universidade federal de são paulo escola de filosofia, letras e

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universidade federal de são paulo escola de filosofia, letras e
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
ELAINE GODOY PROATTI
CONSCIÊNCIA E LEI:
OS EMBATES SUBJETIVOS E TEOLÓGICOS NOS PARECERES DO PADRE FRAY MIGUEL AGIA
ELAINE GODOY PROATTI
CONSCIÊNCIA E LEI:
OS EMBATES SUBJETIVOS E TEOLÓGICOS NOS PARECERES DO PADRE FRAY MIGUEL AGIA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em História, do Departamento de
História da Escola de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade Federal de
São Paulo como requisito parcial para
obtençãodo título de Mestre em História.
Linha de Pesquisa: Poder, cultura e saberes.
Orientador: Prof. Dr. Rafael Ruiz.
GUARULHOS
2015
Godoy Proatti, Elaine.
Consciência e lei :Os embates subjetivos e
teológicos nos pareceres do Padre Fray Miguel Agia /
Elaine Godoy Proatti. Guarulhos, 2015.
1 f.
Trabalho de conclusão de Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal de São Paulo, Escola de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2015.
Orientação:Prof. Dr. Rafael Ruiz
1. Direito colonial. 2. Consciência. 3.
Interpretação jurisprudencial. I. Prof. Dr. Rafael
Ruiz. II. Consciência e lei :Os embates subjetivos e
teológicos nos pareceres do Padre Fray Miguel Agia.
Elaine Godoy Proatti
CONSCIÊNCIA E LEI:
Os embates subjetivos e teológicos nos pareceres do Padre Fray Miguel Agia
Dissertação apresentada ao Programa de Pós
Graduação em História, do Departamento de
História da Escola de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade Federal de
São Paulo como requisito parcial para
obtençãodo título de Mestre em História.
Linha de Pesquisa: Poder, cultura e saberes.
Orientador: Prof. Dr. Rafael Ruiz
Aprovação: ____/____/________
Prof. Dr. Rafael Ruiz Orientador
Universidade Federal de São Paulo
Profª. Drª. Janice Theodoro
Universidade de São Paulo
Profª. Drª. Rossana Pinheiro
Universidade Federal de São Paulo
Dedico este trabalho a Deus e a minha
família que são minha fortaleza e alegria na
Vida. Nenhum trabalho pode ser bem
realizado se não tiver o apoio de quem
amamos e temos fé.
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa não teria sido concluída sem o apoio de pessoas que acreditaram, junto
comigo, em sua realização. Nenhum trabalho é feito sozinho, mesmo que boa parte dele se
passe solitariamente em bibliotecas, arquivos e diante do computador. Muitas pessoas
contribuíram para esse trabalho e merecem serem citadas. Agradeço primeiramente à minha
família, meu avô João Francisco, minha avó Romilda Braido, meus pais Rosilene e Paulo e
minha irmã Lilian que vivenciaram cada etapa da minha pesquisa e me ajudaram a superar os
desafios e a acreditar no amor e paixão pelo conhecimento, cultura e história. Agradeço ao
Douglas por ter paciência e ser solicito comigo em tudo que precisei. Meus sinceros
agradecimentos por se mostrarem tão presentes e confiantes em mim e meus propósitos, essa
confiança me fortalece a cada dia e foi fundamental para atingir esse resultado.
Agradeço à minha amiga Larissa da Costa que sempre esteve comigo desde a
gradução compartilhando todas as crises, dúvidas e aventuras. Muito obrigada por toda a
dedicação e atenção que sempre me ofereceu. Ao meu amigo Ewerton que me ajudou a
entender e a pensar melhor sobre a profissão de educador e de historiador e aos outros colegas
e professores do Mestrado.
Agradeço ao Douglas e Erick da administração do programa de pós-graduação em
História. Vocês foram incríveis em todo problema burocrático que encontrei. Devo meus
sinceros agradecimentos a Jorge Núñez, Agustín Casagrande, Esteban Llamosas, Alejandro
Agüero e Víctor Tau Anzoátegui do Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho em
Buenos Aires que me receberam muito bem nos Congressos que estive e orientaram os
caminhos da minha pesquisa. Meus eternos agradecimentos à Thomas Duve, diretor do
Instituto Max Planck em Frankfurt, pela maravilhosa experiência que me proporcionou, por
eu poder conhecer a biblioteca e ampliar meus horizontes, pessoais e profissionais. Este
tempo foi especial e muito precioso para mim, ele me manteve em contato diário com minha
pesquisa e mim mesma. Obrigada aos colegas que fiz neste instituto, Federica Fufaro, Pamela
Cacciavillani, Karla Escobar, José Luiz Paz, Pedro Berardi, Ana Laura Lanteri, Constanza
Lopez, Benedetta Albani, Massimo Meccarelli, Pilar Mejía, Luiz Ramiro, Mauro Paladini,
Leticia Vita, José Manuel Barreto, Alejandra Aletita, Losé Luis Egío, David Rex, Alexander
Weyrauch e a Philipp Sierget, pessoas incríveis e de um coração enorme.
Agradeço à Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP – por
viabilizar e financiar minhas pesquisas desde minha primeira iniciação científica em 2010 até
agora, 2015, no mestrado. Obrigada por investirem nesse projeto junto comigo. Agradeço às
professoras Janice Teodoro e Rossana Pinheiro que me brindaram com seus comentários,
sugestões e carinho nessa pesquisa. E por último, ressaltando a grande importância e
contribuição, meus profundos agradecimentos ao meu orientador e amigo Rafael Ruiz por ter
paciência comigo durantes esses 5 anos que compartilhamos temas de pesquisas, projetos de
inciação científica, artigos, congressos do Sonho e Razão e dissertação de mestrado. Obrigada
por ler, corregir, melhorar e orientar tudo que escrevi. Muito obrigada por me iniciar na
atividade acadêmica e por acreditar em mim para participar do seu lindo trabalho e estudo
sobre o Direito e a Justiça na América Colonial, por me ensinar sobre o probabilismo,
consciência, direito, sobre Alice, Dostoievski e o amor pela literatura e a história. O senhor
me mostrou como é ser um pesquisador, um historiador, um amante pela literatura e um
excelente professor. Obrigada por ser um exemplo. Tem sido um prazer e uma honra estar
contigo todo esse tempo e participar do grupo de estudo Núcleo de Estudos Ibéricos.
Es siempre la ley una experiencia tardía, que
presume de innovación audaz, y aun cuando
llegue a serlo, el rumbo de su espíritu lleva el
derrotivo fatal, que hace pronto de todo
impulso liberal una resistencia conservadora.
Y si pudiéramos legislar siempre con efecto
retroactivo, todavía, como sucede cuando
excepcioanalmente
así
se
hace,
la
ley
conservando el defecto originario de ser
general, enfocaría la perspectiva engañosa de
un conjunto, difícil de percibir en la realidade
variadísima de los hechos.
Discurso del Exmo Sr. Dr. Niceto
Alcalá Zamora y Torres “La jurisprudencia
y la vida del derecho” – 1920 p,490.
RESUMO
Pretendemos evidenciar nessa pesquisa as relações entre a teologia moral e o direito
demonstrando até que ponto a teologia orientava as questões jurídicas e políticas na América
espanhola no vice-reinado do Peru nos séculos XVI e XVII. Buscamos perceber como tais
questões teológicas e jurídicas se misturavam com as políticas e se adaptavam aos costumes
indígenas de maneira a ordenar a sociedade colonial, mesmo quando as leis não se adaptavam
e não existiam em virtude das distâncias e complexidades vivenciadas. O problema que
apresentamos é o de como a teologia moral orienta e soluciona as dúvidas jurídicas, políticas
e religiosas estabelecendo um controle de como se deve agir e pensar para não errar e não
cometer pecado. Como, pela teologia moral, a consciência ganha peso e força no momento da
deliberação dos juízes e das sentenças dos casos duvidosos? Parece que no âmbito jurídico, o
arbítrio do juiz confere a ele um espaço e uma flexibilidade, subordinada à moral católica,
para aplicar a justiça, prudentemente e conscientemente, sem ao menos executar a lei. Assim,
a sua interpretação e consciência subjetiva, orientadas pela teologia moral, ganham peso e
importância na criação do direito. Acreditamos então, que a teologia moral se faz mais
eficiente nos lugares onde não há legislação, ou onde esta não corresponde às situações
concretas, do que as próprias leis, adquirindo assim um caráter ordenador e normatizador para
a sociedade.
Palavras-chave: Direito Colonial. Consciência. Interpretação Jurisprudencial.
ABSTRACT
We intend to prove in this research the relationship between moral theology and the right,
showing the extent to which thetheology regulates and guided the legal and political questions
in Spanish America, viceroy of Peru, in the late sixteenth and seventeenth century. We seek to
understand how such theological and legal issues mingled with the policies and adapted to
indigenous customs in order to organize the colonial society, even when the laws did not fit
and did not exist because of the distances and experienced complexities.The problem
presented is how moral theology guides and addresses the legal, political and religious
questions, setting a social and cultural behavior control how to act and think to not make
mistakes and not commit sin. As for the moral theology, consciousness gains weight and
strength at the moment of the judges deliberation and the judgments of doubtful cases? It
seems that in the legal scope, the will of the judge give him a space and flexibility,
subordinated by the Catholic moral, to administer justice wisely and consciously, not even
enforce the law. Thus, his interpretation and subjective consciousness, guided by moral
theology, gain weight and importance in the creation of law. We believe then, that moral
theology is most efficient in places where there is no law, or where it does not correspond to
the concrete situations of the laws themselves, thus acquiring an organizational and normative
character to society.
Keywords: Colonial Law. Conscience. Interpretation.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
100
CAPÍTULO 1: PRINCIPAIS QUESTÕES SURGIDAS NOS SÉCULOS XVI E XVII A
RESPEITO DOS SERVIÇOS PESSOAIS INDÍGENAS
20
1. Contexto histórico
20
1.1. Debate teológico-jurídico sobre as Servidumbres personales
25
1.2. Economia colonial: Repartimientos e encomiendas
33
1.3. Real Cédula de 24 de noviembre de 1601
37
CAPÍTULO 2: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS PARECERES DO PADRE FRAY
MIGUEL AGIA
54
2. Fr. Miguel Agia: vida e obra
55
2.1. Resumo de cada um dos pareceres
59
2.2. Análise dos Pareceres
61
2.3. A necessidade de flexibilizar a aplicação da lei
77
2.4. Arbítrio e lei na interpretação de Fr. Miguel Agia em seus três pareceres
91
CAPÍTULO 3: DA LEGALIDADE À MORALIDADE: EMBATES ENTRE A
CONSCIÊNCIA SUBJETIVA E A LEI
106
3. Probabilismo
107
3.1. Aproximações entre “probabilismo” e o tratado de Fr. Miguel Agia
118
3.2. Contribuições da Segunda Escolástica para o pensamento teológico-jurídico
dos séculos XVI e XVII
125
3.3. Consciência e lei: normas e interpretação
130
3.4. Interpretação e arbítrio
148
3.5. Intenção e vontade
155
CAPÍTULO 4: RELIGIOSIDADE E GOVERNO NO VICEREINADO DO PERU
165
4. Os franciscanos na Nova Espanha: administração da doutrina e dos
sacramentos no século XVI
165
4.1. Evangelização franciscana no Peru no século XVI
170
4.2. Gobierno de D. Luis de Velasco (1596-1604)
188
4.3. Os pareceres dos religiosos sobre a Real Cédula de 1601
202
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
208
21213
10
INTRODUÇÃO
Apresentação
Este trabalho analisa os embates entre a consciência subjetiva e a lei nos pareceres do
Padre Fr. Miguel Agia1 tendo como base as seguintes fontes: A Real Cédula de 24 de
noviembre de 16012, escrita pelo rei Filipe III dirigida ao vice-rei do Peru, Don Luis de
Velasco3; e o Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho4 escrito pelo franciscano
Fr. Miguel Agia em 1602 e impresso em Lima em 1604, sobre a verdadeira inteligência,
declaração e justificação dessa Real Cédula de 1601, solicitado por Velasco.
O estudo dessas duas fontes mencionadas abre caminhos e deixa perguntas sobre o
direito e a justiça que ampliam o debate para além da dialética entre a elaboração da lei e sua
efetiva aplicação. Mesmo que as dúvidas jurídicas na América colonial, fosse ela espanhola
ou portuguesa, recaiam sempre sobre a contradição e desconfiança entendidas nessa dialética,
propomos apresentar as relações entre a teologia e o direito, por meio da interpretação e do
arbítrio, evidenciando uma práxis e uma racionalidade dentro da cultura jurídica do século
XVI e XVII, que entendia que as normas escritas para as Índias atingiram uma amplitude
muito maior do que simplesmente significar um documento escrito.
A Real Cédula foi dirigida ao então vice-rei do Peru em 1601, Don Luis de Velasco. Tal
vice-rei tinha dúvidas práticas de como aplicar essa cédula e solicitou pareceres de várias
pessoas experientes nos assuntos. Fr. Miguel Agia foi um desses consultados que apresentou
1
Fr. Miguel Agia foi considerado teólogo e jurista por ter frequentado as faculdades de Teologia, Cânones e
Leis, e sua obra foi reconhecida como um tratado por apresentar referências do direito canônico e civil, abordar
questões teológicas a respeito da população indígena, questões administrativas e políticas como as encomiendas
e os repartimientos. Em nossa pesquisa encontramos alguns autores que citaram a obra de Agia, estes foram:
Solórzano Pereira, Silvio Zavala, Paulino Castañeda Delgado, Francisco Cuena Boy e Miguel Luque Talaván.
2
Esta Real Cédula de 24 de noviembre de 1601, está em uma edição moderna realizada por Fr. Javier de Ayala
em Sevilla no ano de 1946, retirada do A.G.I., Indiferente General, 428, lib. 32. Agradeço ao Prof. Dr. Rafael
Ruiz por me entregar a versão impressa desse estudo preliminar feito por Ayala, sem o qual essa pesquisa não
teria se desenvolvido.
3
Don Luis de Velasco, antes de governar o Peru, governava o México de 1590 a 1595. Governou as províncias
do Peru entre 1596 a 1604, retomando a ser vice-rei do México de1607 a 1609.
4
Este Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho do Padre Fr. Miguel Agia possui uma versão
moderna estudada por Fr. Javier de Ayala, em Sevilla no ano de 1946, localizada na B.N.M., na seção de Raros,
número 6.480. Agradeço ao Prof. Dr. Rafael Ruiz em me conceder uma cópia dessa obra, sem o qual essa
pesquisa não poderia abranger os temas da interpretação e arbítrio.
11
seus pareceres dividindo-os em três partes: no primeiro parecer, explicou o que considerada
ser a verdadeira intenção do rei sobre o conteúdo disposto na cédula real; no segundo,
justificou as causas dessa norma; e no terceiro, analisou o arbítrio do vice-rei e suas
faculdades para executá-la.
As duas fontes estudadas foram destinadas para a mesma pessoa, o vice-rei do Peru
Don Luis de Velasco. Esse vice-rei, ao interpretar os casos e as leis, tinha que considerar tanto
a sua interpretação subjetiva, quanto as solicitadas pelos pareceres, e a própria situação real e
cotidiana dos indígenas. O cenário que temos construído nessas províncias do Peru, entre a
metade do século XVI e início do XVII, era a de um funcionário régio que, diante de uma
dúvida prática e moral, tinha que conhecer todas as possibilidades e circunstâncias antes de
deliberar e sentenciar sobre os serviços pessoais indígenas a favor da lei, dos costumes, da
opinião dos doutores ou da sua própria consciência. Essa dúvida prática e moral existia
porque, além da diferença entre a realidade americana e europeia5, a obrigatoriedade dos
serviços indígenas era um tema delicado que afetava tanto questões econômicas, religiosas,
quanto jurídicas e morais, e, porque o rei desencarregava sua consciência ao encarregar a do
vice-rei para que este cumprisse e executasse tudo conforme lhe parecesse melhor.
Don Luis de Velasco tinha duas obrigações. A de servir enquanto um funcionário do rei,
e cumprir com todas as obrigações políticas e civis que esta função implicava, e a de avaliar e
aliviar a sua consciência e a do monarca. A dúvida moral de Velasco era a de conciliar suas
implicações subjetivas sobre os serviços indígenas com as obrigações legais e práticas, tendo
que lidar com outros grupos de pessoas, os encomendeiros e os índios.
Nosso trabalho tem como objeto Fr. Miguel Agia. Ao estudarmos as opiniões dadas por
esse teólogo franciscano, juntamente com as cláusulas da Real Cédula e a solução encontrada
pelo vice-rei, compreenderemos todo um processo interpretativo e argumentativo construído
como premissa para aplicar ou não a lei dentro de uma práxis jurídica.
Por não ser nosso foco principal, não nos aprofundamos nas relações entre o governo do
vice-rei Don Luis de Velasco com a Coroa, tampouco na situação real dos índios em seus
serviços pessoais nas encomiendas, repartimientos e minas para tentar definir se esse governo,
sob os conselhos de um franciscano, significou efetivamente uma melhora nas condições ou
aumento das opressões sofridas pelos indígenas. Também não é nosso interesse tratar
profundamente do processo de evangelização indígena buscando entender o quanto os
5
Neste ponto podemos considerar a distâncias, a demora na comunicação e na resolução dos casos.
12
franciscanos beneficiaram os indígenas em comparação com as outras ordens, jesuítas ou
dominicanas, e sim conhecer como a teologia formava o conceito de consciência e de lei para
a América espanhola em meio a essas questões. Ao nos atentarmos para a Real Cédula e os
assuntos que ela trazia; para a interpretação de um padre franciscano conhecedor de leis e de
teologia moral, e o que o motivou a escrever seu tratado; com a decisão do vice-rei;
abarcamos todos esses assuntos citados com a finalidade de entender como, pelo arbítrio e
interpretação, nos embates entre a consciência subjetiva e a lei, a teologia orientava e
influenciava a tomada de decisão, seja ela num contexto político, jurídico, religioso ou moral
e subjetivo, pelo sistema moral probabilista6 e formava o conceito de consciência e de lei.
Aspectos metodológicos
As fontes dessa pesquisa são analisadas dentro de seus contextos, circunstâncias e
possuem significados e sentidos adequados às suas temporalidades. O exercício de se aplicar a
justiça é observado nesse trabalho juntamente com as variadas fontes do direito: as leis, os
costumes, as opiniões dos doutores e religiosos, as especificidades locais, as orientações
contidas nos manuais de teologia e de jurisprudência e a própria consciência individual.
Todos esses documentos evidenciam uma forma de se olhar para o passado e de entendê-lo
em suas próprias chaves de leitura, seus próprios conceitos.
O conteúdo trazido pelas leis fornece um panorama das dificuldades vividas nos séculos
XVI e XVII e os problemas e interesses políticos, econômicos e religiosos da Coroa. As
opiniões e pareceres de doutores, fossem religiosos ou juristas, apontam quais eram as
referências e autoridades buscadas para fortalecer uma argumentação e garantir uma certeza
mais justa ao caso analisado. Os costumes, vindos da Espanha ou os já existentes entre os
indígenas, fazem referência a um cotidiano e um modo de vida colonial que interferia e
possuía validade e força de lei diante de medidas legais que não adequassem às realidades
concretas. Os manuais de teologia demonstram o cuidado com a consciência dos homens em
6
Este tema será aprofundado no capítulo sobre Consciência e Lei. O sistema moral probabilista era uma
categoria moral e teológica que se inseria nos debates do século XVII com a finalidade de apoiar o homem com
a questão da consciência, da dúvida e dos assuntos internos. O termo “probabilismo”, segundo Víctor Hugo
Martel Paredes, surgiu de um debate na Igreja Católica entre teólogos e moralistas, mediando, em casos
singulares, os confrontos entre os limites da lei positiva e os da lei natural, atenuando a validade de suas
extensões.
13
seus atos e vontades e na observância das leis. Tais manuais continham saberes teológico,
doutrinário, e jurídico, e, o juízo da consciência era realizado por um sacerdote que conhecia
as regras morais e civis e decidia sobre a culpa ou a absolvição no momento do sacramento da
confissão.
Os conceitos leis, intepretação, costume, prudência, opinião, experiência, consciência,
arbítrio, dúvida e jurisprudência foram retirados de categorias presentes na obra do Padre Fr.
Miguel Agia Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho7 e que são analisados
procurando entender o direito exercido para esta situação histórica e particular das Índias nos
séculos XVI e XVII pelos modos de raciocínio dos juristas, teólogos, legisladores e
magistrados. Dessa forma, ao retiramos os conceitos das categorias presentes nas fontes
analisadas, estamos trazendo para nossa pesquisa os significados que remetem a seus
significantes e a uma experiência histórica concreta.
Ao estudarmos estes conceitos retirados de uma obra do início do século XVII
consideramos juntamente com o conteúdo específico dos pareceres, o tempo em que a obra foi
escrita, o lugar, para quem foi direcionada, sobre quais pretextos foi requerida, quais situações
apresenta, quem escreveu e quais opiniões sugeriu. Sendo assim, tais conceitos possuem
sentido e significado históricos construídos por meio das respostas a estas perguntas e pelo
meio social que os localiza.
Uma questão relevante de ser enfatizada é a de que não é somente a estrutura social que
possui história. A parte semântica que descreve essa estrutura também é passível de
historicidade. Nesse sentido, as ideias e os conceitos também possuem história. Segundo
Koselleck8, muitas vezes a simples permanência de uma palavra não quer dizer que ela ainda
carregue o mesmo sentido. Há a necessidade de recorrer o sentido da palavra que permanece
num âmbito temporal. A datação é importante para não confundir os conceitos expressos
7
AGIA, Fr. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, que ha compuesto el Padre Fray
Miguel Agia de la orden del señor S. Francisco, varon docto en las facultades de Theologia, Canones y Leyes, y
Lector de Theologia en el muy insigne Convento de S. Francisco de la ciudad de los Reyes en lo Reynos del
Piru. Sobre la verdadera inteligencia, declaración, y justificación de una Cedula de su Magestad, su fecha en
Valladolid en veynte y quatro días de Noviembre del año pasado de seiscientos y uno, que trata del servicio
Personal, y repartimientos de Indias, que se usan dar en los Reynos del Piru, Nueva España, Tierra Firme, y
otras Provincias de las Indias, para el servicio de la Republica, y asientos de Minas, de Oro, Plata, y Azogue.
Dirigido al Rey Don Phelippe Nuestro Señor. Y en su Real Nombre Al señor don Luys de Velasco Virrey destos
Reynos y Provincias del Piru, Tierra Firme y Chile., Lima, 1604, ed. de AYALA, F. J., Servidumbres personales
de indios, Sevilla, 1946.
8
KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”. Rio de Janeiro:
Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
14
numa mesma palavra com sentidos extremamente distintos e para combater o problema do
anacronismo9.
Neste trecho abaixo Koselleck demonstrou a importância dos conceitos na história:
Nenhum evento pode ser relatado, nenhuma estrutura representada,
nenhum processo descrito sem que sejam empregados conceitos
históricos que permitam ‘compreender’ e ‘conceitualizar’ o passado.
Ora, toda conceitualização tem alcance mais vasto do que o evento
singular que ela ajuda a compreender. (...) Os conceitos não nos
instruem apenas sobre a unicidade de significados (sob nossa
perspectiva) anteriores, mas também contêm possibilidades
estruturais; colocam em questão traços contemporâneos no que não é
contemporâneo e não pode reduzir-se a uma pura série histórica
temporal10.
Ao analisarmos o conceito de consciência nos séculos XV, XVI e XVII na teologia
espanhola, percebemos que este não era mais o de sindérese proveniente da tradição grega
que consistia em discernir entre o bem e o mal. A consciência, considerada moderna, era,
então, o ato do entendimento derivado da virtude da prudência, um tribunal interno do homem
que utilizava da sindérese para encontrar a ação moral prática11.
9
Para combater o problema do anacronismo duas grandes linhas da historiografia contemporânea estabelecem,
cada uma delas, uma proposta. A primeira, conhecida como “escola de Cambridge” ou “Ideas in Context”,
contextualismo linguístico, defende a concepção de contextualizar as ideias de forma que elas sejam
devidamente apreendidas em sua historicidade, afim de evitar o uso anacrônico que se faz delas. Um dos autores
que sobressai no âmbito dessa concepção é o Quentin Skinner. Teórico das ideias, Skinner produziu livros sobre
a metodologia histórica e obras clássicas sobre os pensamentos de Maquiavel, Hobbes e outros pensadores. De
outro lado, em uma linha de contraste e tensão nessa concepção há a chamada história conceitual alemã.
Também conhecida como história dos conceitos, tem como representante Reinhart Koselleck. Ambas as linhas
historiográficas têm como foco central impedir o anacronismo, que é a projeção de visões e expectativas do
presente para autores do passado, impondo a esses autores certas ideias que não lhe são próprias, atribuindo a
eles certos conteúdos e distinções semânticas que não foram possíveis de serem pensadas enquanto escreviam
suas obras. A concepção britânica da ideia no contexto, na sua tentativa de omitir o anacronismo sofre limitações
na capacidade de descrever os conceitos na chave histórica, ou seja, de descrever a mudança conceitual ao longo
do tempo. Já a história conceitual alemã, aqui representada por Koselleck, em certa medida, vai tentar lidar com
o problema do anacronismo superando os impasses que aparecem no âmbito da história do pensamento político
britânico. Contrastando as duas perspectivas percebem-se quais são os elementos que compõe a base
metodológica de um e de outro campo historiográfico, para se compreender, a partir desse debate, como se pensa
a possibilidade de acompanhar a mudança conceitual ao longo da diacronia histórica, que é importante para o
nosso trabalho mesmo que não seja nosso objetivo.
10
KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”,2006, op.cit.
p.142.
11
Deteremos mais profundamente aos conceitos de consciência em um tópico particular. Aqui cabe apenas
marcar como usamos metodologicamente os conceitos.
15
Temporalidades diferentes permitem sentidos diferentes, construções de muitas histórias
em muitos tipos de contexto. Mas para John Pocock, para se chegar à ação por de trás das
palavras, no interior de uma situação composta de relações sociais e atos históricos era preciso
estudar as transformações que ocorreram no discurso na medida em que geraram
transformações na prática, sem se esquecer do intervalo de tempo entre ambas:
O discurso atua sobre pessoas; os textos atuam sobre leitores; mas
essa ação efetua-se algumas vezes sincronicamente, através das
respostas nitidamente imediatas dos ouvintes ou leitores e, outras
vezes, diacronicamente, pela eficácia da parole em levá-los a aceitar
uma mudança nos usos, nas regras e nas implicações, reconhecidas ou
implícitas, da langue. Ao estudar a criação e a difusão de linguagens,
estamos comprometidos com processos que têm de ser vistos
diacronicamente, por mais que sejam constituídos por performances
ocorrendo sincronicamente. As linguagens são poderosas estruturas
mediatárias, e atuar sobre elas e no interior delas é atuar sobre
pessoas, talvez imediatamente, mas também, por meio de uma
transformação dos seus meios de mediação, o que, com frequência, é
feito de maneira indireta e leva tempo. Certamente devemos estudar as
transformações no discurso na medida em que elas geram
transformações na prática, mas há sempre um intervalo no tempo,
suficiente para gerar heterogeneidade no efeito12.
Ao considerar um texto e colocá-lo dentro de uma temporalidade, tanto no passado
quanto no futuro, o historiador consegue perceber a diversidade e a heterogeneidade dos
enunciados que poderiam estar efetuando ou ter efetuado13. Uma coisa era entender a
conceitualização de consciência e lei na tradição grega e em Aristóteles, outra diferente era
analisar estes mesmos conceitos pelos Manuais de Teologia de juristas espanhóis do século
XVI. Há uma diferença semântica entre eles, um novo sentido de consciência estava sendo
proposto aos séculos XVI a XVIII em contexto ibérico.
A metodologia de Quentin Skinner para tratar do pensamento político moderno
evidenciava outra perspectiva de análise da época moderna. Ele examinou os
desenvolvimentos históricos que conduziriam a uma mudança conceitual direcionando-se da
“história” para a semântica histórica, ou seja, do conceito de “Estado” para a palavra
“Estado”. O autor explicou essa sua escolha metodológica da seguinte forma:
12
13
POCOCK, John. “Linguagens do ideário político”, São Paulo: Edusp, 2003, p.82.
Idem, p.75.
16
(...) O mais claro indício de que uma sociedade tenha ingressado na
posse consciente de um novo conceito, suponho eu, está na geração
de um novo vocabulário, em termos do qual o conceito passa a ser
articulado e debatido. Considero, assim, que minha tese central se vê
confirmada pelo fato de, em fins do século XVI, pelo menos na
Inglaterra e na França, encontramos as palavras State e État
começando a ser utilizadas no sentido que terão na modernidade14.
O próprio Quentin Skinner justificou seu método historiográfico conferindo
importância para os estudos da história das mentalidades, dando historicidade às ideias. Para
ele, recuperar as mentalités de uma sociedade era um meio de compreender essa sociedade.
Mas só se chegava a esse tipo de compreensão histórica se os estudos das ideias políticas não
concentrassem sua atenção e debates apenas no discurso teórico e abstrato sem concretude e
sem se atender aos problemas práticos da vida política.
Dessa forma, o método de Skinner de olhar para o passado consistia em não isolar o
objeto de pesquisa do contexto do qual ele fez parte. Ao juntar o objeto de investigação com
as conjunturas, as relações sociais, os problemas, os comportamentos, as mentalidades e as
vivências, tinha-se uma compreensão muito mais aprofundada sobre a própria pesquisa e
sobre o próprio estudo.
Contra a análise meramente “textualista”, o procedimento escolhido por Skinner
permitiu identificar a ação na construção da história. Observar o contexto juntamente com a
obra do autor demonstrava a ação que este autor fazia enquanto escrevia o que escrevia.
Juntar a palavra e a prática, conhecendo o vocabulário político e os termos utilizados no
contexto produtor da obra estudada, respondia a questões específicas dessa sociedade e
permitia entender mais claramente o significado e a intenção do autor ao escrever o que
escreveu. Pode se entender o porquê dos conceitos que ele usou ou recusou, das suas formas
de argumentar, suas indagações e preocupações, o que foi ignorado, repelido, debatido ou
concordado por ele15.
14
SKINNER, Quentin “As fundações do pensamento político moderno”. São Paulo: Companhia das letras,
2006, p.10.
15
“Pois compreender as questões que um pensador formula, e o que ele faz com os conceitos a seu dispor,
equivale a compreender algumas de suas intenções básicas ao escrever, e, portanto implica esclarecer exatamente
o que ele pode ter querido significar com o que disse - ou deixo de dizer. Quando tentamos situar desse modo um
texto em seu contexto adequado, não nos limitamos a fornecer um quadro histórico para nossa interpretação:
ingressamos já no próprio ato de interpretar”. In: SKINNER, Quentin “As fundações do pensamento político
moderno”. São Paulo: Companhia das letras, 2006, p.13.
17
Exemplo dessa metodologia de Skinner era o fato de que a obra do franciscano Fr.
Miguel Agia oferecia pareceres, argumentos e conselhos a um problema prático do serviço
pessoal indígena nas províncias do Peru no início do século XVII e a um personagem
específico – o vice-rei. Os argumentos apresentados pelo franciscano e as autoridades citadas
por ele demonstraram em qual debate estava inserido e quais os problemas enfrentados para
orientar a agir conforme a prudência e o arbítrio. Por isso, talvez, um tratado que contém
pareceres teológicos e jurídicos sobre um assunto de ordem política e econômica, tenha tanta
relevância para o estudo da experiência jurídica desse período. Nessa obra há tanto referência
religiosa, doutrinal, quanto jurídica e política que expõe atividades e decisões de outros
monarcas em outros contextos16.
Reinhart Kosseleck contextualizou os conceitos e os apreendeu em suas transformações
por uma análise diacrônica. E esta era a semântica para ele, apreender a transformação da
conceitualização juntando a história social com a história conceitual. “Sem conceitos comuns
não pode haver uma sociedade e, sobretudo, não pode haver unidade de ação política17”. O
modo pelo qual se conceitua uma sociedade também servia para que a sociedade se
desenvolvesse e se alterasse. O conceito também permitia a própria conformação da realidade
histórica, indicando não apenas os conteúdos, mas também seus fatores.
A história dos conceitos ia além dos conceitos próprios porque se fundamentava no
social e no político como uma meta-teoria: “(...) o conceito servia não apenas para indicar
unidade de ação, mas também para caracterizá-las e criá-las. Não apenas indicava, mas
também constituía grupos políticos e sociais18”. Os conceitos não se reduziam às palavras,
eram sempre polissêmicos e conduziam às experiências históricas e, por tanto, remetiam a
uma realidade social captada por eles num determinado contexto, mas que sempre era fugidia
a eles e era mais complexa ao modo pelo qual ela era enunciada conceitualmente19.
16
Por exemplo, no primeiro parecer, na página 65, Agia cita o conceito de leis de Platão para fundamentar seu
argumento de que estas deveriam ser feitas para a América acomodando-se aos costumes, lugares e pessoas nela
existente. No segundo parecer, página 98, o franciscano cita Francisco de Vitoria, teólogo-jurista espanhol do
século XVI, para fortalecer a ideia de que a sujeição política e civil nas quais os índios são obrigados e forçados
a trabalhar não é reprovada pela lei natural e sim justificada por ela.
17
KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”, 2006, op. cit.
p.98.
18
Idem, p.192.
19
“Conceitos que abarcam fatos, circunstâncias e processos do passado tornam-se, para o historiador social que
deles se serve em sequência, categorias formais, estabelecidas como condição de existência de uma história
possível. Apenas por meio dos conceitos providos de capacidade de duração, de uma economia de repetição de
seu uso e, ao mesmo tempo, dotados de referencial empírico, ou seja, conceitos providos de uma capacidade
18
O conceito não estava solto. Por ele ser histórico havia uma condensação de sentido que
determinava a compreensão da palavra no contexto específico e isso supunha, de acordo com
Koselleck, uma semântica subjacente ao uso pragmático da linguagem. Assim, o uso
sincrônico da linguagem implicava uma semântica diacrônica que fixava sentido e que,
quanto captada essa semântica, era capaz de reconstruir, historicamente, a mudança
conceitual. Era no plano da semântica e não no plano da pragmática que se conferia a
construção de uma história dos conceitos20.
Koselleck não contextualizava apenas as ideias no formato formal de expressão
conceitual, ele as apreendia na mudança conceitual diacrônica. Os conceitos fundamentavamse no social e no político, reunindo em si a experiência histórica articulada a um contexto
específico, como o colonial. A concepção de que o conceito reunia em si a diversidade da
experiência histórica fazia com que a reflexão sobre o conceito de justiça, direito, consciência
e lei, tivessem características históricas e enunciações contextualizadas. Pensamos o conceito
consciência na sincronia de maneira
a perceber como este aparece nos documentos e
pareceres de Agia e a mudança conceitual. Esta pesquisa pode contribuir um pouco mais com
a historicidade desses conceitos e com as múltiplas visões desse contexto particular que era o
descobrimento do Novo Mundo no século XVI.
No primeiro capítulo apresentaremos um panorama dos principais problemas e debates
ocorridos nos séculos XVI e XVII a respeito dos serviços pessoais indígenas. A discussão
iniciado por Montesinos, continuada por Las Casas e Sepúlveda, a elaboração da Real Cédula
de 1601, suas cláusulas e temáticas,e, como todo esse cenário produziu uma norma que gerava
uma tese desenvolvida e contraposta a uma antítese observada por Fr.Miguel Agia em seus
pareceres, gerando uma síntese ao aproximar a lei e a moral.
No segundo capítulo trataremos mais especificamente dos principais assuntos e
estrutural, é que são capazes de deixar o caminho livre para que história antes tida como “real” possa hoje
manifestar-se como possível, logrando assim também ser representada. Isso se torna ainda mais nítido quando a
relação da língua-fonte com a linguagem científica é analisada sob a perspectiva da história dos conceitos ”. In:
KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos”. Rio de Janeiro:
Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p.116.
20
“(...) A retrospectiva diacrônica pode dar acesso a camadas de significado que permanecem encobertas no uso
espontâneo da língua (...). A história dos conceitos põe em evidência, portanto, a estratificação dos significados
de um mesmo conceito em épocas diferentes. Com isso ela ultrapassa a alternativa estreita entre diacronia ou
sincronia, passando a remeter à possibilidade de simultaneidade da não simultaneidade que pode estar contida
em um conceito”. In: KOSELLECK, Reinhart, “Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos”. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006, p.115.
19
categorias trazidos nos pareceres de Agia e como este interpretou a lei e os fatos tendo como
base seus conhecimentos específicos e teóricos sobre o assunto do serviço indígena, a inteção
do rei, a justiça da lei e como argumentou por princípios políticos, jurídicos, econômicos e
culturais a necessidade da obrigação do regime de trabalho forçado e o arbítrio do vice-rei.
No terceiro capítulo atentaremos mais sobre a relação entre a teologia, por meio da
interpretação e do arbítrio que o vice-rei tinha, e o direito, utilizando conceitos como
consciência, prudência, intenção, vontade e razão. Utilizaremos as categorias retiradas da
obra de Agia para analisá-las dentro do sistema moral probabilista e comparar suas
características. Demonstraremos que a consciência tinha um peso moral que influenciava na
interpretação da lei e dos fatos em caso de dúvida. Neste capítulo teremos como base de apoio
à leitura dos pareceres do Fr. Miguel Agia, a obra teológica do jesuita e probabilista, Padre
Hernán Busembaum (edição de 1667), e do franciscano e também probabilista, Henrique
Villalobos (edição de 1622). Esses dois teólogos, escolhidos por serem de ordem religiosas
diferentes, são igualmente reconhecidos como probabilistas. Villalobos até se definiu assim, e
nos apresentou como entender esses conceitos e a solucionar a dúvida moral e prática por
meio do probabilismo.
No quarto capítulo retomaremos o debate sobre o serviço pessoal indígena
demonstrando qual foi a decisão tomada por Velasco em seu governo buscando entender o
que podia ser feito em seu arbítrio. Para tal finalidade, retomamos os pareceres de Agia
apresentando como os franciscanos chegaram e se instalaram na América para evidenciar,
concretamente, tudo o que foi dito nos outros capítulos de uma maneira mais pragmática e
comparativa com as opiniões e pareceres de outras ordens religiosas a respeito da Real Cédula
de 1601. Essa dissertação não teve como objetivo analisar o governo de Don Luis de Velasco
e nem o processo histórico dos serviços pessoais e por esse motivo esse conteúdo está no
último capítulo tendo como finalidade enxergar o concreto dentro do todo.
20
CAPÍTULO 1
PRINCIPAIS QUESTÕES SURGIDAS NOS SÉCULOS XVI E XVII A RESPEITO
DOS SERVIÇOS PESSOAIS INDÍGENAS
1. Contexto histórico
O contexto da Nova Espanha possuía muitas visões parciais. A dos conquistadores; a de
Cortés através das suas cartas; a de Las Casas, tida muitas vezes como contraditória; a própria
visão dos vencidos escrita por León- Portilla, e tantas outras. Tanto conquistadores
governantes, juristas, quanto eclesiásticos transmitiram o que pensaram, vivenciaram e
testemunharam. Não é nossa pretensão abarcar todas essas diferentes visões existentes de um
mesmo período, mas salientar que essa diversidade é importante e enriquece a pesquisa
histórica.
Estudar o território do Peru e suas conquistas não significa concentrar-se somente no
que ocorreu na América espanhola no início do século XVII nas províncias do Peru, mas
saber que as discussões ocorridas neste vice-reinado também estavam presentes em outras
regiões e que, de certa maneira, eram temáticas que abrangiam mais do que este espaço em
particular. A questão do serviço pessoal indígena, tema da Real Cédula de 24 de novembro de
1601, também era um problema para o México persistente até o século XVIII. E essa questão
do serviço surge na Real Cédula, não pela primeira vez, e nem especificamente para o Peru,
porque o debate sobre a dúvida indígena iniciado com Montesinos, depois continuado por Las
Casas e Sepúlveda, não havia sido resolvido para o século XVII e nem o seria até meados do
século XVIII.
Assim como a questão da obrigatoriedade do trabalho e a condição do índio, a teologia
também apresentou sua contribuição nessa história desde os projetos evangelizadores até as
orientações para os magistrados em suas dúvidas de como agir e sentenciar justamente.
Dentro desse espaço e tempo, o vice-reinado do Peru no início do século XVII, temos uma
vasta quantidade de temas discutidos, de problemas, de dúvidas e de acontecimentos que
alteraram a forma de administrar e de pensar a justiça e o direito indianos.
21
Estudar o sistema político da conquista e dos descobrimentos em seus aspectos
econômicos, políticos, religiosos, sociais e culturais era procurar entender um pouco mais
sobre essa realidade tão complexa da América. Quando a Coroa de Castela impulsionou as
navegações ao Novo Mundo, ela levou junto a esse projeto seus costumes, seu direito, suas
práticas, e, ao descobrir novos territórios, se redescobriu também.
A Espanha no século XVI possuía várias características segundo seus interesses. O
primeiro era seu caráter conquistador ampliado com o descobrimento do Novo Mundo1. O
segundo era a Espanha que construía catedrais, fundava universidades e professores com
espíritos delicados como Las Casas, Francisco de Vitoria e Cervantes. Para Löber, o espírito
empreendedor de uns poucos alterou a imagem de mundo de toda a humanidade pelo impulso
dado a novas esferas e novas maneiras de proceder. A tarefa da ciência não foi a de apenas
analisar estes resultados e encontrar novos caminhos, mas a de colocar estes resultados em
consonância com os princípios teológico-morais. Esta cooperação da ciência e da prática
conduziu a um aprofundamento dos problemas2.
Em questões econômicas, com o descobrimento da América, se reafirmou a mudança e
concentração do mercado europeu a Oeste. Cidades como Sevilha e Lisboa experimentaram
um impulso econômico não visto até então. O grande mercado e comércio com o Novo
1
Neste trecho de P. V. de Carro temos uma ideia do pensamento europeu no contexto do descobrimento da
América. “Al descubrirse el Nuevo Mundo era natural que se tratase de explotar y aprovechar sus riquezas
naturales, sin mengua del ideal religioso que impulsaba a nuestros Monarcas. Con esto se cumplía un precepto
divino, pues para eso nos dio el Creador las manos y la inteligencia, sujetando todos los seres inferiores y la
tierra al servicio de hombre. Por otra parte, la empresa del descubrimiento y la conquista no se hicieron sin
grandes gastos, ni era factible sostener en las nuevas tierras un ejército, ya fuese pequeño, sin resarcirse. Jamás
en la historia del mundo se ha hecho, ni se puede hacer una conquista con otros medios. Es algo humano y
natural. Por otra parte, en aquella época, tan distanciada de la nuestra, en cuanto a la organización económica del
Estado, las empresas guerreras y colonizadoras tenían casi tanto de iniciativa particular como de oficiales.
Estamos en un momento de transición entre lo feudal y el estatismo moderno. Las conquistas de América son de
esta naturaleza. Los particulares, conquistadores y pobladores, identificados con frecuencia en la misma persona,
ponen su valor, su brazo, su vida y sus haciendas en la empresa. El pretender que estos hombres arrostrasen
tantos peligros y gastos por el solo ideal cristiano, es pedirles algo que sólo los religiosos hemos hecho y
hacemos en todas las partes del mundo, en virtud de un Voto y de una Vida que nos separa del mundo, para
consagrarnos pr entero al servicio de Dios. Era, pues, natural que los Reyes no se mostrasen insensibles a estas
exigencias de orden práctico y de justicia”. In: D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogosjuristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por
los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.29-30.
2
LÖBER, Burckhardt, El Derecho de Sociedades en la Escolástica Española. Traducción y revisión por
Antonio Perez Martin. Opera Historica Ad Iurisprudentiam expectantia. Series Minor VI, Instituto de Historia
del Derecho Universidad de Granada, 1979, p.16.
22
Mundo, em virtude da grande necessidade de capital, foi alimentado por muitas companhias
mercantis3.
Como exemplo de contribuição cultural, o dominicano Francisco de Vitoria, procedente
da Escola de Paris, introduziu em 1526 na Universidade de Salamanca como base de suas
lições, a obra de São Tomás de Aquino – Summa Theologica, ao invés de repetir o mesmo
método de usar as Sententiae de Pedro Lombardo. Para Löber, essa mudança metodológica
fez com que Vitoria desse um novo passo ao ensino da doutrina escolástica. Como forma de
marcar essa mudança, salientaremos as diferenças entre as obras mencionadas.
As Sentencias eram uma obra teológica na qual as matérias jurídicas eram pouco
consideradas porque correspondiam a uma época em que o Direito Canónico não havia
conseguido sua autonomia como ciência e se integrava à Teologia. As novas mudanças da
Idade Moderna intensificaram e recorreram muito ao Direito, desta forma, uma obra
puramente teológica não respondia mais às necessidades, assim, esta foi deixada de lado para
ter como fonte de explicações a Suma Teológica de São Tomás de Aquino4.
Em comparação com as Sentenças, a Suma Teológica oferecia uma visão global do
mundo. Sobre o conceito geral da “virtude da justiça”, São Tomás de Aquino tratou tanto do
direito natural como do direito de sociedades5. A introdução desta obra na Universidade de
Salamanca no século XVI por meio de Francisco de Vitoria nos permitiu pensar sobre as
circunstâncias específicas da América puderam ser analisadas juridicamente, politicamente e
teologicamente, por meio do direito natural e da condição do índio.
A segunda escolástica espanhola se abriu com os comentários à Summa Theologica e
apareceu como base no ensino universitário de teologia, filosofia e direito. Dois séculos
depois de sua elaboração, a obra de São Tomás de Aquino forneceria um novo aspecto à
ciência e seria o ponto principal das discussões intelectuais nos tempos do Humanismo6.
A Summa Theologica dispunha aos seus estudantes de teologia um manual que abarca
todos os problemas da vida relacionados à teologia. Segundo Löber, a base dos
conhecimentos da escolástica, do aristotelismo e do direito romano-canônico construíram um
sistema geral de pensamento de cunho cristão-europeu. Em suas abordagens sobre as virtudes
3
LÖBER, Burckhardt, El Derecho de Sociedades en la Escolástica Española. Traducción y revisión por
Antonio Perez Martin. Opera Historica Ad Iurisprudentiam expectantia. Series Minor VI, Instituto de Historia
del Derecho Universidad de Granada, 1979, p.17.
4
Idem, p.20.
5
Ibidem.
6
LÖBER, Burckhardt, El Derecho de Sociedades en la Escolástica Española. 1979, op. cit. p.33.
23
encontrava-se um grande espaço dedicado à justiça. Frente às virtudes se situavam os
pecados, que afastavam o homem de sua finalidade, o conhecimento de Deus. Para São
Tomás de Aquino e para a época seguinte, Löber colocou que o direito era, todavia, uma parte
da moral. As considerações de São Tomás de Aquino sobre o direito formaram um ponto de
partida da jurisprudência do século XVI na Espanha7.
Mª Cruz Díaz de Terán Velasco8, para encontrar qual era o conceito de direito no século
XVI, evidenciou que a passagem da Idade Média para a Idade Moderna alterou a cultura, a
sociedade e a política da Europa. Para ela, durante essa passagem se produziu uma ruptura nas
estruturas sociais, apareceram novas ideias filosóficas proporcionando uma nova mentalidade
nas quais as ciências empíricas passavam a ocupar um lugar prioritário, a cristandade se
dividiu e o Estado Moderno se formou com o surgimento das monarquias absolutas9. Uma
dessas novas mentalidades foi provocada pelo renascimento das doutrinas sobre o direito
natural recuperadas na Segunda Escolástica10.
A retomada da obra de Terán Velasco e a discussão sobre a 2ª Escolástica evidenciam a
historicidade do pensamento de São Tomás de Aquino. Terán Velasco afirma que houve uma
alteração da cultura, da sociedade e da política e uma ruptura com as estruturas sociais,
contudo, pretendemos mostrar a retomada, a acomodação, o ajuste destes conceitos: o que
mudou, o que permaneceu e onde? A história dos conceitos, pela escrita, mostra que a tensão
entre o antigo e o moderno se mantinha.
Com a chegada do século XVI as doutrinas sobre o direito natural foram retomadas por
Francisco de Vitoria, Domingo de Soto, Luis de Molina e Francisco Suárez que souberam
acomodar o direito natural às novidades específicas de sua época de maneira a encontrar as
soluções para os problemas surgidos.
7
Idem, p.34.
TERÁN VELASCO, Mª Cruz Díaz de, Las diversas concepciones del derecho en el siglo XVI. Algunas
consideraciones. In: ITXASO, María Elósegui e AYUDA, Fernando Galindo, (Eds.) “El pensamiento jurídico.
Pasado, presente y perspectiva”. Un libro homenaje al Prof. Juan José Gil Cremades. El justicia de Aragón,
Zaragoza, 2008, pp.261-281.
9
TERÁN VELASCO, Mª Cruz Díaz de, Las diversas concepciones del derecho en el siglo XVI. Algunas
consideraciones. In: ITXASO, María Elósegui e AYUDA, Fernando Galindo, (Eds.) “El pensamiento jurídico.
Pasado, presente y perspectiva”. Un libro homenaje al Prof. Juan José Gil Cremades. El justicia de Aragón,
Zaragoza, 2008, pp.261-281, p.261.
10
Idem, p.265.
8
24
Francisco de Vitoria, comentando a obra de São Tomás de Aquino11, explicou que
existiam várias concepções para o termo direito: uma delas consistia no justo propriamente
dito. Para Terán Velasco, nesse caso, o direito seria prévio à justiça, pois em primeiro lugar
tínhamos a necessidade de atribuir a cada um as coisas, saber de quem era cada coisa, e cabia
somente ao direito fazer isso. Em segundo lugar, conhecida a “coisa justa”, podia então
entregar a cada um o que lhe correspondia, configurando um ato de justiça. Vitoria também
considerou como outras definições de direito, a jurisprudência – a ciência que conhecia o que
era justo – e a lei. Mas ele entendeu, segundo a interpretação de Terán Velasco, que nenhuma
dessas era a manifestação primária do direito e afirmou que dessas acepções se derivou a de
justiça12.
Já Domingo de Soto, também conhecedor da obra de São Tomás, sustentava uma
postura parecida com a de Vitoria. Para ele o direito, em sentido próprio, era um objeto da
justiça, a coisa justa, entendendo por justo o igual ou equivalente. Por ser assim, do direito
nascia “que la justicia tenga razón de virtude y la ley tenga razón de regla” 13. Partido dessa
ideia, a consideração de direito devia sempre anteceder à de justiça, já que o conhecimento de
toda virtude tinha de começar pelo o conhecimento de seu objeto14. Soto também considerou a
arte do justo e a lei como acepções do direito e afirmou que nenhuma dessas correspondia ao
conceito primário de direito.
Portanto, tanto de Vitoria quanto de Soto, Terán Velasco obteve a afirmação de que a
manifestação primária do direito era uma faculdade ou uma norma. Para os autores
mencionados, o direito era uma coisa que só podia ser determinada no caso concreto. A lei
seria apenas uma “cierta causa del derecho”15.
No desenvolvimento da Segunda Escolástica estas posições “realistas” foram se
diluindo a favor de posições mais próximas às teses modernas. Terán Velasco apontou que
escolásticos como Luis de Molina e Francisco Suárez quando explicaram as distintas
concepções de direito conservaram a de “coisa justa”, mas não consideraram a lei como ius e
como uma faculdade. Para eles o direito era a lei, a norma, e, essa norma outorgava
11
Há que ressaltar a diferença entre tomasiano e tomista. Fray Miguel Agia, ao retomar Tomás de Aquino podia
estar se referindo a um síntese da obra e não ao próprio Aquino. Temos a mediação. Autores lendo outros autores
e suas mediações e sínteses.
12
Idem, p.266-267.
13
Mª Cruz Díaz de Terán Velasco citando a obra Domingo de Soto De la justicia y el del Derecho. Trad. M.
González Ordóñez, Instituto de Estudios Políticos, Madrid, 1968. Lib. III, q. I., a.2, pág.194.
14
Idem, p.267.
15
Idem, p.267.
25
faculdades de ação. Em contrapartida, as faculdades podiam derivar tanto da lei como da
própria realidade natural, o que visto por Velasco significava que poderíamos pensar tanto em
direitos humanos concedidos pelas leis como de direitos naturais16.
De maneira geral, esses teólogos juristas do século XVI, ainda que distinguindo entre o
justo, que seria o ius e a lei, admitiram que o direito podia ser entendido como lei e também
como faculdade:
Contemplaron, por tanto, estas tres acepciones del Derecho y, por esto
mismo, puede afirmarse también que, con distintos matices, el
Derecho entendido como lo justo fue una constante en las obras de
todos ellos. Sin embargo, es cierto que a finales de siglo los autores se
van a mostrar titubeantes y eclécticos. No desean romper con la
tradición expresamente pero las circunstancias históricas les influyen
de manera decisiva: tienen ante sí el Estado moderno liberal –
individualista – no la republica medieval. El Estado dicta sus leyes, y
de ahí que ellos insistan en las leyes políticas como la fuente
fundamental del Derecho17.
Continuando a observar as influências e participações dos teólogos juristas do século
XVI e XVII nos debates sobre a conquista e evangelização da América e suas implicações no
direito indiano, passamos agora a nos atentar um pouco mais a esta relação entre a teologia e
o direito.
1.1. Debate teológico-jurídico sobre as Servidumbres personales
Com a finalidade de trazer à discussão os principais pontos e discussões que
motivaram tanto a construção da Real Cédula de 1601 quanto os pareceres do Fr. Miguel Agia
em 1604, ambos sobre os serviços pessoais indígenas nas províncias do Peru, retomamos os
debates teológico-morais sobre a legitimação do descobrimento, e conquista da América pela
questão indígena. Queremos demonstrar o quanto a teologia auxiliou, além do processo de
16
17
Idem, p.268.
Idem, p.269.
26
legitimação das conquistas do Novo Mundo, na construção de uma percepção política e
jurídica sobre os índios e seus serviços na administração colonial. Assim como também, o
quanto a teologia moral, por meio de seus tratados e juristas, influenciou nas decisões dos
juízes e vice-reis em suas deliberações acerca dos casos e das leis, tratando além do rito
penitencial, dos casos de consciência e de direito.
Venancio de Carro afirmou que a teologia era entendida por muitos autores como a
chave que definiu o processo de conquista e civilização na América. O pensamento teológico
explicou uma concepção ética e um valor moral que modificaram o direito acrescentando a
ele fundamentos teológicos18. Isso se deu porque o problema surgido com o descobrimento, a
conquista e a civilização da América era de caráter teológico-jurídico incapaz de ser resolvido
apenas com a ciência legalista. Dessa forma, para Venancio de Carro, tanto a história da
Espanha quanto a historia do direito internacional e de gentes se deve a teólogos-juristas
como Francisco de Vitória e Domingo de Soto19.
Em meio a várias questões de ordem teórica e prática havia algumas que podiam ser
examinadas juridicamente, mas, todas juntas, provenientes do descobrimento de terras
desconhecidas e complexas, pediam a intervenção da teologia porque esta era a ciência que
respondia às questões puramente religiosas e relacionadas a controvérsias teológicas
medievais20.
Logo após a conquista da América21 iniciaram-se os debates sobre a questão indígena e
sua legitimidade ética. As discussões teológico-morais foram importantes e revolucionárias
para um pensamento jurídico, político e expansionista, tendo como chave e justificativa o bem
comum. Os esquemas medievais receberam conotações modernas. O poder religioso do papa
se estendeu para as nações pagãs. A soberania imperial controlada pela igreja católica
18
D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teologia y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de
América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de
España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.01.
19
Idem, p.02.
20
Idem, p.04.
21
“España (…) no envió sólo conquistadores y soldados, como decimos luego; envió todo lo que tenía,
destacándose sus ejércitos de misioneros, portadores de su fe y de su Religión. El secreto del espíritu que animó
a nuestros Reyes, que presidió nuestras conquistas, y explica la obra de misioneros y teólogos, lo ciframos en
algo elemental para todo creyente: todos los hombres, sin distinción de razas y colores, somos hijos de Dios y
hermanos por naturaleza, con un alma inmortal, con destinos eternos. El Hijo de Dios se hizo hombre para ser el
Redentor de todo el género humano: id y predicad a todas las gentes, dijo el divino Maestro”. In: D. CARRO,
O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. Segunda
Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España, vol.18,
Salamanca, Apartado 17, 1951, p.19.
27
começou a desenvolver-se modernamente baseando-se na racionalidade ética e nos direitos
dos povos. As teses de Francisco de Vitória sobre os índios constituíram uma novidade no
pensamento teológico-moral e um fundamento para o direito internacional22.
Podemos observar nesse período da descoberta e colonização da América as
controvérsias a respeito da condição e defesa indígena entre os próprios religiosos de
diferentes ordens. A razão para tais discrepâncias, segundo P. Venancio de Carro era
proveniente da diferente formação teológica e dos diferentes professores que os orientavam,
além da distinta capacidade e formação teológica pessoal23. Esse seu argumento foi retirado
da obra de Vitoria, Relectio de Indis, na qual este teólogo-jurista defendeu que a origem das
leis de Índias deveria ser examinada de um ponto de vista histórico e teológico-jurídico. A
razão para tal análise parecia ser óbvia para Carro em sua leitura da obra de Vitoria. Para ele,
era função do jurista se dedicar à lei escrita e por essa mediar a justiça; ao teólogo cabia a
busca do que devia ser, de encontrar a justiça objetiva, eterna, estivessem escritas ou não24.
P. Venancio de Carro observou o problema das controvérsias em Índias pelo viés
teológico e histórico. Para tanto, ele retrocedeu até Santo Tomás de Aquino e o século XIII
para explicar a origem das ideias que influenciaram teólogos como Vitoria, Soto e outros25 e
se estendeu até o século XVII passando por Medina, Alfonso de Castro, Navarro Azpilcueta,
Covarrubias até Pedro Ledesma, Suárez e outros autores da Universidade de Salamanca26. E,
22
VIDAL, Marciano. “Historia de la teología moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América:
“problema moral”. Perpetuo Socorro. 27 Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.63.
23
D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de
América, 1951, op.cit. p.04.
24
Idem, p.05.
25
“Nuestro convencimiento nace del estudio directo de las obras de Santo Tomás y de los teólogos del XIV, XV
y XVI. Comparando razonamientos, analizando las mismas citas de los teólogos-juristas españoles del XVI,
podrá ver el lector la fuente común y el origen de sus ideas, que ellos supieron desenvolver con gran acierto,
aportando nuevas soluciones, pero siempre dentro del mismo sistema y siguiendo la misma trayectoria. (…)”, In:
D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América.
Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España,
vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.15.
26
P. Venancio de Carro explica a importância da Universidad de Salamanca e a influência do convento dos
dominicanos: “La Universidad de Salamanca, forja de casi todos los grandes teólogos-juristas, puede gloriarse de
este triunfo, pues desde ella esparció Vitoria sus enseñanzas desde 1526 a 1546, acompañándole en su labor
Domingo de Soto, desde 1526 a 1569, en que muere. Al lado de la Universidad debemos colocar, en justicia y
para ser exactos, al convento de Dominicos de San Esteban de Salamanca, pues en él vivieron los grandes
Maestros Vitoria y Domingo de Soto, y de él salen otros muchos teólogos, que hacen triunfar esas ideas en las
Universidades españolas, y los más célebres misioneros dominicos, que lucharon por la misma causa en el
Nuevo Mundo. A este convento pertenecían los tres dominicos más en vista, cuando se inicia la Controversia, los
Padres Pedro de Córdoba, Antonio Montesinos y Bernando de Santo Domingo, aunque residan en el de Avila,
28
pela perspectiva teológica o autor delineou como nasceram e quais eram os novos títulos
legítimos criados para justificar e qualificar a conquista espanhola.
Para este autor a teologia e os teólogos foram os primeiros a pensarem a condição
indígena ao repensarem a condição de liberdade, de alma, de escravidão e de direito. Parte dos
debates teológicos influenciaram os esboços das primeiras leis para as Índias. P. Venancio de
Carro salientou que nas perguntas do Padre Montesinos, em seu discurso em 1511 sobre a
condição do índio, “Estos no son hombres? No tienen animas racionales?” havia reflexos de
toda uma tradição teológico-jurídica tomista que originou o “Derecho de Gentes”, o “Derecho
Internacional” e as “Leyes de Indias”. Por isso, não se era de estranhar que as leis de Índias,
tanto as de Burgos de 1512 quanto as de 1542, estivessem associadas ao nome dos
dominicanos e de Montesinos, que provocou a Junta de Burgos, e o cardeal García de Loaisa,
presidente do então Conselho de Índias de 154227.
Tais debates teológicos influenciaram no desenvolvimento da normativa sobre o
trabalho indígena. As leis de 1542, a Real Cédula de 1601 e seu ajuste em 1609 demonstraram
que, por conta desse debate iniciado pela dúvida indígena, pelo discurso de Montesinos,
depois por Las Casas e Sepúlveda até os teólogos e juristas da Escola de Salamanca e as
várias Juntas, o direito indiano foi ganhando forma e representatividade.
Segundo Silvio Zavala, o problema da América recebeu várias críticas e opiniões
muito bem fundamentadas e necessárias, mas ao restringir os valores europeus e afirmar os
direitos dos índios, ainda que infiéis, colocou em termos “angustiosos” o problema da
justificação do avanço cristão nas novas terras o afastando dos termos da relação e destruindo
os títulos até então encontrados28:
Planteado así el problema, ¿qué títulos eran válidos, y cómo se podía
compaginar la invasión española de América con los derechos
reconocidos a los indios? No valían ahora las anteriores soluciones
logradas por la indebida extensión de valores europeos, sin virtud
humana general, o por la negación teórica de las condiciones jurídicas
de los gentiles americanos; se necesitaban soluciones capaces de
armonizar los dos términos de la relación, sin exagerar el uno ni
cuando el P. Domingo de Loisa y Mendoza, hermano del cardenal, organizó la primera expedición” In: D.
CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América.
Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España,
vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.17-18.
27
Idem, p.18.
28
ZAVALA, Silvio, Las instituciones jurídicas en la conquista de América. Tercera edición revisada y
aumentada. Editorial Porrúa, S. A. Av. República Argentina, 15, México, 1988, p.21.
29
deprimir el otro; además, los títulos debían ser justos en sentido
absoluto (no según derechos positivos) y satisfacer las exigencias
morales o de conciencia que en la época pesaban sobre las
resoluciones jurídicas. (…) Los teólogos, filósofos y juristas españoles
conocían los conceptos del Derecho natural, del de gentes y la
filosofía moral y política fundada en la consideración racional del
hombre, según las doctrinas aristotélicas y tomistas. De ahí salieron
las soluciones más importantes (…)29.
Para Marciano Vidal, tem que se reconhecer que a discussão teológico-moral sobre a
legitimidade ética da conquista da América não foi somente teórica, mas sim uma
interrogação que abalou a consciência dos governadores, originando neles o que se
denominou como dúvida americana30. Dessa virtude expansiva justificava-se, na teoria de Las
Casas, a prolongação na América das jurisdições europeias religiosas e civis, as quais deviam
ficar estritamente subordinadas à fé, causa e razão de sua extensão31.
Os reis católicos adaptaram-se à doutrina e bulas papais para terem legitimados,
oficialmente, os títulos da conquista e a possessão das terras descobertas ou a descobrir. Para
isso adaptaram-se à doutrina expressada por Clemente VI em 1344, pela bula Tuae devotionis,
depois pela bula alejandrina e o Tratado de Tordesilhas32.
29
Ibidem.
Marciano Vidal salientou que era impossível analisar todos os autores que trataram da questão da legitimidade
ética da conquista e os temas resultantes e concomitantes à questão indiana. Ele contabilizou a intervenção de 89
tratadistas, entre eles 32 professores de Salamanca entre os anos de 1522 e 1616. In: VIDAL, Marciano.
“Historia de la teología moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América: “problema moral”.
Perpetuo Socorro. 27 Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.64.
31
“Este título puede objetarse si se restringe el sentido universal de lo cristiano; pero si se admite la fe
sinceramente como necesaria a todos los hombres para salvarse y se interpreta sí el avance europeo que llevaba
este beneficio a los indios de América, se comprende que la solución reunía los requisitos teóricos necesarios.
Por eso, un defensor estricto de los derechos de los indígenas, como Las Casas, y otros muchos autores
(Francisco de Vitoria; fray Antonio de Córdoba; Gregorio López; fray Pedro de Aguado; fray Alonso de Castro e
Francisco Suárez), la aceptaron. Todos coincidieron en afirmar el derecho y la obligación de la Iglesia de
extender el evangelio a los gentiles y amparar a los predicadores, aunque hubo algunas discrepancias en cuanto
al modo de derivar la jurisdicción política española de la jurisdicción espiritual (…)”. In: ZAVALA, Silvio, Las
instituciones jurídicas en la conquista de América. Tercera edición revisada y aumentada. Editorial Porrúa, S. A.
Av. República Argentina, 15, México, 1988, p.22-23.
