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O MINISTÉRIO PÚBLICO E A COLABORAÇÃO PREMIADA
Gustavo Senna
Sumário: 1. Introdução; 2. Notas sobre a necessidade de proteção às testemunhas e vítimas
ameaçadas; 3. Os suspeitos/réus colaboradores - da colaboração premiada no Brasil; 3.1.
Introdução; 3.2. Hipóteses legais de colaboração premiada; 3.3. Requisitos da colaboração
premiada; 3.3.1. Voluntariedade da colaboração; 3.3.2. Relevância das declarações do
colaborador; 3.3.3. Efetividade da colaboração premiada; 3.3.4. Outros requisitos subjetivos e
objetivos; 3.4. Ética e colaboração premiada; 4. A atuação do Ministério Público nas
colaborações premiadas; 4.1. A ilegítima “demonização” do Ministério Público; 4.2. A
titularidade exclusiva do Ministério Público para as propostas de colaboração premiada;
4.2.1. Cautelas práticas que deve ter o Ministério Público para concretização da medida;
4.2.2. A possibilidade de arquivamento do inquérito policial ou outro procedimento
investigativo criminal com fundamento na colaboração premiada. 5. Conclusão;
Referências
1. Introdução
O fim do direito é a paz, o meio de atingi-lo a luta.
Enquanto o direito tiver de contar com as agressões
partidas dos arraiais da injustiça – e isso acontecerá
enquanto o mundo for mundo – não poderá
prescindir da luta. A vida do direito é a luta – uma
luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos
indivíduos (Rudolf Von Ihering1).
Valendo-se das palavras clássicas de Rudolf Von Ihering, a luta pelo Direito é permanente,
como é permanente a luta contra o crime, pois este revela o desrespeito ao Direito, na
medida em que configura verdadeira agressão a bens jurídicos fundamentais, essenciais
para a pessoa humana. E enquanto “o mundo for mundo” infelizmente existirá o crime e,
felizmente, existirá quem o combata.
Portanto, o crime deve ser combatido com a máxima efetividade, sendo descabida a crítica
de pretensos garantistas2 às expressões como “combate ao crime”, “luta contra o crime”,

Promotor de Justiça do Estado do Espírito Santo; Mestre em Direito; Professor da Escola Superior do
Ministério Público/ES e da FDV; e-mail: [email protected].
1
A luta pelo Direito. Tradução de Richard Paul Neto. 4ª ed. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1983, p. 15.
2
Não estamos aqui criticando o garantismo em si. O que se critica é um garantismo inconsequente e irreal,
pois tal postura desconsidera que o legítimo garantismo deve ser consequente, equilibrado e real.
1
pois de forma alguma elas querem dar a idéia de caráter belicoso, de desrespeito aos
princípios decorrentes do princípio-mãe do devido processo legal. Não! Apenas quer
significar que o enfretamento da criminalidade deve ser uma luta de todos, sendo, portando,
um compromisso ético.
Com efeito, como destaca Nicola Framarino dei Malatesta, “todo fato criminoso particular,
considerado genericamente, enquanto delito em geral, viola o direito da tranqüilidade
jurídica e, enquanto se resolve em igual violação, constitui sempre um delito continuado.
Todo delito particular não é, com efeito, mais que uma afirmação explícita da falta do
respeito ao direito; ou manifestações, num fato externo, de uma ameaça contra todos os
direitos, iguais ou inferiores ao direito violado: é uma afirmação explicita e real, de que se
está pronto a impor algum direito, de igual ou menor respeitabilidade que o direito
violado, sempre que entre em luta com suas paixões. Esta ameaça não se exaure com o ato
consumativo da violação do direito particular, mas continua ainda sua trajetória
criminosa; até que sua continuação de vida seja detida pela pena. Ela não vem ferir o
delinqüente pela sua consumada violação de um particular direito: quanto a esta, factum
infectum fieri nequit, só seria legítima a ação civil. A pena vem a ferir o delinqüente para
interromper a continuação de sua ação criminosa contra a tranqüilidade jurídica do
ofendido e toda coletividade”.3
Mas, se é necessário que haja efetividade no combate ao crime, por outro lado não deve ser
esquecido que o princípio da presunção de inocência impossibilita a condenação criminal
de uma pessoa sem que esta tenha o direito de se defender4 e sem que tenha sido
plenamente comprovado o fato imputado, pois a dúvida, como se sabe, milita a favor do
acusado, em decorrência da consagração entre nós do princípio in dubio pro reo, postulado
fundamental para a legitimidade da Justiça Criminal.
Nessa senda, tema dos mais importantes – e delicados - do processo penal é o relativo às
provas, pois é através da prova, e somente por meio dela, que será possível aplicar a mais
grave das sanções a uma pessoa humana: a pena privativa de liberdade.
Dessa forma, a efetividade do processo criminal depende fundamentalmente dos meios de
prova utilizados, eis que apenas através desse caminho, quando desenvolvido de forma
clara, será possível jogar luzes no fato até então obscuro, proporcionando ao julgador uma
aproximação mais segura em relação à verdade, ainda que somente processual. Melhor
dizendo, que tenha o julgador, na sua tarefa árdua de reconstituição do fato criminoso, uma
crença de estar de posse da verdade, ainda que não seja real, porém, possível de se alcançar
dentro do que foi desenvolvido nos autos do processo.
Pois bem. Como se sabe diversos são os meios de prova previstos no ainda vigente Código
de Processo Penal, estando a matéria disciplinada no seu Livro I, Título VII, Capítulos I a
3
A Lógica das Provas em Matéria Criminal, Volume I, Tradução Waleska Girotto Silverberg, ed. Conan,
1995, p. 12.
4 O que já era reconhecido até mesmo no direito romano: “Não era costume dos romanos condenar homem
algum antes do acusado ter presentes os seus acusadores e antes de se lhe dar liberdade para ele se defender
dos crimes que lhe imputam” – Acta Apostolorum, 25, 16 (apud TONINI, Paolo, A Prova no Processo Penal
Italiano, tradução de Alexandre Martins e Daniela Mróz, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 15).
2
XI (arts. 155 a 250)5, no qual estão previstas as provas nominadas. Porém, é sabido que ao
lado das provas ditas nominadas existem as inominadas, o que está em consonância com o
princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, consagrado no art.
157 do mesmo diploma legal.
Entre as provas nominadas, uma das mais importantes e utilizadas nos processos criminais
é a prova testemunhal. Realmente, é inquestionável que a prova testemunhal, embora
criticada por muitos, configura um dos meios de prova mais comumente produzidos na
esfera criminal, não havendo como desconsiderar sua utilidade nos processos.
Aliás, sua importância já era ressaltada por consagrados doutrinadores, como Bentham, que
em sábias palavras reproduz todo o significado da prova testemunhal: “As testemunhas são
os olhos e os ouvidos da Justiça. Desde que os homens existem e desde que têm a pretensão
de fazer justiça hão valido das testemunhas como o mais fácil e comum meio de prova; sua
importância no campo criminal é considerável; freqüentemente é a única base das
acusações”.6
Com efeito, a utilização do referido meio de prova decorre das próprias peculiaridades dos
crimes, mormente quando se sabe que em muitos casos a prova testemunhal será a única
possível de ser produzida. Daí porque a pessoa que se presta a colaborar com a justiça,
conquanto tenha um dever cívico7, deve ter a seu favor a contrapartida do Estado no sentido
de garantir a preservação de sua integridade física e mental, sendo isso o mínimo que se
espera de um Estado que se diz Democrático e de Direito, que tem como um de seus
fundamentos o respeito à dignidade da pessoa humana.8
Contudo, é sabido que em determinados tipos de crime a prova testemunhal é silenciada
quase que por completo, sendo praticamente impossível para o Estado evitar esse
fenômeno, que decorre, dentre outros fatores, do medo natural das pessoas que presenciam
praticas delituosas, medo esse turbinado quando há investidas ou ações covardes de
organizações criminosas e de criminosos violentos.
Nesse cenário surge a colaboração premiada, instituto que suscita intenso debate na
comunidade jurídica, que é o objeto central do presente ensaio, que abordará também a
postura do Ministério Público em relação ao mesmo, visando traçar limites e estratégias
necessárias para sua legitimidade nos processos criminais.
5
Não se desconhece da divergência acerca da real natureza jurídica do interrogatório e da busca e apreensão.
Porém, a polêmica escapa aos limites do presente trabalho, merecendo estudo próprio e separado. Quanto ao
interrogatório, com o advento da Lei nº 11.719/2008, que alterou os procedimentos no processo penal, criando
o rito comum, inegavelmente assumiu a natureza primordial de meio de defesa, pois sua realização foi
transportada para momento posterior à oitiva de testemunhas.
6
Apud ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da Prova no Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva,
1994, p. 114.
7
Conforme observa C. J. A, Mittermaier, “todo cidadão é obrigado a concorrer para o serviço do Estado;
ora sendo a perseguição e repressão dos crimes coisas necessárias para a manutenção da segurança e da
ordem públicas, segue-se que o comparecimento para depor, requerido por parte do Estado, constitui, em
matéria criminal, um dever cívico” (Tratado da Prova em Matéria Criminal, 3ª ed., Campinas: Bookseller,
1996, p. 245).
8
Cf. art. 1º, III, CF.
3
2. Notas sobre a necessidade de proteção às testemunhas e vítimas ameaçadas
Como destacado, é inquestionável que proteger efetivamente testemunhas acaba sendo uma
importante ferramenta no combate à criminalidade, em especial a organizada9, notadamente
quando se sabe que - não raramente - muitas pessoas deixam de cumprir esse dever cívico,
fazendo opção pelo silêncio, ainda que sob ameaça de ser processada, o que se explica pelo
medo de represálias de toda ordem por parte daquelas contra as quais depõe.
Com isso, a testemunha acaba tomando partido pela preservação de sua vida e integridade
física, bem como de seus familiares, situação que, lamentavelmente, favorece a impunidade
e, consequentemente, reflete no aumento da criminalidade, que já se encontra em estado
agudo em relação à criminalidade dourada10, afirmação que se faz sem qualquer cunho
midiático, mas apenas com os olhos voltados para realidade, que alguns operadores teimam
em não enxergar, mais parecendo viver em um plano esotérico, irreal.
9
Cuja conceituação, por meio de lei infraconstitucional, veio finalmente a ocorrer no Brasil com a Lei nº.
12.694/12, que dispôs sobre o processo e julgamento em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados
por organização criminosa, como se percebe pela redação de seu art. 2º (“Art. 2o Para os efeitos desta Lei,
considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e
caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou
indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena máxima seja igual ou
superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional”). Posteriormente, outro importante
diploma não só conceituou como também tratou de prever um tipo penal. Trata-se da Lei nº 12.850, de 02 de
agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de
obtenção da prova, infrações penais correlatas e procedimento criminal. Com efeito, a definição está prevista
no art. 1º, § 1º, do referido diploma, que assim dispõe: “Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e
dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o
procedimento criminal a ser aplicado. § 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro)
ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente,
com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de
infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter
transnacional”. Por sua vez, a tipificação está delimitada no art. 2º, ao dispor: “Art. 2o Promover, constituir,
financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena - reclusão, de 3
(três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais
praticadas”.
10
A expressão remete a Versele, que fala sobre as cifras douradas da criminalidade, que se refere aos delitos
não tratados no sistema penal relativo aos indivíduos que dispõem de poder político e econômico (VERSELE,
Severin C., Las cifras doradas de la delinqüência, in Revista del ILANUD AL DÍA, Año 1, San José da Costa
Rica, 1978, p. 21). Conforme observa Ela Wiecko V. Castilho (O controle penal nos crimes contra o sistema
financeiro nacional, Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 52-53), é a expressão cunhada por Versele serve “para
designar a cifra oculta dos crimes praticados pelos agentes que têm o poder político e o exercem
impunemente em benefício próprio ou de uma minoria, bem como os agentes que dispõem de poder
econômico, utilizando-o em detrimento da sociedade (...) as formas delitivas que são características dessa
classe social: fraude refinadas em prejuízo de uma coletividade, manipulação fraudulenta do crédito,
falências fraudulentas, autoria intelectual e crimes de colarinho branco”. Também sobre o tema é oportuno
trazer à colação as colocações de Lola Aniyar de Castro (Criminologia – Da reação social, tradução e
acréscimo de Ester Kosovski, Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 75), que destaca que de acordo com Versele,
em sua comunicação à 2ª Seção do V Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Tratamento
do Delinquente, em Genebra, 1975, “além da cifra negra dos delinqüentes que escapam a toda detenção
oficial, existe uma cifra dourada de delinqüentes que detêm o poder público e o exercem impunemente,
lesando a coletividade e cidadãos em benefício da sua oligarquia, ou que dispõem de um poderio econômico
que desenvolvem em detrimento da sociedade”.
4
Porém, ocorre que a regra que vigorou até pouco tempo no ordenamento jurídico brasileiro
foi a de total descaso em relação ao tema, havendo um eloquente silêncio na legislação.
Não bastasse isso, também não deve ser esquecida a absoluta falta de planejamento e de
programas por parte dos órgãos de segurança pública, infelizmente ainda impregnados com
a cultura de medidas paliativas no controle e combate à criminalidade, que desconsideram
totalmente a necessidade de enfretamento do problema por meio de uma política criminal
séria e efetiva, enfim, com inteligência, postura que lamentavelmente ainda persiste nos
dias atuais.
Destarte, ao menos em relação à positivação, há tempos o ordenamento jurídico brasileiro
reclamava uma regulamentação legal no que tange aos programas de proteção a vítimas e
testemunhas de crimes ameaçadas, a exemplo do que já existia em outros países, como os
Estados Unidos, que foi pioneiro na criação de programas dessa natureza, notadamente
visando o combate ao crime organizado.11
Felizmente o panorama, ao menos em sede legislativa, começou a mudar com a
promulgação, em 13 de junho de 1999, da Lei nº 9.80712, diploma que representa um
verdadeiro marco oficial da institucionalização do processo de expansão dos programas de
proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, conhecidos como Provita13.
Referido programa pode ser entendido como uma rede de proteção às vítimas e
testemunhas, fundamentado na idéia da reinserção social de pessoas em situação de riscos,
em novos espaços comunitários, de forma sigilosa, sendo um dos pontos mais interessantes
o fato de que além do apoio estatal, conta ele também com a efetiva participação da
sociedade civil, na construção de uma rede solidária de proteção.
Assim, a importância de programas como o Provita na luta contra a impunidade é inegável,
mormente quando se sabe, como destacado, que a prova testemunhal configura uma das
mais relevantes no processo criminal, não podendo ser esquecido que a apuração de
infrações penais tem na referida prova um de seus principais instrumentos. Daí porque
Sobre a questão, esclarece José Braz da Silveira que “O Serviço Marshall foi criado nos Estados Unidos,
em 1789, visando reforçar as Leis Federais, proteger Juízes Federais, Jurados, e em determinadas ocasiões,
também o Presidente da República, até a criação do serviço secreto com esta finalidade especifica. Em 1970,
entretanto, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a chamada Lei do Crime Organizado, dando missão
específica ao Marshall, criando o Programa de Segurança da Testemunha ou simplesmente Programa Witsec
que passou a operar em 1971. Adota até hoje, o lema ‘Testemunho: Proteção para o Resto da Vida’.
Marshals Service é uma agência responsável pela segurança da Corte e do Poder Judiciário e vinculado a
esta agência está o Programa Witsec de Segurança à Testemunha” (A Proteção à testemunha & o crime
organizado no Brasil, Curitiba: Juruá, 2004, p. 22).
12
Que “estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas
e a testemunhas ameaçadas, institui o Programa Federal de Assistência a Vítima e a Testemunhas
Ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado
efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal”.
13
No Brasil deve ser lembrada a iniciativa pioneira do GAJOP (Gabinete de Assessoria Jurídica às
Organizações Populares), sediado em Recife-PE, responsável pelo surgimento do primeiro Provita. Seguiramse a Pernambuco os Estados da Bahia, Espírito Santo e Rio de Janeiro, que ainda no ano de 1998 firmaram
convênios para implantação do Provita. Atualmente a maioria dos Estados compõe o Sistema Nacional de
Proteção a Vítimas e Testemunhas.
11
5
programas de proteção a vítimas e testemunhas devem ser apoiados e estimulados, na
medida em que proporcionam segurança a uma pessoa que tem informações importantes
para apuração de uma infração penal, para que assim possa depor sem o medo de que esteja
“marcada para morrer”, sem olvidar dos deveres de proteção do Estado.
Aliás, visível é a relevância dos referidos programas nos dias atuais, quando a
criminalidade violenta, em especial a organizada e difusa, tem entre suas características a
imposição da “lei do silêncio” (a omertà14), sendo esse apenas mais um dos fatores na
inibição ou desestímulo ao depoimento.15
Nessa linha, observa Luiz Flávio Gomes: “Especialmente no que concerne à criminalidade
organizada, à prática de atos criminosos graves como chacinas, aos conflitos agrários,
violência de policiais e corrupção, por possuírem uma etiologia criminógena própria,
virtualmente mais intimidantes, fazem com que as pessoas que possam fornecer
informações úteis para se determinar a autoria e a responsabilidade se neguem a fazê-lo,
para correr perigo, pois passam a ser “marcado para morrer”.16
Não é tudo. Velar pela proteção das testemunhas e vítimas ameaçadas significa também - e
o que é mais importante - velar pelo respeito aos direitos humanos, compromisso não só
dos órgãos públicos, mas, igualmente, de toda sociedade, eis que configura um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito17.
14
Regra de silêncio do fenômeno mafioso. A omertà significa certeza de não ocorrerem revelações, delações
e testemunhos, tendo garantido a sobrevivência da máfia siciliana e da Cosa Nostra. Segundo destaca Wálter
Fanganiello Maierovitch (Na linha de frente pela cidadania. A criminalidade dos potentes, São Paulo:
Michael, 2008, p. 45) Sciascia analisou o comportamento omertoso na obra intitulada O Dia da Coruja, sendo
a expressão uma referência à ave que pouco enxerga. Segundo ele, “Nesta obra, destacou o comportamento
de um vendedor de panello, tradicional doce siciliano. E esse panelaro fixou-se na praça principal, junto ao
ponto de partida do ônibus usado pelos trabalhadores. No dia da coruja, um passageiro foi morto ao pisar no
degrau de entrada do lotado coletivo. Foi alvejado por ruidosos tiros de lupara: fuzil usado na caça ao lobo
e arma-símbolo da velha máfia. A arma sempre era deixada próxima ao corpo da vítima, para intimidar a
omertà. (...) No lugar, a polícia, além do cadáver, encontrou o motorista e o cobrador do ônibus, que
afirmaram nada terem visto. Convocado pela polícia por presunção de encontrar-se na praça, o panellaro
confirmou sua presença. Mas com ar de surpresa acerca do sucedido perguntou ao policial: - dispararam?”.
