Gêneros textuais nos livros didáticos de Português

Transcrição

Gêneros textuais nos livros didáticos de Português
Gêneros textuais nos livros
didáticos de Português:
uma análise de manuais
do ensino fundamental
Leonor Werneck dos Santos
Organizadora
1
Leonor Werneck dos Santos
Organizadora
Gêneros textuais nos livros
didáticos de Português:
uma análise de manuais
do ensino fundamental
Rio de Janeiro
Faculdade de Letras da UFRJ
2011
2
Copyright ©2011 dos Autores
Ficha catalográfica
G326
Gêneros textuais nos livros didáticos de Português: uma
análise de manuais do ensino fundamental /
Leonor Werneck dos Santos [org.].- Rio de
Janeiro: UFRJ, 2011.
339p.
ISBN: 978-85-87043-99-3
Livro eletrônico
Modo de acesso: www.lingnet.pro.br
1. Livros didáticos - Avaliação. 2. Gêneros
textuais. 3. Língua portuguesa – Livros de leitura. I.
Santos, Leonor Werneck dos. II. Título.
CDD 371.32
3
SUMÁRIO
Apresentação
Leonor Werneck dos Santos ............................................. 06
Parte 1 - Tipologias e Gêneros textuais: questões
teóricas
Análise das tipologias textuais e sistematização de
produção e leitura nos livros didáticos
Marcia Andrade Morais .................................................... 09
Gêneros textuais nos livros didáticos: uma abordagem
téorico-metodológica
Margareth Andrade Morais .............................................. 43
Gêneros textuais nos livros didáticos: problemas do
ensino e da formação docente
Leonor Werneck dos Santos .............................................. 74
Parte 2 - Gêneros orais e ensino
Gêneros textuais orais nos livros didáticos – uma análise
metodológica
Welington de Almeida Cruz .............................................. 109
O gênero entrevista na sala de aula: uma proposta de ensino
Letícia Tupper ...................................................................
146
O gênero textual exposição oral (seminário) em dois
livros didáticos de língua portuguesa do Ensino
Fundamental
Vivian de Oliveira Quandt ................................................ 186
4
Parte 3 - Argumentação e injunção nos livros
didáticos
Gêneros instrucionais nos livros didáticos: análise e
perspectivas
Sylvia J. S. do Nascimento Fabiani ................................... 222
O gênero artigo de opinião em dois livros didáticos
Raquel Batista dos Santos ................................................. 255
Considerações sobre o gênero artigo de opinião em livros
didáticos do segundo segmento do ensino fundamental
Nubia Graciella Mendes Mothé ........................................ 291
5
Gêneros textuais nos livros didáticos de
Português: uma análise de manuais do ensino
fundamental
Leonor Werneck dos Santos1
APRESENTAÇÃO
Este livro que ora apresentamos, em formato e-book, é
composto de nove artigos elaborados como trabalho de conclusão
do curso de pós-graduação “Gêneros e sequências textuais:
perspectivas teóricas e aplicações ao ensino”, oferecido em 2010,
na Faculdade de Letras da UFRJ. O objetivo principal desta
publicação é divulgar debates teóricos que travamos durante o
curso sobre gêneros e tipologias textuais e sua aplicação ao ensino
e apresentar análise de alguns livros didáticos.
Como proposta de trabalho final para o curso, cada um dos
autores dos artigos aqui reunidos se debruçou sobre um
determinado gênero textual, discutindo segundo perspectivas
teóricas distintas e analisando-os em duas coleções de livros
didáticos para o segundo segmento do ensino fundamental
avaliadas durante o curso: Passaporte para a língua portuguesa,
de Norma Discini e Lucia Teixeira (Editora do Brasil), e Tudo é
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[email protected]
6
linguagem, de Ana Trinconi Borgatto, Terezinha Bertin e Vera
Marchezi (Editora Ática). Essas coleções foram escolhidas devido
à qualidade da abordagem teórica sobre gêneros, à bibliografia
atualizada quanto aos estudos de texto e discurso e também
devido à pluralidade de gêneros trabalhados nos volumes do 6º ao
9º anos do ensino fundamental.
Este e-book está organizado em três partes, conforme a
temática. Na Parte 1, os artigos de Marcia Morais e Margareth
Morais discutem, respectivamente, questões teóricas referentes à
abordagem das tipologias e dos gêneros textuais no ensino
fundamental, tomando como exemplo as duas coleções analisadas
pela turma do curso supracitado. Para complementar essa primeira
parte, o artigo de Leonor W. dos Santos – embora com enfoque
diverso dos demais artigos deste e-book – retoma essas mesmas
questões teóricas, exemplificando com manuais de ensino médio.
Assim, nessa primeira parte, o leitor terá um amplo panorama da
abordagem teórica em livros didáticos voltados para a educação
básica.
Na Parte 2, os três artigos questionam a maneira como os
gêneros orais são apresentados nas duas coleções analisadas:
Welington
Cruz
detém-se
a
levantar
aspectos
teórico-
metodológicos; Letícia Tupper discute o ensino do gênero
entrevista; e Vivian Quandt enfoca a exposição oral (seminário).
Em todos esses três textos, percebe-se a defesa de uma maior
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ênfase no ensino dos gêneros orais, apesar de estarmos diante de
duas coleções que já os trabalham com qualidade.
Por fim, a Parte 3 trata da abordagem de gêneros escritos,
especificamente das tipologias injuntiva e argumentativa. No
artigo de Sylvia do Nascimento Fabiani, a análise se pauta nos
gêneros da tipologia injuntiva, que ultimamente têm aparecido em
grande número nos livros didáticos. Já Raquel Batista e Nubia
Mothé ocupam-se do mesmo gênero textual – o artigo de opinião
–, contrapondo, porém, a análise das duas coleções citadas nos
demais artigos a uma nova obra: a coleção Para viver juntos, de
Ana Elisa de Arruda Penteado, Eliane Gouvêa Lousada, Greta
Marchetti, Heidi Strecker e Maria Virgínia Scopacasa (Edições
SM).
Diante dessa variedade de artigos, o leitor poderá perceber
o que vem mudando na abordagem textual, especificamente no
trato com gêneros textuais orais e escritos diversos. Esperamos,
portanto, com este e-book, colaborar para a formação continuada
dos professores e para o debate sobre o ensino de língua
portuguesa.
Profa. Dra. Leonor Werneck dos Santos
UFRJ – março de 2011
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Análise das tipologias textuais e sistematização
de produção e leitura nos livros didáticos
Marcia Andrade Morais (UFRJ)2
1. Introdução
As últimas pesquisas na área de estudo de textos apontam
para a necessidade do debate sobre a questão do gênero textual
não só no âmbito acadêmico, mas principalmente no contexto do
ensino de língua materna. De fato, não se pode negar que a
discussão sobre o trabalho com gêneros textuais apresenta,
atualmente, grande inserção no cenário escolar.
Todavia, é importante verificar de que maneira essas novas
teorias sobre texto estão sendo aplicadas nos materiais didáticos
em circulação que, por muitas vezes, lidam com essa gama de
informações novas mais como uma forma de atualizar a
abordagem do que com uma estratégia de aplicar de maneira
coerente as teorias mais recentes sobre gêneros textuais.
A discussão se expande para a análise da tipologia textual.
Durante muito tempo, esse tópico recebeu um tratamento
assistemático e confuso em muitos livros didáticos. Assim como
os gêneros textuais, o trabalho com a tipologia, muitas vezes fica a
cargo do professor que, sem amparo teórico-metodológico,
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[email protected]
9
relaciona-o ora exclusivamente a atividades de interpretação
textual ora ao uso do texto somente como um pretexto para o
ensino de tópicos gramaticais.
Nesse sentido, a presente pesquisa propõe observar em
dois livros didáticos bem atuais a forma como se dá a abordagem
da tipologia textual e como ela está atrelada às atividades de
leitura e produção textual. Os livros analisados são Passaporte
para a Língua Portuguesa, de Norma Discini e Lúcia Teixeira, e
Tudo é linguagem, de Ana Trinconi Borgato, Terezinha Bertin e
Vera Marchezi.
Para tanto, a análise considerará, sobretudo, as asserções
do Manual do Professor das duas coleções analisadas a fim de
estabelecer uma comparação entre o que é proposto e o que, de
fato, é aplicado na exposição dos conteúdos, bem como na
elaboração dos exercícios das coleções estudadas.
Como metodologia da pesquisa, este estudo pretende
apresentar as teorias recentes que versam sobre a questão da
tipologia textual, tais como Adam (1992) e Dolz & Schneuwly
(2004), a fim de verificar se as coleções utilizam estes aparatos ou
outros e, principalmente, se a teoria está aliada à prática de forma
consistente. Os autores mencionados analisam a questão da
tipologia textual sob um viés diferenciado, apresentando, em suas
obras, métodos particulares para o tratamento com a questão do
texto.
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Cumpre ressaltar que não se assume aqui que a questão da
tipologia textual seja totalmente deixada de lado pelos docentes,
mas o que se pretende apontar através do embasamento teórico é
como uma visão mais diferenciada sobre as noções de textos
contribuem para um desenvolvimento substancial das habilidades
de leitura e compreensão de textos.
Por isso, os dois materiais didáticos selecionados para
análise enquadram-se em um alto nível de qualidade, já que se
propõe verificar a maneira como se dá a utilização de uma
proposta inovadora em sala de aula em um material de excelência,
quais as dificuldades encontradas, se há algum momento em que a
teoria não se aplica e se é possível aperfeiçoar a prática,
considerando o modelo teórico utilizado.
Além disso, um dos maiores desafios de um material que
se apresenta aos educandos como uma ferramenta no desempenho
como autor / leitor de língua portuguesa é aliar a teoria utilizada à
sistematização de leitura e produção textual. Dessa forma,
procura-se, também, examinar nas coleções estudadas como se dá
a relação entre as atividades de leitura e produção propostas nos
livros e o tratamento das tipologias textuais.
Por fim, a análise pretende mostrar, nessas duas coleções
de bastante renome, o tipo de abordagem feita por cada uma no
que diz respeito à tipologia textual, considerando, principalmente,
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as relações entre o aparato teórico e as propostas de atividades de
leitura e interpretação.
2. Perfil dos livros analisados
Para esta pesquisa, foram analisadas duas coleções de
livros didáticos atuais e de
bastante aceitação no mercado de produções de materiais para
Língua Portuguesa. As coleções Tudo é Linguagem e Passaporte
para a Língua Portuguesa apresentam um conteúdo muito rico em
todos os âmbitos de análise, seja em tópicos de abordagem
gramatical, seja em questões de interpretação e produção textual.
Nos estudos de texto das últimas décadas, muito se
discutiu a respeito do ensino de língua materna no Brasil. Embora
muitos estudos já apontassem para a necessidade de uma outra
metodologia de ensino, diferente de decoreba de regras
gramaticais e uso de textos como simples motivação para o estudo
de regras gramaticais, muitos materiais ainda apostavam nessa
metodologia, até por falta de um modelo que aplicasse as novas
teorias à prática.
Na corrente de bons materiais sobre o ensino de língua, as
duas coleções analisadas propõem-se a apresentar uma visão
inovadora no que diz respeito ao trabalho com a linguagem,
mostrando que a língua é um espaço de interação e não um objeto
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estático ao qual se impõem classificações, sem espaço para uma
reflexão acerca dos mecanismos linguísticos.
Com relação à tipologia textual, cabe analisar o que se
expõe nas obras sobre esse tema, qual é a proposta de análise com
relação às tipologias, qual a teoria apresentada para embasar o
tratamento com o texto e se de fato, o que promete é feito e de que
maneira é feito, com que instrumentos.
Por isso, cumpre fazer um levantamento em cada coleção,
já que, as duas obras apresentam diferenças teórico-metodólogicas
significativas, além de um enfoque diversificado, dada a
intencionalidade de cada obra.
2.1. Tudo é linguagem
A obra em questão está incluída no Programa Nacional do
Livro Didático de 2011 (PNLD-EF/2011), programa do Governo
Federal voltado para a distribuição de livros didáticos de
qualidade às escolas de todo o Brasil. Após passarem por uma
criteriosa avaliação, os livros são distribuídos nas escolas para que
seja adotada determinada coleção nos anos subsequentes.
O livro Tudo é Linguagem foi elaborado por três
especialistas na área dos estudos linguísticos, que, além de
possuírem vasta experiência no âmbito do ensino de turmas de
nível fundamental e médio, propõem-se a ultrapassar as fronteiras
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dos muros acadêmicos aplicando as teorias sobre texto ao material
voltado para os estudantes do nível básico de ensino.
A coleção reúne exercícios que propõem uma abordagem
da linguagem como interação, em que o sentido do texto não é
considerado pronto, mas sim em construção, através das trocas
entre o sujeito produtor e o sujeito leitor, tendo em vista que o
último é não só parte integrante, como também atuante no
processo de construção de sentido.
Assim, ao observar o título da obra – Tudo é Linguagem –
pode-se perceber a perspectiva de abordagem da língua de que
partem as autoras. Ao considerar tudo que nos cerca como
linguagem, Ana Trinconi, Vera Marchezi e Terezinha Bertin
orientam o educando a ser sensível à nossa realidade, como se
tudo fosse passível de uma interpretação e de um olhar mais
curioso e perspicaz daquele que domina os instrumentos
linguísticos capazes de desenvolver no falante a competência de
se comunicar (escrita e oralmente) em qualquer circunstância.
Do 6º ao 9º anos do ensino fundamental, trabalham-se
variados gêneros textuais, com níveis de complexidade diferentes,
analisando-se a estrutura, a composição e o estilo de determinado,
características que fazem com que o texto se enquadre em um
gênero e não em outro. Na proposta dos exercícios de análise de
tópicos gramaticais, há, na maioria das vezes, uma motivação que
leva os alunos a perceber o uso de certos mecanismos linguísticos.
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Com relação ao Manual do Professor, o livro oferece um
ótimo suporte ao docente, à medida que o orienta claramente no
manejo com o texto e com os exercícios, além de apresentar a
maneira como foi relacionado aparato teórico utilizado à prática
em sala de aula.
2.2. Passaporte para a Língua Portuguesa
O primeiro aspecto a ser ressaltado com relação à coleção
elaborada pelas professoras Lúcia Teixeira e Norma Discini é o
olhar diferenciado com o qual as autoras trabalham os diversos
sentidos possíveis do texto, aqui também entendido como a
realidade que nos cerca, ou seja, não só o texto escrito, mas a
linguagem visual, a música, a dança, considerando os textos
sincréticos, que unem as diferentes linguagens.
Ainda que não seja explícito durante a obra, nem no
Manual do Professor, a teoria que as autoras utilizam para guiar a
orientação de leitura é a semiótica, o que se deve em grande parte
à formação das autoras, ambas doutoras na área de Linguística e
Semiótica.
Em linhas gerais, de acordo com a teoria semiótica,
propõe-se fazer uma análise formal do texto, estudando o conjunto
de relações que produz o significado do texto, ou seja, o que o
texto diz. Tal relação designa por si a observação da forma do
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conteúdo, considerando, sobretudo como o texto diz, já que é
através da observação formal dos elementos do texto que se chega
a conclusões sobre seu conteúdo.
Dessa forma, as autoras utilizam essas noções teóricas da
semiótica a fim de elaborar um material que perceba o texto como
um processo que une o “dentro” e o “fora”, em que não se tem um
produto, mas sim uma situação em que há um enunciado guarda
marcas de sua enunciação, sendo possível, portanto, resgatá-las
através de atividades de leitura a fim de produzir sentido(s)
possível (is) para o texto.
Então, um dos papéis do educando, nesse contexto, é o de
estabelecer-se como sujeito de um processo de interação por
intermédio da percepção de que o sentido não é dado na realidade
das coisas, mas é construído na interação na relação com o outro.
Assim, abandona-se o conceito tradicional de que há um único
caminho possível para o entendimento do texto, bem como se
rejeita a postura do docente como exclusivo receptor de
informações.
Os exercícios propostos têm como um dos principais
objetivos estimular a habilidade de os alunos reconhecerem as
marcas enunciativas, ou seja, as “pistas” deixadas pelo enunciador
com
a
finalidade
de
fazer
perceber
a
intencionalidade
comunicativa de cada texto. Nesse sentido, ao mesmo tempo em
que se compreende que não há somente um único caminho para
16
desvendar os sentidos do texto, não se assume a ideia de que “vale
tudo”, que exercícios de interpretação são respostas pessoais,
ambiente em que tudo é possível.
Reconhecer, então, que nenhum discurso é novo, que a
linguagem é uma soma de toda nossa experiência como falantes é
fundamental para entender a perspectiva dialógica da linguagem,
de onde partem as autoras. O discurso é uma captação de vozes
demarcando a instauração da imagem de um sujeito, quesito
primordial em muitas estratégias argumentativas apontadas nos
exercícios e exploradas em muitas atividades de leitura.
Com relação ao Manual do Professor, pode-se dizer que
não há um aparato metodológico aprofundado que ofereça uma
sustentação clara ao professor. Ainda que a abordagem do ensino
através de uma teoria de texto seja excelente, há muitos
educadores que não sabem lidar com a questão e necessitam de
um direcionamento – carência do Manual do Professor desta
coleção.
Em um tópico posterior, discutir-se-á com um enfoque
maior a questão da tipologia textual nas coleções trabalhadas,
relacionando-as às questões de leitura e produção textual
propostas nos livros, considerando, também, as teorias sobre texto
e discurso de Adam e Dolz & Schneuwly, explanadas a seguir.
