PALAVRA DO REITOR

Transcrição

PALAVRA DO REITOR
PALAVRA DO REITOR
“A maior parte da ciência e da tecnologia praticada é destrutiva.”
Esta é uma constatação amarga de Fritsof Capra, citado por Jacques Marcovitch, em “A
Universidade Possível”.
Muitos dos modernosos artefatos eletrônicos, ostentados nas vitrines de nossas lojas,
serão sucata dentro de dois anos. Uma rua de Tókio ostenta 200 lojas de alta tecnologia cujos
produtos, provavelmente, serão sucata dentro de cinco anos.
A tecnologia é normalmente predatória, consumista e não sustentável.
A ciência e a arte, ao contrário, conseguem firmar conceitos que resistem ao tempo.
Isto tudo me vem à mente, ao repassar os artigos apresentados neste número da Revista
Univap.
Cada professor se esforça por apresentar, em seu artigo, conhecimentos que não se tornem
rapidamente anacrônicos.
Obras como Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, Dom Quixote, de Cervantes ou
Macbeth, de Shakespeare, continuam atuais e são objeto de reapresentações, com diferentes
interpretações e adaptadas a diferentes épocas: seu valor não depende do tempo. Todos buscam
avidamente realizar, no que escrevem ou no que realizam, no mundo das ciências, das letras
ou das artes, algo de valor permanente, não volátil, independente das escolas, das épocas, dos
gostos ou das tecnologias.
Apesar de tudo, a ciência procura estabelecer valores permanentes, mas paradoxalmente
dá origem a tecnologias que se sucedem e se aperfeiçoam e viram sucata.
O que os nossos autores buscam – e muitos conseguem – é a permanência dos valores
do que escrevem, de modo que, lidos seus artigos no próximo milênio, neles será encontrado
algo ainda válido.
A leitura dos artigos oferecerá ao leitor a possibilidade de aferir o seu grau de transcendência no tempo. Se algo de bom for acrescido à sua memória, é sinal de que o artigo já
conseguiu sobreviver.
As universidades são instituições extremamente resistentes à ação do tempo. Algumas
já têm mais de mil anos. É difícil encontrar algo semelhante. Até mesmo os países não resistem
incólumes, via de regra, ao passar dos anos. Quantos países surgiram no século 20 e quantos
desapareceram ou se transformaram, fragmentando-se, perdendo ou ganhando espaço?
- E por que as universidades resistem à ação do tempo?
- Porque elas se dedicam à produção de valores permanentes, pode ser uma boa resposta.
Este é o desafio para as instituições e cabe a cada um de nós ajudar a encontrar estes valores. E
é isto que os nossos autores pretendem obter e espero que consigam.
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Baptista Gargione Filho, Prof. Dr.
Reitor da UNIVAP
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
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EDITORIAL
Cabe à universidade a responsabilidade de formar a criatura humana e esta é a tarefa que
se entende como objetivo maior da educação. Isto é mais profundo e abrangente do que a missão
de unicamente formar a mão-de-obra necessária para o crescimento econômico.
A universidade, como toda a instituição que se preza, necessita acumular os três capitais:
Físico, Humano e Social.
O Capital Físico é visível: prédios, equipamentos, bibliotecas, laboratórios, estacionamentos, campos esportivos e tudo o mais que o simples ato de olhar permite rapidamente avaliar.
O Capital Humano, embora não visível, é bastante sensível, pelos resultados que a universidade consegue obter, no ensino, na pesquisa e na extensão. É inclusive mensurável, e os
economistas da educação sabem calcular o capital humano, mediante o produto do salário anual
pela esperança de vida de cada um. E, pela soma destes produtos, chega-se ao capital humano
de uma empresa, de uma universidade, de uma cidade ou de um país. Até do nosso Planeta:
Qual o capital humano da Terra? A crítica que se faz a esta avaliação econômica é que ela é só
financeira. Só que esta é uma maneira concreta de poder estabelecer um padrão de avaliação,
embora a pessoa seja mais do que um punhado de dólares. Mas quem tiver competência poderá
apresentar outra definição do capital humano, por exemplo, pela “felicidade irradiada” ou algo
próximo, desde que indique como medi-la.
O Capital Social é a capacidade de dialogar, de evitar conflitos, que os políticos e diplomatas sabem ou deveriam saber muito bem e que os transformam, quando bem praticados, em
estadistas. E nós todos, pobres mortais, se não dialogarmos dia a dia com nossos companheiros
de jornada, estaremos rapidamente sem condições de progredir.
Este número da Revista Univap é componente visível do nosso Capital Físico. Mas, é
relevante notar que o Capital Social, pelos temas apresentados, é uma preocupação de grande
parte dos articulistas, que são, por sua vez, importantes componentes do nosso Capital Humano,
que enfocam assuntos relevantes para o fortalecimento do convívio, do diálogo e da solidariedade,
que constituem o objetivo maior da educação.
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Antonio de Souza Teixeira Júnior, Prof. Dr.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
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A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A
UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP)
A Fundação Valeparaibana de Ensino (FVE), com sede
à Praça Cândido Dias Castejón, 116, Centro, na cidade
de São José dos Campos, Estado de São Paulo, inscrita
no Ministério da Fazenda sob o nº 60.191.244/0001-20,
Inscrição Estadual 645.070.494-112, é uma instituição
filantrópica e comunitária, que não possui sócios de
qualquer natureza, com seus recursos destinados integralmente à educação, instituída por escritura pública de 24
de agosto de 1963, lavrada nas Notas do Cartório do 1º
Ofício da Comarca de São José dos Campos, às folhas
93 vº/96 vº, do livro 275.
A Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP), mantida pela FVE, tem como área de atuação prioritária o
Distrito Geoeducacional, DGE-31. Sua missão é a promoção da educação para o desenvolvimento da Região
do Vale do Paraíba e Litoral Norte (DGE-31).
Até o presente, a UNIVAP possui os seguintes Campi:
a) Campus Centro, em São José dos Campos, situado
à Praça Cândido Dias Castejón, 116, e à Rua Paraibuna, 75.
b) Campus Urbanova, situado à Av. Shishima Hifumi,
2911, que abrange os territórios dos municípios de
São José dos Campos e Jacareí.
c) Unidade Aquarius, em São José dos Campos,
situado à Rua Dr. Tertuliano Delphim Júnior, 181
d) Unidade Villa Branca, localizado em Jacareí, na
Estrada Municipal do Limoeiro, 250.
A Educação Superior, objetivo da UNIVAP, abrange os
cursos e programas a seguir descritos:
1) Graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e que tenham
sido classificados em processo seletivo.
2) Pós-graduação, compreendendo programas de Mestrado, Especialização e outros, abertos a candidatos
diplomados em cursos de graduação e que atendam
aos requisitos da UNIVAP.
3) Extensão, abertos a candidatos que atendam aos
requisitos estabelecidos pela UNIVAP.
4) Educação a distância, com uso de novas tecnologias de comunicação.
5) Formação tecnológica, com formação de tecnólogos em nível de 3º grau.
6) Cursos seqüenciais, por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, a candidatos que atendam
aos requisitos estabelecidos pela UNIVAP.
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A FVE é também mantenedora, tendo em vista a educação integral dos futuros alunos da UNIVAP, de cursos
de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino
Médio e ainda de Formação Profissional e Técnica.
A UNIVAP, em seu Projeto Institucional, centra-se:
1) numa função política, capaz de colocar a educação
como fator de inovação e mudanças na Região do
Vale do Paraíba e Litoral Norte - o DGE-31;
2) numa função ética, de forma que, ao desenvolver a
sua missão, observe e dissemine os valores positivos
que dignificam o homem e a sua vida em sociedade;
3) numa proposta de transformação social, voltada
para a Região do Vale do Paraíba e Litoral Norte;
4) no comprometimento da comunidade acadêmica
com o desenvolvimento sustentável do País e, em
especial, com a Região do Vale do Paraíba e Litoral
Norte, sua principal área de atuação.
A UNIVAP está em permanente interação com agentes
sociais e culturais que com ela se identificam. Como decorrência da demanda de seus cursos ou dos serviços que
presta, estabelece convênios com instituições públicas e
privadas, no Brasil e no Exterior. Estes convênios resultam na cooperação técnica e científica, na qualificação de
seus recursos humanos e tecnológicos, na viabilização de
estágios acadêmicos e na prestação de serviços. A história
da UNIVAP, enraizada na trajetória da Região do Vale do
Paraíba e Litoral Norte, traz consigo a marca da participação comunitária, a partir do compromisso que tem com
a sociedade regional, alicerçado na tradição, na busca
da excelência acadêmica, na qualidade de seu ensino,
no diálogo com a comunidade e no exercício da tríplice
função constitucional de assegurar a indissociabilidade
da pesquisa institucional, ensino e extensão.
Como atividades de extensão, destacam-se, na UNIVAP,
aquelas relativas à Comunidade Solidária, que têm por
objetivo mobilizar ações que contribuam para a alfabetização e melhoria da qualidade de vida de populações
carentes. Dentro deste Programa, foram realizadas atividades nas áreas de Saúde, Higiene, Cidadania, Educação
e Lazer, em Santa Bárbara (BA), Beruri (AM), Teotônio
Vilela (AL), Nova Olinda (CE), Coreaú (CE), Carnaubal
(CE), São Benedito (CE), Groaíras (CE), Atalaia do
Norte (AM), Pão de Açúcar (AL) e, no Vale do Paraíba,
nas cidades de Monteiro Lobato, São Bento do Sapucaí,
Paraibuna, São Francisco Xavier e São José dos Campos.
Todas as pesquisas institucionais da Universidade estão
centradas em seu Instituto de Pesquisa e Desenvolvi-
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
mento (IP&D), o qual executa programas e projetos e
congrega pesquisadores de todas as áreas da UNIVAP,
envolvidos em atividades de pesquisa, desenvolvimento
e extensão. Em seus oito núcleos de pesquisa, nas áreas
sócio-econômica, genômica, instrumentação biomédica,
espectroscopia biomolecular, estudos e desenvolvimentos
educacionais, ciências ambientais e tecnologias espaciais,
computação avançada, biomédicas, atrai e dá condições
de trabalho a pesquisadores de grande experiência, do
País e do exterior. Os alunos têm condições de participar,
com os professores, de pesquisas, executando tarefas
criativas, motivadoras, que propiciam a formulação
de modelos e de simulações, trabalhando com equipamentos de primeira linha, e isto faz a diferença entre a
memorização e a compreensão. Bolsas de estudo vêm
sendo oferecidas a alunos e pesquisadores, quer pela
UNIVAP, quer por instituições como CAPES, CNPq,
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Administração de Empresas e Negócios
Arquitetura e Urbanismo
Ciência da Computação
Ciências
Ciências Biológicas
Ciências Contábeis
Ciências Econômicas
Ciências Sociais: História, Geografia e
Artes
- Comunicação Social: Jornalismo
- Comunicação Social: Publicidade e Propaganda
- Direito
- Educação Física
- Enfermagem
Engenharia Aeroespacial
Engenharia Ambiental
Engenharia Biomédica
- Engenharia Civil
- Engenharia da Computação
- Engenharia de Materiais
- Engenharia Elétrica
- Fisioterapia
- Letras (Português/Inglês e
Português/Espanhol)
- Matemática
- Normal Superior
- Odontologia
- Secretariado Executivo
- Serviço Social
- Terapia Ocupacional
- Turismo.
FINEP e FAPESP.
O esforço da UNIVAP em construir, no Campus Urbanova, uma Universidade com instalações especiais para
cada área de atuação, com atenção especial aos laboratórios, tem por objetivo um ensino de qualidade, compatível
com as exigências da sociedade atual.
A UNIVAP, para o ano letivo de 2002, fiel ao lema de
que “o saber amplia a visão do homem e torna o seu
caminhar mais seguro”, oferece à comunidade da Região
do Vale do Paraíba e Litoral Norte o seguinte Programa,
de seus diversos cursos, que vão desde a Educação Infantil à Pós-Graduação, passando inclusive pelo Colégio
Técnico Industrial e pela Faculdade da Terceira Idade.
CURSOS DE GRADUAÇÃO
- Mestrado
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Bioengenharia
Ciências Biológicas
Engenharia Biomédica
Planejamento Urbano e Regional
Engenharia de Produção (ensino a distância).
- Especialização - Lato-Sensu
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Biomateriais
Engenharia Aeroespacial
Fisiologia do Exercício
Metodologias de Treinamento
Produtos Naturais, Farmacologia e Toxicologia
Odontopediatria.
São José dos Campos
CURSOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
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Com cerca de 500.000 habitantes, São José dos Campos
é o município com maior população na sua região, sendo
que seu grande desenvolvimento começou realmente com
a construção da Rodovia Presidente Dutra e do Centro
Técnico Aeroespacial (CTA). Além disso, a localização
estratégica e privilegiada entre São Paulo e Rio de Janeiro
e a topografia apropriada para a construção de grandes
indústrias possibilitaram que a cidade crescesse vertiginosamente na década de 70, passando a ser uma das
áreas mais dinâmicas do Estado e a terceira maior taxa de
crescimento da década de 80. De 1993 para cá, a cidade
passou por grandes transformações, alcançando avanços
na área da saúde, desenvolvimento econômico, educação,
criança e adolescente, saneamento básico e obras.
O comércio de São José dos Campos é bastante desenvolvido e vive um período de extensão, com vários centros
de compras e grandes supermercados e Shopping Centers.
Com mais de 1.000 indústrias, 4.000 estabelecimentos
comerciais e superando 7.000 prestadores de serviço,
o perfil industrial de São José dos Campos tem dois
lados distintos: o centralizado nas áreas aeroespacial e
aeronáutica, como a Embraer, e outro diversificado, com
indústrias, como a General Motors, Johnson & Johnson,
Petrobras, Rhodia, Monsanto, Kodak, Panasonic, Hitachi,
Bundy, Ericsson, Eaton e outras. É o quarto município
do Estado de São Paulo em arrecadação e ICMS, atrás
apenas da capital, Santo André e Campinas.
São José dos Campos possui, como resultado da atuação
de suas indústrias, dos estabelecimentos comerciais e
dos organismos que desenvolvem tecnologias de ponta,
mão-de-obra de altíssimo nível. Entre esses órgãos
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destacam-se o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(INPE), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), com seus
Institutos: ITA - Instituto Tecnológico de Aeronáutica,
IAE - Instituto de Atividades Espaciais, IFI - Instituto de
Fomento e Coordenação Industrial e o IEAv - Instituto
de Estudos Avançados.
Com uma vida cultural bastante intensa, o município
conta com uma Fundação Cultural e vários espaços
culturais, como o Museu Municipal, galerias de arte,
centros de exposição, casas de cultura, Teatro municipal,
Cine-Teatro Benedito Alves da Silva, Cine-Teatro Santana e o recém-inaugurado Teatro Univap Prof. Moacyr
Benedicto de Souza, cinemas, emissoras de rádio FM e
AM, Central Regional da TV Globo, jornais diários com
circulação regional, além dos da capital, e várias Bibliotecas Escolares, Universitárias e de Pesquisa, como a
da UNIVAP, a do INPE e a do ITA.
A UNIVAP constitui, além do CTA e do INPE, o maior
centro de ensino e pesquisa do município. Da Pré-Escola
à Universidade, além de Cursos de Pós-Graduação e da
Terceira Idade, a UNIVAP mantém o IP&D - Instituto de
Pesquisa e Desenvolvimento, que garante a incorporação
da pesquisa na comunidade acadêmica da UNIVAP, permitindo a indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa.
A UNIVAP tem estado aberta à interação com empresas
e instituições do município, notadamente as de ensino e
pesquisa, entre elas o INPE e o CTA-ITA, de onde são
provenientes o reitor, pró-reitores e vários professores.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Mudanças Qualitativas no Ensino da Graduação, no
Enfoque Didático-pedagógico
Elizabeth M. Liberato *
Resumo. A missão principal da Universidade deve estar dirigida para a criação de competências e
para a formação de agentes de mudanças sociais, capacitados para o estabelecimento de relações
profícuas na sociedade; deve buscar, ainda, que seus alunos desenvolvam habilidades ético-profissionais para a capacitação no mundo do trabalho. O professor e o aluno são os atores principais do
processo de ensino-aprendizagem. É importante analisar os aspectos presentes nas práticas educativas, o projeto pedagógico, os procedimentos didático-pedagógicos, avaliá-los e renová-los, para que
orientem novas estratégias e ações para o alcance dos objetivos institucionais. Dentro dessa visão,
o Projeto: “Mudança de Foco no Ensino do Curso de Serviço Social” apresenta-se como possível
contribuição ao aperfeiçoamento da instituição.
Palavras-chave: Ensino-aprendizagem, mundo do trabalho, objetivos institucionais.
Abstract. The main mission of the University should be devoted to create competent agents to make
social changes, capable of establishing proficient relationships in society; also, the University must
develop in its students ethic and professional capabilities in order to prepare them for the work place.
Teachers and students are the main players in the learning process. It is important to analyze aspects
that are present in educational practices, course programs, and pedagogical procedures, to evaluate
and renovate them, in order to build new strategies and actions to reach the institutional objectives.
From that point of view, the project “The Change in the Teaching Focal Point of the Social Services
Course”, intends to give a meaningful contribution to the institutional improvement.
Key words: Learning process, work place, institutional objectives.
Missão e valores fundamentais da Educação Superior: “Educar e formar pessoas
altamente qualificadas, cidadãs e cidadãos responsáveis, capazes de atender às
necessidades de todos os aspectos da atividade humana, oferecendo-lhes qualificações relevantes, incluindo capacitações
profissionais nas quais sejam combinados
conhecimentos teóricos e práticos de alto
nível mediante cursos e programas que
se adaptem constantemente às necessidades presentes e futuras da sociedade.”
(UNESCO, 1998).
O ENSINO SUPERIOR E A UNIVERSIDADE
A realidade do ensino superior aponta, nas últimas
décadas, para uma significativa expansão, decorrente das
demandas da sociedade. O mercado de trabalho, onde a
* Professora e Pró-reitora de Avaliação da UNIVAP.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
competividade profissional está cada vez mais presente,
pressiona a procura por vagas no ensino de graduação,
levando à expansão do sistema e colocando-lhe importantes desafios.
À Universidade cabe assegurar a formação
acadêmica, o desenvolvimento de habilidades éticoprofissionais para o desempenho no mundo do trabalho,
para a capacitação instrumental e prática.
Acima de tudo, a Universidade, como centro
cultivador de valores humanos, não deve preocupar-se
somente com a certificação; inserida na dinâmica social,
cujos níveis de qualidade são cada vez mais exigentes,
deve cumprir sua missão precípua de criação de competências e de formação de agentes de mudanças sociais,
a serviço da coletividade.
Posta esta condição, a formação universitária
volta-se para o desenvolvimento de aptidões, entendidas
como habilidades, garantindo a qualificação técnica,
científica, ética, política e social; ainda dentro do proces12
so educativo, capacita para o estabelecimento de novas
relações na sociedade e para o exercício qualificado da
cidadania.
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Em face do mercado de trabalho visualizado
como campo de atuação, que estabelece as possibilidades de emprego em função das necessidades sociais, ao
identificá-las e caracterizá-las, é preciso analisar seus
fatores determinantes e suas potencialidades.
É importante que a formação universitária capacite para a obtenção do emprego, assim como para
a geração de emprego, formando o profissional empreendedor capaz de produzir conhecimentos, voltado ao
permanente aprendizado.
A formação profissional não se esgota com o término do curso superior; exige continuidade, diversificação, atualização. É preciso valorizar a formação integral
nos aspectos científicos, tecnológicos, humanísticos,
éticos, culturais.
A qualificação profissional corresponde à condição de projetar, desenvolver e avaliar o projeto próprio
de vida, no sentido da realização responsável e do estabelecimento de relações significativas na sociedade.
O PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM
No sentido comum, ensinar significa produzir
aprendizagem em alguém; é uma ação que se desenvolve no âmbito familiar e social. Ensinar e aprender são
processos interdependentes.
Ensinar é uma arte; exige conhecimentos, constante atualização, capacidade de comunicação. Na escola,
a sala de aula é o espaço, não o único, onde se dá o aprendizado individual e coletivo, onde a prática pedagógica
alcança efetivação, se realizada com compromisso social,
voltada às experimentações e inovações.
A Universidade, instituição social e educadora
por excelência, é um ambiente privilegiado para a prática
pedagógica. Com a evolução das tecnologias de ensino
e dos meios de comunicação, as estratégias e materiais
didáticos foram e estão sendo inovados atendendo às
novas realidades e necessidades da aprendizagem; são
indispensáveis os laboratórios, os equipamentos de
informática, a comunicação ágil em rede, a educação à
distância, interagindo com o usuário, biblioteca, instituição, salas de conferências etc.
A criatividade tem de estar presente ao serem implementadas iniciativas que explorem as potencialidades
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dos alunos. Novas práticas de ensino-aprendizagem exigem mudanças, vontade de implementá-las e preparo de
docentes e discentes para a formação de agentes capazes
de ação multiplicadora.
É um trabalho de construção e reconstrução constantes; analisar e rever o projeto pedagógico é imprescindível para o alcance dos objetivos educacionais, assim
como implementar programas de melhoria e inovação
do ensino universitário.
O ALUNO
O aluno, no decorrer do curso universitário, passa
por mudanças internas e externas, inserido na realidade
mais próxima e na dinâmica da sociedade.
Sua preocupação é, com certeza, com o futuro
profissional, onde se defrontará com o mercado competitivo, numa realidade de vagas a serem disputadas, de
ameaça de desemprego ou de realização de atividades não
condizentes com sua formação escolar, atendendo ou não
às suas expectativas salariais. O aluno traz consigo estas
expectativas de realização e reconhecimento social, sua
concepção de mundo e suas necessidades.
É crescente o nível de exigência do mercado
empregador, em termos de capacitação e especialização, razão pela qual cresce a demanda pelos cursos de
graduação e pós-graduação. Nesse mundo cada vez mais
globalizado, a escola se obriga a constantemente repensar
e elaborar melhor o que ensinar e como ensinar.
O aluno não é objeto, mas sujeito da ação educativa e formativa. Na Universidade tomará contato
com problemas e possíveis soluções, no processo que
representa a qualificação humana para a vida.
O ensino não pode se dar em direção única; é
preciso que o aluno aprenda a pensar, utilizar e produzir
conceitos, avaliá-los e relacioná-los, que ele mesmo
desempenhe um papel ativo na relação sócio-educativa.
O aluno, participante do processo ensino-apendizagem, entenderá que o ensino não é só atividade do
professor, mas que ele, aluno, também é responsável
pela aprendizagem a que se propõe e consegue alcançar.
O PROFESSOR
O papel do professor é ensinar a pensar, de forma
que a apreensão dos conteúdos e informações seja uma
constante relação de troca, de compromisso e represente
o estabelecimento de desafios mútuos.
A relação professor/aluno pode alcançar um limite
de despersonalização, de ações rotineiras e sem sentido,
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por falta de integração e entrosamento intra e extraclasse, entre as matérias e temas que são apresentados
no decorrer do curso.
A Universidade deve ter como escopo o desenvolvimento do potencial humano, estimular, capacitar,
qualificar o corpo docente para o atendimento dos objetivos educacionais. A competência do professor, seu
envolvimento e aperfeiçoamento são fundamentais para
que o trabalho da instituição se revista de qualidade.
Os procedimentos e recursos didático-pedagógicos devem ser continuamente avaliados e voltados para
desenvolver as aptidões dos alunos, redefinindo critérios
e criando novas práticas, estabelecendo a ponte entre o
teórico-conceitual e as experiências do professor e do
aluno.
O ensino representa produção de aprendizagem; a
aprendizagem define a tarefa e a ação do professor, com
ênfase não só à apropriação dos conteúdos pelos alunos,
mas ainda na auto-construção de uma consciência crítica
para tomada de decisões relevantes em relação ao próprio
aprendizado e à vida.
O PROJETO PEDAGÓGICO
O projeto pedagógico traduz os princípios e
diretrizes estabelecidos pela Instituição, de forma participativa; espelha o compromisso da Universidade com
a efetivação das propostas, apresenta a planificação de
procedimentos; indica ou orienta os caminhos necessários
e estabelece os critérios de avaliação.
Mais do que um documento estático, deve representar toda a dinâmica da Instituição, resultando em
ações conseqüentes que busquem o desenvolvimento dos
alunos, da comunidade e da sociedade na qual se insere.
O projeto pedagógico deve explicitar as áreas
prioritárias do ensino, da pesquisa e da extensão, a
filosofia de funcionamento das diferentes unidades, as
estratégias para o alcance dos objetivos institucionais.
O projeto pedagógico explicita as condições para
a troca de conhecimentos e abrange os aspectos mais significativos de desenvolvimento de aptidões, iniciativas,
lideranças, capacidade de trabalho em equipe; é verdadeiramente um projeto de transferência de conhecimentos,
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mas voltado às necessidades e demandas sociais.
É preciso aliar a sala de aula aos projetos de
pesquisa e extensão, às interações classe e extra-classe;
articular com as instituições externas, para uma prática
mutuamente enriquecedora, contando com a participação
ativa dos alunos.
Os resultados devem ser medidos pela qualidade
do desempenho, pelos resultados alcançados, pela capacidade de atuar.
Através do projeto pedagógico, a relação Universidade/aluno pode se constituir num meio de transformação da realidade.
PROPOSTA:
Mudança de Foco no Ensino do Curso de Serviço
Social, UNIVAP
Visando:
nível;
a) ao estímulo à formação acadêmica de excelente
b) à melhoria do ensino através de novas práticas
e experiências pedagógicas;
c) ao domínio dos processos, métodos e técnicas
de investigação, análise e atuação na área do conhecimento acadêmico-profissional;
d) à integração dos conhecimentos e interação
interdisciplinar.
Propõe-se a implementação do Projeto: Mudança
de Foco no Ensino do Curso de Serviço Social - Univap, entendendo seu caráter renovador, essencial para a
discussão e alcance de mudanças no ensino universitário. Tal proposta deverá compreender um amplo debate
multidisciplinar, envolvendo corpo docente e discente,
de forma a possibilitar sua operacionalização e avaliação
constante.
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MUDANÇA DE FOCO NO ENSINO DO CURSO DE SERVIÇO SOCIAL - UNIVAP
APRENDIZAGEM FOCALIZADA EM TEMÁTICAS/PROBLEMAS
Focos:
 Aprendizado centrado no aluno.
 Temáticas/Problemas: Eixo motivador e integrador da busca e concretização
do conhecimento e dos elementos constituintes/
construtores da formação profissional.
Conjunto de temas correlatos, desenvolvidos
através de problemas mais específicos.
 Formação básica e profissional.
 Interdisciplinaridade.
 Ética.
PRINCÍPIOS BÁSICOS
 Aluno como agente do aprendizado centrado no seu desempenho e no
processo de grupo.
 Programas temáticos.
 Integração dos conhecimentos de diferentes disciplinas.
 Interação interdisciplinar – Grupo Tutorial – e composição com outras
disciplinas e programas do curso.
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Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Aluno/Grupo – centro do aprendizado, das diversas séries do Curso de Serviço Social.
Grupo Tutorial
Professores das disciplinas integrativas
Metodologia do Serviço Social,
Processo de Trabalho e Serviço Social,
Política Social,
Teoria do Serviço Social,
Pesquisa em Serviço Social.
Grupos Interativos
Interação interdisciplinar com outras disciplinas da área de Serviço Social
Planejamento,
Fundamentos Histórico-Metodológicos do Serviço Social,
Serviço Social em Órgão Públicos e Privados,
História do Serviço Social,
Desenvolvimento de Comunidade,
Projeto Integração Teoria-Prática.
Interação Interdisciplinar com disciplinas básicas
Antropologia, Filosofia, Sociologia, Sociologia do
Desenvolvimento e Trabalho, Formação Sócio-Histórica do
Brasil, Direito e Legislação Social, Psicologia, Psicologia
Social, Introdução à Administração, Medicina Social e Higiene.
Especialistas – Profissionais com notório conhecimento, de diferentes áreas.
Profissionais experientes – Profissionais com vivência, experiência profissional, de diferentes áreas.
 Instituições/Organizações – Parceiros, para observação de áreas profissionais/experiências e campo de estágio
de Serviço Social.
FUNDAMENTAÇÃO DO APRENDIZADO






Embasamento teórico no campo das ciências humanas e sociais.
Exposição/discussão de áreas de prática profissional.
Laboratório de vivências/experiências.
Desenvolvimento da comunicação e de habilidades.
Atividades integradas.
DESENVOLVIMENTO/OPERACIONALIZAÇÃO
Discussão de temáticas/problemas relativos às questões teórico-metodológicas do
 Serviço Social, em situações relacionadas à prática profissional.
Estímulo e orientação à composição de pequenos grupos, com ênfase à cooperação e desempenho do trabalho conjunto, para capacitação quanto aos aspectos de
 liderança, organização e respeito mútuo.
Desenvolvimento de projetos/atividades integrando aspectos teórico-práticos do
 Serviço Social.
Avaliação formativa.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
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ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS
 Trabalhos em pequenos grupos e individual.
 Trabalhos baseados em temáticas/problemas, orientados para a comunidade (realidade social/organização comunitária/trabalho), instituições (públicas, privadas,
ONGs, Empresas) e políticas sociais (saúde, habitação, educação, lazer, segurança).
Professor: facilitador, orientador do processo de aprendizagem.
 Grupo Tutorial: Grupo de professores responsáveis pelas disciplinas integrativas
 e pela interação com outras disciplinas.
TÉCNICAS
Facilitadoras – integradas e de domínio do corpo docente, para permitir a trans missão dos conhecimentos e experiências necessários e essenciais para a formação
e exercício profissional.
Dinâmicas – variadas e relacionadas aos conteúdos e práticas, para permitir o
 desenvolvimento de atitudes e habilidades.
ESTRUTURAÇÃO DOS PROGRAMAS
Articulação das disciplinas.
 Programas: Ementa,
 Objetivos gerais e específicos,
Conteúdo programático,
Temáticas/problemas,
Práticas profissionais,
Procedimentos didático-pedagógicos,
Avaliação,
Bibliografia.
OPERACIONALIZAÇÃO DOS PROGRAMAS
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AVALIAÇÃO
Do: Curso, currículo, programa.
Do: Processo ensino-aprendizagem:
- coerente com objetivos
- contínua, sistematizada.
Elementos: desempenho do aluno (perfil e competências)
- aspecto cognitivo,
conhecimentos/aprendizado crítico,
- atitudes, habilidades,
superação de dificuldades, solução de problemas, criatividade,
espírito de grupo, compromisso.
- aspecto ético,
desempenho do professor (educador, articulador, orientador, facilitador)
- conhecimentos,
- atitudes, habilidades.
Tópicos: Identificar dificuldades de aprendizagem.
- Apresentar propostas para o aperfeiçoamento do processo de ensino-aprendizagem.
- Verificar o alcance dos objetivos.
- Determinar e medir níveis de rendimento dos alunos/programas.
- Apresentar avaliação final dos alunos/programas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta ora apresentada foi concebida dentro
da realidade do curso de Serviço Social – UniVap, mas
dado sua generalidade às questões que se referem ao
processo ensino-aprendizagem, entendemos que poderá
ser estendido, adaptado ou reformulado para outros
cursos da Instituição.
O intuito maior é envidar esforços para o desenvolvimento e aperfeiçoamento do ensino, pesquisa e
extensão, otimizando os recursos existentes ou criando
novos, de forma a concretizar a interface Instituição/
aluno/sociedade.
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA
Brasil – Forum de Pró-Reitores de Graduação das Universidades Brasileiras. Plano Nacional de Graduação:
um projeto em construção. Brasília, 1999.
Chaui, M. Escritos sobre a universidade. São Paulo:
UNESP, 2001.
MARTINS, R. C. R.; Martins, C. B. Programas de inovação no ensino de graduação: uma avaliação preliminar.
Estudos e Debates, n. 20. Brasília, CRUB, março 1999.
MEC – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Lei nº 9394, 1996.
MEC – Enfrentar e vencer desafios. 2000.
MEC – Uma nova política para educação superior.
Comissão Nacional para a reformulação da educação
superior. Relatório Final. Brasília, nov. 1985.
PUC – Diretrizes para o ensino de graduação. Projeto
Pedagógico. Curitiba, PUC, 2000.
UNESCO. Declaração mundial sobre educação superior. Paris. 1998. Trad. Amós Nascimento. Piracicaba,
UNIMEP, 1998.
UNISC. Plano de Desenvolvimento Institucional –
2001 –2005. Santa Cruz do Sul, RS: Universidade de
Santa Cruz do Sul, 2001.
Marcovitch, J. A universidade impossível. São Paulo,
Futura, 1998.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
18
Avaliação do Exame Nacional do Curso de Administração:
um Estudo sobre a Opinião do Alunado,
FCSA/UNIVAP, 2001
Vera Lúcia Ignácio Molina *
Resumo. Este artigo pretende incentivar uma discussão sobre um dos instrumentos do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior, o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como
Provão, a partir das percepções e opiniões dos 40 alunos do curso de Administração de Empresas,
da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas, UNIVAP – São José dos Campos, sobre o provão realizado em julho de 2001, obtidas por meio do questionário e da análise de discurso. Os resultados
mais significativos são: a formação profissional é generalista-tecnicista, a qualificação profissional é
humanista e para o trabalho; o interesse pelo provão é regular para 47,5% dos sujeitos questionados
e o conceito “A” obtido pela turma de 2000 significa 100% de aproveitamento; a preocupação com
o provão e a influência do desempenho pessoal são relativas; o curso de graduação contribuiu com
o provão por meio de revisões e simulados; e 37,5% dos homens e 37.5% das mulheres se percebem
satisfatoriamente preparados para o provão. Conclui-se: (1) Os alunos não têm certeza quanto à
sua responsabilidade social com o provão. (2) O provão é uma obrigação que o aluno do ensino
superior deve cumprir. (3) Não percebem que os resultados do provão ultrapassam o cenário universitário, nem manifestam qualquer sentimento em relação a estes resultados estarem sendo utilizados
na seleção dos futuros profissionais.
Palavras-chave: Educação, qualidade do ensino-aprendizagem, Exame Nacional de Cursos.
Abstract. This article intends to stimulate a discussion about one of the instruments of the National
System of Evaluation of Higher Education, the National Courses Examination (ENC) , through the
perceptions and opinions of the 40 pupils of the Business Administration Course, of the College of
Applied Social Sciences, at UNIVAP - São José dos Campos, on the ENC taken in July of 2001. Their
opinion was collected through a questionnaire and through speech analysis. The most significant
results are: the professional formation is general-technical, the professional qualification is humanist
and suitable for the work; the preoccupation with the ENC is regular for 47,5% of the interviewed
citizens and the concept “A” got by the class of 2000 means 100% of progress; the preoccupation with
ENC and the influence of the personal performance are relative; the graduation course contributed
with ENC with reviews and simulated tests; and 37,5% of the men and 37,5% of the women seem to
be satisfactorily prepared for ENC. Conclusion: (1) the pupils are not totally certain about their social
responsibility concerning ENC. (2) ENC is an obligation that the pupils of higher education must
fulfill. (3) They do not perceive that the ENC results exceed the university scenario, and they don’t
show any feeling about the use of these results in the selection process of future professional jobs.
Key words: Education, teaching-learning quality, National Courses Examination.
1. APRESENTAÇÃO
Este artigo tem caráter exploratório e pretende
incentivar uma discussão sobre um dos instrumentos
do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior,
o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido
* Professora da UNIVAP.
19
como Provão (Lei 9131/1995). Os resultados do Provão,
juntamente com os demais procedimentos e critérios,
determinarão a qualidade e eficiência do ensino, pesquisa
e extensão, capazes de contribuir com a melhoria da
qualidade do ensino superior. A chegada do Exame Nacional de Cursos (Lei 9131/1995 e Decreto 2026/1996)
em 1996 – PROVÃO – impactou o ensino superior
brasileiro. O cenário universitário não foi mais o mesmo
desde então. De um lado, o provão provoca apreensão e
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
desconfiança dos administradores e o boicote por parte
dos universitários. De outro, estimula o debate, a crítica
e quebra a letargia do sistema. As instituições de ensino
são levadas a investirem nos recursos humanos, dobrando
o número de professores titulados nestes seis anos, e nas
estruturas físicas (Revista do Provão, N. 6, 2001, p. 12).
A idéia central deste artigo é tentar contribuir para
um debate que se torna premente na gestão universitária,
o Provão, a partir das percepções dos 40 alunos do 5.º ano
do curso de Administração de Empresas da Faculdade
de Ciências Sociais Aplicadas / UNIVAP: Quais são os
limites e possibilidades de trabalhar com os resultados
do provão para além do cenário universitário? É válido
utilizar o resultado do provão para selecionar futuros
profissionais?
Estas questões tomam a ordem do dia no momento em que uma das principais funções do provão
é justamente a de se efetivar como um instrumento de
avaliação legitimado pela opinião pública, administradores escolares e empresariais. Segundo a Lei 9131/95,
o Exame Nacional de Cursos faz parte de uma proposta
política que pretende “assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional (...)”
“realizando avaliações periódicas das instituições e cursos de nível superior, usando procedimentos e critérios
abrangentes que determinam a qualidade e eficiência
do ensino, pesquisa e extensão” (www.mec.gov.br/enc/
provao2000/sintese).
O provão, parece-nos estar consolidado como um
dos indicadores e um importante agente de transformação
do ensino superior. A partir dele, a rede física foi melhorada, cresceu o número de docentes titulados, iniciamse diferentes investigações à luz de novas propostas
pedagógicas, investe-se num novo jeito de administrar
o ensino superior, avalia-se o desempenho dos cursos,
dos professores e dos alunos.
As primeiras resistências ao provão foram superadas, principalmente junto à opinião pública, que
vem legitimando os resultados e considerando-o como
o processo de avaliação mais conhecido e transparente,
segundo a presidente do INEP, Dr.ª Maria Helena Guimarães de Castro (Revista do Provão, N. 6, 2001, p. 12).
O Exame Nacional de Cursos – PROVÃO –
parece chegar de forma definitiva numa sociedade que
carece de uma cultura de avaliação, talvez esta seja a
razão de sua chegada ter causado tanta resistência, nos
mais diversos segmentos da realidade brasileira. Muitos
dos programas de avaliação anteriores persistiram na
definição de procedimentos que acabaram induzindo
uma decisão e intimidaram tanto os profissionais como os
gestores das unidades de ensino superior, subestimando
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
o caráter essencial dos programas que é o de enfatizar a
discussão entre os agentes sociais, já que é, a discussão,
a função essencial da avaliação (Braskamp & Orly, 1997,
pp. 70-71).
Saul (1988), Braskamp et al (1997), Miller (1998)
são alguns dos autores que tratam de discutir a avaliação. Miller apresenta os objetivos que devem orientar a
escolha do instrumental: a forma de coleta de dados, a
análise e a divulgação. Qualquer programa de avaliação
deve assentar-se tanto sobre o objetivo de melhorar o desempenho (função formativa), como auxiliar na tomada
de decisões eqüitativas e eficientes (função somativa).
Neste momento histórico, a avaliação deve
centrar-se em discutir prioritariamente alguns aspectos que merecem destaque: a importância do aluno no
processo, mesmo que os objetivos da avaliação sejam,
ainda, o centro da discussão, em sua função formativa, o
processo de avaliação deve contar com múltiplas fontes
de informação e se o clima organizacional universitário
vai favorecer ou não a instalação de uma cultura de avaliação. Neste sentido, o Provão tem o mérito de reiniciar
o processo de discussão. Seus resultados, ainda, destacam
exatamente aqueles cursos cujos desempenhos ficam a
desejar. Em outros termos, o resultado acaba intimidando os cursos e as universidades, muito mais do que
criando um ambiente favorável à discussão e à tomada
de novas decisões. Não se pode pensar que o resultado
alcançado pelo aluno que não se responsabiliza com o
provão possa ser utilizado como indicador de qualidade
de ensino. Os demais instrumentos e as demais fontes de
informação que, em tese, devem auxiliar na avaliação do
curso parecem não merecer da opinião pública o mesmo
destaque pela mídia.
Os resultados que permitem afirmar que os cursos
superiores estão melhorando, que a estrutura física melhorou, que as bibliotecas e os periódicos se encontram
mais atualizados, os laboratórios mais bem equipados e
o perfil de qualificação do corpo docente melhor, são de
exclusiva responsabilidade do INEP. Ainda, não se dispõe
de estudos sistemáticos sobre a eficiência e eficácia do
provão por outras entidades de pesquisa.
À nossa disposição temos os relatórios do INEP
apresentados em discussões científicas, em seminários,
e as opiniões dos administradores de alguns cursos superiores. Na Revista do Provão (2001, N.6, p. 13), podemos
encontrar a Reitora do UEFS, o Vice-Reitor da UFBA,
como também a opinião dos primeiros colocados no
último provão. No processo de aperfeiçoamento do provão e dos demais instrumentos de avaliação do Sistema
Nacional de Avaliação do ensino superior brasileiro, a
Diretoria de Avaliação e Acesso ao Ensino Superior do
INEP iniciou uma série de seminários envolvendo dife20
rentes parceiros. Os resultados alcançados nas contínuas
discussões vêm apontando na direção de que o Exame
Nacional de Cursos tem alcançado o objetivo de melhorar
a qualidade do ensino superior brasileiro.
Segundo o documento “ Cinco anos do Exame
Nacional de Cursos” (MEC/INEP, 2001, p.2), o provão
enquanto um mecanismo de avaliação externa “propõe-se
a verificar o processo de ensino e aprendizagem no que se
refere à aquisição e aplicação de conhecimentos e habilidades básicas dos concluintes dos cursos de graduação.
O Exame não se limita, porém, a ser um diagnóstico: é,
na verdade, uma ferramenta para conhecer a realidade
dos cursos, com o objetivo de estimular a reflexão sobre
o presente e constituição de um modelo desejado e necessário para as mudanças que se quer empreender, na
consolidação de aspectos relacionados às prioridades
sociais em termos de conhecimento e tecnologia” (www.
mec.gov.br/enc/ provao2000/síntese). Faz parte do Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior e enquanto
instrumento o provão pretende “ verificar se, ao final do
curso, aquele grupo de alunos demonstra conhecimentos
atualizados na sua área, além de competências e habilidades que lhe permitam enfrentar os desafios de uma
sociedade em transformação constante” www.mec.gov.
br/enc/provao2000/sintese) .
2. PROPOSTA
As universidades, em geral, têm ficado satisfeitas
com as análises realizadas pelo INEP e muito preocupadas quando os resultados não são satisfatórios. Raras
têm sido as análises mais sistemáticas. As faculdades
e universidades não têm se preocupado em analisar os
resultados do provão, junto aos seus professores e alunos,
e, muito menos, têm se preocupado em procurar avaliar
junto aos alunos dos diferentes cursos suas opiniões e
percepções quanto ao provão, sua preparação e a participação do curso na preparação do seu desempenho.
Este artigo se coloca na proposta de realizar um estudo
exploratório sobre as opiniões e percepções dos 40 alunos
do curso de Administração de Empresas / FCSA /UNIVAP. Nossa esperança é que esta análise contribua de
fato com o debate sobre o provão e sobre o uso de seus
resultados para além do cenário universitário.
Entre os cursos que vêm conquistando excelência no provão encontra-se o curso de Administração de
Empresas. Estes cursos, mesmo cumprindo o Parecer
776/97, têm na opinião de 63,8% dos alunos que fizeram
o provão em 2000, um nível de exigência “insatisfatório”
(MEC/INEP, 2000). Isto pode significar que as sólidas
competências que devem preparar o graduado para os
desafios das rápidas transformações da sociedade, do
mercado de trabalho e das condições do exercício profissional, não estão sendo construídas. Se os alunos não se
21
vêem com capacidade de identificar as dificuldades e as
oportunidades, de lidar e propor soluções em processos
de mudança, de desenvolver raciocínio lógico, crítico e
analítico e nem se vêem capazes de coordenar equipes
de trabalho e liderar, a coordenação destes cursos precisa, com urgência, elaborar uma agenda para discussão
com seus professores. O aluno precisa se sentir capaz
de enfrentar o provão, graças à sua própria preparação
e à preparação feita pelo curso, e se tornar responsável
socialmente pelo provão.
O curso de Administração de Empresas da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas / UNIVAP participa do Exame Nacional de Cursos, desde 1997. Neste
primeiro ano, alcançou o conceito “B”, nos anos de 98
e 99, o conceito “C”, e no ano 2000, o conceito “A”.
Este estudo, embora exploratório, é o primeiro
realizado pelo curso de Administração de Empresas da
Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas – UNIVAP.
A expectativa é que volte a ser realizado nas próximas
turmas, para que se tenha, no final de algum tempo,
resultados acumulativos, representatividade estatística
que permitam a generalização dos dados e permitam
avaliar o provão segundo a opinião dos graduandos em
Administração de Empresas e orientem a organização de
uma agenda de discussão sobre o curso.
Procura-se identificar as opiniões destes sujeitos
quanto à sua formação profissional e o tipo de qualificação profissional desenvolvida durante o curso; as opiniões e percepções quanto ao provão e sua importância.
Concomitantemente, procurou-se delinear a preparação
e o desempenho pessoal para o provão.
3. METODOLOGIA
O estudo, como já afirmamos anteriormente, é
exploratório, portanto não conclusivo, impedindo qualquer nível de generalização; partiu de um levantamento
por meio de um questionário (anexo 1), composto por
19 itens, considerando o tipo de formação e qualificação profissional oferecidos pelo curso, expectativas
quanto à especialização profissional e opiniões sobre o
resultado, sobre a preparação e interesse pelo provão. O
questionário é uma adaptação do instrumento elaborado
por Nicodemo (2001) e aplicado aos alunos do curso
integral da Faculdade de Odontologia de São José dos
Campos/ UNESP.
Para a análise dos dados será utilizada a estatística
descritiva. Para garantir o entendimento das opiniões e
percepções dos alunos sobre o provão faz-se uso da análise de discurso. A análise de discurso é uma metodologia
que vem sendo usada para os estudos centrados tanto
no processo de construção das representações sociais,
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
como nos estudos que visam entender as representações
sociais de um dado grupo (Spink, 1993a,1993b, 1999;
Agner, 1999). Seguimos os seguintes passos para a
análise: leitura flutuante para aflorar os temas, a prática
e o investimento afetivo e, em seguida, definição do
objeto da representação, considerando os objetivos do
presente estudo.
4. RESULTADOS
Dos 40 alunos questionados para o presente estudo, 55 % pertencem ao sexo masculino (tabela1 e gráfico
1) e 52,5% se encontram na faixa etária de 22 a 25 anos
(tabela 2 e gráfico 2).
Quando questionados sobre as disciplinas do curso que desenvolveram as habilidades técnicas, pessoais
e sociais, encontramos a seguinte situação (ver quadros
1.1; 1.2;1.3;1.4; 1.5; 1.6):
A) Administração Financeira (15%), Administração de Produção (15%), Teoria Geral da Administração
(15%) e Organização e Métodos (12,5%) são apontadas
como as disciplinas que mais colaboraram no desenvolvimento das habilidades técnicas. Em segunda opção,
as disciplinas selecionadas são: Contabilidade (12,5%),
Organização e Métodos (12,5%), Teoria Geral da Administração (10%) e Análise Financeira (7,5%).
B) Recursos Humanos (50%), Psicologia (17,5%)
e Marketing (12,5%) foram as disciplinas escolhidas
como aquelas que mais auxiliaram no desenvolvimento
das habilidades pessoais, como tolerância, paciência,
identificação com a profissão, realização e satisfação.
Em segunda opção, as escolhas recaíram sobre Recursos Humanos (22,5%), Projetos (12,5%) e Psicologia e
Sociologia (7,5 cada). O que nos chama a atenção é a
escolha das disciplinas “Relações Humanas” e “Projetos”. Muitas podem ser as variáveis e as circunstâncias
sociais que levam 50% dos alunos a selecionarem
Recursos Humanos e 12,5% Projetos. Entender as relações humanas não significa que se tenha qualidades
pessoais para a atuação profissional. O isolamento ou a
distância de situações conflitantes experimentadas pelo
profissional durante suas atividades de trabalho (criação
e elaboração de projetos) podem estar sendo vistas
como valorização social, mas, com certeza, não colabora
com o desenvolvimento de habilidades pessoais, como
se espera da Psicologia, indicada por apenas 7,5% dos
alunos questionados.
C) Recursos Humanos (22,5%), Sociologia
(22,5%) e Psicologia (5%) são as disciplinas apontadas
como favoráveis ao desenvolvimento das habilidades
sociais, como o respeito pelo outro, comunicação, clareza
da hierarquia social e da localização no espaço social.
Em 2.ª opção, a Sociologia (17%), Recursos Humanos
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
(12,5%) e Filosofia (5%) foram as escolhidas.
D) O percentual da categoria “sem resposta”
chama atenção. Entre 10 a 15% dos alunos preferiram
não identificar qualquer disciplina do curso que tivesse
contribuído com o desenvolvimento de habilidades técnicas, pessoais e sociais.
Quando questionados sobre como avaliam a
formação profissional oferecida pelo curso de Administração de Empresas (ver gráficos e tabelas 3 e 4),
47,5% dos alunos consideram ser “bom” o fato de ela
ser generalista, embora 72,5% não pretendam continuar
sendo um administrador generalista (gráfico e tabela
7). Destes, 92,5% pretendem se especializar (gráfico e
tabela 8) e de preferência no próximo ano (67,6%) (ver
gráfico e tabela 9), quando pensam estar trabalhando em
empresas locais (82,5%) (ver gráfico e tabela 6). Dos
alunos questionados, 32% consideram ser “bom” ela ser
tecnicista. Para 62% dos alunos, a formação profissional
obtida no curso de Administração de Empresas é tida
como com qualificação tanto para o trabalho como para
a área humana (gráfico e tabela 5).
Ao pretenderem se especializar, selecionam as
seguintes áreas (quadro 2): Marketing (13,5%), Administração de Materiais (10,8%) e Logística (10,8%).
As razões que justificam a escolha destas áreas são
principalmente a atualização na área (35,1%) e identificação com ela (43,2%), e, em 2.ª opção, o gosto pela
pesquisa (13,5%), facilidade, utilidade e habilidade na
área (16,2%) e a possibilidade de crescimento na área
(13,5%) (quadros 3A e 3B).
O resultado do provão (ver gráfico e tabela 10)
é considerado importante muito mais para a UNIVAP
e para os alunos (37,5%) do que para o curso e alunos
(25%). A contribuição da Faculdade de Ciências Sociais
Aplicadas e do curso de Administração de Empresas
somada ao aproveitamento pessoal foram significativos
para a preparação individual para 53,3% dos questionados (gráfico e tabela 12). Mesmo recebendo esta preparação, 55% se acham preparados de maneira “satisfatória”,
e 25% não se consideraram preparados (gráfico e tabela
11). A preparação dada pelo curso constou, segundo os
alunos, de simulados (55%), revisão geral e revisão em
Recursos Humanos (12,5% respectivamente) (ver gráfico
e tabela 15).
O interesse pelo provão é “regular” para 47,5%
(ver gráfico e tabela 13), e o conceito “A” (quadro 4),
tirado pelo curso em 2000, significa 100% de aproveitamento no curso (15%), esforço, dedicação e sucesso
(15%), empenho do aluno e reconhecimento da instituição (10% respectivamente). Dos alunos questionados,
10% são da opinião de que o conceito “não significa
22
nada” e “a avaliação é enganosa” e 12,5% preferiram
não responder.
Quando questionados sobre as relações entre a
interferência do desempenho pessoal e a preocupação com a realização do provão, temos os seguintes
resultados:
1.
Há preocupação com o provão e a
interferência do desempenho pessoal é “muita” para
17,5% dos alunos, “relativa” para 25% e “pouca” para
2,5% (tabela e gráfico 14).
2. Não há preocupação com o provão e a interferência do desempenho pessoal é “muita” para 10%
dos alunos, “relativa” para 25% e “pouca” para 10%
(tabela e gráfico 14).
3. Sem resposta = 10%.
Os alunos parecem não perceber que o provão:
1.
pode garantir o aperfeiçoamento por
meio de bolsas da CAPES, como prêmio por receberem
altas notas no provão;
2.
levam-o a assumir a responsabilidade
com a manutenção da qualidade do curso, juntamente
com o corpo docente e o corpo administrativo-pedagógico da universidade – faculdade;
3. passou a ser um certificado adicional que ele
tem e um aliado, já que, descoberto pelas empresas, algumas estão adotando o conceito do provão como critério
na hora de selecionar os candidatos a futuros profissionais
ou estágios: “as empresas catarinenses já estão usando
os resultados do provão como critério de contratação
pessoal. Até na hora de contratar estagiários, elas vão
aos cursos que obtiveram melhores resultados no exame”
(Revista do Provão, N. 6/2001, p. 33). “Vários alunos
têm relatado que a primeira pergunta dos empresários
é sobre o conceito do curso no provão” (Revista do
Provão, N. 6/2001, p. 33). Lebarbenchon (Revista do
Provão, N. 6/2001, p. 34), responsável pela central de
estágios da UFSC, vê uma nítida relação entre conceitos
no provão e emprego.
