O Estado brasileiro vem passando por modificações estruturais
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O Estado brasileiro vem passando por modificações estruturais
XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Análise do modelo de gestão do programa Minha Casa Minha Vida Maria Cristina Costa Pinto Galvão Fernando Assumpção Galvão O objetivo deste artigo é analisar o modelo de gestão do programa habitacional “Minha Casa Minha Vida”, com o propósito de verificar a relação entre o seu desenho institucional e a capacidade de resposta para um grave problema social, que é o déficit habitacional brasileiro. Para dar conta dessa tarefa, foram desenvolvidos seis itens sequenciais numa tentativa de desenvolver o tema dentro das principais categorias de análise de uma política pública. A abordagem do estudo envolve, antes de tudo, os aspectos político-institucionais da política habitacional, tendo em vista analisar o seu perfil, alcance, arranjos e beneficiários. Após esta breve apresentação, o artigo situa o tema da política habitacional no contexto da reforma do estado e das políticas públicas, numa tentativa de mostrar a influência dessas mudanças nos novos arranjos institucionais definidos para as políticas públicas, especialmente as de cunho social. O terceiro item apresenta a linha do tempo para as intervenções do estado na política habitacional, culminando em um breve diagnóstico do setor. Parte da primeira política criada pelo estado para dar conta do déficit habitacional, em 1946, até o governo anterior à criação do Programa Minha Casa Minha Vida. Por meio desse histórico, é possível constatar a acumulação do problema em virtude da inadequação de políticas públicas, especialmente para as camadas mais pobres da população. O tópico seguinte apresenta o contexto de criação do Programa Minha Casa Minha Vida, no Governo Lula, procurando explicar como se deu a oportunidade de sua entrada na agenda governamental, transformando-se em prioridade. No quinto são apresentados os principais contornos da Política Nacional de Habitação - PNH e o Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV, dando destaque aos aspectos institucionais e organizacionais contidos nessas propostas de modo a permitir, juntamente com o histórico, o diagnóstico e o contexto, a análise do desenho e da implementação do Programa. No sexto são apresentadas as principais categorias de análise das que influenciam e determinam a qualidade da política pública a ser implementada. Os dois itens subsequentes tratam, respectivamente, da análise da relação estabelecida entre o contexto de criação do MCMV, o seu desenho institucional e a implementação, bem como da avaliação dos resultados apresentados até o momento. Finalmente, o último trata das considerações finais acerca dos aspectos institucionais e organizacionais das políticas sociais, com destaque para a habitacional. Procura mostrar as possibilidades e os limites identificados nesse novo jeito de desenhar políticas públicas numa tentativa de contribuir para o seu aperfeiçoamento. 1 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 II - Introdução O Estado brasileiro vem passando por modificações estruturais desde final da década de 70, quando se inicia o movimento de abertura política, pondo fim, em meados dos 80, à ditadura iniciada em 1964. De 1984 a 1988, o Brasil passa a viver um período de redefinição de sua proposta de Estado. A nova Constituição Brasileira, cuja principal diretriz é a democratização do país, é promulgada em 1988. É chamada de Constituição Cidadã, dada a sua preocupação com justiça social, estreitamento das relações entre Estado e Sociedade, além da universalização das políticas públicas. A partir daí estão dados os valores que conformarão a base das mudanças definidas e implementadas. A descentralização e a participação social foram as principais diretrizes da regulamentação das políticas públicas, associadas à nova distribuição da arrecadação tributária que favoreceu fortemente o poder local. Ocorre que em um país heterogêneo e de dimensões continentais como o Brasil, uma estrutura federativa descentralizada torna mais complexa a organização do Estado no enfrentamento de questões como pobreza, contas públicas e a definição do modelo de desenvolvimento a ser praticado, que exigem diretrizes únicas e, portanto, o fortalecimento político-institucional do governo federal. A excessiva descentralização dificulta também a execução de políticas públicas redistributivas, a eficácia na aplicação dos recursos públicos e a efetividade frente aos graves problemas sociais. Estudos têm mostrado que no Brasil as políticas públicas descentralizadas, sem qualquer participação da União, se mostram mais regressivas quando comparadas àquelas que estão estruturadas sob a forma de sistema ou com apoio da União, por meio de mecanismos de incentivos e indução. Arretche (2009). Esse contexto levou à adoção de medidas, pelos governos FHC e Lula, que, ao fortalecerem o papel da União, deram novos contornos ao federalismo que emergiu da CF/88. Escapando do dilema centralização versus descentralização, esses governos investiram no fortalecimento das relações intergovernamentais para a gestão das políticas públicas, cabendo à União a coordenação federativa, por meio da formulação de políticas federais indutoras, nas quais estados e municípios são incentivados a cooperar, buscando resultados previamente acordados. Abrucio (2002). Essa forma de gerir as políticas públicas tem se mostrado mais avançada em algumas políticas públicas como saúde e assistência social (estruturação de sistemas) e educação (criação de fundo de financiamento). Nas políticas urbanas como saneamento, habitação e transporte, por serem atribuição dos três níveis de governo, as políticas federais indutoras são recentes ou inexistentes. O desafio comum para a gestão de todas essas políticas públicas é dar conta de todos os valores definidos em nossa Constituição, em todo o território nacional, considerando as diferenças e peculiaridades regionais e locais. Como fazer isso? Autores que estudam esse tema têm creditado ao desenho institucional - que associa descentralização e mecanismos de incentivos e indução com coordenação federativa - a responsabilidade pelo sucesso da gestão de políticas sociais. 