Vitória contra o atraso Alexandre Barreto Expectativas racionais Saideira Novembro 2014 C APITAL A BERTO 05 Mural do Leitor Governança Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com Decisão do TCU sobre Petrobras incita reflexão sobre a atuação dos boards. Conselheiros sobrecarregados e pouco focados tendem a negligenciar atribuições básicas — como duvidar sistematicamente do que ouvem e fazer as perguntas certas Conselhos que acreditam demais Por Bruna Maia Carrion e Yuki Yokoi Em 23 de julho, o Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou o relatório do ministro José Jorge sobre a refinaria de Pasadena. O documento apurava o prejuízo da Petrobras com a compra da usina, nos Estados Unidos, em 2006 — um total de US$ 792 milhões. O órgão determinou o bloqueio de bens de três diretores da companhia e isentou de culpa o conselho de administração em atividade naquela época. A alegação: os conselheiros receberam da diretoria uma documentação bastante distinta da que embasava o negócio, sem detalhamento sobre cláusulas potencialmente prejudiciais. O TCU declarou ainda que, caso fossem comprovadas irregularidades na conduta dos conselheiros, eles poderiam ser incluídos na lista de responsáveis mais tarde. A decisão incomodou a muitos, foi compreendida por outros, mas de modo geral deixou no ar uma interrogação. Como definir a fronteira que divide a negligência do conselheiro de sua real inocência? Ca pita l de risco Não é público o conteúdo da ata de 3 de fevereiro de 2006, em que o conselho autorizou, entre outras coisas, a compra de 50% dos bens e direitos da refinaria de Pasadena, por US$ 360 milhões. Até então, a unidade pertencia apenas à belga Astra Oil, que a havia adquirido em janeiro de 2005 por US$ 42,5 milhões. A primeira oferta da refinaria à Petrobras ocorreu em fevereiro de 2005. Em abril, as duas empresas assinaram um acordo de confidencialidade sobre a possível compra. Até que a operação fosse aprovada, dez meses depois, Petrobras e Astra Oil negociaram preços e termos do contrato. Entre eles estava a polêmica cláusula marlim, que garantia à belga um lucro de 6,9% ao ano e obrigava a Petrobras a comprar sua metade em caso de desentendimento — o que veio a ocorrer em 2008. Quatro anos e uma batalha judicial depois, a Petrobras teve que pagar US$ 820,5 milhões à Astra Oil. Os US$ 360 milhões gastos inicialmente viraram nada menos que US$ 1,18 bilhão. Apesar da confidencialidade da ata, sabe-se, por meio do processo público do TCU, que o conselho recebeu apenas um resumo elaborado pela diretoria, segundo o qual o negócio havia sido avaliado e considerado justo pelo Citigroup. Sabe-se também que o órgão colegiado não recebeu informações sobre um parecer da consultoria Muse & Stencil, especializada em condições de refino, dizendo que a refinaria valia apenas US$ 126 milhões, e não os US$ 360 milhões que a Petrobras pretendia pagar. Portanto, foi a partir desse resumo capenga, sem laudos anexados, que o conselho aprovou a aquisição. E sua defesa é exatamente essa. Entretanto, o documento em que o ministro Jorge — indicado ao TCU em 2008 por seu partido, o DEM — se baseou para chegar à conclusão de que havia insuficiência de informação seguia o caminho oposto. Assinado pelo procurador do Ministério Público no TCU Marinus de Vries Marsico, ele sugeria que Dilma Rousseff, Antônio Palocci, Cláudio Haddad, Fabio 20 C APITAL A BERTO Setembro 2014 Setembro 2014 C APITAL A BERTO 21 Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com 38 C APITAL A BERTO Agosto 2014 Carlos Miyahira, sócio da consultoria Grounds ELES ACREDITAM DEMAIS I Uma possível solução para os problemas que geraram os episódios recentes (“Conselhos que acreditam demais”, ed. 133, setembro) é implantar um sistema de compliance independente. Uma equipe examinaria os novos negócios em andamento, com acesso irrestrito aos relatórios de due diligence financeira e legal, avaliação econômica, análise do contrato de compra e venda. A partir daí, diagnosticaria os principais pontos que impactam o negócio, observando criteriosamente os desvios, que, se comprovados, devem ser punidos. Devem-se considerar, ainda, os aspectos da Lei Anticorrupção. O produto final seria um relatório submetido à apreciação da administração e dos conselheiros. Esse precedimento poderia evitar perdas financeiras. 06 C APITAL A BERTO Novembro 2014 René Werner, sócio-fundador da Werner & Associados ELES ACREDITAM DEMAIS II Não há publicação na mídia que não devote grande parte de seus artigos à governança corporativa, assunto da moda (“Conselhos que acreditam demais”, ed. 133, setembro). Resta-nos perguntar o que é uma boa governança. Cabe listar, em primeiro lugar, a consistência técnica, sem a qual o conselho tem como único interesse a remuneração. Ética (valores intrínsecos dos indivíduos) e moral (uma forma de adução) também devem estar presentes. Não há um sem o outro. Algo que os nossos governantes tendem a esquecer (intencionalmente) e, por consequência, convivem com os escândalos que surgem na imprensa. Cynthia Catlett, sócia de Forensic Investigations & Dispute Services da Grant Thornton PATRIMÔNIO EM PERIGO A reportagem da edição de agosto sobre a desconsideração da personalidade jurídica (“Direto ao sócio”, ed. 132) reforça a importância de os gestores que operam fundos no Brasil os examinarem cuidadosamente. Conforme a matéria explica, as diligências são de extrema importância. Além de aumentar a previsibilidade e a transparência da informação, auxiliam investidores na gestão de riscos, de forma eficaz. É importante encorajar seu uso para mitigar riscos financeiros, jurídicos e de reputação. Relevo David Wright Foto: divulgação “A regulação deve focar o investidor comum” Foram mais de 34 anos se debruçando sobre as políticas regulatórias da Comissão Europeia antes de o britânico David Wright assumir o cargo de secretário-geral da International Organization of Securities Commissions (Iosco). Hoje, sua função é zelar pela regulação dos 120 mercados de capitais que integram a instituição. Uma das questões que mais desassossega Wright é fazer regras díspares convergirem. Outra é como proceder diante das mudanças que a tecnologia vem trazendo ao mundo dos negócios. Confira abaixo sua entrevista à Relevo. Por Bruna Maia Carrion Integração mundial “Acredito num mundo pacífico, com capitais fluindo entre as nações. É para esse caminho que a história mundial aponta. Muitos países emergentes estão crescendo e vão se tornar grandes mercados de capitais em conexão com outros mercados, como Estados Unidos, Europa e Japão. Por isso, precisamos pensar em como assegurar que recursos continuem circulando, de maneira responsável. Outra questão é como garantir que regras de um mercado não bloqueiem os fluxos de outro e vice-versa. Temos trabalhado bastante nisso. Montamos uma força-tarefa para pensar em formas de integrar diferentes regimes legais e lidar com eventuais conflitos entre eles. Existem várias maneiras de fazer isso — uma delas é o reconhecimento mútuo de jurisdições.” Derivativos “A regulação de derivativos de balcão é um tema importante e complicado. É muito difícil obter dados robustos e relativamente padronizados sobre essas negociações, como existe para compra e venda de ações em bolsa. Há pelo menos 25 centros de armazenamento de dados sobre derivativos, que não compartilham informação. Nosso objetivo é que o maior número possível desses derivativos sejam negociados em ambientes com câmara de compensação, controle de riscos e dados integrados. Hoje, 50% dos contratos de swap passam por clearings. É mais do que antes, mas preocupa que metade deles ainda não siga esse caminho.” Acesso à informação “A dificuldade de obter dados sobre derivativos e outros produtos não é à toa. Estão em jogo tópicos complexos relacionados à privacidade e à propriedade da informação. Hoje, os dados são muito valiosos comercialmente. Várias bolsas, aliás, ganham mais ao agregar e vender dados do que ao realizar suas operações tradicionais. Os recentes escândalos mundiais de espionagem não ajudaram a trazer confiança para o princípio de intercâmbio de informações entre países ou instituições. Deve-se garantir, porém, que os reguladores tenham os dados necessários. Essa situação não ocorre hoje.” Negociação em alta frequência “Temos analisado o problema dessas transações há alguns anos. Embora o assunto seja de grande importância, não está no topo da agenda dos reguladores agora. Se não podemos barrar o avanço tecnológico, temos que garantir que as negociações ocorram da forma mais justa possível. O high frequency trading (HFT) está disponível a um grupo limitado de pessoas. Quais — e quantas — vantagens devemos permitir que esse grupo tenha? A regulação precisa se focar em assegurar que investidores comuns consigam executar suas ordens de compra e venda da melhor maneira possível. É nessas pessoas que devemos pensar, não nos grandes negociadores.” Novas tecnologias “Ao invadir os mercados financeiro e de capitais, a tecnologia muda a forma como os negócios são feitos. Os intermediários podem ficar obsoletos ou menos importantes. O crowdfunding promete se tornar mais interessante que a abertura de capital para muitas companhias; é ótima solução para as pequenas e médias. Essas mudanças são potencialmente boas para o consumidor, mas podem tornar o mercado volátil. Reguladores terão que responder a isso. Como prevenir os riscos e evitar que uma pessoa gaste todo o seu dinheiro com um produto ruim? O avanço da tecnologia tende a tornar o suitability muito mais difícil, ou impossível.” Novembro 2014 C APITAL A BERTO 07 CAPITAL ABERTO n@ Web Por Yuki Yokoi Artigos bit.ly/1DrtdVq Blogs Mundo da bola Foco no usuário bit.ly/1nNHzh9 Direito de excluir Scilio Faver, sócio do escritório Vieira de Castro e Mansur e professor da PUC-RJ, trata da importância de poder excluir da sociedade acionistas que cometam faltas graves ou atos ilícitos, em detrimento da companhia. bit.ly/1wEqPvK Cap a ça refor As demonstrações financeiras têm um objetivo claro: levar informação a investidores e analistas. Na prática, porém, companhias e auditores preparam o balanço mais preocupados com possíveis sanções da CVM. O resultado é o excesso de dados, em especial das notas explicativas. “Não deveria o regulador tomar um papel mais ativo nesse ciclo nada virtuoso e formalizar a exigência de que preparador e auditor devem olhar para o usuário, e somente para ele?”, questionou Eliseu Martins. ncia bit.ly/1oRGLZs Olhos abertos da Vigilâ Eliseu Martins A exploração dos direitos econômicos de jogadores de futebol é tema dos advogados Pedro Fida e Ulisses Bresciani, em artigo exclusivo do site da capital aberto. No fim de setembro, a Fifa anunciou que proibirá a compra desses direitos por fundos de investimentos, prática comum na Europa. Por aqui, a polêmica gira em torno de uma plataforma que permite ao usuário apostar num jogador. A dúvida é: não seria uma forma irregular de oferta pública? ão: traç Ilus cini co Man Mar u 180 / Gra Raphael Martins bit.ly/1rwda25 Termo comprometedor A eficiência dos termos de compromisso é sempre um assunto polêmico. A discussão sobre o tema esquentou após notícias de que um executivo da Petrobras teria apresentado à CVM sua quarta proposta de termo. Todas dizem respeito à mesma infração: falha em divulgar informação relevante. Para Raphael Martins, o instrumento vem sendo usado de forma indiscriminada e pode gerar distorções no mercado. 08 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Em vigor desde janeiro, Lei Anticorrupção impõe multas pesadas a quem corromper funcionários públicos e estimula companhias a investirem em compliance Por Cristine Prestes 22 C APITAL A BERTO Fevereiro 2014 “Vigilância reforçada”, capa da edição de fevereiro, ficou em terceiro lugar no Prêmio IBGC-Itaú 2014, na categoria Imprensa. A reportagem de Cristine Prestes contou como a Lei Anticorrupção estimulou as companhias a investir em compliance. bit.ly/1tAfrzS bit.ly/1yFTkXR Bom para quem? Sem colchão A charge da edição de outubro tratou dos desafios impostos às companhias pelo crescimento dos investidores com posição vendida. “O profissional de RI precisa estar preparado para lidar com públicos de interesses uuuuuuu fora u diferentes, ! uuuuu muitas vezes u conflitantes”, comentou o presidente do MZ Group, Denys Roman, pelo Facebook. A maioria dos leitores é contra a ideia de que as gestoras de recursos apresentem capital mínimo para funcionar. A proposta foi feita alguns anos atrás pela CVM e posteriormente abandonada. Agora, o colegiado da autarquia determinou a reabertura do debate e reacendeu a polêmica na pauta do mercado de capitais. resultados o que aconteceu? nossos números estão ótimos... chefe, acho que você esqueceu... esta é a reunião com os investidores que alugam ações. 25% 75% N@ Web Por Bruna Maia Carrion bit.ly/1DXV5CI on.fb.me/1zeDNl3 Alguém feliz com a Petro Tentativa de reação A cada detalhe divulgado sobre o esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, a imagem da petroleira piora. Para o short seller — investidor que ganha com a baixa de ativos — Jim Chanos, a notícia é excelente. Em 28 de outubro, ele declarou que os papéis de Petrobras e Vale são suas maiores apostas de desvalorização para este ano, e que a estatal de capital aberto “não era uma ação, e sim uma armação”. Suas palavras repercutiram no Twitter e na bolsa americana. O site Activists Short, especializado em ativistas de posição vendida, anunciou: “A manhã é boa para Chanos: Petrobras está em queda de 18% na negociação de ADRs. Lembrem-se, é (era) uma companhia de US$ 80 bilhões, e não uma penny stock”. A Petrobras tem se esforçado para melhorar sua imagem. Em sua página no Facebook, um dia antes das incisivas palavras de Jim Chanos, anunciou a contratação de duas empresas independentes para investigar as denúncias relacionadas à Operação Lava Jato, que vem expondo escandalosos casos de corrupção com contratos da companhia. Curtida mais de 1.200 vezes e compartilhada mais de 400, a publicação encaminhava os usuários para o blog Fatos e Dados, ferramenta de comunicação da empresa. Ali, um texto detalha as providências que a Petrobras vem tomando em relação ao caso. bit.ly/1nNVjs9 bit.ly/1yH3qrx Faltou sensibilidade Sem papas na língua O antigo diretor-presidente da Microsoft, Steve Ballmer, deixou a companhia com fama de teimoso e irritadiço. O comportamento um tanto explosivo sempre teve seu charme: os gestos duros, as frases incisivas e o rosto vermelho de tanta exaltação chegaram a virar meme na época em que era chefe. Hoje, ele é um dos maiores investidores individuais da Microsoft e não tem mais um cargo importante para segurar a língua. Essa postura ficou evidente em sua entrevista para o talk show de Charlie Rose. Cerca de 10 mil pessoas assistiram no YouTube à parte em que ele enche a boca para falar mal da Amazon: “Eles não ganham dinheiro nenhum, Charlie. No meu mundo, um negócio não é de verdade até que ganhe dinheiro.” Em outubro, a empresa de comércio eletrônico teve prejuízo de US$ 170 milhões. A maior epidemia de ebola da história está acontecendo agora. Já foram registrados 9.216 casos em sete países, totalizando 4.555 mortes. Pegando carona no assunto, o Goldman Sachs resolveu escrever sobre a doença do ponto de vista do mercado financeiro. E a conclusão foi: não há o que temer. O banco ressaltou que recentes temores de vírus mortais, como a gripe suína e aviária, não tiveram impacto algum na economia americana, nem sequer diminuíram o número de turistas circulando pelo país. A análise repercutiu na internet, com alguns usuários ironizando a atitude do banco de analisar o ebola do ponto de vista econômico. “Vamos esperar que eles sejam melhores em [prever os efeitos do] ebola do que foram na Copa do Mundo”, comentou um usuário do Twitter. Em maio, o banco prognosticou vitória do Brasil no Mundial em casa. Acompanhe a seção Na Web no canal “Últimas Notícias” do site www.capitalaberto.com.br bzfd.it/134qian Ele fica O que Jamie Dimon diz chama a atenção por si só. Afinal, ele preside um dos principais bancos do mundo, o J.P. Morgan. Sua participação numa conferência sobre mercado imobiliário, em Nova York, no dia 21 de outubro, era mais aguardada do que nunca. O site Buzzfeed acompanhou o evento e manteve os leitores informados minuto a minuto pelo Twitter. É que Dimon luta contra um câncer de garganta desde julho e passa por tratamento de quimioterapia. Havia a expectativa de que, durante a conferência, anunciasse seus planos para o futuro, como deixar a companhia para cuidar da saúde, por exemplo. O CEO do J.P. Morgan declarou, contudo, que pretende permanecer à frente do banco por mais cinco anos, para depois se dedicar a algum projeto de caridade. Novembro 2014 C APITAL A BERTO 09 Seletas Por Yuki Yokoi Ajustes na Instrução 480 melhoram a divulgação de informações CVM facilitará voto à distância em assembleia ordinária Criada em 2009, a Instrução 480 da CVM reformou as regras para registro de emissores e criou o formulário de referência — hoje, o documento com informações das companhias abertas mais completo à disposição dos investidores. A partir de janeiro de 2015, a quantidade de conteúdo irá aumentar, graças à edição, em outubro, da Instrução 552, que trouxe novidades para o formulário. Dois dos mais delicados temas que o mercado enfrenta atualmente ganharam anexos específicos. No de número 32, estarão descritas informações sobre aumento de capital e exercício do direito de preferência. Com a reforma da 480, o regime de divulgação de informações de aumento de capital deliberado pelo conselho de administração passa a estar sujeito às mesmas exigências da operação submetida ao crivo de uma assembleia de acionistas, pondo fim à atual assimetria. As companhias que aprovarem a capitalização apenas com o aval dos board deverão fornecer dados que vão desde as características da transação até a “opinião dos administradores sobre os efeitos do aumento de capital, sobretudo no que se refere à diluição provocada”. As regras a serem adotadas para o exercício de direito de preferência e exercício de sobras também deverão ser informadas. O outro tema é o regime de informações das transações com partes relacionadas, que foi fixado no anexo 33. A divulgação do documento será imediata e obrigatória sempre que a companhia celebrar operações que representem, individualmente ou em conjunto, R$ 50 milhões ou 1% do ativo total do emissor. A comunicação de negócios abaixo dos parâmetros definidos ficará a critério da administração. No mês passado, a CVM iniciou a reforma da Instrução 481, para facilitar o voto à distância. A proposta do regulador é criar um boletim, padronizado e disponível no sistema eletrônico IPE, que antecipe as diversas situações de voto de uma assembleia ordinária. Assim, o investidor poderá participar de qualquer votação remotamente, sem precisar de um procurador. O boletim poderá ser enviado de duas formas. A primeira delas é com a ajuda da própria companhia, que disponibilizará o boletim para que o investidor o preencha com seus votos. Caberá à empresa determinar procedimentos e garantias que atestem a autenticidade do documento. A segunda forma de envio é a mais inovadora: o boletim poderá chegar à companhia por meio do banco depositário ou do custodiante do papel. Essa nova cadeia de envio de voto tende a ser usada por investidores institucionais, principalmente os estrangeiros. Ao enviar o boletim com seus votos pelo custodiante ou depositário, os acionistas não residentes no Brasil ficarão livres do custo e da burocracia atualmente exigidos, como a notarização e a consularização dos documentos. A facilidade virá do aproveitamento do banco de dados que esses agentes possuem, já usado para o pagamento de proventos. A transmissão da antecipação de voto será, portanto, um serviço adicional que poderão oferecer. “Tentamos fazer um boletim que inclua todas as situações possíveis”, diz Luciana Dias, diretora da CVM. O material cogitará a possibilidade de voto múltiplo, por exemplo, e permitirá a inclusão de matérias e candidatos com critérios mais flexíveis do que os previstos em lei. O modelo sugerido de boletim está disponível para comentários, assim como o novo texto da instrução. A consulta pública vai até 19 de dezembro, e a expectativa é que a norma seja editada no primeiro semestre de 2015. Se o cronograma for cumprido, a implantação do novo sistema será feita em duas etapas. Nos dois primeiros anos de vigência, apenas as companhias integrantes do Ibovespa e do IBX serão obrigadas a oferecer o boletim de votação. Após esse período, o sistema será ampliado para todas as empresas registradas na categoria A. Paralelamente, a CVM deverá avaliar a possibilidade de ampliar o uso do boletim, para que o voto remoto seja utilizado também nas assembleias extraordinárias. 