15
Sobre os diversos fatores preponderantes na inibição ou desestímulo ao depoimento consultar: BALDAN,
Édson Luís. Proteção à vitima e à testemunha e a prática policial, in Justiça Penal 7, coordenador Jaques de
Camargo Penteado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, especialmente p. 385-394. Aliás, entre os fatores,
merece destaque a proximidade entre a testemunha e o autor, pois conforme observa Édson Luís Baldan,
“Vítima coabita com o autor ou com ele partilha um pedaço geográfico restrito, por exemplo, no mesmo
bairro ou na mesa comunidade (‘favela’). Em tais casos a inibição é eficaz, independentemente de qualquer
conduta positiva do autor para exercício da coação, sendo agravada quando não se verifica a restrição da
liberdade do investigado. Tal hipótese é corrente, também, nos casos em que a testemunha ou vítima venha a
se achar encerrada no mesmo estabelecimento prisional, educacional, hospitalar ou laboral onde por
coincidência se encontre o indigitado” (idem, p. 386).
16
Lei de proteção a vítimas e testemunhas: primeiras considerações, in Justiça Penal 7, coordenador Jaques de
Camargo Penteado, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 350.
17
Felizmente, essa linha protetiva teve outro relativo avanço com a Lei nº 11.690/2008, que inseriu regras
protetivas das testemunhas e vítimas ameaçadas, o que vem a somar com a Lei nº 9.807/99. Dentre outros,
destacamos os arts. 201 e 217 do CPP.
6
Portanto, é fundamental que os operadores jurídicos, principalmente os que militam na área
criminal, conheçam a estrutura do Provita, sua composição e funcionamento e,
especialmente, os requisitos exigidos para a pessoa ingressar no programa. Também, de
igual forma, técnicas e mecanismos de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas devem
ser conhecidas, para sua correta utilização, muito embora não seja aqui esquecido que há
ainda um longo caminhar, notadamente diante da escassez de recursos destinados aos
programas de proteção.
Logo, se limitar a dizer que os programas não funcionam porque não há investimentos e
ficar somente nesse aspecto não basta, pois tal postura desconsidera por completo o papel
que deve ter o operador jurídico como formador de opinião, como agente transformador.
Esse tipo de comportamento ainda é mais grave quando sequer há uma busca em se
conhecer efetivamente a legislação e a estrutura dos programas de proteção existentes, eis
que somente dessa forma é possível fazer uma crítica acertada e construtiva, bem como de
apresentar soluções para o aperfeiçoamento da questão, devendo, portanto, ser rechaçada as
manifestações que nada contribuem para aclarar o tema18
Da mesma deficiência, com a vênia devida, padecem aqueles que criticam o instituto da
colaboração premiada, especialmente aqueles que, de forma mecânica, se limitam a dizer
que se trata de figura inconstitucional e antiética, valendo-se, não raramente, de argumentos
“ad terrorem”, comparando os defensores do mencionado instituto com nazistas, fascistas e
muitas outras etiquetas da moda, desqualificando assim a discussão19.
Dessa forma, é fundamental uma análise sistemática e séria da colaboração premiada,
especialmente porque, como será visto, já é uma realidade no ordenamento jurídico
brasileiro, ganhando fôlego e renovação com o advento da Lei nº. 12.850/2013.
3. Os suspeitos/réus colaboradores - da colaboração premiada no Brasil
Um dia, os juristas vão se ocupar do direito premial.
E farão isso quando, pressionados pelas
necessidades práticas, conseguirem introduzir
matéria premial dentro do direito, isto é, fora da
mera faculdade ou arbítrio. Delimitando-o com
regras precisas, nem tanto no interesse do aspirante
18
Embora voltadas para dogmática penal, são oportunas as ponderações de Joachim Hruschka (Imputación y
Derecho penal. Estudios sobre la teoria de la imputación, trad. de Pablo Sánchez-Ostiz, Navarra: ThompsonAranzadi, 2005, p. 275), que diz: “La doctrina juridico-penal sólo será de ayuda a la práxis si contribuye con
la ‘aclaración’ de problemas – en la medida en que esté a su alcance -. Pero con un ‘muestrario de meras
opiniones’ no se ayuda a nadie. A ello, por tanto, podemos y deberiamos reuniciar”.
19
Não que a controvérsia não seja salutar, pois ela é, “com frequencia, útil para os dois lados, como roçar de
cabeças que serve para cada um retificar os próprios pensamentos e também para adquirir novos pontos de
vista. Mas os dois contendores devem ser similares em cultura e inteligência. Se um carece da primeira, não
capta tudo, não está ad niveau. Se carecer da segunda, o rancor que este fato produz o instigará à
deslealdade, à astúcia, à vilania” (SCHOPENHAUER, Arthur. Como Vencer um Debate sem Precisar Ter
Razão. Tradução de Daniela Caldas e Olavo de Carvalho. Rio de Janeiro: Topbooks, 2003, p. 184).
7
ao prêmio, mas sobretudo no interesse superior da
coletividade (Rudolf Von Ihering20).
3.1. Introdução
É inegável que o depoimento do investigado ou réu, muito embora seja considerado um
meio de defesa, pode se revelar, em certas situações, importante meio de prova, sendo cada
vez mais usual nas investigações e processos criminais lançar mão da colaboração
premiada21 de coautores ou partícipes, visando à elucidação dos crimes, quando conjugada
com outros elementos. Também por meio desse instituto se busca, por exemplo,
proporcionar a prisão dos outros agentes envolvidos na infração penal, a apreensão de
instrumentos ou produtos do crime, a localização da vítima com vida, enfim, contribuindo
de qualquer modo com as investigações ou com o processo criminal, mormente quando os
meios tradicionais de obtenção de prova, isoladamente, não se mostram suficiente para o
caso.
Com efeito, em muitas situações o crime será praticado distante dos olhos de testemunhas.
Aliás, em outras hipóteses, como observado, ainda que existam testemunhas, em face da
“lei do silêncio” imposta pelo crime, em especial pela criminalidade violenta ou
organizada, será praticamente impossível de se obter um depoimento e, consequentemente,
a punição do agente, o que inquestionavelmente contribui ainda mais com o aumento desse
tipo de criminalidade.
Portanto, em alguns casos extremos, é inquestionável que a delação de um dos autores
passa a ser essencial para o esclarecimento dos fatos, sendo, destarte, importante e
legítimo22 instrumento na elucidação de crimes, que não pode ser desconsiderado23. Porém,
20
Apud CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes de Pádua Cerqueira. Delação Premiada. Revista Jurídica
Consulex, Ano IX, nº 208, 15 de setembro de 2005, p. 25.
21
Que é a expressão que sempre preferimos mesmo antes do advento da Lei n° 12.850/2013, em face do tom
pejorativo empregado na expressão “delação premiada”. Agora tal expressão ganhou reforço pela opção do
legislador em utilizá-la no referido diploma.
22
Inclusive é de se destacar que a legitimidade do referido instituto foi defendida pelo Ministro do STF
Gilmar Mendes que, ao falar sobre a delação premiada, declarou: “É um instituto legítimo, foi aprovado pelo
Congresso Nacional e tem sido utilizado. Aqui ou acolá ouço críticas dos criminalistas de que alguns juízes
abusam desse instituto, mas certamente não há nenhuma ilegitimidade na sua prática” (Cf. matéria
“Presidente do STF afirma que delação premiada é legítima”, publicado no Jornal Folha de São Paulo,
Caderno brasil, de 24/03/2009, p. A6). A afirmação, portanto, é contrária ao que disse anteriormente o
Ministro no HC 92853/MG (publicado no DJ de 20.11.2007, p-00059), onde fez duros ataques à legitimidade
ao instituto. Ao que parece, houve uma mudança de opinião. Veremos como serão suas futuras manifestações
em relação ao instituto em tela. É de ser destacado, ainda, a questão de ordem referente ao Inq. 2245/MG,
julgado pelo Pleno do STF, tendo como relator o Min. Joaquim Barbosa (publicado no DJ em 09.11.2007),
onde é percebida uma aceitação por parte dos Ministros, em sua grande maioria, do instituto da colaboração
premiada.
23
Aliás, em relação à importância do instituto, Gerald Shur, considerado uma das maiores autoridades de
proteção às testemunhas nos Estados Unidos, falando de sua experiência em relação ao programa americano,
em entrevista concedida à Revista Época, edição de 24 de agosto de 1998, p. 33 (apud SILVEIRA, José Braz
da, ob. cit, p. 130/131), declarou: “Dezenas de milhares de criminosos foram presos em decorrência do
programa. Foi uma das iniciativas mais importantes no combate ao crime em toda História do país. (...)
Depende do crime que se pretende combater. O grande crime organizado, que envolve tráfico e terrorismo,
dificilmente pode ser desbaratado sem a colaboração de criminosos arrependidos que tragam informações de
8
deve ficar claro que com essa assertiva, logicamente, não se está afirmando que a
colaboração premiada seja transformada no “coração do processo”.
Pois bem. Inspirado principalmente nos sistemas norte americano24 e italiano25, o legislador
brasileiro consagrou na Lei 9.807/1999 mecanismos de proteção26 e benefícios processuais
aos indiciados/réus colaboradores, o que se convencionou denominar em certo setor da
doutrina de “delação premiada”, em geral com a intenção de depreciar o referido meio de
prova, notadamente valendo-se de argumentos de cunho ético, objeções que serão refutadas
mais adiante.
Porém, como já destacado, preferimos a expressão colaboração premiada, que julgamos
mais adequada, valendo-se não só da linguagem da própria legislação atual, como se verá
dentro das organizações. (...) Como fundador do programa, minha maior satisfação é saber que algumas das
maiores quadrilhas do crime organizado dos Estados Unidos jamais teriam sido desbaratados sem o Witsec”.
24
Emblemático nos EUA são os acordos entre acusação e acusado, denominados de guilty plea (confissão do
imputado), já incorporados na cultura jurídica do país, pelos quais são conferidas vantagens ao acusado (v. g.,
redução da pena ou não punição) em troca de sua confissão e delação dos eventuais cúmplices. Segundo
Eduardo Araujo Silva (Crime Organizado, São Paulo: Atlas, 2003, p. 78), “Essa sistemática é resultante da
tradição calvinista, na qual confessar publicamente a culpa, praticar um ato de contrição revelam uma
atitude cristã que deve ser valorizada pelo direito. Em tempos remotos, antes do início do julgamento, o juiz
indagava o acusado quanto a sua pretensão de declarar-se publicamente culpado, pedir perdão e aceitar
livremente a punição de seu crime. Atualmente, a admissão de culpa não se destina à satisfação da moral
pública, podendo resultar em eficaz estratégia do Ministério Público para obter a condenação dos chefes do
crime organizado. Aceitando a proposta do procurador para ‘testemunhar’ em favor da acusação, o
colaborador é incluído num witness profession program, no qual poderá usufruir de uma nova identidade,
alojamento, dinheiro e outra profissão”.
25
Principalmente na conhecida operação “mãos limpas” desencadeada contra a máfia italiana, na qual foi
bastante utilizada a figura do “arrependido” ou “pentitio”, denominação criada pela imprensa nos anos 70
para designar os agentes que colaboravam com a justiça, confessando seus crimes e fornecendo elementos
para seu esclarecimento, inclusive proporcionando a obtenção de provas contra os eventuais cúmplices (Cf.
SILVA, Eduardo Araujo da, ob. cit., p. 79). Importante destacar que a adoção da colaboração premiada teve
seu nascimento para o combate aos atos de terrorismo, configurando relevantíssimo instrumento para a
redução dessas ações, sendo que só posteriormente surgiu a idéia de ampliar a sua aplicação para o direito
penal comum, especialmente para os delitos de extorsão mediante seqüestro, de associações criminosas e
crimes econômicos, o que foi objeto de polêmica entre os doutrinadores (sobre o tema, cf. FRANCO, Alberto
Silva. Crimes Hediondos, 5ª ed., 2005, p. 352/353).
26
A respeito das medidas de proteção, destaca-se na Lei nº 9.807/1999, o art. 15, que assim dispõe: “Art. 15.
Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e
proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva. § 1o Estando sob prisão
temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência
separada dos demais presos. § 2o Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor
do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8 o desta Lei. § 3o No caso de cumprimento da pena em
regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do
colaborador em relação aos demais apenados”. A Lei nº. 12.850/2013 complementa a referida regra,
especialmente em seu art. 5º, que assim estabelece: “Art. 5o São direitos do colaborador: I - usufruir das
medidas de proteção previstas na legislação específica; II - ter nome, qualificação, imagem e demais
informações pessoais preservados; III - ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e
partícipes; IV - participar das audiências sem contato visual com os outros acusados; V - não ter sua
identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização
por escrito; VI - cumprir pena em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.
9
adiante, que a todo tempo se utiliza dos termos “colaborar”, “colaborador”, mas, também,
seguindo uma tendência internacional.27
Por ora, cabe conceituar a colaboração premiada como uma forma de contribuição
voluntária do investigado/réu para elucidação do crime, por meio da confissão de suas
infrações perante uma autoridade, bem como de delação em relação aos eventuais
cúmplices, tendo como contrapartida do Estado a concessão de benefícios de ordem pessoal
(como de garantia de sua integridade física e psíquica, bem como de sua família),
processual (como a não propositura de uma ação penal) e material (como redução de pena
ou de isenção de responsabilidade penal com a aplicação de perdão judicial)28.
3.2. Hipóteses legais de colaboração premiada
Não obstante não seja objeto do presente estudo analisar a evolução histórica da
colaboração premiada no Brasil, se pode destacar que a doutrina mais abalizada já apontava
sua existência nas Ordenações Filipinas29, sendo posteriormente abolida do ordenamento
jurídico brasileiro com o advento do Código Criminal do Império, que não tratou do
instituto.
Somente no início da década de 90 que o instituto retornou no nosso ordenamento jurídico,
por meio da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº. 8.072/90). Com o objetivo de verificar a
evolução legislativa do instituto em comento a partir de tal diploma, é importante fazer uma
rápida incursão pelos casos previstos expressamente na legislação pátria. São eles:
1) Colaboração premiada no então crime de quadrilha ou bando - art. 8º, parágrafo único30
da Lei nº 8.072/1990.
27
Nesse sentido: SILVA, Eduardo Araujo da, ob. cit., p. 77.
Em razão de seus efeitos, Antonio Scarance Fernandes (O equilíbrio na repressão ao crime organizado. In
Crime Organizado. Aspectos processuais. FERNANDES, Antonio Scarance; ALMEIDA, José Raul Gavião;
MORAES, Maurício Zanoide (Coord.). São Paulo: RT, 2009, p. 20) faz distinção entre colaboração material e
processual: “Essa colaboração, conhecida entre nós como delação premiada, pressupõe o oferecimento de
vantagens a quem auxilia, as quais podem ser de duas ordens: material ou processual. As primeiras
consistem em redução, isenção de pena ou perdão judicial. As segundas constituem alternativas de solução
antecipada do processo em favor do colaborador, pelo arquivamento das peças de investigação, pela
suspensão do processo”.
29
Nesse sentido, Ana Luiza Almeida Ferro, Flávio Cardoso Pereira e Gustavo dos Reis Gazzola
(Criminalidade Organizada. Comentários à Lei 12.850, de 02 de agosto de 2013, Curitiba: Juruá, 2014, p. 71)
destacam que “localiza-se sua previsão em diploma normativo do princípio do século XVII, as Ordenações
Filipinas, cuja vigência se estendeu no território brasileiro de janeiro de 1603 a dezembro de 1830, quando
da entrada em vigor do Código Criminal do Império”.
30
“O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu
desmantelamento, terá a pena reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”. Importante destacar que com o advento
da Lei nº. 12.850/2013 (que trata das organizações criminosas) o nomen iuris delito de quadrilha ou bando
passou a ser de “Associação Criminosa”, conforme previsão do art. 24 da referida lei, que alterou o art. 288
do CP, que passou a vigorar com a seguinte redação: “Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para
o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena
aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.”
28
10
2) Colaboração premiada nos casos que envolvam organizações criminosas - art. 6º31 da
revogada Lei nº 9.034/1995.
3) Colaboração premiada nos crimes praticados contra o sistema financeiro nacional - art.
25, § 2º32 da Lei 7.492/1986, com redação determinada pela Lei 9.080/1995.
4) Colaboração premiada nos crimes de sonegação fiscal – art. 16, parágrafo único33, da Lei
nº 8.137, com redação dada pela Lei nº Lei 9.080/1995.
5) Colaboração premiada em crime de extorsão mediante seqüestro - art. 159, § 4º34, com
redação dada pela Lei nº 9.269/1996.
6) Colaboração premiada nos crimes de lavagem de capitais – na Lei nº 9.613/1998
(alterada pela Lei nº. 12.683/2012), além da diminuição de pena, também é permitido a
aplicação do perdão judicial para o réu colaborador, como se percebe pelo seu art. 1º, §
5º35.
7) Colaboração processual prevista na Lei nº. 9.807/1999 – a previsão é encontrada nos
arts. 13 e 14.
Importante, nesse momento, objetivando demonstrar de forma mais clara o tratamento que
o tema mereceu na Lei 9.807/1999, uma análise mais destacada dos citados artigos:
Art. 13 - Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão
judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário,
tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal,
desde que dessa colaboração tenha resultado:
I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa;
II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada;
III - a recuperação total ou parcial do produto do crime.
Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do
beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato
criminoso.
“Nos crimes praticados em organização criminosa, a pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços),
quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria”.
Como será visto adiante, referida lei foi expressamente revogada pela Lei nº. 12.850/2013, que tratou de
forma mais detalhada a questão da colaboração premiada, prevendo inclusive como consequência a
possibilidade de perdão judicial.
32
“Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através
de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena
reduzida de um a dois terços”.
33
“Nos crimes previstos nesta Lei, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através
de confissão espontânea revelar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa terá sua pena
reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços)”.
34
“Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação
do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços”.
35
“A pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo
o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou partícipe
colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”.
31
11
Art. 14 - O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação
policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do
crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto
do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.
Percebe-se, pelas regras citadas, que a colaboração premiada possibilita a concessão ao
agente não só uma diminuição de eventual pena a lhe ser aplicada, mas, também, a
aplicação de perdão judicial, o que representa um avanço em relação a outros diplomas
legais que antecederam a Lei nº 9.807/1999 (ressalvando a Lei nº. 9.613/1998, que também
inovou ao possibilitar a aplicação do perdão judicial), que só previam a concessão do
primeiro benefício.