32
Clemente VI em 1344 havia concedido a Luis de la Cerda a soberania das ilhas Canarias sob a condição de que
nenhum outro governante cristão adquirisse o direito a sua possessão e com isso se declarasse pertencente à
Santa Sé e comprometido a pagar tributos. A doutrina era clara: somente o papa, vicário de Cristo podia declarar
a legitimidade da conquista de novas terras não pertencentes a outro príncipe cristão. Para tanto era preciso levar
em conta a aprovação de Portugal. Essa dupla atuação diplomática dos reis espanhóis originou as bulas
alejandrina, que oficializaram a legitimidade da possessão e o Tratado de Tordesilhas que estabeleceu os limites
de domínio de cada um das duas potências, Espanha e Portugal. In: VIDAL, Marciano. “Historia de la teología
30
30
Para Marciano Vidal, ao expor a moral medieval, o Papado foi adquirindo uma
autoconsciência de seu poder, não apenas no interior da igreja, mas também na sua relação
com as realidades temporais. O exemplo apresentado por esse autor estava baseado nas
petições feitas pelos monarcas, tanto de Portugal quanto de Espanha, com relação ao
descobrimento, conquista e colonização das novas terras. Tanto para Portugal quanto para
Espanha, estavam solicitadas nas bulas pontifícias três direitos: 1) fazer guerra a sarracenos,
pagãos e infiéis; 2) ocupar os domínios desses infiéis citados; 3) reduzir as pessoas
encontradas nessas terras de infiéis à escravidão perpétua como ganho de guerra 33. Nessas
bulas também estavam estabelecidas medidas de como repartir os bens obtidos na conquista,
considerando tanto a coroa quanto a própria igreja34.
P. V. de Carro considerou as Bulas de Alejandro VI com valor jurídico e internacional
dentro da mentalidade da Idade Média. Para ele, o papa usou de um direito reconhecido e fez
uma verdadeira doação em virtude dos poderes recebidos de Jesus Cristo. O papa conferiu
para as bulas uma missão espiritual e império temporal. Os reis católicos responderam aos
desejos deste e aos seus35.
O sermão de Montesinos foi proferido em 24 de dezembro de 1511 e citado por P. V. de
Carro sobre o relato de Las Casas:
¿Con qué derecho, con qué justicia tenéis en tal cruel y horrible
servidumbre aquestos indios? ¿Con qué autoridad habéis hecho tan
detestables guerras a estas gentes que estaban en sus tierras mansos y
pacíficos, donde tan infinitos de ellos, con muertes y estragos nunca
oídos, habéis consumido? ¿Cómo les tenéis tan opresos y fatigados,
sin dalles de comer y sin curallos de sus enfermedades? … ¿Estos no
moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América: “problema moral”. Perpetuo Socorro. 27
Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.65.
33
VIDAL, Marciano. “Historia de la teología moral. La moral en la edad moderna (ss. XV-XVI) 2. América:
“problema moral”. Perpetuo Socorro. 27 Colección: Moral y ética teológica. Madrid, 2012, p.66.
34
Idem, p.68.
35
“(…) Es posible que ni los Reyes Católicos, ni el mismo Papa, pensasen en las interpretaciones queridas a no
pocos juristas y teólogos (…), pero todos conceden a las bulas cierto valor internacional. El Papa les confiere,
sí, una misión espiritual, pero al lado de esta misión va unido un imperio temporal. Los Reyes Católicos
responden a los deseos del Papa, que eran también los suyos. Bajo este aspecto son edificantes las primeras
Reales Cédulas de nuestros Monarcas. Ya en la instrucción dada a Colón el 29 de mayo de 1493, y firmada en
Barcelona, al emprender el segundo viaje, se revelan estos nobles sentimientos. Se le encarga trate bien a los
indios, que no se les moleste, que se les enseñe nuestra santa fe”. In: D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La
teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos
españoles, dirigida por los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.2324.
31
son hombres? ¿No tienen ánimas racionales? ¿Esto no entendéis?
¿Esto no sentís? (…)36
Para P. V. de Carro, as expressões de Montesinos faziam referência a São Tomás de
Aquino e à ordem religiosa dominicana, que, mais tarde, por seu desenvolvimento teológicojurídico, daria vida ao mais acertado das “Leyes de Indias” e teólogos como Vitoria e
Domingo de Soto desenvolveram e ampliaram. Para este autor, destas indagações de
Montesinos sobre a condição humana dos índios surgiram as teorias teológico-jurídicas que
ampararam os direitos inerentes à personalidade humana:
Montesinos reflejó con exactitud la doctrina verdadera, que hunde sus
raíces en los principios de Santo Tomás. El sermón no era del P.
Montesinos sólo, fue antes discutido, examinado y aprobado por todos
los Dominicos de aquella pequeña residencia. Cuando Diego Colón y
demás autoridades, que estaban presentes, fueron a la choza-convento
de los Dominicos en plan de protesta, pudo contestarles el Superior Fr.
Pedro de Córdoba: “Lo que había predicado aquel Padre había sido
de parecer, voluntad y consentimiento suyo y de todos, después de
muy bien miradas y conferidas entre ellos, y con mucho consejo y
madura deliberación se había determinado que se predicase como
verdad evangélica y cosa necesaria a la salvación de todos los
españoles y los indios de esta Isla”. Ellos eran predicadores de la
verdad y estaban obligados “por derecho divino” a predicarla, sin que
por esto creyesen “deservir al Rey”, antes, al contrario, estaban
seguros de que “les daría las gracias”37.
Carro considerou que uma nova ciência teológico-jurídica surgiu desse acontecimento.
Como se estivessem duas forças contra opostas se testando: o teológico e o legal. Os
dominicanos da Española, com sua bagagem moral e teológico-jurídico, frente aos interesses
materiais dos conquistadores que se apoiaram em algumas cédulas reais, interpretadas e
aplicadas da maneira que lhe interessavam. As nuances entre o teológico e o legalista, entre a
força ideal e a razão prática eram uma das características da história interna da colonização
americana, mas, lentamente a teologia ia se infiltrando no direito indiano38.
36
D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de
América, 1951, op. cit. p.35.
37
Idem,, p.36.
38
Estas eran palabras citadas por Carro de Chacón e Calvo. D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los
teólogos-juristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles,
dirigida por los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.37.
32
Quando os reis conheceram do assunto, foram produzidas as deliberações de Burgos
que chocaram as doutrinas opostas aos repartimientos e à liberdade dos índios. O resultado
dessas deliberações foram as chamadas “Leyes de Burgos del 27 de diciembre de 1512”,
espécie de compromisso ou mudança entre as duas teses, mas apontando a derrota dos
dominicanos, uma vez que essas leis de 1512 sancionavam o caráter geral do sistema de
repartimientos, encaminhadas a um bom tratamento dos índios39.
Depois que Montesinos fez seu segundo sermão mantendo a mesma doutrina, os
encomenderos reagiram enviando cartas ao rei. Entraram nesse debate contra os dominicanos,
Miguel Pasamonte e o franciscano não letrado, P. Alonso de Espinar. Essa discussão foi
levada pessoalmente ao rei e este convocou a junta de Burgos como um meio de remediar o
que ocorria. Nesta junta estavam franciscanos, dominicanos, teólogos e licenciados de
Salamanca40.
Las Leyes no son ciertamente perfectas, pero en ellas se salva lo
fundamental, se salvan los principios, cuya trascendencia no parece
vean los dos autores citados. El Protector de los Indios al hablar de las
personas que intervinieron, tiene elogios para casi todos. Enemigo
radical de las encomiendas, alaba la buena intención del Rey y de los
miembros de la Junta, pero censura la permanencia de los
repartimientos de los indios con las encomiendas. Esta concesión la
atribuye a los interesados y falsos informes de los encomenderos, con
agentes muy activos en la Corte, que presentaban a los indios como
seres rudos, holgazanes, llenos de vicios, incapaces de gobernarse y
recibir la fe y el bautismo41.
Ainda que este debate tivesse apenas começado, Carro afirmou que nas próximas
cédulas reais e ordenações não se encontravam doutrina diferente da mencionada. Seguiram a
39
D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de
América, 1951, op. cit. p. 37.
40
P. V. de Carro salienta que estavam nesta Junta de Burgos Juan Rodriguez de Fonseca, bispo de Palencia,
Hernando de Veja, licenciado Luis Zapata, licenciado Santiago y Palacios Rubios, teólogos dominicanos, Tomás
Durán, Pedro de Covarrubias e P. Matías de Paz, professor em Valladolid e em Salamanca, licenciado Gregorio,
P. Montesinos e P. Espinar. D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles
ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por los Dominicos de
las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.43.
41
Idem, p. 44.
33
repartir os índios e as encomiendas, justificando com base em argumentos teóricos e
práticos42.
1.2. Economia colonial: Repartimientos e encomiendas
Juristas e teólogos buscavam encontrar a melhor formulação, em acordo com os
princípios doutrinais, políticos e econômicos, de fazer com que índios e espanhóis
convivessem da melhor maneira. As leis, instruções reais, ordenações de vice-reis, pareceres
de teólogos e juristas, decisões e sentenças evidenciaram uma tentativa de adequar os vários
interesses e perspectivas à realidade local e complexa da América. Havia nesses documentos a
percepção de um processo, legislativo, político, religioso e econômico que mencionava qual
era a condição dos índios, seus deveres, direitos, serviços e doutrinas. Nossa intenção é a de
apresentar um panorama desse contexto demonstrado pelo desenvolvimento da normatividade
do trabalho indígena, tanto pelas discussões teológico-morais – exibidas e discutidas no item
anterior-, quanto legislativas, citando a Real Cédula de 1601 até a de 1632.
Havia para a América espanhola a ideia de estruturar a população indígena em
unidades políticas e jurídicas autônomas, perfeitamente relacionadas com a sociedade
ocidental, a república de espanhóis, convivendo apenas dentro de um único conjunto, o do
estado espanhol nas Índias. Essa ideia foi se aprimorando aos poucos e arrastava pela própria
dinâmica dos fatos, pela maior eficiência na ocupação dos territórios e da população indígena.
42
“Es indudable que estas leyes constituyen un triunfo para la buena causa, que se inició en 1511, aunque ya los
Reyes Católicos se inspiren en este espíritu cristiano. Como escribimos en otra ocasión, podemos repetir de
nuevo: “No sé si por feliz coincidencia o porque las cosas tenían que suceder así, el hecho es que el progreso
evolutivo de la legislación de Indias, descrito brevemente por nosotros, est´encerrado entre dos nombres de la
Ordem Dominicana: el P. Montesinos con sus sermones en 1511, y el cardenal Fr. García de Loaisa, Presidente
del Consejo de Indias, que formuló las Nuevas Leyes de 1542, y que las firmó”. ¿Qué pasó después? Los
intereses creados levantaron un griterío ensordecedor, y las protestas fueron más que verbales. Era difícil, y hasta
imposible, deshacer de un golpe toda una organización social y civil, que llevaba muchos años de vida. En Perú
costó la vida a Blasco Núñez Vela, no siempre prudente en la forma de implantarlas a rajatabla. En Méjico, se
implantaron, pero con la consigna de no aplicarlas mientras no recibiese el Emperador los informes y
comisiones enviados por los encomenderos”. D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogosjuristas españoles ante la conquista de América. Segunda Edición, Biblioteca de teólogos españoles, dirigida por
los Dominicos de las Provincias de España, vol.18, Salamanca, Apartado 17, 1951, p.48 e 67.
34
Sobre esse pensamento, Ronald Mansilla43 apontou que diante da política dos fatos
consumados, os juristas – com pareceres enfrentados em intermináveis polémicas – se viam
obrigados a buscar a melhor formulação, dentro dos princípios doutrinais vigentes, para
integrar os povos indígenas ao novo Estado, considerando que este recebeu características
distintas em cada um dos territórios44.
Os serviços pessoais, a utilização e exploração intensiva da mão de obra indígena
somada ás terríveis circunstâncias, caracterizaram a primeira etapa da colonização e acabaram
praticamente com os índios. Tudo isso, segundo Mansilla, determinou o fracasso de qualquer
convivência institucional entre índios e espanhóis45. Era mais evidente em México do que em
Peru, a convicção da necessidade de integrar os índios dentro dos “reinos indianos”, de formar
apenas uma realidade jurídica com duas sociedades diferentes, a espanhola e a indígena, e
suas respectivas repúblicas46. Para essa organização e integração era muito importante, além
da realidade e circunstâncias dadas pelo processo colonizador, o desenvolvimento do regime
de trabalho indígena, a encomienda e os repartimientos, e as formas de evangelização 47.
Patricio Hidalgo Nuchera aponta que o descobrimento da América respondeu a uma
série de necessidades específicas da economia europeia de finais do século XV. Entre essas
necessidades estavam os metais precisos necessários para cobrir o déficit do comércio com o
Oriente, porque as mercadorias europeias exportadas como pano, vinho, azeite, estanho, não
eram maiores do que as importadas da Ásia. O descobrimento das minas de ouro e prata no
Novo Mundo permitiu cobrir tal déficit, vinculando a partir de então as Índias ao sistema
capitalista mundial48.
43
MANSILLA, Ronald Escobedo., “Las comunidades indígenas en el Perú y Nueva España. Estudio
Comparativo”. In: BARRIOS PINTADO, Feliciano (coord.), Derecho y administración pública en las Indias
Hispánicas: actas del XII congreso internacional de Historia del Derecho indiano. Toledo, 19 a 21 de Octubre,
1998, Cuenca Cortes de Castilla – La Mancha: Volumen I. Ediciones de la Universidad de Castilla – la Mancha,
2002, pp.601-619.
44
MANSILLA, Ronald Escobedo., “Las comunidades indígenas en el Perú y Nueva España. Estudio
Comparativo”. In: BARRIOS PINTADO, Feliciano (coord.), Derecho y administración pública en las Indias
Hispánicas: actas del XII congreso internacional de Historia del Derecho indiano. Toledo, 19 a 21 de Octubre,
1998, Cuenca Cortes de Castilla – La Mancha: Volumen I. Ediciones de la Universidad de Castilla – la Mancha,
2002, pp.601-619, p.604.
45
Idem, p.605.
46
Idem, p.606.
47
Idem, p.607.
48
“En el caso concreto de las Indias españolas, su integración y articulación con el sistema económico mundial
se realiza a través de sus recursos metalíferos, sobre todo la plata, sector productivo “dominante” respecto a los
demás sectores productivos de la economía colonial. Para canalizar estas riquezas hacia la metrópoli se ideó un
35
A condição do trabalho indígena foi dividida por Nuchera em seis fases. A primeira
fase iria até 1549 porque os proprietários de terras, que eram encomenderos, usaram seus
índios de encomienda49 como o tributo devido em serviços pessoais e sem nenhum
pagamento. No começo, como o tributo não estava estabelecido, o encomendero submetia
seus índios a um trabalho forçado sem limites -“encomienda de servicios”-, exploração essa
que teve fim em 1536 quando foi aprovada a imposição da taxação dos tributos por uma visita
à terra –“encomienda de tributo”-, e ainda se permitia os serviços pessoais. Em 1549 foi
proibido o serviço dos índios contra sua vontade, mandando que houvesse um salário para os
índios que estivessem livres. As Leyes Nuevas de 1542 proibiram a escravidão indígena e os
serviços pessoais forçados de naborías y yanaconas50 retirados de suas comunidades originais
e explorados pelos espanhóis51.
A segunda fase do trabalho indígena para Patrício Nuchera durou pouco mais de um
ano, de 1549 a 1550. Em efeito, apesar do legislado, a mudança desde o sistema anterior de
trabalho forçado e não remunerado para o trabalho voluntario e remunerado não foi imediata.
A principal causa apontada por esse autor foi a falta de incentivo entre os índios de participar
sistema comercial que hacía llegar a ésta, en forma de moneda o de lingotes, la plata americana tanto para la
corona – obtenida vía fiscal – como para el pago de las mercancías – la mayor parte de ellas foráneas – enviadas
por los comerciantes sevillanos a los mexicanos y limeños. Hay que mencionar un hecho de graves
implicaciones futuras: el ser los metales preciosos el eje de todo este sistema implicó el desequilibrio de la
economía americana a favor del sector minero y el de la exportación de sus productos a Europa”. NUCHERA,
Patricio Hidalgo., “La economía colonial”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.) Historia de América,
Ariel, Barcelona, 2006, pp.451-528, p.451-2.
49
Isacio Pérez ao estudar as primeiras instituições hispano-indianas retoma seus antecedentes antes da chegada
de Cristóvão Colombo. Tais antecedentes apontavam, para ele, o caminho que conduziu a criação das
encomiendas. A função de Colombo era a de enviar riquezas aos reis: espécies da terra (pimenta, algodão,
canela), outro obtido dos indígenas como tributo ou pelo trabalho destes nas minas que foram descobertas em
1494 e receberam índios escravos e repartidos. Nas palavras de Isacio Pérez, além de escravizarem os índios
cativos nas guerras, de repressão ou rebeliões contra seu senhor espanhol, e tratá-los como escravos, os índios
que sobravam eram repartidos entre os espanhóis para seu serviço e benefício – serviço pessoal obrigatório.
Dessa maneira surgiram os “repartimientos” de índios não escravos para o trabalho nas minas para proveito dos
espanhóis. Esses “repartimientos” eram os antecedentes imediatos das “encomiendas”. Por sua vez, a
encomienda foi instituída pela rainha Isabel, a Católica, e, em sua ideia, essa consistia em “encomendar” ou
entregar índios aos espanhóis para que cuidassem deles, se beneficiassem de seus serviços e os doutrinassem na
fé católica. O sistema de trabalho conhecido como encomiendas passou por várias transformações, desde essa
idealização pela rainha, até ser implementada por Ovando. Para saber mais sobre essa diferença entre as
encomiendas, consultar: FERNÁNDEZ, Isacio Pérez., El Derecho Hispano-Indiano. Dinámica social de su
proceso histórico constituyente. Editorial San Esteban, Salamanca, 2001, p.30.
50
Estas eram categorias sociais pré-hispânicas que faziam alusão aos indígenas das Antilhas e dos Andes.
51
NUCHERA, Patricio Hidalgo.,“La economía colonial”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.) Historia
de América, Ariel, Barcelona, 2006, pp.451-528, p.454.
36
voluntariamente em um regime laboral de livre contratação52. Por conta disso que a coroa
fundou imediatamente um sistema intermediário, que correspondia à terceira fase de 1550 a
1601. Nesse novo sistema o repartimiento seria obrigatório e remunerado da mão de obra
indígena e teria um funcionário responsável por regular o tempo e o tipo de ocupação de cada
repartimiento, estes funcionários eram os “jueces repartidores”:
Este sistema no fue novedoso para los indígenas, pues hundía sus
raíces en una institución prehispánica conocido con el nombre de
coatequil en Nueva España y mita en el Perú. El nuevo sistema laboral
– llamado repartimiento, pero también con sus nombres prehispánicos
– regulaba el trabajo indígena de la siguiente manera: obligación del
indios a concertarse para el trabajo; dicho concierto se haría siempre
por medio de las justicias reales, nunca por particulares; control del
pago de salarios; y moderación y castigo de los excesos53.
Os juízes repartidores reuniam todos os trabalhadores indígenas para depois distribuilos para os trabalhos nos campos, minas, obras públicas ou serviços domésticos. Tratava-se de
reunir um pequeno “mercado de mano de obra indígena” disponível para o benefício geral da
população espanhola, fossem encomenderos ou não. Para Patricio Hidalgo Nuchera, esta nova
forma de trabalho significava, mesmo que compulsivo, o recebimento de um pagamento e
certa moderação por parte das autoridades públicas, tanto das horas como do caráter do
trabalho. Era um trabalho retribuído e moderado que logo já permitira abusos e
arbitrariedades, ameaças, castigos e subornos aos juízes repartidores54.
Os abusos contra os índios continuavam e o repartimiento era considerado como uma
instituição contra a liberdade indígena. Em 1601 se tentou uma nova regulação do trabalho
indígena. A Real Cédula de 24 de novembro de 1601 foi escrita em Valladolid e ficou
conhecida como a “cédula del servicio personal” que tinha como finalidade substituir o
repartimiento forçado pela contratação livre nas praças. O que significava que ao invés de
serem distribuídos por um juiz repartidor, os trabalhadores indígenas escolheriam livremente
o melhor lugar. Esta era para Hidalgo Nuchera a quarta fase do trabalho indígena, de 1601 a
1609. Essa fase fracassou, segundo os colonos, devido ao rechaço do trabalho por parte do
índio. Este fracasso deu lugar a uma volta atrás no posicionamento da coroa, que em 26 de
52
Idem, p.455.
Idem, p.455.
54
Ibidem.
53
37
maio de 1609 autorizou novamente o “repartimiento” compulsivo, mas limitado somente à
agricultura e minas, proibindo o trabalho nos obrajes, nos moinhos de açúcar e na pesca. A
quinta fase abarcava de 1609 a 1632. Em 31 de dezembro de 1632 se suprimiram
definitivamente os repartimientos, exceto para os trabalhos nas minas55.
Para P. V. de Carro, a análise das Reais Cédulas desses anos abarcados dentro dessas
seis fases encontradas por Nuchera revelou que cada vez ficava mais claro o contraste entre os
abusos e a correção por parte das leis, entre as concessões às exigências dos conquistadores e
encomenderos e o cuidado com os índios56.
1.3. Real Cédula de 24 de noviembre de 1601
A Real cédula de 24 de novembro de 1601, também conhecida como a cédula do
Servicio Personal, foi escrita em Valladolid e dirigida a Don Luis de Velasco, vice-rei do
Peru desde 1595. Nesta cédula de 27 cláusulas estavam referidas todas as formas de serviços e
os cuidados que em cada um se devia proibir ou tolerar57.
55
“No en todas partes desaparece la institución del repartimiento. James Lockhart señala que duró poco en las
regiones centrales de América (México y Perú), per mucho en otras. Así, en las regiones centrales, donde había
muchos españoles compitiendo por la mano de obra, el repartimiento duró poco por dos motivos: porque las
colectividades indias contaban cada vez con menos trabajadores para enviar, motivo por el que muchos
españoles obtenían un cupo menor del esperado; y, en segundo lugar, porque la exigua paga producía
trabajadores inmotivados. Así, pues, poco a poco muchos hacendados empezaron a contratar mano de obra
temporal suplementaria. En cambio, en lugares alejados, con poca presencia española, el repartimiento se
prolongó en el tiempo hasta fines de la época colonial. Desde entonces y en las regiones centrales, el destino
preferente para muchos indios fue la hacienda. Al principio, este sistema de trabajo libre remunerado fue
compatible con la conservación de los pueblos de indios, pues muchos gañanes o peones continuaron viviendo
en sus pueblos, pagando sus tributos y participando de la vida comunitaria. Pero con el tiempo acabaron por
establecerse en las haciendas de un modo permanente, se desvincularon de sus comunidades de origen y cesaron
de pagar el tributo, con la protección y connivencia de los hacendados españoles y la oposición de las
autoridades indígenas. Comparado con este sistema, el de la encomienda evitaba desarraigar al indio de su
comunidad y de su tierra, a cuya propiedad no podía acceder el encomendero”. NUCHERA, Patricio Hidalgo.,
“La economía colonial”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.) Historia de América, Ariel, Barcelona,
2006, pp.451-528, p.456.
56
D. CARRO, O.P., Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos-juristas españoles ante la conquista de
América, 1951, op. cit., p.33.
57
PEREIRA, SOLÓRZANO, Juan de, Política Indiana., Tomo I, Libro II, Capítulo II, n.12, ediciones Atlas,
Madrid, 1972, p.144
38
Apresentaremos o conteúdo das cláusulas desta Real Cédula de 24 de novembro de
1601 da maneira como estas foram ordenadas e dispostas pelo rei com a finalidade de
analisarmos quais eram os assuntos trazidos por este ao tratar da servidão pessoal indígena.
Queremos responder às seguintes perguntas: Como o rei Felipe III tratou e pensou o serviço
pessoal indígena e sua obrigatoriedade por essa norma? Quais argumentos ele apresentou para
proibi-los ou permiti-los? Direcionava o cumprimento de suas ordens apenas para o vice-rei
ou outras autoridades? Como apelava para a efetiva aplicação da sua lei? Como conferia
espaço para o arbítrio do vice-rei? Qual era sua vontade e intenção a respeito dos serviços
pessoais? Depois de respondermos a essas perguntas, e de olharmos para elas apenas pelo
disposto na Real Cédula, apresentaremos quais foram os conselhos e opiniões interpretados
por Fr. Miguel Agia sobre essas mesmas cláusulas mencionadas, e dessa forma teremos uma
ideia do processo interpretativo realizado por esse teólogo e jurista que orientava o vice-rei.
A Real Cédula de 24 de novembro de 1601 continha as normas radicais para reprimir
os abusos cometidos pelos encomendeiros aos índios e seus serviços pessoais e nas minas.
Ainda que os termos da dita cédula mostravam-se decididos ao propósito de acabar para
sempre com a opressão que os índios sofriam, tais termos se prestavam a distintas
interpretações, cada uma das quais afetava gravemente aos interesses particulares e também
podiam prejudicar a organização e o rendimento da economia pública indiana.
Na introdução da Real Cédula o rei afirmou que os índios eram livres enquanto
vassalos seus e que nesta condição tinham deveres, e, que era função do vice-rei cuidar pelo
cumprimento desses deveres. O vice-rei estava obrigado a cuidar da conservação, propagação
e aumento dos índios e seus trabalhos atentando-se à conservação e perpetuidade das
províncias do Peru porque uma coisa dependia da outra. O rei reconheceu que, para manter
suas províncias e interesses, os índios deviam ser conservados e uma maneira de fazer isso era
estabelecendo nesta Real Cédula a diminuição dos abusos causados pelos serviços pessoais58.
58
“(…) para que los indios vivan con entera libertad de vasallos según y de la forma que los demás que tengo en
esos y estos reynos y otros sin nota de esclavitud ni de otra subjecion y servidumbre mas de la que como
naturales vasallos deven y que mirando por su conservación propagación y augmento de tal manera se acuda a
esto que mediante el trabajo, industria, lavor y grangeria de los mesmos yndios se atienda a la perpetuidad y
conservación desas provincias como cossa que es tan forçosso y depende la una de la otra y aviendose visto en
mi consejo Real de las Indias todo lo que cerca desto esta proveydo y las relaciones y pareceres que sobre ello
han dado personas de mucha experiencia, letras y consciencia y lo que de parte de los encomenderos y otros
vizinos de ese reyno y de las demás provincias de las Indias se ha representado y haviendosse juntado por mi
mandado otros ministros y personas graves y doctas y de mucha prudencia y larga experiencia para ver conferir
y tratar de negocio de tanta importancia y consultadosseme todo lo que ha parecido sobre ello me he resuelto en
39
Na primeira cláusula estava disposto para que todos se ocupassem e trabalhassem para
o serviço da República, recebessem comida conforme a qualidade e o tempo de seu trabalho,
sem que o trabalho dos índios fosse excessivo59. Na segunda cláusula o rei ordenou o fim dos
serviços pessoais que se repartiam por via de tributos nas encomiendas em todas as províncias
do Peru e demais partes do reino:
Para cuyo remedio ordeno, y mando, que de aquí adelante no haya, ni
se consienta en esas Provincias, ni en ninguna parte de ellas los
servicios personales, que se reparten por via de tributos á los Indios de
las encomiendas: y que los jueces, y las personas, que hicieren las
tasas de los tributos, no los tasen por ningún caso en servicio personal,
ni le haya en estas cosas, sin embargo de qualquiera introducción,
costumbre, ó cosa, que cerca de ello se haya permitido; só pena que el
encomendero, que usarre de ellos, y contraviniere á esto, por el mismo
caso haya perdido, y pierda su Encomienda: lo qual es mi voluntad,
que asi se cumpla, y execute, y que el tributo de los dichos servicios
personales se conmute, y pague como se tasare, en frutos, de los que
los mismos indios tuvieren, y cogieren en sus tierras, ó en dinero, lo
que de esto fuere para los indios mas cómodo, y de mayor alivio, y
menos vexacion60.
Na terceira cláusula o rei mandou para os trabalhos que exigissem muito dos índios
que estes fossem realizados por negros, mesmo que aqueles afirmassem que o faziam por livre
vontade, sem força e persuasão. A vontade do rei era a de preservar a saúde dos indígenas
substituindo-os por negros, e para cumpri-la encarregava o vice-rei e apelava para as justiças
de seus juízes sob pena de serem suspensos de seus ofícios por dois anos:
Aunque se diga que lo hacen de su propia voluntad sin apremio fuerça
ni persuacion alguma con paga ni sin ella ni aunque intervenga
consentimiento de sus caciques autoridad de la justicia (…) es mi
voluntad y mando que asi se cumpla precisamente sin embargo de
qualesquier leyes, ordenanças, cedulas y provisiones que en
contrario desto estén dadas que si necesario es por la presente las
reboco y doy por ningunas y que las justicias no puedan condenar
prover y hordenar lo siguiente”.In: AGIA, Fr. Miguel, Servidumbres personales de índios, Edição e estudo
preliminar por AYALA, Francisco Javier de, Escuela de estúdios hispano-americanos, Sevilla, 1946, Real
Cédula de 24 de noviembre de 1601, p.32.
59
Real Cédula, clausula 1ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p 32.
60
Real Cédula, clausula 2ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.33.
40
ni pechar a los indios a servicio de los dichos obrajes (…) y encargo y
mando a vos el mi virrey presidentes y oidores de mis audiencias
reales de las dichas provincias del Peru, Quito y Charcas (…) que
hagáis executar (…) so pena a las justicias y juezes que contravinieren
a esto de suspenssion de oficio por dos años (…) y es mi voluntad que
sea caso de residencia y visita (…) pena de suspensión de sus oficios
por tiempo de un año61.
Na quarta e quinta cláusulas estavam mencionadas os cuidados com os trabalhos
executados pelos índios fazendo referência às ordenações do vice-rei antecessor a Velasco,
Don Francisco de Toledo62. Na sexta cláusula o rei ordenou que os índios que estivessem
detidos nas chácaras das províncias do Peru sem liberdade e nem doutrina fossem avisados
publicamente que podiam abandonar tais chácaras quando e como quisessem, e que não
voltariam a ser compelidos e forçados a estarem nelas. O próprio rei orientou como queria que
essa sua ordem fosse executada. Ele reforçou que uma forma de melhor cumpri-la era
mandando que os ouvidores das audiências visitassem essas chácaras e que estes em suas
visitas não consentissem tais abusos, a menos se os índios afirmassem que o faziam
voluntariamente, por tempo e forma que quisessem63. Cabia ao vice-rei a função de guardar e
cumprir essa ordem inviolavelmente. Esta Real Cédula, em nossa interpretação, se
apresentava contraditória uma vez que os ouvidores teriam que perguntar a cada índio, que
considerassem que trabalhavam obrigados, se os faziam realmente. Percebemos que o rei
salientou que queria, para que sua norma fosse cumprida, que seu vice-rei soubesse que havia
encarregado a ele e aos ouvidores. Dessa forma a função do vice-rei não era apenas a de fazer
cumprir a Real Cédula, mas a de saber se os ouvidores também a cumpririam.
Na oitava cláusula, o rei afirmou que sua intenção não era a de fechar as mencionadas
chácaras que tratavam os índios como escravos, os obrigando contra sua vontade e não os
doutrinando como o exigido. Sua intenção era a de que estes índios tivessem tudo o que fosse
61
Real Cédula, clausula 3ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.35.
Real Cédula, clausula 4ª e 5ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.36.
63
“(…) y para que mejor se cumpla lo susso dicho mando que los oidores de las audiencias en cuyo distrito
cayeren las dichas chacaras y heredades quando salieren a visitar la tierra las vissiten y no consientan que los
indios que hallaren en ellas estén contra su voluntad ni con ningún genero de servidumbre executando en los
culpados las sobre dichas penas (…) que tan solamente se permite de aquí adelante es que puedan servir en las
dichas chacaras y heredades de los indios que quissieren servir en ellas de su propia voluntad por el tiempo y en
la forma que voluntariamente se concertaren y mando a vos el mi virrey que al presente says o adelante fueredes
lo hagays guardar y cumplir imbiolablemente”. Real Cédula, clausula 6ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres
personales de índios. Sevilla, 1946, p.38-39.
62
41
necessário para não serem oprimidos e presos a estas chácaras contra a sua vontade, como já
vinha acontecendo. Essa sua intenção foi justificada pelo rei como uma maneira de melhor
aproveitar e conservar os índios:
Y porque mi intención no es de quitar a las dichas chacaras heredades
y viñas el servicio que han menester para su lavor y beneficio sino que
teniendo todo el necesario los indios no sean oprimidos ni detenidos
en ellas contra su voluntad como lo han sido por lo pasado (…) los
indios puedan acudir al beneficio y lavor de las dichas chacaras y
heredades y puedan ser dotrinados e instruidos en las cosas de nuestra
santa fe catholica (…) para el aprovechamiento y conservación de los
indios64.
Nessa cláusula o rei demonstrou que estava ciente de que esse abuso já ocorria
quando argumentou que os índios não deviam ser oprimidos como eram no passado, e que sua
intenção estava voltada para a conservação desses. Reforçou a importância da doutrinação dos
índios e a importância do trabalho desses para o beneficio de todos.
Na cláusula décima estava ordenado que tudo devia ser cumprido para a conservação e
benefício dos índios e que quitar os repartimientos não significava acabar com os serviços
pessoais. Mas, os índios que se recusassem a trabalhar, como eram obrigados por sua
condição natural, que servissem e trabalhassem porque não se sustentava e nem se conservava
a terra sem tal serviço indígena. Diante dessa utilidade, parecia melhor ao rei mandar e
ordenar que os índios fossem compelidos a estes serviços, por meios suaves que parecessem
ao vice-rei e conviesse para a conservação dos índios, da República e seu comércio. Para
exercer essa norma, o rei conferiu poder e faculdade a Velasco e permitiu-lhe conceder, se
assim fosse conveniente, que houvesse repartidores de índios, mesmo que de maneira forçada:
(…) y relevarlos de los dichos repartimientos no se convierta en su
descomodidad y mayor daño y de la republica y con que los yndios
que de su natural condición rehussan el trabajo y son inclinados a
olgar que les es de gran perjuicio han de servir, trabajar y ocuparse en
los dichos servicios (…) porque no se podría sustentar no conservar la
tierra sin el trabajo servicio e industria de los indios conbendra y assi
lo ordeno y mando que sean compelidos a ello en la forma como y por
los mas suaves medios que os pareciere y proveyeredes y ordenaredes
para ello de manera que teniendo respecto y consideración a todo lo
64
Real Cédula, clausula 8ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.40.
42
referido lo dispongays de la manera que mas conviniere para la
conservación de los mesmos indios y de esa republica y comercio
della para lo qual os doy poder y facultad y en caso que por estas
causas convenga y sea forçoso que aya repartidores de los dichos
indios”65.
Nesta cláusula, percebemos que o rei tratou o serviço dos índios de maneira distinta do
que na ordem anterior. Na anterior, ele permitia que os índios não trabalhassem contra a
vontade, e nessa afirmou que os que se recusassem ao trabalho estavam obrigados a esse
justamente porque fazia parte da sua condição natural. A causa de compelir os índios era
argumentada pelo rei pela necessidade e utilidade públicas. Nesse argumento da conservação
dos índios e da República, o serviço indígena era obrigatório, permitido mesmo que contra a
vontade, e o vice-rei tinha poder e faculdade para agir conforme lhe parecesse mais
conveniente, nem que para isso houvesse repartidores. Observamos uma contradição entre as
cláusulas da Real Cédula. Esta contradição que vemos estava justificada pelo rei pelo
argumento da utilidade pública e isso, segundo Paolo Prodi, era usual para a época 66. Ou seja,
o serviço pessoal dos índios era tratado pelo rei de acordo com seus interesses e com o que
julgava mais necessário e útil. O rei também conferia nessa norma um espaço para o vice-rei
usar de seu arbítrio como melhor lhe parecesse. A forma que o rei apresentou para que essa
sua cláusula fosse executada era dando poder e faculdade a Velasco.
Na décima segunda cláusula, o rei reconheceu que a conservação das províncias
dependia do serviço dos índios, dos benefícios trazidos pelas minas, do ouro e da prata. Que
os indígenas, acostumados e habituados a esse trabalho, deviam trabalhar, e enfatizou a
importância e riqueza de Potosí para essa conservação.
(…) y por esto y estar abituados y acostumbrados en ello en ningún
caso se pueden escusar de acudir a esto mas deseo mucho y conviene
que sean relevados en quanto fuere posible (…) y que los mineros se
provean de negros en la quantidad que pudieren (…) considera por de
mayor importancia es el beneficio del cerro de Potossi de que se a
65
Real Cédula, clausula 10ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.41.
Paolo Prodi apontou que houve uma alteração na justificativa do poder. Antes esse se justificava como sendo
um instrumento para dominar o pecado, e depois, nos princípios da Idade Moderna, era justificado pela sua
função, utilidade e interesses públicos, como o “bem comum”. O exercício do poder passou a ser justificado
pelas necessidades e utilidades públicas, o que alterou a noção de poder e política dessa época. PRODI, Paolo.
Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.181.
66
43
sacado y va sacando y se espera que se sacara tanta riqueza
conservándose como conviene lo que para esto he acordado que se
haga es67.
O rei obrigou o índio a trabalhar argumentando, outra vez, pela necessidade pública da
conservação de suas províncias. Dessa vez, a causa não era a rebeldia indígena, mas a
consideração de que estes já estavam habituados e acostumados ao serviço nas minas. O
costume e o hábito foram utilizados pelo rei como a causa que justificou o seu argumento pela
obrigatoriedade do serviço e sua utilidade pública.
Na décima quinta cláusula, o rei ordenou que todos os índios trabalhassem nas minas,
fossem esses espanhóis, mestiços, negros ou mulatos livres, não permitindo gente ociosa na
terra68. Na cláusula seguinte, ele mandou, de acordo com sua vontade, que todas as pessoas e
todos os índios trabalhassem nas minas e se pagassem a eles conforme seus trabalhos e
ocupações. Que se tivesse um cuidado particular com a saúde e bom tratamento desses, tanto
espiritual quanto temporal69. Na décima oitava cláusula, o rei proibiu o repartimento de índios
para o beneficio e trabalho que não fosse nas minas de Potosí, e que era permitido alugar os
serviços desses porque essa era a forma mais conveniente para seu bom tratamento e
cuidado70. Na próxima cláusula estava afirmado que os índios eram livres por natureza e
assim deviam ser tratados e que em nenhum caso fossem escravizados71.
Na vigésima primeira cláusula, o rei ordenou que se fizessem populações de índios
para que suas enfermidades fossem tratadas e tivessem conhecimento da doutrina e dessa
forma as ditas populações trabalhariam por vontade própria72. Na vigésima terceira, ele
retomou a ordem de substituir os índios por negros nos trabalhos nas minas, sob a alegação de
estar preservando e beneficiando estes:
(…) y porque mi voluntad es que sean relevados del en quanto se
pueda ordeno y mando que de aquí adelante no se desaguen con indios
las dichas minas sino que se haga con negros o con otro genero de
gente lo qual encargo y mando a vos el mi virrey tengáis particular
cuidado de prover y ordenar que asi se haga y cumpla en quanto fuere
67
Real Cédula, clausula 12ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.42.
Real Cédula, clausula 15ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.44.
69
Real Cédula, clausula 16ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.44.
70
Real Cédula, clausula 18ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.45.
71
Real Cédula, clausula 19ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.46.
72
Real Cédula, clausula 21ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.48.
68
44
posible o como mas convega al mayor beneficio, seguridad y alivio y
menos vexacion de los indios y de manera que por esta causa no cesse
el beneficio y lavor de las minas73.
O rei mencionou nesta cláusula que sua vontade era a de que os índios não trabalhassem
nas minas, sendo substituídos por negros ou outros, porque era considerado mais conveniente
resguardar os índios, garantindo sua segurança, porque dessa maneira se resguardava também
o benefício e trabalho nas minas.
Na vigésima quarta cláusula, o rei colocou qual era sua intenção e interpretação de
justiça. Reforçou que os índios deviam se ocupar em todas as coisas necessárias à República,
fossem pagos e estivessem satisfeitos. Para o cumprimento dessa norma, o rei encargou de
novo ao vice-rei mandando que este, caso tivesse necessidade, buscasse pareceres com
pessoas práticas em cada assunto e trabalho, e que depois de haver ouvido os pareceres dessas
pessoas com experiência, tomasse sua decisão:
Y porque es justo y conforme a mi intención que pues los indios han
de trabajar y ocuparse en todas las cosas necesarias en la republica y
an de vivir y sustentarse de su trabajo sean bien pagados y satisfechos
del y se les hagan buenos tratamientos (…) encargo de nuevo y mando
a vos el mi virrey que aviendolo conferido y tratado con personas
platicas en cada genero de lavor y trabajo y oydo los pareceres de los
que mas noticia y experiencia tengan de aquellas cosas (…)74.
O rei tratou o serviço dos índios como algo necessário e útil para a República,
afirmando que era essa a sua intenção e que a considerava justa, assim, os índios estavam
obrigados. Ele apelou para o vice-rei e que este também podia solicitar pareceres de outras
pessoas com experiência. Percebemos um espaço para o arbítrio de Velasco e a relevância
dada pelo rei para que se buscassem conselhos de pessoas com experiência75.
Na cláusula vigésima quinta, o rei continuou a insistir que os índios não eram escravos
e que eram pagos e precisavam de cuidado particular76. Na cláusula seguinte, mencionou
73
Real Cédula, clausula 23ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.49.
Real Cédula, clausula 24ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.50.
75
Os conceitos de experiência, consciência, arbítrio, interpretação e prudência serão analisados mais para frente,
em outro capítulo.
76
Real Cédula, clausula 25ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.51.
74
45
outra vez qual era a sua vontade ordenando que tudo tinha que ser cumprido e executado da
maneira que os índios não voltassem a ser oprimidos:
Y porque mi voluntad es que todo lo que de susso se ordena, se
cumple e execute (…) y ordenado de manera que los indios no puedan
volver a ser oprimidos por las personas y en las cosas que hasta aquí
lo han sido y de tampoco se de lugar ni consienta que se hagan
olgaçanes (…) a de estar a cargo de vos el mi virrey el cuidado del
cumplimiento y execucion de lo sobre dicho por tocar también esto a
todos los estados de la gente habitantes en esas provincias a los juezes
por el cumplimiento de mis hordenes a los prelados por la obligación
que tienen de mirar por el bien espiritual y temporal de aquellos
naturales a los españoles por su particular acreescentamiento y bien
universal y conservación y aumento de esos reinos77.
Nesta cláusula, o rei manifestou novamente sua vontade e ordenou que os índios não
fossem oprimidos. Encargou o cumprimento de sua norma ao vice-rei, a quem a Real Cédula
se dirigiu, aos juízes e aos prelados porque a esses também cabiam a preocupação de não
permitir o abuso e opressão indígena, e o cuidado com o bem espiritual e temporal.
Argumentou novamente pela utilidade e necessidade pública ao referenciar o bem universal,
conservação e aumento dos reinos.
Na última cláusula, vigésima sétima, o rei mencionou que sua intenção e vontade era a
de que o vice-rei fizesse tudo conforme a conveniência e bom tratamento, alívio e
aproveitamento dos índios, seus benefícios e conservação das terras e minas, ordenando os
pareceres de pessoas doutas:
(…) graves de mis consejos lo que de susso va referido mas porque mi
intención y voluntad es que en todo se de la orden que mas conviene
para mayor beneficio y mas segura conservación de todo y de ello
resuelten muy buenos efectos (…) para que aviendo entendido mi
intencion y visto en lo que toca a las minas las ordenanças que están
hechas y aprobadas por el emperador y rey mis señores aquello y
padre que ayan gloria (…) y esta se dispone con personas de mucha
experiencia y satisfacion añadays y quiteys lo que os pareciere (…) y
juzgaredes convenir para mayor beneficio y alivio de los indios y de la
lavor de las minas y comodidad de los mineros (…) dispuesto en
77
Real Cédula, clausula 26ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.51.
46
quanto fuere posible y no tuviere inconveniente de consideración ni
pudiere causar sentimiento y descontento general (…)78.
O rei ordenou nessa cláusula a solicitação de pareceres de pessoas com conhecimento
e experiência para os assuntos duvidosos. Para ele, deixar ao arbítrio do vice-rei a decisão de
agir conforme lhe parecesse melhor para o beneficio e conservação do que foi exposto nas
cláusulas anteriores era uma maneira de cumprir sua vontade. Aprovou o serviço nas minas e
as ordenações relacionadas a esses citando a aprovação do imperador e do padre. Dessa forma
estava fortalecendo seu posicionamento apresentando a permissão de outras autoridades
políticas e religiosas. A forma que o monarca apontou para fazer cumprir suas ordens era
deixando ao arbítrio do vice-rei a decisão que parecesse melhor. Que esse, em sua deliberação
considerasse a opinião e conselho de pessoas com experiência para poder julgar conforme
conviesse para o benefício dos índios e das minas. O rei colocou novamente o beneficio dos
índios junto com o benefício das minas, mostrando seu interesse em manter os dois e seu
conhecimento de que um não se dava sem o outro. Ou seja, as minas eram beneficiadas se os
índios recebesse um cuidado particular.
A vontade e intenção do rei, por esse exemplo, não era a de acabar com os
repartimientos ou encomiendas, mas a de acabar com os serviços pessoais prestados pelos
índios a pessoas particulares porque estes não teriam saúde e nem estariam em quantidade
suficiente para trabalharem para o beneficio das minas. Assim, a intenção era a de beneficiar
os índios para que estes pudessem beneficiar os interesses que as minas possibilitavam.
Argumentou pela necessidade pública e interesse comum, conservação da República e dos
próprios índios, distinguindo a utilidade e relevância do trabalho para o rei e para um
encomendeiro. O rei estabeleceu limites para os indígenas nos serviços pessoais, mas os
obrigou a trabalharem para seus interesses porque essa era a obrigação de todos seus vassalos,
livres, índios ou espanhóis.
78
Real Cédula, clausula 27ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.52.
47
Os serviços pessoais antes e depois da Real Cédula de 1601.
Esse argumento da obrigação do serviço pessoal indígena por sua necessidade pública,
que percebemos na Real Cédula de 1601, foi tratado por Solórzano Pereira79 em seu segundo
livro da Política Indiana sobre a liberdade, o estado e condições dos índios e a quais serviços
pessoais podiam ser compelidos para o bem público80. O estado dos índios depois da
conquista, conversão e redução à vida social e política foi apresentado e analisado por
Solórzano pela legislação sobre os serviços pessoais e demais trabalhos nas mitas e
encomiendas. Os reis católicos tinham a lei evangélica, pela Bula de Alexandro VI que os
obrigava a ensinar, industriar e permitir a paz na vida política. A recomendação era que essa
paz não se conseguiria de maneira violenta e por meio da escravidão, senão pelo amor,
suavidade e aproveitamento dos índios segundo a doutrina de Santo Agostinho e São Tomás
de Aquino81:
Siempre procuraron, y ordenaron con grandes veras, y aprieto de
palabras, que los Indios fuesen conservados, y mantenidos en su
entera libertad, y plena, y libre administración de sus bienes, como los
demás vasallos suyos en otros Reynos. Porque ésta, parece, que en
alguna manera está unido, y anexa á la Ley de Christo nuestro Señor,
que se les deseaba persuadir, según nos lo dá á entender por boca de
San Matéo, y San Pablo (…) En los propios términos de que tratamos,
y de que estos Infieles recién convertidos por las reglas, y decisiones
del derecho común, y por voluntad, y disposición de nuestros Reyes,
sean, y deban ser libres, lo enseña, y prueba nervosamente el Obispo
de Chiapa, los Padres Acosta, Victoria, Molina, y otros muchos,
refiriendo las penas, que se han establecido en varios tiempos contra
los transgresores82.
79
Procuramos trazer a obra de Solórzano Pereira para entendermos, por um autor de sua época, o contexto e
pretextos da escrita da Real Cédula sobre os serviços pessoais. Juan de Solórzano Pereira foi jurista, historiador e
autor político indiano, sua obra mencionada aqui é “Política Indiana”, que teve sua primeira edição publicada em
1647. Para saber mais sobre as ideias políticas de Solórzano Pereira, ver: F. Javier Ayala, Ideas Políticas de Juan
de Solórzano, Sevilla, 1946.
80
SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Biblioteca de autores españoles, Desde la
formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972.
81
SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo I, Biblioteca de autores españoles,
Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,
p.133.
82
Idem, p.133-134.
48
D. Fr. Juan Garcés, da ordem dos pregadores, bispo de Tlaxcala na Nova Espanha
escreveu uma carta em latim em 1536 dirigida ao papa Paulo III descrevendo por razões e
exemplos o quanto se enganavam os que acreditavam na doutrina de que os índios eram
bárbaros, brutais e indignos de serem chamados de racionais. Papa Paulo III escreveu em
1537 declarando que era malicioso e passível de ir ao inferno o pretexto que se tomava para
molestar, despojar dos índios dizendo que eram como animais brutos, incapazes de receber a
fé da igreja católica para torná-los escravos83. Nas Nuevas Leyes de 1542 havia um capítulo
proibindo tratar o índio como escravo84.
As Leyes Nuevas afirmavam que os índios tinham a liberdade de escolher o trabalho
que desempenhariam, o seu empregador e deveriam receber um salário justo e bom
tratamento. Esta legislação, em favor dos indígenas, causou vários problemas nas colônias e a
Coroa se viu obrigada a modificar o referido aos repartimientos85.
Solórzano aponta que são quase inumeráveis as cédulas que trataram de proibir os
serviços pessoais e reprimir os abusos que os índios sofriam de seus encomendeiros tanto na
Nova Espanha, Peru quanto em outras províncias. Salienta que as Leyes Nuevas de 1542
estabeleceram, causando conflitos, que nenhuma pessoa podia servir dos índios contra a
vontade desses86. Em outra cédula feita em Valladolid em 22 de fevereiro de 1549, revisada
em 1563, estavam referidos os danos e inconvenientes que se seguiam em consequência
83
Idem, p.134.
“Item, ordenamos, y mandamos, que de aquí adelante por ninguna causa de guerra, ni otra alguna, aunque sea
só titulo de rebelión, ni por rescate, ni de otra manera, no se pueda hacer esclavo Indio alguno. Y queremos y
mandamos, que sean tratados como vasallos nuestros de la Corona de Castilla pues lo son”. Extat. d. tom. 4. pag.
369 & apud Matienzum in d. l. 12. Recop. In: SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II.
Capítulo I, Biblioteca de autores españoles, Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación)
Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972, p.136-137.
85
Segundo Laura Barrera, o repartimiento de índios, também conhecido como serviço pessoal nos documentos
coloniais, consistia em fazer com que os índios trabalhassem. Estes eram reunidos na praça principal toda
segunda-feira pela manhã para serem designados a seus trabalhos, eram divididos de acordo com a demanda de
mão-de-obra e podiam trabalhar tanto para indivíduos quanto em obras públicas. Deveriam receber um salário de
três reais semanais ou o equivalente em comida. Os indígenas não podiam ser levados para fora de seus
povoados e estavam proibidos de realizarem outras atividades não mencionadas pela legislação. BARRERA,
Laura Caso, “El trabajo indígena en Yucatán en el siglo XVII. In: BONNETT, Diana; QUIROZ, Enriqueta
(coord.) Condiciones de vida y de trabajo en la América colonial: Legislación, prácticas laborales y sistemas
salariales. Universidad de los Andes – Ceso, Estudios Interdisciplinarios sobre la conquista y la colonia de
América, vol.5, Bogotá, 2009, pp.157-177.
86
SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de autores españoles,
Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,
p.142.
84
49
desses serviços pessoais ordenando que não se consentisse mais os serviços a pessoas
particulares, fosse contra ou não a vontade do indígena87.
Neste mesmo ano de 1549 foi despachada outra cédula à Real Audiência de
Guatemala evidenciando e proibindo as durezas e excessos nos tratos dados pelos
encomendeiros aos índios. Em 1555, a Audiência do México se encarregou sobre esse assunto
e o proibiu novamente e em 1568 o então vice-rei do Peru, depois de visitar pessoalmente as
províncias, redigiu as leis e ordenações que julgou convenientes para o bom governo88. Don
Francisco de Toledo recebeu uma instrução real quando iniciou seu governo como vice-rei do
Peru em 1568. Nesta instrução estava mandado que no haya servicios personales de indios,
mas a execução dessa cláusula, segundo Silvio Zavala, causou descontentamento entre os
espanhóis e diante disso esta foi alterada por Francisco Hernández Girón passando a ordenar
que nos repartimientos desocupados não se permitissem os serviços pessoais e que se
continuasse a proibir tais serviços nas encomiendas89.
Em outra cédula de San Lorenzo de 19 de outubro de 1591 dirigida à Audiência de
Quito, também referida aos danos causados pelos serviços pessoais, mandava que se acabasse
com esse costume. Nessa cédula mencionada, os serviços pessoais eram considerados como
um costume que, mesmo sendo impedido por tanto tempo, ainda permanecia e tinha força90.
Nas instruções reais dadas ao vice-rei do Peru em 1595, Don Luis de Velasco e ao licenciado
Monzon em 1581, quando foi como visitador da Real Audiência do Novo Reino, também
constava a ordem de acabar com os serviços pessoais91. Outras cédulas também foram
impressas e juntadas em um volume em 1596 e entre essas Solórzano aponta as indicações de
bom tratamento, suavidade, vassalagem e doutrinação dos índios92.
87
Idem, p.143.
Solórzano não cita o nome desse vice-rei, mas pesquisando na obre de Silvio Zavala sabemos que foi Don
Francisco de Toledo. ZAVALA, Silvio, El servicio personal de los indios en el Perú (extractos del siglo XVI).
Tomo I. El Colegio de México. Centro de estúdios históricos, primera edición, México, 1978, p. 63.
89
ZAVALA, Silvio, El servicio personal de los indios en el Perú (extractos del siglo XVI). Tomo I. El Colegio
de México. Centro de estúdios históricos, primera edición, México, 1978, p. 63.
90
SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de autores españoles,
Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,
p.144.
91
Ibidem.
92
SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo I, Biblioteca de autores españoles,
Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,
p.135.
88
50
Em 24 de novembro de 1601 foi escrita em Valladolid a então Real Cédula destinada
ao vice-rei do Peru, Don Luis de Velasco a qual nos atentamos. Nesta cédula, na segunda
cláusula, estava expressa a proibição dos serviços pessoais. Posteriormente, foi despachada
outra Real Cédula em 26 de maio de 1609 em Aranjuez dirigida ao Marqués de Montes
Claros, sucessor de Don Luis de Velasco ao cargo de vice-rei do Peru, corrigindo algumas
partes da Cédula de 1601. No capítulo 27 dessa cédula de 1609 estava expressamente
ordenado que não pudesse condenar os índios a nenhum serviço pessoal como forma de
castigá-los aos seus delitos e renovado, o já mencionado na cédula de 1601, agrave das penas
contra os juízes que se omitissem a executar tal proibição93.
Pero por haverse tenido noticia, que todavía duraba este modo de
servicio personal en el Reyno de chile con grave daño, y vexacion de
los Indios, se despachó otra Cédula en 8 de Diciembre de 1610, años,
dirigida al dicho Marqués de Montes Claros, mandándole
apretadamente, le reformase. La qual puso en execucion su sucesor en
aquel cargo Príncipe de Esquilache, habiendo hecho para ello muchas
juntas de personas graves, doctas, y entendidas de estas materias, y
formado con su acuerdo las Ordenanzas, que para ello se tuvieron por
convenientes. Aunque ni allí, ni en Venezuela, Popayan, y otras partes
acababan de ajustarse á ellas, y asi se ván repitiendo las mismas
Cédulas94.
Por fim, a cédula de 1634 parecia que se podia dispor dessa proibição dos serviços
pessoais. Solórzano analisou estas cédulas despachadas e encontrou no direito comum uma
justificativa para a insistência de não permitir a opressão e a falta de liberdade natural.
Apontou que a justificativa era que isso sempre foi rechaçado desde as Nuevas Leyes, e citou
autoridades como Silvestre, Navarro e Padre José de Acosta95.
93
SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de autores españoles,
Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones Madrid, 1972,
p.144.
94
Idem, p.145.
95
“La qual en términos de Derecho Comun se justifica también, por lo que habemos dicho de la opresión, y
quebrantamiento de la libertad natural, y porque siempre fueron odiosas, y prohibidas en los Señores de vasallos,
y otras qualesquier personas estas ilícitas, violentas, y tyranicas imposiciones, execuciones ó vexaciones. En
tanto grado, que están descomulgados los que usan de ellas, como lo enseñan Silvestro, Navarro, y en nuestros
términos el Padre Josef de Acósta. Y hablando de los Colonos, y Adscripticios de los Romanos, y que no deben
ser cargados violentamente con nuevos servicios, sino dexados, y conservados en su antigua condición, nos lo
enseña un texto célebre del Volumen, y por él, trayendo otras muchas cosas á nuestro propósito los que sobre él
escriben, y otros Autores. De donde es, que no podrán los Encomenderos defender la posesión de semejantes
51
Solórzano Pereira, após tratar da proibição dos serviços pessoais indígenas, de
mencionar tantas cédulas e opiniões como as de Agia e de Acosta, opinou enunciando tais
razões:
Todavía, como lo advierten los Padres Acósta, y Agia, es lo más
seguro no practicarle, porque considerado el natural rendimiento de
los Indios, y la sobervia, dureza, y codicia de los Encomenderos, por
muy justos, y moderados que sean los servicios, y obras, en que se los
tasen, y adjudiquen, y las leyes, y formas, que para que no excedan de
esto, se establecieren, las han de violentar, y traspasar todas; porque,
aunque sean fáciles de dictar, y escribir; son muy dificultosas de
executar. Y asi es más santo consejo, que no tengan que entrar, ni salir
con ellos, contentándose con la paga de lo que les debieren conforme
á las tasas, y no dando ocasión, y abriendo puerta á los agravios,
vexaciones, y excesos, que en todas partes se han experimentado
siempre de lo contrario96.
Silvio Zavala considerou a Real Cédula de 1601, em relação à reforma do serviço
pessoal, um esforço semelhante ao intentado pelas Nuevas Leyes de 1542-43 no que dizia
respeito às encomiendas. Salientou que nem as leis de 1542 e nem as de 1601 alcançaram
plenamente seus propósitos, mas que marcaram uma etapa significativa nas instituições
indianas que se ocuparam delas. As dificuldades que seriam enfrentadas nessa Real Cédula de
1601 estavam mencionadas em seu prólogo. Pretendia proteger a liberdade do índio e destruir
tudo o que impedia a isso. Zavala também nota que o rei afirmou a necessidade de acabar com
a servidão e a sujeição sofridas pelos índios, mas tampouco se esqueceu da necessidade de
contar com o trabalho dos mesmos e os encargou para o serviço em prol do bem público:
Es decir, la ley de 1601 trata de sustituir las formas de repartimiento
forzoso existentes por otra más liberal, pero sin consentir la falta
absoluta del trabajo de los indios. Cómo intentó realizar la
servicios, con decir, que la han continuado por largos años con ciencia, y paciencia de las Justicias, de cuya
mano reciben los Indios para este efecto, con que suele excluirse qualquier presunción de fraude, ó violencia.
Porque, aunque en otras anuas contribuciones suele obrar algo la prescripción, aún contra rusticos, y mujeres. En
este caso no puede valer, ni alegarse, por ser corruptela, y estár prohibida, como consta de las muchas Cédulas,
que dexamos citadas, y no poderse dar en él prescripción, ni buena fé, según doctrina de Lucas de Pena, y otros,
que le siguen (…)” In: SOLÓRZANO PEREIRA, Juan de, Política Indiana. Libro II. Capítulo II, Biblioteca de
autores españoles, Desde la formación del lenguaje hasta nuestros días (continuación) Tomo CCLV. Ediciones
Madrid, 1972, p.145-146.
96
Idem, p.146.
52
transformación y con qué salvedades conservadoras (…) muchos
había censurado el virrey Velasco el estado de cosas existente antes de
la expedición de esta cédula y, como hemos visto, sus informes
contribuyeron a determinar a la corona a redactarla. Pero tanto en
España como en el virreinato peruano se tenía conciencia de que la
aplicación no sería fácil97.
Diana Bonnett Vélez não encontrou mudanças nas relações de trabalho dos índios na
aplicação das normas entre as Leyes Nuevas de 1542 e a Real Cédula de 1601. Para ela as
recomendações contidas na cédula de 1601 confirmavam que as formas de trabalho de cem
anos atrás ainda continuavam no início do século XVII. O trabalho excessivo nas
encomiendas, nos obrajes e nas mitas já tinha sido proibido desde 1542 e as demais cédulas
que surgiram recordavam o que fora antes ordenado:
Estas se habían instituido, de manera casuística, para dar inicio a la
organización del trabajo en las colonias. De acuerdo con lo que señala
la Instrucción de 1601, la población indígena soportaba el peso de los
mismos sistemas de trabajo que habían sido prohibidos tiempo atrás:
trabajos excesivos en las encomiendas, en los obrajes y en las mitas;
los servicios personales; el alquiler de indios; el servicio como
acémilas; los concertajes y repartimientos; el trabajo en los ingenios y
la pesca de perlas, entre otros98.
Silvio Zavala salientou que outra cédula foi despachada para o vice-rei do Peru, na
mesma data que a Real Cédula dos serviços pessoais. Essa outra cédula se referia a como se
había de haber en lo que tocaba al asiento y ejecución do que se ordenou sobre os índios, e o
que se teria que fazer em caso de que os mineiros não provessem de escravos ou outro serviço
para as minas. O rei avisava a Don Luis de Velasco que pelos despachos que com esta outra
cédula recebia, entenderia o seu grande desejo de executar o quanto se podia sobre a opressão
e moléstia dos índios e que estes tivessem liberdade, fossem doutrinados e se conservassem,
pois nisto consistia a riqueza desses reinos. Juntamente a isso, o trabalho, acrescentamento da
97
ZAVALA, Silvio, El servicio personal de los indios en el Perú (extractos del siglo XVII). Tomo II. El Colegio
de México. Centro de estúdios históricos, primera edición, México, 1979, p. 03 e 05.
98
VÉLEZ, Diana Bonnett, “Trabajo y condiciones de vida indígena en la Nueva Granada colonial”. In:
BONNET, Diana; QUIROZ, Enriqueta (coord.) Condiciones de vida y de trabajo en la América colonial:
Legislación, prácticas laborales y sistemas salariales. Universidad de los Andes – Ceso, Estudios
Interdisciplinarios sobre la conquista y la colonia de América, vol.5, Bogotá, 2009, pp.23-43, p.30.
53
terra e benefício das minas que eram tão necessários a todos. O rei dizia, segundo Zavala, que
sua finalidade para essa situação foi tomada depois de ter olhado atentamente para ela e
escutado pareceres de pessoas com experiência.
Os pareceres de Agia se apresentaram como uma guia para o arbítrio de Velasco em sua
decisão de como proceder com os serviços pessoais ampliando sua interpretação para além do
contido na Real Cédula, apresentando argumentos religiosos, e a importância das
circunstâncias locais. Esta interpretação feita por Fr. Miguel Agia será analisada a seguir.
54
CAPÍTULO 2
APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS PARECERES DO
PADRE FRAY MIGUEL AGIA
Neste capítulo, procuramos apresentar um pequeno resumo de cada um dos três
pareceres de Fray Miguel Agia para depois analisá-los por meio de categorias. Essas
categorias foram retiradas dos conceitos usados por Agia em seus pareceres e analisadas no
terceiro capítulo. Separamos nos escritos de Fr. Miguel Agia as passagens de valor
representativo e os agrupamos conceitualmente para explicá-los depois, de forma a perceber o
direito captado nessa situação histórica específica das Índias no início do século XVII e
adaptado a ela1, buscando analisar os modos de raciocínio efetivamente usado pelos juristas,
teólogos e legisladores.
Estudar os conceitos trazidos por Agia em seu texto, em seu tempo, e transformá-los em
categorias de análise histórica era, para a história conceitual, apresentar a importância do
tempo na pesquisa histórica. As categorias de lei, consciência, experiência, costume, opinião
comum, prudência e arbítrio, se alteraram com o tempo, se transformaram, e a história dos
conceitos estuda os processos de permanência e transformação dos significados de forma
diacrônica. Por meio da diacronia entende-se a sincronia, e assim, estudar os conceitos
significa realizar uma reflexão sobre a experiência histórica.
1
Estamos pensando dentro da concepção de História dos conceitos de R. Koselleck em sua obra Futuro
Passado, porque os conceitos fundamentam-se no social e no político, reunindo em si a experiência histórica
articulada a um contexto específico, como o colonial. As ideias e os conceitos também possuem história.
Segundo Koselleck, muitas vezes a simples permanência de uma palavra não quer dizer que ela ainda carregue o
mesmo sentido. A semântica, tão fundamental para Koselleck, pode ser entendida como uma permanência que
serve como pano de fundo para e enunciação do conceito numa determinada época histórica. A impossibilidade
de o conceito se fixar com um único sentido é o que confere a ele a sua concepção, todo conceito evidencia a
experiência histórica e, por essa razão, ele não poder conter um único sentido e são sempre polissêmicos. A
concepção de Koselleck, de que o conceito reúne em si a diversidade da experiência histórica, faz com que a
reflexão sobre o conceito de justiça, tão importante nesta pesquisa, tenha uma característica histórica e uma
enunciação contextualizada.Ver mais em: KOSELLECK, Reinhart, Futuro passado: contribuição à semântica
dos tempos históricos. Tradução do original alemão Wilma Patrícia Mass - Rio de Janeiro: Contraponto: Ed.