10 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Ilustrações: Rodrigo Auada BNDES seleciona gestores de fundos que fomentarão Bovespa Mais Brasil Plural e Leblon Equities serão os gestores dos primeiros fundos apoiados pelo BNDES para fomentar as ofertas iniciais de ações (IPOs) de companhias de médio porte. A iniciativa faz parte do Programa BNDES de apoio a ofertas públicas em mercados de acesso. O patrimônio comprometido nos dois fundos somará cerca de R$ 600 milhões, e a participação do banco de fomento será de aproximadamente 30%. A Leblon Equities criará um fundo de investimento em participações (FIP) para investir tanto em empresas que se prepararam para um IPO no Bovespa Mais quanto em companhias que, logo após a estreia em bolsa, necessitem de liquidez. “No primeiro trimestre de 2015, já estaremos prontos para começar a investir”, diz Pedro Rudge, sócio da gestora. Já a Brasil Plural pretende aportar recursos em companhias mais próximas do IPO. “Buscamos empresas que possam chegar ao Bovespa Mais num período que pode variar de seis meses a dois anos”, afirma Rodolfo Riechert, diretor-presidente do banco. A ideia é aproveitar a atividade das diversas áreas do Brasil Plural para encontrar companhias que necessitem de reforço financeiro, ajustes de governança e orientação para preparar uma abertura de capital. Grandes arrumações de casa não estão nos planos do banco. Interagentes lança cartilha com orientações para administradores A responsabilidade dos administradores é o assunto da vez. Prova disso é a crescente lista de executivos na berlinda: Petrobras, OGX, Oi e Forjas Taurus são algumas das companhias que enfrentam questionamentos, e até processos, devido à suspeita de que seus executivos não foram diligentes o bastante. Para orientar os administradores, o grupo de trabalho (GT) Interagentes, formado por 11 entidades do mercado, lançou uma cartilha sobre o tema. O documento traz orientações para circunstâncias específicas. Uma delas é como agir em companhias de economia mista. De acordo com a Lei das S.As., a responsabilidade do administrador dessas empresas é igual à do comandante de companhia aberta. O artigo 238, no entanto, permite que o acionista controlador oriente “as atividades de modo a atender o interesse público que justificou a sua criação”. Para evitar que essa exceção seja mal utilizada, a cartilha sugere aos administradores informar se suas decisões estão fundamentadas no dispositivo. As fusões e aquisições também ganharam recomendações. A cartilha destaca a importância de o gestor fazer as devidas indagações e obter todas as informações necessárias para uma tomada de decisão refletida, informada e desinteressada, avaliando as opções existentes. E ressalta: se for o caso, deve exercer a prerrogativa ou o dever de dizer não à operação. Ourofino promove primeiro IPO do ano A Ourofino, fabricante de produtos farmacêuticos para animais, protagonizou, em outubro, o primeiro IPO do ano. No pregão de estreia, as ações ordinárias da companhia do interior paulista, listadas no Novo Mercado, fecharam com alta de 2,4%, a R$ 27,65 — o preço de colocação foi de R$ 27, no topo da expectativa. Foi a primeiro abertura de capital do mercado brasileiro desde a estreia da CVC, em dezembro de 2013. A transação, em pleno período eleitoral, surpreendeu o mercado. A novata conseguiu captar R$ 418 milhões, dos quais R$ 311 milhões foram obtidos por meio de oferta secundária — além dos fundadores, a BNDESPar, braço de investimentos do BNDES, atuou como acionista vendedora. A presença do General Atlantic no papel de investidor âncora garantiu o sucesso da emissão. O fundo de private equity comprou R$ 200 milhões em ações, conforme havia se comprometido previamente, e garantiu a demanda. Em abril do ano passado, o General Atlantic agiu da mesma forma no IPO da Smiles, empresa de programas de fidelização da Gol. Novembro 2014 C APITAL A BERTO 11 Seletas Providência desagrada minoritários com fechamento de capital Os acionistas minoritários da Providência, líder na fabricação de não tecidos no Brasil, estão bastante zangados com a PGI, que adquiriu o controle da companhia em janeiro. Dona de 71,2% do capital, a empresa de origem americana vem tentando convencê-los a acatar um fechamento de capital que eles consideram desfavorável. Um dos motivos é a sinalização da Providência de que deixará o Novo Mercado mesmo sem conseguir a adesão dos minoritários ao leilão de retirada das ações da bolsa. A oferta pública de aquisição de ações (OPA) para fechamento de capital depende do aval de dois terços dos donos de ações em circulação. Já a OPA exigida pela BM&FBovespa para saída do Novo Mercado está condicionada à aprovação da maioria dos acionistas em assembleia. Como o controlador pode aprovar a oferta de aquisição exigida para deixar o Novo Mercado, o sucesso dessa parte da operação é garantido. Os minoritários alegam que a saída do nível diferenciado de governança os induz a aceitar a oferta para de fechamento de capital. As duas transações serão unificadas. E a elas se somará ainda uma terceira OPA — esta decorrente do artigo 254A da Lei das S.As. O dispositivo garante aos investidores o direito de receber ao menos 80% do valor pago pela PGI ao antigo controlador, um grupo de fundos de investimentos. Os minoritários discordam do preço proposto, de R$ 9,55 por ação, válido para as três ofertas. O valor correto, na visão deles, é R$ 9,75, uma vez que a PGI pagou R$ 9,75 pelo controle, dos quais R$ 0,20 corresponderam à remuneração do Lazard, assessor da transação. Para os minoritários, descontar os R$ 0,20 significa lhes repassar uma despesa exclusiva dos controladores. Por fim, reclamam da proposta de pagamento: R$ 7,36 à vista e outros R$ 2,19 a prazo. A fatia parcelada se vincula, principalmente, a uma contingência tributária que o balanço da companhia não havia provisionado. Diante da insatisfação, a Providência se propôs a pagar R$ 8,15 à vista, em parcela única. Os minoritários avaliam, no entanto, que o valor ainda está abaixo do que consideram justo. Acompanhe a seção Seletas no canal “Últimas Notícias” do site www.capitalaberto.com.br 12 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Cade ajusta os critérios de notificação e análise de atos de concentração O Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (Cade) publicou mudanças nas regras que definem os critérios de notificação e análise de atos de concentração. Os ajustes resultam da experiência acumulada pelo órgão antitruste nos últimos dois anos, período de vigência do arcabouço que implantou a necessidade de aprovação prévia para as operações com potencial de afetar a livre concorrência. Uma das novidades se refere a operações realizadas em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado. A regra atual esclarece que essas transações não dependem de aprovação prévia. Na prática, o entendimento já existia, mas não estava explícito na Resolução 2, agora alterada com a publicação da regra de número 9. No entanto, haverá a suspensão automática do exercício dos direitos políticos relativos à parcela comprada até que o conselho dê o aval para a transação. Estão sujeitos ao embargo todos os negócios que se encaixarem na nova versão do artigo 10 da resolução. No caso de empresas concorrentes ou que atuem em negócios verticalmente relacionados, a suspensão vale para compras de, ao menos, 5% do capital social ou votante. Para as não concorrentes, o sarrafo é mais alto: 20%. O Cade também promoveu um ajuste significativo nas regras aplicáveis aos fundos de investimentos. A partir de agora, será levada em conta apenas a receita dos cotistas com mais de 50% do fundo envolvido na transação ou das empresas nas quais o veículo detenha pelo menos 20% do capital. Antes, o faturamento do gestor também era considerado e, por causa disso, um número elevado de casos sem potencial para afetar a livre concorrência era submetido ao órgão. “Com isso, o Cade atendeu um pleito antigo da indústria, afastando a distorção que era analisar casos de baixa relevância”, comentou Carlos Alexandre Lobo, sócio do Veirano Advogados. QUEM CONHECE, CONHECE BDO Uma das Big 5 Líder no middle market 20 escritórios no Brasil Audit | Tax | Advisory www.facebook.com/bdobrazil www.twitter.com/bdobrazil Visite nosso site www.instagram.com/bdo_brazil Aplicativo BDO BRAZIl www www.bdobrazil.com.br Jurisprudência Boletim ANO VIII — No 60 Mercado de Capitais Este mês apresentamos três casos. No primeiro, a CVM informou à empresa ISDA ser desnecessário registrar contratos assinados no exterior conforme a Lei 6.385. O segundo evento foi uma demanda que não teve sucesso: o presidente da Rima Industrial viu sua reconsideração de processo administrativo sancionador ser negada pela autarquia. Por fim, o Santander conseguiu autorização para realizar oferta pública de aquisição de ações (OPA) de saída do Nível 2 da BM&FBovespa sem atender limite de compra. Registro exigido pela Lei 6.385 não vale para contrato firmado no exterior O colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deu parecer favorável a uma consulta a respeito do escopo e da abrangência do parágrafo 4o do artigo 2o da Lei 6.385. No pedido, feito em 26 de agosto, a International Swaps and Derivatives Association (ISDA) indagou: 1. se o registro exigido pela Lei 6.385 alcançaria aqueles contratos celebrados no exterior e regidos por lei estrangeira, que formalizavam operações de derivativos entre pessoas jurídicas localizadas no Brasil e contrapartes estrangeiras (por exemplo, o ISDA Master Agreement, publicado pela consulente); 2. se esse registro também se aplicaria a negócios que, por suas características, assemelhavam-se às operações de derivativos (por exemplo, opções de venda e compra de ações ou compromissos de venda conjunta, comuns em operações de fusão e aquisição de sociedades anônimas). O colegiado ouviu a Superintendência de Relações com o Mercado (SMI) e a Procuradoria Federal Especializada da CVM (PFE) antes de responder à consulta da ISDA. Segundo seu entendimento, 1. o registro de que trata o parágrafo citado da Lei 6.385 não constitui requisito de validade para os contratos celebrados no exterior e regidos por lei estrangeira, ainda que tenham sido firmados por brasileiros. No entanto, esse entendimento não prejudica a incidência de deveres de natureza regulatória atualmente existen- tes ou que venham a ser estabelecidos pelos reguladores brasileiros; e 2. o texto legal é aplicável a todos os contratos enquadráveis ao conceito de contrato derivativo previsto na Lei 6.385. Sua aplicação, portanto, não se estende às operações que não estejam previstas nos incisos VII e VIII do artigo 2o da Lei 6.385. CVM nega reconsideração de julgamento do presidente da Rima Com fundamento no artigo 65 da Lei 9.784, Ricardo Antonio Vicintim pediu reconsideração do julgamento de um processo administrativo sancionador (PAS) que o condenou, na qualidade de diretor-presidente e acionista controlador da Rima Industrial S.A. Conforme os argumentos do recorrente, 1. o artigo 55 da Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) estabelece que a companhia, seus controladores e administradores respondem por infrações cometidas até o cancelamento do registro da companhia; 2. em 12 de abril de 2010, a Rima teve seu registro suspenso pelo regulador; 3. faltaria à autarquia competência para aplicar a penalidade de multa e para até mesmo prosseguir com o processo sancionador, uma vez que a responsabilidade imputada no processo diz respeito a conduta supostamente contrária à lei, praticada na assembleia geral ordinária de 20 de abril de 2012. O relator Roberto Tadeu esclareceu que, de acordo com o que o colegiado já decidiu nos autos dos processos administrativos sancionadores 5, de 2008, e SP2007/139, não caberia pedido de reconsideração das decisões do órgão da CVM em julgamento de PAS. Essas decisões seriam passíveis de recurso ao Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), segundo o parágrafo 4o do artigo 11 da Lei 6.385 e o artigo 37 da Deliberação 538 da CVM, publicada em 2008. O relator ressaltou, ainda, que a revisão prevista pelo artigo 65 da Lei 9.784 seria cabível somente após o trânsito em julgado, caso surgissem fatos novos ou circunstâncias relevantes capazes de justificar a inadequação da sanção aplicada. Dessa forma, não se poderia falar em revisão de uma decisão ainda passível de recurso ao CRSFN. O colegiado, por unanimidade, se baseou nos argumentos sustentados por Tadeu para manter a decisão recorrida. Indeferido, assim, o pedido de reconsideração, deve ser dado regular trâmite legal ao processo. Santander é dispensado de observar limite em OPA de saída do Nível 2 O espanhol Banco Santander S.A. requereu, em conjunto com Banco Santander Brasil S.A., o registro da oferta pública de aquisição de ações (OPA) para saída do Nível 2 de governança corporativa da BM&FBovespa. A OPA para saída do Nível 2 visava a compra de todas as ações ordinárias e preferenciais, bem como units, de emissão do Santander Brasil que não fossem de titularidade do ofertante — o Santander Espanha, acionista controlador da companhia. A forma de pagamento proposta foi a permuta por Brazilian depositary receipts patrocinados Nível III (BDRs Nível III), representativos de ações ordinárias de emissão do banco espanhol. O ofertante solicitou, ainda, a dispensa de observar os limites de aquisição de um terço e dois terços das ações em circulação, previstos no artigo 15 da Instrução 361 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Com base no artigo 35 da norma, alegou que a OPA: 1. decorreria de exigência do regulamento de listagem do Nível 2; 2. não implicaria no cancelamento do registro de companhia aberta; e 3. ofereceria um preço de aquisição (permuta) superior ao valor econômico da ação, apurado pelo N. M. Rothschild & Sons (Brasil) Ltda., instituição selecionada pelos titulares de ações em circulação em assembleia geral extraordinária realizada em 9 de junho. A Superintendência de Registro de Valores Mobiliários (SRE) manifestou-se favoravelmente ao pleito. A dispensa poderia ser concedida, desde que a OPA para saída do Nível 2 contasse com mecanismo de tutela da liquidez das ações remanescentes, com vistas a assegurar que seus destinatários, livres de coerção, pudessem tomar uma decisão refletida e independente quanto à aceitação da OPA, conforme prevê o inciso II do artigo 4o da Instrução 361. Nesse contexto, a SRE entendeu que um mecanismo de tutela adequado seria a obrigação de o ofertante adquirir as espécies de ações remanescentes, pelo prazo de três meses, caso a adesão à referida OPA fosse superior a um terço das respectivas espécies de ações em circulação, nos moldes previstos pelo parágrafo 2o do artigo 10 da norma citada. Para tanto, a exigência acarretaria na alteração do item 7.1 do edital da OPA. O colegiado concordou com o entendimento da SRE no que diz respeito à dispensa da observância, por parte do ofertante, dos limites de que trata o artigo 15 da Instrução 361. No entanto, o órgão da CVM concedeu a autorização sem condicioná-la à alteração do edital da OPA, por entender que a exigência formulada pela SRE não encontrava respaldo na Instrução 361. Jurisprudência Mercado de Capitais é um informativo bimestral produzido por Motta, Fernandes Rocha Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. Comentários sobre o informativo podem ser enviados para o e-mail [email protected]. Capa União instável Interesses privados opõem Nippon e Ternium, os dois acionistas controladores da Usiminas. Desde que eles se juntaram, a ação desaba na bolsa de valores 16 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Por Yuki Yokoi O Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com casamento entre os japoneses do grupo liderado pela Nippon e os argentinos da Ternium-Techint, que juntos comandam a Usiminas, estremeceu no fim de setembro. Uma investigação conduzida por Paulo Penido, presidente do conselho de administração da siderúrgica, apontou que Julián Eguren, CEO da companhia, e Paolo Bassetti e Marcelo Chara, ambos vice-presidentes, receberam remuneração irregular ao longo dos últimos dois anos. A denúncia rendeu a exoneração dos executivos durante a reunião do board realizada em 25 de setembro. O detalhe: Penido é indicado pelos japoneses, enquanto os demitidos fazem parte da cota dos argentinos. A polarização é mais do que simbólica. O episódio expôs uma relação há muito desgastada e cheia de interesses particulares. O controle acionário da Usiminas resulta de um acordo firmado no começo de 2012 que se estenderá até 2031. Sua assinatura ocorreu logo após empresas do grupo Ternium se unirem para comprar os 25,97% das ordinárias até então pertencentes a Votorantim e Camargo Corrêa e outros 1,69% que eram da Caixa de Empregados da Usiminas (CEU) — participações que integravam o bloco de controle na época. De posse das ações, os argentinos passaram a compartilhar o comando com os japoneses, Novembro 2014 C APITAL A BERTO 17 Capa donos de 27,75% das ordinárias, e a CEU, que restou com 6,75% do capital votante. Desde então, o consenso é regra na Usiminas. O acordo exige que todas as matérias submetidas ao crivo do conselho de administração ou de uma assembleia geral sejam previamente aprovadas pelos controladores. As minúcias que circundam a dispensa dos executivos denotam que malícia e ingenuidade não são características exclusivas de nenhum dos controladores. A acusação de remuneração irregular foi feita pela Nippon. Em silêncio, o chairman Paulo Penido conduziu uma investigação interna e confirmou as suspeitas dos japoneses: os diretores receberam benefícios que seus pacotes de remuneração, previamente aprovados pelo conselho, não lhes concediam. O chairman, então, compartilhou a informação com os colegas do board, que exigiu a devolução dos valores indevidos. O ressarcimento não foi considerado suficiente. Na visão da Nippon, a má conduta dos executivos pode “provocar danos reputacionais e, portanto, não passíveis de perdão”. Por isso, em junho, “de forma a proporcionar um exemplo interno e manter os mais altos níveis de padrão moral na companhia”, propôs a destituição imediata dos diretores. A decisão provocou o primeiro embate. Os três conselheiros indicados pela Nippon e os três designados pela Ternium não chegaram a um consenso na reunião prévia ao encontro do conselho, como exige o acordo de acionistas. Os japoneses invocaram a Lei das S.As. e foram adiante com o plano de demissão. O artigo 118 do diploma prevê que a celebração do acordo não exime as partes de suas responsabilidades — e, assim, a Nippon interpretou que o dever fiduciário de punir a irregularidade é obrigação que não pode ser restringida pelas regras acertadas entre os sócios. A contragosto dos argentinos, foi realizada a reunião do conselho de administração do último dia 26 de setembro. O placar não poderia ter sido mais apertado. A favor da exoneração votaram os três conselheiros indicados pelos japoneses e os dois representantes dos minoritários, preferencialistas e ordinaristas. Do outro lado ficaram os três administradores conduzidos pelos argentinos, além dos dois conselheiros eleitos pelo fundo de previdência CEU. Como o desempate é atribuição do chairman, Penido fez prevalecer a vontade da Nippon. A Ternium reagiu. Recorreu ao Poder Judiciário mineiro, pedindo uma liminar que anulasse a reunião do dia 25. Os argentinos invocaram o mesmo 18 C APITAL A BERTO Novembro 2014 artigo 118 da Lei das S.As., usado na argumentação dos japoneses, desta vez para alegar que a legislação determina que o presidente da assembleia ou do conselho de administração “não computará o voto proferido com infração de acordo de acionistas”. Se o fizer, na leitura de advogados, violará o combinado — o contrato entre os controladores estabelece que a deposição do diretor-presidente é uma das matérias sujeitas a reunião prévia. A Justiça, entretanto, negou o pleito da Ternium, que prometeu prosseguir com a ação em outras instâncias. Gota-d’água Foi quando chegou ao tribunal que a briga ganhou vulto. Primeiro, por tornar-se pública — a Justiça de Belo Horizonte negou o pedido de sigilo do caso. Depois, porque os dois controladores não pouparam esforços para trocar acusações na imprensa. Os pormenores da polêmica em torno da remuneração começaram a parecer, ao menos financeiramente, desproporcionais a uma batalha judicial com tamanha visibilidade. Os argentinos não negam a existência da remuneração. Alegaram que o pagamento ocorreu por engano do departamento de recursos humanos (RH) da Usiminas e que os valores impróprios foram devolvidos. Denominado Bônus Car, o privilégio concede aos executivos valores equivalentes ao de automóveis — a auditoria interna apontou que os três diretores receberam, entre janeiro de 2012 e fevereiro de 2014, R$ 925 mil. Enquanto os sócios se debatiam, as ações da Usiminas descambavam. As ordinárias caíram 9,41% do início de pendenga, em 24 de setembro, até o dia 24 de outubro; as PNAs, mais líquidas, recuaram 20%, ante baixa de 8,13% do Ibovespa. No período, a companhia perdeu R$ 47,2 milhões em valor de mercado. Lance astuto Até o fechamento desta edição, a dispensa dos três diretores não havia sido revertida. A conquista da Nippon, no entanto, assumiu ares de vitória de pirro após o revide arquitetado pela Ternium. No dia 2 de outubro, uma semana após a demissão, os argentinos anunciaram a compra de 10,4% das ações ordinárias detidas pelo fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a Previ. Pagaram R$ 616 milhões, o equivalente a R$ 12 por papel, um sobrepreço de 82% em relação à cotação de mercado. Com a tacada, a Ternium atingiu 37,83% das ONs da Usiminas. Essa posição, entretanto, não afeta o equilíbrio de poder dos controladores. O acordo de acionistas cogita a possibilidade de seus signatários adquirirem ações ao longo do tempo, mas não as incorpora aos termos assinados em 2012. Dessa forma, as novas ações tornam-se nulas para efeito da disputa societária. A Ternium continuará votando com 27,66% das ordinárias, conforme o percentual estabelecido no acordo. A participação excedente irá apenas