Com efeito, a diminuição de pena era o único benefício processual possível aos
indicados/réus colaboradores. Logo, nota-se que a Lei nº 9.807/1999 veio a permitir, como
se viu, não só uma causa obrigatória de diminuição de pena, mas, também, a aplicação de
perdão judicial aos réus colaboradores.
Porém, há outro importante diferencial: a Lei nº 9.807/99 é mais ampla que os outros
diplomas, vez que permite sua incidência em relação a qualquer tipo de infração penal, pois
nela não há qualquer restrição no que tange às hipóteses de cabimento, o que é criticável,
uma vez que entendemos que referido instituto deveria ser reservado para casos extremos,
considerando sua complexidade, em especial em relação ao enfrentamento à denominada
criminalidade de poder36 (ou também os delitos qualificados criminologicamente como
crimes of the powerful37), reservando para criminalidade tradicional (de massa) somente em
excepcionais casos, como na extorsão mediante sequestro, em que a delação pode ser
fundamental para salvar uma vida.
Não obstante a crítica acima, entendemos que a Lei nº 9.807/1999 passou a ser o diploma a
regulamentar a colaboração premiada no Brasil, vez que mais benéfica e mais ampla do que
as leis anteriores. Em razão disso, alguns autores, como Alberto Silva Franco38, entendem
36
Conforme observa Luigi Ferrajoli (Principia iuris. Teoría del derecho y la democracia. 2. Teoria de La
democracia. Madrid: Trotta, 2011, p. 352), “La criminalidad que hoy más amenaza a los derechos, la
democracia, la paz y el futuro mismo de nuestro planeta es actualmente la criminalidad del poder, un
fenômeno ya no marginal ni excepcional como la criminalidad tradicional, sino inserto em El funcionamiento
normal de la sociedad. Distinguiré, esquemáticamente, dos formas de criminalidad del poder, unidas por su
caráter organizado: a) la de los de tipo econômico y mafioso; b) la de los crímenes de los poderes, bien de
los grandes poderes económicos, o de los poderes públicos”.
37
Cf. SÁNCHEZ, Jesús-María Silva. A expansão do Direito Penal. Aspectos da política criminal nas
sociedades pós-industriais. 2 ed. São Paulo: RT, p. 99).
38
Com efeito, salienta o renomado penalista: “Embora diversos diplomas legais posteriores à Lei 9.269/96
apresentassem, com denominações diferentes, hipóteses bem ajustáveis ao instituto da delação premiada,
força é convir que a amplitude atribuída a esse instituto pela Lei 9.807/99 dá suporte à afirmação de que se
trata de norma legal revogadora da Lei 9.269/96. Em primeiro lugar porque a Lei 9.807/99 não estruturou
novos tipos incriminadores sobre determinada matéria de proibição ou reformulou tipos pré-existentes, tendo
apenas o duplo objetivo de estabelecer ‘normas para a organização e manutenção de programas especiais de
proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à
investigação policial e ao processo criminal’. Em segundo lugar porque o texto dos arts. 13 e 14 da Lei
9.807/99 cria hipóteses de perdão judicial e de causa redutora de pena, com ampla abrangência e sem
nenhuma vinculação a determinados tipos legais. Em terceiro lugar porque, diante desse explícito
12
que se trata de lei revogadora das precedentes. Porém, não chegamos a tanto, pois a Lei nº
9.807/1999 será de aplicação genérica, sendo as anteriores de incidência subsidiária, não
estando, portanto, revogadas.
8) Colaboração premiada prevista na Lei nº 12.529/2011 – referida lei estrutura o Sistema
Brasileiro de Defesa da Concorrência, prevendo em seu art. 87 o acordo de leniência
firmado com a Superintendência-Geral do CADE (Conselho Administrativo de Defesa
Econômica) como causa suspensiva da prescrição e impeditiva do oferecimento da
denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência em crimes contra ordem
econômica relativos à prática de cartel. Importante destacar que o acordo de leniência
favorece o agente com causa de extinção da punibilidade dos crimes referidos39;
Pausa excursiva: a colaboração processual na revogada Lei nº. 10.409/2002
A título histórico, cabe destacar a previsão da colaboração na Lei nº 10.409/2002. Apesar
de o citado diploma ter sido revogado expressamente pela “Lei de Drogas40” (Lei nº
11.343, de 23 de agosto de 200641), sua abordagem ainda é interessante, pois nela a
colaboração premiada tinha ganhado uma nova roupagem.
De fato, além de a Lei nº 10.409/2002 (Lei de Entorpecentes42) prever a possibilidade de
diminuição de pena e perdão judicial43, tinha acrescentado uma polêmica inovação em
alargamento da delação premial, o § 4º do art. 159 do art. 159 do Código Penal ou o parágrafo único do art.
8º da Lei 9.807/99 tivesse explicitamente excepcionado essas hipóteses. Por último, porque em se tratando de
norma penal mais favorável, deve retroagir, respeitando o princípio do inc. XL do art. 5º da Constituição
Federal para beneficiar o réu. Destarte, apesar das restrições jurídicas e éticas feitas ao instituto da delação
premiada, não se pode fugir à conclusão de que o direito premial avançou e muito na legislação penal
comum e, atualmente, pode ser considerado quer como causa extintiva de punibilidade através do perdão
judicial, quer como causa de diminuição de pena, em relação a qualquer figura típica desde que o
colaborador ou delator reúna os requisitos exigíveis” (ob. cit., p. 354).
39
“Art. 87. Nos crimes contra a ordem econômica, tipificados na Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e
nos demais crimes diretamente relacionados à prática de cartel, tais como os tipificados na Lei no 8.666, de
21 de junho de 1993, e os tipificados no art. 288 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código
Penal, a celebração de acordo de leniência, nos termos desta Lei, determina a suspensão do curso do prazo
prescricional e impede o oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência.
Parágrafo único. Cumprido o acordo de leniência pelo agente, extingue-se automaticamente a punibilidade
dos crimes a que se refere o caput deste artigo”.
40
A Lei nº 11.343/2006 preferiu a denominação “drogas”, abandonando a expressão “substância
entorpecente” existente nas Leis nº 6.368/1976 e nº 10.409/2002, trazendo o conceito no parágrafo único de
seu art. 1º: “Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar
dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder
Executivo da União”. Complementando a regra citada, o art. 66 do mesmo diploma legal estabelece que
“Para fins do disposto no parágrafo único do art. 1º desta Lei, até que seja atualizada a terminologia da lista
mencionada no preceito, denominam-se drogas substâncias entorpecentes, psicotrópicas, precursoras e
outras sob controle especial, da Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998”.
41
O art. 75 da Lei 11.343/2006 revogou expressamente as Leis nº 6.368/1976 e nº 10.409/2002, colocando
fim a polêmica a respeito da aplicação ou não do procedimento que era traçado pela Lei nº 10.409/2002.
42
Evidentemente somente no que se refere aos seus aspectos procedimentais e processuais, uma vez a parte
criminal da citada lei, como se sabe, tinha sido integralmente vetada.
43
Cf. art. 32, § 3º (“Se o oferecimento da denúncia tiver sido anterior à revelação, eficaz, dos demais
integrantes da quadrilha, grupo, organização ou bando, ou da localização do produto, substância ou droga
ilícita, o juiz, por proposta do Ministério Público, ao proferir sentença, poderá deixar de aplicar a pena, ou
13
termos de benefícios concedidos em razão de colaboração premiada, ainda mais radical do
que o perdão judicial.
Cuidava-se da hipótese prevista no § 2º do seu art. 3244, que acabava excepcionando o
quase intocável princípio da obrigatoriedade da ação penal pública45, já que conjugando o
referido parágrafo com as providências possíveis de serem tomadas pelo Ministério
Público, conforme previsto no art. 37 do mesmo diploma, notava-se a possibilidade de o
órgão ministerial deixar de denunciar o indiciado (inciso IV) que colaborasse de qualquer
modo para o interesse da justiça, especialmente quando revelasse a existência de
organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais de seus integrantes, ou a
apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita.46
Não obstante a péssima redação do parágrafo mencionado - que falava erroneamente em
“sobrestamento do processo”, quando na verdade se estava ainda diante de um inquérito ou
outro procedimento investigativo – e do próprio veto ao caput do art. 32 e seu § 1º, não
havia que se falar em sua inaplicabilidade, ao argumento de que se estaria diante de “um
corpo sem cabeça”, pois a regra em comento revelava uma redação absolutamente
independente do caput, tendo, portanto, existência própria, sendo clara sua compreensão,
sem olvidar que configurava norma penal mais benéfica em relação aos arts. 13 e 14 da Lei
nº 9.807/1999.47
Logo, pela então Lei de Drogas não necessitava mais o Ministério Público requerer a
aplicação dos benefícios processuais somente por ocasião da sentença, vez que poderia,
desde já, deixar de oferecer ação penal em face do investigado colaborador, evitando-se,
portanto, situações delicadas, como sua exposição indevida em relação aos eventuais
cúmplices.
reduzi-la, de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), justificando sua decisão”). Como se nota, havia uma distinção
com a Lei 9.807/1999, vez que pela então vigente Lei 10.409/2002 o juiz somente poderia reduzir a pena ou
aplicar o perdão judicial por meio de proposta do Ministério Público, ao contrário daquela, na qual o juiz
poderá, em tese, aplicar referidas medidas de ofício.
44
“O sobrestamento do processo ou a redução da pena podem ainda decorrer de acordo entre o Ministério
Público e o indiciado que, espontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a
prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apreensão do produto, da substância ou da droga ilícita, ou
que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para o interesse da justiça”.
45
Dissemos quase intocável porque entendemos, sem embargo das posições em sentido contrário, que o
referido princípio acabou sendo mitigado pelo instituto da transação penal previsto no art. 76 da Lei nº
9.099/1995.
46
No mesmo sentido, ao comentar o citado inciso IV da Lei nº 10.409/2002, observam Gilberto Thums e
Vilmar Velho Pacheco: “Esse dispositivo ensina que, em alguns casos, dentre eles a colaboração premiada
anterior ao oferecimento da denúncia (art. 32, § 2º), o Ministério Público poderá, justificadamente, deixar de
oferecer denúncia contra os agentes ou partícipes do delito, o que fatalmente conduzirá a um pedido de
arquivamento do inquérito policial por ausência de justa causa. Se o magistrado acatar as razões do parquet,
homologará o acordo realizado com o indicado, declarará extinta a punibilidade do delito e determinará a
remessa dos autos ao arquivo judicial, se não aceitá-las, seguirá os ditames do art. 37, § 2º, da Lei 10.409/02
e os enviará ao Procurador-Geral de Justiça” (Lei Antitóxicos. Crimes, Investigação e Processo, Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 169).
47
Nesse sentido: FRANCO, Alberto Silva, ob. cit., p. 355.
14
Porém, por se estar diante de uma investigação, a existência de acordo pré-processual entre
o órgão acusador e o investigado e seu advogado, a exemplo do que ocorre nos sistema
norte americano48, deveria ser submetido à homologação do juiz competente, que em caso
de discordância - por falta de uma regra a respeito de sua formalização - deveria seguir o
procedimento traçado nos § § 1º a 3º do art. 37 da Lei nº 10.409/2002, que possuía redação
semelhante ao art. 28 do Código de Processo Penal.
O cuidado acima era necessário não só porque configurava a única forma até então
existente de controle de arquivamento em matéria criminal – e o “sobrestamento” tinha
efeito similar –, mas, também, visando conferir maior transparência para as ações do
Ministério Público, afastando, assim, alegações de uso arbitrário desse importante e
excepcional meio de prova, bem como de ausência de voluntariedade na colaboração.
Também se revelava interessante até que se tivesse uma regulamentação em lei
infraconstitucional ou, ainda, por meio de normatização dentro de cada Ministério Público o que poderia ser feito, por exemplo, por meio de ato normativo49 -, objetivando evitar
eventuais excessos ou utilização indevida da colaboração processual, necessidade que ainda
persiste nos dias atuais.
Por fim, por ser norma posterior de forte conteúdo penal mais benéfica, era possível a
utilização, por analogia, do citado § 2º do art. 32 da Lei nº 10.409/2002 e sua combinação
com os arts. 13 e 14 da Lei nº 9.807/1999, para outros crimes diversos dos delitos de
tóxicos, como, por exemplo, crimes praticados contra a administração pública, contra o
sistema financeiro, de homicídios etc., desde que demonstrada a estrita necessidade na
utilização da medida, o que importava em concluir que para tanto seria válida a utilização
do princípio da proporcionalidade, evitando-se, dessa forma, não só a banalização do
instituto, mas, também, eventuais excessos em tema extremamente delicado.
Ocorre, que na Lei nº 11.343/2006 a colaboração premiada teve tratamento diverso do
então existente na Lei nº 10.409/2002. Com efeito, no diploma posterior o instituto está
contemplado no seu art. 41, possuindo a seguinte redação: “O indiciado ou acusado que
colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na
identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime e na recuperação total ou
parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um terço a
dois terços”.
Portanto, é patente a conclusão que, diante da regra prevista no art. 41 da Lei nº
11.343/2006, toda a construção acima desenvolvida, ao que parece, restaria prejudicada,
pois não se possibilitava mais, em face de colaboração premiada, o sobrestamento das
investigações, prevendo-se apenas a possibilidade de diminuição de pena, não sendo
possível nem mesmo o perdão judicial.
48
Cf. GÁRCIA, Nicolas Rodrigues. La justicia penal negociada. Experiencias de derecho comparado,
Salamanca: Universidad de Salamanca, 1997, p. 45-46.
49
Conforme observa Eduardo Araujo da Silva (ob. cit., p. 82), “Antes os termos da Lei, a solução paliativa,
por ora, é o Ministério Público disciplinar, por meio de ato normativo, regras básicas de como devem
proceder seus membros para a lavratura do acordo a que se refere a Lei, sobretudo com vistas a assegurar a
espontaneidade das palavras do investigado, como a presença de testemunhas estranhas aos quadros da
instituição e da polícia”.
15
Destarte, em tal época entendíamos ter havido um inequívoco retrocesso em relação à regra
anterior, que muito embora tivesse suas imperfeições, representava inegável avanço em
termos de efetividade no combate às organizações criminosas. Deveria o legislador ter sim
aperfeiçoado o instituto, e não retroceder, disciplinando a colaboração da mesma forma que
as primeiras leis que passaram a prever o instituto no Brasil, ou seja, permitindo como
consequência da colaboração apenas a diminuição de pena, o que se revela, como é de
conhecimento dos que militam na área, de pouco ou pífia eficácia.
Malgrado isso, defendíamos que apesar da atual previsão contida na Lei nº 11.343/2006,
não restava impossibilitado a aplicação de perdão judicial para a colaboração premiada nos
crimes de tráfico de drogas, valendo-se, para tanto, da regra prevista no art. 13 da Lei nº
9.807/1999, que é possível de ser aplicada em relação a qualquer delito, pois se trata, como
já destacado, de lei de caráter genérico.
E mais: defendíamos também a possibilidade de arquivamento das investigações diante da
eficácia de uma colaboração premiada.
O entendimento acima ganhou mais reforço com o advento da Lei nº 12.529/2011 que,
como visto, estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, prevendo em seu art.
87 o acordo de leniência firmado com a Superintendência-Geral do CADE (Conselho
Administrativo de Defesa Econômica) como causa suspensiva da prescrição e impeditiva
do oferecimento da denúncia com relação ao agente beneficiário da leniência em crimes
contra ordem econômica relativos à prática de cartel, possibilitando a extinção da
punibilidade dos crimes referidos caso o acordo de leniência venha a ser cumprido.
Porém, mais inovadora e clara foi a Lei nº. 12.850/2013, a nova lei sobre organizações
criminosas, que merece ser analisada de forma mais detida.
9) colaboração premiada na Lei nº. 12.850/2013
Como já destacado a Lei nº. 12.850/2013 veio suprir uma lacuna na legislação
infraconstitucional brasileira, pois trouxe uma nova tipificação penal para o delito de
organização criminosa.
É sabido que no plano da legislação infraconstitucional o conceito de organização
criminosa, como já observado, veio antes, mas precisamente com a Lei 12.694/2012 (art.
2º)50. Mas, entendemos que a Lei nº. 12.850/2013, ao também definir organizações
criminosas (art. 1º, § 1º), veio a revogar parcialmente tal conceito.
50
Não obstante, antes mesmo da referida lei, defendíamos que a discussão sobre o conceito de organização
criminosa começava a ser superada no Brasil com a adesão da Convenção de Palermo - A Convenção das
Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional –, promulgada por meio do Decreto nº 5.015, de 12
de março de 2004, que em seu artigo 2º, letra “a” (“2. Para os fins desta recomendação, sugere-se: a) a
adoção do conceito de crime organizado estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre Crime
Organizado Transnacional, de 15 de novembro de 2000 (Convenção de Palermo), aprovada pelo Decreto
Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003 e promulgada pelo Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, ou
seja, considerando o ‘o grupo criminoso organizado’ aquele estruturado, de três ou mais pessoas, existentes
há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou
16
Com efeito, apesar de as definições sobre organização criminosa serem similares, há
algumas diferenças importantes entre os citados diplomas, a saber: a) a Lei nº. 12.694/2013
exige a participação de pelo menos três pessoas, enquanto a Lei nº. 12.850/2013 exige a
participação de quatro; b) a pena máxima para os crimes cometidos pelas organizações
criminosas, para a Lei nº. 12.694/2013, deve ser igual ou superior a quatro anos, enquanto
para a Lei nº. 12.850/2013 a pena deve ser superior a quatro anos; c) a Lei nº. 12.694/2013
fala em “crimes”, enquanto a Lei nº. 12.850/2013 fala em “infrações penais”.
Destarte, conquanto a Lei nº. 12.694/2013 não tenha sido revogada pela Lei nº.