Para 53,3% dos questionados houve tanto contribuição do curso de Administração de Empresas da FCSA
(gráfico e tabela 12), por meio de simulados (55%) e
revisão (25%) (gráfico e tabela 15), como por empenho
do aluno. O interesse pelo exame foi “regular” para
47,5% (ver tabelas 12 e 13). Dos alunos questionados,
15% (tabela 15) são da opinião de que a faculdade e o
curso “não colaboraram” com o provão (tabela 15), a
interferência do desempenho pessoal é “relativa” e a preocupação com o exame “não existe” (10%, ver tabela 14).
23
Quanto à preparação do aluno questionado para
o provão (tabela e gráfico 11), não há diferenças de
gênero, pois tanto os homens (37,5%) como as mulheres
(37,5%) se acham “sim”, preparados “plenamente” e
“satisfatoriamente” respectivamente, para o exame.
Quanto às mulheres, 15% delas “não” se sentem preparadas para o exame.
Não existem diferenças significativas entre a
distribuição por sexo e o tipo de qualificação recebida
durante a formação profissional, pois 25% dos homens
como 35% das mulheres acreditam terem obtido tanto
uma qualificação para o trabalho como uma qualificação
humana (tabela 16).
Dos questionados, 12,5% dos alunos e 25% das
alunas (tabela 17) definem que a importância do provão
é tanto para a UNIVAP como para eles. Entre os alunos,
22,5% dos homens e 32,5% das mulheres (tabela 18)
se consideram “satisfatoriamente” preparados para o
provão.
Como o estudo foi realizado para conhecer e descrever as opiniões de um determinado grupo de alunos,
5.º ano do curso de Administração de Empresas /FCSA
– UNIVAP, turma 2001, a generalização dos resultados
obtidos não cabe. Mesmo assim, aplicamos o teste x2,
relacionando a distribuição por sexo e o tipo de qualificação profissional (tabela 16A), a importância do provão
(17A) e a preparação do aluno para o provão (18A) para
explicitar a proporção entre as variáveis. Os resultados
dos testes nos levam a concluir que as proporções “não
diferem” e estes resultados nos levam a inferir que as
opiniões se mantêm independentemente da categoria
sexo. O tamanho da população-alvo (N=40) pode não ter
sido significativa, o que reforça a nossa impossibilidade
de generalizar os resultados acima descritos.
5. DISCUSSÃO
As evidências empíricas indicam que os atores sociais elaboram seus conceitos sobre os fatos e fenômenos
do mundo histórico – social. Em geral, estes conceitos
organizados pelo senso comum são denominados pelo
mundo científico de representação social.
Entende-se por representação social, o sistema
de interpretação, com valores, noções e práticas, da realidade que acaba; de um lado, por organizar as relações dos
indivíduos com o mundo histórico – social e orientar suas
condutas e seus comportamentos; e de outro, possibilitar
a comunicação com os demais membros da comunidade.
Para Jodelet,
As representações sociais são formas de
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
pensamento utilizadas na comunicação,
na compreensão e no ensino do meio social, material e ideativo, que surgem das
obras dos atores sociais e de seus relatos
de fatos e fenômenos sociais. A construção
das representações sociais inclui, também,
as estruturas imaginárias e simbólicas dos
atores sociais (1989, p. 100).
Toda representação social é representação de algo e de alguém. Assim, não é a
duplicação do real, nem é a duplicação
do ideal, nem a parte subjetiva do objeto.
Sendo que constitui o processo pelo qual
se estabelece sua relação (1984, p. 175).
Os grupos e as categorias sociais têm impressões
sensoriais e experiências pessoais distintas e percebem
diferentemente o mundo histórico – social, organizando
suas representações sociais na vida cotidiana.
Já que as representações sociais são elaboradas no
cotidiano dos grupos ou categorias sociais, elas tendem
a se distanciarem dos conceitos elaborados no mundo
científico, pois
é o saber que preenche nossa vida diária
e que se possui sem haver procurado ou
estudado, sem aplicação de um método
e sem haver refletido sobre algo (Babini,
1957, p. 21).
Como se trata da análise de discurso sobre as
representações sociais de alunos do 5.º curso de Administração de Empresas/FCSA/UNIVAP sobre o provão,
utilizamos como dimensões analíticas: a teoria sobre o
provão e sobre o aluno, candidato ao provão, ofertada
pelo INEP; a prática do provão no que diz respeito ao
tratamento do provão, assim como os encaminhamentos
específicos no cotidiano do curso; e os investimentos
afetivos. Em seguida, construímos dois mapas (p.129)
que transcrevem a fala dos alunos nos questionários,
respeitando a ordem do discurso para as dimensões criadas e que possibilitam a associação de idéias entre estas
dimensões. Da leitura flutuante, elaboramos os mapas 1
e 2. O primeiro sintetiza as construções sobre provão e
candidato ao provão; o segundo sintetiza o discurso do
aluno sobre o provão. De um lado, está a obrigatoriedade
de realizá-lo e, de outro, o curso não os prepara como
devia. Concomitantemente identificam-se as práticas
dos candidatos, a adoção pelo aluno de uma conduta
considerada adequada no sentido de seu desempenho
pessoal favorecer a aprovação no exame ou a adoção de
uma retórica sobre os efeitos dos resultados.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
No mapa das associações de idéias sobre o provão, mapeamos o discurso dos alunos a partir dos temas
emergentes definidos pela leitura flutuante. Utilizamos
três temas: a função do provão, a preparação para o
provão, o interesse nos resultados do provão, de modo
a entendermos a construção que os alunos questionados
fazem do provão .
Associadas as idéias dos alunos sobre o provão,
transportamos estas associações para o mapa 2, pontuando as relações entre os elementos cognitivos, as práticas e
os investimentos afetivos, tal como orientados por Spink
(1995, pp.129-140).
Pensamos ter captado as divergências e aspectos
comuns e compartilhados pelo grupo questionado, concomitantemente procuramos acessar os investimentos
afetivos a partir das contradições presentes no discurso.
O mapa de associação de idéias e o da representação social do provão (p.129) nos levam a entender que,
embora o Exame Nacional de Cursos - Administração de
Empresas - seja um mecanismo de avaliação externa para
verificar o processo de ensino-aprendizagem, legitimado
pela opinião pública, os alunos questionados não o consideram como sendo sempre de seu interesse particular
e que os resultados alcançados tanto pelo aluno como
pelo curso podem ser “enganosos”, “não significarem
nada”. Tampouco estão “muito preocupados” com
esta obrigatoriedade, embora se acreditem estar satisfatoriamente preparados devido às contribuições do curso
por meio de revisões e simulados e ao próprio empenho
durante o processo de formação.
Independentemente dos resultados que possam
vir a ter, a maioria tem a expectativa de estar atuando
como administradores em empresas locais e de se especializarem nos próximos dois anos.
24
Mapa 1 - Das associações de idéias sobre o provão, presentes no discurso dos alunos questionados
Mapa 2 - Representação Social do Provão
OBS.: Dos sujeitos questionados, 37,5% dos homens e 37,5% das mulheres, se percebem “plenamente” e
“satisfatoriamente” respectivamente, preparados para o provão. Entre as mulheres, 15% “não se percebem
preparadas” para o provão, enquanto entre os homens, 10%.
25
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
6. CONCLUSÕES
Conhecer e compreender como o aluno, o protagonista, se relaciona com o Exame Nacional de Cursos,
com a própria formação profissional e com o seu desempenho pessoal no provão e com os demais fenômenos
sociais da sociedade brasileira podem levar os gestores
e professores do ensino superior a dialogarem com mais
clareza durante o ato educativo e acompanhá-lo por
meio de uma pedagogia personalizadora, fundamentada
no estudo atento de seus limites e possibilidades. Os
relatos sobre o Exame Nacional de Cursos demonstram
as formas como estabelecem suas relações com a universidade, com o curso, com o provão e com o futuro
mercado de trabalho.
A partir dos resultados alcançados e acima apresentados, nos mapas 1 e 2, foi-nos permitido concluir que:
1.
Não há clareza quanto à responsabilidade social por parte do aluno com o provão realizado
em julho/2001. Não se vêem como sujeitos de sua própria
formação. O provão é uma obrigação que o aluno do
ensino superior deve cumprir.
2.
Os alunos acreditam estar satisfatoriamente preparados para o provão, embora seu interesse
seja regular e a interferência de seu desempenho pessoal,
relativa.
3.
De um lado, acreditam-se preparados
para o provão, respeitam o conceito “A” obtido em
2000 pelo curso de Administração de Empresas / FCSA
/ UNIVAP. Acreditam que este resultado indica esforço,
dedicação, sucesso, 100% de aproveitamento; de outro,
não manifestam responsabilidade em repetir o conceito,
nem “grande” interesse pelo provão. Estão pouco comprometidos e preocupados se há ou não desempenho
pessoal com o provão.
4.
Na prática, a participação compulsória
no provão gera resistências pessoais, mas o torna importante para classificar o curso e a universidade, o que
acaba legitimando o provão como exclusivamente um
instrumento de avaliação externa da qualidade do ensino,
do aluno e da formação profissional. A participação de
100% dos alunos no provão legitima o processo de avaliação, mas nem sempre com a responsabilidade pessoal
do aluno.
5.
O aluno recebeu uma formação generalista - tecnicista e uma qualificação tanto humana
como para o trabalho, o que na maioria das opiniões
dos alunos lhes permite atuar em empresas locais e se
especializarem nas áreas de marketing, administração
de materiais e logística. Embora persistam que o curso
deve, no futuro, melhorar sua contribuição para o provão.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
6.
Os alunos não percebem que os resultados do provão ultrapassam o cenário universitário. Nenhum deles manifestou qualquer sentimento em relação
ao uso do provão para a seleção de futuros profissionais,
para facilitar o acesso à pós-graduação. O INEP deve
melhorar a disseminação destas informações junto aos
alunos, assim como as próprias universidades.
Os alunos desconhecem os demais mecanismos
do Sistema Nacional de Avaliação. O Exame Nacional de
Cursos legitimou-se como o único instrumento de avaliação do ensino superior junto à mídia; a nota da prova
passa a ser um certificado das condições de enfrentamento dos desafios de uma sociedade em transformação.
Pensamos ter inferido que o sentido que dão
ao Provão/2001 venha, num futuro próximo, facilitar o
processo de compreensão de que ele passa a ser mais
que um instrumento que avalia os cursos, mas um indicador a ser utilizado na disputa pelo acesso ao mercado
de trabalho. Que os alunos passem a se comprometerem
com o provão, entendendo que sua participação deve ser
de responsabilidade social, auxiliando a diagnosticar as
deficiências e assim contribuir para melhorar a qualidade da educação e atender, assim, às necessidades de
crescimento e desenvolvimento da sociedade brasileira.
7. BIBLIOGRAFIA
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pesquisa das representações sociais. IN: Textos em
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27
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Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Gráfico 1 - Distribuição por sexo
Gráfico 2 - Distribuição por faixa etária
Gráfico 3 - A formação profissional, por sexo, na visão generalista é:
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
28
Gráfico 4 - A formação profissional tecnicista, por sexo, é:
Gráfico 5 - Formação profissional: qualificação para o trabalho ou qualificação humana
Gráfico 6 - Onde irá exercer a profissão?
29
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Gráfico 7 - A pretensão de continuar sendo um profissional generalista
Gráfico 8 - Você pretende se especializar?
Gráfico 9 - Quando pretende iniciar a especialização?
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
30
Gráfico 10 - O resultado do provão é importante para:
Gráfico 11 - Você se acha preparado para o provão?
Gráfico 12 - A melhor opinião sobre a minha preparação para o provão é:
31
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Gráfico 13 - O interesse pelo Provão é:
Gráfico 14 - Relações entre a interferência do desempenho pessoal no provão com a preocupação a respei-
Gráfico 15 - Colaboração da FCSA ao Provão
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
32
Gráfico 16 - Distribuição por sexo e formação profissional: qualificação para o trabalho ou qualificação
Gráfico 17 - Distribuição por sexo e a importância dos resultados do Provão
Gráfico 18 - Distribuição por sexo e a opinião sobre a preparação para o Provão
33
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Tabela 1 - Distribuição por sexo
Tabela 2 - Distribuição por idade
Tabela 3 - A Formação profissional na visão generalista é:
Tabela 4 - A formação profissional tecnicista é:
Tabela 5 - Qualificação para o trabalho ou qualificação humana?
Tabela 6 - Onde pensa exercer a profissão no ano que vem?
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
34
Tabela 7 - Pretensão de continuar sendo um administrador generalista
Tabela 8 - Você pretende se especializar?
Tabela 9 - Quando pretende se especializar? (N=37)
Tabela 10 - O resultado do Provão é importante para:
Tabela 11 - Você se acha preparado para o Provão?
Tabela 12 - Você se acha preparado para o Provão?
35
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Tabela 13 - O seu interesse pelo Provão é:
Tabela 14 - Interferência do desempenho pessoal no resultado do Provão com a preocupação a respeito
Tabela 15 - A colaboração dada ao Provão pela FCSA/Curso
Tabela 16 - Distribuição por sexo e formação profissional com qualificação para o trabalho ou humana
(questões 1 e 5)
Legenda: 1.Com qualificação para o trabalho; 2. com qualificação humana; 3. com qualificação
p/ o trabalho e humana; 4. mais com qualificação para o trabalho; 5. mais com qualificação
humana; 6. nenhuma das alternativas acima.
Tabela 16A - Distribuição por sexo e formação profissional com qualificação para o trabalho ou humana
(questões 1 e 5) – TESTE x2
(x2 =0,269; gl=1; p=0,604)
Conclusão: as proporções (10/18 x 14/22) não diferem.
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36
Tabela 17 - Distribuição por sexo e a importância dos resultados do Provão para o aluno (questões 1 e 12)
Legenda: 1.importante para a UNIVAP/FCSA; 2. Para a FCSA e o curso de Administração; 3. Para os alunos do curso de Administração; 4. Para a UNIVAP e
para os alunos; 5. Para o curso e para os alunos.
Tabela 17A - Distribuição por sexo e a importância dos resultados do Provão para o aluno
(questões 1 e 12) – TESTE x2
(x2=0,825; gl=1; p=0,364)
Conclusão: as proporções 5/17 x 10/23) não diferem
Tabela 18 - Distribuição por sexo e a opinião do aluno sobre sua preparação para o Provão (questões 1 e
Legenda:
1. Sim, plenamente preparado; 2. Sim, satisfatoriamente; 3. Não.
Tabela 18A - Distribuição por sexo e a opinião do aluno sobre sua preparação para o provão
(questões 1 e 14) – TESTE x2
(x2=0,853; gl=1; 0,356)
Conclusão: as proporções (14/17 x 16/23) não diferem.
37
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Quadro 1.1A - (questão 3) - Disciplinas e qualidades técnicas
(1.ª opção)
Quadro 1.2A - (questão 3) - Disciplinas e qualidades técnicas
(2.ª opção)
Quadro 1.3B - (questão 3) - Disciplinas e qualidades pessoais
(1.ª opção)
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Quadro 1.4B - (questão 3) - Disciplinas e qualidades pessoais
(2.ª opção)
Quadro 1.5C - (questão 3) - Disciplinas e qualidades sociais
(1.ª opção)
Quadro 1.6C - (questão 3) - Disciplinas e qualidades sociais
(2.ª opção)
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Quadro 2 - (questão 8) - Áreas de especialização
Outros: mercado de capitais, administração de mercado,
negociação, gestão de qualidade, engenharia de produção,
administração geral, economia, sistema de informação.
Quadro 3A - (questão 11) - Razões para a escolha das áreas de especialização
(1.ª opção)
Quadro 3B - (questão 11) - Razões para a escolha das áreas de especialização
(2.ª opção)
Quadro 4 - (questão 13) - O significado da “nota A” obtido pela turma de 2000
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Avaliação da Qualidade Ambiental de Três Áreas de Lazer
Públicas em São José dos Campos-SP:
do Projeto à Pós-ocupação
Rubens Antônio Reisig Moreira *
Mário Valério Filho **
Emmanuel Antonio dos Santos **
Resumo. A avaliação da qualidade ambiental de áreas de lazer públicas surgiu por considerar-se que
este tipo de espaço apresenta um significado muito singular e importante para a cidade. Baseou-se
nos estudos de Lynch e de Kohlsdorf para estabelecer técnicas capazes de identificar e classificar
os elementos de cognição ambiental das três áreas estudadas, fazendo do desenho ambiental uma
ferramenta de planejamento urbano. Os objetivos deste estudo foram, primeiro, o de verificar qual
era a compreensão que os usuários tinham destes espaços urbanos; segundo, se as suas necessidades eram as mesmas nas diferentes classes de renda; terceiro, se a qualidade, quantidade e uso dos
equipamentos eram os mesmos, e, por último, identificar quais eram as semelhanças e diferenças
entre o projeto e a pós-ocupação.
Palavras-chave: Desenho Urbano, qualidade ambiental, área de lazer pública, cognição ambiental.
Abstract. The evaluation of the environmental qualities of public leisure spaces emerged because
those spaces have a unique and important meaning for the city. This study was based on Lynch and
Kohlsdorf´s studies to establish ways to identify and classify the environment-behavior studies of
these three areas, turning Environmental Design into a tool for Urbanism. The plans were, first, to
verify how users perceived the place. Second, to verify if the users needs were the same in the different
social classes. Third, to verify if the facilities were similar in quality, quantity and usage. Finally,
to identify differences and similarities between the original plans and the actual use of the places.
Key words: Urban design, environmental quality, public leisure spaces, environment behavior.
1. INTRODUÇÃO
Por considerar que as paisagens podem influenciar
comportamentos específicos, individuais e de grupo,
inconscientes ou conscientes, através de processos
psicológicos ligados a fatores afetivos e de preferências
ambientais, este trabalho avaliou a qualidade ambiental
dos projetos e dos espaços construídos de três áreas de
lazer públicas com base nos estudos de Lynch e de Kohlsdorf. Tinha o objetivo de determinar o grau de identificação dos aspectos topoceptivos, ou aspectos chaves
de localização e de identificação do espaço. Para tanto,
escolheram-se três bairros que melhor representassem
as diferentes classes de renda e a história do município.
* Mestre em Planejamento Urbano e Regional - UNIVAP
2001.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Estes refletiram, principalmente, a intensa expansão urbana do município, por ser a responsável pela contínua
reconfiguração dos arcabouços culturais determinantes
da paisagem e da fragmentação da identidade espacial.
O histórico destes bairros teve a finalidade de
determinar sob quais circunstâncias surgiram e foram
aprovados os projetos criadores destes e de suas respectivas áreas de lazer. Ou seja, sob qual Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado, sob qual Lei de Uso do Solo
e em que fase de desenvolvimento da cidade estes bairros
surgiram legalmente. Já o questionário aos usuários das
áreas de lazer determinou o quanto a população percebe
a forma do bairro, seus limites físicos, seus elementos
históricos, seus marcos visuais, além de seu vínculo com
os bairros.
Para KOHLSDORF (1996) o espaço urbano é
apreensível a partir de suas manifestações externas, em
etapas de sucessão cognitiva, onde se desenvolve um
44
movimento de objetivação de informações. Os lugares
apresentar-se-iam no espaço urbano real como uma
totalidade complexa formada por atividades, formas,
significados e práticas sociais sensivelmente captáveis.
2. OBJETIVO
O objetivo deste trabalho era avaliar a qualidade
ambiental de três áreas de lazer públicas no município
de São José dos Campos com o intuito verificar qual a
possível contribuição do Desenho Urbano para o progresso do Planejamento Urbano em São José dos Campos e
qual o papel dos instrumentos de política pública. Para
tanto, tornou-se necessário:
⇒ Verificar a compreensão que os usuários
tinham dos espaços, através da análise de desempenho
topoceptivo.
⇒ Verificar se as necessidades da população eram
as mesmas nas diferentes classes de renda, e se a qualidade, quantidade e uso dos equipamentos eram os mesmos.
⇒ Verificar as semelhanças e diferenças entre o
projeto e a pós-ocupação pela análise do desempenho
topoceptivo.
⇒ Verificar a maneira de aproximar o planejamento urbano às aspirações da comunidade local.
3. METODOLOGIA
A definição da pesquisa e seus métodos ocorreu
ao verificar mudanças morfológicas na execução de áreas
de lazer, a não execução de alguns projetos aprovados e a
não consolidação de algumas áreas de lazer. Essa pesquisa consistiu em analisar topoceptivamente os projetos e
as áreas implantadas. As técnicas escolhidas foram mapas
topoceptivos e questões abertas e questões fechadas por
diferenciação de semântica aplicada aos usuários.
Os mapas topoceptivos foram ferramentas para
analisar os elementos estruturadores do espaço destas
áreas. Estes mapas foram realizados in loco pelo pesquisador, o qual marcava os pontos de forte estruturação
cognitiva, que induziam à formação de uma imagem
mental, conforme os preceitos de Lynch - malha, vias,
limites, partes, pontos focais ou nós e marcos.
As questões abertas e fechadas determinadas
para o estudo foram organizadas com o intuito de verificar o valor afetivo do usuário pelo bairro e pela área
em questão, se os elementos de estruturação cognitiva
identificados pelo pesquisador correspondem aos mesmos elementos percebidos pelos usuários e como seria
a apropriação espacial da população.
45
Os métodos de qualidades semânticas originamse, conforme KOHLSDORF (1996), da abordagem da
forma dos lugares como um sistema de signos, onde as
diversas composições plásticas constroem qualidades
que representam a relação objeto, signo e sujeito. Tem
como técnicas a avaliação das qualidades: legibilidade,
pregnância, individualidade, continuidade, clareza, dominância, originalidade, associatividade, complexidade
e variabilidade.
4. OBJETO
Segundo CHUSTER (1999), a consolidação do
parque industrial aeronáutico iniciado na década de 50 e
intensificado nos anos 70 trouxe consigo um acentuado
crescimento demográfico, a imigração de trabalhadores
não capacitados tecnicamente, a saturação da estrutura
pública de prestação de serviços (saneamento, saúde,
educação), as interposições e interrupções de tecidos
urbanos, além da carência imobiliária.
Constatou-se que:
⇒ Todos os bairros estudados eram urbanizados
e possuidores de boa infra-estrutura.
⇒ Possuíam vias carroçáveis interrompidas em
sua malha e áreas de lazer centrais como marcos dos
bairros.
⇒ A falta de manutenção degradou as áreas de
lazer, diminuindo o uso e a apropriação espacial.
⇒ A identificação da vegetação, seu agrupamento, sua dimensão, assim como a posição dos mobiliários
urbanos interferiram na percepção dos espaços, no seu
uso e na escolha dos lugares preferidos pelos usuários.
⇒ A diferença do tipo de usuários fez com que
o espaço fosse apropriado de forma diferenciada. Os
usuários transeuntes identificaram a função de circulação do espaço, utilizando-se dele apenas como passeio,
fixando-se pouco no ambiente, diminuindo seu tempo de
permanência e sua interação com o meio. Os usuários
moradores perceberam melhor o ambiente, determinando
várias funções diferenciadas, interagindo mais ricamente com o ambiente e estabelecendo com o espaço uma
certa cumplicidade. Proporcionou, assim, a criação de
associações imaginativas com suas infâncias, com outros
lugares ou com outras situações prazerosas.
4.1 Jardim Petrópolis
Sobre um terreno plano e central, a Praça Giordano Bruno, de área de 7.278,50 m², foi contemplada
com um projeto de paisagismo de influência neoclássica
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
com ortogonalidade marcante e estruturadora do espaço
(Ver Fig. 1). Esse privilegiou a existência de uma malha
quadricular de vias de tamanhos exagerados (8 metros de
largura), com o objetivo de interligar as vias carroçáveis
do bairro e conduzir as pessoas ao ponto focal, o centro
da área de lazer. O centro configurar-se-ia em um lugar
de convivência da população, devido à ampliação das
vias e pela existência de um marco neste ponto.
A vegetação arbustiva densa proporcionaria o
efeito enclausurador necessário para que a relação de
cheios e vazios fosse responsável pela hierarquização
espacial da paisagem.
As partes seriam configuradas pelo traçado das
vias e distribuídas simetricamente no ambiente. A hierarquização seria determinada pela polarização do ponto
focal. A área central configurar-se-ia na principal parte
da paisagem, e as áreas perimetrais, nas secundárias.
Após a execução deste projeto paisagístico,
constatou-se a rápida degradação espacial da área de
lazer. Isto ocorreu devido à infra-estrutura do bairro ainda
não ter sido implantada na época da execução da área de
lazer, à criação de vias muito largas, ao plantio de mudas
em número e porte insuficientes, à falta de manutenção
e à instalação de mobiliários urbanos próximos aos cruzamentos (Ver Fig. 2).
Assim, apesar de a malha da área de lazer manterse em uma quadrícula e a demarcação das vias de pedestre
ser ainda perceptível, surgiram traçados espontâneos de
interligação entre as ruas carroçáveis. Isto fez com que
se alterassem as funções de lazer e de convívio social
para a de circulação.
Constatou-se que:
⇒ Os limites da área de lazer delimitavam bem
a área, servindo como enclausuradores da paisagem e
determinadores das partes.
⇒ O espaço vazio da área, espaço central, era
possuidor do menor valor perceptório e responsável pela
baixa definição dos pontos focais, pela valorização das
árvores próximas à calçada como elementos marcantes,
pelo fraco desempenho estruturador dos mobiliários
urbanos, e pelas baixas qualidades semânticas da praça
- pouca legibilidade, individualidade, clareza, originalidade, complexidade e variabilidade.
⇒ A relação todo versus parte, entre bairro e
praça, limitava-se à centralidade da área de lazer e à estruturação de sua morfologia pelas edificações limítrofes.
⇒ A relação da praça com as suas partes fez
dela uma área pouco utilizada, excetuando suas partes
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
periféricas, junto à calçada.
⇒ Os moradores identificaram a praça do bairro
como algo memorável. Para eles, esta área significava a
prática de atividades recreativas e esportivas, e a convivência com os amigos.
De acordo com LYNCH (1960) o ambiente
identificado, conhecido de todos, fornece material para
lembranças comuns, unindo o grupo e permitindo a
comunicação dentro dele.
O lugar mais interessante era a área sombreada à
margem da calçada, considerado atrativo, útil, colorido,
agradável e arejado.
4.2 Bosque dos Eucaliptos
Segundo CURY (1975), o projeto do bairro estava
baseado em módulos urbanos, com características semelhantes às superquadras de Brasília. A quadra-padrão
teria 219.868m² de área total, 40.720 m² de áreas verdes,
53.148 m² de circulação e 126 mil m² de área útil. Estas
quadras-padrão seriam delimitadas pelas avenidas, nos
lados, e por duas ruas transversais secundárias. Estas ruas
internas não se cruzariam, terminando em cul-de-sacs
junto às áreas verdes. Três áreas verdes destacavam-se
por estarem dispostas linearmente umas às outras, e pela
preservação de parte dos eucaliptos que deram o nome ao
bairro. Configurariam-se nos pontos focais deste, apesar
de não serem destinadas ao uso público.
Posteriormente à implantação do bairro, a faixa
central destas três áreas verdes tornou-se um parque de
lazer. O projeto dispunha de uma malha cartesiana de
vias, privilegiando os eixos longitudinais (Ver Fig. 3). As principais vias seriam as perimetrais para reforçarem
a demarcação do parque junto aos lotes circunvizinhos.
Assim, as partes seriam determinadas pelas funções que exerceriam e geradoras de um ritmo seqüencial
valorizador da percepção espacial do ambiente pelos seus
usuários. A primeira seria constituída de um bosque e de
edificações. O bosque direcionaria a circulação do usuário às laterais do projeto e envolveria a administração e o
salão de jogos. A segunda seria formada por quadras poliesportivas intercaladas por vegetação e pela circulação.
Com isso, a relação entre os cheios e os vazios geraria
espaços fortemente estruturados, delimitaria áreas permeáveis e ressaltaria os eixos viários e o ritmo da malha.
Portanto, o projeto possuía fácil legibilidade dada
pelo ritmo da malha, pelo contraste de cheios e vazios,
e pela clareza da configuração espacial. Seus ambientes
seriam portadores de individualidade perceptória.
Constatou-se in loco que:
46
⇒ Apesar de ter sido parcialmente configurado
conforme o projeto, o parque foi consolidado e aceito pela
população circunvizinha, sendo intensamente utilizado
para atividades físicas e de contemplação pelos usuários
de todas as faixas etárias, constituindo-se no ponto focal
do bairro (Ver Fig. 4).
Assim, eles, além de ressaltarem a necessidade de
segurança e de manutenção do local, ao pedirem a restruturação dos brinquedos para as crianças, ressaltaram
a continuidade espacial, a boa infra-estrutura, a atratividade, a utilidade, a agradabilidade, a beleza, a segurança,
a fácil memorização dos espaços e a dinâmica do local.
⇒ O parque possuía clareza de função devido à
boa conexão de suas partes e a elementos visualmente
fortes.
4.3 Jardim Apolo I
⇒ Sua malha cartesiana não apresentava a
mesma marcação rítmica do projeto, sendo constituída
por um eixo longitudinal dominante e por transversais
secundárias.
⇒ Α via perimetral cumpria sua função, tornandose fortalecida visualmente devido às construções limítrofes ao parque e à vegetação arbustiva contígua mais
densa e mais próxima ao olhar dos usuários.
⇒ A via central tinha a função de interligar as
quadras poliesportivas e se estruturar pela forte verticalidade dos eucaliptos em formação linear, tornando-se
um foco visual ressaltador das quadras e do eixo central.
⇒ Os pontos focais do parque eram as quadras
poliesportivas, que, ao contrário do projeto, não eram
demarcadas pela vegetação circundante, e, sim, por
elementos construídos - muros e muretas, devido à existência de vegetação esparsa, incapaz de assumir a função
determinada pelo projeto no passado.
⇒ Os marcos do parque eram perceptoriamente
frágeis.
⇒ Não eram visivelmente definidas as partes,
faltando-lhes contraste de elementos para que obtivessem tal fim. Os elementos cheios eram esparsos e não
conseguiam proporcionar o necessário enclausuramento
dos ambientes. Os eucaliptos, por serem elementos muito
verticais, tornavam-se elementos pontuais na altura do
observador e não elementos coesos.
⇒ Para os usuários, um bosque significava
qualidade de vida, sossego e os remetiam à infância.
Consideravam o bairro grande e plano, não conseguindo
delimitá-lo fisicamente, nem informar seu surgimento e o
que existia de importante nele. Apesar disto, ressaltavam
que o bairro tinha melhorado sua infra-estrutura.
⇒ O Parque de Lazer Prof. Luiz A. Ribeiro era
utilizado para as funções de passear, de fazer exercícios,
de contemplar a paisagem e de perceber o aroma dos eucaliptos; trazendo aos usuários aspecto de tranqüilidade.
47
Surgido da necessidade de densificar a região, o
projeto do bairro possuía uma malha na forma de espinha de peixe, cujas ruas eram paralelas umas as outras,
dispostas num eixo perpendicular de forma alternada.
Este eixo perpendicular foi configurado pela área de
lazer ritmicamente marcada pelos cul-de-sacs que
avançavam sobre ela, fazendo com que a malha interna
à área se configurasse diagonalmente à malha do bairro
(Ver Fig. 5). As vias de pedestres tornar-se-iam em fortes
elementos definidores da morfologia dos outros espaços
e, conseqüentemente, da legibilidade espacial desta área.
A valorização do pedestre em detrimento ao veículo faria
com que o bairro se tornasse bucólico, e os cul-de-sacs
associados fossem os determinadores das partes homogêneas da área de lazer, criando uma unidade espacial
entre a área de lazer e o bairro.
Os limites da área de lazer seriam configurados
pelas laterais dos lotes e se tornariam marcantes e de
fácil percepção, devido à possível proximidade com os
espaços edificados.
Constatou-se que a área de lazer possuía uma
situação interessante (Ver Fig. 6):
⇒ Era bem estruturada e bem conservada.
Sua centralidade fazia com que ela fosse muito
utilizada como percurso e como “respiro” para as agitadas
avenidas limitantes do bairro. Fez-se dela um obstáculo
à interligação das vias limítrofes, gerando redução da
velocidade do motorista, proporcionando, assim, tranqüilidade aos moradores.
⇒ Possuía uma malha quadricular, disposta na
diagonal em relação à malha do bairro.
⇒ Os limites eram definidos pelas edificações
residenciais de dois pavimentos e pela existência de
muros altos. Estas edificações associadas aos seus muros
estabeleciam claramente a demarcação da área. O conjunto resultava em um envoltório conformador de espaço,
não chegando a contrastar com a área de lazer, devido à
vegetação consolidada e de grande porte.
⇒ A existência de arborização no lote e nas ruas
fez com que existisse uma continuidade espacial entre
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
área de lazer e bairro.
⇒ Os pontos focais estavam associados aos
cul-de-sacs. Os localizados nas extremidades da área
tornaram-se ambientes aprazíveis por serem enclausurados por vegetação de grande porte.
⇒ Criou-se traçado espontâneo, devido à falta de
um obstáculo físico capaz de restringir a circulação de
pedestres em vias calçadas, tais como arbustos densos
dispostos próximo as vias.
⇒ Os usuários perceberam morfologicamente o
bairro como um quadrado com circulação de veículos
interrompida e com área de lazer central.
⇒ O termo área de lazer significava espaço livre
público, propício a jogar bola e a namorar. Consideravam
a praça do bairro uma boa área destinada a este fim, sobretudo, as áreas sombreadas, por trazer-lhes sentimentos
de paz e tranqüilidade.
⇒ A área de lazer não possuía elementos de
informação e seus marcos eram fracos.
⇒ A relação entre cheios e vazios estava praticamente equilibrada no ambiente, excetuando as extremidades da área, as quais tinham o predomínio do cheio.
⇒ A relação entre área de lazer e suas partes
era equilibrada, havendo a existência de alguns nichos
proporcionadores de contemplação.
⇒ O lazer passivo era predominante, apesar da
existência de uma quadra poliesportiva no local.
Fig. 1 - Croqui do projeto. Ortogonalidade, centralidade e eixos bem definidos.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
48
Fig. 2 - Princípios do projeto mantidos, porém, visualmente, não são de fácil percepção.
Fig. 3 - O projeto ressalta a ortogonalidade através das vias e da relação cheio/vazio.
Fig. 4 - Alteração em alguns elementos edificantes e no adensamento da vegetação, em relação ao projeto.
49
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Fig. 5 - Malha da área de lazer na diagonal em relação à malha do bairro. Partes homogêneas.
Fig. 6 - Estruturação espacial parecida com a do projeto. Predominância perceptória das extremidades.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluiu-se que este trabalho configurou-se em
um dos elementos capazes de possibilitar a reflexão sobre
as necessidades físicas destas áreas de lazer, de maneira
a saciar as expectativas sociais, físicas e mentais de cada
comunidade circunvizinha. Essa reflexão deveria definir
os elementos estéticos facilitadores da acessibilidade,
garantindo segurança e adequada apropriação espacial.
Para tanto, dever-se-ia analisar individualmente as
áreas de lazer, por possuírem, cada qual, necessidades
diferenciadas.
Um bom plano urbano contemplar-se-ia de um
sistema de áreas de lazer capaz de aproximar a macroescala urbana à realidade de cada bairro, de cada classe
de renda; ao invés de determinar a existência de equipaRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
mentos urbanos conforme a distância e o tamanho das
áreas de lazer.
Portanto, um sistema de áreas de lazer deveria,
em primeiro lugar, atuar em áreas que já são aceitas pelas
comunidades circunvizinhas, melhorando-as através da
manutenção, da segurança e da remodelação dos pontos
fracos de cada área. Em segundo lugar, atuar em áreas
não aceitas pela população e que estão abandonadas,
verificando, através de pesquisa, quais os elementos que
inviabilizaram a utilização destas. Em terceiro lugar,
atuar em áreas ainda não urbanizadas, em futuros parcelamentos. E, por fim, juntar-se às associações de bairros
e às comunidades organizadas com o intuito de instigar
a parceria da população à administração e manutenção
das áreas.
50
Assim, um bom planejamento deveria estar
associado a um bom projeto urbanístico, que possuísse
ambientes multifuncionais de fácil alteração, capazes
de atender as necessidades imediatas e futuras dos usuários. Para tanto, esses espaços deveriam possuir fácil
legibilidade e um certo caráter lúdico. As vias deveriam
formar seqüências espaciais progressivas e diversas,
constituindo-se de ambientes ora fechados, ora abertos,
ora sombreados, ora ensolarados, ora com vegetações
densas, ora com vegetações pontuais, proporcionando
perspectivas diferenciadas de um ponto marcante.
Portanto, um sistema de área de lazer será de
grande valia para a cidade, quando ele conseguir integrar
os elementos básicos de área de lazer aos anseios de cada
comunidade, proporcionando sua devida existência e
cumprimento de sua função social.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
51
CHUSTER, V. O zoneamento de São José dos Campos:
1971 a 1997. 1999. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) - Universidade do Vale do
Paraíba, São José dos Campos.
CURY, F. J. Urbanização. A Construção. São Paulo,
n. 1432, jul.1975. p. 12-13.
KOHLSDORF, M. E. A apreensão da forma da cidade.
Brasília: UnB, 1996.
LYNCH, K. A imagem da cidade. Tradução de Maria
Cristina Tavares Afonso. Lisboa: Setenta, 1960.
SANTOS, E. A. dos. Indústria e paisagem: A evolução
urbano-industrial e a transformação da paisagem. O caso
de São José dos Campos. 1993. Dissertação (Mestrado
em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Localização das Áreas de Inundação em São José dos
Campos-SP como Subsídio ao Planejamento Urbano
Ana Catarina Farah Perrella *
Marlene Elias Ferreira **
Resumo. São José dos Campos-SP, situada no Vale do Paraíba, tem experimentado uma urbanização
intensa desde os anos 70, devido, principalmente, à industrialização. Como resultado, vem sendo
registrado um aumento contínuo de eventos calamitosos, como inundações e deslizamentos, sobretudo nos setores onde predomina a ocupação desordenada; isto estimulando um interesse crescente
em estudos de Planejamento Urbano e Regional e de Hidrologia Urbana. O principal objetivo desta
pesquisa foi estudar, identificar e mapear as áreas urbanas de São José dos Campos sujeitas a inundações e, também, realizar um estudo espacial e temporal da precipitação pluviométrica no Vale do
Paraíba e regiões vizinhas. Para este propósito, foram empregados, em especial: (a) um banco de
dados criado a partir de um histórico de ocorrências de alagamentos atendidas pela Defesa Civil do
município ao longo de 9 anos (1991 a 1999); (b) dados horários coletados na estação meteorológica
do Aeroporto de São José dos Campos (1974-1999), que é operada pela Ministério da Aeronáutica
do Brasil; e, (c) dados de precipitação obtidos em 111 estações hidrometeorológicas de superfície,
operadas pela Companhia de Água e Energia do Estado de São Paulo (DAEE) no Vale do Paraíba e
região. Além disso, foram feitas visitas técnicas e entrevistas com os habitantes mais afetados pelos
eventos. Foi então elaborado o mapeamento das áreas sujeitas a inundações e o delineamento dos
setores mais críticos, de acordo com uma escala de risco. Destaca-se que, durante o período estudado (1991-1999), houve um aumento significativo de atendimentos pela Defesa Civil por questões
de inundação e alagamento, tendo sido registrados diversos episódios calamitosos.
Palavras-chave: Urbanização, inundações, planejamento urbano, Defesa Civil.
Abstract. São José dos Campos-SP, Brazil, located at the South Paraíba River Valley (Vale do Paraíba – Rio Paraíba do Sul), has been subject to an intense urban growth since around 1970, mainly
due to industrialization. As a result, a continuous increase of hazardous events, such as floods and
landslides, has been registered, mainly in the disorderly occupied sectors, thus stimulating a growing
interest in Urban and Regional Planning and in Urban Hydrology studies. The main objective of this
research was to identify and to map areas prone to floods in this town, as well as to make a spatial and
temporal precipitation analysis for the Paraiba Valley and surroundings. For this purpose, several
data sets were used, mainly: (a) a nine-year (1991-1999) local Civil Defense occurrence calls data
bank; (b) hourly rainfall (1974-1998), measured at the São José dos Campos Airport meteorological
station, which is operated by the Brazilian Aeronautics Ministry; and, (c) rainfall data obtained at
111 hydrometeorological surface stations, operated by the São Paulo state water and energy company
(DAEE) in the Paraíba Valley and surroundings. Besides, several technical visits, and interviews
with the inhabitants mostly affected by the hazardous events, were made. All that provided the basis
for mapping the flood prone areas in São José dos Campos, and for delineating the most critical
flooding sectors. It is to be noticed that there was a significant increase in the Civil Defense calls for
flooding reasons along the studied period (1991-1999), during which several calamitous occurrences
were registered.
Key words: Urbanization, Intense urban floods, Urban and Regional Planning, Civil Defense.
* Professora da UNIVAP.
** Pesquisadora do INPE.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
52
1. INTRODUÇÃO
As inundações decorrem de inúmeros fatores,
entre os quais um solo altamente impermeabilizado e
incapaz de absorver rapidamente uma grande quantidade de chuvas de caráter torrencial. Segundo Pompêo
(2000), “as enchentes são fenômenos naturais que ocorrem periodicamente nos cursos d’água devido a chuvas
de magnitude elevada. As enchentes em áreas urbanas
podem ser decorrentes destas chuvas intensas de largo
período de retorno, ou devidas a transbordamentos de
cursos d’água provocados por mudanças no equilíbrio
no ciclo hidrológico em regiões a montante das áreas
urbanas, ou, ainda, devidas à própria urbanização”.
Atualmente, a concentração urbana faz sentir seus
reflexos negativos em diferentes níveis. Os principais
estão relacionados, sobretudo, ao impacto ambiental e
às condições da qualidade de vida da população. Entre
as questões relacionadas ao impacto ambiental, a decorrente de chuvas intensas tem sido motivo de grande
preocupação para técnicos e administradores ligados ao
planejamento urbano e ao uso racional do solo (Mello
et al., 1994; Pedrosa, 1997; Rosa & Lacerda, 1997;
Ostrowsky, 2000).
As inundações e enchentes em áreas urbanas são
problemas com os quais o homem tem convivido ao longo
dos anos, sofrendo suas conseqüências e prejuízos. São
um sério problema para grande parte dos municípios
brasileiros, principalmente quando atingem áreas densamente ocupadas, em cujas ocasiões geram prejuízos
consideráveis e muitas vezes irreparáveis, com perda
de vidas humanas (Conti, 1975; Soares & Dias, 1986;
Gonçalves, 1992; Xavier et al., 1994; Cabral & Jesus,
1994; Brandão, 1997; Silveira, 1997, Perrella, 1999).
Estratégias urbanas, no sentido de reagir a tais
inconvenientes, pressupõem ações em dois campos.
De um lado, pela racionalização do uso do solo, num
sentido diretamente ligado ao escoamento aureolar; de
outro, por meio do aperfeiçoamento da infra-estrutura
urbana (canalização de águas pluviais e regularização
dos cursos d’água), não só dentro dos espaços urbanos
como no ambiente imediato em caso de convergência
para o sítio (Monteiro, 1976; Tucci, 1995; Tucci, 1997).
As causas das inundações são muito variadas e
abrangem o assoreamento do leito dos rios, a impermeabilização das áreas de infiltração na bacia de drenagem
e fatores climáticos. O homem, por seu lado, procura
combater os efeitos de uma cheia nos rios construindo
represas, diques, desviando o curso natural dos rios etc.
53
Mesmo com todo esse esforço, as inundações continuam
acontecendo, causando prejuízos de vários tipos (Tucci,
1997; Ferraz et al., 1998).
No caso específico de São José dos Campos, entre
os poucos estudos sobre o regime da precipitação e sobre
o impacto hidrológico da urbanização em bacias urbanas
e loteamentos, citam-se os de Conti (1975), Ferreira et
al. (1996), Ferreira et al. (1997), Fracote et al. (1998),
Brandão & Ferreira (2000) e Ferreira & Brandão (2000)
Waltz & Ferreira (2001 a) e Waltz & Ferreira (2001 b).
O presente artigo apresenta uma síntese das pesquisas realizadas por Perrella (1999) sobre o fenômeno
das inundações em São José dos Campos, em conexão
com episódios de chuvas máximas, como subsídio ao
Planejamento Urbano e Regional e à Hidrologia Urbana.
Uma das principais finalidades foi o mapeamento das
áreas do município sujeitas à inundação, na expectativa
de minorar os danos e prejuízos decorrentes dos impactos
hidrológicos da urbanização.
Para fazer este mapeamento, foi concebida uma
metodologia em bases originais a qual, por sua simplicidade, pode ser de emprego imediato por prefeituras e
órgãos de Defesa Civil.
2. MATERIAIS E MÉTODOS
2.1 A área de estudo
Localizado na região sudeste do Brasil, no leste do
Estado de São Paulo, o Vale do Paraíba é ladeado pelas
Serras do Mar e da Mantiqueira, e abrange o principal
eixo de ligação rodoviária entre São Paulo, Rio de Janeiro
e Minas Gerais.
São José dos Campos situa-se às margens da Rodovia Presidente Eurico Gaspar Dutra, a qual liga os dois
maiores centros urbano-industriais do País - São Paulo e
Rio de Janeiro (Figura 1). A cidade também está próxima
de dois portos importantes, o de Santos e o de São Sebastião, ambos no Estado de São Paulo (PMSJC, 1995).
São José dos Campos passou a se destacar, entre
os demais municípios da região, pelo grande crescimento
demográfico nas últimas décadas e pela acentuada expansão urbana, ambos impelidos pela ampliação industrial
e tecnológica.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Fig. 1 - Localização do município de São José dos Campos.
2.1.1 Expansão demográfica e urbana de São
José dos Campos
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE, 1991) e o Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE, 1994), em 1960, a população do
município era de 77.553 habitantes, já havendo predominância do urbano sobre o rural. Depois disso, as taxas
de crescimento populacional tornaram-se tão expressivas
que levaram a projeções superestimadas. Para 1996, a
projeção era de 538.076 habitantes, a qual não se confirmou. Como pode ser observada na Tabela 1, em 1996
a população atingiu, efetivamente, 485.684 habitantes.
Com base na Tabela 1, entre 1950 e 1996 a população de São José dos Campos multiplicou-se em cerca
de dez vezes. As maiores taxas de crescimento ocorreram
nas décadas de 50 (73%) e 60 (95%).
São José dos Campos sofreu as conseqüências
do desenvolvimento industrial periférico. Independentemente do planejamento em âmbito municipal, fatores
exógenos levaram à implantação de grandes estruturas,
que definiram e alteraram marcadamente a sua configuração urbana.
Tabela 1 - Crescimento populacional de São José dos Campos de 1940 a 1996
FONTE: IBGE, (1991) e SEADE (1994).
Serafim (1998) quantificou os percentuais do
crescimento da mancha urbana do município entre 1985
e 1996, indicando os vetores preferenciais da urbanização
e analisando o crescimento temporal (em km2) com base
em informações de 1985, 1991 e 1996.
Segundo este autor, até 1985, a ocupação urbana
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
aumentou muito devido à industrialização nesta época
(ver também: PMSJC, 1995). Entre 1985 e 1991 também
houve uma taxa de crescimento muito alta (61,44%) em
relação ao período 1991-1996, que teve uma taxa de urbanização de 18,14% (Tabela 2). Quanto ao crescimento
temporal, a mancha urbana abrangeu com maior intensidade as regiões sul e leste do município (Figura 2). Isto
54
confirmou o que já havia sido constatado pela PMSJC
(1995), ou seja, que na última década estudada a mancha
urbana possuía uma configuração esparsa, descontínua e
bastante extensa, com o vetor de crescimento apontan-
do mais para sudeste, onde surgiram loteamentos com
características de chácaras, fora do perímetro urbano.
Tabela 2 - Área urbanizada e taxa de urbanização do Município de São José dos Campos.
FONTE: Serafim (1998).
Este crescimento altera espacialmente, de um
lado, as características geoecológicas (cobertura vegetal,
rede hidrográfica etc.) e, de outro, os componentes antrópicos (uso do solo, densidade demográfica, assentamentos de baixa renda etc.), ou seja, as áreas mais sujeitas a
episódios de inundações.
O crescimento desordenado do tecido urbano,
efetivado pelo processo de “pauperização/periferização”
e pela ocupação clandestina de áreas de alto risco geoambiental, leva à necessidade da elaboração de estudos
que dêem suporte às decisões voltadas para o desenvolvimento da urbanização com qualidade.
2.2 Dados
Para retraçar a evolução dos eventos de alagamentos e inundações em São José dos Campos nos últimos
anos, fez-se um levantamento, junto à Defesa Civil do
município, do número de ocorrências atendidas em
função dos episódios de chuva, no período de janeiro de
1991 a março de 1999.
A aquisição de dados de precipitação referiu-se
aos registros passados e recentes da estação meteorológica do Aeroporto de São José dos Campos e das estações
pluviométricas do Departamento de Água e Energia
Elétrica - SP (DAEE).
Os dados de precipitação da estação meteorológica do Aeroporto de São José dos Campos foram
utilizados para o período de janeiro de 1974 a março de
1999 e os das 111 estações pluviométricas do Vale do
Paraíba, Litoral Norte e Litoral Sul do DAEE, para um
período de 30 anos (1966 -1997)
Foi elaborado um questionário estruturado com a
finalidade de levantar, junto à população local, os problemas mais graves, gerados pelos episódios das chuvas, e
de avaliar as providências tomadas pela Prefeitura para
melhorar as condições desses bairros.
2.3 Metodologia
A operacionalidade desta pesquisa, tendo em vista
os objetivos propostos, envolveu as seguintes etapas de
trabalho: análise temporal, análise específica dos episódios pluviais críticos, bem como suas repercussões, e
análise espacial.
2.3.1 Análise Temporal
Fig. 2 - Mancha urbana do município de São José
dos Campos: (a) 1985; (b) 1991; e (c) 1996.
FONTE: Serafim (1998).
55
As ocorrências atendidas pela Defesa Civil foram
relacionadas aos eventos de chuva para determinar os
locais mais afetados nas áreas inundáveis. Não foram
contabilizados os problemas causados por outros fatores,
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
tais como: ventania, queda de taludes, desmoronamento,
erosão etc., fatores estes que em geral também tiveram
como causa principal a chuva, que é resultante, sobretudo, de atividades frontais, atividades convectivas e de
efeitos locais.
seqüência dos registros, fato este justificado pelo pequeno
número de funcionários e pela atuação ainda recente deste
órgão em São José dos Campos (começou a atuar no fim
da década de 1980). Os dados mais antigos deste acervo
em muito deixam a desejar por falta de padronização.
Os episódios críticos selecionados, após o procedimento de classificação, foram analisados em função de
sua magnitude e de seu impacto na área urbana. Analisouse a intensidade das chuvas diárias (máximas de 24 horas)
e horárias, relacionando-as com os eventos, em termos
de danos à população e ao Poder Público.
Tais deficiências foram constatadas ao analisar
todo o acervo e verificar que não constavam alguns episódios significativos dele, apesar de serem notícias de
jornais (Perrella, 1999). Um exemplo foi o ano de 1992
que, segundo registros da Defesa Civil, totalizou apenas
7 atendimentos por precipitação (Figura 3), embora os
jornais da cidade tenham noticiado ocorrências que não
foram registradas nos mesmos dias daqueles relatados no
acervo da Defesa Civil. Isto se repetiu em outros anos.
Voltando a analisar a Figura 3, é interessante observar
um aumento significativo nas ocorrências ao longo do
período estudado, principalmente no ano de 1999.
2.3.2 Análise Espacial
Na abordagem espacial foi utilizado o AUTOCAD14 (Computer Assistant Design), para a elaboração
do mapa das áreas de inundação, e o Analisador de Grade
e Sistema de Exibição – GrADS (Doty, 1995), para a
análise da precipitação .
3. RESULTADOS
3.1 Análise dos Dados de Ocorrência Atendida pela
Defesa Civil do Município
Todas as ocorrências caracterizadas como alagamento, inundações e enchentes foram classificadas
segundo o glossário usado pelas coordenadorias regionais
de Defesa Civil (REDEC), administradas pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil - CEDEC (Castro, 1998).
Visitas aos locais atingidos permitiram constatar
que todos os córregos nas imediações dos bairros contribuíram fortemente para as inundações. Isto reforça a
consideração de que fatores conjugados, como as chuvas
e a intervenção antrópica, associados à falta de infraestrutura, decisivamente colaboram para a ocorrência
destes fenômenos (Perrella, 1999).
Durante o período de estudo (1991 a 1999),
contabilizou-se um total de 398 atendimentos pela Defesa
Civil por inundações decorrentes de episódios de chuvas.