contabilizar em favor da posição definida nas reuniões prévias aos encontros decisórios. A limitação parecia não justificar a aquisição dos papéis da Previ. Oficialmente, o grupo manifestou que o negócio era apenas uma demonstração de seu compromisso com a Usiminas. No dia 28 de outubro, entretanto, a tacada ficou clara: o conselheiro Wanderley Rezende de Souza, indicado ao posto pela Previ, renunciou. A atitude seria apenas consequência da redução da parcela acionária nas mãos do fundo — que restou com 0,27% das ordinárias da companhia e 1,33% das preferenciais —, não fosse uma peculiaridade: oito dos dez membros do conselho de administração da Usiminas foram eleitos por voto múltiplo. O benefício do voto múltiplo é assegurado pela legislação societária aos investidores que possuam, no mínimo, um décimo do capital social. Ele amplia as chances de minoritários elegerem representantes ao atribuir a cada ação o número de votos equivalente ao total de assentos a serem ocupados. A legislação, no entanto, prevê um estorvo: uma vez adotado o voto múltiplo, a renúncia de qualquer um dos eleitos por meio dele provoca a destituição de todos os demais. A saída de Souza foi, portanto, providencial para a Ternium — ou estratégica, na visão de alguns investidores. Argentinos e japoneses terão que designar, cada um, três membros para o novo conselho (e nada impede que reconduzam os atuais administradores). O ponto crítico do processo será a escolha do presidente do órgão. Os controladores precisarão sentar para acordar quem ficará com o posto; já se sabe que, por oposição da Ternium, o nome não será Paulo Penido, o chairman de confiança dos japoneses. Os argentinos questionam, inclusive na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sua isenção. Segundo porta-vozes da Ternium, além de ter violado a legislação ao aceitar os votos favoráveis à demissão dos diretores, Penido agiria com mais zelo pelos interesses econômicos dos japoneses do que pelos da própria Usiminas. Cortina de fumaça O embate deflagrado pelo erro do setor de RH é, na verdade, a ponta de um iceberg. Na base da montanha de gelo estão os interesses econômicos que levaram duas empresas de culturas tão diferentes a se unir. Os japoneses estão na Usiminas desde a sua criação, na década de 1950, durante o governo Juscelino Kubitschek. Originalmente, a empresa era uma joint venture que mesclava a participação estatal ao apoio financeiro e tecnológico japonês. Em 1991, a companhia desembarcou na bolsa de valores após inaugurar o Programa Nacional de Desestatização previsto no Plano Collor. A partir daí, passou ao controle exclusivo de sócios privados. A antiga participação na Usiminas é fonte de lucros altos para os sócios nipônicos. A companhia resulta de um conjunto de empresas que atuam na cadeia siderúrgica — da mineração à transformação do aço. Elas pagam royalties pelo uso da tecnologia oriental ou compram máquinas e Novembro 2014 C APITAL A BERTO 19 Capa equipamentos do grupo liderado pela Nippon (que inclui, por exemplo, a Mitsubishi). Os contratos são rentáveis para os japoneses, mas vinham encolhendo desde o ingresso da Ternium. Em março de 2014, somavam R$ 419 milhões, ante R$ 1,3 bilhão no mesmo mês de 2012 e R$ 38 bilhões em 2011. A Ternium, por sua vez, investiu cerca de R$ 5 bilhões para entrar no bloco de controle da Usiminas em 2012 (sem contar os mais de R$ 600 milhões desembolsados este ano, pelas ações da Previ), com a intenção de fazer a companhia ganhar eficiência operacional. O que se viu na última linha do balanço foi o oposto. Depois de uma década de lucros líquidos consecutivos, a Usiminas passou a registrar prejuízo: em 2012, perdeu R$ 639,5 milhões; no ano passado, R$ 141 milhões. Para os acionistas, foram dois anos sem dividendos e com forte queda do valor do papel. Ao ingressar na companhia, em 2011, a Ternium pagou R$ 36 por cada ação do bloco de controle (as ações ordinárias negociavam na casa dos R$ 20 na bolsa de valores). Hoje, o preço de R$ 6,83 representa uma perda acumulada de 81%. Assim, quando vistos de perto, os interesses econômicos abalados de ambas as partes se mostram um motivo mais plausível para a queda de braços do que as divergências em torno do bônus irregular. A troca de farpas agora pública, no entanto, já vinha acontecendo nos bastidores, sob as mais variadas alegações. Em abril, a Nippon havia sugerido uma espécie de revezamento da diretoria: a cada dois anos, ela e a Ternium se alternariam na indicação dos principais diretores. Para a companhia, os argentinos teriam feito da Usiminas uma espécie de cabide de empregos, ao alocar um número excessivo de indicados seus na siderúrgica, cada vez mais bem remunerados. De acordo com o último Anuário de Governança Corporativa das Companhias Abertas, publicado pela capital aberto este ano, a remuneração global dos administradores subiu 87% de 2012 para 2013, passando de R$ 16,5 milhões para R$ 30,9 milhões. Caldeirão de insatisfações Conforme os controladores digladiam-se entre si, o principal minoritário da Usiminas também coloca suas reivindicações em jogo. Marcelo Gasparino, conselheiro indicado pelo fundo Geração LPar, do investidor Lírio Parisotto, dispõe de 5,33% das preferenciais e carrega uma lista de melhorias a serem feitas no próximo biênio. Para aumentar a 20 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Opiniões ainda divididas sobre tag along Em 2011, quando a Ternium chegou ao bloco de controle da Usiminas, muitos investidores argumentaram que a compra de quase 30% das ações ordinárias pelos argentinos deveria desencadear o tag along — direito dado ao minoritário de vender sua parcela, em oferta pública, por pelo menos 80% do valor pago pelos papéis do controlador. Na época, a pendenga foi parar na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O regulador entendeu que movimentações dentro do bloco de controle, como a que ocorreu na Usiminas, não disparavam o benefício. Ainda assim, o fato de a Ternium desembarcar na siderúrgica assumindo o comando da diretoria sempre deixou no ar a suspeita de que poderia ser mais poderosa do que aparentava. A atual briga com a Nippon ressuscitou a polêmica. Há quem entenda que a disputa entre os dois controladores mostrou o acerto da CVM ao não conceder o tag along. “Ficou claro que nenhuma das duas empresas manda sozinha na Usiminas”, disse um advogado consultado pela reportagem. Já a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), em artigo publicado em 27 de outubro, reafirmou sua visão de que o tag along era aplicável e cravou uma opinião sobre a disputa atual: “O que estamos assistindo na Usiminas é uma briga pela divisão dos espólios da companhia, desviados dos minoritários em favor dos controladores. É a prova material dos ganhos desproporcionais e injustificados dos controladores, o que, de certa forma, explica os elevados prêmios pagos pelas ações de controle”. Na visão da Amec, quando um comprador paga um prêmio pelas ações, esse benefício deve ser compartilhado com todos os acionistas. (Y. Y.) vigília, o executivo reivindicará alteração no regimento do conselho de administração, documento interno que regula o funcionamento do board. O normativo atual exige que ao menos três conselheiros apoiem a inclusão de um tema na pauta de reunião, mas o problema é que apenas os dois controladores possuem tal quórum. Os outros pedidos são a migração para o Nível 2 da BM&FBovespa e a instalação de conselhos de administração com representantes dos minoritários nas principais subsidiárias, além da reforma do acordo de acionistas, para que os não controladores tenham mais direitos. Enquanto isso, a Usiminas segue com o comando rachado e inerte. O acordo requer o consenso para todas as decisões relevantes — sem ele, o bloco não vota. Em 29 de outubro, dia seguinte ao encontro em que o conselheiro da Previ renunciou, o board se reuniu novamente, mas não chegou a nenhuma decisão. Em comum entre os envolvidos, inclusive os minoritários, prevalece o interesse de que o duelo se encerre o quanto antes. Até agora, ninguém ganhou nada com ele. CAPTAÇÕES As novidades da Instrução 551 Camila Goldberg e Gabriel Bürgel D esde a abertura de audiência pública para alterar as Instruções 400 e 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no sentido de permitir ofertas públicas com esforços restritos de ações e outros ativos, criou-se grande expectativa no mercado. A facilitação do acesso ao mercado de capitais é sempre uma iniciativa bem-vinda. Se nos últimos anos as ofertas iniciais de ações já não vinham repetindo os números do fim da década passada, o primeiro semestre de 2014 foi emblemático por não ter registrado nenhum IPO — o que não ocorria desde 2004. Além dos diversos fatores exógenos que ajudam a explicar os números baixos de captações no mercado de capitais, há o receio das companhias em relação ao custo-benefício desse tipo de negócio. Por outro lado, é expressivo o volume recente de debêntures ofertadas via Instrução 476: segundo a Cetip, mais de 70% do estoque em circulação é composto por títulos desse tipo, o que se deve, em parte, à agilidade do processo. Diante desse cenário, e com o objetivo de facilitar o acesso ao mercado, em 25 de setembro a CVM editou a Instrução 551. Sua grande novidade é justamente permitir que ações, debêntures conversíveis ou permutáveis em ações, bônus de subscrição, certificados de depósitos e BDRs Nível 3 sejam ofertados com esforços restritos de colocação sob o regime da Instrução 476, com dispensa automática do registro da oferta perante o regulador. Para o lançamento e a distribuição dos ativos nessa modalidade será preciso, todavia, que os emissores observem certas regras. Destacam-se, entre elas, as seguintes obrigações, por parte da companhia: ser registrada na CVM como emissora categoria A, conforme a Instrução 480; e conferir direito de prioridade de aquisição a seus acionistas na subscrição dos valores mobiliários ofertados. A exigência de registro na categoria A tem gerado dúvidas sobre a efetividade da norma em simplificar e popularizar as ofertas, pois um dos grandes atrativos da 476 seria justamente evitar as obrigações aplicáveis às companhias abertas. De todo modo, a dispensa de registrar a oferta na CVM ou na Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e de seguir as regras da Instrução 400 deve ser encarada como boa notícia pelas organizações mais enxutas que desejam acessar o mercado. Outra novidade é a não aplicabilidade do lock-up à negociação dos valores mobiliários após 90 dias de cada subscrição ou aquisição. Cite-se, ainda, a possibilidade de negociação no mercado secundário por investidores de varejo, para companhias que realizem oferta pública de ativos Ao permitir ofertas públicas com esforços restritos de ações e outros ativos, a nova 476 causa grande expectativa de retomada nos IPOs das mesmas espécie e classe registradas na CVM ou após 18 meses da admissão para negociação em bolsa de tais ativos. Houve também mudanças nas regras gerais da norma, como o aumento do número de investidores qualificados que a empresa pode procurar (de 50 para 75) e que podem subscrever ou adquirir os papéis (de 20 para 50). Fundos e carteiras administradas cujas decisões de investimento sejam tomadas pelo mesmo gestor serão considerados como um único investidor, e o envio à CVM de anúncio de início da oferta deve ocorrer em cinco dias contados da “primeira procura a potenciais investidores” (o que já gera dúvidas sobre qual seria exatamente esse momento). Embora ainda não se saibam quais serão as consequências efetivas da regra, já se inicia um movimento de procura pela estruturação de captações por meio da nova 476. É grande a expectativa de retomada nas ofertas públicas e IPOs, principalmente por parte de companhias de médio porte. O boletim captações é um informativo bimestral produzido por BM&A (www.bmalaw.com.br) e veiculado com exclusividade pela capital aberto. As opiniões aqui expressas são as do escritório e não, necessariamente, as da revista. Conduta Insider começa em casa Por Yuki Yokoi O mau uso de informação privilegiada é um problema grave, cuja solução vai além de fiscalizar e punir. Cabe aos profissionais envolvidos com fusões e aquisições prevenir o risco de vazamento — e, se ele ocorrer, fazer a coisa certa 22 C APITAL A BERTO Novembro 2014 D Questão endêmica A incidência do insider trading nas fusões e aquisições vem sendo retratada em diversos estudos e reportagens. Em junho, pesquisadores das Universidades McGill e de Nova York publicaram o estudo Informed options trading prior to M&A announcements: insider trading?. Concluíram que 25% das transações de M&A feitas nos Estados Unidos entre 1996 e 2012 foram precedidas por negociações atípicas das opções de compra de ações. No Brasil, não há estudo específico sobre vazamento de dados em fusão e aquisição, mas sua ocorrência no mercado de modo geral vem sendo observada. Os professores Orleans Silva Martins e Edilson Paulo, da Universidade da Paraíba, analisaram o comportamento de 229 ações na bolsa de valores, emitidas por 194 companhias em 2010 e 2011, e perceberam que a mesma parcela de 25% das operações no pregão provavelmente se realizou sob a influência de informações seletivas. O estudo não infere que houve insider trading nesses casos, mas indícios dele. “O modelo considera que determinados desequilíbrios na negociação, como oscilações de volume e preço, indicam a probabi- Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com e um lado, o segredo é fundamental para o sucesso de uma fusão ou aquisição (M&A, na sigla em inglês). Com ele é possível negociar os termos de uma transação sem a interferência de um concorrente ou de outras partes impactadas. Do outro, a boa comunicação com o mercado é essencial para a equidade das condições de negociação na bolsa de valores. A arte está em atingir a excelência nas duas pontas, simultaneamente — uma tarefa desafiante. Prova disso é que mercados no Brasil e no mundo estão submersos numa enxurrada de negócios possivelmente realizados com base em informações privilegiadas. Como resolver o problema? Certamente o rigor da fiscalização e das punições podem ajudar, e muito, ao tolher o ímpeto dos fraudadores. Mas há outro aspecto que está na raiz da questão: o procedimento dos executivos e assessores envolvidos com a informação privilegiada. A conduta adequada desses profissionais tende não só a reduzir significativamente as chances de a notícia vazar como a tornar mínimos os estragos caso o acidente aconteça. Novembro 2014 C APITAL A BERTO 23 C on d u ta lidade de assimetria nas informações disponíveis”, explica Orleans Martins. Quando se trata especificamente de transações de M&A, a conduta dos profissionais que atuam na operação é crucial para prevenir o insider. Por isso, investir em códigos de negociação e de comunicação com o mercado, em treinamento e em fiscalização é uma receita eficaz para reduzir as chances de vazamento. Outra medida aconselhável é envolver a auditoria interna. Conforme um negócio evolui, outras áreas da empresa participam de seus trâmites, o que aumenta a chance de quebra do sigilo. Os pesquisadores Viviane Muller Prado e Renato Vilela, da FGV Direito SP, se debruçaram sobre 34 processos administrativos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) relativos a negociação com informação privilegiada e concluíram que dois terços das 171 pessoas indiciadas eram terceiros e não insiders primários, como administradores e assessores. Dependendo do agente envolvido, contudo, essa tarefa pode ser mais ou menos complicada. No escritório de advocacia Pinheiro Neto, vigora uma regra rígida: todos são proibidos de negociar ações, exceto por meio de fundos de investimento. Já nos bancos, esse tipo de vedação não é tão simples de ser implementado. Ao mesmo tempo em que uma área está envolvida com um M&A, outros departamentos podem prestar serviços relacionados às ações da mesma companhia. Isso ocorre, por exemplo, nos contratos de formador de mercado e nos negócios que exigem do banco a compra de ativos para fazer hedge. “Se impedirmos essas áreas de negociar porque há uma transação em curso, corremos o risco de dar ao mercado uma informação que ele não tinha”, relata Sérgio Goldstein, gerente jurídico do Itaú BBA. Nesse sentido, ele afirma que o banco teria mais conforto se a regulamentação explicitasse que a instituição pode manter um serviço quando ele não tem a finalidade de afetar o preço das ações — ao fazer hedge, por exemplo. 24 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Quando a informação vaza, muitas vezes a empresa solta um comunicado que despista o investidor: não confirma a existência do negócio, mas diz ser normal avaliar oportunidades. Dias depois, um fato relevante anuncia a transação. A tática, embora cômoda para a companhia, põe em xeque a imagem de seus administradores Entre a transação e o minoritário Os estudos mencionados não permitem concluir que o mercado brasileiro sofre mais com insider trading do que o americano. Há, no entanto, a sensação de que por aqui os agentes são apressados. “Nos Estados Unidos e na Europa, o vazamento de informações, inclusive pela imprensa, parece acontecer quando há grande certeza de que o negócio vai se concretizar. No Brasil, ocorre ainda baseado na especulação”, diz Marcelo Martins, diretor de relações com investidores (DRI) e de M&A da Cosan. Essa particularidade torna a tarefa do DRI mais complexa: ainda que ele não esteja diretamente envolvido na negociação, é sua a incumbência de decidir quando se comunicar com o mercado e o que falar ao investidor. A Instrução 358, arcabouço principal do tema, afirma que, havendo uma transação fechada ou um indício claro de vazamento de informação, os investidores precisam ser avisados. Na prática, porém, a decisão é cheia de nuances. “É difícil se posicionar num momento inicial da transação, com base em especulações e boatos que não são integralmente verídicos. Na dúvida, é melhor comunicar”, aconselha Martins. Não são poucos os complicadores. A começar pela responsabilidade que a própria regulamentação atribui ao DRI: é dele o dever de garantir informações equânimes e tempestivas ao investidor. “Ele tem sempre dois patrões. Um é o mercado, que quer a divulgação da informação; o outro é a companhia, muitas vezes com um controlador que deseja preservar o segredo da transação o máximo possível”, lembra Henry Sztutman, sócio do escritório Pinheiro Neto. E quando for preciso decidir a qual deles obedecer? O diretor da Cosan não hesita: a obrigação do DRI é servir ao mercado. “Nenhuma transação pode ser mais importante do que a hipótese de permitir um insider trading”, defende Martins. “Para ser um bom DRI, é fundamental entender que trabalhamos para o minoritário”, completa. Mas o que fazer se, apesar dos cuidados, a informação vazar? A empresa provavelmente será questionada pelos reguladores e terá que se pronunciar. Um expediente ao qual o mercado se acostumou a recorrer nessas situações são os comunicados que despistam os investidores: não confirmam a existência da transação, mas dizem ser parte da rotina da companhia avaliar oportunidades de negócios. Dias depois, não raro, surge um fato relevante anunciando a transação. A tática, embora cômoda para a empresa, põe em xeque a imagem de seus administradores. “É preciso pensar no dia seguinte ao anúncio. Quando se divulga a transação, fica carimbado que aquela forma de falar não era verdadeira”, avalia Goldstein. Martins, da Cosan, observa que a qualidade da comunicação nessas ocasiões impacta a reputação do profissional de RI. “É preciso ter autonomia para fazer um comunicado. Se eu acredito que aquela informação é importante, devo bancar, inclusive, um eventual desgaste interno”, afirma. Despiste é crime Para quem acredita que o abalo na reputação é pouco, ou que as punições recaem somente sobre os que se beneficiam diretamente da informação privilegiada, um alerta. A Lei 7.492, de 1986, sobre crimes contra o sistema financeiro nacional, prevê pena de reclusão de dois a seis anos a quem “induzir ou mantiver em erro sócio ou investidor [...] relativamente a operação ou situação financeira, sonegando-lhe informação ou prestando-a falsamente”. Segundo Mário Panseri, sócio do Pinheiro Neto e especialista em direito criminal, autoridades já entendem que a não difusão de fato relevante se encaixa no dispositivo. “Da mesma forma, um fato relevante lacônico pode ser equiparado a informação falsa, se a lacuna induziu o investidor ao erro”, comenta o especialista. Ou seja, o executivo que se comunica mal com o investidor pode não só ser punidos administrativamente pela CVM ou civilmente na Justiça; ele também podem ir para a cadeia. O insider, afinal, é um problema de todos. CVM cria força-tarefa contra insider trading Evitar que poucos se beneficiem do uso de informações privilegiadas é um dos principais focos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A informação foi dada por Leonardo Pereira, presidente da autarquia, no congresso da International Organization of Securities Commissions (Iosco), realizado em novembro no Rio de Janeiro. Segundo ele, uma força-tarefa para investigar e punir o insider trading está em fase de implantação. “Não podemos nos render a desculpas como a de que é muito difícil investigar e punir”, afirmou Pereira. De acordo com o presidente, a CVM vem acompanhando todas as negociações de valores mobiliários realizadas por detentores de informação primária — principalmente