12.850/2013, podendo perfeitamente conviver com a mesma, a exemplo do que já ocorria
anteriormente com a revogada Lei nº. 9.034/1995 (em especial a respeito do julgamento
enunciadas na Convenção das Nações Unidas sobre Crime Organizado Transnacional, com a intenção de
obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material”), trouxe o conceito de
organização criminosa. Com efeito, a nosso sentir referido conceito poderia ser perfeitamente aplicado, por
analogia, para criminalidade organizada interna, como, aliás, chegou a reconhecer o Conselho Nacional de
Justiça, ao editar a Recomendação nº 3, de 30 de maio de 2006. De fato, ao recomendar aos Tribunais
Regionais Federais e aos Tribunais de Justiça dos Estados a criação de varas criminais especializadas para
processar e julgar delitos praticados por organizações criminosas, a Recomendação nº 3 reconheceu
expressamente o conceito de crime organizado estabelecido na citada convenção, o que, inclusive, tinha sido
acolhido pela Justiça Federal, como se percebe pela Resolução nº 517, de 30 de junho de 2006. Contudo,
referido posicionamento não era pacífico na doutrina e jurisprudência, existindo forte corrente afirmando ser
impossível utilizar o conceito previsto na Convenção de Palermo para conceituar organização criminosa
interna, uma vez que o diploma somente serviria para a criminalidade organizada transnacional. Nessa linha,
aliás, se posicionou o STF, conforme se observa pelo Informativo 670: “Em conclusão, a 1ª Turma deferiu
habeas corpus para trancar ação penal instaurada em desfavor dos pacientes. Tratava-se, no caso, de writ
impetrado contra acórdão do STJ que denegara idêntica medida, por considerar que a denúncia apresentada
contra eles descreveria a existência de organização criminosa que se valeria de estrutura de entidade
religiosa e de empresas vinculadas para arrecadar vultosos valores, ludibriando fiéis mediante fraudes,
desviando numerários oferecidos para finalidades ligadas à Igreja, da qual aqueles seriam dirigentes, em
proveito próprio e de terceiros. A impetração sustentava a atipicidade da conduta imputada aos pacientes —
lavagem de dinheiro e ocultação de bens, por meio de organização criminosa (Lei 9.613/98, art. 1º, VII) —
ao argumento de que a legislação brasileira não contemplaria o tipo “organização criminosa” — v.
Informativo 567. Inicialmente, ressaltou-se que, sob o ângulo da organização criminosa, a inicial acusatória
remeteria ao fato de o Brasil, mediante o Decreto 5.015/2004, haver ratificado a Convenção das Nações
Unidas contra o Crime Organizado Transnacional — Convenção de Palermo [“Artigo 2 Para efeitos da
presente Convenção, entende-se por: a) ‘Grupo criminoso organizado’ - grupo estruturado de três ou mais
pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais
infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um
benefício econômico ou outro benefício material”]. Em seguida, aduziu-se que o crime previsto na Lei
9.613/98 dependeria do enquadramento das condutas especificadas no art. 1º em um dos seus incisos e que,
nos autos, a denúncia aludiria a delito cometido por organização criminosa (VII). Mencionou-se que o
parquet, a partir da perspectiva de haver a definição desse crime mediante o acatamento à citada Convenção
das Nações Unidas, afirmara estar compreendida a espécie na autorização normativa. Tendo isso em conta,
entendeu-se que a assertiva mostrar-se-ia discrepante da premissa de não existir crime sem lei anterior que o
definisse, nem pena sem prévia cominação legal (CF, art. 5º, XXXIX). Asseverou-se que, ademais, a melhor
doutrina defenderia que a ordem jurídica brasileira ainda não contemplaria previsão normativa suficiente a
concluir-se pela existência do crime de organização criminosa. Realçou-se que, no rol taxativo do art. 1º da
Lei 9.613/98, não constaria sequer menção ao delito de quadrilha, muito menos ao de estelionato — também
narrados na exordial. Assim, arrematou-se que se estaria potencializando a referida Convenção para se
pretender a persecução penal no tocante à lavagem ou ocultação de bens sem se ter o delito antecedente
passível de vir a ser empolgado para tanto, o qual necessitaria da edição de lei em sentido formal e material.
Estendeu-se, por fim, a ordem aos corréus”. HC 96007/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 12.6.2012. (HC-96007).
No mesmo sentido: Informativo 721 - HC 108715/RJ, rel. Min. Marco Aurélio, 24.9.2013. (HC-108715)
17
feito por colegiado de juízes), teve seu art. 2º tacitamente revogado pela Lei nº.
12.850/2013. Assim, para fins de definição de organização criminosa, doravante deve ser
adotado o previsto na última lei citada.
Voltando ao tema da colaboração premiada, a Lei nº. 12.850/2013 trouxe um detalhamento
que supera em muito os diplomas anteriores, como se pode perceber pela redação de seus
artigos 4º, 5º, 6º e 7º.
Por enquanto, para melhor visualização de como é prevista a colaboração premiada na nova
lei, cabe trazer à colação a previsão contida no art. 4º da Lei nº. 12.850/2013, que assim
dispõe:
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial,
reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la
por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e
voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que
dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa
e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da
organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da
organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações
penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Como se pode observar, a Lei nº. 12.850/2013 permite em contrapartida aos acordos de
colaboração premiada a concessão de perdão judicial, diminuição de pena privativa de
liberdade (até 2/3 – dois terços) ou a sua substituição por pena restritiva de direitos.
Assim, inova a lei no que se refere à possibilidade de substituição da pena privativa de
liberdade por pena restritiva de direitos, o que não encontra previsão na legislação anterior.
Note que a lei não estabelece o limite de pena fixada para possibilitar a concessão de tal
benefício. Logo, referida regra configura exceção ao limite previsto no art. 44 do CP (4
anos), sendo, portanto, possível a substituição para condenações com pena superior ao
referido patamar.
Mas não é a única novidade, pois também será possível: 1) a suspensão do prazo para o
oferecimento da denúncia pelo prazo de 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até
que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se também o respectivo
prazo prescricional (art. 4º, § 3º da Lei nº. 12.850/2013); 2) o não oferecimento de denúncia
18
se o colaborador não for líder da organização criminosa e for o primeiro a prestar efetiva
colaboração nos termos do art. 4º da Lei nº. 12.850/2013 (§ 4º, incisos I e II51), o que
representa expressa exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal; 3) a
possibilidade de a colaboração premiada ser feita até mesmo na fase da execução de pena,
como não deixa dúvida o art. 4º, § 5º da Lei nº. 12.850/2013 (“5o Se a colaboração for
posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a
progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos”), o que para nós, mesmo
antes do avento do citado diploma já era plenamente possível, na esteira do que também
defendia Américo Bedê Freire Júnior52
Cumpre destacar que, apesar dos mencionados artigos tratarem da colaboração premiada
apenas no âmbito das organizações criminosas, algumas das regras da Lei nº. 12.850/2013
podem ser aplicadas, por analogia, para complementar os outros diplomas, em especial no
que diz respeito aos direitos do colaborador, às formalidades do termo de acordo, ao sigilo
etc.
Isso se faz necessário para dar maior coerência e unidade na utilização do instituto fora do
âmbito das organizações criminosas, ressalvando aqui o nosso entendimento de que deve
ter aplicação, como regra, limitada à criminalidade de poder. Nessa linha, pensamos que a
principal combinação ocorrerá entre as regras da Lei nº. 9.807/1999 e a Lei nº.
12.850/2013.
3.3. Requisitos da colaboração premiada
Da análise de todas as regras que tratam da colaboração premiada, mas principalmente dos
arts. 13 e 14 da Lei nº 9.807/1999 e do art. 4º da Lei nº. 12.850/2013, podemos extrair os
seguintes requisitos para se permitir os benefícios processuais da colaboração, a saber:
3.3.1. Voluntariedade da colaboração
Note que pelas leis referidas basta a voluntariedade da colaboração, não se exigindo a
espontaneidade, do que se conclui que ela poderá se dar em face de conselho ou sugestão
ou proposta dos órgãos responsáveis pela persecução criminal. Logo, para ser válida, é
suficiente que a colaboração consista em ato de votante do sujeito53, o que é absolutamente
diverso de uma imposição, incompatível com uma colaboração isenta e segura, a qual possa
ser conferida um mínimo de credibilidade.
51
Adiante serão feitas algumas observações críticas a respeito de tais requisitos.
Segundo o referido autor, “Tal afirmação decorre da interpretação teleológica das normas instituidoras da
delação premiada, afinal o objetivo precípuo do benefício para o Estado subsiste após a condenação do
delator. Ademais, não tendo o legislador expressamente proibido a delação premiada na fase de execução,
não caberia ao interprete reduzir o alcance e eficácia do instituto” (Qual o meio processual para requerer a
delação premiada após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória? Fonte:
http://jus.com.br/artigos/7638/qual-o-meio-processual-para-requerer-a-delacao-premiada-apos-o-transito-emjulgado-da-sentenca-penal-condenatoria. Acesso em 24/06/2014).
53
No mesmo sentido: JESUS, Damásio E. de, Colaboração premiada na Lei de Proteção de
Acusados, Vítimas e Testemunhas (art. 14 da Lei n. 9.807/99): causa de diminuição de pena, in Temas de
Direito Criminal, 2ª série, São Paulo: Saraiva, 2001, p. 17.
52
19
Portanto, nada impede que o Ministério Público, sempre se valendo de muita cautela,
quando a medida realmente for necessária, por meio não só de seu poder investigatório,
mas, principalmente, em vista da titularidade para propositura da ação penal pública, sugira
ou proponha ao investigado ou réu os benefícios da lei em troca de uma colaboração
premiada.
3.3.2. Relevância das declarações do colaborador
Evidentemente que as declarações do investigado ou do réu terão que ostentar inegável
relevância em relação ao fato objeto da investigação ou do processo, resultando delas a
possibilidade, por exemplo: 1) de identificação dos demais coautores ou partícipes da ação
criminosa; 2) a localização da vítima com a sua integridade física preservada; 3) a
recuperação total ou parcial do produto do crime.
Sendo assim, a regra é que devem ser buscadas nas declarações do pretenso colaborador
informações que, de algum modo, venham a contribuir com o interesse da justiça, sendo
descabida qualquer iniciativa de acordo na qual não seja vislumbrado nas declarações do
agente sinal de relevância em relação ao fato – como, v.g., a respeito de questões
periféricas e secundárias -, ou, então, quando as informações já foram obtidas através de
outros meios menos drásticos de obtenção de prova.
Nesse ponto, conquanto voltadas para a criminalidade organizada, são oportunas as
observações de Eduardo Araujo da Silva: “A relevância das declarações do investigado,
portanto, guarda um nexo de causalidade com os resultados positivos produzidos na
investigação criminal em curso. Declarações sobre fatos periféricos ou de importância
secundária, que em nada ou pouco auxiliam na apuração do funcionamento de uma
organização criminosa ou na identificação de seus integrantes, não são qualificadas para
autorizar a concessão do benefício. Ademais, há que se considerar na análise desse
requisito a figura denominada pelos italianos dos profissionisti Del pentitismo, ou seja,
pessoas que comercializam meias-verdades em troca de vantagens individuais”.54
3.3.3. Efetividade da colaboração premiada
Também se exige que a colaboração deva ser efetiva. Em outras palavras, a colaboração do
agente deve permitir a possibilidade de concretização dos efeitos exigidos pelas leis acima
apontadas.
Portanto, não se contenta a legislação com a simples declaração do agente, exigindo-se que
delas seja extraído o caminho para que o resultado previsto na regra possa realmente ser
efetivo, o que poderá ocorrer, por exemplo, com a indicação de testemunhas, entrega de
documentos, fornecimento de extratos bancários, indicação do esconderijo da organização
criminosa etc. Isso reclama, em muitos casos, uma colaboração do agente que se prolonga
no tempo.
54
Ob. cit., p. 83.
20
Assim, para se permitir a concessão dos benefícios previstos em lei é fundamental que haja
uma necessária correlação de equivalência, com vantagens para ambos – Estado e
suspeito/acusado55.
Evidentemente que se o agente fornecer todas as informações possíveis para o
esclarecimento dos fatos, prestando auxílio efetivo para a possibilidade de concretização
dos efeitos exigidos pela lei, e ainda assim os órgãos de apuração, por incompetência ou
inércia, não lograrem êxito, não poderá ser negado ao agente colaborador os benefícios da
lei quando presentes os demais requisitos da colaboração premiada, pois, como salienta
Eduardo Araujo da Silva, “Não há que se confundir, entretanto, efetividade das
declarações prestadas com sua eficácia para fins probatórios”56.
Porém, como destacado, tudo dependerá da análise do caso concreto, cabendo a decisão de
concessão de diminuição da pena ou aplicação de perdão judicial ao juiz competente, por
ocasião da sentença, ao reconhecer que a colaboração foi ou não eficiente. Evidente que
tanto o Ministério Público, como a defesa, poderão se insurgir contra a decisão do juiz que
não acolhe o pedido de aplicação dos benefícios da colaboração premiada se esta foi
concretamente realizada57. Assim, a decisão deverá ser atacada por meio de recurso de
apelação.
Já nas hipóteses de a colaboração premiada ser realizada antes de iniciado o processo,
diante da discordância do julgador em homologar o acordo, deve o caso ser submetido ao
Procurador-Geral de Justiça, na forma do art. 28 do CPP (o que agora possui maior clareza
diante do art. 4º, § 2º58 da Lei nº. 12.850/2013). Porém, em se tratando de casos de
competência originária dos tribunais é suficiente que o Procurador-Geral de Justiça informe
ao respectivo tribunal a decisão de sobrestamento das investigações, sendo evidentemente
inaplicável a sistemática existente para o arquivamento previsto no Código de Processo
Penal. Contudo, nessas situações é possível a revisão por meio de decisão do Colégio dos
Procuradores em julgamento de requerimento do legítimo interessado, de conformidade
com o art. 12, XI, da Lei nº 8.625/199359.
55
Cf. MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime Organizado. Aspectos Gerais e Mecanismos Legais, São
Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 53.
56
Idem, p. 83.
57
Tendo sido eficaz configura verdadeiro direito subjetivo do agente, conforme já entendeu o STF:
“CRIMINAL. HC. EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO. DOSIMETRIA. DELAÇÃO PREMIADA.
INFORMAÇÕES EFICAZES. INCIDÊNCIA OBRIGATÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO PELO TRIBUNAL A
QUO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA. A ‘delação premiada’
prevista no art. 159, § 4º, do Código de Penal é de incidência obrigatória quando os autos demonstram que
as informações prestadas pelo agente foram eficazes, possibilitando ou facilitando a libertação da vítima...”
(HC 26325/ES, Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, 24.06.2003).
58
§ 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o
delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão
requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício
não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689,
de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)”.
59
“Art. 12. O Colégio de Procuradores de Justiça é composto por todos os Procuradores de Justiça,
competindo-lhe: (...) XI – rever, mediante requerimento de legítimo interessado, nos termos da Lei Orgânica,
decisão de arquivamento de inquérito policial ou peças de informação determinada pelo Procurador-Geral
de Justiça, nos casos de sua atribuição originária”. Em relação ao legítimo interessado para requerer a
21
Dessa forma, fica claro que nada impede que o Ministério Público realize a colaboração
premiada na fase pré-processual, podendo em tais casos acenar com a possibilidade de
perdão judicial, nos termos do art. 13 da Lei nº 9.807/1999, o que agora fica mais claro com
o advento da Lei nº. 12.850/2013, como se pode perceber pelo seu art. 4º, que fala na
possibilidade colaboração premiada na fase da investigação ou do processo criminal.
É verdade que, antes do advento da Lei nº. 12.850/2013, nessas situações, para muitos, a
denúncia teria que ser oferecida em face do colaborador, uma vez que o perdão judicial
somente teria incidência por ocasião da sentença condenatória. Mas, outra corrente, correta
a nosso sentir, admitia que a possibilidade de perdão judicial ao colaborador pudesse levar
ao entendimento de que faltaria interesse processual de agir, em vista da incidência de uma
causa que impede a punibilidade em concreto, justificando, portanto, eventual pedido de
arquivamento60.
Agora, porém, não restará mais dúvida sobre a possibilidade de não se oferecer denúncia
em face do colaborador, como se pode notar pelo § 4º do art. 4º da Lei nº. 12.850, que
dispõe que “Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de
oferecer denúncia se o colaborador: I - não for o líder da organização criminosa; II - for o
primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo”.
3.3.4. Outros requisitos subjetivos e objetivos
Segundo o parágrafo único do art. 13 da Lei nº 9.807/1999, “A concessão do perdão
judicial levará em conta a personalidade do beneficiário e a natureza, circunstâncias,
gravidade e repercussão social do fato criminoso”.
Também é de se invocar o § 1º do art. 4º da Lei nº. 12.850/2013, que estabelece: “Em
qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador,
a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a
eficácia da colaboração”.
Importante destacar que os requisitos constantes do citado § 1º do art. 4º da Lei nº.
12.850/2013 foram previstos não só para a concessão do perdão judicial, mas também para
os casos de diminuição de pena e também para substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos.
Quanto à eficácia, já destacamos acima como deve ser o seu sentido. No que se refere aos
demais requisitos, tenta o legislador estabelecer parâmetros para se analisar a adequação da
medida, podendo dividi-los em requisitos de ordem objetiva (natureza, circunstâncias,
gravidade e repercussão social do fato criminoso) e subjetiva (personalidade do agente).
revisão da decisão de arquivamento, estamos com Emerson Garcia, no sentido de considerar somente aquele
que tenha interesse jurídico (Cf. GARCIA, Emerson, Ministério Público. Organização, Atribuições e Regime
Jurídico, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 211/212).
60
Mais adiante esse tema será aprofundado.
22
Logo, em vista da citada regra, agentes que revelem elevado grau de periculosidade,
voltados para a reiterada prática de crimes; que tenham cometido a infração com requintes
de crueldade e total desrespeito à vida humana, não são, a princípio, aptos a receber os
benefícios decorrentes da colaboração processual.
Duas observações são importantes aqui. Primeiro, considerando que o art. 14 da Lei nº
9.807/1999 só restringe o benefício para o caso de perdão judicial, nada impede, em tese, a
aplicação de diminuição de pena61 em vista de eventual colaboração para crimes não
praticados por organizações criminosas, visto que se trata de lei de caráter geral. Segundo, a
restrição contida na Lei nº. 12.850/2013 (como também na Lei nº. 9.807/1999, no que
refere ao perdão judicial) se mostra bastante inadequada para os fins pretendidos pela
colaboração processual, em especial em relação aos requisitos da personalidade do agente e
da repercussão social do fato criminoso.
Estamos aqui com Ana Luiza Almeida Ferro, Flávio Cardoso Pereira e Gustavo dos Reis
Gazzola62, que ao discorrerem sobre a referida regra, com acerto, observam: “Como o
propósito da colaboração premiada é a obtenção de elementos de prova na persecução
penal, o critério de reconhecimento de seus benefícios se centrado na personalidade do
agente colaborador ou na repercussão social do fato criminoso se mostra inadequado ao
instituo. Isto porque pelos discriminadores colocados seriam afastados de acordos
delacionais participantes da organização criminosa que, conquanto detentores de
informações significativas, fossem tomados por perigosos, inadaptados socialmente ou
portadores de múltiplas reincidências. Por outro giro, se grave e de repercussão
assinalada o fato criminoso inviabilizado o acordo. Pois, é exatamente em casos que
representem intraquilidade para a ordem pública, que, por sua dimensão e abrangência,
exijam providências imediatas e contundentes da autoridade pública, que os elementos de
informação alcançáveis por via da colaboração premiada se mostram urgentes”.
