A Interpretação Intermitente de Palestras Motivacionais

Transcrição

A Interpretação Intermitente de Palestras Motivacionais
 CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE ENSINO
CAMPUS ENGENHEIRO COELHO
CURSO TRADUTOR E INTÉRPRETE
PAULO HENRIQUE SILVA
A INTERPRETAÇÃO INTERMITENTE DE PALESTRAS
MOTIVACIONAIS COMO PERFORMANCE DRAMÁTICA
ENGENHEIRO COELHO
2013
PAULO HENRIQUE SILVA
A INTERPRETAÇÃO INTERMITENTE DE PALESTRAS
MOTIVACIONAIS COMO PERFORMANCE DRAMÁTICA
Trabalho de Conclusão de Curso do
Centro Universitário Adventista de
São Paulo do curso de Tradutor e
Intérprete, sob orientação do Prof. Dr.
Milton Torres.
ENGENHEIRO COELHO
2013
Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo,
do curso de Tradutor e Intérprete apresentado e aprovado em 24 de Novembro de
2013.
_________________________________________________
Milton Torres (Orientador)
_________________________________________________
Neumar de Lima (Segundo Leitor)
Dedico este trabalho à pessoa mais
importante da minha vida, minha mãe,
Maria Esther Silva. Muito obrigado por
todo carinho e todo auxílio que me foi
dado durante toda minha vida. Tudo o
que você fez por mim está sendo
reconhecido, eu a amo muito. Muito
obrigado, mãe, devo toda minha
caminhada
acadêmica
a
você.
AGRADECIMENTOS
• Gostaria de primeiramente agradecer a Deus por toda sabedoria e
conhecimento que me foi concedido na elaboração deste trabalho, sem Ele
nada seria possível;
• Agradeço também ao UNASP, campus Engenheiro Coelho, pela formação
que me foi concedida e pelo suporte nos quatro anos de estudo;
• Agradeço também ao professor Milton Torres, meu orientador, pela paciência,
colaboração, horas de leitura e suporte que me foi dado. Sem o auxílio dele,
esta
pesquisa
realmente
não
teria
sido
completada.
RESUMO
A premissa desta pesquisa é de que o intérprete intermitente deve ter noções de
teatro se quiser tornar sua interpretação mais dinâmica e mais atraente ao
público. Especialmente, ao interpretar intermitentemente uma palestra motivacional,
o intérprete deve se valer de certas técnicas dramáticas que o façam repercutir os
sentimentos que o palestrante deseja que o auditório vivencie. Com isto, o intérprete
pode superar o distanciamento causado por sua intervenção, garantindo que o
objetivo inicial do palestrante seja alcançado. Esta pesquisa tem, portanto, o objetivo
de identificar as técnicas dramáticas que podem auxiliar a atividade de um intérprete
durante a interpretação intermitente, na captação e manutenção da atenção da
audiência. Para isto, sua metodologia consiste na comparação de trechos
selecionados do filme Ray (2004) com uma série de palestras intitulada Futuro com
esperança. O motivo da escolha do filme Ray se deve ao fato de que pertence ao
gênero da biografia, o que obrigou o ator Jamie Foxx a atuar levando em
consideração que seu personagem deveria imitar o músico Ray Charles, uma
pessoa pública real. Da mesma forma, o intérprete intermitente deve imitar o
palestrante para fazer uma boa interpretação. Por isto, escolheu-se uma série de
palestras interpretadas ao vivo por um intérprete com mais de vinte anos de
experiência. Percebe-se que, em certos sentidos, o intérprete se assemelha ao ator
de um filme, pois verificou-se que emprega técnicas de drama na série de palestras.
A análise comparativa entre o filme e a série revelou, de fato, a utilização de
técnicas de drama na performance do intérprete, atestando, assim, quanto à
existência de semelhanças entre a atuação do ator e a do intérprete.
Palavras-chave: Interpretação intermitente; Técnicas dramáticas; Performance.
ABSTRACT
The assumption of this term-paper is that the intermittent interpreter should have
notions at theatrical techniques in order to make his/her interpretation more dynamic
and more attractive to the public. Especially when interpreting intermittently a
motivational speech, the interpreter must use certain dramatic techniques that will
help him/her convey the feelings that the speaker wants the audience to experience.
This will also help the interpreter overcome the gap caused by his/her intervention,
ensuring that the initial goal of the speaker is reached. This paper aims therefore at
identifying the dramatic techniques that can make it possible for an interpreter to
attract and maintain the attention of the audience. Its methodology consists in
comparing selected portions of the film Ray (2004) with a series of lectures entitled
Future with hope. The reason for the choice of this movie is that it belongs to the
biography genre, which forced the actor Jamie Foxx to act out his character by
emulating the musician Ray Charles, a real public figure. Likewise, the intermittent
interpreter should mimic the speaker to some extent. Therefore, a series of lectures
interpreted live by an experienced interpreter was chosen for comparison. In some
ways, this interpreter resembles the actor in a movie, because he employs drama
techniques as he interprets the series of lectures. The comparative analysis between
the film and the series shows, in fact, the use of drama techniques in the
performance of the interpreter, thus attesting to the existence of similarities between
the work of the actor and that of the interpreter.
Keywords:
Intermittent
interpreting;
Drama
techniques;
Performance.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS OU TERMOS OPERACIONAIS
DSA – Divisão Sul-Americana
IASD – Igreja Adventista do Sétimo Dia
PR – Pastor
UNASP-SP – Centro Universitário Adventista de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10
2 O CONTEXTO DA INTERPRETAÇÃO INTERMITENTE ...................................... 13
3 A INTERPRETAÇÃO COMO FORMA DE ARTE DRAMÁTICA ........................... 18
3.1 Atuação .............................................................................................................. 18
3.2 O Treinamento dos Atores e Intérpretes ......................................................... 19
3.3 Corpo e Voz ........................................................................................................ 20
3.4 Controle e Disciplina ......................................................................................... 21
3.5 Criação um Personagem .................................................................................. 22
3.6 Preparação Psicológica e Emocional .............................................................. 23
3.7 Gestos e Movimentos ....................................................................................... 23
3.8 Conclusão .......................................................................................................... 25
4 ANÁLISE DO FILME RAY E DO DVD “FUTURO COM ESPERANÇA” .............. 26
4.1 Comparação entre Série e Filme ...................................................................... 27
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 31
6 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 32
10 1 INTRODUÇÃO
A interpretação intermitente é uma modalidade de interpretação que consiste
em traduzir o que o palestrante da língua original diz logo após o término de
pequenas frases e citações. É uma modalidade dinâmica, que permite que o
intérprete tenha mais interação com o público, o que lhe dá mais visibilidade. É
utilizada em diversos momentos, palestras, cultos, reuniões, conferências, etc.