executivos – e se atualizando sobre novas tecnologias de monitoramento de mercado e técnicas de investigação. O presidente da CVM também se comprometeu a executar uma meta ousada: a partir de 2016, nenhum caso anterior a 2013 estará à espera de apreciação. “Uma ação demorar dez anos para ser julgada não é uma boa prática”, ressaltou. Pereira também reconheceu que as atuais punições administrativas são insuficientes para coibir infrações. A CVM ainda pretende dar ênfase aos acordos de cooperação que mantém com o Ministério Público Federal e com as instituições do Poder Judiciário. O objetivo é evitar manipulação de mercado e garantir a efetividade das punições. (Y. Y.) A delicada missão de lidar com a informação relevante nas fusões e aquisições foi tema do primeiro encontro do Grupo de Discussão de M&A e private equity, realizado em setembro em São Paulo. Veja mais em http://bit. ly/1wvDq1P. Novembro 2014 C APITAL A BERTO 25 Previdência Pensão com problemas Conjuntura econômica e aumento da inadimplência em títulos privados agravam prejuízo da Petros. Déficit do fundo dobra em apenas sete meses 26 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Por Mariana Segala Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com N ão é preciso grande esforço para entender por que os fundos de pensão de empresas estatais são alvo constante de escrutínio. Com patrimônios multibilionários, destinados a cobrir as aposentadorias de milhares de participantes, sua capacidade de investimento é invejada — e almejada — pelas entidades dos mercados financeiro e de capitais. E, sendo patrocinados por companhias da União, os contribuintes se sentem, ao menos em parte, donos dos recursos. No caso da Petros, fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, segundo maior do Brasil com investimentos da ordem de R$ 69 bilhões, todos os passos despertam interesse generalizado. Ainda mais em tempos de operação Lava Jato, apelido Novembro 2014 C APITAL A BERTO 27 Previdência dado à investigação da Polícia Federal dedicada a desbaratar um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo diretores da Petrobras. Denúncias divulgadas na imprensa de que o doleiro Alberto Youssef, alvo central da operação, teria influência sobre os investimentos realizados pela fundação surpreenderam os funcionários da estatal. “Os sinais são muito preocupantes. Não podemos deixar nosso patrimônio sob risco”, afirma Silvio Sinedino, representante dos empregados da Petrobras no conselho deliberativo da Petros. No negativo A situação da Petros não é confortável. O déficit registrado pela fundação chegou a superar os R$ 6 bilhões durante o primeiro semestre. Em julho, último dado a que a capital aberto teve acesso, estava em R$ 4,8 bilhões, mais do que o dobro do verificado no fim do ano passado (R$ 2,3 bilhões). O número corresponde ao chamado equilíbrio técnico do fundo de pensão. Neste caso, ele indica uma insuficiência patrimonial em relação a seus compromissos — ou, noutras palavras, ao pagamento das aposentadorias. Durante o ano passado, a maior parte das perdas do fundo de pensão foi ocasionada pela marcação a mercado do gigantesco volume de notas do Tesouro Nacional (NTN), títulos públicos que pagam juros e são corrigidos pela inflação, carregado pela fundação. Mais de um quarto dos investimentos da Petros está alocado nessa modalidade. Em decorrência do aumento da taxa de juros entre 2013 e 2014 — a Selic passou de 7,25% para 11% ao ano em menos de 12 meses —, o valor de face dos papéis da carteira foi revisado para baixo. O portfólio de renda variável também não ajudou. O recuo de mais de 15% do Ibovespa em 2013 impactou negativamente a rentabilidade da fundação. Movimento semelhante afetou outros fundos de pensão. Escolhas ruins Mais recentemente, outra parte do portfólio começou a chamar a atenção. São os investimentos em crédito privado, incluídos na carteira da Petros em 2005 com o propósito de diversificar riscos e melhorar a rentabilidade no médio e longo prazos. O mix de papéis, que financiam empresas e instituições financeiras, inclui debêntures, letras hipotecárias e financeiras, certificados de depósito bancário (CDBs), certificados de recebíveis imobiliários (CRI), cédulas de crédito bancário (CCB) e imobiliário (CCI), entre outros. Há também fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). Somados, as aplicações em títulos de crédito e FIDCs representam 2% do portfólio da fundação. Tratando-se de Petros, porém, mesmo a menor fatia significa uma cifra enorme. Neste caso, cerca de R$ 1,5 bilhão. O problema é que, no meio dessa porção reduzida de investimentos, há diversas aplicações que se revelaram grandes 28 C APITAL A BERTO Novembro 2014 “As constantes perdas com investimentos demonstram falta de acuidade prudencial na avaliação dos riscos inerentes às operações e aos emissores dos títulos”, ressaltaram dois conselheiros fiscais da Petros furadas. Entre os FIDCs mantidos pela Petros, por exemplo, há fundos lastreados em recebíveis do BVA, banco envolvido num caso de fraude que lhe rendeu intervenção do Banco Central em 2013 e decretação de falência em outubro deste ano. O BVA também está presente na carteira da Petros por meio de CCBs emitidas pela V55 Empreendimentos, uma sociedade de participação ligada ao ex-presidente do banco, Ivo Lodo. O investimento inicial, de R$ 51 milhões, feito em 2009, aparece zerado nos relatórios mais recentes da fundação. A Petros possui ainda um FIDC com créditos do Trendbank, uma empresa de factoring em atividade desde a década de 1970, sediada em São Paulo. O fundo chegou a ter patrimônio de mais R$ 400 milhões, mas hoje não passa dos R$ 8 milhões, em razão de persistentes casos de inadimplência. Cabe lembrar que o FIDC do Trendbank, atualmente gerido pelo Brasil Plural, começou como uma carteira administrada pelo Cruzeiro do Sul, banco liquidado em 2012. A carteira de títulos privados da Petros também está perdendo com debêntures e CCBs da Inepar, que pediu recuperação judicial em setembro, e com CCBs da varejista mineira Eletrosom, originados pelo BVA. Provisões crescem O risco dos ativos de crédito privado se reflete numa linha específica dos balanços da Petros: a de provisões para devedores duvidosos. O fundo de pensão reserva dinheiro para cobrir perdas com papéis cujos emissores atrasam os pagamentos por mais de 61 dias. Há menos de cinco anos, em 2010, as provisões somavam R$ 88 milhões. O volume se multiplicou por quase seis desde então, chegando a R$ 513 milhões no fim de 2013. Somente no primeiro semestre deste ano, teve alta superior a 25% e atingiu aproximadamente R$ 660 milhões. Quase metade das provisões realizadas em 2013 se concentrava nas CCBs, títulos emitidos por empresas que têm bancos como contraparte. As perdas provisionadas em CCBs somavam R$ 216 milhões em 2013, o equivalente a 96% da carteira de cédulas de crédito bancário da Petros na época, de cerca de R$ 224 milhões. A fundação alega que, como as reservas para dívidas não pagas são cumulativas, deve-se compará-las com o total já investido por ela em CCBs, o que resulta num índice de 19% em seis anos. “As constantes perdas com investimentos na Petros demonstram uma falta de acuidade prudencial na avaliação dos riscos inerentes às operações e aos emissores dos títulos”, ressaltaram os conselheiros fiscais da fundação Epaminondas de Souza Mendes e Ronaldo Tedesco Vilardo ao justificar seu voto contra a aprovação das demonstrações contábeis em 2013. Os investimentos da Petros são incumbência da diretoria executiva, que se pauta pela política de investimentos. Ela é atualizada e aprovada anualmente pelo conselho deliberativo da fundação, eleito pelos empregados da Petrobras. Mas apenas investimentos que mobilizem mais de 1% da carteira (o equivalente a cerca de R$ 690 milhões hoje) precisam, desde 2010, ser submetidos diretamente ao conselho deliberativo. A Petros afirma que até 2012 as provisões para perdas cresceram na mesma proporção do aumento dos investimentos em títulos privados. A partir daí, subiram “em razão do cenário macroeconômico, já que houve uma deterioração da capacidade de pagamento das empresas brasileiras”. Cálculos realizados pelo economista Marcelo D’Agosto, com base nos relatórios mensais de atividades elaborados pela Petros desde 2010, indicam que as perdas com os papéis de empresas, em função das provisões para devedores duvidosos, superaram os ganhos em 2013 e 2014. No ano passado, estima-se que o prejuízo líquido com títulos privados tenha somado R$ 54 milhões. Entre janeiro e julho deste ano, foram mais R$ 36 milhões. As perdas intensas se concentraram na cesta composta de CCBs, CCIs e CRIs: somaram R$ 111 milhões em 2013 e outros R$ 91 milhões até julho. Outros papéis privados, como CDBs e letras financeiras e hipotecárias, tiveram retorno positivo de R$ 38 milhões em 2013 e R$ 31 milhões em 2014, ajudando a amenizar o prejuízo nessa porção do portfólio. A carteira de FIDCs Queda livre A rentabilidade anual do fundo de pensão da Petros caiu drasticamente no ano passado 2008 2,2% 2009 18,7% 2010 16,7% 2011 11,8% 2012 15,7% 2013 - 0,2% 2014 (até agosto) 9,9% Novembro 2014 C APITAL A BERTO 29 Previdência também registrou prejuízo em 2013, de R$ 51 milhões, e ganho de R$ 9 milhões neste ano. “Aparentemente, investir em papéis de crédito privado não se revelou a melhor estratégia. Tanto é assim que os balanços indicam uma redução no tamanho dessa carteira, seja devido às perdas, seja pela não renovação de contratos”, avalia D’Agosto. Junto com FIDCs, títulos privados chegaram a representar quase 4% de todos os investimentos da Petros em 2011, totalizando R$ 2,2 bilhões. Hoje esses números foram reduzidos a 2% (R$ 1,5 bilhão). Insatisfação “Já estamos sofrendo com a conjuntura econômica. Não é hora de perder mais dinheiro com investimentos alternativos”, ressalta o conselheiro Sinedino. Ele é um dos que não engoliram, por exemplo, o investimento de quase R$ 25 milhões feito pela Petros, em 2011, em debêntures do grupo Galileo Educacional, mantenedor das universidades cariocas Gama Filho e UniverCidade. Ambas foram descredenciadas pelo Ministério da Educação (MEC) em janeiro deste ano, devido à baixa qualidade acadêmica e ao grave comprometimento da situação financeira do grupo. Resultado para a Petros: mais prejuízo. O valor atribuído às debêntures do Galileo nos seus últimos relatórios de atividades bate em cerca de R$ 9,5 milhões. Apesar do aumento na linha de provisões para devedores duvidosos, a Petros se defende dizendo que o nível de inadimplência de sua carteira está “absolutamente dentro dos padrões do mercado”, que todas as operações de crédito privado contam com garantias e que provisões, a priori, não são sinônimo de perda financeira efetiva. “No caso de eventual inadimplência, a fundação busca judicialmente reaver os valores investidos”, afirmou em nota. Uma nova diretoria, liderada pelo presidente Carlos Fernando Costa, antigo responsável pela área de investimentos, assumiu em fevereiro. Ele entrou no lugar de Luís Carlos Afonso, que presidia a Petros desde 2011 e deixou o cargo por motivos pessoais, segundo divulgou a fundação à época. Antes de começar a trabalhar no fundo de pensão, Costa foi diretor financeiro do município de Santo André na gestão de Celso Daniel e secretário adjunto de finanças durante o mandato de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo. Em outubro último, reuniões com os conselheiros deliberativos debateram os investimentos mais sensíveis da fundação atualmente. A carteira começou a esboçar reação nos últimos meses. Até abril, a rentabilidade dos investimentos ainda era negativa, mas depois virou. Em julho, a carteira acumulava avanço de 5,1%, contra uma meta atuarial de 7,1%. A Petros informa ter conseguido superar a meta atuarial em agosto: os investimentos renderam 9,9%, contra o objetivo de 7,8%. “À medida que os resultados dos investimentos foram melhorando neste ano, o déficit atuarial foi consequentemente sendo reduzido”, disse a fundação em nota. 30 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Desequilíbrio técnico Petros volta a registrar déficit elevado. Número indica que patrimônio é insuficiente para pagar as aposentadorias (em R$) 2000 - 84,5 milhões 2001 - 431,1 milhões 2002 - 827,0 milhões 2003 - 2,2 bilhões 2004 - 5,2 bilhões 2005 - 4,4 bilhões 2006 - 2,9 bilhões 2007 - 1,8 bilhão 2008 + 712,9 milhões 2009 + 1,8 bilhão 2010 + 3,9 bilhões 2011 + 4,0 bilhões 2012 + 3,3 bilhões 2013 - 2,3 bilhões 2014 (até julho) - 4,8 bilhões Fonte: Petros. Os maus resultados registrados, no entanto, engajaram os beneficiários. Multiplicam-se as organizações — algumas formais, outras não — lideradas por participantes dedicados a fiscalizar, na medida do possível, cada passo da fundação. Há grupos cobrando a patrocinadora Petrobras por dívidas supostamente não quitadas com o fundo de pensão, outros avaliando grandes investimentos em participações feitos pela Petros, e há ainda os que reivindicam direitos de trabalhadores que repactuaram as condições de suas aposentadorias. Foram feitas denúncias à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e ao Ministério Público. Os sinais de alerta estão disparados. Cabe à nova diretoria mostrar resultados que resgatem a confiança dos participantes. Fale com os Correios: correios.com.br/falecomoscorreios CAC: 3003 0100 ou 0800 725 7282 (informações) e 0800 725 0100 (sugestões e reclamações) Ouvidoria: correios.com.br/ouvidoria - SIC: correios.com.br/acessoainformacao TM Rio 2016 Unindo tecnologia com a sua tradição de confiança, os Correios criaram o e-Carta, uma solução sob medida para empresas e órgãos públicos no envio de documentos oficiais, como multas, intimações e citações judiciais, que exigem sigilo em seu processamento e comprovação de entrega. Com o e-Carta, o cliente só se preocupa com o fornecimento do conteúdo. Os Correios encarregam-se de todo o processo, da produção à entrega do documento, otimizando tempo e recursos, tudo com a segurança que o cliente exige e só os Correios entregam. Preparação, produção, envelopamento e envio dos documentos. Produção do material em ambientes restritos, monitorados por câmeras 24 horas. Certificação digital e comprovação de entrega ao destinatário. Controle de todas as fases do processo de trabalho. Em construção 32 C APITAL A BERTO Novembro 2014 APOIO: Ana Cláudia Akie Utumi, sócia do Tozzini Freire Advogados É de 2008 a norma que regula o funcionamento dos fundos de investimento imobiliário (FIIs), a ser substituída em breve. Em agosto, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública proposta de alteração da Instrução 472, com o intuito de aperfeiçoá-la, sobretudo, em dois aspectos: divulgação de informações pelos administradores e governança dos fundos. As mudanças propostas pela autarquia foram discutidas na 12a edição do Círculo de Debates da CAPITAL ABERTO. A seguir, confira uma seleção de trechos do debate. Por Luciana Tanoue Alexandre Machado, diretor da CSHG na área de fundos imobiliários Bruno Barbosa de Luna, gerente de acompanhamento de fundos estruturados da CVM Ricardo Orihuela, investidor pessoa física José Alberto Diniz, sócio-diretor de investimentos imobiliários da Rio Bravo Reinaldo Lacerda, presidente do comitê de produtos imobiliários da Anbima CAPITAL ABERTO: A CVM propõe que detentores de, no mínimo, 1% do total de cotas emitidas pelo fundo possam aprovar a eleição de um representante dos cotistas em carteiras com mais de cem investidores. Na visão de vocês, essa proposta é adequada? José Diniz: Eu acredito que não. Nós defendemos que o representante seja eleito por um quórum representativo de cotistas. Da mesma forma que os administradores são obrigados a buscar um quórum qualificado para aprovar determinadas matérias, entendemos que os cotistas também devem ser obrigados a perseguir um quórum minimamente representativo para eleger um representante. Na Rio Bravo, com o percentual de 1%, há em cada FII uns 30 cotistas que, sozinhos ou com mais um investidor, detêm esse percentual. Reinaldo Lacerda: Ninguém é contra a figura do representante de cotista, mas essa pessoa precisa efetivamente representar os investidores do fundo. Estamos finalizando uma proposta para levar à CVM e devemos sugerir que esse número seja elevado para cerca de 5%. Ricardo Orihuela: Eu já fui escolhido representante de cotistas em 2004 no fundo Continental Square Faria Lima. Além de mim, foram eleitos o Sérgio Belleza [profissional que desde 1991 atua na indústria de FIIs], representantes da Petros, que era dona de 30% das cotas, e mais três cotistas com perfil parecido ao meu. Graças ao conhecimento técnico do Belleza e ao amparo jurídico da Petros, conseguimos ganhar uma briga com o gestor, que havia parado de pagar a renda garantida prevista pelo fundo. Entretanto, se não tivéssemos a representatividade, o que conseguimos tendo um investidor relevante ao nosso lado, eu tenho dúvidas quanto ao resultado final — se teria sido o mesmo. Ainda assim, no fim da reunião muitos cotistas já nos olhavam com cara de: “Quem é esse cara que a gente acabou de eleger?” É como se automaticamente você passasse a ser chapa-branca. Minha preocupação é se vamos ter cotistas com capacitação para exercer o papel. A meu ver, a CVM está terceirizando a fiscalização para o elo mais fraco do sistema, que é o pequeno cotista. A ele estão sendo atribuídas as mesmas obrigações do administrador, mas sem ferramental para isso. Bruno Luna: Acho importante frisar que o representante do cotista não precisa ser necessariamente um investidor do fundo. Pode ser um profissional contratado, conforme a norma permite. Quanto à qualificação do representante, a CVM já tem um programa de capacitação, cujo carro-chefe é o investimento imobiliário. E nada impede que a gente faça uma capacitação para o representante, talvez com o apoio da autorregulação. Também cabe esclarecer que a CVM não quer, com isso, terceirizar o papel da fiscalização. O que a gente espera é que o representante nos ajude no desenvolvimento desse mercado. Ana Utumi: O que eu achei interessante na figura do representante do cotista é ela ser um espelho do conselheiro fiscal existente nas companhias abertas. Na minha visão, é positivo ter alguém Novembro 2014 C APITAL A BERTO 33 próximo ao administrador olhando se tudo está correto. Com relação ao quórum para eleição do representante, é importante que ele não seja muito alto. Caso contrário, isso pode virar um problema, inclusive do ponto de vista tributário. Se o fundo começar a ter investidores com participações grandes, ele pode vir a ter menos do que 50 cotistas e perder o incentivo fiscal. Reinaldo Lacerda: A Ana colocou muito bem essa questão da similaridade entre o conselheiro fiscal e o representante de cotista. Uma confusão bastante comum é o representante achar que é gestor do fundo. Muitos pensam que, uma vez empossados, podem tomar decisões junto com o gestor. E isso não é verdade. Sua função é fiscalizar. Bruno Luna: Hoje, a norma de FIIs trata genericamente o papel do representante dos cotistas, o que, de fato, gera dúvidas sobre a fronteira de atuação do representante e do administrador. Por isso, na minuta, estabelecemos exatamente quais são os deveres dos representantes. Vale lembrar também que essa figura não existe apenas nos fundos imobiliários. Ela também está presente no FIDC, por exemplo. No caso dos FIIs, no entanto, ganha notoriedade porque esse produto tem um mercado secundário ativo. José Diniz: Essa definição do papel de cada um é muito importante, e ela ainda não está clara para alguns investidores. Há algumas semanas, um cotista ligou para mim dizendo que detém pouco mais de 1% das cotas e que, pela regulamentação proposta pela CVM, ele poderia se eleger representante. Caso isso ocorresse, disse que gostaria de convocar uma assembleia para definir os rumos estratégicos do fundo. E olha que esse cotista é um empresário de sucesso, uma pessoa qualificada. Assim, por mais que se tenha tentado estabelecer essa fronteira entre a atuação do representante e a do administrador, por um tempo alguns calos serão pisados, e a CVM irá receber reclamações do tipo: “O admi- 34 C APITAL A BERTO Novembro 2014 nistrador não me deixou fazer a minha reunião estratégica”. Alexandre Machado: A eleição de um representante de cotistas é uma evolução e pode ajudar na questão da transparência. Algumas informações do fundo eventualmente não são passíveis ou não são interessantes de serem divulgadas abertamente. E talvez o representante seja esse elemento que consegue acessar um pouco mais de informação. Por isso, diante da facilidade de obter o 1%, me preocupa a inserção nesse ambiente de pessoas eventualmente mal-intencionadas, movidas por interesses que não sejam exatamente o do fundo ou dos cotistas. Ana Utumi: Justamente para evitar a má-fé é que eu vejo com bons olhos atribuir responsabilidades aos representantes. Para que ele saiba que deve agir como um homem probo, em benefício de todos os cotistas. CAPITAL ABERTO: Além das mudanças em relação ao representante, a CVM está propondo que os administradores prestem mais informações sobre a carteira dos fundos, dando detalhes, por exemplo, sobre os contratos de imóveis que integram o FII. Como essa transparência pode afetar a indústria? Alexandre Machado: A meu ver, isso pode comprometer a estratégia e o andamento do FII. A CSHG tem alguns FIIs de gestão ativa. Quando negociamos o aluguel com um locatário e ele sabe que somos um fundo, percebemos