Ainda, a Lei nº 12.850/2013 também foi bastante restritiva para os requisitos do não
oferecimento da denúncia em vista da colaboração, como se pode perceber pelo art. 4º, § 4º
(“§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer
denúncia se o colaborador: I - não for o líder da organização criminosa; II - for o primeiro
a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo”).
Da mesma forma, as condições previstas merecem críticas. A uma, porque ofendem o
princípio da isonomia, ao levar em conta para fins de colaboração questões de ordem
subjetiva que não guardam qualquer relação com as eventuais informações a serem
oferecidas no acordo; a duas, porque também é contrário aos objetivos do instituto, o que
fica claro ao excluir a possibilidade em relação ao que exerce o comando da organização,
que poderia, em vista da sua destacada posição, conhecer todos os aspectos da estrutura
organizacional63, sendo oportuno lembrar algumas figuras históricas do crime organizado,
61
Nesse ponto, é interessante destacar que a Convenção da ONU contra a Corrupção (Mérida), em seu art. 37,
2, dentre outras medidas, recomenda “... mitigação de pena e toda pessoa acusada que preste cooperação à
investigação ou ao indiciamento...”
62
Ob. cit., p. 122.
63
Nesse sentido: FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flavio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis.
Ob. cit., p. 130.
23
como Tommaso Buscetta, conhecido como o “boss dos dois mundos”, que foi um
colaborador da justiça fundamental para o primeiro maxiprocesso contra a Cosa Nostra64.
3.4. Ética e colaboração premiada
Quantas vezes, levadas por algum impulso
incontrolável ou por alguma emoção forte (medo,
orgulho, ambições, vaidade, covardia), fazemos
alguma coisa que, depois, sentimos vergonha,
remorso, culpa. Gostaríamos de voltar ao tempo e
agir de modo diferente. Esses sentimentos também
exprimem nosso senso moral, isto é, a avaliação de
nosso comportamento segundo idéias como as de
certo e errado (Marilena Chauí65).
Parte considerável da doutrina costuma criticar o referido instituto, valendo-se, em alguns
casos, de sofismas, olvidando completamente a realidade em que vivemos, bem como de
que a utilização da colaboração premiada poderá salvar vidas humanas. Dentre os
argumentos mais utilizados pelos opositores66 destaca-se a alegação de que a colaboração
premiada acaba premiando aquele que delinquiu, bem como de que o Estado estaria se
valendo de um meio antiético para elucidação de crimes, já que conta com a traição do
criminoso.
Porém, com a devida vênia, as críticas não se sustentam, pois além de a colaboração
processual estar regulada em lei, tendo aplicação em diversos outros países, essa corrente
desconsidera que o crime evoluiu, em especial o crime organizado, que envolve - dentre
outros ilícitos que atingem vítimas difusas - a corrupção, o sequestro, o tráfico ilícito de
drogas e o terrorismo, e que, ninguém dúvida, dificilmente conseguem ser desbaratados
sem a colaboração de criminosos arrependidos que tragam informações de dentro da
organização. Assim, é inquestionável que muitas razões de ordem prática e jurídicas
Conforme observa Francesco Forgione (Máfia Export. Como a ‘Ndrangehta, a Cosa Nostra e a Camorra
colonizaram o mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 169, nota 7), “Tommaso Buscetta nasceu em
Palermo, em 13 de julho de 1928. Com pouco mais de 20 anos, passa a fazer parte da Cosa Nostra, na
família de Porta Nuova. Ainda que ao longo de sua vida tenha permanecido um simples soldado, sua forte
personalidade mafiosa e seu carisma serão reconhecidos por todos e dele farão um dos mais influentes
mafiosos da história da Cosa Nostra na Sicília. Durante muito tempo, vive entre os Estados Unidos e
América do Sul, e é preso no Brasil em 24 de novembro de 1983. Extraditado para a Itália, inicia sua
colaboração com o juiz Giovanni Falcone. Em 1984, suas declarações levarão à prisão centenas de mafiosos
e representarão uma contribuição fundamental para instruir o primeiro maxiprocesso contra a Cosa Nostra
em 1986. Morreu em Nova York, onde vivia com uma nova identidade, em 2 de abril de 2000”.
65
Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2003, p. 305.
66
Dentre outros, destacamos: CARVALHO, Natália Oliveira de. A Delação Premiada no Brasil. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009, especialmente p. 123 a 146; FRANCO, Alberto Silva, ob. cit., p. 552/353 (nota
18); MOREIRA, Rômulo Andrade, A Delação no Direito Brasileiro, in Direito Processual Penal, Rio de
Janeiro: Forense, 2003, p. 93-99. Aliás, é oportuno trazer à colação o pensamento do autor por último citado:
“Afora questões de natureza prática, por exemplo, a inutilidade, no Brasil, desse instituto por conta,
principalmente, do fato de que o nosso Estado não tem condições de garantir a integridade física do delator
criminis nem a de sua família, o que serviria como elemento desencorajador para a delação, aspectos outros,
de natureza ético-moral informam a profunda e irremediável infelicidade cometida mais uma vez pelo
legislador brasileiro, muito demagogo e pouco cuidadoso quando se trata dos aspectos jurídicos de seus
respectivos projetos de lei” (idem, p. 95).
64
24
militam a favor do instituto67, sendo, dessa forma, equivocado pensar que sua defesa
configura um discurso demagógico ou de propalação do medo.
Aliás, é de se indagar: como não aceitar a delação de um agente que venha proporcionar o
resgate de uma vítima sequestrada que se encontra em cativeiro? Como não aceitar a
delação quando ela pode impedir a prática de atos de terrorismos, salvando centenas de
vidas, ou quando possa proporcionar a elucidação de um grande esquema de corrupção,
tornando possível que os recursos públicos destinados a diversas áreas sociais venham a ser
efetivamente aplicados?
Será possível ao Estado desconsiderar a colaboração premiada nessas situações? Não
haverá proporcionalidade em se conceder benefícios ao agente, como o perdão judicial, em
troca, por exemplo, da preservação de vidas? Com isso não se estaria estimulando a
compaixão? Será possível continuarmos a enxergar o Estado Pós-Moderno apenas com
uma visão de um Estado puramente Liberal, desconsiderando a sua própria evolução para
um Estado Social e Democrático de Direito, preocupado não somente com as garantias
individuais (garantismo negativo), mas, também, com os direitos sociais, dentre os quais se
encontra inegavelmente a segurança pública68 (garantismo positivo)?
Em face dessas e de muitas outras indagações, não respondidas adequadamente pelos
opositores da colaboração premiada, é que entendemos que são também absolutamente
inconsistentes os argumentos de ordem ética na utilização do instituto, configurando, com o
devido respeito, um equívoco se falar em regra moral entre terroristas, traficantes,
homicidas, corruptos etc., pois praticam condutas ilícitas que colocam em sério risco o
Estado Democrático de Direito, violando direitos fundamentais da pessoa humana,
demonstrando total perversidade, desvio de caráter e desprezo pela vida. Dessa forma, não
há como afirmar que agirá com falta de ética o Estado que se vale da colaboração premiada
67
Eduardo Araujo da Silva (ob. cit., p. 43), invocando o magistério de Paolo Tonini e Ennio Amodio, em
interessante síntese, observa: “A propósito, Paolo Tonini assevera que, se por um lado é difícil encontrar uma
razão filosófica para justificar a adoção do mecanismo da colaboração premiada, em seu favor militam
muitas razões práticas: (1) a impossibilidade de se inferir outras provas, em razão da lei do silêncio que
reina nas associações criminosas; (2) a necessidade de combater certas organizações criminosas, minando
sua estrutura associativa pela criação de ocasiões para contrastes internos; (3) a urgência de serenar o
maior alarma criado pelos delitos cometidos de forma associativa. De sua parte, observa Ennio Amodio que
os vários argumentos favoráveis à colaboração processual podem ser resumidos em dois filões: a
necessidade de valer-se de provas que seguramente não seriam obtidas por outras vias de investigação e a
oportunidade de romper o aspecto compacto dos grupos criminosos, desagregando a solidariedade interna”.
68
Aliás, sobre o direito fundamental à segurança, é importante o alerta de Luciano Oliveira (Segurança: Um
direito humano para ser levado a sério. Em Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito nº 11. Recife,
2000, p. 244): “E não estou falando retoricamente, estou falando textualmente... Entretanto, geralmente nos
esquecemos disso. Na verdade, tão raramente nos lembramos disso que seria o caso de perguntar se algum
dia ‘soubemos’ de tal coisa – isto é, que a segurança, a segurança pessoal, é um dos direitos humanos mais
importantes e elementares. E, como disse, estou falando textualmente, com base nos documentos
fundamentais dessa tradução, sejam Declarações inaugurais da Revolução Francesa de fins do Século XVIII,
seja a Declaração da OUNU de 1948”. No mesmo sentido: SOUSA, Antônio Francisco de. A Polícia no
Estado de Direito. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 30.
25
para salvar vidas humanas69, para proteger os direitos fundamentais de ataques covardes
perpetrados por particulares.
Também não há que se falar no ferimento do garantismo, a menos que se trabalhe apenas
com o garantismo negativo, olvidando do denominado garantismo positivo e consequente,
que reclama uma proteção eficiente dos direitos fundamentais em todas suas dimensões70, o
que vem a ser o que parte da doutrina denomina de garantismo integral71.
Portanto, dizer que a utilização da colaboração premiada é ilegítima porque fere o
garantismo acaba sendo uma postura que protege de forma deficiente alguns direitos
fundamentais, como o direito à segurança pública, a um processo penal eficaz, mormente
em hipóteses de criminalidade difusa, como os casos de corrupção e envolvimento de
organizações criminosas, não passando, portanto, de um “garantismo unilateral”72, que
configura um risco para o Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, Alberto Zacharias Toron observa que “toda vez que uma vida puder ser salva, seja em
decorrência de crime comum, seja de delito político, justifica-se o tratamento diferenciado do Direito Penal.
Estranho, pelo contrário, seria tratar-se igualmente o agente que, além de desistir da empreitada criminosa,
auxilie a polícia a desvendar o crime e, depois, recebe todos os rigores da lei. Penso mesmo que o prêmio
deveria ser maior, comportando até, nos moldes do Código Penal, a progressão no regime da pena” (Crimes
Hediondos – O mito da repressão penal, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996, p. 102).
70
Sobre o tema, conferir, dentre outros: STRECK, Maria Luiza Schäfer. Direito Penal e Constituição. A face
oculta da proteção dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009; FELDENS,
Luciano. Direitos Fundamentais e Direito Penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
71
Nesse sentido: FISCHER, Douglas. O que é garantismo penal (integral)? In Garantismo Penal Integral.
Questões penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil.
Organizadores: CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo. 2 ed. Salvador:
JusPODIVM, 2013, p. 29-56. No referido ensaio, o autor conclui: “Em síntese, do garantismo penal integral
decorre a necessidade de proteção de bens jurídicos (individuais e também coletivos) e de proteção ativa dos
interesses da sociedade e dos investigados e/ou processados. Integralmente aplicado, o garantismo impõe
que sejam observados rigidamente não só os direitos fundamentais (individuais e coletivos), mas também os
deveres fundamentais (do Estado e dos cidadãos), previstos na Constituição. O Estado não pode agir
desproporcionalmente: deve evitar excessos e, ao mesmo tempo, não incorrer em deficiência na proteção de
todos os bens jurídicos, princípios, valores e interesses que possuam dignidade constitucional, sempre
acorrendo à proporcionalidade quando necessária a restrição de algum deles. Qualquer prevalência
indiscriminada apenas de direitos fundamentais individuais implica – ao menos para nós – uma teoria que
denominamos de garantismo penal hiperbólico monocular: evidencia-se desproporcionalmente (hiperbólico)
e de forma isolada (monocular) a necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais individuais dos
cidadãos, o que, como visto, não é e nunca foi o propósito único do garantismo penal integral”.
72
Sobre tal risco, em lição perfeitamente válida para o Brasil, alerta Mantovani: “Hoy la ciencia penal, por lo
menos italiana, peca de un garantismo unilateral. Se preocupa de garantizar los derechos del reo, pero no
los de la víctima. Sin Duda, el reo constituye un valor humano, pero no lo es menos la víctima potencial. Si el
Estado y la doctrina no aciertan a responder a lãs exigencias de seguridad de los ciudadanos, se pdoucirá
una fractura entre estos y el poder y se perderá la confianza en el Estado, con uma fatal regressión a los
fenómenos degenerativos de la omisión de denuncia de los delitos, de la autodefesa privada (multiplicación
de las policías privadas, de los guardaespaldas, de los ciudadanos armados, de los lugares blindados, de las
alarmas sonoras, etcétera), de la justicia privada y de los delitos de los de reacción (venganzas, tentativa de
linchamiento de los delincuentes detenidos in fragranti, etc.). Y con una creciente incomunicación entre el
legislador y la ciencia penal, que se autoexcluye de la política criminal, de modo que hoy los interlocutores
privilegiados del legislador son la magistratura y la abogacía” (Apud CARDONA, Martín Eduardo Botero.
El sistema procesal penal acusatorio. El justo proceso. Estructura y funcionamento. Lima: Ara, 2009, p. 329).
69
26
Pensar de modo contrário acaba consagrando um Estado débil frente à criminalidade de
poder e um Estado forte frente á criminalidade de massa (tradicional), criando verdadeiros
“paraísos jurídico-penais”73 ou “paraísos de impunidade” para os primeiros.
Sobre os “paraísos de impunidade”, cabe destacar que configuram terreno fértil para o
avanço e crescimento das organizações criminosas. Com efeito, conforme destaca Laura
Zúñiga Rodríguez74, “Las organizaciones criminales buscan la obtención del mayor
beneficio econômico posible, aprovechando las altas ganancias que genera El tráfico
ilícito, en relación a la mínima inversión. Es verdad que, como se há visto, El riesgo que
produce la comercialización de mercancias y bienes ilícitos es proporcional a lãs
ganâncias, pero también es verdad que dichas organizaciones buscan paraísos de
impunidad, espacios de no derecho para desarrollar SUS actividades com el mínimo riesgo
posible. La búsqueda dele beneficio ecnonómico es lo que mueve fundamentalmente a la
criminalidad organizada”.
Nessa senda, também são oportunas as observações de Karl Heinz Gössel75: “En ello el
legislador debe caminar por la cornisa demasiado estrecho entre el abismo igualmente funesto del
Estado policial y del Estado vigía. El Estado policial prepotente y superpoderoso hece retroceder
la criminalidad a una medida relativamente pequeña, pero produce efectos destructores de la
libertad postergando la justiça en favor de los fines estatales prevalecíentes, como todas las
dictaduras enseñan, sean ellas de naturaleza fascista o socialista. Pero el Estado demasiado débil
produce efectos igualmente demasiado destructores de la libertad: él no puede obstaculizar más la
ocupación de las zonas que deja abandonadas por el ejercicio incontrolado de la violencia privada,
como lo demuestra claramente el enorme poder fáctico de las organizaciones criminales en
algunos Estados con constituciones democráticas das con constituciones democráticas apreciadas
con justicia como liberales”.
Aliás, cabe aqui relembrar um dos casos mais emblemáticos de enfrentamento da corrupção
e da criminalidade organizada mundialmente conhecido: a operação “Mani Pulite” (“Mãos
Limpas”) na Itália. Luigi Ferrajoli, considerado atualmente a figura máxima do garantismo,
ao discorrer sobre o fenômeno de “Tangentopolis”76 deixa a impressão de que os tão
criticados excessos eventualmente cometidos na referida operação foram justificados, pois:
73
SÁNCHEZ, Jesús-María. Ob. cit., p. 105.
Criminalidad organizada y sistema de derecho penal. Contribución a la determinación del injusto penal de
organización criminal. Granada: Comares, 2009, p. 133.
75
El Principio del Estado de Derecho en su significado para el procedimento penal. In El Derecho Procesal
Penal en el Estado de Derecho. Obras Completas. Tomo I, Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 2007, p. 70.
76
Que significa “Cidade das Propinas”, sendo o nome dado pelos jornalistas italianos para falar sobre o
sistema de corrupção enraizado no Estado, considerada pelo próprio Luigi Ferrajoli como “a crise
institucional mais profunda e perturbadora sofrida pelo nosso país desde a libertação até a atualidade.(...)
que determinou a derrubada de toda uma classe política e com isto o final de uma época na vida de nosso
país. Nunca havia ocorrido na história, não somente italiana, que um sistema político fosse destruído desde
seus cimentos pelo exercício da jurisdição penal e que, pela intervenção penal, fossem derrubados partidos
no governo e nomenclaturas consolidadas. Nem sequer o escândalo Watergate, que vinte anos atrás forçou a
renúncia do presidente Nixon, é comparável, por as dimensão e profundidade, com a crise que hoje atravessa
nosso país” (Crisis del sistema político y jurisdicción: la naturaleza de la crisis italiana u el rol de la
magistratura. Pena y Estado 1/115, Buenos Aires: Editores del Puerto, 1995, p. 114-115). Observa o
renomado jurista que este “Estado social pervertido” e essa “economia corrupta”, se perpetuou “durante
quatro décadas e pujantemente desenvolvida nos anos oitenta graças à ineficácia do direito, a falta de
responsabilidade política e de reciclagem de nossa classe de governantes, envolta por impunidade e
74
27
“Àqueles que atacam globalmente a investigação de Tangentopoli em nome do garantismo
devemos objetar que de garantismo e de estado de direito não tem sequer sentido falar (...)
O mérito histórico dos magistrados de Mani Pulite – mais do que os erros e dos excessos
em que possam ter incorrido e de que falarei logo – foi não apenas e não tanto aquele de
haver varrido uma classe política corrupta, quanto o de haver reabilitado em nosso país o
valor da legalidade e o princípio da subordinação à lei por parte dos poderes públicos”.77
Mutatis mutandis, as observações do doutrinador italiano podem ser transportadas, por
exemplo, para o caso endêmico da corrupção brasileira, sendo possível se falar, em
situações limites, de restrições de garantias – o que não significa eliminação -, desde que
preservado o conteúdo mínimo, o núcleo essencial, dos direitos fundamentais, valendo-se,
para tanto, do princípio da proporcionalidade.
Destarte, na equação custo-benefício, se pode dizer que é válida a utilização da colaboração
premiada como instrumento de combate à criminalidade de poder78, portanto, sendo válido
conceder benefícios ao colaborador para a preservação de um bem maior, o que está em
plena consonância com o princípio da proporcionalidade.
Realmente, será fundamental valer-se do princípio da proporcionalidade para aplicar o
benefício adequadamente. Com isso, estamos querendo dizer, como já observado, que não
poderá ser o instituto utilizado de forma irrazoável e indiscriminada em relação a crimes de
pequena ou média ofensividade79, pois deve ser visto como medida excepcional, já que
somente assim não haverá risco de banalizá-lo. Nesse ponto, portanto, merece a Lei nº
9.807/99 ser devidamente interpretada.
