A LÍNGUA PORTUGUESA, NOSSO PATRIMÔNIO CULTURAL

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A LÍNGUA PORTUGUESA, NOSSO PATRIMÔNIO CULTURAL
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A LÍNGUA PORTUGUESA, NOSSO PATRIMÔNIO CULTURAL
COMEMORAR É CONHECER
“o homem é o que o homem conhece...” Profeta Isaías
Rafael Greca de Macedo
Disse bem quem escreveu que “nossa Pátria é a língua portuguesa”.
Por isso, quando dos 500 anos do Brasil, na nossa Câmara dos Deputados,
promoveu seminário para discutir “Língua e Soberania”.
Se comemorar é conhecer, o conhecimento do Brasil, na ocasião de
comemoração dos nossos 500 anos, também passava pela valorização da
nossa língua. Na época, o evento teve entusiasmada adesão do deputado Aldo
Rebelo, que depois seria presidente da Câmara Federal. Aldo é autor de um
Projeto de Lei – muito polêmico – que proíbe expressões estrangeiras no
Brasil.Se aprovado, seria a desgraça de parte da nossa classe dominante,
hoje, cada dia mais Miami e menos Brasil.
Nada é mais significante da história e das raízes do Brasil do que a
nossa língua. A Nação é uma comunidade imaginada, ensinou em livro,
editado pela Cia de Letras, Benedict Anderson. A Nação não é uma
sociedade anônima, mas sim uma comunidade dos que , entre outros
atributos de identidade, falam a mesma língua.
As línguas faladas pelos mortais guardam todas as raízes, a história
inteira, cada tijolo da Torre de Babel. É longa a viagem retroativa, desde o
português,desde as línguas e dialetos românicos, passando pelo latim, pelo
idioma itálico,pelo idioma céltico, pelo grego – ítalo-céltico, pelo ário-grego, até
as origens do mítico indo-europeu.
Assim, mãe, faz-se mater, em latim, faz-se mãtã em sânscrito, mãter,
em indo-europeu.
Pai, faz-se pater, em latim, pitár, em sânscrito, patér, em indo-europeu.
A metodologia lingüística de August Schleicher (1821-1868), conseguiu
explicar muitas alternâncias fonéticas nas línguas indo-européias, por meio de
leis fonéticas constantes. Schleicher constatou que ao bh e ao dh do sânscrito,
corresponde em latim, ora o f, ora o b, ora o d. A tabela abaixo mostra as
supostas traduções.
Sânscrito
bhr ã ta
rudhiras
madhyàs
Latim
frater
rubro,
medus
bh= f
dh=b
dh=d
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O Santo Nome de Deus
As mesmas leis aplicadas no nome de Deus, conforme refere o
cultíssimo bispo João Evangelista Martins Terra, no magistral livro “O Deus dos
Indo-Europeus”, das edições Loyola, mostram notável derivação, na
semelhança de vocábulos que mantém o significado.
Deus, em indo-europeu, é Deiwos, ou Dyeus, derivado da raiz
DI=iluminar, que significa o céu luminoso de dia.
O céu, abóbada celeste iluminada, foi o símbolo que o povo indoeuropeu escolheu para expressar a divindade. Esse símbolo representa, ao
mesmo tempo, imanência, onipresença, e transcendência de Deus. Em
qualquer parte que eu esteja, o céu está presente me envolvendo por todas as
partes, isto é imanência. Ao mesmo tempo, o céu está infinitamente distante.
Por mais alto que eu me eleve, nunca consigo tocar o céu. Isto é
transcendência.
As primeiras hierofanias do Divino para os indo-europeus, foram a
imanência e a transcendência.
Observemos o santo nome do Eterno, em diversas línguas, desde o
indoeuropeu até o português:
Dyeus, Deiwos...........indo-europeu
Em grego, Zeus, genitivo Dios, Difós, em latim, Divus
Ainda em latim, Dius, Divus, Dies Piter, Iouis, Iupiter
Em português, Deus, Zeus, Deus Pai, Zeus Pai, Júpiter
Impressionante a manutenção da semelhança do Santo Nome, em
muitas outras línguas modernas :
Deivo, Dieu, em paleo-vêneto;
Deivai, Diuve, em úmbrio e osco;
Iove, Deiva, em mesápio;
Dei (Patyros), Zis (Pater), Zopa, em trácio e ilírio;
Teiwaz= Deiwos, em germânico irlandês;
Deivai, em persa – com o significado inverso, de demônio;
Dievas, em lituano;
Divo, em eslavo, também com o inverso significado de espírito mau;
Dyaus Pitah, Dyaus Indra=Deus forte, em indiano.