PUC- Rio, 2006.
55
Nesse sentido, inicio comentando um pouco mais sobre os motivos de tais pareceres
serem escritos e quem os escreveu. Depois dessa pequena apresentação do autor e sua obra,
partimos para uma leitura mais aprofundada dos pareceres e suas relações com a Real Cédula
por meio de categorias que indicaram uma busca pelas relações entre essa obra teológica, de
interpretação de uma lei régia, com a própria lei e quem a aplicou.
2. Fr. Miguel Agia: vida e obra
Não se tem muita coisa escrita acerca da vida e obra do Padre Fray Miguel Agia 2. Ele
nasceu em Valencia no século XVI, entrou para a ordem de São Francisco em 1563 onde era
requisitado várias vezes para opinar em questões de serviços pessoais nos trabalhos nas
minas. Em 1600 publicou sua primeira obra, o tratado De exhibendis3, no qual buscou
estabelecer uma correspondência exata entre a casuística judicial e os princípios doutrinários,
segundo análise de Fr. Javier Ayala. Depois dessa publicação, viajou para as Índias como
secretário do Comissário Geral da Ordem franciscana e visitou todas as províncias do Peru,
desde Cartagena até Lima, e suas Audiências. Ele observou em suas visitas os problemas dos
serviços pessoais indígenas e as suas relações com os clérigos e frades, governadores,
corregedores, oficiais reais, administradores e encomenderos4. Enquanto esteve em Lima,
onde morreu, ensinou teologia no convento franciscano e escreveu outras obras. A mais
conhecida foi escrita em 1602: Tratado que continente três pareceres graves en Derecho5.
2
O nome do Padre fray Miguel Agia também pode ser encontrado em latim como: Michaelis Agia, Valentini.
Apenas encontramos referência à sua obra e estilo de escrita em: TAVALÁN, Miguel Luque, Un universo de
opiniones: la literatura jurídica indiana. Biblioteca de Historia de América, Consejo Superior de Investigaciones
Científicas e na edição e estudo preliminar de AYALA, F. Javier, Servidumbres personales de indios, Escuela de
Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, nº geral XXV, Serie 7ª, nºI, Sevilla, 1946.
3
Conseguimos localizar essa obra online, classificada como “obra rara”, considerado da matéria de jurisdição,
sobre direito canônico, e também está na Universidad de Salamanca – Fondo Antiguo. A cópia digitalizada pelo
google books é proveniente da Universidad Complutense de Madrid, em latim. Disponível em:
http://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=ucm.5324262374;view=1up;seq=9 [Data da consulta: 19/11/2015].
4
AYALA, F. Javier, Servidumbres personales de indios, Escuela de Estudios Hispano-Americanos de Sevilla, nº
geral XXV, Serie 7ª, nºI, Sevilla, 1946, p.13.
5
O título completo da obra é: Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho que ha compuesto el padre
Fray Miguel Agia, de la orden de San Francisco, varón docto en las facultades de Teología, Cánones y Leyes, y
lector de Teología en el muy insigne convento de San Francisco de la ciudad de los Reyes, en los reinos del
Perú; sobre la verdadera inteligencia, declaración y justificación de una Real Cédula de Su Majestad, su fecha
56
Em 1604, Fray Miguel Agia publicou em Lima sua obra, escrita em 1602, Tratado que
continente três pareceres graves en Derecho. Estes pareceres eram resultados da sua
interpretação da Real Cédula de 24 de Novembro de 1601, escrita em Valladolid. Esta cédula
estava dirigida ao vice-rei, governador e capitão geral das províncias do Peru, Don Luis de
Velasco. Nela estavam demarcadas as implicações sobre o trabalho indígena, tanto no Peru
quanto na Nova Espanha, estabelecendo normas que reprimissem os abusos cometidos pelos
“encomenderos” aos índios em seus serviços pessoais e no trabalho nas minas. Os termos da
cédula, mesmo expressando a decisão de acabar com a opressão indígena, ocasionavam
distintas interpretações que afetavam aos interesses particulares e a organização da economia
pública indiana.
Nestas circunstâncias, o vice-rei da Nova Espanha e do Peru solicitou os pareceres de
doutores e pessoas consideradas ilustradas para o ajudarem a proceder com segura
consciência sobre o que fosse mais razoável para cada caso encontrado, procedendo: “dándose
cuenta de las consecuencias que podía acarrear la aplicación de dicha Ley, justa y razonable
en sus principios, pero quizás perjudicial en algunos pormenores, solicitaron el parecer de
personas doctas y graves, para proceder con segura consciencia en lo que más razonable
fuera6”. Ele solicitou os pareceres porque observou que a Real Cédula, mesmo sendo justa em
seus princípios, podia ser prejudicial em algumas situações, e queria ter mais certeza no
momento de executar a lei. Um dos consultados foi o jurista e teólogo franciscano, Padre Fray
Miguel Agia, que, por ter faculdade de teologia, cânones e leis, por apresentar virtudes e ter
visitado a Nova Espanha e outras partes das Índias7, era experiente e por isso escreveu seu
tratado com três pareceres a respeito da verdadeira inteligência, declaração e justificação da
Real Cédula de 1601 sobre os serviços pessoais, dirigida ao vice-rei do Peru, Velasco e a o rei
Felipe III.
en Valladolid en 24 días de noviembre del año pasado de seiscientos y uno, que trata del servicio personal y
repartimientos de indios que se usan dar en los reinos del Perú, Nueva España, Tierra firme y otras provincias
de las Indias, para el servicio de la república y asientos de minas de oro, plata y azogue. Dirigida al Rey Don
Phelippe Nuestro Señor. Y en su Real Nombre al señor don Luys de Velasco Virrey destos Reynos y Provincias
del Piru, Tierra Firme y Chile. Impreso en Lima, 1604. B.N.M., Sección de Raros, 6.480. Usamos duas edições,
a
original
impressa
em
1604
e
encontrada
por
Osvaldo
Moutin
online
em:
http://www.europeana.eu/portal/record/9200376/BibliographicResource_3000100252193.html?start=28query=m
iguel+agia&startPage=18qt=false&rows=24. E a versão moderna Fray Miguel Agia: Servidumbres personales
de indios; ed. e estudo preliminar de Fr. Javier de Ayala, Sevilla, 1946. Inclui os três pareceres e a Real Cédula
de 1601 tomada de A.G.I., Indiferente General, 428, lib.32.
6
AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.16.
7
Idem, p.18.
57
Don Luis de Velasco consultou o Fray Miguel Agia por suas qualidades e
conhecimentos, buscando saber dele como a lei, suas justificativas e intenções eram
entendidas. O resultado dessa consulta foram os Tres pareceres sobre os serviços pessoais
indígenas. Esta obra foi considerada por Miguel Luque Talaván como sendo do gênero das
alegações8, da matéria do direito canônico e de tratar do tema da condição jurídica da
população indígena sobre a Real Cédula promulgada para abolir os repartimientos de índios.
Esta obra do Fray Miguel Agia foi dividida em três partes; no primeiro parecer trata da
real intenção e vontade do rei sobre o provido e ordenado na real cédula; no segundo, da
justificação da cédula em geral e em todas as suas cláusulas, atentado para que as leis fossem
justas, e assim, receberem o nome de “leis”; e no terceiro, do arbítrio que o vice-rei do Peru
tinha sobre o cumprimento e execução da Real Cédula, no que ela provinha e ordenava
segundo o direito comum, e também para casos particulares não declarados.
Fray Miguel Agia foi influenciado pela tradição medieval, pelo espírito religioso da
contra reforma, seguindo as ideias dominantes na consciência social do século XVII e
acreditando que a instituição fundamental para a sociedade era a Igreja Católica, com seus
poderes temporais e espirituais. A Igreja Católica tinha nesse período a função de converter,
corrigir e orientar, além de moderar as esferas políticas, sociais e jurídicas9. Sua doutrina
sobre a ciência jurídica indiana era de tendência localista e ocasional, edificada à medida que
as circunstâncias a exigissem e respondendo aos problemas suscitados no ambiente
determinado e conhecido pelo pesquisador.
Fr. Miguel Agia mostrava ser uma pessoa que poderia interpretar bem a lei porque
visitou e observou a realidade social, cultural, política e econômica e porque tinha
conhecimentos especializados em direito, teologia e ciências, além de ser considerado um
homem virtuoso por seus colegas da ordem franciscana. Nas cartas de licença e aprovação da
obra desse franciscano continham elogios ressaltando suas características. Tais elogios foram
escritos por autoridades religiosas, jurídicas e governamentais como: Fray Benito de Guertas,
guardião do Convento de São Francisco em Lima; Dr. Arias de Ugarte, da real audiência; Dr.
8
Alegações são compilações feitas dos escritos de um mesmo letrado. Definição dada por TALAVÁN, Miguel
Luque, Un universo de opiniones: la literatura jurídica indiana. Biblioteca de Historia de América, Consejo
Superior de Investigaciones Científicas, p.251. Mas também há quem considere Fr. Miguel Agia como um jurista
e sua obra como um tratado, por fazer referência ao direito canónico e civil, por abordar questões teológicas,
administrativas, jurídicas e políticas. Um exemplo é Francisco Cuena Boye m sua obra: Teoría y práctica del
Derecho. Apuntes sobre tres juristas indianos. Cuadernos de Historia del Derecho, 2006, 13, p.11-29.
9
AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.20.
58
Miguel de Salinas, vigário geral e juiz de apelações e outros. Na avaliação do Fray Ivan
Venido, Padre comissário geral de todas as províncias do Peru, estava que se fazia necessário
pedir os pareceres de outras pessoas para que se visse melhor a justificação desses três
pareceres do Padre Fray Miguel Agia10. Ou seja, os pareceres e a interpretação do Fray
Miguel Agia eram mais uma possível e provável sugestão para a decisão do Don Luis de
Velasco ao aplicar a lei, e não a única a ser solicitada e consultada.
Fray Miguel Agia estudou e consultou sobre os assuntos que opinou mostrando e
definindo qual seria a verdadeira intenção do rei ao editar a Real Cédula. Os argumentos
apresentados por ele eram tanto teológicos quanto jurídicos e morais, e trouxeram à luz as
opiniões de outros doutores oferecendo formas de examinar as situações e as leis antes de
aplicá-las.
Paulino Castañeda Delgado mencionou que o próprio Padre Agia estava preocupado e
inquieto com a escrita da sua obra e que por isso solicitou ao vice-rei que também buscasse
pareceres de outras pessoas, e que, se houvesse discrepâncias nesses outros, que estas lhe
fossem ditas. O vice-rei o tranquilizou e disse que havia pedido outras opiniões e que todos
estavam conformes, ainda que por caminhos diferentes11.
Fray Miguel Agia procurou encontrar uma harmonia em seus pareceres, sempre se
guiou por sua doutrina católica, experiência e observação particular das realidades coloniais
nas Índias. Mesmo considerando tantos aspectos, a recepção de sua obra não foi aceita por
todos, havendo controvérsias que levaram ao franciscano a repensar algumas colocações12.
Em suas visitas às Índias procurou formar um exato juízo das discrepâncias entre os fatos e as
leis, e, quando tratou de opinar sobre o trabalho nas minas, dirigiu-se especificamente à mina
de Huancavélica, com a finalidade de conhecer melhor o ambiente o qual as disposições
legislativas deveriam concretizar-se. Ele admitiu reconhecer as desigualdades sociais e
10
Segue o original: “(...) se pidan de nuevo otros pareceres y aprovaciones a personas de experiência ciência y
conciencia, graves y doctas en las facultades de Theologia, Canones, y Leyes, y matéria de governo, para que
desta manera se vea mejor la justificacion delos dichos pareceres en conformidade de lo que viene ordenado en
esta dicha Cedula con que ante todas cosas se obtenga licencia de su mag. Y del Se. Virrey en su nombre (…)”.
AGIA, Fr. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho. Impresso en Lima por Antonio
Ricardo, año de 1604, in: Servidumbres personales de índios, - Edição e estudo preliminar por AYALA,
Francisco Javier de, Escuela de estúdios hispano-americanos, Sevilla, 1946, p.07
11
DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los
repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo nuevo, vol. VI. Consejo Superior de Investigaciones Científicas.
Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.188-189.
12
AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.18.
59
enquadrou cada um dos grupos sociais em suas ordens sob o argumento da conservação do
bem comum e da utilidade pública.
Veremos melhor como Agia relacionou em seus três pareceres o conteúdo da Real
Cédula com as questões de direito e de justiça; com o governo das Índias; a teologia; o
costume; as opiniões dos doutores; a prudência; a experiência; utilizando de muitos exemplos
e relatos que demonstraram sua erudição e conhecimento sobre eles. Isso ele o fez ao mesmo
tempo em que constituiu, interpretando e organizando toda essa informação, um manual, um
guia, uma referência de como se devia deliberar tendo a consciência segura, sem estar
contrário ao direito, à Real Cédula e à Igreja, tendo como motivo a tentativa de resolver o
problema da pouca inclinação dos indígenas ao trabalho forçado, sem afetar suas liberdades.
2.1. Resumo de cada um dos pareceres.
a) Primeiro Parecer
Fray Miguel Agia tratou no primeiro parecer, do que, em sua opinião, significava ser a
real intenção e vontade do rei sobre o provido e ordenado na Real Cédula. Ele retomou as 27
cláusulas da Real Cédula e seus assuntos retirando delas o que era ou não da intenção do rei.
Entrou nas questões da liberdade dos índios, da sujeição, servidão e vassalagem, do
tratamento que eles recebiam nos repartimentos e no serviço pessoal feito aos encomenderos
para decidir se seriam fechados ou não. Mencionou o trabalho para o benefício das minas de
Potosi e a preocupação na conservação da República. Agia diferenciou e definiu, para
argumentar melhor sobre qual era a verdadeira intenção do rei, o serviço pessoal do serviço
nos repartimentos. Nesta distinção ele observou algumas diferenças particulares entre o
serviço pessoal, o repartimento, a mita e relações aconselhadas ao rei que considerou como
falsas e enganosas e as denominou como “sinistras”.
b) Segundo Parecer
No segundo parecer o teólogo apresentou a justiça geral e particular das Cláusulas da
Real Cédula e se atentou para as que não fossem justas. Caracterizou a lei justa explicando as
60
razões e os motivos que o fizeram considerar esta lei como justa. Em sua explicação sobre a
justiça das cláusulas de 1601 ele as comparou com os termos da lei natural, humana e divina,
com os sacros cânones, costumes e ritos das Índias. Discutiu a utilidade da lei e sua finalidade
de promover a quietude, a paz e a concórdia dos índios entre si e para como os espanhóis.
Retomou a questão da liberdade dos índios para serem vassalos do rei e apontou que a
Real Cédula era justa por ordenar que os índios servissem como homens livres porque
estavam dominados por um senhorio legítimo. Porém, os abusos feitos a estes indígenas eram
proibidos, e essa proibição também era justa. Para as cláusulas em particular, Fray Miguel
Agia esclareceu até a 11ª Cláusula, ressaltando alguns de seus parágrafos, e para as outras
cláusulas que não foram mencionadas, dentro do total de 27, ele apresentou nove conclusões e
nove razões que justificaram a obrigação dos índios para o trabalho em benefício das minas de
outro e prata.
c) Terceiro Parecer
Fray Miguel Agia escreveu sobre o arbítrio que o vice-rei do Peru tinha para o
cumprimento e execução da Real Cédula, no que ela provinha e ordenava e sobre o que
aparecesse de novo. Apresentou ao vice-rei, que em sua função de juiz, tinha arbítrio
conferido pelo rei e pela legislação, e, a como usá-lo para executar o que estava ordenado e
para o que não estivesse determinado. Dentro disso, Agia apontou as características esperadas
de um juiz árbitro, sua autoridade e poder de alterar, mudar, remover, executar, deixar de
executar o que lhe parecesse mais conveniente ao bem comum da República.
Neste terceiro parecer vimos que o teólogo tentou esclarecer e solucionar as dúvidas que
o vice- rei encontraria na aplicação da Real Cédula. Como ele teria que solucionar os casos, a
quem deveria buscar conselhos e opiniões, qual era a melhor maneira de agir e quais virtudes
ele deveria ter para deliberar justamente pelo que considerasse ser justo ou injusto.
O teólogo orientou também a como perceber o sentido e a razão da lei, e como esses
tinham que ser recebidos e aceitos pela população. Se as leis não fossem aceitas e nem
conforme à realidade, executá-las, tendo conhecimento disso, não traria uma consciência
segura, como a buscada pelo vice-rei. Pelo contrário, aplicar as leis que não fizessem sentido
às circunstâncias específicas era cometer pecado. Este terceiro parecer era o que mais
claramente se viam imbricados o moral e o jurídico, a teologia o direito.
61
2.2. Análise dos Pareceres.
Começamos a análise dos pareceres do Padre Fray Miguel Agia entendendo os motivos
de eles terem sido escritos e por que o rei também orientou ao seu vice-rei que solicitasse
pareceres. Depois disto colocado, compreendemos por que o Padre iniciou sua obra
ressaltando quais seriam a intenção e vontade do rei em estabelecer a Real Cédula sobre a
servidão pessoal dos índios.
Agia apresentou que a causa que motivou ao rei solicitar e consultar os pareceres de
pessoas com ciência e consciência, antes de despachar a Real Cédula, e por que mandou que o
vice-rei do Peru fizesse o mesmo, era por ser essa uma prática, um uso e costume dos antigos
legisladores, letrados jurisprudentes e sábios. Ele apresentou o exemplo da República
Ateniense de Sólon para reforçar sua ideia de que a efetivação prática da lei só acontecia
mediante sua aceitação popular:
(...) que las leyes fuessen leydas primero al pueblo, y despues fixadas
por espacio competente en los lugares públicos para que alli puiessen
ser vistas y leydas de todos, y despues se entregassen al escrivano
publico para que las leyesse publicamente, para qye se vuiesse en ellas
alguna cosa que no agradasse al pueblo se advirtiesse allí, y
contentando a todos se mandavan otra vez remirit a los Examinadores
diputados de las leyes (…) para que las aprovassen o reprovassen
(…)13.
Esta referência que Agia fez à República ateniense reforçou a ideia de que se a lei não
fosse recebida, não obrigava e por isso necessitava de uma adaptação para ser acolhida pelo
povo. Nesse sentido, as leis precisavam ser examinadas e aprovadas antes de serem
promulgadas, e se mesmo depois de tudo ainda não fossem aceitas, podiam ser revogadas.
Parece então, por esse motivo, que os pareceres do teólogo eram resultado de uma
análise das leis e da verificação de sua aceitação popular e possível adequação. Agia se
preocupou em conhecer a intenção e o motivo do rei, para saber se eram justos, e assim poder
afirmar que este podia criar leis justas. Ele retomou o motivo do rei ao solicitar seus pareceres
identificando nessa solicitação uma atitude prudente e justa.
13
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p. 120.
62
Um rei justo criava leis justas se suas intenções, motivos e vontades fossem justos. Agia
analisou o conteúdo da Real Cédula, não apenas comparando com a realidade que ele
conhecia das Índias para decidir se eram aplicáveis, ou não, justas ou não. Mas observando as
leis juntamente com a busca do que achava ser a verdadeira motivação do rei em criá-las. Ele
não separou o que motivou o legislador ao criar a lei da adequação desta à realidade pensada
para ela. Talvez, porque achava que se o rei tivesse um motivo justo para criar a lei, e mesmo
assim ela não se adequasse à circunstancia local, ao permitir que o vice-rei solicitasse
pareceres de outras pessoas, ele agia justamente. O rei não obrigava ao vice-rei a execução de
uma lei sem sentido e sem razão. Também retirava a responsabilidade da sua consciência e a
entregava para a deliberação do vice-rei, e nesse ponto as relações entre a teologia e o direito
se aproximaram.
Outra razão que motivou o rei a consultar os pareceres de homens com experiência e
consciência, era a busca pela garantia de uma consciência segura e tranquila. Dessa forma, o
rei e o vice-rei, teriam suas consciências resguardadas de qualquer pecado, conforme o
estabelecido na lei divina, natural e nos cânones. Era esta uma das funções dos pareceres do
Padre Fray Miguel Agia, garantir ao rei e vice-rei a segurança de uma consciência reta:
(...) De todo lo qual queda bastantemente provado aver sido singular
prundencia de su Magestad el aver consultado varones de semejantes
calidades para establecer esta ley y Real Cedula: lo qual se deve de
guardar siempre en el establescimiento de qualesquier leyes (...) La
segunda razón o causa fue para escusar su Real consciencia de
qualquier escrúpulo de pecado, pues es cosa cierta, que el que haze
alguna cosa que no es contra ley Divina ni natural, ni contra lo
establescido por los Sacros Canones, y sobre ello consulta varones
sufficientemente doctos: los quales aconsejan que se puede hazer
lícitamente, no peca haziendolo, aunque real y verdaderamente no
fuesse justo y estuviesse prohibido por alguna ley humana (…)14.
Agia se preocupou com a intenção e vontade do rei porque encontrou nelas um sentido
teológico moral, jurídico, político, econômico e social. Para ele, a razão que motivava a ação
evidenciava, pela intenção, uma consciência subjetiva. Desta forma, buscar a intenção e as
razões que motivaram ao rei na escrita da Real Cédula mostrava o caráter de sua consciência e
14
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.121.
63
de suas decisões para os assuntos que esta legislação apontava. Ou seja, era preciso conhecer
se a intenção e o motivo eram justos para poder concluir se uma lei era justa ou não.
Antes do Padre Fray Miguel Agia dizer a justiça geral e de cada cláusula da Real
Cédula, ele apresentou um grande estudo sobre a intenção e os motivos do rei ao escrever tais
leis. As razões e os motivos encontrados eram variados e fundamentados pelo teólogo de
diferentes formas. Consideramos que tais razões podiam estar dispostas por Agia para, assim,
garantir uma consciência segura ao rei e vice-rei, manter os repartimentos indígenas,
regularizar o tratamento dos serviços, sustentar a exploração das terras, a mita, a encomienda,
e conservar as províncias e os reinos. Passamos a ver, por meio de categorias, como essas
razões eram dadas por Agia e argumentadas com base na teologia moral e no direito.
a) A intenção do rei pelo parecer do Fr. Miguel Agia
Fray Miguel Agia notou que a finalidade e a intenção do rei eram a de prover, ordenar e
mandar tudo o que constasse na Real Cédula para sempre interpretá-la bem. Diante disso, ele
mostrou que estava claro que não era intenção do rei acabar com as mitas e repartimentos de
índios, e nem com as minas tão necessárias à República. Também não foi intenção do rei dar
liberdade geral aos índios para que servissem ou deixassem de servir como e quando
quisessem. Ao contrário disso, era sua intenção que os índios se mantivessem ocupados
servindo como vassalos e servos que eram.
Por exemplo, estava explicitado no texto legal da 6ª Cláusula da Real Cédula, o
seguinte:
(...) que tan solamente se permite de aquí adelante es que se puedan
servir en las dichas chacaras y heredades de los indios que quissieren
servir en ellas de su propia voluntad por el tiempo y en la forma que
voluntariamente se concertaren (…)15.
15
Real Cédula de 24 de noviembre de 1601, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946,
Terceiro Parecer 6ª Cláusula, p.39.
64
Contudo, Agia não acreditava ser essa a verdadeira intenção do rei. Para ele os índios
não tinham liberdade para escolher trabalhar onde quisessem e nem pelo tempo que quisessem
porque eram vassalos:
No fue intencion de su Magestad por esta Real Cedula dar libertad
general a los índios para que sirvan, o dexen de servir si quisieren,
antes ordena y manda lo contrario, manifestando en esto su intencion,
la qual es que anden ocupados, y sirvan en lo que deven y estan
obligados, como vassallos de su Magestad (...) Luego siguesse, que de
la servidumbre que deven como vassalos no les exime su Magestad
(…) que nunca fue intención de su Magestad quitar las mitas y
repartimientos de indios, que se han acostumbrado de dar por
autoridad publica para el servicio de la Republica, 9…) sino
solamente quitar agravios, y vexaciones a los Indios16.
Dessa forma, pensamos que continuava a ser uma intenção do rei que os índios fossem
forçados a fazer o que naturalmente não quisessem porque as mitas e repartimentos não
podiam acabar e elas eram sustentadas com a exploração do trabalho indígena. Ou seja, para
cumprir com a primeira intenção do rei de não acabar com as mitas, a conservação delas
dependiam do trabalho dos índios. Então, também era intenção do rei que os índios
trabalhassem porque o trabalho deles sustentava os repartimentos e mitas, e isso era tido como
justo porque a razão pela qual eles trabalhavam era boa e atendia à vontade do monarca.
Além de ser essa a vontade do rei, Don Felipe colocou na sua Real Cédula que o
trabalho indígena era necessário tanto para a conservação das províncias quanto para os
próprios índios. Se este trabalho era tão importante, não podia ser deixado ao gosto do
indígena. Por isso, neste outro exemplo, ele declarou que a sua intenção era a de que os índios
fossem obrigados a servir:
(...) y por esta causa, y por que no se podia sustentar y conservar la
tierra, sin el trabajo, servicio e industria de los índios, convendria, y
assi lo ordeno y mando, que sean compelidos a ello en la forma, y
como, y por los mas suaves medios que os pareciere.17
16
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.29.
17
Idem, p. 33.
65
Na cláusula 10ª da Real Cédula percebemos a intenção, desejo e vontade do rei em
conservar os índios para o trabalho, a República e comércio para o seu governo 18. Para isso
ele reconheceu que, por uma condição natural, os índios se recusavam a trabalhar por sua livre
vontade e que sem o trabalho deles, estes mesmo teriam prejuízo e se destruiriam como
também destruiriam a terra porque esta não se conservava e nem se mantinha sem os seus
serviços.
Para a conservação, benefício dos índios e da República, bem como sua
perpetuidade, era preciso que os índios trabalhassem, e, mesmo que não o fizessem por
vontade, fossem compelidos a fazer por ser essa a melhor e mais conveniente maneira de
cumprir as leis e manter preservados, tanto índios quanto a República. A intenção e desejo do
rei eram a conservação de seus reinos e governo enquanto um corpo místico que necessitava
de seus vassalos, assim como acreditava que eles também precisavam dela.
Padre Fray Miguel Agia afirmou que a 10ª Cláusula da norma régia estava de acordo
com o direito porque era boa e útil, tanto para os índios que conseguiriam manter-se com seus
salários sendo vassalos, quanto para a República que cresceria e continuaria. Ele encontrou
nela a intenção do rei de uma forma clara e aberta. Para Agia era intenção do rei que todo o
provido na Real Cédula se encaminhasse para a boa conservação e aumento da República,
bem como dos indígenas e espanhóis e em nenhuma maneira para seu dano. Isto porque a sua
noção de República era a de um governo coorporativo, de um corpo perpétuo, e sendo assim,
tudo o que nela estava guardado e executado respondia à finalidade dessa ordem, sua
perpetuidade e não ao seu fim.
Nesse ponto Agia não mencionou a condição dos índios como uma intenção do rei, mas
sim a conservação da República. A razão pela qual o rei se atentou ao trabalho indígena era
porque este estava intimamente ligado à permanência de suas terras. Sendo assim, a sua
intenção, pela interpretação do franciscano, era a de dispor da maneira que mais conviesse
para a conservação dos índios, da República e do comércio. Para dispor dessa conservação era
18
Está disposto no texto legal o seguinte: “(...) y relebarlos de los dichos repartimientos no se conbierta en su
descomodidad y mayor daño y de la republica y con que los indios que de su natural condición rehussan el
trabajo y son inclinados a olgar que les es de gran perjuicio han de servir trabajar y ocuparse en los dichos
servicios (…) porque no se podria sustentar ni conservar la tierra sin el trabajo servicio e industria de los indios
conbendra y assi lo ordena y mando que sean compelidos a ello en la forma como y por los mas suaves medios
que os pareciere y proveyeredes (…) que mas conviniere para la conservación de los mesmos indios y de esa
republica y comercio della (…). Real Cédula de 24 de noviembre de 1601, 10ª Claúsula, p.41.
66
necessário conhecer o estado e o trabalho nas minas de ouro e prata. Para obter a garantia da
conservação e conhecimento do estado das coisas, o rei declarou que era de sua vontade que
os prelados e juízes cumprissem suas ordens. Aos prelados cabia a obrigação de cuidarem do
bem espiritual e temporal dos índios e aos espanhóis cabia prezar pelo bem universal,
conservação e aumento dos reinos19.
Uma forma apresentada por Fray Miguel Agia para conseguir tal conservação da terra
era continuar com o trabalho dos índios porque estes estavam acostumados e habituados à
terra e ao serviço. Percebemos com isso que, se esse trabalho era realmente a verdadeira
intenção do rei para Agia, como obrigar os índios a trabalharem para conservar a República
sem oprimi-los a ponto de perderem mais índios e acabarem conservando menos as terras?
Agia encontrou a solução para esse embate diferenciando os tipos de trabalho. De maneira
argumentativa, diferenciar os dois tipos de trabalho permitia afirmar um e negar outro pelas
razões que apresentavam, por exemplo, o repartimiento em favor do bem público e o serviço
pessoal em benefício particular.
O índio querendo ou não trabalhar, era forçado a isso por ser um vassalo régio. Agia
justificou que o rei podia forçá-lo a este serviço porque esse lhe era um direito enquanto
governador e administrador dos reinos. Juridicamente, estava comprovado pelas leis naturais,
humanas e divinas que o rei podia obrigar seu vassalo ao trabalho, mas como garantir as
condições desse trabalho? Nesse ponto da argumentação de Agia, ele apresentou a distinção
entre o serviço pessoal e o repartimento, condenando um e apoiando o outro por meios
jurídicos e teológicos que veremos abaixo.
b) Vassalo por direito e livre por obrigação: distinção entre serviço pessoal e
repartimento.
Fray Miguel Agia apresentou duas intenções e vontades do rei que diziam respeito, uma
ao serviço pessoal e outra ao repartimento de índios. A solução encontrada por ele para o
repartimento de índios não estava dada em seu parecer, mas indicada pela Real Cédula,
19
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.43.
67
também na cláusula 10, na qual o próprio rei conferia ao vice-rei o arbítrio para ele agir e
julgar como melhor lhe parecesse conveniente para a conservação da República20.
Em uma questão sem solução certa e definida, o vice-rei decidiria e deliberaria usando
seu arbítrio. Agia em seu parecer sobre o arbítrio de Velasco não apresentou uma única opção
de escolha, pelo contrário, indicou várias soluções e orientou a qual escolher e por que.
Os índios e os indivíduos da sociedade colonial eram livres para se subordinarem ao rei.
Eram livres mantendo essa subordinação. Diante disso, os índios possuíam liberdade
apenas enquanto servos obrigados a trabalharem para o rei. Eram considerados como vassalos
naturais e a isso deveriam obedecer e aceitar. Da maneira como Agia apresentou o que rei
considerava ser o trabalho indígena, esta condição servil retirava o próprio índio de sua
qualidade natural e o colocava em uma obrigação e obediência política que não lhe era
espontânea.
Fr. Miguel Agia mostrou a diferença entre o serviço pessoal e o repartimento de índios
retomando Las Casas, marcando as vantagens e prejuízos de se praticar um e outro tipo de
trabalho com a finalidade de evidenciar que a Real Cédula proibia o serviço pessoal que os
índios faziam aos seus encomenderos em troca do pagamento de seus tributos. Apoiado por
Las Casas, o serviço pessoal era considerado contra toda lei natural, divina e humana. O
significado de “serviço pessoal” dado por Agia era:
Servicio personal no es outra cosa sino un servicio perpetuo que los
índios hazen a los españoles en quien están encomendados en los
ministerios y ocupaciones, que ellos les quieren ocupar sin paga, y sin
diferencia de sexo, o edad introduzido con la fuerça de la espada, a la
medida y gusto de las personas particulares, que le introduxeron, para
lo qual es de saber, que quando se descubrieon las Indias, y começo el
comercio y contratación de los Españoles usaron los Governadores, y
primeros descubridores, dar pueblos de indios a los españoles, que se
ocupavan en el descubrimiento de la tierra con obligación de que
tuviesen sacerdote en los dichos pueblos (…) lo qual muchos
españoles llenos codicia, y vazios de temos de Dios, en muchas partes
de las Indias conviertieron en una esclavonia perpetua, agena de toda
20
Real Cédula, Cláusula 10ª, “(…) ordenaredes para ellos de manera que teniendo respecto y consideración a
todo lo referido lo dispongays de la manera que mas conviniere para la conservación de los mesmos indios y de
esa republica y comercio della para lo qual os doy poder y facultad y en caso que por estas causas convenga y
sea forçoso que aya repartidores de los dichos indios”, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios,
Sevilla, 1946, p.41.
68
razón y justicia paresciendoles que aquellas encomiendas no eran de
hombres libres (…)21.
Repartimento e serviços pessoais não eram iguais. O repartimento e a encomienda eram
serviços prestados para a República e não para o encomendeiro propriamente:
Muestrase esto primeramente en la poca, o casi ninguna diferencia,
que esta Cedula Real pone entre servicio Personal y repartimiento, o
mita, como aparesce por lo dispuesto y ordenado en muchas partes de
ella (...) Donde se da a entender, que los repartimientos o mitas de
indios, se hacen para servicios personales, lo qual es notoriamente
siniestro, y derechamente opuesto a la verdad, que se ha usado y
platicado, y a la que el dia de oy se usa y platica en todas las Indias,
donde por servicio personal se ha entendido siempre el que hacen los
indios a sus Encomenderos en lugar de los tributos, que les avian de
pagar, y porque estos eran personales, de ay vino que el servicio en
que se commutaron se llamarsse tambien personal, como se llama oy
dia22.
Agia demonstrou que quem defendia que o serviço pessoal e o repartimento eram iguais
estabelecia uma falsa ideia porque não reparava nas diferenças encontradas pelo teólogo,
separando as utilidades de um e de outro serviço, comprometimento com a religião, com o
direito e com a República. Nesse ponto da sua argumentação, Agia expôs princípios de
utilidade e necessidade pública para diferenciar e significar um serviço e outro. Por isso nos
parece que os índios estavam obrigados a trabalhar porque seus serviços sustentavam e
conservavam as províncias indianas, como era a vontade e a intenção do rei, mas essa
obrigação era para com a República e o benefício das minas e não para a necessidade
particular do encomendero.
A importância de separar e diferenciar os tipos de trabalho que os indígenas exerciam
estava na razão pela qual trabalham. Servindo ao encomendero e não ao bem comum da
República, não se servia ao rei e isso não era justo e nem tinha utilidade pública e devia ser
proibido e punido por leis rigorosas. Ele estava fazendo uma distinção entre público e privado
21
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p. 37.
22
Idem, p.53.
69
diferenciando as razões pelas quais um tipo de trabalho era razoável e outro não, embora
ainda não estivessem diferenciados completamente esses âmbitos.
Para explicar melhor e fundamentar sua definição e opinião sobre o serviço pessoal,
ele apresentou alguns exemplos de seu uso e prática relatando casos contados por
encomendeiros, sacerdotes, alguns índios velhos e todos com posições unânimes, conformes e
apoiando o fim do serviço pessoal.
Esta forma utilizada pelo Padre Fray Miguel Agia, de embasar seu argumento buscando
a opinião de outras pessoas mais próximas da realidade do caso em questão, afirmava a
importância de se ter várias e distintas pessoas defendendo e fortalecendo a mesma ideia,
ainda mais quando essas pessoas estavam intimamente relacionadas à servidão pessoal e a
acompanhavam de perto. Juntavam-se à voz do Padre Fray Miguel Agia, outros sacerdotes,
encomenderos e índios evidenciando a adesão de outras pessoas da igreja, do governo, da
administração e dos próprios índios, a favor de seu posicionamento. Sendo assim, Agia não
afirmou sozinho quando considerou que a servidão pessoal era injusta, outras pessoas
concordaram com ele.
Se os tributos que os índios deviam pagar aos encomenderos eram cobrados através do
serviço pessoal, o problema estava na forma em que os ecomenderos os cobravam, e, para
regulamentar essa cobrança, um visitador os fiscalizava de 06 em 06 anos. Fray Miguel Agia
mostrou que na época dessa visita os encomenderos mudavam a forma de cobrar os tributos
aos índios. Foi perguntado por que ainda se mantinha essa forma de cobrança, proibida, e a
resposta dada era a de que esse era um uso, uma prática realizada em todo o reino e por outros
encomenderos23. Ou seja, tinha virado um hábito, um costume cobrar dos índios tributos
como forma de serviço pessoal e para deter com esse costume, necessitava de uma lei mais
rigorosa.
Os exemplos da diferença entre o serviço pessoal e os repartimentos ainda continuavam.
O Fray Miguel Agia demonstrou que a intenção do rei era a de acabar com o serviço pessoal,
mas, ao mesmo tempo era a de manter os repartimentos de índios para o benefício das minas e
cultivo das terras. Dessa forma, depois de diferenciar os tipos de trabalho e apresentar as
exigências para que se mantivessem os repartimentos, a condição era a de que os índios não
fossem abusados e maltratados:
23
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.41.
70
(...) siguesse que su intencion y voluntad solamente es, que los dichos
repartimientos no se hagan como hasta aqui, de manera que si se han
hecho hasta ou por medios rigorosos, y agenos de buena razón y
justicia se haga de aquí adelante por medios suaves y convenientes, lo
qual dexa su Magestad al arbitrio del señor Virrey, como claramente
lo digo en la clausula 10 de la dicha Cédula24.
O primeiro parecer do Padre Fray Miguel Agia exibiu que, mesmo com a diferença
entre os serviços pessoais e os repartimentos ou mitas, sendo os primeiros injustos e contra o
direito natural, divino e humano, e o segundo aprovado e essencial para o funcionamento da
República, havia algumas relações, escritas por outras pessoas, vistas pelo teólogo como
falsas.
E fundamentou sua afirmação de haver uma relação falsa citando a 2ª cláusula da Real
Cédula:
Ordeno y mando, que de aqui adelante no aya ni se consientan en
essas provincias, ni en ninguna parte de ellas los servicios personales,
que se reparten por via de tributos a los indios de las encomiendas y
que los juezes, y personas, que hizieren las tasas de los tributos, no los
tassen por ningún caso en servicio personal, no le aya en estas cosas
sin embargo de cualquiera introduction o costumbre (…) Empero por
repartimiento o mita se ha entendido, y se entiende el que se haze para
servicio de la Republica, assi en el beneficio de cultivar la tierra, como
de las minas, ciudades, villas y lugares, y otros ministerios
semejantes25.
Fray Miguel Agia defendeu o trabalho feito para a República, em prol do bem comum,
marcando o regime de serviço pessoal como injusto dentro das leis. Para ele, esse tipo de
serviço era contrário a toda lei natural, divina e humana, pois deixava os índios privados da
liberdade de homens e de cristãos concedidos em todos os direitos. O repartimento, por sua
vez, estava conforme a liberdade, assim de homens como de cristãos, dando lugar para que os
índios servissem à República. Nesse caso ficou para nós a pergunta: Como uma lei dava ao
índio o direito de servir à República, e não ao uso pessoal do encomendero, os mantendo
livres?
24
Idem, p.41.
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.53, Agia citando a Real Cédula.
25
71
Pelos argumentos de Agia e a forma como ele os demonstrou, depreendemos que, ao
incluir o índio em uma condição que não lhe era natural, como a de vassalo – modo jurídico
de se referir ao serviço -, este estava incumbido aos deveres de tal, mesmo não sendo
considerado escravo. O índio deixava de ser índio para ser vassalo, livre, e obediente ao
governo das Índias. Assim, a preocupação do Fray Miguel Agia em fundamentar o índio
como um não escravo estava em consolidá-lo como vassalo régio para aproveitar de seu
trabalho, legitimamente reconhecido pelas leis naturais, divinas e humanas. Esta era uma
manobra jurídica de Agia. Ele utilizou do conceito de vassalagem, já existente no direito de
Castela, para aplicá-lo aos índios, em lugar do conceito de servo. Contudo, o resultado prático
não seria diferente: os índios teriam de trabalhar para o bem da República. A questão da
liberdade indígena estava resguardada por meio de um uso jurídico dos termos de vassalo e
servo. Essa estratégia jurídica permitida pela diferença de nomenclatura alterava a forma de
argumentar a favor e contra o regime de trabalho, mesmo que em razões práticas não
significasse uma melhora na opressão e nos maus tratos.
Quando Agia afirmou, com o amparo das leis, que o índio era livre para ser vassalo do
rei, ele o colocou em um âmbito público. Nesse âmbito, público, o trabalho de um vassalo ao
seu senhor era legítimo e obrigatório, não importando se fosse índio ou não. Mas se o trabalho
fosse para o serviço pessoal, particular do encomendero, estávamos no âmbito particular.
Dentro desse âmbito, o índio deixava de ser vassalo, porque não servia ao rei, e passava a ser
propriedade particular de um senhor. Ele não teria utilidade pública, deixaria de cumprir com
seus deveres de vassalo, e nem estaria mais na condição de um vassalo porque respondia a
outras ordens e sairia do corpo místico da República indiana que condenava a escravidão.
Dessa forma, parece que Agia defendeu a liberdade do índio em trabalhar, obrigado pela
lei, no âmbito público, e condenava o trabalho realizado, particularmente, para o
encomendero. Essa postura do franciscano nos deixou a ideia de que a lei garantia a liberdade
do índio apenas no âmbito público, em sua condição de vassalo e para as causas e razões das
províncias, e não no âmbito privado do serviço pessoal.
Isso ficou mais claro quando Agia esclareceu que o repartimento ou a mita também
oferecia prejuízo aos índios, contudo, se usado com a devida moderação estes podiam se
conservar por mais tempo. Podemos notar que no argumento do Fray, em mostrar a aprovação
do repartimento em detrimento do serviço pessoal pelas leis naturais, divinas e humanas, que
executar o serviço pessoal era além de descumprir a vontade do rei e desobedecê-lo, ir contra
a religião, agir imprudentemente e pecar em consciência:
72
(...) Aquel (servicio personal) condenado por injusto en muchas
juntas, que por mandado del Empeador, y Rey nuestro señor de
gloriosa memoria se hizieron en España de varones insignes en todo
genero de letras, prudencia, y experiencia y conciencia. Este
(repartimiento) por el contrario aprovado por personas de las mismas
calidades haziendose con las devidas circunstancias26.
Ele utilizou do peso da lei e da teologia para fortalecer a proibição da servidão pessoal e
com isso reforçar o serviço ao rei. Parece que a vontade do rei em querer a conservação da
terra e da República, assim como dos índios, só podia ser atendida se os mesmos
trabalhassem, nem que para isso o fizessem por obrigação, contra a vontade e pelos meios que
o vice-rei julgasse melhor. Ou seja, quando o rei escreveu sobre os repartimentos e os abusos
cometidos neles, os índios estavam proibidos de trabalhar contra a sua vontade para o
repartidor e para o encomendero como serviço pessoal. Mas, quando era para trabalhar para
sustentar e conservar a República, os índios, enquanto vassalos livres eram compelidos, até
por direito, ao regime do trabalho. A lei encontrava razão onde estava a sua utilidade.
Padre Fray Miguel Agia, diferenciando as situações do trabalho nos repartimentos e no
serviço pessoal, continuou mantendo a situação do índio mesmo o rei proibindo a servidão
pessoal. A distinção entre servidumbre e mita não alterava a condição do índio que continuava
obrigado e forçado ao trabalho, apenas mudavam as causas e razões para tal. Ele defendeu o
serviço prestado ao rei, e, justificando em prol dele, argumentou sua justiça e utilidade para o
bem comum e conservação do reino, e o fez enquanto condenou o serviço para o uso privado,
sem enfatizar e identificar os abusos que havia nele.
Na Real Cédula estava explícito que o serviço pessoal não devia ser autorizado em troca
de tributos27, nem para a plantação de vinhas das fazendas dos encomenderos28 porque tais
26
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.55.
27
2ª Cláusula, “(…) y que los juezes o personas que hizieren las tasas de los tributos no los tasen por ningún
caso en servicio personal ni le aya en estas cosas sin embargo de qualquier introducion, costumbre o cossa que
cerca dello se aya permitido so pena de que el encomendero que ussare dellos y contraviniere a esto por el
mesmo casso aya perdido y pierda su encomienda, lo qual es mi voluntad que ssi se cumpla y execute (…)”,in:
AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.34.
28
7ª Cláusula, “(…) no permitan ni den lugar a que se planten viñas ni olivares en esas provincias y después que
no se acrecienten las plantas (…) y mando que tanpoco se den indios de repartimiento y que en el tomar indios
de su voluntad para ello y en la venta de las viñas y olivares y en todo lo demás que a esto toca se tenga la
mesma horden que en lo de las chacaras y so las mesmas penas y que las hagays executar con grandissimo
rigor”, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.39.
73
trabalhos eram excessivos e contrários à saúde dos índios, mas quando se tratava da
exploração das minas de ouro e prata, deviam ser incentivados e obrigados29. Os abusos e
excessos causados aos índios pela exploração do seu trabalho eram condenados apenas
quando este trabalho era para o serviço pessoal e não quando era para o benefício das minas.
Nessa situação de necessidade da servidão indígena, o rei conferia poder e faculdade
para o vice-rei agir conforme lhe parecesse mais conveniente, utilizando seu arbítrio, desde
que cumprisse as exigências e vontade de sua majestade, conservar os índios e suas terras,
manter o comércio e garantir a perpetuidade da República.
c) A condição do trabalho indígena e sua relação com as leis e os costumes.
Algumas relações sinistras a que Agia se referia diziam que os índios trabalhavam de
boa vontade e livremente, principalmente quando o faziam em troca do pagamento do tributo.
Agia voltou a insistir que, de fato, os índios não queriam trabalhar por vontade própria nem
para os espanhóis e quanto menos para o rei. A questão central era a de como fazer com que
os índios quisessem servir ao rei, pelo bem comum e utilidade pública, mesmo contra sua
vontade, sem privá-los de sua liberdade. Podia obrigar o índio ao trabalho forçado e ainda
manter o discurso da liberdade enquanto vassalo?
Outra relação falsa encontrada por Agia era a de dizer que os índios serviam de sua
vontade. Ou seja, não estava certo defender que os índios agiam de sua própria vontade
quanto serviam ao encomendero em troca de pagamento de tributos. Agia passou a
argumentar sobre a vontade que os índios tinham, ou não, de trabalharem para o rei ou para o
encomendero. Fazendo isso, ele mostrou, mais uma vez, que o trabalho feito ao encomendeiro
era contra a vontade do índio, além de ser contrário às leis e ao bem comum e utilidade
pública. Mas, também era contra a vontade do índio trabalhar para o rei, só que nesse caso, a
razão, utilidade e sentido eram outros, e sobre tais motivações os indígenas eram compelidos
ao serviço e este era lícito.
29
12ª Cláusula, “La conservación de esas provincias y de los mesmos indios y la destos reynos depende como
saueys en el estado presente principalmente de la lavor y beneficio de las minas de oro y plata y azogue lo qual
estoy ynformado que en ninguna manera se puede hazer sin la yndustria y trabajo de los indios y que por esto y
estar abituados y acostumbrados en ello en ningún caso se pueden escusar de acudir a esto mas deseo mucho y
conviene que sean relevados en quanto fuere posible (…)”,in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios,
Sevilla, 1946, p.41.
74
Todo lo qual quan siniestro, y ageno sea de la verdad cierta y
experimentada por muy largos años en todos los reynos y Provincias
de las indias, júzguenlo los que conoscen los indios, y les han tratado
y experimentado en materia de servir, pues no ay para ellos cosa mas
odiosa que trabajar aunque sea para si mesmos, ultra de que es
Español y el indio son dos contrarios opuestos ex diámetro: porque el
indio de su naturaleza no tiene codicia, y el Español es codiciosissimo,
el indio flemático, y el español colerio, el indio humilde, el Español
arrogante, el indio espacioso en todo lo que haze, el español presuroso
en todo lo que quiere, el uno amigo de mandar, el otro enemigo de
servir. Y finalmente desemejantes en condición, vida y costumbres30.
Fray Miguel Agia, depois de apresentar as características do índio e do espanhol para
fundamentar sua opinião sobre a relação falsa que havia em dizer que o índio trabalhava por
vontade, afirmou que a maneira pela qual o índio agia estava conforme a sua inclinação
natural adquirida de sua pátria natural31. Sendo assim, os índios não serviam aos espanhóis de
acordo com suas vontades. De acordo com o franciscano, eles não podiam ser culpados de
reagirem assim, e nem de o fazerem com malicia contra os espanhóis porque essa rejeição ao
trabalho era da natureza deles. Os índios não tinham malícia porque era da sua natureza serem
indolentes. Eles não serviam aos espanhóis por vontade em maneira alguma, nem quando
eram pagos, recompensados pelo trabalho e bem tratados porque não estimavam o pagamento
e nem os presentes. Não estava na natureza e costumes indígenas trabalhar para receber
salário ou presente dos espanhóis:
De lo qual infiero engañarse los que dizen que los índios hazen
maliciosamente las cosas referidas por solo dar pesadumbre a los
Españoles: lo cual es claro no ser assi, pues no se debe atribuyr a
malicia lo que en ellos es naturaleza, y siendo esto assi no será
difficultoso persuadir lo que diximos arriba, de que los indios en
ninguna manera sirviram a los Españoles de su voluntad: de lo cual
tienen bastante experiencia todos los que han gobernado en las Indias,
sin que falte uno y el ver que aun con rigurosos mandamientos de
apremio, apenas les pueden hazer acudir a servir, quanto mas de su
voluntad, sobre lo cual las justicias mayores se ven y se dessean, y
aunque pudiera decir alguno que esto sucede donde les tratan mal,
30
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.56.
31
Idem, p.57.
75
digo que lo mismo sucede donde los tratan bien, aunque les paguen y
repaguen, porque ni ellos estiman la paga, ni tiene por regalo, sino el
que tenían en ser antigua gentilidad de sus borracheras, y de otros
vicios torpissimos, y el entregarse a la ydolatria32.
Os índios não trabalhavam com vontade para os espanhóis porque não entendiam os
motivos e as razões deste serviço. Então, Agia, para defender sua tese, criou uma imagem de
índio com uma natureza perversa, desqualificando-o enquanto tal para defender que eram
livres na condição de vassalos. Independente dos motivos apontados pelo Padre Fray Miguel,
qualificando ou não os índios a trabalhem para o rei ou para o encomendero, os indígenas,
naturalmente, eram vistos como indolentes e a condição de vassalos aparecia como uma
solução, uma correção a isso.
As razões e os motivos eram dados apenas quando eles estavam identificados como
vassalos do rei e iguais aos outros espanhóis, com obrigação política e social de servir à essa
sociedade colonial.
Não importando a forma de tratamento, o rigor das leis e os pagamentos oferecidos aos
índios por seus trabalhos, não era de seu hábito e nem de seu costume servir aos espanhóis.
Por isso, Agia mostrou que sendo bem tratados ou não, sendo como serviço pessoal ou em
repartimentos, o índio não trabalharia por sua vontade, mas o devia fazer para a República nos
repartimientos.
Então opinou que se alterasse o trabalho indígena na forma como estava
assinalado na 1ª Cláusula da Real Cédula, afirmando: “(...) y ellos vayan con quien quissieren
y por el tiempo que les pareciere de su voluntad sin que nadie los pueda detener contra ella
(…)33”.
Para ele esta cláusula era justa porque favorecia a vontade dos índios para servir. Mas
essa justiça era sabida pelo Fray e demais pessoas que entendiam do governo das Índias e da
natureza dos índios, e estava claro que estes não serviriam e nem trabalhariam por vontade
própria, apenas o fariam estando obrigados. Tendo essa consciência, ele aconselhou a
alteração na 1ª Clausula da Real Cédula e afirmou:
Pero como sea cosa cierta e indubitable que los índios sino es
compelidos y forçados no han de servir a la República como
32
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p. 58.
33
Real Cédula, clausula 1ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.33.
76
largamente tengo provado no se puede guardar en los repartimientos
de indios, que se dan para la labor de la tierra, la forma que viene
señalada en la dicha clausula por quanto de guardarse (supuesto que
han de servir) ninguna libertad se les da a los indios mayor de la que
agora tienen34.
Agia considerou justo que os índios recebessem, eles mesmos, os seus pagamentos, e
usou de um argumento teológico e moral para reforçar sua ideia: isso se justificava porque
entre os 04 pecados que clamavam diante de Deus estavam o de reter o suor e o pagamento
justo do pobre que trabalhou. Discutiu o seguinte: Se os índios eram livres e não queriam
trabalhar para ninguém, podiam ser obrigados? Agia respondeu que sim, e mesmo sem
apontar essa interdependência, entendemos que ficou claro que quando ele trabalhava para a
República o fazia por uma razão justa e por mútua dependência e necessidade. No texto legal
estava explícito o seguinte, na 21ª Cláusula da Real Instrução: “(...) para que de las dichas
poblaciones acudan de su voluntad y por el interes que dello se les a de seguir a trabajar en el
beneficio y conserbacion de las dichas minas35”.
Nesta Cláusula vemos a preocupação do rei em querer que o índio trabalhasse por sua
vontade e encontrasse algum interesse nesse trabalho. Antes, na 10ª Cláusula, o próprio rei
parecia esclarecer qual devia ser o motivo que incentivava o índio a trabalhar:
(...) y con que los yndios que de su natural condicion rehussan el
travajo y son ynclinados a olgar que les es de gran prejuizio han de ser
vir travajar y ocuparse en los dichos servicios con unos o con otros
porque no a de ser caussa lo que se hordena de nuevo para que la
puedan dexar de hazer por que seria su destruycion y no podersse
sustentar a si y a sus mujeres y hojos y por esta caussa y porque no se
podria sustentar ni conserbar la tierra sin el trabajo servicio e
yndustria de los yndios (…).36
Os índios não reconheciam as leis indianas, o direito e a doutrina cristã, mesmo ao
distinguir o serviço pessoal do repartimento e mita, os colocavam nessa segunda condição
34
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.78.
35
Real Cédula, 21ª Cláusula, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.48.
36
Real Cédula, 10ª Cláusula, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.41.
77
como homens livres, cristãos catequizados e em conformidade com as leis natural, divina e
humana, e assim, nessas condições, podiam servir à República.
A questão central que envolvia o trabalho indígena não era ser este um problema da
natureza do índio, ou que ele fosse indolente para qualquer serviço. Era a de que o índio não
queria servir aos espanhóis. Assim sendo, como fazer para que os índios trabalhassem, mesmo
quando eles não queriam, e ainda mais, fossem livres? Agia argumentou juridicamente que se
podiam obrigar os índios como se obrigava a qualquer vassalo a trabalhar pelo bem da
República.
Dessa forma, teoricamente, o índio continuava a ser explorado, mesmo que livre e
inserido na política indiana como vassalo do rei, assim como os espanhóis em igual condição.
Ele era obrigado a ser obediente como todos os servos deviam ser, mas, naturalmente, ele não
aceitava. Reprovando o que lhe era obrigatório, desobedecia e era castigado continuando,
livremente, a ser forçado por meios mais violentos. Para o índio poder servir e trabalhar para a
República ele precisava sair da sua condição natural de índio, selvagem, e virar vassalo do rei,
cristão e catequizado.
Quando Agia afirmou que os índios podiam trabalhar porque era para o rei e, dessa
forma, para o bem comum de todos e da República, esta subordinação de todos ao “bem
comum” era necessária para o governo e servia para fundamentar os serviços pessoais,
implantados por meio de normas coativas. A Real Cédula continha cláusulas que não se
aplicavam à realidade conhecida por Agia, e por isso ele insistia na necessidade de que as leis,
para serem boas, justas e encaminharem à quietude, paz e concordância, deviam se acomodar
à República e não a República a elas.
2.3. A necessidade de flexibilizar a aplicação da lei.
Fora de seu estado natural, o índio estava incluído nas normas da sociedade espanhola e
católica, podia trabalhar, ser vassalo por direito e não escravo por condição. Para Agia, o que
realmente importava em toda esta questão, era garantir que as leis podiam ser flexibilizadas e
interpretadas de diferentes formas de acordo com os diferentes lugares e costumes. Isso
explicava porque não parecia claro e proveitoso acabar com todos os repartimentos de obrajes
de panos tratando-os igualmente, como se todos causassem os mesmos danos e prejuízos,
merecendo as mesmas penas. Ele assinalou que faltava na cláusula 3ª da Real Cédula uma
78
flexibilidade maior, com mais possibilidades e aberturas do que apenas uma única maneira de
aplicar as leis e de punir os obrares e engenhos:
(...) De todo lo qual caresce la dicha clausula, presuponiendo por cosa
cierta, que las injurias y agravios que en los dichos obrajes se
cometen, son como dicho es yguales, pues se les aplican yguales
penas: para lo qual, y para entender bien otras muchas cosas que en
esta Real Cedula, bien en ordenadas a cerca de los repartimientos de
los índios37.
Na 3ª Cláusula estava disposto o trabalho nos obrajes de panos e engenhos de açúcar
onde os índios serviam:
(...) He sido ynformado que el travajo que los yndios han padecido y
padecen en los obrajes de paños e yngenios de açucar es muy grande y
excessivo y contrario a salud y caussa de que se ayan consumido y
acabado en el muchos prohivo y expressamente defiendo y mando que
de aquí adelante en ninguna provincia ni parte de esos reynos puedan
trabajar ni trabajen los yndios en los dichos obrajes de paños de
españoles ni en los yngenios (…)38.
Fray Miguel Agia comentou essa Cláusula como exemplo dos obrajes no Peru,
enfatizando como os índios trabalhavam pouco, recebiam seus pagamentos, iam à missa,
visitavam suas famílias, plantavam em suas terras e eram muito uteis e de bom proveito para a
República. Para esse caso particular ocorrido no Peru, os obrajes e engenhos de açúcar
funcionavam bem e beneficiavam à República. Agia chegou a mencionar que se os índios
trabalhassem com gosto e sem pesar, porque podiam se comunicar com seus familiares e
continuarem em suas casas, em sua pátria, que viveriam na terra onde estavam obrigados a
cuidar e aproveitariam dela com suas vidas39.
Agia apresentou o quanto considerava estranho o fato de sua Majestade, influenciada
por outras ideias, não diferenciar os obrajes de panos e engenhos de açúcar aplicando as
37
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.59.
38
Real Cédula, cláusula 3ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.34.
39
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.88.
79
mesmas penas de forma geral. Isso era considerado estranho pelo Fray porque para ele era
preciso punir e obrigar de acordo com a especificidade de cada caso, com a qualidade das
pessoas, de suas injúrias e da frequência de seus atos. Não parecia claro e proveitoso acabar
com todos os repartimentos de obrajes de panos tratando-os igualmente. Assinalou que faltava
na 3ª cláusula da Real Cédula uma flexibilidade maior, com mais possibilidades e abertura do
que defender apenas uma única maneira de aplicar as leis e penas para os obrajes e engenhos:
(...) De todo lo qual caresce la dicha clausula, presuponiendo por cosa
cierta, que las injurias y agravios que en los dichos obrajes se
cometen, son como dicho es yguales, pues se les aplican yguales
penas: para lo qual, y para entender bien otras muchas cosas que en
esta Real Cedula, bien en ordenadas a cerca de los repartimientos de
los índios40.
Na 3ª Cláusula estava disposto o trabalho nos obrajes de panos e engenhos de açúcar
onde os índios serviam:
(...) He sido ynformado que el travajo que los yndios han padecido y
padecen en los obrajes de paños e yngenios de açucar es muy grande y
excessivo y contrario a salud y caussa de que se ayan consumido y
acabado en el muchos prohivo y expressamente defiendo y mando que
de aquí adelante en ninguna provincia ni parte de esos reynos puedan
trabajar ni trabajen los yndios en los dichos obrajes de paños de
españoles ni en los yngenios (…)41.
Fray Miguel Agia comentou a necessidade de corrigir essa cláusula apresentando o que
acontecia nos obrajes do Peru. Nesses, os índios trabalhavam pouco, recebiam seus
pagamentos, iam à missa, visitavam suas famílias, plantavam em suas terras e eram uteis e de
bom proveito para a República. Para esse caso particular, os obrajes e engenhos significava
uma exceção, uma particularidade. Agia chegou a mencionar que os índios trabalhavam com
gosto e sem pesar porque lhes era permitido comunicar com seus familiares e permanecerem
em suas casas, pátria e que todos que viviam nessa terra estavam obrigados a cuidar e
40
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primero Parecer, p.59.
41
Real Cédula, Cláusula 3ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.34.
80
aproveitar dela com suas vidas, índios ou espanhóis42. Desta forma, percebemos que o
franciscano demonstrava a necessidade de examinar as circunstâncias, além de apenas fazer
cumprir a lei, e que as especificidades destas circunstâncias ditariam as intencionalidades que
responderiam às necessidades práticas. Nessas pragmáticas, a boa fé se presumia pelo
costume e se podia estabelecer a razão e o bem comum43.
Passamos a analisar como tais questões eram influenciadas pelo costume e como Agia o
utilizou para reforçar e revogar partes da Real Cédula mostrando que não se adequavam à
realidade.
Na 4ª Cláusula, podemos perceber a influência do costume na aplicação da lei, na
exigência de que os índios não carregassem peso:
(...) ordeno y mando que de aqui adelante en ninguna de las províncias
ni partes de todas las yndias no se puedan cargar ni carguen los yndios
con ningun genero de carga ni por ninguna persona de ningun estado
qualidad no condicion que sea secular ni eclesiástica ni en ningun
casso parte ni lugar con coluntad de los indios (…) sin embargo de
qualquier cosa que en contrario dello este proveido o costumbre que
se pueda alegar44.
Percebemos nesse exemplo a força do costume embargando a lei na prática. Nesta
cláusula da Real Cédula Agia apontou que era muito justo proibir que os índios carregassem
peso em seus ombros porque essa era função dos animais. Argumentou que muitos índios
morriam fazendo esse esforço, o que não era útil para a República. Mas, em um caso
particular, em Guatemala, os índios possuíam o costume antigo, antes mesmo da chegada dos
espanhóis, de carregarem peso para si ou de acordo com suas necessidades. Essa prática, tida
como particular, virou um hábito e até mesmo o Fray Miguel Agia que a considerou injusta apoiando-se pela lei régia -, nessa situação específica de Guatemala acreditou ser impossível
proibir os obrajes, mesmo tendo enfatizado que a lei não deveria ser embargada por nenhum
costume. Nesse exemplo, a lei podia ser acatada, mas não seria cumprida. Podemos notar
42
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.88.
43
Essa ideia foi retirada da análise feita por José Carlos Ballón em seu estudo sobre Diego de Avendaño, Diego
de Avendaño y el probabilismo peruano del siglo XVII, publicada na Revista de Filosofia, nº.60, 2008-3, pp.2743, p.39.
44
Real Cédula, Cláusula 4ª, in: AYALA, F. J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.36.
81
como para uma mesma situação, a dos obrajes, o uso e costume específicos de cada região
alteravam o cumprimento da lei e sua adaptação. A flexibilidade da lei se dava pela
adequação à circunstancia e ao caso fazendo necessário examinar as circunstâncias porque
essas ditavam as diferentes possibilidades.
Havia nessa explicação do teólogo franciscano, sobre a justiça particular desta 4ª
Cláusula, sua experiência e observação particular evidenciando que na prática, para alguns
lugares, o costume tinha mais força do que as leis. Em tais lugares o costume vigorava com
força normativa e coativa como a de uma lei. O costume podia permitir que a situação
habituada continuasse mesmo se houvesse leis contra. Os usos e costumes tinham força e
vigor de lei porque foram aceitos e recebidos pela maioria, tinha sentido e razão dados
tradicionalmente.
Para Agia, nas circunstâncias apresentadas em Guatemala, mesmo sendo justo proibir
o carregamento de índios, seria melhor adaptar ou retirar essa cláusula porque ela não
encontraria sentido. Percebemos que parece justo proibir a carga de índios, mas que essa
proibição em Guatemala não poderia ser feita porque havia um costume, um hábito que a
reconhecia de uma forma positiva, não prejudicial e danosa para estes indígenas, como seria
para os outros que desconheciam tal hábito e costume. Ou seja, a proibição da carga de índios
não seria aceita em Gautemala e o costume teria mais força e validade do que a norma régia e
poderia embargá-la. Seguir o costume significava encontrar a razão e a boa fé, e assim, a
justiça para o caso concreto.
Outro exemplo da força do costume indo de encontro com a lei era a relação estranha
sobre as vendas e doações de índios das fazendas. Os índios eram tratados como escravos nas
chácaras mesmo a Real Cédula não autorizando tal tratamento.
(...) y assi tengo por sufficiente remédio el que la misma Cedula Real
ordena de que las escripturas de oy en adelante no se hagan en la
forma que hasta aquí se han acostumbrado hazer, pues en ellas se dava
a entender que los indios eran esclavos de las dichas chavaras, lo qual
es justo no se permita hazer ni dizer, pues pormuchas Cedulas Reales
esta declarado, que los indios son libres (…)45.