Destarte, como dissemos, será perfeitamente possível, por exemplo, a utilização do instituto
em casos envolvendo organizações criminosas, em crimes contra a administração pública
cometidos por quadrilhas de “servidores” e particulares que “sangram” os cofres públicos,
sacrificando a concretização de vários direitos sociais, em ações de grupos de extermínio.
Enfim, somente com uma análise cuidadosa do caso concreto será possível verificar a
inamovibilidade permanentes”, destacando que, ainda, que “A pesquisa de Tangentopoli nos revelou, com
efeito, um dos diagnósticos mais obscuros do passado: o país em que vivemos não era – não é – um Estado
Democrático de Direito (pelo menos se com este termos entendemos a submissão à lei dos poderes públicos
e, portanto, a visibilidade, a transparência, o controle de seu atuar). (...) Devemos reconhecer que nosso
Estado foi em realidade um Estado duplo, dado que, por detrás da fachada legal e representativa das
instituições, cresceu um infra-Estado clandestino, dotado de códigos e tributos próprios, organizado em
centros de poderes ocultos e invisíveis, cujo fim foi a apropriação privada da coisa pública” (Ob. cit., p. 115)
77
Crisis del sistema político..., cit., p. 115. Aliás, a respeito do combate ao crime organizado italiano e o
instituto da colaboração premiada, Ada Pellegrini Grinover (O crime organizado no sistema italiano. In
PENTEADO, J. de Camargo (Coord.). Justiça Penal, v. 3: críticas e sugestões, o crime organizado (Itália e
Brasil). A modernização da lei penal. São Paulo: RT, 1995, p. 76) observa: “Foram muitas críticas à delação
premiada, mas acabou estabelecendo-se um consenso em torno da necessidade de medidas extremas, que
representavam a resposta a um estado de verdadeira guerra contra as instituições democráticas e a
segurança dos cidadãos”.
78
Em sentido contrário: FRANCO, Alberto da Silva, ob. cit., p. 352/353 (nota 18).
79
Com efeito, conforme observa Marcelo Batlouni Mendroni, “O que não se pode conceber é a utilização da
aplicação do benefício a casos de prática de crimes de baixa ou média potencialidade ofensiva, pois nada
justifica a desproporção entre o alto grau do benefício concedido e a pequena equivalência de retorno para a
administração da justiça. Mas a análise sempre dependerá do caso concreto” (ob. cit., p. 50).
28
existência de retorno para a administração da justiça e, consequentemente, para
coletividade, permitindo a concessão, como contrapartida de um benefício.
Não se estará com isso, por outro lado, violando o princípio da dignidade da pessoa
humana, o que afasta o argumento de inconstitucionalidade do instituto. Pelo contrário, pois
a concessão de benefício ao colaborador se justifica pelo fato deste demonstrar
arrependimento em relação ao crime praticado, fazendo jus, portanto, que o Estado também
haja com compaixão, concedendo-lhe até o perdão judicial, possível, como se sabe, quando
presentes questões de política criminal que o justifiquem.
Portanto, a concessão de benefícios, como o perdão judicial ou a diminuição de pena
encontra fundamento justamente na dignidade da pessoa humana, pois entre seus objetivos
também se localiza a busca da autoestima perdida do réu-colaborador com a prática do
crime80, já que o agente também pode revelar - e isso não pode ser desconsiderado interesse em quitar sua dívida com a justiça, apesar de não se olvidar que as motivações
podem ser variáveis.81
Com efeito, conforme observa David Teixeira de Azevedo, “o agente que se dispõe a
colaborar com as investigações assume uma diferenciada postura ética de marcado
respeito aos valores sociais imperantes, pondo-se debaixo da constelação axiológica que
ilumina o ordenamento jurídico e o meio social”82, do que se conclui que “sob os
Realmente, observa Thales Tácito Pontes de Pádua Cerqueira que “A delação premiada busca resgatar a
auto-estima perdida e não a auto-imagem do delator, sendo aquela uma condição essencial do ser humano,
da qual a Justiça não pode desassociar-se. A verdade, neste contexto, sublima-se, contribuindo inclusive com
a própria Justiça e o desmantelamento de organizações criminosas com braços no Poder Público” (Delação
Premiada, cit., p. 29).
81
Conforme relata Giovanni Falcone, o lendário juiz italiano (na verdade exercia atividade afeta ao Ministério
Público) considerado o “inimigo número um dá máfia”, que foi brutal e covardemente assassinado em 23 de
maio de 1992, a mando de Totó Rina, então no comando da cúpula da Cosa Nostra, “As motivações que
impelem os arrependidos se assemelham e divergem ao mesmo tempo. Buscetta declara, quando da nossa
primeira entrevista oficial: ‘Não sou um espião. Não sou um arrependido. Fui mafioso e cometi erros pelos
quais estou pronto a pagar minha dívida com a Justiça. A máfia é um cancro.’ Mannoia: ‘sou um
arrependido no sentido simples da palavra, porque me dei conta do erro grave que cometi escolhendo a via
do crime.’ Contorno: ‘Decido colaborar porque a Cosa Nostra é um bando de covardes e assassinos’” (relato
copilado pela jornalista Marcelle Padovani, na obra clássica sobre o funcionamento da máfia “Cosa Nostra. O
Juiz e os Homens de Honra”, tradução de Maria D. Andrade, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993, p. 55).
82
Nessa linha, observa Marcus Cláudio de Acquaviva: “Quanto à justificativa ética da delação premial
reside, a nosso ver, na utilidade social. Afinal, de contas, é notório na doutrina clássica ou moderna que o
Direito, enquanto instrumento de realização da paz social, não é obra para santos, mártires ou heróis. Se a
delação premial merece reprovação absoluta, temos que condenar, também, a estipulação de recompensa
para quem revela o local onde o criminoso se acha ocultado ou, ainda, o instituto da delação anônima, que
tem propiciado a solução de inúmeros delitos. Além disso, embora a delação premial traga, consigo, a pecha
de “alcagüete” ou “dedo-duro” para o delator que, forçoso admitir, delata ou colabora apenas no intuito de
se safar das penalidades a que está sujeito, também é verdade que seus comparsas não deixam de ser menos
culpados quando supostas “vítimas” de uma delação. (...). Não há o menor cabimento, portanto, em falar na
injustiça ou imoralidade da delação premial” (Delação Premiada. Disponível na internet:
www.juridicaonline.com.br. Acesso em 21.10.2005). Aliás, ainda nesse sentido encontramos o seguinte
precedente nos tribunais: “(...) II – Nada há de anormal ou ilegal no instituto da delação premiada, trazido ao
cenário nacional pela Lei nº 9.807/99, pois o mesmo apenas é a efetivação legislativa do entendimento dos
Tribunais em relação à aplicabilidade da atenuante prevista no art. 65, III, ‘d’, do Código Penal” (HC
80
29
princípios de uma ética cristã, o instituto do perdão judicial e da causa de diminuição de
pena particularmente previstos na nova lei, estariam plenamente prejudicados”.83 Dessa
maneira, estará o agente colaborador evitando a propagação e a continuidade do mal 84 e,
nesse ponto, são oportunas a seguinte advertência de Martin Luther King: “Aquele que
aceita passivamente o mal está tão envolvido nele quanto quem ajuda a perpetrá-lo”.
Também não há como obstar a aplicação do instituto invocando questões de ordem prática,
como a possível falta de proteção ao colaborador, pois esse argumento, por si só, não é
idôneo para a refutação da colaboração premiada. Ademais, com a devida vênia, trata-se de
uma típica alegação de quem não está acompanhando a evolução dos programas de
proteção no Brasil, que apesar de todas as notórias dificuldades, estão prestando relevantes
serviços para a justiça criminal. Além do mais, se estão faltando recursos para os
programas, ao invés de se adotar uma postura de letargia, de criticar por criticar, de fazer
um discurso “politicamente” correto, então que se lute por mais investimentos, pelo
aperfeiçoamento da legislação e do funcionamento dos programas, o que pode ser feito, por
exemplo, por meio de ações civis públicas.
Realmente, não pode ser esquecido que o Estado tem o dever de investir nos órgãos que
atuam no combate ao crime, não somente com a aquisição de veículos (medidas geralmente
puramente eleitoreiras), mas, também, com investimentos na área de inteligência, de
capacitação de seus agentes, além de aumentar a interação com a sociedade civil, vez que a
segurança pública interessa a todos.
Porém, por enquanto, a constatação inexorável é que essas medidas ainda não se mostram
suficientes para o enfrentamento da criminalidade, bastando citar o exemplo de países,
como os EUA e Itália, que apesar de investirem consideravelmente na segurança,
consagram o instituto da colaboração premida.
Por fim, para arrematar, é importante advertir que a colaboração premiada é somente mais
um dos instrumentos legais colocados à disposição do Estado para o combate à
criminalidade, em especial à criminalidade dita organizada. Mas, à criação de novos
instrumentos, para que se tenha êxito no enfrentamento do crime organizado, deve seguir,
3299/RJ, TRF – Segunda Região, rel. juíza Maria Helena Cisne, processo 20030210155542, Primeira Turma,
data da decisão: 17/08/2004).
83
A colaboração premiada num direito ético, Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, nº 83,
outubro, 1999, p. 7.
84
Expressão que não deve ser interpretada como uma adesão ao Direito Penal do Inimigo, mas apenas o
reconhecimento de que a atuação de organizações criminosas revelam uma disposição para a realização de
atos nocivos aos direitos fundamentais. A referência ao mal aqui encontra correspondência com o pensamento
de Hannah Arendt (Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. 10 reimpressão. São
Paulo: Companhia das Letras, 2010. Com efeito, a renomada filosofa, na oba referida, analisa o mal quando
este atinge o Estado ou grupos sociais, não sendo ele (o mal) uma categoria ontológica, bem como não e
natureza ou metafísica. Para ela o mal é político e histórico, sendo produzido por homens, manifestando-se
apenas onde encontra espaço institucional para isso. Quando há trivialização da violência ocorre, para Hannah
Arendt, um vazio de pensamento, onde a banalidade do mal se instala. Assim, a pensadora nos convida a fazer
é um exame particular ao olharmos para o monstro que habita dentro de todos nós . Portanto, desde já
rechaçamos qualquer tentativa reducionista ou estratégia retórica em tentar encaixar a referência contida no
texto como um pensamento ligado ao direito penal do inimigo, que vigorou lugar comum entre os juristas
brasileiros para tentar desqualificar quem pensa de forma diferente.
30
necessariamente, uma forte vontade política, bem como um maior comprometimento das
instituições, que devem abandonar em definitivo a postura corporativista tão enraizada,
com disputadas de poder, que tanto efeitos deletérios causam à coletividade.
4. A atuação do Ministério Público nas colaborações premiadas
“Há homens que lutam um dia e são bons;
“Há outros que lutam um ano e são melhores;
“Há os que lutam muitos anos e são muito bons;
“Mas há os que lutam toda a vida e esses são
imprescindíveis” (Bertold Brecht).
4.1. A ilegítima “demonização” do Ministério Público
Antes de adentramos propriamente no tema relativo ao papel do Ministério Público nas
colaborações premiadas julgamos importante uma pequena incursão a respeito de alguns
ataques – irracionais e injustos - que ultimamente a instituição vem sofrendo.
Lamentavelmente, nos últimos tempos, percebe-se no Brasil um movimento de certa
parcela da doutrina, da jurisprudência e, principalmente, de figuras do meio político, no
sentido de tentar esvaziar as atribuições do Ministério Público, o que, em geral, é
mascarado com pretensos argumentos garantistas85 e de defesa do sistema acusatório,
posicionamento que, inclusive, vem refletindo em diversas propostas legislativas. Essa
tendência pode ser chamada de “demonização do Ministério Público”.86
Realmente, nota-se uma tentativa, infelizmente de forma cada vez mais frequente, de
hostilizar a atuação do Ministério Público – e também da magistratura87 -, em especial
quando ela se defronta com a criminalidade de poder. Assim, se verifica a utilização do
poder para mudar o sistema das garantias democráticas e, consequentemente, negar a
85
Na verdade um garantismo deturpado.
ANDRADE, Mauro Fonseca. Ministério Público e sua Investigação Criminal. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2006,
p. 286. Como bem exemplifica o citado autor, “Uma das maiores ofensas feitas ao Ministério Público
nacional foi pronunciada por José Dirceu, ex-Deputado Federal e então Ministro-Chefe da Casa Civil do
Governo Lula. Em entrevista concedida em 08 de setembro de 2004 à jornalista Miriam Leitão, no programa
Espaço Aberto da Globonews, José Dirceu comparou as investigações criminais do Ministério Público
nacional à atuação da Gestapo, famosa polícia secreta nazista. E assim o fez para ressaltar sua posição
contrária à investigação ministerial, afirmando que já foi vítima do Ministério Público (...). Essa desastrada
comparação repercutiu fortemente em todo país, provocando a indignação não só dos membros do Ministério
Público brasileiro. Por essa razão, em 10 de setembro de 2004, o ex-Deputado Federal telefonou ao então
Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público, Dr. Roberto Bandeira
Pereira, para retirar a expressão Gestapo de sua manifestação anterior, por entender que a utilizou de forma
inadequada (...). Como sempre, o tempo se encarregou de colocar as coisas em seu devido lugar, e
demonstrar o porquê de o ex-Deputado Federal de longa data ser alvo das atenções do Ministério Público”
(idem, p. 108).
87
Emblemático o que ocorreu no conhecido “Caso Mensalão”, no qual alguns ministros que votaram pela
condenação dos réus na AP 470 foram hostilizados por determinados setores da classe política e também da
jurídica.
86
31
legitimidade da instituição e seus presentantes, quando não se valem do controle do sistema
de informação para atuar como verdadeira “máquina de lama”88
De fato, só para se ter uma idéia da postura imoral que campeia em nosso país, basta
destacar a tentativa de amordaçar o Ministério Público e a imprensa89, como os famigerados
projetos de lei intitulados de “Lei da Mordaça”, bem como as alterações promovidas na Lei
de Improbidade Administrativa pela MP nº 2.225-45, de 2001, que chegou, inclusive, a
prever possibilidade de condenação do membro do Ministério Público à perda do cargo, em
caso de o pedido na ação de improbidade administrativa ser julgado improcedente,
revelando uma clara intenção de inibir a atuação do órgão ministerial90, proposta que foi
“renovada” por meio de projeto de lei de autoria do deputado federal Paulo Maluf91.
88
A expressão é de Roberto Saviano, em sua obra A Máquina da lama. Histórias da Itália de hoje (São Paulo:
Companhia das Letras, 2012). Logo no início da obra o autor faz um desabafo que poderia perfeitamente ser
adaptado para casos que ocorrem no Brasil em relação aos membros do Ministério Público ou todos aqueles
que se insurgem contra a criminalidade de poder. Diz o autor: “Sinto que a democracia está literalmente em
perigo. Pode parecer exagero, mas não é. A democracia está em perigo no momento em que, se você se
manifesta contra certo poderes, se se apresenta contra o governo, o que o espera é o ataque de uma máquina
que lhe cobre de lama: um ataque que parte de sua vida privada, de fatos minúsculos de sua vida privada,
que são usados contra você” (ob. cit, p. 36).
89
Projeto de Lei nº 2.961, de 1997. Chama a atenção o art. 4º do aludido projeto, que diz: “Art. 4º Constitui
também abuso de autoridade: (...) j) revelar o magistrado, o membro do Ministério Público, o membro do
Tribunal de Contas, a autoridade policial ou administrativa, ou permitir, indevidamente, que cheguem ao
conhecimento de terceiros ou aos meios de comunicação fatos ou informações de que tenha ciência em razão
do cargo e que violem o sigilo legal, a intimidade, a vida privada, a imagem e a honra das pessoas; (...)”.
Olvida o famigerado projeto de lei, dentre outras coisas, o fundamental papel que representa a imprensa, por
exemplo, no combate e controle da corrupção. Com efeito, conforme observam Patrick Glynn, Stephen J.
Kobrin e Moisés Naím (“A globalização da corrupção”, in A Corrupção e a Economia Global, Organizadora:
Kimberly Ann Elliott, Brasília: UnB, 2002, p. 38): “A explosão da comunicação e da informação não apenas
dificulta como nunca a manutenção do sigilo, como também obriga os governos a serem mais atenciosos com
um público globalizado formador de opinião (investidores, jornalistas, políticos, entidades multilaterais e a
opinião pública internacional em geral) que se soma às limitações com as quais esses governos devem lidar.
Os riscos que as autoridades do governo correm e, talvez, mais ainda, os executivos de grandes empresas, de
ver seu nome manchado por acusações de corrupção de escala global, são maiores que nunca. É de se
presumir, pois, que tal aplicação de riscos possa surtir efeito coercitivo”.
90
Nesse sentido, em publicação coletiva do Ministério Público do Estado do Espírito Santo, Fábio Medina
Osório revela interessante pesquisa relativa às tentativas de ataques ao Ministério Público (Obstáculos
processuais ao combate à improbidade administrativa: uma reflexão geral. In Improbidade Administrativa:
responsabilidade social na prevenção e controle. Coleção Do Avesso ao Direito. Vitória: Ministério Público
do Estado do Espírito Santo – Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, 2005, p. 228-229): “Em
pesquisa efetuada junto ao site eletrônico da Câmara dos Deputados, utilizando as palavras ‘Ministério
Público’ e ‘Público’, foram localizados 272 (duzentos e setenta e dois) itens, sendo que, deste universo, nove
projetos de lei tentam, de algum modo, suprimir alguma espécie de garantia ou atribuição do Ministério
Público, dentre elas o estabelecimento dos mesmos meios processuais para intimação utilizados para as
demais partes do processo (PL-624/1999) e revogação de dispositivo que concede ao Ministério Público,
quando parte no processo, prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, a fim de igualá-lo
ao particular (PL-4331/2001), entre outros. Quanto a Projetos de Emenda Constitucional, foram
encontradas 58 (cinqüenta e oito) ocorrências, sendo que merece ser citado o PEC-368/2001, que revoga o
inciso I do art. 129 da Constituição Federal, retirando a função institucional do Ministério Público de
promover, privativamente, a ação penal pública. Há muitos outros ataques institucionais ocultos em projetos
de lei e emendas constitucionais, em via incidental, que tramitam no Congresso Nacional, revelando o
momento peculiar da Instituição e o ambiente de hostilidade reinante”. Outro ataque que merece ser
lembrado veio por meio do incrível Projeto de Lei nº 6.745/2006, de autoria dos deputados João Campos e
32
Para ilustrar, no âmbito criminal é de se destacar o PLS 150/06, de autoria da senadora
Serys Slhessarenko (PT-MT), que trata da repressão para as organizações criminosas. Tal
projeto foi aprovado na CCJ em novembro de 2007 e estava na pauta do Plenário para
análise do Senado. Porém, retornou à CCJ para apreciação de três emendas apresentadas
pelo senador Romeu Tuma (PTB-SP). Até aí nada de anormal, contudo, as três emendas
referidas alteram a expressão “investigação”, por “inquérito policial”, nos dispositivos do
texto referentes ao procedimento criminal, tendo o claro objetivo de retirar a possibilidade
de o Ministério Público realizar diretamente investigações de natureza criminal, propostas
que, segundo noticiado, contava com o apoio do senador Aloizio Mercadante (PT-SP),
relator do projeto92. Tratava-se, inegavelmente, de mais um ataque ao Ministério Público,
pois se tentava, por meio de lei infraconstitucional, retirar-lhe uma possibilidade que
decorre da Constituição Federal.
