Untitled - Razón y Raíz

Transcrição

Untitled - Razón y Raíz
1
Marcelo Teixeira
A caminho do vulcão
Camino al volcán
Ilustrações / Ilustraciones
Terumi Moriyama
Prefácio / Prefacio
Urbano Tavares Rodrigues
2
A caminho do vulcão / Camino al volcán
DR © 2009, Marcelo Teixeira y Terumi Moriyama
DR para esta edición © 2009
Editorial La Rana del Sur y Edições Porta do Cavalo
Julio de 2009. Se tiraron 1,000 ejemplares
Julho de 2009. Edição de 1.000 exemplares
Primera edición, Cuernavaca, Morelos, México: 2009
ISBN: 978-970-9792-09-6
Ilustraciones / Ilustrações: Terumi Moriyama
Ilustración de portada / Ilustração da capa: Terumi Moriyama
Traducción al español: Antonio Sarabia
Portada / Capa: Alejandro Aranda
Todos los derechos reservados, incluida la reproducción en cualquier forma
Todos os direitos reservados, incluindo a reprodução sob qualquer forma
Impreso y hecho en México
Impresso e fabricado no México
3
Conteúdo
Contenido
Malcolm Lowry na Lisboa de Fernando Pessoa..............5
A caminho do vulcão...........................................................7
Malcolm Lowry en la Lisboa de Fernando Pessoa........35
Camino al volcán................................................................37
4
Malcolm Lowry
na Lisboa
de Fernando Pessoa
A
mistura de rigor e fantasia dá a esta curta narrativa, escrita com invulgar talento, uma originalidade
envolvente, que nos leva a lê-la de um fôlego.
Marcelo Teixeira estudou previamente os acontecimentos marcantes do dia em que o navio britânico Strathaird passou por Lisboa —a feira do livro no Rossio,
o interesse dos jornais e do povinho pelo aparecimento
do monstro de Loch Ness, na Escócia, e outros factos
5
mais anódinos— para neles reunir, nesse dia em que o
escritor Malcolm Lowry esteve em Lisboa, o Álvaro de
Campos, o engenheiro naval com estágio em Glasgow e
o futuro autor de Debaixo do vulcão, obra-prima da literatura mundial.
A longa peregrinação de Álvaro e Malcolm por bares e
tabernas dessa Lisboa dos anos trinta, as considerações
do primeiro sobre Portugal e o mundo, sobre a liberdade,
de que o país estava privado, e até sobre o amor, quando
Malcolm puxa o assunto, a identificação, já quase no final, de Álvaro de Campos e Fernando Pessoa, tudo isso
é perfeito e fascinante.
Marcelo Teixeira revela uma agilidade literária e uma segurança no diálogo que lhe abrem caminho, se assim o
desejar, a outros voos no domínio da ficção.
Este seu A caminho do vulcão é, na sua complexidade e
riqueza, um texto absoluto que espero o público confirme, tanto em Portugal como no México, onde também
será divulgado e de onde é natural a subtil ilustradora,
Terumi Moriyama.
Um livro que seduz e não se esquece mais.
Urbano Tavares Rodrigues
Escritor, membro da Academia de Ciências de Lisboa
e da Academia Brasileira de Letras
6
A caminho do vulcão
7
A
M. N.
8
D
esceu as escadas do navio. Cumpriu sem entusiasmo as formalidades da alfândega e atravessou uma praça onde se perfilavam já carros americanos, camionetas
transportavam barris de vinho, bacalhau seco e carnes
diversas, burros puxavam, serenos, carroças de frutas e
hortaliças. Aguadeiros cruzavam a rua, amoladores de
facas e tesouras anunciavam a passagem, os engraxadores aproveitavam para dormitar um pouco mais, mulheres equilibravam na cabeça trouxas de roupa lavada.
Ignorou o bulício que o rodeava para procurar refúgio
no anonimato da cidade. Abandonou-se em bairros
sombrios, ruas escondidas, becos de suspeita fé, cruzando-se com gente de ar humilde, rudeza de gestos e olhar
furtivo, evitando a roupa que pendia das sacadas ou as
crianças descalças que lhe estendiam a mão. Por vezes
detinha-se à porta de uma carvoaria, comeu algo numa
casa de pasto, espreitava um pátio envelhecido, mas
logo seguia por uma travessa mais esconsa, espantando
cães e gatos ou percebendo nos gemidos de uma janela a
respiração imoderada de corpos em plena entrega.
9
Agora, parara à porta de uma taberna. Levantou a cabeça, dirigiu o olhar para o interior. Entrou. A dispersão
do fumo obedecia ao remanso da voz que saía de uma
remota telefonia em cima de uma barrica.
Os beijos são como as rosas
Têm espinhos e perfume…
Assentando o corpo em velhos bancos de madeira, homens jogavam às cartas em silêncio, cigarro ao canto dos
lábios, boina elevada, limpando o suor da testa os que a
sorte parecia abandonar. Noutra mesa, duas mulheres
trocavam palavras, contendo o riso; uma terceira apoiava a cabeça nos braços dobrados sobre a mesa.
10
As pétalas nascem da alma…
E os espinhos do ciúme…
Encostado ao balcão, um homem de maneiras polidas.
Óculos redondos, laço sob o bigode curto, copo numa
mão, um cigarro ardendo na outra. Ao fundo, as prateleiras cediam aos anos, alinhando por assombro garrafas
escurecidas; nas paredes, cartazes desfaziam-se abandonados, descobrindo azulejos resistentes a longas noites
de fumo e ebriedade.
Foi directo ao balcão. O cliente solitário olhou-o, inclinou-se um pouco, respeitosamente, antes de levar o copo
aos lábios. Do outro lado, ouviu-se:
—Bom dia, cavalheiro. O que vai desejar?
Hesitou na resposta, as mesmas dificuldades por que
passara de manhã, não compreendera uma só palavra.
—Vino —arriscou.
O empregado ajeito o pano sobre um dos ombros, pegou
num copo de vidro.
—Assim está bem, cavalheiro?
—Yes.
—O homem de bigode aproximou-se.
—Can I help you?
—Obrigado, creio que o empregado já entendeu.
11
—Parece que sim… Em qualquer bar se entra para beber —sorriu—. É inglês?
—Sim, sou. E o senhor?
—Português.
—Ah, fala muito bem inglês.