Porém, a tarefa de interpretar é muitas vezes mais complexa do que se pode
imaginar. Ocasionalmente, os profissionais da área se deparam com situações
problemáticas que não são tão fáceis de solucionar. Para resolver tais problemas, é
preciso demonstrar aptidões que são necessárias ao intérprete. Este estudo
abordará algumas dessas técnicas e fará uma conexão entre a interpretação e o
drama, visando à performance do intérprete.
Na interpretação intermitente, há certa dificuldade por parte de alguns
intérpretes de agir de forma dinâmica, de forma que captem e conservem a atenção
do auditório, visto que não conseguem, por meio de utilização de técnicas ou
dinamismo, prender a atenção do público. Por outro lado, alguns desses intérpretes
se destacam justamente por seu dinamismo e por sua capacidade de entreter e
instruir o auditório. Por que, então, existe essa diferença entre os diversos
profissionais da interpretação intermitente? Será que a dificuldade de prender o
auditório advém dos aspectos psicológicos e de personalidade ou isso tem que ver
com um desempenho insatisfatório com respeito às técnicas de interpretação
intermitente? Que tipo de contribuição as teorias do drama podem dar a fim de que o
intérprete melhore seu desempenho na interpretação intermitente?
A teoria tradutória recente propôs a ideia do tradutor como autor (ARROJO,
2012). Este trabalho propõe a hipótese de que, semelhantemente, o intérprete
intermitente deve atuar como ator. Esta pesquisa teve como objetivo aplicar
aspectos selecionados das teorias do drama à atuação do intérprete na
interpretação intermitente. Alguns objetivos específicos também existiram:
• Identificar atitudes que podem ajudar ou prejudicar o desempenho de um
intérprete intermitente;
11 • Considerar técnicas dramáticas que sejam úteis para a captação e
manutenção da atenção da audiência durante a interpretação intermitente.
A escolha do tema se justifica por três fatores. Primeiro, a interpretação
intermitente é a mais comum no meio religioso. Segundo, existe uma globalização
iminente no mundo e, devido ao grande crescimento da economia brasileira, muitos
países desejam estreitar laços comerciais com o Brasil (CORAZZA, 1997, p. 25).
No mundo cada vez mais globalizado e cada vez menor, a
capacidade de comunicação interlingual torna-se um imperativo e
condição para o diálogo entre povos e culturas. Seja no contexto de
uma conferência internacional com participantes do mundo inteiro,
em reuniões de negócio ou em debates na arena política, o papel do
intérprete é crucial (LUCIANO, 2005, p. 1).
A interpretação é uma prática necessária que pode ajudar o crescimento do
país nos contatos promovidos pela globalização. Apesar disso, poucos intérpretes
têm acesso a materiais que os ajudariam a uma melhora na captação e manutenção
da atenção da audiência. Terceiro, intérpretes experientes, que exercem sua
profissão de modo satisfatório, passam a impressão de que seu sucesso depende,
em certo sentido, de sua habilidade em prender a atenção do público.
Há anos o Brasil vem crescendo de maneira que o mundo deseja agora
estreitar laços comerciais, como dito antes, com o mesmo. Porém, existe uma
barreira de comunicação que pode ser derrubada por meio da interpretação. A
despeito de sua grande importância para o desenvolvimento do país, poucos
intérpretes têm acesso a materiais que os ajudariam a melhorar a prática de sua
profissão.
Visto que a performance é o foco desta pesquisa, o filme Ray (2004) serviu
de comparação para a atuação de um intérprete. O filme conta a história da vida e
carreira do músico de R&B, Ray Charles, a partir de suas origens humildes no Sul,
onde ficou cego aos sete anos, até sua rápida ascensão ao estrelato na década de
1.950 e 1.960. Foi dirigido por Taylor Hackford e estrelado por Jamie Foxx. O filme
recebeu dois prêmios Oscars: melhor ator para Jamie Foxx e melhor mixagem de
som. O filme mostra as fases que mudaram a vida de Ray Charles, como quando
um problema de glaucoma o deixou cego aos 7 anos de idade, suas várias amantes,
seu filho fora do casamento, o envolvimento com as drogas e a composição de suas
canções mais conhecidas. A escolha do filme se deveu ao fato de o mesmo ser
12 baseado na vida do cantor Ray Charles. Logo, o ator (J. Foxx) tinha alguém em
quem se espelhar. Tinha, portanto, que imitar os trejeitos de Ray em sua atuação. A
ligação entre a atuação e a arte de interpretar ocorre quando o intérprete necessita
imitar o palestrante, nele se espelhando para atuar como se fosse o palestrante, em
função de passar a mensagem da melhor maneira possível ao público.
Da parte da análise da atuação de um intérprete, foi analisada uma série de
palestras, chamada Futuro com esperança (2009), apresentada pelo pastor
americano Mark Finley e interpretada por Milton Torres. De acordo com Lessa
(2009, p. 8), a série foi transmitida via satélite para mais de dez mil igrejas, nos dias
24 a 31 de outubro. A DSA ficou satisfeita com os resultados do projeto. O
evangelismo sob a forma do dvd Futuro com esperança foi um importante esforço
evangelístico do projeto “Impacto Esperança”. A falta de amor, incompreensão,
guerras, violência e angústia foram alguns dos temas abordados na série. Além
disso, o Pr. Mark Finley abordou o tema “Esperança” à luz das várias doutrinas da
IASD.
A metodologia consistiu, mais especificadamente, na análise de paralelos
entre a atuação do ator no filme e o desempenho do intérprete. A escolha do filme
se deveu ao fato de ser um filme cujo ator (J. Foxx) teve que imitar uma pessoa real
e bem conhecida. Devido a sua atuação no filme, Jamie Foxx ganhou o Oscar de
melhor ator do ano. Logo, trata-se de um ator competente que sabe explorar bem as
técnicas dramáticas. Já a série de sermões foi útil para assinalar como um intérprete
incorpora atitudes de ator durante a interpretação. Alguns trechos foram
selecionados dos capítulos da série, mostrando que o intérprete realmente age
como um ator durante sua performance. 13 2 O CONTEXTO DA INTERPRETAÇÃO INTERMITENTE
Em tempos modernos, a interpretação simultânea originou-se nos tribunais de
Nuremberg, os tribunais que foram feitos para os nazistas da segunda guerra. Por
haver uma necessidade de que a mensagem fosse transmitida simultaneamente
para diversas línguas, nasceu, então, a interpretação simultânea.