que faz a lição de casa: lê os relatórios do FII e busca informações para usar a seu favor. Então, dependendo da informação que se precise abrir, ela contribuirá muito pouco para o entendimento do fundo e pode ser usada, por uma contraparte, para prejudicar o retorno da carteira. Ricardo Orihuela: Concordo. Com essa divulgação, seu concorrente vai saber até o dia em que acaba o contrato com o locatário e quanto ele terá que oferecer para conseguir ficar com o inquilino. José Diniz: Hoje, eu posso ter alguns contratos de aluguéis que estão acima do mercado, porque consegui negociar melhor ou porque o locatário não pediu desconto ou solicitou desconto menor. Mas, se essa informação se tornar pública, eu terei, no dia seguinte, meia dúzia não só de proprietários de unidades no próprio edifício, mas também de vizinhos, oferecendo uma coisa melhor para meus inquilinos. Ainda mais em tempos de vacância em alta. Ricardo Orihuela: É preciso lembrar que os fundos imobiliários concorrem com algumas companhias abertas, como BR Properties e São Carlos, e essas empresas não são obrigadas a informar nada. Essa obrigação criará dois pesos e duas medidas. Bruno Luna: Para definir o que pedir de informação, a CVM fez estudos, viu o que os administradores já divulgavam e ouviu muitos analistas. Alguns disseram que essa abertura da carteira era necessária para fazerem um acompanhamento mínimo do fundo. Independentemente disso, eu gostaria de esclarecer que o grande objetivo da CVM com essas mudanças no regime informacional diz respeito à padronização. Se olharmos hoje informações de quatro fundos diferentes, veremos que o nível de informação é absolutamente distinto de um para outro. E não há como desenvolver o mercado sem o mínimo de comparabilidade. Alexandre Machado: Outro ponto que eu gostaria de entender é por que a CVM está pedindo informações a respeito de todos os investimentos em fundos feitos pelo diretor responsável do FII e pelo representante dos cotistas. Eu tenho dificuldade em entender a utilidade desse dado. Ele pode prejudicar ou gerar o desinteresse de alguns bons cotistas em se tornarem representantes caso não se sintam confortáveis em divulgar esses conteúdos. Ricardo Orihuela: Acho natural que se peça a posição no fundo em que sou APOIO: representante, mas o que a CVM quer é praticamente minha posição patrimonial. Isso vai inibir os cotistas de exercerem essa função. Bruno Luna: Esse pedido de informação veio de algumas consultas que recebemos. Seu objetivo é entender se os interesses de representante e administrador estão alinhados com os do fundo. José Diniz: Se existe essa preocupação, acho que a CVM dispõe de outros mecanismos para lidar com ela, sem precisar expor tanto o cotista e o diretor do fundo. Uma solução talvez seja estabelecer um percentual mínimo de investimento que essas pessoas precisariam ter no fundo. Outro item cuja publicação nos preocupa é o laudo de avaliação, que traz dados estratégicos sobre o fundo. Talvez a CVM pudesse limitar o acesso a esse documento ao representante de cotistas. O que me preocupa é deixar esse documento público em meio digital, com livre circulação. Isso pode expor o FII e prejudicar os cotistas. Ana Utumi: Eu gosto dessa ideia de ter a informação disponível para o cotista, com o administrador declarando que garante que o valor do aluguel negociado se baseia em determinado laudo. A preocupação maior é que o investidor acabe sendo lesado com um aluguel muito abaixo do praticado no mercado. Reinaldo Lacerda: Mas a questão é: por que o gestor alugaria uma laje para uma empresa pela metade do preço que poderia cobrar? Qual é a razão? Primeiro é preciso entender que não é tão simples dizer quanto vale o aluguel de um prédio. No mesmo edifício, eu tenho pessoas que pagam preços diferentes. E por quê? Porque você vai ter uma empresa que precisava mudar e achou o lugar que atendia perfeitamente às suas necessidades e aceitou pagar R$ 140 o metro quadrado. Mas há, no mesmo prédio, pessoas pagando R$ 90, porque eu tinha um andar inteiro vago que precisava alugar. Então, qual é o valor de mercado daquele Uma confusão bastante comum é o representante dos cotistas achar que é gestor do fundo. Muitos pensam que, uma vez empossados, podem tomar decisões junto com o gestor. E isso não é verdade. Sua função é fiscalizar. prédio? Quando eu alugo por R$ 90 eu estou lesando o investidor? Não, estou buscando preencher o prédio na média do melhor aluguel possível. CAPITAL ABERTO: A CVM também propõe que a remuneração do administrador de FII cujas cotas sejam negociadas em pregão e integrem índice de bolsa corresponda a um percentual do patrimônio líquido do fundo calculado a valor de mercado. Isso no caso de FIIs não destinados exclusivamente a investidores qualificados. Qual é a opinião de vocês sobre essa forma de cálculo? Bruno Luna: É importante entender o conceito por trás disso. Se você olhar hoje quatro regulamentos de FIIs, per- ceberá que as fórmulas de remuneração são completamente diferentes, o que não pode continuar. E a melhor forma de alinhar os interesses do administrador com os do fundo é ele ser remunerado conforme o retorno do FII. Reinaldo Lacerda: Acho correto que a CVM busque padronização. Mas cada produto é um produto. Então, por que não oferecer ao mercado algumas formas de fazer essa padronização? É preciso levar em conta que o preço da cota no mercado secundário está sujeito a muitas variáveis, que independem do que o administrador está fazendo. Também não podemos esquecer que a taxa de administração é uma remuneração que custeia o trabalho do fundo. Não dá para olhar para ela apenas pensando no alinhamento de interesses. A Anbima pretende propor que a taxa de remuneração do gestor seja padronizada em quatro ou cinco tipos diferentes de cálculo, de acordo com as peculiaridades do FII. Ricardo Orihuela: Acho o esforço válido, mas me parece dantesco, dada a dificuldade de segmentar os fundos. Reinaldo Lacerda: A Anbima tem uma proposta de segmentação que vem sendo discutida há mais de ano, inclusive com a CVM. Ela já está pronta e agora estamos entrando nos detalhes operacionais de como colocá-la no ar, em conjunto com a BM&FBovespa. Essa segmentação ajudará no entendimento de vários aspectos, entre os quais o tipo de produto em que o cliente está entrando. CAPITAL ABERTO: Não faltarão bons elementos para a CVM analisar após a audiência pública. Obrigada a todos pelas contribuições e à autarquia pela abertura e pela transparência em participar do debate. Ouça o podcast deste Círculo de Debates em www.capitalaberto.com.br Novembro 2014 C APITAL A BERTO 35 Capital empreendedor Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com 36 C APITAL A BERTO Novembro 2014 A quatro mãos Corporate venture entra no radar de empresas brasileiras interessadas em investir em startups para promover inovação Por Bruna Maia Carrion O número de fotos tiradas em 1990 era bastante inferior ao de hoje. Há uma profusão de autorretratos instantâneos feitos com celular e disseminados nas redes sociais — os chamados selfies. Essa mudança de comportamento deve-se à inovação tecnológica. Com a substituição das máquinas fotográficas analógicas pelas digitais, as pessoas não precisam mais economizar cliques para aproveitar bem o filme ou esperar dias para ver o resultado de uma pose. A Kodak, inventora dos filmes fotográficos e gigante do setor, não se moldou aos novos tempos. Abriu falência em 2012, após se tornar uma sombra do que era: seu negócio virou imprimir fotos em alta qualidade. Para afastar as chances de se tornar obsoletas, as companhias precisam não apenas produzir inovação dentro de casa como aliar-se às mentes que pensam o novo do lado de fora. Daí surgiu o que nos Estados Unidos se denominou corporate venture, agora no foco também de empresas brasileiras como Totvs, Embraer e Natura. O conceito por trás desse tipo de investimento tem raízes no venture capital, em que empresas nascentes são financia- das por investidores, geralmente fundos de capital de risco. No corporate venture, a diferença é que as próprias companhias financiam outros empreendedores. “No último ano, muitas empresas vieram nos procurar querendo entender o universo das startups e saber como se aproximar delas. O corporate venture é uma forma de fazer isso”, diz Arthur Garutti, diretor da Aceleratech, aceleradora independente que aporta dinheiro e presta assessoria a empresas em seus primeiros passos. No exterior, o corporate venture é amplamente difundido. Companhias do porte de Microsoft, Telefónica, Google, Intel, Qualcomm, Samsung, Novartis, IBM, Nokia, Citibank, além da recém-listada em bolsa Alibaba, financiam empresas menores que tenham sinergias com seus negócios ou potencial de mudar a forma como produtos e serviços são pensados e desenvolvidos. Levantamento da CB Insights, provedora de dados para a indústria de venture capital e investimento anjo, mostra que, nos Estados Unidos, o investimento em corporate venture avança a passos largos. Apenas no primeiro semestre, companhias americanas aportaram cerca de US$ 7 bilhões em Novembro 2014 C APITAL A BERTO 37 Capital empreendedor 316 empresas ao redor do mundo — um valor muito próximo a esse foi destinado em todo o ano de 2013 para 525 negócios. Por lá, o valor médio de investimento nesse tipo de negócio é de US$ 20 milhões. A aplicação pode ser feita tanto diretamente como por meio de um fundo de investimento em participações (FIP). Versão brasileira No Brasil, a desenvolvedora de softwares e plataformas digitais Totvs tornou-se a primeira empresa a criar uma estrutura de corporate venture. No começo de 2013, a Totvs Venture aportou R$ 3,2 milhões na empresa gaúcha de aplicativos móveis uMov.me, abocanhando 20% do capital. A investida oferece uma plataforma digital que permite criar ferramentas corporativas sem conhecimento de programação (os aplicativos ajudam as empresas a gerir questões internas, como vendas e logística, por exemplo). Na visão de Alexandre Trevisan, diretor-presidente da uMov.me, a grande vantagem do corporate venture em relação ao venture capital é a oportunidade de receber dinheiro junto com outros aportes que só uma companhia pode oferecer. “Além do capital, ganhamos acesso à rede de clientes da Totvs”, destaca. A investida não revela quanto cresceu desde que recebeu o aporte da Totvs, que tem no seu portfólio outras duas empresas de tecnologia: GoodData e Zero Paper. Se para o empreendedor o corporate venture é uma forma de estabelecer conexões poderosas desde o princípio, para a empresa é uma maneira de superar os limites do investimento próprio em pesquisa e desenvolvimento. “Grandes companhias têm uma série de procedimentos, controles internos e metas de curto prazo que tornam difícil o florescimento de ideias”, observa Filipe Borsato, gerente da área de capital empreendedor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Existe, afinal, uma dificuldade comum a essas organizações: elas são sufocadas pelo próprio tamanho. Os processos, a cultura e a mentalidade dos funcionários não se voltam à criação e ao teste de novos projetos, mas às metas de produtividade e à continuação de um modelo que já se mostrou bem-sucedido. Reside na empresa menor a disposição de errar até achar o caminho — e, não raro, é ali que surgem projetos revolucionários. Ao financiá-la por meio do corporate venture, a companhia investidora consegue criar vínculo com uma firma inovadora sem interferir em sua dinâmica ou sobrecarregá-la com burocracias que comprometam a agilidade. Isso explica também por que essa transação pode ser mais vantajosa do que uma aquisição. “Queremos desenvolver um bom ecossistema de negócios no setor”, afirma Karime Hajar, gerente de novos negócios da Totvs Ventures. Outra opção para empresas que querem investir em novos negócios é criar uma aceleradora. Essa estrutura é mais parecida com o capital semente ou o investimento anjo. Enquanto o corporate venture geralmente adquire participação acionária de uma companhia com ideia bem desenvolvida e 38 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Nas grandes organizações, os processos não são voltados à criação, mas à produtividade. Reside na empresa menor a disposição de errar até achar o caminho e, não raro, é nela que surgem projetos revolucionários modelo de negócios definido, a aceleradora entra num estágio anterior. O aporte de dinheiro geralmente ocorre por meio de debêntures conversíveis em ação. A ajuda, no entanto, não para por aí: a aceleradora também presta assessoria de negócios à investida, contribuindo para elaborar um plano de longo prazo, solucionar questões jurídicas e refinar o produto. A espanhola Telefónica apostou nesse modelo e conta com uma aceleradora própria, a Wayra. “Durante muito tempo, o setor de telecom viveu de vender SMS e ligação telefônica. Mas, com inovações tecnológicas que permitem às pessoas enviar mensagens de texto e conversar por meio da internet, esse modelo tem que ser repensado. Precisamos buscar inovação”, defende Carlos Pessoa, diretor da Wayra no Brasil. Diálogo desafinado Embora a teoria por trás da criação das aceleradoras e dos corporate ventures seja bonita e inteligível, a coexistência da cultura corporativa com a do empreendedorismo não é trivial. “Os setores de corporate venture e as aceleradoras precisam explicar com frequência aos diretores da empresa investidora que não estão fazendo um processo de fusão e aquisição (M&A), e que a investida precisará ter autonomia”, orienta Rodrigo Menezes, sócio do escritório Derraik & Menezes Advogados. O preparo para se reconhecer essa diferença ainda é questionado. “A comunidade empresarial, em linhas gerais, não tem conhecimento para negociar com empresas em estágio inicial”, analisa o executivo de uma companhia brasileira que planeja investir em startups. O desconhecimento não parte apenas dos empresários. Donos de startups, por vezes, não parecem se esforçar para compreender aspectos além de seus negócios. “Recebo muitos projetos com premissas irrealistas e termos jurídicos fora de contexto”, comenta Pessoa. “Para fazer sucesso, um empreendedor precisa ter um sonho, mas também ser resiliente ao lidar com o fracasso e buscar conhecimento”, ressalta Franklin Luzes, diretor da Microsoft Ventures no Brasil. Da parte dos novos empresários, há o receio de que as companhias investidoras tenham pouco apetite para assumir riscos, mesmo sabendo que lidam com empresas que têm grandes chances de dar errado. Noutras palavras, teme-se que busquem nos planos de negócios clareza quanto às projeções futuras de faturamento e lucro. “Por isso não temos um Google aqui”, alfineta Arthur Farache, diretor da Intoo, startup criada para facilitar o acesso a crédito para pequenas e médias empresas. Pessoa, da Wayra, rebate que nem sempre o modelo de negócio é uma condição imposta. “Me dou ao Bons roteiros mundo afora Conheça os gestores de coporate venture mais relevantes Google Ventures Começou a operar em 2009 e é o mais ativo do mundo hoje. Apresenta um portfólio com mais de 250 empresas de diversos setores, como comércio eletrônico, saúde e gestão de dados. Intel Capital Iniciado em 1991, já investiu US$ 11 bilhões em 1.370 empresas de 56 países diferentes. Fora dos Estados Unidos, a maior parte de seus investimentos ocorre em nações asiáticas. Lilly Ventures Ligado à farmacêutica Eli Lilly, investe em projetos de biotecnologia e tecnologia médica, principalmente nos Estados Unidos e na Europa. Não se destaca pelo tamanho — tem US$ 200 milhões investidos —, mas é reconhecido por ter surgido na hora certa: em 2001, ajudou a empresa a não perder o bonde das avançadas pesquisas em genética. Qualcomm Ventures É um dos mais ativos do mundo. No Brasil, apostou em ideias como o aplicativo de celular 99Taxis, que facilita o contato entre passageiros e taxistas. Microsoft Ventures Além de investimentos diretos, o Microsoft Ventures costuma aportar recursos em aceleradoras e fundos independentes, como as brasileiras AceleraTech e Accelera Partners. No início do ano, montou um FIP em conjunto com o Banco Espírito Santo para oferecer investimentos entre R$ 120 mil e R$ 3 milhões a startups brasileiras. luxo de correr risco cego em empresas sem faturamento, num percentual menor do portfólio”, conta. Luzes, da Microsoft, reconhece: “Não invisto em empresas que não geram caixa. Mas há, sim, quem fomente esse tipo de negócio”. The end Resta uma pergunta: ultrapassadas as barreiras contratuais e feito o investimento, a união entre empresa investida e companhia investidora precisa ser eterna? A resposta é não. As estratégias de desinvestimento são similares às de um fundo de venture capital ou private equity tradicional: venda para outro fundo ou empresa, ou abertura de capital. A diferença, aqui, é que a venda da investida tem chances consideráveis de ser feita para a própria investidora, ainda que não haja nenhuma obrigatoriedade de isso ocorrer. “Restringir as portas de saída seria confundir o corporate venture com M&A. Buscamos deixar claro que a aquisição pela Totvs não é o único caminho possível, tampouco o mais provável”, enfatiza Karime, da Totvs Ventures, que ainda não definiu qual será seu processo de saída da uMov.me e das outras investidas. Apesar de o discurso dos departamentos de corporate venture e das aceleradoras apontar para várias possibilidades de saída, o ponto não é pacífico. É comum os contratos firmados preverem o direito de última oferta à investidora. Isso significa que, se a investida receber uma oferta de compra ou fusão de outra empresa, ela deve apresentar essa mesma proposta à patrocinadora do corporate venture, dando-lhe a chance de apresentar uma contraproposta. “O problema disso é que muitas potenciais compradoras se veem desestimuladas a começar a negociação e perder tempo elaborando ofertas que tendem a ser superadas”, pondera um empreendedor que não quis se identificar. Obstáculos à parte, empresas e pessoas com desejo de apostar em novas ideias são uma boa notícia para qualquer país — e, principalmente, para uma nação como o Brasil. Emergentes precisam basicamente de um ingrediente para ingressarem no mundo desenvolvido: investimento. É esse capital que gera emprego, renda e permite mudanças sociais. O Brasil investiu, em 2013, apenas 18% do PIB, e a taxa deve cair este ano. Para efeitos de comparação, na Coreia do Sul, esse número atingiu 29%; no México, 22%. Assim, não há dúvidas de que os corporate ventures e as aceleradoras são bem-vindos por aqui. Nossos empreendedores agradecem. Corporate venture foi o tema do primeiro encontro do Grupo de Discussão Venture Capital e Empreendedorismo, realizado em outubro, em São Paulo. Veja mais em http://bit.ly/1tdpQk1. Novembro 2014 C APITAL A BERTO 39 Gestão de recursos Eles querem adrenalina Por Bruna Maia Carrion As aventuras dos gestores brasileiros que investem em junk bonds e créditos judiciais 40 C APITAL A BERTO Novembro 2014 H á muito dinheiro disponível no mundo, principalmente graças à intensa política de recompra de títulos de dívida soberana (quantitative easing) pelo banco central americano (FED). Seu congênere europeu, o BCE, cogita iniciar processo semelhante para reativar a economia do continente. Quando bonds soberanos, tradicionalmente seguros, passam a render tão pouco (a taxa de juros americana está em 0,25%), os títulos de dívida mais arriscados e potencialmente lucrativos, conhecidos como high yield bonds, se tornam atraentes. O interesse por esses ativos foi tão intenso ao longo de 2014 que criou uma bolha, recentemente estourada. De acordo com dados da Dealogic, houve US$ 22 bilhões em resgates líquidos de fundos high yield no ano até 27 de outubro — a maioria após agosto, quando o mercado se tornou mais volátil e Janet Yellen, presidente do FED, afirmou que o preço dos ativos estava um tanto exagerado. Tais questões parecem distantes da nossa realidade. Com uma taxa básica de Ilustração: Marco Mancini/Grau180.com Novembro 2014 C APITAL A BERTO 41 Gestão de recursos juros de 11% ao ano, diversas aplicações de renda fixa, como os títulos públicos, oferecem boa rentabilidade atrelada a baixo risco. Mas não tiremos conclusões precipitadas: o Brasil tem, sim, um pequeno grupo de gestores interessados no nicho de high yield bonds. JGP Crédito, ASK, Vision, Blackwood e G5 Evercore são exemplos de gestoras brasileiras que atuam no setor. Enquanto nos Estados Unidos as firmas voltadas a esse nicho compram, basicamente, bonds com risco maior, aqui, para ter chances de alto retorno, é preciso expandir o cardápio. A JGP, por exemplo, foca títulos de dívida de empresas que podem ou não estar em recuperação judicial. Já a ASK se volta para fundos de investimento em direitos creditórios (FIDCs). E a Vision compra recebíveis de ações judiciais ganhas contra companhias ou o Estado (precatórios) ou de empresas em recuperação judicial. Nos três casos, entretanto, há uma preocupação em ter um pouco de cada um desses investimentos no portfólio. A maioria dessas casas surgiu nos últimos cinco anos e tem uma história similar à de muitas gestoras de recursos criadas recentemente para investir em ações. Foram fundadas por ex-funcionários de instituições financeiras que decidiram juntar seus milhões e gerir os próprios fundos. Uma de suas peculiaridades é contar com departamentos jurídicos robustos, com seis a oito pessoas dedicadas a analisar termos de decisões e sentenças judiciais ou avaliar o risco de perda na compra de um crédito de uma empresa com problemas