—Estive alguns anos em Glasgow.
—Eu sou de Chestershire, no Noroeste.
Elevou o copo na direcção do português.
—Chamo-me Malcolm.
—Álvaro. Cheers!
—Cheers!
Bebeu tudo de uma vez e largou o copo com ímpeto na
pedra do balcão, sobressaltando o português, calando as
mulheres. Os jogadores olharam de viés, aproximou-se
o taberneiro. Limpou a boca com a manga da camisa,
perguntou:
—O que fazia na Escócia, senhor Álvaro? Foi visitar o
habitante do Ness?
—O habitante do Ness?
—Não lê jornais? Há algumas semanas apareceu um
monstro num lago. Coitados, os escoceses devem estar
mortos de medo… —disse, soltando uma gargalhada.
12
—Estudei Engenharia Naval.
—Ah, sim?! Vasco da Gama não deixou descendentes,
senhor Álvaro?
O português não fez o mínimo esforço para sorrir. Sentiu
o desconforto da chalaça, arrependia-se de ter iniciado
conversa com aquele rapaz. Olhou para o dono da taberna. Malcolm apercebeu-se do embaraço.
—Peço-lhe o favor de me desculpar se fui indelicado.
Baixou o olhar por um momento. Retomou a conversa:
—Eu sou escritor. Escrevi um romance… Foi publicado
há alguns dias…
—Felicito-o sinceramente —disse Álvaro, apaziguador—. Como se chama?
—Malcolm, já lhe disse.
—Referia-me ao romance…
—Ah… Ultramarina… É a história de um rapaz que faz
a sua primeira viagem e que tem de se afirmar no mundo da marujada. É uma iniciação muito dolorosa, senhor
Álvaro.
—Acredito que sim. Presto-lhe a minha homenagem
pela sua ousadia em escrever sobre isso.
—Há alguns anos fiz uma grande viagem ao Oriente
num cargueiro.
13
—Isso terá ajudado a conhecer esse meio.
—Foi indispensável… Não há outra forma de entrar naquele mundo, senhor Álvaro. Ali, o novato deve obedecer cegamente a uma única regra: a de nunca se queixar,
de nunca dar parte de fraco. Se o obrigam a limpar a cozinha num dia que não lhe tocava, tem de fazê-lo; se o
obrigam a beber para ver até onde aguenta, é abrir mais
uma garrafa; se dorme no convés porque a sua cama está
ocupada, que tenha bons sonhos… Sabe, senhor Álvaro,
quando um barco levanta âncora e deixa um porto começa uma vida completamente diferente, com regras próprias e uma justiça… muito particular. E nada de fazer
queixas ao capitão, senão ainda é pior... Resistir é a única
maneira de ser aceite pelos outros.
—Vivere non est necesse…
—Velho Pompeu. Aprendi-o no porão, no meio de uma
tempestade.
—O que o levou a embarcar?
Malcolm sorriu. Fixou o companheiro, encolheu os ombros:
—O desejo de conhecer o mundo, a rebeldia da juventude… Sei lá...
—Entendo-o perfeitamente. São necessidades humanas… poeticamente legítimas.
—É verdade… Mas o mar não é para poetas, senhor Álvaro.
14
Ficaram em silêncio por momentos.
—Pode pedir-me uma aguardente, por favor?
—É para já, meu capitão —disse Álvaro, sorrindo.
Pediu duas. Ficaram em silêncio a observar o dono da taberna encher dois copos estreitos. Beberam um pouco.
—O que o trouxe a Lisboa, senhor Malcolm?
—Estou de passagem, a caminho de casa. Cheguei há
pouco de Gibraltar. Está embarcado, senhor Álvaro?
15
—Não, não… Sou correspondente comercial.
Malcolm olhou-o, inquisitivo. Álvaro atalhou a pergunta.
—É uma longa história —Levantou o copo—. Aos encontros fortuitos!
O inglês imitou-o, bebeu o resto da aguardente. Fez um
gesto ao homem que os olhava do outro lado do balcão
e pediu outra.
—Bebe sempre assim, senhor Malcolm?
A bebida traz utilidade aos sonhos, concede destemor…
—Porque bebo, senhor Álvaro?
Comprimiu os lábios, o seu olhar entristeceu. Tirou de
um bolso do casaco uma carta. Abriu-a, estendeu-a ao
português juntamente com uma fotografia. Uma rapariga, vinte e poucos anos, cabelos compridos, sorriso em
cima de um vestido de chiffon. Era bonita.
—Talvez esteja a habituar-me à solidão…
—Não devia, meu amigo. É muito novo para isso.
Álvaro devolveu-lhe a fotografia.
—Quantos anos tem, senhor Malcolm?
—Ainda é cedo para saber, meu caro. Dir-lhe-ei mais
adiante.
16
Mas não disse. Espalhou algumas moedas na pedra do
balcão e saiu bruscamente enquanto o patrão arrumava
no passeio umas mesas para o almoço.
***
Subiu e desceu avenidas importantes, ruas sem nome.
Em todos os lugares tentou fugir da recordação, libertarse da dor, das mágoas, deixar as feridas, os demónios,
deixar Granada… Atravessou praças, percorreu jardins,
sombra que não foge do passado mas de si própria. Sombra de uma Granada devastada…
Maldita cidade, maldita pensão Carmona…
—Morra Carmona! —ouviu-se de uma das janelas.
Parou, sobressaltado. Percorreu com os olhos portas e
janelas, todos os recantos, a rua emudecera. Ao fundo,
um homem aproximava-se.
—Não foi em vão que brindámos aos encontros fortuitos —disse Álvaro.
—Eu não teria tanta certeza, meu caro. Nada acontece
por acaso.
—Tem razão. Digamos, então, que apenas antecipámos
os festejos.
Começaram a andar em silêncio.
—Quem é Carmona, senhor Álvaro?
17
—O nosso presidente. Ninguém que valha a pena conhecer, meu amigo.
Um cartaz numa parede tentava seduzir quem passava.
Pararam.
—Já tinha visto um olhar assim?
—É medonho… Espero nunca ver este homem —disse Malcolm, sem retirar os olhos do cartaz—. Já viu o
filme?
—Ainda não. É sonoro, na Alemanha não se fala noutra
coisa.