45
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.66.
82
Agia achou estranho o rei considerar os negros para os trabalhos nas minas de Potosi e
benefícios dos espanhóis. A sua experiência lhe mostrava que os negros não serviam para o
trabalho em terra fria, como as de Potosi. Eles morreriam, ficariam destruídos e perdidos e sua
Majestade teria que ajudá-los e favorecê-los, dessa maneira, os índios que estavam
acostumados à terra e ao serviço, que o fizessem. Como também era estranho juntar as
populações de índios que possuíam divergências e diferenças entre si, além de ser impossível
moralmente por muitas e urgentes razões.
a) A justificativa do trabalho indígena na opinião comum dos doutores.
A sujeição política e civil pela qual estavam obrigados e forçados os índios a passar
pelo trabalho em beneficio da República não era reprovada pela lei natural, e sim conforme a
ela, segundo argumentou Agia46:
Esta conclusion se prueva efficazmente porque la potestad política o
civil, que corresponde a la dicha subiection, es de ley natural como
enseña Victoria (…) Covarrubias (…) O a lo menos tiene su orige y
principio de la ley natural, (…) Luyz de Molina (…) Luego siguese
que la dicha subiection es de ley natural, o a lo menos tiene su origen
y principio de ella (…) Confirmase lo dicho: porque la ley natural, y
toda buena razón dicta y enseña que la multitud ha de ser regida y
gobernada de alguno a quien obedezca y tenga subietion (…)
Confirmase assi mesmo lo dicho por estar assi expressado, en las
divinas letras (…) Y en otras muchas partes donde manda el Spiritu
Sancto a los súbditos y vassallos estar subjetos a los Reyes y
Principes: lo qual no mandara si fuera contra ley natural: la qual es
guía, y compañera de la ley Divina47.
Para fundamentar a sua conclusão sobre o trabalho indígena e a sujeição política e civil,
Agia citou alguns autores como, Covarrubias, Lus de Molina e as cartas de São Paulo a
Timóteo. O argumento embasado em teólogos conhecidos, em passagens da Bíblia ou em
apóstolos enfatizou e fortaleceu a conclusão do franciscano. A teologia moral e a opinião dos
46
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.97.
47
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 1ª conclusão, p.98.
83
doutores o ajudaram a defender que a sujeição pela qual os índios passavam era da lei natural
e estava nas escrituras, portanto, podia ser feita sem incorrer em culpa, pecado ou desvio da
lei e vontade do rei, cumprindo a Real Cédula.
Ao se apoiar em argumentos religiosos e teológicos, Agia trouxe para sua conclusão a
força e o peso da moral, bem como a opinião dos doutores, fortalecendo a lei e a prática da
sujeição, aliviando um problema de consciência para o rei e para quem aplicasse a norma.
Dessa forma, ele estava garantindo uma consciência segura e se livrando de qualquer culpa,
autorizando a aplicação da lei sem dúvida e indicando quais eram as autoridades consultadas
nesse assunto transferindo a elas o peso da sua decisão.
Parece, pela interpretação de Agia e forma como argumentou a sujeição dos índios, que
a lei natural permitia tal sujeição e que esta podia ser praticada sem culpa algunma. Dessa
forma, a lei natural era um guia para a lei divina. A sujeição era da lei natural, sua origem e
princípio. A lei natural e a boa razão ensinavam que as pessoas deviam ser regidas e
governadas, e que para isso teriam que ter a quem obedecer e receber ordens, o que era válido
tanto pela lei quanto pela política. Nesse exemplo, talvez, havia a proeminência da lei natural
em relação à divina na justificação política do trabalho forçado.
Também percebemos o caráter político, além de teológico e moral, desse argumento de
Fray Miguel Agia. O poder do rei sobre os índios estava legitimado pela lei natural que
permitia e justificava o trabalho indígena. Agia citou o teólogo Martin Navarro, as divinas
letras e os apóstolos São Paulo e São Pedro para concluir que a sujeição política também não
ia contra a lei divina, e isto porque se a sujeição era da lei natural, ela também o seria da
divina. Citou também Aristóteles e os Apóstolos São João, São Paulo e São Pedro. Com isso,
o príncipe, pela lei coativa podia forçar ao serviço para a República, numa forma de garantir a
obrigatoriedade do serviço demonstrando sua utilidade pública. Isso levou à quinta conclusão,
de que a República e o Rei tinham legítimo poder e autoridade de obrigar e forçar seus
vassalos e súditos, sem cometer com isso injúria e agravo: “Esta conclusion es comun entre
los Doctores, y la defiende particulamente Vitoria (...) Soto (...) Luys de Molina (...)48”.
Fr. Miguel Agia argumentou tanto em aspecto político, favorecendo o poder do rei e do
príncipe, quanto religiosos condenando o serviço pessoal. Essa postura evidenciou que se
podia seguir a um ou a outro argumento de acordo com a situação e ponto de vista analisado.
48
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 5ª conclusão, p.100.
84
Agia citou Vitória, Soto e Luis de Molina para defender a legitimidade do poder da
República e do Rei de obrigar e forçar seus vassalos e súditos a lhes servirem sem causar
injúria. Isto era resultado de uma opinião comum de doutores que fortalecia o posicionamento
do franciscano, e mostrava a autoridade da opinião e de seu autor ao mencionar os nomes de
Molina, Soto e Vitória. Dessa forma, também era concluído por ele que era lícito ao rei Don
Felipe, e ao senhor vice-rei do Peru em seu nome, obrigar e forçar os índios a trabalharem
para o serviço da República, nos ministérios necessários, por tempo limitado e com
pagamento justo conforme se tinha acostumado:
Esta conclusion queda provada de la precedente y de las demas, y se
confirma lo primero, porque esta Real Cedula, que es ley justa ordena
y manda que se haga assi em muchas partes: lo qual no hiziera si fuera
illicito e injusto, y assi haziendo los indios, y Españoles, y demás
naciones que residen en las Indias (…) un cuerpo solo de Republica
entero, y perfecto compuesto de hombres verdaderos vassalos de su
Magestad pueden y deven lícitamente ser compelidos y forçados
(siempre que convenga y sea necessario) a que sirvan y trabajen en
servicio desde cuerpo, que es proprio officio de los miembro (…)
Confirmase asi mesmo, porque el cuerpo de la Republica es inmortal y
perpetuo (…) Y assi es necessario para conservación quien mande, y
sirva, y obedezca, que es la concordia en que consiste la duración y
perpetuidad de la Republica (...) De lo dicho infiero que no queriendo
servir los índios a la Republica de su voluntad, como la experiência lo
há mostrado, y muestra, son compelidos y forçados a hacerlo en la
forma de repartimientos, que hasta agora se an usado para el beneficio
de la tierra (…) con la paga, y por el tiempo, y demás condiciones
senaladas por las Reales ordenanças, assi por averse esto
acostumbrado casi desde el tiempo que se gano la tierra que lo haze
justo, como también por averse hecho con aprobación de cedulas, y
ordenanças Reales, como también por aver precedido paresceres de
hombres graves de experiencia, sciencia y consciencia49.
Agia nesta sexta conclusão legitimou o poder do rei e seu vice-rei de forçar os seus
vassalos, tanto índios quanto espanhóis e outros que habitarem nas Índias, a trabalharem para
a República, conservando-a e mantendo-a enquanto um corpo. Mesmo os índios, que
naturalmente não quisessem trabalhar, estavam forçados e obrigados a ele sem que isso
contrariasse a lei natural, humana e divina. A vassalagem era aceita pelas leis porque era
49
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 6ª conclusão, p.102.
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política e civil, e os indígenas eram livres para servirem como vassalos e obrigados a um
dever justo, com pagamento e garantido pela lei, costume, experiência, ciência e pela
consciência de doutores que apresentavam seus pareceres e opiniões favoráveis a este tipo de
trabalho.
Para argumentar em defesa da legitimidade da obrigatoriedade do serviço, mesmo
contra a vontade de quem servia, dentro das leis natural, humana e divina, Agia utilizou vários
exemplos em variadas situações. Apontou que não era apenas em favor das leis que este
trabalho encontrava seu respaldo, mas também no costume e na experiência de que assim,
compelidos a servir, a República se mantinha. Além dessa observação prática e
circunstanciada feita por Agia, ele também apresentou a opinião de doutores e autoridades no
assunto a fim de embasar sua conclusão e fortalecer seu parecer. Escolheu
citar
Graciano,
Casiodoro, Sêneca, os Santos Apóstolos e trecho das cartas aos Coríntios. A obrigatoriedade
do serviço pelo qual estavam obrigados todos os vassalos do rei, fossem eles índios ou
espanhóis, era delineada por Fray Miguel Agia em seu viés político e religioso. Ele enfatizou
que a servidão era justa, não por ser para os índios ou apenas direcionada a eles, mas por se
aplicar a todos os vassalos enquanto um dever político, uma condição social e uma
necessidade econômica. Agia deixou claro, exceto para a questão do negro, que os homens,
índios ou espanhóis, eram livres, e assim, os indígenas deviam servir porque possuíam
liberdade para isso, mesmo que em sua condição natural eles não fossem inclinados ao
serviço. O posicionamento da igualdade política entre os vassalos não garantia aos índios um
melhor tratamento em seus trabalhos, ou o mesmo tratamento dado aos espanhóis. Apenas
servia para justificar a causa teórica e politicamente. Na prática, não eram tratados como
iguais, e se o fossem, a opressão e maus tratos aos indígenas não seria tema da Real Cédula.
Parece que essa situação só foi tema da lei porque afetava aos interesses comerciais da
República.
Mas Agia também usou como exemplo o fato de que os índios já trabalhavam para seus
caciques. A questão, pela forma colocada por Agia, não desqualificava o índio em sua
condição natural porque a sua liberdade era reforçada várias vezes. Nesse sentido, então, ele
não era servo do rei espanhol por natureza, mas a sua condição e ambiente natural fizeram
com que ele se acostumasse a servir, desde tempos antigos, seja por caciques ou reis
europeus.
Outra conclusão apresentada pelo Fray Miguel Agia era a de que o rei podia,
licitamente, compelir os índios para que trabalhassem nas minas de Potosi em Peru e Nova
Espanha; obrigar a fazer guerra contra os inimigos da fé; conservar e perpetuar as províncias;
86
compelir para fazerem tesouros e com eles suprimirem as necessidades públicas de todos os
reinos; e para as demais coisas de utilidade pública e comum:
La justificacion y provança de esta conclusion tien su fundamento em
la necessidad publica, y notória que su Magestad padesce, y en las
urgente ocasiones de guerra que tiene contra los hereges y otros
infieles para exaltación y conservación de nuestra sancta fe católica, y
conservación de sus Reynos y señoríos, y ayuda del desempeño de su
Real patrimonio, y otras causas de publica utilidad y provecho, y de
mucha consideración (…) Y en esta Real Cedula viene expressada por
su Magestad, aviendo precedido parescer y acuerdo de personas de
mucha cexperiencia y conciencia: lo qual basta para la seguridad de la
conciencia50.
b) A utilidade o bem da República no caso do trabalho nas minas.
Fray Miguel Agia expôs as razões pelas quais considerou que os índios podiam
trabalhar para o benefício das ditas minas. A primeira razão vista por ele era a de que era
lícito ao Rei e dentro da lei natural e divina obrigar aos índios ao trabalho. A força e a
compulsão deste trabalho não tinha repugnância nas leis e nem para com a liberdade cristã51.
O trabalho indígena estava aprovado com o apoio das leis, da religião e da própria opinião do
Fray Miguel Agia. Isto porque razão para forçar ao trabalho nas minas tinha causa justa e de
necessidade pública: “Leugo com mas fuerte razon lo será para poder compelir los índios y
espanholes de condicion servil, a que trabajen y se ocupen en la lavor y beneficio de las minas
com paga justa, y tiempo moderado52”.
Além disso, o rei tinha todo o poder sobre a República Indiana, e não havia dúvida de
que por necessidade e utilidade, a República podia obrigar os índios e outras pessoas ao
serviço nas minas53. Esse poder conferido ao rei também ocorreu em outras situações. Agia
50
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 7ª conclusão, p.103.
51
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 1ª razão, p.106.
52
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 2ª razão, p.106.
53
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 3ª razão, p.106.
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citou o exemplo dos outros reis, príncipes e monarcas do mundo todo, afim de justificar que
se para eles era lícito praticarem o trabalho compulsório, também o será para o rei da
República Indiana54.
Esses exemplos que o Fray Miguel Agia apresentou sobre as ações de outros reis em
vários lugares do mundo eram argumentos que não possuíam eficácia no direito, mas
influenciavam na experiência e no conhecimento sobre a legalidade da prática e da força da
“boa razão” como causa para a obrigatoriedade e necessidade do serviço nas minas. Dessa
forma, como a imitação de príncipes cristãos era bem vista e defendida como um “bom uso” e
uma “boa prática” a serem imitados, Agia encontrou nela seu caráter justo.
Outra razão que fortaleceu o serviço dos índios para o benefício das minas era que não
eram apenas eles os compelidos a tal trabalho. Se os espanhóis eram forçados a trabalhar, os
índios também podiam ser forçados porque ambos eram igualmente livres55. E porque,
provavelmente, essa razão era dada pelo costume de mandar os índios ao serviço das minas
desde que estas foram descobertas56.
Percebemos com isso, como o argumento do Padre Fray Miguel Agia apontou o
costume, habituado antes mesmo da conquista, como relevante para apoiar o cumprimento e
aplicação da lei. Do costume à lei, recorrer ao costume para efetivá-lo como uma lei e não
incorrer em pecado. Agia afirmou que, por já estarem acostumados a trabalharem para o
beneficio das minas, tal prática era permitida, aprovada, usada e conhecida para ser mantida e
não rechaçada e pecaminosa:
(...) Y tambien porque en esta real Cedula expressamente los manda
dar su Magestad en muchas partes lo qual escusa de pecado al señor
Virrey, y a otro qualquiera que lo mande executar aun en caso que lo
dicho fuero ilícito57.
Agia interpretou a Real Cédula acreditando que a ordem do rei para mandar ao trabalho
para o beneficio das minas não era pecado. Que o vice-rei podia cumprir a ordem mesmo para
54
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 4ª razão, p.106.
55
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 5ª razão, p.107.
56
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 6ª razão, p.108.
57
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 7ª razão, p.108.
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os casos ilícitos e não pecaria porque estaria cumprindo antes uma norma legal, de boa razão e
utilidade. Entendemos que havia um espaço para executar a lei mesmo em casos ilícitos,
garantindo a sua eficácia sem reprovação ou culpa. Para este caso, o rei estava retirando o
pecado.
Agia apoiou suas razões na doutrina de São Tomás de Aquino, citando à obrigação que
os vassalos possuíam de trabalhar nas minas para que o rei pudesse ter recursos necessários
para gastar na guerra. Se isso não fosse feito, e não houvesse tais recursos, cometeria pecado
mortal58:
Luego siguesse que su Magestad tiene obligacion em conciencia de
tener allegados thesouros para los dichos fines, también la tendrá, y le
será licito el allegarlos por los medios mas licitos y convenientes que
pudiere (…) Y el medio mas conveniente, y mas principal y de menos
daño, y perjuicio es, compeler alguna parte de los vassalos a que
trabajen en el beneficio y lavor de las minas59.
A exploração das minas se justificava para Agia como uma forma de manter as terras
do Peru e garantir a conservação da República. Se faltasse o serviço das minas e as terras do
Peru não se conservassem, o mesmo aconteceria com a República, por isso se justificava a
razão de obrigar ao serviço para o beneficio das minas. Dessa forma também era lícito e
legitimo segundo a boa razão, o rei tomar parte dos bens da Igreja obrigando seus vassalos a
extraírem outro e prata com a condição de os pagarem justamente e de tratá-los bem60:
Todo lo qual podra a mi parescer mandar su Magestad por todo el
tiempo que tuviere necessidad legitima, fundada em utilidad, o
necessidad publica, no gastando la plata que tanto sangre cuesta em
otras necessidades que no sean publicas61.
58
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 8ª razão, p.108.
59
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 8ª razão, p.109.
60
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, 10ª razão, p.110.
61
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer,10ª razão, p.110.
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Agia exibiu as condições das minas de Huancavélica porque elucidavam a legitimidade
do rei ao obrigar os índios a trabalharem. A primeira condição era que a necessidade fosse
legítima; que a prata não se beneficiasse sem o “azogue”; que sem os escravos, outros homens
podiam fazer o serviço; que os índios trabalhassem mesmo sem vontade; e que houvesse
necessidade legítima, verdadeira, de pública utilidade e necessidade:
Con las dichas condiciones justas, y con las demas que yo no alcanço,
quisiera antes oyr el aprescer ageno sobre esta conclusion, que dezir el
mío proprio: pero confiado de la misericordia Divina, y de que mi
deseo y intención es de acertar, y en ninguna manera de encargar mi
conciencia en la menor cosa del mundo, dire lo que alcanço, subjeto a
otro qualquier mejor parescer62.
Parece que para Agia todas as razões se justificavam pela causa pública. Essa causa
era justa, de “boa razão”, utilidade e necessidade para o bem comum. Justa porque respondia
e obedecia á obrigação político e civil da conservação da República. A qual, sendo um corpo
místico, incluía como seus vassalos homens livres, espanhóis e indígenas. A igualdade de suas
condições estava dada como vassalos e reconhecida pela necessidade pública de seus serviços
ao rei e funcionamento do governo indiano, conservação e perpetuidade da República indiana.
Uma obligatio natural de reciprocidade que cobrava e concedia favores.
A conservação dos homens era garantida se fosse garantida a conservação da República
e das províncias pelos serviços prestados, contra ou não à vontade. Uma justificativa
dependia da outra, como um corpo que, para se manter, precisava ter suas partes interligadas,
seus membros comandados e direcionados pela cabeça do rei.
Nesta conclusão de Agia podemos perceber a importância da experiência, da opinião
comum dos doutores como um ensinamento e argumento forte usado por ele:
(...) pues no se requieren conforme a Derecho mayores y mas urgente
causas para obligar a los índios a que trabajen em las minas de los
azogues que las referidas de publica utilidad, y necessidad, luego com
ellas pueden ser compelidas a lo dicho. Confirmasse lo dicho, porque
si alguna razon avia, y ay que parezca condenar esto es saber por cosa
cierta, y por experiencia, que los indios, que son embiados a las dichas
minas, son embiados por la mayor parte a morir sin remission alguna
62
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.111.
90
(…) Y esto no impide porque la Republica y el Rey tiene legitimo
podere y autoridad por las causas referidas de necesidad y utilidad
publica de poner sus vassalos a peligro de muerte, como enseña la
común de los Doctores, particularmente Molina (…) Vitoria (…) Soto
y otros muchos lo qual esta puesto en uso y platica en todas las
Republicas del mundo63.
A força do exemplo, do uso e da prática realizada em outros lugares evidenciou a
utilidade e a qualidade da conclusão do teólogo sobre o benefício de obrigar os índios a
trabalharem nas minas. Podemos pensar que, da forma como estava argumentada por ele, a
República e o rei possuíam o direito de colocar em perigo os seus vassalos justificando que
estavam cumprindo com a utilidade e necessidade públicas. Esta era uma razão de estado,
uma razão política e econômica que estava reforçada pela justificativa do bem comum e da
boa razão. Agia acrescentou que quem se opusesse ao trabalho nas minas iria se reportar ao
Direito e sofreria penas graves, como a pena de morte e incorreria em um delito, mesmo sem
ter culpa, porque teria sido castigado por não ter atendido à causa justa e ao bem público.
Licitamente podia o rei e vice-rei, em seu nome, dar índios em quantidade moderada para os
novos descobrimentos de minas:
(...) de los quales carescen los innocentes índios, que son compelidos a
yr a trabajar a las dichas minas, dízimos ser assi verdad: pero
confessamos com los Sacros Canones, que aunque ninguno puede ser
castigado sin culpa, puede (empero) ser lo con causa (...) Pero aviendo
causa justa como aqui la ay licitamente pueden ser castigados com la
dicha pena, ultra de que los indios no son compelidos para siempre al
dicho trabajo (...)64.
Na última conclusão, Agia apontou a importância da prudência para saber prevenir o
que poderia acontecer com a República que dependia do beneficio das minas, e que esta, por
sua vez, podia acabar. Segundo esse franciscano, a virtude da prudência era própria dos
governantes, e ser prudente era prevenir os danos que podiam ocorrer. Dessa forma, os
governadores deviam ser prudentes e prevenidos. Embasando melhor seu argumento, ele citou
63
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.111.
64
Idem, p.112.
91
Aristóteles, Platão, Cícero e o livro da Bíblia em Deuteronômio afirmando que os homens não
prudentes estavam condenados como incipientes e inexperientes pelo Espírito Santo:
(...) Prudencia será, y muy bien govierno prevenir con tiempo lo que
puede suceder, y no aguardar que suceda para buscar despues el
remédio como el derecho (...) Y pues la prudência es própria virtud de
los que governan (...) Debe resplandecer en ellos en todo lo que hacen,
particularmente en prevenir lo que pude suceder (…) Y a los que no
hacen esta condena el Spiritu Sancto por insipientes (…) Y a
propósito de esto hallamos Canones, y Leyes establescidas para
negocios que estan por venir (…) Y esto me paresce, salva la censura
de la Yglesia, y de otro qualquiera que mejor sienta”65.
Em meio às razões e conclusões apresentadas por Fray Miguel Agia, ele expôs que seu
parecer buscava a não comprometer sua consciência, e diz isso como uma forma de garantir a
consciência segura aos que lessem e acatassem suas opiniões. Ainda assumiu que não
alcançou todas as condições, demonstrando humildade e colocando-se aberto e sujeito a
qualquer outro parecer que fosse melhor que o seu.
2.4. Arbítrio e lei na interpretação de Fr. Miguel Agia em seus três pareceres.
Agia iniciou seu último parecer sobre o arbítrio que era conferido ao vice-rei do Peru
para o cumprimento e a execução desta Real Cédula, e do que nela viesse provido e ordenado.
Salientou que mesmo o vice-rei tendo espaço para decidir conforme o seu arbítrio, isso não o
isentava de conhecer o que estava mandado e ordenado pela Real Cédula, escrita pelo rei em
24 de novembro de 1601. Ele precisava conhecer as leis e esse conhecimento o faria analisar e
ponderar sobre o que conviesse agir. Dessa maneira, o vice-rei demonstrava que mesmo não
decidindo conforme a lei, não a descumpria por ignorância, mas por conhecer seu teor e
analisá-lo, sentenciou segundo outro critério. Podemos perceber nesta forma de aplicar o
direito, que para Fr. Miguel Agia, uma decisão tomada em arbítrio era pensada e consciente, e
não arbitrária sem apresentar sentido e razão.
65
Idem, p.114.
92
Primeramente se deve advertir, que de tal manera manda su Magestad
se guarde y execute lo ordenado em esta Real Cedula, que no quita al
señor Virrey del Piru el conoscimiento de lo que se manda executar:
para que su Señoria vea si conviene, o no executarse de manera que no
es nudo, o mero executor sin conoscimiento como suelen ser los tales
meros executores (...) Sino juez arbitrio (si lícitamente puede llamarse
por este nombre) pues tiene autoridad su Señoria de añadir, y quitar,
alterar, mudar, remover, executar, y dexar de executar lo que viere que
conviene al bien común de la República, como claramente lo da a
entender su Magestad (…) como y por los mas suaves medios que os
paresciere y proveyederes y ordenaredes para ellos, de manera que
teniendo respecto y consideración a todo lo referido lo despongays de
le maneira que mas conviniere para la conservación de los mesmos
indios y de essa República y comercio de ella (…)66.
As características de um juiz árbitro segundo Fray Miguel Agia, começavam com a
prática de um juiz que buscava o parecer de pessoas com experiência e conhecimento nos
assuntos que fosse executar. Citou a Real Cédula que mandava ao vice-rei conferir e tratar dos
assuntos das Índias com pessoas práticas, mais experientes e doutores para ouvir o parecer
deles sobre cada situação específica. Para os casos não descritos na Real Cédula, Agia
percebeu que o rei agia com prudência, uma prudência “política”, que tinha como objetivo
manter o bom governo das Índias:
(...) Y de la singular prudência de su Magestad y de su real Consejo no
se podia entender, ni presumir otra cosa aun en caso que en esta Real
Cedula no viniera expressado, pues ninguno medianamente prudente
avia de presumir aver sido intencion de su Magestad, y de su Real
Consejo querer por esta Real Cedula, dexar revocadas todas las
Cedulas Reales del Emperador y Rey nuestro señor, que Sancta gloria
ayan, y de los demás Reyes sus antecessores establescidas para el
buen gobierno de las Indias (…) Ultra de que en genero de buen
gobierno y prudencia política se tiene por muy grande inconveniente,
y por cosa muy peligrosa mudar las leyes de una Republica (…)67.
Entendemos por prudência política, expressão mencionada por Padre Fray Miguel Agia,
uma forma de manter o equilíbrio entre o arbítrio dado ao vice-rei e os interesses políticos
66
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.115.
67
Idem, p.117.
93
mantidos pelas leis antigas preservadas em prol do bem comum. Como um bom senso, uma
justa medida entre os interesses e deveres. O vice-rei tinha autoridade dada pelo rei, mas este
não alterava todas as Cédulas reais antigas. Percebemos que nesse espaço jurídico, ao mesmo
tempo em que havia margem para uma flexibilidade da lei, esta era controlada uma vez que as
leis antigas estavam protegidas. Tal estratégia de “prudência política” podia significar esse
equilíbrio, bom senso e justa medida entre a acomodação da lei, sua adaptação e a preservação
da mesma, seja por elucidar uma experiência ou um costume. Ou uma maneira, prudente, de
pensar analisando dois lados, o político e o subjetivo:
(...) ni tampoco se pudiera ni deviera presumir aver sido intencion de
su Magestad, querer por esta Real Cedula alterar ymudar en un punto
todo el govierno de las Indias (...) lo qual se há tenido siempre por
buen govierno, y por cosa muy acertada, y como tal aprovada de
muchos Reyes sábios y prudentes (...)68.
Outra característica de um juiz árbitro era a de não obedecer ao que entendesse ser
injusto, tendo causa e razão que justificassem essa não obediência e entendimento de injustiça
sob o mandado na Real Cédula:
(...) los quales aviendo sido siempre zelosissimos de la justicia, tenian
ordenado y mandado a los juezes y ministros de sus tribunales, no
obedeciessen sus Reales mandatos siempre que entendiesen que era
injustos (…)69.
Agia esclareceu que, mesmo o rei ordenando que se cumprisse o conteúdo de sua Real
Cédula de 24 de novembro de 1601, o vice-rei em seu arbítrio poderia deixar de executar a lei.
Essa dúvida de como agir a uma ordem do rei demonstrava insegurança. Será que o arbítrio
do vice-rei dava a ele o poder para não executar as leis régias mesmo o rei as tendo ordenado?
Fr. Miguel Agia nos afirmou que sim. Se as leis, mesmo justas e promulgadas, não fossem
antes recebidas e reconhecidas pela maioria na República, não teriam valor. Sendo assim, ele
começou a caracterizar e definir uma lei justa.
68
69
Idem, p.117.
Ibidem.
94
As leis para serem justas precisavam, primeiramente, ser acatadas pelo povo para depois
serem cumpridas. Se elas não fossem recebidas pela maioria, mesmo sendo justas, não
obrigavam. Portanto, segundo a interpretação de Agia, se o vice-rei encontrasse uma norma
régia que não fosse aceita pela população, esta norma não precisava ser cumprida, não
obrigava e não seria executada. Tal ação não desobedeceria ao rei. Ao contrário,
argumentando e motivando a sua sentença, o juiz demonstrava que era prudente. Fr. Miguel
Agia mencionou uma forma de solucionar essa dúvida da aplicação da lei prática:
Para mejor resolucion de esta duda se debe de notar, que las leyes aun
después de promulgadas y siendo justas no obligan a su guarda y
observancia, si no es estando primero rescebidas a lo menos por la
mayor parte de la República (…) porque se presume que el legislador
establesce la ley debaxo de esta condición si fuere primero rescibida
de los súbditos (…)70.
No segundo parecer, Fray Miguel Agia tratou da justiça da Real Cédula de maneira
geral e particular. De maneira geral, pelo provido nas 27 cláusulas, a Cédula era considerada
justa pelas seguintes características marcadas por Agia: foi elaborada por um legislador
legítimo, o rei; continha todos os requisitos e circunstâncias necessárias; estava conforme à lei
natural e divina; todo o ordenado pelo rei seguia a lei natural, divina e humana canônica; e
continha quatro atos: castigar, mandar, proibir e permitir71: “(...) permitiendo lo que es menos
malo para evitar daños mayores, como es, que los indios sirvan en varios ministerios: porque
no anden ociosos, y en sus antiguas ydolatrias72”.
E continuou a mencionar a justiça das cláusulas da lei de 1601: A Real Cédula era justa
por ter sido estabelecida em causas justas e por necessidade e utilidade pública, conforme os
costumes e ritos das Índias, qualidades pedidas pelos Sacros Cânones para tornar uma lei
justa; era justa por conter a igualdade entre índios e espanhóis enquanto vassalos do rei; justa
por estar conforme às leis anteriores do rei Don Felipe; justa por sua utilidade e proveito,
tendo como finalidade a quietude, a paz e a concórdia entre índios e espanhóis; justa porque
ordenava que os índios trabalhassem como homens livres e não como escravos; justa por
70
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.118.
71
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.73.
72
Idem, p.74.
95
preservar a conservação, o aumento e a perpetuidade da República das Índias; e por
considerá-la como um corpo vivo, místico e ordenado:
(...) ninguna Republica puede durar, ni conservarse, pues es necessário
que aya pies que anden, y manos que trabajen, y cabeças que
gobiernen y que unos manden y otros sirvan, y obedezcan (…) ni
porque los indios no sean Españoles, ni al contrario, los españoles
indios, estan desobligados de ayudarse unos a otros, siendo cierto que
lo estan, pues son todos vassalos de su Magestad, y miembros del
cuerpo mystico desta República Indiana73.
Tanto espanhóis quanto índios eram vassalos da República e nessa condição deviam
ajudar uns aos outros. Formavam um corpo que reconhecia suas partes e funções. Agia
continuou argumentando sobre a justiça geral da Real Cédula e a colocou como justa por ser
clara, segura ao ordenar e mandar, e por não permitir dúvidas e dificuldades em sua execução
e aplicação, sem contrariar o arbítrio do vice-rei:
A lo qual no repugna, ni es contraria el arbitrio que al señor Virrey si
le da sobre todo lo ordenado en la dicha cedula, el qual mira mas la
execucion de lo establecido, que el mismo establecimento74.
Fray Miguel Agia afirmou que a Real Cédula, em geral, era justa porque determinava,
entre muitas coisas, o que definitivamente se devia fazer e guardar, não permitindo dúvidas e
dificuldades, e não repudiando o arbítrio do vice-rei. Mesmo com suas determinações, o rei
concedeu poder ao vice-rei para deliberar segundo seu arbítrio, o que garantia a ele um poder
legítimo de castigar, mandar, proibir e permitir, e conferir às leis uma margem de
flexibilidade e temperança. Na prática, para executar as leis, o vice-rei possuía de espaço
conferido pelo seu arbítrio para decidir e agir como achasse melhor e mais conveniente sobre
o ordenado na Real Cédula. E, praticamente, a Real Cédula não era tão clara assim.
Ela era justa porque tudo que nela estava provido vinha de um rei que administrava a
justiça, cumprindo com sua obrigação. Agia mostrou que a administração da justiça era uma
73
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.76.
74
Ibidem.
96
obrigação do rei e que essa atitude real tornava as leis justas. Porém, salientou que o poder e a
autoridade do vice-rei, em aplicar ou não as leis, não ultrapassavam a lei divina e natural e
apenas era concedido a ele porque o rei, seu superior, lhe concedeu:
Digo lo segundo, que aunque hablando regularmente su Señoria no
tiene authoridade de quitar algo de lo que esta cedula viene ordenado
y mandado por ser inferior a su Magestad, y en quanto tal no puede
quitar en todo, ni en parte la ley de su magestad, que es superior (…)
Puede empero hacerlo por la comisión poder y authoridade que para
ello le comete su Magestad, salvo en aquellas cosas que fueren de ley
Divina porque estas se deven guardar (…) Y por la mesma razón las
que son de ley natural pues esta también es Divina (…)75.
O vice- rei não podia ultrapassar as leis divinas e humanas porque estava obrigado em
consciência, por essas mesmas leis, a executar justamente o conteúdo da Real Cédula. Além
de ter um cargo político e governativo, ele respondia às leis divinas, e, sua responsabilidade
jurídica e administrativa nas Índias, competia também a uma obrigação moral e uma
deliberação dada em consciência:
(...) que el señor Virrey esta obligado en consciência a mandar
executar y guardar lo que justamente viene ordenado y mandado en
esta Real Cédula, pues a esto lo obliga la ley Divina (…) y la ley
humana Canonica (…) salvo si le escusa alguna justa causa porque si
su señoria la tiene no estará obligado a ello según la doctrina de
Sancto Thomas (…) donde enseñan que la causa justa escusa de
pecado mortal en el quebrantamiento de la ley (…)76.
A causa justa retirava o pecado da desobediência à lei porque se fazia o certo. Mas o
que era uma causa justa? Como se sabia a justiça de uma causa? Agia respondeu que a causa
justa era o que o vice-rei julgasse com boa fé o que parecesse justo, mesmo se na realidade
não fosse. Isso era permitido porque, segundo o teólogo, agir de boa fé já era em si um motivo
para não pecar. O embate entre a consciência subjetiva e a lei no momento de sentenciar era
solucionado por Fray Miguel Agia quando o juiz buscava agir de boa fé, com boa intenção.
75
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.118.
76
Ibidem.
97
Uma das formas de responder a esse conflito interno, entre a subjetividade humana e
as leis, era recorrer à teologia moral e às leis divinas. Se havia uma boa fé, uma boa intenção
ao descumprir a lei, então a causa para tal era justa e essa ação não era pecadora, no sentido
religioso, e nem imprudente, no sentido político-administrativo. Ou seja, não sendo pecado,
não seria crime:
Y tambien se puede tener por causa justa la que su Señoria con buena
fe juzgare ser tal aunque real y verdaderamente no lo sea de todo
punto, porque esta, también bastante causa para escusar de pecado
mortal, aunque no de venial (…)77.
Agia colocou que se na Real Cédula tivesse algo que fosse contra a lei natural ou
divina, não somente o vice-rei não estaria obrigado a segui-la como se executá-la pecaria
mortalmente. Isso se dava porque primeiro se devia obedecer à Deus e depois aos homens. As
leis que não correspondessem às leis divinas e naturais não deviam ser executadas, mesmo
que o próprio rei as mandasse e ordenasse:
(...) porque assi como no es licito a su Señoria cometer algún pecado
mortal por su voluntad: Assi tampoco por mandárselo su Magestad:
porque en las cosas que son manifiestamente injustas, o ilícitas y
contra ley de Dios ningún mandato de ningún hombre aunque sea Rey
puede obligar. Y assi aconsejan los Doctores (…)78.
Estava permitido fazer algo que, mesmo proibido pela lei humana e não sendo
verdadeiramente justo, estava de acordo com a lei divina, natural e com os conselhos dos
doutores. Seguir a lei divina e natural e consultar os doutores e homens experientes garantia
uma consciência segura, mesmo não executando as leis régias:
Porque causas su Magestad tomando parescer de hombres graves, no
esta obligado a seguir el consejo de la mayor parte ni aun el parecer de
77
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.119.
78
Ibidem.
98
todos juntos quando estuviessen conformes, y se declara la misma
difficultad en orden al Señor Virrey79.
Compreendemos como Agia opinou sobre a lei e o costume pelo exemplo da proibição
dos repartimentos de índios. O rei defendeu que deviam ser fechados os repartimentos de
índios que não trabalhassem pela conservação dos mesmos por abusarem dos seus serviços.
Ele entendeu que estes deviam ser fechados e proibidos por tratarem injustamente os índios.
Agia observou que o motivo de sua majestade proibir os ditos repartimentos não era por
serem maus, mas porque os usavam sem moderação dos serviços indígenas, causando danos e
prejuízos. Essa ordenação régia de proibição nasceu do mau costume que se tinha de tratar o
índio80.
Nesse exemplo da proibição dos repartimentos de índios observamos a forma como o
Padre Fray Miguel Agia interpretou a lei para o caso específico dos panos e engenhos de
açúcar. Ele entendeu que o motivo da proibição era o tratamento injusto e prejudicial aos
índios e que esta forma de tratamento era costumeira. Para acabar com o costume foi
necessário criar uma lei. Mas havia um detalhe, ainda que essa forma de tratamento ocorresse
no repartimento de panos e engenhos de açúcar, como ressaltado, isso não significava que
acontecia da mesma forma em todos os repartimentos. Mesmo tentando inibir o costume
criando uma lei, essa lei inspirada contra esse costume apenas teria sentido nos repartimentos
que excedessem no trabalho dos índios. Nos lugares em que não se tinha o costume de abusar
de tal serviço a lei não encontraria razão.
Sendo assim, Agia demonstrou que a lei tinha lugar onde a sua razão também
encontrava lugar. Ou seja, se em outro repartimento de panos e engenhos de açúcar não
houvesse prejuízo ou dano aos índios, a causa da proibição dos repartimentos não teria valor,
não teria sentido e razão de existir. A lei se estabelecia onde havia necessidade, se não
houvesse, não se estabelecia. Essa adequação da lei com a realidade a tornou bondosa:
(...) Y es notório que su Magestad por la dicha clausula solamente
prentende poner remédio en los excessos que hasta agora ha avido en
los obrajes de paños, e ingenios de açucar, y no donde no las ha avido
79
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.122.
80
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.34.
99
no los ay, pues nunca las leyes se establecieron (…) De donde es que
una de las calidades que ha de tener la ley para ser buena es, que sea
necessaria (…) Y conforme a esto donde no ay necessidad de esta ley
no debe de ser allí executada.81
Em outro trecho do seu parecer, Agia defendeu que não considerava pertinente e
adequado acabar com todos os repartimentos de obrajes de panos, por achar que aconteciam
as mesmas coisas em todos os lugares. Considerou que essa cláusula da Real Cédula – a
terceira – generalizava uma situação para todos os casos e que essa lei necessitava de uma
adaptação que ponderasse para outras realidades:
(...) De todo lo qual caresce la dicha clausula, presuponiendo por cosa
cierta, que las injurias y agravios que en los dichos obrajes se
cometen, son como dicho es yguales, pues se les aplican yguales
penas: para lo qual, y para entender bien otras muchas cosas que en
esta Real Cedula, bien en ordenadas a cerca de los repartimientos de
los índios82.
Podemos perceber neste exemplo como Agia pensou a respeito das leis e sua
aplicabilidade. Se antes ele mencionou que as leis tinham lugar aonde sua razão as tinha, ao
tratar da proibição dos obrajes de panos e engenhos de açúcar, por maltratarem os índios,
tratou desta proibição como uma relação “sinistra” por ver que o rei aplicava as mesmas penas
generalizando todos os obrares e engenhos. Com isso, mostrou que as leis precisavam ter
necessidade e sentido para serem executadas, e tais necessidades e sentidos eram percebidos
analisando as qualidades das pessoas e seus atos, caso a caso. Aonde não havia a necessidade
das leis elas não deviam ser executadas e isso era justo e bom. As leis para serem boas
precisavam ser necessárias, não sendo necessárias elas não eram boas e não obrigavam.
Por isso que além das leis, os usos e costumes na análise da cultura jurídica também
referiam a casos específicos e particulares. Dependendo da eficácia e da intencionalidade que
recebiam, tanto dos espanhóis – encomenderos ou do rei - quanto dos índios, possuíam força
81
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.35.
82
Idem, p.59.
100
de lei capaz de manter e justificar uma ação, ou de serem reprovados pela força da lei por
manterem a mesma ação naturalmente.
O Padre Fray Miguel Agia explicou quais eram os dois pontos principais que defendia a
favor de uma norma mais flexível no caso do fechamento dos repartimentos. O primeiro ponto
esclarecia que os repartimentos dos índios eram muito diferentes uns dos outros em
quantidade e qualidade. Para mostrar as diferenças entre os repartimentos e continuar a
defender que a Real Cédula não podia classificá-los igualmente. Agia os distinguiu
apresentando as características de vários repartimentos e seus funcionamentos por toda a
Nova Espanha, citando com exemplo o Peru, Lima, Santa Fé de Bogotá em Granada, Quito,
Huancavélica e Potosí83.
O segundo ponto principal apresentado pelo franciscano dizia respeito à duração dos
repartimentos. Eles não duravam mais do que quatro meses. Depois de mencionar as
diferenças de quantidade e de qualidade dos repartimentos, ele apresentou que os ofícios
realizados nesses também eram distintos. Alguns obrajes eram de panos, enquanto outros
eram de anil e tinta. Havia ofícios perigosos que causavam maiores danos e prejuízos aos
índios pelo trabalho excessivo, como o de cultivar ervas que era realizado apenas pelos índios
acostumados com ele.
Segundo Agia, os obrajes de panos também possuíam especificidades e eram menos
prejudiciais aos indígenas. Alguns obrajes eram de panos, outros de administração, de
arrendamento, de propriedade, de distrito e de companhia e cada um possuía sua
particularidade e deveria ser tratado dessa maneira. Em todos eles o trabalho era diferente,
com pagamento diversificado, hora específica, índios variados, com danos e proveitos
ímpares. Outros tinham trabalhadores negros, que eram mais preservados que os indígenas
porque custavam mais caro84. Toda essa explicação e diferenciação dos ofícios e trabalhos
feita por Fray Miguel Agia por meio de exemplos serviam para justificar seu argumento de
alterar a Real Cédula para que esta se acomodasse com a realidade, considerasse os costumes,
lugares, pessoas e a suas especificidades particulares. Como ficou claro nesse trecho do seu
primeiro parecer:
Todo lo qual se debe mucho de considerar: pra templar el rigor de esta
dicha Cedula, teniendo atención al trabajo mayor, o menor, y al mas, o
83
84
Idem, p.62.
Idem, p.64.
101
menos perjuyzio, que los indios resciben, y que algunos de los dichos
repartimientos se han acostumbrado hazer, permitinedolo las leyes y
ordenanças Reales (…) Las leyes se han de acomodar a la Republica,
y no la República a las leyes, y assi mesmo han de ser utiles, y
provechosas, como ordena el Derecho, encaminadas a quietud, paz y
concordia, y que sean tales que aya quien las guarde, y se puedan
guardar (…) De las leyes de Platon pues era necesario criar nuevos
hombres y nuevos pueblos a quien las dichas leyes se pudiessen
acomodar, conforme a lo qual dizen los Philosophos sabios, que el
Legislador debe considerar las costumbres, los lugares y personas, y
sus calidades quando establesce la ley para de esta manera según la
variedad de la materia variar la forma85.
Neste trecho, podemos ver as referências usadas por Agia ao mencionar qual era a
função da lei na sociedade e sua necessidade e utilidade prática, reforçando o casuísmo na
criação das leis para as províncias do Peru e Nova Espanha. Eram as leis que precisavam se
acomodar à realidade e não a realidade se modificar conforme à lei. As leis tinham que se
flexibilizar e se adaptar às circunstâncias para que assim fossem úteis e proveitosas, em
conformidade com a diversidade dos costumes, lugares, pessoas e situações, trazendo a
tranquilidade de consciência, a paz e a concórdia. Precisava haver temperança no rigor das
leis, dessa forma diminuiriam as controvérsias e inseguranças sobre suas efetividades e
práticas, mas mesmo assim ainda existiriam as dúvidas.
Agia esclareceu que para o rei, em caso de dúvida, este não tinha a obrigação de seguir
o parecer e conselho dos doutores porque tinha de Deus o absoluto e supremo poder temporal.
Se a causa do conselho e do parecer era desconhecida, o rei podia duvidar dela e não aceitar a
opinião. Parece que, em questões teológicas, a causa que motivava a ação era mais importante
do que a própria ação em si. Podemos entender por causa a intenção, seja do rei ou do vicerei. Uma causa justa e de acordo com as leis divinas justificava qualquer descumprimento da
lei:
(...) Advierte que esta en mano de su Magestad quando toma parescer
sobre algun negocio apartarse del commun parescer de todo el
consejo, y echar por contrario camino: lo qual podria ser occasion de
dudar qual sea la causa: por la qual su Magestad no esta obligado a
seguir el parescer y consejo de los que se dan. A lo qual se responde,
85
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primer Parecer, p.65.
102
ser la causa el tener su Magestad el absoluto y supremo poder
temporal por Dios nuestro Señor en todos sus Reynos: por el qual
reyna y manda (…) Y como tal supremo Monarcha, y que en todos
ellos no reconosce superior, mas que a solo Dios, y a la razón natural,
por esta causa no esta obligado en las cosas tocantes al gobierno
temporal a seguir el parescer y consejo de aquellos de quien el toma, y
también por el poder absoluto y supremo que tiene del Pueblo para
poderle gobernar como supremo Monarcha (…)86.
O homem prudente examinava seu próprio parecer e conselho. A razão que o rei tinha
de não precisar seguir o conselho dos pareceres, ao vice-rei não lhe era permitido:
Y aunque esta razon de supremo Legislador y Monarcha no corre en el
Señor Virrey, pues no lo es, no esta, empero, obligado a seguir el
parescer de la mayor parte, como se lo advierte su Magestad (…) Lo
qual fue sabiamente ordenado porque pudiera suceder que el parescer
de pocos por estar fundado en mejor y mas fuerte razón fuesse mejor
que el de muchos, y en tal caso el de pocos avia de prevalescer y ser
preferido al de muchos (…)87.
Nesta passagem, Agia afirmou que ao pedir a opinião dos doutores, o vice-rei não
ficava obrigado a escolher e seguir a opinião comum da maioria em detrimento da opinião de
alguns poucos. Isto era permitido apenas se a causa que justificasse a opinião da minoria dos
doutores estivesse com mais razão e fundamentação do que a razão apresentada pela opinião
da maioria. A opinião comum devia ser julgada pela autoridade de quem as dava e não pela
quantidade dos que a defendiam. Ela devia ser analisada como se fosse uma lei, e a reputação
da pessoa que opinou também tinha que ser revista.
(...) Y tambien porque la que muchos dizen suele ser tenido por
opinion commun, no siendo esto assi, porque la opinion commun no
há de ser juzgada por tal, por el numero de los que la defienden, seño
por el peso autoridad y gravedad que tienen (…) aunque el señor
Virrey no tiene obligación de estar atenido al parescer de muchos, no
podrá empero, apartarse de todo punto del parescer y consejo de
86
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.122.
87
Idem, p.123.
103
aquellos que consultare echando por contrario camino. Principalmente
si los consultados son personas de experiencia y conciencia (…)88.
Depois de Agia apontar como se devia agir em caso de dúvida, ele apresentou quais
eram as características buscadas em um bom conselheiro. Quem era uma autoridade para dar
uma opinião? Quais eram as características de uma pessoa experiente e com consciência? A
quem procurar quando se estava com dúvida?
O teólogo franciscano afirmou que as dúvidas encontradas na Real Cédula deveriam ser
resolvidas consultando a opinião de pessoas com experiências, conhecimento sobre a natureza
e a qualidade do assunto em questão. Neste caso, estes pareceres tinham como tema o serviço
pessoal e os repartimentos de índios. Assim, deviam ser buscadas pessoas com experiências
nesses assuntos e ter tais características:
(...) Que se busquen personas ydoneas y acomodadas a la gravedad de
los negocios y materias de que se trata: lo qual es muy conforme a
buena razón (…) Que el que vuiere de juzgar y dar su parescer y voto
sobre alguna cosa, la entienda y conozca primero. Pues por esta
misma razón las dudas de letras se prohíben consultar con hombres
que no sean letrados (…) Tambien sedeve procurar que los tales
tengan las condiciones y calidades que dize la Divina Escriptura (…)
Porque si temen a Dios, y son hombres de verdad, y aborrescen la
codicia aconsejaran bien (…) Tambien se debe procurar, que los tales
sean viejos y ancianos (…) Aunque no tengo por inconveniente que
sean consultados moços, virtuosos y prudentes (…)89.
Agia demonstrou os que estavam proibidos de ser procurados para dar parecer e
conselhos. Não podia procurar homens de má fama porque seus conselhos não serviriam e
seriam mau recebidos. Também não se deviam consultar pessoas interessadas na matéria em
que se perguntava por que não dariam um conselho desinteressado. Os homens que não
possuíam conhecimento de governo, e República, ou que apenas olhavam para a causa dos
índios esquecendo a dos espanhóis, não deviam ser consultados porque seus pareceres seriam
inconvenientes. Os conselhos tinha que atender ao bem comum de todos, e esta era a boa
razão.
88
89
Idem, p.124.
Idem, p.125.
104
O vice-rei podia mandar executar o que aparecesse de novidade e que não estivesse
mencionado na Real Cédula sem precisar consultar ao rei. Agia argumentou que se fazia um
julgamento mais justo quando se conhecia o que se julgava e se estivesse no território e
espaço julgado. Isso era visto como prudente e como uma forma de avaliar a realidade na qual
as leis estavam direcionadas, e se eram recebidas ou não. O teólogo evidenciou que uma
forma de analisar melhor cada caso era conhecendo seu espaço e estar atento às suas
circunstâncias e especificidades.
Pero porque podria dudar alguno si por aver cometido su Magestad al
Señor Virrey el consocimiento y arbitrio de lo proveydo y ordenado
en esta Real Cédula, y juntamente el poder ordenar de nuevo lo que le
paresciere podía por esta causa sin consultar a su Magestad mandar
executar lo que de nuevo ordenare (…) Empero yo digo, que esta
doctrina corre regularmente, y no quando el Príncipe comete el
conoscimiento, y yimlamente, la execucion como paresce averlo
hecho en el caso presente, y se refiere en la clausula en aquellas
palabras añadays y quiteys lo que os paresciere, y aquello hagays
executor90.
A lei que se adaptava e se alterava para concordar com a realidade, era justa, fazia
sentido e tinha utilidade. Além de ser uma lei casuísta, ela o era por necessidade.
Todo esse parecer dedicado ao arbítrio do vice-rei servia para garantir a ele, e ao rei,
uma consciência segura. Mas, ao tratar da sua própria consciência, Agia, no final de seu
tratado, mencionou as características dos trabalhos nas minas de Huancavélica e aconselhou
que fossem fechadas. Isso nos demonstrou que, além de servir como um guia que auxiliava a
solucionar dúvidas práticas e a argumentar em favor de diversos aspectos, jurídicos, políticos,
religiosos, morais e culturais, o próprio Agia tratou de tomar conta da segurança da sua
consciência. Ele o fez denunciando os abusos que viu nessa mina. Ao fazer isso, assumiu o
quão importante e forte era agir conforme a consciência e o peso e a culpa que essa incumbia.
Algumas pessoas poderiam pensar que a consciência subjetiva não ditava como se devia
agir porque isso já estava posto e dado pelo argumento da utilidade pública e bem comum.
Mas se fosse apenas isso, porque usar a consciência e todo o seu peso moral como um
argumento para forçar o cumprimento ou o descumprimento da lei? Podia ser que a
90
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene três pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J.,Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.127.
105
consciência estivesse orientada pelas regras políticas, morais e econômicas da época, mas ela
ainda assim cumpria um papel forte na decisão dos juízes, vice-rei, e nos conselhos dos
religiosos. A consciência era apresentada como uma forma de apelar moralmente para a
obrigação de cumprir a lei ou seus propósitos e intenções. Por isso que Agia tratou tanto da
justificação de cada cláusula e da verdadeira intenção do rei. Na intenção estava o aspecto
moral que motivava a ação, e estava a vontade que dava razão, sentido e utilidade para a lei.
Sobre esse embate, localizado no foro interior, entre a consciência subjetiva e a lei, dado na
interpretação e arbítrio do vice-rei Velasco, que nos dedicaremos no próximo capítulo.
106
CAPÍTULO 3
DA LEGALIDADE À MORALIDADE:
EMBATES ENTRE CONSCIÊNCIA SUBJETIVA E LEI
Neste capítulo, procuraremos demonstrar como aproximamos a teologia e o direito.
Analisaremos melhor o sistema moral chamado de “probabilismo” e como a interpretação,
pelo arbítrio1, qualificava a lei dando-lhe sentido e utilidade. Buscaremos evidenciar que as
leis, antes de serem aplicadas e executadas, precisavam receber do juiz ou de quem as
aplicariam um sentido e utilidade que não eram apenas políticos ou econômicos, mas
subjetivos e resguardados no foro interno, na consciência individual de cada um. A teologia
encontrou uma tensão quando passou a solucionar as dúvidas do direito, e era essa tensão,
entre a lei e a consciência com seus embates subjetivos, que procuraremos esclarecer nesse
capítulo. Nosso objetivo será mostrar como a teologia moral no século XVII solucionava as
dúvidas de como agir, proporcionando maior certeza na deliberação, tanto para casos jurídicos
como cotidianos, e o quanto influenciou nas decisões e sentenças dos juízes e governadores,
como o vice-rei Don Luis de Velasco.
A teologia auxiliava a responder a várias questões e problemas de ordem prática e
teórica. Alguns dos problemas da América espanhola podiam ser examinados pela ciência
jurídica, outros requeriam a intervenção da “ciência maior”, de maior amplitude, a teologia. A
teologia foi considerada nesse período dos descobrimentos e conquistas da América como a
“ciência das ciências”. A origem das Leis de Índias e a prática jurídica, assim como a própria
complexidade territorial da colônia, a exploração dos minérios e a conversão dos índios,
precisavam ser analisadas desde um ponto de vista histórico e jurídico. Esta aproximação foi
justificada por P. Venancio D. Carro da seguinte forma: “El jurista se atiene, de ordinario, a la
ley escrita, a lo que es, midiendo la justicia por este metro positivo; el teólogo se eleva, busca
1
Consultamos dois dicionários, pela Real Academia Española, a respeito deste termo “arbítrio”. Segundo
COVARRUBIAS, 1611, p.164, 2, “Arbítrio, del nombre Lat. Arbitrium, arbitrar y de allí juez Arbitro”.
Dicionário: Academia de Autoridades, 1726, p.372,2, “Arbítrio, S.M. Facultad y poder para obrar libremente y
sin dependencia alguna, y lo mismo que Albedrío. Es tomado del lat. Arbitrium.”
107
lo que debe ser, la justicia objetiva, eterna, esté o no escrita, oteando los nuevos y
desconocidos senderos del derecho y de la justicia”2
3. Probabilismo.
A teologia moral possuía uma dupla tarefa centrada na doutrina cristã, a de proclamar o
aspecto ético da mensagem religiosa e a de ensinar e orientar os homens em seus caminhos
até a realização dessa mensagem passada. Diante disso, a questão fundamental para a teologia
era conciliar a obrigação consciente de receber a mensagem evangélica, o ensinamento
religioso, com a convicção de poder interpretar essa mensagem como sendo a própria voz de
Deus, e saber se, assim, se estava cumprindo com o orientado. Surgia então o problema de
como formar uma consciência segura em caso de dúvida, e de dúvida em questões gerais e
profissionais3.
A questão da dúvida surgiu, historicamente, no século XIII com São Tomás de Aquino
ao defender a consciência moral individual frente à universalidade da lei 4. Acreditava-se que
consciência moral revelava a real intenção dos atos, e nela se dava o embate entre o individual
e o universal. Portanto, antes de se tornar um ato moral, era a intenção reservada dentro da
consciência que manifestava a sua qualidade. A intenção parecia qualificar a ação da
consciência, que, por ter uma intencionalidade, acrescentava valores para a escolha feita
segundo a vontade.
Desta forma, a vontade que motivava a ação refletia um ato consciente. A teologia
orientava a como lidar com esse processo dialético entre o foro interno e o foro externo, a
norma e a moral e a responder perguntas como: A consciência era capaz de discernir sobre um
assunto tendo dúvida?
2
D. CARRO, O.P. Dr. P. Venancio, La teología y los teólogos – juristas españoles ante la conquista de
América, vol.18, 2ªed., Salamanca, Apartado 17, 1951. Biblioteca de teólogos españoles. Dirigida por los
Dominicos de las Provincias de España, p.05.
3
Em um artigo publicado em 2014, discuti melhor essa questão da dúvida da consciência. GODOY PROATTI,
Elaine. La conciencia y los embates subjetivos y jurídicos de la función del juez en la América Colonial del siglo
XVII. Rev. hist. derecho, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, n. 48, dic. 2014. Disponible en
<http://www.scielo.org.ar/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1853-17842014000200006&lng=es&nrm=iso>.
accedido en 17 nov. 2015.
4
FRANCISCO O’REILLY, Duda y opinión. La conciencia moral en Soto y Medina, Pamplona, [s.d.],
Universidad de Navarra, Cuadernos de Pensamiento Español, Pamplona, 2006, p.8.
108
Para auxiliar nessas dúvidas, vários autores justificavam suas interpretações e
doutrinas pelos chamados sistemas morais. Os Jansenistas pregavam os ideais puros e
genuínos da igreja primitiva sem considerar as mínimas condições existentes da época, e os
probabilistas buscavam uma compensação bem ponderada entre a obrigação ética e a
liberdade individual5. Os probabilistas não se preocupavam tanto em como era formada a
consciência segura para os casos de dúvida, eles consideravam, além do princípio moral, o
elemento real e subjetivo inerente a toda decisão de ordem ética6.
O probabilismo era uma categoria moral e teológica que se inseria nos debates do
século XVII apresentando-se como uma das soluções para a consciência duvidosa e os
assuntos do foro interno. O termo “probabilismo” surgiu de um debate sobre os limites da lei
positiva com os da lei natural e suas extensões7.
Em certa medida, o probabilismo restringiu as leis reais, uma vez que essas não eram
aceitas e essa teoria do provável também se serviu para outros assuntos que não fossem
jurídicos. Parece que de certa forma, essa solução também se apresentava em muitos tratados
teológicos como uma maneira de observar e solucionar problemas variados e cotidianos8.
Heinrich Klomps salienta que se essa observação não for feita, a de que a consciência
implicava em escolhas que se baseavam nos princípios éticos, religiosos e também nos
5
KLOMPS, Heinrich. La tradicion y el progresso en la teologia moral. Florida - Buenos Aires, Ediciones
Paulinas, 1963, p.10.
6
Idem, p.30.
7
MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, El lugar del probabilismo en la historia de las ideas en el Perú, en, Solar
[online],
núm.
3,
Lima,
ano
III,
2007,
pp.11-22,
p.14.
Disponible:
en
(http://www.saavedrafajardo.org/Archivos/solar/03/solar-003-02.pdf). [Data da consulta: 20/09/2-14]
8
O probabilismo teria surgido na teologia moral através do comentário de Bartolomé de Medina sobre uma
passagem da Suma Teológica de São Tomás de Aquino, em 1580. Há historiadores que concordam com essa
visão e há outros que antecipam o probabilismo desde a casuística, da suma de casos de consciência. Muitos
autores escreveram sobre o probabilismo. RAFAEL RUIZ, “Hermenêutica e Justiça na América do século
XVII”, em, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH [online], São Paulo, VII/2011, Disponível
em:
http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300290841
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LLAMOSAS, “Probabilismo, probabiliorismo y rigorismo: la teología moral en la enseñanza universitaria y en
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(CONICET) – Universidad Nacional de Córdoba, p.281-294; GARCÍA, Ángel Muñoz, Diego de Avendaño
(1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad
Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003.
109
subjetivos e reais, então, essa fórmula podia se converter em uma sedução nas mãos da
consciência individual, que aproveitando da posição controversa adotada pelos moralistas, a
respeito de determinados problemas éticos, poderia considerar isenta de decidir por sua conta,
optando por seguir critérios não éticos9.
A busca dos probabilistas pelo equilíbrio entre a obrigação e a liberdade pessoal
auxiliou nas questões sobre a consciência duvidosa ao mesmo tempo em que fundou uma
tensão ao transferir a dúvida da consciência para o plano da lei. Ou seja, quando os autores
probabilistas se atribuíram o direito de resolver todas as dúvidas de consciência, recorrendo
aos princípios da jurisprudência, o religioso e o moral foram inseridos em categorias jurídicas,
e, estando assim, mais favoráveis a um manejo da prática intelectual individual10. Quando
princípios teológicos se vincularam aos jurídicos, a jurisprudência, que consistia na prática de
interpretar bem as leis e de aplicá-las aos casos ocorridos, ganhou conotações religiosas e
obrigações morais.
O manual de teologia do franciscano Fr. Henrique de Villalobos11 trouxe em seu tratado
sobre a consciência a questão da dúvida de qual opinião se devia seguir em meio a tanta
diversidade. Para ele, a dúvida era resolvida no âmbito da consciência. Uma das dificuldades
colocada por esse franciscano era a de que se era lícito seguir a opinião provável, deixando a
mais provável. A cerca dessa dúvida ele respondeu que havia duas opiniões. A primeira dizia
que não era licito seguir a opinião provável, deixando a mais provável, e isso segundo Soto,
Cayetano e outros. Fundava-se esta opinião em que não era licito ao juiz sentenciar pela parte
que provava menos, e fazendo o contrário, sentenciando a favor da opinião menos provável,
se colocava em perigo de pecar. A segunda opinião dizia que era licito seguir a menos
provável. Esta opinião era sustentada por Medina, Vazquez, e era a opinião probabilíssima de
muitos. Sobre esta segunda opinião o teólogo se posicionou individualmente:
y a mi me parece mas provable que la contraria. El fundamento es
porque en siendo la opinión provable, es conforme a razón, sin que
aya obligación de hazer siempre lo mejor: que aunque es mejor el
9
KLOMPS, Heinrich. La tradicion y el progresso en la teologia moral.1963, op. cit., p.31.
Idem, p.34.
10
11
Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, escrito em 1620 e impressão de 1637.
Este teólogo franciscano e sua obra estão mencionados nesse trabalho por apresentar, mesmo que para 1620, um
posicionamento e uma definição, própria de seu tempo, do que seria “probabilismo”. Fr. Henrique de Villalobos
nos mostrou que esta categoria moral não era apenas usada ou referenciada pelos jesuítas. Ele, enquanto
franciscano, se posicionou como probabilista e isso fortalece a nossa impressão de que outros franciscanos
também podiam ser probabilistas, 20 anos antes, como Fr. Miguel Agia.
110
guardar castidad, que el casarse, no es pecado casarse: y assi mejor es
seguir la opinión mas probable: mas con todo es licito seguir la menos
probable (…) debe el juez juzgar según las mejores (…) que no se
pone a peligro ninguno, pues obra prudentemente12.
Henrique de Villalobos afirmou que preferia a segunda opinião, a do probabilismo,
para resolver os casos de dúvida e salientou que a razão estava em ser essa uma solução
provável, não importando se era mais ou menos, e que não havia perigo de pecar porque se
agia prudentemente. Além de uma definição de probabilismo, Villalobos acrescentou que era
importante ser prudente, independentemente do grau de seguridade da opinião escolhida. A
virtude da prudência13 orientava a consciência em qualquer das duas opiniões prováveis e a
livrava de culpa e pecado.
Quando o juiz tinha dúvida de qual opinião devia seguir, segundo esse teólogo
franciscano, ele podia seguir qualquer opinião provável que quisesse e ainda seguir uma para
uma causa e outra para a causa contrária. Essa possibilidade se fundamentava na razão de que
ambas eram prováveis e não havia nada que obrigasse a seguir uma e não outra14. Isso porque
um grau de probabilidade já resolvia o problema da dúvida e a possibilidade de se poder
apoiar em vários conselhos prováveis ampliava a margem de autonomia e flexibilização das
leis pela interpretação. Essa sugestão do franciscano Fr. Henrique de Villalobos demonstrou
que agir com prudência tinha mais importância para a consciência do que o grau de certeza da
opinião provável. Se se agisse prudentemente, não se pecava escolhendo uma entre as
diversas alternativas prováveis. Parece que a característica do sistema moral probabilista
contida neste tratado teológico era a de apresentar possibilidades ao juiz ao deliberar sobre o
caso específico. Não havia a exigência de um rigorismo e nem a imposição de apenas uma
única interpretação, pelo contrário, havia múltiplas soluções prováveis, e escolher entre uma e
outra não retirava a retidão da consciência, pelo contrário, mostrava prudência ao discernir
demonstrando que se conhecia das múltiplas variáveis.
12
Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, 1637. Tratado Primero de la
Conciencia. De las opiniones que se deven seguir. Dificultad X. Se es licito seguir opinión probable, dexando la
mas probable, p.7-8.
13
Em outro item aprofundaremos melhor o conceito de “prudência”.
14
“Navarro, e, dize, que se ha de limitar lo sobredicho, que no proceda quando el juez siente eficazmente que su
opinión es mas probable: porque entonces si siguiesse la otra, que juzgan otros por mas probable, haría contra
conciencia (…)”. In: Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, 1637. Tratado
Primero de la Conciencia. De las opiniones que se deven seguir. Dificultad XV. Que opiniones debe seguir el
juez, p.12.