17
3. Algumas questões teóricas sobre tipologias textuais
O trabalho com as tipologias já carrega em si uma
confusão no que diz respeito à nomenclatura utilizada. A depender
da teoria pelo qual o livro didático é fundamentado, a
nomenclatura pode variar, o que indica que, se uma mesma
coleção não for usada ao longo de toda a formação no nível
fundamental ou médio do aluno, pode haver confusão em relação
a um método ou outro estudado.
Além disso, o trabalho com tipologia, durante muito
tempo, apareceu desconectado de questões relacionadas a leitura e
compreensão do texto, já que, em muitos livros didáticos,
destinava-se somente uma seção para tratar da tipologia. Nela,
apareciam as características de cada tipo de texto, e o aluno
deveria decorar tais características apenas com a finalidade de
classificar qual texto pertencia à qual tipologia, sem nenhuma
reflexão mais aprofundada sobre o tema.
A situação se complica quando se trata do último ano do
Ensino Médio, fase em que os educandos se preparam para os
exames de vestibular. Embora algumas universidades já
apresentem propostas de produção de variados tipos de texto para
avaliar a capacidade de escrita do aluno, o que se tem ainda de
maneira predominante é a exigência de um modelo dissertativoargumentativo, em que um aluno deve defender um ponto de vista
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acerca de determinado assunto a fim de demonstrar, dentre outras
coisas, sua capacidade de argumentar construindo um texto
coerente.
Nesse contexto, o estudo da tipologia é entendido apenas
como uma adequação às regras de determinado texto para alcançar
um objetivo maior que é ingressar em uma universidade. Valendose desse propósito, as escolas / cursinhos criam o mito do que se
pode ou não fazer, considerando as limitações impostas pelo tipo
de texto, restringindo, portanto, a liberdade de criação dos alunos
em função de um critério justo de avaliação.
Entretanto, muitos materiais didáticos já se propõem a
aplicar as teorias de texto que preconizam uma observação do
estudo da tipologia textual não apenas como uma memorização de
determinadas características, mas como um processo de interação
através da linguagem. Nessa corrente estão as teorias de JeanMichel Adam e Dolz & Schneuwly, estudiosos que se debruçaram
sobre os estudos de texto, preocupando-se em algum momento de
suas pesquisas, com a questão da tipologia textual, conforme
pode-se ver a seguir.
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3.1. A teoria de Adam
Jean-Michel Adam é um dos maiores especialistas na área
dos estudos de texto e discurso. Tem seus estudos voltados para a
interface entre linguística textual e análise do discurso francesa,
fundamentando sua teoria, basicamente, em meados dos anos 90
quando os estudos de texto passaram a observar vários níveis de
análise, principalmente os atos de fala e os aspectos situacionais.
Partindo da concepção dialógica da linguagem de Bakhtin,
Adam (1992) aproveita os conceitos bakhtinianos de que nenhum
discurso é novo e que a produção do falante representa toda
experiência, vivência e práticas sociais que fizeram parte de sua
vida até o momento da realização do ato de fala. Dessa maneira,
estão previstos os papéis de enunciador e enunciatário dentro do
texto, bem como as marcas da enunciação, que abrem as brechas
para a (re) construção do sentido.
Nesse contexto, a preocupação inicial de Adam é propor
uma reflexão teórica que dê conta das orientações enunciativas
sem abandonar os aspectos formais que permeiam a estrutura do
texto. Em seu livro Les textes: types et prototypes (1992), Adam
debruça-se sobre a questão da tipologia textual, apresentando
enfoque diferente de teorias anteriores, delimitando seu conceito
de tipo de texto.
20
A princípio, cumpre destacar que Adam atribui uma outra
nomenclatura à questão da tipologia, denominando-a de sequência
textual por entender que o texto é composto de várias sequências
de formas linguísticas que interagem para formar o todo do texto.
É a relação dessas sequências que determinam a unidade maior
que resultará em um dado domínio linguístico predominante.
Adam se vale das noções de gênero primário e secundário
de Bakhtin a fim de construir sua teoria sobre as sequências. Para
Bakhtin, os gêneros primários compreendem tipos simples de
enunciado, como a réplica do diálogo cotidiano, a carta, enquanto
os gêneros secundários são considerados tipos complexos, tais
como o romance e a peça de teatro. Bakhtin (1953) afirma serem
os gêneros “tipos relativamente estáveis de enunciado”, em que o
enunciado interliga-se ao gênero na medida em que estes são
percebidos como elementos de uma instância social.
Para Adam, as sequências equivalem aos gêneros
primários de Bakhtin em virtude do alto grau de estabilidade que
apresentam. As sequências são, portanto, componentes textuais,
constituídos de proposições relativamente estáveis e maleáveis
que se combinam a fim de formar os gêneros secundários.
Os gêneros e as práticas discursivas são, para Adam,
atividades complexas e heterogêneas e se estruturam em esquemas
de organização textual, o que define os textos como uma estrutura
sequencial estrutura heterogênea. Sem abandonar o contexto que
21
envolve a enunciação, tampouco as escolhas linguísticas que
determinam a estrutura do texto, Adam concebe duas dimensões
que configuram o texto: a pragmática e a estrutural.
Com relação à pragmática do texto, há uma semântica que
confere ao texto uma coesão com o mundo representado, uma
dimensão argumentativa, presente em todo o texto, explicita ou
não, que determina o todo do texto, considerando seu objetivo e,
por fim, uma esfera enunciativa, responsável pela tonalidade
enunciativa do discurso oral, discurso escrito, discurso não-real,
discurso científico e discurso poético.
No que tange à configuração estrutural do texto, interessa a
arquitetura das proposições, que constitui uma dimensão
estrutural. Considera-se a relação sintática dos elementos do texto,
a concatenação das proposições e a ligação entre as partes do
texto, como a frase, o parágrafo, a estrofe. Esta é a base da
constituição da tipologia textual para Adam, em que se tem um
esquema de base composto de elementos prototípicos instaurados
e reconhecidos pelos sujeitos quando de suas interações.
O protótipo, nesse sentido, é fundamental na teoria de
Adam, uma vez que ele é o objeto mais típico da composição,
sendo o objeto que reúne o maior número de pistas, características
em
comum.
O
estudioso
não
despreza,
entretanto,
a
heterogeneidade constitutiva dos textos, mas afirma a existência
22
desses traços análogos a fim de que eles sejam reconhecidos pelos
falantes de maneira mais ou menos canônica.
Como ponto central da categorização dos textos, Adam
propõe a subdivisão das sequências textuais em narração,
descrição, explicação, argumentação e diálogo, principais
componente para a atividade com os textos. Em seus primeiros
estudos, Adam enquadrava a sequência injuntiva e poética em seu
esquema prototípico, porém, ao longo de suas análises, entendeu
que aquela sequência poderia incluir-se na sequência descritiva
pelo seu caráter descritivo de ações, enquanto esta não se
constituiria como um tipo específico de texto.
Ao pensar essa divisão em sequências, Adam expõe uma
visão modular, em que a há um enfoque em uma sequência
enunciativa. Para o linguista, os textos seriam muito heterogêneos
para enquadrá-los em tipos, o que o levou a pensar em uma
conjunção de sequências que se relacionam para formar o todo do
texto. A seguir, descrevem-se as sequências textuais propostas por
Adam.
23
Sequência
Narração
Descrição
Relações estabelecidas
Processo que organiza os
acontecimentos de maneira a
formar um todo com início,
meio e fim, havendo, portanto,
uma
sucessão
temporal.
Transformação de predicados,
relação de causa / consequência
e avaliação final.
Não há uma ordem linear
obrigatória, mas sim a presença
de uma organização espacial
delimitada. Ordem hierárquica,
vertical.
Processos
de
ancoragem,
aspectualização,
relacionamento.
Explicação
Síntese de conceitos, relações
de causa que ligam os fatos.
Constatação
inicial,
problematização,
resolução,
conclusão-avaliação.
Argumentação
Presença de uma tese, operações
de
inferência,
passos
argumentativos:
premissas,
apresentação de argumentos /
contra-argumentos e conclusão.
Dialogal
Processos de interação verbal,
discursos interativos dialogados,
segmentos realizados em turnos
de fala. Intercâmbio de abertura,
transicional e fechamento.
Gêneros prototípicos
Fábula, conto, notícia
Anúncio, classificado,
curriculum
Texto de divulgação
Editorial,
carta
argumentativa, artigo de
opinião
Entrevista, exposição
dialogada
Tabela 1: Quadro das sequências textuais na teoria de Adam
(retirado de BONINI, 2005, p.212)
24
3.2. A teoria de Dolz & Schneuwly
Joaquim Dolz e Bernard Schneuwly são professores da
Universidade de Genebra, na Suíça, e ambos atuam no Grupo
Grafe – Grupo Romando de Análise do Francês Ensinado. Dolz &
Schneuwly apresentam um trabalho voltado para o ensino de
Língua Materna tendo o diferencial de reunir teorias de
Sociolinguística e Psicolinguística, que contribuem e dão
diretrizes diferenciadas ao trato da língua materna em sala de aula.
Embora os autores suíços tenham seus estudos recentes
voltados principalmente para o trabalho com os gêneros textuais
orais e escritos na escola, os autores tomam as questões de
tipologia textual como um processo de reconhecimento de certas
estruturas – psicológicas e linguísticas – por parte do falante, a
fim de que este desenvolva estas operações de maneira gradativa a
fim de que seja um produtor proficiente de textos em diferentes
tipologias em sua língua.
Os autores, por não focalizarem a pesquisa na questão da
tipologia, adotam como base de análise as definições de Bronckart
et al. (1985) e Adam (1992). O primeiro descreve os tipos como
processos heterogêneos de linguagem, já que são elaborados a
partir das formações sócio-linguísticas que têm diversas maneiras
de apresentação. Já o último, como foi observado no tópico
anterior, volta seu esquema de análise para a composição
25
prototípica dos textos, considerando um processo de sequências
que se relacionam com o todo do texto e produzem certa
sequência textual.
Para Dolz & Schneuwly (2004), os tipos de texto, sob o
ponto de vista psicológico, são consequências de operações de
linguagem efetuadas no curso da produção. Tais operações estão
relacionadas à situação material de produção, possibilitando o que
os autores chamam de relação de implicação / autonomia,
correspondente às relações estabelecidas entre os gêneros
primários e secundários. Ainda imbricadas nestas operações
textuais, estão as relações instauradas entre a enunciação e o
enunciado, num processo de disjunção / conjunção com os objetos
do mundo, passando de um nível mais ou menos ficcional com a
situação
Cabe ressaltar ainda a forma como essas operações se
desenvolvem para os estudiosos. Os tipos de texto, que são
resultados destas operações, são processos que não se tornam
disponíveis de uma só vez, mas que se constroem ao longo do
curso das interações entre os sujeitos e as relações que se
estabelecem entre o nível estrutural e pragmático.
Propõem, então, os autores, uma definição de tipologia
está relacionada aos gêneros textuais no sentido de que as opções
de escolha do falante garantem um domínio mais eficiente do
26
gênero, gerando uma maior heterogeneidade de textos. Segundo
os autores:
Os tipos de texto – ou, psicologicamente falando, as escolhas
discursivas que se operam em níveis diversos do
funcionamento psicológico de produção – seriam, portanto,
construções ontogenéticas necessárias à autonomização dos
diversos tipos de funcionamento e, de modo mais geral, da
passagem dos gêneros primários aos secundários (digo
psicologicamente falando, à medida que os tipos [...] têm
sempre duas faces: uma operação psicológica de escolha
dentro de um conjunto possível e uma expressão linguística
dessa escolha no nível linguístico). (DOLZ & SCNEUWLY,
2004, p.33)
Para Dolz & Schneuwly, um quadro teórico das tipologias
textuais compreende um agrupamento dos gêneros de maneira
prototípica, pensando a atividade psicológica envolvida no
processo de categorização das tipologias. Segue abaixo o
agrupamento dos gêneros em função das tipologias:
Sequências textuais
Narrar
Domínios
sociais
/
capacidades
de
linguagem
Gêneros prototípicos
Cultura literária ficcional
/ mimeses da ação
através da criação de
intriga
Conto maravilhoso,
fábula, lenda.
27
Relatar
Argumentar
Expor
Descrever ações
Documentação
e
memorização de ações
humanas / representação
pelo
discurso
de
experiências
vividas,
situadas no tempo.
Relato de experiência
vivida, relato de viagem,
testemunho.
Discussão de problemas
sociais controversos /
sustentação, refutação e
negociação de tomadas
de posição.
Texto de opinião,
diálogo argumentativo,
carta do leitor
Transmissão e construção
de saberes / apresentação
textual de diferentes
formas dos saberes.
Seminário, conferência,
artigo
Instruções e prescrições /
Regulação mútua de
comportamentos.
Regras de jogo,
instrução, regulamento.
Tabela 2: Quadro dos gêneros em função das capacidades
linguísticas dominantes
(adaptado de DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 102)
A partir do quadro tipológico dos autores suíços, pode-se
perceber que há diferenças com relação ao enfoque de alguns
processos. Dolz & Schneuwly estabelecem uma distinção entre
narração e relato, uma vez que, segundo os estudiosos, o que
caracteriza o mundo do narrar é a existência da intriga, enquanto
o mundo do relatar estaria mais relacionado à representação de
memória e documentação.
28
Em outro aspecto, os autores não consideram a sequência
descritiva como uma sequência textual específica, inserindo,
entretanto, uma organização esquemática deixada de lado em
estudos mais recentes de Adam, a sequência injuntiva, com
modelos específicos e gêneros prototípicos.
A seguir, far-se-á uma relação entre as teorias analisadas e
as coleções pesquisadas, relacionando a abordagem da tipologia
textual às atividades de leitura e produção propostas pelas autoras.
4. A abordagem da tipologia nas coleções
4.1. Tudo é Linguagem
A coleção Tudo é Linguagem, como já foi mencionado,
está incluída no PNLD de 2011, recebendo ótimas críticas dos
avaliadores. A coleção inclui os volumes do 6º ao 9º anos do
Ensino Fundamental e propõe o trabalho com as diferentes
linguagens a fim de estimular no aluno a capacidade de conhecer e
interpretar a realidade diversificada que o cerca.
Com relação ao trabalho com a tipologia, a coleção tem
como base a abordagem de Dolz & Schneuwly, cujo trabalho
enfoca as capacidades de linguagem sobre as quais os gêneros
textuais estão agrupados. Nesse sentido, a obra utiliza-se da
nomenclatura que versa sobre os domínios do narrar, relatar,
29
expor, argumentar e instruir / prescrever, conforme trecho do
Manual do Professor contido no referido livro:
1.
em função das capacidades de linguagem que
constituem as práticas de usos da linguagem e que distribuem
os gêneros por cinco domínios (Schneuwly e Dolz): o narrar,
o relatar, o expor, o argumentar e o instruir / prescrever. Cada
domínio
(agrupamento
de
gêneros)
favorece
o
desenvolvimento de algumas capacidades globais a serem
construídas ao longo da escolaridade. (Manual do Professor,
p.8)
A proposta da coleção, de acordo com o Manual do
Professor, é trabalhar cada tipologia em determinado volume,
sendo os gêneros no âmbito do narrar no 6º ano, o relatar no 7º
ano, o expor e o argumentar no 8º e no 9º ano os gêneros
relacionados ao argumentar. O enfoque da obra são os gêneros
textuais, conforme fundamentação teórica de Dolz & Schneuwly
e, por esse motivo, as tipologias textuais são abordadas em função
do agrupamento de gêneros.
Esse é um tipo de abordagem bastante interessante, uma
vez que não se tem a ideia de tipos de texto isolados de práticas
sociais e não se exige do aluno que ele decore as características
das tipologias somente para identificar se esse ou aquele texto se
enquadra em determinado tipo, mas pressupõe-se que ele, ao ser
confrontado com variados gêneros de um mesmo domínio,
construa esquemas psicológicos que o façam compreender e
30
refletir que existem capacidades de linguagem que agrupam
gêneros textuais comuns.
Entretanto, cumpre destacar que Dolz & Schneuwly, ainda
que não tenham seus estudos estritamente voltados para a questão
das tipologias, apontam uma diferença interessante entre narração
e relato, indicando que há divergências tanto estruturais, quanto
no esquema psicológico das duas capacidades de linguagem,
tendo a intriga como um aspecto característico da narração e não
do relato.
Ao analisar a coleção Tudo é Linguagem, nota-se que as
autoras, de fato, procuram fazer uma abordagem de acordo com o
aparato teórico escolhido, uma vez que há uma preocupação com
relação ao domínio explorado por cada texto e um objetivo claro
de, na maioria das vezes, fazer com que o aluno perceba não só os
elementos estruturais, mas as escolhas psicológicas e pragmáticas
de todo texto trabalhado na unidade.
Todavia, tal diferenciação feita pelos autores suíços entre
narração e relato é, por vezes, deixada de lado pelas autoras da
coleção Tudo é Linguagem. A narração, por possuir características
bem determinadas e específicas, é abordada de maneira coerente
com a proposta, mas o mesmo não é feito com relação ao domínio
do relatar, uma vez que este é tratado na coleção mais como um
gênero textual do que como um domínio discursivo.