18
Continuaram. Passeavam sem urgência, descobrindo a
cada instante uma proximidade aprazível. Malcolm ia
observando os edifícios que ladeavam a rua. Lugares
de comércio miúdo, pequenos palacetes de inspiração
árabe, casas de espectáculos, teatros, bares. Uma igreja
aparecia agora.
—Bonito edifício…
—É verdade, mas vai preferir este. Também acolhe as
almas e o padre não é o único a beber —disse Álvaro a
sorrir, enquanto a sua mão empurrava o braço do inglês
na direcção de um bar.
Álvaro pediu duas bebidas. O empregado pousou os copos no pequeno balcão de madeira.
—O senhor é meu convidado.
—Com a condição de retribuir depois.
—Combinado... —disse, levantando o copo.
—A que brindamos, senhor Álvaro?
—À harmonia do universo?
—Parece-me bem.
—À harmonia do universo!
—À harmonia do universo!
Beberam tudo de uma vez. Malcolm ergueu o copo vazio
na direcção do empregado.
19
—Apesar de os tempos estarem em desarmonia —disse
Álvaro.
—É verdade, meu amigo, mas em nenhuma época estiveram completamente pacificados.
—Pois não. E estas guerras… A China e o Japão, a Bolívia
e o Paraguai... Olhe, salva-se o México, que vai estabelecer outra vez relações diplomáticas com o Peru e com a
Venezuela.
—Já é um passo na harmonia do universo —disse o inglês, a sorrir.
—Sim… E deveria servir de exemplo, senhor Malcolm.
—Então um brinde ao México.
—Ao México!
—Ao México!
Um cliente olhou-os de lado, desejou-lhes as boas-noites
e saiu.
—Deixe-me oferecer-lhe mais uma bebida, senhor Álvaro.
—Seria indelicado recusar.
Malcolm encostou-se à parede. Passou as costas da mão
pelos lábios; com a outra, mostrou dois dedos ao empregado e pediu a bebida que dava fama à casa.
20
—Que bebida maravilhosa. É uma especialidade portuguesa?
—De Lisboa.
—Não está certo. Deveria ser nacional.
—Universal…
—Como contributo para a harmonia —disse Malcolm,
a rir.
—E contribuiria bastante… —acrescentou Álvaro.
—A todas as bebidas que contribuem para a harmonia
universal! —disse Malcolm, entornando um pouco de
licor.
—A todas! —concordou o português.
Pousaram os copos vazios.
—Mais uma, senhor Malcolm? A última. Para o caminho.
—La del estribo, como dizem os mexicanos.
—Faz-nos falta um cavalo…
—Vamos ao México comprá-lo, senhor Álvaro.
Entregou um copo ao inglês.
—Vamos ao México... – insistiu Lowry.
21
—Farei tudo para lá estar. Falo a sério.
—Eu também. Quando é que vamos? No próximo ano?
—Ou dentro de dois anos? Três, três anos está bem…
—Daqui a três anos lá estarei à sua espera.
—Dou-lhe a minha palavra de que tudo farei para lá estar. Havemos de vingar Zapata. Ao México!
—Outra vez, senhor Álvaro? A Emiliano Zapata!
—Viva Zapata!
22
Esvaziaram de novo os copos.
—Em que dia nos encontramos no México?
—Ora, senhor Malcolm, qualquer dia serve para os amigos se encontrarem. Até o Dia dos Mortos…
—Acho que deviam ir andando —ouviu-se de forma
pouco amigável do outro lado do balcão—. O barco para
o México não tarda muito a sair e ainda correm o risco de
o perder e de apanhar o que vai para o Aljube.
***
O dia arrefecera, começava a desaparecer. Caminharam
de maneira vagarosa. Cruzaram a rua, passando entre
alguns táxis parados à frente do Teatro Nacional. Do outro lado, um ajuntamento de pessoas trazia alguma animação à praça do Rossio.
—Parece ser dia de festa.
—É uma feira do livro; começou hoje.
Dezenas de pequenas barracas alinhavam-se à volta do
lago. Todas expunham livros, revistas, panfletos, vasta
literatura, para todos os gostos, de todos os formatos, ao
alcance de qualquer aforro, anunciando instantes de farto prazer, afiançando horas de distracção, prometendo
mudar a vida. Álvaro e Malcolm misturaram-se com as
pessoas que paravam, pegavam num livro, devolviamno, avançavam alguns passos, tornavam a parar olhando
nova oferta, voltavam a seguir…
23
—Espero ter o prazer de um dia ver aqui o seu livro,
senhor Malcolm.
—Espero ter o prazer de lho oferecer antes disso.
—Muito obrigado. Tentarei não o defraudar como leitor.
O jovem inglês observava com atenção todas as bancadas. Ensaiou a intimidade com alguns escritores, a maior
parte dos nomes nada lhe dizia. Eça de Queiroz, Maurice
Renard, Reinaldo Ferreira… De vez em quando, Álvaro
apontava um livro, pegava noutro, contava-lhe a história, falava-lhe do autor, continuavam sem pressas.
24
Anoitecera completamente. Levantaram a gola do casaco, atravessaram a praça, desapareceram pela Rua da
Prata. Aos poucos, a cidade perdia vida.
—Por que razão escreve, senhor Malcolm?
Não respondeu imediatamente.
—Nunca pensei nisso a sério. Talvez acredite que a literatura nos torna melhores.
—Pode ser, pode ser... Mas não acha que a literatura
pode ser também uma forma de negar a vida?
—Porque inventa uma vida paralela?
—Finge a vida. E fingindo-a não faz mais do que negála…
—Mas isso aconteceria também, por exemplo, com a
música.
—A música é uma interpretação da vida; a literatura é
uma forma de sonharmos.
—Eu diria que reinventa a vida. E reinventando-a pode
humanizar-nos…
—Não nos tornaria melhores também a pintura, senhor
Malcolm? Haveria por isso menos gente a pedir nas
ruas? Ou mais civilidade no vapor para o Porto se fosse
instalada uma grafonola no comboio? Poderia dar-lhe
mil respostas, todas diferentes umas das outras, todas
inconclusivas.
25
De repente, Álvaro parou, levantou o braço esquerdo,
indicador esticado:
—É aquele o meu navio —disse, apontando para uma
janela do primeiro andar—. Há dez anos.
Procurou umas chaves nos bolsos.
—Espere um minuto, por favor.
Malcolm viu o português desaparecer por uma porta.