111
Víctor Hugo Martel Paredes salientou que essa sentença do probabilismo de poder
seguir uma opinião provável, mesmo que a oposta fosse mais provável, configurava todo um
procedimento de validação moral referida aos casos de consciência. Quando existia dúvida
acerca da legitimidade moral de uma decisão, se podia fazer uso do probabilismo e agir sem
risco de pecar:
Si alguien tiene duda de la justicia de su acto, debe previamente
preguntar a las personas autorizadas, leer libros pertinentes, examinar
detenidamente el problema de que se trata. Cuando la duda persistía,
entonces se sumaban otras fórmulas adicionales para abordar el
problema (…) En efecto, ya que la validez de los actos morales
supone la certeza moral para demandar su obligatoriedad, en ausencia
de esta certeza solo hay opinión. Entonces, habrá que decidirse
basándose en opiniones probables. Pero una opinión por muy probable
que sea sigue siendo incierta, por lo tanto, puede seguirse incluso la
menos probable, sin que ello sea contradictorio15.
Para Martel Paredes, essa variedade de opiniões não contradizia a aceitação da
existência de uma verdade absoluta, porque não implicava em desprezar a verdade absoluta,
mas ao contrário, de se aproximar a ela pelo pensamento agostiniano. O probabilismo, para
esse autor, pretendia uma aproximação à norma, desde o ponto de vista subjetivo. Isso porque
a validade dos juízos morais não era para os probabilistas um problema teórico ou
epistemológico, eles consideravam como um problema de carácter prático16.
15
MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto
Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca
Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.35-36.
16
Este autor apresentou a forma como diferenciavam o probabilismo em probabilidade interna e externa. A
externa exigia apoiar uma eleição na opinião autorizada de estudiosos reconhecidos, a interna, apoiava em
motivos imanentes ao sujeito moral. Também diferenciavam entre o probabilismo direto, que era a eleição de
uma opinião conforma o processo mencionado e o probabilismo reflexo. Dentro dos sistemas morais, apresentou
as outras categorias desse período: Tuciorismo defendia que em caso de dúvida se tinha que seguir sempre a
opinião mais segura; Laxismo afirmava que se podia seguir a opinião favorável á liberdade, mesmo que se tenha
como lícito ou ilícito e como pecado venial o mortal. O tuciorismo e o laxismo se desmembraram em três
posições intermediárias: Probabilismo, equiprobabilismo e probabiliorismo. O probabilismo sustentava que se
podia seguir, em caso de dúvida moral, uma opinião provável, mesmo que a oposta fosse mais provável;
Equiprobabilismo era uma variação desse sistema moral que indicava que em caso de duvida se podia seguir a
opinião que favorecia a liberdade, com a condição de que fosse igualmente provável com a opinião oposta;
Probabiliorismo propunha uma segunda visão, seguir a opinião que favorecia a liberdade, somente se era a mais
provável. In: MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú.
112
O embate entre a consciência subjetiva e a lei, que nos trouxe até o tema do
probabilismo, recebeu outra visão por Bacigalupo. Diferente do nosso ponto de vista moral,
que procurou evidenciar o conflito entre os dois foros, interno e externo, no momento de
decidir, este autor analisou essa possibilidade de escolha, apresentada pelo probabilismo, de
um ponto de vista político, visto que a liberdade individual de escolha conferiria poder e
autonomia.
Luis E. Bacigalupo enfatizou que uma pequena dúvida já bastava para ter, no mínimo,
duas opiniões opostas e prováveis. Ante a dúvida, parecia inevitável para ele não recorrer a
um grau de arbitrariedade na decisão. Tal “arbitrariedade” era entendida como uma forma de
poder, de autonomia que dava “liberdade” para escolher entre duas opiniões ou mais. A
questão levantada para esse autor era a de que essa possiblidade de escolha dava ao indivíduo
uma liberdade que, durante o período inseguro da Segunda Escolástica, incomodava a igreja.
O que esta combatia não eram as opiniões inovadoras, mas sim toda a afirmação de
conhecimento demonstrável, tanto no âmbito físico ou moral17.
Es comprensible que estas ideas inquietaran a las autoridades civiles y
eclesiásticas, sobre todo una vez descubiertas en su verdadera
dimensión política; y desde esa perspectiva se entiende también por
qué, con el tiempo, los políticos llegaron a la conclusión de que hacía
falta poner en marcha la maquinaria del poder para impedir su
difusión. Esto es algo que ocurre en los países católicos a fines del
siglo XVIII, cuando esas tendencias liberales fueron sumariamente
identificadas con la Compañía de Jesús por las respectivas burocracias
estatales18.
Dentro do sistema probabilista, a escolha entre duas opiniões ou mais devia seguir
alguns critérios. Primeiro: a opinião devia estar apoiada a uma razão ou fundamento sólido;
que não sugerisse nenhum absurdo; que não se opusesse à Escritura, à tradição, aos Padres, às
Instituto Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección
Biblioteca Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.36- 41.
17
BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su
repercusión en el Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en
los Andes. Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 1999, p. 259. Citou Richar Morse “El
espejo de Próspero” para afirmar sobre a preocupação da igreja com as varias opiniões que surgiam.
18
Idem, p. 260.
113
definições da igreja e nem à reta razão19. Segundo Bacigalupo, podia-se seguir uma opinião
provável, em detrimento de uma mais provável, mas sem fugir a estas três condições
apresentadas.
A consciência estava presente nesses princípios apresentados porque, para entender a
probabilidade como fundamento de uma decisão prática era necessário ter em conta um
princípio fundamental desse sistema provável: apenas a consciência certa podia servir como
critério da moralidade das ações20. Entramos outra vez na questão da dúvida moral. O que
significava esse princípio?
A doutrina moral, no catolicismo tradicional da Idade média e da Época moderna,
sustentava que os seres humanos deviam responder por suas ações ante o tribunal da
consciência. Contudo, nestas doutrinas, chamadas de “tradicionais” por Bacigalupo, a
consciência moral não revisava apenas as ações cometidas, mas também o que era projetada.
Nesta segunda função da doutrina moral – a de olhar para a consciência que projetava o que
decidisse fazer – os escolásticos enxergavam um juízo da mente humana que prescrevia uma
ação21. Ou seja, a consciência era um ato do entendimento que refletia e conhecia antes de
agir.
(…) por su parte, la certeza, en la tradición conceptual que llamamos
Filosofía Escolástica, no puede ser identificada sin más con la verdad.
Cuando se atiende lo objetivo, se habla de conciencia verdadera o
falsa. Pero si se diera el caso, por lo demás frecuente, que no hubiera
cómo determinar con certeza absoluta si el impuesto es injusto o no,
no quedaría más remedio que atender únicamente la subjetividad,
donde ya no se puede atender únicamente la subjetividad, donde ya no
se puede hablar de verdad o falsedad de la conciencia moral, sino de
sus formas subjetivas, que son la conciencia reta, errónea, cierta,
dudosa, probable, escrupulosa, perpleja y laxa22.
Luis Bacigalupo também entendeu o probabilismo como uma aproximação subjetiva à
norma. Para ele, a perspectiva da subjetividade estava na autonomia da razão prática e na
19
Idem, p. 269.
Ibidem.
21
BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su
repercusión en el Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en
los Andes. Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 1999, p. 269-270.
22
Idem, p. 270.
20
114
liberdade individual. O sistema probabilista pretendia oferecer aos homens e mulheres de sua
época uma forma que lhes fornecia a possiblidade de obter, por eles mesmos, a certeza moral
em todos os casos de dúvida razoável.
Así, pues, según estos escolásticos, una persona puede y debe obtener
certeza práctica independientemente de un conocimiento verdadero o
teórico del objeto, es decir, puede obtener certeza con respecto a una
opinión, sin necesidad de convertirla en un juicio categórico o
científicamente avalado. El requisito, no obstante, para que la opinión
llegue a ser cierta es que sea probable.
O problema moral existia somente enquanto houvesse dúvida, porque onde havia
conhecimento verdadeiro da norma não teria motivo para duvidar. O que parece ser o
interessante nesse debate do sistema moral probabilista era realmente o que causava dúvida. A
dúvida era somente da inadequação da norma à realidade, que seria solucionada pelo arbítrio
do juiz na sua deliberação baseada na interpretação do caso com a interpretação da norma? Ou
para além de uma dúvida prática, era também uma dúvida moral, subjetiva, causada pelo
medo de pecar em consciência se por acaso sentenciasse escolhendo não cumprir à lei por
achar que a razão estava em outro lugar que não fosse na lei? Como as inclinações subjetivas
concordavam com o que considerava justo com o que mandava a norma positiva? Um intento
de corrigir essa dúvida da aplicação da norma foi torná-la mais rigorosa, o que solucionou,
forçosamente, o conflito interno em ter que conciliar o que acreditava ser certo com o que era
indicado como certo pelas leis. Isso confirmava a ideia de que a lei duvidosa não obrigava.
Un problema moral propiamente existe sólo en la duda, porque donde
hay conocimiento verdadero de la norma, no hay problema, es decir,
no hay opiniones que confrontar. En otras palabras, si se sabe con
certeza que el impuesto es justo, hay que pagarlo y punto. Cuando hay
opiniones, en cambio, es porque no se sabe, y entonces es evidente
que la contrariedad sobre la licitud o no-licitud de la acción produce
una opinión a favor de la ley (es decir, no es lícito eludir la acción, en
este caso el pago del impuesto) y otra en contra de la ley (esto es, a
favor de la licitud o libertad de no pagar). El principio que rige en
estos casos fue brindado poco tiempo después por el célebre jesuita
Francisco Suárez (1548-1617), mediante la fórmula lex dubia non
obligat (cuando hay duda respecto de la ley, no hay obligación). Eso
significa que es lícito seguir la opinión que le otorga al sujeto la
115
mayor libertad de acción, dejando de lado aquella que se la recorta o
niega23.
Para Martel Paredes, o probabilismo constituiu-se um esforço em aproximar a lei às
consciências e não de desprezá-las. Tal era o sentido do provérbio: “La ley se acata, pero no
se cumple24”. O probabilismo teria sido empregado como uma releitura eficaz do Novo
Mundo, teorizando sobre os casos não contemplados nas leis e para reconhecer lugares
comuns e semelhanças que encontrariam sentido na percepção da realidade e da lei:
Efectivamente, los sistemas morales surgieron como una necesidad de
adecuar los casos particulares – no contemplados por la ley – a la tabla
universal de valores, contrario al tradicional modelo político moral
deductivista que se limitaba a la aplicación de la tabla de valores
universales a casos particulares. Pero esto supone que los probabilistas
cuentan con esta noción de moral absoluta. Si se recuerda que del
modo de percibir los signos del mundo (ontología) se deduce la moral,
entonces se puede comprender que si los signos están ligados unos a
otros de manera necesaria (por la coyuntura), hay razones fundadas
para la obligación moral (la percepción común del Bien)25.
O probabilismo sustentava que era preferível correr o risco de agir mal do que chegar
a negar a liberdade de escolha. Bacigalupo interpretou essa atitude como um respeito pela
certeza da consciência e da liberdade individual – importante neste período do século XVI e
XVII. Sustentar que não era lícito correr nenhum risco, e que era um dever seguir a opinião da
maioria, era na prática pretender normatizar positivamente um assunto que suscitava dúvidas
porque não se apresentava normativamente claro. Uma atitude desse tipo, tipicamente
rigorista, carecia de sentido filosófico; seu verdadeiro sentido era político: resguardado das
instituições e das razões de Estado mediante a anteposição dos interesses comuns,
representados pela lei, aos interesses do indivíduo, encarnados na liberdade26.
Essa reflexão e apresentação sobre o probabilismo de Bacigalupo, nos fez pensar tanto
em seu caráter moral quanto político. O que incomodava à Igreja não era o fato de haver
23
Idem, p. 273.
MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto
Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca
Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.158.
25
Idem, 158-159.
26
BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su
repercusión en el Perú”, 1999, op. cit., p. 275.
24
116
várias opiniões para um caso, visto que isso era útil para os variados casos de consciência com
os quais os confessores se deparavam, mas de que essas várias opiniões eram igualmente
prováveis e passíveis de resolver o problema da dúvida moral com um grau de probabilidade.
O problema era que a Igreja não tinha mais o controle do que se passava subjetivamente no
processo de escolha entre uma opinião e outra. Olhando pelo ponto de vista religioso, se
ambas as opções eram aceitas, prováveis, o carácter que definia a escolha entre uma ou outra
não era dado e nem controlado pela Igreja, era subjetivo e dado no foro interno.
Explicitamente, o caráter que conferia a uma opinião a sua diferença entre a outra, para
resolver seguir essa e não aquela, uma vez que ambas eram prováveis, não era exigido que
fosse declarado para garantir a segurança da consciência.
Parece para nós que a Igreja perdia, nesse processo subjetivo, a sua autonomia e poder
de controlar as decisões. A possibilidade que o probabilismo oferecia, de poder buscar a
“certeza” de maneira subjetiva por um grau de probabilidade, demonstrava que para obter
essa “certeza” prática não se precisava de um conhecimento verdadeiro ou teórico do objeto,
saber esse, fornecido pela Igreja. O probabilismo conferia “liberdade” para buscar por si só a
opinião que lhe parecesse melhor, certa e mais ajustada ao caso, não necessitava esperar a
resposta oficial da igreja para resolver a dúvida moral e nem que essa escolha fosse realmente
a mais provável27. O que era lícito ou ilícito ficava na deliberação subjetiva das várias
possibilidades. A Igreja poderia interferir na decisão pelo sistema moral probabilista mas a
escolha entre seguir a opinião mais ou menos provável ficava restrita ao foro interno e
apareceria religiosamente como uma justificativa apenas no momento da confissão.
O que Paolo Prodi mencionou em sua obra sobre o embate entre a Igreja e o Estado para
o controle da consciência, talvez, por essa nossa interpretação, esse embate pudesse ter se
27
Sobre isso, menciona Bacigalupo: “Si Medina sólo hubiera dicho que puede seguirse la opinión probable, no
estaríamos hablando de él a más de cuatrocientos años de su muerte, porque su tesis hubiera sido inútil: todo el
que duda entre una opinión u otra, finalmente opta por seguir la que cree que es de alguna manera probable.
Obviamente dejaría de ser inútil si dijera que hay que decidir-se por la opinión más probable (que en latín se
dice probabilior, de donde esa tesis se denominó probabiliorista). Pero eso es precisamente lo que Medina
deseaba negar. La tesis probabilista – que el dominico creía conforme al pensamiento de Santo Tomás, y a la que
por la misma razón se adhiere la mayoría de los jesuitas – afirma que la opinión que se puede dejar de lado es
precisamente la más probable. Sin esta última cláusula anti-probabiliorista, que fue darle a los problemas
morales una salida basada en la libertad”. In: BACIGALUPO, Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un
capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su repercusión en el Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando
Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en los Andes. Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo
Editorial, 1999, p. 272.
117
dado dentro da própria Igreja28. A identificação entre o que era da razão de Estado e do bem
comum, e da moral, não tinha unanimidade dentro da igreja. Dessa forma, os contornos entre
os interesses e as justificativas pela utilidade pública e bem comum se davam de maneira
complexas e não definidas claramente. Olhando pelo aspecto do sistema moral probabilista, a
possibilidade de agir livremente segundo a consciência individual, não respondia, claramente,
nem aos interesses públicos e tampouco aos religiosos, a motivação era subjetiva. Desde o
século XI e XIII, inspirados pela Ética a Nicômaco de Aristóteles, os autores desse período
desenvolveram largamente o princípio segundo o qual não se podem julgar senão as ações
humanas, uma vez que as intenções ficavam sempre no coração de cada indivíduo29.
Para os probabilistas, a tensão se concentrava entre a lei e a consciência subjetiva. As
sugestões apresentadas por eles visavam aproximar a consciência às leis, visto que tais
probabilistas dos séculos XVII e XVIII acreditavam que as leis provinham de uma
subjetividade que estava exteriorizada. Por isso, Martel Paredes opinou que o probabilismo
28
Não temos como fundamentar melhor essa ideia, apenas indicá-la e propô-la. Luis E. Bacigalupo apontou que
diante da apropriação histórica da monarquia espanhola pelo título de católica, podia facilmente recorrer a
setores relativamente influentes do clero, que consideravam seu dever sustentar as teses regalistas. Mas ao
compreender que nem toda a Igreja se pretendia alinhar na identificação de Estado e bem comum, a burocracia
dos Estados católicos tendeu a justapor-se às funções eclesiásticas educativas, normativas da conduta e inclusive,
inquisitoriais. Dessa maneira asfixiou cada vez mais o sentido de liberdade de consciência e de liberdade política
que o individuo europeu já se havia colocado como aspiração fundamental desde muito tempo antes. O outro
efeito notável desta evolução, perfeitamente concomitante com o que se acabava de mencionar, foi que se
acentuou a separação entre moral e direito, cujas consequências estamos sofrendo até hoje. In: BACIGALUPO,
Luis E., “Probabilismo y Modernidad. Un capítulo de la Filosofía Moral del siglo XVIII y su repercusión en el
Perú”. Pp.257-300. In: ASÍN, Fernando Armas (compilador), La construcción de la Iglesia en los Andes.
Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 1999, p. 293. E Martel Paredes mencionou: “(…) la
confianza depositada en opiniones personales no radica en la seguridad de las potencias subjetivas, el sujeto
individual no es agente de la acción comunicativa, el fundamento de la obligación moral depende de un principio
regulador, pero ajeno al mundo. Pero tampoco se trata de una tesis convencionalista moderna. El papel de la
concordancia y orden de las subjetividades no descansa en el consenso social sino en la verdad absoluta. Ésta
permite pensar en el universo como una unidad orgánica y por tanto con un fin último que liga los signos a lo
que significan por sus contextos, como los eslabones de una cadena. Otorga autoridad al gobernante, que
procediendo de un orden excedente al mundo físico, se traduce en una espada de doble filo – temporal y divino –
sustento del Estado Teocrático. Cada individuo es explicable por relación a este fin o bien último o verdad por
antonomasia, una visión holística y cerrada del mundo que se sostiene en una circularidad eslabonada sobre si
misma que permite reconocer los signos y hallar semejanzas al entendimiento intersubjetivo”. In: MARTEL
PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto Francés de
Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca Andina de
Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.168-169.
29
SAVIAN FILHO, Juvenal, “O tomismo e a ética: uma ética da consciência e da liberdade”, BioEthikos Centro universitário São Camilo, 2008, vol.2, pp. 177-184. Disponível em: http://www.saocamilosp.br/pdf/bioethikos/64/177a184.pdf [online], [Data da consulta: 18/11/2015], p.179.
118
era incompreensível se separado da doutrina do Estado Teocrático que permitia sustentar uma
relação entre a política, o direito e a moral30.
3.1. Aproximações entre “probabilismo” e o tratado de Fr. Miguel Agia.
Partindo da ideia de José Antonio Maravall31 de que o direito não se criava, se
reconhecia ou se recebia, aproximamos o sistema moral probabilista da obra do Fr. Miguel
Agia buscando, pelo embate da consciência subjetiva e da lei, o que este franciscano propôs
sobre a dúvida prática e moral de como o vice-rei devia agir a respeito dos serviços pessoais
indígenas.
Agia argumentou que um motivo justo já garantia a justiça da lei, e que reis justos
faziam leis justas. Enquanto buscava esclarecer qual era a intenção do rei ao escrever a Real
Cédula de 160132 apontou que a lei tinha lugar onde a sua razão estava, e que esta não teria
razão se não fosse para os casos que correspondia33. Essa opinião de Agia nos mostrou que
seu conselho para o vice-rei salientava a importância deste em encontrar a razão da lei no caso
em concreto, e se nessa interpretação do caso e da lei, ele não visse a razão que buscava, então
não teria motivo para aplicá-la. Mais do que encontrar a razão da lei era preciso conhecer a
vontade do legislador. Ele poderia não executar a lei ou corrigi-la, adaptá-la: “De donde es
que una de las calidades que ha de tener la ley para ser buena es que sea necesaria. Y
conforme a esto donde no ay necesidad de esta ley no debe de ser allí executada34”.
A este argumento podemos juntar outros dois: para se conhecer a razão da lei era
preciso conhecer a intenção e o motivo dela; onde terminava a razão e a causa final da lei,
30
MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto
Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca
Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.166
31
MARAVALL, José Antonio, Estudios de historia del pensamiento español. Serie primera. Edad Media.
Centro de estudios políticos y constitucionales, Madrid, 1999, p.46.
32
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.33.
33
“La ley tiene lugar donde su razón la tiene, y también porque la ley no tiene lugar sino en los casos en ella
comprehendidos (…) y finalmente porque el legislador no entiende ligar por su ley ultra del fin que pretende”.
In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA,
F. J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.34.
34
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Primeiro Parecer, p.35.
119
terminava também o que estava provido nela35. Agia considerou a utilidade pública como
sendo uma das principais razões pela qual o rei escreveu a Real Cédula. Dessa forma, a
conservação dos índios também era um argumento, político, econômico e moral36, que
possuía a razão de ser útil e necessário ao bem comum.
Mas a percepção dessa razão não estava dada de maneira explícita, ela foi indicada no
terceiro parecer quando Agia esclareceu o arbítrio do vice-rei37. A justificativa do franciscano
era a que a vontade do rei estivesse em acordo com a necessidade pública e cumprir essa
vontade significava agir conforme o “bem comum”. Nem que para isso o índio tivesse que
trabalhar e até correr perigo de morte. A sujeição política e civil dos índios era aprovada pela
lei natural e conforme ela, e beneficiava a República38:
La subiection política, o civil, en virtud de la qual son compelidos y
forçados los indios a trabajar en servicio de la Republica, no tiene
repugnancia alguna con la ley natural, antes es muy conforme a ella.
Esta conclusión se prueba efficazmente porque la potestad política o
civil, que corresponde a la dicha subiection, es de ley natural como
enseña Victoria, Covarrubias. O alo menos tiene su orige y principio
de la ley natural (…) Confirmase lo dicho: porque la ley natural, y
toda buena razón dicta y enseña que la multitud ha de ser regida y
gobernada de alguno a quien obedezca y tenga subietion (…) por estar
assi expresado en las divinas letras (…) lo qual no mandara si fuera
contra ley natural: la qual es guía, y compañera de la ley Divina39.
Além disso, Agia afirmou que era lícito ao rei e dentro da lei natural e divina, obrigar os
índios a trabalharem porque a causa era justa, útil e de necessidade pública. O rei tinha poder
legítimo para obrigar os índios, suas razões eram claras e necessárias e essa ideia era
35
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.87.
36
Consideramos como um argumento econômico porque a coroa explorava as minas e recebia uma porcentagem
desse trabalho em tributos e impostos. Como político, porque a sociedade era regida por um governante e a ele
devia obediência. Mas também moral por dois motivos: primeiro, porque se podia amenizar as opressões sofridas
pelos índios se se apelasse para a conservação econômica das províncias do Peru; segundo: devia obedecer ao
que ditava à consciência.
37
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.115.
38
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.97.
39
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Segundo Parecer, p.98.
120
defendida por outros doutores como Molina, Vitoria e Soto, e todas as Repúblicas do mundo
podiam obrigar que seus vassalos trabalhassem, mesmo que correndo perigo de morte40. Se as
razões apresentadas por Agia em seu segundo parecer legitimavam o trabalho forçado dos
índios, como o vice-rei poderia usar de seu arbítrio para agir em benefício de outra razão?
Agia iniciou seu terceiro parecer afirmando que o vice-rei teria que conhecer a Real
Cédula para antes poder decidir o que alterar, aplicar ou recusar conforme lhe parecesse e
conviesse ao bem comum da Republica. Diante disso nos colocamos a seguinte pergunta: teria
mesmo o vice-rei poder e espaço de alterar e deixar de executar a lei régia estando
condicionado pela razão da utilidade pública? O vice-rei podia tomar uma decisão que,
mesmo não sendo normativa, conciliasse com o bem comum da República?
Fr. Miguel Agia, mesmo depois de enunciar as justificativas que garantiam ao rei poder
para obrigar os índios a trabalharem, apresentou possiblidades que permitiam ao vice-rei de
acatar à lei mas não cumpri-la. A maneira argumentada por esse franciscano era a que, o que o
vice-rei Velasco não entendesse por justo, em sua causa e razão, não estava obrigado a
obedecer41. Esse argumento de Agia estava baseado no poder e faculdade que o próprio rei
conferia a Velasco de alterar, mudar, remover, executar e deixar de executar o que entendesse
como melhor para o bem comum42. Ou seja, Agia não criava e nem concedia nenhum poder
ao vice-rei, que o próprio rei já não houvesse conferido e normatizado. O que Fr. Miguel Agia
pretendeu em seu terceiro parecer foi orientar a Velasco a como usar esse poder permitido em
seu arbítrio. Parece-nos que Agia considerava que o arbítrio conferia um poder e uma
autonomia que, normatizada e dada pelo rei, era sobretudo, uma decisão subjetiva – o vice-rei
não estava obrigado a aplicar o que entendesse ser injusto.
40
“(…) pues no se requieren conforme a Derecho mayores u mas urgentes causas para obligar a los indios a que
trabajen en las minas de los azogues que las referidas de publica utilidad y necesidad, luego con ellas pueden ser
compelidos a lo dicho. Confirmase lo dicho, porque si alguna razón avia, y ay que prezca condenar esto es saber
por cosa cierta, y por experiencia, que los indios, que son embiados a las dichas minas, son embiados por la
mayor parte a morir sin remission alguna (…) y esta no impide porque la Republica y el Rey tiene legitimo
poder y autoridad por las causas referidas d necesidad y utilidad publica de poner sus vassallos a peligro de
muerte, como enseñan de los Doctores, particularmente Molina, Victoria, Soto (…) qual esta puesto en uso y
platica en todas las Repúblicas del mundo (…)”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres
graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F. J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946,
Segundo Parecer, p.111.
41
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.117.
42
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.115.
121
Neste ponto do tratado de Agia, e em como foi estruturado, podemos aproximar esse
raciocínio de Agia com o sistema moral probabilista. A autonomia que Velasco tinha em seu
arbítrio conferia a ele uma dúvida prática e moral. E se ele não encontrasse justiça na cláusula
que permitia forçar os índios a trabalharem nas minas, como argumentava em favor de uma
decisão subjetiva para que essa fosse razoável e justa para revogar uma ordem régia? Como
adequar a ação humana com as leis? Dessa maneira temos o embate entre a consciência
subjetiva e a norma, pela interpretação e arbítrio do vice-rei.
Fr. Miguel Agia nos ajudou a responder essas perguntas e assim temos a nossa
aproximação com o probabilismo. Os argumentos apresentados por ele, orientando o arbítrio e
interpretação do vice-rei evidenciavam várias possibilidades de argumentar em favor da
necessidade de flexibilizar a lei ou de recusá-la. Tais argumentos eram morais, doutrinários,
baseados nas leis divinas, na virtude da prudência e na experiência de vivenciar a realidade e
o espaço que receberam as leis. Os argumentos que o vice-rei dispunha, segundo Agia, eram:
encontrar a necessidade e sentido que fizesse com que as leis fossem aceitas e recebidas pela
maioria da República43; buscar a causa justa que o obrigava a cumprir ou descumprir a lei segundo São Tomás, “la causa justa escusa de pecado mortal en el quebrantamento de la ley44
; agir conforme a sua vontade e em acordo com as leis divinas, mesmo que para isso tivesse
que desobedecer alguma lei humana45; consultar pessoas com experiência, ciência e
consciência46; mesmo consultando várias pessoas, não estava obrigado a seguir o conselho da
maioria porque o parecer de poucos podia estar melhor fundamentado e ser mais indicado 47;
ainda assim, podia seguir o parecer da maioria se considerasse conveniente48; não poderia
deixar de solicitar os pareceres e conselhos, mesmo que não decidisse seguir a opinião
comum49; devia buscar conselhos de doutores virtuosos e prudentes porque era conforme a
boa razão50; também podia mandar e executar o que lhe parecesse conveniente sem precisar
43
Idem, p.117.
Ibidem.
45
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.119 e 121.
46
Idem, p.120.
47
Idem, p.122 e 123.
48
Idem, p.124.
49
Ibidem.
50
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.125.
44
122
consultar a ninguém porque conhecia a realidade local51; tinha poder de ordenar o que lhe
parecesse sem consultar ao rei52;
Por isso que Fr. Miguel Agia insistiu na importância de se ter uma boa razão e uma
boa fé motivando a ação. A razão a que ele fazia menção era essa que menciona Bacigalupo,
da reta razão, e com “reta” razão, temos o compromisso e a obrigação em consciência. Em tal
sentido, segundo apontou Ángel Muñoz García53, a probabilidade consistia em um conjunto
de motivos suficientemente sólidos para aceitar prudentemente um juízo, em virtude do
problema moral de como adequar a ação do homem às leis.
A importância dada por Agia ao conceito de razão era explicada pela consciência
moral. Louis Vereecke afirmou que era a razão humana que determinava a concordância ou
discordância da ação. A razão servia como norma da moralidade que julgava os atos
humanos, e a consciência, um ato do entendimento da razão humana:
« L’homme, au contraire, doit ordonner volontairement et librement
son action en vue de sa fin. Cette ordination d’une action humaine à sa
fin constitue sa moralitè. La vie morale sera l’ensemble des actions
humaines volontaires de caractère moral de l’action humaine est donc
fonction de sa coorélation à la fin de l’homme. Si, en effet, l’action
correspond aux exigences de la fin, elle sera dite « bonne »
moralement ; si, au contraire, elle trouble l’ordre, détournant l’homme
de sa fin, elle ser « mauvaise » : c’est le mal moral54.
Conhecer a razão da lei significava agir moralmente. A característica moral das ações
humanas estava correlacionada à finalidade do homem. Se os atos correspondiam às
exigências desse fim, então seriam considerados pela moral como bons, mas se o homem
desviasse de seu fim, seus atos seriam maus.
51
Dessa forma entendemos melhor o
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.126.
52
Idem, p.127.
53
MUÑOZ GARCÍA, Ángel, Diego de Avendaño (1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el
Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003, p.63.
54
“O homem, ao contrario, debe ordenar voluntariamente e libremente sua ação a um fim. Esta ordenação da
ação humana a seu fim constitui sua moralidade. A vida moral será todas as ações humanas voluntárias de
carácter moral da ação humana, é por conseguinte, função de sua coorelação ao fim do homem. Se, en efeito, a
ação correponder às exigencias de seu fim, ela será considerada “boa” moralmente; se, ao contrário, ela distorcer
a orden, desviando o homem de seu fim, ela será “mau”: é o mal moral VEREECKE, Louis, Conscience Morale
et Loi Humaine. Selon Grabriel Vazquez S.J. Bibliothèque de Théologie, Série II, Théologie Morale, sous la
direcion de Ph. Delhaye – J. C. Didier – P. Anciaux, Vol. IV, Desclée & Cie, Éditeurs, 1957, p.3.
123
posicionamento de Agia ao ressaltar a necessidade de se conhecer a razão da lei para poder
executá-la. A razão julgava as ações humanas destinadas a um fim, a uma intencionalidade, e
esta intencionalidade que justificava os atos como bons era, para Fr. Miguel Agia, a utilidade
pública e o bem comum.
Podemos considerar que apelar para o “bem comum” era estabelecer um vínculo moral
com a sociedade, na medida em que para alcançar essa finalidade, sujeitava-se a uma
disciplina com regras e exigências que visassem o “bem comum”. Para atender ao fim
público, o índio teria que estar inserido socialmente e integrado a um grupo para ser analisado
dentro dessa sociedade que visava esse fim comum, e para essa integração devia sujeitar-se e
obedecer às regras sociais e morais exigidas para a prática dessa finalidade pública. Era,
portanto, lícito sujeitá-lo política e civilmente ao trabalho pelo poder do rei e bem da
República. Criava-se uma conduta social e moral que regrava as atividades humanas e
controlava as ações dos homens. Se a sociedade era um elemento necessário à obtenção da
finalidade pública, e impunha ao mesmo tempo a necessidade desse fim, ela dominava os
princípios fundamentais da vida moral e necessitava adaptar-se aos casos particulares55.
Essa adaptação era necessária porque a lei era uma “ordinatio rationis” e precisava ser
promulgada e conhecida para poder obrigar. Para Muñoz García, esse conhecimento tornava a
lei obrigatória:
Si todos los actos del hombre han de agradar a Dios, el hombre debe
tener la certeza, previamente a pasar a poner el acto, de que éste es
moralmente bueno. Pero, no siempre el hombre tiene certeza de la
moralidad de la acción que proyecta, o de si – en su circunstancia
concreta – es aplicable la ley. “Lex dubia, non obligat” (…) había que
pasar previamente de esa situación de duda, a otra de certeza moral; al
menos en la práctica. Se trataba de una duda que era preciso romper;
tanto el realizar una acción como el no hacerlo es una decisión moral,
y pretender escapar de la disyuntiva dejando de lado la acción no es
escapar del problema, es ya una opción moral56.
55
VEREECKE, Louis, Conscience Morale et Loi Humaine. Selon Grabriel Vazquez S.J. Bibliothèque de
Théologie, Série II, Théologie Morale, sous la direcion de Ph. Delhaye – J. C. Didier – P. Anciaux, Vol. IV,
Desclée & Cie, Éditeurs, 1957, p.04.
56
MUÑOZ GARCÍA, Ángel, Diego de Avendaño (1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el
Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003, p.64-65.
124
Faltando a certeza, somente se tinha a opinião. Era necessário então, indicar motivos
que afirmassem ou negassem a ação de uma determinada situação, caso a caso. Agia forneceu
vários motivos para Velasco poder adaptar as leis, ensinou-lhe argumentos que justificavam
qualquer decisão feita pelo vice-rei, fosse ela de caráter político, econômico ou moral, e de
acordo com a razão que respondesse à necessidade encontrada. O probabilismo e o casuísmo,
como apontou Ángel García, não eram sistemas que surgiram na teologia moral de maneira
independente do momento histórico. Referenciavam a reação lógica da moral à logica
jurídica. Respondiam às circunstâncias imprevistas que surgiam a cada momento, normas
derivadas das próprias experiências e não de princípios axiomáticos57. Conhecendo e
aceitando o princípio da lei, se reconhecia a autoridade do rei e seu poder de emitir
disposições, cédulas, instruções e ordenações; mas na prática, a sua obrigatoriedade dependia
das circunstâncias específicas de cada região e estava subordinada à aceitação local.
Estamos percebendo a importância da vontade que escolhia, moralmente e em
liberdade, o fim que almejava. O problema da determinação da obrigação das leis não era
simples de resolver. Raras eram as circunstâncias ou fatos conhecidos que claramente
demonstravam qual era intenção da ação que obrigava em consciência 58. Esse fim, nesse
período, era religioso e libertador, uma vez que era por meio da consciência que os homens se
comunicavam com Deus. Juvenal Savian Filho59, ao interpretar a São Tomás de Aquino
apontou que, mesmo a razão estando equivocada, o indivíduo devia segui-la, pois essa razão
determinava a consciência. A consciência era a sede da liberdade, não segui-la significava
abrir mão do arbítrio. Passamos a entender um pouco mais sobre esse embate pelo foro
interno da consciência subjetiva. Para tal, precisamos antes ter uma ideia geral do que ocorria
no século XVII pelas discussões escolásticas que marcaram a vida dessa sociedade,
principalmente em seu aspecto jurídico.
57
MUÑOZ GARCÍA, Ángel, Diego de Avendaño (1594-1698). Filosofía, moralidad, derecho y política en el
Perú colonial. Fondo Editorial, Universidad Nacional Mayor de San Marcos, Lima, 2003, p.69.
58
“Le problème de la détermination de l’obligation des lois n’est pas toujours aussi simple : rares sont, en fait,
les circonstances, où le supérieur fait connaître clairement son intention d’obliger en conscience.
(...)” VEREECKE, Louis, Conscience Morale et Loi Humaine, 1957, op. cit., p.62.
59
SAVIAN FILHO, Juvenal, “O tomismo e a ética: uma ética da consciência e da liberdade”, BioEthikos Centro universitário São Camilo, 2008, vol.2, pp. 177-184. Disponível em: http://www.saocamilosp.br/pdf/bioethikos/64/177a184.pdf [online], [Data da consulta: 18/11/2015], p.179.
125
3.2. Contribuições da Segunda Escolástica para o pensamento teológico-jurídico
dos séculos XVI e XVII.
Distintas opiniões: controvérsias
As discussões e modificações ocorridas na tradição cultural ocidental entre os séculos
XII e XVII condicionaram o pensamento e os princípios normativos deste período. A
mentalidade dessa época estava dividida entre duas correntes de pensamento antagónicas, a
escolástica e o humanismo60:
Además de los estudios sobre el derecho hechos por los teólogos, el
siglo XVI español poseyó otra vertiente de la reflexión jurídica que
aún hoy es poco conocida: Los juristas laicos que no fueron teólogos y
que gozaron de fuerte prestigio internacional: Tal fue el caso de Diego
de Covarrubias, Martín de Azpilcueta o Fernando Vázquez de
Menchaca, casi todo ellos activos a mediados del siglo61.
Os textos de São Tomás de Aquino trazidos por Francisco de Vitória e introduzidos
em suas aulas na Escola de Salamanca no século XVI originaram a Segunda Escolástica,
chamada assim pelos novos impulsos dados ao estudo da realidade segundo as categorias
escolásticas. Esta escolástica foi composta por religiosos e dividida em três gerações: na
primeira geração, até metade do século XVI, estavam Vitoria, Báñez e Soto. Na segunda,
mais variada, estavam Bartolomé de Medina, Pedro de Aragón e Miguel Bartolomé Salón. Na
60
“Escolástica y humanismo se asocian, en general, con períodos históricos diferentes tanto en el plano externo
cronológico como en el interno de estructura mental y significado intelectual. La asociación usual “escolásticaedad media”, “humanismo –renacimiento” revela así no sólo el juicio sobre ambos, sino sobre todo una
determinada visión de la historia a modo de sucesión orgánica impulsada por el poder creador y destructor de las
fuerzas de la vida. Ambas designaciones históricas están de hecho impregnadas de connotaciones múltiples en el
momento de ser acuñadas y en el uso e interpretaciones posteriores. La palabra “renacimiento” especialmente
acusa un matiz biológico y desde su acuñación por Vasari (1511-1574) ha mostrado poseer una fecundidad
semántica infinita, que hace posible su aplicación a la esfera del arte, de la creación literaria, del pensamiento, de
la división periódica de la historia, y aun de la cultura en general.(…)”. In: GONZÁLEZ, Gabriel, Dialéctica
escolástica y lógica humanística de la Edad Media al Renacimiento. Ediciones Universidad Salamanca, España,
Salamanca, 1987, p.17.
61
CARPINTERO, Francisco, Justicia y ley natural: Tomás de Aquino, y los otros escolásticos. Universidad
Complutense Facultad de Derecho, servicio de publicaciones, Madrid, 2004, p.297.
126
terceira, praticamente jesuíta, compreendia Gabriel Vázquez de Belmonte, Luis de Molina e
Francisco Suárez62.
Como apontou Martel Paredes, para a escolástica tradicional, a normatividade se
sustentava no direito natural. Esse suponha a existência da consciência jurídica ou moral que
ordenasse o mundo e se elevasse até a causa final que era Deus63. Com a colonização e
evangelização da América não se tratava mais de aplicar os valores universais aos casos
particulares, mas o inverso, os casos particulares orientavam um novo direito. Esta
circunstância histórica foi decisiva para entender que o probabilismo e o casuísmo eram
resultados da reação lógica da moral à lógica jurídica da época64.
Diante disso, dentro desse espaço e tempo, o vice-reinado do Peru no início do século
XVII, temos uma vasta quantidade de temas discutidos, de problemas, de dúvidas e de
acontecimentos que alteraram a forma de administrar e de pensar a justiça e o direito indianos.
Os textos de casuística elaborados no fim do século XV, estruturados ao redor do jogo da lei e
da característica da obrigação em consciência, registrava de fato, o pensamento político e
jurídico dessa época, sistematizando e divulgando a reflexão teológica da Segunda
Escolástica65.
Na Segunda Escolástica, a verdade era inacessível aos esforços humanos individuais,
portanto, toda resolução humana estava sujeita a mudanças, adaptando-se às novas
circunstâncias e especificidades pretendendo diminuir a distância entre as diversas opiniões e
a verdade absoluta, mesmo que inacessível. Dessa maneira, para os probabilistas a tensão se
concentrava entre a lei e a consciência subjetiva. Martel Paredes salientou que as soluções
apresentadas pelo sistema moral probabilista tratavam de aproximar a consciência à lei, e
62
“Sí es cierto, en cambio, que hay unidad en el pensamiento político de la Escolástica, porque también estos
escolásticos siguen las ideas políticas que se desarrollaron en las Escuelas medievales tras la recepción del
aristotelismo, en la afirmación del pueblo como titular último del poder político, en la tesis que mantiene que el
gobernante está obligado a obedecer todas las leyes del Reino, también las leyes políticas, como insistía
especialmente Bartolomé de las Casas. Defendieron los derecho de los indios americanos contra las pretensiones
de Carlos V y en la polémica sobre los ‘justos títulos’ de los castellanos para ocupar América, destacaron la
libertad personal y política como un derecho especialmente importante”. In: CARPINTERO, Francisco, Justicia
y ley natural: Tomás de Aquino, y los otros escolásticos. Universidad Complutense Facultad de Derecho,
servicio de publicaciones, Madrid, 2004, p.298-9.
63
MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto
Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca
Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.37.
64
Idem, p.38.
65
MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.
Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.255.
127
nessa aproximação era importante ter prudência. A prudência consistia num ponto
intermediário entre o conhecimento intelectivo e prático66.
A essa transferência da solução do problema da dúvida jurídica para o âmbito da moral
foi discutida por Wim Decock em seu artigo “La moral ilumina al derecho común: teologia y
contrato(siglos XVI y XVII)”67. Ele apresentou o problema de por que os teólogos estavam
interessados no direito no século XVI e XVII e percebeu que a moral iluminava o direito
comum diante das distintas opiniões. Citou Bartolomé de Medina, teólogo dominicano (15271581):
(…) El estudio de las leyes era, por supuesto, trabajo de los juristas,
pero igualmente lo era de los teólogos. Para unos, la ciencia jurídica se
practicaba con la finalidad de establecer la paz sobre la tierra. Para los
otros, ellas estaba inserta en la búsqueda de la visión beatífica de dios
en el más allá (…) Como lo explica el jesuita Francisco Suárez (15481617) en el prefacio de su famoso “Tratado de las leyes y dios el
legislador”, la principal responsabilidad del teólogo consiste en cuidar
la conciencia de los hombres durante su existencia efémera sobre la
tierra (…) Pero la rectitud de las conciencias depende de la
observancia de la ley. De allí resulta que los teólogos deban saber
cuales eran las reglas que los hombres debían seguir para ‘pasar’ el
juicio final68.
Os teólogos buscavam essas regras em uma multiplicidade de fontes normativas e
procuravam estabelecer as obrigações dos homens em vários casos específicos. A razão, o
direito natural, o direito romano medieval, o direito canônico, as leis dos padres seculares, os
manuais para confessores de autores medievais, a Bíblia, os filósofos como Aristóteles,
autores clássicos como Cícero, historiadores como Valério Máximo, padres da Igreja como
Agostinho, teólogos como Tomás de Aquino: a partir de todas essas fontes, os teólogos
66
MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral: el debate sobre el probabilismo en el Perú. Instituto
Francés de Estudios Andinos, fondo editorial Universidad Nacional Mayor de San Marcos, colección Biblioteca
Andina de Bolsillo – IFEA n.28, Colección Alasitas – Lluvia Editores, Lima, 2007, p.166.
67
DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho
PUCP, n.73, 2014.
68
Idem, p.515.
128
trataram de determinar quais eram os direitos e as obrigações dos homens em situações
concretas e específicas69.
A dialética entre a elaboração de regras gerais e a sua aplicação concreta era tão
estreita que São Alfonso María de Ligorio (1696-1787) teólogo moralista, no século XVIII
ainda definia a sua disciplina como uma espécie de jurisprudência moral70. Era requisito para
os teólogos e confessores, serem virtuosos e memorizarem as regras. Pelo tribunal de
consciência, (fórum conscientiae), se intermediava regras à alma:
Por lo tanto, los jueces de este tribunal eran los confesores y, por el
contrario, los jueces de los tribunales externos no podían tener en
cuenta pruebas ni presunciones. Los únicos criterios de juzgamiento
ante el tribunal de la conciencia eran la verdad y la equidad. Esta
verdad era revelada por el culpable mismo al confesor. (…) el carácter
jurídico de la noción de conciencia es puesto de relieve en esta época.
(…) Entre las acciones cuenta la contrición del corazón, la confesión
oral, la satisfacción por las obras, que comprende la restitución de una
cosa poseída sin título, y la absolución. Las personas son el confesor y
el penitente. El confesor juzga el papel de juez y puede conferir el
sacramento de la penitencia y la reconciliación71.
O direito positivo podia ter força coercitiva sobre o foro interno, e em consequência,
um teólogo estava obrigado a ter conhecimentos profundos de direito. Esse pensamento foi
ampliado no debate religioso sobre a condição indígena e a obrigatoriedade dos seus serviços
a partir da conquista e colonização.
Segundo aponta Miriam Turrini, boa parte do pensamento jurídico, político e teológico
do século XV e início do XVI buscava afirmar o direito não mais como um tipo de
jurisprudência, mas positivamente, baseado na vontade que emergia da lei. “Leggi e giustizia
insieme caratterizzavano il processo di affermazione della volontà sovrana in un contesto
giurisdizionale ovunque molto frammentato (...)”72.
69
DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho
PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.516.
70
Ibidem.
71
DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho
PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.516.
72
“Lei e justiça juntas caracterizavam o processo de afirmação da vontade soberana em un contexto jurisdicional
em toda a parte muito fragmentado”.MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la
129
De tal modo, a teologia moral lutava com a vontade do soberano pelo domínio sobre o
homem, com um fazer que, prospectando uma intensa conflitualidade, se configurava
defensivo em qualquer modo. Certamente, a reação da autoridade soberana por meio da lei e
do juizo, se individualizava também uma preocupação derivada da crise do direito e da justiça
do inicio do século XV, que deixava as decisões nas mãos do arbítiro jurídico ou de um poder
do tribunal. A casuística moral reagiu entre o século XV e XVI concentrando-se sobre a
consciência humana, conferindo a ela uma nova e específica consistência e estruturando-a
como o constante conflito entre o sujeito e a lei, ambos cultivando uma separação entre o
crime e o pecado73.
É nesta perspectiva observada por Miriam Turrini, do constante conflito entre o sujeito
e a lei, evidenciada na consciência humana pela casuística moral, que propomos analisar a
interpretação e o arbítrio dos juízes pelo sistema moral probabilista. Diante do aspecto legal
das soluções surgidas para os problemas da consciência, a casuísta passava a criar uma moral
da obrigação. O processo de modernização do direito na Idade Moderna impunha uma
mudança complexa na relação entre o sujeito e a norma74. O conflito entre os dois foros,
interno e externo, revelava o poder jurídico da Igreja75.
confessiones della prima Età moderna. Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino,
Bologna, 1991, p.254.
73
“(...) accanto alla pronta reazione all’ invadeza dell’ autorità sovrana per via di leggi e giudici, si individua
anche una preocupazione derivante da quella crisi del diritto e della giustizia profilatasi dagli inizi del
Cinquecento, che gittava il suddito in mano all’arbitrio giudiziario o ad un uso corrotto del potere nei tribunali.
La casistica morale reagisce tra Cinque e Seicento concentrandosi sulla conscienza umana, conferenco ad essa
una nuova e specifica consistenza sia struturandosi come costante conflitto tra il soggetto e le leggi sia
coltivando i semi di una separazione tra crimine e peccato raccolti nella letteratura casuistica precedente”.
MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.
Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.255.
74
Segundo Paolo Prodi :‘‘Venendo meno il pluralismo degli ordinamenti nel quale il diritto divino/naturale
conviveva accanto al diritto umano positivo (civile e canonico) il dualismo giuridico che ormai rappresentava
l´anima costituzionale dell`Occidente non viene meno ma si sposta tra la sfera del diritto positivo, civile o
ecclesiastico, e la sfera della coscienza (…)”.PRODI, Paolo, “Il giuramento e il tribunale della coscienza: dal
pluralismo degli ordinamenti giuridici al dualismo tra coscienza e diritto positivo”, In: Il vincolo del giuramento
e il tribunale della coscienza. Annali dell`Istituto storico italo-germanico. Quaderno 47, Società editrice il
Mulino, Bologna, 1993, p.478.
75
“Il conflitto che si apre non è quindi soltanto quello della concorrenza tra diritto canonico e diritto secolare ma
anche quello tra potere sacramentale (o potere d`ordine) e potere di giurisdizione nella Chiesa. Senza poter
entrare nella discussione sullo sviluppo della teologia sacramentale nel secolo XIII e limitandomi al problema
del foro, penso si possa dire che risolvere il problema nella prassi, costruendo un foro ecclesiastico-sacramentale
di tipo nuovo, con la diffusione della confessione privata auricolare, del tribunale della penitenza. (…)”.PRODI,
Paolo, “Il giuramento e il tribunale della coscienza: dal pluralismo degli ordinamenti giuridici al dualismo tra
130
A casuística, surgida no século XVI em resposta às novas exigências pastorais
formuladas pelo Concílio de Trento, que estava contrária às exigências dos séculos
precedentes, e tinha elementos teológicos de autores do direito canônico e outros da filosofia,
era uma disciplina nova pensada para resolver os diversos casos de consciência. A teologia
moral servia como uma nova maneira que, como o direito canônico do qual ela mais se
inspirava, uma ciência prática que tinha outra ambição, a de resolver ou ajudar a resolver os
mil casos que cada confessor encontrava a cada dia. Foi dessa forma que Bartolomé de
Medina foi considerado o teólogo que forneceu à casuística moderna a imagem que marcou as
características do probabilismo até o fim do século XVII76.
Suarez foi quem salientou a importância capital da consciência que, muito além da
função de distinguir entre o bem e o mal, tinha a capacidade de determinar, frente à lei, o que
fazer ou não77. Era na consciência que se fazia a relação entre as várias opiniões e se debatia e
discutia como agir. Guiada pela virtude da prudência, a consciência era o ato do entendimento
prático que examinava as opiniões, a dúvida e a moralidade. Um ato aplicado ao
conhecimento moral e à ação concreta78. Consideramos que era a teologia moral probabilista
que orientava a ação do juiz em sua função de dizer o justo, provocando, no âmbito da
interpretação do jurista, o embate entre a consciência e a lei79.
3.3. Consciência e lei: normas e interpretação.
O estudo da experiência de um ordenamento jurídico abrange questões de interpretação,
arbítrio, vontade e intenção, virtude, princípios, leis e doutrinas. Apenas conseguimos estudar
a criação do direito se o considerarmos algo prático e dinâmico.
coscienza e diritto positivo”, In: Il vincolo del giuramento e il tribunale della coscienza. Annali dell`Istituto
storico italo-germanico. Quaderno 47, Società editrice il Mulino, Bologna, 1993, p.481.
76
HURTUBISE, Pierre, La casuistique dans tous ses états. De Martin Azpilcueta à Alphonse de Ligori. Novalis,
2005, p.13.
77
Idem, p.221.
78
MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.
Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.179.
79
Sobre este tema, pode consultar PADOA-SCHIOPPA, Antonio, Sur la conscience du juge dans le ius
commune européen.
131
En la medida en que la dinámica jurídica se concibe en términos
de hermenéutica del orden trascendente, el poder para determinar el
derecho se identifica con la capacidad para operar como intérprete.
Aquí cabe considerar no sólo a los titulares de jurisdicción. Los
doctores, juristas y teólogos, también interpretan, leen en la tradición
textual para emitir su opinio en las más diversas cuestiones. La
doctrina, cuya expresión más autorizada es aquella que se puede decir
comunis opinio, constituye una importante fuente de normatividad que
hace derivar de su prestigio social, de su auctoritas científica, su
fuerza vinculante. Es la doctrina la que moviliza el discurso jurídico,
introduciendo, cuando es necesario, innovaciones que no sustituyen el
valor normativo las antiguas soluciones (dinámica agregativa), con
relativa independencia de la autoridad política. En este sentido se ha
dicho que el Ius Commune es un “derecho de juristas”. Es en la
tradición literaria, antes que en el catálogo de leyes reales, donde hay
que buscar los rasgos esenciales de cualquier institución de antiguo
régimen80.
De acordo com Paolo Grossi, a experiência jurídica era um instrumento adequado
para a compreensão e a correta ordenação do imenso material jurídico que podia ser analisado
para além da lei, como um esquema interpretativo, ordenador e unificador de se perceber o
direito na história. A experiência jurídica significava de fato, um modo peculiar de viver o
direito na história, de percebê-lo, conceitualizá-lo, aplicá-lo em conexão com uma
determinada visão do mundo social, a determinados pressupostos culturais. Significava por
tanto, um conjunto de eleições peculiares e de soluções peculiares para os grandes problemas
que supunha a criação do direito em conformidade com os distintos contextos históricos81.
Era a partir da dialética entre a elaboração das leis e a sua aplicação concreta que
encontramos a tensão entre a objetividade da lei e a subjetividade do seu cumprimento.
a) conceito de consciência pela teologia moral.
80
AGÜERO, Alejando “Las categorías básicas de la cultura jurisdiccional”. Univ. Autónoma de Madrid, In:
LORENTE, Marta Sariñena (coord.), De justicia de jueces a justicia de leyes: hacia la España de 1870.
Cuadernos de Derecho Judicial, VI -2006, Consejo General del Poder judicial, Centro de Documentación
Judicial, Madrid, 2007, pp.22-56, p.33-34.
81
GROSSI, Paolo, El orden jurídico medieval. Tradición de Francisco Tomás y Valiente. Marcial Pons,
Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.44-45.
132
Na dialética entre a elaboração da lei e a sua aplicação concreta encontramos um
conflito teológico moral que se dava entre a consciência subjetiva e a lei. Era importante
entender, metodologicamente segundo a história dos conceitos de Reinhart Koselleck 82, que a
análise de um conceito se dava mediante o seu contexto social, político e por meio da
experiência histórica. E é dessa maneira que os conceitos possuem historicidade e são
polissêmicos, porque mesmo que a palavra continue a mesma por anos ela não carrega
necessariamente o mesmo sentido. Há na sincronia uma diacronia presente na semântica. Isso
se deve porque o conceito capta o contexto na chave diacrônica comparando as análises e
confrontando as permanências e alterações observadas. O conceito só é enunciado num
contexto específico se for captado na sua mudança diacrônica. Assim, a semântica era
encontrada na contextualização e apreensão dos conceitos em suas transformações. Dito isso,
analisamos o conceito de consciência e suas modificações semânticas na passagem do século
XV ao XVI e XVII tendo como referência a obra Uma história da Justiça de Paolo Prodi, os
manuais de teologia mencionados e os pareceres do Fr. Miguel Agia.
Ao falar do pluralismo das diversas instituições nas quais o poder se exprimia e do
desenvolvimento da lei em seu sentido moderno, Paolo Prodi83 partiu dos glosadores, do
modelo do Corpus iuris civilis e do Corpus iuris canonici concebido enquanto texto no século
XIV, de maneira a mostrar a autoridade que esses textos promulgavam, e em se tratando de
autoridade, acrescentou: “Não há necessidade de conciliar os diversos cânones ou as diversas
leis, porque o comando da autoridade assume por si mesmo, no momento em que é
promulgado, uma força coativa que o coloca na base do sistema da administração da
justiça84”. Assim, não existia distinção entre a função do legislador e a do juiz porque a
autoridade estava em dizer o direito no exercício próprio de sua atividade nos tribunais
sentenciando e eis que nesse ponto se iniciava o conflito entre a consciência e a lei.
Esse conflito era explicado pelas mudanças conceituais e conjunturais características da
Idade Moderna, como por exemplo, o processo de dessacralização do poder e o nascimento do
individualismo e do humanismo marcando um direito móvel e mais dinâmico. Essa
concepção dinâmica e positiva do direito, segundo Paolo Prodi, não ocorreu imediatamente
até ser praticada cotidianamente na sociedade moderna. O processo que dinamizou o direito
82
KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução do
original alemão Wilma Patrícia Mass - Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC- Rio, 2006.
83
PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
84
PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.166.
133
iniciou no final da Idade Média e demorou até se concretizar, assim como também foi lento o
processo em que o homem se libertou do Estado e seus poderes.
O pensamento jurídico dos séculos XV e XVI, influenciado pelo humanismo, marcou
uma mudança de interesse operacional do direito. Da comparação e conciliação das normas
passava-se a um “esforço de fornecer à norma uma base histórico-filológica e uma reflexão
teológico-filosófica capaz de fundá-la e sustentá-la na realidade concreta da sociedade85”.
Ainda sobre a influência dos humanistas no pensamento jurídico, Prodi mencionou que
a discussão a respeito dos princípios do direito tendia a transferir-se cada vez mais para o
plano da filosofia moral, da ética e da teologia, e a vincular-se a Aristóteles, a Cícero, a São
Tomás de Aquino. Era nesse ponto “que o pensamento político começa a separar-se do
pensamento jurídico, e a reflexão sobre o comportamento moral começa a separar-se do
direito canônico para confluir na teologia ou na filosofia86”.
Contudo, a administração da justiça vinculava-se ao poder, e a epieikeia como poder
interpretativo da lei por parte do juiz referia cada vez menos a um direito escrito, ou a uma
equitas considerada a alma do direito canônico, para referir cada vez mais à interpretação das
leis87.
Nessa passagem e mudanças decorrentes de um direito canônico e eclesiástico surgido
no século XV, que tinha o papa como um legislador e juiz, o problema central verificado por
Paolo Prodi era o da relação entre o foro interno e externo. À medida em que a jurisdição
sobre o foro externo escapava ao poder da Igreja para se juntar aos novos poderes políticos
que surgiam, o papa tendia a absorver, no foro interno, a maioria das questões jurídicas que
antes eram administradas pela Igreja no foro externo88.
Esse controle das questões jurídicas, passado ao foro interno, evidenciava a importância
da penitência apostólica, que surgira no século XIII, para administrar a justiça da Igreja, tanto
no foro interno quanto no externo, ganhava maior importância no século XV. A penitência se
tornava um instrumento papal que transferia parte da disciplina da Igreja do foro externo para
o foro interno mediante o aumento das tensões entre o foro secular e o eclesiástico89.
85
Idem, p.168.
Idem, p.170.
87
Ibidem.
88
PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.176.
89
“Com a multiplicação dos casos, cuja absolvição é reservada ao papa, e com a concessão das indulgências,
com a transferência de muitas matérias da esfera disciplinar externa ao foro interno, desenvolve-se a formação de
um foro interno não-sacramental, desvinculado da penitencia: não julgamentos sobre o pecado cometido, mas
86
134
Construiu-se durante o pontificado de Pio II um senhorio espiritual de novo tipo sobre a
cristandade - uma central da consciência - e para Prodi, o desenvolvimento da penitencia
devia ser entendido como uma administração da justiça na sua função constitucional em
relação à Igreja e à sociedade90. Não se tratava apenas de pregar e aumentar o temor a Deus
imbuindo na vida após a morte uma ameaça ao fogo eterno, mesmo o medo servindo como
um instrumento fundamental para um ordenamento coativo, mas de construir, com base nesse
medo real, um sistema de justiça concorrente com os dos novos Estados seculares91.
Nas transformações ocorridas nas relações entre a Igreja e o Estado nos séculos XIV e
XV, sobretudo na mudança conceitual de pecado e poder, Prodi apontou que houve uma
alteração na justificativa do poder. Antes, justificava-se o poder como um instrumento para
dominar o pecado, e depois, nos princípios da Idade Moderna, o poder era justificado pela sua
função de utilidade e interesses públicos, como o “bem comum”.
O exercício do poder
passava a ser justificado então, pelas necessidades e utilidades públicas, o que alterava
também, juntamente com a noção de poder, a de política da época. A essa função política
Prodi mencionou que não atendia apenas à tutela da sociedade, mas continha também um
papel interno de formar e regular o indivíduo92.
Dessa maneira que, ainda não existindo uma separação entre os vários foros os quais o
homem devia se reportar a respeito de suas ações e culpas, não se tinha a separação entre o
pecado e a infração, entre a desobediência à lei da Igreja e àquela do príncipe. O que se tinha
para este período era justamente a ampliação da esfera do pecado abarcando os casos de
delitos tradicionais e os contra a utilidade pública93.
Paolo Prodi mostrou que o exercício e a justificativa do poder se dava por meio da
utilidade pública e que então, descumpri-la era ao mesmo tempo cometer um delito e um
pecado. Por isso tais argumentos como “bem comum”, “conservação da República”, estavam
concessões de graças ou interpretações relativas ao futuro, foro que será teorizado mais tarde por Francisco
Suárez”. Podemos considerar que a tensão podia não ser apenas entre o foro secular e eclesiástico, mas também
com conflitos e desentendimentos dentro da própria igreja e suas ordens, como ficou mostrado pelo debate em
torno do probabilismo. In: PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.177.
90
“Num plano mais genérico, o funcionamento da Penitenciaria e de todo o sistema que gira em torno dos casos
reservados leva-nos a ressaltar que não é suficiente considerar a administração da penitência do ponto de vista da
história social e da história das mentalidades, mas é necessário inseri-la no processo mais amplo de evolução da
justiça, da mudança dos foros em que o homem é chamado a comparecer para justificar as próprias ações”. In:
PRODI, Paolo. Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.179.
91
Idem, p.180.
92
Idem, p.181.
93
Idem, p.182.
135
presentes na Real Cédula de 24 de novembro de 1601 de maneira a preservar a obediência aos
interesses públicos, a exaltar o poder do soberano e criar uma obrigação que era civil e
moral94. Desse modo, o direito tornou-se a manifestação da vontade do monarca e
desobedecê-la era um ato tanto contra Deus quanto contra o Estado:
(...) o delito e a sua repressão não concernem mais apenas às pessoas
envolvidas, mas à sociedade enquanto tal; todo delito torna-se, de
certo modo, crimen laesae maiestatis, como atentado contra o
monopólio do poder do monarca e do Estado. A tal fato corresponde
uma mudança no próprio conceito subjetivo de culpa, que tende a ser
vista não mais como dividida entre o pecado e a infração, entre uma
esfera interior e outra exterior, mas como algo totalizador, que faz
com que a desobediência à norma se torne rebelião contra Deus e a
sociedade ao mesmo tempo95.
O Estado precisava da Igreja e servia-se do aparato jurídico do foro interno da confissão
para penetrar na consciência dos súditos. Havia então, o pecado como ato exterior em
violação à lei e o pecado como vontade interior contra a reta razão de Deus. Neste ponto Prodi
marcava que mesmo havendo uma diferença entre as leis, ocasionada por uma divisão de
poderes políticos e jurídicos, nenhum domínio civil ou eclesiástico podia ser questionado por
um pecado de pensamento que devia resposta somente a Deus. Nenhuma infração da lei
positiva podia implicar em um pecado mortal e a uma danação eterna, a não ser na medida em
que continha uma violação da lei divina: em todo o caso, o legislador não podia impor penas
que estivessem fora de seu alcance e jurisdição contra a própria instituição do Sacramento da
penitência. Assim como também não podia impor um ato interno como o amor de Deus96.
Nesse sentido, era preciso distinguir o que era de direito divino e o que era constituído
por normas positivas humanas que se alteravam com o tempo. Um exemplo prático disso era a
confissão: “o sacramento é de direito divino, mas o modo como o indivíduo deve se
confessar, com quem e quando são todas normas de direito positivo que podem mudar97”.
94
Voltaremos a este assunto no item onde trataremos do conceito de consciência nos tratados e nos pareceres.
PRODI, Paolo. Uma história da justiça, 2005, op. cit., p.186.
96
Idem, p.197.
97
Idem, p.199.
95
136
A norma moral que obrigava em consciência, entre direito divino e positivo só ocorria
quando a lei positiva, divina ou humana fosse justa. O problema central entendido por Prodi
era o do desenvolvimento totalmente novo da lei positiva, que diante das diversas
interpretações, afirmava ser um fenômeno não formalizado, não oficializado, porém, muito
evidente e comum. A norma moral se separava da norma jurídica e adquiria forma própria,
além de uma autonomia. Contudo, restava o fato de que até o século XV não era possível
separar a ideia da norma moral daquela do direito natural e do direito divino: “a infração da
norma moral consistia na infração do direito divino ou natural ou do direito humano,
canônico, ou civil, como emanação da esfera jurídica superior98”.
Para o pensamento do século XIII, de acordo com Prodi, a teologia representava a
ciência do ser; o direito canônico representava a ciência do dever ser, mas após alguns
séculos, no inicio da Idade Moderna, essas definições mudaram. Isso porque há algum tempo
a doutrina do dever ser se desenvolvia fora do direito canônico e dentro da teologia e da
filosofia tornando-se autônoma e incorporando a parte essencial da penitencia, antes reservada
aos canonistas. Com a separação do direito canônico da teologia, nascia a teologia moral
como reflexo e ensinamento ao foro interno99.
Nessa nova situação histórica do século XV, Paolo Prodi apresentou o problema da
obrigatoriedade ou não em seguir a consciência das leis e dos estatutos, eclesiásticos e civis.