31
Na coleção, o mundo do narrar tem bastante destaque com
diversos gêneros como o conto, a crônica, o romance, reportagem,
notícia, em que é possível delimitar o esquema narrativo de
personagens, tempo e espaço. Já o mundo do relatar tem seu
espaço restrito ao volume do 7º ano em que são abordados os
relatos de memória e de experiência como gêneros subjacentes ao
mundo do narrar. Ainda que no início da unidade haja uma
explicitação do trabalho com o relato como um domínio, isso não
é comprovado ao longo da unidade.
Outro aspecto relevante com relação ao trabalho com a
tipologia textual é a confusão entre a escolha do aparato teórico
com a aplicação da teoria no trato com o texto. No volume do 9º
ano desta coleção, após análise da música “Sinal Fechado”, de
Paulinho da Viola, há uma referência à sequência conversacional,
destacando as características típicas desta sequência, como turno
de fala, as pausas e interrupções, presença do interlocutor, dentre
outros. De acordo com a teoria de Dolz & Schneuwly, autores
utilizados como fundamento da coleção, não há referência a esse
tipo de sequência, tampouco ela é citada no Manual do Professor
como as demais. Estudiosos como Adam e Marcuschi consideram
a tipologia conversacional / dialogal em seu quadro teórico, mas o
primeiro sequer é mencionado nas referências bibliográficas e o
segundo é citado através da obra Análise da Conversação (1999).
32
Nesse caso, cabe ao professor, investigar por conta própria
a sequência em questão. Não se assume que esse não seja um
trabalho do docente, mas espera-se que ele não seja surpreendido
com uma abordagem que não esteja explicitada no Manual do
Professor de maneira clara e coerente a fim de auxiliar o trabalho
do professor em sala de aula.
Com relação às atividades de leitura, é possível dizer que a
coleção propõe, sempre que possível, exercícios de interpretação e
análise
textual
conectadas
às
estruturas
esquemáticas
e
pragmáticas dos gêneros e tipologias. Há uma preocupação com
os processos que envolvem cada texto, entendendo-os como
sequências que se relacionam ao todo do texto.
Não se espera que o educando memorize cada texto como
pertencente à determinada tipologia, até mesmo porque parte-se
do princípio que o texto apresente predominantemente certa
sequência, o que não significa que ele não possua outras
sequências em suas estruturas.
A intencionalidade do texto, as pistas deixadas pelo autor
através dos mecanismos linguísticos, o modo como as estruturas
se relacionam de maneira coerente são atreladas à questão da
tipologia, levando o aluno a perceber como as habilidades de
leitura se relacionam a fim de desenvolver a proficiência dos
alunos em sua língua materna.
33
Todavia, nem sempre isso é totalmente posto em prática, já
que, em alguns momentos, o trabalho com tipologia aparece como
pretexto para questões de interpretação. Os aspectos referentes ao
esquema das sequências são abordados, por vezes, como
atividades de interpretação textual, sendo deixados de lado os
aspectos linguísticos que atuam na constituição daquele tipo de
sequência.
No que diz respeito às atividades de produção textual, em
toda unidade há um espaço reservado à escrita, considerando o
processo de produção, a intenção, o propósito da escrita e a
posterior divulgação dos textos. As propostas de produção são de
textos variados, passando por todas as tipologias, considerando as
variações linguísticas e os níveis de formalidade, conforme reza o
Manual do Professor.
No entanto, em todos os volumes, há uma exigência de
produção de um determinado gênero, pertencente a alguma
tipologia não trabalhada na unidade. Nem todos os textos
precisam ser produzidos pelos alunos, de maneira que é possível
analisar o estilo, a composição e o conteúdo temático dos textos
sem necessariamente passar pelo processo de produção do aluno,
se não houver um objetivo claro, um exercício coerente com a
atividade.
Dessa forma, a preocupação em trabalhar a maior
quantidade de gêneros possíveis, de variadas tipologias,
34
transparece, também, nas atividades de produção textual, em que
certa tipologia, ainda que não estudada ao longo da unidade, é
cobrada na produção escrita dos alunos, tornando, às vezes, difícil
e complexo o processo de produção dos alunos.
De maneira geral, as autoras cumprem o objetivo de
englobar as diferentes linguagens que cercam o mundo do aluno,
capacitando-o a ser sensível às coisas do mundo através de sua
língua, lendo e escrevendo para fazer parte de sua realidade social.
4.2. Passaporte para a Língua Portuguesa
O referido livro, como já foi dito anteriormente, baseia-se
na teoria semiótica para análise de textos. Embora a coleção não
tenha sido incluída no PNLD de 2011, a obra é bastante
conceituada no meio acadêmico, tendo, também, grande adesão
entre os professores do ensino regular. A coleção reúne livros do
6º ao 9º anos do Ensino Fundamental e propõe a observação dos
textos como um meio de compreender o mundo através da Língua
Portuguesa.
No que diz respeito às tipologias textuais, não há uma
teoria explícita no Manual do Professor que oriente a abordagem,
já que, além da referência básica e fundamental de Bakhtin para o
olhar sobre os gêneros do discurso, não se apresenta um quadro
35
teórico específico para o trabalho com a tipologia textual. De
acordo com o Manual do Professor:
Tanto para a Expressão Oral como para a Expressão Escrita
distinguem-se gêneros de tipos de textos. Os tipos de texto
são: descritivo, narrativo, argumentativo, expositivo e
injuntivo, este último concretizando-se em textos
instrucionais, em que se dão regras de como fazer algo, como
um manual de instrução ou uma receita culinária. À
descrição, cabe retratar uma personagem, um espaço e ações
de personagens. A chave teórica para descrição é manter-se
como tal, é não transformar-se em narração, o que acontece se
houver uma transformação temporal. (Manual do Professor, p.
12)
Após a exposição da nomenclatura utilizada na coleção,
segue a descrição das características de todas as tipologias, com
trechos de obras para exemplificação e uma cuidadosa distinção
entre as tipologias entre si e os respectivos gêneros que
acompanham cada tipologia. Nesse sentido, a abordagem também
propõe o estudo da tipologia atrelada aos gêneros a fim de que o
aluno tenha a consciência do que escrever, pra quem escrever e
por que escrever, já que entende gênero e tipologia como práticas
sociais que envolvem os sujeitos em interação através da
linguagem.
Há uma preocupação, também, com a expressão oral e
escrita, considerado as múltiplas possibilidades de realização da
linguagem. Então, a proposta de abordagem da tipologia não deixa
36
de considerar as diferentes modalidades, considerando as
características de cada contexto comunicativo.
Ao longo do trabalho com a tipologia e os gêneros
textuais, há aspectos da teoria semiótica que são considerados na
análise dos textos. A proposta das autoras é levar os alunos a
perceber a presença das vozes no discurso, a instauração de um
ethos no texto com determinada intencionalidade, as instâncias de
enunciador / enunciatário, a configuração dos textos em um plano
de expressão que remete a um plano de conteúdo, as categorias de
pessoa / tempo / espaço, que configuram os papéis discursivos nos
textos, as composições de temas e figuras, dentre outros.
Todas essas questões apontam para um ensino de Língua
Materna que respeita o texto em todos os âmbitos, entendendo os
textos não só como os registros escritos e verbais, mas também a
pintura, a dança, as imagens, os símbolos como componentes da
Língua e a interação entre os sujeitos.
Todavia, o Manual do Professor desta coleção é muito
breve e não oferece aparato teórico necessário ao professor que
deseja utilizar o livro em sua sala de aula. Embora a abordagem
seja
peculiar
e
bastante
interessante,
diferente
do
que
normalmente se vê em livros didáticos, é complexo o processo de
análise dos textos e, dessa maneira, o docente que não domina
estas teorias encontra dificuldades em trabalhar com a coleção.
37
Além disso, no que diz respeito à nomenclatura utilizada,
no Manual do Professor, fala-se em tipos textuais, determinandoos em narrativo, injuntivo, argumentativo, descritivo e expositivo.
No entanto, ao longo das unidades, as autoras optam, também,
pela nomenclatura “sequência textual”, deixando confuso se o
aparato teórico e as definições permanecem as mesmas ou se
pretende-se tomar o termo tal como o faz Adam.
As atividades de leitura propostas no livro possuem um
objetivo claro de instrumentalizar o aluno nas questões do texto,
fazendo-o perceber como as características tipológicas se
relacionam ao processo de construção de sentidos dentro do texto.
Portanto, a ideia de língua como espaço de interação é
fundamental durante a obra, já que o aluno é levado a perceber a
importância do papel que assume enquanto leitor e produtor de
textos em sua língua materna, ao mesmo tempo em que percebe o
uso de mecanismos linguísticos em função da construção de um
texto coerente, confirmando as “pistas” deixadas pelo autor no ao
de sua produção.
Com relação às atividades de produção textual, observa-se
na coleção que são expostos textos de diferentes gêneros e
tipologias, mas, assim como na coleção Tudo é Linguagem, nem
sempre os gêneros / tipologias são trabalhados de maneira
específica e a posterior produção dos alunos fica comprometida,
38
às vezes, pelo fato de os educandos
não conhecerem
profundamente o texto que vão produzir.
5. Considerações Finais
Esta pesquisa procurou demonstrar como a questão da
tipologia textual relaciona-se às atividades de produção e leitura
nas coleções Tudo é Linguagem e Passaporte para a Língua
Portuguesa. A proposta do estudo, então, foi verificar como os
livros abordam a tipologia textual e que tipo de exigência fazem
dos alunos a respeito das atividades de leitura e produção.
A partir da exposição teórica de Dolz & Schneuwly e
Adam, buscou-se estabelecer uma relação entre a abordagem dos
livros e a proposta dos autores no que diz respeito à questão da
tipologia textual. Após a análise das teorias, foi possível perceber
que, para os autores pesquisados, o processo comunicativo
pressupõe a instauração dos sujeitos como atuantes na construção
de sentidos.
Além disso, com relação à tipologia textual, os autores
preconizam a existência de duas instâncias que compõem o
esquema das tipologias: sequências estruturais – que reúnem
aspectos linguísticos característicos – e uma configuração
pragmática
–
que
contempla
aspectos
reconhecimento e reprodução dos tipos textuais.
39
psicológicos
no
Após a análise das duas coleções, constatou-se que, ainda
que a proposta de abordagem das tipologias em ambas as obras
seja inovadora e bastante interessante, ainda há muita confusão
não só quanto à nomenclatura, mas também quanto ao tipo de
exigência feita aos alunos quando se considera o trabalho com os
variados gêneros e tipos textuais.
Nesse sentido, considerou-se, também, o Manual do
Professor das duas coleções a fim de comparar o que se propunha
nos livros e o que de fato cumpria-se nas unidades. Assim, foi
possível perceber que, por vezes, havia divergência entre a teoria
utilizada e o trabalho com os textos, principalmente quando o
trabalho com a diversidade de gêneros e tipos se sobrepunha a um
olhar mais cuidadoso e coerente em cada texto.
As atividades de leitura e produção de ambas as coleções
são de ótima qualidade e, nas duas obras, nota-se uma
preocupação em fazer com que o aluno reflita sobre a
aprendizagem, sem encarar as aulas de português como somente
um espaço para decorar regras gramaticais, tampouco memorizar
características a fim de fazer somente uma identificação entre as
tipologias / gêneros textuais. O papel dos textos nesse tipo de
trabalho não se resume ao mero pretexto para se abordar questões
gramaticais, mas eles são entendidos como práticas sociais que
envolvem os sujeitos que constroem sentidos através da leitura e
da produção textual.
40
Por fim, cumpre destacar que, ainda que haja algumas
críticas ao trabalho das autoras de Tudo é Linguagem e de
Passaporte para a Língua Portuguesa, ambas as coleções são de
altíssima qualidade e propõem um ensino de Língua Portuguesa
dinâmico, coerente às novas teorias e questionador, no que diz
respeito ao papel do aluno em sala, que sai de uma tradição de
mera recepção de conhecimentos para ser parte atuante no
processo de aquisição de conhecimentos.
Referências
ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise
dos discursos. São Paulo: Cortez, 2008.
______. Les textes: types et prototypes. Paris: Nathan, 1992.
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
BONINI, A. A noção de sequência textual na análise pragmáticotextual de Jean-Michel Adam. In: MEURER, J.L.; BONINI, A. &
MOTTA-ROTH, D.(org.). Gêneros: teorias, métodos, debates.
São Paulo: Parábola, 2005. p. 212.
CAVALCANTE. M. M.; COSTA, M. H. A.; JAGUARIBE, V. F.;
CUSTÓDIO FILHO, V. (orgs.). Texto e discurso sob múltiplos
olhares: referenciação e outros domínios discursivos. Vol. 2. Rio
de Janeiro: Lucerna, 2007.
DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
MEC/ SEF: SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL.
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: 1998.
SANTOS, Leonor W. dos. O ensino de língua portuguesa e os
PCN. In: PAULIUKONIS & GAVAZZI (org.). Da língua ao
41
discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
p. 173-184.
Manuais didáticos:
BORGATTO, A.T.; BERTIN, T.; MARCHEZI, V. Tudo é
linguagem. V. 7. 2. ed. São Paulo: Ática, 2009.
TEIXEIRA, Lucia & DISCINI, Norma. Passaporte para a língua
portuguesa. V. 2. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.
42
Gêneros textuais nos livros didáticos: uma
abordagem téorico-metodologica
Margareth Andrade Morais (UFRJ)3
1. Introdução
O desafio de realizar um trabalho coerente e satisfatório
com gêneros textuais tem sido tema de muitos estudos no campo
do ensino de língua materna. A implementação dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), em 1998, pelo MEC colocou os
gêneros textuais no centro desse debate. Embora esse documento
esteja amparado em concepções de língua/ensino e outros
pressupostos teóricos trazidos pela Linguística Textual já
discutidos antes da sua publicação, a divulgação dos parâmetros
teve por mérito introduzir essas discussões, muito restritas ao
ambiente acadêmico, ao ambiente escolar. No entanto, por
problemas na formação e a dificuldade de os professores se
engajarem em atividades de atualização, o livro didático passou a
ser a principal ferramenta teórico-metodológica do professor em
seu fazer pedagógico.
Dentro dessa perspectiva, o presente artigo pretende
analisar de que maneira é feita a abordagem dos gêneros textuais
em duas coleções de livros didáticos de português e de que forma
3
[email protected]
43
o trabalho com os gêneros realizados nesses compêndios favorece
a uma melhoria nas habilidades de leitura e produção de texto a
serem desenvolvidas pelos alunos. Especificamente, objetiva-se
analisar de que forma os autores trabalham com os gêneros
textuais e, se a abordagem escolhida contribui, efetivamente, para
um melhor desempenho comunicativo.
A fundamentação teórica sobre gêneros textuais parte de
Bakhtin (1992), mas também se utiliza de obras mais recentes que
esclarecem bem a noção de GT e sua relação com o ensino , uma
vez que Bakhtin apenas lança as bases para o entendimento dos
gêneros, mas sua preocupação não é com o ensino de línguas,
como Dolz & Schneuwly (2004), Koch & Elias (2006), Marcuschi
(2008) e outros. Tais conceitos, por vezes, serão relacionados aos
pressupostos contidos nos PCN, já que é o documento que serve
de norte para os livros didáticos.
As coleções escolhidas para a análise são Tudo é
linguagem, editora Ática e Passaporte para a Língua Portuguesa,
editora Brasil. O primeiro livro (Tudo é linguagem) foi aprovado
pelo PNLD 2011 e consta no catálogo. Já o Passaporte para a
Língua Portuguesa, por problemas técnicos, não foi submetido à
análise da equipe do PNLD. Vale destacar que não é o foco deste
trabalho avaliar a qualidade desses livros didáticos. O interesse é,
de fato, discutir sobre o trabalho realizado e lançar bases para que
44
se possa aprimorar o tratamento dos gêneros textuais nos livros
didáticos de português.
2. Por que utilizar os gêneros textuais como objeto de
ensino nas aulas de Língua Portuguesa?
Desde a elaboração os Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1998), os gêneros textuais são indicados como objeto
de ensino da aula de língua portuguesa, o que, certamente, trouxe
alterações para os currículos e para os livros didáticos.
Tem sido ressaltado, sobre a prática da leitura, que a escola
precisa formar leitores críticos que sejam capazes de construir
significados para além da superfície linguística do texto,
observando as funções sociais da leitura e da escrita em diferentes
contextos. Essa capacidade, se bem desenvolvida, levaria os
alunos a participarem plenamente das práticas sociais. A noção de
prática social se constitui como um dos primeiros argumentos
favoráveis a se trazer os gêneros textuais para a prática de leitura e
escrita na sala de aula.
Entende-se por práticas sociais as formas de organização
das atividades de uma sociedade e das ações realizadas por grupos
ou por indivíduos. É claro que essas práticas variam de cultura
para cultura e de acordo com o tempo. Através dessas práticas
sociais são definidos papéis e lugares sociais para os participantes
45
dessas ações. Por exemplo, a prática social “ir ao trabalho” exige
uma série de comportamentos por parte de patrões e empregados
(os papéis sociais) como estabelecer ordens e cumpri-las. Exige
também que sejam elaborados certos gêneros textuais como
relatórios, memorandos, discussão oral, etc. Como se pode ver,
através desse pequeno exemplo, as práticas sociais mobilizam
diversas atividades de linguagem, que envolvem diferentes
gêneros
textuais
e
implicam
diferentes
capacidades
de
compreensão e de produção de textos.