Aliás, os ataques ao Ministério Público são tão gritantes que até mesmo o então Presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em discurso proferido em novembro de 2006, feito
a um grupo de prefeitos que o acompanhava na visita a Guarulhos, na Grande São Paulo,
em mais uma manifestação infeliz e equivocada, colocou o Ministério Público como um
dos obstáculos ao desenvolvimento do País. Na ocasião, o Presidente afirmou “que ‘as
questões dos índios, quilombolas, ambientalistas e Ministério Público’ são entraves que
impedem que sejam feitos investimentos no país, sobretudo na área de energia. Declarou
Vicente Chelotti, que “Altera os arts. 8º, 9º e 10 da Lei nº 7.347/85, conferindo atribuição a delegados de
polícia para instaurar inquérito civil público (sic), bem como para instituir ‘controle judicial’ sobre tal
procedimento”. Esses projetos revelam com uma clareza solar as tentativas – imorais e inconstitucionais - de
cercear as funções de uma das instituições que vem se revelando das mais importantes na promoção da Justiça
e na defesa dos interesses difusos da coletividade. Aliás, no que refere à PEC-368/2001, corre-se inclusive o
risco de abrir caminho para a vingança privada, ao se retirar o caráter privativo das ações penais públicas das
mãos do Ministério Público. Olvida-se que já existem mecanismos legais para coibir eventuais abusos por
parte de membros da instituição, bem como de que a diminuição de suas prerrogativas pode representar
verdadeiro retrocesso social, a comprometer a tutela dos direitos fundamentais.
91
Projeto de Lei nº 265/2007, que mereceu a solicitação aos deputados federais de veto total por parte da
Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), da Associação Nacional do Ministério Público Militar
(ANMPM), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), da Associação Nacional dos Procuradores da
República (ANPR), da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), da
Associação Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), da Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), e da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho
(ANPT). Entre os diversos motivos destacados no referido documento encaminhado aos parlamentares em 17
de junho de 2009, as entidades mencionadas destacam que a matéria está absolutamente contrária ao interesse
público.
92
Fonte: http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=91799&codAplicativo=2. Acesso
em 25/09/2009. Felizmente a Lei nº. 12.850/2013 caminhou no sentido inverso da referida tentativa, pois
acertadamente fala em “investigação”, o que, aliás, está em consonância com o clamor social, como não deixa
dúvida a repulsa feita pela população no emblemático mês de junho de 2013, quando milhares de brasileiros
saíram às ruas para mostrar toda indignação contra a corrupção. Em tal oportunidade, inclusive, houve um
apelo para que o Congresso Nacional arquivasse a famigerada PEC 37, que retirava o poder investigatório do
Ministério Público, o que levou a Câmara dos Deputados, no dia 25/06/2013, a rejeitar a proposta, com 430
votos contrários, 9 favoráveis e 2 abstenções (Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/06/1301424para-ouvir-as-ruas-camara-rejeita-pec-37-que-retira-poderes-do-ministerio-publico.shtml.
Acesso
em
24/06/2014).
33
ainda que pretendia analisar esses obstáculos, preparar um pacote e chamar o Congresso
para dizer que a questão é um problema nacional”.93
As declarações foram graves e preocupantes, especialmente vindas de um Presidente, pois
questiona uma das instituições mais importantes para defesa da coletividade. Revelaram,
com a devida vênia, resquícios de autoritarismo e um retrocesso sem precedentes para um
Estado que se diz Democrático e Social de Direito. Curioso no episódio é que o então
Presidente sequer mencionou a corrupção como um dos obstáculos para o desenvolvimento
do país, como se ela não existisse e como se de fato fosse invisível aos olhos da população,
numa linha contrária a de outros chefes de Estado da época (inclusive vizinhos de
continente), que se mostram preocupados com esse grave problema que aflige a todos os
países, como se pode perceber no caso do Chile, onde a então Presidente Michelle
Bachelet, no mês de novembro do mesmo ano de 2006, lançou um pacote anticorrupção,
propondo, dentre outras medidas, mais transparência nos gastos e o fim do financiamento
de empresas privadas a campanhas eleitorais.94
Em algumas situações os ataques ao Ministério Público estão encobertos com discussões
pontuais, indiretas. Porém, o que se percebe, infelizmente, em sua grande maioria, é que
por trás de algumas delas existe uma tentativa - maquiada com ares de garantismo - de
diminuir as prerrogativas da instituição. Com efeito, argumentos de que o Ministério
Público é parte parcial95 servem, por exemplo, para posteriormente justificar a ilegitimidade
da instituição para determinadas providências, como a legitimidade para investigar
diretamente em matéria criminal.
Note que não se está aqui defendendo privilégios indevidos para o Ministério Público. O
que se questiona é a utilização de sofismas para encobrir, em alguns casos, intenções de
restrição da atividade ministerial.
Cf. Jornal Folha de São Paulo, nas matérias “Democracia traz obstáculos ao desenvolvimento, diz Lula”
(caderno brasil, A4) e “Ambientalistas criticam discurso de Lula” (caderno brasil, A5), do dia 25 de
novembro de 2006.
94
Cf. Jornal Folha de São Paulo, na matéria “Bachelet lança pacote anticorrupção”, do dia 24 de novembro de
2006 (caderno mundo, A16). Segundo a reportagem as principais medidas são as seguintes: 1) Transparência:
criação de organismo autônomo que vai zelar e regularizar o acesso à informação. Todos os órgãos públicos
deverão divulgar em suas páginas na internet a contratação de bens e serviços e pagamentos a terceiros; 2)
Modernização do Estado: instalação completa de um sistema de concursos para altos cargos do funcionalismo
em 2007; Designa áreas da administração onde todos os funcionários terão que ser concursados, e outras que
terão menor número de cargos nomeados; Obrigação de declarar bens e interesses de todos os funcionários
responsáveis em compras e contratos governamentais; 3) Qualidade da Política: proibir doações de campanha
a pessoas jurídicas; restrição de doações anônimas; auditoria de contas bancárias declaradas pelos candidatos;
eleições primárias dentro dos partidos e das coligações para reduzir gastos e tempo de campanha; proibir
publicidade sobre programas de governo durante o período eleitoral; conflitos de interesses: sanções a
parlamentares que votem ou promovam assuntos que tenham interesse direto ou pessoal.
95
Aqui é oportuno destacar as lúcidas observações de Karl Heinz Gössel (ob. cit, p. 50), que aos discorrer
sobre o Ministério Público destaca: “El Ministerio Fiscal está al servicio de la vocación del Estado hacia la
justicia material, no persigue ningún interés unilateral, y en este sentido su “posición de parte”, en el
significado procesal de los intervenientes en un procedimento, que se enfrentan en igualdad de derechos para
la protesión de reconocimiento y salvaguarda de sus intereses”.
93
34
Portanto, a sociedade deve ficar em estado de alerta para os ataques indevidos e desleais ao
Ministério Público, pois, na verdade, configuram ataques à democracia e aos interesses da
coletividade, pois cabe à instituição exercer a relevante missão constitucional de ser um dos
guardiões desses direitos, do que poderia se concluir que o Ministério Público é verdadeira
cláusula pétrea.
Nessa linha, são certeiras as seguintes ponderações do Ministro Carlos Ayres de Brito96:
“As cláusulas pétreas da constituição não são conservadoras, mas impeditivas do
retrocesso. São a salvaguarda da vanguarda constitucional... a democracia é o mais pétreo
dos valores. E quem é o supremo garantidor e fiador da democracia? O Ministério
Público. Isto está dito com todas as letras no art. 127 da Constituição. Se o MP foi erigido
à condição de garantidor da democracia, o garantidor é tão pétreo quanto ela. Não se
pode fragilizar, desnaturar uma cláusula pétrea. O MP pode ser objeto de emenda
constitucional? Pode. Desde que para reforçar, encorpar, adensar as suas prerrogativas,
as suas destinações e funções constitucionais”.
4.2. A titularidade exclusiva do Ministério Público para as propostas de colaboração
premiada
Como se sabe o Ministério Público é o titular exclusivo da ação penal pública (CF, art. 129,
caput), ainda que alguns queiram retirar indevidamente tal exclusividade. Sendo assim, nos
casos de colaboração premiada, em face dos efeitos que gera esse instituto, entendemos que
o órgão ministerial necessariamente será o seu principal protagonista.
De fato, ainda que a investigação seja oriunda da polícia judiciária, em toda colaboração
premiada deverá se fazer presente o Ministério Público como seu legítimo proponente, não
sendo lícito, diante do papel constitucional do órgão ministerial em matéria criminal, que
acordos de colaboração premiada sejam realizados sem conhecimento e aquiescência da
instituição. Possível a interação entre o Ministério Público e polícia judiciária, o que, aliás,
é de todo salutar e desejável. Contudo, não é possível um atuar isolado da polícia, pois não
é sua a titularidade da ação penal97, sendo o seu papel primordial na Constituição Federal o
de subsidiar o órgão ministerial98.
Nem há necessidade de fundamentar essa conclusão com o poder de exercer o controle
externo da atividade policial conferido ao Ministério Público, bastando, repita-se, invocar a
sua titularidade para o exercício da ação penal, pois a colaboração premiada importará em
mitigação dos princípios da obrigatoriedade e disponibilidade da ação penal pública.
96
Conferência proferida pelo Ministro Carlos Ayres de Brito na sede do Ministério Público do Rio de Janeiro,
publicado em “MP em Revista”, nº 2, julho de 2004, Informativo da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, p. 7-8 (apud JATAHY, Carlos Roberto de C. O Ministério Público e o Estado Democrático
de Direito: Perspectivas Constitucionais e Atuação Institucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 7677).
97
Ainda. Quem sabe amanhã algum parlamentar “bem intencionado”, com “espírito democrático”, venha a
propor que a polícia judiciária passe também a ter titularidade para o exercício da ação penal.
98
Nesse sentido, entendemos que deveria ser repensado até mesmo o nome, passando de polícia judiciária
para polícia ministerial.
35
Sendo assim, falece legitimidade aos delegados de polícia (civil e federal) fazer propostas
de colaboração premiada isoladamente, sob pena de patente inconstitucionalidade, vez que
se estará usurpando de atribuição constitucional do Ministério Público, sem contar que tais
autoridades, como se sabe, além de não poderem determinar o arquivamento de inquérito
policial (CPP, art. 17), não possuem poderes de postulação.
Dessa forma, entendemos ser inconstitucional a previsão contida na Lei nº. 12.850/2013,
em especial no art. 4º, § § 2º99 e 6º100, que conferem ao delegado de polícia, nos autos do
inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, representar ao juiz pela
concessão de perdão ao colaborador.
Assim, de forma equivocada, a Lei nº. 12.850/2013 eleva a autoridade policial à condição
de parte, pois é sabido que poderá decorrer a da colaboração premiada a extinção da
punibilidade em vista da aplicação do perdão judicial, havendo, portanto, disposição
indevida e ilegítima da ação penal101.
Não bastasse isso, a referida previsão contraria a finalidade do instituto, como bem
apontado por Eduardo Araujo Silva102, valendo transcrever suas observações:
“A propósito da legitimidade para promover a colaboração processual, Oreste Dominioni
assinala sem rodeios: seja como “contestador geral”, referido por Geremias Bentham, ou
como “advogado do mérito”, mencionado por Melchiorre Gioia, a proposta para a
aplicação da colaboração premiada deve ser reservada a um sujeito que desenvolva
funções assemelhadas àquele hoje desenvolvidas pelo Ministério Público no processo
penal, ainda que se trata de uma função contrária à acusação penal, pois terá que atuar
em favor do acusado. Em outros termos, segundo o autor, a solução a ser encontrada deve
passar pela discussão do delicado tema da discricionariedade da ação penal, para que
com base na realidade e de forma motivada, legitimamente, o órgão responsável pela
acusação possa avaliar, na própria investigação, quais vantagens podem advir da
colaboração”.
“No direito norte-americano, a iniciativa para fins de colaboração processual é exclusiva
do órgão responsável pela acusação, cujo representante tem ampla discricionariedade
para negociar com o acusado colaborador (plea bargaining), podendo inclusive dispor da
ação penal, estando reservado ao juiz a homologação desse acordo. Esse sistema é mais
“§ 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o
delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão
requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício
não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689,
de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal)”.
100
“§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de
colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do
Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu
defensor”.
101
Nesse sentido: FERRO, Ana Luiza Almeida; PEREIRA, Flávio Cardoso; GAZZOLA, Gustavo dos Reis,
ob. cit, p. 126.
102
Organizações criminosas. Aspectos penais e processuais da Lei Nº 12.850/2013. São Paulo: Atlas, 2014, p.
60-61.
99
36
coerente com a finalidade do instituto da colaboração processual, que se destina à
obtenção de prova para a acusação, afigurando-se conveniente para o seu sucesso que o
órgão acusador tenha liberdade para indagar do colaborador as provas que entenda
convenientes”.
Nem mesmo a previsão de manifestação do Ministério Público salva a regra de sua
manifesta inconstitucionalidade, pois mesmo havendo uma manifestação contrária do órgão
ministerial o juiz poderá homologar a proposta, o que seria patente absurdo, uma vez que o
órgão destinado constitucionalmente para exercer a ação penal em crimes de ação penal
pública fica impedido de exercer sua função acusatória.
Portanto, entendemos que as regras merecem uma interpretação conforme a Constituição
Federal. Logo, a representação da autoridade policial para fins de colaboração premiada
deve ser dirigida ao Ministério Público, para que encampe ou não a iniciativa. Somente em
caso positivo será realizada a colaboração, porém, tendo como proponente do acordo o
Ministério Público, contando com o auxilio da autoridade policial, o que é sempre salutar e
desejável.
Isso de modo algum quer significar um desprestígio em relação às relevantes atribuições
das autoridades policiais. Trata-se apenas de harmonizar sua atuação com a Constituição
Federal, impedindo dessa forma o crescimento indevido do “Estado Policial” em
detrimento do “Estado de Direito”. A atuação do Ministério Público, em tal sentido,
valendo-se da feliz expressão de Zaffaroni103, acaba funcionando como um “dique” de
contenção do perigoso modelo do “Estado Policial”.
Deve ser destacado, por fim, que caso o juiz homologue um acordo de colaboração
premiada celebrado entre a autoridade policial e o colaborador com manifestação contrária
ao Ministério Público, poderá o órgão ministerial atacar a referida decisão por meio de
mandado de segurança, uma vez que claramente fere o direito líquido e certo da instituição
relativa à titularidade para o exercício da ação penal.
Outra alternativa seria simplesmente o órgão do Ministério Público ignorar o acordo e
oferecer ação penal em face do colaborador. Assim, uma vez rejeitada a denúncia a decisão
poderia ser atacada por meio de recurso em sentido estrito.
Por fim, também ao juiz é vedado fazer propostas e acordos de colaboração premiada, pois
além de incompatível como o sistema acusatório consagrado na Constituição Federal, tal
possibilidade fulminaria os princípios da inércia e da imparcialidade, fundamentais para se
ter um processo justo.
Aliás, nesse ponto merece aplausos a Lei nº. 12.850/2013, que procura manter diante o
magistrado, destacando que ele “não participará das negociações”, tendo apenas o papel de
homologar o acordo de delação, jamais de ser o seu proponente. Merecer reparos, porém,
quando permite ao julgador “adequar” (art. 4º, § 8º) a proposta de acordo ao caso concreto.
103
ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito Penal
Brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003, em especial p. 157-162.
37
Entendemos que o máximo que o julgador poderá fazer no caso de visualizar a inadequação
nos termos do acordo será não homologar o acordo, decisão que poderá ser atacada por
meio de recurso de apelação, pois inegável sua força de definitiva em relação ao tema.
4.2.1. Cautelas práticas que deve ter o Ministério Público para concretização da
medida
Cuidado redobrado deverá ter o órgão ministerial em relação ao instituto da colaboração
premiada, especialmente antes do advento da Lei nº. 12.850/2013, porque a legislação até
então vigente não previa um procedimento específico104.
Porém, referido panorama mudou com o advento da Lei nº. 12.850/2013 que, como
destacado, detalhou o procedimento da colaboração premiada, o que poderá agora ser
aplicado, por analogia, aos casos de colaboração premiada fora dos casos envolvendo
organizações criminosas.
Um primeiro cuidado é ter plena consciência de que o beneficiário do instituto não é mera
prova judicial, mas, acima de tudo, pessoa humana, com direito à dignidade e
incolumidades física e psíquica; segundo, há de se ter cautela para não estar fomentando
uma “indústria de delatores”; terceiro, há de utilizar o instituto em situações excepcionais,
para não banaliza-lo; quarto, deve sempre pautar a sua utilização com os olhos voltado para
o princípio da proporcionalidade.
Dessa forma, além da observância dos requisitos previstos em lei (em especial da Lei nº.
12.850/2013), recomenda-se também ao Ministério Público, dentre outros cuidados, os
seguintes:
1º) Agir com prudência nos contatos feitos com o possível investigado/réu colaborador,
evitando a adoção de postura arrogante e autoritária, demonstrando respeito pela pessoa do
potencial colaborador, exigindo reciprocidade no tratamento, com o objetivo de evitar
falsas cumplicidades. Deve-se evitar trata-lo por “você”, muito menos insultá-lo ou
ameaçá-lo105, pois do contrário estará comprometida a colaboração em vista da ausência de
voluntariedade.