A situação dos inventários da Defesa Civil foi uma
das dificuldades encontradas, por ocasião da realização da
presente pesquisa. Na maioria dos casos, havia falhas na
Fig. 3 - Total anual de ocorrências atendidas pela Defesa Civil em São José dos Campos no período de
estudo (1991-1999).
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
56
A Figura 4 mostra a porcentagem destes atendimentos por região no município. Os setores mais afetados
da cidade são os da Zona Leste, com 42%, seguidos pelos
da Zona Sul, com 39% dos casos de alagamentos.
Fig. 4 - Porcentagem das ocorrências registradas pela Defesa Civil nas regiões Norte, Sul, Leste e Central
de São José dos Campos (1991-1999).
O fato de as Zonas Sul e Leste terem sido as mais
afetadas por alagamentos e inundações, segundo o acervo
da Defesa Civil, direcionou os trabalhos de aplicação dos
questionários para estas regiões.
Para melhor compreender a problemática dessas
regiões, foi realizado um total de 107 entrevistas com os
moradores de alguns bairros da Zona Sul (54 entrevistas)
e Zona Leste (53 entrevistas). Como mencionado, isto
teve por finalidade conhecer as causas, os problemas, as
reivindicações e as providências que foram tomadas pela
Prefeitura, segundo a ótica dos moradores.
Na Figura 5 encontram-se os principais problemas
registrados em dias chuvosos nas regiões mais críticas
do município. Observa-se que é grande o predomínio de
episódios de alagamento, sendo este o principal fator para
o desencadeamento dos outros problemas, por comprometer as propriedades físicas do local. É relevante o fato
de haver a relação entre a ocorrência de alagamentos e
a de desmoronamentos associados, certamente devidos
às alterações no meio físico decorrentes de intervenções
antrópicas inadequadas.
Quando chove, qual é o problema que a região mais sofre?
Fig. 5 - Principais problemas causados pelas chuvas nas Zonas Sul e Leste de São José dos Campos,
com base nos questionários aplicados em 1998/1999.
57
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
A Figura 6 fornece um diagnóstico dos problemas
que levam as ruas a serem afetadas. Para a maioria dos
entrevistados, as deficiências básicas de infra-estrutura
referem-se principalmente às obras de canalização de
córregos, drenagem e tratamento de esgoto.
Comparando os diagnósticos dos problemas feitos
pelos moradores da Zona Sul com os da Zona Leste,
observa-se que as causas principais identificadas pelos
moradores são as enchentes de córregos, seguidas pelo
retorno de esgoto. Isto nos leva a constatar que o crescimento desordenado da mancha urbana desencadeou o
processo de degradação de várias bacias hidrográficas do
município, provocando constantes inundações.
Os problemas causados pela chuva na opinião dos moradores são decorrentes de:
Fig. 6 - Principais problemas que contribuem para as inundações na Zona Sul e Leste de
São José dos Campos, com base nos questionários aplicados em 1998/1999.
3.2 Análise Quantitativa
3.2.1 Estudo temporal da pluviosidade
Em áreas urbanas, o conhecimento da sazonalidade da precipitação é de fundamental importância,
principalmente para auxiliar na elaboração de projetos
preventivos (drenagem urbana, previsão de alagamentos,
entre outros), no monitoramento e no atendimento pela
Defesa Civil, e assim contribui para minimizar danos
sócio-econômicos relacionados às inundações e aos
efeitos erosivos.
A análise temporal da pluviosidade total anual
em São José dos Campos (Figura 7) foi feita com dados
de 26 anos a partir dos dados diários (1974 - 1999), portanto totalizando quase uma normal climatológica para
a precipitação (30 anos).
Observa-se na Figura 7 que, no período estudado,
ocorreram anos extremamente chuvosos, como foram os
de 1976, 1983 e 1996, e anos mais secos, como os de
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
1981, 1984 e 1990. Em ambos os casos houve a concorrência de fenômenos de larga escala, em especial do El
Niño e La Niña.
Conhecida a evolução temporal da precipitação,
foi calculado o desvio normalizado com o objetivo de
identificar as variações em torno da média do período
(normal), evidenciando-se assim os anos secos e chuvosos.
A Figura 8 mostra os anos que apresentaram
anomalias positivas e negativas de precipitação para o
período. Mesmo nos anos com desvios negativos (déficit), foram constatadas algumas ocorrências de chuvas
que causaram impacto significativos na cidade, como,
por exemplo, o ano de 1994 (ver Figura 3).
Na Figura 9 encontra-se a média mensal da precipitação ao longo do período estudado (1974-1999). Os
máximos ocorrem de outubro a março, caracterizando o
período chuvoso do município.
58
Fig. 7 - Precipitação acumulada anual para o período de 1974 a 1999, para
São José dos Campos.
Fig. 8 - Desvio normalizado da precipitação, para São José dos Campos (1974-1999).
Fig. 9 - Precipitação acumulada média mensal de 1974 a 1999, para São José dos Campos.
59
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
3.2.2 Análise Conjunta da Precipitação Diária
e dos Eventos Atendidos pela Defesa Civil
Nas figuras a seguir encontram-se alguns exemplos da relação entre a precipitação e o número de atendimentos pela Defesa Civil para o período de estudo,
em base diária. Nestes gráficos, foram contabilizados
os totais das ocorrências, portanto, sem que houvesse
distinção quanto à magnitude dos eventos de inundações.
Deve ser ressaltado que o período de outubro de
1995 a março de 1996 e também outubro de 1998 a março
1999 (totais pluviométricos acima da normal) foram anos
de grande impacto, pois neles ocorreram inundações
marcantes (Figuras 10b, 10c).
Por outro lado, alguns anos que foram marcados
por eventos significativos tiveram totais pluviométricos
abaixo ou pouco acima da normal como, por exemplo,
outubro de1993 a março de 1994 (Figura 10a). Neste
período houve, inclusive, episódio com vítima fatal. Isto
sugere que, não só a magnitude pluviométrica interfere
nestes processos, mas também sua distribuição temporal,
por modular a capacidade de infiltração dos solos em
função de seqüência de chuvas antecedentes, e de sua
heterogeneidade espacial, por afetar pequenas áreas.
Como já mencionado, em alguns casos analisados,
não houve correlação entre eventos significativos de
chuva e registros de atendimento pela Defesa Civil. Em
outras palavras, em vários casos houve precipitação significativa, mas a Defesa Civil não registrou atendimento,
embora possa tê-lo feito.
Tais situações ficaram evidentes no decorrer
da pesquisa, o que levou a investigar outras fontes de
informação, em especial as matérias veiculadas pela
imprensa local. Foi então feito um levantamento nos
arquivos jornalísticos organizados e colocados à disposição pela própria Defesa Civil. Este conjunto de matérias,
mesmo sendo restrito, evidenciou que os registros da
Defesa Civil são às vezes incompletos, como discutido
anteriormente. Além disto, nas planilhas da Defesa Civil
constam, em certas circunstâncias mais graves, registros
genéricos que apenas refletem impactos gerais no município, o que dificultou identificar os bairros mais atingidos
em tais ocasiões. Perdas materiais graves e morte muitas
vezes só os jornais registraram (Perrella, 1999).
Fig. 10a - Binômio “chuva diária e atendimento pela Defesa Civil”: outubro de 1993 a março de 1994, em
São José dos Campos.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
60
Fig. 10b - Binômio “chuva diária e atendimento pela Defesa Civil”: outubro de 1995 a março de 1996, em
São José dos Campos.
Fig. 10c - Binômio “chuva diária e atendimento pela Defesa Civil”: outubro de 1998 a março de 1999, em
São José dos Campos.
61
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
3.2.3 Análise Espacial e Temporal
3.2.3.1 Precipitação
Por ser a precipitação pluviométrica um dos
principais fatores que desencadeiam situações de calamidade em regiões com uso inadequado do solo, um
conhecimento detalhado do seu comportamento torna-se
necessário e muitas vezes imprescindível, no que tange a
Planejamento Urbano e Regional e Hidrologia Urbana.
Os trabalhos sobre as características espaço-temporais
da pluviosidade no Estado de São Paulo, como os realizados por Nunes (1997) e por Nery et al. (1999), são de
relevância neste contexto e, de modo geral, corroboram
os resultados encontrados na presente pesquisa.
Primeiramente foram analisados os dados dos
postos pluviométricos coletados do banco de dados do
DAEE (1998) em diversos postos situados no município
e vizinhanças com o objetivo de avaliar o comportamento
temporal da precipitação para um período de 30 anos
(1966-1997). Estes postos foram selecionados de acordo
com as suas posições geográficas, ou seja: na parte norte
do município, São Francisco Xavier, Guirra, Água Soca
e Represa; na parte sul, o posto de São José dos Campos; e, na parte leste, Cajuru e Pararangaba. Observa-se
(Figura 11) que os postos localizados mais a nordeste
do município mostraram uma precipitação média anual
mais elevada do que os demais. Isto confirmou a alta
correlação entre os episódios de chuvas e as ocorrências
registradas pela Defesa Civil e também mostra a efetiva
atuação de sistemas meteorológicos de escalas diferenciadas, especialmente os de caráter convectivo e orográfico.
Fig. 11 - Precipitação média anual (normal) para as estações do DAEE localizadas no município e vizinhanças de São José dos Campos.
Baseado nas alturas médias de precipitação
foi traçado o mapa das isoietas utilizando 111 postos
(DAEE), cobrindo á área do Vale do Paraíba, Litoral
Norte e o Litoral Sul do Estado de São Paulo para um
período de 30 anos (1966-1997). Esta análise representa
a distribuição espacial da chuva (Figura 12). Nota-se
no mapa que os máximos são encontrados na serra e no
litoral, destacando-se o litoral sul. No Vale do Paraíba,
propriamente dito, também existem gradientes espaciais
significativos: de São José dos Campos (1240 mm) indo
para nordeste estes valores em geral aumentam. Isto comprova o papel fundamental da orografia e da proximidade
do oceano nos mecanismos formadores de precipitação
na região e a necessidade de levar em conta as escalas
espaciais menores (mesoescala e escala local) quando se
deseja conhecer com detalhe a climatologia desta região.
Informações desta natureza, de cunho quantiRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
tativo, podem ser de grande importância para diversas
áreas que incluem o Planejamento Urbano e Regional e a
Defesa Civil (que não atendem só São José dos Campos,
mas também toda a Região) e a pesquisa sobre modelos
hidrometeorológicos locais e regionais.
3.2.3.2 Mapa das Áreas de Inundação
Segundo a Defesa Civil, alguns bairros foram
agrupados em sub-bairros, em vista das dimensões reduzidas que possuem (em alguns casos chegam a ser de
duas ruas), de acordo com o estabelecido pela Prefeitura
Municipal de São José dos Campos.
A partir da organização e das características dos
eventos, foi criada uma escala de intensidade, estabelecida com base na freqüência e no grau de repercussão das
62
mesmas, que tem por objetivo facilitar a visualização da
extensão destas áreas (Perrella, 1999).
Feita esta classificação, foram espacializadas as
áreas sujeitas à inundação na cidade de São José dos
Campos (Figura 13). Observa-se, nesta figura, que a
Zona Sul apresenta dois setores com grau de intensidade
crítica e um muito forte, e que a Zona Leste apresenta
três setores com grau muito forte.
Fig. 12 - Normal da precipitação para o Vale do Paraíba e litoral sobre topografia com resolução de 1 km x
63
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Fig. 13 - Localização das áreas sujeitas a inundações na cidade de São José dos Campos, com risco associa-
4. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
Os resultados desta pesquisa contribuem para o
conhecimento sobre a variabilidade temporal e espacial
da precipitação em São José dos Campos e região, bem
como sobre as áreas de risco de inundação nesta cidade,
subsídios considerados de relevância para o Planejamento
Urbano e Regional e para a Hidrologia Urbana.
O processo de urbanização em São José dos
Campos trouxe modificações no uso do solo e, conseqüentemente, interferiu nos processos de infiltração e
na drenagem, causando, de modo geral, o aumento na
freqüência e na magnitude do escoamento superficial.
Este foi o fator fundamental para a elevação do número de
áreas sujeitas a inundações nos últimos anos, fenômeno
este cuja intensidade também depende da variabilidade
sazonal do clima e das providências tomadas pelo poder
público. Como conseqüência, as inundações já vêm causando grandes transtornos no município, com episódios
que inclusive resultaram em mortes.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
A distribuição sazonal das chuvas em São José dos
Campos apresenta dois períodos bem definidos, sendo
que as maiores magnitudes estão compreendidas entre
os meses de outubro e março.
Os valores críticos, ou seja, os valores máximos
de precipitação, ocorrem em janeiro, março e novembro.
Esta constatação é importante para a tomada de ações
preventivas e para preparar o sistema de alerta no que
tange às inundações. Já que é impossível impedir que
os temporais aconteçam, pode-se pelo menos traçar
previamente uma estratégia para as áreas mais críticas.
A análise espacial da precipitação evidenciou a
grande variabilidade do total anual em função da localização. Os máximos foram encontrados na serra e no
litoral, destacando-se o litoral sul. No Vale do Paraíba
propriamente dito, também foram verificados gradientes
espaciais significativos (em São José dos Campos (1240
64
mm) na direção nordeste o total anual da precipitação em
geral aumenta). Isto comprova o papel fundamental da
orografia e da proximidade do oceano nos mecanismos
formadores da chuva na região e a necessidade de levar
em conta as escalas espaciais menores (mesoescala e
escala local) quando se deseja conhecer com detalhe a
climatologia desta região.
Uma outra constatação importante foi a identificação das chuvas antecedentes (chuvas ocorridas nos dias
anteriores ao crítico) como fatores que contribuem para
a ocorrência das inundações. Em alguns dos episódios
estudados, a chuva do dia não foi suficiente para justificar
a ocorrência de inundação, mas as antecedentes o foram.
Com base no estudo das ocorrências de inundação, verificou-se que as áreas mais críticas, ou seja,
aquelas que têm mostrado vulnerabilidade perante os
fatores pluviométricos, estão situadas em locais onde há
falta de planejamento e de infra-estrutura especialmente
no que diz respeito a aspectos de Hidrologia Urbana.
De modo geral, as áreas preferenciais de inundações e/ou alagamentos correspondem às avenidas
de fundo de vales, às áreas submetidas a aterros, aos
loteamentos, cuja infra-estrutura de drenagem é mal
dimensionada e/ou mal preservada, às áreas de ocupação
sem sistemas de drenagem, às planícies aluviais e às áreas
localizadas próximas das ribeirinhas, estas geralmente
obstruídas por lançamentos de detritos, o que evidencia
má conservação.
O sistema de drenagem natural de algumas bacias
hidrográficas de São José dos Campos encontra-se em
estado crítico. Sua manutenção é precária. Os córregos
estão assoreados pela grande carga de lixo e sedimentos
carreados a cada chuva, o que causa estrangulação em
seus leitos.
Algumas das soluções para esse tipo de problema
implicam o controle da drenagem, a manutenção das galerias pluviais e as medidas estruturais e não-estruturais.
As medidas não-estruturais, em particular, devem ser
tratadas no Plano Diretor, com embasamento em insumos
tecnológicos, sempre que possível, como por exemplo,
os gerados nesta pesquisa e no trabalho de autoria de
Serafim (1998).
Entretanto, o poder público municipal em geral
carece de instrumentos que ampliem sua atuação, tanto
em termos de prevenção quanto em termos de ação
durante as inundações (Carta de Recife – ABRH, 1995;
Scofield & Margottini, 1999) No caso de São José dos
Campos, em particular, esta pesquisa evidenciou a necessidade de elaborar um Plano Diretor de Drenagem
Urbana para o Município.
65
O mapa das áreas de inundações refere-se à parte
urbana do município. Por delimitar os setores críticos,
deverá auxiliar o trabalho da Defesa Civil e servir de
subsídio técnico para que o poder público estabeleça
um zoneamento do solo urbano mais criterioso, particularmente nas áreas ribeirinhas, a ser incorporado na lei
orgânica do município.
Vale salientar que a região mais afetada do município é a Zona Leste, embora o bairro mais crítico
encontre-se na Zona Sul (Campo dos Alemães). Pelo
fato de a Zona Leste ter tido menor intervenção de ações
para melhoria das condições da região, sugere-se que o
poder público municipal a considere como prioritária ao
estabelecer ações efetivas no processo de planejamento
para corrigir os problemas existentes.
A presente pesquisa culminou com o primeiro
mapa de risco de inundações para São José dos Campos.
Portanto, é importante que ele seja submetido a uma investigação continuada com o propósito de promover a sua
validação e a sua atualização, por meio do monitoramento
da evolução espacial das áreas de risco.
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Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Metodologia para Digitalização de Pluviogramas e para
Geração de uma Base de Dados Pluviográficos
Roberto Cordeiro Waltz*
Marlene Elias Ferreira**
Resumo. Este artigo descreve com razoável grau de detalhe uma metodologia que tem por finalidade
classificar e digitalizar pluviogramas, e também gerar uma base de dados de precipitação, mediante
emprego de mesa digitalizadora e de técnicas computacionais. Esta metodologia foi inicialmente
desenvolvida para atender às necessidades de processamento dos diagramas pluviográficos da estação meteorológica do aeroporto de São José dos Campos-SP. Além de critérios de análise visual
para a seleção preliminar dos diagramas, tendo em vista o estado de conservação deles, foram
desenvolvidos módulos computacionais de crítica e consistência, para serem empregados após
o processo de digitalização. A metodologia descrita agiliza o resgate das informações contidas
nos pluviogramas e permite a geração de um acervo de dados pluviográficos (arquivos em séries
anuais, mensais e diárias, todas em intervalos de 10 minutos), consistente e confiável, que contém
todos os eventos de chuva que ocorreram no período processado. Ela pode ser também empregada
para a digitalização de outros tipos de diagramas como, por exemplo, os gerados por linígrafos. A
metodologia é de implementação fácil e barata, e os códigos-fonte dos programas estão disponíveis
para qualquer interessado.
Palavras-chave: Metodologia para digitalização, técnicas computacionais, consistência dos dados
digitalizados.
Abstract. This paper describes with detail a methodology for the classification, digitalization and
generation of a rainfall data base, using a digitizer tablet and computational techniques. This methodology was initially developed for the processing of rainfall data recorded in pluviograms, at the
airport weather station in São José dos Campos-SP (Brazil). In addition to the visual criteria applied
for the preliminary selection of the diagrams, in view of their maintenance status, computational
modules, aiming to verify the consistency of the digitized data and to submit them to criticism, were
developed. The methodology here described speeds up the pluviogram readings and allows for the
generation of a reliable and consistent pluviographic data set (archives in annual, monthly, and daily
series, all of them with 10-minute intervals), containing all the rainfall events which occurred in the
processed period. It may also be employed for digitizing other kinds of graphics as, for instance, the
ones generated by water level recording gauges. The methodology is of easy and cheap implementation, and the authors provide the computer codes to anyone interested.
Key words: Methodology for the digitalization, computational techniques, consistency of the digitized data.
1. INTRODUÇÃO
A necessidade de desenvolver uma metodologia
de digitalização de pluviogramas e de criação de um banco informatizado de dados pluviográficos surgiu quando
os autores do presente artigo se viram diante do desafio
de processar um grande conjunto de dados de chuva.
Na ocasião, a acelerada e descontrolada urbani* Professor da UNIVAP.
** Pesquisadora do INPE.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
zação de São José dos Campos já mostrava seus efeitos
no plano hidrológico em vários pontos do município,
evidenciando a urgência de realizar estudos centrados
nas questões de Hidrologia Urbana que contribuíssem
para uma melhor compreensão dos impactos hidrológicos decorrentes da ocupação desordenada (Ferreira
et al., 1997; Brandão, 1999; Brandão & Ferreira, 2000;
Ferrreira & Brandão, 2000) e que servissem de subsídio
para o Planejamento Urbano e Regional do município.
Neste contexto, foram realizadas pesquisas sobre
as inundações em São José dos Campos e sobre a pluvio68
metria regional no Vale do Paraíba e adjacências, cujo
principal subproduto foi o primeiro mapeamento de áreas
de inundações para o município (Perrella, 1999; Perrela
& Ferreira, 2000).
Como constatado por Perrella (1999), os Planos
Diretores de São José dos Campos praticamente não tratam da problemática da Hidrologia Urbana. Além disto, a
inexistência de um Plano Diretor de Drenagem Urbana,
bem como o interesse pelas questões de cunho ambiental
(deslizamento de encostas, erosão etc.), climatológico e
de engenharia (obras de drenagem, em geral), apontou
para a necessidade de se ampliar o conhecimento sobre o
regime de chuvas em intervalos de tempo inferiores a 24
horas e de se obter uma equação de chuvas intensas para
São José dos Campos, o que motivou as pesquisas feitas
por Santos (1999), Santos & Waltz (1999) e Waltz (2000,
também relatadas em Waltz & Ferreira (2001a; 2001b).
Como é bem sabido, para que os estudos hidrológicos e climatológicos de bacias urbanas alcancem
sucesso é necessário que as variáveis de interesse sejam
monitoradas continuamente, em intervalos de tempo
pequenos, numa malha densa (daí a importância do sensoriamento remoto por radares e satélites), tal que haja
compatibilidade com as escalas espacial e temporal dos
fenômenos que atuam nessas bacias hidrográficas, como
apontado, por exemplo, por Ferreira (1987) e por Ferreira
& Calheiros (1995).
Por outro lado, inúmeros textos de Hidrologia
(e.g., Tucci et al.,1995; Tucci, 1997) destacam que, em
geral, é muito mais comum dispor de dados de chuva do
que de vazão fluviométrica líquida, situação que motivou
o desenvolvimento de modelos chuva-vazão ao longo dos
tempos, o mais tradicional sendo o Método Racional,
largamente aplicado em projetos de Drenagem Urbana.
Esses são alguns fatos que corroboram a importância das observações feitas por meio de pluviógrafos
e a necessidade de empregar metodologias que confiram
qualidade aos dados de chuva, qualidade esta que é caracterizada pelo grau de confiabilidade e de consistência
das séries temporais obtidas.
No Brasil, a maioria das estações meteorológicas
e hidrológicas são operadas convencionalmente, ou seja,
os valores registrados pelos instrumentos são lidos por
observadores e anotados em cadernetas ou planilhas. Em
algumas estações meteorológicas, como as do Comando
da Aeronáutica do Ministério da Defesa, já são utilizados
sistemas informatizados dotados de programas computacionais configurados para incorporar as observações, que
são digitadas em tempo real pelo observador de plantão
e então armazenadas pelos programas, segundo padrões
preestabelecidos. Em ambos os casos as leituras são feitas
69
poucas vezes por dia.
Em algumas estações meteorológicas convencionais também são operados instrumentos dotados de
registradores. Habitualmente, os observadores fazem a
leitura da informação indicada no gráfico, nos horários
estabelecidos pela rotina de observação, cuja sistemática
raramente contempla intervalos inferiores a 1 (uma) hora.
Invariavelmente, estudos que se baseiam em
dados hidrometeorológicos exigem a manipulação de
grandes quantidades de dados, com vistas no estabelecimento de parâmetros estatísticos (média, desvio padrão
etc.) representativos da variável em estudo. Quando as
observações são feitas convencionalmente (isto é, sob
a forma de registros escritos, derivados da leitura dos
instrumentos e aparelhos), é necessário convertê-las
para a forma digital, para que possam ser, em seguida,
submetidas a testes informatizados de consistência e de
validação.
No caso específico da preparação de uma base
de dados pluviográficos, as informações encontram-se
originalmente na forma de gráficos que são desenhados
por uma pena em diagramas, como ilustra a Figura 1, a
qual apresenta um exemplo de diagrama pluviométrico,
com registros de precipitação. De imediato, a leitura
das observações é do tipo visual, o que dificulta, limita
e compromete o processamento dos dados e os estudos
que exijam o emprego de um grande número de pluviogramas.
Por ocasião da realização deste estudo contemplou-se, inicialmente, a leitura visual, que parece ter
sido a abordagem adotada por inúmeros autores que
publicaram artigos sobre equações de chuvas intensas.
Entretanto, como mencionado, além da pesquisa para a
obtenção da equação de chuvas intensas, havia interesse
em investigar o regime das chuvas com durações inferiores a 24 horas, no município de São José dos Campos,
fossem elas intensas ou não. Havia também a necessidade
de estabelecer uma metodologia computadorizada que
fosse útil para o processamento de pluviogramas obtidos
em outros locais e que pudesse ser também empregada
com outros tipos de diagramas.
Foi então feita uma busca na literatura especializada e constatou-se que em apenas poucos trabalhos sobre
chuvas intensas os autores mencionavam o emprego de
metodologias de digitalização de pluviogramas e, quando
o faziam, não apresentavam o detalhamento necessário
para sua implementação por terceiros e muito menos
tornavam disponíveis os programas (Brandão & Hipólito,
1995; Martinez Júnior, 1999; Bemfica et al., 2000).
Assim, para tornar possível a utilização prática,
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
ágil e confiável dos dados que compõem o acervo pluviométrico da estação meteorológica do aeroporto de São
José dos Campos, no âmbito das pesquisas sobre chuvas
intensas, realizadas por Waltz (2000), foi desenvolvida
uma metodologia para a classificação e a digitalização
de pluviogramas, bem como para a geração de uma base
de dados de precipitação, obtidos em intervalos de 10
minutos, com uso de mesa digitalizadora e de técnicas
computacionais. Esta metodologia é descrita a seguir,
com razoável grau de detalhe.
Fig. 1 - Exemplo de pluviograma da estação meteorológica do Aeroporto de São José dos Campos–SP,
operada pelo Comando da Aeronáutica do Ministério da Defesa.
2. DADOS
Para o desenvolvimento da metodologia de digiRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
talização, foram empregados os registros pluviográficos
de São José dos Campos (1973 a 1984 e 1993 a 1998),
fornecidos pela Divisão de Ciências Atmosféricas (ACA)
70
do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Centro
Técnico Aeroespacial (CTA), depositário do acervo de
dados meteorológicos do Comando da Aeronáutica do
Ministério da Defesa. A estação do aeroporto de São
José dos Campos-SP, tem número sinótico 83829, está
localizada em 23o 14’ S de latitude e em 45o 51’ W de
longitude, numa altitude de 640 m acima do nível médio
do mar, e é equipada com um pluviógrafo Fuess, do tipo
sifão, com área de captação de 200 cm2.
2.1 Procedimentos iniciais: classificação dos pluviogramas e estabelecimento dos períodos com dados
Para que fosse possível estabelecer os períodos
com dados, bem como as eventuais falhas, foi necessário fazer, inicialmente, um levantamento preliminar,
já que os diagramas da estação do Aeroporto de São
José dos Campos encontravam-se apenas parcialmente
classificados.
Dessa forma, o primeiro procedimento para a
preparação do acervo, visando sua futura manipulação,
foi a separação dos diagramas, por ano e mês, seguida de
uma ordenação pelos dias, para cada mês. Neste proce-
dimento, caracterizado integralmente pela manipulação
individual dos diagramas, procedeu-se à retirada de
grampos, clipes e demais objetos que haviam sido colocados numa primeira tentativa de classificação, realizada,
na maioria das vezes, na estação de origem dos dados.
Nesta fase, foi gerada uma tabela descritiva onde
estão relacionados todos os registros de precipitação para
cada mês e ano existentes no acervo, bem como as faltas
de dados verificadas durante a reclassificação realizada.
Como exemplo, na Figura 2 é apresentada parte dessa
tabela descritiva.
Por meio de contatos oficiais, mantidos entre
ACA-IAE-CTA e o Laboratório de Meteorologia (LabMet) da UniVap, foi estabelecida uma sistemática que
buscou minimizar o tempo entre a retirada dos diagramas
(para digitalização no LabMet) e a sua devolução, já que
a preocupação da ACA-IAE-CTA com a segurança do
acervo é bastante acentuada em vista da condição ímpar
de cada um destes registros.
Fig. 2 - Exemplo da tabela descritiva gerada na fase de reclassificação dos pluviogramas.
71
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
3. EQUIPAMENTOS
A mesa digitalizadora utilizada foi conseguida
por empréstimo junto ao ITA (Instituto Tecnológico
da Aeronáutica)/CTA, equipamento este adquirido por
meio de um projeto custeado pelo Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Trata-se de
uma mesa digitalizadora Hitachi, modelo HDG 1515D,
no tamanho A3.
Todos os programas computacionais foram desenvolvidos em microcomputadores do tipo PC.
4. PROGRAMA COMPUTACIONAL DE DIGITALIZAÇÃO
A digitalização dos valores de chuva a partir dos
gráficos existentes nos diagramas exigiu o desenvolvimento de programas computacionais que fazem a leitura
dos sinais captados pela porta serial do microcomputador,
sinais estes vindos da mesa digitalizadora. Este programa
realiza a conversão dos valores registrados (ordenada do
diagrama) para valores relativos de altura de precipitação
e, assim, permite a criação de arquivos que contêm o total
da chuva ocorrida durante todo o período coberto por um
diagrama, em intervalos de 10 minutos, conforme a escala
gráfica (abcissa) utilizada no pluviograma (ver Figura 1).
O programa de digitalização foi desenvolvido no
LabMet da UniVap, utilizando-se o ambiente de programação QuickBasic®, da Microsoft® já que ele oferece
meios para a obtenção de dados através de uma porta
serial do microcomputador PC, à qual estava conectada
a mesa digitalizadora. Além disso, este ambiente de
programação facilita a transferência do programa para
outras instituições, pelo fato de ser o QuickBasic® um
programa comumente disponível.
Os principais critérios adotados para o desenvolvimento do programa foram:
a) os diagramas seriam digitalizados no período
entre a colocação e a retirada deles, obedecendo-se o
padrão empregado nas estações de observação meteorológica, ou seja, colocação e retirada de diagramas às
sete horas da manhã de cada dia;
b) a digitalização deveria levar em conta o intervalo mínimo de tempo de dez minutos entre os registros
de precipitação, já que esta é a menor fração de tempo
registrada graficamente no diagrama, na busca de maior
precisão no processo;
c) para ajustar a escala dos eixos do gráfico à
escala utilizada na mesa digitalizadora, antes do início
da digitalização da curva de precipitação, seriam lidos
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
pelos programas dois pontos de referência digitalizados
a partir do gráfico, os quais corresponderiam aos limites
mínimo e máximo de precipitação, quais sejam, 0,0 e 10,0
mm, no horário em que teve início o primeiro evento de
precipitação registrado no diagrama. O horário de início
seria fornecido ao programa através do teclado do microcomputador e, a ele, o programa acrescentaria intervalos
de tempo de 10 minutos para cada registro digitalizado;
d) o início da digitalização dar-se-ia pela informação ao programa da data de retirada do diagrama, o
que definiria o intervalo de tempo, ao qual ele se referia,
e informaria sobre a existência de registro de precipitação para esta data de retirada. Este procedimento se fez
necessário, pois, em alguns casos, quando não havia
precipitação no período de 24 horas, o diagrama não era
retirado, e ocorria sobreposição de um novo período de
24 horas de observação. Isto acontece por vários motivos,
em especial para economizar diagramas. Nota-se que,
quando não há ocorrência de precipitação, fica registrada
uma linha contínua na base do diagrama, normalmente
próxima ao eixo de 0,0 (zero) milímetro;
e) para os casos em que a pena do registrador
tivesse desenhando um risco muito grosso, causado
pelo vazamento de tinta da pena ou por manipulação
incorreta, a digitalização seria efetuada no ponto médio
da espessura da linha de registro, visando minimizar os
efeitos deste problema de registro;
f)todos os registros seriam digitalizados, independentemente da quantidade de precipitação registrada,
limitada naturalmente à precisão mínima do equipamento
e do diagrama, equivalente a 0,1 milímetro;
g) seriam gerados arquivos individuais em disco
para cada diagrama, reproduzindo-se a seqüência histórica de forma similar à dos diagramas; e,
h) os arquivos gerados obedeceriam ao seguinte
critério de nomenclatura: PDDMMAA.DAT, onde:
P – para identificar dados de precipitação;
DD – o dia a que se refere o diagrama digitalizado
(dia de retirada do diagrama);
lizado;
MM – o mês a que se refere o diagrama digita-
AA – o ano a que se refere o diagrama digitalizado; e,
DAT – extensão escolhida para o arquivo que,
corriqueiramente, é utilizada nos meios computacionais
para indicar um conjunto de dados.
72
5. PROCEDIMENTO DE DIGITALIZAÇÃO
A digitalização propriamente dita obedeceu à
ordem histórica de obtenção de dados, tendo sido iniciada pelos registros do ano de 1973. O procedimento
de digitalização, conforme determinado pelo programa,
mostrou-se operacionalmente eficiente e conferiu grande
rapidez ao processo. Também conferiu precisão significativa aos dados, já que, concomitantemente à digitalização
dos diagramas, os valores obtidos iam sendo apresentados
na tela, o que permitiu verificar, logo de início, a consistência entre a leitura visual da quantidade de chuva
registrada nos diagramas e os valores totalizados pelo
programa de digitalização.
Em alguns diagramas, os observadores haviam
anotado o total da chuva no período, o que facilitou
ainda mais a comparação entre os registros do diagrama
e a totalização feita pelo programa.
6. INTEGRAÇÃO DOS DADOS
Todos os arquivos resultantes do processo de digitalização dos pluviogramas foram integrados, isto é, foram reunidos e organizados, com a finalidade de facilitar
sua manipulação em cálculos e utilizações futuras. Para
tanto, foram desenvolvidos programas em linguagem
Fortran, empregando-se o compilador Power Station®
da Microsoft®, que atendem três finalidades básicas: (1)
arquivos para aplicações anuais; (2) arquivos para aplicações mensais; e (3) arquivos para aplicações diárias.
Esses programas de integração, em vista dos
critérios de organização adotados, permitem a um futuro usuário conhecer a estrutura do acervo (dias com
e sem registro, falta de dados etc.) e as características
da massa de dados disponível, bem como obter outras
informações com os dados de seu interesse. Ainda, deve
ser notado que em todos os casos foram preservadas as
alturas pluviométricas de 10 minutos, ou seja, não foram
feitas totalizações.
6.1 Arquivos para aplicações anuais
Na primeira integração foram montados os diretórios para cada ano do conjunto de dados. Nestes diretórios
os arquivos de dados foram organizados pela ordenação
natural que o sistema operacional MS–Windows 95 provê, e que tem por base o nome dos arquivos. Isto viabiliza
a manutenção de uma estrutura perfeitamente inteligível,
já que o nome dos arquivos é de fácil entendimento e
possibilita a imediata identificação do período de dados
a que se referem.
6.2 Arquivos para aplicações mensais
Visando facilitar a manipulação do conjunto de
dados por programas de computador para cálculos estatísticos, procedeu-se à integração deles em meses, para
cada ano do acervo. Assim sendo, foi desenvolvido um
programa que realiza a leitura de cada um dos arquivos
de dados diários e compõe, em um único arquivo, todos
os meses de cada ano, separando-se os meses pelos
dígitos 99, o que caracteriza o final dos dados de um
certo mês e conseqüente início do mês seguinte. Desta
forma, foi criado um novo diretório onde se encontram
dezoito arquivos correspondentes a cada ano de dados
digitalizados. Na Figura 3 encontra-se uma ilustração
de arquivo para aplicações anuais e mensais, referente
ao ano de 1974.
Fig. 3 - Ilustração de arquivo digital de chuva para aplicações anuais e mensais.
73
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
6.3 Arquivos para aplicações diárias
ele não estivesse atento.
Como já mencionado, a data de identificação
dos arquivos diários corresponde à data de retirada do
diagrama. De acordo com o procedimento padrão de
observação, a troca de diagramas realiza-se às sete horas
da manhã de cada dia. Portanto, os dados referentes a um
mesmo dia podem ser encontrados em dois diferentes arquivos. Isto poderia constituir uma dificuldade adicional,
durante a manipulação dos dados, para um usuário que
não conhecesse esse procedimento ou mesmo que para
Para facilitar a manipulação do acervo, bem
como para evitar a geração de dados incorretos devido
aos motivos expostos, foram transferidos dos arquivos
mensais de dados os valores correspondentes ao período
compreendido entre as 00 horas e as 23h50 min, obtendose desta forma o registro digitalizado da precipitação no
período das 24 horas de um dia. Na Figura 4 encontra-se
uma ilustração de arquivo para aplicações diárias.
Fig. 4 - Ilustração de arquivo digital de chuva para aplicações diárias.
7. CRITÉRIOS EMPREGADOS NA CONSISTÊNCIA DOS ARQUIVOS E DOS DADOS
Considerada a grande quantidade de dados manipulados e a perspectiva de que a metodologia possa vir a
ser utilizada para outras séries de dados ainda maiores,
tornou-se necessário desenvolver programas de computador que permitissem ampliar a segurança na base
de dados. Tal iniciativa visou garantir que os arquivos
expressem o mais fielmente possível os dados registrados
originalmente e que os dados sejam compatíveis com
as normais climatológicas esperadas para a região de
abrangência da estação meteorológica empregada.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
7.1 Consistência dos arquivos
No que se refere à consistência dos arquivos,
foram desenvolvidas rotinas de teste, implementadas
por meio de programas computacionais, que permitiram
identificar possíveis inconsistências, entre elas as que se
referem às datas e à repetição e segmentação de horários.
Tais inconsistências puderam ser listadas ainda no processo de digitalização, enquanto os diagramas iam sendo
manipulados individualmente. Isto permitiu evidenciar os
problemas decorrentes de eventuais manuseios indevidos
74
da informação, os quais podem prejudicar a obtenção
de resultados consistentes por ocasião da utilização dos
dados em processos computacionais.
Neste ponto, merece destaque uma problemática
que ocorreu com alguma freqüência durante a manipulação dos diagramas originais, no decorrer do processo
de digitalização.
Embora o diagrama devesse ser retirado regularmente às 7 horas da manhã, diariamente, em alguns
casos o registro de precipitação se estendia até mais tarde, por exemplo, até por volta das 7h40 min ou mesmo
das 8 horas. Nestes casos, ao se observar o diagrama
subseqüente, esperava-se que o registro começasse no
instante do intervalo de tempo seguinte ao registrado
no diagrama anterior, ou seja, às 07h50 min e às 08h10
min, respectivamente. Ainda, havia a possibilidade de
que o diagrama subseqüente tivesse início exatamente no
mesmo horário de término do anterior, como resultado
de uma troca rápida e eficiente de diagramas.
Tais situações claramente caracterizavam um erro
de operação que, num primeiro momento, comprometia
o registro horário das chuvas no período compreendido
pelo diagrama subseqüente, pois ficava evidente que
havia um atraso no horário registrado no diagrama em
relação ao horário em que efetivamente o fenômeno
meteorológico estava ocorrendo.
Nestas circunstâncias, foi necessário aventar
algumas alternativas decisórias, já que a precipitação
ocorrida entre o horário correto e o horário efetivo de
retirada do diagrama não tinha, segundo a prática da
observação meteorológica, como ser registrada no diagrama subseqüente, já que ele deveria ser instalado com a
pena registradora posicionada no horário imediatamente
seguinte à última observação anterior.
Caso o registro de precipitação indicasse 0,0 mm,
tal problemática não surtia nenhum efeito prático quanto
à consistência dos arquivos. No entanto, isso dava um
trabalho de interpretação significativo quando havia registro de precipitação superior a 0,0 mm, tanto no final
do diagrama quanto no início do diagrama subseqüente.
75
Isto poderia ocorrer quando o diagrama subseqüente era iniciado às 7 horas, caracterizando uma
sobreposição de dados, e era preciso decidir entre duas
chuvas registradas para um mesmo período do dia. A
decisão ficava a cargo do digitalizador, que se valia das
informações contidas no MET-R para decidir entre as
duas chuvas. Se esta estratégia se mostrasse insuficiente,
o critério adotado era o de optar pela chuva registrada no
último horário do pluviograma anterior. Ainda, poderia
ocorrer, que o diagrama subseqüente fosse iniciado
depois das 7h10min, e o atraso caracterizasse uma interrupção no registro do evento. Nesta situação, mesmo
quando parecia se tratar de um único evento, considerouse que houve duas chuvas: uma que terminou no horário
de retirada do diagrama anterior, e outra, que começou
no início do diagrama subseqüente, ou seja, não foram
feitos preenchimentos de falhas.
7.2 Consistência dos dados
Após adquirir confiança suficiente nos arquivos
gerados com os dados digitalizados, partiu-se para a
etapa de análise de consistência dos dados, por meio de
programas de computador desenvolvidos para este fim
em linguagem Fortran.
A análise de consistência dos dados foi dividida
em duas fases. A primeira foi de confrontação dos dados
digitalizados com os dados registrados no formulário
MET-R, gerado na mesma estação meteorológica que
originou os pluviogramas.
No formulário MET-R são registrados os valores
máximos de precipitação e o total acumulado em períodos
de 24 horas, como ilustra a Figura 5.
Desta forma, a simples confrontação com estes
valores já indicaria, com boa margem de segurança, que
os dados digitalizados estariam de acordo com os verificados na estação e registrados pelos observadores, que se
encarregam de realizar o registro no formulário MET-R.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Fig. 5 - Exemplo de formulário MET-R.
Como resultado dos testes de consistência realizados na primeira fase, foram identificados alguns
dias em que a digitalização não era compatível com
as informações registradas no MET-R. Após serem
listados todos estes dias, buscou-se, por meio de verificação no pluviograma original, identificar motivos que
levaram à discrepância entre os dois registros. Entre os
fatores determinantes para as diferenças encontradas
destacaram-se:
a) diagramas que foram utilizados em mais de um
período de 24 horas, tendo havido precipitação em mais
de um destes intervalos. Este fato impediu que, durante a
digitalização, fosse identificado o dia exato de ocorrência
da chuva. Numa primeira etapa, diagramas com esta problemática foram excluídos do processo. Quando se trata
do MET-R isto não acarreta dúvidas, já que o formulário é
preenchido a cada hora, sendo possível ao observador registrar a chuva no momento de sua ocorrência. Portanto,
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
com o auxílio do MET-R, pôde-se identificar o dia exato
de ocorrência e reincorporar os diagramas inicialmente
rejeitados ao processo de digitalização;
b) alguns diagramas apresentavam descontinuidades na linha de registro da precipitação, por falta
de tinta na pena ou por outro fator mecânico que impedia
o registro durante um determinado intervalo de tempo.
Assim sendo, a precipitação digitalizada referia-se
exclusivamente ao traçado efetivamente existente no
pluviograma. Entretanto, no formulário MET-R, o intervalo, que no diagrama não constava registro, apresentava
valores acumulados para o total horário que envolvia a
falha. Porém, neste caso, o diagrama não foi redigitalizado, já que a variação em intervalos de 10 minutos não
era conhecida (como mencionado, o MET-R só registra
totais horários) e optou-se por não fazer preenchimento
de falhas;
c) em diagramas que apresentavam chuvas inten76
sas, com o registro alcançando o limite de 10,0 mm de
precipitação em pequenos intervalos de tempo, foram
encontrados alguns poucos casos em que havia uma
diferença de contagem do número de “picos” entre o
registrado no MET-R e o digitalizado. Para estes casos,
a solução foi uma minuciosa leitura visual, sendo realizada a correção do arquivo digitalizado em apenas um
dos casos.
A segunda fase do procedimento de consistência
envolveu a geração de diversos gráficos, representativos
dos valores médios de precipitação para os diferentes
períodos permitidos pelo conjunto de dados, que possibilitaram a comparação dos comportamentos dos dados
pluviográficos com a normal climatológica conhecida
para a região de abrangência da estação. A despeito de seu
caráter qualitativo, este procedimento foi útil, pois indicou que o conjunto de dados processados era consistente.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi satisfatoriamente
alcançado, ou seja, a metodologia de classificação e digitalização de pluviogramas, e de geração de uma base
de dados pluviográficos, estruturada em arquivos anuais,
mensais e diários, e submetido a critérios de crítica e
de consistência, foi desenvolvida e implementada com
sucesso.
Por meio dela, os dados de chuva contidos nos
pluviogramas da estação meteorológica do aeroporto de
São José dos Campos puderam ser resgatados em um
quarto do tempo que seria gasto se fosse empregada a
inspeção visual para este fim. O grau de confiabilidade
alcançado permitiu que os dados de chuva fossem manipulados com segurança por ocasião da realização das
pesquisas que levaram à obtenção de uma equação de
chuvas intensas para São José dos Campos (Waltz, 2000;
Waltz & Ferreira, 2001a). As informações contidas nesta
base de dados são de imediata utilização e podem ser
ampliadas e/ou reanalisadas a qualquer momento.
A partir desta base de dados, foi gerada uma outra
base, que segue os formatos empregados pelo DAEE/
Fundação CTH (1999), visando inclusão em próximas
edições deste CD-ROM que contém o Banco de Dados
Pluviográficos do Estado de São Paulo.
Por exigir baixo investimento em equipamentos
e em recursos computacionais e ser de fácil implementação, a metodologia desenvolvida poderá contribuir
para que os dados contidos em pluviogramas passem a
ser digitalizados sistematicamente, de modo a ampliar
a disponibilidade de informações pluviográficas (alta
resolução temporal) confiáveis e a permitir a realização
de pesquisas que visem um conhecimento climatológico
77
mais detalhado para as regiões onde este registro é efetuado, conhecimento este que tem aplicação em diversas
áreas, como a Hidrologia e a Climatologia Urbana, o
Planejamento Urbano e Regional, a Previsão Numérica
de Tempo e a estimativa de precipitação por satélites e
radares.
Deve ser ressaltado que esta metodologia pode
ser empregada para a digitalização de diversos tipos
de diagramas como, por exemplo, os de termógrafos e
linígrafos.
Os códigos-fonte dos programas computacionais
desenvolvidos não foram explicitados neste artigo, mas
estão disponíveis para qualquer interessado. Para obtêlos, basta entrar em contato com o primeiro autor deste
artigo.
9. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem: à Divisão de Ciências
Atmosféricas (IAE/CTA), depositária do acervo de
dados meteorológicos do Comando da Aeronáutica
do Ministério da Defesa, o fornecimento dos registros
pluviográficos da estação meteorológica do aeroporto
de São José dos Campos; ao ITA/CTA, o empréstimo da
mesa digitalizadora; e, ao Prof. Jojhy Sakuragi, chefe do
LabMet/UniVap, a colaboração no desenvolvimento dos
programas computacionais de digitalização.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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com base em estudos pluviográficos. Simpósio Brasileiro
de Recursos Hídricos, 14° /e/ Simpósio de Hidráulica e
Recursos Hídricos dos Países de Língua Oficial Portuguesa, 5°, Aracaju-SE, 25 a 29 de novembro, 2001. Anais...
São Paulo: ABRH, 2001a , 1 CD-ROM, 19p.
WALTZ, R. C.; FERREIRA, M. E. Metodologia para
digitalização de pluviogramas e geração de uma base de
dados pluviográficos. Simpósio Brasileiro de Recursos
Hídricos, 14° /e/ Simpósio de Hidráulica e Recursos
Hídricos dos Países de Língua Oficial Portuguesa, 5°,
Aracaju-SE, 25 a 29 de novembro, 2001. Anais... São
Paulo: ABRH, 2001b, 1 CD-ROM, 17p.
78
Levantamento Preliminar da Mirmecofauna da Fazenda
Santana do Poço - Campus Urbanova
Marcelo de Castro Pazos *
Graziela Sousa **
Nádia Maria Rodrigues de Campos Velho ***
Resumo. Este trabalho tem como objetivo apresentar um levantamento preliminar dos gêneros de
formigas (Insecta, Hymenoptera) presentes na região da Mata 2 da Fazenda Santana do Poço a
23°11S e 45°53W, no município de Jacareí – SP, situada no Campus Urbanova da Universidade
do Vale do Paraíba – UNIVAP. Entre os meses de março a agosto de 1998, foram identificados 13
gêneros (Azteca, Labidus, Neivamyrmex, Camponotus, Crematogaster, Procryptocerus, Solenopsis, Zacryptocerus, Atta, Pheidole, Ectatomma, Pachycondyla, Pseudomyrmex), e uma subespécie
(Atta sexdens rubropilosa) distribuídos em 6 subfamílias (Dolichoderinae, Dorylinae, Formicinae,
Myrmicinae, Ponerinae e Pseudomyrmecinae). Dois métodos de coleta foram utilizados: 1) iscas
de sardinha, chocolate e açúcar e; 2) Coleta manual com pinça. Os resultados parecem demonstrar
que a mirmecofauna da região estudada é bastante variada em número de gêneros e subfamílias.
Palavras-chave: Levantamento, mirmecofauna, Formicidae, Himenoptera.
Abstract. The purpose of this work is to present an initial survey on the ant genera (Insecta, Himenoptera) that inhabit the Mata 2 area located at Fazenda Santana do Poço (23°11’S and 45°53’W),
at the Universidade do Vale do Paraíba, Campus Urbanova, in the municipal district of Jacareí – SP.
From March 1998 up to August 1998, the survey had identified thirteen genera (Atta, Azteca, Camponotus, Crematogaster, Ectatoma, Labidus, Neivamyrmex, Pachycondyla, Pheidole, Procryptocerus, Pseudomyrmex, Solenopsis and Zacryptocerus) and one subspecies (Atta sexdens rubropilosa),
distributed in six subfamilies (Dolichoderinae, Dorylinae, Formicinae, Myrmicinae, Ponerinae and
Pseudomyrmecinae). Two collection methods were used: 1) sardine bait, chocolate and sugar and;
2) hand collect with tongs. These results seem to show that the ant fauna is very diversified in terms
of members in genera and subfamilies.
Key words: Survey, mirmecofauna, Formicidae, Himenoptera.
INTRODUÇÃO
O Campus Urbanova, situado no Vale do Paraíba, apresenta uma grande variedade entomológica. A
família Formicidae é predominantemente tropical, com
aproximadamente 8.800 espécies distribuídas em 10
subfamílias: Aneuretinae, Dolichoderinae (incluindo
Aenectini e Ecitonini), Formicinae, Dorylinae, Leptanilinae, Myrmicinae, Myrmeciinae, Nothomyrmeciinae,
Ponerinae (incluindo Cerapachyni) e Pseudomyrmecinae (GOULET & HUBER, 1993).
O corpo apresenta cabeça, tórax, abdome e um
*
Biólogo.
** Graduanda do Curso de Ciências Biológicas da
UNIVAP.
*** Professora da UNIVAP.
79
pecíolo que une o abdome ao tórax, podendo ser formado
por um ou dois segmentos, havendo sempre sobre eles
um ou dois nódulos muito nítidos (CARRERA, 1980),
revestido por um exoesqueleto de quitina.
As formigas vivem em sociedade, onde se encontram fêmeas fecundas (rainhas), machos e operárias (GOTWALD JR., 1995). As operárias nunca apresentam asas
e o seu tamanho varia, em algumas espécies. Nas colônias
maiores, as operárias podem ser divididas em soldados,
enfermeiras, construtoras e coletoras de alimento.
Este trabalho teve como objetivo o levantamento
preliminar da mirmecofauna do Campus Urbanova.
MATERIAL E MÉTODOS
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
As coletas foram realizadas no período de março
a agosto de 1998 na área de 64,70m x 37,30m, denominada Mata 2 da Fazenda Santana do Poço, localizada no
Município de Jacareí (SP) (23°11’S e 45°53’W), distante
aproximadamente 80Km da cidade de São Paulo, em
uma altitude de 600m acima do nível do mar, no Campus
Urbanova da Universidade do Vale do Paraíba - São José
dos Campos.
As visitas foram realizadas durante três vezes,
semanalmente, em cada um dos pontos de coleta, no
período diurno, com uma duração de duas horas cada
observação. Três foram os locais de captura dos exemplares: a margem do lago da mata, a mata fechada e a área
desmatada. Os exemplares foram identificados como
pertencentes à casta das operárias.
identificação (BORROR & DeLONG - 1969 e GOULET
& HUBER - 1993). Para a identificação do gênero Atta,
utilizou-se a chave de BOLTON (1994). Isso foi feito a
partir da morfologia externa
Os exemplares identificados foram fixados, com
cola em triângulos de papel cartão, sempre voltados para
o mesmo lado, transpassados com alfinete entomológico
n° 2, em sua região mais larga (base) e, abaixo deste, um
rótulo com as informações necessárias. Para conserválos, utilizou-se uma caixa com naftalina e sílica.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As subfamílias e os gêneros constatados nos três
locais investigados são listados a seguir.
Como metodologia de coleta utilizaram-se iscas
de chocolate, açúcar com algumas gotas de água e pedaços de sardinha dentro de recipientes de vidro, posicionados em diversos locais, onde era anotada a temperatura
ambiental do início e final da coleta.
1. Subfamília Dolichoderinae Forel, 1878
As formigas foram acondicionadas em pequenos
tubos de vidro com álcool 70% para conservação e posterior identificação em laboratório.
Caracterizam-se por apresentar o pecíolo do abdome com um único segmento e não existe constrição
entre o 1° e o 2° segmento do gáster.
São formigas onívoras, com preferência por
substâncias açucaradas (CARRERA, 1907).Segregam
um fluido de odor nauseabundo pelas glândulas anais.