2 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 O governo federal vem trabalhando com novos desenhos institucionais numa tentativa de ampliar a efetividade das ações do estado. Tem procurado migrar de um padrão de gestão amparado em estrutura tradicional de divisão do trabalho, hierarquia, organização setorial para a uma atuação transversal, participativa, focalizada, e descentralizada dentro de uma abordagem por problema. O Programa Minha Casa Minha vida é de iniciativa federal, coordenado pela União, com execução descentralizada e participação de diversos atores, cuja finalidade é criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais para famílias de baixa renda. III - Evolução Histórica da Questão Habitacional no Brasil nos Últimos 50 Anos: algumas notas sobre a acumulação do problema e as formas de enfrentamento Até os anos 30, a sociedade brasileira era eminentemente agrária, baseada na monocultura de café (SU) e cana de açúcar (NE). As necessidades habitacionais eram providas pelos empresários latifundiários. Mesmo nas cidades, a moradia dos operários era, no mais das vezes, garantida pelos industriais. A urbanização tem início com os reflexos da crise de 29, que atinge diretamente o complexo agrário exportador. Esse processo se acelera no período da 2ª guerra quando a necessidade de substituição de importações provoca expansão da indústria nacional. Em 1946, com o fim da ditadura Vargas (1930 - 1945), o governo federal implementa a primeira Política Nacional de Habitação, com a criação da Fundação da Casa Popular para atender as demandas do operariado e da classe média nascente. Foi, entretanto, ineficaz devido à falta de recursos e regras de financiamento. Entre 1946 e 1964, a demanda foi atendida pontual e parcialmente pelas entidades de classe dos grupos de trabalhadores mais organizados, como funcionários públicos, industriários (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários – IAPI), bancários (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Bancários – IAPB), estivadores (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e Transportes de Cargas – IAPTEC), comerciários (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários - IAPC). Eram conjuntos habitacionais de boa qualidade, mas que atendiam apenas as elites desses sindicatos. Somente em 1964, no início do período da ditadura militar, no bojo do processo de modernização do Estado e de atendimento às reivindicações da classe média, ocorre uma nova intervenção estatal na área de habitação, com a criação do Banco Nacional de Habitação – BNH. Pela primeira vez é estruturado um sistema de financiamento para habitação, no caso, baseado em mecanismo de poupança compulsória dos trabalhadores - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS - e no Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - SBPE, lastreado principalmente na Caderneta de Poupança, que visavam garantir recursos com baixo custo e de longo prazo para o setor. Os programas e o volume de recursos dessa política eram definidos centralmente e sua execução descentralizada, viabilizada por uma rede de agências estaduais. Essas agências tinham atribuições meramente processuais e os projetos eram viabilizados principalmente pela iniciativa privada. 3 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 A duração desse programa foi de aproximadamente duas décadas e o seu alcance se restringiu basicamente às classes médias. Para a classe média baixa, os conjuntos habitacionais construídos eram muitas vezes distantes da malha urbana, apresentavam porte gigantesco, com desarticulação entre a construção e os serviços urbanos. O modelo de financiamento também se mostrou excessivamente custoso e inadequado para uma economia em processo inflacionário, com um descasamento entre empréstimos e pagamentos. Em 1986, no governo Sarney, houve a extinção do BNH, com transferência de suas atribuições para a Caixa Econômica Federal, que herdou um fundo sem recursos financeiros compatíveis, gerando um hiato na política habitacional. A partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal que promove a descentralização das políticas sociais, a política habitacional passa a fazer parte das competências de estados e municípios. Assim sendo, a descentralização associada à falta de recursos federais para financiamento, resultam numa gama de políticas habitacionais variada. Tem-se a atuação dos estados e municípios, o autofinanciamento e os modelos alternativos, como mutirão, urbanização de favelas e regularização de loteamentos clandestinos. Em 1994, com o Governo Itamar, a prioridade passa a ser a conclusão de obras iniciadas. Foram ainda criados dois programas – Habita Brasil e Morar Município – com recursos do orçamento da União e do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira – IPMF. O problema surgido nesse período diz respeito ao contingenciamento de recursos, levando a investimentos pífios para esses programas. No governo FHC, as mudanças foram principalmente de ordem institucional, com a criação da Secretaria de Política Urbana – SEPURB, no Ministério do Planejamento e Orçamento, extinta em 1999, e que teve suas funções substituídas pela Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano SEDU, vinculada à Presidência. As principais críticas relacionadas a esse período dizem respeito à perda da capacidade de formulação pelo governo em decorrência da política de enxugamento de quadros e de desmonte do estado, iniciada no governo do Presidente Collor de Melo. Como consequência, há uma diminuição da capacidade de intervenção do Estado e uma desarticulação institucional. Em suma, pode-se inferir que, em termos de política habitacional, a característica positiva desse período pós extinção do BNH foi a maior autonomia dos municípios, ou seja, viveu-se um momento de “descentralização por ausência”. De resto, o que permaneceu da política criada em 1964 foi o investimento em imóveis para a classe média, com financiamento via setor privado, com recursos da caderneta de poupança e o que restou do FGTS. A não priorização da política habitacional provoca também a extinção de várias instituições públicas de habitação, como as Companhias de Habitação Popular – COHABs. 4 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Na verdade, esse histórico mostra que o Estado fez poucas intervenções no setor habitacional e, quando o fez, o atendimento à camada mais pobre da população não foi priorizado, pois as alternativas sempre foram, basicamente, via mercado. Os dados quantitativos dessa área, levantados entre 2000 e 2004 pelo IBGE – Censo de 2000 e Informações Municipais de 2001 – e do Ministério das Cidades em 2004, mostram a gravidade da situação e não perderam a atualidade. O quadro pouco de alterou até o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida. O setor habitacional possui um déficit de mais de 7.200.000 de imóveis, sendo 5.500.000 urbanos e 1.700.000 rurais. A concentração desse déficit está nas regiões SU com 40% e na NE com 32%. 90% desse déficit está concentrado nas famílias com renda inferior a 5 (cinco) salários mínimos 1, sendo que a faixa de renda de até 2 (dois) salários mínimos tem um déficit de 4.200.000, aproximadamente 58%. No entanto, a carência habitacional não se esgota nesse déficit de moradias. Mais de 10.200.000 unidades habitacionais, aproximadamente um terço do total de moradias existentes na zona urbana tem, pelo menos uma carência de infraestrutura dentre água, esgoto, coleta de lixo e energia. A questão fundiária também se mostra crítica. 