Retirou um pacote da algibeira, enrolou um cigarro. A
rua estava deserta. Ao longe, demorado, um carro eléctrico começava a nascer. Observou a montra de uma loja
com aparente desinteresse, carimbos, placas metálicas
com palavras desconhecidas, pequenas bandeiras, medalhas, troféus, a glória a um passo de distância. Levou
o cigarro à boca, ajudava a medir a demora de Álvaro.
O eléctrico aproximava-se agora, engrandecia, despertando ruidosamente a noite. Deu alguns passos, numa
vitrina raparigas de fingimento aconselhavam a roupa
desse Verão.
Mas a noite não traz apenas bons conselhos. Com ela
surgem também os fantasmas que o dia esconde da memória, o passado encoberto em desafectos, a esperança
asfixiada em surdina. Com ela regressam os passeios
pela tarde nas margens do rio Genil, as metáforas renovadas de desejo, os murmúrios aflitos debaixo de choupos e salgueiros, um corpo a implorar sol.
Janine, não creias nos prenúncios de uma cigana. Não creias,
meu amor… a ventura está nas caminhadas pelos labirintos
de Albaicín, nos gestos incompletos dos jardins de Alhambra,
na sombra das laranjeiras, no nosso éden…
26
Amaldiçoada cidade onde as bocas se perderam em roteiros de silêncios, na incapacidade temerosa de uma
palavra.
Janine…
O som de uns passos apressados roubou-lhe a voz da
memória compungida. Um grupo de soldados cruzou a
rua, afirmando as sombras na luminescência das linhas
dos eléctricos. Pisou o cigarro, olhou para o primeiro andar do edifício, as luzes estavam já caladas.
—Desculpe estes minutos, meu caro.
Álvaro estendeu-lhe a mão, tinha um livro.
—É para si. Com muito prazer.
27
Malcolm aceitou o livro, pousou o olhar na capa, leu o
título: English Poems.
—Agradeço-lhe, muito reconhecido. É seu amigo este
Fernando Pessoa?
—Sim, há muito tempo.
Recomeçaram a andar em silêncio. Numa esquina, alguns guardas olharam-nos, acompanharam-lhes os passos. A noite emudecia no amarelo inseguro que nascia
dos candeeiros.
—Este país parece estar a preparar-se para uma guerra;
só se vêem militares nas ruas, senhor Álvaro…
—Há muita gente descontente, senhor Malcolm. Anteontem, o Governo comemorou cinco anos, fizeram
uma grande festa no Coliseu, mas numa cidade do
Norte houve confrontos. Há poucos dias explodiu um
depósito de munições da Marinha. Não se sabe se foi
acidente ou atentado… Há muita gente que não gosta
deste Governo.
—O senhor gosta?
—Penso que temos de ser governados, é inevitável nas
sociedades humanas. Um presidente ou um rei, aqui ou
em Inglaterra, precisamos de um dirigente, alguém responsável pela manutenção da ordem, pela aplicação das
leis, alguém que proporcione bem-estar às pessoas, que
lhes permita sonhar...
—Que as iluda…
28
—Que as iluda, é verdade. O pior é que se acabou a liberdade neste país, senhor Malcolm. Num país de analfabetos, até para editar um livro é preciso autorização.
—Faz parte do exercício do poder. E sabe que nenhum
poder gosta de ser afrontado.
—É evidente que não gosta. Mas aqui deram-se ao despudor de o decretar, foi aprovado há pouco tempo. Primeiro mudaram a Constituição, depois estabelecem a
censura. Não sei o que virá a seguir…
Caminhantes surgiam aos poucos de pequenas ruas laterais. Aqui e ali, silhuetas apressadas emergiam, um pequeno grupo, outro maior, a noite renascia.
—Acabou a sessão no antigo República. Qualquer dia é
a República que se acaba…
—Não seja pessimista, meu caro… Tem saudades de outros tempos?
—Não falo da Monarquia, meu amigo. Nem é o facto de
esta gente ser ou não monárquica, é a sua natureza... Eu
simpatizo com a Monarquia, confesso, mas garanto-lhe
que isto não tem nada a ver com essa inclinação. A verdade é que este país retrocede, meu caro.
Malcolm tirou do bolso do colete um relógio.
—O que não retrocede é o tempo, senhor Álvaro. Tenho
de ir andando, o barco não tarda a sair. Agradeço-lhe tão
amável companhia. Espero poder retribuir-lha um dia.
—Foi um grato prazer, meu querido amigo.
29
Apertaram calorosamente as mãos.
—Permita-me que lhe chame um táxi.
Do outro lado da rua, junto a um café, um carro aguardava.
—Hei, senhor Juca!
O taxista rodou a cabeça e saiu para abrir a porta; Malcolm aproximou-se. De repente deteve-se, acercou-se de
novo.
—Ama alguém, senhor Álvaro?
Os olhos do amigo fixaram-no.
Amo-a, Ofélia? Recordo-a para além de vê-la entrar no
escritório, bom dia senhor Mário, bom dia senhor Fernando,
destapar a máquina de escrever, recolher fichas, acudir ao
telefone…
A mão acariciou o bigode...
…ordenar livros, organizar arquivos, telegramas ditados, a
letra miúda, as cartas perfumadas, os fins de tarde a olhar o
Tejo... O que guardo de si, Ofélia?
—Ama alguém? —insistiu.
—Não se pode viver sem amar.
—É uma bonita frase.
—É sua, use-a no próximo romance.
30
—Não sabemos o que o amanhã trará…
Sorriram ambos. Malcolm entrou no táxi, acenou com
a mão. Álvaro ficou a ver o carro desaparecer pela rua
abaixo. A noite ficou mais escura de repente.
***
Um demorado rugido acordou Lisboa. Sereno, ondulando suavemente sobre um mar de calmaria, o Strathaird
ia deixando a cidade para trás. As águas submetiam-se
com facilidade à passagem do navio, das suas chaminés
libertava-se um fumo que adensava as nuvens e logo
enegrecia o céu.
31
Na amurada do paquete, Malcolm fumava um cigarro
e observava a costa que mansamente ia desaparecendo
—Coberta por noite indefinível, Lisboa não era agora
mais do que uma difusa mancha de casario. Tinha nas
mãos o livro que o amigo lhe oferecera e, folheando-o,
viu com surpresa que lhe estava dedicado.