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A formação do Português
Última flor do Lácio, inculta e bela,(...) esplendor e sepultura, ouro nativo
que na ganga impura, a bruta mina entre os cascalhos vela, o idioma nos
chega do latim vulgarizado. A língua do povo, vulgar, castrense, pedestre,
simples. Aquela dita nos mercados e nas ruas. Inscrita nas lápides menos
eruditas, à sombra das catacumbas populares das antigas Évora e Lisbonum,
e do Império todo.
Língua com confusão ou falta de casos nos nomes.
Uma linguagem sem variações verbais.
Linguajar onde as preposições substituíram as antigas declinações
empregadas na expressão das relações dos casos.
Um latim onde não havia inversão na sucessão das palavras, ou onde
alguns nomes ficaram nos seus sinônimos.
Imber foi substituído por pluvia, o que deu chuva
Orbis foi trocado pelo sinônimo circulus, e nasceu o nosso círculo.
Nascia um linguajar próximo das línguas românicas, mas peculiar e com
personalidade.: Italiano, rumeno, francês, espanhol, provençal, catalão,
português.
Nossa Pátria mediterrânea avançando sobre o Atlântico.Se a Europa fosse um
navio, Lisboa seria sua proa.
Os dias, da semana, pagãos e cristãos
É ver os nomes dos dias da semana.
O Papa São Silvestre, um dos primeiros na sucessão de São Pedro,
mandou que os fiéis católicos suprimissem suas raízes de paganismo,
perdendo a memória dos deuses olímpicos, nos dias da semana.
Ninguém obedeceu.
Só os que falavam português. Em português, o nominar dos dias da
semana é o mais cristão de todos. Nas outras línguas, ficou mais forte o
resquício pagão.
Os dias da semana, em latim, eram dies Lunes, dies Martes,
dies Mercolis, dies Juves, dies Vernes.
Em espanhol, um “s” final é o que resta de dies. A Lua ficou em
Lunes,memória do antigo dies Lunae, Marte morou em Martes. Mercúrio
permaneceu em Miércoles. Juno vive em Jueves Vênus, não saiu de Viernes.
E assim foi, mais ou menos, em francês, italiano, catalão e provençal.
Bonito, passar cada semana numa língua românica.
“Lunes” em espanhol, “Lundi”, em francês, “Luns luns di”, em
provençal. “Diluns”, em catalão. “Lunedi”, italiano.
Segunda-feira, apenas em português. E assim por diante, até sextafeira, nas demais línguas românicas uma derivação de dies Vernes, dia de
Vênus.
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A nos unir, apenas a substituição dos Saturni dies – Dia de Saturno
pelo judaico Sabbata, descanso religioso dos judeus, sétimo dia da semana,
Sabbatum, o Shabá do Velho Testamento. Guardar o Sábado, tinha o verbo
sabbatizare, referido pelo antigo padre Tertuliano. Relativo ao sábado, deu
sabático, do latim sabbaticus. Ou por se fazerem exames neste dia, ou pela
discórdia entre romanos e judeus, judeus e cristãos, veio sabatina, na nossa
língua, a significar discussão.
E, é claro, o solis dies, tornou-se ainda mais iluminado, depois de eleito
pelo Cristo, para o mistério da sua gloriosa Ressurreição: Dia do Senhor,
Dominica dies, ou Dominicus, Domingo.
A língua dos vivos e dos mortos
Linda língua, que Cícero dizia só se conservar no diálogo dos velhos,
estes que só falam o que é puro, ancestral, porque sempre falar com menos
gente, à proporção que envelhecem.
Língua viva. Onde infans, etimologicamente, no latim, significava mudo,
pequeno, recente, sem oratória, o que não fala, e tornou-se, em português
erudito, sinônimo de criança, e para o povo era apenas o infante, o filho do rei.
Nada explica mais o significado do que nos guarda a língua do que a
palavra Direito. Em latim, era Ius. Lembramo-nos de Justiniano, o imperador
romano e seu Corpus Iuris Civilis, a codificação do Direito Romano. Ius, o
que é reto ou justo, de Justiça, elo social, aquilo que unia a sociedade no
Império, se dizia Ius, Iuris, Aequum, Aequitas. Daí vem iniqüidade,
injustiça, falta do direito.
Nos tribunais avançados, onde se julgavam os germânicos, veio o brado:
“Isto não é reto, não avança para o alto”. Do germânico antigo das reth. E
assim herdamos o termo Direito, e não o ius latino, que só ficou naquilo que é
torto, que não é justo, in jus, iniúria.
Os termos também vieram do grego, como elogio, em grego, elegeion.