financeiros, por exemplo. Uma das principais motivações para investir em high yield é o desejo de estar num setor com menos competidores. “Das companhias listadas em bolsa, considero apenas 42 C APITAL A BERTO Novembro 2014 30 realmente boas e líquidas. É muito pouco produto para os milhares de fundos que existem no mercado”, observa Valério Marega, sócio da ASK Brasil, que possui hoje patrimônio de R$ 156 milhões. “Nosso objetivo é montar uma carteira que renda de 25% a 30% ao ano. Pretendemos oferecer mais que os 17% a 25% dos fundos de private equity, já que nosso risco é maior”, acrescenta. Uma das peculiaridades do high yield no Brasil é justamente uma exigência mínima de retorno muito superior à existente em países desenvolvidos. Nos Estados Unidos, por exemplo, os títulos que se encaixam nessa categoria são aqueles com nota de crédito abaixo de BBB, de acordo com o padrão das agências Standard & Poor’s e Fitch, e da categoria BAA da Moody’s. Uma estimativa da corretora e gestora de investimentos Charles Schwab informa que esses títulos rendem, em média, 5,5% ao ano. Por aqui, as notas de crédito ficam em segundo plano; importa mais a rentabilidade dos ativos. “Considero high yield o que rende taxa DI mais 5%”, define Rafael Fritsch, chefe de investimentos da área de crédito da gestora JGP, com R$ 168,5 milhões em ativos sob gestão. Fritsch geriu por dez anos títulos de high yield no exterior, em instituições como J.P. Morgan, Deutsche Bank e Bank of America, e retornou ao Brasil em 2009. “Quando comecei a trabalhar com isso, o mercado de crédito no Brasil ainda era pequeno. Hoje está bem maior, mas ainda há poucas gestoras e profissionais interessados”, diz. De fato, o crédito privado se expandiu no País: estatísticas do Banco Mundial mostram que ele correspondia a 31,7% do PIB em 2000 e cresceu para 70,7% em 2013. Público qualificado Por investir em ativos arriscados e exigir longos períodos para resgate — na Vision, o prazo de maturação do fundo é de até cinco anos —, os high yields locais são destinados a investidores qualificados e exigem aporte mínimo de, pelo menos, R$ 1 milhão. A Vision, que gere cerca de R$ 4,4 bilhões, parte deles investidos em madeira de reflorestamento, em terras e no setor imobiliário, tem como clientes apenas estrangeiros interessados em crédito no Brasil. “Buscamos investidores institucionais, como fundos de pensão, e family offices”, conta Amaury Fonseca Júnior, sócio da Vision. Na ASK e na JGP, os family offices e os investidores institucionais, tanto locais como estrangeiros, também são os principais cotistas dos fundos. “High yield é uma decisão natural de qualquer um que queira fazer uma alocação diversificada”, comenta Christian Sant’Anna, sócio e gestor da Titan Capital, que gere fortuna de famílias. Ele aplica entre 5% e 8% do patrimônio de R$ 106 milhões da Titan em seis gestoras que buscam oportunidades em créditos, principalmente FIDCs. Difícil de recuperar Quem aposta nesse mercado sabe bem que as dificuldades são grandes. Uma delas é comum a todos os que lidam com renda fixa: falta liquidez para negociar os títulos no mercado secundário. Isso se reflete no tempo de resgate do investimento — os fundos da JGP, por exemplo, são fechados para retiradas por dois a cinco anos. Outro desafio diz respeito à resolução de insolvências. O Brasil está em 135o lugar no ranking do Banco Mundial nesse quesito. A Lei 1.1101, conhecida como Lei de Falências, editada em 2005, ajudou a resolver a questão ao criar a figura da recuperação judicial. Ela blinda a empresa contra credores por 180 dias, período em que pode se concentrar na solução de seus problemas financeiros. Dados da consultoria Corporate Consulting publicados em outubro de 2013, contudo, revelavam que apenas 50 das 4,2 mil companhias que entraram com o processo de recuperação desde a edição da lei até outubro de 2013 conseguiram escapar da bancarrota. O Brasil tampouco está bem colocado em relação à recuperação de créditos insolventes. Segundo dados do Banco Mundial, para cada US$ 1 devido no País, apenas US$ 0,195 é recebido pelo credor, em média, depois de quatro anos. Nos Estados Unidos, é US$ 0,815 em um ano e meio; no México, US$ 0,676 em um ano e dez meses; na Argentina, US$ 0,308 em dois anos e meio. “O papel dos credores na renegociação da dívida nos Estados Unidos é mais ativo. Mesmo os sindicatos entram na negociação para resolver passivos trabalhistas rapidamente”, explica Fritsch. A baixa chance de recuperação das companhias não só amplia o risco como prejudica a imagem dos gestores especializados em ativos de alto risco, muitas vezes apelidados de abutres. “A melhor coisa que pode acontecer para nós é a empresa se recuperar. Assim, nosso percentual de ganho aumenta de maneira significativa”, destaca Marega, da ASK. Recentemente, a gestora fez algo até então inédito em sua rotina. Prestou assessoria a uma empresa com dificuldades, cujos créditos havia adquirido. “Fomos cobrá-la e percebemos que a companhia era boa e queria melhorar sua situação. Ajudamos a resolver os problemas, e ela foi vendida com lucro”, relata. Outro problema enfrentado pelos profissionais que administram títulos de dívida arriscados é a pouca especialização do Judiciário nacional para trabalhar com casos de recuperação judicial e com investidores que compram créditos podres. “Aos poucos, os juízes brasileiros estão se acostumando à existência de credores como nós. Há alguns anos, éramos completamente desconhecidos”, lembra Fonseca Júnior, da Vision. Sinal de que, aos poucos, os gestores brasileiros de high yield estão ganhando visibilidade. Tudo o que eles querem é ser reconhecidos por realizar um ofício que não entusiasma a maioria. LL.M. em DIREITO EMPRESARIAL Inscrições abertas início em Março de 2015 Horário diferenciado Duração de 24 meses, com opção de conclusão em 18 meses. Aulas quinzenais durante a semana. www.iics.edu.br Rua Martiniano de Carvalho, 573 | SP tel. +55 (11) 3177.8385/8396 | facebook.com/direitoiics Novembro 2014 C APITAL A BERTO 43 Investimento responsável Sustentabilidade com cifras Quem são e como agem as companhias que extraem bons lucros a partir de investimentos ESG U Por Mitchel Diniz ma companhia de capital aberto que decida construir uma nova fábrica tem, pelo menos, três informações essenciais a transmitir aos investidores. São elas: as premissas do investimento, seu custo e o retorno financeiro esperado. Curioso observar que essa mesma comunicação não é usada em projetos voltados às áreas social, ambiental e de governança (ESG, na sigla em inglês), como mostra um estudo feito pela consultoria espanhola Management & Excellence (M&E), divulgado com exclusividade para a capital aberto. Digamos que a mesma empresa que construiu a fábrica decida investir em ecoeficiência, implantando tecnologias para reduzir o consumo de água e energia. A quantia aportada no projeto decerto chegará ao conhecimento dos investidores, porém dificilmente se divulgará uma projeção do retorno financeiro. “As informações são apresentadas, mas de modo pouco atraente para o investidor”, constata William Cox, presidente 44 C APITAL A BERTO Novembro 2014 da M&E. No estudo, a consultoria relaciona os investimentos feitos pelas companhias em fatores ESG aos resultados financeiros obtidos (veja as tabelas na página 46). Foram definidos quatro tipos de investimento — remuneração de executivos, treinamento de pessoal, meio ambiente e áreas social e cultural — e analisadas três empresas que investem significativamente em cada um deles. O primeiro item observado foi a remuneração dos executivos. Com um múltiplo simples, a M&E compara o lucro líquido da organização com o salário pago aos diretores. A Ambev obteve a melhor performance nesse quesito ao ser comparada com Bradesco e Itaú. No ano passado, cada R$ 1 que a fabricante de bebidas gastou com os executivos gerou um retorno de R$ 186,18. A empresa superou o desempenho dos bancos Itaú (R$ 100,04) e Bradesco (R$ 27,53), que ficaram em segundo e terceiro lugar, respectivamente. A JBS ganhou a liderança no aspecto de eficiência ambiental ao ser observada ao lado de outras duas companhias com elevado risco ambiental e que, portanto, tendem a se beneficiar de investimentos nessa área (BRF e Cemig). Para cada R$ 1 gasto com o meio ambiente, a companhia obteve R$ 36,74 em lucro líquido em 2013, quase cinco vezes mais que sua concorrente BRF (R$ 7,59). As despesas englobam o investimento em tecnologias para verificar a procedência da matéria-prima animal e garantir a ecoeficiência das plantas industriais. A SulAmérica registrou o melhor retorno no múltiplo de gestão sustentável, que relaciona os gastos com treinamento ao lucro líquido por funcionário. As três companhias analisadas (SulAmérica, Itaú e Embraer) são reconhecidas por atuarem em negócios que exigem alto nível de conhecimento. Quanto mais elevado o percentual, maior a despesa com esse item em relação ao retorno e, portanto, menor a eficiência. Na empresa de seguros, a proporção obtida foi de 0,46%. O segundo lugar foi do Itaú, que registrou 0,74%, seguido pela Embraer, com 2,41%. O Itaú obteve a maior eficácia social e cultural em comparação a Cemig e Klabin: cada R$ 1 investido nesse segmento em 2013 contribuiu com R$ 484,60 para a receita da empresa — quase nove vezes mais que o retorno da segunda colocada, a Cemig (R$ 56,50), e 14 vezes o da terceira, a Klabin (R$ 33,04). Governança certa Ilustração: Beto Nejme/Grau180.com A proximidade do comando social, ambiental e de governança com a alta administração é uma característica comum nas empresas que mais extraem valor dos investimentos em práticas ESG. Na JBS, o diretor de sustentabilidade Márcio Nappo responde diretamente a um comitê dedicado ao tema que, entre seus membros, conta com o CEO Wesley Batista. A presidência do órgão fica a cargo de João Ferraz, conselheiro de administração da JBS. “As decisões mais importantes na área de sustentabilidade chegam ao nível do conselho por meio desse comitê”, observa Nappo. Na Ambev, as equipes de relações com investidores (RI) e sustentabilidade sentam, fisicamente, no mesmo escritório, uma ao lado da outra. “Cada vez mais há interesse dos investidores em conhecer os projetos de sustentabilidade e entender quais resultados operacionais e financeiros eles trazem”, afirma Marino de Lima, gerente de RI da Ambev. Práticas de governança e sustentabilidade renderam à SulAmérica dois novos acionistas em 2013. Segundo o vice- -presidente de relações com investidores da companhia, Arthur Farme D’Amoed Neto, esses foram aspectos considerados pela resseguradora Swiss Re e pela Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), braço financeiro do Banco Mundial, para investir na companhia de seguros. “A principal diretriz é e nunca deixará de ser financeira. Mas, havendo a indicação de que o ativo pode ter desempenho satisfatório, as práticas de sustentabilidade são valorizadas”, considera. Na SulAmérica, as áreas de RI e sustentabilidade estão debaixo da vice-presidência de controle e relações com investidores. Dessa forma, seguem a mesma orientação estratégica e gozam de sinergia funcional, relata D’Amoed Neto, que há algum tempo mantém contato com investidores SRI (aqueles que aplicam em investimento socialmente responsável, conforme a sigla em inglês). Nos Estados Unidos, esse tipo de escolha financeira acelerou após a crise de 2008, com o aumento do apetite dos investidores por aplicações criteriosas, dotadas de maior nível de governança, apelo social e preocupação ambiental. Números de 2012 estimam que os ativos sob gestão dos investidores SRI nos Estados Unidos somem US$ 3,74 trilhões. Na Europa, maior mercado desse tipo de investimento do mundo, o valor alcança € 6,70 trilhões. Estágio embrionário Na América Latina, o investimento socialmente responsável é recente. O Brasil, assim como outros emergentes, ainda abocanha uma fatia tímida do dinheiro voltado a esse tipo de aplicação. “Apesar do alto grau de desenvolvimento da governança no Brasil, dos índices de sustentabilidade da Bovespa e Novembro 2014 C APITAL A BERTO 45 Investimento responsável dos elevados recursos aplicados em sustentabilidade pelas empresas blue chips, os investidores SRI têm dado relativamente pouca atenção à região”, comenta o estudo da M&E. As empresas trabalham para reverter esse quadro. “Este é um público com o qual todas as companhias de capital aberto estão aprendendo a lidar e a entender suas prioridades e interesses”, destaca Marino de Lima, da Ambev. Até o fim do ano, o Itaú fará um roadshow na Europa para que suas ações Proporção do gasto com treinamento sobre o lucro líquido por empregado ganhem espaço no portfólio dos investidores SRI. Uma das credenciais do banco é o fato de integrar renomados índices de sustentabilidade. “Estamos no Dow Jones Sustainability Index e no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da BM&FBovespa. É uma pré-condição para estar sentado de frente para essa turma”, conta Marcelo Kopel, chefe de RI da empresa. Em abril, o Itaú passou a ser a primeira instituição financeira do Brasil a lançar um relatório anual de acordo com a metodologia proposta pelo Comitê Internacional para Relatos Integrados (IIRC). Há outras na fila. Com o intuito de evidenciar como os gastos com questões ESG impactam o negócio, Nappo, da JBS, diz que a companhia pretende adotar o modelo de relato integrado. “É o mundo ideal. Você deixa de olhar duas coisas distantes e, a partir do mesmo número, consegue enxergar o resultado de curto prazo e a perspectiva de longo prazo”, analisa. Se temos empresas exemplares no investimento ESG, o que falta, então, para o Brasil entrar no radar dos fundos socialmente responsáveis? Na opinião de Erika Karp, presidente do Cornerstone Capital Group, especializado em sustentabilidade financeira, ainda tropeçamos na letra G. “Existem melhores práticas, mas também algumas piores práticas nas empresas brasileiras. Se repararmos na governança, na estrutura acionária de algumas empresas, há casos bastante problemáticos”, frisa a executiva, que cita a instabilidade macroeconômica e as incertezas políticas como outros obstáculos à chegada de aplicadores SRI no País. Empresa Colocação Retorno Boa pedida SulAmérica 1 0,46% Itaú 2 0,74% Embraer 3 2,41% Lucro e boas ações Conheça as companhias que se destacaram nos itens avaliados pela consultoria espanhola M&E em 2013 Retorno com governança Lucro líquido dividido pelo salário da diretoria Empresa Colocação Retorno Ambev 1 R$ 186,18 Itaú 2 R$ 100,04 Bradesco 3 R$ 27,53 Retorno com gestão sustentável Retorno com eficiência ambiental Lucro líquido dividido pelas despesas com meio ambiente Empresa Colocação Retorno JBS 1 R$ 36,74 Cemig 2 R$ 25,87 BRF 3 R$ 7,59 Retorno com eficácia social e cultural Lucro líquido dividido pelo investimento nas duas áreas Empresa Colocação Retorno Itaú 1 R$ 484,60 Cemig 2 R$ 56,50 Klabin 3 R$ 33,04 46 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Os múltiplos que norteiam o estudo da M&E dão uma dimensão mais precisa da solidez financeira e da performance dos projetos de sustentabilidade empresarial. É com esse tipo de dado que a consultoria mede o desempenho das companhias do índice LatinFinance Brazil Stars, criado em 2009. A carteira é composta atualmente de 16 companhias brasileiras; em cada uma delas, até 840 indicadores são analisados. “Quantificamos a gestão de todos os processos sustentáveis”, explica William Cox. Os dados definem o peso de cada empresa no índice, que, de dezembro de 2009 a julho de 2014, acumula performance 64% superior ao Ibovespa. O bom resultado não chega a ser uma novidade. De acordo com a M&E, diversos estudos feitos na última década apontam que empresas altamente comprometidas com padrões ESG registram retornos melhores do que aquelas desligadas dessas práticas. Em 2009, segundo pesquisa do Fórum de Investimento Social, 75% dos fundos SRI tiveram performance superior ao do S&P 500. Além de ter um desempenho em bolsa melhor, essas companhias costumam exibir resultados mais positivos e trabalhar com custos de capital reduzidos. Não se devem esperar impactos financeiros de curto prazo para os investimentos ESG, entretanto. Somente o tempo é capaz de referendar o valor de políticas sustentáveis. Os próximos quatro anos O que esperar para a infraestrutura com a reeleição de Dilma Rousseff? O debate eleitoral para a Presidência da República se pautou por alguns temas centrais. Destacam-se, aí, o desempenho econômico do País e a qualidade da infraestrutura, que foram constantemente relacionados como efeito e causa de um dos principais desafios para os próximos anos. O que devemos, então, esperar de mais um mandato de Dilma Rousseff? Desde quando ela assumiu o comando do Executivo federal, o tema da infraestrutura pautou de forma recorrente o discurso do governo. Isso não se pode negar: a problemática da infraestrutura — uma realidade de grande déficit — foi reconhecida no primeiro mandato da presidente reeleita. Os resultados dessa preocupação, também se admite, não foram tão expressivos quanto desejado. A contemplação de algumas hipóteses para os resultados abaixo do esperado, bem como de seus reflexos sobre o desempenho econômico brasileiro, faz notar que o modelo jurídico-institucional das principais atividades do setor sofreu relevantes modificações, especialmente para concentrar competências centrais nos agentes do setor público. Mudanças nos setores de energia elétrica, petróleo, ferroviário e portuário foram bastante marcantes. Por consequência, a fragilidade no planejamento para o setor ganhou relevo. Em paralelo, a primazia declarada às reduções de preço e tarifa ao consumidor final conduziu a política pública ao uso expressivo de subsídios, majorando a utilização de recursos governamentais para financiar a infraestrutura. Esse movimento interferiu diretamente na construção de um mercado privado robusto para financiar o setor. O próprio governo federal já havia reconhecido, entretanto, o ciclo vicioso que criara, assim como a necessidade de encerrá-lo. Nos próximos quatro anos, pode-se imaginar que o investimento em infraestrutura continuará a protagonizar o discurso do governo federal — e de todo o País. O nível de investimentos tende a aumentar, especialmente pela possibilidade de dar continuidade aos programas anunciados no primeiro mandato e ainda não concluídos. Nesse mesmo rumo, a participação pública no setor deve crescer, O nível de investimentos tende a aumentar, junto com a participação pública no setor especialmente se confirmadas as perspectivas de aumento do risco aos olhos dos investidores privados. O cenário do novo mandato, portanto, não é devastador. Ao passo atual, contudo, os resultados também não devem animar muito. Se é possível dar conselhos, registramos que o setor demanda imediato fortalecimento de suas instituições, reduzindo a centralização governamental e majorando a autonomia das agências reguladoras, que também precisam reduzir o aparelho de governo nelas inserido. O planejamento deve ser reestabelecido, com o fim dos programas tirados da cartola da noite para o dia. Por último, também parece que a crescente participação de órgãos de governo no centro dos setores e projetos de infraestrutura tende a enfraquecer a participação privada com a qualidade esperada, reduzindo consideravelmente os benefícios dessa opção. Recomenda-se, assim, uma mudança de paradigma e não um incremento de ações desconexas. Por Rosane Menezes Lohbauer (rosane.menezes@ mhmlaw.com.br) e Rodrigo Sarmento Barata ([email protected]), respectivamente sócia e advogado do MHM Advogados Infraestrutura é um informativo bimestral produzido por MHM Advogados e veiculado com exclusividade pela CAPITAL ABERTO. Alta&Baixa Por João Carlos de Oliveira 40 37,07 Caminho pedregoso Banco do Brasil 2/9/2014 23,57 30 24/4/2014 28,10 21,46 21/5/2014 20 Cotações no fechamento (em R$) Alta do spread e dos lucros impulsiona ações, mas inadimplência é ameaça iminente 48 C APITAL A BERTO Novembro 2014 para cada US$ 1 mil de papéis antigos. Os analistas consideravam a operação favorável, embora complexa. Porém, o prazo para a troca terminou em 21 de outubro e, no dia seguinte, o negócio foi cancelado por falta de adesão. Um dos motivos seria a cautela do investidor devido à eleição. Quem mais comprou Investidores que mais aumentaram a participação em ações ON do BB Quem entrou Numa trajetória cheia de altos e baixos, o papel do Banco do Brasil (BB) acumula valorização de 28,5% no ano, até 10 de outubro. É a força dos resultados. Em setembro, logo depois de a instituição ter divulgado o balanço do segundo trimestre, o Credit Suisse mudou sua recomendação de neutra para compra, por causa da expectativa de uma relação favorável entre risco e retorno. O spread (diferença entre o juro pago pelo banco para se financiar e aquele cobrado do consumidor) subiu 2,9 pontos no primeiro trimestre e 4,2 no período seguinte, chegando a 7,5% — ainda menor que o dos bancos privados. Os resultados refletiram o acréscimo: o lucro da instituição no segundo trimestre atingiu R$ 2,8 bilhões, superando as estimativas em cerca de R$ 400 milhões. Até o último dia 22, havia outro motivo importante para a alta: a possibilidade de o capital ser elevado com baixo risco de diluição dos investidores, segundo o BTG Pactual. A estratégia era trocar títulos de dívida emitidos pelo banco em 2012 (cerca de R$ 8,1 bilhões) por títulos novos que poderiam ser contabilizados como capital. Para incentivar o acionista