A identificação do material foi realizada utilizando-se um estereomicroscópio, baseada em chaves de
Fig. 1 - Gênero Azteca Forel, 1878.
1.a Gênero Azteca Forel, 1878
Área de Ocorrência: Região Neotropical.
Características Gerais: As formigas deste gênero
são arborícolas e se aninham geralmente em embaúvas
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
(Cecrópia), árvore bastante comum na área de estudo,
sendo que cada espécie mostrou decidida predileção
por determinada espécie da planta. São as mais temidas
formigas que ferroam (SANTOS, 1985).
Forma de Captura: Isca de açúcar.
80
2. Subfamília Dorylinae Leach, 1815
São formigas carnívoras que surgem em bandos
enormes para depredar, formando grandes colunas e
enxames, causando destruição por onde passam, razão
pela qual são nômades.
Fig. 2 - Gênero Labidus Jurine, 1807.
2. a Gênero Labidus Jurine, 1807
Área de Ocorrência: Desde a Argentina até os
EUA, em Oklahoma (GOTWALD JR., 1995).
Características Gerais: Nidificam o solo, especialmente em cavidades pré-formadas como ninhos
abandonados de formigas cortadeiras, muito comuns
na área de estudo. GOTWALD JR. (1995) cita também
que este gênero forrageia tanto de dia como de noite,
alimentando-se de uma grande variedade de artrópodos
(insetos e aranhas) e carcassas de animais, e, às vezes,
se alimenta de açúcar.
Forma de Captura: Isca de chocolate.
Fig. 3 - Gênero Neivamyrmex Borgmeier, 1940.
2.b Gênero Neivamyrmex Borgmeier, 1940
Área de Ocorrência: Estende-se à latitude de 40°
em ambos os lados do Equador (GOTWALD JR.,1995).
Características Gerais: Nidificam no solo e depredam formigas (estágios imaturos de Pheidole, Solenopsis,
81
Crematogaster e Atta), sendo estes gêneros encontrados
na Mata 2 juntamente com besouros e aranhas (GOTWALD JR., 1995).
pinça.
Forma de Captura: Coletados no carreiro com
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
3. Subfamília Formicinae Latreille, 1809
Comum em regiões temperadas, com aproximadamente 1400 espécies distribuídas em 50 gêneros.
pecíolo unissegmentado, ferrão curto ou orifício anal
terminal e circular.
Caracteriza-se por apresentar indivíduos com
Fig. 4 - Gênero Camponotus Mayr, 1861.
3.a Gênero Camponotus Mayr, 1861
Área de Ocorrência: Desde os trópicos às frias
áreas temperadas de globo (TERAYAMA et al, 1995-98).
Características Gerais: São formigas campestres
e silvestres. A coloração varia entre preta, amarela e
marrom. Estas se alimentam de madeira, sendo agentes
importantes na aceleração da queda de árvores e troncos
ao solo, pois fazem galerias dentro delas, as quais servem
de avenidas de entrada para fungos e outros organismos
que causam a decomposição e aceleram a desintegração
da madeira (BORROR & DeLONG, 1969).
Forma de Captura: Com pinças e iscas de chocolate e sardinha.
Fig. 5 - Gênero Crematogaster Lund, 1831 a.
Fig. 6 - Gênero Crematogaster Lund, 1831 a.
3.b Gênero Crematogaster Lund, 1831
Área de Ocorrência: Cosmopolita.
Características Gerais: Trata-se de um dos maiores gêneros da família Formicidae, com aproximadamenRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
te 300 espécies descritas. Nidificam o solo, mas, também,
podem nidificar embaixo de pedras, madeira podre e
entre raízes de plantas (OGATA & YAMANE, 1995-98).
Forma de Captura: Iscas de açúcar.
82
4. Subfamília Myrmicinae Lepeletier de SaintFargeau, 1835
Com aproximadamente 2000 espécies em 140
gêneros, é a maior e mais comum dentro das formigas.
A maioria é terrícola com dieta extremamente
variada. Os adultos variam de tamanho e as operárias não
ferroam. Os ninhos são permanentes e algumas espécies
são parasitas sociais.
4.a Gênero Procryptocerus Erney, 1887 b
Área de Ocorrência: Região neotropical.
Características Gerais: Na Mata 2, os indivíduos
desse gênero foram sempre observados sozinhos ou com
outro companheiro de ninho.
Forma de Captura: Com pinça.
4.b Gênero Solenopsis Westwood, 1840 b
Área de Ocorrência: Europa e regiões quentes do
Novo Mundo.
Características Gerais: São conhecidas pelo
nome de “formigas-de-fogo” ou “formigas-lava-pés”. O
ninho é feito na terra, localizado nas raízes das árvores
(SANTOS, 1985), ou no capim observado nas margens
do lago da Mata 2.
Forma de Captura: Iscas de açúcar.
Fig. 7 - Gênero Zacryptocerus Wheeler, 1911 f.
4.c Gênero Zacryptocerus Wheeler, 1911 f
Área de Ocorrência: Região neotropical.
Características Gerais: Na Mata 2, este gênero
foi observado geralmente sozinho, ou então dois ou três
83
indivíduos juntos. Não se notaram grandes aglomerados
e geralmente estão presentes em madeiras podres ou
árvores, e, quando molestadas, são lentas em sua fuga.
Forma de Captura: Com pinça.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Fig. 8 - Gênero Atta Fabricius, 1804.
4.d Gênero Atta Fabricius, 1804
terra depositada ao seu redor.
Área de Ocorrência: Todo o continente americano.
Características Gerais: As operárias são opacas e
de coloração pardo-avermelhadas; quanto menor o seu
tamanho, mais intensa é sua coloração vermelha. Seu
ninho é constituído no solo e é subterrâneo, possuindo
vários olheiros (buracos) facilmente reconhecidos pela
As saúvas sobem nas árvores para atingirem
as folhas, que são cortadas, levadas ao ninho, onde os
pedaços são misturados com líquido fecal para servir de
substrato aos fungos dos quais elas se alimentam.
Forma de Captura: Com pinça.
Fig. 9 - Gênero Pheidole Westwood, 1839.
4.e Gênero Pheidole Westwood, 1839
Área de Ocorrência: Cosmopolita.
Características Gerais: Com aproximadamente
300 espécies descritas e provavelmente mais de 1000
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
espécies, trata-se de um dos maiores gêneros da família
Formicidae. Nidificam no solo, mas também podem nidificar embaixo de pedras, madeira podre e entre raízes
de plantas ( OGATA & YAMANE, 1995-98).
Forma de Captura: Iscas de açúcar.
84
5. Subfamília Ponerinae Lepeletier de Saint-Fargeau,
1835
As operárias apresentam ferrão bem desenvol-
vido. Algumas espécies podem apresentar depredação
em grupo e nomadismo (WILSON, 1978 a) citado por
GOTWALD JR. (1995). Geralmente os ninhos são
permanentes.
Fig. 10 - Gênero Ectatomma Smith, F., 1858 b
5.a Gênero Ectatomma Smith, F., 1858 b
Área de Ocorrência: América Central e do Sul,
Índias Ocidentais e México tropical.
Características Gerais: Também conhecida como
“formiga-aguilhoada”, é facilmente identificada pelo seu
tipo de escultura do esqueleto. Sua dieta é quase que
exclusivamente carnívora (SANTOS, 1985).
Forma de Captura: Iscas de sardinha.
Fig. 11 - Gênero Pachycondyla Smith,F., 1858 b.
5.b Gênero Pachycondyla Smith,F., 1858 b
Área de Ocorrência: Em todas as partes, desde a
orla litorânea até a mata (SANTOS, 1985).
Características Gerais: Também conhecidas como
“formigas-sem-ferrão”, são terrícolas e contêm várias
espécies de formigas grandes. São de evidente comba85
tividade, andam sempre em lutas até mesmo com suas
irmãs, possivelmente de ninhos diferentes. Têm hábito
alimentar carnívoro (SANTOS, 1985) e, na Mata 2, foram
observadas forrageando solitariamente sobre o solo e na
vegetação baixa dentro da mata.
Forma de Captura: Iscas de chocolate.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
6 - Subfamília Pseudomyrmecinae Smith,M.R., 1952
a.
São formigas arborícolas com predadores de
tamanho pequeno a moderado em relação às outras
Fig. 12 - Gênero Pseudomyrmex Lund, 1831 b.
6.a Gênero Pseudomyrmex Lund, 1831 b
Área de Ocorrência: Região neotropical.
Características: Os olhos são bastante desenvolvidos, alongados em forma de rim.
Forma de Captura: Com pinça.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
⇒ Foram identificados treze gêneros (Azteca,
Labidus, Neivamyrmex, Camponotus, Crematogaster,
Procryptocerus, Solenopsis, Zacryptocerus, Atta, Pheidole, Ectatomma, Pachycondyla e Pseudomyrmex), pertencentes à mirmecofauna da Mata 2 da Fazenda Santana
do Poço – Jacareí – S.P.
⇒ Estes gêneros encontram-se distribuídos em
seis subfamílias (Dolichoderinae, Dorylinae, Formicinae, Myrmicinae, Ponerinae e Pseudomyrmecinae).
⇒ As iscas de sardinha parecem atrair rapidamente as formigas carnívoras, por exalar bastante odor.
Já para as espécies que se alimentam de substâncias
açucaradas, a isca de chocolate foi mais eficiente que a
isca de açúcar.
⇒ O éter, apesar de ser um método eficiente para
anestesiar e matar as formigas, não é aconselhável, pois
os insetos retraem as patas após a morte, dificultando sua
posterior montagem.
⇒ A mirmecofauna observada na área apresenta
alta diversidade e variações tanto no aspecto morfológico,
quanto nos sítios de nidificação e forrageamento.
Ao Prof. Dr. J. C. Brandão, do Museu de Zoologia
da USP, pelo auxílio na identificação e na confirmação
dos gêneros estudados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOLTON, B. Identification Guide to the Ant Genera
of the World. Cambridge: Harvard University Press,
1994. 222 pp.
BORROR, D. J.; De LONG, D. M. Introdução ao
Estudo dos Insetos, São Paulo:EDUSP,1969. 653 p.
CARRERA, M. Entomologia para Você. 7ed. São
Paulo: Nobel: 1980. 182 p.
GOTWALD Jr, W. H. Army Ants – The Biology of
Social Predation. [s.l.] Cornell University Press, 1995.
302 p.
GOULET, H.; HUBER, J. T. Himenoptera of the World
– An Identification Guide to Families. Research Branch
Agriculture Canada, 1993. 668 p. (Publication 1894/E)
OGATA, K.; YAMANE, S. Japanese Ant Color Image
Database, 1995-1998. Disponível em: http://ant.edb.
miyakyo-u.ac.jp/INDEXE.HTM
SANTOS, E. Os Insetos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985.
v.2. 243 p. (Coleção Zoologia Brasílica).
TERAYAMA, M. et al. 1995 - 1998. Japanese Ant
Color Image Database. Disponível em: http://ant.edb.
miyakyo-u.ac.jp/INDEXE.HTM
AGRADECIMENTOS
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
86
Etnia, Nação e Globalização
André Augusto Brandão *
Resumo. Este artigo pretende discutir a relação entre o ressurgimento do nacionalismo europeu e a
intensificação dos processos de globalização ocorrida na ultima década do século XX. Verificamos que
neste processo de reafirmação de nacionalidades, os aspectos vinculados à construção de identidades
étnicas têm sido de fundamental importância, apesar da imprecisão na definição de conceitos como
etnia e grupo étnico. Para a construção deste artigo tomamos como pano de fundo a chamada crise
do Kosovo ocorrida em 1999 na região dos Bálcãs.
Palavras-chave: Etnia, globalização, nacionalismo.
Abstract. This article discusses the relationship between the new rise of European nationalism and
the growing globalization in the late twentieth century. Our findings show that, despite the need for
more precision in the definition of the concepts of ethnicity and ethnic group, building of ethnic
identities has been fundamental to the process of reaffirming specific nationalities. In order to discuss this hypothesis in this article we examine the so-called Kosovo crises that took place in 1999.
Key words: Ethnicity, globalization, nationalism.
Que país, com que fundamentação, pode-se
afirmar com o direito – reconhecido com quase unanimidade internacional – de atacar o território de outro
país soberano?
Esta pergunta foi lançada no panorama do planeta
desde 24 de março de 1999, dia em que a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) iniciou os bombardeios à Iugoslávia no âmbito da chamada crise do
Kosovo.
Refletir sobre este ponto nos coloca ante à discussão de um tema bastante complexo que invadiu o
cenário acadêmico e político no fim do século XX: nação
e nacionalismo1.
1. NAÇÃO COMO CONCEITO
No primeiro capítulo de seu clássico livro Imagined Communities2 , ANDERSON (1989) pergunta o
que possibilitou que, nos últimos 200 anos, milhões de
pessoas tenham matado e morrido, voluntariamente,
movidos pelo sentido de nação ?
Na verdade, o fim do século XX é palco de um
retorno do nacionalismo, seja no seio das “velhas nações”
consolidadas desde o século XIX, seja naqueles que tive* Professor da ESS-UFF e pesquisador do PENESB-UFF.
87
ram suas fronteiras alternadas ou inicialmente definidas
ainda no século XX. De qualquer forma, as noções de
matriz liberal ou de matriz marxista, que colocavam o
nacionalismo no campo do irracional, e que portanto
decretaram sua morte, baseadas no dado inexorável do
desenvolvimento, não acertaram em suas previsões.
Por quê? É a pergunta que ANDERSON (1989)
tenta responder. Para tanto, trabalhou com o pressuposto básico de que a nacionalidade e o nacionalismo são
“artefatos culturais” peculiares. Estes artefatos, criados
na sociedade ocidental em fins do século XVIII, como
produtos de processos históricos, adquiriram uma forma
“modular”, ou seja, foram a partir daí transplantados
para locais diferentes, adaptados a sociedades diferentes
e mesmo a diferentes formações políticas e princípios
ideológicos.
A nação, por sua vez, é conceituada por ANDERSON (1989) – no âmbito do que chama “espírito antropológico” – como “comunidade imaginada”. Para além da
idéia sociológica clássica de “comunidade” como um tipo
de organização social onde os indivíduos se conhecem
reciprocamente e interagem face a face no cotidiano, as
nações são comunidades de sentido e pertencimento ainda que os indivíduos que a compõem possam até mesmo
nunca se encontrarem casualmente. Assim, trata-se de
uma imaginação acerca de uma fraternidade comunitária
que une um grupo, sem considerar as desigualdades entre
os indivíduos e as rotas de exploração e dominação que
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
são estabelecidas entre estes. Tais imaginações engendram símbolos e sentidos com os quais os indivíduos
podem construir identidades.
Assim, se tomarmos esta perspectiva de ANDERSON (1989), não faz sentido perguntar se a nacionalidade
Kosovar (por exemplo) é falsa ou verdadeira, pois esta
pergunta tem um pressuposto essencialista: a suposição
de que pode existir uma essência nacional. Fugindo deste
essencialismo, ANDERSON (1989) vai defender a idéia
de que as diferenças entre os vários caracteres nacionais
estão alocadas na forma como as nações são imaginadas.
Os elementos teóricos que ANDERSON (1989)
desenvolve por entre um exemplar apanhado de situações
históricas são fundamentais para pensarmos o problema
aqui proposto, a saber: a interligação entre nação, globalização e etnia na atual ordem internacional, e como
esta discussão se expressa no caso da recente guerra do
Kosovo.
Tomando como referência a Europa Ocidental,
ANDERSON (1989) afirma que o início do nacionalismo
no século XVIII é paralelo à perda de importância das
formas religiosas de pensamento. Isto não significa que
o nacionalismo foi um produto da “erosão das certezas
religiosas” (ANDERSON, 1989: 20), ou que suplantou
historicamente estas, mas sim que o nacionalismo do
século XVIII ocidental deve ser compreendido no mesmo
patamar dos sistemas culturais que lhe foram anteriores
e que eram tomados como quadros de referência para
as identidades.
ANDERSON (1989) está se referindo às grandes
comunidades religiosas que se estenderam por enormes
territórios na idade antiga e na idade média (o islã, o
budismo e principalmente o cristianismo na Europa Ocidental). Estas “grandes culturas sagradas” se pensavam
como o centro do cosmos e se ancoravam no poder da
língua sagrada (ou seja, na língua como elemento que
carrega a verdade e portanto se encontra situada numa
esfera intraduzível e mágica).3
Apesar de todo o seu poder, estas “comunidades
imaginadas religiosamente” (ANDERSON, 1989: 24),
nos fins da idade moderna, entram numa crise, condicionada por dois elementos: o alargamento cultural e
geográfico que a descoberta do novo mundo representa
(ampliando as concepções acerca das formas possíveis
de vida humana) e o surgimento do “capitalismo editorial” (segundo o autor, uma das primeiras “empresas”
capitalistas com bases sólidas de produção na Europa
Ocidental).
Esta última questão é de grande importância. As
grandes “massas monoglotas”, não leitoras do latim,
são os alvos do capitalismo editorial a partir do século
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
XVI. No entanto, dada à existência na Europa de uma
diversidade gigantesca de dialetos locais, o capitalismo
editorial – aproveitando-se da “arbitrariedade do signo”
nas línguas vulgares – promoveu a unificação de várias
línguas orais em poucas línguas impressas (obviamente
dentro dos limites gramaticais e sintáticos das primeiras).4 No nacionalismo europeu, portanto, a noção de
que todo povo possui uma formação nacional e uma língua própria é fundamental, pois, segundo ANDERSON
(1989), as novas elites letradas precisavam convidar por
escrito as massas a aderir aos projetos nacionais e têm de
escrever numa língua que as massas entendam.5 A questão da língua é paradigmática para a construção de nacionalismos importantes no século XIX.
Como ANDERSON (1989) demonstra, o processo de
“russificação” posto em prática em fins do século XIX
(após o surgimento dos nacionalismos da Ucrânia e
Finlândia) teve como coluna mestra a compulsoriedade
da língua russa para o ensino em todos os níveis no âmbito do império.6 O nacionalismo japonês, que também
data de fins do século XIX, utiliza uma rota semelhante
e trabalha para a alfabetização em massa dos adultos
homens. O caminho mais fácil para a construção do
nacionalismo japonês deve-se, segundo ANDERSON
(1989), à homogeneidade étnica, antigüidade da casa imperial e uma história acumulada de invasões estrangeiras
que produziram uma maior propensão à coesão interna.
Na “última onda” de nacionalismo apontada por
ANDERSON (1989) – que hoje podemos chamar de
“penúltima onda” – estão os movimentos de libertação
nacional africanos e asiáticos no século XX. Como fator explicativo para estes, ANDERSON (1989) atribui
grande importância às elites bilíngües locais, ou seja,
aos indivíduos nativos que tiveram acesso, via educação formal, à cultura ocidental e conseqüentemente aos
próprios modelos de nacionalismo produzidos no século
XIX europeu. Estas “inteligências” terceiro-mundistas
portavam, não somente o bilinguísmo, mas também uma
cultura híbrida que podia retraduzir os nacionalismos da
metrópole para a colônia.
É importante lembrar que os movimentos de libertação nacional do século XX foram feitos principalmente
nas línguas metropolitanas, como afirma:
“Se o radical moçambique fala português, o que isto significa é que o português é o meio pelo qual Moçambique é
imaginado.” (ANDERSON, 1989: 146).
Enfim, ANDERSON (1989) conclui que o “anjo
da história” está solto e portanto o nacionalismo pode
ter a qualquer momento seu revival (fazendo uma alusão
a Weber, podemos nos arriscar a afirmar que o espírito
88
do nacionalismo fugiu da gaiola da racionalidade modernizante).
Embora clássico, ANDERSON (1989) não é o
único a fazer uma discussão de peso sobre a conceituação
e a história da nação. BHABHA (1990 e 1998) afirma
a nação como “narração”. Numa interessante alegoria
BHABHA afirma:
“Nations, like narratives, lose their origins
in the myths of time and only fully realize
their horizons in the mind’s eye.” (BHABHA, 1990 : 1).
BHABHA (1998) faz uma longa discussão acerca
da nacionalidade como “construção cultural” e, mais do
que isto, como um formato possível para a pertença social
e também textual. Isto pressupõe estratégias discursivas
de “identidade cultural”. Em última instância os indivíduos, transformados em “povo”, tornam-se os objetos
das narrativas de caráter literário ou de caráter social e
cotidiano. Assim, a nação é somente parte da metáfora
da coesão social moderna (“muitos como um”) que, em
alguns momentos teóricos, também vão tomar o gênero,
a classe e a raça, como “... totalidades sociais que expressam experiências coletivas” (BHABHA, 1998 : 203).
A idéia de nação como narração propõe uma
destruição radical de qualquer perspectiva essencialista,
quando afirma que o processo de construção significante
da identidade cultural nacional é performativo.
Esta mesma discussão aparece em HALL (1999).
Este autor afirma que as culturas nacionais, objetos
tomados para se pensar a existência das nações, são, de
um lado, produto de instituições culturais, e, de outro,
produto de símbolos e representações que constroem
identidades. O cenário performático da cultura nacional
é descrito por HALL (1999) como os momentos onde
a “narrativa da nação” é contada e sistematicamente
repetida na história, na literatura, na mídia em geral e
na cultura popular.
“Essas fornecem uma série de estórias, imagens,
panoramas, cenários, eventos históricos, símbolos e
rituais nacionais que simbolizam ou representam as
experiências partilhadas, as perdas, os triunfos e os
desastres que dão sentido à nação.” (HALL, 1999: 52).
HALL (1999) chama a atenção para o caráter
essencialista do nacionalismo que representa a identidade
nacional como um dado primordial, não modificável historicamente; algo que pode ressurgir a qualquer momento. A essência da nação estaria presente desde sua origem
que teria se dado em um passado distante, o tempo do
mito “fundacional”. Trata-se aqui do que HALL (1999:
89
62) chama de “um dispositivo que representa a diferença
como unidade ou identidade”, que procura, via a idéia
de identidade nacional, uma unificação impossível, não
somente das diferenças, mas também das divisões e
contradições internas e dos jogos de poder cotidianos.
Mais recentemente CASTELS (1999)7 empreendeu uma interessante crítica à ANDERSON (1989) sem,
em nossa opinião, sair dos quadros teóricos abertos por
este. Haveria, segundo CASTELS (1999), um caráter
“óbvio” na idéia de “comunidade imaginada” quando
esta propõe que os sentimentos nacionais são construções
da esfera da cultura. Para além disto não haveria uma
homologia entre Nação e Estado; o que pode ser verificado historicamente no fato de que existem movimentos
nacionalistas que perduram por intervalos de tempo
maiores ou menores, conservando identidades culturais
e territoriais rígidas, apesar de não terem viabilizado a
construção de Estados (por exemplo, a Palestina e o
Curdistão).
Uma crítica importante feita por CASTELS
(1999) diz respeito à idéia defendida por ANDERSON
(1989) do nacionalismo enquanto plágio. Ou seja, afirmar
que os movimentos nacionalistas de descolonização da
Ásia e da África, ocorridos no século XX, copiaram o
modelo de nacionalismo e de projeto de Estado-Nação
ocidental cujo ponto culminante foi o século XIX, implica o uso de um eurocentrismo exacerbado, que pretende
interpretar as realidades coloniais, através dos quadros
de pensamento das sociedades ocidentais. A importância
desta crítica se encontra, segundo nossa avaliação, em
dois elementos básicos. Por um lado, a enorme gama de
atuais países pós-coloniais que emergiu neste século não
pode ser homogeneizada como portadora de movimentos
de independência ligados ao mesmo “modelo original”;
por outro lado, esta afirmação esquece as necessárias
traduções que se impõem a partir da constatação muito
simples da existência de histórias absolutamente díspares
entre as sociedades de terceiro-mundo e as sociedades
dos países de capitalismo avançado.
Outro ponto de discordância com ANDERSON
(1898) aparece quando CASTELS (1999) explicita que os
movimentos nacionalistas não são a priori movimentos
das elites. Ou seja, o nacionalismo, por ser da esfera da
cultura, pode ter uma utilização política. A rigor, porém,
“constituem trincheiras defensivas de identidade e não
plataformas de lançamento de soberania política” (CASTELS, 1999: 47).
Se tomarmos, porém, a proposta para o conceito
de nação feita por CASTELS (1999), veremos que esta
não se afasta do caminho aberto em Imagined communities:
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
“... definirei nações, ..., como comunidades culturais construídas nas mentes e
memória coletiva das pessoas por meio
de uma história e de projetos políticos
compartilhados.” (CASTELS, 1999: 69).
Tais “comunidades culturais”, como já afirmamos,
podem ou não constituir Estados. Assim, há casos de
Nações sem Estado (já exemplificado acima), Estados
sem Nação (África do Sul, por exemplo), Estados plurinacionais (como a Espanha e o Reino Unido), Estados
uninacionais (como o Japão), Estados que compartilham
uma só Nação (o exemplo clássico é o da Coréia do Norte
e da Coréia do Sul e as extintas Alemanha Ocidental e
Alemanha Oriental), e, por último, Nações que compartilham um mesmo Estado (o que está acontecendo
na Bósnia-Herzegovina, ou seja, a configuração de um
Estado contendo três nações: a dos sérvios, a dos croatas
e a dos bósnios).
Neste sentido, longe de uma inequívoca relação
entre nacionalismo e Estado-Nação, ou da noção de
nacionalidade como construção maquiavélica das elites,
CASTELS (1999) lança mão do exemplo histórico da
dissolução da URSS para demonstrar que a grande potência do movimento contra o Estado soviético veio dos
movimentos nacionalistas e principalmente do nacionalismo russo (portanto de uma República absolutamente
dominante no jogo de poder soviético).8 A destruição
da URSS, e logo depois da Comunidade dos Estados
Independentes, seria assim um exemplo claro da longa
duração das nacionalidades à medida que estas repousam
sobre uma história que não pára de emitir significados
culturais.
E após a derrocada do monólito soviético, o vácuo
de poder e de ideologias foi com ênfase ainda maior
tomado “pela única fonte de identidade mantida na memória coletiva: a identidade nacional” (CASTELS, 1999:
58). Se as elites locais utilizaram o sentimento nacional
para construir nichos de poder próprios, o fizeram porque
estes sentimentos tinham, naquele momento histórico,
um potencial de mobilização e referência muito maior
que as propostas de mercado e democracia.
A idéia da nação soviética (ou a forma com esta
foi “imaginada”) compreendia duas identidades nacionais
paralelas; primeiro, as identidades das etnias existentes
nas repúblicas soviéticas e na Federação Russa e, em
segundo lugar, a identidade soviética ancorada em princípios político-ideológicos sobre os quais se erguia um
Estado forte e aparentemente sólido. Após mais de sete
décadas de operação, a segunda identidade nacional se
esfacelou num breve pneuma da história, e as primeiras
estavam prontas para afirmar o que CASTELS (1999:
58) definiu como a “... capacidade de as nações perduRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
rarem em relação ao Estado, e de se manterem apesar
da existência deste.”
Feita esta introdutória discussão acerca de alguns
quadros teóricos que problematizam o ambíguo “conceito” de nação, vamos retornar ao caso paradigmático do
separatismo nos Bálcãs.
2. O NACIONALISMO NO FIM DE SÉCULO XX
Comecemos com um breve histórico que pode
nos ajudar a compreender a Iugoslávia, como, por um
lado, um Estado plurinacional, e, por outro lado, como
um Estado que vem sendo palco de crises violentas exatamente por não reconhecer esta pluralidade.
O reino dos sérvios, croatas e eslovenos, formado
com o fim da Primeira Guerra Mundial, já reúne línguas
e etnias diferentes. O que hoje constitui o problemático
Kosovo já pertencia a este reino. A longa duração neste
caso histórico remete ao século VII, quando os primeiros
sérvios chegam ao Kosovo.
É no Kosovo que os sérvios fundam seu primeiro
Estado Nacional, em 1170, e a Igreja Cristã Sérvia se
autonomiza do catolicismo e se faz “ortodoxa” no ano
de 1219. É ainda no Kosovo que se desenrolam as sangrentas batalhas entre os sérvios com seu cristianismo
de um lado e os turcos muçulmanos do outro. A batalha
perdida pelos sérvios em 1389, no Kosovo, dá início
a mais de quatro séculos de uma dominação turca que
procura esfacelar um Estado Nacional que ainda não
havia completado 300 anos.
Em 1929 o reino dos sérvios, croatas e eslovenos
ganha o status de país. Forma-se, então, a Iugoslávia,
precariamente dividida em regiões, sem que houvesse
qualquer problematização maior das questões étnicas.
Invadida pela Alemanha durante a Segunda
Guerra Mundial, a Iugoslávia é palco de cisões internas.
Grupos nazistas croatas participam ativamente da matança de judeus, muçulmanos e sérvios. Desta história tensa
emerge a Iugoslávia do pós-45 como uma República
Federativa composta pela Sérvia, Croácia, Eslovênia,
Bósnia Herzegovina, Montenegro e Macedônia. A direção política era socialista, centralizadora e de partido
único, de 1945 até o colapso de fins dos anos 1980.
Na República Federativa convivem cristãos católicos, cristãos ortodoxos e muçulmanos. São faladas
várias línguas: o albanês, o servo-croata, o esloveno e
o macedônio, o húngaro (oriundo de uma significativa
minoria situada na Voivodina) e mesmo a língua italiana,
falada por uma minoria menos significativa numericamente que habita regiões na Ístria e Dalmácia.
90
Neste palco complexo e belicoso de ódios cruzados explode uma seqüência de conflitos. RENAN
(1990)9 , nos quadros de uma postura antiessencialista que
recusa qualquer critério de pertencimento nacional objetivo, toma a nação como sendo formada por uma seqüência
histórica de fatos em maior ou menor medida aleatórios,
de conquistas bélicas e de divisões territoriais casuístas.
Segundo RENAN (1990), neste processo de construção
da nação, os indivíduos, não somente devem ter algo
em comum, mas, fundamentalmente, devem esquecer o
passado. Isto significa esquecer as lutas, os massacres, os
genocídios e a supressão forçada das diferenças culturais,
que representam o domínio final de um grupo (que para
Renan seria étnico) que terá o poder de nomear a nação.
As várias etnias que habitavam o território da Iugoslávia
até o colapso dos regimes comunistas no Leste Europeu
parecem não ter esquecido este passado, apesar de mais
de 40 anos de “unificação” conduzida por um regime
ditatorial forte.
A imagem de Slobodan Milosevic, em 1989,
discursando para milhares de sérvios no local pretensamente exato onde, 600 anos antes, foi travada a batalha
do Kosovo, numa comemoração que significou de fato
a campanha pela reconstrução da chamada “Grande
Sérvia”, é um marco deste não-esquecimento.
Em pequeno artigo contemporâneo do conflito
na Bósnia, FUKUYAMA (1994) afirma que os sérvios,
croatas e bósnios se parecem entre si (seja no que tange
a costumes, cultura política e memória histórica) mais
do que com qualquer outro grupo no mundo. Concordemos ou não com esta afirmação – que de resto soa muito
pouco profunda ao nível das possibilidades analíticas
que podem fornecer – o fato é que os conflitos nos Bálcãs, iniciados em 1991, foram logo tratados pela mídia
internacional como disputas étnicas que motivavam
movimentos separatistas.
Etnia, porém, é um conceito com várias faces e
possibilidades de uso. Escrevendo sobre a Bósnia, MALCON (1995), numa interessante simplificação, afirma
que os bósnios sempre foram somente eslavos que habitavam a região da Bósnia. À medida que a definição de
“eslavos” é absolutamente ambígua, MALCON (1995)
conclui que os bósnios sob hipótese alguma poderiam
ser considerados um grupo étnico. Na pequena história
narrada pelo autor, os sérvios e croatas, falantes da
mesma língua, desde a antigüidade se representavam de
forma distinta, porém viviam interligados principalmente
nos momentos de migração. No início da idade média
chegam à região que hoje constitui a Bósnia e encontram
uma ampla população eslava já estabelecida, resultado
de miscigenações variadas entre povos diferenciados
que viveram em partes dispersas do Império Romano e
91
foram expulsos pelas invasões dos chamados “bárbaros”.
Se os bósnios não constituem um grupo étnico,
os sérvios constituem ? Mas o que é um grupo étnico ?
Vamos começar com um clássico do pensamento
sociológico. WEBER (1997), em seu Economia y sociedad, caracteriza o grupo étnico como formado por uma
matriz subjetiva de crença em uma origem comum. Esta
origem pode ser representada pelo grupo em seus costumes, nas semelhanças físicas, ou mesmo em lembranças
coletivas de migrações e processos de colonização. Por
sua vez, a raça, para WEBER (1997), somente tem peso
do ponto de vista sociológico quando é tomada como
explicação para o comportamento dos indivíduos, ou
seja, quando ela é sentida de forma subjetiva e passa a
gerar sentidos para ações do grupo social.
Como podemos perceber, a perspectiva weberiana
não aceita o absolutismo étnico. Assim, diferenças nos
costumes de um grupo em relação aos outros pode ser
mais eficaz na produção de sentimentos de etnia do que
diferenças físicas. Mais importante do que isto, é o fato
de WEBER (1997) já afirmar que a etnia nada mais é do
que uma crença subjetiva dos indivíduos acerca do fato
de formarem uma comunidade. Esta crença pode fabricar “memórias” inexistentes e tomar como homogêneos
costumes diferenciados. Não é a propriedade de traços
físicos, a história comum ou a cultura que estão na base da
etnicidade, mas sim as ações de produção e manutenção
destas diferenças que proporcionam as separações entre
os grupos e que formam a comunidade política.
Em interessante trabalho que se propõe a fazer
um balanço do conceito de etnia na literatura acadêmica
produzida pelas ciências sociais anglo-americanas, POUTIGNAT & STREIFF-FENART (1997) afirmam que o
primeiro uso aparece nos anos 1940. Nestas produções
iniciais, o conceito de etnia é utilizado para fazer referência a outras sociedades que não a anglo-americana e para,
assim, demarcar efeitos sobre padrões comportamentais
destes outros. Os autores afirmam que este uso inicial
tem relação com a etimologia do termo, pois “ethnikos”
era a forma usada pelos gregos para se referir aos povos
não-organizados sobre o princípio da cidade-estado.
O conceito sofre enormes modificações no âmbito
da história das ciências sociais desde então. No entanto,
os autores se dedicam com maior ênfase às propostas
de Fredrik Barth10 . Para este, a etnicidade diz respeito a
um permanente processo de diferenciação entre insiders
e outsiders, que obtêm validade através das interações
sociais.
A existência e a reprodução do grupo étnico passariam necessariamente pela manutenção de suas fronRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
teiras, ou seja, passariam pela produção e manutenção
das distinções como articuladas a diferenças culturais
dos grupos. Como afirmam os autores:
“É precisamente na identificação de determinados traços culturais como marca de
sentido de um grupo que reside o trabalho
de manutenção das fronteiras sobre o qual
repousa a organização social dos grupos
étnicos.” (POUTIGNAT & STREIFFFENART, 1997: 132).
A perspectiva proposta por Barth, portanto, afirma
que os valores culturais são usados para justificar ou recusar o caráter de pertencimento de um “outro”. Neste
caminho, as diferenças culturais não têm sentido para
além do quadro de relações sociais onde estão organizadas de forma dicotômica.
A etnicidade como um formato específico de organização social é então o ponto a que chega Barth. Aqui
também vemos expurgado todo o essencialismo, pois a
classificação que tem por base a etnicidade é feita a partir
de elementos supostos, que, de fato, somente existem nas
interações, quando estas promovem a “ativação de signos
culturais socialmente diferenciadores” (POUTIGNAT &
STREIFF-FENART, 1997: 141). Ou seja, não haveria
uma definição essencial dos grupos étnicos, à medida que
estes surgem da diferenciação cultural feita por grupos
em interação.
Neste sentido, o conceito de etnia se torna suficientemente amplo para possibilitar a leitura de fenômenos históricos tão distintos quanto o conflito pela
língua oficial nas regiões canadenses, o conflito entre
palestinos e judeus e as lutas entre sérvios e bósnios ou
entre sérvios e kosovares.
Segundo POUTIGNAT & STREIFF-FENART
(1997), encontraríamos este essencialismo em Geertz11 ,
manifesto na afirmação de “ligações primordiais” que
produzem um “sentimento de afinidade”, prévio às interações sociais dos indivíduos organizados em grupos,
e que são tomados como “naturais”. Tais afinidades
podem ter várias origens: religião, local, língua comum,
costume, fenótipo e outros. Sobre estes dados primordiais
é que se constrói, portanto, o dado cultural, que propicia
a afinidade. O ponto interessante, que coloca esta abordagem de Geertz no pólo oposto a Barth, está em que a
“... qualidade primordial da etnicidade
torna-se uma propriedade essencial
transmitida no e pelo grupo, independentemente das relações com os out-groups.
A implicação do caráter fundamental e
a priori atribuído aos vínculos étnicos
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
é que tanto as relações intra como as
interétnicas só podem ser entendidas em
referência a alguma coisa que se deu
antes da interação.” (POUTIGNAT &
STREIFF-FENART, 1997: 90-91).
No caso dos Bálcãs haveria este conjunto de dados
primordiais ? Ou mais especificamente, ainda que estes
estejam presentes, continuam portando o sentido que
explica as identidades ?
CASTELS (1999) se refere a este campo de discussões. Para este, a etnia nas sociedades contemporâneas
constitui tanto uma “estrutura primária” de identificação
quanto de discriminação. No entanto, apesar de sua
importância, tem sido tomada como uma base de identidades integradas com outros princípios mais abrangentes,
tais como religião e nação.
O argumento básico de CASTELS (1999) consiste
em que, na sociedade do fim do século XX, uma sociedade definida pelo autor como marcada pelos fluxos e
redes sócio-econômicas, os vínculos primários que são
o campo da etnia perdem o sentido. Disto resulta que a
etnia fica como um elemento acessório, “processada pela
religião, pela nação e pelo território, cuja especificidade
tende a reforçar” (CASTELS, 1999).
Acreditamos que a problematização feita por este
autor aponta para a forma diferenciada de manifestação
do fenômeno étnico na modernidade tardia, se comparada às formas anteriores pensadas pelos demais autores
citados; além disto, a afirmação de uma redutibilidade
atual da etnia às demais identidades se insere numa aproximação teórica que, ao levantar a questão da política
de identidade e das identidades híbridas que emanam
desta, nos ajuda em muito a entender as crises violentas
ocorridas nos Bálcãs nesta década.
Retomando ao problema dos Bálcãs, em 1991,
primeiro a Eslovênia, a Croácia e, logo em seguida, a
Macedônia se proclamam independentes da Iugoslávia
e buscam tornar-se países independentes. Em 1992 a
Bósnia Herzegovina também proclama independência
após a realização de um plebiscito.
Apesar da reação inicial da Sérvia no sentido
de atacar as duas primeiras em nome da manutenção
da Iugoslávia, a Eslovênia, que possui uma população
muito homogênea do ponto de vista étnico, consegue
rechaçar os sérvios com rapidez e evitar um conflito
mais duradouro. A Croácia, com uma população formada
por aproximadamente 12% de sérvios, tem maiores problemas, mas acaba por conseguir sua independência. A
Macedônia repete o caso esloveno (sem maiores conflitos
após a decretação da independência – devido também a
uma homogeneidade étnica).12 92
Na Bósnia, porém, a situação é mais complexa,
pois uma população de apenas 3,2 milhões de habitantes possui 44% de muçulmanos, 31% de sérvios e 17%
de croatas. Esta divisão, que confunde religião e etnia
(corroborando as perspectivas apontadas por CASTELS –
1999), será o motor de um conflito de grandes proporções.
A Bósnia é, portanto, o palco para o ressurgimento de rancores históricos que remontam a um passado
recente: a Segunda Guerra Mundial. Durante esta, os
croatas apoiaram os nazistas e cometeram atrocidades
contra sérvios e muçulmanos. Os sérvios, por sua vez,
formaram uma guerrilha que lutou contra os croatas,
braço local do exército alemão. No movimento de relembrar os traumas do passado (mais uma vez podemos
afirmar que o requisito de esquecimento, proposto por
RENAN – 1990, não se tornou realidade na Iugoslávia)
os nacionalismos se acirram.
A Sérvia, que já vivera momentos de potência
européia e que possui uma proximidade cultural com
a Rússia, reedita o projeto da “Grande Sérvia”, que
englobaria quase toda a Bósnia e parte da Croácia.13 Os
croatas, culturalmente mais próximos da Europa Ocidental, também reivindicam parte da Bósnia. Na guerra
civil deflagrada, as minorias sérvias e croatas contam
com apoio substantivo de seus respectivos países. Em
face do nacionalismo mais exacerbado dos sérvios, que
põem em prática a noção de chacina étnica (destruição
civil da população inimiga, para consecução de uma
maioria étnica), os croatas e muçulmanos alternam períodos de aliança militar contra os sérvios com períodos de
combates entre si até que finalmente se unem em 1994.
Em 1996 é implementado um plano de paz promovido pelos EUA. A Bósnia é dividida em áreas autônomas
sob um governo colegiado entre as três partes. Ainda
neste ano a Bósnia elegeu o primeiro presidente deste
colegiado, um muçulmano. Da República Federativa
fundada em 1945 sobram Sérvia, Montenegro e Kosovo.
A crise do Kosovo não é recente, se inicia na
mesma época dos conflitos que resultaram nos processos
de independência de 1991 e 1995.
Prevendo as motivações separacionistas que
poderiam resultar de uma população majoritariamente
muçulmana de etnia albanesa, estimulada pelos acontecimentos em curso, o governo da Sérvia, em 1989,
cancela a autonomia administrativa e cultural do Kosovo
(que datava de 1974), chegando ao requinte de proibir a
utilização da língua albanesa.
Este último ponto tem importância especial, pois
a questão da língua ocupa lugar de destaque na explica93
ção das identidades nacionais. CASTELS (1999) afirma
enfaticamente que esta
“... constitui um atributo fundamental de
auto-reconhecimento, bem como de estabelecimento de uma fronteira nacional
invisível em moldes menos arbitrários que
os da territorialidade, e menos exclusivos
que os da etnia.” (CASTELL, 1999: 70).
ANDERSON (1989) também discute em sua obra
a questão da língua. Afirma que uma das noções chaves
para o nacionalismo é a associação entre “povo” e língua.
Neste sentido, nos processos de imposição do “nacionalismo oficial”, a repressão a línguas ou dialetos locais e a
imposição de uma “língua nacional” (exatamente como
no caso do Kosovo) é um modelo recorrentemente utilizado (o que o autor chama de processo de “russificação”).
Por outro lado, ANDERSON (1989) destrói qualquer
idéia essencialista de vinculação entre nação e língua
ao lembrar (como já afirmamos acima) os movimentos
nacionalistas do século XX, que, em meio a processos de
descolonização pela via dos movimentos de libertação,
na maioria dos casos utilizaram a língua do colonizador.
Retomando à tensão resultante do cerceamento
político-cultural, podemos constatar que este se traduziu em dois movimentos: a) no desejo de separação da
Iugoslávia que foi manifestado em plebiscito realizado
em 1991, no qual a ampla maioria votou a favor da
independência, e b) na criação do “Exército de Libertação do Kosovo” (ELK), em 1987, que significou uma
radicalização com uso da violência física das intenções
nacionalistas locais. Os combates entre o exército de
libertação do Kosovo e o exército iugoslavo aumentam
de freqüência e intensidade em 1998.
O Kosovo não apresentava a mesma capacidade
econômica que a Eslovênia e a Croácia possuíam para
manter por determinado período um conflito aberto com a
Sérvia (que herdou a quase totalidade das forças militares
da antiga Iugoslávia). No entanto, Slobodan Milosevic
tentou dizimar militarmente o exército de libertação do
Kosovo antes que o conflito ganhasse maiores repercussões internacionais.
Nesta tentativa, o exército sérvio iniciou uma
campanha de terror dirigida às aldeias dos Kosovares de
origem albanesas, com expulsão em massa de população.
Estas ações são justificadas pela Sérvia como forma de
erradicar as resistências das bases guerrilheiras.
A comunidade internacional intervém no conflito
através de meios diplomáticos e propõe o Tratado de
Rambouilet que prevê a “autonomia administrativa e cultural do Kosovo”, juntamente com a alocação de tropas
da OTAN para garantir a paz. O governo de Milosevic
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
não aceita os termos do Tratado, alegando que o termo
desrespeita a soberania iugoslava e abre o caminho para
a independência irrestrita do Kosovo. O impasse criado
é o prelúdio da guerra aérea iniciada em março de 1999.
Com o objetivo de esvaziar o movimento separatista e as próprias bases do ELK, o governo iugoslavo
inicia um processo já utilizado na guerra da Bósnia, a
chamada “limpeza étnica”, ou seja, a expulsão em massa dos kosovares de origem albanesa (cerca de 90% da
população local) para tornar os sérvios a maioria étnica
no Kosovo.
Aqui a OTAN entra em cena. Contrapondo-se
às práticas do exército iugoslavo e à política de Milosevic para o Kosovo, a OTAN impõe condições e
ameaça atacar. As exigências da OTAN são objetivas:
fim da violência contra os kosovares de etnia albanesa,
saída das tropas iugoslavas do Kosovo, possibilidade
de retorno dos refugiados de guerra, assinatura do já
rejeitado Tratado de Rambouilet e entrada de uma força
internacional de paz.
Como é bastante visível, a OTAN não propugna
em nenhum momento a independência do Kosovo, à
medida que este fato incentivaria outros movimentos
de independência na Europa (inclusive entre os países
membros da organização).
Milosevic não cede; a guerra tem início.
Em texto publicado pelo jornal Folha de São Paulo em 25/4/1999, o próprio presidente norte-americano,
Bill Clinton, explica porque a OTAN atacou. Nesta
versão norte-americana, a OTAN está bombardeando a
Iugoslávia para:
“Fortalecer as bases de uma Europa que
seja cada vez mais integrada, democrática, próspera e pacífica. (...) Não podíamos
ficar de lado, deixando a história relegar
os kosovares de origem albanesa ao esquecimento.” (CLINTON, Folha de São
Paulo, 25/4/1999).
Ao lado da alegação humanitária, Clinton não
esconde o interesse geopolítico ao afirmar que a OTAN
precisou intervir antes que o conflito pudesse se aprofundar e difundir discórdias étnicas que seriam ameaças
à estabilidade da Europa.
Um novo desenho das fronteiras da Iugoslávia
não é objetivo da OTAN segundo o artigo de Clinton; a
maioria étnica do Kosovo deve se contentar com a autonomia, sem abandonar a federação.14 Enfim, a OTAN
teria agido para:
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
“... dar suporte ao aprofundamento da
democracia e da tolerância e à integração étnica e religiosa entre as nações
...” (CLINTON, Folha de São Paulo,
25/4/1999).
Razões humanitárias e estratégicas são também as
justificativas para a intervenção da OTAN nas palavras de
T. Pickering, Subsecretário de Estado para Assuntos de
Política dos EUA, em texto transcrito pelo jornal Folha
de São Paulo de 9/5/1999. Segundo este, à medida que
o sudeste da Europa consiste num problema estratégico
não resolvido, a ação militar da OTAN estaria protegendo
os kosovares e ao mesmo tempo protegendo as “democracias européias”. Mais precisamente, a segurança da
Europa, nos dias atuais, somente será completa quando
o sudeste do continente estiver estável e pacificado.
Derivam desta necessidade as exigências tão pontuais e
incisivas feitas pelos países que compõem a OTAN: “forças sérvias fora, força de segurança internacional dentro,
refugiados de volta, autogoverno sem independência.”
Parece emanar das afirmações de Clinton e Pickering que a OTAN representa a reserva ética e racional
do mundo globalizado. Esta normatização internacional
pode, portanto, ser conduzida pelos meios que forem
necessários, inclusive, como vimos, através da força. A
idéia weberiana de monopólio legítimo do uso da violência passa, assim, da esfera do Estado Nacional para uma
entidade internacional que se auto-intitula veladamente
de polícia do mundo; uma polícia que agiria na defesa
dos homens, da democracia, da ética e da razão.
Esta perspectiva foi reforçada nas discussões
realizadas na Cúpula da OTAN que comemorou, no
mês de abril de 1999, os cinqüenta anos da organização.
Tratava-se nesta reunião de fazer definições que viabilizassem a incorporação da crise do Kosovo no rol de
possibilidades legítimas de ação da organização. Assim,
ficou acertado que além do objetivo principal da OTAN
(que foi inclusive o determinante de sua fundação em
meio à Guerra Fria), que consiste na defesa de qualquer
país filiado que vier a ser atacado por um país não filiado,
a organização deve também atuar fora das fronteiras dos
países membros, no sentido de debelar crises de caráter
geográfico, regional ou global.
Mas quem arbitra as questões? Quem julga a
necessidade da ação militar? Quem autoriza a polícia
do mundo a usar a força? Para estas questões a Cúpula
não ofereceu respostas à medida que não ficou definida a
função do Conselho de Segurança da ONU como anterior
às ações da OTAN.
É bastante óbvio que a autorização para o ataque
94
a Iugoslávia não foi solicitada ao Conselho de Segurança
porque seria vetada pela Rússia e pela China. Assim,
numa atitude claramente casuísta, o ataque prescindiu de
qualquer julgamento internacional. A OTAN passou a ser
polícia e juiz ao mesmo tempo: julga e pune.
Tudo isto nos leva a perceber uma fragilização da
ONU15 . Como lembra Noam Chomski, em interessante
artigo (publicado na Folha de São Paulo, edição de
25/4/1999), os cânones da Legislação Internacional,
amplamente conhecidos e definidos em Resoluções da
ONU e nas decisões da Corte Internacional de Justiça,
afirmam que a utilização ou mesmo as ameaças de
utilização do uso de força militar, por qualquer país ou
organização internacional de países, somente pode ser
feita com autorização do Conselho de Segurança, após
este constatar a falência dos meios diplomáticos para
resolução da crise em questão.
Resta perguntar quem pode punir a OTAN pelo
desrespeito às regras internacionais? A resposta é simples.
Na verdade, os EUA comandam sem muitos problemas as
ações da OTAN desde sua criação no âmbito da Guerra
Fria. Na ordem mundial “unipolar” que se estabelece com
a crise das economias socialistas, este país ganha o lugar
de agente hegemônico do sistema global, aquele “cujos
interesses prevalecem na competição pelos recursos
globais” (SKLAIR, 1995 : 19). A hegemonia econômica
e militar da superpotência norte-americana se traduz em
arbitrariedade internacional sempre revestida pelos mais
nobres valores humanos e políticos. Como lembra Noam
Chomski no artigo citado acima:
O Ministro das Relações Exteriores do Reino
Unido, Robin Cook, explica com retórica literária a
motivação humanitária no caso Kosovo:
“A Europa moderna foi fundada sobre os
escombros da Segunda Guerra Mundial.
Nós estudamos o que restava de nosso continente. Vimos os campos de extermínio,
os corpos empilhados, a massa patética de
sobreviventes. E prometemos nunca mais
repetir essas atrocidades.
Nas últimas semanas, porém, voltamos
a testemunhar deportações em trens,
milhares de refugiados morrendo de
fome em abrigos esquálidos, centenas
de milhares de pessoas expulsas de seus
lares, desprovidas de seus documentos
por nenhum outro motivo que não sua
identidade étnica. O que se fez a eles é um
golpe contra o coração da Europa. Não
podíamos ignorá-lo.” (COOK, Folha de
São Paulo, 9/5/1999).
“Agora que os pretextos da Guerra Fria
perderam sua eficácia, é provável que o
direito de ‘intervenção humanitária’ seja
evocado com freqüência cada vez maior
nos próximos anos.” (CHOMSKI, Folha
de São Paulo, 25/4/1999).
O povo curdo espera da OTAN a mesma compreensão humanitária, pelo fato de vir sendo historicamente
massacrado pela Turquia (país membro da OTAN), pelo
Irã e pelo Iraque. Na Turquia, inclusive, já foram mortas
no conflito cerca de 29.000 pessoas e são freqüentes os
fluxos de refugiados. Na chamada perspectiva “étnica”,
os curdos constituem a quarta maior nacionalidade do
Oriente Médio (com aproximadamente 25 milhões de
pessoas), reivindicam uma área de 530.000 km2, por
eles denominada Curdistão, que se espalha pela Turquia,
Iraque, Irã, Síria, Azerbaijão e Armênia. A repressão
maior aos curdos parte dos três primeiros países, e se faz
pelas vias militares mais cruéis do ponto de vista ético
e humano, a exemplo das práticas do exército iugoslavo
no caso Kosovo. Onde está a OTAN?
Assistimos, portanto, a uma interessante modificação política e estratégica à medida que o ponto central
da ordem internacional deixa de ser a ONU, e passa a
ser reivindicado pela OTAN. Ou seja, assistimos o predomínio universal da superpotência americana que não
se permite mais qualquer tipo de regulação, controle ou
critério internacional, mesmo no que tange ao uso da
força militar.16 O caso da Tchetchênia é mais um exemplo do
“humanitarismo” seletivo da OTAN. Em setembro de
1999 a Rússia iniciou uma sistemática atuação militar no
sentido de destruir os chamados “grupos rebeldes muçulmanos” que foram os elementos de mobilização na guerra
que se verificou entre 1994 e 1996, e ao final da qual a
Tchetchênia não se tornou independente, mas ganhou o
status de República autônoma da Federação Russa.