A Malcolm,
Amante das letras e dos mistérios do mundo.
Porque não se pode viver sem amar.
Com o afecto sincero do seu
Fernando Pessoa
Não sabemos o que o amanhã trará… pensou Malcolm Lowry. E sorriu.
FIM
32
33
GOSTA DESTE CONTO?
CONSERVE-O, DELE SE IMPRIMIRAM
APENAS 1.000 EXEMPLARES
34
Malcolm Lowry
en la Lisboa
de Fernando Pessoa
L
a combinación de rigor y fantasía confieren a este
breve relato, escrito con un talento poco común, una envolvente originalidad que nos empuja a leerlo, sin pausa, hasta el final.
Marcelo Teixeira estudió previamente los acontecimientos más importantes del día en que el navío británico
Strathaird pasó por Lisboa —la feria del libro en Rossio,
el interés de los diarios y del hombre de la calle por la
35
aparición del monstruo de Loch Ness en Escocia, y otros
sucesos más triviales— para con ellos reunir, el día en
que el escritor Malcolm Lowry puso pie en Lisboa, a Álvaro de Campos, ingeniero naval con estudios en Glasgow, y al futuro autor de Bajo el Volcán, obra maestra de
la literatura mundial.
La larga peregrinación de Álvaro y Malcolm por los bares y tabernas de la Lisboa de los años treinta, las consideraciones del primero sobre Portugal y el mundo, o
sobre la libertad de la que carecía el país, y hasta sobre el
amor cuando Malcolm menciona el asunto, la identificación, ya casi al final, de Álvaro de Campos con Fernando
Pessoa, todo es perfecto y fascinante.
Marcelo Teixeira revela una agilidad literaria y una seguridad en los diálogos que le abren camino, si así lo
deseara, a otras aventuras en el dominio de la ficción.
Este su Camino al Volcán es, por su complejidad y riqueza, un éxito absoluto como espero corroborará el público
tanto en Portugal como en México, donde también será
divulgado y de donde es originaria la magistral ilustradora Terumi Moriyama.
Un libro que seduce y que ya nunca se olvida.
Urbano Tavares Rodrigues
Escritor, miembro de la Academia de Ciencias de Lisboa
y de la Academia Brasileira de Letras.
36
Camino al volcán
37
A
M. N.
38
D
escendió la pasarela del barco. Se sometió con desgano a las formalidades aduaneras y luego no se detuvo
en la plaza por donde circulaban ya carros americanos,
camionetas con barricas de vino, bacalao seco, y carnes
diversas, mezclados con algunos burros tirando con
mansa resignación carretas de frutas y hortalizas. Los
aguadores recorrían la calle junto a los afiladores de cuchillos y tijeras que se anunciaban al pasar. Los limpiabotas sin clientes aprovechaban el momento para dormitar un poco más, unas mujeres equilibraban sobre sus
cabezas canastas de ropa lavada.
Ignoró el bullicio que le rodeaba para hundirse sin pérdida de tiempo en el anonimato de la ciudad. Se alejó
por barrios sombríos y calles apartadas de esquinas
inciertas, cruzándose con gente menesterosa, arisca de
gestos y mirada furtiva, sorteando ropa pendiente de
barandas y niños descalzos que le tendían una mano al
pasar. Se demoró ante las puertas de una carbonería, a
espiar un patio ruinoso, y a desayunar cualquier cosa en
un humilde figón, para luego proseguir su camino por
una callejuela que le pareció aún más escondida que las
39
otras, ahuyentando perros y gatos famélicos o percibiendo, tras los gemidos de una ventana, la desacompasada
respiración de dos cuerpos enardecidos.
Se detuvo en el umbral de una taberna y alzó la cabeza
para lanzar una mirada al interior. Entró. La dispersión del humo se diría obedecer a un remanso de voz
procedente de un aparato de radio arrinconado sobre
una barrica.
Los besos son como rosas
tienen espina y perfume…
Sentados en viejos bancos de madera, el cigarro en la
comisura de los labios, la boina levantada, varios hombres jugaban a la baraja en silencio. Aquellos a quienes
la suerte parecía abandonar se limpiaban el sudor de la
frente. Más allá dos mujeres intercambiaban palabras
alegremente conteniendo la risa; una tercera apoyaba la
cabeza en sus brazos doblados sobre la mesa.
Los pétalos nacen del alma…
las espinas de los celos…
Un hombre de ademanes comedidos, bigote muy corto,
anteojos redondos, corbata de lazo, la copa en una mano
y el cigarrillo encendido en la otra, se apoyaba en la barra. Del otro lado, las repisas alineaban una oscura población de botellas resistentes al paso del tiempo. En las paredes se deshacían carteles añosos descubriendo azulejos
inmunes a las repetidas noches de humo y ebriedad.
Fue directo a la barra. El cliente solitario lo miró y se
inclinó un poco, con atento respeto, antes de llevarse la
copa a los labios. Tras el mostrador escuchó:
40
—Buenos días, caballero, ¿qué desea tomar?
Titubeó al responder. El mismo problema que durante
su desayuno en el figón: no comprendía una sola palabra.
—Vino —aventuró.
El empleado se echó la servilleta al hombro y acercó una
copa de vidrio.
—¿Está bien así, caballero?
—Yes.
41
El hombre del bigote se aproximó.
—Can I help you?
—Muchas gracias, creo que el empleado entendió.
—Parece que sí… de todas formas a los bares se entra a
beber —sonrió—. ¿Es usted inglés?
—Sí, ¿y usted?
—Portugués.
—Ah, habla muy bien el inglés.
—Estuve algunos años en Glasgow.
—Yo soy de Chestershire, al noroeste.
Levantó su copa en dirección del portugués.
—Me llamo Malcolm.
—Álvaro. ¡Salud!
—¡Salud!
Bebió todo de golpe antes de estampar su copa con estrépito sobre la lisa piedra del mostrador, sobresaltando al
portugués y callando a las mujeres. Los jugadores le miraron de través mientras se aproximaba el tabernero. Él
se limpió la boca con la manga de la camisa y preguntó:
—¿Y que fue a hacer en Escocia, señor Álvaro? ¿Visitar al
inquilino del Ness?
42
—¿Al inquilino del Ness?…
—¿No lee los periódicos? Hace algunas semanas apareció un monstruo en el lago. Pobrecillos escoceses, deben
de estar muertos de miedo… —añadió soltando una
carcajada.