a participar da oferta, o BB ofereceu US$ 1.180 em novos bônus 21/10/2014 Gestora Valor investido 31/3/201430/6/2014 XP Gestão de Recursos 50 1.553 Solidus Administração de Patrimônio 958 21.754 Fator Administração de Recursos 78 1.409 JGP Gestão Patrimonial 0 7.294 Atmos Capital 0 5.356 Mercatto 0 5.177 Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições finais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 30/6/2014 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição. No início do governo Dilma Rousseff, o BB foi usado como uma espécie de aríete para derrubar as taxas de juros bancárias. Essa política fez a parcela da instituição no mercado de crédito brasileiro crescer para 21,3%. Entretanto, como lembra Felipe Silveira, da Coinvalores, o índice de inadimplência na instituição avançou. No segundo trimestre, cresceu 0,2 ponto percentual, enquanto nos bancos privados o calote regrediu 0,4 ponto. Outro sinal negativo foi o aumento de 8,3% nas provisões para devedores duvidosos feitas pelo banco, atingindo R$ 4,57 bilhões. Para complicar, o governo anunciou que pretende sacar R$ 3,5 bilhões de recursos do Fundo Soberano para quitar dívidas, com grande impacto no BB. O veículo possui R$ 4,3 bilhões, dos quais R$ 3,8 bilhões em participação acionária no banco estatal, de acordo com a CVM. Até agora, contudo, o Tesouro informou ter vendido entre 29 de agosto e 10 de setembro R$ 178,9 milhões em ações — quase nada. Ainda que a efetivação do negócio completo não tenha sido descartada, muitos analistas passaram a acreditar que o projeto será abandonado, dada a desvalorização que trará para o preço do papel. A dúvida, contudo, permanece. Triunfo 10 9,49 Bolachas estragadas 15/5/2014 5,21 8 6 21/10/2014 8,96 22/4/2014 5,50 17/9/2014 4 Cotações no fechamento (em R$) Companhia de infraestrutura vive as dores da diversificação, com despesas e dívidas graças aos preços bastante altos praticados no mercado de venda à vista. E a companhia continua investindo no setor: em agosto, assumiu a concessionária da hidrelétrica de Três Irmãos, em São Paulo. Há bolachas, porém, que estragam o pacote, com gastos altos e dívidas. Uma Quem mais vendeu Investidores que mais reduziram a participação em ações ON da Triunfo Quem saiu Quem compra os papéis da Triunfo Participações e Investimentos adquire um pacote de investimentos em infraestrutura. Neste ano, ele não rendeu: a ação acumulava perda de 38% até o último dia 10. O agrupamento pode ser visto como uma fragilidade, já que normalmente o próprio investidor gosta de montar sua estratégia de diversificação de risco. Mas a Triunfo montou a dela, unindo os interesses de seus controladores: a holding THP (55,4%) e a BNDESPar (14,8%). Fundada em 1999, a companhia está presente em nove estados e atua nos segmentos de concessão rodoviária — responsável, no segundo trimestre, por 57% de suas receitas —, administração de aeroportos (leia-se Viracopos), gestão portuária e geração de energia. Ela acabou de descontinuar seus investimentos em cabotagem. Neste ano, o setor que exibiu a melhor performance foi o de energia: no primeiro trimestre, registrou margem Ebitda de 87,2%. As receitas de venda cresceram 83,6% na segunda metade de 2013 e, agora, a área responde por 15% da receita líquida total. Os ganhos foram possíveis com o início da operação da usina hidrelétrica no rio Canoas num momento particularmente favorável, Gestora Valor investido 31/3/201430/6/2014 Caixa 3.121 1.232 Sparta 1.087 586 Iguana Investimentos 2.180 1.566 Nenhuma gestora com mais de R$ 1 milhão se desfez de sua posição no período. Fonte: Economatica. Foram consideradas as posições iniciais superiores a R$ 1 milhão. Valores em R$ milhares. Obs.: Os dados de 30/6/2014 eram os últimos disponíveis até o fechamento desta edição. delas é a administração de rodovias. O incremento no tráfego (4,4%) e o reajuste nas tarifas dos pedágios (4,6%) elevaram em 9,8% as receitas oriundas de concessões no segundo trimestre. Isso, no entanto, não compensou as despesas (excluindo custos de construção e provisão para manutenção, depreciação e amortização), que subiram 14,1%. Outro exemplo: no segmento portuário, o volume da movimentação de contêineres caiu 1,9% no acumulado dos primeiros oito meses de 2014. No segundo trimestre, o Ebitda ajustado do setor caiu 12,2%, enquanto a alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda anual) subiu para 2,21 vezes, contra apenas 0,83 vez no período anterior. Já em Viracopos, o transporte de passageiros galgou 5,5% — um reflexo positivo da Copa —, enquanto a movimentação de carga recuou 9,4%. A receita líquida total com o aeroporto se expandiu 7,3% entre o primeiro e o segundo trimestre. Só que a alavancagem passou de 9,4 para 10,3 vezes no mesmo período. A escolha das companhias para esta seção é feita a partir de um levantamento da Economática com a oscilação e o volume negociado mensalmente por ações que possuem giro mínimo de R$ 1 milhão por dia. A partir daí, são escolhidas aquelas que se destacam pelas variações positivas e negativas nos últimos seis meses. Novembro 2014 C APITAL A BERTO 49 Notas I nternacionais Por Bruna Maia Carrion Captações com DRs voltam a crescer Todo mundo sabe que o Alibaba captou US$ 25 bilhões em seu IPO, em setembro. O detalhe é que não eram ações, e sim recibos de ações: American depositary receipts (ADRs). Para os bancos depositários, como BNY Mellon, Citi, Deutsche e J.P. Morgan, a oferta do site chinês é, sem dúvidas, uma excelente propaganda. Contudo, em razão do recente aumento do volume captado via DRs, eles podem se dar ao luxo de tirar a empresa da lista, para que o gigantismo não distorça a estatística. No primeiro semestre, 41 captações globais por meio de recibos totalizaram US$ 9,1 bilhões, montante bastante superior ao arrecadado no mesmo período de 2013: US$ 3,6 bilhões. Desde 2011, o mercado de DRs vinha decaindo. Naquele ano, foram captados US$ 14,8 bilhões em 51 operações; em 2012, 31 ofertas totalizaram US$ 12,6 bilhões. No ano passado, embora o número de captações tenha sido igual ao de 2011, o volume foi menor (US$ 10,4 bilhões). A maioria das captações com recibos de ações em 2014 veio da China e da Rússia, seguidas pelo Brasil. Em abril, a Oi levantou US$ 1,1 bilhão por meio de ADRs — e foi a única empresa local a se aventurar no uso de DRs em 2014. “Passou a época em que os investidores queriam investir no País. Agora, as empresas brasileiras têm que fazer um esforço de venda. É um processo natural em economias emergentes mais maduras”, disse à capital aberto Christopher Kearns, CEO da divisão de DR do BNY Mellon. Na visão de Kearns, o baixo crescimento da economia brasileira e a incerteza trazida pelas eleições constituem o principal motivo tanto para o baixo número de IPOs na bolsa local como para a baixa emissão de recibos fora do Brasil. De acordo com ele, algumas empresas nacionais desistiram de emitir DRs este ano por causa do cenário desfavorável, mas devem retomar os planos em 2015. Ilustrações: Rodrigo Auada Índice apontará investidores que Proporção de mulheres em aplicam em companhias poluentes conselhos é recorde nos EUA Um novo índice pretende expor os investidores institucionais que colocam dinheiro em companhias poluentes, com o objetivo de envergonhá-los. A iniciativa inusitada partiu da organização não governamental Asset Owners Disclosure Project (AODP), voltada a alertar investidores sobre os riscos de longo prazo trazido por mudanças climáticas. Com o nome de Global Climate Investment Index, o índice estará no ar em 2015. A ideia é analisar os portfólios de investidores institucionais que, somados, aplicam mais de US$ 70 trilhões e têm participações relevantes em mais de metade das companhias listadas globalmente. A maioria dos gestores analisados será composta de fundos de pensão. De acordo com o AODP, apenas 2% dos recursos sob gestão das mil maiores fundações do mundo são investidos em empresas com baixa emissão de carbono. 50 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Nunca tantas mulheres foram indicadas para ocupar cadeiras em conselho de administração quanto em 2014. Dos candidatos a uma vaga no board das empresas do S&P 500, 30% eram do sexo feminino; em 2008, elas eram apenas 15%. Os dados foram divulgados pela Institutional Shareholder Services (ISS), maior consultoria de voto do mundo. A proporção de mulheres presentes nos conselhos também cresceu, embora ainda seja inferior a um quinto. Precisamente 18,7% das cadeiras das principais companhias americanas são ocupadas pelo público feminino; há três anos, eram 16,3%. Pelo mundo, o número de conselheiras aumenta de forma consistente. Entre as companhias do índice FTSE 350, que reúne as principais empresas da London Stock Exchange, elas são 18,5% — em 2008, elas eram pouco mais de 10%. No Canadá, 14,6% das vagas são ocupadas por mulheres; na Austrália, 14,7%. Empresa de HFT terá de pagar US$ 1 milhão à SEC Consultorias de remuneração ganham relevância As consultorias de remuneração têm cada vez mais influência sobre o salário dos executivos. Na hora de aprovar o pacote de compensação dos administradores, 48% dos conselheiros americanos levam em conta o que pensam essas empresas, segundo a pesquisa Corporate Director’s Survey, da PwC. Em 2013, o número era consideravelmente menor: 36%. A sondagem ouviu membros do board de 863 empresas americanas. A explicação para isso é a importância que os acionistas e as empresas de recomendação de voto, como a ISS e a Glass Lewis, dão ao tema. A obrigatoriedade de ouvir a opinião dos investidores sobre os pacotes de remuneração na assembleia anual (say on pay), em vigor há quatro anos, também ajudou a compor esse cenário: 84% dos conselheiros participantes do levantamento consideram que a regra os fez prestar mais atenção nesse tópico. Curiosamente, apesar de toda a pressão exercida pelas consultorias de voto, elas são consideradas moderadamente influentes por 51% deles. A crítica a essas empresas foi intensa: oito em cada dez conselheiros as consideram generalistas e reclamam do fato de usarem padrões únicos para empresas diferentes. A Securities and Exchange Commission (SEC) anunciou, em 16 de outubro, um acordo de US$ 1 milhão com a firma de investimentos Athena Capital Research, por manipulação de mercado. O valor é relativamente pequeno. No ano passado, um processo por insider trading contra a SAC Capital, por exemplo, culminou no pagamento de US$ 602 milhões ao regulador. A novidade neste caso é que, pela primeira vez, uma gestora foi multada por manipular o preço de contratos futuros por meio de operações de alta frequência com algoritmos (HFT, na sigla em inglês). A Athena inundava o mercado com milhares de ordens de compra ou de venda nos últimos segundos de pregão — estratégia conhecida em inglês como “banging the close”. Ao fazer pressão nos preços para cima ou para baixo no fim do dia, a firma poderia conseguir um resultado favorável para papéis adquiridos ao longo do dia. Apesar de o litígio ter sido resolvido por meio de acordo, o evento mostrou que a SEC tem tecnologia para monitorar as atividades com HFT e está pronta para investigar e processar os suspeitos de manipulação. Bolsa de Joanesburgo facilita listagem de estrangeiras A Bolsa de Valores de Joanesburgo (JSE), na África do Sul, simplificou a listagem de empresas negociadas em pregões estrangeiros. Companhias que façam parte das bolsas Australia Stock Exchange, Nyse, Nyse Euronext, Toronto Stock Exchange e London Stock Exchange há pelo menos 18 meses poderão adotar um procedimento mais rápido de listagem secundária na JSE. A instituição sul-africana exigirá dessas companhias uma documentação menos volumosa. Em vez de entregar um prospecto completo, as empresas precisarão fazer um anúncio da oferta com informações resumidas. Assim, a JSE pretende atrair para seu pregão multinacionais que operam no continente africano. Índia é o país asiático com mais ativismo Nem Hong Kong nem Japão. O país asiático com mais ativismo é a Índia. Um relatório do BNP Paribas obtido pela imprensa indiana mostrou que, desde 2000, o mercado local teve seis casos emblemáticos de ativismo de investidores, seguido pelo japonês, com quatro. Na China foram dois e na Tailândia, um. A promulgação do Companies Act, no fim de 2013, deve aumentar ainda mais esse número, já que o país realizou várias reformas legais para melhorar a governança das empresas e empoderar minoritários. Os ativistas indianos têm buscado prevenir transações com partes relacionadas e intervenção estatal em empresas de capital misto. Um caso citado pelo relatório é a briga entre o fundo britânico The Children’s Investment Fund e a Coal India. O fundo reclama que o controlador da Coal — o governo — está mantendo os preços do produto baixos, na contramão do interesse dos demais acionistas. Acompanhe a seção Notas Internacionais no canal “Últimas Notícias” do site www.capitalaberto.com.br Novembro 014 C APITAL A BERTO 51 Antítese A Bolsa de Hong Kong errou ao negar o IPO do Alibaba? A Bolsa de Valores de Hong Kong recusou o registro de abertura de capital do Alibaba, o maior IPO na história do mercado de capitais (US$ 25 bilhões), por fidelidade à norma de “uma ação, um voto”, prevista em seu regulamento. Conforme a instituição, os acionistas da empresa chinesa de comércio eletrônico terão pouco controle sobre a administração, uma vez que seu fundador e 30 executivos do grupo indicarão a maioria dos membros do conselho de administração. Seria elogiável a postura de Hong Kong, ao se manter coerente com seu princípio, mas não é razoável. Assim como a maior parte de suas similares pelo mundo, ela é uma empresa com fins lucrativos, registrada como companhia aberta em seu próprio pregão. Mas para ela não vale a regra de um voto por ação. Seis dos doze membros de seu conselho, além do presidente do órgão, são indicados pelo governo de Hong Kong, que não possui ações da empresa. Há outras situações previstas no regulamento da Bolsa que, em nome do interesse público ou da proteção ao investidor, ignoram esse princípio. Aliás, ela já admitiu exceções ao preceito noutras ocasiões. Assim, soa quixotesca a postura que impediu à instituição e a seus acio- nistas receber os benefícios, em seu mercado, trazidos pelo registro do IPO gigantesco, apenas porque seus títulos não obedecem à proporcionalidade entre condição econômica e poder político. Renunciou a uma receita que pode ser a mais importante entre aquelas proporcionadas pelos títulos transacionados em seu pregão. Além de prejudicar os sócios, privou o mercado local de recursos que certamente seriam importantes para se desenvolver. Por último, mas não menos importante, dificultou o acesso do investidor chinês às ações do IPO. A importância do Alibaba é inquestionável. A empresa movimenta 80% do volume de comércio eletrônico da China. Além disso, seus usuários negociaram US$ 250 bilhões em seus sistemas, mais do que os volumes de Amazon e E-Bay somados. Eram 279 milhões de clientes em junho, número 50% maior que o observado doze meses antes. Analistas estimam que suas vendas subam 30% ao ano no futuro próximo, dado o rápido crescimento da atividade de e- -commerce e a ainda baixa penetração da internet na China. A regra “uma ação, um voto” representa a essência do capitalismo: quem tem mais dinheiro pode ter mais capital acionário e, assim, mais poder no comando das companhias abertas. Mas sua observância não é tão rigorosa nos mercados — nem mesmo no americano, considerado o mais eficiente. Diferentes tipos de ações de uma mesma empresa são frequentemente admitidos à negociação e, em muitos casos, observa-se que os preços dos papéis se movimentam mais atrelados a resultados e governança do que aos diferentes poderes. Diante desses prognósticos, e das exceções a sua regra, fica difícil defender a posição assumida pela bolsa da cidade chinesa. Por não possuir um mercado capaz de competir com o maior do planeta, que é o americano, a comissão a ser paga pelo Alibaba deveria ter ainda mais importância para a Bolsa de Hong Kong. Será que essa receita não seria relevante para ela persistir, com ainda mais força, na defesa dos princípios que diz defender? Além de prejudicar seus sócios, privou o mercado local de recursos importantes Gilberto Biojone ([email protected]) é consultor e ex-superintendente geral da Bovespa 52 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Uma ação, um voto. Provavelmente foi esse o principal motivo considerado pela Bolsa de Hong Kong para recusar o IPO do Alibaba. E, no contexto da proposta, acertou em fazê-lo. O mercado de capitais tem evoluído positivamente ao exigir de companhias e controladores boas práticas de governança corporativa, baseadas em princípios como transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Nesse sentido, políticas discriminatórias e tratamento desproporcional entre acionistas são inaceitáveis. O poder político deve sempre guardar relação com o capital investido, como forma de conferir equilíbrio nas relações estabelecidas entre acionistas, companhia, gestão e demais stakeholders. Somente esse equilíbrio propicia um efetivo alinhamento de interesses. Apesar de a oferta inicial do Alibaba, desde o seu planejamento, ter sido apontada como a maior da história, a Bolsa de Hong Kong ousou recusar a listagem. Ao fazê-lo, prestigiou princípios e regras, embora tenha cogitado sua revisão ou flexibilização, no que foi desestimulada pelo órgão regulador local. Caso fosse processada, a revisão, além de possibilitar a desobediência de um princípio basilar de governança corpora- tiva, geraria uma profunda insegurança jurídica. E, ao invés de fomentar o mercado de capitais local, estaria destruindo o valor da praça ao permitir que o poder político fosse desproporcional ao risco econômico assumido. O regulador local, ao posicionar-se fortemente em favor das boas práticas de governança corporativa, demonstrou que a defesa do investidor é a principal ferramenta para manter um mercado sadio e confiável. O Alibaba teve, então, que procurar outra bolsa, e realizou a maior abertura de capital da história. Nesse cenário, chama a atenção a firmeza de propósito das partes: Hong Kong, que manteve seu regulamento íntegro, e o Alibaba, que permaneceu firme com sua proposta de IPO, sem equilíbrio entre capital e direito de voto. Quem desprestigia o princípio “uma ação, um voto” costuma argumentar que a manutenção do poder de orientação da companhia nas mãos de poucos visa preservar o empreendedorismo e protegê-la de investidores focados apenas em resultados imediatos, desalinhados com a perspectiva de longo prazo. O efeito dessa falta de democracia societária, contudo, pode fomentar justamente o efeito inverso: que o acionista busque, prioritariamente, resultados de curto prazo, por não permitir que seja criada uma estratégia de investimento apta a influenciar a gestão e, consequentemente, o futuro da companhia. No Alibaba, os investidores são a maioria, mas o poder de direcionamento dos negócios da companhia pertence à minoria. Ainda que se diga que essa minoria é qualificada e alinhada com a prosperidade da empresa, a estrutura permite, em determinado momento, que prevaleçam interesses pessoais. Como se sabe, o desalinhamento de interesses e a falta de transparência são elementos de uma tempestade perfeita em que perdem a companhia, os investidores e o mercado de capitais como um todo. Hong Kong pode, na visão de muitos, ter perdido um grande negócio. Mas acertou ao preservar o que é mais importante — princípios, fundamentos e regras — em detrimento do imediatismo que permeia nossa sociedade. Acertou ao preservar o que é mais importante: princípios, fundamentos e regras Renato Vetere ([email protected]) é sócio do Albertoni Sociedade de Advogados Novembro 2014 C APITAL A BERTO 53 Artigo Verdinhas Êxito das debêntures de projetos ambientais depende de agências de fomento, investidores e boas propostas Por Diego Barreto* * Diego Barreto (diego. [email protected]) faz MBA no International Institute for Management Development (IMD) 54 C APITAL A BERTO Novembro 2014 A importância dos empreendimentos que objetivam reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO2) — os projetos verdes — é uma realidade sacramentada no cenário mundial. Para se ter uma ideia, entre janeiro e setembro foram investidos mais de US$ 175 bilhões em fontes de energia renovável (solar, eólica e outras) ao redor do planeta. Houve um crescimento de 16% em relação ao mesmo período de 2013. No Brasil, o volume de financiamentos a iniciativas do tipo pelo mercado de capitais ainda é tímido. Algumas recebem instrumentos específicos e se viabilizam em decorrência de isenções fiscais, não da mentalidade do ambiente regulador e de negócios. Já o “green bond”, título de dívida que financia projetos verdes, é consequência de um movimento vinculado à mentalidade em voga na Europa. Foi lançado há quase dez anos, quando instituições multilaterais (Banco Mundial e Banco Europeu de Investimento, por exemplo) assumiram o papel de fomentadores. Com o advento do volume, da liquidez e dos primeiros casos de sucesso, grandes corporações do setor energético, tais como GDF Suez e EDF, passaram a atuar nesse mercado. Na sequência, outras companhias encontraram espaço para emitir os títulos verdes; uma delas foi a Unilever. Do outro lado do balcão, a seguradora Zurich anunciou em julho que dobraria sua exposição aos green bonds, atingindo US$ 2 bilhões. As emissões do Velho Continente alcançaram