Acreditamos que o alegado precedente humanitário deve sempre ser discutido e avaliado, sendo inclusive
passível de legitimidade. No entanto, é preciso relativizar
este “humanitarismo” da OTAN, quando sabemos que a
organização não atuou em inúmeros casos de massacre e
repressão de minorias étnicas e movimentos separatistas
ao redor do mundo.
Como o Kosovo, a Tchetchênia é parte do território russo; como no Kosovo a população tchetchena
é predominantemente muçulmana; como no Kosovo,
onde a etnia albanesa era predominante em relação a
uma pequena população sérvia, na Tchetchênia a “etnia
tchetchena” predomina sobre pequena população de
“etnia russa” e de “etnia igutchétia”.
95
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
A Rússia ataca alegando que a Tchetchênia dá
abrigo e apoio aos separatistas muçulmanos do vizinho
Daguestão (outra República da Federação) que realizaram atentados terroristas na República Russa no mês de
agosto de 1999. A ofensiva pretende, portanto, destruir
os grupos separatistas islâmicos das duas repúblicas, que
possuem uma mesma liderança militar.17 Como resultado
desta ofensiva, entre setembro e novembro de 1999, já
existiam cerca de 200.000 refugiados tchetchenos, que
se dirigiram para a Igutchétia.
O exército russo vem destruindo à distância,
através de bombardeios de artilharia pesada, vilarejos
e bairros das principais cidades da República, pondo
em fuga a população que não está envolvida nos movimentos separatistas. Além dos refugiados, há um grande
número de mortes entre a população civil. Onde está a
OTAN?
O “humanitarismo” é portanto seletivo e “casuísta”. Em verdade, a OTAN atua onde os EUA e os países
dominantes na Europa possuem interesses estratégicos
e onde tal atuação, após um cálculo custo-benefício
preciso, se faz rentável (política ou economicamente).
Temos aqui, também, colocada a noção popularizada pela política externa norte-americana pós-Reagan,
acerca da separação entre “governos responsáveis” - de
“sociedades abertas e governos democráticos” - e “governos não-responsáveis” - “de sociedades fechadas e
governos autoritários” - (GEIGER, 1997). Se levarmos
esta perspectiva às últimas conseqüências, o massacre
étnico dos kosovares de origem albanesa promovido pela
Iugoslávia seria não-responsável, enquanto o massacre
étnico dos curdos promovido pela Turquia seria responsável. Por outro lado, uma intervenção militar em território
russo nem entra em questão (seja a Rússia “aberta” ou
“fechada”, “responsável” ou não).
Outra questão importante pode ser localizada na
forma através da qual a OTAN conduziu a guerra contra
a Iugoslávia.
Ante as razões humanitárias, que são expressas
nos textos citados acima, devemos acreditar que os
kosovares de etnia albanesa representavam, em meio à
crise, a própria segurança da humanidade. Proteger os
kosovares significava proteger a humanidade, ali representada, de discriminações e atrocidades; significava em
última instância proteger a vida humana.
No entanto, a OTAN, através de sua potência preponderante, definiu os termos desta guerra: ataque aéreo,
a partir de grandes altitudes, para não pôr em risco a vida
dos militares norte-americanos e europeus do ocidente.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Curiosa defesa da humanidade!
Por um lado, a proteção aos kosovares não foi
obtida durante a realização dos bombardeios e, neste
período, os “representantes da humanidade” continuaram à disposição de seus algozes no devir da “limpeza
étnica”. O que pode ser confirmado a partir de informações do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados
(ANCUR). Antes do início dos bombardeios da OTAN,
contabilizava-se um total de 70.000 refugiados Kosovares. Em meados de abril de 1999, o número de refugiados
já chegava a 710.000, divididos entre Albânia, Macedônia
e Montenegro (Folha de São Paulo, 25/4/1999).
Por outro lado, a definição pela OTAN do modus
operandi do ataque a Iugoslávia é ela mesma exemplo
claro do preconceito e da discriminação mais arraigados
no mundo globalizado. O militar da OTAN escolhe seu
alvo sobrevoando a Iugoslávia, de grandes altitudes, está
sujeito a cometer erros (e estes efetivamente foram muitos na breve história desta guerra), que podem significar
a morte de vários indivíduos não militares, cidadãos
sérvios e mesmo (com relativa freqüência) kosovares
de etnia albanesa.18 Parece óbvio que do ponto de vista da OTAN,
a vida de um único e individualizado militar que lança
a bomba tem muito maior valor que a vida dos muitos
civis, de etnia sérvia ou albanesa que podem ser o alvo
do “erro tecnológico”. Temos aqui a afirmação de duas
humanidades: a do indivíduo do primeiro mundo, ungido
pelo capitalismo global, e a outra, das massas humanas
do terceiro-mundo, seres enredados no capitalismo pobre
dos dominados da ordem internacional.
“... do céu dos indivíduos ocidentais,
confundem-se as massas de soldados de
Milosevic, os civis sérvios e as colônias
de refugiados.” (RANCIÈRE, Folha de
São Paulo, 16/5/1999).
Temos aqui a “Paz Americana”, que reina no
mundo globalizado, definida a partir de critérios próprios
alicerçados nos interesses políticos e econômicos da
própria valorização ininterrupta do capital transnacional.
Trata-se da supremacia militar, econômica e cultural, que
impõem variados níveis de constrangimento e coação,
sem controle, sem temor e sem possibilidade de punição.
3. CONCLUSÃO
Os conflitos nos Bálcãs e na antiga URSS se
expressam no campo da política de identidades.
As discussões acerca do “descentramento do sujeito” e da identidade fragmentada ou pluralizada (HALL,
96
1999) na modernidade tardia, explícita ou implicitamente
se referem às mudanças que são em geral associadas à
globalização.
Neste sentido, cabe perguntar se haveria um movimento de condicionamento desta última por sobre os
jogos identitários da nação, cultura nacional e etnia. CASTELS (1999) trabalha com a hipótese de que
o nacionalismo atual se explica como “reação” a três
ameaças que a modernidade tardia representa: a) a globalização que retira a autonomia das instituições culturais;
b) as redes de produção e consumo e a flexibilidade do
capital que suplantam as fronteiras nacionais produzindo
uma estrutura de instabilidade no mundo do trabalho; e c)
a “crise da família patriarcal”, que reinscreve as questões
de sexualidade, socialização etc.
Em resposta a estes desafios, as sociedades se
agrupam em “comunidades culturais” que articulam
resistências. Assim, se formam fontes possíveis de identidade. Neste sentido, em face do poder globalizador da
mídia internacional sobre as identidades, os nacionalismos renascem no fim de século XX.
Em HALL (1999) esta discussão ganha maiores
contornos. Este autor afirma que existiriam três conseqüências possíveis da globalização sobre as identidades:
a) a desintegração total destas; b) o surgimento de novas
identidades, de caráter híbrido, que ocupam o lugar das
identidades nacionais; e c) o reforço das identidades
locais como resistência.
Com relação à primeira possibilidade, a interdependência econômica e cultural entre as nações
promoveria uma “fragmentação de códigos culturais”
e “multiplicidade de estilos” (HALL, 1999: 73). Fluxos
culturais internacionais criariam mercados globais para
os mesmos bens culturais, com o conseqüente enfraquecimento da cultura nacional em face das redes de
“infiltração cultural”. O pressuposto é que:
“Colocadas acima do nível da cultura
nacional, as identificações ‘globais’
começam a deslocar e, algumas vezes,
a apagar, as identidades nacionais.”
(HALL, 1999: 73)
Na segunda possibilidade, a base da argumentação encontra-se na afirmação de uma “fascinação com a
diferença”, que traz uma força do “local” e possibilita a
valorização – inclusive de mercado – das performances
étnicas. Não podemos esquecer, entretanto, que há uma
inequívoca desigualdade nos ritmos da globalização entre
os países (e dentro dos países), o que nos leva a pensar
nos impactos diferenciados desta ao redor do mundo.
O que HALL (1999: 79) chama de “padrões de troca
cultural desigual”. Ainda assim, não é possível rejeitar
97
a idéia de que “culturas híbridas” são o produto de uma
globalização que é desigual, mas que impõe mudanças
concretas no cotidiano mesmo de um país de terceiromundo como o Brasil. Além disto, estas formas culturais
têm proliferado na modernidade tardia, como afirma
PIERUCCI (1999: 171):
“... a globalização não apenas coloca o
centro na periferia, o colonizador se deslocando até o território do colonizado, como
também termina por levar a periferia para
dentro do centro.”
Na terceira argumentação, podem ser colocadas
as reedições do tradicionalismo cultural, das religiões
ortodoxas e do separatismo nacionalista que são comuns
na contemporaneidade. Este movimento possui duas
vias, como demonstra HALL (1999). De um lado, as
próprias nações com forte tradição cultural (ainda que
“imaginadas”), que procuram impedir a permeabilidade
de suas culturas às etnias do terceiro-mundo (o que se
faz principalmente através dos movimentos migratórios
também típicos da globalização). De outro lado, há no
terceiro-mundo o reforço da idéia de nação como espaço da pureza étnico-cultural-religiosa, como recusa da
diversidade e da permeabilidade cultural. No caso dos
Bálcãs podemos ver este fenômeno com clareza: sérvios,
croatas, bósnios e kosovares buscam o mesmo objetivo:
a formação respectiva de uma nação “verdadeira” porque
homogênea, e na qual o tom desta homogeneidade é dado
pela tradição. O único problema é que disputam o mesmo
espaço geográfico.
O renascimento deste tradicionalismo que se expressa na perspectiva da nação (mas que articula outros
elementos simbólicos) pode ser uma resposta às características da globalização; seja ao “caráter ‘forçado’”
desta, seja ao fato de que várias nações do terceiro-mundo
“ficaram de fora” de seus ganhos (e, portanto, usam a
tradição como “contra-identificação”).
Finalizando, vale lembrar o argumento de PIERUCCI (1999):
“... é impossível deixar de tratar a globalização como um processo de produção
e reprodução de desigualdade em escala
mundial. A globalização é impensável se
o olhar antropológico e a teoria sociológica elidirem, ..., a questão sócio-política
da desigualdade de poder (material e
discursivo), da relação de exploração
dominante/dominado, do confronto de
sujeição colonizador/colonizado.” (PIERUCCI, 1999: 166).
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
O “processo civilizatório” do capitalismo globalizado expandiu as forças produtivas e relações de
produção para todos os recantos, transformando o mundo
numa procura utópica pela “aldeia global”. Neste mundo
de regras internacionais tão fluidas quanto os fluxos do
capital financeiro, estamos próximos da luta de todos
contra todos, onde o mais forte prevalece e o humanitarismo é meramente retórico.
4. REFERÊNCIAS
(1) A questão do nacionalismo centro europeu
nos anos 1990 implica diretamente a discussão da etnia
e dos grupos étnicos, o que também será abordado no
âmbito deste artigo.
(2) Obra de 1983, publicada no Brasil com o título
Nação e consciência nacional, em 1989.
(3) ANDERSON (1989) não esquece que, pelo
menos no caso europeu, os leitores eram poucos, em face
da massa de analfabetos e falantes de línguas vulgares;
porém, isto não constitui um problema na análise deste
autor por dois motivos: 1) o clero é sempre, no mínimo,
bilíngüe, e assim domina a língua vulgar da localidade
onde atua; 2) o fato de existir uma não-arbitrariedade do
signo, o que não permite a tradução e instaura a língua
sagrada como dado ontológico da verdade religiosa. Este
último ponto nos indica a extrema importância de Lutero
que traduz a Bíblia cristã para a língua vulgar e, com isto,
refaz as ligações entre linguagem, indivíduo e sociedade.
(4) ANDERSON (1989) também usa este modelo que é baseado na força do capitalismo editorial
para teorizar acerca da emergência dos movimentos de
independência na América-Latina nos séculos XVIII e
XIX. Acreditamos, no entanto, que na América Lusoespanhola esta forma de empresa capitalista não era suficientemente desenvolvida para constituir uma fonte de
explicação plausível para uma “comunidade imaginada.”
(5) É interessante lembrar que, durante a crise do
Kosovo, a imprensa brasileira ora se referia aos kosovares de “etnia albanesa”, ora aos kosovares de “língua
albanesa”.
(6) ANDERSON (1989) cita Seton-Watson que
afirma ter sido a Revolução Russa de 1905 “ ‘tanto uma
revolução de não-russos contra a russificação, quanto
uma revolução de operários, camponeses e intelectuais
radicais contra a autocracia’ ”.
(7) Esta obra é publicada originalmente em 1996.
(8) É importante, segundo Castels (1999), verificar que os movimentos nacionalistas anti-soviéticos
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
foram mais fortes nas repúblicas com maior homogeneidade étnica, e substancialmente pequenos nas repúblicas
cuja população é dividida em várias fatias étnicas.
(9) Autor do século XIX, Ernest Renan tem
sido apropriado com relativa constância nas discussões
contemporâneas sobre nação e nacionalismo. Seu texto
clássico “What is a nation?” foi publicado em uma coletânea organizada por BHABHA (1990).
(10) Antropólogo que em 1969 publica o livro
“Ethnic groups and boundaries: the social organization
of culture difference.”
(11) POUTIGNAT & STREIFF-FENART (1997)
estão se referindo a um artigo de Geertz intitulado “The
integrative revolution. Primordial sentiments and civil
politics in the new states”, publicado na coletânea Old
societies, new states, organizada pelo próprio Geertz,
em 1963.
(12) Com a onda de independências dos anos 90,
a Sérvia propugna, através de seu nacionalismo oficial,
que as minorias sérvias nas demais repúblicas seriam
perseguidas como ocorreu quando sérvios, judeus e ciganos foram trucidados na Croácia pelo governo nazista
local, durante a Segunda Guerra Mundial. Movidos por
este risco potencial, os sérvios da Bósnia e da Croácia
se rebelaram com apoio financeiro e bélico da Sérvia.
(13) Devemos lembrar que, com a formação da
Iugoslávia em 1945, os sérvios, que compunham (e ainda
compõem) a maioria da população, passaram a controlar
os principais órgãos do Estado, o comando do partido
comunista e as Forças Armadas.
(14) Seguindo o mesmo caminho que a Espanha
proporcionou ao País Basco.
(15) Ricardo Seintenfus, especialista em Direito
Internacional, corrobora esta afirmação, lembrando que
foram efetuadas, “nos últimos cinqüenta anos, mais de
200 guerras que provocaram 25 milhões de mortes e outro
tanto de refugiados. A ausência de uma guerra mundial
não pode ser confundida com a paz” (Folha de São Paulo,
9/5/1999). O papel da ONU na amenização ou controle
destes conflitos foi mínimo ou nenhum.
(16) A crise do Kosovo e a guerra travada pela
OTAN contra a Iugoslávia colocam novas questões de
política internacional até então inexistentes. Uma delas
diz respeito aos “alvos legítimos”. Isto porque, além do
ataque aéreo generalizado aos objetivos militares iugoslavos, foram incluídos nos “bombardeios cirúrgicos”
também alvos não militares, como centrais elétricas e
ainda alvos simbólicos, como a residência do Presidente
Slobodan Milosevic e a estação de televisão estatal (o
98
que redundou na morte de 25 civis, entre jornalistas e
técnicos).
(17) O líder militar tchetcheno, Shamil Bassaiev,
também comanda grupos rebeldes do Daguestão.
(18) Por um erro de informação, até mesmo a
Embaixada da China foi bombardeada, causando a morte
de cidadãos chineses, e além disto o mundo acompanhou
estarrecido o “bombardeio cirúrgico” equivocado de um
comboio de refugiados kosovares; ambas ações militares
assumidas sem delongas e com desculpas pela OTAN.
5. BIBLIOGRAFIA
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PIERUCCI, A. F. Teorias da diferença. São Paulo;
Editora 34, 1999.
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Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
IANNI, O. A Era do Globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
MALCON, N. Bosnia: a short history. New York: New
99
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Matrix e Show de Truman: A Reprodução do Consenso na
Sociedade de Consumo Globalizada
Luiz Carlos Andrade de Aquino *
Amanda Pereira de Toledo **
Flávia Chaves Valentim **
Jacqueline Stefânia Fernandes de Paiva **
Resumo. O presente artigo tem por tema geral a reprodução da sociedade de consumo atual através
dos seus mecanismos de veiculação de consensos sociais pela indústria cultural. Procura-se, num
primeiro momento, caracterizar a sociedade de consumo contemporânea, salientando a construção e veiculação de consensos sociais necessários a sua própria reprodução. Em segundo lugar,
através da análise dos filmes Matrix e Show de Truman, procura-se identificar o consenso social
mais importante que ali é veiculado e que contribui para a reprodução desta sociedade de consumo
globalizada. Identifica-se que um dos consensos sociais mais importantes atualmente, veiculado por
estes filmes, é o modelo de um novo homem: o indivíduo socialmente autônomo, re-humanizado pelo
uso e domínio da técnica e sua inerente velocidade. Ao chamar a atenção para este modelo de novo
homem, que reproduz uma sociedade de consumo globalizada e amplamente excludente, o artigo
pretende contribuir para uma crítica do mundo contemporâneo, descrevendo alguns dos mecanismos que precisam ser compreendidos para a superação de uma sociedade cada vez mais desigual.
Palavras-chave: Sociedade de consumo, consenso social, cinema e globalização.
Abstract. The general content of the present article is the reproduction of the present consumer society
through its mechanisms to broadcast social consensus by the cultural industry. At first, the intention
is to identify the characteristics of the contemporary consumer, pointing out the construction and
broadcasting of social consensus that are necessary for their own reproduction. Secondly, by means
of the analysis of motion-pictures such as Matrix and The Truman Show, the authors search for the
identification of the important social consensus that is broadcast there and which contributes to the
reproduction of that globalized consumer society. The authors point out that one of the most important
present social consensus, praised by those movies, is the model of a new man: the socially autonomous
individual, an individual that has been re-humanized by the use and domain of the technique and its
inherent speed. Calling the attention to that model of a new man, which reproduces a globalized and
widely excluding consumer society, the article intends to contribute to a critique of the contemporary
world, describing some of the mechanisms that must be understood for the improvement of a society
that is becoming more and more unequal.
Key words: Consumer society, social consensus, motion-pictures and globalization.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem por tema geral o processo de
reprodução da sociedade de consumo atual através dos
seus mecanismos de veiculação de consensos sociais
pela indústria cultural.
A publicidade e propaganda, ao manipular ideologicamente a sociedade de consumo através da influência
ao mundo do inconsciente das pessoas, provocam suas
fantasias e seus desejos secretos, descobrindo como
chegar mais rápido até eles. Como se sabe, a indústria
do cinema tem uma força especial sobre as pessoas,
principalmente porque através dela pode-se chegar às
mais variadas culturas.
* Professor da UNIVAP.
** Graduada da UNIVAP.
É nessa imbricada e fascinante relação entre
consumo, publicidade, sociedade pós–moderna e glo-
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
100
balizada, indústria cultural e realidade que se propõe
apresentar uma reflexão. O objetivo deste artigo, mais
claramente, é apresentar uma reflexão sobre o processo
de reprodução da sociedade de consumo contemporânea
através de seus mecanismos de construção de consensos
sociais, isto através da análise de dois filmes da indústria
cinematográfica norte-americana: Matrix (1999) e Show
de Truman (1998).
Duas questões sintetizam o objetivo da reflexão:
1. Quais são as principais características da sociedade de consumo contemporânea que permitem compreender a produção e veiculação de consensos sociais
necessários a sua própria reprodução ?
2. Qual é o consenso social mais importante,
veiculado nesses filmes, que contribui para a reprodução
da sociedade de consumo atual ?
Um argumento central - na verdade um pressuposto para a análise - foi retirado das reflexões do sociólogo
francês Jean Baudrillard­1, pela sua importante contribuição para a compreensão das questões que este trabalho
procura refletir. Este autor destaca dois aspectos dos
meios de comunicação de massa: um é o de que difundem
uma idéia de igualdade, retribalizam o mundo, falam a
todos impondo um consenso, obscurecendo as separações
sociais de classe. Outro argumento é o de que os meios
de comunicação, em geral, não falam a partir do real,
mas a partir de um pseudo-real, ou seja, de eventos, de
histórias, de cultura e de idéias produzidas, não a partir da
experiência móvel, contraditória e real, mas produzidas
como artefatos a partir dos elementos do código e da
manipulação técnica do meio de comunicação.
2. FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Ao apresentar, resumidamente, uma discussão
sobre os conceitos de consenso social, indústria cultural,
pós-modernidade, globalização e sociedade de consumo,
embora não se pretenda dar conta das diversas abordagens existentes sobre estes fenômenos, procura-se, aqui,
destacar apenas os elementos mais importantes para
evidenciar o processo de construção de consensos sociais
característicos das sociedades atuais.
A análise proposta dos filmes, guiando-se pelas
questões apresentadas a seguir, deve indicar e caracterizar
algumas idéias e valores que são produzidos e reproduzidos neste universo cultural da indústria cinematográfica.
Embora se tenha optado por subdividir a apresentação
desses fenômenos, é importante frisar que estes devem
ser compreendidos em suas estreitas relações, o que se
pretende deixar evidente na breve exposição a seguir.
101
2.1 O Consenso Social: Uma Breve Discussão
O conceito de consenso social utilizado neste
artigo precisa ser esclarecido e precisamente situado2 .
Antes de tudo, este conceito é um dos mais fundamentais
das Ciências Sociais, ao lado do conceito de conflito
social, relações sociais, classes e ações sociais (não
discutidos aqui). Como se sabe, toda sociedade relativamente organizada, ainda que sempre apresente conflitos
entre indivíduos e grupos no seu interior, necessita de
um certo grau de consenso, ou seja, de um certo acordo
sobre idéias, regras, princípios, objetivos e valores que
devem ser compartilhados por todos, ou, pelo menos,
pela maioria de seus integrantes, visando uma relativa
estabilidade social. Nesse sentido, o consenso social é
importante para garantir a continuidade de uma organização social e uma certa estabilização das relações entre
os seus diferentes grupos sociais.
O consenso social, importante elemento de organização social, pode apresentar um maior ou menor grau,
conforme haja uma maior ou menor homogeneidade da
sociedade sob o aspecto cultural, o aspecto político e,
muito influente no mundo de hoje, o aspecto econômico,
isto devido a sua estreita relação com a sociedade atual de
consumo. Nas sociedades atuais, por exemplo, predomina
um consenso relativamente alto quanto à organização
política, presente na quase universalização dos sistemas
democráticos de organização dos Estados. A organização
econômica da maioria das sociedades atuais funda-se
no sistema capitalista de produção, um capitalismo que
hoje se estrutura de forma globalizada, produzindo um
verdadeiro sistema de consumo que, como se evidenciará
em outro momento, já é a característica fundante das
sociedades contemporâneas. Pode-se afirmar que esta
realidade vem se impondo aos membros da sociedade
pela criação de consensos sociais fortíssimos sobre elas.
É importante ressaltar aqui a diferença entre consenso e
coerção. Para Bottomore (1991):
“[a coerção]... é a imposição pela força
de normas de comportamento sobre a população em geral por parte dos senhores
políticos e dos que tomam as decisões... [o
consenso]... implica um processo através
do qual se promove o acordo entre agentes
participantes” (pp. 131-132).
Com isto, pretende-se enfatizar o consenso como
um processo que procura fornecer uma legitimação para
idéias, valores, normas e objetivos de uma sociedade
como as melhores para a organização social. Ora, sabe-se
que muitas vezes estas idéias, valores, normas e objetivos
dizem respeito aos grupos dominantes de uma sociedade
que, a rigor, representa a menor parcela desta sociedade.
Dito de outra forma, as idéias de grupos dominantes da
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
sociedade tendem a se impor como idéias que todos devem compartilhar. Aqui se está no campo da ideologia
enquanto um conjunto de idéias, de um grupo social por
exemplo, que se impõe como idéias de todos dentro da
sociedade3 e, portanto, ocultando a realidade social que,
na verdade, apresenta conjuntos diferenciados de idéias.
Mas o que interessa salientar aqui é a importância do
consenso para a reprodução das idéias dominantes numa
sociedade. Conforme descreve Bobbio (1991):
“...quando essas ideologias se tornam
dominantes, as forças delas derivadas
tentam forjar o Consenso sobre as regras
do jogo, mais com a imposição e doutrinamento que com o acordo” [grifo nosso]
(p. 241).
É no sentido de doutrinamento, ainda que de modo
subliminar, que se pode perceber a indústria cultural contemporânea reproduzindo consensos sociais. O processo
de construção de consensos sociais, processo este que
perpassa o sistema cultural, econômico e político de uma
sociedade, em geral se manifesta pela opinião pública
e seus formadores de opinião, pelas elites econômicas,
políticas e intelectualizadas, pela educação formal e informal dos membros de uma sociedade e, sobretudo no
mundo contemporâneo, pelos meios de comunicação de
massa. No entanto, muitas vezes a ênfase no consenso
acaba por ocultar os aspectos conflituosos existentes na
sociedade, levando a uma distorção na compreensão
da realidade social que é, a rigor, contraditória, como
evidenciam as relações entre as diferentes classes sociais existentes nas sociedades industriais, capitalistas e
globalizadas nos dias atuais, ou, como será evidenciado
posteriormente, sociedades estruturadas pelo sistema
social de consumo.
Embora a busca por um consenso social seja absolutamente necessária para caracterizar uma sociedade
organizada, isto não revela nada sobre qual consenso é
alcançado, isto é, sobre quais normas, valores, princípios
e objetivos é preciso para se estruturar um consenso para
que tenhamos uma sociedade política, econômica e socialmente mais justa, por exemplo. Como será ressaltado,
o fenômeno da indústria cultural, do pós-modernismo,
da globalização e da sociedade de consumo (todos
relacionados entre si), fizeram dos principais meios de
comunicação – por exemplo, a TV com a publicidade e
propaganda por um lado, e o cinema, sobretudo norteamericano, por outro – uma das principais fontes de
produção e reprodução de consensos sociais baseados
nos princípios, valores, normas e objetivos dos grupos
políticos e econômicos dominantes das sociedades.
Ao se propor uma reflexão sobre a produção de
consensos sociais através de filmes de entretenimento da
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
indústria cultural norte-americana, este artigo pretende
evidenciar os valores, princípios e idéias veiculados por
este meio como consensos que ora superficializam a
realidade social, ora ocultam esta realidade ou mesmo
contribuem para a sua fragmentação, tudo isto ao reforçarem determinadas idéias e valores. Mas é preciso, ainda,
discutir alguns aspectos que caracterizam as sociedades
contemporâneas e muito contribuem para a compreensão
das formas pelas quais hoje se dá a produção e reprodução
de consensos sociais.
2.2 A Indústria Cultural
De acordo com os autores da Escola de Frankfurt4 , a indústria cultural representa a consolidação da
mercadoria, onde predomina o valor de troca e impera o
capitalismo monopolista. A indústria cultural promove
um molde dos gostos e das preferências das massas,
manipulando suas consciências ao introduzir o desejo da
necessidade supérflua. As necessidades concretas geralmente são excluídas, as atitudes e posições políticas de
oposição, e seus atos de manipulação, são tão perfeitos
que as pessoas não percebem o que ocorre .
Conforme Thompson (1995), Horkheimer e
Adorno deram atenção particular à indústria cultural,
resultante da crescente mercantilização das formas
culturais. Como teóricos da Escola de Frankfurt, estes
autores mostraram a importância do desenvolvimento da
comunicação de massa e repensaram a natureza do papel
da ideologia em relação a esse desenvolvimento. Como
Thompson (1995) ressalta:
“Crenças míticas e animísticas foram progressivamente sendo eliminadas a favor
de uma razão científica, instrumental, que
reifica o mundo do ponto de vista do controle técnico. Os próprios seres humanos
se tornaram parte desse mundo reificado, e
a sua subordinação à lógica da dominação
é realçada pela mercantilização da força
de trabalho dentro do capitalismo. Mas a
natureza humana resiste a subordinação
total, ela se rebela contra os processos de
reificação, racionalização e pulverização
característicos do mundo moderno” (p.
131).
O termo indústria cultural foi usado por Horkheimer e Adorno ao se referirem à mercantilização das
formas culturais, ocorrida pelo surgimento das indústrias
de entretenimento da Europa e dos EUA no final do
século XIX e início do século XX. O surgimento destas
indústrias como empresas capitalistas resultou na padronização e na racionalização das formas culturais, e esse
processo, por sua vez, fez com que o indivíduo parasse
102
de pensar e agir de uma maneira crítica e autônoma.
Assim, quanto mais os produtos culturais são verdadeiramente padronizados, mais parecem individualizados
(Thompson, 1995).
Estes bens culturais são manejados e manufaturados de acordo com o objetivo da acumulação capitalista
e da busca de lucro. Ainda segundo Thompson (1995):
Essa nova ideologia da indústria cultural reside
na própria ausência dessa independência. Os produtos
da indústria cultural são criados com a finalidade de
refletirem a realidade social, não precisando de uma
justificativa ou defesa explícita, pois o próprio processo
de consumir os produtos da indústria cultural induz as
pessoas a se identificarem com as normas sociais existentes e a continuarem a ser o que já são.
“A Indústria Cultural integra, intencionalmente, seus consumidores a partir
de cima... as massas não são o objetivo
primeiro, mas secundário, elas são um
objeto de cálculo, um apêndice dessa maquinação, os bens produzidos pela Indústria Cultural não são determinados pelas
suas características intrínsecas como uma
forma artística, mas pela lógica coorporativa da produção de mercadorias e pela
troca. Por isso os bens são padronizados
e estereotipados, mera permuta de gênero
básico ou tipo - o Western” (p. 132).
A ideologia é corruptora e manipuladora, justificando o domínio do mercado. É igualmente conformista e entorpece a mente, impondo a aceitação geral
da ordem capitalista. Conforme destaca Strinati (1999),
para Adorno:
Os produtos da indústria cultural não têm interesse
de serem obras de arte. Geralmente são moldados de acordo com certas fórmulas preestabelecidas. Os produtos
da indústria cultural se apresentam como um espelho
da realidade empírica e, devido a esse pseudo-realismo,
normalizam o status quo e suprimem a reflexão crítica
sobre a ordem social e política. A análise apresentada
neste trabalho procura demonstrar que os filmes aqui
abordados não apresentam uma reflexão sobre a ordem
política e social mais profunda, pois os argumentos
utilizados estão numa ordem mais individualizada e
superficial de questões.
Neste sentido, pode-se também destacar a interpretação das idéias de Adorno feita por Thompson
(1995). Para este autor, na visão de Adorno:
O que se ouve, vê e lê é algo familiar e banal, e
essa esfera simbólica de familiaridade repetitiva é inserida por vários slogans aparentemente inocentes - por
exemplo: “todos os estrangeiros são suspeitos”, “uma
garota linda não pode fazer coisas erradas” - que se
apresentam como verdades evidentes e eternas. Nos
filmes Matrix e Show de Truman, como se verá, são
outros os exemplos.
Conforme Strinati (1999), a indústria cultural lida
com falsidades e não com verdades, com necessidades
supérfluas e falsas soluções, e não com necessidades
concretas e verdadeiras soluções. Os problemas são
resolvidos somente na aparência, e não como deveriam
ser resolvidos, isto é, oferecendo a imagem ao invés da
solução dos problemas, a satisfação falsa das necessidades supérfluas como substituto da solução real dos
problemas concretos. Ao fazer isso, a indústria cultural
assume o encargo de consciência das massas.
103
“Os conceitos de ordem que a indústria
cultural insere nos seres humanos são
sempre aqueles do status quo. Seus efeitos
são profundos e de longo alcance: o poder
ideológico da indústria cultural é tal que
o conformismo substitui a consciência”
(p. 72).
“...o desenvolvimento da indústria cultural é uma parte intrínseca do processo de
crescimento da racionalização e reificação nas sociedades modernas, um processo que torna os indivíduos cada vez menos
capazes de pensamento independente e
sempre mais dependentes dos processos
sociais sobre os quais eles possuem pouco
ou nenhum controle. Aqui, o impacto de
Max Weder é evidente: a ‘gaiola de ferro’
da ação racionalizada, burocratizada, é
substituída pelo ‘sistema de ferro’ da indústria cultural, onde os indivíduos estão
cercados por um universo de objetos que
são essencialmente idênticos e totalmente
mercantilizados. Em vez de fornecer um
espaço simbólico dentro do qual os indivíduos pudessem cultivar sua imaginação e
reflexão crítica, pudessem desenvolver sua
individualidade e autonomia, esse universo mercantilizado canaliza a energia dos
indivíduos para um consumo coletivo de
bens padronizados” (p. 134).
A compreensão das questões acima descritas é
importante para ampliar a visão sobre a sociedade de
consumo. No entanto, para caracterizar o atual universo
social do consumo, é imprescindível uma breve apresentação dos novos traços culturais que caracterizam a
sociedade contemporânea. Assim, e para uma posterior
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
caracterização da sociedade de consumo, apresenta-se
uma breve discussão crítica sobre a cultura pós-moderna
e o atual processo de globalização social.
algum papel na construção do nosso senso
de realidade social e a consciência de que
somos parte dessa realidade” (p. 218).
2.3 O Mundo Atual: Uma Abordagem Crítica da
Globalização
Jean Baudrillard, em Simulacros e Simulação
(1991), descreve uma das características mais marcantes
da sociedade atual: a questão da simulação e do simulacro6 , ou seja, dessa precessão de modelos que existem
antes mesmo de sua circulação. Como sugere este autor,
esses modelos se impõem como verdades, formando um
ciclo generalizado que caracteriza o próprio sistema de
consumo, um sistema que utiliza um conjunto de signos de conteúdo ou fins próprios, mas indefinidamente
refletidos uns pelos outros. Essa precessão de modelos
(simulações e simulacros) utiliza como estratégia o real
distorcido, ou seja, um real sem origem nem realidade,
o hiper-real. Inicia-se, assim, a liquidação de todos os
referenciais, passando para a era da ressurreição artificial
nos sistemas de signos. Esta questão será ressaltada na
análise do filme Matrix.
O mundo contemporâneo pode ser compreendido,
segundo vários autores, pela análise de dois fenômenos
muito interligados e que, muitas vezes, até se confundem:
o pós-modernismo e a globalização. Dominic Strinati
(1999) considera que o pós-modernismo descreve o
nascimento de uma ordem social na qual os meios de
comunicação de massa e a cultura popular governam
e moldam todas as outras formas de relacionamentos
sociais, daí sua importância e poder. Como este autor
destaca:
“A idéia é que os signos5 da cultura popular e as imagens veiculadas pelos meios
de comunicação dominam crescentemente
nosso senso de realidade e a maneira
como nos definimos e vemos o mundo ao
nosso redor. O pós-modernismo tenta chegar a um acordo com a sociedade saturada
pelos meios de comunicação e procura
entendê-la. Os meios de comunicação
de massa eram considerados antes um
espelho da realidade social mais ampla.
Atualmente, a realidade só pode ser definida pelos reflexos aparentes desse espelho”
(Strinati, 1999, p. 217).
A sociedade tornou-se subordinada aos meios de
comunicação de massa. Não é mais, nem mesmo, uma
questão de distorção, já que o termo implica a existência
de uma realidade externa às simulações aparentes dos
meios de comunicação que pode ser distorcida. Isso
é exatamente o que está em questão de acordo com a
teoria pós-moderna. Sendo assim, para Curran (apud
Strinati, 1999):
“Essa idéia, em parte, parece emergir de
um aspecto da teoria dos meios de comunicação e da teoria cultural. De modo
simplificado: a visão liberal argumentou
que os meios de comunicação eram um
espelho que refletia de maneira razoavelmente exata a exata realidade social
mais ampla. A visão radical respondeu,
sustentando que esse espelho distorcia
a realidade em vez de refleti-la. Subseqüentemente, uma teoria dos meios de
comunicação e uma teoria cultural mais
abstratas e conceituais sugeriram que os
meios de comunicação desempenhavam
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Para entender melhor esta questão dos simulacros
presentes na sociedade, Baudrillard (1991) cita o exemplo
da Disneylândia, que nada mais é do que um modelo
perfeito de todos os tipos de simulacros confundidos:
“A Disneylândia existe para esconder que
é o país ‘real’, toda a América ‘real’ que
é a Disneylândia (de certo modo como as
prisões existem para esconder que o todo
social na sua onipresença banal, que é
carceral). A Disneylândia é colocada
como imaginário a fim de fazer crer que o
resto é real quando toda a Los Angeles e a
América que nos rodeia já não são reais,
mas do domínio do hiper-real e da simulação. Já não se trata de uma representação
falsa da realidade (a ideologia), trata-se
de esconder que o real já não é o real e
portanto de salvaguardar o princípio de
realidade” (p. 21).
Como ainda explica este autor:
“O imaginário da Disneylândia não é verdadeiro nem falso, é uma máquina de dissuasão encenada para regenerar no plano
oposto a ficção do real. Daí a debilidade
deste imaginário a sua degenerescência
infantil. O mundo quer-se infantil para fazer crer que os adultos estão noutra parte,
num mundo <real> e para esconder que
a verdadeira infantilidade está em toda
parte, é a dos próprios adultos que vêm
aqui fingir que são crianças para iludir a
sua infantilidade real. [...] a Disneylândia
não é caso único. Enchanted Village, Ma104
gic Mountain, Marine World: Los Angeles
está cercada desta espécie de centrais
imaginárias que alimentam com o real, em
energia do real, uma cidade cujo mistério
consiste justamente em não ser mais que
uma rede de circulação incessante, irreal cidade de uma extensão fabulosa, mas sem
espaço, sem dimensões” (p. 21).
Um exemplo recente de simulacro pode ser dado
a partir da manifestação do governo norte-americano
ao definir a nova realidade surgida com os atentados
terroristas em seu território em 11 de setembro de
2001. Conforme expressou o Presidente americano,
acompanhado por boa parte da mídia ocidental naquele
momento, o mundo estaria entrando numa “guerra do
bem contra o mal”. O maniqueísmo, naquele momento
assim expresso, apresentou uma realidade que esconde,
por exemplo, todo um contexto de conflitos econômicos,
políticos e culturais religiosos entre o mundo ocidental
e o mundo oriental mulçumano, mesmo sendo o uso de
práticas terroristas intoleráveis sob qualquer hipótese.
Nesse sentido, o bem e o mal seriam exemplos de signos
que se auto-referenciam. Para Baudrillard (1991):
“Hoje o próprio chefe de Estado - um
qualquer - não é mais que o simulacro de
si próprio e que só isso lhe dá o poder e a
qualidade para governar. Ninguém daria
o menor apoio, nem teria a menor devoção
por uma pessoa real” (p. 35).
Ainda conforme Baudrillard (1991), uma outra
característica do nosso tempo é a histeria da produção e
reprodução do real, pois a outra produção, a dos valores e
das mercadorias, a dos bons e velhos tempos da economia
política, desde há muito tempo não tem sentido próprio.
Conforme descreve este autor:
“A ideologia não corresponde senão a
uma malversação da realidade pelos signos, a simulação corresponde a um curtocircuito da realidade e à sua reduplicação
pelos signos. A finalidade da análise ideológica continua a se restituir o processo
objetivo, é sempre um falso problema querer reinserir a verdade sobre o simulacro.
É por isso que o poder, no fundo, está tão
de acordo com os discursos ideológicos e
com os discursos sobre a ideologia; é que
são discursos de verdade - sempre bons,
mesmo e sobre tudo se forem revolucionários, para opor aos golpes mortais da
simulação” (Baudrillard, 1991, pp. 39-40).
Para Strinati (1999), outro autor utilizado nesta
105
descrição, no mundo pós–moderno a aparência e o estilo
são mais importantes e evocam um tipo de ideologia de
designer. Aqui o argumento é que se consome cada vez
mais imagens e signos em conseqüência do interesse por
si mesmo, e não por sua utilidade, ou pelos valores mais
fundamentais que simbolizam.
Consomem-se imagens e desconsideram-se questões de utilidades e de valor, e isso é evidente na própria
cultura popular. Conseqüentemente, qualidades como o
mérito artístico, a integridade, a seriedade, a autenticidade, o realismo, a profundidade intelectual e as narrativas
vigorosas, são rejeitadas. Além disso, a realidade virtual
fabricada pela computação gráfica permite às pessoas
experimentar várias formas de realidade “de segunda
mão”. Essas simulações podem, portanto, substituir
potencialmente seus concorrentes reais (Strinati, 1999).
Uma passagem do livro deste autor é significativa:
“A arte se integra de modo crescente à
economia, tanto por incentivar as pessoas
a consumir através do papel ampliado que
desempenha na propaganda, como por ser
tornar um bem comercial em si mesmo.
Um outro aspecto é que a cultura popular
pós-moderna recusa-se a considerar as
pretensões e as distinções da arte. Portanto, o colapso da distinção entre a arte e a
cultura popular, assim como a interseção
entre elas, torna-se predominante” (Strinati, 1999, p. 220).
Em sua análise, Strinati deixa claro que os argumentos pós-modernos preocupam-se com o aspecto
visual, e os filmes mais óbvios em que se observam os
signos da pós-modernidade são aqueles que enfatizam
o estilo, o espetáculo, os efeitos especiais e as imagens
à custa do conteúdo. Como se perceberá, no filme Show
de Truman existem estes elementos, mas e sobretudo no
filme Matrix eles aparecem com muito mais evidência.
Mas esta caracterização da época atual precisa
incorporar uma abordagem do processo de globalização,
muito intensificado nos últimos dez anos. Aqui, o objetivo
não é descrever o desenvolvimento deste complexo processo de internacionalização econômica, política, cultural
e social. A intenção é apresentar uma abordagem crítica
da globalização enquanto um processo de cunho, sobretudo, econômico e político, provocador de desigualdades
e reprodutor de valores e visões de mundo muito ligadas
às parcelas privilegiadas das sociedades ou, no mesmo
sentido, reprodutor de determinadas idéias e valores
necessários à manutenção de um sistema social baseado
no consumo, na informação e no dinheiro.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Um dos grandes críticos do processo de globalização que caracteriza a época atual foi Milton Santos.
Dentre várias de suas obras, a utilizada aqui é exatamente
o seu último livro7 , Por Uma Outra Globalização. Neste
livro, Santos procura descrever a face perversa do processo de globalização, e são os aspectos que caracterizam
este fenômeno que fornecem uma base para a compreensão de determinadas idéias e valores veiculados nos
filmes aqui escolhidos para análise.
Milton Santos concebe a globalização como um
“processo perverso”, onde o dinheiro e a informação
exercem uma dupla tirania. Este processo é perverso à
medida que produz um novo tipo de desigualdade social,
cuja manifestação é a exclusão social de enormes parcelas
da sociedade. Como descreve este autor, referindo-se à
dupla tirania do dinheiro e da informação:
“Ambas [as tiranias], juntas, fornecem as
bases do sistema ideológico que legitima
as ações mais características da época
e, ao mesmo tempo, buscam conformar
segundo um novo ethos as relações sociais
e interpessoais, influenciando o caráter
das pessoas. A competitividade, sugerida
pela produção e pelo consumo, é a fonte
de novos totalitarismos, mais facilmente
aceitos graças à confusão dos espíritos
que se instala” (Santos, 2001, p. 37).
A competitividade - característica do mundo
social contemporâneo - seria para este autor a fonte de
um novo totalitarismo, onde o pensamento único em
relação à organização econômica de cunho neoliberal,
isto é, uma organização econômica centrada no mercado
e com poucas e pontuais intervenções do Estado na vida
econômica da sociedade8 , é difundido como sendo um
verdadeiro consenso social. Como se verá, difundido
também através de produtos culturais como o cinema.
Um dos alicerces desse novo totalitarismo está nas novas
e sofisticadas técnicas de comunicação e, como ressalta
Santos (2001):
“Nas condições atuais, as técnicas de
informação são principalmente utilizadas
por um punhado de atores em função de
seus objetivos particulares. Essas técnicas de informação (por enquanto) são
apropriadas por alguns Estados e por
algumas empresas, aprofundando assim os
processos de criação de desigual-dades.
É desse modo que a periferia do sistema
capitalista acaba se tornando ainda
mais periférica, seja porque não dispõe
totalmente dos novos meios de produção,
seja porque lhe escapa a possibilidade de
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
controle” (p. 39).
É nesse sentido que este autor evidencia a violência da informação, chamando a atenção para o fato
de que a informação, se por um lado buscar instruir, por
outro busca convencer. Este convencimento se dá pela
publicidade, ou, melhor situando, pela lógica da publicidade, que se estende para além da venda de um produto,
alcançando, no mundo atual, a esfera pública, bem como
a organização econômica e as próprias relações interpessoais. Uma lógica baseada no consumo, no dinheiro e no
poder em estado puro (Santos, 2001).
Para os fins deste artigo, o mais importante a se
destacar é que esta globalização perversa, conforme
expressão deste autor, produz duas grandes fábulas: o
mito da aldeia global e o mito do espaço e do tempo
contraídos, isto é, o mito da velocidade. Sobre estes
mitos, afirma Santos (2001):
“O fato de que a comunicação se tornou
possível à escala do planeta, deixando
saber instantaneamente o que se passa
em qualquer lugar, permitiu que fosse
cunhada essa expressão [aldeia global],
quando, na verdade, ao contrário do que
se dá nas verdadeiras aldeias, é freqüentemente mais fácil comunicar com quem
está longe do que com o vizinho. Quando
essa comunicação se faz, na realidade, ela
se dá com a intermediação de objetos. A
informação sobre o que acontece não vem
da interação entre as pessoas, mas do que
é veiculado pela mídia, uma interpretação
interessada, senão interesseira, dos fatos”
(p. 41).
Na seqüência desta reflexão, assim o autor critica
o mito da velocidade:
“Só que a velocidade apenas está ao alcance de um número limitado de pessoas,
de tal forma que, segundo as possibilidades de cada um, as distâncias têm significações e efeitos diversos e o uso do mesmo
relógio não permite igual economia de
tempo” (p. 41).
A citação a seguir, embora extensa, merece aqui
um destaque, pois sintetiza bem a idéia de Milton Santos
em relação ao atual processo de globalização:
“Aldeia global tanto quanto espaço-tempo
contraído permitiriam imaginar a realização do sonho de um mundo só, já que,
pelas mãos do mercado global, coisas,
relações, dinheiros, gostos largamente se
106
difundem por sobre continentes, raças,
línguas, religiões, como se as particularidades tecidas ao longo de séculos houvessem sido todas esgarçadas. Tudo seria
conduzido e, ao mesmo tempo, homogeneizado pelo mercado global regulador.
Será, todavia, esse mercado regulador?
Será ele global? O fato é que apenas três
praças, Nova Iorque, Londres e Tóquio,
concentram mais de metade de todas as
transações e ações; as empresas transnacionais são responsáveis pela maior parte
do comércio dito mundial; os 47 países
menos avançados representam juntos
apenas 0,3% do comércio mundial, em
lugar dos 2,3% em 1960, enquanto 40%
do comércio dos Estados Unidos ocorrem
no interior das empresas” (pp. 41-42).
Tem-se, portanto, um mundo que se estrutura com
base na produção global e no consumo global. No entanto, isto não se traduz na existência de um mundo homogeneizado em sua capacidade de consumir ou produzir,
utilizando-se das técnicas mais modernas e sofisticadas
hoje existentes. Ademais, a lógica que sustenta o mundo
contemporâneo - um sistema social de consumo como se
destacará a seguir - produz e difunde determinados consensos sociais necessários a sua continuidade, e será um
importante consenso que se identificará em dois produtos
culturais da indústria cinematográfica norte-americana.
2.4 A Nova Sociedade do Consumo
A abordagem da sociedade de consumo apresentada neste artigo pode ser reduzida à expressão sistema
social de consumo9 . Não se trata mais de uma sociedade
de produtores e consumidores, como até então era fácil de
se caracterizar as sociedades modernas da última metade
do século XX. Como afirma Bauman (1999), a nova fase
da sociedade atual:
“...tem pouca necessidade de mão-deobra industrial em massa e de exércitos
recrutados; em vez disso, precisa engajar
seus membros pela condição de consumidores. A maneira como a sociedade atual
molda seus membros é ditada primeiro e
acima de tudo pelo dever de desempenhar
o papel de consumidor” (p. 88).
Para Baudrillard (1991b), o sistema social de
consumo acaba por definir previamente o que deve ser
consumido, fazendo com que as pessoas consumam
mais significantes do que significados. Como ressalta
este autor:
107
“Nunca se consome o objeto em si no
seu valor de uso, os objetos no sentido
lato manipulam-se como signos que distinguem o indivíduo, quer filiando-o no
próprio grupo tomado como referência
ideal quer demarcando-o do respectivo
grupo por referência a um grupo de estatuto superior” (Baudrillard, 1991b, p. 60).
Pode-se dizer que a nova sociedade do consumo é
produto de uma nova forma de organização da produção
capitalista que, conforme Harvey (1995), apresenta como
característica principal uma flexibilidade dos processos
produtivos10 , o uso de novas técnicas e, ainda, complexos
e sofisticados sistemas de informação e comunicação.
Estes avanços, como é sabido, explicam o processo de
globalização atual, pelo menos em sua face econômica,
isto é, produtiva e altamente racionalizadora. O sistema
de consumo, característica central desta época, produz
um novo tipo de consumidor. Como afirma Bauman
(1999):
“Para os consumidores da sociedade
de consumo, estar em movimento – procurar, buscar, não encontrar ou, mais
precisamente, não encontrar ainda – não
é sinônimo de mal-estar, mas promessa
de bem-aventurança, talvez a própria
bem-aventurança. Não tanto a avidez de
adquirir, de possuir, não o acúmulo de
riqueza no seu sentido material, palpável,
mas a excitação de uma sensação nova,
ainda não experimentada - este é o jogo
do consumidor. Os consumidores são
primeiro e acima de tudo acumuladores
de sensações; são colecionadores de
coisas apenas num sentido secundário e
derivativo” (p. 91).
Como será destacado na análise dos filmes, a
sociedade contemporânea, através da reprodução de
algumas idéias e valores, se estrutura fundamentalmente
pela lógica do consumo, levando-a até ao campo das
relações pessoais e também públicas. Este novo tipo
de consumidor é fruto de um novo tipo de consumo.
Como descreve Santos (2001), atualmente o consumo
apresenta-se de forma despótica. O trecho que reproduzimos abaixo deixa mais clara esta questão:
“Um dado essencial do entendimento do
consumo é que a produção do consumidor, hoje, precede à produção dos bens e
serviços. Então, na cadeia causal, a chamada autonomia da produção cede lugar
ao despotismo do consumo. Daí, o império
da informação e da publicidade... Desse
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
modo, vivemos cercados, por todos os
lados, por esse sistema ideológico tecido
ao redor do consumo e da informação ideologizados. Esse consumo ideologizado e
essa informação ideologizada acabam por
ser o motor de ações públicas e privadas”
(Santos, 2001, pp. 48-49).
No entanto, esta nova sociedade do consumo se
impõe à medida que produz, e também reproduz, um
consenso social sobre ela; consenso na forma da defesa e
difusão de algumas idéias e valores como, por exemplo,
a ênfase no individualismo, ou mesmo a idéia, descrita
acima, de um mundo homogeneizado (cultura global?),
interligado pelas novas técnicas de comunicação e informação e caracterizado pela velocidade, tanto da produção
quanto do consumo.
Este artigo tem como um de seus objetivos apontar os principais valores e idéias que reafirmam um sistema social assim caracterizado, ou seja, um sistema social
baseado na lógica do consumo, só realmente acessível
a poucos grupos privilegiados dentro das sociedades.
Esses valores e idéias, aqui contribuindo para a produção
de um consenso social mais amplo e profundo, deverão
ser identificados analisando-se dois filmes da indústria
cinematográfica norte-americana e, sendo assim, faz-se
necessária uma breve discussão sobre o cinema.
3. CINEMA, CULTURA E IDEOLOGIA
Procura-se, aqui, destacar alguns aspectos do
universo cultural do cinema que fazem desta arte um
lugar privilegiado, dentro da indústria cultural, para a
veiculação de idéias e valores (consensos sociais) que
justificam uma sociedade globalizada e estruturada pelo
consumo. A compreensão, ainda que básica, da relação
entre cinema, cultura e ideologia é importante para a
fundamentação da análise dos filmes Matrix e Show de
Truman.
Para Turner (1997), várias tentativas foram feitas
para entender a relação entre cinema e cultura (ideologia).