—Estudié ingeniería naval.
—¿Ah, sí? ¿Vasco de Gama no dejó descendientes, señor
Álvaro?
El portugués no hizo el menor esfuerzo por sonreír. Le
mortificaba la burla. Deploró haber iniciado la charla
con aquel joven. Se volvió a mirar al dueño de la taberna.
Malcolm advirtió su embarazo.
—Por favor, discúlpeme esta falta de delicadeza.
Bajó la vista un momento. Luego retomó el diálogo:
—Soy escritor. Escribí una novela… Fue publicada hace
unos días…
—Lo felicito de todo corazón —dijo Álvaro, apaciguador—. ¿Cómo se llama?
—Malcolm, como le dije.
—Me refería a la novela…
—Ah… Ultramarina… es la historia de un joven que hace
su primer viaje en barco e intenta abrirse paso en el mundo de la marinería. Es una iniciación muy dolorosa, señor Álvaro.
43
—Se lo creo. Me descubro ante usted por atreverse a escribir sobre el tema.
—Hace varios años hice una larga travesía a Oriente a
bordo de un carguero.
—Le habrá ayudado el conocer el medio.
—Fue indispensable… No hay otra forma de entrar en
ese mundo, señor Álvaro. Allí, el novato debe obedecer
ciegamente una única regla: la de nunca quejarse, nunca
mostrar debilidad. Si le obligan a limpiar la cocina el día
en que no le tocaba, tiene que hacerlo; si le empujan a
beber para observar hasta qué punto aguanta, hay que
abrir otra botella; si duerme en cubierta porque su cama
está ocupada, que tenga buenos sueños… Sabe, señor
Álvaro, cuando un barco leva anclas y deja el puerto comienza una vida por completo distinta, con reglas propias y una justicia… muy particular. Y nada de quejarse
con el capitán, puede ser peor... Resistir es la única manera de que le acepten los otros.
—Vivere non est necesse…
—Viejo Pompeyo. Lo leí en la bodega, en medio de una
tempestad.
—¿Y qué le llevó a embarcar?
Malcolm sonrió. Miró a su interlocutor antes de encogerse de hombros:
—El deseo de conocer el mundo, la rebeldía juvenil…
qué sé yo...
44
—Lo entiendo muy bien. Son necesidades humanas…
poéticamente legítimas.
—Es verdad… pero el mar no es para poetas, señor Álvaro.
Los dos guardaron silencio un momento.
—¿Puede pedirme un aguardiente, por favor?
—Desde luego, mi capitán —respondió Álvaro, sonriendo.
Pidió dos. Hicieron una pausa mientras observaban al
dueño de la taberna llenar hasta el borde dos copas estrechas. Bebieron un sorbo.
—¿Qué le trajo a Lisboa, señor Malcolm?
—Estoy de pasaje, camino a casa. Llegué hace un rato de
Gibraltar. ¿Está usted en un barco, señor Álvaro?
—No, no… Soy corresponsal comercial.
Malcolm lo miró inquisitivo. Álvaro atajó su pregunta
antes de que le saliera al encuentro:
—Es una larga historia —levantó el vaso—. ¡A los encuentros fortuitos!
El inglés lo imitó bebiéndose el resto del aguardiente.
Hizo un gesto al hombre que les observaba desde el otro
lado de la barra y pidió más.
—¿Bebe así siempre, señor Malcolm?
45
La bebida da substancia a los sueños, confiere valor…
—¿Por qué bebo, amigo mío?
Apretó los labios y su mirada se entristeció. De una de
las bolsas del saco extrajo una carta. La abrió y se la extendió al portugués junto con una fotografía. Una chica
de veintitantos años, el cabello largo y la sonrisa en lo
alto de un vestido de chiffon. Era bonita.
—Tal vez empiece a habituarme a la soledad…
—No debía, meu caro. Es muy joven para eso.
Álvaro devolvió la fotografía.
—¿Cuántos años tiene, señor Malcolm?
—Todavía es pronto para saberlo, amigo. Se lo diré más
adelante.
Pero no lo dijo. Esparció algunas monedas sobre la piedra de la barra y salió abruptamente mientras el patrón
sacaba unas mesas a la acera preparando la hora del almuerzo.
***
Remontó y descendió avenidas importantes, calles sin
nombre. En todos los lugares intentaba huir del recuerdo, librarse del dolor, de la amargura, dejar heridas y
demonios, dejar Granada… Atravesó plazas, recorrió
jardines, sombra que no huía del pasado sino de sí misma. Sombra de una Granada devastada…
46
Maldita ciudad, maldita pensión Carmona…
—¡Muera Carmona! —Oyose en una ventana.
Se detuvo sobresaltado. Exploró puertas y ventanas, inspeccionó rincones, la calle estaba muda. Al fondo, un
hombre se aproximaba.
—No fue en vano que brindáramos a los encuentros fortuitos —dijo Álvaro.
—Yo no compartiría esa certeza, amigo mío. Nada sucede por casualidad.
—Tiene razón. Digamos, entonces, que apenas anticipábamos los festejos.
Comenzaron a caminar en silencio.
—¿Quién es Carmona, señor Álvaro?
—Nuestro presidente. Nadie que valga la pena conocer,
meu caro.
Un cartel fijado sobre un muro intentaba atraer a quien
pasaba. Se detuvieron.
—¿Ya había visto una mirada así?
—Es horrenda… Espero nunca ver a ese hombre —dijo
Malcolm sin retirar los ojos del cartel—. ¿Ya vio el filme?
—Todavía no. Es sonoro, en Alemania no se habla de
otra cosa.
47
Continuaron paseando sin urgencia, descubriendo a
cada instante una proximidad apacible. Malcolm iba
observando los edificios que bordeaban la calle. Locales
de comercio al menudeo, pequeños palacetes de inspiración árabe, casas de espectáculos, teatros, bares. Una
iglesia apareció frente a ellos.
—Bonito edificio…
—Es verdad, pero va a preferir éste. También acoge las
almas y el sacerdote no es el único en beber —dijo Álvaro sonriendo mientras su mano empujaba el brazo del
inglés en dirección a un bar.
48
Álvaro pidió dos bebidas. El empleado posó dos copas
pequeñas sobre la madera del mostrador.
—El señor es mi invitado.