Em latim, laudes. Outras palavras do grego, apologo, diálogo, análogo. Ou
ainda, esmola, que é eleemosynê, eleemosyna, em latim.
Ou do árabe, sons tão fortes como almíscar, alface, amêndoa, aljôfar,
alforje, algibeira, almofada, almoxarife. E, claro, “tarifa”, que era onde se
cobrava a travessia de Gibraltar, junto aos pilares de Hércules, entre a
península ibérica e a África.
O Português do Brasil
Quando a proa dos portugueses encontrou a praia dos tupi, tapuia,
guarani, logo veio a troca e a língua ganhou, pezinho para a frente, pezinho
para trás, sons novos: caraíba, pajé, iguaçu, paraná, guará, aipim, mandioca,
piá, cunhã, carioca, cunhaporanga.
Sobretudo depois que o padre Anchieta e o padre Azpicuelta Navarro
compilaram a língua geral do Brasil, publicando gramática e dicionário em
Coimbra, nos idos de 1595.
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O embaixador Synésio Góes, adverte que era o tupi, a língua dos
mamelucos, filhos e companheiros dos bandeirantes paulistas, ao tempo das
entradas de Domingos, Jorge Velho.
Neste tempo, entrou na língua a palavra sertão, corruptela de desertão. A
mulher perguntava ao bandeirante: “-Para onde vai vosmecê?” Ele respondia:
“Pro-desertão, pro sertão”. Sertão surgiu no Brasil, pela sua imensidão. Sertão
nunca caberia no pequenino Portugal.
Os paulistas só tornariam a falar português pela necessidade de
comunicação com os negros.
Vozes de África logo entraram na língua, banzo, dengo, quilombo,
calunga, candomblé, batuque, bunda, samba, e tanto mais.
Mas voltemos à língua pura. Só saudade já nos diz que é solidão
saudável. A forma antiga de saudade é soedade, do latim solitas. Há a troca
do ditongo oe, em lugar de au. Sol, faz-se sau
O que resultou de se supor que era palavra conexa com saúde, do latim salus.
Quinhentos anos depois, já há saudades da língua que não se fala com
perfeição. Onde já não se usam ênclises ou mesóclises.
Sobretudo depois da televisão e das novelas. Dos computadores, internet e
globalização. Foram-se ênclises e mesóclises. Proliferam os galicismos.
Assim como o português de São Francisco Xavier e de seus zelosos
jesuítas e dos navegadores portugueses, influenciou o japonês, nos séculos
XVI e XVII, somos agora influenciados pelo inglês, como foi, o vernáculo,
influenciado pelo francês e por outras línguas, no passado.
Pão, gibão, botão, obrigado, são algumas das 1000 palavras, em japonês,
que ficaram do contato com os portugueses. Ainda hoje se diz no Japão, pan,
giban, botan, arigatô.
Galicismos e estrangeirismos
Como sabem, a França, em latim, é Gália, conquista do Imperador Júlio
César, após transpor o Rubicão. Por galicismo, entende-se, no dizer de frei
Domingos Vieira, eremita calçado de Santo Agostinho, com seu “Grande
Dicionário, Thesouro da Língua Portuguesa”, publicado no Porto, em 1873,
“modo de falar emprestado do francês e transportado para outra língua, em
semântica, acepção tomada de empréstimo de outra língua, exótica às
acepções vernáculas”. Assim, toilette, no lugar de toucador; soirée, trocada
por sarau; remarcavel, trocada por notável.
É ouvirmos o senador Ronaldo Cunha Lima, para que se compreenda o
que o inglês tem feito conosco:
“Fui ao freezer, abri uma coca diet, e saí cantando um jingle, enquanto
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ligava o meu disc player para ouvir uma música new age.
Precisava de um relax. Meu check up indicava stress. Dei um time e
fui ler um bestseller no living do meu flat. Desci ao playground, depois fui
fazer o meu cooper. Na rua vi novos outdoors e revi os velhos amigos do
footing. Um deles comunicou-me a aquisição de uma nova maison, com
quatro suítes, e até convidou-me para o open house. Marcamos inclusive um
happy hour.