Elas ocorrem em diferentes tópicos: cinema e política,
cinema e cultura de massa, por exemplo. Algumas destas
análises mostram relações entre o cinema e as tendências
na cultura popular (Easy Rider/Sem Destino e os hippies
da década de 1960, por exemplo), enquanto outras mostram evidências de movimentos na história social. Em
muitos casos, essas análises supõem uma relação mais
ou menos reflexionista entre o cinema e a sociedade, ou
seja, o cinema reflete as crenças e valores dominantes
de sua cultura. No entanto, a análise é sempre complexa
e insatisfatória, pois passa por um processo de seleção e
combinação necessário na composição de qualquer expressão, seja no cinema ou em outro contexto. Além do
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
mais, entre a sociedade e esse seu espelho que é o cinema
há um conjunto de determinantes culturais, subculturais,
industriais e institucionais concorrentes e conflitantes.
A questão da ideologia11 , presente e veiculada
pelo cinema por exemplo, sempre será um aspecto a ser
considerado quando se procura analisar a relação entre
cinema e cultura. Aqui se trata da ideologia da cultura,
entendida por Turner (1997) nos seguintes termos:
“A ideologia da cultura é composta de
interesses concorrentes e conflitantes,
disputando o domínio. Este processo é reproduzido em nossas narrativas. Se nossas
narrativas atuam para resolver simbolicamente contradições sociais, devem lidar
com as divisões ou iniquidades políticas
existentes entre grupos, classes ou sexos,
que foram construídas como naturais ou
inevitáveis em nossa sociedade. Portanto,
os filmes como sistemas de representação
ou como estruturas narrativas são ideais
para análises ideológicas” (p. 131).
Ainda segundo este autor, as instituições cinematográficas têm interesses políticos que determinam quais
os filmes que serão feitos, e praticamente os que serão
vistos. Percebe-se a natureza dos interesses a que servem
as instituições, seus objetivos e qual o significado de sua
função para o público, a indústria cinematográfica e a
cultura como um todo (Turner, 1997).
Aqui vale a pena transcrever outro trecho da
análise deste autor:
“A ideologia de um filme não assume
a forma de declarações ou reflexões
diretas sobre a cultura. Ela se encontra
na estrutura narrativa e nos discursos
usados - imagens, mitos, convenções e
estilos visuais. Mesmo se tratando de um
melodrama convencional que envolve um
caso amoroso entre um herói e uma heroína individualizados. Sendo este o caso,
o final do filme precisa resolver conflitos
sociopolíticos bem como os dilemas pessoais - mas isto ele não faz. É característico
da ideologia expressar diferenças sociais
ou políticas como sendo pessoais e individuais, devendo portanto ser resolvidas
no nível pessoal e não no político, e como
um sinal de fraqueza individual, e não
fraqueza do sistema social e político”
(Turner, 1997, p. 146).
Tomás Gutiérrez Alea (1983), discutindo o cinema
enquanto arte, afirma que a capacidade de revelar, através
108
de associações e relações de diversos aspectos isolados
da realidade, é o verdadeiro realismo do cinema, através
da criação de uma “nova realidade”. Assim, pode-se
estabelecer uma diferença entre a realidade objetiva que
o mundo (a vida) oferece e a imagem da realidade que
o cinema oferece. Uma seria a verdadeira realidade, e a
outra seria a ficção.
Sabe-se que o real mais amplo inclui a vida social e todas as manifestações culturais do homem, e isto
inclui, portanto, a esfera da própria ficção, do espetáculo
enquanto objeto cultural. Como são esferas distintas, cada
uma com suas peculiaridades, podem ser caracterizadas
como dois momentos no processo de aproximação da
realidade. O momento do espetáculo corresponderia ao
momento da abstração no processo do conhecimento
(Alea, 1983).
Mas se a idéia é discutir o cinema como uma
arte específica e também como um produto da indústria
cultural, não se deve deixar de considerar o seu público,
pois o cinema é um espetáculo, ou seja, um fenômeno
destinado à contemplação. O espectador, segundo o autor
aqui utilizado, pode ser classificado como um espectador
contemplativo ou ativo. Nas palavras deste autor:
“Quando falamos de espectador ‘contemplativo’ estamos nos referindo àquele que
não supera o nível passivo-contemplativo;
enquanto o espectador ‘ativo’ seria aquele
que gera um processo de compreensão
crítica da realidade (que inclui, claro,
o espetáculo), e, provoca uma ação
transformadora. Quando o espetáculo
é contemplado como um objeto em si,
nada mais, o espectador ‘contemplativo’
pode satisfazer uma necessidade de gozo,
mas sua atividade se expressa numa
aceitação ou rejeição do espetáculo, não
supera o plano cultural. Este se oferece,
então, como simples objeto de consumo e
toda referência à realidade social que o
condiciona se reduz a uma afirmação de
seus valores, ou, em outros casos, a uma
‘crítica’ complacente” (Alea, 1983, p. 49).
Deve-se, ainda, considerar o cinema como um
produto de consumo e, neste sentido, perceber sua importância na veiculação de idéias e valores do e para o
mundo social. Assim, tem-se o cinema também como
uma forte arma ideológica capaz de conformar grandes
setores do povo para valores e idéias de setores específicos e dominantes dentro de uma sociedade.
As considerações realizadas até aqui já são suficientes para evidenciar a importância de um olhar mais
109
crítico sobre o cinema enquanto produto de consumo de
massas. No entanto, os filmes, analisados no próximo
item, apresentam algumas características que, a princípio,
sugerem eles pertencer a uma categoria de espetáculo
onde a realidade é questionada, levando o espectador
a uma postura mais reflexiva (espectador ativo) do que
contemplativa. Segundo Alea (1983), para provocar
uma resposta reflexiva no espectador, é preciso que o
espetáculo questione a realidade, exprima e transmita
inquietações e interrogações. Ora, como é possível perceber, Matrix e Show de Truman são filmes cujo argumento
central é o questionamento da realidade, ou seja, apresentam, de formas distintas, é certo, um tema filosófico
e, por esta mesma razão, muito instigante. Seriam estes
filmes espetáculos “abertos”, no sentido que permitem
uma reflexão mais profunda do espectador, assim como
sugere o autor acima citado? Esta questão é pertinente,
pois, como argumenta Alea (1983):
“Quando se trata deste espetáculo aberto, se coloca inquietações não somente
estéticas, mas conceituais e ideológicas,
o espetáculo se converte numa operação
séria porque entra no plano da realidade
mais profunda” (p. 52).
A resposta a esta questão deverá, como se espera,
ficar evidente na análise, apontar para o fato de que os
filmes aqui em questão, muito embora apresentem o
questionamento do real como tema, bem como outras
características interessantes do ponto de vista da reflexão sobre o mundo atual, estão longe de provocar uma
reflexão mais profunda sobre a realidade social. Ao
contrário, ao veicularem determinadas idéias e valores,
produzindo e veiculando um determinado consenso social, esses filmes contribuem para a reprodução de uma
sociedade de consumo globalizada, nos termos que aqui
se considera a realidade social contemporânea. Por outro
lado, não se pode negar o impacto que o cinema exerce
no mundo contemporâneo, porém, para entender esta
que é considerada a oitava arte do mundo, é preciso um
pouco mais de discussão.
Roberta Veiga (1998), num interessante artigo,
ressalta que o cinema não é algo deslocado, ele está
presente na realidade vivida dos valores humanos, dos
sonhos e da imaginação dos homens, e nós lhe damos
espaço e sentido. Por esta razão o cinema é comunicação, pois seu processo compreende os interlocutores,
a linguagem, o contexto e a realidade social com suas
representações coletivas, suas relações e seus valores.
Esta autora nos apresenta três aspectos sobre o cinema,
segundo ela complementares e convergentes, que são
descritos a seguir.
O primeiro deles é a dimensão relacional, resRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
ponsável pelo fascínio que o cinema exerce. Resumindo
as idéias de Roberta Veiga (1998), pode-se afirmar que
o cinema só existe na interação com os sujeitos, e são
os espectadores que completam o circuito comunicativo
do cinema. Não se trata de um tipo de relação com o público, mas de relações de natureza diferenciada, que vão
caracterizar a troca simbólica entre emissão e recepção.
A indústria cinematográfica, como esta autora observa,
produz bens simbólicos para estimular a demanda dos
consumidores nas relações comunicativas, extrapolando
a dimensão do consumo, onde os espectadores buscam
“algo” no cinema que vai variar de acordo com o significado e/ou a significância da atividade de recepção.
Como ainda observa esta autora, ir ao cinema pode ser
uma atividade de lazer, de entretenimento, de compromisso social, uma manifestação cultural ou até mesmo
profissional, pode ser uma forma de aprendizagem, ou
um conglomerado dessas razões. O cinema é um espaço
mágico que contribui para a formação de um elo entre o
espectador e um mundo de sonhos, onde só existe o que
se passa na tela. Conforme comenta Mafessoli (apud
Veiga, 1998):
“...nesse momento o sujeito se despe do
papel social que lhe é imposto no diaa-dia, permitindo-se identificar com os
personagens do filme, experimentar mil
possibilidades de existência, vivenciando
outras faces de sua persona” (p. 33).
Um segundo aspecto é a relação entre cinema e
vida social, visto como o entrelaçamento de imagens.
Aqui a idéia parte do pressuposto de que o cinema
derrama sobre a sociedade componentes imaginários
(fantasia e ficção). A sociedade, em suas manifestações
de sociabilidade, constitui um catalisador desse transbordamento, ela se revela como um manancial de matériaprima que vai se alimentar de imagens das telas. Como
afirma Veiga (1998):
“No momento da recepção o cinema
alimenta a imaginação simbólica dos
indivíduos. A partir daí suas imagens,
histórias, tipos, passarão a fazer parte
e a ser novamente transformados pela
vida. É o espectador que faz a ligação
entre as imagens da tela e o cotidiano. É
ele que incorpora e reproduz essas imagens. Contudo, a realidade que alimenta
o cinema e esse aspecto imaginário que
alimenta o social são contextos que se
inter-relacionam” (p. 34).
O terceiro e último aspecto apresentado por esta
autora - talvez o mais importante a ser destacado neste
artigo - é o cinema como lugar de cristalização. No
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cinema estão presentes imagens do cotidiano, do cenário
das cidades, de pessoas, das relações sociais através de
histórias, num filme que mostra uma forma própria e
ficcional de brincar com o tempo e com o espaço. Por
isso, ele permite que os espectadores se entreguem a ela
como se acreditassem-na possível, sem perder a magia.
Assim, o filme organiza o lado confuso e absurdo da
vida (Veiga, 1998).
Segundo Mafessoli (apud Veiga, 1998):
“A cristalização permite que num momento ou num espaço único se condensem
umas séries de nuances do vivido, da experiência dos sujeitos, como os mistérios,
a libido, os sonhos, o sobrenatural, que na
rotina diária parecem escondidos, pois escapam às práticas convencionais” (p. 36).
O cinema utiliza a força do simbólico quando
sai do campo do dever ser para o do poder ser. Como
cristalização do imaginário, sintetiza em suas imagens
as operações sígnicas e simbólicas, mesclando o dado
concreto à imaginação. Ao resgatar o passado, reconstitui uma época ou uma memória, e ao projetar o futuro,
mostra o dia-a-dia de sua concretude. Dessa forma, demonstra uma pluralidade de possibilidades, incorporando
o surpreendente, o inusitado, e até mesmo o banal. Assim
se faz espetáculo e capta a pulsão de viver. À medida que
cristaliza o lado de sombra do social, o cinema permite
a transcendência imanente ao cotidiano, ou seja, tudo
aquilo que transcende o dado mundano, pois atinge o
sobrenatural, mas que ao mesmo tempo emana do vivido
no dia-a-dia (Veiga, 1998).
É esta capacidade de transitar entre a realidade e
a fantasia (de formas cada vez mais sofisticadas pela tecnologia hoje utilizada nos filmes) que faz do cinema um
lugar privilegiado de transmissão de consensos sociais. A
realidade social, por exemplo, sempre é de alguma forma
retratada na tela, seja se aproximando do mundo real, seja
ocultando ou mesmo transfigurando este mundo.
Após todas estas considerações de cunho teórico, apresenta-se, a seguir, a análise dos filmes Matrix e
Show de Truman. Uma análise que pretende ser clara
justamente após todas estas considerações aqui realizadas. A tarefa não é fácil e, desde já, deixa-se evidente
que o conteúdo da reflexão pretende ser uma leitura
fundamentada sobre a veiculação de um determinado
consenso social por esses filmes e, sendo assim, outras
leituras podem ser sugeridas e realizadas. Com isto, fica
registrado, não somente os limites do presente artigo, mas
também a especificidade da abordagem aqui apresentada,
cujo resultado deve estar condicionado aos pressupostos
descritos anteriormente.
110
4. MATRIX E SHOW DE TRUMAN: A REPRODUÇÃO DE UM CONSENSO SOCIAL DA SOCIEDADE DE CONSUMO
É preciso frisar que, para uma melhor compreensão da análise, assistir os referidos filmes é o mais
indicado, pois a imagem, com sua fotografia, seus efeitos
especiais, bem como todos os outros recursos que compõem o universo do cinema, não podem ser descritos no
impacto que causam.
4.1 Análise dos Filmes
Como se percebe, os dois filmes abordam a questão da realidade, fazendo do questionamento “do que é
ou não o real” o ponto central de suas histórias. Mas é
preciso deixar claro que Matrix é uma ficção científica e,
por esta mesma razão, apresenta-se como um filme mais
complexo, requerendo um maior esforço do espectador
para compreender sua trama mais elaborada, muito embora de sua metade para o final este filme se transforme
numa briga de mocinhos e bandidos. Já Show de Truman
é uma comédia cujo enredo é de fácil compreensão.
Os dois filmes são produtos comerciais, mas
apresentam algum tipo de reflexão sobre o mundo
contemporâneo, tornando-os sob este aspecto bem semelhantes. Show de Truman “brinca” com os paradoxos
da realidade virtual e com a idéia de sociedade do espetáculo, abordando os poderes de manipulação da mídia
eletrônica. Em Matrix, a questão se apresenta de forma
mais profunda: o sistema social é a Matrix, uma realidade
falsa, ou seja, um simulacro, pois o real é outro e foi
destruído. Nos dois filmes, o tema do questionamento da
realidade é o pano de fundo para uma trama que envolve
o homem contra um sistema (um sistema social em Show
de Truman, ou um sistema inteligente, mas artificial, em
Matrix). Ademais, são dois dos filmes mais recentes da
indústria cinematográfica norte-americana - de grande
sucesso de público e bilheteria - que possuem por tema
o questionamento da realidade.
Deve-se ressaltar o seguinte: embora sejam filmes
distintos, com histórias, tramas, estilos e formas diferenciadas, ambos podem ser vistos sob o mesmo ponto
de vista, ou seja: têm por tema o questionamento da
realidade e, como será destacado logo adiante, veiculam
um mesmo consenso social necessário à reprodução da
sociedade de consumo atual.
A análise que segue não aborda os filmes separadamente. Decidiu-se por uma abordagem conjunta,
separada apenas por temática, isto é, pelas idéias e valores que veiculam e que reproduzem um determinado
consenso social. Essas idéias e valores, estando presentes
111
e difundidas de maneira muito evidente nestes filmes,
caracterizam um consenso em torno do que aqui se sugere
ser um modelo novo de homem. São elas:
• o individualismo: a autonomia do homem diante
da máquina;
•a re-humanização do homem pela técnica: uso
e domínio da velocidade;
•o consumismo: instrumento de realização do
novo homem.
Sendo assim, apresenta-se uma abordagem destas
categorias que procura descrever as idéias e valores a
elas agregados e que permitem identificar a veiculação
de um modelo novo de homem (um consenso social), isto
é, o modelo de um novo indivíduo, cuja autonomia deve
ser conquistada pela velocidade do uso e domínio das
técnicas através do consumo.
4.1.1 O Individualismo: A Autonomia do Homem Diante da Máquina
Identificar a veiculação de idéias e valores individualistas nos filmes aqui analisados pode ser uma tarefa
aparentemente simples, afinal, os filmes enquanto produtos da indústria cultural contemporânea acabam por reproduzir a cultura dominante desta sociedade que, a rigor,
foi construída com base no individualismo (liberalismo
econômico). No entanto, para identificar a veiculação de
um modelo novo de homem que os filmes apresentam, de
acordo com uma nova sociedade de consumo, deve-se
perguntar que individualismo está fundamentando este
modelo, pois, como se afirmou anteriormente, no mundo
atual o consumo não é mais somente uma característica
importante de uma sociedade moderna, ele é o próprio
sistema pelo qual se organiza toda esta sociedade (sistema
social de consumo). Neste sentido, aqui se sugere que o
individualismo veiculado nos filmes apresenta um conteúdo mais elaborado, sutil e renovado. Porém, perceber
este individualismo nos filmes requer uma reflexão mais
profunda, buscando suas evidências não em uma ou outra
cena, e sim na obra como um todo.
O individualismo na era moderna podia ser
percebido como o valor fundamental que estruturava
o mundo privado movido pela lógica liberal, a mesma
que fundamenta as sociedades de mercados capitalistas.
O contrapeso deste individualismo era o mundo público, representado pelo Estado encarnando o interesse
coletivo, pelo menos em tese. Neste sentido, a distinção
entre público e privado de alguma forma caracterizava a
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organização social. Podemos começar nossa análise aqui.
Nos dois filmes em questão, a distinção entre
a esfera pública e a esfera privada simplesmente não
existe. Se a distinção entre público e privado permitia
um contraponto ao individualismo inerente ao sistema
capitalista (o mundo individual, privado), pois o Estado
tinha como função promover o interesse coletivo (o
mundo político, público), no momento em que os filmes
não apresentam esta distinção e, ao contrário, centram o
conteúdo de suas narrativas na luta do homem contra a
técnica, através de ações baseadas em esforços pessoais
(heróis), temos, assim, somente uma esfera, a individualista, sendo enfatizada. Dito de outra forma, estes filmes
reproduzem uma ideologia que abordam diferenças
sociais e políticas como sendo pessoais e individuais,
devendo ser resolvidas no nível pessoal e não político,
como fraqueza individual e não do sistema social. Assim,
o individualismo nestes filmes é mostrado através do mito
do herói, da velocidade, do amor, da emoção, da luta do
bem contra o mal, o homem se colocando como senhor
de seus atos e buscando sempre uma resposta interior.
Em Matrix, o próprio sistema “matrix” representa
o sistema social onde impera o consenso fabricado pela
matriz geradora de sentidos, tendo regras para manter a
continuidade da dominação das mentes dos autômatos.
O que leva o personagem Neo a querer conhecer a “matrix” é a busca de uma resposta interior, uma busca pela
liberdade da mente, e é em busca dessa resposta que o
filme trabalha a questão do que é real e do que parece ser
real, da simulação e do simulacro. Em Show de Truman,
a cidade “montada” onde vive Truman - na verdade um
show televisivo passado durante todo o tempo - é apresentada como perfeita e, enquanto show, serve para o
entretenimento das pessoas no mundo real, além, é claro,
de servir como instrumento de propaganda para inúmeros
artigos de consumo. No entanto, a sociedade “real”, isto é,
a que assiste ao show, é apresentada como uma sociedade
onde o consumo é colocado de forma central na vida das
pessoas, afinal, todos estão “ligados” à TV, consumindo
o show de forma alucinante. É contra um sistema assim,
falso e desprovido de sentido, que Truman se levanta e
busca se libertar. Sua busca é pela verdade e liberdade,
representada por uma sociedade que está inteiramente
“ligada” em um canal de TV.
A busca pela verdade e pela libertação de um
sistema que os domina representa, nos dois filmes, uma
luta onde a principal arma é o esforço pessoal (herói)
motivado por sentimentos humanos nobres, como o amor
por exemplo. Tanto Neo em Matrix quanto Truman em
Show de Truman são movidos por sentimentos interiores
contra o sistema no qual estão aprisionados. O individualismo, aqui, é agora percebido mais profundamente:
o homem é capaz, com suas características peculiares
(capacidade de amar, de refletir sobre o mundo, de decidir
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entre alternativas), de resgatar sua autonomia diante de
uma tecnologia (por ele mesmo criada) que o domina. A
figura do herói está presente em Matrix: Neo é o predestinado que salvará toda a humanidade, mas para isto ele
tem de lutar contra os agentes, enviados a Matrix pelos
computadores (que dominam os homens) que querem
eliminá-los. No Show de Truman, esta questão do herói
é mais sutil: Truman já é o herói do seu próprio Show
para seus telespectadores, mesmo quando sai em busca
da verdade. Aliás, é curioso observar que o próprio nome
Truman significa, em inglês, “homem verdadeiro” (true
man). Mas ao sair nesta busca pela verdade, transformase no herói também para os que estão assistindo ao filme,
pois terá que descobrir a verdade por suas próprias forças
ou, como é claro no filme, terá de lutar contra o sistema
de vigilância da cidade cenário, contra o seu medo do
mar e contra as tempestades fabricadas pelos diretores
do Show. Ademais, fato marcante é que nos dois filmes,
os respectivos protagonistas têm a intuição (percebem)
que algo está errado, e isto os impulsiona para a busca
da verdade.
A questão aqui é: o individualismo, característica
do mundo globalizado, é difundido, subliminarmente
nestes filmes, como a redenção para o homem que se
encontra aprisionado pelo “sistema”. Ao apelar para
sentimentos humanos como o amor, a intuição, a coragem
etc, os filmes apresentam a possibilidade de o homem
resgatar sua autonomia perdida para a máquina (ou sistema tecnológico) que o domina. O que aparenta ser uma
crítica ao mundo tecnológico, idéia esta que é ressaltada
por muitos críticos de cinema, acaba reproduzindo este
próprio mundo, pois, como vimos, os benefícios do
avanço tecnológico são apropriados somente por algumas
sociedades e suas elites. Em outras palavras, este avanço
da técnica é fruto de uma sociedade individualista onde
os benefícios da tecnologia são privatizados e, por isto
mesmo, não são acessíveis para a maioria dos indivíduos.
Ao apresentar uma crítica à tecnologia mas não
questionar a própria lógica que a produz e, ainda, ao
atribuir ao indivíduo a capacidade de, com seu esforço
pessoal e interior, suplantar a tecnologia, estes filmes
reforçam o valor individualista à medida que acenam
para a possibilidade de se construir uma sociedade melhor
através de esforços individuais, o que seria possível porque os homens são naturalmente superiores às máquinas.
Esta naturalização da resolução do conflito (máquina x
homem) parece só ocultar o fato de que a máquina (a
técnica, a tecnologia) está servindo aos interesses de
alguns homens e não de todos ou da maioria deles. Mas é
a idéia, evidentemente falsa é claro, de que todos podem
ser autônomos em relação à máquina, que vai caracterizar este tipo de individualismo. Um individualismo que
constitui um dos aspectos do modelo novo de homem que
estes filmes transmitem.
112
4.1.2 A Re-Humanização do Homem pela Técnica: Uso e Domínio da Velocidade
A velocidade inerente à tecnologia é vista neste
trabalho como uma das principais características do
mundo contemporâneo. Uma síntese deste fenômeno
pode ser assim apresentada:
“Trata-se de um processo angustiante de
troca em que as pessoas são compelidas
por uma pulsão incontrolável de trocar
de carro, de casa, de companheiro, de
emprego, de roupas etc. É uma pulsação
incessante pelo dever sem nenhum investimento substantivo no estar: não se está
em lugar nenhum, vive-se continuamente
na expectativa do provável. É um estado
de permanente flutuação acima das coisas,
dos atos e dos comportamentos. A ênfase
já desloca-se do conceito de ‘sentido’, da
materialidade, da mera existência física;
os bens, matérias, tornam-se somente
componentes físicos de uma sensação,
de um eterno pular de ponto. É o girar, o
movimento que se opõe à permanência.
Oscila-se o tempo todo entre um estado
de expectativa angustiante e de prazer
e euforia que rapidamente se desfaz.
Estimula-se a um ritmo crescente, a busca
contínua por outra coisa, e, no momento
de sua obtenção, ela como que automaticamente se dilui, recriando novamente a
busca” (Marcondes Filho, 1991, p. 22).
Resgatar a autonomia diante da técnica só é possível pelo esforço individual, isto é o que a análise realizada
até aqui sugere. Mas os filmes mostram claramente que
este esforço tem no interior subjetivo dos personagens
o seu impulso central. Alguns exemplos: Neo, depois de
consultar o Oráculo - uma espécie de vidente/curandeira
- e receber a notícia de que não é o predestinado (mas
no fim era ele mesmo) procura no seu interior as forças
para tomar a atitude de salvar Morfheus que fora capturado numa emboscada; em outro momento, quando Neo
está morrendo (ou já está morto?), Trinity usa seu amor
por ele para salvá-lo, praticamente o ressuscitando. Em
Show de Truman, o protagonista busca em seu interior a
coragem para fugir da cidade cenário, enfrentando seus
medos e traumas, para conseguir encontrar a mulher que
ama. Outros exemplos poderiam ser dados, mas estes são
suficientes para evidenciar como a autonomia do homem
é buscada voltando-se para o seu interior.
Assim, temos o amor como elemento redentor
para a espécie humana, sendo este o sentimento que nos
diferencia das máquinas. Aqui se sugere uma proposta
113
de re-humanização da espécie humana, em outras palavras, o reencantamento do homem a partir do acesso às
imagens produzidas por seus sentimentos e emoções, por
seu inconsciente, um lugar habitado por mitos, fábulas
e maravilhas. Mas, se tudo isto é o que parece mover o
indivíduo rumo à reconquista de sua autonomia diante
da máquina, pode-se concluir, observando melhor estes
filmes, que não é o que, de fato, garante esta autonomia,
pois a técnica é utilizada para esta reconquista. Para uma
melhor compreensão desta evidência, é preciso ressaltar
uma outra questão presente nestes filmes: a velocidade
inerente à técnica.
Como ressaltado anteriormente, a velocidade é
característica do mundo contemporâneo, apresentandose como mito produzido pelo avanço da técnica (Santos,
2001). Para Baudrillard (1991) é o mito, expulso do real
pela violência da história, que invade o cinema como
conteúdo imaginário. Nas palavras deste autor:
“O cinema atualmente tenta se aproximar cada vez mais da perfeição, do
real absoluto, na sua banalidade, na sua
veracidade, na sua evidência nua, no seu
aborrecimento e ao mesmo tempo, na
presunção, na pretensão de ser o real, o
imediato. Simultaneamente a esta tentativa de coincidência absoluta com o real, o
cinema aproxima-se também de uma consciência absoluta consigo própria – e isto
não é contraditório: é mesmo a definição
do hiper-real” (Baudrillard, 1991, p.64).
Em Show de Truman, a crítica à tecnologia é
evidente e a libertação do protagonista, sua busca da
liberdade e da verdade, não se traduz por uma superação
dela, ao contrário, pois não há nenhuma evidência de sua
subordinação ao homem. As pessoas (os telespectadores)
não mudam suas atitudes em relação à televisão: elas
simplesmente mudam de canal com o fim do Show. A
velocidade, proporcionada pela tecnologia, é usada pelas
pessoas de forma até inconsciente, ela está interiorizada
nos indivíduos que assistem ao Show e está sendo assimilada de forma subliminar nos espectadores do filme. Esta
idéia fica clara quando se percebe que a tecnologia, ali,
produz um hiper-real (o real veloz, imediato e perfeito)
necessário para afastar qualquer questionamento sobre a
realidade, assim como ela se processa na vida cotidiana.
A tecnologia continua dominando a todos e o Show,
afinal, foi proporcionado por ela, assim como outros vão
continuar a proporcionar.
Show de Truman, aparentemente, questiona o
domínio do mundo tecnológico (no caso a TV) sobre as
pessoas, mas acaba não questionando a incorporação, pelos indivíduos, da velocidade produzida por esta mesma
tecnologia. O filme veicula a idéia de que é possível ao
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homem se libertar deste domínio, apresentando isto na
vida de Truman. No entanto, ao mostrar os telespectadores absorvidos pelos acontecimentos da telenovela, o
filme acena, de maneira ainda mais emblemática, para o
fato de que a velocidade (a técnica) é, na realidade, pelo
menos mais em seu uso do que em seu domínio, o paradigma que move este mundo. Ademais, a velocidade está
aparente ao mostrar uma tecnologia capaz de transmitir
para milhões de pessoas uma telenovela em tempo real.
Algo curioso, mas sintomático, é o fato de Truman, na
cena final, entrar no mundo real subindo uma escada
encravada no céu artificial do cenário do show: o mundo real seria perfeito em sua imperfeição? Isto parece
estar de acordo com a sentença proferida por Baudrillard
(1991) ao observar que a relação atual entre o cinema e o
real é uma relação inversa negativa: resulta da perda de
especificidade de um e de outro, ou como afirma:
“O cinema pode hoje colocar todo o seu
talento, toda a sua técnica ao serviço
da reanimação daquilo que ele próprio
contribuiu para liquidar. Apenas ressuscita fantasmas e aí se perde ele próprio”
(Baudrillard, 1991, p.65).
Mas é no filme Matrix que o uso e domínio da
velocidade apresenta melhor a idéia de re-humanização
do homem pela técnica. Como se percebe ao ver este
filme, a velocidade é uma constante. Na crítica de Celso
Fioravante (1999) para o jornal Folha de São Paulo:
“Matrix é um filme saudosista, que, embora professe uma estética pautada na
velocidade dos videogames, reconstrói
essa estética pautado em inúmeras outras
áreas do conhecimento, como lingüística,
filosofia, religião, tecnologia, medicina,
álgebra, história etc. É isso que faz com
que exista sempre algo de familiar em Matrix. E é com isso que cativa o espectador
[que] se sente próximo de Matrix, mas essa
proximidade não é espacial ou estética,
mas temporal. O que conta no filme é o
tempo, a facilidade com que ele se desloca entre o passado e o futuro, a maneira
como confunde essas duas ‘realidades’.
Deve ser isso que faz com que as pessoas
o discutam, mesmo achando que seja superficial. Matrix sobrevive como um filme
que sonha com um conhecimento mais
humanista, que se contrapõe aos abusos
das mais avançadas das tecnologias.”
No filme Matrix, a velocidade está presente não
só nas cenas onde Neo desvia dos projéteis das poderosas armas dos agentes, dos incríveis pulos e saltos
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dos personagens quando se enfrentam, mas também em
toda a animação, utilizando-se de uma estética baseada
na velocidade dos videogames12 . Aqui já se pode fazer
uma relação com a sociedade atual, onde a vida é rápida, o consumo é e deve ser veloz, o que é possível pelo
enorme avanço da tecnologia. Como destaca Marcondes
Filho (1991):
“Mas as máquinas não são apenas os
computadores penetrando cada vez mais
amplamente em todos os ambientes da
vida pública e privada. A rapidez do envio
das mensagens e comunicados encontra
um paralelo no conceito de velocidade,
uma das categorias mais decisivas da
nova era da técnica. Em alta velocidade
dá-se a transmissão de informações,
o domínio de percursos geográficos, a
criação de material técnico, a produção,
distribuição e consumo de bens e serviços,
a rotatividade dos objetos e materiais que
servem nosso cotidiano, e até mesmo da
mão-de-obra” (pp. 21-22).
O uso e o domínio da velocidade (inerente à
técnica) é o meio pelo qual Neo, o protagonista de Matrix, consegue vencer seus perseguidores, escapando do
domínio dos poderosos computadores que escravizam a
humanidade. Isto é claro nas cenas em que Neo e seus
amigos utilizam programas de computadores sofisticados
para treinarem e receberem informações sobre técnicas de
lutas marciais, bem como, outro exemplo dentre vários
no filme, quando eles recebem todo um conhecimento,
transmitido em tempo real para seus cérebros, para pilotarem um helicóptero utilizado em uma de suas fugas.
Ou seja, é com auxílio de uma sofisticada tecnologia
(que dominam) que podem sair da Matrix e vencer as
máquinas, o que não deixa de ser contraditório. Aqui,
o mito da velocidade, isto é, o mito do encurtamento
do tempo e do espaço, conforme a descrição de Milton
Santos, apresentada anteriormente, se faz presente de
forma clara.
Se, por um lado, estes filmes apresentam uma
defesa mais interessante do individualismo, à medida
que colocam o homem superando a máquina, apelando
para valores como reflexão, capacidade de escolha e
emoções, por outro lado, ao colocarem como meio para
esta re-humanização (um resgate da autonomia humana) o uso e domínio da tecnologia, acabam por veicular
um modelo novo de homem que somente reproduz uma
sociedade de consumo globalizada, onde a técnica e sua
racionalidade imperam e organizam o mundo social. É
neste sentido que Marcondes Filho (1991) apresenta
uma das conseqüências da velocidade no mundo atual:
114
“A alta velocidade trouxe como conseqüência a acentuada volaticidade e
efemeralidade das modas, produtos, da
inovação técnica, dos processos do trabalho, das idéias, ideologias e práticas préestabelecidas. Valoriza-se a instantaneidade e a descartabilidade, inclusive a de
valores, estilos de vida, relacionamentos
estáveis, da fixação em coisas, edifícios,
lugares, povos, formas autênticas de fazer
e de ser” (p. 22).
A apologia à técnica é também a apologia à
velocidade. No filme o Show de Truman, esta apologia
é mais sutil e subliminar, pois só a percebemos pela ausência de um questionamento sobre ela no mundo real
(o dos telespectadores). Deve-se observar, porém, que
este filme reproduz um mundo altamente racionalizado
pela técnica, haja vista que a sociedade ali retratada está
profundamente condicionada ao aparelho de TV com
suas reproduções virtuais da realidade. Porém, no filme
Matrix a apologia à tecnologia é evidente, não só pelo
uso de sofisticados recursos técnicos pelos personagens,
mas também pelos diversos efeitos especiais que ali são
criados. É o uso e domínio da técnica que possibilita uma
re-humanização do homem. Marcondes Filho (1991)
observa algo semelhante ao discutir a técnica no mundo
contemporâneo, a saber:
“O processo de industrialização em seus
desdobramentos com a técnica, que
cada vez mais avança sobre os espaços
da vivência humana, deixa transparente
através da imagem e da forma como ela
realiza a destituição dos monarcas e de
supressão de Deus. A técnica acaba com o
‘ponto central no mundo’, que levará mais
tarde os homens a questionar o próprio
sentido da metafísica e de sua existência
enquanto seres com estruturas estáveis,
enraizadas ou culturalmente consolidadas. Por meio da reprodução eletrônica, a
Segunda natureza do homem deixa de ser
a cidade, a arte, a linguagem, para ser a
própria técnica. Esta passa a simular o
processo de comunicação: de quem agora
já não tem mais nada a dizer” [grifo nosso]
(pp. 30-31).
Até esta altura da análise já foi possível perceber
dois conjuntos de idéias constitutivas do modelo de novo
homem, aqui considerado um consenso social veiculado
por estes filmes e que contribuem para a reprodução da
sociedade de consumo atual. No entanto, este individualismo de cunho humanista, exercido pelo uso e domínio
da tecnologia, acenando para uma re-humanização do
115
homem, ou seja, para um resgate de sua autonomia diante
da máquina, só poderia ser conquistado pelo homem,
realmente, se todos tivessem acesso à tecnologia, isto
é, ao seu uso e domínio. Como esta questão não está
colocada nos filmes, poderia se concluir que o modelo de
novo homem, ali sugerido, está apenas apontando para a
necessidade de rever o uso da tecnologia, veiculando um
consenso social que, aí sim, seria importante para o questionamento da atual sociedade de consumo globalizada.
Alías, esta é a idéia, pelo menos aparente, que estes filmes
apresentam. Porém, como deve ficar claro a seguir, não
parece ser esta a questão, pois estes filmes incorporam no
modelo novo homem que veiculam um elemento muito
importante: o consumismo. Este elemento faz parte, de
forma direta e, também às vezes indiretamente, do modelo, fazendo deste um consenso social que reproduz a
lógica social hoje dominante.
4.1.3 O Consumismo: Instrumento de Realização do Novo Homem
Aqui se sugere que o modelo novo de homem veiculado por estes filmes, ou seja, um indivíduo autônomo
pelo uso e domínio da tecnologia (velocidade), é adequado à sociedade de consumo globalizada, isto porque este
modelo pressupõe o consumo da tecnologia moderna
como forma de emancipação do homem contemporâneo.
E aqui está mais clara a contradição desta lógica: temse um novo homem cujo modelo deve-se seguir para se
ter autonomia e compreensão deste mundo, algo que já
não se tem em virtude da racionalidade extrema de um
mundo dominado pela técnica. A questão do consumo
é fundamental nesta análise. O consumo surge, nestes
filmes, como instrumento pelo qual o homem pode se
emancipar, e é isto que faz do consumismo o último
elemento constitutivo do modelo novo de homem que
os filmes veiculam.
Num primeiro momento, pode-se perceber a questão do consumo colocada de forma aparente nos filmes.
Em Show de Truman, por exemplo, isto é claro, não só
pelo fato de o show ser transmitido durante todo o tempo
e ao vivo, mas também pelas propagandas de tudo o que
faz parte do show, como cortador de grama, chocolate em
pó, facas e tantos outros objetos. Em Matrix, o consumo,
em sua aparência, é percebido pela própria maneira do
cinema influenciar os gostos das pessoas, como, por
exemplo, no caso deste filme, pelos óculos, por um modelo de roupa ou mesmo um estilo de corte de cabelo.
No entanto, é a essência do consumo que este artigo quer
evidenciar, pois nestes filmes a propaganda do consumo
não é aparente (Em Show de Truman o consumo aparece
para ser criticado e em Matrix não se percebe uma discussão aberta sobre ele), pois ela é realizada de forma
subliminar e faz parte de um consenso social (modelo
novo de homem) que contribui para a reprodução da
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sociedade de consumo globalizada.
O mundo virtual que estes filmes apresentam
tem a capacidade de tornar mais bonita a imagem e
de sobrepor mais importância a ela, influenciando o
consumismo desenfreado baseado na emoção. Nos dois
filmes, o visual está presente em toda parte e não só nas
roupas e objetos usados pelos personagens. Entretanto,
o que mais se destaca nos filmes, sobretudo em Matrix,
é a própria tecnologia, ao mostrarem um mundo repleto
de novas técnicas e sofisticados meios de comunicação
e informação. Em geral, estes filmes, para além de seus
conteúdos e suas mensagens, representam, de alguma
forma, a propaganda da própria tecnologia usada na
produção dos próprios filmes, produções milionárias,
como em Matrix e seu mundo cibernético.
Este cenário cibernético e informático é uma referência que se impõe às pessoas no sentido de procurarem
a renovação de suas tecnologias (do consumo delas),
fazendo com que elas pensem que sem essas tecnologias
estariam atrasadas em relação ao desenvolvimento do
mundo, sentindo-se diferentes, excluídas da sociedade
que ali presenciam (e de certa forma estão) e parece
ser a melhor. A propaganda da tecnologia aqui é sutil
e, elaborada dentro dos quadros e das possibilidades do
cinema, geralmente tem um efeito para além do simples
consumo de um produto: ali se forma o consumidor em
potencial de uma tecnologia, antes mesmo de se criar,
na realidade, o produto, como por exemplo (extremo)
um programa que leva diretamente ao cérebro humano
uma enorme gama de conhecimentos técnicos, tudo em
fração de segundos.
Deve-se ressaltar que a técnica é consumida pelos
personagens como meio de conseguirem vencer o sistema
que os oprimem. Em Matrix isto é evidente pelo aparato
tecnológico que usam em suas lutas com os agentes que
os perseguem. Em Show de Truman, o consumo aparece,
e aí sem crítica alguma, na realidade dos telespectadores
condicionados à TV.
Um outro aspecto a ser ressaltado sobre o filme Show de Truman, ainda, é o fato de que apresenta
uma realidade bem mais próxima da atualidade do que
Matrix, haja vista a influência hoje da TV na vida das
pessoas e, também, a veiculação de programas do tipo
reality show por várias emissoras atualmente. Deve-se
observar, também, que o consumo parece hoje dar mais
identidade aos indivíduos do que o trabalho, uma questão
sintomaticamente ausente nestes filmes.
Assim, temos o modelo novo de homem caracterizado, um consenso social que reproduz toda a lógica
de uma sociedade fundamentada na produção e consumo
global de tecnologias. E estas são criadas orientando-se
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
pela obtenção de valor econômico mais do que para
a socialização de seus benefícios, assim produzindo e
reproduzindo as desigualdades sociais.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo procurou caracterizar a sociedade de
consumo contemporânea destacando os aspectos que
permitem evidenciar a produção de um certo consenso
social necessário à sua própria reprodução. Isto foi
possível analisando dois produtos da indústria cultural
cinematográfica norte-americana, apontando a veiculação
de um consenso social em torno de um modelo novo de
homem, adequado à sociedade de consumo globalizada.
Desta forma, foi possível, não somente revelar o poder do
cinema como agente modelador de idéias e valores que
contribuem para a manutenção de uma sociedade acentuadamente desigual, mas, sobretudo, chamar a atenção
para necessidade da crítica a um consenso social vazio
de significado por não representar a realidade social,
servindo, assim, mais para ocultá-la do que questioná-la
ou mesmo contribuir para sua transformação.
A fundamentação teórica aqui apresentada procurou, como foi visto, deixar clara a importância do
consenso social para a organização de uma sociedade,
mas ressaltou também que, em geral, os consensos sociais são construídos e transmitidos a partir das idéias e
valores dos setores dominantes dentro da sociedade. A
discussão sobre a indústria cultural procurou demonstrar
o quanto sociedades industriais capitalistas influenciam
na transmissão de idéias e valores, sobretudo culturais,
veiculando uma ideologia que procura dar sentido à lógica individualista que fundamenta a organização social
baseada no mercado. Às discussões anteriores, somou-se
uma abordagem crítica do mundo globalizado, onde a
preocupação foi apresentar os aspectos “perversos” de
um processo de globalização. Este processo, provocador de extremas desigualdades em países periféricos
aos centros de poder econômico - como o Brasil, por
exemplo - se confunde com as novas características das
sociedades atuais, onde o consumo passou a ser o próprio
sistema social que as fundamentam. Após estas discussões, foi possível abordar o cinema, evidenciando-o como
manifestação artística importante do mundo atual, mas,
também, como um instrumento poderoso de veiculação
de idéias e valores.
A análise dos filmes só foi possível, como aqui se
apresentou, a partir de todas estas considerações teóricas,
permitindo empreender um sentido mais claro para o
que foi sugerido: os filmes veiculam um consenso social
em torno de um modelo novo de homem, um modelo
necessário para a reprodução da sociedade de consumo
globalizada. Se este modelo é realmente passível de
ser incorporado pelas pessoas, ainda que indiretamente
116
(não será diretamente?), basta observar os aspectos do
cinema aqui anteriormente descritos. Em outras palavras,
levando-se em consideração a dimensão relacional do
cinema (a responsável pelo fascínio que ele exerce), a
relação entre cinema e vida social (a mescla real e ficção)
e, ainda, o fato de o cinema ser um lugar de cristalização,
onde o que é fantasiado orienta o próprio real, pode-se
ter uma clara idéia de como o modelo novo de homem
aqui sugerido é assimilado e reproduzido.
Outras questões poderiam ser incorporadas na
análise dos filmes como, por exemplo, os mitos e arquétipos que são apresentados e difundidos, como também
a veiculação de outras mensagens subliminares como a
questão ecológica, a idéia de esperança e tantas outras.
Mas optou-se por questões mais de fundo e abrangentes
como o individualismo, a técnica e o consumo.
Os filmes aqui abordados são produtos da indústria cultural num mundo dominado pelas relações de
troca, num mundo onde o consumo é um sistema próprio
que se encontra na base da sociedade, estruturando-a por
completo. Se, como procurou evidenciar este artigo, estes
produtos reproduzem uma sociedade assim constituída,
isto é, uma sociedade baseada no consumo, dividindo
consumidores e não-consumidores, ou subconsumidores, marginalizando um grande segmento da população
ao impor uma lógica de mercado excludente, enfim, se
estes filmes (e muitos outros) têm o poder de encantar as
pessoas através de suas estéticas cada vez mais atraentes
e sofisticadas, não se deve, aqui, sugerir uma conclusão
que se situe na já conhecida fórmula de criticá-los ou
aceitá-los, adotando uma perspectiva teórica dos “integrados” (aqueles que defendem o papel dos meios
de comunicação de massa) ou “apocalípticos” (os que
criticam este papel)13 . Este trabalho prefere se situar
conforme a crítica elaborada por Umberto Eco (1979)
a estas posições, resumidas aqui nos seguintes termos:
“Os ‘apocalípticos’ estariam equivocados
por considerarem a cultura de massa ruim
simplesmente por seu caráter industrial.
Para Eco, não se pode ignorar que a
sociedade atual é industrial e que as
questões culturais têm quer ser pensadas a
partir dessa constatação. Os ‘integrados’,
por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente a cultura de massa
é produzida por grupos de poder econômico com fins lucrativos, o que significa
a tentativa de manutenção dos interesses
desses grupos através dos próprios meios
de comunicação de massa. Além disso, não
é pelo fato de veicular produtos culturais
que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente boa, como querem os
117
‘integrados” (Crespo, 1993, pp. 196-197).
Na perspectiva de Umberto Eco, não se pode
pensar a sociedade atual sem os meios de comunicação de
massa. Sendo assim, a preocupação deste autor volta-se
para a descoberta do tipo de ação cultural que deve ser
estimulado pelos meios de comunicação de massa para
que realmente eles transmitam valores culturais mais
abrangentes, não reproduzindo uma visão de mundo de
grupos privilegiados dentro da sociedade (Crespo, 1993).
Esta parece ser a questão mais importante após uma
análise mais crítica dos filmes. É claro que filmes assim
continuarão a ser produzidos14 , mas isto não quer dizer
que a sociedade não tem condições nenhuma de valorizar
outros conteúdos para o entretenimento das pessoas. Mas
isto só será viabilizado com um aumento da consciência
dos indivíduos que, por sua vez, só pode ser pensado a
partir de uma maior participação da sociedade nas decisões políticas e, sobretudo, econômicas. Ademais, não
se pode perder de vista que a tecnologia tem se tornado
o fator central que caracteriza as sociedades contemporâneas, influenciando as formas pelas quais a realidade
social é concebida pelas pessoas. Na visão de Marcondes
Filho (1991) a técnica se apresenta como um substituto
dos componentes clássicos estruturantes da realidade, e
nas palavras deste autor:
“Desaparecendo os clássicos componentes estruturantes da realidade de cada um
(forte ligação à religião, a um princípio
filosófico, a uma ideologia política),
as pessoas buscam sair da angústia do
esvaziamento através de novas formas
de metafísica. Assim, o renascimento
religioso, ou seja, a busca de uma ‘verdade eterna’ acaba funcionando como um
oportuno substituto deste estado de coisas
marcado pelo flutuar acima de qualquer
envolvimento mais afetivo. É uma forma
de pseudomistificação numa sociedade
altamente racionalizada” (Marcondes
Filho, 1991, pp. 22-23).
Deve-se chamar atenção, isto sim, para o fato
de que estes filmes, como produtos culturais contemporâneos, por um lado reproduzem um consenso social
necessário à reprodução da sociedade de consumo e, por
outro lado, constituem-se como pontos de onde se pode
partir para uma reflexão mais crítica que contribua para
a superação de um sistema social cada vez mais vazio
de sentido.
Finalmente, a perspectiva de análise aqui apresentada teve a pretensão de deixar claro que, a partir
de uma visão crítica mais ampla, estes filmes devem
ser vistos como o reflexo de uma sociedade já vazia de
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
sentido devido à sua extrema racionalidade técnica e, por
outro lado, como grandes simulacros de um mundo ou
realidade que assim já não existe ou não quer se deixar
aparecer em suas reais contradições.
(8) Sobre o neoliberalismo, indica-se o livro
organizado por Emir Sader: Pós-neoliberalismo – as
políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro:
Ed. Paz e Terra, 1995.
6. REFERÊNCIAS
(9) Este termo é utilizado por Jean Baudrillard em
suas análises, e na mesma perspectiva é usado também
por Milton Santos e Zygmunt Bauman; ver obras referenciadas destes autores.
(1) Sobre este argumento, ver Simulacro e Simulação, de Jean Baudrillard, Lisboa: Antropos, 1991.
(2) Para uma discussão mais ampla sobre o conceito de Consenso Social, ver Dicionário do Pensamento
Social do Século XX, de Tom Bottomore. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1996. (pp. 131-132).
(3) Sobre o conceito de ideologia, aqui usado no
sentido de ocultação da realidade, ver o clássico Ideologia Alemã, de Karl Marx & F. Engels. Uma boa discussão
do conceito de ideologia no sentido aqui utilizado é o
livro O que é ideologia, de Marilena Chauí. São Paulo:
Ed. Brasiliense, 1984.
(4) Escola de Frankfurt foi como ficou conhecido
o grupo de intelectuais de influências teóricas diversas
que se reuniram a partir de 1923, em Frankfurt, empreendendo uma crítica radical daquele tempo. Entre seus
principais autores estão: Theodor W. Adorno, Hebert
Marcuse, Max Horkheimer e Walter Benjamin. Os principais temas abordados por estes autores, conhecidos
também como formuladores da Teoria Crítica, foram:
o totalitarismo, a sociedade de consumo e a indústria
cultural, entre outros. Ver A Escola de Frankfurt – luzes
e sombras do iluminismo, de Olgária C. F. Matos. São
Paulo: Moderna, 1993.
(5) Aqui é interessante deixar claro para o leitor
não especializado a definição dos conceitos semiológicos de signo, significado e significante. Conforme o
Dicionário Michaelis (São Paulo, Ed. Melhoramentos,
1998), por signo entende-se a entidade que substitui
o objeto a conhecer, representando-o aos indivíduos e
apresentando-lhes em lugar do objeto. Significado é o
sentido, a acepção expressa pelo signo, e significante é
o complexo sonoro audível que encerra o significado do
signo lingüístico.
(6) Simulação, como usado por este autor, é fingir
uma realidade que existe, e simulacro é fingir uma realidade que já não existe. A diferença é que na simulação
ainda há relação com uma realidade existente, já no caso
do simulacro não há esta relação, pois a realidade que o
simulacro retrata já não existe.
(7) Milton Santos faleceu em junho de 2001,
quando este trabalho ainda estava sendo elaborado.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
(10) Sobre as transformações do capitalismo no
século XX, sobretudo a passagem de um sistema industrial de produção rígido, baseado na padronização da
produção e do consumo, para um sistema de produção
flexível, alcançado graças às inovações tecnológicas do
final do século, ver A Condição Pós-Moderna, de David
Harvey. São Paulo: Edições Loyola, 1995.
(11) Aqui o termo tem a seguinte definição dada
por Turner (1997) : “Ideologia é o termo empregado para
descrever o sistema de crenças e práticas que é produzido
por essa teoria da realidade. Embora a ideologia em
si não tenha forma material, podemos ver seus efeitos
materiais em todas as formações sociais e políticas, da
estrutura de classes às relações entre os sexos e à nossa
idéia da constituição de um indivíduo. O termo também
é usado para descrever as atividades da linguagem e
da representação na cultura que possibilitam que tais
informações sejam construídas como naturais” (p. 130).
Ver referências bibliográficas.
(12) O comentário de Celso Fioravante sobre o
filme Matrix, publicado no Jornal Folha de São Paulo
(ver referências bibliográficas), destaca esse aspecto do
filme, entre outros.
(13) Esta discussão se encontra na obra de
Umberto Eco, Apocalípticos e integrados. São Paulo:
Perspectiva, 1979.
(14) O próprio filme Matrix deverá ter uma
seqüência produzida na Austrália pela Warner Bros.
Pictures.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Summus, 1983.
BAUDRILLARD, J. O meio de comunicação de massa.
São Paulo: mimeo, s/d.
______________. Simulacros e simulação. Lisboa:
Antropos, 1991.
______________. A sociedade de consumo. Lisboa:
118
Edições 70, 1991b.
UFMG, n. 49, maio 1998, p. 31-37.
BAUMAN, Z. Globalização – as conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.
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RUDIGER, F. Comunicação e teoria crítica da sociedade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999.
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TURNER, G. Cinema como prática social. São Paulo:
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VEIGA, R. O cinema como forma de comunicação. Geraes – Revista de Comunicação Social. Belo Horizonte:
119
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
1, 2, 3:
“... Os Finos Esqueletos do Pensamento”
Sônia Guedes do Nascimento Leal *
Resumo. Trata-se de uma reflexão sobre as categorias lógicas do pensamento em Peirce.
Palavras-chave: Predominância, sentir, sensação, símbolo, dilapidar, infiltrar, regenerar.
Abstract. This paper deals with a reflection on the logical categories of thought in Peirce.
Key words: Prevalence, feel, sensation, symbol, dilapidate, infiltrate, regenerate.
1. AS PREDOMINÂNCIAS NA LÓGICA DO PENSAMENTO EM PEIRCE
1.1 Predominância I
A nossa pressuposição mais inicial como seres de
representação é a intimidade com o instante. O instante é
corpo inteiro, o todo, borrão dentro do qual escorremos.
O modo de contactá-lo é estar com ele, é existi-lo.