Conforme pesquisas (GILE 2008; DELISLE 2010; WOODSWORTH,
1998; PAGURA 2010; NEJM 2011), a interpretação não é uma
prática recente; ela data de contatos antigos entre diferentes grupos
em épocas remotas, com o objetivo de comércio e intercâmbio de
bens, ratificando o importante papel na história de quem exercia a
função. No entanto, apenas recentemente a interpretação se tornou
uma profissão definida no consenso de acadêmicos, profissionais e
sociedade em geral, explicando também a falta de pesquisa na
história da interpretação, principalmente, se comparada a áreas já
definidas, como é o caso da medicina ou matemática (DESLISLE;
WOODSWORTH, 1998) (SCHÄFFER, 2012, p. 27).
Conforme Theodor (apud SCHÄFFER, 2012, p. 27), a interpretação é uma
prática mais antiga do que a tradução; porém, pelo fato de ser oral, se tornou algo
mais difícil de documentar. A documentação da ação dos intérpretes só se tornou
possível após a invenção dos meios de gravação.
O pioneiro da arte da interpretação de conferências, Jean Herbert (apud
TORRES, 2012, p. 18), define a função do intérprete:
A missão do intérprete é a de auxiliar indivíduos e comunidades a
adquirir um conhecimento mais pleno e uma compreensão mais
profunda uns dos outros a fim de que estes possam chegar a um
acordo satisfatório, caso assim o desejem. Por isso, a interpretação
não é um processo mecânico, mas criativo, dependendo
principalmente de uma visão de mundo.
O intérprete recebe a mensagem em determinada língua e, em fração de
segundos, precisa, em um processo quase automático em sua mente, transmitir o
conteúdo da mensagem para a língua de chegada. Como afirma Esqueda (2000, p.
78), sobre o papel do intérprete: “Sua prática não se resume em conhecimento
linguístico, mas em um conjunto de experiências que lhe permitem ‘meditar’ sobre a
tradução”. Não se trata somente de fazer uma tradução mecânica, uma equivalência
entre as línguas, é preciso esforço e conhecimento cultural para se praticar essa arte
com eficácia.
14 A mais antiga referência a um intérprete parece ser um hieróglifo
egípcio do terceiro milênio antes de Cristo. Há registros de
intérpretes na antiga Grécia e no Império Romano. Na Bíblia, o
Apóstolo Paulo faz a seguinte admoestação em sua Epístola aos
Coríntios: “E se alguém falar em língua desconhecida faça-se isso
por dois, ou quando muito três, e por sua vez, e haja intérprete” (I
Coríntios 14:28). A atuação de intérpretes também está
documentada na Idade Média, seja nas Cruzadas ou em encontros
diplomáticos. No Novo Mundo, sabe-se que Colombo trouxe
intérpretes em sua expedição, ainda que das línguas erradas:
hebraico, caldeu e árabe. Mais conhecido e mais bem documentado
é o caso de Dona Marina, famosa intérprete de Cortez em sua
conquista do México (PAGURA, 2003, p. 213).
Devido ao fato de serem mais utilizadas, existem três modalidades de
interpretação que são conhecidas: a interpretação consecutiva, a interpretação
simultânea e a interpretação intermitente.
A interpretação consecutiva é realizada sem auxílio de equipamentos. É uma
modalidade na qual se fazem anotações sobre a palestra e, após o término da
mesma, ocorre a interpretação que, por sua vez, será apresentada mais ou menos
no mesmo tempo da palestra original. É utilizada em eventos formais, tendo sido
uma modalidade muito utilizada antes do advento da interpretação simultânea:
A época áurea da interpretação consecutiva foi o período
compreendido entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, em que
predominavam o francês e o inglês como línguas diplomáticas e de
comunicação internacional e o grande fórum de debates
internacionais era a Liga das Nações, com sede em Genebra, na
Suíça (cf.: Seleskovitch 1978: 3). Embora não seja mais comumente
utilizada em grandes eventos internacionais, ainda é bastante usada
em pequenos grupos, principalmente quando o evento envolve
apenas dois idiomas. É importante ressaltar também que a
consecutiva tem papel preponderante no treinamento de intérpretes
simultâneos, uma vez que nesse modo se desenvolvem as técnicas
que serão fundamentais para o desempenho da simultânea, tais
como a capacidade de compreensão e análise do discurso de partida
(PAGURA, 2010, p. 211).
A interpretação simultânea não é propriamente simultânea, mas, de modo
oposto à consecutiva, o tempo de intervalo entre a fala do palestrante e a
interpretação feita é tão pequeno que fez com que essa modalidade fosse
considerada simultânea. É uma modalidade que permite que a fala do palestrante e
a interpretação terminem praticamente ao mesmo tempo, desta maneira refletindo
positivamente na duração do evento. Este tipo de interpretação se divide em:
Interpretação Simultânea Tradicional – Consiste no modo mais conhecido da
interpretação, em que dois intérpretes se posicionam em uma cabine com
15 equipamento de som, vidro, microfones, etc. Como mencionado antes, esta
modalidade surgiu nos julgamentos de Nuremberg devido à quantidade de línguas
envolvidas. A partir de então, esta é a modalidade utilizada pela ONU e é hoje a
mais comum em congressos, palestras e outras situações que abrangem um grande
público.
Interpretação Simultânea Sussurrada – É realizada ao pé do ouvido de uma
ou duas pessoas. É também conhecida como whispering ou chuchotage.
Alguns creem que é preciso ter um “talento natural” (ou
sobrenatural!) para ser intérprete e fazer tradução simultânea. Dizem
que, sem esse feeling e sem o que alguns chamam de background,
será difícil que haja uma boa interpretação. Polêmica à parte, não há
nenhum tipo de talento (natural ou não) que não possa ser
aperfeiçoado pela prática. Já o nível de exigência ou o que será
“aceitável” aqui ou ali sempre dependerá de cada contexto e ocasião
e, naturalmente, dos entes e agentes envolvidos (LEAL, 2012. p.
126).
A interpretação intermitente é uma modalidade de interpretação usada
quando há um público dentre o qual todos são falantes de uma mesma língua;
porém, devido ao fato de o palestrante (orador) ser de origem estrangeira, se faz
necessária uma interpretação a todos presentes no auditório. “A interpretação
intermitente ocorre quando se interpreta entre as partes do discurso original,
imediatamente após o orador original ter completado algumas frases ou palavras”
(TORRES, 2012, p. 89).
A modalidade intermitente (ou “sentence-by-sentence”, ou ainda
“ping-pong”) não é comumente estudada por pesquisadores da área,
nem é utilizada por profissionais em eventos de caráter internacional.