US$ 17 bilhões até aquele mês, duas vezes mais que no ano passado inteiro. Pelo mundo, espera-se que essas emissões alcancem US$ 40 bilhões ao fim de 2014. A análise do ambiente europeu permite extrair dois fatores de sucesso que poderiam ser incorporados na mentalidade e na estrutura do mercado brasileiro. O primeiro diz respeito ao modelo da participação de bancos públicos e de fomento. Em vez de apenas financiar diretamente projetos verdes com recursos governamentais, na Europa essas instituições emitiram green bonds para bancar os empreendimentos. Assim, desde o início elas criaram um mercado de dívida volumoso, com ótima qualidade creditícia e liquidez. No Brasil, BNDES, Banco do Brasil, Caixa, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia poderiam fazer esse papel. Seria interessante, ainda, estimular o ingresso de agências de fomento internacionais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na emissão de “debêntures verdes”. A outra vertente de êxito reside na estruturação de projetos com grau de investimento, para estimular a entrada de investidores de extrema relevância nesse mercado. É o caso das seguradoras (em agosto de 2014, por exemplo, a Brasilprev atingiu R$ 100 bilhões sob gestão). Isso diminuiria a dependência dos títulos verdes em relação aos fundos tradicionais e aumentaria a competição pelos bonds, com tendência a derrubar o custo da captação. A viabilidade poderia ser orquestrada por patrocinadores das iniciativas ambientais, agências reguladoras e bancos de fomento ou públicos. A oferta de benefícios fiscais e o financiamento via bancos públicos têm sido os principais instrumentos de suporte aos projetos sustentáveis no Brasil, mas eles têm limitações. O desenvolvimento de uma mentalidade e uma estrutura pró-mercado poderia fazer companhias e investidores percorrerem um caminho natural, como na Europa. Eles dependeriam apenas de uma variável adicional: a existência de boas propostas, capazes de estimular gestores de recursos a investir. Governança Questão de responsabilidade Ascensão dos acionistas universais reforça a importância de avaliar as externalidades Por Alexandre Di Miceli da Silveira* A externalidade é o impacto que uma transação econômica entre dois personagens gera sobre um terceiro não envolvido diretamente nessa relação. As empresas produzem externalidades positivas e negativas para a sociedade, de que se podem citar como exemplo, respectivamente, a inovação e a poluição. Apesar de aparentemente técnica, essa discussão é fundamental na governança corporativa, que afeta a vida de todos nós. Há certo consenso ao dizer que as companhias, principalmente aquelas dos setores primário e secundário, são verdadeiras máquinas de externalidades: impõem sistematicamente custos à natureza e à sociedade sem pagar por eles. Concorda-se também em que o preço dos produtos deve refletir seus verdadeiros custos sociais, a fim de que os efeitos nocivos sejam reduzidos. A polêmica sobre o tema ocorre na definição do responsável por assegu- rar a minimização das externalidades. Para os defensores do movimento da sustentabilidade empresarial, a conta é da companhia. Isto é, caberia a cada empresa, de forma ativa e independente das leis, bancar o custo de seus impactos ambientais. Por outro lado, na opinião dos críticos do movimento, a mitigação das consequências negativas deveria ser responsabilidade exclusiva dos governos, que são eleitos e devem prestar contas à opinião pública pela deterioração do espaço natural. Desse ponto de vista, deixar uma questão tão importante ao critério voluntário e descoordenado das empresas prejudicaria as bem-intencionadas, que se veriam em desvantagem competitiva em relação àquelas menos preocupadas com suas pegadas ecológicas. Entre os dois extremos, uma atitude provavelmente consensual para as companhias realmente interessadas em melhorar a relação com a natureza é apoiar ativamente a criação de normas ambientais mais exigentes em suas indústrias. Assim, todos os membros do setor se sujeitariam a padrões rigorosos. O debate ganha importância com a ascensão, nas últimas décadas, do chamado acionista universal. Devido ao peso crescente de investidores institucionais como sócios relevantes das companhias abertas, o cidadão comum, beneficiário final desses fundos, se tornou o principal acionista da maioria das grandes empresas. Nos Estados Unidos, por exemplo, 65% da população adulta investe em fundos que, por sua vez, possuem participações acionárias altamente diversificadas. Essas pessoas são, a um só tempo, consumidores, funcionários e cidadãos das comunidades afetadas pelas companhias. Sua relação, portanto, vai muito além da propriedade das ações (daí a expressão “universal”), já que também são stakeholders interessados no bem-estar duradouro da sociedade. O acionista universal arca com grande parte dos impactos causados pela organização. Segundo estimativas da ONU, as externalidades produzidas por uma amostra global de 3 mil empresas custaram US$ 2,15 trilhões para seus investidores em 2010. Logo, o preço que eles têm que pagar pelo efeito colateral de suas companhias muitas vezes é inferior ao ganho financeiro obtido como acionistas. Em outras palavras, o cidadão comum fornece o capital que é utilizado contra ele mesmo. Para alguns autores, o florescimento do acionista universal deveria incutir nos gestores dos fundos uma visão mais ampla de sua atividade, que passasse a analisar as externalidades criadas pelos alvos de investimento. Com isso, agiriam em favor do mais amplo interesse de seus beneficiários, algo que vai além do retorno acionário proporcionado pelas empresas. * Alexandre Di Miceli da Silveira é sócio-fundador da Direzione Consultoria e autor de Governança corporativa: o essencial para líderes. O articulista agradece a Angela Donaggio pelos comentários e sugestões Fonte: pri; unep finance initiative. Universal ownership: why environmental externalities matter to institutional investors. 2010. Disponível em: www.unpri.org/publications/. Novembro 2014 C APITAL A BERTO 55 Histórias Vitória contra o atraso Por Ney Carvalho* Em novembro de 1882, o Brasil venceu um percalço de mais de duas décadas. No dia 4 daquele mês, Dom Pedro II sancionou a Lei 3.150, que revogava as restrições à criação de sociedades anônimas contidas na famigerada Lei dos Entraves, de 1860. Os conservadores responsáveis por sua promulgação julgavam que os recursos disponíveis deveriam ser alocados exclusivamente à agricultura. Por isso, buscavam evitar o surgimento de outros negócios, fossem industriais, fossem comerciais. Decorreram 22 anos de subordinação do nascimento de empresas aos caprichos governamentais. O espírito da nova legislação era o oposto das dificuldades desenhadas pela Lei dos Entraves. O artigo 1o o instituía as diretrizes, afirmando que as companhias ou sociedades anônimas, qualquer que fosse seu objeto, podiam se estabelecer sem autorização do governo. A criação de bancos de emissão passava a subordinar-se à anuência legislativa. Para as companhias de comércio, indústria ou serviços, contudo, voltava a existir total liberdade de empreender. Montagem com fotos extraídas da Wikipédia. Lei 3.150, sancionada por Dom Pedro II em 1882, impulsionou a criação de sociedades anônimas Mantinha-se toda uma série de formalidades burocráticas de que as sociedades deveriam se revestir para se constituir e funcionar. Estabelecia-se ainda a criação de um título autônomo que ficou conhecido como parte beneficiária, ou de fundador, muito combatida ao fim do século 20. A ampla divulgação de atos sociais, assembleias e demais circunstâncias era obrigatória. A total liberdade na determinação do direito de voto dos acionistas foi estabelecida no artigo 15 da nova lei. Era a pedra de toque das democracias societárias existentes no Brasil à época, em que não havia acionistas controladores. A revogação da Lei dos Entraves, em 1882, deu impulso à criação de negócios sob a forma de sociedade anônima. O quadro de empresas com ações na Bolsa do Rio, publicado pelo Jornal do Commercio em 1881, dava conta das companhias existentes à época. Eram somente 67, entre bancos, empresas de ferrovias, carris, estradas de rodagem, navegação, seguros, mercados públicos e gás, além de setores diversos. Conforme a mesma publicação, em 1888, no intervalo de sete anos foram criadas mais 30 companhias nos mesmos ramos de atividade, o que significou um acréscimo de 44%. Uma disparada veio logo a seguir: entre 1888 e 1891, a bolha do Encilhamento ampliou o número de sociedades anônimas para mais de 400. * Ney Carvalho é historiador e ex-corretor de valores 56 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Reserve a data 05.11 18.11 25.11 25.11 27.11 Tributação Relações com Investidores Governança Corporativa Contabilidade Infraestrutura Patrocinadores Mais informações: [email protected] Acompanhe: #GDcapitalaberto (11) 3775.1608/1600 www.capitalaberto.com.br/gd Retrato Alexandre Barreto Disciplina e resistência T Por Marta Barcellos Foto Régis Filho er resistência e dominar o medo. Quando entrou no tatame para conquistar sua faixa preta, há cinco anos, o carateca Alexandre Barreto lembrou-se dos pilares do treinamento iniciado ainda na adolescência e interrompido durante os primeiros anos da carreira de advogado. À sua frente estavam enfileirados 15 lutadores com faixas marrons e pretas, que ele deveria combater ininterruptamente por pelo menos um minuto cada um. “Pode parecer pouco tempo, mas 15 minutos são uma eternidade quando estão batendo em você”, brinca o sócio-fundador do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados. Quando usa o verbo “bater”, Barreto não exagera: no chamado caratê de combate, entra-se para nocautear ou ser nocauteado; não raro, a conquista da faixa é precedida por uma visita ao hospital. Mas por que Barreto, carreira consolidada e escritório conceituado no mercado de capitais, foi se meter naquela situação? Justamente, explica ele, porque os pilares do caratê nunca o abandonaram em seus anos de dedicação exclusiva ao direito. Foi exercitando a resistência e o domínio sobre o medo, na busca constante por autossuperação, que ele não só fundou o escritório de advocacia com outros sócios como obteve a impressionante média de 40 operações financeiras por ano, desde sua primeira venda de American depositary receipts (ADRs) da Petrobras, em 1997. O outro motivo para a volta aos treinamentos e a decisão de conquistar a faixa preta foi o nascimento dos dois filhos, Antonio e João Pedro, hoje com 8 e 12 anos: “Além de trazer tranquilidade e confiança, a arte marcial embute valores como disciplina, hie- 58 C APITAL A BERTO Novembro 2014 rarquia, respeito e vida em comunidade”, enumera. “Queria levar para eles esses valores. Por isso coloquei os dois no caratê, um aos 3 anos de idade e o outro aos 4.” Para o orgulho do pai, o mais velho já é faixa marrom; o mais novo, verde. No escritório, o segredo da resistência física e mental de Barreto, aos 45 anos, já é conhecido por todos. Nas inevitáveis “viradas”, em que as equipes trabalham sem descanso para dar conta de fusões e aquisições, Barreto assegura manter sua capacidade de raciocínio intacta mesmo depois de duas noites sem dormir. “Na terceira noite, porém, durmo duas ou três horas”, ressalta. O caratê, segundo ele, tem tudo a ver com essa performance: “Estive recentemente em eventos na Universidade de Harvard e no MIT [Massachusetts Institute of Technology]. O pessoal lá só fala em ‘mindfulness’, que nada mais é do que esvaziar a mente e relaxar. Lutas como o caratê exigem respostas rápidas, que não são pensadas. É como se você entrasse num estado alfa”. Isso só é possível, claro, com muita disciplina e treinamento. E foi o que ele encontrou, aos 19 anos, na rotina adotada depois de sair de São José dos Campos, onde nasceu e cresceu, para morar em São Paulo e cursar a Faculdade de Direito da USP. No ano anterior, ele havia passado no vestibular para economia na Unicamp; desistiu, contudo, de seguir os caminhos do pai economista, pensando em se concentrar no direito financeiro e empresarial. “Comecei a trabalhar no primeiro dia Alexandre Barreto, sócio-fundador do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados: “Nossas maiores lutas na vida são com nós mesmos.” Novembro 2014 C APITAL A BERTO 59 Retrato 3x4 da faculdade, com um advogado especializado em capital estrangeiro. Logo que me formei, fui fazer o LL.M. [mestrado] em direito financeiro na Universidade de Boston”. Em São Paulo, a rotina de estudo e trabalho se completava com um intenso treino de caratê numa pequena academia que descobriu no bairro da Liberdade, próximo à faculdade. A arte marcial já acompanhava o jovem Alexandre desde os 14 anos, sugerida pelo pai para acalmar o menino esportista porém agitado, que se envolvia com frequência em brigas (“comuns entre garotos no interior”, lembra). Na salinha da Liberdade, o objetivo ia além de controlar a agitação ou o estresse: “Ali o caratê era muito rígido. Havia aquele espírito de superação dos samurais”, conta. “Conseguir suplantar a dor, o cansaço e o próprio instinto de parar e se preservar nos ensina que nossas maiores lutas na vida são com nós mesmos.” O professor de Barreto, na época, era ninguém menos que Francisco Filho, o primeiro não japonês a ser campeão mundial de caratê de contato. “Ele é um ícone da luta em pé brasileira. Hoje, no entanto, a prática tem um objetivo maior de equilíbrio e saúde, com aulas mais leves.” Se não exige dos outros a resiliência e a coragem de samurai que perseguiu no passado, o mesmo não se pode afirmar em relação ao nível de comprometimento — um valor que ele ensina aos filhos (que passaram a desligar o chuveiro para se ensaboar por causa da crise de água em São Paulo) e também aos novos pupilos. Fundado em 2001 com 29 funcionários, seu escritório tem hoje quase 400 profissionais, dos quais 200 são advogados. “A conversa com quem está chegando precisa ser franca”, diz ele. “A área dos mercados de capitais e financeiro é intensa e exige respostas rápidas. Se, por um lado, trabalha-se sob pressão e perdem-se noites de sono, por outro existe a satisfação pessoal de lidar com coisas sofisticadas intelectualmente.” Se o compromisso não for devidamente selado nesta conversa franca, sempre haverá a mais poderosa das armas de persuasão de um treinamento: o exemplo. Afinal, com tantas lutas no currículo, Barreto só foi parar no hospital uma única vez, e, assim mesmo, dias depois de sair do tatame. “Era só uma costela quebrada.” 60 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Rotina – Treina caratê em casa com um professor duas vezes por semana, além de sábado e domingo. Fica no escritório, pelo menos, das 9h às 21h. “Nos primeiros 15 anos de carreira, eu trabalhava na grande maioria dos fins de semana.” Adrenalina – Gosta da adrenalina do trabalho e das lutas de caratê. “Por mais que se tenha controle, existe a adrenalina. Não existe o ‘não sentir medo’, mas o ‘ter algum domínio sobre o medo’.” Para relaxar – “A arte marcial também é a válvula de escape, porque qualquer frustração ou energia negativa se esvai por meio do treino ou da luta.” Fim de semana – Tenta viajar pelo menos uma vez por mês à casa da família em Ilhabela, no litoral paulista. “Gostamos muito do mar: surfamos e velejamos juntos.” Valor – “Eu e minha esposa compartilhamos dos mesmos valores e queremos passá-los aos filhos. Damos para eles o melhor, sem exageros. A sociedade hoje está cheia de valores distorcidos e supérfluos.” O que o tira do sério – Falta de comprometimento. “Tolero falhas e deficiências, mas não pessoas que deixam suas obrigações em segundo plano por interesses pessoais.” Operação vitoriosa – Uma das mais marcantes de que participou foi a “shelf registration” da Petrobras, em 2002, por ter sido a primeira companhia brasileira a se beneficiar do mecanismo de captação, comum nos Estados Unidos. Operação frustrada – A tentativa de IPO da Repsol, em 2010, operação de R$ 8 bilhões suspensa porque a empresa foi vendida, no Brasil, para a chinesa Sinopec. “Quem trabalha com M&A e mercado de capitais sabe que existem variáveis fora do controle.” Uma admiração – Nunca teve grandes ídolos. “Nem artistas, na adolescência. Pessoas que brilham muito também produzem muita sombra.” Conselho a quem está começando – “No caratê se diz que você só começa a aprender após mil dias de treino. No trabalho, embora formação acadêmica e inteligência sejam importantes, o principal é ter resistência para se dedicar muitas horas.” Férias – Deserto do Atacama, no Chile, e Machu Picchu, no Peru. “Não é meu estilo ficar num superhotel em Paris.” Seriado de TV – Cosmos: uma odisséia no espaço-tempo, continuação da série apresentada pelo cientista Carl Sagan nos anos 1980. “Redescubro muitas coisas com os meninos. Uma delas tem sido olhar o universo e perceber como somos um nada do nada, dentro dos mistérios que existem lá fora.” Sonho – Velejar na Antártica. “Não é tão impossível quanto parece.” Livro – O herói de mil faces, do estudioso em mitologia Joseph Campbell. “Gosto de antropologia e filosofia.” Tomou carona nas leituras da esposa, também advogada, que fez faculdade de filosofia. “Temos obrigação de nos formar no mundo como seres humanos. Não podemos esquecer que nosso último objetivo na vida não é trabalhar.” Prateleira Doutor em planejamento Um método de preparo financeiro para a aposentadoria sob a luz de expectativas racionais Por Peter Jancso* B ill Bernstein não é um médico tradicional. Apesar de ter dedicado grande parte de sua vida à profissão, tornou-se conhecido por uma página na internet sobre alocação de ativos e a teoria da fronteira eficiente. A respeito desses temas, publicou vários livros. Além disso, hoje em dia ele pratica o que apregoa como sócio da gestora de recursos Efficient Frontier Advisors. Em sua obra mais recente, Rational expectations: asset allocation for investing adults, Bernstein discute uma metodologia de preparação financeira para a aposentadoria, apoiado em evidências de mercado sobre os padrões de risco e retorno de diversas classes de ativos. Embora não se dirija a iniciantes na área de investimentos pessoais, devido ao pesado uso de jargões financeiros, o autor tem relativo sucesso na tentativa de descomplicar o delicado processo do planejamento econômico para a aposentadoria. Ele inicia explorando os padrões históricos de retorno do mercado americano, para conduzir o leitor à conclusão de que a gestão ativa de carteiras de ações não vale a pena — por causa dos retornos de longo prazo, que tendem à média do mercado, e das elevadas taxas de administração. Sendo assim, o foco deveria ser a busca por fundos com taxas de administração baixas e gestão passiva, os Rational expectations: asset allocation for investing adults perspectativa de gasto na aposentadoria. Isto é, quem busca uma receita de bolo consagrada que prescinda do uso de massa cinzenta vai frustrar-se com o conteúdo. Ao fim da leitura, fica clara a importância das expressões “expectativas racionais” e “para adultos” no título da obra. Bernstein exorta o leitor a abandonar esperanças românticas sobre o retorno de suas aplicações, para que possa efetivamente executar um planejamento financeiro conservador, adulto. Nesse sentido, ele sugere que, no longo prazo, o retorno composto de uma carteira de investimentos depende fundamentalmente de dois aspectos: a alocação entre as rendas fixa e variável e seu rebalanceamento ao longo do tempo. Parece simples, não? O grande desafio é a execução desses princípios com disciplina ao longo de vários anos, já que os seres humanos estão sujeitos a distúrbios comportamentais, provocados pelos sentimentos de medo e ganância. Afinal, como já dizia o personagem Pogo, do cartunista americano Walt Kelly: “Nós encontramos os inimigos, e eles somos nós”. William J. Bernstein Editora: Efficient Frontier Publications 216 páginas 1a edição, 2014 * Peter Jancso é professor de finanças corporativas da Business School São Paulo e sócio da Jardim Botânico Investimentos chamados fundos de índice. A partir daí, Bernstein avalia o retorno de longo prazo para várias subclasses de papéis (value stocks, growth stocks, small caps etc.). Ele sugere que parte da carteira poderia ser direcionada a ativos de maior risco e retorno, desde que o investidor possa permanecer com a alocação por bastante tempo, pelo menos 20 anos. Para um brasileiro pensando em aplicar as metodologias do livro, é importante registrar que as evidências estatísticas a embasar as expectativas racionais são apresentadas apenas para o mercado americano. Logo, seu emprego no ambiente nacional não é simples. Ao mesmo tempo, embora o autor demonstre grande preocupação com os princípios que sustentam sua metodologia, a execução cabe a cada leitor individual, a partir de suas premissas pessoais de renda, poupança e Novembro 2014 C APITAL A BERTO 61 Saideira VS NÃO CONFIAMOS EM VOCÊS! A USIMINAS É NOSSA! SÓ QUANDO VOCÊS TIVEREM UM MARADONA E UM CARLOS GARDEL! 62 C APITAL A BERTO Novembro 2014 Muitos problemas parecem complicados e sem solução. Até chegarem a nossas mãos. A Deloitte é referência em consultoria e auditoria no Brasil e no mundo. E isso é resultado do esforço para encontrar as melhores soluções de negócio e de seu comprometimento com o desempenho de seus clientes. Isso é o que faz a Deloitte ser líder. Isso é o que faz a Deloitte ser a Deloitte. Siga-nos ©2013 Deloitte Touche Tohmatsu
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