—Con la condición de corresponderle más tarde.
—De acuerdo... —dijo levantando la copa.
—¿Por qué brindaremos, señor Álvaro?
—¿A la armonía del universo?
—Me parece bien.
—¡A la armonía del universo!
—¡A la armonía del universo!
Bebieron todo de un trago. Malcolm, mostrando su copa
vacía, hizo una nueva señal al empleado.
—A pesar de que los tiempos no están en armonía —dijo
Álvaro.
—La verdad, amigo mío, es que en ninguna época estuvieron completamente afines.
—Pues no. Y estas guerras… en China, Japón, Bolivia
y Paraguay... Mire, se salva México que va otra vez
a establecer relaciones diplomáticas con Perú y con
Venezuela.
—Ya es un paso hacia la armonía del universo —dijo el
inglés con una sonrisa.
49
—Sí… y debería servir de ejemplo, señor Malcolm.
—Entonces brindemos por México.
—¡Por México!
—¡Por México!
Un cliente los miró de través, les deseó buenas noches y
se fue.
—Déjeme ofrecerle una bebida más, señor Álvaro.
—Sería maleducado rehusar.
Malcolm se recostó contra la pared. Se pasó el dorso de
una mano por los labios y con la otra, mostrando dos
dedos al empleado, pidió la bebida que daba nombre al
lugar.
—Qué bebida maravillosa. ¿Es una especialidad portuguesa?
—De Lisboa.
—No está bien. Debería ser nacional.
—Universal…
—Como contribución a la armonía —dijo Malcolm
riendo.
—Y contribuiría bastante… —agregó Álvaro.
50
—¡Por todas las bebidas que contribuyen a la armonía
universal! —dijo Malcolm, derramando un poco de licor.
—¡Por todas! —concordó el portugués.
Dejaron las copas vacías.
—¿Una más, señor Malcolm? La última, para el camino.
—La del estribo, como dicen los mexicanos.
—Nos haría falta un caballo…
51
—Vamos a México a comprarlo, señor Álvaro.
Entregó una copa al inglés.
—Vamos a México... -insistió Lowry.
—Haré todo por ir. Hablo en serio.
—Yo también. ¿Cuándo vamos? ¿El año próximo?
—O dentro de dos años… ¿O tres? Tres años está bien…
—De aquí a tres años estaré esperándolo.
—Le doy mi palabra de que haré todo lo posible por ir.
Tenemos que vengar a Zapata. ¡Por México!
—¿Otra vez, señor Álvaro? ¡Por Emiliano Zapata!
—¡Viva Zapata!
Vaciaron de nuevo sus copas.
—¿Qué día nos encontramos en México?
—Mire, señor Malcolm, para que los amigos se encuentren cualquier día sirve. Hasta el Día de los Muertos…
—Ya es hora de que se vayan —escucharon decir en forma poco amigable del otro lado de la barra—. El barco
para México no tarda en salir. Corren el riesgo de perderlo y de agarrar el que va para la cárcel de Aljube.
52
***
La tarde refrescaba acercándose a su término. Caminaron despacio. Al cruzar la calle pasaron entre los taxis
detenidos frente al Teatro Nacional. Un poco más allá,
una gran aglomeración de personas animaba la plaza de
Rossio.
—Parece ser día de fiesta.
—Es una feria del libro; comenzó hoy.
Decenas de pequeños cobertizos se alineaban alrededor
de la fuente. Todos exponían libros, revistas, panfletos,
53
literatura para todos los gustos, de todos los formatos,
al alcance de cualquier bolsillo, anunciando instantes de
placer, horas de distracción, prometiendo transformar
la vida. Álvaro y Malcolm se mezclaron con la gente que
se detenía, tomaba un libro, lo devolvía, avanzaba unos
pasos, se paraba de nuevo a mirar otra oferta, tornaba
a seguir…
—Espero tener el gusto de encontrarme un día aquí con
su libro, señor Malcolm.
—Espero tener el gusto de ofrecérselo antes.
—Muchas gracias. Trataré de no defraudarlo como lector.
El joven inglés observaba con atención los expendios. Intentó reconocer algunos escritores. La mayor parte de los
nombres nada le decía. Eça de Queiroz, Maurice Renard,
Reinaldo Ferreira… De vez en cuando, Álvaro señalaba
un libro, cogía otro, le contaba el tema, le hablaba del
autor, avanzaban sin prisa.
Anocheció por completo. Se levantaron el cuello de las
chaquetas, atravesaron la plaza y desaparecieron por la
calle de la Plata. Poco a poco la ciudad perdía vida.
—¿Por qué razón escribe, señor Malcolm?
No respondió inmediatamente.
—Nunca pensé en eso en serio. Tal vez creo que la literatura nos hace mejores.
—Puede ser, puede ser... ¿Pero no considera que la literatura es tal vez también una forma de negar la vida?
54
—¿Porque inventa una vida paralela?
—Finge la vida. Y al fingirla no hace más que negarla…
—Pero eso acontecería también, por ejemplo, con la
música.
—La música es una interpretación de la vida; la literatura es otra forma de soñarnos.
—Yo diría que reinventa la vida. Y reinventándola podemos humanizarnos…
—¿No nos haría mejores, entonces, también la pintura,
señor Malcolm? ¿Habría por eso menos gente mendigando en las calles? ¿Sería más civilizado el vapor para
Porto si se le instalara un gramófono? Podría darle mil
respuestas, todas diferentes unas de otras, y ninguna sería concluyente.
55
De repente, Álvaro se detuvo, levantó el brazo izquierdo
estirándolo para señalar:
—Aquel es mi barco —dijo apuntando hacia una ventana del primer piso—. Desde hace diez años.
Buscó unas llaves en sus bolsillos.
—Espere un minuto, por favor.
Malcolm observó al portugués desaparecer por una
puerta. Sacó tabaco del bolso y se enrolló un cigarrillo.
La calle estaba desierta. A lo lejos, retardado, un tranvía
asomaba en la distancia. Contempló el aparador de una
tienda con desinterés: matasellos, placas metálicas con
palabras desconocidas, banderitas, medallas, trofeos, la
gloria a un paso de distancia. Se llevó el cigarrillo a la
boca, ayudaba a medir la demora de Álvaro. El tranvía
se aproximaba y, al agrandarse, despertaba ruidosamente la noche. Dio algunos pasos. En otra vitrina unos maniquíes femeninos exhibían la ropa del verano.