Essa perspectiva implica reconhecer também a razão pela
qual não se pode mais trabalhar em sala de aula somente com a
noção de tipologias textuais, narração, descrição, argumentação,
injunção, etc. Não se fala ou se escreve através de textos
narrativos ou descritivos, por exemplo: a comunicação é feita
através dos gêneros. Portanto, só o ensino das tipologias não dá
conta de desenvolver as capacidades necessárias para se ler textos
com variados sistemas de linguagem, como uma propaganda, por
exemplo, que, geralmente, usa linguagem verbal, não verbal,
audiovisual.
Dolz & Schneuwly (2004) também apontam para a
importância dos gêneros textuais no ensino de língua materna,
argumentando que o desenvolvimento da autonomia do aluno na
escrita e na leitura decorre do domínio do funcionamento da
linguagem em situações reais de comunicação, exemplificadas
46
pelos gêneros textuais, visto que é por meio deles que se realizam
as práticas sociais. Esses autores chamam atenção para a
possibilidade de concretização de uma perspectiva enunciativa
para o ensino de língua, já que os gêneros textuais apresentam
uma forma de se considerar o conhecimento situado, a linguagem
efetivamente em uso e colaboram para práticas didáticas plurais.
Completando a lista de argumentos, cabe ressaltar que o
trabalho com os gêneros textuais torna possível ainda integrar a
prática de leitura, escrita e da análise linguística. Esses itens
indispensáveis ao ensino de língua são, comumente, estanques,
ensinados em contextos diferentes. Cria-se a falsa impressão no
aluno de que são disciplinas separadas, isoladas, como se não
estivessem intimamente relacionadas entre si. O ensino dessa
forma, descontextualizado, torna difícil uma reflexão dos alunos
sobre a língua, seus recursos e suas implicações no sentido.
Conforme os PCN apresentam, o ensino de língua deve partir do
uso, propiciar a reflexão sobre os usos linguísticos e, por fim,
retornar ao uso, de forma que o discente possa perceber a
importância e finalidade de seu objeto de estudo.
Não se pode, portanto, cair em um extremo de retirar o
conteúdo gramatical do ensino de língua portuguesa. O que se
propõe, com a abordagem dos gêneros textuais é a exploração de
recursos linguísticos tendo em vista a sua função dentro do texto,
a sua ligação com os sentidos a serem construídos a fim de se
47
melhorar a competência na leitura e, consequentemente, estimular
o uso mais consciente de recursos linguísticos na produção dos
alunos. Assim, haveria, de fato, uma integração entre leitura,
análise linguística e produção textual.
Logo, para um trabalho real de formação de leitores na sala
e aula, é imprescindível que um dos objetivos da escola seja a
inserção dos alunos em atividades de linguagem que envolvam as
práticas sociais de sua comunidade, da cultura na qual o aluno está
inserido. Numa sociedade letrada, como a que vivemos, em que a
cultura escrita tem bastante força, é fundamental que professores e
escola tenham em mente a tarefa de apresentar uma variedade de
gêneros aos alunos para que eles possam desenvolver diferentes
estratégias de leitura e compreensão a fim de construir sentidos
em diferentes textos (verbais, não verbais, multimodais).
3. O conceito de gêneros textuais
O conceito de gênero textual e sua importância para a sala
de aula podem ser compreendidos de acordo com várias correntes
teóricas. Neste artigo, a base teórica a respeito dos gêneros
contemplará a abordagem sócio-interacionista de Bakhtin e o
interacionismo sócio-discursivo de Dolz & Schneuwly.
48
3.1. O gênero segundo Bakthin
Um primeiro conceito importante para a compreensão do
gênero para Bakhtin é a noção de língua. Para Bakhtin, a língua
está além do código, a comunicação decorre da relação entre os
interlocutores. De modo oposto à relação significante/ significado,
destaca-se a mutabilidade do signo, sua pluriacentuação. A
relação de significação ocorre no encontro entre as trajetórias dos
interlocutores, sujeitos sociais e psicológicos. A língua, portanto,
nessa concepção, é um lugar de interação.
Dessa visão deriva o conceito de dialogismo, propriedade
básica e inerente da linguagem que implica a presença de
parceiros. Dessa forma, todo enunciado pressupõe um interlocutor
ativo, não alguém que receba passivamente o enunciado. Nessa
perspectiva, ganha relevo a noção de enunciado como a unidade
real da comunicação verbal, realizada pelos interlocutores numa
estrutura dialógica que inclui as condições sociais e o contexto
cultural nos quais os enunciados são produzidos. Seguindo a
perspectiva dialógica da linguagem, nenhum discurso é novo, todo
discurso reflete valores e crenças de outros discursos. Isso quer
dizer
que
para
constituir
um
discurso
um
enunciador
necessariamente leva em conta o discurso do outro, elabora o seu
discurso a partir de outros discursos, há uma dialogização interna
no discurso.
49
Na concepção de Bakhtin, três elementos constituem os
gêneros: conteúdo
temático, estilo verbal e a construção
composicional. O tema refere-se ao objeto do discurso, o estilo
verbal, à seleção dos recursos linguísticos e gramaticais da língua
e
a
construção
composicional
refere-se
à
organização,
estruturação da totalidade discursiva. A partir do entendimento
desses três elementos constitutivos, Bakhtin propõe a definição de
gênero como tipos relativamente estáveis de enunciado,
vinculados às esferas de atividade social.
Nesse quadro, Bakhtin (1992, p. 301) afirma que
O querer-dizer do locutor se realiza acima de tudo
na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha
é determinada em função da especificidade de uma
dada esfera da comunicação verbal, das
necessidades de uma temática, do conjunto
constitutivo dos parceiros etc. Depois disso, o
intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie
a sua individualidade e a sua subjetividade, adaptase e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e
desenvolve-se na forma de um gênero
determinado”
Percebe-se que, para Bakhtin, os gêneros são formas
estáveis na língua, à disposição dos falantes para que estes se
comuniquem em modelos já existentes que, como diz o autor, sem
renunciar a sua individualidade, adaptam-se ao gênero escolhido a
fim de que ele seja reconhecido na comunidade onde circula. São
formas reconhecidas e reconhecíveis que, como já foi visto,
50
organizam, por meio de linguagem, as práticas sociais de uma
sociedade. Daí decorre a noção das esferas de comunicação. Cada
esfera da atividade humana produz seus tipos específicos de
enunciados, o que faz com que cada gênero textual traga marcas
da esfera na qual está inserido. Essa é uma ideia muito
interessante da teoria de Bakhtin, pois, se fosse necessário criar
uma nova forma de enunciado a cada nova situação de
comunicação, esta seria caótica. Cada esfera de uso da língua
estipula suas formas de enunciados, seus gêneros, desde uma
situação familiar, por exemplo, até as esferas mais complexas do
mundo dos serviços, por isso a definição de gêneros como sendo
tipos de enunciado relativamente estáveis.
Convém ressaltar que, mesmo apresentando um alto grau
de estabilização, os gêneros não são estruturas rígidas, imutáveis,
tendo em vista a própria natureza móvel das relações humanas.
Em maior ou menor escala, os gêneros se modificam,
transformam-se em virtude da necessidade comunicativa e de seu
propósito intencional.
É de grande importância a reflexão bakhtiniana no que
tange ao domínio da língua, pois Bakhtin diz que, ao aprendermos
a falar, aprendemos a estruturar enunciados e não frases soltas,
moldamos o enunciado em estruturas que nos pré-existem, como
foi visto mais acima, os gêneros textuais. Tal concepção é de
suma importância para o ensino, pois, para fazer parte de uma
51
comunidade de falantes não é suficiente só saber as prescrições da
língua, mas conhecer os gêneros, que são tão indispensáveis
quanto as formas da língua para uma comunicação eficiente.
3.2 O gênero segundo a escola de Genebra
Na perspectiva do interacionismo social, toda atividade é
vista como tripolar. Ela é composta pelo sujeito, pelo objeto a ser
conhecido e pelos instrumentos que servem como mediadores
dessa relação. Os instrumentos situam-se entre o indivíduo e o
objeto ou situação na qual ele pretende agir. A intervenção do
instrumento, que é socialmente elaborado, possibilita transformar
os comportamentos dos indivíduos, enriquecer as atividades,
tornando possível realizar as atividades, agir sobre as situações
que se colocam perante o indivíduo.
Dolz e Schneuwly (2004) entendem os gêneros segundo
Bakhtin, adotando a definição já citada anteriormente, e inserem o
seu estudo dentro da perspectiva do ensino de língua. Dessa
forma, os gêneros funcionam como instrumentos semióticos
complexos que auxiliam na apropriação e desenvolvimento de
capacidades individuais, pois são instrumentos capazes de auxiliar
a relação dos aprendizes com as práticas de linguagem. Segundo
os autores, “as práticas de linguagem implicam tanto dimensões
sociais como cognitivas e linguísticas do funcionamento da
52
linguagem na situação de comunicação particular” (pág. 62). Isso
significa dizer que a linguagem tem uma função de mediação
entre o indivíduo e as práticas sociais, a interpretação dessas
práticas, então, depende da identidade social dos atores, de suas
intenções e de todo o contexto que as cercam. Os autores partem
da hipótese de que “é através dos gêneros que as práticas de
linguagem se materializam nas atividades dos aprendizes” (pág.
63).
Como já foi visto, os gêneros prefiguram as ações de
linguagem possíveis, portanto seu conhecimento, mesmo que
parcial, é necessário para a produção /recepção de um texto. Por
exemplo, para escrever uma receita é necessário conhecer uma
receita. Dolz & Schneuwly utilizam a metáfora do gênero como
“mega instrumento”, pois através dele é possível agir, de modo
satisfatório, em situações de comunicação. Assim, seria possível,
de acordo com tais autores, privilegiar o “funcionamento
comunicativo” dos alunos ao fornecer-lhes instrumentos eficazes
para que eles obtenham o domínio da língua em situações
variadas.
Para o ensino de gramática, há, em livros e gramáticas
escolares, descrição dos conteúdos que devem ser ensinados a
cada ano escolar. No entanto, para o ensino de leitura, produção
textual e expressão oral não há uma sistematização adequada para
facilitar o aprendizado dessas habilidades. Costuma-se dizer, por
53
exemplo, que “se aprende a escrever, escrevendo”. Tais autores,
percebendo essa lacuna, sugerem algumas ações para que se tenha
um ensino mais satisfatório, utilizando os gêneros textuais.
Um aspecto importante que os autores suíços destacam diz
respeito às “dimensões essenciais dos gêneros”, isto é, princípios
básicos que não podem ser desprezados para um trabalho eficiente
com os gêneros. Para utilizá-los como suporte em atividades de
linguagem, os autores de Genebra apontam três dimensões
essenciais: 1) os conteúdos apreensíveis por meio deles; 2) os
elementos recorrentes nas estruturas comunicativas de textos
reconhecidos como pertencentes ao gênero em questão; 3) as
configurações discursivas e linguísticas dos gêneros, como
posição do enunciador, as sequências textuais utilizadas,
intencionalidade discursiva, entre outros. Tais aspectos fazem
surgir uma regularidade no uso dos gêneros. São as dimensões
compartilhadas pelos textos pertencentes a um gênero que
garantem a sua estabilidade, conforme o postulado por Bakhtin, e,
de certa forma, essas regularidades auxiliam no trabalho com
gêneros em atividades de linguagem. Desse modo, é possível,
dentro da heterogeneidade das práticas de linguagem e dos
gêneros existentes, intermediar o aprendizado da leitura e da
escrita.
Para finalizar, um último ponto importante no trabalho
didático com os gêneros é o que os autores chamam de
54
“didatização dos gêneros”.
A escola sempre trabalhou com
gêneros, com formas de linguagem específicas. Entretanto, a
situação escolar acaba por tornar o gênero um objeto de ensinoaprendizagem, retirando a sua função como instrumento de
comunicação,
os
gêneros
são
adaptados
com
fins
de
aprendizagem. Um exemplo claro disso no cotidiano escolar é a
chamada redação, que engloba diversos textos utilizados na
escola. Desse modo, perde-se a finalidade comunicativa do texto,
o aluno deixa de perceber para que está redigindo determinado
texto. A redação passou a ser um texto para avaliação do
professor, sem qualquer outra utilização. Portanto, é importante
que, de alguma forma, se tente recuperar ou construir o contexto
onde o gênero circula, atribuindo a ele uma função comunicativa
dentro desse contexto.
Os autores suíços postulam três formas de abordar o
gênero. Embora seja uma discussão muito interessante e um
importante ponto de reflexão acerca do trabalho com os gêneros
em sala de aula, será feita uma apresentação resumida dessas
ideias, uma vez a intenção do presente trabalho é apenas verificar
como os gêneros são abordados nos livros didáticos, tendo em
vista tais considerações. Não será proposta nenhuma atividade ou
abordagem dos gêneros dentro dessas perspectivas.
A primeira abordagem citada pelos autores é a de total
desvinculação das práticas de linguagem, sem relação com as
55
práticas da sociedade e com a sua esfera de circulação. O gênero,
dessa forma, fica estático e independente das práticas sociais. Já a
segunda abordagem entende os gêneros dentro dos limites da
escola, o espaço escolar é visto como um autêntico lugar de
comunicação. Os alunos encontram situações nas quais a escrita é
mesmo necessária, ela atende a necessidades comunicativas
dentro da escola e essas ocasiões podem ser multiplicadas entre
alunos, entre turmas da mesma escola e até entre escolas. Por fim,
a terceira forma de abordagem dos gêneros é a do gênero
escolarizado. Nessa perspectiva, os gêneros entrariam no espaço
escolar sem sofrer alterações, exatamente como eles funcionam
nas práticas de linguagem.
Convém destacar que, como os autores chamam atenção,
essas formas de abordagem não aparecem isoladas. Geralmente,
elas aparecem misturadas, com alguma tendência predominante.
Porém, neste trabalho, vai-se defender uma característica
importante para o tratamento dos gêneros nos livros didáticos que
é a tentativa de dar uma finalidade ao gênero estudado e
produzido pelos alunos, mostrar aos discentes a sua finalidade
discursiva. Assim como os autores suíços, acredita-se que essa
seja uma característica indispensável ao ensino através dos
gêneros.
56
4. Análise da abordagem dos gêneros textuais nos
livros didáticos
Com tantos argumentos a favor da inserção dos gêneros
textuais nas práticas didáticas, entende-se o grande volume de
trabalhos nessa área e a preocupação dos autores de livros
didáticos em incorporar os resultados das pesquisas e discussões
sobre os gêneros nos livros. No entanto, a abordagem dos gêneros
textuais nos manuais didáticos ainda apresenta muitos pontos a
serem melhorados. Pode-se dizer que já há um trabalho sensível
aos gêneros, mas ainda falta um trabalho efetivo a partir dos
gêneros. Serão analisados, nos livros didáticos, a abordagem
metodológica dos gêneros, a forma como são inseridos dentro
desses livros e a sua relação com as atividades de análise
linguística, se há, de fato, uma integração entre as atividades de
linguagem, ou se estas permanecem isoladas.
Antes de iniciar a análise das coleções, as concepções de
gêneros adotadas pelas autoras serão brevemente resumidas.
De acordo com as informações contidas no Manual do
Professor das duas coleções, percebe-se que ambas utilizam a
definição de gênero textual postulada por Bakhtin. A coleção
Tudo é linguagem esclarece a concepção de gênero e sua relação
com a escola. As duas coleções apresentam também a perspectiva
de Dolz & Schneuwly para o ensino de gêneros, a sua descrição
57
das tipologias e o projeto das sequências didáticas. O Manual do
Professor é bastante esclarecedor e traz um breve resumo das
perspectivas teóricas adotadas pelas autoras.
Na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa, os
gêneros também são descritos, como em Bakhtin, como
enunciados relativamente estáveis, constituídos por uma estrutura
composicional, uma temática e um estilo. As autoras entendem
texto e discurso como unidades diferentes e propõem sempre uma
análise do plano da expressão, juntamente com o plano do
conteúdo. Percebe-se que as autoras utilizam a teoria semiótica
para guiar as atividades com os gêneros textuais. Porém, o Manual
do Professor dessa coleção é muito sintético e não permite fazer
maiores considerações, o que é um problema, pois, para muitos
professores, muitas informações contidas nos livros didáticos só
são melhores compreendidas com o auxílio do Manual do
Professor.
Pode-se dizer que ambas as coleções entendem os gêneros
textuais como ferramentas fundamentais no ensino de língua.
4.1 A abordagem metodológica dos gêneros
Muitos autores, como Dolz & Schneuwly (2004),
Marcuschi (2008) mostram que a escola já trabalha com uma
pluralidade de gêneros, a fim de estimular a formação de leitores e
58
produtores de textos. No entanto, essa variedade de gêneros
encontrada nos livros didáticos nem sempre corresponde a uma
abordagem que prioriza uma reflexão sobre os papéis dos
interlocutores, os objetivos do texto e de seu autor. Na maioria das
vezes, encontram-se apenas atividades de leitura da materialidade
linguística do texto sem observar seus aspectos discursivos e as
estratégias para ler ou produzir determinado gênero.
Relacionando o conceito de gênero segundo Bakhtin às
dimensões essenciais para o ensino dos gêneros citados por Dolz
& Schneuwly, o primeiro ponto a ser observado nos livros
didáticos é a abordagem metodológica dos gêneros. Isto é,
pretende-se observar como os gêneros foram trabalhados nos
livros, se os aspectos essenciais dos gêneros apontados pelos
autores suíços foram incorporados no trabalho realizado nas duas
coleções.