6,7% das habitações situadas em regiões metropolitanas e 5,8% do total de moradias existentes, somando 2.200.000, também apresentam problemas. Observa-se um crescimento expressivo e adensamento populacional na periferia. O censo apontou a existência de 4.000 favelas compreendendo 1.650.000 domicílios. A taxa de crescimento das favelas entre 1991 e 2000 foi 4,2% a.a., sendo 50% superior à taxa de crescimento domiciliar (2,8%). Outros fenômenos observados foram o crescimento de cômodos para locação em favelas consolidadas; a fragmentação do espaço urbano; a inexistência de articulação intersetorial nas práticas de regulação urbanística; a inexistência de instância de articulação nas regiões metropolitanas que permitam viabilizar políticas públicas nas áreas conturbadas; e a dissociação entre planejamento e gestão territoriais. Durante esse período de menor participação do governo central no setor, as instâncias estaduais e municipais, bem como o mercado imobiliário não foram capazes de aumentar a oferta de moradias. Menos de 20% do total de novas moradias foram ofertadas pela iniciativa pública e privada. Temos, portanto, que mais de 80% das novas habitações foram viabilizadas pela própria população. Considerando ainda que a aplicação de recursos pelo setor privado foi determinada pela demanda do mercado, e não pelo déficit, e que 80% das habitações construídas pela indústria da construção civil foram destinadas ao atendimento da classe média, tem-se a ideia da disfunção existente e da baixa capacidade de atendimento à demanda por habitação popular. Assim, qualquer política traçada para esse setor teria que resgatar o enorme passivo social acumulado em todos esses anos. 1 O valor do salário mínimo a partir de janeiro de 2012 é de aproximadamente US$ 300,00. 5 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 IV- O Governo Lula e o contexto de Criação do Programa Minha Casa Minha Vida O Governo Lula se caracteriza por medidas e acontecimentos nos planos econômico, social e institucional que levaram à criação do Programa Minha Casa Minha Vida. O contexto econômico observado apresenta dois momentos bastante distintos. De 2002 a 2008 foi caracterizado por um robusto crescimento decorrente em grande parte do aumento expressivo da demanda e dos preços dos produtos primários de exportação. Isso, aliado a uma política fiscal agressiva, resultou no aumento dos recursos federais e na constituição de sólidas reservas do país, levando a um fortalecimento do estado e de sua capacidade de intervenção. Esse governo buscou ainda fortalecer o mercado interno pela recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo, pelas políticas de combate à miséria, com transferência direta de recursos, e pelo barateamento e ampliação da oferta de crédito. No plano social, a orientação das políticas públicas enfatizou o caráter redistributivo e inclusivo, com a priorização dos segmentos mais pobres da população. Outro traço marcante do desenho dessas políticas foi o início do tratamento intersetorial dos problemas encontrados. No que tange à área habitacional, deu-se ênfase ao fortalecimento institucional e à integração do setor, reunindo em uma mesma pasta os setores de saneamento e urbanismo, com a criação do Ministério das Cidades. Em meio a esse contexto, emerge em 2008 uma crise internacional, resultante, num primeiro momento, do estouro da “bolha” do mercado imobiliário americano. Essa crise é enfrentada pelo Governo, via adoção de uma política anticíclica lastreada no fortalecimento do mercado interno mediante a ampliação de crédito e tentativa de aumento de investimentos público e privado. O setor habitacional reúne as características pertinentes para o desenho de uma política anticíclica, na medida em que é um grande empregador de mão de obra, em especial da força de trabalho não qualificada. Seus efeitos impactam um grande número de setores – siderúrgico, cerâmico, eletroeletrônico, mobiliário, cimento, e outros –, nos quais somos praticamente auto-suficientes, não havendo, portanto, maiores impactos na balança de pagamentos. Outro ponto favorável para o uso da política habitacional como medida econômica anticíclica é o fato das empresas privadas do setor estarem extremamente capitalizadas, como decorrência da sua entrada em bloco no mercado de capitais, e carecendo de grandes projetos de investimentos. Paralelamente, o Ministério das Cidades investe, desde 2003, na formulação da Política Nacional de Habitação, lançada em 2005, com objetivo de dar respostas aos graves problemas habitacionais, buscando articular programas e mecanismos de inserção social e urbana de grande parcela da sociedade brasileira. Adotando o modelo analítico proposto por Kingdom (2003), a janela de oportunidade para a inclusão do Minha Casa Minha Vida na agenda governamental surge da convergência dos fluxos relacionados a seguir. 6 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 O reconhecimento e a declaração, pelos atores sociais, da crise como sendo um problema que demandava, de forma urgente, a adoção de políticas econômicas anticíclicas. Nesse caso, os principais atores foram o Presidente da República e o Ministério da Fazenda. Outro problema declarado foi o déficit habitacional, pelo Ministério das Cidades. O segundo fluxo, relativo à existência de alternativas para seu enfrentamento, foi propiciado pela formulação do Plano Nacional de Habitação, bem como pela existência de uma vasta gama de estudos e experiências anteriores, aliados à institucionalização do sistema e regulamentação dos mecanismos de operacionalização. Finalmente, o terceiro está relacionado ao apoio político necessário. Esse Programa recebeu amplo apoio da base parlamentar, dos políticos regionais e locais, da iniciativa privada, especialmente indústria da construção civil e setor financeiro, além de ter forte apelo popular, tanto pelas habitações de interesse popular como para classe média. Em outras palavras, os atores sociais decisores dessa política - Presidente da República, o Ministério das Cidades e o Ministério da Fazenda – agiram como empreendedores (Kingdom, 2003), na medida em que viabilizaram soluções destinadas ao equacionamento de um problema setorial como instrumento de enfrentamento dos efeitos internos da crise econômica global. V – A Política Nacional de Habitação e o Programa Minha Casa Minha Vida - MCMV Política Nacional de Habitação A Política Nacional de Habitação, elaborada durante o ano de 2004, foi formulada no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano –PNDU, cuja construção resultou de um processo de conferências municipais, realizadas em 3.457 dos 5.561 municípios do país, culminando com a Conferência Nacional das Cidades, que elegeu o Conselho das Cidades, formado por 71 titulares, representantes de diversos segmentos da sociedade civil. Contou com a contribuição de diversos atores, com destaque para o Conselho das Cidades, em especial de seu Comitê Técnico de Habitação. Na concepção da Política Nacional de Habitação foi considerada a necessidade de