É vista mais frequentemente em reuniões nas quais se pede a uma
pessoa que fala as duas línguas, via de regra sem qualquer treino
em interpretação, para que se coloque ao lado de um palestrante
estrangeiro e traduza o que ele está dizendo. O palestrante fala uma
ou duas frases curtas e faz uma pausa para que as suas sentenças
sejam traduzidas para o idioma da plateia. Esse processo centra-se
basicamente na tradução das palavras ditas, sem levar em conta
diversos outros fatores importantes no processo interpretativo, seja
pela própria natureza da situação ou, muito comumente, pela falta
total de treino da pessoa colocada na posição de “intérprete”
(PAGURA, 2003, p. 212).
Embora Pagura afirme que a interpretação intermitente não é usada em
congressos internacionais, existe sim uma demanda, pequena porém existente,
dessas interpretações em congressos nacionais. E não somente nesses congressos.
Em muitas palestras ou sermões em igrejas, cujo palestrante seja de origem
16 estrangeira, a interpretação intermitente, frequentemente, é a modalidade escolhida.
Interpretar é uma arte. Muitas questões que envolvem dinamismo,
preparação, determinação, foco, reverbalização, entre outras ligadas a essa arte,
acrescentam à interpretação um grau de dificuldade elevado. Por exemplo, “a
interpretação de um texto oral de uma língua para outra pode ser considerada uma
arte. No entanto, toda arte depende das técnicas para ela desenvolvidas por seus
adeptos e cultores” (TORRES, 2012, p. 9).
Assim, a intermitente é uma modalidade que exige diversas qualificações por
parte do intérprete, tais como: concentração, foco, rapidez, ritmo, dinâmica, etc.
Todas essas qualidades são necessárias para que o ato de interpretar ocorra com
fluêcia. Há ainda outras habilidades necessárias ao intérprete:
Além do preparo prévio, a profissão de intérprete requer uma postura
marcada por elevado teor ético. O profissional precisa atuar de modo
honesto, sempre preservando as intenções do orador original
(“original speaker”), e sempre demonstrando não apenas ciência do
código de ética de sua categoria, mas também completa adesão a
ele. Deve, além disso, envidar esforços contínuos para seu constante
aperfeiçoamento profissional. Contudo, a exigência mais rigorosa diz
respeito a seu dever de cultivar a capacidade de suportar estresse.
Para desempenhar-se bem, o intérprete precisa de concentração
inquebrantável bem como capacidade de absorção e de reprodução
das informações essenciais (TORRES, 2012, p. 10 e 11).
O intérprete também precisa vencer o estresse. Como se já não fosse uma
tarefa árdua, ainda existem outras pressões a serem enfrentadas, tais como a
atenção da audiência, a preocupação com os equipamentos envolvidos, o sotaque
do palestrante, entre outras. Contudo, tudo isso pode ser vencido com atenção, foco
e um bom preparo prévio. De fato, é necessário um preparo prévio para as possíveis
situações de estresse que podem vir a ocorrer. “Estresse é o que ocorre quando o
indivíduo sente que as exigências do ambiente ultrapassam os recursos disponíveis
para lidar com elas” (TORRES, 2012, p. 12). Assim, o intérprete deve sempre estar à
procura de aperfeiçoamento, buscando técnicas, exercícios e práticas que o ajudem
a ser um melhor profissional.
Na prática da interpretação intermitente, a pessoa lida com diversos tipos de
discursos e cada um deve ser visto de forma diferente. Deste modo, uma diferente
maneira de se interpretar deve ser proposta para cada um. Alguns tipos de discurso
são mais comuns, tais como os de conferência acadêmica, os sermões religiosos e
17 as palestras motivacionais. Os discursos de conferência acadêmica contam com um
público mais culto e intelectual. Como o foco dessas palestras é somente transmitir a
mensagem original, técnicas que ajudariam a tornar a interpretação mais intrigante
e interessante são desnecessárias. No caso do sermão religioso, o público está
geralmente atento à mensagem, mas exige-se um vigor espiritual e emocional maior.
O modo como deve ser feita essa interpretação é bastante diferente. Deve haver
mais sintonia com o palestrante. Visto que o sermão tem seus altos e baixos, não se
deve desgastar a pregação por uma interpretação mal feita. A palestra motivacional
apresenta um conteúdo que abrange mais o psicológico, uma vez que o palestrante
pretende mexer com a afetividade do ouvinte, buscando produzir efeitos emocionais
que ajudariam os ouvintes. Pode também ser usada para induzir à compra. Nesse
caso, o palestrante tenta a venda de um produto ou a divulgação de certa marca.
Como visto acima, a interpretação intermitente consiste de uma arte que, para
ser bem desenvolvida, necessita de técnicas específicas e dedicação. Contudo, não
somente técnicas e bagagem cultural são necessárias para uma boa interpretação.
Para ser um bom intérprete, o candidato deve contar com certa dramaticidade. De
fato, o intérprete precisa ter noções de teatro para um melhor desempenho na
interpretação intermitente. Vale realçar o fato de que o ator também pode ser
chamado de intérprete.
“Sou um ator, necessito ter noções de teatro, porém algumas interpretações
exigem menos” (TORRES, 2013). A partir da seguinte frase, citada por um intérprete
que atua por mais de 20 anos na função, questões como estas foram suscitadas:
Será o intérprete um ator? É realmente útil adquirir noções teatrais em tal profissão?
Como adquiri-las? E como conectá-las com a arte de traduzir de maneira a torná-la
mais eficiente e dinâmica?
18 3 A INTERPRETAÇÃO COMO FORMA DE ARTE DRAMÁTICA
A interpretação tem um papel fundamental na comunicação entre os povos.
A interpretação tem como propósito principal fazer com que
uma mensagem expressa em determinado idioma seja
transposta para outro, a fim de ser compreendida por uma
comunidade que não fale o idioma em que essa mensagem foi
originalmente concebida (PAGURA, 2003, p. 223).
Porém, devemos ter plena consciência de que o ato de interpretar não é
somente um processo mecânico em que o intérprete age como uma máquina
apenas passando o significado de uma língua 1 para uma língua 2. É preciso, em
vez disso, que o intérprete aja de maneira espontânea de forma que a atenção da
audiência presente seja cativada. Por isso, analisa-se aqui a arte em si, com
atenção para as técnicas de atuação e para a introdução de aspectos da arte
dramática no ato de interpretar.
A arte é valiosa por sua capacidade de melhorar a qualidade de vida,
trazendo-nos prazer, aguçando nossa percepção, aumentando nossa
sensibilidade aos outros e ao nosso ambiente, lembrando-nos de que
as preocupações morais e sociais devem ter precedência sobre os
objetivos materialistas. De todas as artes, o teatro tem, talvez, o
maior potencial como força humanizadora, pois uma grande parte
nos pede para entrar imaginativamente na vida dos outros, para que
possamos entender suas aspirações e motivações (BROCKETT,
1996, p. 17).