Na coleção Tudo é Linguagem, escrito pelas autoras Ana
Trinconi Borgato, Terezinha Bertin e Vera Marchesi, os gêneros
textuais aparecem atrelados, principalmente, à leitura e também à
prática de produção de texto. O domínio discursivo priorizado é o
domínio literário, uma escolha justificada pelas autoras por
avaliarem que, como o público alvo é composto por adolescentes
ou pré-adolescentes, os textos literários seriam mais interessantes
para essa faixa etária. Além disso, as autoras acreditam que esses
59
textos favorecem a inferência, compreensão e interpretação,
conforme pode ser visto no Manual do Professor.
Os gêneros textuais são bem trabalhados no que se refere à
interpretação do texto. Há exercícios de verificação de conteúdos
implícitos e explícitos no texto, atividades de pré-leitura e
informações sobre a esfera de circulação dos gêneros e sua
estrutura. Essas atividades são recorrentes em todos os gêneros
escolhidos para iniciar os capítulos dos livros dessa coleção.
Entretanto,
faltam
exercícios
que
priorizem
os
aspectos
discursivos dos gêneros, como o papel do produtor do gênero, a
sua finalidade comunicativa, a posição dos interlocutores dentro
da situação comunicativa, entre outros exemplos de conteúdos
essenciais para um real trabalho com os gêneros. Tais atividades,
como verificar o papel do autor de um gênero como “carta de
leitor”, por exemplo, podem ajudar os alunos a perceber o lugar
social de onde falam os parceiros da interação, pois o texto
também apresenta marcas das posições sociais ocupadas por
aqueles que escrevem e recebem o texto. Além disso, o papel
social dos interlocutores influencia nas escolhas temáticas,
linguísticas e argumentativas dos gêneros, e pode funcionar como
uma forma de trabalhar questões estruturais.
Tal abordagem dos gêneros, no entanto, é priorizada em
atividades de produção textual, como se vê no volume 9 da
coleção Tudo é linguagem, na parte referente à produção de texto
60
e, se fosse aproveitada também em atividades de leitura, poderia
servir como uma forma de integrar atividades importantes tanto
para leitura quanto para produção de textos.
Outro aspecto que não foi bem abordado pelas autoras foi
a relação dos gêneros com suas esferas de comunicação. Por
exemplo, ao trabalhar uma propaganda de bebida alcóolica, sabese que, na esfera da publicidade, seu objetivo maior é o apelo ao
consumidor, a tentativa de vender a bebida. No entanto, na esfera
de circulação da saúde, uma propaganda do Ministério da Saúde
sobre o consumo de bebida alcoólica teria outro objetivo. Mais
uma vez, esses exercícios são mais explorados nas atividades de
produção textual, o que não se está condenando, pois as esferas de
comunicação são um dos componentes que o professor precisa
considerar, uma vez que fazem parte do contexto de produção e
circulação do texto a ser produzido. Porém, essas atividades
deveriam ser inseridas em atividades de leitura, a fim de que os
alunos possam perceber a importância da finalidade comunicativa
dos gêneros.
Esses tipos de exercícios, isoladamente podem não parecer
importantes. Entretanto, quando se pensa em projetos de leitura,
vários são os exercícios para a apropriação de um gênero, dentre
eles, os referentes ao contexto de produção e sua finalidade
contribuem para entender a relação dos gêneros com a sociedade e
o papel que possuem em uma determinada esfera de comunicação.
61
Na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa, de
Lucia Discini e Norma Teixeira, os gêneros textuais também estão
atrelados, majoritariamente, a atividades de leitura, priorizando os
domínios literário e jornalístico.
Nessa coleção, percebe-se uma maior integração entre os
aspectos formais e discursivos dos gêneros, pois há mais
exercícios com vistas ao trabalho com a estrutura do gênero: tema,
composição e estilo. Isso é destacado para os alunos de duas
formas: ora com as autoras apresentando esses tópicos ao falar de
determinado gênero, ora com as autoras elaborando questões
sobre tais tópicos. A partir dessas atividades, podem-se destacar
aspectos didáticos dos gêneros, certos aspectos estruturais, sem
que seja necessário que os alunos adentrem em teoria sobre os
gêneros textuais, já que a própria intuição dos alunos, como
falantes da língua, os auxilia nesse aspecto. É interessante
ressaltar também que há uma maior relação entre os gêneros e as
tipologias, verificada em grande parte dos exercícios da coleção.
No que ser refere às “dimensões sociais dos gêneros”, há
um trabalho mais consistente. As autoras apontam para esses
aspectos, como o papel social dos interlocutores, posição do
enunciador em atividades de leitura dos gêneros, conforme pode
ser visto nos exercícios do volume 2, página 227, em que é pedido
para identificar o perfil do leitor com base em marcas linguísticas
que o texto oferece.
62
A menção a esses aspectos essenciais dos gêneros, por
vezes, é feita através de resumos teóricos. Isso não é um
problema, mas, conforme dito acima, é importante que esses
conceitos sejam trabalhados também na leitura do gênero, como
forma de desenvolver as habilidades leitoras dos alunos. Como
exemplo, pode-se citar a questão das esferas de comunicação, que,
no volume 4 (9ºano), foram descritas em um quadro teórico
mostrando as variações dos gêneros biografia dentro das esferas
literária e jornalística. O quadro em questão é bastante
interessante, pois apresenta ainda o público alvo dentro de cada
esfera. Porém, seria também importante que isso fosse visto na
prática, na comparação entre gêneros dessas esferas, já que o
essencial no trabalho com os gêneros não está em apreender
nomenclaturas ou teorias, mas desenvolver a competência
comunicativa dos alunos através dos gêneros. Essa discussão é
relevante para que não se troque o ensino de teoria gramatical pelo
ensino de teoria sobre gênero textual, como já apontou Coscarelli
(2007).
Para finalizar esse tópico de análise, destaca-se que ambas
as coleções apresentaram uma variedade de gêneros, tendo em
vista tanto aqueles que são mais próximos dos alunos quanto
aqueles mais distantes da vida dos alunos e que, portanto, fica a
cargo da escola inseri-los no domínio cultural dos alunos. Vale
ainda ressaltar, por fim, a forma de tratamento dada aos gêneros
63
dentro dos livros. Na coleção Tudo é linguagem, as autoras
optaram por nomear apenas os gêneros que apresentavam a
unidade. Outros gêneros que apareciam dentro da unidade com
outros fins eram chamados de textos. Enfatiza-se esse ponto por
achar importante nomear os gêneros a fim de que os alunos
percebam que toda forma de comunicação está estruturada nessas
formas de enunciados, os quais a comunidade linguística atribui
nomes o tempo todo. Conforme assinala Marcuschi (2008), não é
necessário estabelecer listas de gêneros, mas é importante chamálos pelos nomes como são conhecidos em suas esferas de
circulação.
4.2. Gênero para aprender ou gênero para comunicar?
Neste tópico de análise, serão observados como os gêneros
textuais foram inseridos nos livros didáticos, tendo em vista as
formas apresentadas por Dolz & Schneuwly (2004) como formas
de trabalhar com os gêneros.
Tal discussão interessa à medida que auxilie o professor a
perceber esses aspectos ao trabalhar com os livros didáticos, cujos
autores têm interesses e objetivos próprios na escolha dos gêneros
e visam a certos objetivos de ensino. Isso não atinge a estrutura
dos gêneros, mas pode alterar a sua função, pois, por exemplo,
uma receita culinária dentro de um livro de receitas possui um fim
64
específico, mas, uma vez que está dentro de um livro didático, ela
perde essa função inicial e passa a adquirir uma função didática.
Não se pretende entrar aqui na discussão levantada por Marcuschi
(2003) sobre o livro didático ser ou não um exemplo de suporte
que, resumidamente, caracteriza-se por ser o local físico, material,
onde se fixa um gênero. O intuito é apenas verificar a forma como
os gêneros são colocados dentro do livro didático, se são
totalmente desvinculados de seus propósitos comunicativos e se
os autores procuram manter suas características originais ou se
atribuem outros propósitos para os gêneros.
Acredita-se, com base em Dolz & Schneuwly (2004) e
Koch (2006), que é fundamental atribuir uma função, uma
finalidade ao gênero estudado, tentar colocar os alunos, o mais
próximo possível, de situações reais de comunicação. Uma vez
que essas atividades sejam significativas para os alunos, mais
facilmente eles poderão dominá-las e aplicá-las, principalmente,
no que se refere a atividades de produção textual. Ademais, é
sempre positivo e enriquecedor quando os alunos percebem a
finalidade do conteúdo que estão estudando.
Na coleção Tudo é linguagem, aparecem as três formas de
abordagem dos gêneros. A forma de inserção do gênero no livro
didático tem relação com o objetivo a ser alcançado com o estudo
dos gêneros trabalhados em cada unidade e com uma proposta de
intervenção didática que vise a uma apropriação do gênero. As
65
autoras chamam atenção para isso no Manual do Professor, na
página 8, ao citar um trecho da obra de Dolz & Schneuwly (2004),
enfatizando que tentaram seguir a proposta de construir um
modelo didático dos gêneros, de modo que foi possível perceber
que houve um esforço nesse sentido.
Nas atividades de interpretação textual, procura-se manter
as características originais do gênero, apresentar seus objetivos e
onde o texto circula. Antes de iniciar o trabalho com o gênero
escolhido para ser o principal da unidade, faz-se uma apresentação
do texto, ressaltando suas características principais. Esse cuidado
é observado em todos os volumes da coleção. Já nas atividades de
análise linguística, que serão analisadas mais detidamente, por
vezes, o gênero é trabalhado, sem qualquer relação com sua
função comunicativa, seu propósito e objetivo. Já nas atividades
de produção textual, procura-se ressaltar as características e o
contexto de produção dos gêneros. As propostas de produção
foram sempre bem orientadas tendo em vista o contexto de
produção, finalidade e possível receptor do texto.
Na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa,
também são identificadas as três formas de abordagem dos
gêneros, conforme apontaram Dolz & Schneuwly. De acordo com
o que já foi discutido. Em relação às atividades de interpretação e
compreensão do texto, assim como na outra coleção, há um
esforço em manter as características originais do gênero e sua
66
principal função comunicativa. Nas atividades de análise
linguística que partem da análise de algum gênero textual, o
tratamento é variado, há alguns casos em que o gênero é abordado
sem qualquer relação com o seu contexto original de produção, ele
é tomado apenas como fonte para exploração de comentários e
exercícios gramaticais. Já, nas atividades de produção de texto, há
mais atividades que priorizam situações nas quais a escrita é
necessária, dando funcionalidade ao gênero produzido.
Por fim, é relevante dizer que o gênero, ao funcionar em
um lugar social diferente daquele que está em sua origem, sofre
alterações e passa a ser um gênero a aprender, mesmo que, na sua
essência, continue gênero a comunicar. Portanto, de forma
alguma, está se fazendo avaliação negativa dos livros, já que esse
processo é algo natural. No entanto, essa discussão se faz
fundamental, pois os gêneros são produtos da atividade humana e,
como tal, estão articulados às necessidades, aos interesses e às
condições de funcionamento da comunidade onde circulam. Por
essa razão, o trabalho didático com gêneros deve tentar
ao
máximo reconstruir os parâmetros do contexto de produção dos
gêneros ou dar a eles um novo contexto de produção para que
sejam realmente eficazes no ensino de leitura e produção de texto.
Desta sorte, é necessário que o professor esteja atento a essas
nuances no tratamento dos gêneros nos livros didáticos a fim de
que ela possa mediar e aprimorar essa relação.
67
4.3 Gêneros textuais e análise linguística
O último aspecto a ser discutido é a relação entre o
trabalho com o gênero textual e a análise linguística. Sabe-se que
os PCN de Língua Portuguesa, fundamentalmente, apresentam
objetivos que visam à formação do aluno como participante ativo
na construção de seu conhecimento, não só reproduzindo uma
nomenclatura gramatical, mas pensando na e sobre a sua língua.
Os Parâmetros defendem a ideia de o ensino baseado em textos
orais e escritos como unidade de ensino, mas, convém deixar
claro, que não se trata de usar o texto como pretexto para destacar
advérbios, adjetivos, por exemplo. A sugestão dos PCN parte do
tripé USO  REFLEXÃO  USO, ou seja, parte-se da
leitura para reflexão e, por fim, volta-se ao uso. Assim, o aluno
pode construir o seu próprio conhecimento ao observar como os
recursos linguísticos ocorrem nos mais diversos gêneros textuais
lidos e produzidos por ele.
Na coleção Tudo é Linguagem, embora seja perceptível o
esforço das autoras em atender à perspectiva acima citada,
conforme pode ser visto nos ótimos exercícios com verbos, no
volume 2 (7º ano), há gêneros usados exclusivamente para a
extração de exercícios gramaticais, como acontece com o gênero
tirinha. Na maioria das vezes, as tirinhas aparecem apenas para
que delas sejam retirados exercícios sobre o tópico gramatical
68
abordado na unidade. Nessa coleção, então, os conhecimentos
linguísticos são explorados de forma transmissiva. Há uma lista
considerável de textos metalinguísticos que apresentam extensas
explicações, sem economia de conceitos.
Já na coleção Passaporte para a Língua Portuguesa, há
uma tentativa maior de adequação da análise linguística ao gênero
textual. São percebidas mais atividades em que há uma integração
entre o gênero escolhido e o conteúdo gramatical a ser trabalhado
no capítulo. É evidente que conteúdos como acentuação e
ortografia, por exemplo, dificultam essa interação, porém, tal
forma de trabalho deve ser sempre buscada. Outro ponto positivo
é a maior variedade de exercícios em que são verificados os
recursos linguísticos característicos do gênero em questão e os
sentidos veiculados pelo uso de determinadas marcas linguísticas.
Ainda que isso não seja realizado com todos os tópicos
gramaticais e nem com todos os gêneros, é perceptível uma
eficácia maior nesse sentido. Isso pode ser percebido, por
exemplo, em um exercício, do volume 2 (7º ano) da página 162,
em que são trabalhados efeitos de sentido decorrentes do uso de
adjuntos adnominais em uma capa de revista.
Para finalizar, é importante ressaltar a qualidade dos livros
analisados e a dificuldade imposta por uma metodologia de
trabalho com gêneros textuais. Cumpre destacar ainda que não se
está desprezando as atividades gramaticais, elas são importantes,
69
pois permitem um aprimoramento do discente em alguns aspectos
linguísticos, o que se está discutindo é o ensino isolado de normas
e nomenclaturas gramaticais. Ademais, é importante para o
trabalho em sala de aula que sejam destacados aspectos de
interpretação e compreensão, relacionando questões gramaticais a
questões de leitura. É relevante que o professor também tenha
esses princípios em mente ao selecionar os textos que leva para
sala de aula e para melhor aproveitar a coletânea de textos
oferecida pelos livros didáticos.
5. Considerações finais
A inserção dos gêneros textuais na sala de aula de língua
portuguesa já é um ponto bastante discutido e entendido como
fundamental para uma melhoria nas habilidades comunicativas
dos alunos. A partir do momento em que foram indicados pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais, os livros didáticos se viram
obrigados a ajustar os seus objetivos às sugestões do documento
oficial.
No entanto, como foi discutido, embora essa necessidade
já seja aceita por pesquisadores e até mesmo pelos professores, há
muito ainda para melhorar e trabalhar para que os objetivos sejam,
de fato, alcançados. Devido a diversos motivos, muitos docentes
ainda não têm autonomia suficiente para trabalhar com os gêneros
70
textuais, como sugerem os PCN, e se apoiam, única e
exclusivamente, nos materiais didáticos.
Tendo em vista essa necessidade, chamou-se atenção,
nesse artigo, ao que seria indispensável para um tratamento
didático dos gêneros com vistas a um eficiente ensino de leitura e
produção de texto. Com base em Dolz & Schneuwly (2004),
postulou-se o que seriam as “dimensões essenciais dos gêneros”,
ou seja, as características que devem ser abordadas no ensino do
gênero, como seu aspecto composicional, discursivo e seu
conteúdo temático.
Soma-se a esse aspecto o problema decorrente da retirada
de um gênero da sua esfera original de comunicação para o
contexto escolar. Nesse sentido, é preciso ter em mente que os
gêneros fazem parte de uma situação de interação, eles
pressupõem um interlocutor e têm uma finalidade. Esses aspectos
devem ser preservados ou reinventados para que o texto lido ou
produzido pelos alunos não seja algo abstrato, algo que “o
professor pediu” para fazer. Ainda tendo em vista as recentes
pesquisas e o que está descrito nos PCN, está a necessidade de se
aliar análise linguística ao trabalho com gênero textual. Como foi
visto, é importante que se associem cada vez mais as práticas de
linguagem, proporcionando ao aluno uma visão integrada da
língua portuguesa. O percurso metodológico deve caminhar do
gênero, do seu conhecimento e do seu contexto de produção, para
71
a posterior seleção do ponto gramatical que seja significativo para
seu processo de recepção. No ensino tradicional, ocorre o
contrário, primeiro é definido o conteúdo gramatical e só depois é
selecionado um gênero para trabalhá-lo, ignorando, dessa forma,
aspectos estilísticos do gênero e suas condições de produção.