provisão de habitações para públicos distintos, ou seja, suprimento do déficit habitacional para as classes médias, bem como para as faixas de renda mais baixas. Foram ainda incorporados outros componentes julgados essenciais para o atendimento das necessidades do cidadão. Fazem parte desses componentes a regularização fundiária e a integração urbana de assentamentos precários e os dos novos empreendimentos a serem construídos. Especificamente, essa política visa atender quatro grupos distintos de beneficiários, quais sejam: Grupo 1 – família em situação de miséria absoluta. Grupo 2 – família que mantém dispêndio regular com moradia, ainda que insuficiente. Grupo 3 – família que pode pagar financiamento de baixo custo. Grupo 4 – família com padrão de renda compatível com mercado. A Política Nacional de Habitação criou dois subsistemas para o atendimento desses grupos: a habitação de mercado e a habitação de interesse popular, sendo estruturados a partir de três eixos orientadores: 7 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 • Mobilização de recursos o estruturação do Sistema Nacional de Habitação - SNH de forma a viabilizar a cooperação intergovernamental; o ampliação da distinação de recursos não onerosos e perenes para o Fundo de Habitação de Interesse Social - FNHIS; o ampliação da utilização do FGTS; o apoio à poupança voltada para a habitação com o aprimoramento de novos mecanismos de captação e redução de participação do poder público no financiamento de imóveis para a classe média. • Identificação da demanda o insuficiência do corte de linha de pobreza e miséria baseada somente em renda para determinar a formatação do programa; o definição de novos critérios para apontar as diferenças regionais e desigualdades sócio-espacial e intraurbana da população beneficiária; o construção de indicadores multidimensionais – renda familiar, renda familiar per capita, condição de obtenção dessa renda, custo de moradia e porte do município. • Gestão de subsídios. o transferência de renda; o subsídio à família e não ao imóvel; o política vinculada à condição do beneficiário; o recuperação de parte do subsídios concedidos , considerada a evolução de renda da família; o recuperação total do subsídio em caso de revenda ou alteração dos beneficiários durante a vigência do contrato de financiamento. Foi ainda proposta a construção do Sistema de Informação, Monitoramento e Avaliação da Habitação – SIMA/HAB, com a implantação de módulo específico de informações sobre assentamentos precários2. Ênfase foi dada à questão da garantia da função social da propriedade respeitando o direito da população de permanecer em assentamentos precários ou em áreas próximas. Foram ainda detectadas necessidades específicas de desenvolvimento institucional de forma a possibilitar o atingimento de objetivos relativos aos papéis definidos para os entes federados. No âmbito do governo federal, será necessário fortalecer o Ministério das Cidades como gestor; elaborar e implementar o Plano Nacional de Habitação, estabelecendo metas e de recursos; e elaborar e implementar o Plano Nacional de Capacitação de Agentes com base em diagnóstico da situação institucional dos municípios. Para o planejamento e gestão das ações a cargo dos estados e municípios, será fundamental apoiar a formulação e implementação da política habitacional articulada com o desenvolvimento urbano; apoiar a elaboração de planos diretores; apoiar a elaboração de planos habitacionais compatíveis como planos diretores; apoiar o desenvolvimento organizacional e técnico dos níveis estaduais e municipais; capacitar agentes públicos e sociais; e atualizar o quadro legal normativo. 2 Por assentamentos precários entende-se loteamentos clandestinos ou irregulares, favelas e cortiços. 8 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Programa Minha Casa Minha Vida – MCMV O Programa Minha Casa Minha Vida, instituído em março de 2009 e regido atualmente pela Lei 12.424, de junho de 2011, objetiva criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, e compreende os seguintes subprogramas: I - o Programa Nacional de Habitação Urbana - PNHU; e II - o Programa Nacional de Habitação Rural – PNHR. O MCMV estabelece três faixas de atendimento - três, seis e dez salários mínimos e a sua meta é a de produzir 3.000.000 de residências para famílias que ganham até dez salários mínimos, sendo 860.000 residências destinadas à primeira faixa, até 2014. Para as famílias dessa faixa, no âmbito do PNHU, são utilizados os recursos do FAR – Fundo de Arrendamento Residencial, que recebe aportes do OGU – Orçamento Geral da União. A base de cálculo para a quantificação e distribuição dos recursos do FAR foi a pesquisa do PNAGE de 2008 a respeito do déficit habitacional urbano para as famílias pobres, sendo adotado como critério a meta física dos Estados. Os beneficiários são selecionados pelos entes federados, nos municípios com população acima de 50.000 habitantes ou de 20.000 a 50.000, excepcionalmente. Para fazer parte do MCMV, primeiramente, é formalizado um termo de adesão entre a Caixa Econômica Federal - CEF e estados e municípios para, posteriormente, a CEF contratar a operação. O termo de adesão visa garantir a participação das municipalidades com recursos complementares, a regularização fundiária e do empreendimento, o planejamento urbano, instalação e manutenção de infraestrutura e superestrutura urbana e apoio ao público alvo. Visa também inserir as famílias no CadÚnico para evitar que os subsídios sejam concedidos mais de uma vez para os mesmos beneficiários. Além disso, o município é obrigado a instituir grupo de análise do empreendimento com representante das áreas de habitação, assistência social, educação, saúde, planejamento e transporte, cujo objetivo é o de elaborar relatório do diagnóstico da demanda e da adequação ao Plano Diretor, bem como acompanhar a implantação do empreendimento. Para contratação, a CEF dá preferência aos parceiros que oferecem maior contrapartida - como doação de terreno em área urbana consolidada, desoneração tributária, estabelecimento de Zonas Especiais de Interesse Social- ZEIS pelos municípios, menor valor das unidades, infraestrutura e equipamentos sociais. As exceções ocorrem em casos de calamidade pública e de construção grandes empreendimentos, como as hidrelétricas. Para execução desse programa, foi prevista a participação de diversos atores com responsabilidades diferenciadas. 