Pero la noche no trae buenos consejos. Con ella vienen
también los fantasmas que durante el día esconde la memoria, el pasado que encubre desafectos, la esperanza
asfixiada en sordina. Con ella regresan los paseos por la
tarde en las márgenes del río Genil, las metáforas renovadas de deseo, los murmullos afligidos bajo álamos y
sauces, un cuerpo implorando sol.
Janine, no creas los augurios de la gitana. No los creas, amor
mío… la ventura está en las caminatas por los laberintos de
Albaicín, en el aspecto incompleto de los jardines de la Alhambra, en la sombra de los naranjos, en nuestro edén…
56
Maldita ciudad donde las bocas se perdieron en derroteros de silencios, en la temerosa incapacidad de una
palabra.
Janine…
El sonido de unos pasos apresurados robó la voz a la
memoria compungida. Un grupo de soldados cruzaba la
calle, imponiendo sus sombras a la claridad de las líneas
del tranvía. Pisó su cigarrillo y miró hacia el edificio, las
luces del primer piso estaban ya apagadas.
—Disculpe estos minutos, meu caro.
Álvaro extendía el brazo con un libro en la mano.
—Es para usted. Con muchísimo gusto.
57
Malcolm aceptó el libro, se detuvo a mirar la cubierta y
leyó el título: English Poems.
—Se lo agradezco en verdad, muchas gracias. ¿Es amigo
suyo este Fernando Pessoa?
—Sí, desde hace bastante tiempo.
Recomenzaron su paseo en silencio. Al llegar a la esquina la mirada de unos guardas les acompañó varios
pasos. La noche enmudecía en el incierto amarillo que
comenzaba en los faroles.
—Este país parece estar preparando una guerra; sólo se
ven militares en la calle, señor Álvaro…
—Hay un gran descontento, señor Malcolm. Anteayer,
el gobierno conmemoró cinco años en el poder con una
gran fiesta en el Coliseo, pero en una ciudad del Norte hubo enfrentamientos. Hace pocos días explotó un
depósito de municiones de la Marina. No se sabe si fue
accidente o atentado… A mucha gente no le gusta este
gobierno.
—¿A usted le gusta?
—Creo que debemos ser gobernados, es inevitable en las
sociedades humanas. Un presidente o un rey, aquí o en
Inglaterra, es preciso tener un jefe responsable del mantenimiento del orden, de la correcta aplicación de la ley,
alguien que proporcione bienestar a las personas, que
les permita soñar...
—Que las engañe…
58
—Que las engañe, es verdad. Lo peor es que se acabó
la libertad en este país, señor Malcolm. En esta nación
de analfabetos hasta para editar un libro se necesita autorización.
—Forma parte del ejercicio del poder. Se sabe que a ningún poder le gusta ser confrontado.
—Es evidente que no les gusta. Pero aquí cometieron
la desfachatez de decretarlo. Fue autorizado hace muy
poco tiempo. Primero cambiaron la Constitución, después establecieron la censura. No sé lo que vendrá más
tarde…
Algunos caminantes surgían poco a poco de las pequeñas calles aledañas. De aquí y allá emergían siluetas
presurosas, un pequeño grupo, otro mayor salía de un
teatro.
—Acabó la función en el viejo República. Cualquier día
lo que se acaba es la república…
—No sea pesimista, amigo mío… ¿Tiene nostalgia de
otro tiempo?
—No hablo de la Monarquía, ni del hecho de que esta
gente sea o no monárquica, está en su naturaleza... Yo
simpatizo con la Monarquía, lo confieso, pero le aseguro
que esto nada tiene que ver con esa inclinación. La verdad es que este país retrocede, meu caro.
Malcolm sacó un reloj del bolsillo del chaleco.
—Lo que no retrocede es el tiempo, señor Álvaro. Tengo que irme, el barco no tarda en salir. Le agradezco
59
tan amable compañía. Espero poder retribuírsela alguna vez.
—Fue un gran placer, querido amigo.
Se apretaron las manos con calor.
—Permítame que le llame un taxi.
Del otro lado de la calle, ante un café, aguardaba un
auto.
—¡Hey, señor Juca!
El taxista tornó la cabeza y salió para abrir la puerta.
Malcolm se aproximó. De improviso se detuvo y se tornó hacia su amigo.
—¿Ama a alguien, señor Álvaro?
Su interlocutor lo miró con fijeza.
¿Amo a Ofelia? La miro entrar en la oficina, buenos días señor Mario, buenos días señor Fernando, destapar la máquina
de escribir, acomodar tarjetas, responder el teléfono…
La mano acarició el bigote...
…ordenar libros, organizar archivos, telegramas dictados, la
letra pequeña, las cartas perfumadas, los finales de la tarde
mirando el Tajo... ¿Qué atesoro de ti, Ofelia?
—¿Ama a alguien? —insistió.
—No se puede vivir sin amar.
60
—Es una bonita frase.
—Es suya, úsela en su próxima novela.
—No sabemos lo que el mañana traerá…
Ambos sonrieron. Malcolm entró en el taxi despidiéndose con una señal de la mano. Álvaro miró el auto
desaparecer calle abajo. La noche pareció más oscura
de repente.
61
***
Un demorado rugido despertó Lisboa. Sereno, ondulando suavemente sobre un mar en calma, El Strathaird
dejaba tras de sí la ciudad. Las aguas se sometían con
docilidad al paso del navío, sus chimeneas liberaban un
humo que espesaba las nubes y ennegrecía el cielo.
Apoyado en la barandilla de cubierta, Malcolm fumaba un cigarrillo mientras observaba la costa desaparecer
mansamente. Lisboa no era ya más que la difusa mancha
del caserío cubierta por la noche indefinible. Tomó el libro que su amigo le había ofrecido, al ojearlo advirtió
con sorpresa que estaba dedicado.
A Malcolm,
Amante de las letras y de los misterios del mundo.
Porque no se puede vivir sin amar.
Con el afecto sincero de
Fernando Pessoa
No sabemos lo que el mañana traerá… se dijo Malcolm
Lowry, y sonrió.
FIN
62
63
¿LE GUSTA ESTE CUENTO QUE ES SUYO?
CONSÉRVELO, SÓLO SE IMPRIMIERON
1,000 EJEMPLARES.
64
65