Cumpre destacar, por fim, que os livros didáticos
analisados são de altíssima qualidade e cumprem bem os tópicos
acima descritos. Os livros atendem, em grande parte, o que foi
considerado aqui como os tópicos fundamentais na transposição
didática dos gêneros, contribuindo para um melhor desempenho
dos alunos nas atividades de leitura e escrita e fornecendo-lhes
ferramentas para que possam ser autônomos na construção de
conhecimento, tornando, assim, o ensino de Língua Portuguesa
mais eficaz.
Referências
BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 1992.
COSCARELLI, Carla Viana. Gêneros textuais na escola. Veredas
on line / ensino, Juiz de Fora, p. 78-86, fev/2007.
http://www.revistaveredas.ufjf.br/volumes/21/artigo05.pdf
<acesso em 10/07/2010>
DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
KOCH, I.G.V. & ELIAS, Vanda Maria. Ler e Compreender: os
sentidos do texto. São Paulo: Contexto. 2006
HILA, C.V.D. Ressignificando a aula de leitura a partir de
gêneros textuais. In: NASCIMENTO, Elvira Lopes (org.).
72
Gêneros textuais: da didática das línguas aos objetos de ensino.
São Carlos: Claraluz, p. 151-194, 2009.
MARCUSCHI, Luiz A. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. São Paulo: Parábola, 2008.
MEC/ SEF: SECRETÁRIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL.
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do
ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: 1998.
MEURER, J.L.; BONINI, A. & MOTTA-ROTH, D.(org.).
Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.
SANTOS, Leonor W. dos. O ensino de língua portuguesa e os
PCN. In: PAULIUKONIS & GAVAZZI (org.). Da língua ao
discurso: reflexões para o ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, p. 173184, 2005.
Manuais didáticos:
BORGATTO, A.T.; BERTIN, T.; MARCHEZI, V. Tudo é
linguagem. V. 7. 2. ed. São Paulo: Ática, 2009.
TEIXEIRA, Lucia & DISCINI, Norma. Passaporte para a língua
portuguesa. V. 2. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.
73
Gêneros textuais nos livros didáticos:
problemas do ensino e da formação docente4
Leonor Werneck dos Santos (UFRJ)5
1. Introdução
Este artigo pretende analisar de que maneira os livros
didáticos de português (LDP) de ensino fundamental e médio
publicados a partir de 2004 estão apresentando e aplicando o
conceito de gêneros textuais (GT), apresentado por teorias que
defendem o caráter sociointeracional dos textos, como a
Linguística Textual. Os objetivos desta etapa da pesquisa foram:
analisar o tratamento dado aos GT nos LDP, elencando os
equívocos teóricos referentes a esse conceito e os problemas
referentes à nomenclatura – para isso, foi necessário observar
também de que maneira as tipologias textuais (TT) aparecem nos
LDP; comparar a apresentação teórica do Manual do Professor
(MP) encartado nesses livros com a abordagem no material do
aluno (teoria e atividades propostas); analisar os pressupostos
teóricos que norteiam o trabalho com GT e TT, com base no MP e
4
Artigo publicado nos Anais do V Siget (cf. SANTOS, 2009)
5
[email protected]
74
nos capítulos do livro6; analisar as atividades de leitura e produção
textual
propostas
nos
LDP,
explícita
ou
implicitamente
relacionadas pelos autores a GT e TT.
Os pressupostos que norteiam o embasamento teórico
sobre
GT
geralmente
retomam
Bakhtin
(1929[1992])
e
encontram-se em obras recentes – de autores postulantes de linhas
teóricas diversas –, dentre as quais podemos citar Karkowsky et
al. (2006), Cavalcante et al. (2007), Koch (2002, 2003), Koch &
Elias (2006), Meurer et al. (2005), Dolz & Schneuwly (2004),
Marcuschi (2002, 2008), Travaglia (2003, 2007a, 2007b), dentre
outros. Neste artigo, faremos uma breve apresentação teórica
sobre GT e TT, relacionando esses conceitos aos que aparecem
nos documentos oficiais voltados para o ensino médio – PCNEM
e PCNEM+ – e também para o ensino fundamental – PCNEF e
PCNEF em ação –, que fundamentam e inspiram as referências
bibliográficas dos manuais didáticos analisados. Como os livros
didáticos privilegiam a terminologia gêneros textuais e tipologias
textuais, justificamos nossa opção por essa nomenclatura como
ponto de partida para a análise dos LDP, embora apresentemos
outros termos que aparecem nos manuais.
6
Além da análise dos LDP, cerca de 200 professores recém-formados e
formandos de Letras de Universidades públicas do Rio de Janeiro foram
entrevistados, para traçar um panorama da formação desses profissionais sobre
o conceito de GT e sua importância no ensino. Os resultados dessa entrevista,
porém, não constam deste artigo.
75
A discussão a respeito da abordagem teórico-metodológica
de Tipologia Textual (TT) e Gênero Textual (GT) será feita nas
onze coleções de LDP de ensino médio aprovados pelo Programa
Nacional do Livro Didático de Ensino Médio (PNLEM-2009)7. É
importante destacar, porém, que não temos a intenção de avaliar a
qualidade desses materiais didáticos nem a pertinência da
avaliação dos programas oficiais do MEC, mas pretendemos
incluir no debate sobre ensino de língua portuguesa o conflito
teoria/prática percebido nos manuais didáticos no que se refere a
TT e GT.
Apesar do destaque que o trabalho com gêneros textuais
variados vem recebendo nas pesquisas acadêmicas e propostas
pedagógicas, nem sempre os livros didáticos de português
parecem aplicar coerentemente esse conceito. Como para muitos
professores os LDP configuram-se, mais que um material de
trabalho com os alunos, um apoio teórico-metodológico para a
atuação em sala de aula, é necessário, portanto, discutir o ensino
de GT, analisando os manuais didáticos e a formação docente para
pensar numa metodologia de abordagem do tema coerente com os
princípios de formação de cidadãos críticos e conscientes, tão
defendida nos documentos oficiais.
7
Originalmente, em 2005, foi feita a avaliação dos LDP de ensino médio
publicados até 2004 e inscritos neste Programa de avaliação; entretanto, as
resenhas das 11 coleções aprovadas só foram divulgadas em 2008, na
publicação intitulada Catálogo do PNLEM 2009.
76
2. O texto nos PCN: aspectos teórico-metodológicos e
consequências no ensino
Uma das discussões mais frequentes atualmente na área de
educação engloba os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e
seu reflexo no ensino. Com relação à língua portuguesa, os PCN
apresentam propostas que valorizam as variedades e pluralidade
de uso linguístico, em diversos gêneros textuais orais e escritos,
em todas as séries do ensino fundamental e médio. Esse é um dos
aspectos através dos quais os PCN pretendem colaborar na
formação de cidadãos críticos e conscientes.
Entretanto, como já alertamos em Santos (2005), apesar de
algumas ideias que aparecem nos PCN não serem novas – pelo
contrário, são objeto de debate há décadas, como é o caso, por
exemplo, dos pressupostos da Linguística Textual e da Análise do
Discurso –, a reação dos profissionais de educação nem sempre é
de concordância com as mudanças engendradas pelos Parâmetros.
Desde a década de 1980, diversos autores se pronunciaram a favor
de um ensino de língua portuguesa pautado na abordagem textual,
para que o professor perceba, como destaca Souza, a importância
de “ensinar a pensar a e na sua língua” (1984, p. 6 [grifos do
autor]). Porém, por deficiências na sua formação e/ou falta de
atualização, o professor se confunde em meio a termos e teorias
77
que não domina – como o conceito de gênero textual, por exemplo
–, ao ler os PCN e os livros didáticos que adota. Então, é este o
crítico quadro com o qual se depara o professor: devido à
exigência do MEC, uma vez que são avaliados conforme os
Parâmetros, esses materiais se baseiam nos PCN, mas nem sempre
a abordagem de língua e texto é coerente; e nem sempre os
próprios Parâmetros são claros quanto a esses temas.
Começando pelos Parâmetros voltados para o ensino
fundamental – que de certa forma são retomados nos documentos
destinados ao nível médio –, a perspectiva atual de ensino de
língua apresenta a leitura e a produção de gêneros textuais
variados como base para a formação do aluno, mostrando que a
língua não é homogênea, mas um somatório de possibilidades
condicionadas pelo uso e pela situação discursiva. Dessa forma, é
reprovado
pelos
PCNEF
(BRASIL,
p.
18)
o
“ensino
descontextualizado de metalinguagem” com base em uma “teoria
gramatical inconsistente”, em que o texto é usado apenas como
pretexto para retirar exemplos de “bom uso” da língua. Assim, os
PCN defendem que o texto deva ser a unidade de ensino, com
base numa diversidade de GT.
Essa concepção do texto como unidade de ensino para
desenvolver a competência comunicativa dos alunos também é
defendida por Travaglia (1996, 2003), para quem a língua, mais
que teoria, é um “conjunto de conhecimentos linguísticos que o
78
usuário tem internalizados para uso efetivo em situações concretas
de interação comunicativa” (2003, p. 17) e só assim se pode
conceber o ensino dessa disciplina, na produção e leitura de textos
diversos. Esse mote da perspectiva de ensino de língua mais
produtivo ecoa nos PCNEF (Brasil, p. 23): “Toda educação
comprometida com o exercício da cidadania precisa criar
condições para que o aluno possa desenvolver sua competência
discursiva”. É, portanto, na percepção das situações discursivas,
materializadas nos GT, que o aluno poderá se constituir como
cidadão e exercer seus direitos como usuário da língua.
Além disso, nos PCNEF (BRASIL, p. 49), enfatiza-se que
No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes
práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades
que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da
expressão oral e escrita em situações de uso público da
linguagem, levando em conta a situação de produção social e
material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s)
destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou
intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do
suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados
para a produção do texto, operando sobre as dimensões
pragmática, semântica e gramatical.
Dessa forma, os PCNEF apresentam as três práticas –
escuta de textos orais / leitura de textos escritos, produção de
textos orais e escritos, análise linguística –, que sustentam o
ensino de língua portuguesa, funcionando como um bloco na
formação dos alunos. Os conteúdos partem, portanto, de textos,
79
valorizando e destacando diferenças e semelhanças, fazendo com
o aluno discuta o que vê ⁄ lê para conseguir se sentir usuário da
língua e participante do processo de aprendizagem. Em resumo,
tem-se o princípio uso→ reflexão→ uso (Brasil, 1998, p. 65), já
defendido por Travaglia (1996), de uma pluralidade de gêneros. E
o objetivo principal desse acesso a uma pluralidade de gêneros é
desenvolver no aluno uma competência metagenérica, que,
segundo Koch & Elias (2006, p. 102), “possibilita a produção e a
compreensão de gêneros textuais, e até mesmo que os
denominemos”.
Entretanto, há diversos problemas que permanecem no
ensino de língua portuguesa, apesar das mudanças propostas pelos
Parâmetros. Dionísio & Bezerra (2002), por exemplo, apresentam
uma série de temas presentes em livros didáticos que carecem de
fundamentação teórica coerente e sistemática. Da pontuação à
leitura e produção de textos, passando pela morfossintaxe, os
artigos organizados pelas autoras mostram quantos problemas
advêm da falta de organização de conteúdos e da metodologia
inadequada. Os PCN sozinhos não conseguem resolver isso, mas
indicam alguns caminhos que deveriam ser seguidos por autores
de livros didáticos e professores. Para seguir os PCN, portanto, a
abordagem textual, por meio de GT variados, tem sido
privilegiada nos livros didáticos, mas nem sempre de maneira
80
coerente, como se pode perceber numa rápida análise desses
materiais.
O que percebemos é que os Parâmetros consideram o
texto, tal qual apregoa Marcuschi (2008, p. 72), como “um evento
comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e
cognitivas”. Porém, Marcuschi critica os PCN, afirmando que,
com relação aos GT, há “sugestão pouco clara do seu tratamento”
e alerta que, como consequência, nos LDP, “são poucos os casos
de tratamento dos gêneros de maneira sistemática” (id., p. 207).
Assim, o professor e o autor de LDP que decidirem se
basear nos Parâmetros para compreender e aplicar as teorias de
GT e TT, encontram alguns problemas: o primeiro, que parece
refletir no tratamento dado ao tema nos LDP, refere-se à oscilação
na nomenclatura; o segundo é a falta de definições consistentes
nesses documentos oficiais; o terceiro é a falta de relação entre
terminologia utilizada e referências bibliográficas citadas (nem
sempre cita-se o teórico em que o documento está se baseando
para determinada definição). Para ilustrarmos esse problema,
vejamos o Quadro 1, que lista os termos usados nos PCN:
81
Documento
PCNEF
(1998)
Nomenclatura
para GT
Gêneros (cf. p. 21)
textuais
Nomenclatura
para TT
Sequências (p. 21),
sequências
discursivas:
narrativa, descritiva,
argumentativa,
expositiva
e
conversacional (p.
21, 56, 60)
Sequência descritiva
(p. 150), “tipo de
texto (publicitário)”
na p. 117, “tipo de
veículo”, referindose a suporte (p. 119)
PCNEF em
ação (3º. e
4º. ciclos),
vol. 1
Gêneros
(p. 166)
PCNEM
Gêneros
discursivos (p. 8,
21)
Tipos de discurso
(p. 22)
PCNEM +
Gêneros (p. 59),
gêneros
textuais
(p. 60, 64, 97).
Fala-se também de
“tipos de texto”
para se referir a
gêneros (p. 39, 46)
Tipologia textual (p.
69), mas na p. 62
aparece “sequências
e tipos”, dando a
entender que são
aspectos diferentes
da
constituição
textual.
Presença de
definição
Definição
de
gêneros (p. 20-21),
sequências (p. 22)
e suporte (p. 22)
Não há definição
dos termos. Há
comentários gerais
sobre o tema e
listas de gêneros a
serem trabalhados
no 3º. e no 4º.
ciclos.
Não há definição
dos termos. Há
comentários gerais
sobre gêneros.
Definição de GT
na p. 60. Há
diversos
comentários
teóricometodológicos
sobre GT. Não há
definição de TT.
Quadro 1: Tipologia e gêneros textuais nos PCN
Essa oscilação na nomenclatura e a falta de definições têm
consequências no ensino, pois os autores de livros didáticos, na
hora de citar termos e elaborar definições, nem sempre
demonstram em que textos pretendem se apoiar, talvez por isso,
conforme veremos na seção a seguir, haja incoerências teóricas e
82
falta de sistematização no trabalho com GT e TT. O que parece é
que, nos LDP, se passou do período da inexistência de um
trabalho coerente e produtivo com textos, até a década de 90, para
um período atual, de equívocos teóricos devido à referência a
termos e teorias nem sempre bem assimiladas por professores e
autores de livros didáticos.
No
que
se
refere
aos
Parâmetros
elaborados
especificamente para o ensino médio, percebemos que entre os
dois materiais voltados para esse nível de ensino, PCNEM e
PCNEM+, há diferença de nomenclatura – além disso, o primeiro
documento não define gênero, apenas tece considerações gerais,
enquanto os PCNEM+ definem gênero e detalham como deve ser
a abordagem em sala de aula. Nesses dois documentos, aparecem,
respectivamente, os termos “gênero discursivo” e “gênero
textual”, e para alguns teóricos, classificar uma carta, por
exemplo, de um ou outro modo faz muita diferença. Rojo (in
Meurer et al., 2005, p. 186[grifos da autora]) levanta a discussão:
“Será que quando enunciamos, aparentemente indiferentemente,
as designações gêneros do discurso (ou discursivos) ou gêneros
textuais (ou de texto) estamos significando o mesmo objeto
teórico ou objetos ao menos semelhantes?”. A autora defende o
termo “gênero discursivo”, que, entretanto, não figura na maioria
dos documentos oficiais e manuais didáticos. Mas seu
83
questionamento
ilustra
o
debate
que
vem
sendo
feito
academicamente sobre o tema.
Em linhas gerais, para Rojo (id., p. 189), a discrepância
teórica decorre da maneira como gênero e texto são tomados por
linhas como Linguística Textual e Análise do Discurso, mas, no
que se refere aos gêneros, o que é grave para a autora é que
considerar a terminologia gênero textual implica minimizar o
papel discursivo, sócio-histórico dos gêneros, e considerá-los
quase sinônimo de texto, como se percebe a seguir , no
comentário feito (id, p. 188[grifos da autora]) a um excerto de
Marcuschi (2002): “...temos a diluição da fronteira entre gêneros e
textos. As palavras gêneros (...) deveriam ser, no meu entender,
substituídas por textos ou enunciados e seu uso, no enunciado
acima, aponta para a quase sinonímia entre os dois termos adotada
pelo autor”. O próprio Marcuschi, entretanto, em obra publicada
recentemente, defende o caráter sociointeracional dos gêneros e
destaca que essa diferença terminológica parece secundária, por
isso alerta que, no livro (2008, p. 154) em questão, não pretende
discutir
se é mais pertinente a expressão “gênero textual” ou a
expressão “gênero discursivo” ou “gênero do discurso”.
Vamos adotar a aposição de que todas essas expressões
podem ser usadas intercambiavelmente, salvo naqueles
momentos em que se pretende, de modo explícito e claro,
identificar algum fenômeno específico.