9 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Da parte do governo federal, o Ministério das Cidades estabelece diretrizes, regras e condições de operacionalização (função regulação), além de definir a distribuição dos recursos e avaliar o desempenho do Programa. Há também uma participação direta do Ministério da Fazenda na revisão dos limites dos recursos e na fixação da remuneração da CEF, que, por sua vez, define critérios, operacionaliza e monitora a aplicação dos recursos, e, também, contrata empresa construtora para execução e legalização da obra. Até a sua venda, os imóveis são de propriedade do FAR. Já os entes federados e suas respectivas instituições de habitação se responsabilizam pela priorização das áreas, pela indicação da demanda e de solicitantes, pela isenção de tributos e aporte de recursos e pela execução do trabalho técnico e social. No setor privado, a participação das empresas construtoras depende de escolha feita pelo Poder Público e pela CEF. Sua responsabilidade abrange a apresentação da proposta, execução e legalização do empreendimento e, ainda, os cuidados com a obra por 60 dias após o seu término. Em suma, a CEF é responsável pela contratação dos empreendimentos, que podem ser condomínios (apartamentos) e loteamentos (casas) que, após concluídos, são destinados a famílias com renda mensal até R$ 1.600,00, classificadas na faixa 1 do público alvo a ser atingido. Sempre que possível, os condomínios devem ter até 500 unidades e os loteamentos até 300. Os imóveis deverão ter seis cômodos: sala, cozinha, banheiro, dois quartos e área de serviço, em uma área útil de 37 m², para apartamentos, e 32 m², para casas, sem área de serviço. VI – Categorias analíticas do desenho institucional das políticas públicas Para efetuar a análise do desenho do MCMV, foram selecionadas algumas categorias que contribuirão para definir o tipo de política pública adotada pelo governo federal para, na sequência, promover uma reflexão sobre o seu processo de implementação. Essas categorias em seu conjunto servem para caracterizar a política pública em prática, respaldando a análise a ser feita, cuja proposta é a de verificar a relação entre o seu desenho institucional e a capacidade de resposta para um grave problema social, que é o déficit habitacional brasileiro. Essas categorias são as seguintes: capacidade redistributiva, grau de descentralização com coordenação federativa, abordagem por problema (com resposta intersetorial), focalização e participação. Capacidade redistributiva A inclusão social tem sido assumida como prioridade pelo governo atual da Presidente Dilma, dando continuidade a programas iniciados pelo Governo Lula e criando novos. Fazem parte das ações inclusivas os programas Bolsa Família, o Brasil Sem Miséria, a recomposição do salário mínimo e o Minha Casa Minha Vida. Esses programas procuram atender as camadas mais pobres da população, por meio de política econômica (salário mínimo), transferência direta de recursos (Bolsa Família), subsídio (MCMV) e por um conjunto de medidas que envolvem todos essas alternativas (Brasil Sem Miséria). 10 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Adotando a tipologia proposta por Lowi (1964), essas políticas são redistributivas, na medida em que estão voltadas para o atendimento das camadas mais pobres da população, redistribuindo recursos entre grupos sociais. Embora em algum grau, sempre tenha havido programas habitacionais subsidiados para a área habitacional no país, pela primeira vez se assume uma proposta com essa amplitude e abrangência, tanto em volume de recursos quanto em número de unidades e distribuição geográfica, bem como também considerando a origem dos recursos alocados para esse fim (Orçamento Geral da União), permitindo o enquadramento do MCMV nessa categoria. Descentralização com coordenação federativa O desenho institucional do MCMV favorece a autonomia regional e municipal dentro de uma lógica de coordenação federativa, envolvendo em sua proposta de execução, conforme já descrito, o estabelecimento de relações entre Ministérios, municípios, estados e agentes econômicos, por meio de termo de adesão que prevê maior grau de autonomia/liberdade aos entes federados que o observado em políticas semelhantes. A coordenação federativa busca compatibilizar a autonomia municipal com diretrizes nacionais de modo a garantir, por princípio, um tratamento minimamente compatível com as necessidades regionais e locais na aplicação de recursos públicos. Essa forma de atuar visa atenuar as desigualdades existentes, dada as diferenças em termos de capacidade institucional e de condições sociais e econômicas dos municípios (ARRETCHE, 2010). Para assegurar essa coordenação, o governo federal tem atuado por meio de incentivos e indução. São mecanismos que mediam a relação entre encargos e distribuição de verbas, cumprimento de metas e medidas de punição, consubstanciados no texto do referido Termo de Adesão a ser, obrigatoriamente, firmado pelos estados e municípios interessados no programa. “em estados federativos que centralizem a formulação de políticas executadas pelas unidades constituintes e que contem com um sistema interjurisdicional de transferências, é possível encontrar redução das desigualdades territoriais. Assim, de acordo com esta teoria, os papéis regulatório e redistributivo do governo central seriam mecanismos necessários para obter cooperação entre jurisdições”. (ARRETCHE, 2010:593), Abordagem por problema com resposta intersetorial Outra tendência verificada nas novas abordagens a respeito de políticas públicas é a intersetorialidade numa tentativa de superar a fragmentação institucional. Isso é possível quando a explicação do problema a ser transformado em política pública ou programa é feita com base nas múltiplas variáveis presentes na realidade que o determinam. Como a realidade não é setorial, a resolução desse problema necessariamente passa por respostas que têm origem em mais de um setor. As soluções intersetoriais exigem da administração pública ações de coordenação e articulação. Essas respostas ocorrem por meio de arranjos que envolvem entes governamentais, setores e sociedade civil. 11 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 No caso do MCMV, um dos mecanismos mais importantes para o tratamento intersetorial é o termo de adesão, já citado aqui neste artigo. O termo de adesão assinado entre governo federal e estados e municípios procura garantir que demanda por moradia, que em princípio pode ser considerada uma questão puramente setorial, seja atendida de forma abrangente e compatível com uma inserção urbana plena dos cidadãos. Para tanto, obriga o município a instituir grupo de análise do empreendimento com representantes das áreas de habitação, assistência social, educação, saúde, planejamento e transporte, com o objetivo de elaborar relatório do diagnóstico da demanda e da adequação dos projetos dela decorrentes ao Plano Diretor (que se pressupõe seja intersetorial e abrangente), bem como acompanhar a implantação dos empreendimentos, forçando o município a desempenhar o seu papel, já previsto na legislação. Focalização Outra tendência verificada nos novos desenhos de políticas públicas é o tratamento focalizado dos problemas a serem enfrentados. É uma abordagem contraposta à universal, na medida em que formula a política ou o programa considerando as especificidades do problema a ser superado em uma determinada população ou território. O desenvolvimento