A dúvida surgida era a de que: Podia a lei humana obrigar em consciência sob pena de pecado
mortal? A resposta dada por esse autor passava necessariamente pela definição de
consciência. A definição de consciência encontrada por Paolo Prodi, capaz de responder a
essa dúvida, não era mais a concepção de “sindérese”, herdada da tradição grega, que tinha
como principio intelectivo e interpretativo da lei em apenas distinguir o bem e o mal, mas sim
o conceito moderno de consciência como um tribunal interno do homem. “Não apenas a
consciência correta obriga a alma, mas também a errônea: portanto, abre-se a discussão sobre
a relação entre a consciência subjetiva e a lei100”.
Ainda respondendo a essa pergunta da obrigatoriedade da lei, no que se referia à lei
divina, o problema era claro porque mesmo que a consciência fosse errônea, ou seja, levasse a
uma ação contrária à lei divina, ela não podia ser seguida porque de qualquer forma o pecado
98
Idem, p.203.
Nos próximos itens nos atentaremos sobre a teologia moral, e o probabilismo em específico. PRODI, Paolo.
Uma história da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p.205.
100
Idem, p.209.
99
137
seria ainda mais grave. Contudo, o problema estava em obedecer a uma ordem humana
contrária à lei divina. Nessa situação, a sindérese tinha a força e a virtude que dirigia a
consciência para o bem. Juridicamente esse problema da obrigatoriedade da lei era mais
delicado e apresentava outra pergunta: Quando existem diversas opiniões e interpretações das
leis, pecava se seguia outra opinião?
Para Paolo Prodi, o que lhe parecia mais importante era que o discurso sobre a
obrigação em consciência de seguir a opinião mais provável, ou seja, a defendida pela maioria
e pelos melhores doutores referia não ao âmbito moral (como foi o caso do probabilismo do
século XVII), mas à lei: era a consciência que se media com o direito e não consigo mesma.
“Entre o foro da lei e o foro da justiça divina: a única ligação estava dentro da consciência do
juiz” 101.
Dessa forma, a doutrina sobre a obrigatoriedade em consciência da lei humana, civil ou
eclesiástica adquiriu uma dimensão ligada à consciência e a um foro interno unido ao
sacramento da penitência. Sendo assim, as leis injustas que não correspondiam ao bem
comum ou que eram provenientes de quem não tinha o poder legítimo, não obrigavam em
consciência. “(...) o controle das consciências é tanto ou mais importante para o príncipe
quanto o processo de territorialização da Igreja que, com a formação de um direito direto ou
indireto dos príncipes em relação aos benefícios e com a administração eclesiástica dos
próprios territórios102”.
Era a lei divina que exigia que os súditos obedecessem à lei sob pena de pecado. Prodi
comentou sobre o caráter da Igreja no século XV afirmando que este correspondia a um
Estado orgânico e compacto que existiu sobre o governo absoluto da monarquia papal,
delegada por Deus, e legitimada pelo poder legislativo e judiciário da monarquia enquanto tal:
A obrigação de obedecer à lei não depende dos conteúdos desta, mas
deriva da própria característica da lei positiva, que produz uma ordem
‘artificial’ ínsita no ato de governar: é o príncipe, seja ele o papa ou
um soberano secular, que, possuindo o poder coativo, pode
transformar a lei natural em lei positiva, mantendo sua capacidade de
vincular a consciência103.
101
Idem, p.211.
Idem, p.213.
103
Idem, p.216.
102
138
Para o século XVI, Paolo Prodi afirmou que o Estado ainda continuava sendo a temática
do pensamento político europeu e que as obras desse período tratavam sobre a obrigatoriedade
em consciência da lei e sobre o Estado. Como exemplo de tais obras mencionou Francisco de
Vitoria, Jean Driedo, Martín de Azpicuelta e Alfonso de Castro. O que era comum nos
trabalhos destes autores do século XVI era a ideia de que a lei do Estado podia vincular, em
consciência, os súditos sob pena de pecado mortal.
Francisco de Vitoria foi referenciado por Prodi porque representava a primeira fundação
moderna de uma ordem ética, fundada nos princípios do direito natural que encontrou sua
realização apenas na virtude, dentro de cada homem, e nas relações pessoais entre os homens
e a sociedade104. Em sua obra ele ressaltou a primazia da lei divina sobre as humanas por
manifestarem a vontade de Deus, porém, a lei humana também provinha de Deus, e tanto a lei
divina quanto a humana podiam obrigar sob culpa de pecado venial ou mortal. Já a
importância da obra de Jean Driedo de 1546, colocava à prova a vinculação das leis humanas
ás leis divinas, de modo que se as leis não fossem justas e nem aceitas pelo povo, não
obrigavam105. Azpicuelta escreveu em 1549 sua obra Enchiridion e este, segundo
interpretação de Paolo Prodi, concordou com as argumentações de Driedo para a prática
confessional. Para Azpicuelta nenhuma transgressão das leis penais humanas comportava
pecado a não ser na medida em que implicava numa violação das leis naturais e divinas106.
b) a interpretação da Real Cédula de 24 de novembro de 1601 e Instrução ao vicerei do Peru.
A tensão entre a norma e a sua aplicação foi intensificada no contexto americano nos
séculos XVI e XVII. A América espanhola apresentava uma enorme novidade no espaço, nas
práticas e nas soluções encontradas pelo direito. O desenvolvimento material da monarquia e
104
Idem, p.218.
Idem, p.221.
106
Idem, 2005, p.222.
105
139
da economia do Mediterrâneo dependia da exploração mineral das colônias e esta se regulava
por ordenações locais e não peninsulares107.
Em virtude da própria inconstância desse contexto social e das divergências encontradas
entre as leis e as circunstâncias locais, várias Juntas e pareceres foram solicitados tanto por
teólogos quanto por juristas. Estes pareceres de reais cédulas pretendiam, relacionando as
normas régias com a observação da realidade colonial, uma harmonia e adaptação entre os
extremos sociais e os interesses políticos e econômicos.
Nas Cédulas reais direcionadas às Índias não estava disposta apenas a formulação das
normas jurídicas realizadas de acordo com a apresentação de casos concretos, mas os vazios,
dificuldades e contradições dessa mesma regulação legal e os assuntos que as motivava. Toda
lei, independente de sua aplicação ou não, possuía valor enquanto um reflexo da atitude de
seu autor, no caso o rei, e os critérios e necessidades dominantes no governo da Espanha.
Encontramos na legislação os problemas morais, políticos, sociais e econômicos de cada
região, assim como a tensão em aplicar tais normas para os casos concretos.
As reais cédulas e ordenações eram preceitos casuísticos expedidos para solucionar os
casos concretos, sem pretensões de serem universais. As situações específicas determinavam a
criação das normas e as peculiaridades indianas levavam a ressaltar as noções de diversidade,
mutabilidade e distância108. Dessa forma, a força da concepção casuística das leis alterava a
atividade governativa demonstrando também uma forma de adaptação jurídica. São estas
alterações e adaptações que analisaremos nas ordenações e na Real Cédula de 1601.
A Real cédula de 24 de novembro de 1601, também conhecida como a cédula do
Servicio Personal, foi escrita em Valladolid e dirigida a Don Luis de Velasco, vice-rei do
Peru desde 1595. Nesta cédula de 27 capítulos estavam referidas todas as formas de serviços e
os cuidados que em cada um se devia proibir ou tolerar109.
No segundo e terceiro capítulos sobre os excessos dos encomenderos, encontramos a
proibição dos serviços pessoais sem embargo de qualquer costume, leis, ordenanças e
provisões contrárias, e, para os que não a cumprissem, a perda da encomienda e suspensão do
ofício por dois anos:
107
TAU ANZOÁTEGUI, Víctor, Casuismo y sistema. Indagación histórica sobre el espíritu del Derecho
indiano. Buenos Aires: Instituto de Investigaciones de Historia del Derecho, 1992, p.318.
108
Idem, p.317.
109
PEREIRA, SOLÓRZANO, Juan de, Política Indiana., Tomo I, Libro II, Capítulo II, n.12, ediciones Atlas,
Madrid, 1972, p.144
140
Para cuyo remedio ordeno, y mando, que de aquí adelante no haya, ni
se consienta en esas Provincias, ni en ninguna parte de ellas, los
servicios personales, que se reparten por via de tributos á los Indios de
las Encomiendas: y que los Jueces, y las personas que hicieren las
tasas de los tributos, no los tasen por ningún caso en servicio personal,
ni le haya en estas cosas, sin embargo de qualquiera introduccion,
costumbre, ó cosa, que cerca de ello se haya permitido; só pena que el
Encomendero, que usare de ellos y contaviniere á esto, por el mismo
caso haya perdido, y pierda su Encomienda (…)110.
No capítulo sexto o rei solicitou que se avisasse publicamente que os índios podiam
deixar as chácaras onde eram detidos sem liberdade e sem doutrina, e ao saírem delas não
seriam presos e ou compelidos a voltarem:
(…) y para que mejor se cumpla lo susso dicho mando que los oidores
de las audiencias en cuyo distrito cayeren las dichas chacaras y
heredades quando salieren a visitar la tierra las vissiten y no
consientan que los indios que hallaren en ellas estén contra su
voluntad ni con ningún genero de servidumbre executando en los
culpados las sobre dichas penas (…) que tan solamente se permite de
aquí adelante es que se puedan serbir en las dichas chacaras y
heredades de los indios que quissiern serbir en ellas de su propia
voluntad por el tiempo y en la forma que voluntariamente se
concertaren y mando a vos el mi virrey que al pressente says o
adelante fueredes lo hagays guardar y cumplir imbiolablemente111.
Neste capítulo, podemos perceber que, ao mesmo tempo em que o rei liberava os
índios tratados como escravos nas chácaras das províncias do Peru, e mandava que os
ouvidores que as visitassem e encontrassem índios neste regime de servidão aplicassem as
devidas penas, ele continuava a permitir os serviços desde que os índios os fizessem de
acordo com suas vontades e pelo tempo e forma que voluntariamente concordassem. Isto
parece um tanto contraditório, visto que o funcionário régio responsável por essa fiscalização
teria que perguntar a cada índio que lhe parecesse ser tratado como escravo se o fazia
obrigatoriamente ou voluntariamente. Esta podia ser uma forma encontrada pelo rei de
reconhecer a liberdade do índio, proibindo o regime de servidão, e de manter politicamente
seu interesse econômico permitindo os mesmos serviços proibidos com a condição de serem
voluntários.
110
111
Real Cédula, clausula 2ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.33.
Real Cédula, clausula 6ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.38-39.
141
Essa nossa ideia foi confirmada pelo oitavo capítulo. A intenção do rei não era a de
acabar com as chácaras, mas que os índios não fossem oprimidos e compelidos nelas contra
vontade:
Y porque mi intencion no es de quitar a las dichas chacaras heredades
y viñas el servicio que han menester para su lavor y beneficio sino que
teniendo todo el necessario los indios no sean oprimidos ni detenidos
en ellas contra su voluntad como lo han sido por lo passado (…) los
indios puedan acudir al beneficio y lavor de las dichas chacaras y
heredades y puedan ser dotrinados e instruidos en las cosas de nuestra
santa fe catholica (…) para el aprovechamiento y conservacion de los
indios112.
No nono capítulo, o rei permitiu que seus corregedores ou alcaides ordenassem o
trabalho indígena da maneira que melhor lhe parecessem: “(...) el corregidor o alcalde de cada
pueblo como mejor os pareciere y hordenaredes tengan cuydado com hazer que los yndios
que tuvieren fuerças y hedad para el trabajo salgan cada dia a las placas (...)”113.
No décimo capítulo, ele manifestou seu desejo de manter os repartimientos expondo a
necessidade deste para o sustento e a conservação da terra e dos próprios indígenas. Sob o
argumento da necessidade pública, o rei obrigava e ordenava que os índios trabalhassem, na
forma e nos meios que parecessem mais suaves e convenientes ao vice-rei do Peru:
(...) y relevarlos de los dichos repartimientos no se convierta en su
descomodidad y mayor daño y de la republica y con que los indios
que de su natural condición rehussan el trabajo y son inclinados a
olgar que les es de gran prejuicio han de servir trabajar y ocuparse en
los dichos servicios (…) porque no se podría sustentar ni conservar la
tierra sin el trabajo servicio e industria de los indios conbendra y assi
lo ordeno y mando que sean compelidos a ello en la forma como y por
los mas suabes medios que os pareciere y proveyeredes y ordenaredes
para ello de manera que teniendo respecto y consideración a todo lo
referido lo dispongays de la manera que mas conviniere para la
conservación de los mismos indios y de esa republica y comercio della
para lo qual os doy poder y facultad y en caso que por estas causas
convenga y sea forçoso que aya repartidores de los dichos indios114.
112
Real Cédula, clausula 8ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.40.
Real Cédula, clausula 9ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.40.
114
Real Cédula, clausula 10ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.41
113
142
Os capítulos dessa Real Cédula mostraram como o rei argumentava de acordo com a
necessidade que tinha. Se fosse para proteger os índios da escravidão, então esses eram livres
e doutrinados na Santa Fé Católica, mas se era para conservar a República então podiam ser
compelidos e obrigados a trabalharem conforme parecesse melhor a quem os comandava. A
lei favorecia o sentido que lhe era dado e a necessidade interpretada. Para fins econômicos e
políticos era mais do que permitido o trabalho indígena, este era ordenado, o sentido e a
utilidade estavam claros. Mas em se tratando de maus tratos, então esses índios, supostamente
católicos, recebiam um olhar de um rei católico que os liberava do serviço obrigatório.
Na vigésima terceira cláusula o rei manifestou sua vontade ordenando que o vice-rei
tivesse cuidado com o trabalho indígena e com os que ficassem doentes nas minas por ser esse
um benefício para elas115.
A intenção e vontade do rei eram a de que os índios trabalhassem para as necessidades
da República e não fossem oprimidos116, e que o vice-rei solicitasse pareceres para os
assuntos que desconhecesse e assegurasse o cumprimento e cuidado da vontade régia117.
Terminando a Real Cédula de 16 de novembro de 1601, o rei ordenou o bom tratamento
e aproveitamento dos índios e seus benefícios para conservação das terras e das minas, e
ordenou a solicitação de pareceres de pessoas experientes118. Esta Real Cédula de 1601 não
115
“(…) y porque mi voluntad es que sean relevados del en quanto se pueda ordeno y mando que de aqui adelante
no se desaguen con indios las dichas minas sino que se haga con negros o con otro genero de gente lo qual
encargo y mando a vos el mi virrey tengais particular cuidado de prover y ordenar que asi se haga y cumpla en
quanto fuere possible o como mas convenga al mayor beneficio seguridad y alivio y menos vexacion de los
indios y de manera que por esta causa no cesse el beneficio y lavor de las minas”. In: Real Cédula, clausula 23ª,
In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.49.
116
“Y porque es justo y conforme a mi intención que pues los indios han de trabajar y ocuparse en todas las cosas
necessarias en la republica y an de vivir y sustentarse de su trabajo sean bien pagados y satisfechos del y se las
hagan buenos tratamientos (…) encagor de nuevo y mando a vos el mi virrey que aviendolo conferido y tratado
con personas platicas en cada genero de lavor y trabajo y oydo los pareceres de los que mas noticia y experiencia
tengan de aquellas cosas (…)”. In: Real Cédula, clausula 24ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de
índios. Sevilla, 1946, p.49-50.
117
“(…) a de estar a cargo de vos el mi Virrey el cuidado del cumplimiento y execucion de lo sobre dicho por
tocar también esto a todos los estados de la gente habitantes en esas provincias a los juezes por el cumplimiento
de mis hordenes a los prelados por la obligación que tienen de mirar por el bien espiritual y temporal de aquellos
naturales a los españoles por su particular acreescentamiento y bien universal y conservacion y aumento de esos
reinos”. In: Real Cédula, clausula 26ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios. Sevilla, 1946, p.50.
118
“(…) graves de mis consejos lo que de susso va referido mas porque mi intencion y voluntad es que en todo se
de la orden que mas conviene para mayor beneficio y mas segura conservacion de todo y de ello resuelten muy
buenos efectos (…) para que aviendo entendido mi intencion y visto en lo que toca a las minas las ordenanças
que están hechas y aprobadas por el emperador y rey mis senõres aguelo y padre que ayan gloria (…) y esta se
143
correspondia ao único documento que continha as instruções dirigidas ao vice-rei do Peru.
Antes dela, em 22 de julho de 1593 foi despachada uma Instrucción al virrey del Peru, Luis
de Velasco encarregando-lhe de consultar os pareceres dos ouvidores nos assuntos
importantes, e, mesmo com tais pareceres, que ele decidisse segundo o que lhe parecesse
melhor não sendo obrigado a seguir a opinião dos ouvidores:
En las cosas que tocaren a la gobernación de esa tierra, entenderéis
vos solo conforme a las provisiones e instrucciones que para ello os he
mandado dar; pero será bien que siempre comuniquéis con los dichos
oidores las cosas importantes y que a vos os parecieren para mejor
acertar, y seguiréis lo que después de comunicado con ellos os
pareciere119.
Essa instrução mostrou os outros assuntos sobre os quais o vice-rei deveria estar
informado, para além dos serviços pessoais e trabalhos nas minas e encomiendas. Por
exemplo, no segundo capítulo da Instrucción al virrey del Peru, sobre o cuidado que este
devia ter com a conversão e doutrinamento dos índios, garantindo que não faltassem
religiosos para o serviço, apresentou a opção de que se ele não conseguisse cumprir esta
ordem poderia agir como melhor lhe conviesse:
(...) y en caso que con esto no se pueda cumplir, y toda via aya falta de
Doctrina comunicareys con el audiencia, y Prelados la orden que alla
se podra dar, y no la aviendo, me avisareys con vuestro parecer, y el
de la dicha audiencia, para que se provea lo que convenga, y en el
entretanto vos y ella lo provereys como mejor se pudiere: porque por
falta de Doctrina, y ministros que la enseñen, los Indios no podezcan
dispone con personas de mucha experiencia y satisfacion añadays y quiteys lo que os pareciere (…) y juzgaredes
convenir para mayor beneficio y alivio de los indios y de la lavor de las minas y comodidad de los mineros (…)
dispuesto en quanto fuere possible y no tuviere inconveniente de consideracion ni pudiere causar sentimiento y
descontento general (…)”. In: Real Cédula, clausula 27ª, In: AYALA, F.J., Servidumbres personales de índios.
Sevilla, 1946, p.52.
119
Esta Instrução foi escrita pelo rei Felipe II em resposta à carta dos ouvidores e fiscais de Lima que em 1591
relataram a esse rei que o então vice-rei do Peru, García Hurtado de Mendoza devia pedir os pareceres dos
ouvidores para os assuntos importantes, desta forma, o monarca envia ao próximo vice-rei, Don Luis de Velasco,
essa instrução para que ele consulte tais ouvidores. ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción
facsímil de la edición única de 1596. Estudio e índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de
Instituciones Políticas y Civiles de América de la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura
Hispánica, 1945, capítulo LXX, p.324.
144
ni reciban perjuyzio en sus animas y conciencias, que con esto
descargo mi conciencia, y encargo la vuestra120.
No sexto capítulo, para o caso de alguns prelados religiosos incomodarem a ponto de
impedir o cumprimento da norma, o rei mandou que se procedesse de modo discreto, e não
podendo agir dessa forma, que comunicasse ao rei e este, “con recaudos ciertos de la calidad y
circunstancias del caso, y de lo que para su remedio puedo y devo proveer”121.
Neste sexto capítulo, podemos perceber que o rei podia agir, pressupondo um
descumprimento da lei, de acordo com as circunstâncias do caso. Esse cuidado demonstrado
pelo monarca, de se atentar ao caso específico para agir como melhor parecesse, também pode
ser observado no oitavo capítulo dessa mesma Instrucción. Neste capítulo, pedia-se que o
vice-rei não permitisse que os eclesiásticos discursassem coisas que inquietassem as pessoas e
que se isso chegasse a acontecer, que o mesmo agisse com “prudencia, suavidad y buenos
medios que de vos confio: y no aprovechando, si los casos fueren tales que requieran mayor
remedio, usareys del que os pareciere convenir”122.
A forma como a lei estava escrita dava margens a várias interpretações segundo a
necessidade particular e pública. A lei podia ter o sentido que a necessidade e utilidade
orientassem. O vice-rei podia argumentar em favor da sexta cláusula e fechar os
repartimientos que abusavam e exploravam dos índios os tratando como escravos, mas
também podia se apoiar na décima cláusula da Real Cédula de 1601 e permitir que os mesmos
índios trabalhassem, contra a vontade, por simplesmente ser essa uma necessidade pública e
política de conservação da República e em ambas estaria cumprindo com a lei.
A decisão de qual cláusula aplicar era resultado do que parecesse melhor a quem
analisasse os casos, as leis e as circunstâncias fossem juízes, religiosos ou o vice-rei. Cabia ao
vice-rei do Peru deliberar conforme sua consciência encontrasse retidão e seu dever político
tivesse espaço. Havia uma autonomia na escolha de como agir conforme considerasse mais
120
ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción facsímil de la edición única de 1596. Estudio e
índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de Instituciones Políticas y Civiles de América de
la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura Hispánica, 1945, capítulo II, p.308.
121
ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción facsímil de la edición única de 1596. Estudio e
índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de Instituciones Políticas y Civiles de América de
la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura Hispánica, 1945, capítulo VI, p.309.
122
ENCINAS, Diego de, Cedulario Indiano. Reproducción facsímil de la edición única de 1596. Estudio e
índices por el Doctor Don Alfonso García Gallo. Catedrático de Instituciones Políticas y Civiles de América de
la Universidad de Madrid. Madrid, Tomo I, Ediciones Cultura Hispánica, 1945, capítulo VIII, p.310.
145
conveniente e possível sem causar inconvenientes e descontentamentos. Mesmo que os
manuais de teologia orientassem a essa interpretação, a decisão tomada, nesse conflito entre a
liberdade subjetiva e as normas, era sempre do foro interno.
A norma estava escrita de uma forma que permitia várias interpretações, e, seguir uma
opção ou outra não significava desobedecer à vontade do rei. Ambas as decisões eram
garantidas e permitidas, o que parecia ser uma forma de probabilismo enunciada por Fr.
Henrique de Villalobos para o caso da dúvida prática.
A autoridade local também podia suspender a lei em caso de sua inobservância e isso
com o consenso do rei, o que era visto como um meio de adaptar a lei à circunstância típica
do Novo Mundo:
Il funzionario si trovava, quindi, a dover mediare tra molteplici
esigenze. In caso di incompatibilità di una disposiziones del potere
reale con le esigenze dei territori d’oltremare le autorità locali
potevano sospendere il provvedimento in attesa di nuove istruzioni. Il
principio della inosservanza della legge fu utilizzato, con il consenso
dei sovrani, fin dal primo momento della Conquista, come messo per
adattare le leggi alle circostanze tipiche del Nuovo Mondo123.
Podemos notar nessa autonomia dada ao vice-rei Don Luis de Velasco uma forma de
deliberar possuindo várias possibilidades e opções prováveis. Se se podia agir conforme
parecesse mais conveniente, e tendo poder e faculdade para isso, então, o que parecesse mais
conveniente se alterava de acordo com os casos e as interpretações. As leis não determinavam
o que se devia fazer segundo parecesse melhor e conviesse, esta deliberação era feita pelos
juízes e vice-reis que, pelo arbítrio que detinham, interpretavam as normas. Sendo assim, as
leis permitiam uma margem de autonomia e flexibilidade presentes no arbítrio de seus
magistrados por meio da interpretação dos casos. Neste ponto do arbítrio e da interpretação
vemos conectada a elaboração das leis com a aplicação das mesmas, e temos o embate entre a
consciência subjetiva e a lei.
Nesta Instrucción ao vice-rei de 1593 e na Real Cédula de 1601 não estavam descritas
apenas as normas jurídicas para os casos da conversão e dos trabalhos indígenas. Podemos
123
D’ESPOSITO, Francesco, “Encomienda”, giuramento e strategie di controllo: il disciplinamento del
funzionario nel Nuovo Mondo (secolo XVI)”. In: Il vincolo dle giuramento e il tribunale della coscienza, Annali
dell’Istituto storico italo-germanico, Quaderno 47, Società editrice il Mulino, Bologna, 1993, pp.213-242, p.227.
146
pensar que o monarca ao escrever essas instruções as fez pensando tanto na sua observação e
aplicação quanto no seu descumprimento. A adaptação da lei era permitida para que se fizesse
justiça em casos e lugares desconhecidos pelo rei. Com isso, ele assumia que suas normas e
instruções podiam não ser adequadas ou acatadas e transferiu ao parecer e à consciência do
vice-rei a responsabilidade de deliberar e decidir sobre o caso direcionado por elas. Dessa
forma, as normas régias eram parâmetros e possibilidades, entre outras, de construir o direito.
Parece, contudo, que o rei apresentava na sua forma de legislar a incerteza da aplicação
da própria lei que escrevia e seu caráter contraditório124. Para esses casos de inadequação da
lei ou de incerteza de sua execução, o vice-rei tinha permissão de agir como melhor lhe
parecesse e conviesse a cada caso e circunstância porque tinha a confiança do monarca.
Esses exemplos evidenciaram um sentido próprio de justiça, lei e instrução. Mesmo o
rei manifestando qual era a sua vontade e intenção, ele reconheceu que para se aplicar a
justiça, pessoas de sua confiança que juravam fidelidade e eram prudentes, podiam solicitar
pareceres, deliberar conforme melhor conviesse e de acordo com a qualidade e circunstancias
do caso, com obrigação em consciência para tal125.
Pelo o que vimos nessas normas régias, talvez, uma das formas de se garantir a
aplicação da justiça fosse conferindo aos magistrados e governantes um espaço e arbítrio para
interpretarem casos e leis de maneira prudente. Isso porque se sabia que as leis não abarcavam
todas as especificidades e particularidades da América colonial, e que mesmo com leis e
instruções, a interpretação e a decisão sobre elas variavam em cada sentença e mudavam a
cada dúvida prática e moral. Ter dúvida sobre a lei ou o caso não significava desqualificar o
124
Sobre esse caráter contraditório e ambíguo, Carlos Garriga explica: “El carácter contradictorio que a veces
parece tener la política regia aconseja no subestimar la importancia de los factores que pueden influir sobre la
voluntad del rey: no hace falta insistir en el pedo literalmente decisivo que la propia conciencia puede llegar a
tener en sociedades no secularizadas, pero tampoco cabe minusvalorar la importancia de la Corte, si por tal
entendemos al conjunto de personas – políticos, en sentido lato – que rodean inmediatamente al monarca e
influyen en sus decisiones. Que haya una sola instancia decisoria suprema no es a priori garantía de coherencia
política: en rigor, por momentos no hay una sino varias políticas igualmente regias, porque dependen por igual
de su voluntad, que de este modo se nos aparece literalmente fragmentado”. GARRIGA; Carlos. “Los límites del
Reformismo Borbónico: a propósito de la administración de la justicia en Indias”. In: Derecho y administración
pública en las Indias hispánicas, volumen I, pp.781-821, p,786.
125
Víctor Tau Anzoátegui, em seu artigo “La doctrina de los autores como fuente del derecho castellanoIndiano”, Revista de Historia del Derecho, n.17, Buenos Aires, 1989, pp.351-408, menciona que “(…) el
objetivo era juzgar conforme a razón, equidad y justicia. Debía admitirse en el tribunal la variedad de opiniones
y la libertad para disentir, pero el juez no debía decidir jamás por solo su ingenio y capricho, apartándose de la
escrita y bien cimentada y practicada jurispericia. Añadía que estamos obligados a seguir, cuando juzgamos o
aconsejamos las opiniones comunes y más aprobadas y probables”, p.376.
147
direito. Pelo contrário, demonstrava um exercício jurisprudencial em explorar as
possiblidades, observando os costumes, considerando as circunstâncias, analisando as
opiniões e autoridades.
Nas transformações ocorridas nas relações entre a Igreja e o Estado nos séculos XIV e
XV, sobretudo na mudança conceitual de pecado e poder, tivemos uma alteração na
justificativa do poder. Na Idade Moderna, tal era dado pela utilidade pública e necessidade
comum.
Dessa forma, como estava disposta a norma não se pode afirmar que havia nela um
conceito único de justiça. Neste ponto nos deparamos com a tensão entre a elaboração da
norma e a sua aplicação. Não importava saber se a lei foi cumprida conforme estava prevista
na Real Cédula e nas Instruções, mas conhecer qual foi o parecer do vice-rei, considerado por
ele mais conveniente ao caso segundo seu entendimento e vontade, que deu sentido e utilidade
à lei para aplicá-la ou não. Segundo Jesús Vallejo, “La justicia no se crea en el derecho; se
declara en él. El derecho no se crea al establecer la norma; a ella se trasladan principios
previos de concreción necesario en orden a su aplicación práctica”126.
A justiça estava na deliberação da lei feita pelo vice-rei e juízes. Dessa decisão dos
magistrados que nos atentaremos e perguntamos: o que significava agir conforme lhe
parecesse melhor e agir com prudência? Tanto o arbítrio quanto a prudência que se
considerava que o vice-rei tinha não estavam determinados e descritos nas normas régias. A
resposta para a pergunta de como se era prudente e de como se usava o arbítrio para
interpretar da maneira mais conveniente os casos e as normas era encontrada nos manuais de
teologia.
Esses, ao descrevem e demonstrarem uma variedade de casos e possibilidades de
soluções, estavam interpretando estas mesmas situações e orientando à interpretação de quem
os leria como se a interpretação também estivesse regrada e limitada aos argumentos
apresentados nessas obras. Era normal se ter dúvida no momento de sentenciar. A dúvida
podia ser resolvida lendo os manuais de teologia que continham uma, entre outras, das
possiblidades apresentadas no século XVI para fazer justiça. Eles ofereciam e exploravam
uma diversidade de casos e possibilidades que orientavam o arbítrio. Tais manuais de
teologia, e também pareceres de pessoas conscientes e experientes, serviam de guia de como
126
VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de la potestad normativa (1250-1350). Centro
de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p. 307.
148
se deve ser, interpretar e como argumentar. A interpretação não era livre, ela estava cerceada
por regras morais.
3.4. Interpretação e arbítrio.
A interpretação e o arbítrio funcionavam como forma de mediar e conectar a norma e o
fato concreto. Tal conexão conferia à regra concretamente utilizada a efetividade da sua
finalidade. O que havíamos dito, anteriormente, sobre o fato de que a lei possuía a utilidade e
necessidade dadas a ela, vem explicado pela conexão que a interpretação e o arbítrio faziam
da norma e a situação específica. O sentido que configurava finalidade para a lei era dado na
interpretação feita dessa e do caso.
Nel tempo dello ius commune la soluzione è un’altra: coinvolgere nel
processo della produzione del diritto anche il momento della sua
applicazione; in esso la connessione tra norma e fatto concreto non è
di tipo dialettico ma di tipo teleologico, per cui la fruibilità della
norma è intrinsecamente prodotta da questo processo di
manifestazione del diritto in cui evidentemente è necessaria una
mediazione (interpretatio e arbitrium). Tale connessione porta infatti
a sottolineare nella regola concretamente utilizzata la effettività dei
fini più che la sua forma, per cui vale la formula cessante ratione
cessat ipsa les. In questo contesto sono l’interpretazione e la
discrezionalità ad assicurare la necessaria fruibilità alla norma127.
Para haver essa conexão entre a interpretação e o arbítrio, tinha que se conhecer a norma
e o fato. Ao interpretar a Real Cédula e escrever seus pareceres a propósito do arbítrio que ao
vice-rei era dado sobre o cumprimento e execução dessa mesma norma, Fr. Miguel Agia
iniciou afirmando sobre essa necessidade de conhecer as leis para não ser um mero executor
sem conhecimento algum. Parece que essa conexão feita pelo arbítrio só ocorre depois do
conhecimento das circunstâncias e das possibilidades. Se não houvesse esse conhecimento
127
MECCARELLI, Massimo, Arbitrium. Un aspetto sistematico degli ordinamenti giuridici in età di diritto
comune. Università di Macerata. Pubblicazioni della Facoltà di Giurisprudenza, Seconda serie, Milano – Dott. A.
Giuffrè Editore, 1998, p.324.
149
não se podia fazer uma interpretação consciente e prudente, e não se podia justificar a
necessidade de adaptação da lei ou sua ineficácia. Só se podia alterar a lei depois de conhecer
sua relação com o fato e saber que não se aplicava a ele.
Mesmo que as leis não fossem aplicadas, elas precisavam ser conhecidas e com isso
não perdiam seu status128. A lei tinha que ser conhecida, mas se seria obedecida ou não,
caberia ao arbítrio do vice-rei decidir129. A obrigação não implicava em coação130. Essa
coação, parece, seria dada depois pelo o que o arbítrio do vice-rei deliberasse. Mesmo que
houvesse uma obrigação em consciência, revogar a lei por uma causa justa e uma boa razão,
significava ser prudente e demonstrava conhecimento sobre as circunstâncias. Pode ser que o
conhecimento da realidade era tão importante quanto o efetivo cumprimento das leis. Ele que
encontrava o sentido e utilidade para norma que seria considerada como justa ou injusta para
ser executada ou não.
As características de um juiz árbitro, que conhecia antes de executar, era a de poder
alterar, mudar, remover, executar, deixar de executar o que conviesse ao bem comum da
República, a conservação dos índios, da República, do comércio dessa e proceder e prover
conforme parecesse melhor131.
128
“(...) pero el hecho puede otorgar a la norma estatutaria características propias que más profundamente la
separen del concepto de ley, por lo que habrá que ver si son dichas notas específicas sustanciales o no. Su ámbito
de vigencia espacial o personal más reducido no implica especiales problemas para seguir equiparando el
estatuto a la ley (…)”. In: VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de la potestad
normativa (1250-1350). Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p.279.
129
Jesús Vallejo aponta que o próprio conceito de lei é polissêmico. Pode-se dizer que é lei a do príncipe, a
norma que deriva do pacto, a que forma parte do direito divino, o costume e o estatuto municipal. E essa
consideração nos mostra o quando era amplo o entendimento de lei. Ver: VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley
consumada. Concepcion de la potestad normativa (1250-1350). Centro de Estudios Constitucionales, Madrid,
1992, p. 277.
130
“Obligatoriedad no implica necessariamente coacción, y son los instrumentos precisos para lograrla los que
quedan sin concreción de ninguna espécie (...). VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de
la potestad normativa (1250-1350). Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p. 269.
131
“Primeramente se debe advertir, que de tal manera manda su Magestad se guarde y execute lo ordenado en
esta Real Cédula, que no quita al señor Virrey del Peru el conoscimiento de lo que se manda executar: para que
su señoria vea si conviene, o no executarse de manera que no es nudo, o mero executor sin conoscimiento como
suelen ser los tales meros executores (…) sino juez arbitro (si lícitamente puede llamarse por este nombre) pues
tiene autoridade su Señoria de añadir, y quitar, alterar, mudar, remover, executar, y dexar de executar lo que
viere que conviene ao bien comum de la Republica, como claramente lo da a entender su Magestad (…) como y
por los mas suaves medios que os paresciere y proveyederes y ordenaredes para ello, de manera que teniendo
respecto y consideración a todo lo referido lo dispongays de la manera que mas conviere para la conservación de
los mesmos indios y de essa Republica y comercio de ella (…)”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres
pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla,
1946, Tercero Parecer, p.115.
150
Nessa definição de juiz árbitro de Fr. Miguel Agia, não bastava apenas conhecer a
Real Cédula, mas todos os assuntos que diziam respeito às Índias e para os casos que não
estivessem descritos nessa norma, que se buscassem os pareceres de pessoas experientes e
conscientes no caso. Para Fr. Miguel Agia, consultar as opiniões de outros doutores era
considerado um ato singular de prudência132. Assim como prevenir o que o tempo pode
permitir suceder antes que acontecesse e se tivesse que remediar133. A prudência era uma
virtude especial:
La prudencia es una virtud especial, sin ninguna duda: es a la vez
intelectual y moral, por lo cual requiere la presencia en el sujeto tanto
de inteligencia práctica como de buena voluntad. Las dos exigencias
mencionadas deben darse simultáneamente. Un hombre prudente debe
poseer al mismo tiempo sabiduría práctica y bondad (…) la prudencia
asigna el justo medio a las virtudes morales134.
Da mesma forma que o vice-rei estava obrigado em consciência a executar e mandar o
que estava descrito na Real Cédula, por ser isso uma obrigação dada pela lei Divina, se na
mesma se entendia que não havia uma causa justa, a obrigação em consciência passava a ser a
de não aplicá-la. A razão disso estava porque a causa justa retirava o pecado mortal de
desobedecer à lei135. Retornamos assim à conexão que a interpretação e o arbítrio faziam da
norma e do fato concreto, e, essa conexão tinha um lugar claro: a consciência.
O franciscano considerava que o arbítrio do vice-rei podia alterar e deixar de executar
uma lei régia quando esta fosse considera injusta, ou quando não tivesse uma causa que fosse
justa. Don Luis de Velasco também não estava obrigado em consciência a aplicar leis que não
132
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,
F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.121.
133
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,
F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.114.
134
CONDERANA CERRILLO, Jesús Manuel, Virtudes, prudencia y vida buena en la Suma Theologiae de Santo
Tomás de Aquino, Universidad Pontifica de Salamanca, Bibliotheca Salmanticensis – Estudios 337, Salamanca,
España, 2012, p.97 e 115.
135
“(…) que el señor Virrey esta obligado en consciencia a mandar executar y guardar lo que justamente viene
ordenado y mandado en esta Real Cédula, pues a esto lo obliga la ley Divina (…) y la ley humana Canonica (…)
salvo si le escusa alguna justa causa porque si su Señoria la tiene no estará obligado a ello según la doctrina de
Sancto Thomas (…) donde enseñan que la causa justa escusa de peccado mortal en el quebrantamiento de la ley
(…)”.In:AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de
AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.117.
151
fossem recebidas pelos súditos e nem pela maioria da República136. Isso evidenciava que o
conhecimento das leis, para o seu efetivo cumprimento, tinha que ser tanto da autoridade local
quanto dos súbitos. O vice-rei não podia alterar o que não conhecia e nem condenar uma ação
de alguém que o fazia sem intenção porque não conhecia as regras137. Talvez por isso que a
confissão, evangelização e doutrinação dos índios fosse tão importante na América espanhola.
Os índios aprendiam sobre a obrigação moral que deviam ter em consciência, através do
confessionário quando lhe ensinavam o que era pecado, certo/errado, bom/mal. O
confessionário era, para além de um espaço de absolvição dos pecados, reconhecimento e
aprendizado de uma norma de conduta moral e política.
A interpretação e o arbítrio diminuíam as distâncias existentes entre a letra da norma e a
sua aplicação a casos concretos. O arbítrio também era uma atividade normativa que
modificava, incluía, excluía e adaptava as leis. Para Jesús Vallejo, “tanto al describir la acción
– hacer la ley es interpretar la equidad - como sus resultados – la ley es interpretación de la
equidad -, ambos términos se convierten en equivalentes138”.
Assim, a modificação do direito era feita para adequá-lo à realidade e a lei devia variar
segundo a sua matéria e forma para estar de acordo e acomodada com a realidade e utilidade
da República. Essa adaptação e flexibilização foi interpretada por Agia em seu primeiro
parecer sobre os repartimientos de índios. Depois de mencionar as diferenças de quantidade e
de qualidade, afirmou que os ofícios realizados nesse eram diferentes e que as leis deviam se
adequar a essas diferenças, “todo lo qual se deve mucho de considerar para templar el rigor de
esta dicha Cédula”. Em todos os repartimientos o trabalho era diferente, o pagamento, as
horas, os danos e os proveitos, e isso tudo explicava a necessidade vista pelo franciscano para
alterar, adequar a lei sobre os obrajes de panos139.
136
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,
F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.118.
137
Essa questão também remete à de pecado e ignorancia que não iremos examinar nesse texto.
138
VALLEJO, Jesús, Ruda equidad, ley consumada. Concepcion de la potestad normativa (1250-1350). Centro
de Estudios Constitucionales, Madrid, 1992, p.317. AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres
graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946,
Primero Parecer, p 64-65.
139
“(...) Todo lo qual se debe mucho de considerar para templar el rigor de esta dicha Cedula, teniendo atención
al trabajo mayor, o menor, y al mas, o menos perjuyzio, que los indios resciben, y que algunos de los dichos
repartimientos se han acostumbrado hazer, permitiéndolo las leys y ordenanças Reales (…) las leyes se han de
acomodar a la Republica, y no la Republica a las leyes, y assi mesmo han de ser útiles, y provechosas, como
ordena el Derecho, encaminadas a quietud, paz y concordia, y que sean tales que aya quien las guarde, y se
puedan guardar. (…) De las leyes de Platon pues era necesario criar nuevos hombres y nuevos pueblos a quien
152
A interpretação de Agia sobre as cláusulas da Real Cédula nos parece contraditória.
Para a segunda cláusula que ordenava: “que no haya ni se consientan en esas provincias los
servicios personales que se reparten por via de tributos a los indios de las encomiendas”, ele
considerou como o mais justo e Santo de toda a Real Cédula. Era justo proibir o serviço
pessoal porque era contra a lei natural, divina e humana. Contra a lei divina porque os índios
eram livres por natureza e se era contra a lei natural, necessariamente – segundo Navarro e os
Santos Apóstolos – também seria contra a lei divina140.
Para a terceira cláusula sobre os índios que padeciam nos obrajes de panos e engenhos
de açúcar, o rei proibiu e mandou que em nenhuma parte, nem província desses reinos, os
mesmos pudessem trabalhar nos ditos obrajes. Na interpretação de Fr. Miguel Agia estava:
“Ya tengo probado que en los obrajes e ingenios donde cesa la razón final de esta ley debe
cesar lo que en ella esta proveido (…) Todo lo cual es de grande provecho y utilidad para la
Republica y como tal lo apruebo (…) Solamente hallo que tiene necesidad de remedio lo que
pasa en algunos obrajes particulares donde no son pagados algunos indios con la fidelidad y
puntualidad que se requiere”141.
Na décima cláusula, na qual o rei mencionou que sua intenção era a conservação da
República, nem que para isso se tivesse que fazer que os índios se ocupassem nos serviços
pessoais, Agia considerou como conforme ao direito por ser boa e útil tanto para os índios
quanto para a República. O teólogo franciscano não mencionou a condição indígena, em
questões de direito, a ordem do rei era justa porque apresentava uma razão e sentido com
finalidades públicas. Nesse aspecto jurídico, não importava se o serviço era pessoal ou nas
minas, os índios estavam compelidos a trabalharem pelo bem comum e a esse propósito
deviam obediência.
O arbítrio era útil para adequar a norma e os fatos às especificidades locais da América.
A característica, ou caracterização do arbítrio como poder respondia sempre ao conteúdo
normativo, dispositivo, que dizia respeito ao caso específico. O arbítrio tido como “poder”
las dichas leyes se pudiessen acomodar, conforme a lo qual dizen los Philosophos sabios, que el Legislador
deben considerar las costumbres, los lugares y personas, y sus calidades quando establesce la ley para de esta
manera según la variedad de la materia variar la forma”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres
pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F. J., Servidumbres personales de indios, Sevilla,
1946, p. 64-65.
140
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, p.80.
141
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves en derecho, etc, Lima, 1604, ed. de AYALA, F.
J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Terceiro Parecer, p.89 a 91.
153
tornava-se efetivamente um poder jurídico com o qual dava concretude ao iurisdictio142. A
modificação do direito existente, em outras palavras, fui enquadrada na perspectiva de uma
adequação às mudanças e realidades do tempo, não assumia os contornos de um poder de
revogação, mas de adaptação143.
Parecer, na definição de Agia era arbítrio. Em latim era o mesmo que videbitur,
denotat arbitrium regulatiuum boni viri144 - o que parece, denota o arbítrio do homem bom apresentava que uma forma de analisar melhor cada caso e norma era estando presente e
conhecendo as circunstâncias dos casos específicos, solicitando opiniões de pessoas
entendidas no assunto, buscando a boa razão e a causa justa, o bem comum, a utilidade e
necessidade e a conservação da República. Esses exemplos de como ser prudente e de como
usar o arbítrio e a interpretação eram argumentos políticos, econômicos e religiosos que
fundamentavam qualquer deliberação dada pelo vice-rei ou um juiz, segundo o sentido e a
utilidade que considerassem justos.
A concepção de uma moral implicava a presença de paradigmas de conduta e
comportamento considerados válidos para todos os homens, e não determinados como tais
pela subjetividade individual. Em outras palavras, o homem obedecia a uma norma ditada por
Deus ou pela natureza porque a encontrava em seu próprio âmbito cultural, interpretada pelos
critérios vigentes como racionalmente fundada. Nesse sentido, reconhecia-a como norma
mediante o juízo de sua consciência145.
Arbítrio para Massimo Meccarelli era de fato um poder orientado através do parâmetro
do seu referente. Desta maneira, parecia util considerar o reflexo produzido no âmbito da sua
caracterização conceitual. “In particolare il fenomeno è ben visible rispetto a tre categorie:
l’aequitas, la iustitia, la ratio146”.
O arbítrio era, portanto, manifestação da equidade. Segundo Vallejo, a lei era a
interpretação da equidade. Encontrar uma justa medida, um bom senso entre a norma e o fato,
142
MECCARELLI, Massimo, Arbitrium. Un aspetto sistematico degli ordinamenti giuridici in età di diritto
comune. Università di Macerata. Pubblicazioni della Facoltà di Giurisprudenza, Seconda serie, Milano – Dott. A.
Giuffrè Editore, 1998, p.13.
143
Idem, p.331.
144
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,
F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.127.
145
BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del
Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.38.
146
MECCARELLI, Massimo, Arbitrium. Un aspetto sistematico degli ordinamenti giuridici in età di diritto
comune, 1998, op. cit., p.15.
154
que se conectavam na consciência pela interpretação e arbítrio, manifestava uma equidade. A
equidade conferia ao arbítrio uma função normativa capaz de indicar uma solução. “Perciò il
nesso arbitrium – aequitas conferisce all’arbitrium non solo la compatibilità con il sistema,
mas anche una vera e propria valenza sistematica connessa a una valenza política”147.
Pela interpretação e arbítrio conferidos ao vice-rei, toda vez que este interpretava a
norma e o caso, buscava nessa mediação intelectiva e subjetiva, a causa justa e a boa razão
para o que efetivamente aplicasse, ordenasse e executasse. Isso nos demonstrou que o
conceito de justo e injusto era relativo. Como saber a justiça de uma causa? De acordo com
Fr. Miguel Agia, a causa justa era o que o vice-rei julgasse com boa fé o que fosse justo,
mesmo se na realidade não fosse. Isso se dava porque agir de boa fé era em si um bom motivo
para não pecar. O embate entre a consciência subjetiva e a lei no momento de sentenciar foi
solucionado por Agia na busca pela boa intenção. Se havia uma boa fé, uma boa intenção ao
descumprir a lei, então a causa para tal era justa e essa ação não era pecadora e nem
imprudente:
Y también se puede tener por causa justa la que su Señoria con buena
fe juzgare ser tal aunque real y verdaderamente no lo sea de todo
punto, porque esta, también bastante causa para escusar de pecado
mortal, aunque no de venial (…)148.
A característica fundamental da lei justa, para Miriam Turrini, era ter a finalidade para o
bem comum, a equidade distributiva, a autoridade jurisprudencial do legislador, a recessão, a
aplicabilidade segundo os dados e a matéria consonante com a lei divina e natural149. Mas, no
contraste entre o foro da consciência e o foro externo, o que a lei positiva distinguia da divina
e natural, não obrigava a consciência. Também percebemos esse embate e conflito entre os
dois foros na interpretação de lei justa de Fr. Miguel Agia. O franciscano afirmou que se algo
fosse contra a lei natural ou divina, não somente o vice-rei não estava obrigado a segui-lo,
como se executasse pecava mortalmente. Primeiramente, deveria obedecer à Deus e depois
147
Idem, p.18.
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,
F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.119.
149
MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto nei testi per la confessiones della prima Età moderna.
Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società editrice il Mulino, Bologna, 1991, p. 259.
148
155
aos homens. As leis que não correspondessem às leis divinas e naturais não deveriam ser
executadas mesmo que o próprio rei as mandasse e ordenasse executar150.
3.5. Intenção e vontade.
a) prudência como discernimento da ação humana
O embate entre a consciência subjetiva e a lei era solucionado pela intenção e boa razão.
Dessa forma, a consideração do que vinha a ser “bom” e “mau” não estava descrita nas leis e
sim nos manuais de teologia e nos livros penitenciais151. Buscando o que seria considerado
“boa intenção”, recorremos à obra de Luis Bacigalpo sobre a Ética de Abelardo. Pedro
Abelardo se perguntou sobre a consciência moral e privilegiou o fator subjetivo na sua análise
teológica e nos problemas éticos:
(…) Al igual que en el Evangelio los filósofos han sabido determinar
lo moral a partir de la intención del individuo, y enseñan que el mal
debe evitarse por amor a la virtud y no por temor al castigo. (…) En
consecuencia, lo moralmente bueno no viene determinado por la
acción realizada sino por la intención. La acción como tal,
moralmente, es indiferente. El pecado aparece sólo en el momento en
el que el individuo consiente en hacer algo que él reconoce como
malo, aun cuando no llegue a plasmar su deseo en una acción. Puesto
que el hombre es libre de consentir o no, dicho consentimiento
representa un menosprecio de Dios. Así, pus, pecar significa pasar por
encima de un precepto moral que el individuo reconoce como
normativo152.
Para Abelardo era necessário que a consciência moral não estivesse errada. Do mesmo
modo não devia dizer que uma intenção era boa porque parecia ser, mas que era boa porque
era. Devia existir uma garantia, “objetiva”, que respaldasse os juízos sobre o bom e o mau e
que fosse independente das opiniões de cada indivíduo. Abelardo se perguntou se existia para
150
“(...) porque assi como no es licito a su Señoria cometer algún pecado mortal por su voluntad: Assi tampoco
por mandárselo su Magestad: porque en las cosas que son manifiestamente injustas, o ilícitas y contra ley de
Dios ningún mandato de ningún hombre aunque sea Rey puede obligar. Y assi aconsejan los Doctores (…)”. In:
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J.,
Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.119.
151
BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del
Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.24.
152
BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del
Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.29.
156
isso um critério e instância ultima. A resposta encontrada por ele foi positiva. Se a ética cristã
devia chegar a ser uma reforma da lei natural na que se sustentava a ética filosófica, isto era
assim porque somente a caridade evangélica podia garantir a ausência do erro na apreciação
das próprias intenções, ou seja, no juízo da consciência153. A partir da Antiguidade e da Idade
Média já se considerava que a consciência moral era entendida como “juiz interior”, divino ou
natural, que julgava sobre os motivos últimos da conduta. A partir desse ponto começou a
desenvolver o sentido moral da culpa154.
A decisão em torno da ação correta ou incorreta baseava-se na atenção dedicada às
intenções e motivos da ação. Assim, o conceito abarcava um aspecto subjetivo representado
pela intenção e um objetivo representado pelas consequências da ação realizada. Ambos
aspectos foram considerados por alguns autores antigos como critérios da moralidade 155.
Apenas o motivo da ação decidia se esta era boa ou má. Dessa forma, a prudência,
considerada desde Cícero como a mãe de todas as virtudes, consistia no discernimento entre o
bom e o mau. A prudência era necessária tanto para distinguir as virtudes dos vícios como
para desmascarar os vícios que se apresentava como virtudes, coisa essa feita apenas pelos
homens experientes que tinham conhecimento prático do que significava ser prudente e
virtuoso. Assim, era mediante à prudência que a justiça sabia o que se devia dar a cada um,
que a fortaleza possuía discrição frente aos seus propósitos e a temperança moderação frente
aos seus156. Por isso, o sentido e a função da prudência deviam estar claros, porque ela era a
virtude que intuía a norma moral de frente aos desejos da vontade, mostrando-se como um ato
da consciência157. A prudência era discernimento.
Os dois fatores que intervinham na ação humana eram a razão e a vontade. Nesses dois
fatores se podia notar a convergência e a divergência entre prudência e livre arbítrio. Ambos
eram juízos sobre a vontade, mas o juízo da prudência, que qualificava de boas ou más as
intenções ou propósitos da vontade, supunha o juízo livre, pois este determinava se aquilo que
se tinha a intenção de realizar devia fazer ou não, e assim resultava-se a qualificação prudente
dos desejos158.
153
BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del
Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.30.
154
Idem, p.34.
155
Ibidem.
156
BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo, 1992, op. cit., p.77.
157
Idem, p.84.
158
Idem, p.89.
157
Havia uma íntima relação entre a prudência e o livre arbítrio. Para Abelardo, o arbítrio
era um juízo livre sobre a vontade. Era a deliberação segundo a qual o homem se propunha a
realizar uma ação e este juízo deliberado propunha ao homem uma finalidade à sua
vontade159. O homem sempre tinha a possibilidade de escolher livremente se permitiria,
consenteria ou reprimiria a própria vontade. Assim, a má vontade significava, por um lado, a
vontade disposta pela paixão a fazer algo que objetivamente não convinha: esta vontade não
se podia evitar porque ocorria por necessidade natural; mas por outro lado, significava a
vontade disposta pela paixão “viciada”, ou seja, que permanecia até a ação incorreta: esta
deveria evitá-la porque supunha empenho e deliberação. Nos dois casos a vontade era má
porque o que queria não convinha querer160.
Para que la voluntad pueda ser calificada moralmente – ya no como
mera buena o mala voluntad sino como meritoria o culpable -, y para
que el deseo intencional que despliegue sea consecuentemente lícito o
no, es indispensable una previa comprensión, por parte del mismo
individuo, de lo que es licito y de lo que no lo es, es decir, es
necesario un juicio previo que determine el deber y un juicio
subsecuente que reconozca lo que debe hacerse en la coyuntura moral
concreta. Esto indica una dependencia de la voluntad con respecto al
libre arbitrio y la prudencia en orden a ser moralmente calificada (…)
en su propia decisión final161.
A intenção como critério da moralidade, como vimos com Abelardo, mostrava que
conhecer a si mesmo como sujeito moral implicava saber do livre arbítrio e da prudência. A
relação entre conhecer a norma e o conhecimento do próprio ato humano –volitivo –
constituía a consciência moral.
b) consciência moral: conhecer a norma e conhecer a si mesmo
159
Idem, p.88.
Idem, p.120.
161
Idem, p.167.
160
158
Foi acrescentado ao conflito entre a consciência subjetiva e a lei, a obrigação moral e a
intenção162 que criavam uma obrigação para a consciência. O conflito entre a norma e o
indivíduo, de fato estabelecido, permitiria esquecer o “ser” em sua plenitude, e o novo modo
de interpretar a norma jurídica pela teologia moral seria pelo juízo sobre a juridicidade dos
comportamentos ao invés da obrigação ético-religiosa, e essa mudança poderia causar
confusão e incerteza no direito canônico163.
Os teólogos afirmaram que as leis civis e o foro externo deviam conformar-se todo o
possível ao direito natural e à jurisdição do foro interno164. Toda lei humana obrigava em
consciência em virtude do direito natural. Em contrapartida, a lei considerada injusta,
contrária ás exigências da natureza humana, não obrigava. Isso causava um conflito interno de
como o direito natural podia ser aprovado e condenado ao mesmo tempo e sobre os mesmos
aspectos e atos. O problema moral em relação à lei natural era se a desobediência à lei
humana significava uma ofensa a Deus e um pecado. Deus era a base de toda a moral, não
como uma garantia externa, como um guardião arbitrário da ordem, mas como um valor
absoluto, como o ser e o bem, que dependia da sua essência mesma para todos os outros
valores particulares165. A violação da lei natural separava o homem de Deus.
Esse valor absoluto que configurava todos os outros valores particulares influenciava
na intenção e vontade do juiz e legislador no momento de aplicar e de escrever as leis. A
jurisprudência não se referia apenas à regra judicial, mas a formação do juiz: “(...) Los jueces
no solamente influyen en la norma al juzgar y al sentenciar, sino tambien, y aún antes que
juzgando, fijando los textos y matizando las normas. De ahí que el elemento jurídico doctrinal
162
“(...) para la jurisdicción del fuero interior, el criterio último para evaluar un contrato era el derecho natural. Y
Lessius decía que cada contrato, aun nulo, produce una obligación natural, esto es, una obligación en el fuero de
la conciencia, a condición de que sea celebrado libremente por las partes que tienen la capacidad de contratar
(…) El contrato, en todo caso, debía ser perfeccionado y ejercitado respetando las formas prescritas por las leyes
civiles o eclesiásticas”. In: DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI
y XVII). Derecho PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.520.
163
“Il perene conflitto tra norma e individuo che si sarebbe instaurato avrebbe fatto dimenticare l’essere nella sua
pienezza, e il nuovo modo di interpretare le norme giuridiche da parte della teologia morale, attenta al giudizio
sulla giuridicità dei comportamenti piuttosto che sulla loro obbligazione etico-religiosa, avrebbe provocato
confusione e incertezza nello stesso diritto canonico”. MIRIAN, Turrini, La coscienza e leggi.Morale e diritto
nei testi per la confessiones della prima Età moderna. Annali dell’Istituto storico ítalo-germanico. Società
editrice il Mulino, Bologna, 1991, p.25.
164
DECOCK, Wim, La moral ilumina al derecho común: teología y contrato (siglos XVI y XVII). Derecho
PUCP, n.73, 2014, pp.,513-533, p.520.
165
VEREECKE, Louis, Conscience Morale et Loi Humaine. Selon Grabriel Vazquez S.J. Bibliothèque de
Théologie, Série II, Théologie Morale, sous la direcion de Ph. Delhaye – J. C. Didier – P. Anciaux, Vol. IV,
Desclée & Cie, Éditeurs, 1957, p.54.
159
venga a interferirse en las actividades redactora y juzgadora166”. Entendemos por elemento
jurídico doutrinal a intenção e todos os princípios e valores que se agregavam a ela e
motivavam a vontade de agir e ato de julgar. Dessa maneira, a intenção, um critério moral,
distinguiria uma lei obrigada em consciência, de uma simples ordenação. Era a doutrina moral
que mobilizava o discurso jurídico dando-lhe o peso da obrigatoriedade da lei em consciência.
Sobre a intenção e a lei para Manuel Puerto:
Francisco Suárez considera que la ley existe como producto de la
voluntad del legislador y no por la existencia de una razón material
que las justifique. A partir de este concepto de derecho, resulta claro
que la interpretación no puede ser otra cosa que la averiguación de la
intención del autor. Ésta se presume expresada en las palabras de la
ley: si son claras ése es el sentido de la ley; si son ambiguas, es
preciso atender a la mens legislatoris; si el caso no está previsto en
ésta última, el juez empleará la epiqueya, entendida por Suárez como
la intención presunta del legislador167.
A consciência oferecia um princípio geral para a ação, descobrir o que era bom e mau
em cada caso era algo da razão, do livre arbítrio, e nesse caso a consciência tinha a
possibilidade de errar. Podemos afirmar que a consciência não garantia a verdade “em si”
mesma, mas somente a verdade “para si” do princípio da ação que oferecia 168. Nesta
deliberação feita sobre a qualidade da ação, a interpretação e o arbítrio eram fundamentais
para identificar o motivo e a intenção.
Se a seguridade de agir com justiça estava na consciência e na reta intenção, a
consciência só podia saber da justiça de uma ação realizada ou, melhor ainda, por realizar-se,
quando se confrontava com a intenção que determinava a finalidade da mesma. Este era o
momento no qual a consciência cobrava sua função de tribunal natural. O testemunho que
outorgava estava condicionado além pelo fato de que a moral não se desligava em absoluto da
166
PEREZ, Juan Beneyto, Fuero, costumbre y doctrina en el derecho medieval español. Publicado en la revista
General de Legislación y jurisprudencia – Marzo de 1969, Reus, S.A., p. 08.
167
RODRÍGUEZ PUERTO, Manuel J., Notas históricas sobre la elección del método interpretativo. In:
ITXASO, María Elósegui e AYUDA, Fernando Galindo, (Eds.) “El pensamiento jurídico. Pasado, presente y
perspectiva”. Un libro homenaje al Prof. Juan José Gil Cremades. El justicia de Aragón, Zaragoza, 2008, pp.963990, p.969.
168
BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del
Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.286.
160
sua dimensão religiosa. Somente o homem e Deus conheciam este testemunho169. Por esta
razão o principal critério da moralidade era a intenção de agir ou não em conformidade com a
própria consciência. A consciência moral era a instância necessária da mediação subjetiva das
exigências objetivas dos atos humanos170.
A vontade e intenção de quem escreveu as leis e de como as interpretou, era mais
importante do que a aplicação da lei. A razão tinha o papel de ajudar a conhecer a vontade do
legislador. Pode acontecer que a intenção do legislador, como aparece expressa na lei, não
estivesse conforme com a finalidade desta. Neste caso, o juiz podia estender ou restringir o
significado da norma. A interpretação passava a ser um ato que corrigia a lei. Assim, o juiz
aplicava a norma de acordo com a sua opinião sobre o significado, decidia segundo sua
própria noção do que o legislador deveria ter estabelecido. Podemos pensar que se o juiz
decidia conforme ao que acreditava ser o que deveria estar estabelecido na lei, então ele
interpretava com a utilidade e necessidade que configuravam significado para a norma. Dessa
forma, parece que o arbítrio do juiz estava condicionado pela utilidade que ele dava às leis. A
utilidade e necessidade controlavam o próprio arbítrio do juiz na sua interpretação. Assim, o
arbítrio respondia a uma utilidade encontrada na interpretação, como vemos nas
argumentações de Agia sobre o bem comum, a causa justa, a boa razão, ou a conservação da
República e minas.
O significado concreto do caso particular estava dado pela situação e circunstâncias
deste. Do contexto do discurso surgia o significado concreto, como vimos com Koselleck.
Mais ainda, do contexto e das especificidades do local surgiam várias decisões que “diziam”
uma nova justiça para cada caso. O fator decisivo na interpretação do juiz sobre o caso
específico e sobre o significado da norma estava na sua consideração sobre os fatos, e, neste
processo, o mais decisivo era a experiência de vida. Por experiência de vida podemos
considerar o que Agia definiu como prudência: consultar as opiniões de outros doutores,
conhecer todos os aspectos antes de sentenciar e prevenir o que o tempo possa permitir que
aconteça171. Isto porque se, ao ter o conhecimento de que algo podia acontecer e não se faz
169
BACIGALUPO, Luis, Intención y Conciencia en la Ética de Abelardo. Pontificia Universidad Católica del
Perú- Fondo Editorial, Lima, Perú, 1992, p.308.
170
Idem, p.325.
171
“(…) Prudencia será, y muy buen gobierno prevenir con tiempo lo que puede suceder, y no aguardar que
suceda para buscar después el remedio como el derecho (…) Y pues la prudencia es propia virtud de los que
gobiernan (…) Debe resplandecer en ellos en todo lo que hacen, particularmente en prevenir lo que puede
suceder (…) Y a los que no hacen esta condena el Spiritu Sancto por insipientes (…) Y a propósito de esto
161
nada para preveni-lo, se agia imprudentemente e se era condenado pelo Espírito Santo como
inexperiente. Ou seja, a prudência era a virtude que orientava a consciência, que encontrava
uma justa medida, um bom senso entre a bondade humana e a inteligência pratica e que
tornava o homem experiente.
c) decisão jurisprudencial
A Real Cédula tinha que ser conhecida para poder ser cumprida, executada ou
desprezada sob um argumento de inutilidade pública. O vice-rei, como um juiz arbítrio,
consciente, a conhecia e a interpretava juntamente com as circunstancias encontradas no vicereinado do Peru no início do século XVII. Prova disso pode ser o documento intitulado:
Relación del Señor Virrey Don Luis de Velasco al Señor Conde de Monterrey sobre el estado
del Perú de 28 de novembro de 1604.
Neste documento estão enunciados 67 temas trazidos pelo vice-rei Velasco para
informar seu sucessor, o Conde de Monterrey, sobre a situação da Província do Peru. No item
27 sobre Servicios personales de los indios y lo que se ha hecho en razón de ellos, Velasco
apontou a dificuldade de conciliar todas as considerações entre as normas e a realidade. Expôs
as incongruências da seguinte forma: Entre as cláusulas da Real Cédula com a necessidade de
conservar e garantir o sustento da República através do trabalho dos índios; com a Instrução
recebida; com a realidade da província e o problema dos maus tratos sofridos pelos índios que
faziam com que esses diminuíssem de número a cada ano.
Ele comentou que consultou várias pessoas experientes nesse assunto, inclusive
religiosos de outras ordens que não apenas a franciscana, e a todos parecia impossível
introduzir o que o rei mandava sem causar ruína e prejuízo à República. Como deliberar e
decidir a respeito de uma norma, a qual os pareceres dos consultados diziam que não era
possível aplicar sem causar dano, se justamente era essa a intenção e vontade do rei? Parece
que a Real Cédula de 1601 carecia de motivo e de intenção para ser aplicada. Ou essa
finalidade foi considerada inadequada para a realidade. Assim, cabe outra pergunta: quando
hallamos Canones, y Leyes establescidas para negocios que están por venir (…). Y esto me paresce, salva la
censura de la Yglesia, y de otro qualquiera que mejor sienta”. In: AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres
pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA, F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla,
1946, Tercero Parecer, p.114.