Como visto acima, a arte é valiosa por melhorar a qualidade de vida, nos traz
prazer, nos aumenta a sensibilidade, entre outros benefícios. Com a inclusão da arte
na interpretação, o processo ficaria mais dinâmico, menos maçante e, acima de
tudo, mais edificante. Um intérprete deve ter, portanto, noções teatrais para fazer
uma interpretação boa.
3.1 Atuação
De acordo com Brockett (1996, p. 343), a função do ator é encarnar
concretamente as personagens que, de outra forma, só existem na palavra escrita e
na imaginação. Os atores estão entre os poucos artistas cujas expressões básicas
não podem estar separadas deles; devem criar papéis usando sua voz e corpo. A
19 arte de interpretar não se faz diferente, pois as expressões, voz e corpo não podem
ser desligadas do intérprete, sendo que esses aspectos se tornam uma chave para o
sucesso da interpretação. Sem eles, o dinamismo da interpretação sofreria perdas e
a interpretação acabaria.
De muitas maneiras, atuar é uma extensão do comportamento
humano diário. Quase todo mundo fala, se movimenta e interage
com os outros. Nós também desempenhamos muitos “papéis”,
durante o curso de um dia, em nosso ajuste a contextos transitórios:
em casa, na empresa, na escola, no lazer e assim por diante. Talvez,
não seja de estranhar, então, que nem sempre é fácil distinguir o
talento para a atuação de certos traços de personalidade ou de
convencer aspirantes a atores que um treinamento rigoroso é
necessário. No entanto, atuar requer habilidades cuidadosamente
afinadas, porque a capacidade de usar o comportamento
expressivamente no teatro é diferente da capacidade de funcionar
adequadamente na vida diária. A habilidade de atuar é uma mistura
de três ingredientes básicos: a capacidade inata (um talento especial
para a interpretação), treinamento e prática (ou experiência). O
talento é talvez o mais essencial, mas geralmente não é suficiente
por si só; precisa ser cultivado e desenvolvido através de
treinamento e aplicação repetida no desempenho (BROCKETT,
1996, p. 344).
Como Arrojo menciona, o tradutor realmente deve se passar por autor a fim
de construir uma boa tradução:
Se no processo de tradução, o tradutor, ou tradutora, tem que
necessariamente tomar o lugar do autor e se apossar de seu texto
para que este possa sobreviver em outra língua, não há como
eliminar esse momento de usurpação e de conquista, consequência
inescapável da reflexão desconstrutivista estritamente levada a sério
(ARROJO, 2012, p. 67).
Da mesma forma, é possível dizer que o intérprete intermitente deve assumir
ares de ator a fim de se apossar do texto do palestrante para, como se fosse seu,
comunicá-lo ao público.
3.2 O Treinamento dos Atores e Intérpretes
Um ator deve ter algumas qualidades para se sobressair, tais como
impostação de voz, movimento e presença de palco. Porém, existem treinamentos
especializados que ajudam o ator a aprender essas técnicas, caso ainda as
desconheça.
No treinamento de atores, embora o processo de atuar como um
todo seja a maior preocupação, nem todas as peças podem ser
20 tratadas ao mesmo tempo. Portanto, os diferentes aspectos da
atuação (voz, movimento, estudo de cena, etc) são destacados para
uma atenção especial, mesmo que atenção seja dada à inter-relação
entre as várias partes. Em última análise, o objetivo é integrar todas
as partes em um conjunto harmonioso (BROCKETT, 1996, p. 344).
Da mesma forma, existem alguns órgãos de treinamentos para intérpretes
que são muito úteis na preparação de um intérprete. Técnicas que envolvem a voz
frequentemente são abordadas em cursos de interpretação. Existe também um foco
nos gestos e movimentos.
A formação de um intérprete pode ser adquirida ou por meio de um diploma
universitário ou um curso especializado na área. Como vimos acima, existem várias
modalidades de interpretação (intermitente, simultânea, consecutiva, etc), o curso
oferece ao aluno uma sólida base em todos os tipos, então o aluno sai preparado
para o mercado de trabalho. Um programa de formação de intérpretes prioriza e
enfatiza a técnica, não o idioma. O aluno já deve ter adquirido anteriormente.
Portanto,
todos
os
idiomas
serão
bem-vindos.
Entretanto,
para
maior
aproveitamento, recomenda-se que o aluno tenha conhecimento suficiente de inglês
ao menos para acompanhar alguns exemplos em sala de aula e leituras
recomendadas. Quanto se tratando de interpretação simultânea, equipamentos,
como cabines, estão disponíveis para os alunos fazerem um primeiro contato com o
mesmo. Técnicas que podem melhorar o desempenho do aluno são abordadas
(como shaddowing), e muita prática é envolvida em sala de aula.
3.3 Corpo e Voz
O corpo é nosso principal delator. Ele nos entrega quando estamos nervosos,
trêmulos ou quando algo está errado. É preciso ter pleno controle das reações
corpóreas. Controle é fundamental na arte da atuação. A voz é o “instrumento”
principal usado em peças, gravações televisivas ou interpretações. Deve haver
concentração a fim de se empostar a voz da melhor maneira possível. Ela também
seria outra delatora de possíveis inconvenientes que venham a estar acontecendo
com o ator/intérprete. Por isto, é necessário muito cuidado com a mesma.
Como os principais meios de comunicação do ator, o corpo e a voz
precisam ser flexíveis, disciplinados e expressivos. A flexibilidade é
necessária para que o ator possa expressar física ou verbalmente
uma ampla gama de atitudes, características, emoções, respostas e
21 situações. Mas a flexibilidade não é suficiente; os atores também
devem ser capazes de controlar o corpo e a voz à vontade, e esse
controle só vem através da compreensão, prática e disciplina
(BROCKETT, 1996, p. 344).
Polito (2013, p. 52) adverte o orador a não imitar nenhuma voz e nos ajuda a
descobrir a “melhor voz” para o uso profissional. Muito do que fala sobre isto podese aplicar à arte de interpretar, não somente ao direito ou ao teatro.
O segredo para colocar corretamente a voz, além da respiração
adequada, é o aproveitamento apropriado dos ressoadores. Cada
um deve encontrar a melhor colocação para sua voz. O maior erro
que alguém pode cometer é imitar determinado tipo de voz, ou
porque acha que ela é bonita ou porque imagina que possa combinar
com sua personalidade[...] Uma voz com qualidade estética é muito
importante para o sucesso de um advogado (POLITO, 2013, p. 52).
