Papisa Joana? (J. Kelly)

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Papisa Joana? (J. Kelly)
Papisa Joana? (J. Kelly)
Sáb, 23 de Maio de 2009 04:01 -
Caro(a) internauta, como vez por
outra me perguntam sobre a Papisa
Joana, uma mulher que teria sido Papa,
resolvi colocar aqui um texto
de um especialista em história do cristianismo,
o teólogo anglicano
John N. D. Kelly, professor em Oxford, Inglaterra,
membro da
Academia Britânica e do Instituto Teológico Ecumênico de Jerusalém.
Com isto, espero que o(a) internauta mande definitivamente a lenda da
Papisa para o espaço! Eis o texto do nosso teólogo protestante: Da metade do século XIII até o XVI, era quase universalmente
aceita
a tradição segundo a qual houvera uma papisa – nem sempre
chamada Joana.
Ela teria vivido entre os séculos IX e XI. Tal história
fornecia motivos
de ataque ao papado e à Igreja romana lá pelo século XIX.
A
história apareceu pela primeira vez entre 1240 e 1250, na “C
rônica Universal de Metz
”, atribuída ao dominicano João de Mailly,
segundo a qual ao Papa Vítor III
(+ 1087) teria sucedido no pontificado
uma mulher muito capaz que,
disfarçada de homem, havia trabalhado na Cúria
como escrivã e fora
promovida a cardeal. Ela teria sido descoberta quando,
a cavalo, deu à luz
um menino. Como punição, teria sido ignominiosamente
amarrada à cauda
de um cavalo, puxada pelas ruas da cidade e apedrejada
até à morte. O
dominicano Estêvão de Boubon (+ 1262) e o franciscano de
Erfurt que
escreveu o
Chronion minor
(por volta de 1265), dão-nos uma vasta gama de informações sobre as
vicissitudes
da papisa, o primeiro colocando-a em cerca de 1100 e o
segundo, pelo ano
915.
A
difusão graças
narração, todavia, recebeu sua versão definitiva e uma vasta
às últimas edições da popularíssima e influente
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Crônica dos papas e imperadores
, do dominicano polonês Martinho de
Troppau (+ 1297). Segundo ele, a
Leão IV (+ 855) sucedeu um certo João
Anglico, que governou dois anos,
sete meses e quatro dias. Ele, na verdade,
seria uma mulher.
Natural
de Mogúncia, foi a Atenas vestida de homem, mas
com seus amantes. Aí,
teve uma brilhante carreira acadêmica e foi, enfim,
enviada a Roma, onde
suas aulas atraíam o público mais qualificado e a
sua vida era tão edificante
que ela foi, enfim, eleita papa. Mas, a sua
impostura foi descoberta quando,
enquanto o cavalo movia-se na procissão
da Basílica de São Pedro à Basílica
Laterenense, dera à luz um menino
numa ruela entre o Coliseu e São Clemente.
Morreu ali mesmo e foi
sepultada também ali. Por causa do episódio tão
vergonhoso, desde então,
os papas evitaram passar por aquele caminho.
Enquanto Martinho dá à
papisa o nome do Joana, outras fontes chamam-na
Inês, Gilberta ou dizem
que não se sabe o seu nome.
Esta
história, às vezes, enfeitada com detalhes fantasiosos, foi
aceita sem
objeções por séculos seguidos nos ambientes católicos. Foi
acolhida como
verdadeira por humanistas como Petrarca (+ 1374) e
Boccaccio (+ 1375)
e influenciou várias pinturas. Joana figura entre os
bustos dos pontífices
que lá pelo ano de 1400 foram postos na catedral de
Sena. Críticos do
papado (como João Hus, no Concílio de Constança, em
1415) usaram a história
da papisa sem serem contestados. Um escritor
apaixonado, Mário Equícola
de Alvito ( + 1525) chegou a afirmar que a
Providência permitiu tal fato
para mostrar a igualdade entre o homem e a
mulher.
A
suspeita dos católicos em relação a esta história tornou-se
sempre mais
forte a partir da metade do século XVI. Mas, foi um protestante
francês,
David Blondel (1590-1655), quem a demoliu definitivamente em
alguns estudos
publicados em Amsterdã em 1647 e 1657.
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Hoje,
a lenda não precisa nem mesmo de uma contestação
rigorosa, não só porque
não há nenhum indício de documento sobre o
acontecimento na época em que
teria acontecido o fato da papisa, como
também porque os fatos relatados
nos períodos em que a papisa teria
existido, tornam essa história totalmente
impossível!
A
origem da lenda, em todo caso, nunca foi esclarecida de
modo satisfatório.
O seu núcleo parece ser uma antiga história popular
romana inspirada por
uma série de circunstâncias que os maliciosos tinham
como suspeitas. Por
exemplo: o fato de as procissões papais evitarem
deliberadamente certas
ruas (provavelmente pela estreiteza delas); ou,
então, o achado, numa
dessas ruas, de uma estátua misteriosa que se
pensava tratar-se de uma
mulher que amamentava seu filho; ou, ainda, o
achado de uma misteriosa
inscrição que poderia servir de sustento para a
lenda; ou, enfim, a opinião
popular de que o papa, após a eleição, era
submetido a uma prova para
atestar sua identidade masculina. É também
provável que a lenda tenha
sido influenciada pela recordação do peso
nocivo que algumas mulheres
sem escrúpulos tiveram sobre o papado no
século X. Observação: Note, caro(a) Internauta, que uma Papisa é pura
lenda! Mas, se
não o fosse, isso em nada abalaria a origem do papado. Se
tivesse existido
uma papisa, teria sido um anti-papa: sua eleição teria sido
inválida e
seus ensinamentos, sem efeito para a fé católica. Então, é perda
de tempo
insistir nessa história boba! Este texto foi retirado de J.N.D. Kelly,
Dizionario Illustrato dei Papi,
Casale Monferrato,1992, pp.
773s.
Grande
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