Tomaríamos um drink, um scotch, de preferência on the roccks. O barman,
muito chic, parecia um lord inglês. Perguntou-me se eu conhecia o novo
point, society da cidade: o Times Square, ali no Gilberto Salomão, que fica
perto do Gaf, o La Basque e o Baby Beef, com serviço a la carte e self
service. Preferi ir ao McDonald’s para um lunch, um hamburger com milk
shake. Dali fui ao shopping center, onde vi lojas bem brasileiras, a começar
pelas Lojas Americanas, seguidas por Cat Shoes Company, Le Postiche,
Lady Lord, Lê Mask, M.Officer, Truc’s, Dimpus, Bob’s, Ellus, Arby’s,
Levi’s, Masson, ainline, Buckman, Smuggler, Brummel, La Lente, Body for
Sure, Mister Cat, Hugo Boss, Zoomp, Sport Center, Free Corner e
Brooksfield. Sem muito money, comprei pouco: uma sweater para mim e um
berloque para a minha esposa.Voltei para casa ou, aliás, para o flat,
pensando no day after, o que fazer?Dei boa nota ao meu chofer, que, com
muito fair play, respondeu-me: Good night.Senhoras e senhores, muito
obrigado, ou, se preferirem, thank you very much!”.
A armadilha não é o uso da língua estrangeira, mas o desejo de exibi-la sem
tradução. De mostrar o galicismo como inovação ( que não é)... E , às vezes,
cometem crimes contra a língua estrangeira , também. Curitiba tem a “Casa di
Frango” (sic) – que não é nada, nem em português, nem em italiano. Ou ainda
o “Ristorante La Bifa”, na avenida das Torres, que, se fosse para traduzir do
italiano, não seria o restaurante de bifes que vende, mas sim, o restaurante da
Bofetada ( Bifa em italiano é bofetada)...
Há um sentimento de supremacia social, de supremacia de uma classe sobre a
outra, quando se anuncia 25% off, ou Sale!!!, ou Sold Out!!!
Isto fica pior quando esconde artimanhas econômicas, os open markets,
over-nights, ou ainda – dinheiro posto fora do país – pelas agências de
offshore.
Lembro aqui uma passagem do profeta Isaías, se não me engano, bíblico
episódio onde os eunucos de um iníquo rei de Judá falavam em língua
estrangeira com os eunucos de um rei filisteu , no momento da rendição de
Jerusalém, para que “ o povo não entenda que estamos entregando a cidade e
as suas riquezas...”
Depois de tantos abusos chegamos, no Paraná recente, à peculiaridade de
uma Lei Estadual que obriga a tradução para o português de textos em inglês e
outras línguas estrangeiras. Peculiaridade realçada pela sentença de um douto
juiz do TJ do Pr que suspendeu a lei, proibindo a tradução para o português.
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O povo reage. Corresponde ao modismo galicista chamando seus filhos com
nomes estranhos. Já conheço crianças na Grande Curitiba batizadas como
“maicóls” ( de Michel!) “daianes” ( de Dyanna !!)e até uma incrível
Madeinusa ( de Made in Usa!!!) , a etiqueta tranformada em nome.
Só nos resta pedir liberdade com correção.
O português do Brasil e do mundo, desde Portugal até o Timor, precisa
sobreviver ao lap top. Com cheiro de fumo, café, açúcar queimado, pimenta e
dendê. Em fraternal dissonância com o léxico pigarreado e escolástico de além
mar. Não precisamos apenas falar inglês. Podemos manter, apesar dos Palocci
e Meirelles, a magna língua portuguesa. Os hispanos, nos Estados Unidos, já
são a segunda língua. E o império espanhol, nos séculos 19 e 20, foi
conquistado nas Filipinas, no México, em Porto Rico, pelos norte-americanos.
O conquistado, às vezes, pode conquistar o conquistador. Como aconteceu
com o grego e o latim. Com o vulgar e o românico.
O que vale é ser a vida, arte do encontro.
O que vale é serem as línguas também arte e também encontro.
Ensinem Português, a grande língua do Brasil, de Portugal, de Angola e
Moçambique, de São Tomé e Príncipe, de Goa, Damão e Diu, e da longínqua
Macau. Onde, aliás, os chineses estão a considerar o Português como “língua
de negócios com o Ocidente”.
Nossa Pátria também é a magna Língua Portuguesa.
Última expressão da nossa romanidade tardia, o adorável Português do
Brasil, cheio de sol, com nomes de África, do Japão, e, porque não, do mundo
inteiro?
Palestra proferida pelo então Ministro Rafael Greca de Macedo, em 14 de março de 2000,
por ocasião do Seminário “Idioma e Soberania/ Nossa Língua, Nossa Pátria”.
E em Curitiba, no Congresso “A Língua Portuguesa como Patrimônio Cultural”,
promoção do Sistema Dom Bosco de Ensino, no hotel “Blue Tree Towers”(sic.)
“Hotel Torres da Árvore Azul”, aos 30 dias de setembro de 2005.
Na sessão da Academia Paranaense de Letras , de 26 de agosto de 2009. A atual versão
já envolve episódios de 2009, como é o caso da lei que obriga a tradução para o
português de expressões estrangeiras.

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