84
Não
parece
haver
nos
Parâmetros,
porém,
essa
preocupação terminológica, pois a nomenclatura utilizada oscila
num mesmo documento. Além disso, fatores semânticos também
parecem influenciar: tanto nos PCN quanto nos LDP, a palavra
“tipos” parece ser usada, às vezes, como sinônimo de “exemplos”,
entretanto, como já há “tipos de textos” referindo às tipologias
narração, descrição etc., alguns trechos ficam ambíguos e pode-se
interpretar que tipos e gêneros referem-se ao mesmo conceito (cf.
PCNEM+, p. 39 e 46). O trecho abaixo, retirado de um dos LDP
analisados (Amaral et al. (2005, v. 1, p. 248), ilustra essa questão:
você vai entrar em contato com vários exemplos de textos
com os quais convivemos cotidianamente: bilhetes, cartas,
letras de música, e-mails, reportagens, poemas, relatos,
discursos, charges, quadrinhos, crônicas, editoriais de jornal e
revista etc. Reconhecer alguns desses tipos de textos(...)
[grifos nossos].
Ainda com relação às tipologias textuais, os Parâmetros
também
oscilam
“sequências”
(sem
na
nomenclatura,
adjetivação
com
“textual”
predomínio
ou
de
“discursiva”
predominante) – mas a maioria dos livros didáticos prefere usar
“tipologia textual”, embora alguns manuais mesclem ambos os
termos, como se verá na seção seguinte. Mais uma vez, há
confusão terminológica, e chama a atenção o fato de somente os
PCN de ensino fundamental definirem o que chamam de
sequências, a despeito de esse tema ser muito comum em LDP de
85
ensino médio devido aos diversos exames pelos quais os alunos
concluintes costumam passar, como vestibulares e Enem. Além
disso, nos PCNEM+, por exemplo, há um trecho que se refere a
“sequências e tipos”, sem mais explicações, o que pode induzir o
professor a acreditar que são conceitos completamente diferentes,
quando, na verdade, não são.
Os comentários de Marcuschi a esse respeito são
esclarecedores: para o autor (2008, p. 154-155 [grifos do autor]), o
tipo textual se caracteriza
muito mais como sequências linguísticas (sequências
retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são
modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de
meia dúzia de categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção. (...) Em
contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas
em situações comunicativas e se expressam em designações
diversas, constituindo em princípio listagens abertas. (...)
Como tal, os gêneros são formas textuais escritas ou orais
bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.
Embora possamos questionar a relevância de discutir
nomenclatura num momento em que os textos estão recebendo
lugar de destaque nos LDP, o alerta de Rojo e a inconsistência
terminológica dos PCN preocupam. Concordamos com o
comentário de Bonini (2001, p. 7): “o surgimento da noção de
gênero nos termos em que está posta atualmente (...) é
extremamente recente, havendo ainda muito a ser clareado por
meio de pesquisas e discussões”. Muitas pesquisas têm sido feitas,
86
mas nem sempre elas chegam às salas de aula, então o manual
didático passa a ser, para muitos professores, a referência teórica
para o trabalho com os textos. E a instabilidade na nomenclatura
pode confundir os professores e os alunos.
3. Análise de LDP de ensino médio
Conforme já afirmamos, nossa pesquisa analisou a
abordagem dos GT nos LDP, mas precisamos também tratar da
abordagem das TT, uma vez que há muita confusão quanto a esses
conceitos e às vezes apenas um deles aparece nos livros didáticos.
Diversos autores, como Dolz & Schneuwly (2004), Marcuschi
(2002), Dionísio et al. (2002), destacam que é tradição escolar
apresentar uma pluralidade de gêneros, visando à formação de
leitores e produtores de textos, ainda que em LDP mais antigos
predominassem textos do domínio discursivo literário. Entretanto,
mesmo quando há variedade de textos, de domínios discursivos
diversos, nem sempre a abordagem dos gêneros nos LDP se
caracteriza por uma sistematização coerente e uma reflexão sobre
os papéis dos interlocutores, os objetivos do texto e as estratégias
necessárias para lê-lo/produzi-lo.
Segundo Bunzen (2007, p. 9), é importante observar, nos
LDP, como os “gêneros foram selecionados/tratados e quais
domínios discursivos são priorizados neste percurso”. O que se
87
percebe, muitas vezes, conforme alerta o autor, é a ênfase em um
ou outro domínio discursivo, como o jornalístico e o literário, sem
que a análise dos textos e as propostas de “redação” levem em
consideração as características intrínsecas aos GT em questão. Em
sua pesquisa sobre o ensino de produção textual em LDP de
ensino médio, Bonini (1998) já alertava para alguns desses
problemas: no corpus da sua pesquisa, composto de livros da
década de 90 – portanto, anteriores ao PNLEM –, geralmente há
referência à tipologia que precisa ser elaborada pelo aluno
(narração, por exemplo), mas não ao GT. Com isso, a produção
dos textos fica artificial, uma vez que, sem considerar o GT,
também fica difícil saber o que será o texto, para quem ele se
destina etc.
Esses problemas permanecem, mesmo em livros mais
recentes. Na análise das coleções de LDP aprovadas pelo
PNLEM/2009, percebe-se que os manuais oscilam entre
terminologias distintas (tipologia, sequência e gênero, por
exemplo) e, quando optam por uma nomenclatura, não
necessariamente a aplicam com coerência. Essa oscilação – e
muitas vezes também equívocos – ao optar por terminologia e
definições transparece tanto no material do aluno quanto no
Manual do Professor (MP). Em alguns casos, o que é apresentado
no MP difere totalmente do que se propõe nos capítulos do livro.
Além disso, há casos em que tipologia e gênero são tomados
88
indistintamente, seguidos de exemplos que não só misturam esses
dois conceitos, como também acrescentam outros – é o que
podemos perceber no gráfico 1.
Tipologia e Gêneros Textuais nos LDP
ia
ia
Te
rm
in
ol
og
ol
og
Se
m
em
in
eT
ad
Só
Livro do Aluno
M
ist
ur
No
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id
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cl
atu
ra
T
T
A
A
tiv
i
da
de
sG
TT
Te
or
ia
Te
or
ia
GT
12
10
8
6
4
2
0
Manual do Professor
Gráfico 1: Abordagem teórica e prática nos LDP
Os números do Gráfico 1 não são absolutos, pois,
conforme veremos no Quadro 2, a seguir, alguns LDP usam
apenas uma nomenclatura, outros apresentam a terminologia mas
não propõem atividades etc. Entretanto, já é possível observar a
discrepância teórico-metodológica entre os livros: sete deles
utilizam apenas nomenclatura, sem sequer definir os termos, no
Manual do professor; três deles ignoram termos e conceitos
referentes a TT e GT no material destinado aos alunos; e vários
LDP misturam termos no material do aluno e no Manual do
Professor. Além disso, há um descompasso entre atividades
89
propostas para TT e GT: reforçamos a constatação de Bonini
(1998), sobre o predomínio da abordagem das tipologias, apesar
de tanto estar sendo discutido a respeito da importância de
priorizar os GT, desde as primeiras versões dos Parâmetros,
também em 1998.
O Quadro 2 mostra de que maneira TT e GT aparecem
nos LDP aprovados pelo PNLEM/2009:
Livro
Abordagem de tipologia
textual (TT)
Abordagem de gênero textual
(GT)
Na p. 11, aparece Tipologia Na p. 9, fala-se de “gêneros e tipos
Textual, sem teoria nem de textos”, mas não se apresenta
comentários. Na p. 20, ao falar nenhum conceito, só exemplos de
do capítulo 3, “este capítulo “textos variados”. Há também os
toma como base duas teorias termos “gêneros discursivos e
Manual básicas para categorização dos textuais” (p. 15) e “gêneros de
textos: dos gêneros discursivos e textos/discursivos”,
definidos
do
como
“formas
Professor das sequências discursivas (ou apenas
tipos de texto)”. Não há „relativamente
estáveis
de
definições.
enunciados‟‟‟ (p. 20), sem
explicação sobre a diferença
terminológica.
Livro do
aluno
Takasaki
(2005)
Apresentam-se as “sequências Define-se
explicitamente
no
discursivas” (cap. 3): Narração, capítulo 3 (Gêneros textuais /
Descrição,
Argumentação, gêneros do discurso usados
Explicação
(exposição), indistintamente).
Algumas
Conversação (p. 32, com ex. de atividades retomam a questão dos
texto de jornal com diálogo). gêneros (p. 100).
Algumas atividades retomam o
tema, pedindo para identificar a
sequência discursiva ( p. 82).
90
Cereja & Nas p. 3 e 6, destaca-se que Há definições, referências teóricas
Magalhães “...tb esta edição adota para o e sugestões metodológicas. A
(2005,
3 ensino-aprendizagem
de terminologia usada é “GT ou
v.)
produção de texto a perspectiva discursivos”, com predomínio de
de trabalho centrada nos GT ou GT ao longo do MP, sem
discursivos, sem deixar de lado esclarecer se há diferença entre os
Manual alguns aspectos relacionados termos. Os autores sugerem uma
com a tipologia, tais como a aplicação dos GT “em espiral” nos
do
Professor descrição a serviço de vários moldes de Dolz & Schneuwly
gêneros, o ponto de vista (2004).
narrativo a serviço de gêneros
narrativos ficcionais, as técnicas
de argumentação e de contraargumentação a serviço dos
gêneros argumentativos, e assim
por diante.”[grifos dos autores].
Livro do As TT aparecem mescladas aos Definição de GT no v. 1 (cap. 4);
aluno
capítulos
em
que
são aplicação em quase todos os
trabalhados os diversos GT, em capítulos de produção de texto, em
todos os volumes. No cap. 5, v. todos os volumes.
1, por exemplo, sobre fábula,
aborda-se a descrição; no vol. 2
mostram-se características da
narração em vários capítulos; no
vol. 3, destaca-se o trabalho com
texto
dissertativo
e
argumentativo, mas alguns
capítulos sugerem que sejam
gêneros (cf. p. 246 e 289).
Murrie et Cita-se, apenas, “Tipo ou gênero Não há definição para GT, nem
al. (2004) textual” (p. 63), sem qualquer bibliografia sobre o tema.
Manual definição ou explicação. Não há
bibliografia sobre o tema.
do
Professor Há certa confusão, pois fala-se Breve apresentação teórica dos GT
de “Tipo ou gênero textual” (p. (p.161), embora chame de “tipos
161), para a seguir dar exemplos ou gêneros textuais”; retomada em
Livro do como “narração, descrição, alguns capítulos de redação, mas
aluno
dissertação, e-mails, epistolar, misturando terminologia.
cartas,...”. Não há definição para
TT.
91
Faraco
(2003)
Oscilação entre gênero e tipo de Nos comentários sobre os
texto. Não há definição para TT. capítulos, vez por outra aparece
“gêneros”
referindo-se
às
variedades textuais apresentadas.
Manual
Não há definição para GT, nem
do
bibliografia sobre o tema.
Professor
“tipos de textos” é a expressão Não há qualquer referência a
utilizada para se referir ora a TT gêneros, apenas a “tipos de
ora a GT. Por ex., ao propor textos”, ora tomados como
Livro do uma produção textual, pergunta- gêneros, ora como tipologias, no
aluno
se com que “tipo de texto” o material do aluno.
aluno se expressa melhor e
sugere-se que a resposta pode
ser crônica, letras para músicas,
argumentar ou narrar (cf. p.
379).
Maia
Sobre TT, não há qualquer Fala brevemente sobre “gêneros
(2004)
comentário, exceto à p. 7, determinados (panfleto, notícia,
quando trata de produção de anúncio publicitário, discurso
Manual textos: “Nas propostas de político etc.), os quais são
produção, enfatizamos, ao longo ocorrências próprias de condições
do
Professor do volume, o exercício da sócio-históricas específicas” (p.
argumentação, que é uma 3). Não há referência bibliográfica
habilidade
extremamente sobre GT.
solicitada no dia-a-dia de uma
sociedade democrática.”. Não há
referência bibliográfica sobre
Livro do TT.
aluno
Cita tipos de texto: narrativos, Não aborda GT, mas nos capítulos
informativos, argumentativos, de literatura trata de “gêneros
descritivos, injuntivos, poéticos literários”, misturando com o
(embora não trabalhe os 3 conceito de TT
últimos em nenhum capítulo).
Nicola
Na p. 10-11, há um box sobre as Na p. 10-11, há várias citações de
(2004,
3 TT, com poucas explicações, fontes diversas (Koch, Bakhtin,
v.)
defendendo a classificação de Adam, PCN, Marcuschi) que
Manual Marcuschi: descrição, narração. definem GT, mas não há
argumentação,
injunção comentários do autor do LDP
do
sobre o tema.
Professor explicação.
92
No vol. 1, o capítulo 3 cita as No v. 1 (cap. 3), define-se GT. O
TT
descrição,
narração, vol. 2 aborda gêneros jornalísticos,
injunção, relacionando-os às sequências
Livro do argumentação,
explicação, mas só as três textuais predominantes aos GT
aluno
primeiras são trabalhadas na estudados. O vol 3 apresenta
coleção. No mesmo capítulo, na diversos GT, prioritariamente
p. 160, fala-se de “sequência aqueles em que predominam
textual” (p. 160), após a sequências
descritivas
e
explicação
quanto
à argumentativas.
predominância de uma ou outra
TT. O vol. 1 dá destaque à
descrição; o vol. 2, à narração; o
vol. 3, à argumentação e retomase a descrição.
Infante
Na p. 6, fala-se da tentativa, ao Apesar
das
fundamentas
(2004)
longo do livro, de “oferecer recomendações aos professores e
textos de tipologias distintas das referências teóricas sugeridas,
Manual (narrativas, dissertações, textos não se aborda a questão dos GT
publicitários, crônicas, letras de explicitamente no MP. Na p. 10,
do
Professor canções, poemas, etc.)”, ou seja, fala-se dos “mais variados tipos
os exemplos misturam TT e GT. textuais” e depois citam-se artigos
(Bonini; Brandão), que falam de
GT,
mas
em
comentários
adicionais.
Livro do Não
há
referência
à Há proposta, implícita, de
aluno
nomenclatura
TT.
Narrar, tratamento dos textos, segundo a
descrever e dissertar são teoria dos GT. Não há referência à
apresentadas como “atitudes nomenclatura GT.
linguísticas” (cf. p. 194, 296).
Abaurre et Na p. 5, fala-se de “tipos de No MP, fala-se de GT e “Gêneros
al. (2004, textos”, defendendo o estudo de do Discurso”, sem definições.
3 v.)
três “unidades composicionais”:
narração,
exposição
e
Manual argumentação, uma vez que
descrição e injunção são
do
Professor “constitutivas da narração, da
exposição e da argumentação”.
93
narração, Não aborda GT em nenhum
do Privilegia-se
exposição e argumentação, sem capítulo.
usar a nomenclatura TT ou
sequência.
Faraco & No MP, fala-se das “tipologias e No MP, usam GT, mas dão
Moura
das sequências prototípicas exemplos
misturados
com
(2005)
textuais” (p. 12), sem defini-las, suportes: “quadrinhos, cartum,
propaganda, televisão, cinema,
Manual nem exemplificá-las.
rádio, música popular”(p. 2). Não
do
há definição sobre GT.
Professor
No material do aluno (p. 210), Por ex., na p. 210, cap. 1 da
ao falar de notícia e reportagem, unidade 3, afirma-se que “Tanto a
Livro do aborda-se a predominância de notícia quanto a reportagem são
aluno
narração naquela e de exposição formas de relatos.” (p. 210)[grifo
nesta, sem definições nem dos autores], sem qualquer
comentários.
explicação sobre os relatos e sem
que as tipologias presentes nos GT
citados (narração e explicação, no
caso da reportagem) sejam
definidas anteriormente. Não há
definição sobre GT, embora
apareçam comentários esparsos
sobre os gêneros trabalhados.
Amaral et No vol. 1, “modalidades típicas Na p. 42, ao comentar os capítulos
al.
da redação: descrição, narração de redação, fala-se de “leitura e
e dissertação”(p. 12), na p. 46, reconhecimento dos diversos tipos
Manual são chamadas de “modalidades de texto”, citando ex, de GT. Na p.
clássicas” e “tipos clássicos de 44, fala-se da “fusão de gêneros
do
Professor organização textual”. As TT são (poesia e prosa; descrição /
comentadas brevemente, por narração / dissertação)”. Não há
meio das suas características definição de GT.
básicas, sem relacioná-las aos
GT.
Livro do No vol. 1 o cap. 6 dedica-se às Vol. 1, no cap. 1 de redação (p.
aluno
“modalidades
clássicas
de 248), citam-se exemplos de GT,
redação” (p...), que serão chamados de “tipos de textos”.
detalhadas
nos
capítulos Não há definição para GT nem se
seguintes: descrever, narrar, usa essa terminologia.
dissertar. No vol 2, enfatiza-se a
narração; no vol. 3, a dissertação
e
fala-se
também
da
argumentação.
Livro
aluno
94
& Citam-se
dos
“tipos
de Não há definição de GT.
composição escrita que ele [o
aluno] produz na escola
(narração,
descrição,
Manual dissertação)”(p. 7), mas na p. 9,
fala-se da “pertinência ao
do
Professor gênero (tipo de composição)”.
Não há definições no MP,
apenas no livro do aluno (cap.
9).