de políticas focalizadas tornou-se mais factível graças ao desenvolvimento de capacidade de produção e acesso a informações, dados e indicadores que permitem a explicação do problema e a proposta de soluções específicas pertinentes àquela população alvo ou àquele território. No caso do setor habitacional, os diagnósticos realizados indicaram as regiões, municípios e as faixas da população mais necessitadas de uma inserção urbana condigna e acessível financeiramente, permitindo a modelagem do programa e o estabelecimento dos parâmetros integrantes do Termo de Adesão, bem como dos critérios de priorização adotados. Participação A relação estado-sociedade é outra categoria de análise das políticas públicas e tem se tornado cada vez mais importante nos novos desenhos institucionais. Após a redemocratização, o Brasil vem experimentando formas diversas de participação nas políticas públicas. Conforme já indicado neste artigo, a formulação do PNH contou com diversas instâncias de participação de representantes da sociedade civil organizada até ter seu desenho concluído. O programa MCMV , ao contrário, tendo em vista sua dupla finalidade (combate à crise econômica), , precisa avançar, especialmente nessa fase da implementação, contribuindo em seu processo para adequar a política às necessidades locais e regionais. Essa participação é possível e desejável, sendo prevista nos documentos formais de cooperação firmados. VII – Análise da relação entre o contexto de criação, seu desenho institucional e o processo de implementação do MCMV O principal fator condicionante da formatação final da implementação do MCMV decorre fundamentalmente da ocorrência da crise econômica e não da declaração do problema habitacional. 12 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Trata-se de um plano dual, que precisa, para ser eficaz, enfrentar ao mesmo tempo os dois problemas declarados. Claro que é quase impossível fazer com que isso ocorra quando se busca a melhor alternativa, do ponto de vista puramente técnico, para a eliminação ou mitigação dos efeitos de todos os nós críticos de ambos os problemas. Isso porque as questões dizem respeito a jogos distintos - econômico e urbano-habitacional – que exigem tempos de resposta diversos e também porque o impacto de uma intervenção pode ser positivo em relação a uma causa e negativo em relação a outras. A resposta ao impacto da crise, por meio de um conjunto de medidas anticíclicas destinadas a propiciar as condições necessárias ao processo de desenvolvimento interno, exigia iniciativas de curta maturação. Por outro lado, os processos de participação social, tanto na concepção dos projetos específicos, como também no seu monitoramento e avaliação pressupunham a organização e capacitação da sociedade civil e dos agentes executores, em especial os estados e municípios, bem como a estruturação de mecanismos de coordenação da intervenção em espaços regionais e da estruturação de instrumentos de governança. Isso tudo leva, necessariamente, tempo. Desse trade off obrigatório, saiu vitoriosa a corrente que priorizava a questão econômica, o que privilegiou a execução das intervenções que visam o atendimento da demanda pela construção de novas unidades habitacionais, ofertadas em loteamentos ou condomínios a serem erigidos por empresas do setor imobiliário, majoritariamente privadas. Essa opção, bem como a escolha de uma instituição financeira - Caixa Econômica Federal - como organismo responsável pela gestão operacional do FAR e pela definição de critérios, operacionalização e monitoramento do programa, logicamente estão longe de garantir ou contribuir para a integração dos novos projetos ao espaço urbano ou de privilegiar a recuperação e integração dos assentamentos subnormais às cidades conforme preconizado pela Política Nacional de Habitação. Por outro lado, a Caixa, com sua larga experiência como principal agente financeiro dos programas de habitação, confere segurança à gestão econômica financeira dos fundos financiadores dos projetos e agiliza sobremaneira a tramitação e o processo de aprovação e liberação dos recursos, fatores essenciais para possibilitar sua eficácia como instrumento de política econômica de curto e médio prazos. A seguir, serão analisados os efeitos perversos dessa opção, juntamente com algumas considerações sobre o que pode ser feito para mitigá-los. Cumpre, entretanto, destacar que foi em grande parte essa opção que criou as condições para a inclusão do MCMV na agenda, na medida em que garantiu o apoio político para o principal avanço obtido, qual seja a destinação de recursos em larga escala, a fundo perdido, pelo governo federal, para subsidiar o acesso à moradia pelos excluídos do mercado. Não por acaso a área econômica avocou inicialmente para si a definição das medidas que dariam operacionalidade ao Programa. 13 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Poder-se-ia afirmar também que, em virtude do exíguo prazo de maturação exigido, o desenho do Programa reforçou o processo de descentralização e comprometimento dos entes municipais e estaduais no processo, embora essa dimensão também esteja presente em outras políticas sociais, mas quase sempre com menor grau de autonomia, o que pode ser considerado como o segundo grande avanço obtido. A integração da questão habitacional com o espaço urbano seria a terceira dimensão a ser tratada. Se no momento inicial parece não ter sido convenientemente priorizada, na prática, provavelmente, também não o será pelo agente financeiro. Por razões óbvias, constituiu-se em obrigação legal, prevista no contrato de adesão, de pactuação compulsória, dos entes federados que são os responsáveis pela avaliação técnica dos projetos a serem implementados. Caberá a estes, bem como aos órgãos de controle, em especial os Ministérios Públicos e os Tribunais de Contas, e aos atores representantes da sociedade civil, aprimorar os mecanismos existentes e garantir sua aplicação e eficácia. VIII - Avaliação dos resultados e observações relativas às principais críticas à forma de implementação do Programa e impactos causados Embora considerado seu pouco tempo de existência, diversos exercícios de avaliação foram desenvolvidos, debatidos e divulgados. Isso ocorre devido à sua dimensão financeira (maior programa de investimento patrocinado diretamente pelo governo federal), sua visibilidade (carro chefe da atual gestão) e sua abrangência (viabilização de três milhões de unidades habitacionais em suas duas primeiras fases , com termino previsto em 2014). A primeira dimensão de análise foca sua velocidade de implementação, destacando-se uma guerra de números entre a situação e a oposição. A situação julga o processo encerrado, do ponto de vista público, na viabilização financeira do empreendimento - formalização do contrato de financiamento à construtora. Já a oposição julga o processo encerrado quanto da entrega da unidade ao usuário final. Se o pressuposto é que o empreendimento será