Diz Peirce: “...nada é mais oculto do que o presente absoluto.” (Peirce, 1977, p.24). E o modo de ser
no presente absoluto é sentir. Sentir é uma espécie de
compreensão que, em vez de caminhar, empoça. E aí
ficamos, como crianças, chapinhando com os pés. E não
é que a criança não esteja fazendo “nada”, ao contrário,
ela está sentindo o peso do tudo, está em ofício. E este
“ofício” já é uma tradução, uma “... finíssima película
de mediação.” (Santaella, 1984, p. 62).
* Professora da UNIVAP.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Esta qualidade do sentir está aberta a uma miríade de semelhanças que tecem a vaga mancha de uma
impressão. A semelhança é o ícone, incipiente estar de
um objeto que oscila entre uma multidão de parecenças
como se procurasse a si. A inquietude do objeto em ser
sem definitivamente ser, cria uma hipótese, um rema.
Uma hipótese é o apagado latejar de uma compreensão.
Mabe recria a umidade do quase-signo, da qualidade do sentir. O instante se abre e se furta.
1.2 Predominância II
Por nuvens separados
Os patos selvagens
se dizem adeus.
(Bashô, 1980, p. 41)
120
Imersos na percussão do próprio eu, somos de
repente interrompidos por um elemento estrangeiro a
essa percussão. O elemento estrangeiro é o não-eu, a
experiência que força a vontade, o sinsigno.
Diz Peirce: “A realidade é aquilo que insiste, nos
força a reconhecer um outro diferente do espírito...”
(Peirce, 1983, p. 95). O que insiste é a experiência do
‘faneron’, a mira que cria tensão em nosso arco de ser
e nos retesa até a pressão do quase pensar. É o pensarsensação, margem anterior à intenção.
E na tensão do arco retesado pelo outro, pelo índice, descobrimos, força bipolar, e outro e a nós próprios.
O que resta do confronto é a constatação, sensação do
que somos e do que é o outro. O que resta do confronto
é “... Esta noção de ser aquilo que outras coisas nos
fazem ser ...” (Santaella, 1984, p. 65). Creio estarem aí
as “nuvens” de que diz Bashô, que fizeram com que os
patos selvagens, que voariam juntos, se dissessem adeus.
1.3 Predominância III
“A palavra crisântemo é de origem grega, oriunda de vocábulos que significam
ouro e flor. Os antepassados silvestres do
moderno crisântemo foram duas pequenas
espécies nativas da China e do Japão.
Milhares de variedades hoje cultivadas
são derivadas de espécies e híbridos do
gênero Chrysantemum, da família das
Compostas.”
(Enciclopédia Barsa, vol. 5, 1964, pg. 17)
O que faz o mundo vir à tona é o signo como
inteligibilidade. Sem ele seríamos seres obnubilados,
acumulados, atirados para dentro.
Entre nós e o fenômeno há uma mediação sígnica,
onde se dá a criação do mundo como representação e o
nosso próprio nascimento como “... seres simbólicos, isto
é, seres de linguagem.” (Santaella, 1984, p.12)
Signo como lei guarda uma relação para dentro
de si, ou seja, como enraizamento nos quase-signos, e
para fora de si num movimento de comunicação, através do símbolo, com uma mente interpretadora onde se
processará nova remessa sígnica.
O signo indica o objeto dinâmico, mas não consegue expressá-lo e, “Eis aí ... aquilo que funda a miséria
e a grandeza de nossa condição como seres simbólicos.”
(Santaella, 1984, p. 11)
Como no hai-kai de Buson, o objeto dinâmico
“crisântemo amarelo”, sob uma lanterna sígnica, em121
palidece
O crisântemo amarelo
sob a luz da lanterna de mão
perde sua cor.
(Buson, 1980, p.36)
2. OS ... “FINOS ESQUELETOS DO PENSAMENTO...” (Santaella, 1984, p.51)
“Aí está o mundo (quase-signo): digam
e façam dele o que quiserem ou puderem
(interpretante): aí está o mundo.”
(Pignatari, 1979, p.52)
O homem busca o sentido, busca a linguagem. O
sentido é tecido pelos modos de operação do pensamento
diante dos fenômenos tais como eles se apresentam à
consciência. Os modos de operação desse pensamento
são as categorias, tipos tão interdependentes que as
fronteiras entre elas, como linhas estáticas, inexistem.
A consciência é uma amplidão e as idéias que
nela vagam só podem ser descritas em sua constituição
como “finos esqueletos” do pensar. Nessa medida, o
mundo como o temos, ou o que chamamos de “real”
é uma construção mental, é uma tradução. A tradução
é a nossa própria vida: somos sígnicos. As categorias
universais, no campo psicológico, perfazem então nossa
experiência de mundo: são elas “... coisas vivas e vividas
...” (Santaella, 1984, p. 53).
A Primeiridade de nossas vivências é formada
de uma experiência tão inusitada que não logramos
compará-la a coisa alguma. É que a “matéria” dessa
Primeiridade foge a qualquer medida necessária para se
construir um pensamento: não há tempo e portanto não há
digitalização; os espaços são concomitantes, e o sentido
tem tal abrangência, que mais se assemelha a um borrão
ou a um som agudo que apenas tonteia.
Esse “mundo” a contactar, exatamente por ser
todo inteiro e simultâneo, tem a qualidade do que é
inesgotável e assim pode prover uma série infinita de
linguagens, como ainda tem o poder de regenerá-las
como organismos vivos que são. A riqueza do que não
se divide seria então o princípio gerador de toda uma
possibilidade de estilhaçamento, que é o caminho da
busca de um sentido. Desta maneira, a Primeiridade seria
como silos da linguagem: o ponto de onde tudo parte e
para onde deve retornar o signo poético. O signo poético
é um compreender que para ser inteligível precisa ser
símbolo, mas para atingir uma compreensão deve apontar
o caminho de volta ao ícone.
O primeiro contactar é, pois, um imantar-se na
presentidade que, de imediato, é resgatada pelo recorte
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
que os nossos sentidos fazem das sensações no existir
em reação. E isto, que já é Segundidade, é a encarnação
de uma atualidade tal como a carrega o sorriso da Mona
Lisa e o interminável salto da rã de Bashô.
E embora o signo estético não queira “distrairse de si”, como cita Júlio Plaza (Plaza, 1985, p, 27),
o terceiro esqueleto do pensar é a encarnação de uma
inteligibilidade “ ... através de signos-tipos que refletem
intenções e hábitos e que incidem sobre a sintaxe e
construção do próprio signo.” (idem)
É que para cumprir-se como ser de linguagem
o homem tem que tomar uma forma tocável, tem que
cristalizar-se. São cristais, a linguagem. E essas pedras
de aquisição do mundo (signos de lei), são em si mesmas
vivas, pois a sua mais recôndita intimidade é a de um
líquido (1º), que entrando em ebulição diante dos fatos
(2º), ascende pelos seus canais (as sensações), e vem a
se cristalizar (3º), em contato com a superfície.
E apesar de vivos, esses cristais de linguagem,
pela própria natureza (a digitalização), barram e metamorfoseiam os quase-signos, refratários que são à mudança de meio. Eis que o símbolo, nascido para representar
o real, usurpa para si o poder total, e à semelhança de
uma ditadura, lapida e dilapida a realidade que deveria
representar. É que a língua como mediadora entre o
sujeito e o objeto afirma-se como fenômeno (1º) para a
consciência, donde se origina seu poder repressor.
O real do homem simbólico torna-se então uma
paisagem enquistolada: nada mais nasce nem se deixa
permear pela experiência. O signo-homem está enganchado à superfície de si próprio e asfixia.
É então necessário abrir passagens no terceiro
para que o signo poético possa exercer seu poder regenerador. O trabalho é de uma infiltração: o fio poético
se enreda na própria materialidade da língua e energiza
e vivifica a representação do real.
É pois de se considerar a interdependência das
categorias, uma vez que, como informante de um sentido,
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
o homem deve cristalizar-se, mas só cumpre a si mesmo
se esses cristais puderem refletir a revivificação de cor,
forma e brilho que emerge de suas bases.
O poder regenerador do signo poético é o poder de
cura que Freud encontrou no estudo do inconsciente do
signo-homem quando solto nos sonhos. E são infindáveis
as possibilidades que se abrem para o signo de lei nesse
insólito contactar com espaços que caminham, massas
de qualidades que se atraem e se repelem e o formigueiro
de uma presentidade sem fim.
3. BIBLIOGRAFIA
BASHÔ; BUSON. O livro dos Hai-Kais. São Paulo:
Massao Ohno, 1980.
ENCICLOPÉDIA Barsa. Rio de Janeiro: Enciclopédia
Britânica do Brasil, 1964. v.5.
FREUD, S. A Interpretação dos Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
_______. O Chiste e sua Relação com o Inconsciente.
Rio de Janeiro: Imago, 1988. v.8, p.130.
PIERCE, C. S. Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1983.
__________. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1977.
__________. Semiótica e Filosofias. São Paulo: Cultrix,
1972.
PIGNATARI, D. Semiótica e Literatura. São Paulo:
Cortez & Moraes, 1979.
PLAZA, J. Sobre Tradução Inter-Semiótica. 1985.
305f. Tese (Doutorado em Semiótica). Departamento
de Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. São Paulo.
SANTAELLA, L. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1985.
122
Economia Informal: os Camelôs de São José dos Campos
Gilson dos Anjos Ribeiro*
Friedhilde M. K. Manolescu*
Resumo. Este trabalho analisa o perfil socioeconômico de um segmento de trabalhadores da economia informal, denominados de “camelôs”, na cidade de São José dos Campos, no ano de 2000.
Os dados foram obtidos através de entrevistas e aplicação de questionários aos ambulantes. Os
resultados são de importância para o planejamento urbano.
Palavras-chave: Economia informal, camelôs.
Abstract. Analysis of the social and -economical profile of a segment of workers of the informal
economy- the so called “camelôs”- is conducted in the city of São Jose dos Campos during the year
of 2000. The data have been obtained by means of questionnaires applied to street vendors. The
results of that work constitute a contribution to urban planning.
Key words: Informal economy, street vendor.
1. INTRODUÇÃO
Com a globalização da economia torna-se imperativo às empresas a busca de máxima eficiência, com
o objetivo de competir no mercado internacional. Em
conseqüência, há exigência maior de avanços tecnológicos, que são introduzidos nas indústrias, reduzindo o
número de pessoas para a realização do trabalho. Diante
de tal situação a taxa de desemprego vem aumentando
em todos os países, o que vem provocando o crescimento
da economia informal, que tem várias categorias, entre
elas a de “camelô”.
A tendência de maior qualificação ou profissionalização do trabalho cria paralelamente uma massa
de trabalhadores desqualificados que oscila entre os
temporários, os parciais, os terceirizados. Muitos desses
se acomodam na economia informal como forma de
sobrevivência no meio urbano.
Antunes (1997) classifica os trabalhadores informais como subproletários, que desempenham trabalho
precário com baixo nível de qualificação.
O presente trabalho analisa o perfil sócio-econômico dos camelôs em uma cidade de médio porte que
teve a indústria como a grande impulsora da atividade
econômica. Com as atuais mudanças na economia do
mundo, e mais a inovação tecnológica, a cidade teve de
se adaptar às novas situações mercadológicas
* Professor(a) da UNIVAP.
123
2. REVISÃO DO CONCEITO DE ECONOMIA INFORMAL E DA CATEGORIA CAMELÔ.
A palavra camelô vem do francês, “camelot”,
usada, no Brasil, por influência da cultura francesa,
com o mesmo significado: comerciantes que se instalam
nas ruas paralelamente ao comércio formal, com uma
simples autorização do poder público municipal para
atuar. O vendedor ambulante se encontra nas atividades
cujo acesso não é tão livre, por ocupar um espaço público, tornando-se portanto vulnerável à fiscalização em
conseqüências das denúncias da população e de alguns
comerciantes formais.
A categoria conhecida como camelôs tem características próprias; segundo Clóvis Cavalcanti (1973),
“esta população se caracteriza por possuir baixo nível
escolar, procedente de famílias de baixa renda, com idade
acima de 20 anos, sendo que grande parte desse comércio
é ocupado por mulheres que têm nessa atividade uma
forma de complementar a renda familiar”.
Os camelôs são trabalhadores informais, em sua
maioria migrantes ou pessoas que perderam o emprego
e que caem na informalidade circunstancialmente.
A partir da década de 80, o tema economia informal passou a constar na literatura especializada e várias
causas foram analisadas como: o reflexo do desemprego,
ou a não inclusão da mão-de-obra em outro setor da
economia formal.
Keith Hart (apud Ney Prado, 1996) definiu economia informal no Quênia, África, como “economia
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
invisível”, caracterizando-a como modelo duplo de renda
da força de trabalho urbana, baseado na diferença entre
emprego assalariado e auto-emprego. O conceito de
informalidade foi atribuído aos indivíduos autônomos.
Para o PREALC (Programa Regional de Empregos para América Latina e Caribe), é a economia
informal caracterizada com subemprego, abrangendo
os trabalhadores excluídos dos setores da economia
moderna, o que caracteriza a pobreza urbana de um país
quanto ao crescimento econômico que não corresponde
ao crescimento de empregos. Este setor tem crescido
em conseqüência do desemprego ou da não absorção da
mão-de-obra.
O conceito do IBGE sobre o setor informal urbano
é o mesmo da Organização Internacional do Trabalho
(OIT): “toda atividade em que não há distinção entre o
núcleo familiar e o negócio”.
O setor informal é formado pelos trabalhado-
res por conta própria (ou autônomos), também pelos
empregados sem carteira de trabalho assinada e ainda
pelos empregados domésticos, sendo o contrário do setor
formal, que é o conjunto dos empregados com carteira
de trabalho assinada pelo empregador.
3. COMÉRCIO DE AMBULANTES E AS TENDÊNCIAS DO MERCADO DE TRABALHO.
O Brasil, na década de 80, caminha para integração do mercado de trabalho, embora uma boa parte
sob a forma de relações assalariadas precárias e que não
correspondem às expectativas de uma boa situação de
emprego ou de um adequado nível de renda para uma
parcela dos trabalhadores. Desta forma, a tendência é o
crescimento de trabalhadores no mercado de trabalho
não-regulamentado; os trabalhadores que não possuem
carteira assinada pelo empregador, os autônomos e os
pequenos proprietários passam a viver na irregularidade
em conseqüência do não crescimento econômico do País.
Tabela 1 - Crescimento de empregados com carteira assinada
Fonte : IBGE – 1998.
De acordo com a tabela 1, em 1990, mais de 50%
dos trabalhadores tinham carteira assinada, caindo essa
porcentagem para 44,10 em 1998. Os motivos que levaram a esse acontecimento foram as formas de produção
e de relações de trabalho, que tendem a elevar o número
de trabalhadores informais, entre eles, os camelôs; a
causa principal de esses trabalhadores se encontrarem
na clandestinidade é a facilidade de burlar a legislação
trabalhista.
Segundo a OIT (Organização Internacional do
Trabalho) duas são as razões para tão grande número de
desempregados. Primeiro, a intensidade e a velocidade na
informática, na tecnologia e nos meios de comunicação;
com o desenvolvimento desses setores, mudou-se a forma
de trabalhar, e muitas funções tornaram-se desnecessárias: a outra razão é a globalização que permite às multinacionais transferirem seu capital de um país para outro
com muita facilidade. Com isso podem desempregar em
um país e empregar em outro, pagando salários menores.
Essas alterações no trabalho e na produção geram
competição e pressão pelo aumento da produtividade. A
indústria automobilística é um bom exemplo, despede
operários e robotiza em todo o mundo.
De acordo com a OIT calcula-se que cerca de
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
47 milhões de pessoas entram a cada ano no mercado
de trabalho já saturado. Destas, aproximadamente 38
milhões estão na Ásia, África e América Latina.
Com a mudança na economia mundial, desde
os anos 80, os empregados dos setores de manufatura
e de serviços, que eram sindicalizados, foram sendo
substituídos por trabalhadores não sindicalizados, em
regime parcial de trabalho. No futuro, a maior parte da
força de trabalho global será trocada pela tecnologia
de informação, robôs, máquinas e biotecnologia. Com
essas mudanças, há uma retração dos empregos, como,
por exemplo, no setor manufatura, onde o trabalho humano está sendo eliminado. Este fenômeno de dimensão
mundial ocorre também no Brasil, ainda que em ritmo
diferenciado em relação a outros países.
A preocupação com a questão do desemprego,
entretanto, ganhou novas dimensões no início da década
de 90. A abertura comercial posta em marcha desde o
governo Collor, em 1990, adotada de forma brusca e não
orientada por diretrizes claras de política industrial e agrícola, forçou uma importante parcela do setor produtivo
brasileiro a adotar um profundo e drástico programa de
ajuste, que colocasse o Brasil, rapidamente, em condições
de competir com os concorrentes internacionais.
124
Por todos esses motivos, o desemprego no Brasil
possui uma dimensão estrutural, cuja explicação vai além
de problemas ligados às flutuações cíclicas da atividade
econômica, colocando na ordem do dia a necessidade de
formulação de políticas ativas de geração de emprego
e renda. Com a abertura comercial, associada à valorização do real, somados à internacionalização, alguns
setores começaram a enfrentar concorrência agressiva
de produtos de procedência principalmente dos países
asiáticos e reflexos negativos nos níveis de produção e
de emprego locais.
A fragilidade do próprio mercado de trabalho
formal no Brasil tem provocado o crescimento do mercado de trabalho informal, que é decorrente dos baixos
salários, excessiva instabilidade no emprego, baixa
qualidade do trabalho proveniente da formação, pois
o mercado formal se encontra cada vez mais exigente.
O trabalho formal vem hoje encontrando, na
tecnologia, a forma poupadora de mão-de-obra nas empresas, com a importação de máquinas e equipamentos
de países de economias mais avançadas, pois este tipo
de custo e escala de produção são compensadores em
relação às contratações; junta-se a esse fato a desqualificação dos trabalhadores em manusear essas máquinas
e até mesmo manuais de instrução, causando a expulsão
desses trabalhadores da formalidade. Tal complexidade
provoca o crescimento do comércio ambulante; cria uma
especialização para um tipo de serviço que a população da
cidade utiliza, com tamanha flexibilidade e elasticidade,
adequando-se a horários de fluxos, local de contingentes
humanos maiores, mesmo que temporariamente, como
jogos, shows e outros. Um exemplo dessa adequação
acontece nos dias de competições esportivas, com a
presença de camisetas, bonés, fitas e outros das equipes
em confronto.
4. METODOLOGIA
O trabalho seguiu uma metodologia descritiva e
exploratória, que tem como objetivo primordial a descrição das características de uma determinada população,
aqui denominada de “camelôs”.
Para atingir os objetivos propostos foi utilizada
a técnica de coleta de dados através de uma amostra em
250 ambulantes, o que corresponde a 13,44, de uma
população total de 1.860 camelôs. A aplicação de um
questionário em forma de entrevista aos ambulantes, com
21 questões abertas e fechadas, e o levantamento junto a
prefeitura municipal contribuíram para a caracterização
dessa categoria.
5. RESULTADOS
Entre os camelôs de São José dos Campos, conforme tabela 2,predomina a população masculina, Destes,
60% são chefes de família que responderam que têm no
comércio ambulante a única fonte de renda; os que têm,
nessa atividade, a forma de complementar a renda, são
pessoas que exercem outras tarefas, também informais
como: pedreiro, carpinteiro ou biscates.
Tabela 2 - Sexo e função da renda
Quanto às mulheres que complementam a renda
como camelô, também exercem outras atividades informais como: costureiras, domésticas, faxineiras e outras.
“Eu trabalho de doméstica durante o dia,
e à noite vendo cachorro quente aqui no
bairro, para ganhar um dinheirinho extra,
porque estou pagando um consórcio de
um gol.” (Maria Claudete, 34 anos, bairro
Putim)
As mulheres em que o comércio ambulante
é a única fonte de renda assumem o papel de chefe de
125
família. Outra característica comum entre os homens e as
mulheres que complementaram a renda é que a maioria
trabalha a noite, principalmente próximo as escolas.
Das abordagens realizadas, 12% são jovens, na
faixa etária entre 12 e 20 anos, não são proprietários das
bancas; geralmente o proprietário que tem um grau de
parentesco se afasta temporariamente do serviço para
realizar outras tarefas, deixando que os filhos, sobrinhos,
primos ou cunhados assumam as barracas, pois o poder
público municipal permite o afastamento de até 30 dias,
desde que faça um comunicado à prefeitura.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Tabela 3 - Faixa etária e grau de instrução
De acordo com a tabela 3, das pessoas que se
encontram entre a faixa etária 12 a 20 anos, foi constatado que 82%, estavam estudando; dos 48% que estão no
segundo grau, obteve-se declaração que possivelmente
ingressarão no mercado de trabalho formal com o certificado de conclusão do segundo grau. Outra evidência
da tabela é que a população mais velha possui o grau de
instrução mais baixo.
no trabalho formal; outra constatação relevante é que
11% dos camelôs na faixa etária de 26 a 35 anos e 15%
na faixa etária de 36 a 49 anos têm rendimento maior na
informalidade. Portanto, o comércio ambulante, reduto
de mão-de-obra menos jovem e o grau de instrução, entre
todas as faixas, é baixo para o padrão de exigência do
mercado de trabalho formal, poucos com segundo grau
completo.
A idade e o baixo grau de instrução criam dificuldades de ingresso no trabalho formal, cada vez mais
exigente.
Observando a faixa etária e o nível de instrução
dos camelôs, nota-se que o setor se encontra com mãode-obra de baixa qualificação, parecendo mostrar que
essa atividade informal não pode ser considerada como
estágio de passagem dos trabalhadores para ocupações
formais.
Na faixa etária de 21 a 25 anos, 78% não pretendem deixar o comércio de ambulantes, pois estão nessa
atividade há mais de 5 anos e têm dificuldades de ingresso
Tabela 4 - Procedência
Com relação à procedência dos trabalhadores do
comércio ambulante de São José dos Campos, conforme a tabela 4, 38%, correspondem a regiões ou estados
vizinhos, sendo que 62% das pessoas que estão nessa
atividade são da própria região, incluindo os 33%, do
próprio município.
Dos 67%, de migrantes, 5%, são procedentes
da região Sul; 13%, vieram da região Nordeste; 2%, da
região Centro-Oeste e 2% da região Norte; na pesquisa
com os camelôs considerou o deslocamento direto da
região de origem para o destino, no caso, São José dos
Campos. Com relação à migração interestadual, 12%
são pessoas que vieram de Minas Gerais e 4% do Rio de
Janeiro e 29%, das cidades vizinhas do Vale do Paraíba,
sendo que 92% desses migrantes foram atraídos pelo
crescimento econômico da cidade, principalmente a partir
da década de 60, quando a cidade absorvia boa parte da
mão-de-obra que aqui chegava.
Tabela 5 - Camelôs que já trabalhavam registrados
Conforme a tabela 5, a perda do registro em
carteira é grande, considerando que mais da metade dos
entrevistados já foram registrados. O custo da informalidade para esses camelôs está na falta de qualquer proteção
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
trabalhista ou previdenciária: na realidade ocorre a falta
de seguridade social, além do custo para o Estado, já que
há recolhimento.
126
Tabela 6 - Tempo de trabalho registrado e de pessoas da família
De acordo com a tabela 6, constatou-se que
61% nunca tiveram registro em carteira; desses, 51%,
afirmaram que o baixo nível de instrução foi o principal
empecilho para ingressarem no trabalho formal e 10%
afirmaram que sempre tiveram na família pessoas que
trabalharam na informalidade, por isso, foram motivados a seguir essa atividade. Os demais, que trabalharam
registrados, relacionaram a perda do trabalho formal e
viram no trabalho informal a forma de sobrevivência,
por motivos de baixo nível de instrução, idade avançada,
tecnologia substituindo a mão-de-obra e a terceirização.
Constatou-se que os 33%, dos familiares que
nunca foram registrados encontram-se na informalidade, como camelôs, pedreiros, serventes, domésticas e
outros; portanto, a seguridade social dessas pessoas é
quase inexistente; os 32%, que trabalham registrados, no
período de 01 a 05 anos, já estiveram na informalidade
momentaneamente, possivelmente quando o mercado
formal voltar a contratar eles abandonam a atividade
informal e ingressam no trabalho formal em busca de
seguridade social e salário fixo, já que, como camelô,
há perdas desse tipo.
Tabela 7 - Tempo que exerce a atividade
Ao observar a tabela 7, conclui-se que o período
em que as pessoas se encontram nessa atividade, em sua
maioria, está entre 1 e 5 anos, coincidindo com o desemprego em São José dos Campos, que ocorreu no início
dos anos 90, quando a cidade passa por uma estagnação
econômica, em conseqüência do fim da Guerra Fria,
quando os maiores compradores de produtos bélicos
das indústrias aqui instaladas suspendem as compras,
causando o fechamento inclusive de duas fábricas – Engesa e Avibrás- isso somado à abertura às importações,
concedidas pelo governo federal e à implantação de
novas tecnologias que substituíram a mão-de-obra por
máquinas.
Com relação ao estado civil e a renda mensal e
familiar, pode-se observar, na tabela 8, que todos eles
têm ganho mensal superior ao salário mínimo; 59%, dos
comerciantes ambulantes são casados, com uma média
de 5 pessoas por família. Todos os entrevistados têm na
família alguém que trabalha, isto é, não contam somente
com o salário do camelô; entre os casados, as maiores
médias se encontram entre 3 a 4 salários mínimos, que ,
no momento da pesquisa, é de R$150,00.
Tabela 8 - Estado civil e renda
* outros (viúvos, divorciados).
127
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Com relação aos setores de atividade exercida
pelos camelôs, segue-se a distribuição, conforme tabela 9.
Tabela 9 - Setores de atividades
De acordo com a aplicação dos questionários,
37%, dos comerciantes ambulantes trabalham com alimentação, tal opção ocorre pelas facilidades encontradas,
desde o acesso aos produtos que servem como matériaprima até a facilidade de venda; entre as atividades
exercidas pelos camelôs, a alimentação tem o retorno
mais rápido dentro os investimentos feito.
Em segundo lugar está o de importados, como:
brinquedos, eletrônicos e outros, também pela facilidade
de compra via Paraguai e a cotação do dólar próximo
do real, compensava que se os buscassem. Os produtos
importados via Paraguai chegam até as barracas com a
participação de uma outra categoria da economia informal, “as sacoleiras”, que geralmente têm um grau de
parentesco com o dono da banca, ou às vezes é o próprio
que exerce a atividade.
Com 20%, a atividade artesanato merece destaque, pois a maior concentração se encontra na Praça
Afonso Pena, aos sábados, sob a condição do poder
público, que permite a instalação na localidade somente
de trabalhos artesanais confeccionados pela própria
pessoa e membros da família; nesse caso, a maioria tem
no comércio ambulante a segunda fonte de renda, pois,
desses, 15%, expõem nos bairros; as duas situações
confirmam o conceito de economia informal do IBGE;
“toda atividade em que não há distinção entre o núcleo
familiar e o negócio”.
As demais atividades, como brinquedos nacionais
ou artesanais, que ocupam 7% dos camelôs; vestuário,
7%; 1% com perfumaria, 2% com cosméticos, são pouco representativos e se encontram nos bairros; na área
central nenhuma dessas atividades foi encontrada, isso
se justificando por ocorrer no centro a concorrência com
o mercado formal e a fiscalização mais rígida pelo poder
público municipal, ao passo que nos bairros passam a ser
atendidas as necessidades da população local.
Tabela 10 - Número de dias da semana trabalhados
Em relação aos dias trabalhados, 34% dos camelôs trabalham 5 dias, descansam dois dias da semana,
geralmente nos domingos e segundas, dias com menor
movimento nas ruas; a prefeitura permite que o vendedor
ambulante se ausente duas vezes do local determinado
por ela; 34% trabalham 6 dias da semana, descansando
somente um dia da semana, geralmente no domingo;
29%, trabalham 7 dias da semana, mas não exercem a
atividade todos os dias no local destinado pela prefeituRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
ra, já que mantêm o comércio ambulante no litoral nos
feriados e período de férias ou nas festas que acontecem
em diversos locais na cidade, nem sempre vendendo o
mesmo produto que expõem nas barracas, mas, sim,
outros, de fácil aceitação e locomoção.
Verifica-se que não há vendedor ambulante que
trabalhe menos de 8 horas/dia, conforme dados na tabela
a seguir.
128
Tabela 11 - Horas trabalhadas por dia
Pode-se perceber que o maior índice, o de 35%,
correspondente a 10 horas de trabalho por dia, aqui estando computados também os tempos gastos na montagem e
desmontagem das barracas e acomodação e retirada das
mercadorias.
Em relação ao motivo que os levou à
atividade de comerciante ambulante, pode-se verificar
que há uma diversidade, conforme a tabela 12.
Tabela 12 - Motivo que levou a esta atividade
Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, a
recessão econômica, no ínico dos anos 80, provocou o
decréscimo do Produto Interno Bruto, em 8,4% ao ano,
no período de 1983 a 1996; coincidentemente esse foi
também o período de crescimento do desemprego e da
economia informal, portanto observando-se os comerciantes ambulantes de São José dos Campos também
foi o desemprego, com 51%, o motivo que levou à
informalidade.
Dos 17%, que responderam baixo salário, a opção
pela informalidade justifica-se pelo ganho maior do que
na formalidade, junto a esse motivo está a flexibilidade
no horário, o fato de não haver patrão, na realidade
observa-se como prezam pela liberdade.
Tabela 13 - Tipo de atividade anterior
Com base nas informações da tabela 13, podese afirmar que o comércio ambulante de São José dos
Campos não é conseqüência direta do êxodo rural, pois
34% já trabalharam no comércio. A opção pela atividade
anterior de empregados na indústria, 21%, e 30% na
prestação de serviços, estão hoje na informalidade em
conseqüência do desemprego.
129
De acordo com os questionários aplicados e analisados, verificou-se o nível de expectativa de crescimento
do comércio ambulante do ponto de vista do próprio
camelô, conforme tabela 14.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Tabela 14 - Expectativa de crescimento
Os 65% que responderam “sim” apresentaram os
seguintes motivos: 28% afirmaram que não há concorrência; 42%, afirmaram que os salários estão baixos, portanto
as pessoas passam a procurá-los, pois suas mercadorias
são mais baratas; 22% afirmaram que a acessibilidade
ao produto facilita a venda, isto é, as pessoas que circulam pelas ruas encontram os produtos nas barracas com
maior facilidade; 8% afirmaram que o crescimento das
vendas está relacionado à exclusividade dos produtos
que vendem; dos 26%, que responderam que não têm
expectativa de crescimento do comércio ambulante ssim
justificaram: 45% afirmaram que a fiscalização é rígida
e acaba sendo empecilho, pois não podem diversificar
suas mercadorias; 27% afirmaram que a concorrência
tem aumentado, principalmente as lojas de preço único;
28% justificaram que a falta de capital para novos investimentos atrapalha o crescimento da atividade.
Com relação ao grau de satisfação com a atividade
que exerce, apenas 18% estão insatisfeitos, conforme
dados da tabela 15.
Tabela 15 - Grau de satisfação com a atividade de camelôs
Dos 82%, que responderam que estão satisfeitos,
24% disseram que estão satisfeitos com tudo, 6% gostam
do que fazem porque o salário é superior ao do trabalho
formal; 38% disseram que a satisfação está na liberdade
de horário e por não terem patrão; 32% relacionaram
a satisfação à amizade que fazem com os colegas e as
pessoas na rua. Já o nível de insatisfação, de 18%, está
relacionado ao trabalho excessivo, pouco dinheiro e a
fiscalização rígida do poder público municipal.
encontram meio de vida e possibilidades de inserção
na economia urbana de muitos indivíduos; se por um
lado é forma de sobrevivência de um grupo de que não
conseguiu se estabilizar no trabalho formal; por outro,
o trabalho exercido por esse tipo de comércio é avaliado
favoravelmente pelos consumidores porque se integra
na estrutura econômica do consumidor por atender suas
necessidades e ajusta-se ao próprio arcabouço cultural,
ao estilo e forma espontânea de vida deles.
Fica aqui caracterizada a função útil que o
comércio informal de ambulantes desempenha; nele
Foi perguntado também quais os bens que possuíam, conforme a tabela 16, abaixo.
Tabela 16 - Bens Adquiridos
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
130
Esses dados confirmam que os camelôs não
são tão pobres assim, pois mais da metade possui casa
própria e uma boa parcela tem os produtos de consumo
considerados básicos a um família; portanto, quando
questionados em relação ao momento em que adquiriam os produtos, obteve-se o seguinte resultado: 58%
adquiriram os produtos quando trabalhavam registrados
e 42%, adquiriram os bens de consumo trabalhando na
informalidade.
Pelos resultados obtidos, verificou-se que os
comerciantes ambulantes não se preocupam com a seguridade social.
Tabela 17 - Pagamento de I.N.S.S.
De acordo com a tabela 17.0 verifica-se que 80%,
não pagam o INSS, portanto não possuem seguridade
social, como aposentadoria, férias remuneradas, não são
assistidos pela Previdência Social, não possuem Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço e 13º salário, causando
assim um peso aos cofres públicos, já que a atividade
não tem recolhimento.
6. CONCLUSÃO
Para o camelô de São José dos Campos, segmento
da economia informal, o comércio ambulante não é mais
um subemprego, se for considerado o rendimento dessa
atividade relacionando-a ao nível de instrução do trabalhador. Para muitos, o rendimento na informalidade acaba
sendo superior ao que se ganhava no trabalho formal.
Por isso, o trabalho informal deixou de ser também um
estágio de trabalho temporário, com o objetivo futuro de
ingressar no mercado formal, considerando esta atividade
um trabalho e não um emprego.
Para o camelô, o emprego está distante de se tornar uma realidade em um momento de tantas exigências,
de avanço tecnológico cada vez mais rápido e exigente de
automação da produção e de subcontratação de atividades
de autônomos e de pequenas empresas. O camelô não se
encaixa em nenhuma dessas categorias de trabalho; mesmo sendo autônomo, a atividade desenvolvida por ele não
tem nenhuma relação com as exigências citadas acima,
mesmo porque são comuns aos setores mais avançados,
mesmo entre algumas categorias autônomas. Diante
dessa situação, pode-se dizer que, para os camelôs de São
José dos Campos, o trabalho no comércio ambulante é
de fato a forma que encontraram para sobreviver, dado
o baixo nível de instrução que possuem.
Os indicadores que motivaram o crescimento
do comércio ambulante de São José dos Campos estão
relacionados com o desemprego na indústria, a partir do
final da década de 80, considerando que mais de 50%
dos entrevistados afirmaram que estão nessa atividade
131
em conseqüência do desemprego. Outros indicadores
observados são o custo e a burocracia para ingressar no
mercado formal, somados aos baixos salários da formalidade. A opção da informalidade apresentada por 26%
dos camelôs está ligada ao fato de que ganham mais do
que estariam ganhando na formalidade.
O custo da informalidade para o comerciante ambulante é a falta de proteção jurídica, falta de seguridade
social e de não poder assegurar seus produtos, no caso de
perdas, roubos ou qualquer dano, sendo que todo o prejuízo é por conta do próprio camelô. O camelô, por não
tomar os caminhos legais, acaba desprotegido das formas
legais a que tem direito todo o comerciante formal.
Estes custos representam desvantagens para os
camelôs. No entanto, as vantagens de manter este tipo
de atividade está na ocupação de mão-de-obra desempregada, de pessoas portadoras de deficiência física, de
aposentados e de possibilitar a complementação de renda
das pessoas com baixo rendimento. Outra vantagem
está relacionada à possibilidade de o ambulante comprar produtos do comércio formal e de vender produtos
similares, ou mais baratos, às pessoas de baixa renda,
gerando renda.
Uma característica marcante entre os camelôs de
São José dos Campos é a relação que há entre a participação de membros da família nesta atividade. Esta relação
ocorre ainda com objetivo de ampliar o negócio, empregando parentes ou dando-lhes emprego. Esta questão não
foi dimensionada na pesquisa, porque houve resistência
dos entrevistados em respondê-la.
Uma coisa é certa entre os camelôs de São José
dos Campos: não são organizados, pois não possuem
sindicatos e nem associação, dependendo do apoio do
poder público municipal para melhor se organizarem.
7. BIBLIOGRAFIA
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PASTORE, J. A. Agonia do Emprego. São Paulo:
LTR, 1997.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
132
Elementos para um Projeto Nacional de Desenvolvimento
José Paulo Breda Destro *
Luiz Carlos Andrade de Aquino **
Resumo. Este artigo sintetiza uma reflexão crítica sobre a economia brasileira. Visa delinear o
panorama da fragilidade atual da economia política e, também, contribuir com elementos para
construção de um projeto autônomo de desenvolvimento.
Palavras-chave: Economia brasileira, desenvolvimento econômico.
Abstract. This work summarizes critical considerations on Brazilian economy. It presents an overview about the present weakness, and suggests elements related to the construction of an autonomous
development project.
Key words: Brazilian economy, economic development.
1. INTRODUÇÃO
“O mundo do tempo real busca uma homogeneização empobrecedora e limitada,
enquanto o universo do cotidiano é o
mundo da heterogeneidade criadora (...)
Os pobres não se entregam, descobrem a
cada dia formas inéditas de trabalho e de
luta.” (Milton Santos).
A assertiva de Milton Santos, sobre a racionalidade que predomina no pensamento social contemporâneo,
segundo a qual “...pequena margem é deixada à variedade, criatividade e espontaneidade...” (2001, p. 120)
inspirou o elenco de alguns tópicos, aqui apresentados,
que procuram contribuir para o debate sobre a construção
de um projeto autônomo de desenvolvimento do Brasil.
Não se pretende esgotar o assunto, haja vista a
complexidade que envolve a participação multissetorial
da sociedade brasileira. Mas, aqui, registram-se elementos que podem contribuir ao debate, crucial à nossa
soberania como Estado num mundo globalizado.
Preliminarmente, mencionam-se comentários
sobre a proposta de projeto da esquerda nacional, elaborada pelo Partido dos Trabalhadores. Em seguida,
apresentam-se as conseqüências ao epílogo do governo
de Fernando Henrique Cardoso, ressaltando, então, as
fragilidades do sistema econômico nacional, ampliadas
e dissimuladas por um marketing irresponsável. Tenta-
se, conforme ressalta Santos (2001), “despolitizar estatísticas”, permitindo a consciência da vulnerabilidade
econômica do Brasil. Nesse sentido, são apresentadas
estatísticas sobre aumento da porcentagem de inativos,
comércio exterior, opiniões de empresários, economistas,
cientistas políticos etc.
Focalizam-se, ainda, aspectos do estrangulamento
do financiamento da economia nacional para um projeto de desenvolvimento, tanto em nível externo, como
também interno. Posteriormente, apresentam-se alguns
elementos, contribuições a um projeto autônomo de desenvolvimento nacional. Finalmente, as Considerações
Finais sintetizam alguns pontos de destaque.
2. DESENVOLVIMENTO
Como projeto econômico de esquerda, vale
mencionar a opinião do Editorial de importantes jornais
sobre o Projeto Fome Zero do Partido dos Trabalhadores:
- (...) é pouco provável que, na ausência de propostas consistentes e não sintonizadas com múltiplos
segmentos da sociedade brasileira, atinjam-se resultados
(...) (Folha de São Paulo, 10-10-2001);
- (...) aumentará a dívida externa, sem possibilidade de resolver, de forma efetiva, o problema da miséria
nacional (...) (O Estado de São Paulo, 10-10-2001);
- (...) esse projeto é baseado em um programa
americano, com ações de longo prazo embasadas em
projetos de renda mínima, de incentivo à agricultura
*
Bacharelando do 2º ano do curso de Ciências Ju- familiar e, também, de reforma agrária, ingredientes
semelhantes aos programas sociais do governo FHC
rídicas
(Correio Braziliense, 17-10-2001).
da Univap.
** Professor da UNIVAP.
133
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Cabe enfatizar que, em se tratando de editoriais,
divulgam-se pontos de vista muitas vezes tendenciosos da
imprensa. Por outro lado, não se trata do posiciona-mento
de articulistas. Trata-se, isto sim, de um conjunto de
formas que acabam referendando a posição de agências
formadoras de opinião. E, principalmente, em se considerando a penetração desses meios e o teor do repúdio,
questiona-se, de antemão, a viabilidade dessas propostas.
Destarte, tendo-se em vista os problemas do modelo atual, a que são dirigidos os próximos parágrafos,
percebe-se a ausência de perspectivas para um projeto
nacional de desenvolvimento econômico. Um momento
de aporia sócio-econômica, que coincide com a possibilidade histórica de se tornar, “pela primeira vez, construído projeto nacional de desenvolvimento sob regime
democrático” (Sachs, 2001, p.490).
Alguns dados da economia brasileira são alarmantes, como, por exemplo, a queda do número de trabalhadores brasileiros. Apenas no período de setembro
de 2000 a setembro de 2001, o percentual de inativos
aumentou de 41,61% para 43,71% (Farid, 2001, comentando dados do IBGE).
Destacam-se, também, as dificuldades do setor
produtivo, convivendo com inflação de 6% ao ano, e
juros de 180% ao ano, privilegiando o setor financeiro,
segundo Ramon (2001) sobre a opinião de empresários
em recente encontro da APAS – Associação Paulista
de Supermercados. E, também, ao pífio desempenho
do comércio exterior, que baixou de 1% para 0,80% na
participação das exportações mundiais nos últimos 20
anos, enquanto alguns países europeus e asiáticos cresceram na base de 2,4% ao ano, uma diferença espantosa
(Moraes, 2001).
Convive-se hoje com uma dívida externa de
US$ 200 bilhões, e uma dívida interna de US$ 400
bilhões. Exportamos menos de U$ 50 bilhões por ano
e, descontando-se as importações e serviços da dívida,
necessitam-se US$ 30 bilhões em divisas ao ano para
equilibrar o balanço de pagamentos (Netto, 2001).
É desnecessário comentar os problemas do modelo econômico neoliberal, proposto externamente, e
seguido à risca pelo atual governo, cujas discordâncias
e divergências vêm à tona pelos discursos e entrevistas
de autoridades do próprio governo.
Pode-se citar, recentemente, as divergências entre
o tucano economista, José Serra, ministro da Saúde e
candidato à Presidência da República pelo PSDB, e o
atual ministro da Fazenda, Pedro Malan (Costa, 2001),
a ponto de já se antecipar o fim da “Era Malan”.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Cientistas políticos, sintonizados com o momento
atual, captam aproximações do empresariado nacional à
idéia da esquerda, endossando redução dos juros, flexibilização do Consenso de Washington e preocupação com
o modelo nacional de desenvolvimento. Uma posição
clara e objetiva do posicionamento dos empresários foi
defendida pela cientista social Eli Diniz, no 25º Encontro
da ANPOCS, em Caxambu (MG). Antônio Gois (2001)
transcreveu, via entrevista, o ponto de vista atualíssimo
e objetivo desta estudiosa, docente da UFRJ e membro
externo da FGV: “o empresário brasileiro já não teme
o PT, mas apóia FHC...”
Vive-se uma crise sem precedentes pela fragilidade de um modelo que demanda financiamento externo.
Esse migra para regiões que oferecem melhores condições de remuneração ou segurança. Trata-se de um dos
“pecados do capitalismo”, comprovado pela opinião
lúcida do Prof. de Economia do MIT, Lester Thurow,
em recente artigo (Thurow, 2001).
De modo que, numa economia globalizada, o
papel interventor do Estado, para promover o desenvolvimento, transfere-se ao FMI, BID etc., proprietários
efetivos do capital a ser investido que, entretanto, rapidamente retorna como serviço da dívida. E assinam-se
acordos que restringem ou elidem a liberdade de ação do
governo. A necessidade de subserviência a organismos
internacionais é uma questão da garantia do financiamento externo, cada vez mais difícil e necessário para
equilíbrio do balanço de pagamentos.
Por outro lado, não menos intrincada, encontra-se
a situação do financiamento interno. Os empresários brasileiros, avessos a dispor de suas fortunas pessoais para
financiar projetos com indubitável período de carência
e/ou sob pesado risco, sempre contaram com o Estado.
Porém, hoje, o Estado brasileiro não consegue arcar sozinho com o ônus do financiamento econômico. Pouco,
ou quase nada, restou das recentes privatizações. E a
saúde financeira nas escalas federal, estadual e municipal
encontra-se debilitada.
Neste sentido, seria fundamental os empresários
participarem de forma efetiva para um projeto nacional.
Resumem-se, assim, a situação crítica e as dificuldades
do financiamento interno e externo para a economia
brasileira.
Registram-se os elementos para um projeto autônomo de desenvolvimento, na tentativa de sintetizar
contribuições para um debate:
I. Pesquisa e Desenvolvimento de programas
próprios, setoriais e específicos para populações que
sobrevivem sob condições miseráveis e que não dispõem
134
de mínimas condições para participar dos atuais empregos tecnológicos. Trata-se, por exemplo, de indivíduos
que não têm acesso à linguagem escrita e constituemse em parcela substantiva da nação brasileira. Alguns
segmentos de construções populares, agro-negócios,
cooperativas, pequenas empresas têm-se mostrado capazes de absorver parcelas deste contingente excluído.
Nesta área, o Brasil conta, também, com o potencial do
seu mercado doméstico para superar efeitos da crise
econômica mundial, no caso de recessão internacional
induzida pela economia norte-americana;
II. Opção pelo descomprometimento com
a simples cópia de modelos anteriores ou externos,
buscando alternativas comprometidas com questões
sócio-econômicas nacionais. Trata-se, no fundo, de um
corolário do item anterior. Assim, por exemplo, a fase
de atrair e privilegiar multinacionais tem dado sinais de
esgotamento e, ao mesmo tempo, alavancado efeitos
mínimos para inclusão dos brasileiros. Pelo contrário,
tem se comprovado o “totalitarismo” imposto pelos seus
rígidos padrões de atuação, muitas vezes desconectados
da realidade nacional. Micros e pequenas empresas, cooperativas sob administração responsável e sintonizada
com um projeto autônomo de desenvolvimento (que,
infelizmente, não existe; mas, estamos elencando pontos
a serem observados) tendem a se apresentar, em linhas
gerais, mais afinados com a política nacional;
III. Promoção e desenvolvimento do entusiasmo
nacional: uma “revolução espiritual”. Resgatar o espírito
de agentes da História aos brasileiros e não permitir a
simples crença como vítimas de um processo injusto.
Isto implicaria fomentar, via lideranças legítimas, o
ânimo para cada pequena conquista do cotidiano de forma continuada. Que cada pequeno sucesso ou fracasso
viabilizasse a construção de uma cultura, identidade. Este
é um ponto delicado, pois, está ligado a uma atmosfera
que se funda através de valores comuns, capaz de transmitir energia positiva de vibração, permitindo-se vibrar
sob interferência construtiva, estendendo o círculo às
áreas mais remotas. Como, por exemplo, alguns efeitos
do Projeto Comunidade Solidária, fomentado pelo atual
governo. Ou da iniciativa de Colônias Penais Agrícolas,
pela iniciativa privada, para menores infratores;
IV. Resgate e instituição da criatividade. Significa
um corolário do item anterior. É, sobretudo, o tópico
frasal da obra do Milton Santos (Santos, 2001). Talvez,
seja um dos pontos mais importantes e, ao mesmo tempo,
mais difíceis, haja vista que a criatividade só é liberada,
à medida que situações de exclusão, injustiça social e
distribuição de renda sejam sanadas. Trata-se, portanto
de um desafio;
V. Liberdade para busca e comércio com grupos,
135
países, blocos dotados de complementaridade e atratividade econômicas, isto é, “parceiros cujas opções sejam
compatíveis com as nossas” (Singer, 2001, p.130). Ou
seja, evitar as imposições externas dos órgãos de financiamento internacional: FMI, BID etc. Impedindo, na
medida do possível, o esmagamento, dinamitação das
estruturas internas frágeis por imposição do capital, que
terminam por migrar alhures, conforme foi comentado
no financiamento externo. Uma política nesse sentido
teria, também, efeitos terapêuticos no sentido de revitalizar energias internas e externas, necessárias para o
item I. A busca livre e independente por parceiros compatíveis, de certa forma, é, também, corolário de II. De
modo a contar e depender mais do capital interno, que
se dinamiza com forças liberadas pela reestruturação
de parcerias; privilegiando excluídos internos grandes
(famílias detentoras de capital com pequenas opções de
investimento) e pequenos (população alijada do mercado
de trabalho atual), em vez de potências internacionais ou
transnacionais infinitamente corporativas, que se impõem
pela força, em detrimento do interesse nacional;
VI. Fomento de discussões e debates para construção do projeto de desenvolvimento, promovendo consenso setorial entre as camadas da sociedade brasileira.
É claro que existem obstáculos advindos da democracia
representativa, mas um projeto de desenvolvimento deve
ser escorado nos múltiplos segmentos, numa atmosfera
de solidariedade capaz
“de novas soluções, que não mais seriam
centradas no dinheiro, como na atual
fase da globalização, para encontrar
no próprio homem a base e o motor da
construção de um novo mundo” (Santos,
2001, p. 118).
Neste sentido, é que se cumprem elogios ao
Projeto Fome Zero, responsável pelo despertar de ricas
opiniões no final de 2001, ou como comenta Furtado:
“Aspectos que deveriam ocupar lugar preferencial em
nossas discussões” (2001, p. 425).
Poder-se-ia incluir, aqui, um número bem superior de elementos e dissecá-los com mais objetividade
econômica: quantificando por números e descrevendo
qualitativamente o projeto, a implementação e o impacto.
Tarefa que transcenderia o escopo deste trabalho, conforme foi comentado na Introdução.
Na missão do debate e da construção de um projeto de desenvolvimento, inquestionavelmente, deveriam
participar todos os cidadãos. E, sobretudo, adotada e discutida pela comunidade universitária, que infelizmente
vem se ausentando cada vez mais do importante processo
de crítica e produção de idéias sobre os rumos do País.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foram sintetizadas a situação sócio-econômica
frágil da República Federativa do Brasil e as dificuldades do financiamento externo e interno. Não se atentou
às causas, se conseqüência de um modelo econômico
neoliberal ao longo deste duplo mandato de FHC, de
graves problemas enfrentados na inserção à economia
globalizada etc. Entretanto, não se restringiu à descrição
do atual panorama da economia nacional.
Elencaram-se elementos básicos à construção
de um projeto, contribuindo com a necessidade de seu
efetivo debate pela sociedade brasileira, premida, na
atualidade, por delicada condição sócio-econômica.
Foram sublinhadas as forças internas, encorajando-se soluções independentes, autênticas (desvinculadas
da simples imitação de estereótipos internacionais),
capazes de contemplar a inclusão de parcelas ineptas
de participar do processo econômico nas circunstâncias
atuais.
Destarte, há possibilidade de um projeto autônomo de desenvolvimento, desvinculando-se da simples
cópia de soluções externas. A comunhão com parceiros
solidários à sinergia de um projeto nacional de desenvolvimento, reacendendo a motivação dos segmentos
sócio-econômicos, dos indiferentes ou dos excluídos. Um
debate que transcende o círculo do Distrito Federal e se
estende imanente aos elementos particulares da sociedade. Uma solução natural, inserida na “Physis” brasileira,
capaz de formatar um projeto ontológico com nossa
realidade frágil e toda sociedade, numa transformação
espiritual. E que seja sob a vibração de energia criativa,
característica do povo latino-americano.
Fica, aqui, uma mensagem de esperança, na certeza de possível “redescoberta pelos homens da verdadeira
razão (...) [que] Tal descobrimento se dê exatamente nos
espaços não conformes à racionalidade dominante, posto
que na esfera da racionalidade hegemônica, pequena
margem é deixada para a variedade, a criatividade, a
espontaneidade” (Santos, 2001, p. 120).
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Folha de São Paulo, São Paulo, 28 out. 2001, p. A10.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
136
Física do Sistema Cardiovascular
Mituo Uehara *
Kumiko Koibuchi Sakane *
Resumo. Neste estudo teórico sobre a mecânica do sistema cardiovascular, deduzem-se equações
diferenciais para fluxos sangüíneos e variações de volume de sangue em diferentes partes do sistema
cardiovascular. As equações são satisfeitas por valores médios das grandezas envolvidas e são úteis
para o estudo teórico de fenômenos transitórios. As equações deduzidas são aplicadas na explicação
do mecanismo de Frank-Starling, um importante mecanismo de controle da estabilidade do sistema
cardiovascular. Um parâmetro adimensional é proposto como medida da eficácia do mecanismo.
Palavras-chave: Mecânica cardiovascular, transitórios cardiovasculares, mecanismo de FrankStarling.
Abstract. A theoretical study of the cardiovascular mechanics is presented. Differential equations
for rate of blood flow and blood volume variations in different parts of the cardiovascular system are
derived. The equations are satisfied by average quantities and are useful for investigating transient
cardiovascular phenomena. The derived equations are used to explain the Frank-Starling mechanism,
a control mechanism that plays an eminent role in the maintenance of the cardiovascular system
stability. A non-dimensional quantity is proposed as a measure of that mechanism effectiveness.