104
Fausto Martins de Sanctis (Crime Organizado e Destinação de Bens Apreendidos. Lavagem de Dinheiro,
Delação Premiada e Responsabilidade Social. São Paulo: Saraiva, 2009, especialmente p. 157 a 186), destaca
dois procedimentos práticos no âmbito da Justiça Federal: 1º) Justiça Federal de Curitiba/Paraná, onde é
firmado um contrato com o colaborador, prevendo até mesmo renúncia a recursos em documento assinado
inclusive pelo juízo responsável pelo feito, como também das polícias e dos Ministérios Público (Estadual e
Federal), do investigado ou acusado e seus respectivos advogados; 2ª) 6ª Vara Criminal paulista, onde não há
contrato firmado, a exemplo do que ocorre nos EUA com a utilização do instituto do plea bargaining, ficando
apenas submetido o acordo ao controle do magistrado. Assim, pelo segundo sistema “inicialmente as partes
apresentam pedido em juízo e este é autuado e distribuído de forma sigilosa ao feito em curso. Cabe ao juiz
designar audiência específica, presentes o Ministério Público e a defesa, para demonstrarem o que desejam
com a delação, ambos comprometendo-se a concretizar o que se propõem: a defesa, geralmente a revelação
do que sabe, e o órgão acusatório, o que considera adequado, nos memoriais, diante das informações”.
105
Como destaca Maria Thereza Rocha de Assis Moura em relação à colaboração premiada: “É preciso muito
cuidado na sua utilização, para que os agentes estatais dele não se valham para pressionar o investigado ou
o acusado – que, como realça Luigi Ferrajoli, geralmente encontra-se fragilizado psicologicamente em razão
38
2º) Verificar de forma cuidadosa quais são os propósitos do futuro colaborador, sem
desmerecer, porém, sistematicamente suas informações. Lembrar que a colaboração
premiada pressupõe esclarecimento dos fatos, da trama criminosa, da organização
criminosa, de todos coautores e partícipes do delito, não cabendo por isso limitar o universo
do que se deseja esclarecer106.
3º) Repudiar o “denuncismo” inconsequente e irresponsável, bem como pretensos
colaboradores que agem unicamente movidos por ódio, vingança ou qualquer outro
sentimento que afaste o objeto principal do instituto.
4º) Buscar conquistar a confiança do colaborador, ressaltando o papel do Ministério
Público, sem adotar uma postura burocrática e insegura, a fim de que o colaborador tenha
certeza que não será iludido;
5º) Se colocar hipoteticamente no lugar do colaborador, com o objetivo de compreender as
dificuldades de se relatar e assumir a responsabilidade em relação a um delito que cometeu,
bem como das sérias consequências de suas informações.
6º) Conhecer profundamente o caso, para não se correr o risco de não ter nada de concreto e
relevante para perguntar ao colaborador, bem como para evitar falsos colaboradores.
de sua prisão preventiva – para influenciar no seu livre arbítrio, de modo a transformar as delações dos
colaboradores no coração do processo, sem demais empenho na busca de novas modalidades probatórias”
(Delação premiada. Revista Del Rey Jurídica. Ano 8, nº 16, 01/09/2006, p. 70). Cabe observar que a referia
autora se manifesta contrariamente ao instituto em tela, ao argumento de que não se sustenta do ponto de vista
ético e jurídico, posição que respeitamos, mas com a qual não concordamos, conforme exposto ao longo do
texto.
106
Nesse ponto, no que diz respeito às organizações criminosas, em face de suas peculiaridades, são
pertinentes as seguintes observações de Piero L. Vigna, Procurador Nacional Antimafia da Itália (Nuevos
Institutos Procesales contra el Crimen Organizado. In El crimen organizado. Desafíos y perspectivas en el
marco de la globalización. Coordinador: YACOBUCCI, Guilhermo J. Buenos Aires: Ábaco de Rodolfo
Depalma, 2005, p. 195-196): “Pero cabe advertir que las declaraciones de los colaboradores de la justicia en
los procesos de criminalidad organizada se caracterizan, como es sabido, por peculiaridades específicas que
las diferencian de las declaraciones prestadas por otros sujetos declarantes en procesos que no son de
criminalidad organizada.(...) La peculiaridad del relato de los colaboradores consiste en el hecho de que sus
declaraciones no se refieren a episódios delictivos particulares que conciernen su propia responsabilidad y,
eventualmente, la de sus cúmplices, sino que se refieren a hechos criminales más o menos extendidos en el
tiempo y en el espacio, y que tienen por objeto, en defintiva, los delitos asociativos que involucran decenas o
más bien centenares de personas y, además, centenares de hechos delictivos más o menos graves
concernientes a la responsabilidad de los mismos colaboradores y de otras personas, ym con frecuencia,
solamente de otras personas. (...) Una dificultad objetiva en el momento de obtener dichas declaraciones es,
por lo tanto, la se separar, en el relato del colaborador, el ‘hecho próprio’ del ‘hecho ajeno’ y delo ‘hecho
próprio’ cometido en concurso con otros. De ello deriva, en concreto, la imposibilidad de distinguir o de
modificar en el transcurso de su misma producción el tipo de acto procesal, garantizado o no, a utilizar; por
esto, hasta ahora, normalmente las delcaraciones se obtienen, todas, en un único contexto garantizado
mediante el interrogatorio del indagado en proceso conexo o vinculado. (...) Por eso la experiência permite
afirmar que en los procesos contra la criminalidad organizada de tipo mafioso el colaborador es escuchado,
casi siempre, de acuerdo con la etapa procesal, como indagado-imputado o como indagado-imputado en
proceso conexo o vinculado; mui raramente como persona informada sobre los hechos-testigo”.
39
7º) Preferir celebrar os acordos em ambientes formais e oficiais107, quando possível, para se
evitar alegações de práticas escusas por parte do Ministério Público, o que também é
importante para posteriormente atestar transparência na atuação, com claros objetivos de
estar agindo em prol da coletividade.
8º) Acordar com o colaborador, também como contrapartida dos benefícios que lhe serão
concedidos, a recuperação total ou parcial dos produtos e/ou proveitos do crime, tanto no
Brasil, quanto no exterior. Assim, havendo em poder do colaborador valores ilícitos,
obviamente deverá entregá-los, para que sejam devolvidos para as vítimas (pessoas físicas
ou jurídicas) do crime quando identificadas. Não tendo vítima individualizada, como se dá,
por exemplo, nos delitos de tráfico ilícito de drogas, é recomendável direcionar os valores
para entidades filantrópicas e/ou culturais.
9º) Observar as formalidades que deve ter o termo de acordo de colaboração premiada,
conforme agora prevê o art. 6º da Lei nº. 12.850/2013 (“Art. 6o O termo de acordo da
colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter: I - o relato da colaboração e
seus possíveis resultados; II - as condições da proposta do Ministério Público ou do
delegado de polícia; III - a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; IV as assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do
colaborador e de seu defensor; V - a especificação das medidas de proteção ao
colaborador e à sua família, quando necessário”).
Enfim, a colaboração premiada, por ser um meio excepcional de obtenção de prova, deve
ser cercada, como se percebe, do máximo cuidado pelo órgão de execução do Ministério
Público. Nesse sentido, é oportuno trazer à colação a seguinte lição de Stephen S. Trott,
juiz senior da Corte de Apelações do Nono Circuito Federal dos Estados Unidos:
“Nas mãos de um experiente médico, o bisturi é um instrumento maravilhoso. Ele tanto
pode remover um tumor mortal como reparar um coração doente. O sucesso desses
procedimentos, por certo, depende da habilidade do cirurgião porque o mesmo bisturi, em
mãos inexperientes ou sem cuidado, pode fatalmente cortar a artéria saudável, lesionar um
nervo não visto ou mesmo realizar uma operação no joelho esquerdo quando o problema
está no direito”.
“U criminoso colaborador utilizado como testemunha contra outros criminosos é muito
parecido com um bisturi. Jimmy, o Doninha Fratianno, pode ser usado para derrubar a
Máfia da Costa Oeste; Sammy, o Touro Gravano, para remover o chefe John Gotti; e
Michel Fortier para proporcionar um depoimento destruidor e explosivo para Timothy
McVeigh no caso da bomba no Prédio Federal em Oklahoma. De fato, uma das mais úteis,
importantes e, de certo, indispensáveis armas na constante luta da civilização contra
criminosos, faras-da-lei e terroristas é a informação que vem de associados deles. Mas,
como no caso do bisturi, a utilização sem cuidado, sem habilidade ou sem preparação, de
107
Nesse passo, acerca da informalidade, ainda são válidas as observações de Giovanni Falcone ao relatar
como procedia quando do contato com os possíveis arrependidos (ob. cit., p. 58): “Há sempre uma mesa entre
eles e mim, material e simbólica, pois não sou pago pelo Estado para arranjar amigos, mas para descobrir
criminosos”.
40
criminosos colaboradores como testemunhas, tem a capacidade de gerar, de maneira tão
severa, o efeito contrário pretendido; assim, um caso que, de outra forma, seria sólido,
pode ser irreparavelmente prejudicado e os efeitos colaterais podem às vezes não arruinar
o caso, mas até mesmo manchar a reputação ou a carreira do promotor”108.
Finalmente, objetivando sempre a proteção do investigado/réu colaborador, poderá também
o órgão de execução do Ministério Público desenvolver esforço no sentido de que, sempre
que necessário, pugnar pela decretação de prisão provisória do coautor ou partícipe
delatado, como forma de preservação da integridade física, bem como para que se evitem
ameaças, intimidações ou quaisquer formas de coação ou pressão contra o colaborador e
seus familiares.
Também poderá adotar ou requerer as providências cabíveis, no sentido de evitar, em
audiência ou no aguardo desta, o confronto direto do colaborador com os demais acusados,
parentes ou amigos destes, solicitando, sempre que necessário, a utilização de
videoconferência, ou, no caso de sua impossibilidade, que sejam retirados da sala de
audiências quando da oitiva do colaborador109, o que, aliás, decorre agora expressamente da
lei, como se pode notar pelo art. 5º, inc. IV DA Lei nº. 12.850/2013, que assegura ao
colaborador o direito de participar das audiências sem contato visual com outros acusados.
Ainda, como medida protetiva e cautelar, poderá requerer a produção antecipada da prova,
ao tomar conhecimento de eventual ameaça ou coação sofrida pelo colaborador,
objetivando preservar a produção da prova e combater a cultura de que “eliminando a
testemunha pulveriza-se a prova”.
4.2.2. A possibilidade de arquivamento do inquérito policial ou outro procedimento
investigativo criminal com fundamento na colaboração premiada
Como já destacado, mesmo antes do advento da Lei nº. 12.850/2013, defendíamos a
possibilidade, a depender do caso concreto, que o Ministério Público pudesse deixar de
oferecer denúncia, promovendo o arquivamento, diante de uma colaboração premiada,
posição que tinha como fundamento o disposto no art. 13 da Lei nº 9.807/99110, que prevê
como uma das consequências do instituto o perdão judicial para o colaborador.
Para tanto, era destacado que não teria cabimento a alegação de que o perdão judicial
somente pode ser concedido na sentença para impedir o arquivamento das investigações111.
108
TROTT, Stephen S. O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial. Traduação de Sérgio
Fernando Moro. Revista CEJ/Conselho da Justiça Federal, Centro de Estudos Judiciários, Brasília, Ano XI, ,
nº 37, abr./jun. 2007, p. 69.
109
Tais providências atualmente encontram consagração no art. 217 do CPP (com redação determinada pela
Lei nº 11.690/08), no que diz respeito ao depoimento de vítimas e testemunhas, podendo ser estendido, por
analogia, para os réus colaboradores.
110
Valendo o mesmo para outros diplomas que consagram também a possibilidade de perdão judicial, como a
Lei nº 9.613/98.
111
Como entende, por exemplo, Heloisa Estelita (A delação premiada para identificação dos demais coautores
ou partícipes: algumas reflexões à luz do devido processo legal. Boletim IBCCRIM, n. 202, setembro de
2009, p.2), que destaca: “Sendo causa de diminuição da pena ou perdão judicial, sua aplicação está
condicionada lógica e cronologicamente a um prévio juízo condenatório. Isto é, o magistrado deve se
41
Com efeito, embora divergente, predomina o entendimento de que a natureza da decisão
que concede o perdão judicial é declaratória extintiva da punibilidade 112. Sendo assim,
impunha-se a aplicação da regra prevista no art. 61 do CPP, que permite o reconhecimento
de uma causa extintiva da punibilidade a qualquer tempo, por se tratar de matéria de ordem
pública, possibilitando até mesmo seu reconhecimento de ofício pelo julgador113.
Nesse sentido, é a lição de Luiz Carlos Betanho e Marcos Zilli114:
“Todas as causas extintivas de punibilidade elencadas no art. 107, referentes à ação penal,
são prejudiciais de mérito e podem ser reconhecidas a qualquer tempo, desde que
verificadas. Nenhuma delas impõe o prosseguimento dos atos processuais, para ser só
objeto de deliberação na sentença. Seria convenhamos absurdo receber denúncia, marcar
interrogatório, ouvir testemunhas etc., quando o réu já morreu, ou quando há prova de
prescrição ou decadência”.
“Então, no caso de perdão judicial, que tem a mesma natureza, é perfeitamente possível o
arquivamento sem denúncia, a rejeição da denúncia, ou a extinção do processo,
independentemente da apreciação de mérito a qualquer tempo”.
Logo, transportando o referido entendimento para o campo da colaboração premiada,
demonstrado na fase pré-processual a sua efetividade (proporcionando, por exemplo, a
liberação de vítima sequestrada de um cativeiro, a apreensão de drogas ilícitas, a prisão de
outros agentes de uma organização criminosa etc.), seria plenamente possível, em certos
casos, que o Ministério Público promovesse o arquivamento das investigações.
Porém, nessas hipóteses o Ministério Público deveria fundamentar o arquivamento na falta
de interesse processual de agir, ante a ausência de punibilidade em concreto. Trata-se de
postura mais adequada, pois com isso tornava possível o desarquivamento na hipótese de o
colaborador romper com o que foi pactuado, mormente quando se sabe que em
determinadas hipóteses a colaboração reclama um prolongamento no tempo.
Aliás, em alguns casos essa postura por parte do Ministério Público será fundamental para
preservar a integridade física do colaborador e de seus familiares, que poderiam ficar
temerária e demasiadamente expostos no caso de propositura de ação penal.
Agora, a referida tese, como já destacamos, ganhou reforço com a Lei nº. 12.850/2013, que
trouxe expressamente tal previsão. De fato, o art. 4º, § 4º é claro em estabelecer a
convencer da prática do crime pelo acusado-delator e só então, constatado o preenchimento dos requisitos
legais, aplicar o perdão judicial ou causa de diminuição da pena, na segunda etapa da dosimetria. Assim,
sua própria natureza jurídica, a delação premiada impede que se celebre qualquer ‘pacto’ antecipando a
aplicação dos benefícios”.
112
Súmula 18 do STJ: “A sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade,
não subsistindo qualquer efeito condenatório”.
113
O que deve ser devidamente temperado no caso de colaboração processual que, pelas suas peculiaridades,
não admite um pronunciamento de ofício pelo julgador.
114
Código Penal e sua Interpretação Doutrinária e Jurisprudencial. Coordenadores: Alberto Silva Franco e
Rui Stoco. 8ª ed. São Paulo: RT, 2007, p. 550.
42
possibilidade de o Ministério Público deixar de oferecer denúncia em virtude da celebração
de acordo de colaboração premiada.
Não só isso, pois foi visto também que poderá haver suspensão do prazo para oferecimento
da denúncia (art. 4º, § 3º da Lei nº. 12.850/2013), por seis meses, podendo ser prorrogado
por igual período.
Já endereçamos nossas críticas aos requisitos para as referidas possibilidades, para onde
remetemos o leitor. Cabe, porém, para finalizar, que o órgão de execução do Ministério
Público deverá ponderar de forma equilibrada o melhor caminho a ser adotado.
5. Conclusão
Conforme demonstrado, nos dias atuais, com a atuação de uma criminalidade cada vez mais
violenta, difusa e organizada, que impõe a “lei do silêncio”, o instituto da colaboração
premiada se revela como importante mecanismo para um processo penal mais eficaz, não
podendo, por isso, ser desconsiderado pelos operadores jurídicos. Porém, é fundamental
para sua aplicação que também haja uma efetiva vontade política, pois, conforme observa
Giovanni Falcone, “As leis não servem para nada se não forem acompanhadas de uma
sólida vontade política: essa não se formará, senão quando todo o país estiver consciente
da necessidade de combater o crime organizado”115.
Também é essencial que os operadores jurídicos tenham maturidade e consciência
suficientes para uma efetiva aplicação do instituto, sem banalizá-lo. Cautela e estratégia são
as recomendações necessárias para a utilização da colaboração premiada, que é uma
realidade no ordenamento jurídico pátrio, reclamando uma mudança de mentalidade,
mormente para que se libertem do apego exagerado aos métodos tradicionais de repressão à
criminalidade. Fundamental que se tenha a consciência de que o crime evolui de forma
vertiginosa, impondo-se, por consequência, a evolução dos operadores jurídicos diante dos
desafios de uma sociedade de riscos, como a atual.
Realmente, não há como controlar ou combater a criminalidade moderna apenas com os
meios previstos no vigente Código de Processo Penal, que data de 1941, mais de meio
século, portanto. Não há mais como se valer de velhos conceitos. Não que não sejam bons,
mas pelo fato de não serem mais adequados para algumas situações da sociedade hodierna.
O crime se modernizou, principalmente o crime organizado. Não pode a lei ficar estática
diante da realidade, como também não pode ficar estático seu intérprete, sob pena de a
sociedade ser engolida pela criminalidade.
Não se trata de discurso apocalíptico, demagógico ou do “direito penal e processual penal
do terror”. Apenas revela a preocupação de que no processo penal moderno deve-se buscar
o equilíbrio, uma “concordância prática”116 entre seus dois pontos de tensão (a eficácia no
115
Ob. cit., p. 129.
LOUREIRO, Flávia Noversa. A (I)Mutabilidade do Paradigma Processual Penal Respeitante aos Direitos
Fundamentais em Pleno Século XXI. In Que Futuro Para o Direito Processual Penal? Simpósio em
Homenagem a Jorge de Figueiredo Dias, por ocasião dos 20 anos do Código de Processo Penal Português.
116
43
combate ao crime para a defesa da comunidade x a proteção dos direitos fundamentais dos
indivíduos em geral e dos investigados e réus em particular).
Devemos, portanto, estar preparados para os novos desafios da pós-modernidade, pois
como destaca Anabela Miranda Rodrigues117, “Perante os novos e grandes riscos da pósmodernidade, de que hoje a criminalidade organizada é um exemplo paradigmático, pedese (hoje) ao direito penal que não seja só um ‘ordenamento de liberdade’. Limitativo,
portanto, dos poderes do Estado na intervenção junto dos cidadãos, porque esta é a melhor
protecção dos seus direitos. Pede-se-lhe que seja também um ‘ordenamento de segurança’.
Que satisfaça, ‘paradoxalmente’, duas ambições: que limite os poderes do Estado, em
nome da protecção dos direitos dos cidadãos; e que amplie os poderes do Estado, também
em nome da protecção dos cidadãos”.
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