A pronúncia das palavras também é algo muito importante. Existem muitos
intérpretes que não fazem um bom uso de seu aparelho fonador, tornando assim a
interpretação incompreensível. “Pronunciando bem as palavras, você será mais bem
compreendido pelos ouvintes. Um dos motivos da desatenção das pessoas é a
dificuldade para compreender a mensagem por causa da dicção defeituosa”
(POLITO, 2013, p. 53).
3.4 Controle e Disciplina
Os anos passados na universidade são muito úteis para o treinamento do
intérprete; porém, todas as técnicas e habilidades aprendidas não serão bem
utilizadas se não houver uma combinação de concentração e controle na
interpretação. A profissão de intérprete é bem parecida com a de ator neste caso.
Não importa quão bem os atores tenham dominado as habilidades
básicas, eles não são suscetíveis a usar essas habilidades
efetivamente no palco, a menos que eles também tenham aprendido
a controlar a forma e a integrá-las como exigido pelo roteiro ou
diretor. O controle é geralmente obtido somente através da prática
diária e esforço disciplinado por um longo período. Uma marca de
controle e disciplina é a concentração, a capacidade de mergulhar na
situação e anular todas as distrações. Na performance, alguns
atores, tendo representado as mesmas cenas muitas vezes, podem
parecer estar respondendo mecanicamente às deixas, enquanto
atores eficazes criam a ilusão de que esta é a primeira vez que eles
estão naquela situação, não importa quantas vezes eles tenham
representado o papel. Para criar tal ilusão, os atores devem se
concentrar no que está acontecendo em volta deles, não de forma
geral, mas nos discursos, gestos e movimentos específicos de outras
pessoas na cena, e devem responder com o nível apropriado de
22 intensidade no momento certo. Isso requer que os atores mergulhem
no “aqui e agora” da ação do palco (BROCKETT, 1996, p. 347).
O intérprete deve-se concentrar no ambiente em que está e se desligar das
interrupções que possam e irão acontecer. A concentração é uma das chaves para a
interpretação ser bem sucedida.
3.5 Criando um Personagem
Parafraseando uma frase de Brockett (1996, p.352) e aplicando ao contexto
do intérprete, pode-se dizer que, cada vez que um intérprete sobe ao palco a fim de
fazer uma interpretação, ele se depara com muitas tarefas, a mais básica das quais
é entender o conteúdo a ser passado e, imediatamente, reproduzi-lo de maneira
produtiva. A compreensão do objetivo da palestra e do objetivo do palestrante
ajudará o intérprete a se colocar em um patamar quase igual ao do palestrante, os
dois caminhando juntos sem demonstrar dúvidas sobre onde chegar, ou sobre o que
falar. “O aspecto mais essencial de um papel é o que o personagem deseja e o que
ele está disposto a fazer para alcançar isso” (BROCKETT, 1996, p. 352). Além
disso, uma mistura de controle, análise, compreensão, comprometimento e outras
habilidades é requerida na arte da interpretação.
Ao se deparar com uma pessoa querendo entregar uma mensagem a certo
público, o intérprete deve se preocupar com todas as intenções que o palestrante
deseja passar para o mesmo. Mas como algo assim seria possível, se duas pessoas
diferentes
estão
em
questão?
O
intérprete
deve
criar
um
personagem,
personificando o palestrante. Deve se esquecer de si mesmo e se concentrar na
postura e gestos do palestrante. Técnicas teatrais talvez possam ser úteis nesse
aspecto da interpretação, porque ajudam o intérprete nessa criação de um
personagem. “O ator precisa examinar como o papel se relaciona com os outros
papéis da peça. O que o personagem pensa sobre cada um dos outros
personagens? Como o personagem se apresenta aos demais personagens? O que
cada um dos outros personagens acha do personagem?” (BROCKETT, 1996, p.
352). Além disso, vemos que um fator crucial é que o intérprete deve compreender o
palestrante. Ou seja, a transmissão do conteúdo é até mais importante do que a
criação do personagem. Assim como o ator deve se preocupar com outros aspectos
23 relacionados a sua atuação, o intérprete deve ter total compreensão dos aspectos
envolvidos na palestra, deve se preocupar com o que o público vai pensar, com o
que o palestrante tenta passar e com o resultado final da interpretação.
3.6 Preparação Psicológica e Emocional
É de vital importância que as emoções passadas pelo palestrante sejam
passadas ao auditório. Se o palestrante quer que o auditório ria, o intérprete tem que
fazê-lo rir, se o objetivo for a emoção, o intérprete tem que levar lágrimas à plateia.
As emoções fazem parte fundamental da palestra, estão ligadas intrinsicamente à
mensagem e, às vezes, uma palestra toda pode ser perdida se a emoção desejada
não for alcançada.
Além de compreender o roteiro e a forma como o papel se encaixa
no conceito total, os atores devem ser capazes de se projetar com a
imaginação no mundo da peça, nas situações específicas, nos
sentimentos e motivações de seus personagens individuais. Um ator
que tem dificuldade em fazê-lo pode precisar experimentar formas de
indução ao envolvimento empático. Um método, emprestado de
Stanislavsky, é empregar uma memória emotiva (procurando no
próprio passado uma situação paralela, relembrando a emoção que
sentiu naquele momento, e usando essa emoção para atuar na
presente cena) (BROCKETT, 1996, p. 353-354).
O intérprete deve estar inteiramente envolvido no trabalho que está
produzindo, nunca se deve cometer o erro de passar a imagem de que a mensagem
que se transmite é vazia.
Não cometa o erro de falar só por falar, como se fosse obrigado a se
desincumbir da tarefa pesada e livrar-se de um fardo que não
gostaria nunca de estar carregando. Esteja certo de que, se você
falar como se estivesse apenas se desobrigando de uma
incumbência, por mais extraordinária que seja sua mensagem, não
conseguira envolver e tocar as pessoas (POLITO, 2013, p. 33).
3.7 Gestos e Movimentos
Na interpretação, os gestos são muito importantes, mas não se deve
ultrapassar o limite estabelecido, nem prescindir deles inteiramente. Em vez disso,
tem de haver uma combinação perfeita de gestos e movimentos. De acordo com
24 Brockett (1996, p. 332), o fluxo de movimento é muito importante durante uma peça:
“durante a performance, a impressão dominante é a de movimento, fluxo, mudança
e desenvolvimento.” Na interpretação, o movimento tem importância equivalente.
“Mesmo que o diretor especifique a maior parte dos movimentos, o ator ainda deve
preencher muitos detalhes, o andar do seu personagem, a postura, atitudes
corporais e gestos” (BROCKETT, 1996, p. 333). Certos gestos devem ser “imitados”
do palestrante, tal como na técnica de espelho. Visando tornar a interpretação mais
dinâmica, o intérprete deve gesticular juntamente com o palestrante, respeitando os
limites impostos pela ética, para não chamar mais atenção do que o mesmo.