Key words: Cardiovascular mechanics, Transient cardiovascular phenomena, Frank-Starling me-
1. INTRODUÇÃO
O coração humano é uma bomba dupla que
mantém o sangue circulando no sistema cardiovascular.
Costuma-se dizer, em fisiologia, que há dois corações:
coração direito e coração esquerdo. O volume de sangue ejetado por cada coração, por unidade de tempo, é
chamado de débito cardíaco, e existe um mecanismo de
controle, chamado mecanismo de Frank-Starling, que
mantém o balanço entre os débitos cardíacos direito
e esquerdo (Braunwald e Ross Jr., 1979; Guyton et al.,
1973; Jacob et al., 1992; Skarvan, 2000).
Na literatura, encontra-se somente uma explicação qualitativa daquele importante mecanismo, sem
qualquer referência a equações diferenciais para fluxos
sangüíneos e variações de volume de sangue em diferentes partes do sistema cardiovascular (McGeon 1996;
Berne e Levy 1997; Richardson et al., 1998).
Em geral, modelos matemáticos do sistema
cardiovascular são investigados através de simulações
numéricas que, em muitos casos, exigem muito tempo de
computação (Quarteroni, 2001). Entretanto, o mecanismo
de Frank-Starling, em seus pontos mais essenciais, pode
ser discutido analiticamente, através de equações diferenciais para valores médios de grandezas fisiológicas.
No presente trabalho, um sistema de equações
diferenciais, úteis para o estudo de transitórios no sistema
cardiovascular, é deduzido, e utilizado na explicação do
mecanismo de Frank-Starling.
2. TEORIA
Equações Diferenciais para o Sistema Cardiovascular
A figura 1 é um diagrama do sistema cardiovascular que consiste em uma bomba dupla, o coração, e duas
circulações distintas: sistêmica e pulmonar (McGeon,
1996; Berne e Levy, 1997).
* Professor(a) da UNIVAP.
137
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Fig. 1 - Diagrama do sistema cardiovascular
Cada coração tem dois compartimentos, átrio e
ventrículo, que periodicamente contraem e relaxam. A
contração e a relaxação são chamadas, respectivamente,
de sístole e diástole. Os compartimentos são sincronizados de tal modo que quando os átrios contraem os ventrículos relaxam e vice-versa. O átrio recebe e armazena
sangue durante a contração ventricular, e durante a diástole ventricular o sangue flui do átrio para o ventrículo.
O fluxo sangüíneo através da circulação sistêmica
depende da contração do ventrículo esquerdo, e o coração
direito bombeia o sangue para a circulação pulmonar,
onde o sangue é oxigenado e CO2 é eliminado. Um sistema de válvulas garante o sentido dos fluxos de sangue
como mostra a figura 1.
Seja vDi (t) o volume de sangue contido no coração direito no instante t.
Então, escrevemos a equação de continuidade
d[vDi(t)]/dt = QSi(t) – QDi(t)
(1),
dvEi(t)/dt = QPi(t) – QEi(t)
(3),
e
dvPi(t)/dt = QDi(t) – QPi(t)
(4),
onde as grandezas QEi(t) e QPi(t) são, respectivamente, o
débito cardíaco esquerdo, e o retorno venoso pulmonar.
As equações (1)-(4) fornecem
d(vEi + vDi + vSi + vPi)/dt = dV/dt = 0
que expressa a conservação do volume de sangue total
no sistema cardiovascular.
No estado estacionário o débito cardíaco esquerdo
instantâneo é uma função periódica do tempo que pode
ser escrita como
QEi(t) = QE + f(t),
onde QSi(t) é o retorno sistêmico venoso, isto é, a taxa
instantânea do fluxo de sangue (em litro/minuto) da circulação sistêmica para o átrio direito, e QDi(t) é o débito
cardíaco direito instantâneo. O índice superior i indica
valores instantâneos.
onde QD é o valor médio do débito cardíaco esquerdo,
dado por
Da mesma maneira, escrevemos, para os volumes
de sangue instantâneos na circulação sistêmica, no coração esquerdo, e na circulação pulmonar, respectivamente,
as equações
que é constante no tempo, e f(t) é uma função periódica
do tempo que tem valor médio igual a zero. T é o período
cardíaco.
dvSi(t)/dt = QEi(t) – QSi(t)
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
(2),
Durante um transitório cardiovascular, o débito
cardíaco esquerdo não é exatamente uma função perió138
dica do tempo, e, conseqüentemente, seu valor médio
num ciclo cardíaco varia no tempo. Com a finalidade de
estudar fenômenos transitórios, formulamos a hipótese
de que o débito cardíaco é aproximadamente dado por
QEi(t) = QE(t) + f(t)
(5),
onde f(t) e sua derivada são funções periódicas no tempo,
com valor médio igual a zero, e QE(t) é uma função que
varia lentamente com o tempo.
Da equação (5) segue-se que QE(t) é o valor médio
de QEi(t), e o valor da derivada dQEi(t)/dt é aproximadamente igual a dQE/dt .
O mesmo raciocínio pode ser aplicado a todas as
variáveis das equações (1)-(4), de modo que os valores
médios dessas equações são aproximadamente dados por
dvD/dt ≅ QS - QD (6)
dvS/dt ≅ QE - QS (7)
dvE/dt ≅ QP – QE (8)
e
dvP/dt ≅ QD - QP (9)
No estado estacionário as derivadas temporais
dos volumes médios de sangue são nulas e QD = QE =
Q S = QP .
Das equações (6)-(9) obtemos
dvE/dt ≅ - QE + QD – dvP/dt
(10)
e
dvD/dt ≅ QE – QD – dvS/dt
(11)
As funções ventriculares acoplam as equações
(10)-(11), como se mostra a seguir.
A Curva de Função Ventricular
Em 1895 Frank mostrou que o aumento do estiramento no ventrículo do coração de sapo, durante a
diástole, aumentava a pressão desenvolvida durante a
sístole (Richardson et al., 1998; Berne e Levy, 1997).
Em 1914 Starling (Richardson et al., 1998; Berne
e Levy, 1997) usou uma preparação do coração-pulmão
canino para demonstrar uma relação similar no coração
de mamíferos. Starling observou experimentalmente que
existe relação entre débito cardíaco e pressão de enchi139
mento do átrio direito. A última variável determina o
grau de enchimento do ventrículo e pode ser considerado
como uma medida do volume diastólico final ventricular,
que é aproximadamente igual ao volume médio de sangue no coração. Os dados obtidos por Starling mostram
que o débito cardíaco primeiro cresce e então decresce
quando a pressão de enchimento do átrio direito aumenta
(Elzinga, 1989; Richardson et al., 1998; Berne e Levy,
1997). A segunda parte da relação tem sido chamada
“ramo descendente da curva de Starling” e foi motivo de
controvérsias durante anos (Elzinga, 1989; Richardson
et al., 1998). Como a pressão de enchimento do átrio
direito é uma medida do volume médio de sangue contido no coração, podemos dizer que os débitos cardíacos
são funções dos volumes médios de sangue contidos
no respectivo coração. Então escrevemos as relações
QE = QE(vL) e QD = QD(vD) e que são chamadas funções
ventriculares.
Tem sido observado que, para a posição supina, o
ventrículo opera próximo ao máximo da função ventricular. Tentativas para aumentar o volume de enchimento
levam a uma aumento da pressão atrial, mas somente uma
pequena melhora no desempenho ventricular. Em contraste, na posição vertical, o ventrículo claramente opera
no ramo ascendente da sua curva e, conseqüentemente, a
administração de fluido pode aumentar consideravelmente a capacidade de bombeamento do coração. (Skarvan,
2000; Lee et al., 1986; Parker e Case, 1979).
Essas observações experimentais mostram que a
curva de função ventricular não é linear, e que, na posição
supina, o coração opera num ponto da curva ventricular
onde a derivada dQ/dv é menor que seu valor correspondente à posição vertical.
O mecanismo de Frank-Starling
O mecanismo de Frank-Starling é comumente
explicado da seguinte maneira: “O mais importante
mecanismo intrínseco envolvido no controle do débito
cardíaco é geralmente conhecido como lei de Starling do
coração ou mecanismo de Frank-Starling, em referência
aos dois fisiologistas que primeiramente o descreveram.
(...) A lei de Starling ajuda a explicar dois importantes
detalhes da função cardíaca, que são a igualdade entre
o débito cardíaco e o retorno venoso, e o fato de os
valores médios dos dois débitos cardíacos serem iguais.
Se o retorno venoso repentinamente aumentar acima do
débito ventricular, o sangue acumulará no ventrículo,
aumentando o volume diastólico final. A lei de Starling
prediz que esse fato levará a um aumento do débito cardíaco até que um novo estado seja alcançado em que o
débito cardíaco seja igual ao retorno venoso. Como o
débito de um ventrículo é responsável pelo retorno venoso do outro lado do coração na circulação integral, este
mecanismo também garantirá que os débitos cardíacos
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
dos dois ventrículos se mantenham iguais. Por exemplo,
se o débito cardíaco do ventrículo esquerdo aumentar, o
retorno venoso direito aumentará e, conseqüentemente, o
débito ventricular direito aumentará” (McGeon, 1996).
As explicações qualitativas acima são baseadas
em afirmações que são mais precisamente expressas pelas
equações (6)-(9) e pela hipótese de que ambos os corações trabalham na parte ascendente da curva de função
ventricular. Por exemplo, a afirmação de que um aumento
do retorno venoso acima do débito ventricular levará a um
aumento em débito cardíaco é expressa pelas equações
(6) e (8), juntamente com a hipótese mencionada.
Introduzindo as expressões para as funções ventriculares nas equações (10) e (11) obtemos
dvE/dt = - QE(vE) + QD(vD) – dvP/dt (12)
e
dvD/dt = QE(vE) – QD(vD) – dvS/dt (13)
onde, por simplicidade, substituímos o símbolo ≅ pelo
símbolo de igualdade.
A distribuição do volume de sangue no sistema
cardiovascular depende da postura do corpo em relação
ao campo gravitacional. Por exemplo, o volume médio
de sangue na circulação pulmonar e no coração é maior
na posição deitada do que na posição vertical, pois a gravidade induz uma redistribuição do volume de sangue no
sistema cardiovascular (Skarvan, 2000; Lee et al., 1986;
Parker e Case, 1979; Berne e Levy, 1997). A eficácia
com que o volume de sangue é redistribuído depende do
coração e de características vasculares. Os termos dvP/dt
e dvS/dt representam a resposta vascular à perturbação
do sistema, e eles dependem da viscosidade de sangue,
da geometria e propriedades elásticas do sistema de vasos sangüíneos, medidos por sua complacência (Berne
e Levy, 1997). Se os vasos sangüíneos fossem rígidos,
aquelas derivadas seriam nulas.
Supondo que, durante o transitório, vS e vP sejam
constantes, isto é, desprezando a complacência vascular,
as equações (12)-(13) se reduzem a
dvE/dt = - QE(vE) + QD(vD)
(14)
e
dvD/dt = QE(vE) – QD(vD)
(15)
As equações (14)-(15) contêm somente grandezas
fisiológicas relacionadas ao coração, o elemento ativo do
sistema, de modo que elas explicam o papel do coração
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
no mecanismo de controle.
Nas equações acima os débitos cardíacos médios,
QE e QD, são funções implícitas do tempo, sendo as
derivadas temporais dadas por
dQE/dt = (dQE/dvE).(dvE/dt) = (dQE/dvE)[QD(vD) –
QE(vE)]
(16)
e
dQD/dt = (dQD/dvD).(dvD/dt) = (dQD/dvD)[QE(vE)
– QD(vD)] (17)
O coração normalmente trabalha na parte ascendente da curva de função ventricular, onde as derivadas
dQE/dt e dQD/dt são positivas. No estado estacionário os
débitos cardíacos direito e esquerdo são constantes
e iguais entre si, isto é, QD = QE e dQE/dt = 0 =
dQD/dt. Se, por alguma razão, QE se tornar maior que QD,
as equações (16) e (17) mostram que dQE/dt torna-se negativa, ao passo que dQD/dt torna-se positiva. Conseqüentemente, QE decrescerá e QD crescerá, com o aumento do
tempo, de modo que a diferença entre os débitos direito
e esquerdo diminuirá até que o estado estacionário seja
restaurado. Este é o mecanismo de Frank-Starling ou a
lei de Starling do coração. Como uma medida da sua
eficácia definimos a grandeza adimensional
ϕ (vE, vD) = T[dQE/dvE + dQD/dvD] (18)
onde T é o período cardíaco e as derivadas são calculadas no ponto de operação do coração. Chamaremos ϕ
eficácia do mecanismo de Frank-Starling e observamos
que ϕ é, em geral, uma função de duas variáveis, vE e
vD. No estado estacionário vE = vD e, neste caso, ϕ pode
ser visto como uma função somente de uma variável v
= vE = vD .
As equações (16)-(18) fornecem
d(QE – QD)/dt = - (QE - QD)[dQE/dvE + dQD/dvD]
= - (QE – QD) ϕ /T
(19)
Se, devido a alguma razão, o débito cardíaco
esquerdo se tornar maior que o direito, ambos os débitos variarão no tempo e a diferença entre eles variará
de acordo com a equação (19). Se ambos os corações
trabalham na parte ascendente da curva de função ventricular, as derivadas dQE/dvE e dQD/dvD são positivas e,
neste caso, a equação (19) mostra que a diferença entre
os débitos cardíacos esquerdo e direito diminuirá até que
o estado estacionário seja restaurado. O valor positivo
da quantidade ϕ expressa o fato de que o mecanismo de
140
Frank-Starling é eficiente em restaurar o estado estacionário do sistema cardiovascular. Além disso, para valores
positivos, quanto maior o valor de ϕ mais rápido o estado
estacionário é alcançado.
Se ambos os corações trabalham no ramo descendente de curva de função ventricular, as derivadas
dQE/dvE e dQD/dvD são negativas e, conseqüentemente, a
quantidade ϕ é também negativa. Neste caso a equação
(19) mostra que a diferença entre os débitos cardíacos
direito e esquerdo aumentará continuamente no tempo, de
modo que o mecanismo de Frank-Starling está completamente exaurido como o mecanismo de controle, fato que
é expresso pelo valor negativo da grandeza ϕ. Portanto,
está provado matematicamente que ambos os corações
não podem trabalhar no ramo descendente da curva de
função ventricular, justificando a explicação qualitativa
que se encontra na literatura (Richardson et al., 1998).
Se, durante o transitório, as derivadas dQE/dvE
e dQD/dvD não variarem muito, de modo que possam
ser consideradas constantes no tempo, a grandeza ϕ
será aproximadamente constante, e a equação (19) tem
a solução
QE(t) – QD(t) = [QE(0) - QD(0)]exp[-(ϕ/T)t] (20)
Nesta aproximação linear, a diferença entre o débito cardíaco esquerdo e o direito decresce exponencialmente com o tempo, com uma constante em tempo igual
a T/ϕ, se ϕ é positivo, e cresce exponencialmente se ϕ é
negativo. Por isso, nesta aproximação, para ϕ positivo, a
duração do transitório é inversamente proporcional a ϕ.
Supondo, por simplicidade, que as funções
ventriculares esquerda e direita tenham a mesma forma
matemática, escrevemos QE(vE)=Q(vE) e QD(vD)=Q(vD).
Então, para estados estacionários, a equação (18) se
reduz a
ϕ (v) = 2T(dQ/dv)
(21)
Como, na parte ascendente da curva de função
ventricular, dQ/dv decresce com o aumento de v, a eficácia do mecanismo de Frank-Starling é maior na posição
vertical do que na posição deitada.
Uma estimativa aproximada de ϕ pode ser feita
utilizando dados experimentais encontrados na literatura.
Estudos circulatórios em oito atletas apresentaram, na posição deitada, em repouso, os valores médios
(Bevegard et al., 1963): débito cardíaco Q = 9,18 l/min;
volume total de sangue V = 7,51 l ; pulsação cardíaca
1/T = 63 pulsações/min. O volume de sangue contido em
ambos os corações é ~7,2 % do volume total de sangue
(McArdle et al., 1998). Então o volume de sangue em
141
cada coração é v = 0,270 l .
Com esses valores, e supondo a aproximação de
que Q é proporcional a v, achamos ϕ ≅ 2TQ/v ≅ 1,08.
Como a função ventricular não é linear e d2Q/dv2 < 0,
no ponto correspondente à posição deitada (Skarvan,
2000; Lee et al., 1986; Parker e Case, 1979 ), escrevemos
ϕ(deitada) <1,08 < ϕ(vertical). Uma melhor estimativa
de ϕ poderia ser feita se existissem dados completos para
a função ventricular.
Como qualquer quantidade fisiológica, ϕ varia
de pessoa para pessoa e de momento para momento, de
modo que seus valores numéricos são significativos quando utilizados para se comparar o sistema cardiovascular
de pessoas diferentes, ou da mesma pessoa em diferentes
condições físicas e de saúde.
Consideremos a insuficiência cardíaca congestiva.
De acordo com observações experimentais, a curva de
função ventricular é achatada comparada com a curva do
coração normal. Em virtude da capacidade de adaptação
cardiovascular, é possível que o débito cardíaco seja
quase normal, embora o miocárdio esteja severamente
doente. Experimentos com cães mostram que se pode
reduzir a fração de ejeção ventricular sem uma diminuição significativa do débito cardíaco. No entanto, para
manter o débito cardíaco normal, o coração precisa dilatar
(Komamura et al., 1993; Richardson et al., 1998; Berne
e Levy, 1997; Jacob et al., 1992; Weber et al., 1982).
Estas observações podem ser expressas matematicamente através do parâmetro ϕ que para o coração
deficiente é menor que o valor normal.
Redistribuição do volume de sangue
Consideremos uma situação em que o ser humano
muda da posição sentada para deitada. Então, o sangue
será redistribuído entre a circulação sistêmica e pulmonar,
e as grandezas cardiovasculares mostrarão uma variação
transitória no tempo de acordo com as equações (12)(13), que fornecem
d(vE – vD)/dt = - 2QE + 2QD – d(vP - vS)/dt
Sejam tI e tF , respectivamente, os instantes inicial
e final da redistribuição do volume de sangue. Integrando
as equações acima entre tI e tF, e considerando que, no
estado estacionário, os volumes médios de sangue contidos nos corações direito e esquerdo são iguais, obtemos
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
(22)
Num movimento da posição sentada para a deitada, a integral é positiva, pois o volume médio de sangue
na circulação pulmonar (sistêmica) é maior (menor) na
posição deitada do que na posição sentada. Portanto,
durante a redistribuição do volume de sangue entre a
circulação pulmonar e sistêmica, a variação transitória
temporal dos débitos cardíacos esquerdo e direito não
podem ser iguais, isto é, QD(t) deve ser necessariamente
diferente de QE(t).
QD(t) e QE(t) dependem de como a pessoa se
move da posição inicial para a final, mas a integral
depende somente da variação do
volume de sangue na circulação pulmonar e sistêmica,
isto é, depende somente dos estados estacionários inicial
e final. No entanto, DvP e DvS dependem do volume total
de sangue e de características dos vasos sangüíneos.
O valor médio da diferença entre QD(t) e QE(t),
durante o transitório D = tF - tI , é dado por [QD – QE]
. D = [DvP - DvS]/2. Então, a duração do transitório
médio
é inversamente proporcional a (QD – QE)médio .
A duração do transitório depende da velocidade
com que a pessoa se move de uma posição para outra.
Quanto mais rápido o movimento menor será a duração
do transitório. No entanto, D não pode igual a zero, pois
quando D → 0, (QD – QE )médio → ∞ . Portanto, D deve
satisfazer à condição D ≥ Dmin > 0, onde Dmin é a duração
mínima, que ocorre quando (QD – QE)médio for máximo.
A duração mínima não depende somente do coração,
mas também das características dos vasos sangüíneos.
Como a solução expressa pela equação (20) foi obtida
desprezando-se a complacência vascular, escrevemos
Dmin > T/ϕ.
A quantidade adimensional T/Dmin é uma medida
da eficácia do sistema na redistribuição do volume de
sangue entre a circulação pulmonar e a sistêmica.
Dmin não pode ser determinado pela presente teoria
porque são necessárias mais duas equações para completar o conjunto de equações para vL, vR, vS e vP . Mas, Dmin
pode ser medido experimentalmente observando o tempo
necessário para o sistema cardiovascular restaurar o estado estacionário alterado por uma mudança de posição
em relação à gravidade. Qualquer grandeza mensurável
que varie em conseqüência do transitório cardiovascular
pode, em princípio, ser útil para a estimativa de Dmin .
Enfatizamos o fato de que todas as conclusões teRevista UniVap, v.9, n.16, 2002
óricas, referentes ao mecanismo de Frank-Starling, foram
deduzidas das equações (12)-(13), sem supor uma forma
particular para a função ventricular, de modo que elas
são úteis para simulações numéricas em que diferentes
formas de função ventricular podem ser consideradas.
3. DISCUSSÃO E RESULTADOS
Foram deduzidas duas equações diferenciais para
valores médios de fluxos sangüíneos e das variações do
volume de sangue em diferentes partes do sistema cardiovascular. Elas são úteis para o estudo de transitórios no
sistema cardiovascular. O sistema de equações (12)-(13)
não constitui um conjunto completo de equações, pois há
somente duas equações e quatro variáveis fisiológicas. A
dedução das outras duas equações é essencial para um
completo entendimento de fenômenos transitórios do
sistema. Apesar disso, a presente teoria é útil para discutir
analiticamente alguns pontos essenciais do mecanismo
de Frank-Starling.
O mecanismo de Frank-Starling pode ser explicado matematicamente pelo sistema de equações (12)-(13).
A grandeza ϕ, definida pela equação (18), representa
a medida da eficácia deste mecanismo. ϕ depende da
função ventricular e do ponto de operação do coração.
Em contraste com a presente teoria, a explicação qualitativa do mecanismo de Frank-Starling, encontrada na
literatura, não pode fornecer uma medida da sua eficácia.
Foi demonstrado matematicamente que ambos os
corações não podem trabalhar no ramo descendente da
curva de função ventricular porque, neste caso, o mecanismo de Frank-Starling estaria completamente exaurido
como um mecanismo de controle, fato que é expresso
pelo valor negativo de ϕ .
Quando uma pessoa se move em relação ao campo
gravitacional, por exemplo, da posição sentada para a
deitada, o estado estacionário é perturbado. A variação
temporal dos débitos cardíacos direito e esquerdo, durante a perturbação, não é a mesma, de modo que o volume
de sangue é redistribuído entre a circulação pulmonar e
a sistêmica. A duração do comportamento transitório do
sistema cardiovascular depende da velocidade com que
se move de uma posição para outra. De acordo com esta
teoria, a duração do transitório não pode ser arbitrariamente pequena, pois o sistema cardiovascular precisa
de algum tempo para restaurar o estado estacionário, de
modo que há uma duração mínima para o transitório.
Devido à falta das duas equações, a presente teoria não
pode determinar essa duração mínima que depende de
características do coração e dos vasos sangüíneos.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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143
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Carregadores de Drogas – Possibilidade de Utilização de
Polissacarídeos Modificados
Máira Regina Rodrigues *
Milton Beltrame Júnior *
Resumo. Atualmente, sistemas carregadores de drogas têm sido estudados e desenvolvidos com o
propósito de direcionar efetivamente as drogas para órgãos específicos do corpo, evitando, assim,
efeitos desagradáveis ao paciente. Informações sobre os microdomínios formados por polissacarídeos naturais ou quimicamente modificados em solução são de grande importância quando se deseja
utilizá-los para o desenvolvimento de sistemas carregadores de drogas de ação específica. O presente
artigo discorre sobre sistemas carregadores de drogas em geral e apresenta informações específicas
sobre sistemas carregadores de drogas baseados em polissacarídeos, possibilidades de utilização,
modificações estruturais e avaliações dos microdomínios.
Palavras-chave: Biomateriais, carregadores de drogas, polissacarídeo anfifílico, microambiente
hidrofóbico.
Abstract. Presently, drug-delivery systems have been studied and developed with the purpose of effectively direct the drugs to specific organs of the body, avoiding, that way, the unpleasant side-effects
for the patient. Information on microdomains formed by natural or chemically modified polysaccharides in a solution are of great importance when the intention is to use them as delivery systems for
action-specific drugs. The present article provides a general view of the drug-delivery systems and
presents specific information on drug-delivery systems based on polysaccharides, the possibilities
for their usage, structural modifications and the evaluations of the microdomains.
Key words: Biomaterials, drugs delivery, amphiphilic polysaccharide, hydrophobic microenviron1. INTRODUÇÃO
Nos dias atuais, estudos relacionados a drogas inteligentes têm recebido uma atenção especial devido seu
caráter multidisciplinar e altamente especializado. Estes
estudos visam a interação da droga somente com as partes
doentes do organismo humano sem causar efeitos colaterais desagradáveis ao paciente. Neste sentido, os sistemas
carregadores de drogas surgem como alternativa viável
por apresentarem algumas vantagens sobre as injeções
e comprimidos tradicionais: direcionamento da droga a
um sítio de ação particular, bem como a liberação dela a
uma taxa predeterminada e constante (Chandra, 1998).
A droga pode ser encapsulada em uma membrana
ou em uma matriz polimérica, e a erosão ou dissolução do
polímero contribui para o mecanismo de liberação (Zambaux, 2000). Outras vezes, a droga é ligada a um sítio
específico do polímero e pode ser liberada pela clivagem
da ligação. A seletividade é alcançada graças ao uso de
ligações que são clivadas somente sob certas condições,
por exemplo, por enzimas do fígado (Chandra, 1998).
* Professor(a) da UNIVAP.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Um material é classificado biodegradável quando,
sob ação de agentes biológicos e sob condições adequadas de umidade, temperatura e disponibilidade de oxigênio, é passível de sofrer processos relativamente rápidos
de biodegradação e bioerosão. O termo biocampatível
refere-se ao material com características que permitam
sua interação com um sistema biológico. Desta forma,
materiais com características biodegradáveis e biocompatíveis, naturais e sintéticos, vêm sendo desenvolvidos
e estudados para utilização como carregadores de drogas.
A partir deles, vários sistemas carregadores de drogas têm
sido propostos como, por exemplo, micelas poliméricas
(Kim, 2000), lipossomas (Smith, 1990), nanopartículas
(Cho, 2001; Oh, 1999), microesferas poliméricas (Nordmark, 2000; Gupta, 1989) e hidrogéis (Chandra, 1998).
Hidrogéis são redes tridimensionais de polímeros
insolúveis e com habilidade para reter grandes volumes
de água sem sofrer dissolução. Eles vêm sendo muito
utilizados em aplicações biológicas e médicas por fornecerem uma barreira física para reter células juntamente
com alto conteúdo de água, permitindo a difusão de
nutrientes. Algumas vezes o hidrogel produzido não é
144
biodegradável e a droga é liberada por difusão; outras
vezes o hidrogel é utilizado em seu estado desidratado
e, ao contato com a água, a droga solúvel é liberada
enquanto a água é absorvida (Chandra, 1998).
1.1 Pesquisas sobre sistemas carregadores de drogas
Em terapia fotodinâmica (Rousset, 1999; Mantareva, 1997; Michailov, 1997) a baixa solubilidade de
alguns fotossensibilizadores, como as ftalocianinas, freqüentemente impede sua injeção diretamente na corrente
sangüínea, e este problema é contornado pela utilização
de sistemas carregadores como lipossomas (Wöhrle,
1999) e polímeros biodegradáveis (Yapp, 1999). Por
outro lado, a toxicidade de certas drogas aplicadas nesta
modalidade terapêutica é um fator limitante da dose a
ser utilizada e do tempo de tratamento. A liberação lenta
da droga no local lesado e, portanto, a possibilidade de
utilização de maior concentração por mais tempo, pode
ser conseguida por sua inclusão em um polímero biodegradável (Yapp, 1999).
Microesferas biocompatíveis e biodegradáveis
dos polímeros sintéticos poli(ácido láctico) e poli(ácido
láctico-co-glicólico) têm-se mostrado sistemas carregadores bastante promissores tanto para vacinas (Kofler,
1996), como para agentes terapêuticos direcionados a
infeções, incluindo o vírus da imunodeficiência humana
(HIV) (Akhtar, 1997).
Apesar da possibilidade da aplicação das nanopartículas como sistemas carregadores, a maior preocupação
é que durante a liberação da droga em fluidos fisiológicos
(por exemplo, o sangue) ou em órgãos (por exemplo,
pulmões), estas partículas interajam com outros componentes do ambiente. Por isso, as características de superfície devem ser corretamente projetadas para maximizar
interações favoráveis. Partículas de poli(ácido láctico) e
poli(ácido glicólico) recobertas de poli(etileno glicol) têm
sido sintetizadas com este propósito, e uma importante
característica obtida é um maior tempo de circulação no
ambiente fisiológico objetivado com poucas interações
indesejáveis (Hrkach, 1997).
Embora as ligações intercruzadas em polímeros
venham sendo extensivamente usadas como um método de preparação de hidrogel, relativamente poucos
trabalhos têm sido relatados sobre a preparação de
hidrogéis biocompatíveis via fotopolimerização de
polímeros solúveis em água. Sistemas fotoiniciadores
para preparação de hidrogel incluem: 1) polimerização
iniciada via radical livre, por luz ultravioleta ou visível,
de grupos acrílicos ligados a um polímero solúvel em
água e 2) fotodimerização de grupos fotossensíveis,
como cinamato ou cumarina, que são adicionados como
grupos terminais de polímeros hidrofílicos (Andreopoulos, 1996). A fotopolimerização, sob irradiação de luz
145
ultravioleta, de poli(etileno glicol) contendo um grupo
cinamato produz hidrogel não iônico solúvel em água,
avaliado para utilização como carregador de droga. O
intercruzamento é realizado pela fotoadição entre um
grupo cinamato no estado excitado de uma cadeia com o
grupo cinamato no estado fundamental contido em outra
cadeia (Andreopoulos, 1996). Seguindo a mesma técnica,
hidrogéis de poli(etileno glicol)) – co – poli(α - hidroxi
ácido) (Elisseeff, 1997) e de poli(L-ácido láctico – co – L
–ácido aspártico) (Elisseeff, 1997) hábeis a sofrer erosão
por via biológica têm sido produzidos por fotopolimerização, fornecendo, portanto, uma alternativa viável para
a produção de carregadores de drogas.
Estudos com oligômeros de poli (D,L-ácido
láctico) revestidos com 1,2-propileno glicerol demonstraram ser bons candidatos a carregadores de drogas,
especialmente em relação ao ácido salicílico (Andreopoulos, 1996).
2. POLISSACARÍDEOS (WHISTLER, 1973; INGRAM, 1966)
Juntamente com monossacarídeos e oligossacarídeos, os polissacarídeos fazem parte de uma classe
de compostos chamados carboidratos. Inicialmente, os
carboidratos receberam este nome pelo fato de a fórmula
empírica geral de muitos deles ser Cn(H2O)n. Essa fórmula
contribuiu para a crença primitiva de que este grupo de
compostos poderia ser representado como hidratados
de carbono. Com a descoberta de outros compostos que
tinham as propriedades gerais dos carboidratos, mas
continham em sua molécula nitrogênio ou enxofre, além
de carbono e hidrogênio, observou-se que a definição
não era adequada.
Polissacarídeos são polímeros naturais de cadeia
longa, de estrutura linear ou ramificada e alta massa molar, compostos de unidades simples de monossacarídeos.
Eles podem possuir função estrutural ou exercer um papel
de armazenador de energia. Todos podem ser hidrolisados
por ácidos ou enzimas, fornecendo monossacarídeos e/
ou derivados de monossacarídeos.
A Figura 1 contém a estrutura de alguns polissacarídeos.
Por serem não-tóxicos, biocompatíveis, biodegradáveis, de fácil solubilização, capazes de formar
hidrogel ou cristal líquido, inertes em sistemas biológicos
e abundantes na natureza, alguns polissacarídeos apresentam certas vantagens sobre outros materiais quanto
à sua utilização em aplicações biomédicas, bem como
na produção de sistemas carregadores de drogas. Em
particular, a modificação na estrutura de determinado
polissacarídeo, por introdução de grupos hidrofóbicos ou
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
hidrofílicos, pode contribuir para otimizar sua aplicação
como carregador de droga.
Dentre os polissacarídeos que mais têm sido
utilizados na produção de biomateriais estão: dextrana,
pululana, amilopectina, ácido hialurônico, quitosana e
celulose. Particularmente, este último tem sido o mais
utilizado em formulações tradicionais de sistemas carregadores de drogas (Davies, 2000).
Centenas ou milhares de moléculas de glicose ligadas dão
origem à dextrana, um polissacarídeo bacterial que pode
ser sintetizado por vários organismos, mas que tem sido
produzido comercialmente somente a partir das bactérias
Leuconostoc mesenteroides e Leuconostoc dextranium
sob influência da enzima dextrana sacarose (Chandra,
1998; Ingram, 1966).
O monossacarídeo glicose, constituído de seis átomos de carbono, é o mais abundante e o mais importante
encontrado na natureza. Unidades de glicose ligam-se
por pontes de oxigênio, chamadas ligações glicosídicas.
Fig. 1 - Estrutura de alguns polissacarídeos
Em dextranas a ligação glicosídica ocorre entre o
carbono C-1 de uma unidade glicose com configuração
α e o carbono C-6 de outra unidade glicose, formando
o que se denomina ligação α-1,6. Além das ligações
normais α-1,6 as cadeias podem conter ramificações
curtas, constituídas de uma única unidade de glicosil por
ligação α-1,3 a cada 20-30 resíduos de cadeia principal.
O polissacarídeo dextrana exibe capacidade
anticoagulante semelhante à heparina (Krentsel, 1997),
ação de inibição sobre células tumorais (Bittoun, 1999;
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
Bagheri-Yarmand, 1997) e sobre a infeção do vírus da
AIDS quando em concentrações próximas a 10 µg / mL
(Yoshida, 1990). Também, a dextrana é degradada no
organismo humano pela enzima dextranase do cólon e,
por isso, além da biocompatibilidade, tem sido utilizada
em carregadores de drogas específicos.
Em particular, o hidrogel de metacrilato glicidil
dextrana / poli(etileno glicol) dimetacrilato tem mostrado
propriedades físico-químicas úteis e viabilidade como
carregador de drogas hidrofóbicas (Kim, 2000).
146
Biomateriais compostos de lipossomas recobertos com polissacarídeos têm sido extensivamente
estudados para aplicação em sistemas carregadores de
drogas. A utilização do polissacarídeo visa uma maior
especificidade do sistemas e, neste sentido, pululana,
amilopectina e dextrana têm sido utilizados (Kobayashi,
1986; Sunamoto, 1992).
modificados (Chandra, 1998; Ingram, 1966)
Quitosana é um amino-polissacarídeo linear
composto de unidades de β-D-glucosamina unidas por
ligações 1,4, proveniente de conchas de crustáceos.
Estudos têm demonstrado uma eficiência maior de esponjas de quitosana sobre outros carregadores devido a
suas propriedades de mucoadesão e sua habilidade para
flutuar, o que permite sua utilização tanto por via nasal,
como por via oral (Oungbho, 1997).
Em sistemas macromoleculares o caráter anfifílico está diretamente relacionado à quantidade de grupos
hidrofóbicos e hidrofílicos presentes na cadeia. Em polímeros sintéticos, naturais ou quimicamente modificados,
os grupos hidrofóbicos são as cadeias carbônicas longas
e os grupos hidrofílicos são grupos polares (aniônicos,
catiônicos ou não-iônicos) ligados a ela.
Glicolipídeos, glicoproteínas e mucopolis-sacarídeos fazem parte da capa celular das células animais. Os
mucopolissacarídeos são substâncias gelatinosas de alta
massa molar que ao mesmo tempo lubrificam e servem
de cimento ligante. O ácido hialurônico é um lubrificante natural das juntas ósseas, encontrado também no
cordão umbilical; é solúvel em água, formando soluções
viscosas. É composto de unidades alternadas de ácido Dglucurônico e N-acetil-D-glucosamina ligados por uma
unidade β-1,3, formando um dissacarídeo. Cada dissacarídeo liga-se ao próximo por β-1,4 em várias unidades
que se repetem. Soluções aquosas de ácido hialurônico
não formam hidrogel, exceto se a massa molar do polímero e / ou a concentração são extremamente altas. Um
caminho para modificar esta propriedade e favorecer a
utilização como carregador de drogas é transformá-lo em
seu derivado anfifílico para que haja associação hidrofóbica em solução aquosa (Pelletier, 2000).
Nanopartículas são partículas coloidais de tamanho variando de 10 a 1.000 nm. São aplicadas em vários
campos das ciências da vida como em diagnósticos
clínicos, estudos histológicos e sistemas carregadores de
drogas. No último caso, a aplicação de nanopartículas é
de interesse particular devido a algumas vantagens como
ação adequada na liberação da droga, fácil purificação e
esterilização. Muitos estudos têm sido relatados sobre a
modificação da superfície da nanopartícula, em especial,
por polissacarídeos solúveis em água visando melhora
no tempo de liberação da droga e no tempo de circulação
no sangue (Cho, 2001).
Moléculas anfifílicas possuem duas partes, uma
das quais tem afinidade pelo solvente e a outra não.
Quando o solvente é a água, são utilizados os termos
hidrofílico para a parte solúvel em água e hidrofóbico
para a parte insolúvel em água (Kalyanasundaram, 1987).
O estudo de polissacarídeos modificados mostra
que a introdução de grupos hidrofóbicos ou hidrofílicos
na estrutura pode causar a associação intercadeias, que
será dependente da natureza do substituinte, bem como
do grau de substituição.
A substituição de grupos hidrofílicos, como,
por exemplo –OH, por grupos hidrofóbicos, como,
por exemplo, cadeias alquílicas longas, na estrutura
de polissacarídeos, favorece a associação intra e intermolecular e resulta na formação de grandes agregados
que induzem alterações em algumas propriedades de
polissacarídeos como, por exemplo, viscosidade, tensão
superficial, solubilidade, além de diminuir a polaridade
da macromolécula.
Agregados de sistemas macromoleculares anfifílicos comportam-se de forma similar às micelas de
surfactantes que se formam somente acima de uma certa
concentração, a concentração micelar crítica (cmc). No
caso de polissacarídeos, a concentração a partir da qual
começam a formar-se os agregados chama-se concentração de agregação crítica (cac) (Kalyanasundaram, 1987).
Como mencionado anteriormente, informações
sobre os microdomínios formados por polissacarídeos
naturais ou quimicamente modificados em solução são
de grande importância quando se deseja utilizá-los para
o desenvolvimento de sistemas carregadores de drogas
de ação específica. Neste sentido, vários estudos têm
sido realizados.
Por causa de sua origem e estrutura, ciclodextrinas
podem ser caracterizadas como carboidratos e, devido à
propriedade de formar complexos com grande número de
compostos em solução aquosa, têm sido utilizadas como
carregadores de drogas (Chandra, 1998).
Estudos fotofísicos conduzidos em soluções
aquosas de quitosana mostram um aumento da hidrofobicidade do microambiente formado em solução com o
aumento da concentração do polissacarídeo, sugerindo
uma associação intermolecular de cadeias poliméricas
de quitosana (Amijy, 1995).
2.1 Estudos em sistemas anfifílicos de polissacarídeos
Através de estudos por microscopia eletrônica e
147
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
cromatografia, o microambiente formado pelo polissacarídeo natural pululana substituído com grupos colesterol
demonstrou a propriedade de auto-agregação em solução
aquosa, formando nanopartículas coloidais monodispersas e estáveis acima da concentração de agregação crítica
(Akiyoshi, 1993).
As propriedades físico-químicas do hidrogel biodegradável de dextrana modificada e poli(etileno glicol)
têm sido estudadas in vitro, demonstrando capacidade
para complexar várias substâncias hidrofóbicas quando
acima da concentração de agregação crítica (cac) (Kim,
2000).
Lipoproteínas interagem fortemente com o polissacarídeo HyPE (ácido hialurônico covalentemente
ligado à fosfatidiletanolamina) em solução. Estudos
espectrais indicam que a interação resulta em um aumento aparente do tamanho das partículas de lipoproteínas
(Schnitzer, 2000).
A interação de pectina e outros polissacarídeos
com proteínas tem sido estudada utilizando a técnica
de laser. Tal técnica fornece informações sobre a composição e a morfologia do microdomínio nas misturas
bipoliméricas (Nordmark, 2000).
Os microdomínios hidrofóbicos, bem como a
concentração de agregação crítica (cac) de derivados
hidrofobicamente modificados de pectina, obtidos por
reação de substituição com halogenetos de alquila, têm
sido avaliados utilizando-se cromóforos introduzidos na
solução ou ligados ao polímero (Fischer, 1998).
Estudos sobre associações hidrofóbicas de derivados anfifílicos dos polissacarídeos hialuronato de
sódio alginato de sódio têm sido conduzidos utilizando a
técnica viscosimétrica, evidenciando associações hidrofóbicas em regime diluído (Pelletier, 2000).
Rotaxanos são compostos constituídos de um
composto linear e estreito o suficiente para atravessar a
estrutura de um anel de ciclodextrina, ao qual se encontra
ligado. Valendo-se do fato de moléculas de ciclodextrinas
possuírem uma região extremamente polar e solúvel em
água e uma região interna apolar e pouco solúvel em
água, rotaxanos vêm sendo utilizados como carregadores
para algumas drogas pouco solúveis, as quais são ligadas às duas extremidades do composto linear e ocupam
uma localização externa ao anel. Devido ao tamanho em
relação aos anéis, as drogas não possuem mobilidade, e
sua ligação à estrutura possibilita maior solubilidade em
meio aquosa, aumentando as possibilidades de utilização
em organismos vivos (Chandra, 1998).
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudos relacionados aos sistemas carregadores
de drogas apresentam complexidade de causa e efeito de
ordem física, química e biológica, oferecendo grandes
possibilidades para pesquisa pura e aplicada de caráter
interdisciplinar. Entretanto, os sistemas carregadores
de drogas ainda apresentam alguns problemas, como,
por exemplo, distribuição e solubilidade inadequadas
da droga e rápida liberação; curto tempo de circulação
no sangue, instabilidade térmica, fragilidade estrutural
e pouca eficiência quanto ao carregador.
Embora modificações em polissacarídeos venham
sendo praticadas há um longo tempo, somente nos últimos anos pesquisas vêm se desenvolvendo para novas
metodologias, o que representa um vasto campo de estudo a ser desbravado tanto no que diz respeito a novos
sistemas carregadores, como estudos físico-químicos e
de interação com drogas e moléculas de interesse em
biotecnologia.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NORMAS GERAIS PARA A PUBLICAÇÃO
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151
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- Abstract. Versão do resumo para a língua Inglesa. Caso
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por exemplo, ter uma Introdução, um Desenvolvimento,
Considerações Finais e Referências Bibliográficas. De
um modo geral, contém: a) Introdução, b) Material e
Métodos, c) Apresentação e Análise dos Dados d) Resultados, e) Discussão f) Conclusões, Recomendações
ou Considerações Finais, g) Agradecimentos (quando
necessário), h) Referências Bibliográficas.
- Citações dentro do texto. As citações textuais longas
(mais de três linhas) devem constituir um parágrafo independente. As menções a autores no decorrer do texto
devem subordinar-se ao esquema sobrenome do autor,
data (Novo, 1989, p.20). Se as idéias dos autores forem
apresentadas de modo interpretado e resumido, portanto
não sendo “textuais”, devem trazer apenas o sobrenome
do autor e a data. Ex.: Segundo Demo (1991), nenhum
texto diz tudo. As linhas não dizem tudo. As entrelinhas
muitas vezes dizem mais. Caso o nome do autor já estiver
no texto, indica-se apenas a data entre parênteses. Ex.:
Segundo dados do SEBRAE (1993), o grupo de áreas
destinadas às lavouras temporárias ficava em torno de
7% do total das terras. Se a citação for textual, devese adicionar o número da página. Ex.: Segundo Jaime
Lerner (1992, p.20), “A cidade ambientalmente correta
evita a industrialização forçada, rejeita as indústrias
poluentes...”.
- Refências Bibliográficas. Elas devem ser apresentadas
no final do trabalho, em ordem alfabética de sobrenome
do(s) autor(es), como nos seguintes exemplos:
a) Livro: SOBRENOME, Nome. Título da obra. Local
de publicação: Editora, data. Exemplo:
PÉCORA, A. Problemas de redação. 4.ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
b) Capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título
do capítulo. In: SOBRENOME, Nome (org.). Título do
livro. Local de publicação: Editora, data. Página inicialfinal. Exemplo: LACOSTE, Y. Liquidar a geografia...
liquidar a idéia nacional? In: VESENTIN, José William
(org.). Geografia e ensino: textos críticos. Campinas:
Papirus, 1989. p.31-82.
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
c) Artigo de periódico: SOBRENOME, Nome. Título do
artigo. Título do periódico, local de publicação, volume
do periódico, número do fascículo, página inicial-página
final, mês(es). Ano. Exemplo: ALMEIDA JÚNIOR, M.
A economia brasileira. Revista Brasileira de Economia,
São Paulo, v. 11, n.1, p. 26-28, jan./fev. 1995.
d) Dissertações e Teses: SOBRENOME, Nome. Título
da dissertação (ou tese). Local. Número de páginas
(Categoria, grau e área de concentração). Instituição em
que foi defendida. data. Exemplo:
CECCATO, V. Proposta metodológica para avaliação da
qualidade de vida urbana a partir de dados convencionais de sensoriamento remoto, Sistema de Informações
Geográficas e banco de dados georrelacional. São José
dos Campos, 140 p. (INPE-5457-TDI/499). Dissertação
(Mestrado em Sensoriamento Remoto) - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 1992.
e) Outros casos: Consultar as Normas da
ABNT para Referências Bibliográficas.
4. As figuras (desenhos, gráficos, ilustrações, fotos) e tabelas devem apresentar boa qualidade e serem
acompanhados de legendas breves e claras. Indicar,
no verso das ilustrações, escritos a lápis, o sentido da
figura, o nome do autor e o título abreviado do trabalho.
As figuras devem ser numeradas seqüencialmente com
números arábicos e iniciadas pelo termo Fig., devendo
ficar na parte inferior da figura. Exemplo: Fig. 4 - Gráfico de controle de custo. No caso das tabelas, elas
também devem ser numeradas seqüencialmente, com
números arábicos, e colocadas na parte superior da tabela. Exemplo: Tabela 5 - Cronograma da Pesquisa. As
figuras e tabelas devem ser impressas juntamente com o
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6. O Corpo Editorial avaliará sobre a conveni-
Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
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REVISTA UNIVAP
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Revista UniVap, v.9, n.16, 2002
A REVISTA UniVap tem por objetivo divulgar conhecimentos, idéias e resultados, frutos de trabalhos desenvolvidos na UNIVAP - Universidade do Vale do Paraíba, ou que tiveram participação de seus professores, pesquisadores e técnicos e da comunidade científica.
Os artigos assinados são de responsabilidade exclusiva de seus autores. A publicação total ou parcial dos artigos desta revista é permitida,
desde que seja feita referência completa à fonte.
Revista UniVap - Ciência - Tecnologia - Humanismo. V.1, n.1 (1993)São José dos Campos: UniVap, 1993v. : il. ; 30cm
.
Semestral com suplemento.
ISSN 1517-3275
1 - Universidade do Vale do Paraíba
CORRESPONDÊNCIA
UNIVAP-Av. Shishima Hifumi, 2.911 - Urbanova
CEP 12244-000 – São José dos Campos - SP - Brasil
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SUMÁRIO
Baptista Gargione Filho
Reitor
Antonio de Souza Teixeira Júnior
Vice-Reitor e Pró-Reitor de Integração Universidade Sociedade
João Luiz Teixeira Pinto
Pró-Reitor de Credenciamento e Recredenciamento de
Cursos e de Recredenciamento da Universidade
v.9
1517-3275
n.16
jun.02
ISSN
PALAVRA DO REITOR..........................................................................................5
Ailton Teixeira
Pró-Reitor de Administração e Finanças
EDITORIAL.............................................................................................................7
Luiz Antonio Gargione
Pró-Reitor de Planejamento
A FUNDAÇÃO VALEPARAIBANA DE ENSINO (FVE) E A UNIVERSIDADE DO VALE DO PARAÍBA (UNIVAP) ..............................................................9
Elizabeth Moraes Liberato
Pró-Reitora de Avaliação
Élcio Nogueira
Pró-Reitor de Graduação
Maria da Fátima Ramia Manfredini
Pró-Reitora de Cultura e Divulgação
Maria Cristina Goulart Pupio Silva
Pró-Reitora de Assuntos Jurídicos
Francisco José de Castro Pimentel
Diretor da Faculdade de Direito do Vale do Paraíba
Francisco Pinto Barbosa
Diretor da Faculdade de Engenharia, Arquitetura e
Urbanismo
Frederico Lencioni Neto
Diretor da Faculdade de Educação
Luiz Alberto Vieira Dias
Diretor da Faculdade de Ciência da Computação
Renato Amaro Zângaro
Diretor da Faculdade de Ciências da Saúde
Samuel Roberto Ximenes Costa
Diretor da Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas
Vera Maria Almeida Rodrigues Costa
Diretora da Faculdade de Comunicação e Artes
Marcos Tadeu Tavares Pacheco
Diretor do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento
Maria Valdelis Nunes Pereira
Diretora do Instituto Superior de Educação
COORDENAÇÃO GERAL
Antonio de Souza Teixeira Júnior
REVISÃO DE TEXTO
Glória Cardozo Bertti
DIGITAÇÃO E FORMATAÇÃO
Glaucia Fernanda Barbosa Gomes
CONSELHO EDITORIAL
Amilton Maciel Monteiro
Antonio de Souza Teixeira Júnior
Antônio dos Santos Lopes
Cláudio Roland Sonnenburg
Élcio Nogueira
Elizabeth Moraes Liberato
Francisco José de Castro Pimentel
Francisco Pinto Barbosa
Frederico Lencioni Neto
Jair Cândido de Melo
Marcos Tadeu Tavares Pacheco
Maria da Fátima Ramia Manfredini
Maria do Carmo Silva Soares
Maria Tereza Dejuste de Paula
Rosângela Taranger
Samuel Roberto Ximenes Costa
Vera Maria Almeida Rodrigues Costa
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MUDANÇAS QUALITATIVAS NO ENSINO DA GRADUAÇÃO, NO ENFOQUE DIDÁTICO-PEDAGÓGICO
Elizabeth Moraes Liberato.......................................................................................12
AVALIAÇÃO DO EXAME NACIONAL DO CURSO DE ADMINISTRAÇÃO: UM ESTUDO SOBRE A OPINIÃO DO ALUNADO, FCSA/UNIVAP,
2001
Vera Lúcia Ignácio Molina .....................................................................................19
AVALIAÇÃO DA QUALIDADE AMBIENTAL DE TRÊS ÁREAS DE LAZER PÚBLICAS EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS-SP: DO PROJETO À PÓSOCUPAÇÃO
Rubens A. Reisig Moreira, Mário Valério Filho, Emmanuel A. dos Santos........... 44
LOCALIZAÇÃO DAS ÁREAS DE INUNDAÇÃO EM SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS-SP COMO SUBSÍDIO AO PLANEJAMENTO URBANO
Ana Catarina Farah Perrella, Marlene Elias Ferreira.............................................. 52
METODOLOGIA PARA DIGITALIZAÇÃO DE PLUVIOGRAMAS E PARA
GERAÇÃO DE UMA BASE DE DADOS PLUVIOGRÁFICOS
Roberto Cordeiro Waltz, Marlene Elias Ferreira.................................................... 68
LEVANTAMENTO PRELIMINAR DA MIRMECOFAUNA DA FAZENDA
SANTANA DO POÇO - CAMPUS URBANOVA
Marcelo de Castro Pazos, Graziela Souza, Nádia M. R. de Campos Velho........... 79
ETNIA, NAÇÃO E GLOBALIZAÇÃO
André Augusto Brandão.......................................................................................... 87
MATRIX E SHOW DE TRUMAN: A REPRODUÇÃO DO CONSENSO NA
SOCIEDADE DE CONSUMO GLOBALIZADA
Luiz Carlos Andrade de Aquino, Amanda Pereira de Toledo, Flavia Chaves Valentim, Jacqueline Stefânia Fernandes de Paiva ......................................................................... 100
1,2,3: “OS FINOS ESQUELETOS DO PENSAMENTO”
Sônia Guedes do Nascimento Leal....................................................................... 120
ECONOMIA INFORMAL: OS CAMELÔS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
Gilson dos Anjos Ribeiro, Friedhilde M. K. Manolescu ................................................ 123
ELEMENTOS PARA UM PROJETO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO
José Paulo Breda Destro, Luiz Carlos Andrade de Aquino ............................................ 133
FÍSICA DO SISTEMA CARDIOVASCULAR
Mituo Uehara, Kumiko Koibuchi Sakane. ............................................................................... 137
CARREGADORES DE DROGAS - POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE
POLISSACARÍDEOS MODIFICADOS
Máira Regina Rodrigues, Milton Beltrame Júnior............................................................... 144
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