162
falta motivo para a aplicação da lei, não aplicá-la era um problema ou um alívio para a
consciência do juiz? Dar sentido e utilidade à norma, pela interpretação e arbítrio, parecia ser
um meio de harmonizar os vazios e conflitos existentes entre a consciência subjetiva e as leis.
Ao menos a interpretação e o arbítrio davam sentidos práticos a uma lei que não dispunha de
motivo e intenção, tanto pelo seu texto escrito, quanto pela opinião dos doutores.
A decisão de Velasco foi provida dentro do que considerava conveniente para a
salvação dos índios e diminuição dos abusos. Em seu arbítrio, considerando as normas e os
fatos, preferiu agir em benefício e preservação dos índios porque isso mantinha a retidão de
sua consciência e conservava a Província. Sua justificativa em cuidar e poupar os índios
indicava que a República necessitava da mão de obra indígena. Preservar os índios era uma
maneira de garantir o bem comum da República e de tentar diminuir com a opressão e maus
tratos desses. Em outras palavras, foi pela utilidade do caráter econômico do serviço pessoal
que o vice-rei conseguiu remediar os maus tratos aos índios e aliviar sua consciência. A
sugestão do vice-rei do Peru, Don Luis de Velasco ao seu sucessor era que este conhecesse
das provisões, dos prós e contras deste assunto e assim agisse da melhor maneira e sobre esse
assunto ele não opinava mais172. Com isso, o problema de “como se deve agir”, permanecia e
era transferido para o próximo governante. A resposta a essa questão estava mais uma vez, na
interpretação individual e era incerta.
A esse posicionamento de Velasco sobre os argumentos e conselhos recebidos de Fr.
Miguel Agia, à maneira como estavam escritas e descritas as normas, instruções e aplicações
na Real Cédula de 1601 e na Instrucción al Virrey don Luis de Velasco que pasa al Perú de
25 de julho de 1595, podemos entender que havia uma margem de flexibilidade das normas
dada pela interpretação do vice-rei. O espaço que permitia a autonomia e a adaptação das leis,
na interpretação e arbítrio do vice-rei, era a consciência. A consciência, para o jesuíta Padre
172
“(…) Como V.E. sabe, que si no es por fuerza y compulsión no harán las cosas que son necesarias para
sustento de la república. Además de que son tan pocos en número que en muchas partes están repartidos a la
sexta parte y en los que menos, a la séptima. Muchas consultas he tenido sobre el caso con esta real audiencia,
religiones y otras personas prácticas y expertas en las cosas del reino, y a todas les parece que es imposible
introducir lo que S.M. manda sin gran ruina y detrimento de la república. No obstante esto, he proveído lo que ha
sido conveniente para que los indios sean relevados de alguna parte de la gran opresión en que hasta aquí han
estado. Como V. E. mandará ver por las provisiones que están en el oficio de gobierno, en el ínterin que S. M. a
quien he dado cuenta de todo, provee lo que fuere servido y porque V. E. se enterará del pro y contra del negocio
al comenzarlo a examinar no hago sobre él más largo discurso”. Documento: Relación del Señor Virrey Don
Luis de Velasco al Señor Conde de Monterrey sobre el estado del Perú 28.XI.1604. In: HANKE, Lewis, Perú.
Los virreyes españoles en América durante el gobierno de la casa de Austria. Tomo II, Biblioteca de Autores
Españoles, Edicion de Lewis Hanke con la colaboración de Celso Rodriguez, Madrid, 1978, p.52.
163
Hermann Busembaum, em 1688, era um ato do entendimento, um ditame da razão que
julgava algo com “bom” ou “mau” que se deveria fazer ou evitar173. Essa qualificação era
feita pelo arbítrio na consciência do juiz. Sendo assim, era na consciência que se tinha o
processo, permitido pelo arbítrio, de construção do sentido e finalidade do que ia ser
deliberado sobre o caso e a norma. Agia deu esse mesmo sentido ao conceito de consciência.
Em sua obra, o termo aparece como uma qualidade da pessoa experiente e prudente que pode
limitar, mudar, retirar e trocar o que lhe parecesse melhor segundo seu entendimento.
A consciência era comunitária no século XVII e se manifestava exteriormente nos
testemunhos e na argumentação das sentenças, matendo cada um em seu lugar. Era a razão e o
entendimento que orientava ao indivíduo a fazer o bem ou o mal, estando consciente do que
fazia. Contudo, apenas o entendimento ou a alma não eram suficientes para agir corretamente
seguindo a consciência, uma vez que se deveria harmonizar essa decisão com a legislação
moral estabelecida no âmbito religioso. A relação entre a consciência e a lei produzia essa
tensão e dúvida moral e prática. A consciência continuaria reta desobedecendo à lei? A
consciência no âmbito jurídico mostra que a moral foi tida como um problema prático porque
a legalidade remitia à moralidade e terminava na remissão da moralidade à consciência.
Parece que a construção de um pensamento de justiça e de direito iniciava-se na
consciência. Portanto, seguir a opinião dos doutores, o costumes, as leis, ou a própria
consciência, eram medidas prováveis que auxiliavam a solucionar a dúvida de como agir. No
sistema moral probabilista a verdade não era um critério decisivo porque qualquer grau de
probabilidade já garantia seguridade à consciência. Sua função era apresentar motivos e
finalidades para algo que não estava dado ou era deixado para o arbítrio resolver.
A flexibilidade do sistema moral probabilista em interpretar as opiniões parecia estar,
não apenas nos argumentos dados pelo Fr. Miguel Agia em seus conselhos de como agir, mas
também na Real Cédula e Instruções escritas pelo rei quando este conferia ao arbítrio do vicerei a garantia da justiça pela possiblidade de aplicar a lei conforme lhe parecesse melhor.
Além de trazerem os conteúdos discutidos, a vontade e a intenção do rei sobre os
assuntos políticos e econômicos, as normas régias também eram fruto de uma interpretação.
Como consequência de uma interpretação, essas normas, ao conferirem ao arbítrio do vice-rei
seu efetivo cumprimento, permitiam uma flexibilidade e adaptação. Observar a mudança dos
173
PADRE HERMANN BUSEMBAUM, Medula de la Theologia Moral que con fácil, y claro estilo, y y método
resuelve casos de conciencias…Edit.: reimpresión, Barcelona, ed.: Antonio Ferrer y Compania, 1688, Tratado 1º,
cap. 1º, ¿ Que sea conciencia, y si debe seguirse?, p.01.
164
tempos, os usos e os costumes, o bem comum, o estado e condição das pessoas, a conservação
da República, experiência de vida, utilidade e necessidade, eram causas legítimas e justas,
entre outras que o arbítrio de um juiz prudente174 podia enunciar, que justificavam dispensar a
aplicação das leis, sem que isso significasse desobedecer ao rei e pecar em consciência.
174
Fr. Henrique de Villalobos; Summa de la theologia moral y canonica, 1637. Tratado Segundo de las leyes y
constituciones. De la dispensación de las leyes. Dificultad XLII. Qual será justa causa para dispensar en las
leyes, p.63.
165
CAPÍTULO 4
RELIGIOSIDADE E GOVERNO NO VICEREINADO DO PERU
Depois de termos tratado do contexto político, religioso e econômico da província do
Peru nos séculos XVI e XVII e ter exposto as relações entre essas temáticas com a legislação
desse período pela Real Cédula de 1601 e a teologia moral, passando pela importância da
vontade que impulsionava o ato humano e a intenção desse como principal critério moral para
a consciência, partiremos para a religiosidade e o governo de Don Luis de Velasco. A
religiosidade nos permitirá entender melhor o posicionamento do Fr. Miguel Agia,
franciscano, e sua ordem religiosa em meio às outras presentes nessa Província. Buscaremos
compreender no estudo do governo do vice-rei Velasco quais foram suas decisões,
interpretadas das ordens e leis, e atividades realizadas destinadas para os índios e os serviços
pessoas, assim como outros assuntos considerados relevantes por ele para a boa administração
jurídica, política, religiosa e econômica.
4. Os franciscanos na Nova Espanha: administração da doutrina e dos
sacramentos no século XVI.
A evangelização do índio era o assunto que mais importava ao rei, tanto em questões
econômicas e políticas, quanto religiosas e doutrinárias. Evangelizar o índio não servia apenas
como uma forma de inseri-lo na sociedade católica de regras religiosas, ritos sacramentais,
penitenciais, confessionários, conhecimento da fé e salvação da alma. A evangelização do
índio na Nova Espanha cumpriu um papel muito mais do que doutrinário, ela esteve sempre
marcada por leis específicas que demonstravam a necessidade de se evangelizar os índios para
garantir uma maior conservação destes e das províncias da Nova Espanha, assim como um
166
controle de suas atividades e serviços. Para ser um vassalo do rei, o índio tinha que ser
católico, assim como era o próprio rei1.
A principal tarefa dada pela Coroa às ordens religiosas foi a de evangelizar o mundo
indígena à medida que conquistavam novas terras. A cristianização dos índios era prioritária
para a Coroa. Além de ser uma condição aceita pelos reis de Castela para receberem a
“donación papal” das Índias; se supunha que este era o único e melhor meio de elevar a
condição dos índios2.
Em um livro sobre Codice franciscano do século XVI, escrito para a Nova Espanha,
temos as orientações para a ordem franciscana a respeito da doutrina dos índios. Uma dessas
orientações era que os religiosos que viessem para a Nova Espanha soubessem a língua dos
índios para que ao menos esses pudessem se confessar e receber o sacramento do
matrimonio3. Que houvesse ao menos um religioso que predicasse aos indígenas em sua
língua, aos domingos e nos dias santos e que os índios se confessassem uma vez ao ano na
quaresma e os que “y á los que no quisieren cumplir en este caso con la obligación que tienen,
los compelan según la costumbre de la Iglesia, y sobre todo tengan cuidado de que se
confiesen con tempo los índios enfermos”4.
No modo em que os religiosos franciscanos administravam a doutrina cristã e os
Sacramentos, tínhamos descritas as suas funções e práticas evangelizadoras. Por exemplo, era
necessário que se tivesse em todos os povoados um religioso franciscano que ensinasse o
batismo, a piedade, os bons costumes e o princípio de ajudar uns aos outros nos momentos de
enfermidade e de dificuldade5. Era função dos religiosos ensinar aos alcaides índios e
governadores como eles deveriam agir e governar para a administração da doutrina cristã e
1
“Desde el punto de vista territorial, la Iglesia en la América española presentó dos formas o estructuras
cronológicamente consecutivas en cada territorio: la misional o en proceso de formación mediante la actividad
evangelizadora, integrada por indígenas que se iban incorporando al cristianismo, y la post-misional o hispanocriolla, de carácter sobre todo urbano, en la que terminará por integrarse la primera en la medida en que se
produce la hispanización de la población indígena”. In: BEASCOECHEA, Ana de Zaballa; PÉREZ, Jesús
Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.), Historia de América, Ariel,
España, 2006, pp.413-449, p.415.
2
BEASCOECHEA, Ana de Zaballa; PÉREZ, Jesús Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan
B. Amores (coord.), Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.413-449, p.436.
3
HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al
visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 15331569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194, p.148.
4
Idem, p.149.
5
Idem, p.154.
167
dos sacramentos, o que sobre isso, de acordo com esse Códice franciscano, provocava
grandes controvérsias jurídicas com os religiosos porque as iniciativas eram diferentes6.
Sobre a orientação para a governação de ouvidores, alcaides maiores e os demais
cargos de justiça, o Códice franciscano aconselhava ao rei para que não nomeasse como
ouvidores de residência homens que precisassem desse cargo e nem que esses não fossem
temerosos a Deus, porque os que tomavam as residências encobriam o que realmente
acontecia causando dano para os índios e para a consciência do rei7.
Este Códice franciscano apresentava uma relação que os franciscanos de Guadalajara
deram sobre os conventos de sua ordem e outros negócios gerais nesse mesmo lugar
marcando, de maneira geral, que os abusos cometidos pelos encomenderos aos índios não
ocorria apenas no Peru, mas também em Guadalajara. Esses abusos foram denunciados pelos
franciscanos assim como os altos tributos que os índios pagavam8.
A respeito dos serviços pessoais encontrava-se o seguinte:
Los indios son muy maltratados con cargas y servicios personales, y
no hay quien vuelva por ellos, y á esta causa van en grande
diminución cada día, porque los indios se huyen de sus tierras y dejan
sus mujeres e hijos, y mueren muchos por las grandes cargas que
algunos les cargan, que les echan tres ó cuatro arrobas de un pueblo á
otro, por medio tomín á uno en un día; y en los trabajos de heredades
y casas les dan tres tomines cada semana, y no les dan de comer, que
casi sirven de balde, pues se comen lo que les dan9.
6
“Trabajan en enseñar á los alcaldes índios y gobernadores como han de regir y governar. Sobre esto hay
grandes controvérsias de las Justicias con los Religiosos, porque los intentos son diferentes; y lo que passa sobre
esto y los trabajos que hay, sábelo Dios”. HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo XVI. Informe
de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de Guadalajara
al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194, p.154
7
Idem, p.156.
8
“Los encomenderos no tiene cuidado de los indios que están en sus encomiendas, sino de cobrar su tributo y les
den servicio. De la doctrina ni favor para ella, ni de iglesias, muy pocos tienen cuidado, ni dan lo que S. M.
manda por una su cédula, ni favorecen á los indios en nada, ni á los Religiosos que los tienen á cargo, antes son
muy contrarios por cosas que les dicen tocantes al descargo de sus conciencias. Y en este Reino de Galicia pagan
los indios de los encomenderos mayores tributos, por nos los visitar los Oidores, ni ellos osarse quejar”. Isto
estava inserido dentro da “Relacion que los franciscanos de Guadalajara dieron de los conventos que tenia su
orden, y de otros negócios generales de aquel reino”. In HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo
XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de
Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194,
p.157.
9
Isto está inserido dentro da “Relacion que los franciscanos de Guadalajara dieron de los conventos que tenia su
orden, y de otros negócios generales de aquel reino”. In: HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo
XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de
168
Para além dos casos de serviços pessoais, esse documento da relação dos franciscanos
de Guadalajara também apresentava que os religiosos eram os que melhor entendiam os
indígenas, melhor até do que os juízes, marcando que a justiça dependia das obras dos
franciscanos. Os religiosos entendiam aos índios e sabiam suas coisas melhor que os juízes
porque poucos desses os entendiam, e os religiosos tinham mais cuidado em não ofender à
Deus10.
a) Crítica franciscana à salvação e conversão dos índios na Nova Espanha
Fray Geronimo de Mendieta11, da ordem de São Francisco, permaneceu na Nova
Espanha, especificamente no México no final do século XVI por mais de sessenta anos
exercendo sua atividade missioneira, linguística e política. Ele escreveu a obra História
Eclesiástiva Indiana que se ocupou com os trabalhos históricos de outros religiosos no mundo
pré-hispânico apresentando o processo de transformação espiritual e social do mundo
indígena12.
Como parte de seu programa político, Mendieta denunciou o abuso e a
irregularidade no tratamento dos índios não direcionando a uma autoridade específica 13. Para
Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194,
p. 158.
10
Isto está inserido dentro da “Relacion que los franciscanos de Guadalajara dieron de los conventos que tenia su
orden, y de otros negócios generales de aquel reino”. In: HAYHOE, Salvador Chavez. Codice Franciscano siglo
XVI. Informe de la província del Santo Evangelio al visitador Lic. Juan de Ovando. Informe de la província de
Guadalajara al mismo. Cartas de religiosos, 1533-1569. Editorial Salvador Chavez Hayhoe, México, D. F., 194,
p. 159.
11
Mendieta foi considerado responsável juridicamente pelo ofício de “Comisario General de Indias de la Orden
franciscana”. Essa função era importante porque era entendida como um mecanismo governamental indiano e
incluía quatro condições essenciais: a) jurisdição sobre todas as províncias americanas da Ordem; b) lugar de
tenência do próprio superior geral; c) intervenção direta do rei na designação do candidato, e d) residência do
Comissário em Madrid. In: SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta. História
Eclesiástica Indiana. Tomo I. Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca de
Autores Españoles, Madrid, 1973, p. L.
12
SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta. História Eclesiástica Indiana. Tomo I.
Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca de Autores Españoles, Madrid, 1973,
p. IX.
13
“Unido al proceso de evangelización y de otras actividades, el clero regular se destacó desde los primeros
tiempos por la defensa que hicieron de los indios a lo largo de todo el territorio americano e, incluso, en España
desde sus cátedras o las juntas y reuniones que se celebraron al efecto. Fueron muchos los religiosos que
denunciaron los abusos que se cometían e incluso trataron de aportar soluciones. Aunque la defensa del indio por
169
ele, a culpa seria do público em geral porque o mal não estava no abuso realizado por uma
pessoa ou outra, ou por um estamento social ou outro, mas sim de toda a sociedade
“novohispana” que tinha cometido o pecado da negligência na salvação espiritual dos
índios14.
Na obra do mexicano Fray Mendieta, Historia Eclesiástica, encontramos demonstrações
físicas e palpáveis do espírito cristão baseado nas virtudes evangélicas do primitivismo
apostólico, a evolução da sociedade e as consequências práticas do mais importante negócio
no qual se encontravam implicadas a própria consciência do rei: a evangelização do índio15.
Para Fray Geronimo de Mendieta a questão principal era a evangelização das Índias, um
compromisso que Castela adquiriu desde as bulas alexandrinas e assunto obrigatório para a
República e para a consciência do rei16. Sendo assim, a consciência do soberano estava
diretamente comprometida com esse assunto e vinculada às ações dos agentes administrativos
nas colônias17. Visto que a Igreja e o Estado estavam ligados nos séculos XVI a XVIII, e
los frailes data ya de los primeros tiempos de Colón, se considera como momento clave el año de 1511,
momento en que el dominico fray Antonio de Montesinos denunció los malos tratos en la isla Española. A partir
de esa fecha las denuncias se fueron sucediendo en las diferentes órdenes y lugares, implicándose en ello
hombres como el dominico Bernardino de Minaya o el agustino Alonso de la Veracruz, por citar algunos
ejemplos. Desde luego, quien pasaría a la posteridad con mayor fama en este sentido sería Bartolomé de las
Casas, cuya actividad consiguió la promulgación de las Leyes Nuevas de 1542, que prohibieron la encomienda
de los indios, aunque por el descontento que provocaron tuvieron que ser modificadas. (…)”.BEASCOECHEA,
Ana de Zaballa; PÉREZ, Jesús Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.),
Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.413-449, p.437.
14
SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta. História Eclesiástica Indiana. Tomo I.
Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca de Autores Españoles, Madrid, 1973,
p. XLIV.
15
Idem.
16
Idem.
17
“Criterios individuales opinando sobre el modo, mejor o peor, de gobernar las Indias son emitidos desde ella a
las autoridades peninsulares desde casi el momento mismo de la descubierta, y representan esas cartas un
material documental extraordinario y un medio, casi único, de informar al Estado de los acontecimientos
ocurridos en aquellas provincias tan apartadas. Y prueba, por otro lado, la confianza entre el soberano y el más
humilde de sus vasallos, capaz de oír cualquier reclamación si ésta era viable y justificada. Las cartas
representan, en la documentación de la época, un material valioso de información del propio Consejo de Indias,
que veía por ellas la actuación de las autoridades virreinales y/o locales, su comportamiento y las necesidades al
nivel común del súbdito. Mendieta, también él, escribe personalmente al Rey, siempre con su gran franqueza. Su
razón es perentoria y no le insta (…)”, In: SOLANO, Francisco y LILA, Pérez. Fray Jerónimo de Mendieta.
História Eclesiástica Indiana. Tomo I. Estudio preliminar y edición de Francisco Solano y Pérez-Lila. Biblioteca
de Autores Españoles, Madrid, 1973, p. XLVI.
170
tinham, praticamente, confundidos seus âmbitos, limites de autoridade e atuação. Um
exemplo dessa realidade era a concessão do patronato indiano18.
4.1. Evangelização franciscana no Peru no século XVI.
A evangelização do Peru no século XVI podia ser dividida, segundo Julían Heras, em
dois períodos. Essa divisão foi justificada pela intensidade da evangelização e de seus agentes.
O primeiro período ocorreu de 1532 até 1551 e foi chamado de “cristianización intensiva”.
Ele abarcou desde a chegada dos espanhóis em 1532 até meados do século XVI quando se
celebrou em 1551 o Primeiro Concílio Limense que conjecturava uma evangelização intensa
da população do antigo império inca e o estabelecimento da hierarquia eclesiástica. O
segundo período, de 1551 até 1606 foi tido como “constitutivo” e compreendeu desde a
celebração deste Concílio até a morte de Santo Toribio de Mogrovejo, considerado uma figura
importante desta etapa da evangelização e o responsável por conferir a definitiva organização
da Igreja. Segundo Julían Heras, foi durante esta segunda etapa da evangelização no Peru que
se destruiu todo o culto oficial inca e quando a ação missioneira se tornou mais uniforme e
estável19.
a) Primeiros evangelizadores franciscanos
18
“En los descubrimientos atlánticos, tanto Portugal como Castilla contaron con la intervención de la Santa
Sede. En un momento en que la teoría teocrática estaba ya en clara decadencia, ambas monarquías solicitaron las
respectivas bulas del Pontífice para obtener la exclusividad en la soberanía sobre los territorios descubiertos o
por descubrir. Sin embargo, cada una de las monarquías ibéricas se sirvió de ese instrumento a modo de
expediente justificativo frente a las eventuales pretensiones o competencia de la otra; una prueba de que en
realidad no “creían” en los derechos de soberanía universal del Papa es que Castilla y Portugal variaron las
condiciones de las bulas pontificias cuando les interesó hacerlo: el cambio que realiza el Tratado de Tordesillas
sobre la línea de división trazada en la bula Inter Coetera. Como defendería Francisco de Vitoria, la Santa Sede
tenía pleno poder sólo para otorgar la exclusividad para la evangelización. En el marco de la indefinición del
poder papal sobre los aspectos políticos la corona de Castilla interpretó – porque así le convenía- que dichas
bulas le otorgaban, no sólo la exclusividad sobre la cristianización, sino principalmente la soberanía sobre los
nuevos territorios con la condición de evangelizar aquellas tierras”. In: BEASCOECHEA, Ana de Zaballa;
PÉREZ, Jesús Paniagua, “La Iglesia en Indias”. In: CARREDANO, Juan B. Amores (coord.), Historia de
América, Ariel, España, 2006, pp.413-449, p.413-14.
19
HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.09.
171
O primeiro bispo franciscano do Peru Padre Valverde, que acompanhou a Pizarro em
1534, juntamente com outros religiosos, relatou que havia muita inimizade entre os
conquistadores e que a cidade de Cuzco em 1539 estava arruinada pelas guerras. Em 1539
Padre Valverde chegou a pedir apoio na sua tarefa de proteger os índios e descreveu os abusos
cometidos pelos conquistadores. Ele morreu em 1541, mesmo ano em que Pizarro foi
assassinado20.
Os franciscanos não foram os únicos a evangelizar o Peru. Vieram também integrantes
de outras ordens como os mendicantes de mercedários21, dominicanos22, franciscanos,
agostinianos23 e os recém-fundados jesuítas24 em 156825.
Os franciscanos chegaram em Peru no ano de 1532 e fundaram seu primeiro convento
em 1534 com o Fray Pedro Portugués, que por causa das guerras não durou muitos anos.
Quando foi fundada a capital do vice-reinado do Peru, Lima, em 1535, os religiosos
franciscanos pediram um lugar para fundarem seu convento, o que aconteceu apenas em 1545.
A Ordem de São Francisco se estendeu rapidamente por todo o vice-reinado devido à sua
20
HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.11.
21
A coroa recebeu informações de má conduta dos religiosos mercedários e a isto se explica a disposição real de
1º de março de 1543 proibindo-os de edificarem novos conventos nas Índias. Ao que parece, essa má conduta
disse respeito à perturbação e indisciplina interna dos religiosos diante da acumulação de riquezas. Somente a
partir de 1560 que chegaram novos mercedários a Lima. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a
la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora
Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.12.
22
Os dominicanos se estabeleceram em Cuzco onde construíram seu convento sobre o templo do Sol
(Coricancha). In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V
Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.11.
23
Os agostinianos chegaram no Peru logo após o final das guerras civis, em junho de 1551 e isso fez com que
tivessem mais tranquilidade para se instalarem e desempenharem sua atividade missioneira. Segundo Julían
Heras, a propagação dessa doutrina foi rápida e teve como principal impulsionador o Padre Diego Ruiz Ortíz
(1571). In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.12.
24
Os jesuítas chegaram em Peru em 1569, já na segunda etapa da evangelização, segundo Julían Heras, como
sendo um importante reforço. Eles trouxeram consigo novos métodos e infundiram uma tónica nova na
evangelização indígena. O primeiro padre jesuíta a estar no Peru foi Jerónimo del Portillo e a companhia de
Jesus contou com o apoio da coroa na sua expansão por todas as cidades do vice reinado do Peru, nas quais
fundaram casas e colégios, verdadeiros centros missioneiros. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los
franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso
em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.13.
25
HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.11.
172
organização interna e a proteção real. Passados alguns anos, o número de franciscanos
superava em muito ao número de religiosos de outras ordens26.
O mais relevante desta primeira etapa da evangelização do Peru, para Julían Heras, foi
a atitude dos missioneiros perante aos que tinham que doutrinar. Naturalmente, diante do
desconhecido, os religiosos agiam de maneiras distintas. Duas maneiras foram consideradas
principais por Heras, e ele as explicou:
(...) por un lado se afanan por conocer las costumbres y la civilización
del indígena, para encauzar el trabajo apostólico, respetando en lo
posible aquellos elementos primitivos que no impidieran su
adoctrinamientos; y, por otro lado, sigue el camino inverso y pretende
inculcar al indio la propia mentalidad y modo de ser del misionero.
Ambas tendencias tuvieron sus seguidores, pero al final se impuso un
proceder intermedio, cuyo principal propugnador fue el célebre padre
José de Acosta (…) El padre Acosta se lamenta de la destrucción de la
cultura indígena, culpa de ella a la ignorancia de quienes ven en todo
supersticiones y hechicerías (…)27.
O contato com os índios não era o único desafio. Os obstáculos à evangelização e luta
contra a idolatria eram de caráter geográfico, cultural, humano e religioso. Eram dois mundos
diferentes que se encontraram em meio a costumes e idolatrias, e os índios resistiam à
evangelização cristã. De acordo com Julían Heras, tentou-se uma conquista pacífica, mas essa
foi impossível principalmente por causa da guerra das encomiendas28.
A paz entre os conquistadores e indígenas começou a prevalecer no Peru por volta de
1556, logo após o Primeiro Concílio Limense29, e ano em que Don Hurtado de Mendoza,
Marqués de Cañete se tornou vice-rei e governou a favor dessa paz, prosperidade e
evangelização.
26
HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.12.
27
Idem, p.13.
28
Idem, p.29.
29
Os Concílios de Lima iniciaram-se por iniciativa do arcebispo Don Jerónimo de Loayza em 1551. O objetivo
de tais Concílios era alcançar uma maior uniformidade na evangelização dos índios. Nestes Concílios eram
convocados delegados de várias dioceses, os superiores provinciais das Ordens mendicantes e posteriormente, os
jesuítas. Essas assembleias significavam um ponto de partida na evangelização sistémica, por isso Julían Heras
as colocam como marco da segunda etapa de evangelização. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los
franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso
em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.14.
173
Terminadas as guerras civis entre os conquistadores, estabelecida a hierarquia
eclesiástica, a evangelização podia ser mais organizada e sistemática. As tarefas pastorais
eram novas para os missionários franciscanos e distintas das realizadas em Espanha. A
metodologia de evangelização dos franciscanos consistia na liturgia, na música e cânticos que
tratavam sobre a fé, a história sagrada e a vida de Cristo e a administração dos sacramentos e
o cumprimento de suas obrigações30. Para isso, era tão importante que os franciscanos
soubessem o quéchua e outros idiomas indígenas. Julían Hera comentou que vários cânticos
foram traduzidos e que acabou sendo mais fácil aos religiosos aprenderem os idiomas
indígenas do que ensinar em castelhano31.
b) Os franciscanos e os serviços pessoais
Julían Heras afirmou que os franciscanos atuaram em defesa dos índios e se
preocupavam com seus problemas sociais. Segundo ele, os franciscanos se posicionaram nos
séculos XVI e XVII contra os abusos e maus tratos aos índios. Esses religiosos muitas vezes
levantaram suas vozes para protestarem contra a violação dos direitos dos naturais, e o
fizeram por cartas escritas à coroa. Segundo Heras:
Con frecuencia, como podemos verlo en sus cartas a la Corona de
España recordaron al Rey y a sus oficiales el sentido evangelizador
que su presencia debía llevar en sí: lo mismo podemos decir de su
esfuerzo por corregir los errores que se cometían en las encomiendas y
30
“El doctrinero debía residir permanentemente en su parroquia y ser examinado en el conocimiento de la lengua
de sus neófitos; recibía de la Corona lo necesario para su conveniente sustentación, pero no eran pagados los
auxiliares, que corrían por cuento de la Orden. Los obispos y los provinciales debían visitar por sí o por algún
delegado las doctrinas para velar por la buena marcha de las mismas. Las obligaciones principales eran predicar
los domingos y días de precepto, administrar los santos sacramentos a sus fieles y residir en el pueblo principal.
Debían enseñar en la lengua de los indígenas la doctrina cristiana todos los días antes de los trabajos habituales,
y en cada doctrina debía existir una escuela para muchachos, donde se les enseñara a leer, escribir y a cantar.
(…) En general, todos los actos de la vida comunitaria giraban alrededor de la doctrina o parroquia, y al lado de
la iglesia funcionaban una serie de artes manuales o artesanales, en que eran muy expertos los indígenas. (…) El
apego del indígena a sus lenguas nativas no constituyó mayor problema a los doctrineros, que pronto las
aprendieron y prepararon las primeras gramáticas y vocabularios quechuas, como lo vemos en el P. Oré y Diego
de Olmos”. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V
Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.49-50.
31
HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.49.
174
en el servicio personal de los indios.(…) A veces pareciera que hablan
un lenguaje muy moderno, cuando salen en defensa de tasas y
tributos, un justo salario y de las horas de trabajo a que eran sometidos
los indígenas. La reducción a pueblos fue otro de los problemas que
los religiosos supieron encarar con auténtico espíritu apostólico y
social. (…)32.
Esta manifestação dos franciscanos mediante os problemas sociais indígenas não
ocorreu apenas no Peru e nem para os séculos XVI e XVII. Cartas de franciscanos
reclamando melhores condições de trabalho para os índios foram escritas também no México
até finais do século XVIII33. Parece que era do perfil e da doutrina dos religiosos franciscanos,
no Peru e em outras províncias, se preocupar com o tratamento do índio e manifestar seus
pensamentos e denuncia por meio de cartas e pareceres dirigidos ao rei e vice-rei. Ainda para
o século XVIII, Julían Heras comentou que tanto a ordem franciscana como as demais
instaladas no Peru diminuíram seus espíritos apostólicos34.
Contudo, as missões iniciadas na segunda metade do século XVI objetivavam a
civilização e conversão dos índios. Elas foram criadas pelas ordens religiosas que se
empenharam em suas tarefas apostólicas e se concentraram sobre as chamadas “Doctrinas”.
No Peru, se chamavam de “doctrinas” os territórios primeiramente repartidos entre os
conquistadores no conceito de encomiendas, as quais tinham o dever de possuir sacerdotes
idóneos35.
32
HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.60.
33
Além do Peru, em outras partes, os franciscanos também exigiram das autoridades um tratamento digno aos
naturais intercedendo por eles escrevendo ao rei informando dos abusos e propondo remédios mais eficazes para
o bom trato dos índios. Exemplo das ações desses franciscanos foi o Padre Francisco de Morales que em 1568
dirigiu vários informes ao rei sobre a necessidade de uma reforma temporal e espiritual das Índias. No século
XVII, o Padre Buenaventura Salinas y Córdova com sua obra “Memorial al Rey”, onde relata os abusos
cometidos por certos encomendeiros. E no século XVIII, o irmão Calixto de San José Túpac Inga, que escreveu
seu manifesto intitulado “Representación verdadera y exclamación rendida y lamentable que toda la nación india
hace a la Majestad del Señor Rey de las Españas, el Señor Don Felipe VI pidiendo los atienda y remedie” na data
de 1748. Influenciados por essa obra, os padres Isidoro Cala y Ortega e Antonio Garro, escreveram em
castelhano e em latim outros manifestos similares no ano de 1750. In: HERAS, Julían; OFM. Aporte de los
franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso
em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.60-61.
34
HERAS, Julían; OFM. Aporte de los franciscanos a la evangelización del Perú. Serie: V Centenario
franciscanos evangelizadores del Perú; Impreso em Editora Latina S. R. Ltda., Lima, 1992, p.64.
35
Idem, p.109.
175
c) Legislação nos Concílios de Lima
As “Doctrinas” foram convertidas em leis do Estado e dos Concílios provinciais de
Lima. Assim, o doutrinário se transformou no pároco dos índios, ou “cura de índios”.
Constituídos os povoados de índios ao redor da igreja e do convento, nascia a doutrina, ou
paróquia de naturais. Quando as doutrinas estavam a cargo das ordens religiosas, se legislava
e se recomendava que os religiosos vivessem juntos nas paróquias e delas saíssem para
doutrinar os índios. Era função dos bispos visitarem estas paróquias periodicamente, mas por
causa da distancia e também das resistências que algumas paróquias faziam a essas visitas,
havia constantes conflitos entre bispos e prelados religiosos36.
Julían Heras afirmou que os franciscanos do Peru durante o período colonial foram
responsáveis por cerca de 50 “doctrinas”, com um total de 118.833 fiéis, o que representava a
décima parte da população indígena dessa época. Para ele, era certo que os franciscanos foram
bem aceitos em todas as partes que evangelizaram e que souberam adaptar-se às
características indígenas37.
Eles souberam evangelizar, mas não foi algo fácil. Houve esforço por parte dos
franciscanos assim como houve perdas e resistências de indígenas. Heras colocou que os
religiosos se esforçaram e tentaram não violentar excessivamente as vontades e o modo de ser
dos indígenas, já que tal evangelização lhes era importante e benéfica:
En cuanto se pudo, conservaron las costumbres indígenas indiferentes
a la fe cristiana: indumentaria, danzas, idiomas, etc. En cambio
ganaron con una vida familiar más arreglada y una formación
individual y social más acorde a la condición humana, pues no hay
que olvidar que el objetivo principal de la evangelización, a través de
las doctrinas, fue la dignificación del indígena; y la decadencia de los
pueblos del Colca, y del Perú en general, se produjo cuando a finales
del siglo XVIII dejaron los religiosos de atender las doctrinas de
indios38.
36
Idem, p.110.
Idem, p.127.
38
Idem, p.221.
37
176
d) Evangelização e política indigenista
Lino Gomez Canedo inicia sua obra Evangelização y política indigenista. Ideas y
actitudes franciscanas en el siglo XVI39 marcando que era inadequado falar de uma política
indigenista dos franciscanos porque tal política não existiu. Os franciscanos não teorizaram
muito sobre política e poucos são os tratados teóricos a este assunto que expõe bases
filosóficas, teológicas e jurídicas. Para Canedo, o pensamento indigenista dos franciscanos
estava em fontes como cartas, memoriais, informações e outros documentos semelhantes
tratando de casos e problemas concretos, como por exemplo, os “pareceres” apoiados em
autoridades religiosas, na tradição cristã, nos escolásticos e autores modernos. Para este autor,
a tendência dos franciscanos apoiava-se na experiência, na reflexão sobre as situações
concretas e evitando a teoria pura40.
Dentro do sistema espanhol, a conquista e a evangelização dos índios ocorriam juntas.
Os objetivos da política espanhola nas Índias era fazer com que os indígenas fossem
convertidos à fé católica e reduzidos a vassalos do rei. Para esta finalidade trabalhavam
missionários, conquistadores e funcionários régios. Nem todos esses tinham as mesmas
intenções e entendimentos sobre o que era evangelizar e como se fazia isso. Nessa
perspectiva, Canedo lançou a pergunta: Até que ponto as populações americanas estavam
capacitadas para receber a fé cristã, e as instituições espanholas estavam realmente inspiradas
nessa missão? A resposta para essa pergunta não era simples. Houve graus de organização
sócio-política e cultural entre os índios na América que variavam de região para região
marcando distinções entre eles41.
Os franciscanos foram os primeiros missionários a chegarem à América e os primeiros
a comentarem suas impressões sobre seus habitantes, processo de conversão e a necessidade
desta. Porém, desde 1500 já se discutiam a respeito da conversão e do batismo dos índios, e
defendiam que estes tinham capacidade de serem cristianizados. Em 1516, em meio às
discussões iniciadas pelo Fray Antonio de Montesinos sobre o tratamento que se devia dar ao
39
CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.
In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y
ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre
Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46.
40
Idem, p.21.
41
Idem, p.22.
177
índio, Canedo apontou que os franciscanos começaram a se dividir. A ideia de que os índios
tinham capacidade para serem cristianizados não era mais unânime entre os franciscanos.
Alguns seguiam a Montesinos, como Fray Francisco de San Román, e outros, nesse mesmo
período, discordavam alertando sobre as atitudes maliciosas e ruins de tais índios, como Fray
Francisco Ruiz. Tal mudança de opinião, cerca de dezesseis anos depois, foi entendida por
Lino Gomez Canedo de dois modos: Primeiro, ou os franciscanos não acreditavam mais na
capacidade de cristianizar os índios por esses não assimilarem tal doutrina por um longo
tempo; Segundo, ou os viam como um recurso para defender o sistema de encomiendas e um
plano de colonização que claramente não era apenas religioso42.
Pela observação deste autor, pensamos que logo após,
ou até mesmo
concomitantemente a discutirem a condição e o tratamento do índio como uma forma de
legitimação da conquista43 e resguardo da consciência dos conquistadores espanholes, esses
não dispensavam a importância da evangelização indígena para a concretização de uma
política indigenista que se dava por meio do trabalho. O regime de trabalho estava
intimamente ligado ao processo de evangelização e necessitava deste para garantir e reforçar a
mão-de-obra nas encomiendas e minas. Essa ideia estava presente nas disparidades dos
pareceres franciscanos. Podemos pensar em outra pergunta: Até que ponto se defendia a
condição do índio, denunciando os maus tratos e os abusos cometidos, sem interferir no
sistema colonial espanhol que promovera e se sustentava pela encomienda?
42
Idem,p.23.
Este assunto foi melhor tratado no primeiro capítulo. Os reis católicos, não satisfeitos com o mero fato da
conquista, para atribuírem-se o direito aos novos territórios descobertos, obtiveram do Papa Alejandro VI a bula
“inter coetera” elaborada em 03 de maio de 1493, na qual, este como vigário de Cristo na terra, de acordo com a
doutrina comum da época, doava, concedia e assinava a ditos monarcas e seus herdeiros, sucessores reis de
Castela e Leão, todas as novas terras descobertas e a serem descobertas. Mas a Igreja Católica não confirmou tal
conquista simplesmente, havia uma condição. Em contrapartida a essa conquista os reis de Espanha deveriam
enviar a esses novos territórios pessoas temerosas a Deus, doutores, instruídos e experimentados para doutrinar
os indígenas e habitantes na fé católica para impor-lhes os bons costumes. Desta forma Espanha assegurava para
si o direito ao domínio das Índias por meio da obrigação da doutrinação. A validade dessa bula papal não foi
contestada, nem por Las Casas. O que ocasionou discussão foi o possível alcance desses documentos papais, si
estes constituíam na única fonte do domínio espanhol e quais eram os métodos de conquistas aceitáveis como
legítimos. De ai podemos começar a falar da discussão iniciada com Montesinos, passada pelas Juntas e por
Sepúlveda e Las Casas. In: CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes
franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II.
Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio
conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de
Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.25.
43
178
Parece que a discussão que se iniciava por um viés teológico tomava rapidamente um
sentido político e econômico. Os argumentos que referiam aos índios se alteraram do início do
século XVI para o século XVII.
A preocupação sobre a condição do índio, que no século XVI estava presente nos
documentos religiosos questionando a capacidade deles receberem ou não a fé cristã e
denunciando abusos sofridos, não se manteve para o século XVII. Os argumentos do
franciscano Padre Fray Miguel Agia em seus pareceres escritos entre 1601 e 1604, voltaram a
questionar a condição do índio não debatendo mais se estes estavam aptos à evangelização.
Partia da ideia fixa de que, já sendo católicos, os índios também eram vassalos do rei e
estavam compelidos ao trabalho e à encomienda como qualquer outro.
A situação ficava um pouco mais delicada. Em princípios do século XVII, período que
Agia escreveu seus pareceres, não dava mais para defender a liberdade do índio e denunciar a
forma como eram explorados. Os índios estavam repartidos, a encomienda estava posta, havia
a mita como uma forma mais “branda” de obrigar ao trabalho e tudo isso fazia com que a
conservação das Províncias dependesse dessa lógica e desses mecanismos coloniais.
Argumentar em favor do índio condenando pura e simplesmente a sua forma de trabalhar
poderia significar uma desobediência às leis régias. Pensamos que, por isso, talvez os
pareceres do Padre Fray Miguel Agia foram escritos de forma tão aberta e direcionada a
várias possibilidades. Mesmo que não se discutisse apenas sobre os maus tratos e opressões
indígenas, essa questão permanecia tanto pelo aspecto político, religioso e econômico. Era
dever do vassalo servir ao seu rei, fosse esse vassalo índio ou espanhol; os indígenas eram
livres por natureza e não deveriam ser tratados como escravos; e a conservação destes e da
província dependia do trabalho nas minas e encomiendas.
Os argumentos desse franciscano mostraram, além de seu conhecimento prático e
científico sobre o assunto, a caraterística da ordem franciscana ressaltada pelo autor Canedo,
considerando estes religiosos como práticos e não muito teóricos. Por isso também, Agia
podia argumentar com conhecimento ao citar os casos e problemas concretos que encontrou
na província do Peru, nas encomiendas e na observação dos serviços pessoais.
e) Legislação indiana
No clima da atividade missionária de inicios do século XVI, desligada da violência
conquistadora, nasceram as chamadas Leyes Nuevas, cuja promulgação final se deu na cidade
179
de Valladolid em 04 de junho de 1543. Segundo Canedo, essas leis continham salvaguardas
estritas dos direitos dos naturais no curso dos novos descobrimentos e populações. Elas não
anulavam ordenações mais antigas, como a de Granada feita em 17 de novembro de 1526
escrita com o objetivo de configurar novas maneiras de conquistar e as funções
desempenhadas pelos religiosos e clérigos nessas conquistas44. As Leyes Nuevas, para
Canedo, significavam um avanço na legislação indiana. O papel do missionário foi reforçado
e foi permitida uma maior intervenção clerical nas expedições45.
Tais Leyes Nuevas foram suspendidas e consideradas ineficazes e exageradas. Em
1549 o imperador as suspendeu e o Conselho de Índias pediu que uma nova Junta de teólogos,
juristas e outras pessoas experientes no assunto dessem e praticassem formas e maneiras de
como se conquistar justamente e de garantir a segurança da consciência dos que a exercessem.
Disso resultaram as Juntas de 1550-1551, cujos principais participantes foram Las Casas e
Sepúlveda. A questão evangelizadora se reduzia nas Juntas à pergunta de até que ponto era
lícito o uso da força46.
Esta questão continuou a ser debatida até que em 1573 quando o rei Felipe II
promulgou algumas ordenações definitivas feitas por Don Juan de Ovando, presidente do
Conselho das Índias de 1571 a 1575 e visitador do mesmo Conselho entre os anos de 1567 a
1571. O possível uso da força ficava restrito a casos em que os índios rejeitassem a pregação,
não admitindo a ação dos missionários. Outra mudança trazida por essas ordenações de 1573
foi a troca do termo “conquista” para o de “pacificação” 47.
Para Lino Gomez Canedo, em virtude das discussões apresentadas sobre o uso da força
na evangelização e das ordenações de 1573, foram criadas várias instituições que visavam
melhorar a condição de vida da população indígena e sobre tudo, a utilização de seu trabalho
em benefício dos novos donos. As reduções, encomiendas, serviços pessoais e repartimientos
se reduziam a este fim e, também, condicionavam a obra evangelizadora48.
Tanto logo um grupo de franciscanos se pronunciou contra as encomiendas e a favor da
liberdade dos índios, e, outro grupo, com o qual pertencia Fray Francisco Ruiz, favorável a ela
e a convivência entre espanhóis e índios. Começavam assim as discordâncias entre os
religiosos sobre a utilidade dessa forma de trabalho e para os conquistadores ficava a dúvida
44
Idem, p.29.
Idem, p.31.
46
Idem, p.31.
47
Idem, p.33.
48
Idem, p.35.
45
180
de se podia ou não utilizá-la. Na prática, em meio a religiosos apoiando e reprovando, em
meio a leis por vezes permitindo e depois proibindo, a encomienda e os repartimientos foram
instalados e essa discussão se manteve até o século XVIII.
Lino Gomez Canedo apresentou um exemplo prático dentro dessa situação
conturbadora e incerta, tanto para os conquistadores quanto para a própria coroa:
En la Nueva España, Cortés había sido instruido, en 1523, para que no
concediese encomiendas, pero cuando llegó la instrucción a México
ya el conquistador había encomendado algunos indios. Durante la
ausencia de Cortés en Honduras (1524) y el período caótico por el
cual, con este motivo, pasó el gobierno de la nueva colonia, tales
encomiendas eran concedidas y quitadas de manera arbitraria,
irritando tanto a los españoles como a los indios. Quizá en vista de tal
situación, los franciscanos solicitaron, ya en 1525 – y después se
unieron los dominicos a la misma súplica -, que la Corona
encomendara a los indios, y además lo hiciera de manera perpetua;
aunque estas encomiendas no debían incluir señorío, que sólo
pertenecía al Rey.49
Canedo colocou que a coroa não se decidiu a respeito do uso das encomiendas até a
primeira Audiência realizada em dezembro de 1528. Nesta esteve presente o bispo do México
Fray Juan de Zumárraga que, em 27 de agosto de 1529 escreveu uma carta ao rei denunciando
os maus tratos aos índios e a necessidade de mudar a forma dos repartimientos perpétuos. Tal
carta parece que não foi considerada50.
A segunda Audiência foi comandada por Ramírez de Fuenleal que recebeu instruções
para aplicá-la de maneira com moderação e temperança. Com Ramírez de Fuenleal e depois
49
Idem, p.37.
“Sería muy extraño que este parecer no haya sido considerado en las deliberaciones que durante aquel mismo
año de 1529 habían comenzado en la Corte a propósito de las encomiendas. Mientras los colonos buscaban
encomiendas perpeturas y hasta con vasallaje, los consejeros de la Corona se inclinaban porque los indios fuesen
puestos bajo el señorío real, por lo menos las cabeceras y pueblos principales. Ante las quejas recibidas contra la
primera Audiencia, hubo un momento en que se acordó la supresión absoluta de las encomiendas, y que los
indios fuesen colocados bajo el gobierno de corregidores reales. Finalmente, fue acordado que tal liberación de
los indios quedase limitada a los que ‘sobraban’ de los que tenía Hernán Cortés, a los pertenecientes a la Corona
y a los que habían sido provistos por los oidores y presidentes de dicha primera Audiencia. Sin embargo, la
medida afectaba todavía a mucha gente, que hizo oír sus protestas.” In: CANEDO, Lino Gomez., Evangelización
y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios sobre Política indigenista
española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales,
Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas
Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.37-38.
50
181
com o primeiro vice-rei da Nova Espanha, Don Antonio de Mendoza, a coroa tratou de seguir,
o que Canedo aponta como “curso médio” entre as encomiendas e o serviço senhorial,
chamado de “regalista”. De fato, a encomienda foi consolidando-se durante este período, mas
foram tomadas medidas para limitá-la e humanizá-la. Consideraram que a encomienda por si
só não era incompatível com a liberdade dos índios e que o que realmente teria que se
averiguar era a forma de melhorar e de praticar essa instituição51. Os pareceres do Padre Fr.
Miguel Agia se concentram nessa questão e apresentam possibilidades para amenizar e
harmonizar os interesses dos encomenderos com o bom tratamento aos índios.
Lino Gomez Canedo advertiu que seria excessivo qualificar as discussões de 1542 como
um debate entre os defensores dos índios e os partidários das encomiendas. Para ele, houve
muitas posições que mesmo parecendo defensoras dos índios eram favoráveis à encomienda
perpétua e que suprimir tais posições a um lado ou outro do da discussão reduziria a riqueza
do debate e das controvérsias.
Contudo, para este autor, os franciscanos mantiveram uma posição flexível: em um
momento defendendo os pobres, índios ou espanhóis, e em outro não considerando
incompatível a encomienda com o senhorio real52.
Sobre as encomiendas no Peru ele comentou:
Las encomiendas, en regiones como Perú y la Nueva España, habían
quedado heridas de muere, a pesar de haber sido suavizadas las Leyes
Nuevas. La cuestión batallona en la segunda mitad del siglo XVI fue,
en las citadas regiones, la de los servicios personales y los
repartimientos para ciertos trabajos, o sea, el trabajo forzado. Contra
los primeros representaba, ya en 1550, Fr. Toribio de Motolinia,
considerándolos de ‘gran vejación para los indios y no de mucho
interés para los españoles’. Fr. Francisco del Toral se expresaba
51
Idem, p.38.
“Sin embargo, los religiosos – por lo menos los franciscanos – no quisieron aparecer como meros defensores
de los encomenderos, no dejarse impresionar por la ‘tumultuación popular’ (…) Conocemos pocos detalles de lo
que se discutió en Valladolid durante aquel año y los siguientes, pero es probable que los franciscanos se hayan
separado un tanto de la línea de sus compañeros de comisión, dominicos y agustinos, quienes parecen haber
sostenido una línea más rígida en favor de las encomiendas. De hecho los padres Fr. Francisco de Soyo y fr.
Francisco de Vitoria fueron acusados de haber ‘renegado’ de los compromisos contraídos en México. Y según
Mendieta, los españoles tomaron allí represalias contra los franciscanos. Pero Soto y Vitoria siguieron
insistiendo en la necesidad de mirar por el bien de las ‘dos naciones’”. In: CANEDO, Lino Gomez.,
Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios sobre Política
indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios
Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras
Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.40-41.
52
182
duramente contra tales servicios, en 1554, pero años después, en 1563,
ya obispo de Yucatán, encontraba que la situación allí reinante era
muy llevadera en cuanto a los servicios y a los tributos53.
A definição de “servicios personales” para Canedo era de caráter mais ou menos
doméstico, mais desagradável do que pesado. Um exemplo de trabalho forçado eram os
repartimientos de trabalhadores. Repartimientos estes que não se dedicavam apenas às minas,
mas também as “sementeras”. Para este autor, Mendieta defendia a mão de obra libre e sua
eficiencia, sem a necessidade da obrigatoriedade do serviço54.
A mita ou repartimiento era o que o bispo do México, Mendieta, não aceitava. Ele
sugeriu que para esse tipo de trabalho se ocupassem dos negros ou dos chichimecas por
considerar os negros fortes e o chichimecas prisioneiros de guerra55.
53
CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.
In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y
ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre
Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.42.
54
“Por ‘servicios personales’ se entendieron a veces los de carácter más o menos doméstico, por lo general más
molestos que pesados. Pero los había también duros y fatigosos, para los cuales se hacían repartimientos de
trabajadores. Es decir, verdaderos trabajos forzados. Estos repartimientos eran no sólo para las minas – la terrible
Mita – sino también para ‘sementeras y otras granjerías, que nos los dejan resollar ni entender en sus propias
labores’, como escribía Mendieta. Este, con Fr. Gaspar de Ricarte, fue entre los franciscanos tenaz y articulado
impulsor de la lucha contra dicha servidumbre. Con razonamientos claros, y el testimonio de su experiencia,
deshizo el pretexto de que los indios no querían trabajar voluntariamente y que, por lo tanto, era necesario
forzarlos; por el contrario, argumentaba Mendieta, la mano de obra libre existía y además era más eficiente.
Lino Gomez Canedo apresenta partes do memoria de Gonzaga: “En un memorial que dirigió al ministro
general de la Orden – el famoso cronista Gonzaga -, en 1582, proponía Mendieta el siguiente programa de cinco
puntos: 1) Que ningún indio libre fuese compelido a ir a trabajar en minas, porque esto aun los gentiles no lo
usaron sino con los cristianos que tenían por enemigos y con los condenados a muerte; y mayormente los indios
que son gente delicadísima, no es otra cosa enviarlos a minas sino enviarlos a morir …; 2) Que por ningún
servicio ni trabajo sean llevados ni enviados los indios del repartimiento fuera de sus casas más de cuatro o cinco
leguas a lo más …; 3) Que no echen más cantidad de indios de repartimiento a cada pueblo de los que puedan
dar descansadamente, considerados los vecinos que tienen y los que deben reservar para el gobierno y servicio
del mismo pueblo…;4) Que en ninguna manera les hagan perder los domingos la misa a los que van ni a los que
vuelven de servir …;5) Que por cada día de servicio les de un real y de comer, y les hagan buen tratamiento”. In:
CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.
In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y
ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre
Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.4243.
55
CANEDO, Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI.
In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y
183
Esta ideia de Mendieta estava relacionada com a discussão sobre o trabalho forçado
desenvolvida no III Concílio Mexicano em 1585 que contou com a presença do franciscano
Fray Gaspar de Ricarte. Este franciscano havia escrito em 1584 três memoriais que foram
apresentados nesse III Concílio, propondo a supressão total e absoluta de tais trabalhos –mita
e repartimientos – os considerando injustos, não proveitoso ao bem espiritual dos índios e
nem ao bem geral da república56.
Anos depois do III Concílio e do ditame franciscano, Lino Gomez Canedo apresentou a
questão do trabalho forçado sendo condenado pelos franciscanos por meio de um parecer
escrito em 1594, e depois por uma pronunciação em Lima no ano de 1598, até que o trabalho
forçado foi definitivamente proibido pelo rei Felipe III em uma Real Cédula escrita em 24 de
novembro de 1601. O franciscano Fray Miguel Agia, que estava pelo Peru, publicou seus 03
tratados nos quais explicou o alcance dessa proibição real, a licitude de alguns serviços –
como os das minas – e as faculdades e arbítrio concedidos ao vice-rei por esta Cédula de
1601. Para ele, deviam acabar os abusos cometidos principalmente em Huancavelica onde
muitos índios morriam, o que não se podia mais tolerar57.
Manuela Cristina Garcia Bernal em sua obra Los servicios personales en el Yucatan58,
ressaltou que a encomienda em sua primeira fase teve como principal meio a utilização do
trabalho dos índios, mas, esta fase conduziu a muitos abusos, não apenas em Yucután, como
também em todas as Índias onde a coroa promulgou a legislação pertinente ao trabalho da
encomienda. Para o caso específico de Yucatan, ela mencionou que a necessidade da mão de
ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre
Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.43.
56
Ricarte não adminitia nenhuma outra justificação aprovando o trabalho na mita ou repartimiento. E, segundo
Canedo, provavelmente teria sido ele o autor de um posterior ditame oficial dos franciscanos sobre as duvidas
propostas no Concílio. Ricarte foi uma das pessoas que assinou este documento, no qual se vê repetido os
mesmos argumentos de seus memoriais anteriores. Contudo, neste ditame, os franciscanos sugeriram certas
medidas práticas que poderiam ser aplicadas acabando com os abusos sem acabar com o sistema. In: CANEDO,
Lino Gomez., Evangelización y política indigenista. Ideas y actitudes franciscanas en el siglo XVI. In: “Estudios
sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología,
Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas.
Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.21-46; p.44.
57
Idem, p.44.
58
BERNAL, Manuela Cristina Garcia., Los servicios personales en el Yucatan. In: “Estudios sobre Política
indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios
Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras
Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.269-279.
184
obra indígena era tão grande que os espanhóis estabeleceram ali os serviços pessoais que
mantiveram mesmo que encobertos e disfarçados pela livre contratação dos índios59.
Sobre o posicionamento da coroa a respeito do problema do trabalho indígena, Bernal
colocou que esta não se manteve à margem. A “Recopilación de Indias” seria uma prova
disso. Neste documento estavam recolhidas todas as disposições que até o reinado de Carlos II
foram promulgadas para procurar e assegurar um bom tratamento aos índios. Mesmo que a
legislação indiana tivesse que se condicionar a características específicas, particulares,
geográficas e econômicas das distintas regiões que possuía. Por isso, os serviços pessoais
também teriam distintas modalidades e práticas de acordo com os casos e problemas
concretos60.
Para o caso de Yucatan, no século XVI, os serviços domésticos eram prestados pelos
índios através de repartimientos feitos pelo governador ou o alcaide maior.
A discussão sobre o trabalho forçado não havia sido resolvida no vice-reinado do Peru,
mesmo depois da Real Cédula de 1601 e dos 03 pareceres do Fray Miguel Agia de 1604. O
trabalho nas minas ainda era um problema moral e político no governo do rei Felipe V.
Segundo Nestor Meza Villalobos, o empenho dos defensores do jusnaturalismo em
determinar a situação da população indígena dentro da monarquia, conforme a essa doutrina,
não teve êxito até o fim do século XVII. Até então, permaneciam alguns aspectos
problemáticos dessa situação, como o trabalho forçado dos índios em algumas minas
importantes do Peru e do distrito da Audiência de Santa Fé61. Como exemplo da persistência
da questão moral no problema do trabalho forçado, Villalobos escreveu que os fracassos
59
BERNAL, Manuela Cristina Garcia., Los servicios personales en el Yucatan. In: “Estudios sobre Política
indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios
Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras
Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.269.
60
Na governação de Yucatan, concretamente, por causa da alta pobreza do solo, sem minerais nem outros
recursos econômicos que interessavam explorar, o serviço pessoal adotou formas mais diversas e especiais e que
se mantiveram mesmo a todas as oposições. In: BERNAL, Manuela Cristina Garcia., Los servicios personales en
el Yucatan. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen
de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del
Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 19761976,
pp.270.
61
VILLALOBOS, Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la provision de mano de obra a la
mineria del Peru y Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”.
Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos.
Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la
Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.313-343.
185
sofridos não tinham diminuído a força da consciência moral que se expressava no
jusnaturalismo. O conde de Monclova, comovido pelo conhecimento de que este regime de
trabalho estava vigente nas minas de Potosí, escreveu ao rei em 15 de maio de 1690, pouco
depois de ter assumido o governo do reino do Peru. Ele salientou que este assunto era grave
moralmente, considerava necessário muito tempo até decidir manter ou modificar a política de
provisão da mão de obra sustentada pelo seu antecessor, o duque da Palata, sem querer acabar
com os índios, acreditava que seu dever era fazer saber ao rei sua opinião sobre o trabalho
forçado nas minas:
El indio, decía el Virrey, de cualquier nación que fuera, como todo
hombre, destruís más su naturaleza trabajando un mes forzado que un
año voluntariamente y por su jornal; que esto se agravaba en el caso
de los indios que trabajaban en Potosí, por el hecho de que eran
llevados al mineral desde provincias muy distantes y que si bien, por
la existencia de ese régimen en ese mineral, la conciencia del Rey no
estaba en peligro, como lo afirmaban tantos prelados y personas
doctas y religiosas que daban por lícito y cristiano ese régimen, era un
hecho que nunca había faltado quien afirmara lo contrario62.
Pouco tempo depois de ter assumido o cargo de governador do reino do Peru, conde de
Monclova escreveu ao rei Felipe V em 15 de março de 1690 uma carta comovido com a
permanência do trabalho forçado nas minas de Potosí. Nesta carta, manifestou a preocupação
moral desse problema. Depois dessa denuncia feita ao rei sobre o que acontecia nas minas de
Potosi, o Conde de Monclova organizou uma Junta que discutiu a política de seu antecessor, o
Duque da Palata. Nessa Junt,a estavam três ouvidores da Audiência de Lima e outros
funcionários. Debateram sobre a quantidade que se podia ter de trabalhadores forçados nas
minas e a proporção da população viril e em idade e condições de trabalhar. Para as questões
teológicas a Junta contou com a cooperação do arcebispo de Lima63.
O resultado dessa Junta era que o Conde, então governador do reino do Peru, não
continuasse com o projeto político de seu antecessor, o Duque da Palata. A Junta também
62
VILLALOBOS, Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la provision de mano de obra a la
mineria del Peru y Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”.
Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos.
Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la
Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.313-314.
63
Idem, p.314.
186
havia proposto a suspensão da vigência da disposição que estendia o trabalho forçado na mina
e na população indígena de outras cinco províncias64. Conde de Monclova aprovou os
conselhos da Junta com algumas modificações a respeito dos tributos que os índios forasteiros
teriam que pagar65. Uma característica importante era que a defesa em favor dos índios, feito
por Monclova, também se estendeu ao que ocorria nas minas de Huancavelica66.
Fundado en estas consideraciones, el Consejo propuso al Rey que para
descargo de su conciencia y la de los ministros que suscribían esta
Consulta y por razón de conciencia y justicia, suspendiese el empleo
de indios forzados en el trabajo de esa mina y que se valiera para su
explotación de voluntarios a jornal, el cual sería pactado con os
mineros y sin que se hiciera sobre los indios violencia alguna, excepto
sobre aquellos que por sus delitos merecieran pena de muerte, pues en
64
Ibidem.
“El Conde aprobó, con algunas modificaciones, las proposiciones de la Junta. Respecto del tributo de los
indios forasteros, dispuso que se les redujese la tasa en consideración a que carecían de tierras y otros medios
para pagarlo; que a fin de establecer un tributo proporcionado a sus recursos, se les visitase nuevamente,
informando a los indios de esta finalidad a fin de que no creyesen de que se trataba de imponerles un tributo
igual al de los originarios y que mientras se hacían estas revisitas, se les cobrase por los Corregidores de la
jurisdicción en que residían, el tributo en que estaban tasados antes de la numeración general que era igual al de
ls yanaconas de la Corona, siempre que no excediese de siete pesos corrientes de plata y si fuese menor pagasen
la tasa o lo que se acostumbrase”. In: VILLALOBOS, Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la
provision de mano de obra a la mineria del Peru y Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política
indigenista española en América”. Volumen II. Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios
Personales, Encomienda y Tributos. Simposio conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras
Jornadas Americanistas de la Universidad de Valladolid. Valladolid, 1976, pp.315
66
“El celo del Conde de la Monclova por defender a los indios del azote del trabajo forzado en las minas se
manifestó también respecto de los que estaban obligados a trabajar en la explotación de la mina de mercurio de
Huancavelica. Si bien en este caso, dado que la producción de ese metal era la base de la explotación de las
minas de plata del reino, no abogó por la supresión del trabajo obligatorio, sino que procuró hacer prevalecer
ante la Corte el criterio de que, explotándose esa mina con tan gran esfuerzo de los indios y detrimento de sus
vidas, el intento de aumentar su producción era un atentado contra ellos. Proponía, por tanto, que la mano de
obra debía administrarse con suma prudencia, que no había que esforzarse por cumplir estrictamente los
términos del asiento, celebrado entre el Duque de la Palata y los mineros, según el cual el Estado se comprometía
a proporcionar a los mineros 625 obreros y que era necesario convencerlos de que debían darse por satisfechos
con el número que se pudiera recoger. El Conde extendió también su política a la población indígena de esas
provincias medida que redujo el número de trabajadores a 80. Así mismo aprobó la liberación a los trabajadores
forasteros de la obligación de trabajar en ese mineral dispuesta también por ese corregidor”. In: VILLALOBOS,
Nestor Meza., Felipe V y el problema ético-político de la provision de mano de obra a la mineria del Peru y
Nuevo Reino de Granada. In: “Estudios sobre Política indigenista española en América”. Volumen II.
Evangelización, Régimen de vida y ecología, Servicios Personales, Encomienda y Tributos. Simposio
conmemorativo del V Centenario del Padre Las Casas. Terceras Jornadas Americanistas de la Universidad de
Valladolid. Valladolid, 1976, pp.316.
65
187
ese caso, el daño que podrían recibir en ese trabajo no procedería
de la justicia, sino de sus culpas. Por esa misma consideración
podrían trasladarse al Perú, para hacerlos trabajar en esa mina, los
indígenas delincuentes de la Nueva España67.
Sobre o trabalho nas minas e a cobrança de tributos em Peru no século XVIII: “La
mina era, a juicio del jesuita, una imagen viva del infierno. El cobro del tributo, por su parte,
era capaz de arrancar lágrimas por la crueldad que se empleaba para lograr su pago68”.
A incerteza sobre a situação legal do regime de trabalho em Potosí durou por muitos
anos. A questão levantada pelo historiador Nestor Meza Villalobos demonstrava que toda a
discussão sobre a regulamentação do trabalho forçado, com pareceres e Juntas, teve um ponto
final no ano de 1732, quando o rei Felipe V deu sua última palavra favorecendo o regime do
trabalho forçado na mina de Potosí. Essa sua decisão foi consagrada com o ponto de vista
sustentado pelos mineiros, pelo vice-rei do período, Marqués de Castelfuerte, por quase todos
os ouvidores das Audiências do Peru e dos Conselheiros de Índias. Em contrapartida, as
reformas propostas pelo Conde de la Monclova de abrandar esses serviços obrigatórios, foram
aceitas. Para evitar a carência de capital para os mineradores, o Estado criou um sistema de
créditos69.