O movimento serve para várias funções. Primeiro, ele dá ênfase,
pois atrai o olhar e direciona a atenção para o movimento mais forte.
Em segundo lugar, caracteriza. Uma pessoa idosa normalmente usa
menos e mais lentos movimentos do que uma pessoa jovem, assim
como uma pessoa nervosa ou irritada se move de forma diferente de
uma pessoa casual ou relaxada. Em terceiro lugar, o movimento
esclarece a situação. Cenas altamente emocionais normalmente
requerem mais movimento e movimentos mais rápidos e bem
definidos) que os momentos de silêncio. Em quarto lugar, o
movimento pode ser usado para construir cenas até um clímax, com
recurso ao contraste e ao ritmo. O aumento gradual da quantidade e
da extensão do movimento pode criar uma sensação de crescente
confusão, conflito ou de desenvolvimento e mudança. Um contraste
nos movimentos de uma cena para outra pode apontar para
diferenças de humor, ritmo e situação, bem como fornecer variedade.
Quinto, o movimento pode ser um indicativo do tipo dramático
(BROCKETT, 1996, p. 333).
O movimento pode tornar a interpretação mais eficaz; porém, se
incorretamente usado, pode arruiná-la e trazer críticas ao intérprete.
Grande parte da movimentação no palco não envolve somente o
movimento de sair de um lugar para outro. Os gestos, a expressão
facial e a postura corporal, que, juntos, criam o que é normalmente
chamado de linguagem corporal, são de especial importância para
alcançar a sutileza e a clareza. Os gestos normalmente envolvem
apenas as mãos e os braços, mas às vezes o torso, a cabeça, os
pés ou pernas podem ser usados gestualmente. Os gestos são
especialmente importantes como meio sutil de ganhar ênfase,
porque um gesto de um ator que está prestes a falar é geralmente
suficiente para desviar a atenção para o mesmo no momento certo.
Os gestos são um indicativo de traços psicológicos básicos: Um
grande número de gestos espontâneos sugere uma personalidade
extrovertida e desinibida, enquanto poucos e constrangedores gestos
sugerem o contrário. A atitude corporal, rigidamente na posição
vertical, vergada, relaxada e assim por diante, é um meio
especialmente útil para exibir os estados emocionais e para indicar
reações imediatas. O mesmo acontece com a expressão facial, que,
embora nem sempre seja visível em um grande auditório, é uma
25 ajuda suplementar na projeção de uma resposta (BROCKETT, 1966,
p. 334).
O intérprete deve demonstrar grande interesse pelos gestos e movimentos.
“Um estudo realizado pelo psicólogo Albert Mehrabian concluiu que a transmissão
da mensagem do orador para os ouvintes tem a influência de 7% da palavra, 38%
da voz e 55% da expressão corporal” (POLITO, 2013, p. 99). Percebe-se, então, que
os movimentos, gestos e olhares são fatores importantíssimos no processo da
comunicação. Porém, o excesso de gesticulação pode muitas vezes dificultar que o
ouvinte preste atenção no conteúdo que está sendo traduzido.
3.8 Conclusão
Neste capítulo, abordaram-se as técnicas dramáticas e fez-se uma conexão
entre essas técnicas e a profissão de intérprete, visando, assim, a uma melhora no
desempenho do intérprete. Percebe-se que o intérprete realmente pode utilizar
técnicas de drama para aumentar a dinâmica de sua interpretação. Técnicas
pertinentes aos gestos, movimentos, voz e o uso da expressão corporal, com
certeza, seriam, portanto, de grande valia para o intérprete.
26 4 ANÁLISE DO FILME RAY E DO DVD “FUTURO COM ESPERANÇA”
A possibilidade de contatos entre a arte de interpretar intermitentemente e a
de interpretar um papel em um filme pode ser medida por meio da comparação entre
a atuação de um intérprete e a de um ator. Neste trabalho, comparam-se, portanto, a
interpretação de uma palestra religiosa e a atuação em um filme de Hollywood. A
palestra foi transmitida ao vivo via satélite. O filme foi produzido pela Universal
Studios com a Brystol Bay.
O filme Ray conta a história de um menino nascido em uma comunidade
carente. Filho de Aretha Robinson, uma mãe trabalhadora que sempre deu tudo o
que podia a seus filhos, ensinando o melhor para eles e sempre buscando um
melhor futuro para seus filhos, Ray Charles viaja em busca de seu sonho de se
tornar um músico profissional. Ele não sabia onde a vida o levaria, o que conseguiria
alcançar e o sucesso que faria nos anos seguintes. Com o sucesso, vêm o dinheiro,
as mulheres, as drogas e tudo o que a fama oferece. Embora sua mãe tenha lhe dito
para nunca virar um aleijado, ele se tornará o maior de todos, rodeado por muitos,
rico, porém dependente das drogas. No palco da segregação dos anos 60 nos
Estados Unidos, Ray começa a fazer história e se recusa a tocar em um teatro que
fazia divisões entre brancos e negros. No momento de seu maior sucesso, traição,
bebidas e drogas passaram a envolver a vida do cantor de uma maneira que quase
não houve volta. Quando estava no fundo do poço, ao ser preso pela segunda vez,
com risco de perder sua preciosa música, Ray decide abandonar as drogas e se
tratar. Ele consegue se recuperar. Ray Charles foi um ícone na indústria musical
americana que revolucionou o R&B, o Blues e o Gospel. Sua história é bonita e
comovente. De fato, nunca se esqueceu de suas raízes.
A TV Novo Tempo, responsável pela transmissão da série Futuro com
esperança, é uma rede de televisão brasileira com sede em Jacareí, no estado de
São Paulo. A emissora surgiu, em 1996, como parte do Sistema Adventista de
Comunicação, que pertence à Igreja Adventista do Sétimo Dia. Inicialmente,
funcionou como emissora de TV local com o nome de TV ADSAT. Hoje, a emissora
faz parte de uma rede que possui retransmissoras e cobre grandes e pequenas
27 cidades. Sua transmissão é disponível por sinal aberto, satélite e cabo. A série
Futuro com esperança corresponde às palestras do Pr. Mark Finley em Brasília, no
auditório Ulisses Guimarães, tendo sido transmitida via satélite para cerca de dez mil
igrejas, nos dias 24 a 31 de outubro de 2009. A cada dia o público era recebido pelo
apresentador da série, Ronaldo Fagundes, que dava as boas vindas a todos. O
grupo Arautos do Rei, quarteto musical cristão, também participou em todas as
noites da série. Assuntos como a Bíblia, falta de amor, incompreensão, guerras,
violência e angústia foram ali abordados, sendo a esperança seu principal tema.