executado, essa é uma discussão estéril, pois implica somente o diferimento de seu prazo de materialização e, mesmo assim, em período não superior a alguns meses. Outra crítica, ainda nessa mesma dimensão, diz respeito à diferença existente no percentual de unidades entregues em relação às contratadas, até maio de 2012. Na primeira etapa do programa, dentre as 3 faixas objeto de financiamento, houve penalização da faixa 1, impactando mais duramente o público alvo de mais baixa renda (39% da faixa 1, 82% da faixa 2 e 41% da faixa 3). Na segunda etapa, iniciada em 2011, das 1,2 milhões de unidades a serem contratadas na faixa 1, menos de 3.800 foram entregues até aquela data, contra mais de 235.000 destinadas à faixa 2. Fonte: Valor Econômico e Caixa Econômica Federal. Foram excluídas desse cálculo 82 mil unidades contratadas pelo Ministério das Cidades e Banco do Brasil e 21 mil contratadas pela CEF em debêntures pelo MCMV1. Embora a consequência, indesejável, seja o aumento do tempo de espera entre os compradores de imóveis da faixa 1 em relação aos outros, a experiência demonstrou que é inviável a entrega de imóveis nessas condições entre 12 e 15 meses, como previsto inicialmente, razão pela qual o prazo foi estendido para 24 meses. 14 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Novamente trata-se de se buscar um equilíbrio entre os aspectos econômicos do instrumento e requisitos importantes do ponto de vista urbanístico e social, exigidos pelo setor. Apenas a tramitação administrativa do instrumento contratual consome 90 dias e, se no atendimento à classe média, a questão está adstrita ao mercado, visto que os compradores têm como exigir e pagar por melhores localizações e pela instalação de infra e super estruturas urbanas, isso não ocorre no caso do atendimento às faixas de mais baixa renda. Nesses casos o envolvimento direto dos estados ou municípios federados é fundamental, de molde a evitar que os mesmos erros que caracterizaram os programas anteriores sejam repetidos, talvez em escala ainda maior. Esse é mais um fator que retarda tanto a contratação como a implantação dos empreendimentos. É possível afirmar que esse aspecto pode ser considerado mais como uma condicionante do que uma questão a ser superada, visto que os efeitos de um tratamento superficial seriam muito mais graves do que a dilação dos prazos de entrega. A segunda ordem de críticas centra-se na integração plena dos empreendimentos ao espaço urbano, de forma a possibilitar o exercício de cidadania a seus moradores, garantindo o acesso à infraestrutura urbana (energia, saneamento básico – drenagem, água potável, coleta e afastamento de esgoto e coleta de lixo - e transporte público) e aos serviços essenciais como saúde, educação e lazer etc. Especialistas no tema, como o Adauto Cardoso, professor do IPPUR/UFRJ e pesquisador do Observatório das Metrópoles, consideram que irá ocorrer uma “produção de moradias que eu creio serão de baixa qualidade e com baixa inserção na malha urbana. Os recursos para investimentos em infra-estrutura, que apóiam o programa, são muito restritos. Um programa como esse, para ter uma expansão do parque habitacional desta forma, teria que ter um aporte de infra-estrutura muito mais significativo”. http://www.fase.org.br/v2/pagina.php?id=3108. Na mesma linha, Raquel Rolnick, relatora da ONU para direito à moradia, afirma que “da maneira como ele está desenhado, é muito pouco provável que a produção da moradia deste programa seja adequada, porque moradia adequada não é apenas um conjunto estável de paredes e um teto. Ela é também uma condição de inserção urbana capaz de garantir o acesso às oportunidades de desenvolvimento humano e econômico que a cidade oferece. Há um grande perigo de que os produtos sejam situados em periferias distantes, criando espaços homogêneos do ponto de vista social. Homogêneos também do ponto de vista de uso, puramente residencial e sem outros tipos de ocupação, como comércio, o que significa na prática a não possibilidade de exercício pleno do direito à cidade. Ou seja, “o programa pode chegar apenas às periferias das cidades porque não existe no programa nenhum componente de política fundiária”. http://www.fase.org.br/v2/pagina.php?id=3106 No entanto, o desenho do programa contempla efetivamente essa dimensão. Mister se faz buscar responsabilizar os atores, possivelmente na forma propugnada. Têm-se ainda críticas contra o que está sendo considerada por alguns analistas, uma não priorização dos setores excluídos do mercado, que são contemplados com um menor volume de recursos quando cotejados com as faixas 2 e 3. 15 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Ocorre que essas últimas não exigem recursos públicos a fundo perdido, por não serem subsidiadas. O esforço governamental, nesses casos restringe-se a aprovar mecanismos que possam ampliar a oferta de crédito, os prazos de financiamento e os custos dos mesmos, o que, em se considerando o histórico de nosso país, definitivamente, não é pouco. O desenho redistributivo do MCMV vem em especial do subsídio concedido à faixa de menor renda, mas sua viabilização passa também pelo apoio ou, ao menos, pela não oposição das classes médias, que queriam ser contempladas na proposta. Isso de fato ocorreu face à arquitetura institucional engendrada, que reuniu os dois públicos no mesmo programa e em dois subsistemas: Habitação de Interesse Social e Habitação de Mercado. Uma quarta dimensão aborda a questão de quem seriam os maiores beneficiários da subvenção concedida. Especula-se, não sem razão, que os recursos subsidiados podem ir, majoritariamente, para os agentes econômicos privados, incorporados ao preço da terra, pela omissão do setor público e não utilização dos instrumentos de controle da valorização fundiária, em especial nas regiões metropolitanas, onde a terra urbanizada é escassa e já de sobremaneira valorizada. O próprio impacto da existência de recursos abundantes para o programa já se refletiria no preço dos imóveis, antes mesmo de sua destinação ser definida. Os analistas que levantam a questão apontam ser a forma de implementação do Plano - via indústria da construção civil - o principal fator causador dessa distorção, evocando o ocorrido no Chile, África do Sul e México, países que adotaram estratégia semelhante. Sem tentar minimizar a importância da questão, inerente, ao menos em parte, ao sistema capitalista, e também decorrente da opção estratégica adotada, é importante lembrar o peso do contexto que orientou o desenho desse programa, já abordado nesse artigo e de levantar também a hipótese de que mais que a omissão do setor público, o nó crítico da questão é a inexistência de ferramental apropriado. O conjunto de instrumentos legais existentes que objetivam garantir o controle dos preços e a função social da propriedade ainda não foram desenvolvidos e testados de forma consistente e sistemática, o que dificulta uma avaliação de sua real eficácia. Há que se investir intensamente no desenvolvimento desse instrumental, cujo reflexo, diga-se de passagem, em muito superaria o impacto do programa em tela. De resto, a própria formatação e regulamentação do plano abordou a questão, induzindo os municípios e estados a atuarem no sentido de evitar a captura dos subsídios pelo setor privado e reduzir o fator do custo da terra no produto a ser disponibilizado, exigindo, por exemplo, na pactuação, o uso dos instrumentos legais pertinentes, como o enquadramento dos terrenos a serem utilizados como ZEIS e o induzindo os entes federados a aportarem recursos destinados à aquisição de terrenos em complementação aos aportes federais, e utilizando esses fatores como critérios de priorização para a concessão de financiamento. 