A questão do trabalho forçado nas minas de Potosí foi arrastada por muito tempo.
Vários pareceres foram dados, tanto de juristas, teólogos, quanto de vice-reis, várias Juntas
foram feitas e foram várias as reuniões do Conselho de Índias. Um dos motivos de se estender
tanto essa questão era a forte necessidade desse trabalho. O que se discutia, em meio a raras
exceções que pareciam querer a extinção desse serviço, era uma melhoria para esse regime de
trabalho. Como abrandar e melhorar as condições do trabalho indígena de maneira a não
extrapolar e abusar deles e também de não diminuir o rendimento que esses trabalhos nas
minas provinham? Essa temática, parece, esteve presente em todo o século XVII e XVIII. Não
se falava mais de acabar com esse trabalho, mas de regulamentá-lo.
67
Idem, p.328.
Idem, p.334.
69
Idem, p.343.
68
188
4.2. Gobierno de D. Luis de Velasco (1596-1604).
O vice-rei era considerado o representante pessoal do rei. A ele era concedido amplos
poderes e prestígio. Este cargo foi a base que sustentou a fundação e consolidação dos
chamados Reinos de Índias em meados do século XVI. Esta instituição – vice-reinado –
ganhou sentido burocrático depois de Cristóvão Colombo. Desde 1535, o título de vice-rei
deixou de ser hereditário para converter-se em um funcionário da coroa e por um tempo
determinado. Durante os séculos XVI e XVII foram criados dois vice-reinos, o de Nova
Espanha (1535) e o de Peru que compreendia todos os territórios hispanos situados ao sul do
Panamá. Os outros vice-reinados apareceram apenas no século XVIII70.
Os vice-reis estavam no mais alto posto e categoria em todas e cada uma das esferas da
administração pública e tiveram poder e faculdade para intervirem na prática dos assuntos do
vice-reinado. A esse poder dava-se o fato de que podiam acumular outros ofícios como o de
presidente da Audiência, capitão geral e governador da Província onde estava localizada a
capital do vice-reinado. Também acrescentava ao seu poder político, o religiosos pela sua
condição de vice patrono da igreja. Estes plenos poderes, juntamente com as tarefas gerais e
específicas de seu governo, vinham descritos e determinados pelo rei por meio das
instrucciones que os entregava no momento da sua partida e viagem até o vice-reinado.
Nessas instruções estavam descritas as diretrizes a seguir e uma exposição dos problemas
mais importantes que deviam conhecer e resolver71.
Em questões de governo o vice-rei tinha o máximo poder executivo para administrar e
controlar o vice-reinado e entendia de todos os assuntos. Possuía faculdade para nomear os
funcionários de seu distrito, alcaides maiores e corregedores; promulgava provisões reais;
ordenações; regulamentações para a vida pública e a economia; outorgava terras e
encomiendas; cuidava para o bom tratamento dos índios e conservação da moral pública72.
O governo e administração de D. Luis de Velasco foram muito estudados verificando
as ordenações, correspondências, instruções e Real Cédula destinadas e realizadas por ele
70
MARTÍNEZ, Miguel Molina, “La organización administrativa de las Indias”. In: CARREDANO, Juan B.
Amores (coord.), Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.261-284, p.268.
71
MARTÍNEZ, Miguel Molina, “La organización administrativa de las Indias”. In: CARREDANO, Juan B.
Amores (coord.), Historia de América, Ariel, España, 2006, pp.261--284, p.268-269.
72
Idem, p.269.
189
desde 1590 até meados de 161373. J. Ignacio Méndez concluiu que cada problema abordado
durante seu governo mereceu de Velasco um tratamento especial e analítico. Don Luis de
Velasco apresentou à Coroa casos sobre os quais um homem mais tímido considerava
prudente não dizer nada. A cada problema, Velasco tratou de achar uma solução, mas em suas
recomendações ao governo real, sempre apresentou suas sugestões sem tratar de mencionar
quem era o responsável pela originalidade de suas opiniões e sem projetar sua personalidade
de uma maneira ordinária. Em seus despachos, Velasco sempre tratou de dar a impressão de
que tudo o que ele dizia ou fazia era simplesmente a interpretação “mais humilde” das ordens
do rei e do propósito da Coroa74.
Lewis Hanke fez uma pesquisa sobre os documentos de Velasco durante seu governo
como vice-rei do Peru de 1596 a 160475 e de México, pela segunda vez em 1607 a 1609.
Mesmo que Velasco demonstrasse experiência e havia desempenhado um trabalho muito
eficiente como vice-rei do México no período de 1590 a 1595, o rei Felipe II enviou-lhe uma
extensa documentação legal para quando iniciasse seu governo de vice-rei do Peru de 1596 a
73
Podemos citar como exemplo os trabalhos de J. Ignacio Méndez, Perfil de una figura virreinal: Luis de
Velasco el joven. vol.11, núm.04, 1968.
Disponível
online:
publicaciones.banrepcultural.org/index.php/boletin_cultural/article/view/4020/4202.
Acessado em 28/10/15 as 17:20; Lewis Hanke Perú. Los virreyes españoles en América durante el gobierno de
la Casa de Austria. Tomo II, Biblioteca de autores españoles, Madrid, 1978; K.V. Fox Pedro Muñiz, Dean of
Lima, and the Indian Labor Question (1603), “The Hispanic American Historical Review, vol.42, num. 1,
Feb.,1962, pp.63-88 Disponível:www.jstor.org/stable/pdf/2509831
74
MENDEZ, J. Ignacio, Perfil de una figura virreinal: Luis de Velasco el joven, vol.11, núm. 04, 1968, p.29.
75
“Los manuscritos a disposición del estudioso que se proponga examinar este período en todos sus detalles son
impresionantes, tanto en calidad como en cantidad. Esto puede observarse en la correspondencia que se originó
durante la larga visita de la Audiencia de Lima realizada por el inquisidor de México, Alonso Fernández de
Bonilla, que la había comenzado siete años antes de que Velasco llegara al Perú. Después de transcurrir toda una
década inspeccionando la audiencia, lo que seguramente habrá constituido un record, Velasco y la audiencia
recomendaron conjuntamente al rey que la visita fuera terminada. El visitador fue tardío en todas las cosas, pues
finalmente anunció en octubre de 1599 que dejaría el Perú en diciembre, y falleció en Lima en enero de 1600,
después de haber pasado más de doce años examinando el gobierno de la audiencia. (…) Hubo un incesante
envío de órdenes reales a Velasco, y éste a su vez despachó órdenes para diversas partes del Perú sobre una
enorme variedad de tópicos. La justificación para usar indios en las minas recibió mucha atención, y Velasco
casi rivalizó con Francisco de Toledo en el número de ordenanzas que promulgó. El rey accedió finalmente a los
pedidos de Velasco para que le permitiera concluir sus servicios en Perú, y en 1604, viejo y pobre, se retiró a
vivir en México, lo que de por sí fue excepcional pues la mayoría de los virreyes se apresuraban a regresar a
España cuando concluían sus gobiernos. Tres años después, el rey requirió nuevamente los servicios de Velasco
y le nombró virrey de México por segunda vez”. In: HANKE, Lewis, Perú. Los virreyes españoles en América
durante el gobierno de la Casa de Austria. Tomo II, Biblioteca de autores españoles, Madrid, 1978, p.10-11.
190
1604. Entre essa documentação estavam: Instrução geral76 com 72 capítulos; uma instrução
especial77 para os assuntos de “hacienda” com 59 capítulos; Real Cédula de 1601 sobre os
serviços pessoais; a relação para o Conde de Monterrey em 1604 com 63 capítulos 78 e a
residência feita ao vice-rei D. Luis de Velasco79. Para Lewis Hanke, a residência de Velasco
referente ao período em que governava as províncias do Peru, feita apenas em 1613, indicou o
quanto era lenta a administração da justiça. Demorou quase dez anos após ter terminado o
governo de Velasco no Peru para realizarem sua residência, e nesse ano, 1613, ele havia
concluído seu segundo vice-reinado em México (1607-1609) e era presidente do Conselho de
Índias80.
Ruben Vargas Ugarte apresentou em sua obra Historia general del Perú, uma biografia
sobre Don Luis de Velasco e as características de seu governo enquanto vice-rei do Peru.
Velasco foi considerado um dos mais queridos vice-reis de Nova Espanha81. Nasceu na vila
de Carrión de los Condes no ano de 1536. Era filho do vice-rei com mesmo nome e
sobrenome, que se diferenciava pela denominação el Viejo, e de Ana de Castilla. Em 1550,
quando seu pai foi ocupar o cargo de vice-rei de Nova Espanha, o acompanhou tendo apenas
11 anos de idade e aí permaneceu mesmo depois da morte deste em 1586 quando então
regressou para a corte espanhola. Assim como seu pai, também pertenceu à Ordem de
Santiago como cavaleiro82. Velasco casou-se em México com Maria de Mendoza, filha do
conquistador Martin de Ircio, sobrinha do vice-rei Mendoza, com quem teve três filhos.
D. Luis de Velasco, também conhecido como “el segundo” ou “el joven”, que seria o
oitavo vice-rei de Nova Espanha, passou toda a sua juventude em México. Apenas em 1585,
76
Instrucción al virrey don Luis de Velasco que pasa Perú -22.VII.1595 (retirada por Lewis Hanke do Archivo
General de Indias, Lima 570, Libro XV, fs. 198-218v. La versión publicada de estas instrucciones está en
Encinas, “Cedulario Indiano” 1945, I, 307-325.
77
Instrucción al virrey don Luis de Velasco sobre hacienda -11.VIII.1596 (retirada por Lewis Hanke do Archivo
General de Indias, Indiferente 606, fs. 15v-25.
78
Relación del Señor Virrey Don Luis de Velasco al Señor Conde de Monterrey sobre el estado del Perú –
28.XI.1604. (retirada por Lewis Hanke da Real Academia de la Historia, Colección Muñoz, XXII, fs 54-71 v.
Para información sobre las versiones que han sido publicadas. Ver Lohmann Villena, 1959, pp.379-380.
79
Sentencias dadas a la residencia hecha al virrey don Luis de Velasco- 1.II.1613 (retirada por Lewis Hanke do
Archivo General de Indias, Escribanía, 1185, pp.1-8.
80
HANKE, Lewis; Perú. Los virreyes españoles en América durante el gobierno de la Casa de Austria. Tomo
II, Biblioteca de autores españoles, Madrid, 1978, p.11.
81
LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado
online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.497.
82
LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado
online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.498.
191
por conta de desentendimentos com o Marqués de Villamanrique, voltou à Espanha e viajou à
Itália a pedido do rei Felipe II para fazer parte da embaixada de Florença. Segundo Mercedes
Galán Lorda, Velasco foi considerado o mais indicado para suceder o Marqués, então vice-rei
do México que fora criticado por sua atitude tirânica. Diante dessas circunstâncias, foi
nomeado vice-rei do México pela Real Cédula de 19 de julho de 158983. Chegou à cidade de
México em 25 de janeiro de 1590 e seu governou durou até 1595.
Por ser muito experiente, foi nomeado como vice-rei do Peru em junho de 1595. Para
Lorda, uma mostra clara dos méritos desse governador era o fato de que ele foi o único em
todo o sistema de vice reinados que, depois de ser promovido a vice-rei do Peru, foi
designado outra vez vice-rei de Nova Espanha84. O rei Felipe II nomeou Don Luis de Velasco
como vice-rei do Peru, como Presidente da Audiência dos reis e também como Capitão Geral
em terra e mar85.
Depois de oito anos de serviços no Peru, o rei Felipe III o havia outorgado a jubilação
em 15 de outubro de 1603. Retirado de Nova Espanha, em 25 de fevereiro de 1607, a coroa o
chamou para sucessor de Marqués de Montesclaros. Ele aceitou o cargo em 15 de julho desse
mesmo ano. O rei honrou Velasco concedendo-lhe o título de Marqués de Salinas e presidente
do Conselho de Índias86. Ele faleceu em Sevilha no dia 07 de setembro de 1617 depois de ter
governado Nova Espanha e Peru, e de ter sido nomeado Presidente do Conselho de Índias87.
Segundo Ugarte, D. Luis de Velasco era um homem reto e de consciência. Tinha
prática em assuntos administrativos e sua experiência no vice-reinado da Nova Espanha
permitiu-lhe conhecer a legislação vigente neste período. Além de tudo isso, seguindo o
exemplo de seu pai, era um fiel servidor do rei Felipe II e cumpria todas suas ordens até este
morrer em 159888.
83
Ibidem.
Ibidem.
85
UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.11.
86
Idem, p.499.
87
UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.11.
88
“A muchos podría parecer esta sujeción una especie de servilismo, pero es preciso saber que la obediencia de
hombres como D. Luis de Velasco al Monarca tenía por base un principio muy levado y muy cristiano, por
desdicha hoy frecuentemente olvidado, el que toda autoridad legítimamente constituida hace en la tierra las
veces de Dios, como nos lo enseña San Pablo”. In: UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú.
Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla Batres, Lima – Perú, 1966, p. 13.
84
192
O Rei Felipe II dedicou-se aos assuntos da província do Peru. Para Ugarte, desde os
primeiros anos de seu reinado, o rei mostrou-se interessado pelos assuntos da América, em
um período conturbado em que necessitava de medidas mais convenientes que visavam uma
pacificação e bom governo. Criou as audiências de Charcas e Quito e logo a de Santiago que
contribuíram para organizar a divisão das terras do vice-reinado. Convocou a Junta Magna
para
escolher
seus
representantes
e
conhecer
os
principais
problemas
e
seus
desenvolvimentos89.
Ugarte mencionou que Don Luis de Velasco reclamava em seu governo como vice-rei
do Peru da falta de índios e sua má distribuição. Que cuidou de conter e diminuir os abusos
sofridos pelos índios:
El mineral de Huancavelica había también sufrido por la escasez de
indios, pero la cantidad de azogue disponible era grande, tanto que al
terminar su período, aun después de haber enviado buena cantidad a la
Nueva España, dejó almacenados cerca de 18.000 quintales, con lo
cual había para tres años de labor. El ajuste hecho por el marqué de
Cañete con los mineros vino a terminar el año 1596 y el Virrey
celebró con ellos nuevo contrato por cuatro años, modificando algunas
de las cláusulas del precedente, reduciendo a mil quintales los que por
año se habían de entregar, y en consecuencia el número de indios que
trabajaban en la saca del mineral. Este contrato se renovó en 1600 y se
le dio seis años de duración, insistiéndose en la economía del personal
y en que las minas no se trabajasen por socavón, a causa de los
perjuicios que ocasionaban a la salud90.
O serviço pessoal dos índios no governo do vice-rei Don Luis de Velasco foi tratado
com certa insegurança e instabilidade. De acordo com Ruben Vargas Ugarte, Don Luis de
Velasco era responsável por velar pelo bem estar dos índios e ordenar que houvesse uma
quantidade mínima de religiosos para a conversão e propagação da fé cristã. Como fiel
89
“No perdió de vista las recomendaciones de la Reina Isabel sobre el cuidado que se había de tener de los
indios (…) Lo importante sería saber qué grado de responsabilidad le cupo al Rey en los abusos que en las Indias
se cometían. Pero si en sus lugartenientes no hallaron culpabilidad los encargados de tomarles residencia, ni la
historia tampoco puede justamente atribuirles parte en los desmanes de sus subordinados, ¿la haríamos recaer en
quien por la distancia y la eminencia de su cargo no podía descender a lo particular que ocurría en sus estados?”
In: UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.15.
90
UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.27.
193
ministro do rei, não desprezou sua ordem, mas apresentou dificuldades em praticá-la. O rei
escreveu uma carta em 10 de abril de 1597 assinalando estes inconvenientes explicando e
dando a razão à dificuldade em implantar a fé entre os indígenas:
Lo que cerca desto siento, decía, y he podido alcanzar es que como
esta tierra no está tan poblada como la Nueva España y las Provincias
della son tan distantes unas de otras y los pueblos de los indios tan
divididos y apartados entre si, no son tan bien doctrinados ni lo
pueden ser como convenia y tengo casi por imposible la enmienda por
la desórden y poca caridad con que algunos ministros de doctrina,
particularmente clérigos, acuden a lo que están obligados, antes ellos y
los Corregidores los molestan y trabajan, ocupándolos en sus tratos y
granjerías con tanta exorbitancia y demasia que no se puede creer y,
por mucho que esto se apriete y trate de remediar, es de poco efecto,
según las fuerzas que tiene la mala costumbre que está en contrario91.
Como legislador, em seus dois períodos de governo, Don Luis de Velasco se deparou
com problemas importantes, e, segundo Mercedes Lorda, tratou de resolvê-los através de
disposições concretas. Esta autora fez uma análise do governo de Velasco em sua função de
legislador analisando as ordenações que este elaborou em seu mandato e tal perspectiva
contribui muito para o entendimento desse período e de como este governador resolvia seus
problemas práticos.
Em umas dessas ordenanças, Velasco chegou a indicar um “defensor general” para os
índios – figura que existia em outros lugares das Índias e não significava uma particularidade
do governo desse vice-rei – e este conhecia e recebia as causas, petições e pleitos entre os
indígenas e notificava ao vice-rei o que fosse mais importante. Para Lorda, Velasco deixava a
decisão de ter ou não um “defensor general” ao arbítrio do rei, mesmo tendo indicado que
havia posto uma pessoa inteligente e de confiança encarregada dos assuntos indígenas 92. Em
resposta a esse pedido, o rei escreveu em 1592 aprovando a proposta de instaurar um
“defensor general” assinalando que essa medida era conveniente e que se fixara um salário93.
91
Idem, p.45.
LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado
online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.501.
93
Ibidem.
92
194
Lorda analisou várias ordenações do vice-rei correspondentes ao período de 159094
1595
e salienta a dos obrares de 1595. Nesta ordenação estava escrito para que os índios
cumprissem com seus contratos, o fazendo por escrito; que não houvesse nos obrares índios
presos, porque estes podiam entrar e sair livremente; e que somente por uma justa causa se
aceitava ter índios presos95, mesmo que essa “justa” causa não estivesse previamente definida.
Esta mesma autora apontou que as ordenações tratam de problemas internos, e as
correspondentes ao primeiro período do vice-reinado de Luis de Velasco tinham como
assunto o Direito público e administrativo96. Sobre o tratamento dado aos índios, se reconhece
que ofereceu muitas normas referentes ao trabalho indígenas e como uma forma de contribuir
com a pacificação destes, decretou em 1609 que as provisões e as roupas fossem vendidas a
preços razoáveis, que oferecesse terra nos distritos mineiros e que regulamentasse de modo
mais favorável o trabalho nos repartimentos. Até promulgou uma lei excluindo as
encomiendas e o tributo por dez anos aos índios que, voluntariamente, proclamassem sua
fidelidade à Igreja e ao Rei97. Esta medida realizada para os repartimentos em 1609 ocorreu
depois da Real Cédula de 1601 e dos conhecimentos que Velasco possuía sobre as
circunstâncias locais.
Durante seu governo também teve que lidar com conflitos de índios e rebeliões de
escravos. Parece que apenas conseguiu manter os índios em paz em 1611 quando o então
94
“El resto de las Ordenanzas del Virrey Velasco, correspondientes al periodo 1590-95, tratan sobre todo del
ganado. Sólo destacan, por referirse a otros temas, una Ordenanza sobre que no se avecinden españoles en
pueblos de indios, y otras Ordenanzas para los obrajes. La primera, inédita, dispone que no se avecinden los
españoles en pueblos de indios por las molestias y vejaciones que les causan, quitándoles tierras y casas,
destruyendo sementeras al echar allí ganados, impidiéndoles sus granjerías, compeliéndoles a servirles y les
quitan sus mujeres e hijos. Se ordena a los justicias hacer lista de los españoles y mestizos que hay en sus
jurisdicciones, no consintiendo establecerse a otras. Está fechada el 15 de Octubre de 1591.” In: LORDA,
Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado online
27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.502.
95
LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado
online 27/10/15 11: 50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.502.
96
“Así, las Ordenanzas tratan problemas de orden interno, y las correspondientes al primer periodo virreinal de
Luis de Velasco son de Derecho público: de carácter procesal la relativa al “defensor de indios”, labora, las
treinta y una para los obrajes; y administrativo, tanto la que prohíbe avecindarse a españoles en pueblos de
indios, como las relativas al ganado”. In: LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y
1607-11).
Biblioteca
jurídicas.
Acessado
online
27/10/15
11:50.
Disponível
online:
biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.507-8
97
Idem, p.508.
195
governador de Nova Vizcaya, Don Francisco de Urdiola, comunicou-lhe em uma carta que os
tinha em paz98.
Mercedes Galán Lorda salientou que Luis de Velasco dedicou maior atenção em suas
ordenações ao tema dos índios. Ela descobriu que existiram quatro ordenações dedicadas a
eles neste segundo período de seu vice-reinado. Duas delas eram de 1607. Uma confirmava
outra ordenação de Monterrey de 1597 sobre não impedir aos proprietários de terras que
buscassem os índios fugidos; e a outra de dezembro confirmava um capítulo do Conde de
Monterrey em 1597, referente à quantidade de bestas que os índios podiam carregar99:
Más interesante es la del 5 de Enero de 1610, sobre la paga de los
indios que sirven en los repartimientos de panes y minas, y sus días y
horas de trabajo. En ella queda reflejada la preocupación de Velasco
por el trato a los indios y la mejora de su situación.
Considera “mui corta” la paga de seis reales semanales, de modo
que ordena pagarles real y medio por cada día de trabajo, y medio real
por cada viaje de ida o vuelta. La paga se les dará cada tres días para
que puedan sustentar-se, y deben tener aposento. A quien no lo haga
así se le quitarán los indios.
Se trabajará los días no festivos, de sol a sol; cada día se dará
tiempo para almorzar y una hora para comer. Deben cumplirlo los
mineros, labradores y quienes tengan haciendas a su cargo. Además,
las justicias cuidarán de ello, ya que, de lo contrario, se les pena
también. Pueden advertirse que se trata de una regulación en materia
laboral muy avanzada para su época y un precedente importante de la
normativa sobre jornadas laborales y condiciones de trabajo que
surgirá más adelante100.
98
“La rebelión de los esclavos negros de 1609 y los conflictos con los indios son objeto de algunas de las
noticias que Velasco envía con sus despachos a España. En el de 29 de Agosto de 1607 da cuenta de la quietud
de los indios de guerra; el 17 de Diciembre de 1608 anuncia que los negros están alzados, lo mismo que en 13 de
Febrero de 1609, cuando también comunica los excesos de negros y mulatos. El 24 de Mayo del mismo año
1609 continúa el problema de los negros alzados, igual que en 1610 (despacho del 21 de Octubre). Parece que se
logró mantener a los indios en paz, ya que el 7 de Junio de 1611 el Gobernador de Nueva Vizcaya, don Francisco
de Urdiola, comunicó al Virrey por una carta que tenía a los indios en paz. En cuanto a los negros, el 27 de
Marzo de 1609, el Virrey tomó con el Capitán Pedro Ochoa de Ugarte un asiento sobre la pacificación de los
negros alzados cerca del puerto de Acapulco”. In LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (159095 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado online 27/10/15 11:50. Disponível online:
biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.510.
99
LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado
online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.513.
100
LORDA, Mercedes Galán. Luis de Velasco, legislador (1590-95 y 1607-11). Biblioteca jurídicas. Acessado
online 27/10/15 11:50. Disponível online: biblio.juridicas.unam.mx/libros/2/820/27.pdf pp.497-527, p.514.
196
A forma e a quantidade de ordenações escritas por Velasco referente ao tratamento e
regulamentação do trabalho indígena refletiam sua atenção pelas condições de trabalho dos
índios e maneiras de melhorá-lo. Entre 1590 e 1595, Lorda destacou as ordenações realizadas
para os obrares, nas quais os contratos de trabalhos dos índios deviam ser públicos; que a
liberdade de os índios movimentarem-se deveria ser reconhecida e se regulou a jornada de
trabalho; salário justo e obrigação do patrão em alimentar os índios. De 1607 a 1611, houve
outra ordenação em que tratou do trabalho indígena aumentando o salário destes que serviam
nos repartimientos de pães e minas, limitou o tempo de serviço (de sol a sol), prevendo
também o tempo para comer101.
a) D. Luis de Velasco e os servicios personales de los indios
Ruben Vargas Ugarte afirmou que Don Luis de Velasco repetia a queixa formulada já
pelos seus antecessores sobre o excessivo trabalho que se impunha aos indígenas, sem que se
tomasse uma medida eficaz para combater a opressão, prolongando até a época republicana
segundo as circunstâncias e solicitude102. Este autor citou um trecho de uma carta de
Velasco103 em que denunciava os maus tratos indígenas e demonstrava conhecimento por essa
realidade:
Es asimismo intolerable el trabajo y vejamen que padecen los indios
en la labor de las minas, labranzas, crianzas y trajines deste Reyno,
que crecen cada dia y ellos se van acabando, porque carga todo sobre
los miserables y los españoles no vienen acá a trabajar sino a servirse
de ellos y de sus haciendillas y van 30, 50, 100 y 200 leguas, más o
menos, de sus pueblos a las mitas de Potosí y otras minas donde los
tienen dos, cuatro, seis meses y un ano, en que con la ausencia de su
tierra, trabajo insufrible y malos tratamientos, muchos se mueren ó se
huyen y no vuelven a sus reducciones, dejando perdidas casa, tierras,
mujer y hijuelos, por el temor de bolver, quando les cupiere por turno,
a los mismos trabajos y aflicciones y por los malos tratamientos y
agravios que les hacen los Corregidores y Doctrinantes con sus tratos
y granjerías, que es otra tan grande servidumbre que les está aparejada
101
Idem, p.523.
UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.46.
103
Retirada da Bib. Nac. Madrid. Ms. 3636. Cartas del Virrey Velasco. – Levillier. G. del P. Tom. 14, p.36 y s.
por UGARTE, Ruben Vargas.
102
197
quando vienen a descansar de la primera. Y asi soy informado que
desde el Cuzco para Potosi están los pueblos despoblados que casi no
se ven indios sino como por maravilla (…)104.
A condição indígena foi uma preocupação de Velasco durante seu governo como
vice-rei das províncias do Peru. Ugarte também demostrou que por meio dessas
correspondências se notava os apelos e tentativas do vice-rei em diminuir a opressão e
abrandar os abusos sofridos pelos índios. De certa maneira, como ficou claro que mesmo
tendo uma Real Cédula específica para o serviço pessoal, escrita pelo rei Felipe III, este
assunto continuou problemático até meados do século XVIII e não foi resolvido, mesmo
diante de tantas denúncias. Um dos motivos apresentados por este autor em sua interpretação
sobre as correspondências de Velasco acerca desse tema era que as autoridades encarregadas
em defender os indígenas ou não o queriam fazer ou não o podiam. Como advertia o próprio
vice-rei, era necessário que cada índio tivesse um anjo da guarda para sua defesa.
Expressando sua opinião, Velasco mencionou em outra carta citada por Ugarte:
Juzgo por dichosos a los de Nueva España, porque, aunque no
huelgan, son sin comparación más relevados y mejor tratados y
pagados y no van a servir tan lejos como los de aquí. Todo lo que
puedo hago y haré para su alivio y desagravio y héme alargado en
esta materia (que no debe ser nueva advertencia) por el cuidado
que veo que V. M. pone en descargar su real conciencia,
mandándome lo que tanto importa, pero verdaderamente repugna
al buen tratamiento y conservación de estos pobres las
servidumbre y cosas forzosas a que los compelen a acudir, especial
lo de las minas105.
Diante dessas palavras do vice-rei, muitas perguntas foram feitas para quais ainda não
se encontrou uma resposta decisiva. Historiadores se perguntaram se este mal da servidão
pessoal indígena era de fato tão exagerado e enraizado que fez impossível encontrar uma cura,
e, se essa cura era impossível então não caberia culpar ao rei ou a qualquer outra pessoa que
fosse, ou ao governo espanhol pela continuidade dessa condição. Mas também cabe outra
104
Bib. Nac. Madrid. Ms. 3636. Cartas del Virrey Velasco. – Levillier. G. del P. Tom. 14, p.36 y s. por
UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.46
105
Idem, p.47.
198
pergunta feita por Ugarte: se chegou, na prática, a tomar uma atitude decisiva que pudesse
extirpar esse mal de uma vez por todas? Ele mesmo nos responde que não se descobriu
medidas firmes adotadas capazes de terminar com essas injustiças. Para este autor, isso não
ocorreu porque havia indecisões, resistências, debilidades dos encarregados de executar as leis
régias, e o fato de que nesta situação geral dos índios não se advertiu uma mudança que
merecesse ser chamada de substancial106.
Rubén Ugarte apontou que D. Luis de Velasco não apenas contou ao rei o estado em
que se encontravam os índios, como mostrou com suas obras que se interessava pelo bem
estar e que:
(...) le llegaban al alma sus agravios. Sus representaciones dieron
motivo a la célebre cédula en que se abolían los servicios personales,
pero aun antes de que ésta se recibiese en Lima ya había cuidado que
se moderasen los repartimientos, concediéndoles tan sólo a quienes
positivamente tenían necesidad de ellos y prohibiendo que los
beneficiados vendieran el trabajo de los indios que les cabían en el
reparto. (…)107
A maneira como este autor interpretou e apresentou as correspondências de Velasco
juntamente com as informações que tinha sobre o que foi feito e das circunstâncias locais do
serviço indígena, demonstrou que essa condição era mantida não porque os funcionários
régios não cumpriam as leis, mas que estas não eram claras e, além disso, mesmo que
indicassem que estavam proibidos os maus tratos, outras autoridades encarregadas nesse
assunto não permitiam que tais leis fossem cumpridas.
Parece que o próprio sistema colonial impedia medidas mais eficazes que
combatessem a servidão pessoal indígena, muito mais do que afirmarmos simplesmente que
as leis não eram cumpridas por um vice-rei. Para o governo específico de Velasco,
observando a Real Cédula que recebeu em 1601, os pareceres consultados por Fr. Miguel
Agia que esclarecia a verdadeira intenção do rei, as justiças de cada cláusula e o arbítrio que o
vice-rei tinha, podemos notar nessa carta que ele manifestou sua indignação em não poder
fazer muita coisa para amenizar o serviço pessoal e o quanto era importante para o vice-rei
entender a verdadeira intenção do rei em relação ao serviço pessoal.
106
107
Idem, p.47.
Idem, p.49.
199
Para além dessa declaração, ele afirmou que o rei ao desencarregar sua consciência e
encarregar a dele para o que realmente importasse fazer sobre esse assunto, de fato,
verdadeiramente, para o vice-rei, o rei repugnava o bom tratamento e conservação dos índios,
principalmente por estarem em regime de servidão e serem obrigados a trabalhar, como no
caso das minas. Aqui nos cabe deixar novas perguntas: Será que medidas mais eficazes não
foram de fato feitas, ou será que não foram permitidas por interessar que se mantivessem
assim? Tinha realmente o vice-rei arbítrio para adaptar, flexibilizar e alterar as leis para agir
conforme lhe parecesse mais conveniente e de acordo com sua consciência moral, ao caso dos
serviços pessoais indígenas? Até que ponto a teologia moral ampliava seu espaço de poder e
de autonomia para interpretar e julgar os casos de serviço pessoal sem que isso, para além de
não permitir incorrer em pecado, agradasse aos interesses econômicos do rei e dos
encomenderos?
Para esse problema prático o sistema moral probabilista sugeria uma solução. O
probabilismo constituía um esforço para aproximar a lei às consciências. Tal é o sentido do
provérbio: “La ley se acata, pero no se cumple108”. No caso de Velasco, o probabilismo
poderia ajudar-lhe por permitir várias opções prováveis de se interpretar um caso, uma lei e de
aproximá-los à sua consciência. Talvez o vice-rei tenha usado um argumento moral para
defender seu posicionamento sobre o que podia fazer, e de fato fez, referente ao serviço
pessoal indígena em seu governo porque isso, conforme demonstrado por Agia 109, aliviava
sua consciência e demonstrava prudência. Além de ter agido como um fiel católico, ao
conservar os índios conservava a província do Peru e seus interesses econômicos.
Ugarte enumerou as dificuldades encontradas por Velasco em realizar o que estava
provido na Real Cédula de 1601, escrevendo ao rei desde Callao em 01 de Mayo de 1603:
La sana y recta intención del Monarca salta a la vista en este
documento, en el cual no faltan las graves sanciones que deben
acompañar a toda ley, si se quieres que ésta no se venga a convertir en
letra muerta. La protección y defensa del indígena parecía, pues, que
iba a hacerse real y efectiva. Sin embargo, al ponerla en ejecución, mil
108
MARTEL PAREDES, Víctor Hugo, La filosofía moral. El debate sobre el probabilismo en el Perú (siglos
XVII –XVIII). Instituto Francés de Estudios Andinos, Lima, Perú, 2007.
109
Fr. Miguel Agia interpretou a segunda cláusula da Real Cédula de 1601 a qual o rei ordenava que não se
permitissem nessas províncias os serviços pessoais, como sendo a coisa mais justa e Santa de toda a Real
Cédula. Que era justo proibir o serviço pessoal porque era contra a lei natural, divina e humana. Contra a lei
natural porque os índios eram livres por natureza. Contra a lei divina porque se era contra a lei natural também o
seria contra a divina. AGIA, F. Miguel, op. cit., p. 80.
200
dificultades salieron al paso y el primero en descubrirlas fue el propio
Virrey.110.
Nesta carta estavam descritas as dificuldades apontadas pelo vice-rei e que ajudam a
entender seu posicionamento e sua atuação diante da situação que tinha e a relação desta com
a lei que havia recebido. Tais problemas demonstraram uma tensão entre a norma e sua
prática, e, além disso, reforça a importância do arbítrio de Velasco para interpretar os fatos e
as leis da forma que lhe parecesse mais conveniente, prudente e reta em sua consciência. Tais
eram as problemáticas: primeira, a dificuldade de achar índios que voluntariamente se
ofereceriam ao trabalho, pois de mil deles não apareciam nem cem e assim acreditava que não
se deviam subir seus salários, pelo menos em Lima e sua comarca e nem tampouco deixá-los
repartidos; segunda, acabar com os obrares traria muito prejuízo e os índios estariam piores se
tivessem que se entender com seus caciques; terceira, o reparto de índios era tarefa dos
corregedores, segundo as necessidades dos que o pediam e com a aprovação ou não do vicerei. A última dificuldade era que não acreditava que fosse possível prescindir dos índios de
fora na mita de Potosí porque os que pertenciam à comarca não eram muitos e até encontrar
outros não se podia abrir mão dos que tinha111.
Como apontou Ugarte, Velasco tinha conhecimento da situação indígena, mas ao
receber a Real Cédula de 1601 dos serviços pessoais declara que muitas de suas cláusulas não
podiam ser cumpridas na prática:
(…) Algunos de ellos ciertamente no lo comprendían, porque la
disposición real se refería a todos los dominios de América y otros
declara que están en vigencia, pero un buen número de ellos tenían
plena aplicación en el Perú y éstos son precisamente los que objeta o
tiene por muy dificultoso el urgir su cumplimiento. (…) El número de
indios que habían de ser repartidos se tasaba en las visitas que se
hacían de tiempo en tiempo en todas las provincias, pero de ordinario
se pasaba del fijado por las justicias. “Como el principal caudal y
riqueza deste Reyno consiste en el servicio de los indios ninguno se
contenta con los que se le reparten y los que no los alcanzan los
procuran con negociaciones, dice el Virrey, algunas veces por malos
medios con sus caciques y principales que son las justicias… y vienen
a ocupar tanto número de gente que aunque el repartimiento ordinario
110
UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.50.
111
Idem, p.50-51.
201
que está permitido es de la sétima parte y a la sexta, quando más, ay
tiempo en que muchos de los pueblos de los naturales casi solas las
mujeres y algunos muchachos quedan a quien poder hacer doctrina”.
Después de haber señalado el mal no deja de advertir que es difícil
remediarlo112.
Esta observação também foi notada por Ugarte para o que o vice-rei podia fazer sobre
o que corria em Huancavelica. Velasco, na interpretação deste autor, confessou que os índios
que adoeciam trabalhando nesta mina por 3 ou 4 anos acabavam morrendo. Com razão
adverte que esta causa era a mais escrupulosa de todas que havia no reino. E em vista de tudo,
Ugarte aponta que Velasco se apresentava contraditório em suas decisões. Na interpretação
desse autor, o vice-rei não realizou tudo o que podia para acabar com a opressão indígena113.
Com a finalidade de comparar os pareceres de Fr. Miguel Agia com os de outras
ordens religiosas a respeito da Real Cedula de 1601, retomamos tais opiniões buscando,
concretamente, demonstrar o que foi feito diante de todo o cenário apresentado, tanto
governativo quanto religioso.
112
UGARTE, Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla
Batres, Lima – Perú, 1966, p.51.
113
“En vista de todo lo dicho, aparece hasta cierto punto contradictoria la conducta de Velasco, pero la
contradicción se desvanece si reparamos en que faltaba voluntad para extirpar el mal, pero ella no era tan
decidida y firme, como hubiera sido menester. El remedio estaba a la vista, pero no había pecho para arrostrar las
dificultades y una serie de prejuicios e ideas preconcebidas enervaba toda decisión radical. Entre éstos había que
señalar en primer término la idea de que sin las minas se perdía el Perú y el axioma que sin indios no cabía
explotación minera. En segundo lugar, los españoles y criollos y aun los mestizos huían el trabajo, haciendo que
todo él pesase sobre la raza conquistada. Sólo el tiempo, dice el mismo Velasco, ha de poner remedio a esto. La
falta cada vez mayor de indios y el aumento de la demás gente hará que los padres se valgan de sus hijos y los
vecinos se ayuden de sus vecinos y los que no tuvieren de qué sustentarse, poco a poco la necesidad los vendrá a
compeler con más fuerza que la ley. No le faltaba razón, pero el cambio que se había de operar suponía el
acabamiento de los indios y esto es precisamente lo que se trataba de evitar. Finalmente, a pesar del gran sentido
de justicia y de igualdad de los españoles, éstos pertenecían a una raza superior y habían sojuzgado la tierra con
su esfuerzo. Aun cuando no participasen del todo de las ideas aristotélicas de que hay siervos por naturaleza, era
difícil que no considerasen al indio como súbdito y obligado en cierto modo a su servicio. Si aún hoy, después de
tanto como se ha predicado sobre la igualdad de todos los hombres, muchos no pueden menos de considerarlo
como inferior y les regatean sus derecho, ¿qué tiene de extraño que entonces no se doliesen los corregidores,
mineros y traficantes de la vida miserable que llevaban estos infelices? Era necesario tener una gran dosis de
caridad cristiana y una fe muy viva para mirarlos como hermanos, como a seres redimidos con la sangre de
Jesucristo, dignos de aprecio y con derechos inalienables como cualquiera otra persona humana”. In: UGARTE,
Ruben Vargas. Historia General del Perú. Virreinato (1596-1689). Tomo III. Editor Carlos Milla Batres, Lima –
Perú, 1966, p.52.
202
4.3. Os pareceres dos religiosos sobre a Real Cédula de 1601.
Paulino Castañeda Delgado analisou a opinião dos eclesiásticos e seus juízos morais
sobre o problema ético da compulsão do trabalho indígena. Ele buscou entender como os
religiosos pensavam a necessidade de conservar a República, de justificar moralmente e
juridicamente os serviços pessoais nos repartimientos e quais eram as alternativas para acabar
com tal compulsão e ainda manter o compromisso da evangelização e dos interesses da
República.114
Os pareceres dos mercedários do Peru sobre a Real Cédula de 1601 foram escritos em
Lima em 24 de abril de 1603. Nesses comentários, em geral, aprovaram o conteúdo da norma
e compreenderam que para explorar as minas, algo considerado necessário, não havia outra
solução a não ser a de utilizar a mão-de-obra indígena. Os negros não aguentariam o frio e
seria difícil fazer com que espanhóis, mulatos e mestiços aceitassem trabalhar nas minas. Para
Castañeda Delgado, os mercedários aprovaram tudo o que favorecia aos índios; mas ao
mesmo tempo recomendavam prudência, porque podia acontecer que as principais fontes de
riqueza ficassem sem mão-de-obra115.
Delgado também encontrou na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional de Madrid
o memorial do Fr. Alonso de Messía sobre a Real Cédula dos serviços pessoais116. A pergunta
feita pelo Fr. Alonso em sua obra era: tinha o vice-rei obrigação de cumprir a Real Cédula?
114
DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los
repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de
América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid,
1983, p.181.
115
“En general aprueban y alaban su contenido; piden que se ejecute el número uno, cono muy provechoso para
los indios; les parece justa la prohibición de enviar indios a los obrajes, pero consideradas las consecuencias,
opinan que debería suplicarse a su Majestad que permitiera alquilar algunos indios voluntarios, con mejor paga y
mejor trato. Les parece justo también que los indios no se vendan con sus chacras, pero les parece excesivamente
riguroso que, cuando se vendan, no pueda el dueño indicar que dichas chacras suelen tener un repartimiento de
indios, pues en este caso no podrían venderse ya que una chacra sin indios no tiene ningún valor. Consideran
como muy buena la idea de fundar pueblos en torno a las minas, pero lo encuentran dificultoso, pues no es fácil
encontrar lugares oportunos para hacerlos, ya que toda la tierra está repartida”. DELGADO, Paulino Castañeda,
Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e
Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.182-3.
116
Paulino Castañeda Delgado enfatizou que este Memorial de Fray Alonso de Messía não constava uma data
definida, mas que pelo contexto, era 1601. A referência exata dessa obra encontrada por Delgado foi dada por ele
em seu livro Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. B.N.M., Ms.
8.553, fols.38 ss.
203
Quais cláusulas podiam ser cumpridas e quais podiam deixar de cumprir com “boa
consciência”117. Fr. Alonso apontou que o rei exigiu o cumprimento da sua norma porque
disso dependia a conservação das Índias; para isso colocou algumas limitações: que a
execução desta Real Cédula não causasse grandes inconvenientes e novidades importantes;
deu pleno poder ao vice-rei para agir de acordo com o estado das coisas118.
Delgado afirmou que para Fr. Alonso que as soluções apresentadas pelo rei na Real
Cédula não serviam: importar negros em quantidade era arriscado e morreriam pelo frio. Os
mulatos, mestiços e espanhóis eram preguiçosos e isso não resolveria o problema da opressão
indígena119. Se colocar em prática os meios e remédios indicados na Real Cédula, faltaria
comida e riqueza; em consequência, não se devia executar esta cédula de 1601. O que se
devia fazer e logo era remediar os abusos sofridos pelos índios nos repartimientos. Fr. Alonso
recomendou ao vice-rei que depois de escutar todos os pareceres que os enviassem à
Audiência de Charcas para que ai os estudasse e decidisse pelo melhor, mesmo que a decisão
fosse dada por Velasco120. Terminou seu memorial afirmando que se devia acabar com os
117
DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los
repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de
América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid,
1983, p.183.
118
“De todo lo cual Messia deduce una conclusión general: si la real cédula se cumple se pondrán en riesgo la
conservación de estas provincias, pues cesaría la labor de las minas, el cultivo de los campos, etc., causando
grandes trastornos, pues de ellos depende la vida y hacienda de estos reino”. DELGADO, Paulino Castañeda,
Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e
Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.183.
119
“La supresión de los repartimientos por el alquiler en las plazas no es factible; porque nadie será capaz de
hacerlos venir en cantidad suficiente y sería, además, motivo de altercados constantes en las plazas. Por último,
la cuarta sugerencia del rey de hacer pueblos junto a los campos y minas, además de inconveniente, significaría
el fin de los indios, al tenerlos que sacar de su natural”. DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del
Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI,
Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto
“Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.183-4.
120
Delgado apontou varios motivos defendidos por Fr. Alonso e aquí cabe mencionar sobre as mitas:
“Repartimientos justos. Tolerados por reyes y virreyes, con parecer de hombres doctos que aseguran sus
consciencias. Esto es claro. Lo que se pone en disputa es “si convendrá dar indios a las minas que se labran con
muy moderado o ningún fruto”. Y dice: El rey manda quitar los repartimientos a las minas, “luego por lo menos
se deben quitar a las inútiles”. Describe a continuación la organización de las mitas del Cerro y sus puntos de
origen; el trasiego de miles de indios con sus familias y enseres y el triste final de muchos de ellos… Resalta los
malos tratos, el salario injusto, la explotación inicua …, etc.” DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales
del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol.
VI, Medio Milenario del Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto
“Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid, 1983, p.186.
204
serviços pessoais aos encomenderos porque isso era justo: “Si la Real Cédula se pudiera
cumplir, sería el mayor remedio y más propia encuadernación que se podía dar a este reino”.
Pero, supuesto que no se puede cumplir por los inconvenientes dichos, es justo reformar “e
informar a las cosas desta tierra con una nueva vida”121.
A respeito dos pareceres do Fr. Miguel Agia, Paulino Castañeda Delgado ressaltou que
era uma obra famosa, escrita em meados de 1604 e que várias autoridades e personalidades
apontaram positivamente suas opiniões e considerações tanto sobre Agia quanto de sua
obra122. Apresentou os assuntos tratados nos três pareceres: no primeiro explicou a intenção
do rei sobre o conteúdo da provisão; no segundo expôs a justificação das cláusulas; no
terceiro tratou do arbítrio que o vice-rei tinha sobre a execução da norma. Agia não acreditava
que era intenção do rei acabar com as mitas e repartimientos de índios, mas sim a forma como
estes eram tratados. Para ele o rei nem proibiu os obrajes e considerou justa a proibição do
serviço pessoal que os índios prestavam aos encomenderos em troca do tributo. Afirmou que
os repartimientos deveriam continuar, por meios suaves e convenientes, porque eram
necessários para a conservação da República e dos índios. Delgado ressaltou que na
interpretação de Fr. Miguel Agia, a Real Cédula de 1601 atendia principalmente ao bem
universal da república das Índias, sua conservação, aumento e bem particular dos índios123.
121
DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la predicación pacifica y los
repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del Descubrimiento de
América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de Oviedo”, Madrid,
1983, p.187.
122
“Sobre el libro opinan algunas personalidades; el Lic. Juan Jiménez de Montalvo considera que el Padre Agia
ha interpretado rectamente la Real Provisión, “con suma erudición, así en razones como en derecho”, con lo cual
“queda bien asegurada la real conciencia de su Majestad y de sus ministros”. El Dr. Arias Ugarte, oidor, lo
mismo que el anterior, opina que toca cosas importantes “con buen juicio y ponderación”. El guardian de los
franciscanos, Fray Benito de Fuertes, piensa que el tratado “contiene doctrina muy sólida y necesaria, fundada en
ambos derechos …, dando nueva luz a muchas y muy arduas dificultades tocantes a la materia dicha, las cuales
con mucho ingenio y singular destreza, acompañada de larga experiencia de las cosas de las Indias, resuelve el
autor”. Fray Juan Venido, comisario general de los franciscanos procede con prudencia cautelosa; entiende que
las materias tratadas “son gravísimas y dificultosísimas, que han causado escrúpulos a varones doctos y
temerosos de Dios y de su conciencia, así en España como en las Indias”; para mayor seguridad le parece
oportuno pedir parecer y aprobación a otras personas de experiencia. En efecto, aparecen otros juicios sobre el
tratado, igualmente favorables”. DELGADO, Paulino Castañeda, Los memoriales del Padre Silva sobre la
predicación pacifica y los repartimientos. Colección Tierra nueva e Cielo Nuevo, vol. VI, Medio Milenario del
Descubrimiento de América, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Instituto “Gonzalo Fernández de
Oviedo”, Madrid, 1983, p.188.
123
Idem, p.189.
205
Estava claro para Agia que a intenção do rei era que os serviços pessoais tinham que
ser proibidos, mas não os repartimientos. Diante disso, o franciscano deduziu que o rei havia
recebido informações “siniestras”:
Lo supone por la poca diferencia que establece entre ambos conceptos
en el proemio de la Real Cédula de 1601, donde dice: “habiendo visto
y entendido cuán dañoso y perjudicial es a los indios el repartimiento
que de ellos se hace para servicios personales …”. Le parece al
franciscano que el rey da a entender que los repartimientos o mitas se
hacen para servicios personales, “lo qual es notoriamente siniestro y
derechamente opuesto a la verdad”. Para él, servicio personal,
conforme “el día de hoy se platica y usa en todas las Indias”, es el que
hacen los indios a sus encomenderos en lugar de los tributos que les
habían de pagar; y porque dichos tributos eran personales, “de ahí
vino que el servicio en que se conmutaron se llamase también
personal, como se llama hoy día”. Sim embargo, repartimiento o mita
“se ha entendido el que se hace para servicio de la república, así en el
beneficio de cultivar la tierra, como de las minas, ciudades, villas y
lugares y otros ministerios semejantes”124.
No segundo parecer Fr. Miguel Agia afirmou que o rei era dono e senhor das Índias
pelo justo e legítimo título recebido da sede apostólica, tinha autoridade para estabelecer e
declarar leis. Considerou leis justas as que mandavam que os índios servissem como homens
livres, considerando a conservação e aumento da República, colocando em ordem o corpo
místico deste governo. Explicou cada cláusula da Real Cédula; defendeu a liberdade natural
dos índios e estava seguro e convicto que esses não trabalhariam para a República se não
fossem compelidos; Agia elogiou a proibição dos serviços pessoais para as encomiendas
defendendo que os índios eram naturalmente livres e denunciou aos chacareiros de
Chuquisaca que compravam índios em Santa Cruz de la Sierra; considerou muito justo a
proibição das cargas e vendas de índios125.
As soluções apresentadas por Fr. Miguel Agia justificando as cláusulas da Real Cédula
eram: A sujeição política ou civil era justa em virtude da qual eram compelidos e forçados os
índios a trabalharem a serviço da República e isso não era repugnado pela lei natural, e sim
estava conforme a ela; tampouco esse serviço estaria contrário à liberdade cristã porque o
batismo não retira do cristão o seu dever natural; a República e o rei tinham poder legítimo e
124
125
Idem, p.189-190.
Idem, p.191.
206
autoridade para obrigar e forçar seus vassalos sem com isso causar injúria; desta mesma
maneira, o vice-rei Don Luis de Velasco também possuía autoridade para obrigar e forçar aos
índios a que trabalhassem para o bem e utilidade pública; podia compelir aos índios que
trabalhassem nas minas porque o príncipe podia impor que seus súditos contribuíssem com a
necessidade e utilidade comum126.
No terceiro parecer o franciscano Fr. Miguel Agia analisou o arbítrio do vice-rei para
executar as cédulas reais retomando normas gerais como: as leis só obrigam se antes forem
recebidas pela maioria; se forem contra a lei natural ou divina não se devia guardar; o rei e o
vice-rei não estavam obrigados a seguirem o parecer comum de todo conselho; devia
considerar a autoridade de quem aconselhava e mesmo assim, não teria o vice-rei obrigação
de segui-lo, mas, tampouco lhe era permitido afastar e desconhecer os pareceres de pessoas
com experiência e consciência127.
Fr. Miguel Agia no final do seu tratado de 1604 dedicou uma parte separada para o caso
de Huancavelica. Ele visitou a mina de Huancavelica em 1603 e presenciou o péssimo estado
em que se encontrava o trabalho e os indígenas. Seu conselho era que esta mina fosse fechada
porque não se extraía dela uma quantidade de minério suficiente, todos os índios morreriam
nesse lugar e nessas condições e existiam outras melhores: “El socabon grande de
Guancavelica, comumente llamado de las minas ricas se deve mandar cerrar, o quitar las
escalas: para que los índios no anden en su labor128”.
Ao terminar seu último parecer, despois de ter apresentado a intenção e vontade do rei;
a justificativa de cada cláusula; e o arbítrio do vice-rei; Agia colocou que para desencargo da
consciência do rei e sua, que a mina de Huancavelica devia ser fechada. Ou seja, ao final de
toda uma justificativa, argumentos e motivos apoiando e defendendo o serviço pessoal para o
bem comum e utilidade pública, o franciscano, considerando o desencargo da sua própria
consciência e não apenas a do rei e vice-rei, opinou objetivamente em favor do fechamento
dessa mina. Ele demonstrou que mesmo existindo premissas que permitiam obrigar os índios
a trabalharem, e ainda que o vice-rei tivesse espaço para agir conforme lhe parecesse melhor,
para ele, e a segurança de sua consciência, a mina devia ser fechada:
126
Idem, p.191-192.
Idem, p.193.
128
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,
F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.128.
127
207
(…) y siento en Dios y en mi consciencia , que no tiene bastante
numero de indios el Rey nuestro señor en todas las Provincias del
Piru, y Nueva España: para los que consumirá y acabara en brevissimo
tiempo el dicho socabon, pues de algunos años a esta parte se ha visto
y ve por experiencia que todos los indios que entran hazer su mita en
el y andan en su lavor, salen irremisiblemente condenados a muerte, y
aunque algunos muerren luego, y otros tardan mas tiempo, es cosa
cierta que ninguno llega a tres años de vida, en los quales es tan cruel
la enfermedad que padescen, que quisieran los tristes morirse luego,
antes que padescerla con tan graves dolores, y congojas. Y esto me
parece salva la censura129.
129
AGIA, F. Miguel, Tratado que contiene tres pareceres graves enderecho, etc., Lima, 1604, ed. de AYALA,
F.J., Servidumbres personales de indios, Sevilla, 1946, Tercero Parecer, p.129.
208
CONSIDERAÇÕES FINAIS
QUESTÕES JURÍDICAS, TEOLÓGICAS E POLÍTICAS
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A teologia moral nos séculos XVI e XVII tinha a função de marcar os limites de até
onde era lícita ou não a prática do homem. O ato podia ser considerado justo ou injusto se
fosse antes tomado pelo entendimento. A consciência, guiada pela virtude da prudência que
discernia entre o bem e o mal, conferia o que era justo ao ato humano. Sem a mediação da
consciência, enquanto ato do entendimento, não se podia conhecer a justiça de uma ação.
O aspecto moral, conscientemente, garantia o caráter justo e assim, quem controlava a
consciência, controlava as decisões e justiça das coisas. Neste ponto temos clara a relação
entre a Igreja e o Estado apontada por Paolo Prodi e Bacigalupo. Deter o controle das
consciências era também controlar as decisões jurídicas, como uma forma de coação, de
impor limites e estabelecer poder. O sistema moral probabilista surgiu nesse debate teológicojurídico incomodando essa relação entre a Igreja e o Estado no controle das consciências. O
probabilismo apresentava argumentos razoáveis, prováveis para que cada pessoa, juiz ou não,
decidisse em sua consciência o que lhe parecesse melhor. Ele não definia uma opção apenas.
Apresentava várias soluções prováveis e justificadas pela mesma razão: são igualmente
prováveis, tanto a mesmo quanto a mais provável, e, para o caso de dúvida, um pequeno grau
de certeza já resolvia o problema moral e prático e estabelecia uma consciência segura.
Fr. Miguel Agia explicou e demonstrou em seus três pareceres os motivos razoáveis
que fundamentavam qualquer decisão do vice-rei Don Luis de Velasco, fosse ela tomada
segundo a perspectiva política, religiosa, econômica ou social. Os motivos trazidos por Agia
evidenciaram claramente sua preocupação pela intenção, boa razão, e utilidade pública. O
argumento que justificava o serviço pessoal dos índios era o de que esse trabalho tinha que ser
para o bem comum, se assim o fosse, então a lei encontrava sentido e razão. Contudo, por
outro lado, o serviço pessoal fazia com que a quantidade de índios diminuísse
consideravelmente e essa perda de mão-de-obra significava não garantir a conservação da
Província e nem os interesses econômicos da Coroa, outros motivos e razões de utilidade
pública. Diante dessa ambiguiedade, o que fazer?
209
Essa dúvida moral e prática que Agia também demonstrou em seus pareceres o fez
contraditório. Mas essa contradição podia ser entendida como uma ambiguidade normal e
como particularidades da práxis dessa época e espaço colonial. Ambiguidade em apresentar
motivos que se contradiziam não podia ser considerada como um defeito ou erro do teólogo.
Ele evidenciou a dúvida que existia e as características da segunda escolástica. Não podíamos
esperar que apresentasse uma única opção, que aconselhasse de maneira objetiva e rigorosa.
Sendo ele franciscano, com conhecimento em direito canônico, leis e teologia, escrevendo
sobre os serviços pessoais no vice-reinado do Peru em 1604, era possível que mostraria o
tema em suas múltiplas variedades e ainda assim não definisse uma razão única. Para dar seu
parecer ele explorou todas as possibilidades razoáveis apoiadas em historiadores, filósofos,
religiosos, costumes antigos, leis e precedentes anteriores, textos bíblicos, circunstâncias
específicas e a própria decisão tomada no foro interno.
O objetivo de Fr. Miguel Agia era justamente encontrar uma harmonia entre os
variados interesses e particularidades sobre um tema delicado e que interferia em relações
econômicas, religiosas, políticas e jurídicas. Tentamos responder, tendo como base a obra do
Agia e dos manuais de teologia, a seguinte pergunta: como era a tomada de decisão em um
contexto religioso, político e jurídico como o vice-reinado do Peru nos séculos XVI e XVII
apoiada pela teologia moral?
A tese do livro de Rafael Ruiz, O sal da consciência era a de que “o foro adequado
para resolver as questões relativas à arbitrariedade injusta dos magistrados seria, não o
público e civil da administração pública, mas o foro privado do sacramento da confissão e,
portanto, a coação possível sobre o mau desempenho da função judiciária estaria,
propriamente na teologia e na dogmática católica, e não na legislação régia 130”. Essa ideia nos
evidenciou a importância e forte influência da teologia moral na tomada de decisão
configurando ao direito uma práxis que estendia e ampliava os limites da aplicação jurídica
para além da norma. E o quanto a justiça necessitava e apelava para o apoio da moral como
peso que garantisse o cumprimento do que fosse considerado, consciente e prudentemente,
como justo. Nessa valoração de sentidos, a intenção e o motivo tinham importância e
relevância fundamentais. Se não se encontrasse a intenção que motivava a ação que seria
entendida conscientemente e discernida prudentemente, a lei não teria sentido, utilidade e não
130
RUIZ, Rafael, O sal da Consciência: Probabilismo e Justiça no Mundo Ibérico. Instituto Brasileiro de
Filosofia e Ciência “Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), São Paulo, 2015, p.21.
210
deveria ser obedecedia. A consciência mediava os atos humanos em seus aspectos morais e
doutrinários. Agir contra a consciência era agir contra liberdade individual e com isso pecar.
Essa importância da teologia coagindo o ato humano estava presente na Real Cédula
de 1601 e nas Instruções dadas ao vice-rei do Peru, Don Luis de Velasco, escritas pelo rei,
quando este encarregava a consciência de Velasco e ressaltava que esperava dele prudência.
A legislação dava margem para um espaço de arbítrio ao permitir que o vice-rei agisse
conforme lhe parecesse melhor e coagia essa mesma decisão tomada em arbítrio, interpretada
dos fatos e normas, ao incumbir à legislação o aspecto moral da consciência e da prudência.
Diante disso, a nossa pergunta de que teria relamente o vice-rei arbítrio para modificar e
flexibilizar a norma foi respondida pela tomada de decisão de Velasco quando este afirmou
que, segundo a opinião dos doutores e o seu entendimento sobre elas e os fatos, era
impossível aplicar a lei sem causar danos à República e aos indígenas. Sendo assim, mesmo
que ele tivesse arbítrio para interpretar a lei e adequá-la, para o caso das minas de Potosí e dos
serviços pessoais, estava limitado. A isso ele justificava que era porque não via na própria lei
a real intenção do rei de fazê-la cumprir no que dizia respeito ao bom tratamento dos índios.
Essa percepção de Velasco foi tida porque justamente ele tinha esse espaço para deliberar
interpretando pelo próprio arbítrio e consciência. A sua consciência o incumbia a fazer
alguma coisa pelo bom tratamento aos indígenas, como mandava a Real Cédula, mas essa
necessidade e motivo não tinha a mesma relevância e importância para o rei. Velasco não
achava que fosse essa a real intenção do rei, assim como Agia também não achava que fosse.
Sem a verdadeira intenção, a lei perdia o sentido e sua aplicabilidade dependeria de outros
fatores que a consciência, prudência e arbítrio do vice-rei ditariam como corretos e justos.
Podemos perceber nessa pesquisa um pouco mais sobre a racionalidade e cultura de
uma práxis jurídica que continha as decisões, opiniões comuns, autoridades, costumes,
arbítrio e consciência demonstrando um processo interpretativo e argumentativo construído
com premissas teológicas, políticas, jurídicas e econômicas que justificavam a aplicação ou
não da lei.
Fray Miguel Agia buscou a orientação e a opinião comum de pessoas entendidas nos
assuntos que ele não dominava. A teologia surgiu para ele como um guia que solucionava as
dúvidas, porque até mesmo um teólogo podia ter dúvidas. O parecer do Fr. Miguel Agia
refletiu seus atos e como pensava e montava seu argumento. Nele continha a pesquisa que fez
em livros, seu conhecimento teológico, doutrinário, jurídico e também a sua experiência
vivenciada na realidade e nas circunstâncias específicas e complexas das Índias, espaço e
lugar de onde ele escreveu.
211
O parecer de Agia foi escrito sobre outros pareceres, e, como um bom cristão e homem
prudente, ele trouxe as causas e consequências do trabalho dos índios, tanto para esses quanto
para a República. Essa preocupação evidenciou uma maneira de prevenir o que poderia
acontecer se faltasse um ou outro. Ao apresentar as possibilidades, exemplificar com
experiências passadas, relatar sua própria vivência, trazer autores e doutores como referências
científicas, políticas, filosóficas e religiosas, ao tratar do costume, de casos particulares, do
uso e da prática da Real Cédula, Agia foi prudente e praticou o que seu parecer orientava.
A Real Cédula tinha que ser conhecida para ser cumprida e executada. As características
apresentadas por Agia para um juiz árbitro evidenciaram o espaço conferido pelo rei ao seu
vice-rei, de executar, alterar, mudar, remover e deixar de executar o que lhe parecesse
conveniente. O vice-rei podia usar seu arbítrio para flexibilizar as leis e aplicá-las.
Esse espaço que era dado para acomodar as leis indicava que os termos pelos quais
estas eram executadas eram complexos e específicos. Se o vice-rei tinha a possibilidade de
agir pelo seu arbítrio, isso significava que o rei – quem consentiu a ele esse poder e faculdade
– reconhecia que sua Real Cédula não continha todas as normas para as situações que
poderiam existir. Outro motivo que podia indicar a importância do arbítrio do vice-rei era o de
que o rei reconhecia que para a conservação de suas províncias e República, dependia de leis
que se acomodassem a um ambiente e território que ele mesmo desconhecia. Esta era uma
maneira de garantir a justiça. Deixar para o arbítrio a solução para a causa duvidosa. Essa
maneira de permitir que todas as possibilidades aparecessem como desafios e novas formas de
controle e observação dos vice-reinados indianos, seus habitantes, sua produção e tratamento,
buscando prudentemente prevenir qualquer dano.
Podemos entender que as características atribuídas a um juiz árbitro abriam margem
para que a prática e as circunstâncias locais apresentassem possiblidades para deliberar e
governar as Índias, que não fossem apenas as leis e a Real Cédula. A prática do juiz árbitro,
que ao conhecer o caso particular que sentenciaria, podia conferir às leis a sua margem de
flexibilidade e adaptação. O vice-rei podia alterar, remover e deixar de executar as leis se as
conhecesse primeiro e soubesse porque não condiziam com a realidade específica. Havendo
causa e razão, o vice-rei, segundo lhe parecesse melhor, tinha permissão do rei para alterar as
normas régias.
As leis precisavam ser conhecidas, mas o rei não mandou que fossem inflexíveis ou
executadas com rigor. Pelo contrário, toda vez que mencionava que o vice-rei podia agir
conforme lhe parecesse melhor e mais conveniente, ele permitia espaço para flexibilidade da
lei.
212
O vice-rei, em sua função de juiz árbitro, depois de conhecer a Real Cédula, podia
decidir sobre o que lhe parecesse útil e necessário para o bem comum e conservação da
República. Ele tinha um espaço de margem concedido pelo próprio rei descrito na Real
Cédula, mas esse espaço não estava cedido para agir sem propósito nenhum ou segundo
interesses particulares e privados. O vice-rei tinha arbítrio toda que vez que achasse
conveniente para o “bem comum” e utilidade pública, e o que era agir conforme o “bem
comum”, estava muito claro e marcado – preservar os índios para que estes mantivessem o
interesse e benefícios extraídos das minas e repartimientos. Parece que tudo o que fosse
decidido e sentenciado pelo vice-rei, deixando de lado a lei, devia ser argumentado e
justificado por essa utilidade. E nesse ponto o tratado do Fr. Miguel Agia auxiliava muito ao
vice-rei.
Podemos concluir, com base nos motivos e argumentos dados pelo Agia ao arbítiro do
vice-rei, e pela leitura do manual de teologia do franciscano Henrique de Villalobos, que Fr.
Miguel Agia era probabilista, antes mesmo dos jesuítas serem denominados assim.
213
REFERÊNCIAS
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