Pelo fato de o Pr. Finley estar falando em uma língua estrangeira (inglês) e de as
palestras se direcionarem para o público brasileiro tornou necessária a atuação de
um intérprete. O profissional escolhido para o evento foi o Dr. Milton L. Torres, então
residente na cidade de Belo Horizonte, onde fazia estudos de pós-doutoramento na
Universidade Federal de Minas Gerais. A série possui oito capítulos, dos quais
excertos foram retirados a fim de exemplificar a atuação do intérprete. O foco da
pesquisa recaiu sobre os aspectos comuns aos dois tipos de interpretação (isto é,
interpretação de conferências e interpretação de um papel cinematográfico), tais
como o posicionamento e uso do corpo, da voz, dos gestos e dos movimentos.
4.1 Comparação entre Série e Filme
Ray Charles era um homem um tanto quanto problemático, razão pela qual o
ator Jamie Foxx estudou bastante sua vida antes de interpretar o papel. De acordo
com um site da internet especializado em cinema, o ator chegou a passar alguns
meses com Ray; porém, desistiu da ideia alegando que “passar um tempo com um
Ray de 70 anos não o ajudaria a representar um Ray de 20”. O próprio ator, J. Foxx,
é quem toca piano nas cenas e teve que usar próteses que realmente o deixavam
cego enquanto interpretava Ray Charles, o que ocorria cerca de 14 horas por dia
durante as filmagens. Jamie Foxx ganhou o Oscar de melhor ator (2004) por sua
atuação. Alguns momentos do filme mostram exatamente por que o prêmio foi
concedido a ele. No filme, aparecem inúmeras cenas fortes, cenas de Ray bêbado
ou drogado e cenas de intensas discussões.
28 Como forma de comparação entre o intérprete e o ator, algumas fotos e
cenas serviram para exemplificar algumas técnicas dramáticas utilizadas tanto por
Foxx, no filme Ray, quanto pelo intérprete da série. Uma cena (1h47min18s) que
exemplifica bem a performance de Foxx é quando o ator começa a cantar a música
“Hit the Road, Jack”. Como Ray Charles era cego, podemos perceber, por meio de
vídeos do cantor, que ele fazia constante uso do seu corpo, cantar para ele nunca se
separava da gesticulação ou do movimento. O ator soube entrar no personagem e
fazer a interpretação de maneira convincente. Outra cena (2h17min45s) mostra uma
grande interpretação de Foxx. Sabe-se que Ray Charles se envolveu com as
drogas, tendo que ser internado em uma clínica de reabilitação. Uma pessoa que
está passando por um tratamento não é algo agradável de se ver, sofrendo de
delírios, tosses, vômitos e comichões. Não faltou expressão para que Foxx fizesse a
cena de modo persuasivo. Para isso, fez uso das técnicas dramáticas, explorando
os movimentos e os gestos.
Na série Futuro com esperança, o intérprete/ator, inconscientemente, fez
uso de muitas técnicas abordadas no capítulo 3, especialmente no que diz respeito a
seu controle e disciplina no uso do corpo, voz, gestos e movimentos.
No capítulo três, O significado da esperança, o Pr. Mark Finley começa a
falar roboticamente sobre uma suposta criança, que obedece aos pais e não faz
nada de errado (36min50s). Ele, então, começa a falar com uma voz fina, imitando à
de uma criança. O intérprete passa a “imitar” o palestrante, com o mesmo timbre de
voz e gestos. De fato, a gesticulação é praticamente idêntica. Logo depois disso,
Mark continua demonstrando o jeito como a criança age (37min25s), levantando o
braço e as pernas. Usando o corpo para dinamizar a apresentação e exemplificá-la
com mais clareza, o intérprete tira um parafuso com sua chave de fenda imaginária,
explicando, assim, ao público o que o Pr. Finley gostaria de dizer (36min30s). Além
disso, o intérprete faz um telefone imaginário em suas mãos, representando alguém
a discar para certo número (56min31s).
Nos apelos feitos pelo Pr. Finley, o intérprete imita o timbre pastoral
apropriado para a solenidade do momento. De fato, uma entonação diferente vem à
tona e o intérprete começa a tentar comover o coração do ouvinte (57min30s). Em
outro momento, o Pr. Finley perguntou à plateia “quem havia vindo de mais longe”, o
intérprete reproduz o gesto de levantar a mão, que Finley fez, incitando o auditório a
29 levantar a mão e se identificar. Percebe-se que, como se fosse um ator, o intérprete
copia alguém para melhorar sua interpretação (13min59s).
Ao falar sobre Jerusalém, o intérprete faz com a mão gestos que representam
os números primeiro, segundo e terceiro. Porém, o Pr. Finley não havia feito o
movimento; logo, o intérprete recorreu a sua experiência para recriar o palestrante,
obtendo mais clareza em sua exposição do que o próprio palestrante havia
conseguido (19min25s).
30 No minuto 35, em função de explicar algo que se passava na televisão do
palco, o palestrante vira de costas para o público para ler e mostrar o que se
passava ali. O intérprete o segue nesse movimento inesperado.
Em outra ocasião, no capítulo quatro, Ecos da esperança, o palestrante está
contando a história de um moço que consertava coisas quebradas. Segundo a
história, na porta da loja dele havia um enorme letreiro. Visando sinalizar a palavra
“grande”, o intérprete novamente faz uso do corpo e da expressão corporal, abrindo
as mãos no ar, indicando o tamanho sugerido pelo palestrante (44min29s).
31 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Visando diminuir o pouco dinamismo de alguns intérpretes, esta pesquisa
apresentou técnicas teatrais que podem vir a ajudar o intérprete a fazer uma
interpretação mais dinâmica, possibilitando que palestrante e intérprete captem e
retenham a atenção do público. Alguns exemplos da atuação de um intérprete
experiente foram citados, para servir como exemplo das possibilidades que este
recurso oferece aos intérpretes. As técnicas se mostram de grande valia para a
construção profissional de um intérprete que esteja em busca de mais
conhecimentos na área. A voz, corpo, gestos, movimentos e expressão corporal,
entre outras coisas, podem vir, desta forma, a contribuir para uma melhor
interpretação. Alguns aspectos selecionados das teorias do drama foram aplicados à
atuação do intérprete na interpretação intermitente, sendo que algumas atitudes
simples podem contribuir para um melhor desempenho de um intérprete
intermitente. Identificaram-se, portanto, algumas técnicas dramáticas que podem ser
úteis para a captação e a manutenção da atenção da audiência durante a
interpretação intermitente. Não só o intérprete intermitente pode atuar como ator,
mas, de fato, alguns, já o fazem.
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