16 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Tem-se ainda a questão da participação popular que, embora avaliada como intensa na fase de formulação da política, teria sido relegada a um segundo plano durante a fase da implementação, também já abordada anteriormente. Cabe ainda destacar que foi apresentada uma crítica de outra dimensão, que contesta a própria formulação e descrição do problema. Na visão da urbanista Raquel Rolnick, a questão não é o déficit, que não existiria, mas sim a falta de acesso de parcela da população às habitações existentes. Para Raquel Rolnick “é uma falácia falar em déficit habitacional. (...) o que hoje é considerado como déficit gira em torno de 7,2 milhões de unidades habitacionais no país. Se pegarmos outro dado do Censo, que é o número de casas e apartamentos vazios, nós temos mais de 6 milhões de casas e apartamentos vazios. Então eu pergunto: o que está faltando, acesso à moradia ou novas moradias?” http://www.fase.org.br/v2/pagina.php?id=3106 Caso essa afirmativa seja real, o MCMV não teria maior razão de ser como política urbanohabitacional, independentemente de seu desenho, arquitetura institucional ou mecanismos de implementação. Entretanto cumpre ressaltar que, mesmo sendo os números apresentados próximos da realidade, restariam questões fundamentais a serem equacionadas, quais sejam: a inadequação desses imóveis ao perfil dos público-alvo, em especial aos da faixa 1 do Programa, e o descasamento espacial entre a oferta e demanda observadas. De modo geral, a grande parcela de imóveis disponíveis, seja qual for sua magnitude, poderia atender aos reclamos das classes médias que continuam a demandar imóveis financiados, no âmbito do MCMV ou fora dele, nas condições normais de mercado. IX - Considerações finais A análise do desenho institucional do MCMV mostra que, do ponto de vista das políticas públicas setoriais sociais, o programa significa um grande avanço. Primeiramente, pelo forte caráter redistributivo - social e regional -, na medida em que provisiona subsídios em escala compatível com as dimensões do problema; segundo, foi planejado a partir de uma abordagem que parte do problema existente propiciando o tratamento multi-setorial; e, também, está sendo executado de forma descentralizada, com alto grau de autonomia, viabilizada pela coordenação federativa. Os avanços nos desenhos das políticas sociais têm contribuído para o fortalecimento do modelo federativo cooperativo, no qual as esferas governamentais atuam por meio de arranjos institucionais criativos e apropriados à situação problema, que associam grupos populacionais, territorialização, intersetorialidade, políticas redistributivas, abordagem por problema e coordenação federativa com descentralização. Por outro lado, ao incorporar o contexto na análise da concepção, formalização e implementação do MCMV, fica patente a pertinência e importância da assertiva de Carlos Matus, de que “Não existe texto sem contexto”. 17 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Da mesma forma que o desenho de um programa é um dos determinantes de seu impacto na realidade, influenciando seu futuro, também é ele mesmo, condicionado pelo contexto. Como em um jogo social nenhum dos atores tem, isoladamente, governabilidade sobre todas variáveis que implicam uma determinada situação problema, há que se buscar uma solução de compromisso que lhes permita um intercâmbio favorável de problemas. Desse modo, a forma mais completa de desenvolver um exercício de análise de uma política pública é, para além das categorias de análise consagradas na literatura, considerar também o contexto em que se dão sua declaração, concepção e detalhamento. Isso inclui uma análise também dos atores e dos contextos nos quais a implementação do plano ocorrerá, ambos fora do controle dos patrocinadores do programa. Se for fato que o contexto limita o espaço do possível do desenho de uma determinada política pública, também é fato que abre janelas de oportunidade que podem e devem ser exploradas pelos atores sociais empreendedores, tanto no momento de declaração de um problema e inclusão do mesmo na agenda de governo, quanto no seu aprimoramento no decorrer de seu processo de implantação, para corrigir disfunções ocasionadas por restrições conjunturais existentes no momento de sua formulação e formalização, por deficiências no processo de planejamento ou decorrentes de alterações no contexto verificadas ao longo do tempo. Para tanto, o monitoramento e a avaliação constantes são fundamentais, constituindo-se o planejamento em um processo contínuo e permanente. Bibliografia ABRUCIO, Fernando Luiz. A Coordenação Federativa no Brasil: A experiência do período FHC e os desafios do governo. In Revista de Sociologia e Política, Curitiba: 2005. ARRETCHE. Marta. 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É técnica da Fundap em planejamento e gestão (afastada temporariamente). Atua como consultora independente na área de gestão pública governamental e organizacional, especialmente para escolas de governo. Endereço: Rua Guilherme Moura, 152 Alto de Pinheiros, São Paulo – SP – CEP 05449 010, telefones – 11 30216724 (res) e 11 91318415 (cel). E-mail – [email protected] 19 XVII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Cartagena, Colombia, 30 oct. - 2 Nov. 2012 Fernando Assumpção Galvão – administrador de empresas pela FGV, especialista em planejamento estratégico para governos e organizações públicas. Foi monitor do Prof. Carlos Matus em cursos sobre Planejamento Estratégico Situacional – Método PES. Exerceu vários cargos de direção na administração pública do Estado de São Paulo, na Fundação Prefeito Faria Lima -CEPAM, Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap, Secretaria de Ciência e Tecnologia e outros. Atua como consultor e professor em planejamento estratégico governamental e organizacional e em planejamento e gestão de programas e projetos. É diretor da Galvão e Barros Consultoria e Capacitação Ltda. Rua Guilherme Moura, 152, Alto de Pinheiros, São Paulo – SP – CEP 05449 010. Telefones – 11 30216724 (res) e 11 94730777 (cel). E-mail – [email protected] 20
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