No cap. 9, citam-se os tipos No cap. 9, há explicações breves,
Livro do textuais Narrativo, Descritivo, mas sem incoerências, sobre GT.
aluno
Argumentativo, Explicativo ou No cap. 24, aborda-se leitura e
Expositivo,
Injuntivo
ou produção nos exames, citando
Instrucional,
seguidos
de questões sobre GT.
características básicas. Textos
conversacionais
são
apresentados,
no
capítulo
seguinte, como “sequências
conversacionais
ou
dialogais.”(p. 64), sem deixar
claro se há diferença entre
sequência e tipo de texto.
Terra
Nicola
(2004)
Quadro 2: Tipologia e gênero textual em alguns materiais
didáticos – Ensino Médio (língua/literatura/redação)
Percebemos, portanto, que a maioria dos manuais didáticos
oscila na terminologia; como exemplo, podemos citar Murrie et
al. (2004), que, além de não apresentar qualquer suporte teórico
sobre TT e GT no Manual do Professor, mistura esses conceitos,
na única unidade em que o tema é trabalhado teoricamente, como
se constata nos trechos a seguir:
Tipo ou gênero textual é o nome dado às formas mais ou
menos estáveis com que as pessoas podem se comunicar e
95
interagir. (...) Os recados nas secretárias eletrônicas são um
bom exemplo dos gêneros mais novos. (...) Dois grandes
“gêneros” textuais parecem ser básicos e originar todos os
outros, que seriam “partes” ou combinações deles: narração e
dissertação. (...) A carta comercial pode ser enquadrada no
gênero epistolar.(p. 161); Você pode escolher o gênero:
narração(...) ou dissertação (p. 174). [grifos nossos]
Mais adiante, apesar de algumas atividades serem
interessantes – em unidades como a que aborda as cartas, por
exemplo
–
surge
uma
confusão
de
terminologias
e
exemplificações, percebidas nos trechos a seguir (grifos nossos):
“A carta como gênero discursivo” (p. 588); “A carta, além de ser
um texto, também apresenta um suporte de texto” (p. 591); “tipos
de textos que utilizamos na nossa vida de estudante” (p. 624),
citando como exemplos resumo, quadro sinótico, aula, palestra,
seminário (e, para cada um deles, há um quadro em que se fala do
“ponto de vista da maximização da atividade com o gênero” – cf.
p.
624-637);
“gêneros
jornalísticos
(informativo,
interpretativo/crítico, opinativo, de entretenimento)” e “tipos de
texto (crônica, charge, editorial, lide, manchete, entrevista, notícia,
cartas, propaganda...)” (p. 708-9). Ou seja, uma mistura de termos
que, sem explicação devida e sem qualquer referencial teórico no
Manual do Professor, dificulta a compreensão e a aplicação dos
conceitos.
Com problemas semelhantes, o livro de Faraco (2003:382)
apresenta GT diversos e algumas atividades que de fato pretendem
96
contextualizá-los, mas não usa a terminologia GT, apenas “tipo de
texto”: “Vamos, agora, dar atenção a um outro tipo de texto
bastante frequente: o texto de opinião.(...) Num jornal, vamos
encontrar vários tipos diferentes de textos de opinião. Um deles é
o editorial.” [grifos do autor]. O mesmo autor, ao propor uma
produção textual, pergunta com que “tipo de texto” o aluno se
expressa melhor e sugere que a resposta pode ser crônica, letras
para músicas, argumentar ou narrar (cf. p. 379); ou seja, coloca-se
GT e TT lado a lado, indistintamente. Mesmo que consideremos
desnecessário sobrecarregar o aluno com definições e novas
nomenclaturas, é importante haver cuidado na apresentação desses
termos no LDP. Aqui também encontramos o que já apontamos na
seção 2, a respeito da ambiguidade presente na expressão “tipo de
texto”.
Além das discrepâncias teóricas, são poucas as coleções
que elaboram atividades especificamente com base nos GT. A
maioria apresenta boa coletânea de textos, mas eles são
trabalhados superficialmente ou como material de apoio para
conceitos gramaticais e textuais que enfatizam as tipologias. Uma
exceção podemos encontrar em Cereja & Magalhães (2005, p.
24), que destaca a importância de considerar aspectos como
“estrutura (modo composicional), do tema (conteúdo), do estilo
(linguagem), do suporte e da situação de interlocução” nas
atividades de leitura e produção textual, ensaiando uma aplicação
97
da abordagem dos GT em espiral, conforme defendem Dolz &
Schneuwly (2004).
Assim, como há instabilidade teórica nos manuais
didáticos e os próprios PCN oscilam na nomenclatura e nem
sempre definem os conceitos, as definições e as atividades dos
LDP (ou a ausência de ambas...) reproduzem as dificuldades
enfrentadas por autores e professores na abordagem do tema,
acabando por reduzir o tratamento dado aos textos a
características superficiais de alguns GT específicos, seguidas de
questões de caráter redutor no que se refere à análise dos textos..
Marcuschi (2008, p. 156) afirma que “não devemos imaginar que
a distinção entre gênero e tipo textual forme uma visão
dicotômica, pois eles são dois aspectos constitutivos do
funcionamento da língua em situações comunicativas da vida
diária”. Então, é importante mostrar aos alunos que “todos os
textos realizam um gênero e todos os gêneros realizam sequências
tipológicas diversificadas. Por isso mesmo, os gêneros são
tipologicamente heterogêneos” (id., p. 160). Para isso, porém, é
necessário atentar para o que alerta Brandão (2003, p. 17): “Para
muitos, o texto ainda não chegou na sua dimensão textualdiscursiva. Uma dimensão discursiva do texto pressupõe uma
concepção
sociointeracionista
de
problemática da interlocução”.
98
linguagem
centrada
na
Retomamos, portanto, a constatação de Bonini (1998)
sobre os manuais didáticos da década de 90, pois os LDP atuais
também ainda estão centrados na classificação tradicional das
tipologias textuais (narração, descrição, dissertação), comumente
presentes nos concursos vestibulares, dedicando a elas mais
espaço que aos GT propriamente. Ainda que se cogite a
importância de enfatizar TT com a justificativa de preparar os
alunos para vestibulares e ENEM, esses exames estão mudando, e
é comum atualmente a presença de enunciados nas provas de
língua portuguesa e redação, por exemplo, exigindo do candidato
conhecimento das situações de interação que constituem os
gêneros e das tipologias predominantes num GT específico. Os
LDP, entretanto, não conseguem dar conta dessa abordagem, e os
professores, se contarem com o Manual do Professor como
referencial teórico, também não terão subsídios para trabalhar os
textos de maneira produtiva, focando leitura e produção de
gêneros diversos.
Fechamos nossa análise com o destaque de Marcuschi
(2008, p. 158) sobre TT e GT, que, a nosso ver, deveria nortear a
abordagem do tema nos LDP: “para a noção de tipo textual,
predomina a identificação de sequências linguísticas como
norteadora; e para a noção de GT, predominam os critérios de
padrões comunicativos, ações, propósitos e inserção sóciohistórica”.
99
4. Conclusões
Muitas críticas são feitas aos PCN de língua portuguesa,
mas as ideias apresentadas nos Parâmetros, como já dissemos, não
são tão novas: autores como Fávero & Koch (1983), Travaglia
(1996), Geraldi (1997), apenas para citar alguns, já sugerem uma
abordagem mais produtiva no ensino de língua portuguesa há
muito tempo e certamente influenciaram a elaboração dos PCN.
Da mesma forma, pesquisas por todo o Brasil mostram como se
pode melhorar a concepção dos alunos a respeito da própria língua
e diminuir o preconceito linguístico, com atividades simples, que
privilegiam o uso, a reflexão, no lugar de apenas dividir e
classificar termos, orações etc. Da parte do governo, as avaliações
dos LDP vêm tentando melhorar a qualidade dos materiais
didáticos, com programas como o PNLEM.
Entretanto, no que se refere a TT e GT, os livros de ensino
médio ainda têm um longo caminho a percorrer. Os livros
analisados nesta pesquisa, aprovados no PNLEM/2009, servem
como um panorama da confusa seara que tem se tornado abordar
TT e GT. Isso não compromete a qualidade dos LDP citados –
nem foi objetivo deste artigo discutir esse aspecto –, mas é digno
de nota que, embora seja possível perceber a preocupação do
PNLEM em aferir a formação de leitores e produtores críticos e
competentes, com base numa abordagem coerente dos GT e das
100
TT,
os
LDP
ainda
demonstram
certa
instabilidade
de
conceituação.
Como consequência, na escola há dificuldade para
organizar o conteúdo programático incluindo uma abordagem
produtiva com gêneros textuais, que demonstre que os produzimos
em situações reais de interação. Muitas vezes o problema acontece
porque o professor não conhece teorias como Linguística Textual
e Análise do Discurso, que se apropriam das ideias de Bakhtin
(1992 [1929]) sobre os gêneros e embasaram os PCN. Além disso,
é comum o professor considerar o livro didático, em especial o
Manual do Professor, como referencial teórico, mas nem sempre
os autores desses manuais deixam claros os objetivos do trabalho
com gêneros ou definem corretamente os conceitos básicos. Se os
materiais didáticos apresentam falhas e os documentos oficiais
nem sempre explicitam definições, o professor acaba ficando
sozinho na tarefa de definir como trabalhar os textos em sala de
aula.
Os resultados desta pesquisa com ênfase na interface
tipologia/gêneros textuais nos livros didáticos de nível médio
acenam para a necessidade de repensar a abordagem desse tema
no ensino, uma vez que os livros didáticos ignoram, confundem
ou abordam de maneira superficial as teorias que se baseiam em
Bakhtin e que consideram os gêneros como práticas sociais. Em
alguns livros, quando há a expressão “gêneros textuais”, ela
101
aparece como mais um tópico teórico a ser explicado e estudado,
não como pressuposto teórico para análise textual. As tipologias
textuais geralmente também são apresentadas de maneira
estanque, desconsiderando que cada
gênero se organiza
mesclando tipologias, ainda que uma possa predominar; além
disso, geralmente esse tema é abordado nos capítulos de redação,
e as atividades de leitura do livro ignoram a organização e a
intencionalidade dos textos, ou misturam os conceitos de tipologia
e gênero.
Não transparece nos LDP analisados o cuidado nas
definições e distinções entre TT e GT. Para Marcuschi (2008, p.
159 [grifos do autor]),
As distinções entre um gênero e outro não são propriamente
linguísticas e sim funcionais. Já para distinguir os tipos
textuais seriam linguísticas e estruturais, de modo que os
gêneros são designações sociorretóricas e os tipos são
designações teóricas. Temos muito mais designações para
gêneros como manifestações empíricas do que para tipos.
Entretanto, como nos lembra Coscarelli (2007, p. 81),
temos que tomar cuidado com a aplicação de conceitos, pois,
segundo a autora, “Estamos criando uma nova camisa de força.
Sai a gramática tradicional e entra o gênero textual”. Da mesma
forma, concordamos com Bunzen (2007, p. 22), que constata que
102
a recepção da Teoria dos Gêneros, seja ela de base mais
textual ou discursiva, ainda precisa ser mais estudada e
detalhada nos trabalhos acadêmicos voltados para o ensino de
língua materna. Precisamos saber o que estamos fazendo ao
receber e didatizar esses conhecimentos, uma vez que um
trabalho com gêneros (e não sobre gêneros) deveria estar
fundamentado em uma concepção de língua menos formal ou
normativa. [grifo do autor]
Na mesma linha, partilhamos das observações de
Marcuschi (2008, p. 208 [grifos do autor]):
em última análise, a distribuição da produção discursiva em
gêneros tem como correlato a própria organização da
sociedade, o que nos faz pensar no estudo sócio-histórico dos
GT como uma das maneiras de entender o próprio
funcionamento social da língua. Isto nos remete ao núcleo da
perspectiva teórica dos estudos linguísticos sobre o texto e do
texto aqui empreendido, ou seja, a visão sociointeracionista.
Resumindo o resultado da análise dos livros didáticos de
ensino médio, pudemos observar que:
- não há coerência na nomenclatura utilizada: Tipologia Textual /
Sequência Textual; Gênero Textual / Gênero do Discurso, o que
reflete a instabilidade dos próprios PCN sobre o tema;
- não há coerência na listagem das TT: narração e descrição
aparecem em todos; injunção raramente é citada; dissertação é
apresentada ora como exclusivamente expositiva ora como
expositiva ou argumentativa, e às vezes sequer aparece;
argumentação nem sempre é definida como tipologia à parte;
103
- geralmente, os GT não aparecem como tópico do programa
(teórico); na maioria das vezes, aparecem apenas no Manual do
Professor como uma diretriz presente no LDP para escolha dos
textos;
- as atividades de leitura e produção textual geralmente
desconsideram a concepção de GT;
- com frequência aparece a preocupação de elaborar (não de
analisar) TT nas propostas de redação;
- as poucas atividades de leitura que tentam abordar GT e TT não
costumam interagir com os conteúdos de língua e literatura.
Torna-se necessário, portanto, discutir de que maneira é
possível incluir tipologia e gênero textual na elaboração de
conteúdo programático e material didático e na formação dos
professores. Se são poucos os livros que, de fato, abordam a
produção de sentidos dos textos, com base nos gêneros e, além
disso, a depender da linha teórica adotada, há problemas na
sistematização da nomenclatura (tipologia, sequência, gêneros
textuais, gêneros do discurso...), falta pensar numa metodologia de
ensino que abarque esses conceitos sem considerá-los tópicos do
conteúdo programático. Afinal, muitos livros didáticos refletem
essa ausência de sistematização em propostas de leitura e
produção textual que mascaram o tratamento dos gêneros textuais.
E a abordagem de gêneros textuais diversificados, que tanto
104
colabora na formação do leitor e produtor de textos, acaba ficando
prejudicada.
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108
Gêneros textuais orais nos livros didáticos –
uma análise metodológica
Welington de Almeida Cruz (UFRJ)8
1. Introdução
O trabalho com gêneros orais na escola tem sido bastante
discutido há alguns anos.
Mais por uma pressão dos órgãos
instrucionais da educação do que por uma efetiva preocupação
com esses gêneros, o que se tem visto é uma inclusão
assistemática de um tema que ficava à margem dos estudos de
língua. Por mais inconsistente que muitos desses trabalhos possam
ser, vê-se, nessa reavaliação do papel da oralidade na sala de aula,
um estopim para novas e efetivas propostas para o trabalho.
Esse artigo pretende explicitar alguns apontamentos
teóricos sobre o trabalho com a oralidade na sala de aula,
observando, mais especificamente, como o livro didático (LD)
pode contribuir para a compreensão dessa atividade. Para além
dessa observação mais ampla, subjaz uma explanação do conceito
de gêneros textuais, tendo em vista que é essa a noção que
fundamenta – ou ao menos deveria – o efetivo estudo da língua
8
[email protected]
109
em sua acepção mais concreta: mecanismo de comunicação
interacional.
Após essa abordagem teórica, avaliaremos duas coleções
de livros didáticos que servirão como uma amostragem para
discutirmos o tratamento dado aos gêneros orais.
recorte,
observaremos
especificamente
os
Em nosso
gêneros
menos
planejados, tendo em vista a necessidade de compreender como os
compêndios didáticos discutem a oralidade em sua forma mais
ampla e profícua - aquela que o aluno “já sabe”.
Feita essa avaliação, proporemos algumas atividades, à luz
das teorias apresentadas, que, fundamentadas pelas discussões
teóricas, possam confirmar a importância do trabalho com gêneros
orais, bem como reavaliar o papel que os gêneros orais
espontâneos têm tido nos LD de língua portuguesa.
2. As bases da discussão: teorias de gênero textual e
sua aplicabilidade ao ensino
As concepções de ensino de língua se modificaram e
complexificaram dadas as novas abordagens dos estudos
linguísticos. Uma “virada” teórica originária na segunda metade
da década de 70 já antevia uma preocupação maior com a língua
em uso, e não mais como um objeto imóvel de onde brotavam
produtos enrijecidos e estanques.
110
A Linguística Textual vai
lançar, então, suas bases sobre a filosofia da linguagem para
reavaliar seu objeto de estudo e encontrar, principalmente em
Bakhtin, o ponto de partida para essa guinada: os gêneros textuais.
A visão filosófica bakhtiniana de gênero textual é, de certa
forma, conceito chave para os estudos da linguística textual. No
entanto, proporemos uma discussão mais aprofundada desse
conceito para melhor avaliar a assunção que a Linguística Textual
faz dele.
Partindo da noção de gêneros literários, Bakhtin propõe a
definição de gênero textual – ou discursivo – que serve de
pressuposto para correntes de estudos como a Linguística Textual
e a Análise do Discurso.
Mesmo se afastando em alguns
postulados teóricos, essas duas correntes bebem da fonte
bakhtiniana para justificar a máxima na qual os estudos
linguísticos, principalmente aqueles que se originam depois dessa
“virada” teórica, se apoiam – a língua como mecanismo interativo
de comunicação.
Apresentadas essas primeiras acepções,
recorramos ao precursor dessa teoria para aprofundar nossa
discussão.
Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que
sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua.
(...) A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados
(orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos
integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. (...)
Qualquer enunciado considerado isoladamente é, claro,
individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora
seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso
111
que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 1997, p.
280)
A definição acima trabalha com alguns conceitos que são
caros aos estudos linguísticos que se pautam sobre as atividades
textuais. O primeiro deles leva em consideração o caráter
interacional da língua. Se todo relacionamento humano se pauta
sobre e pela língua, é ela quem direciona, de certa maneira, esses
relacionamentos.
Dizemos, com isso, que, para estabelecer
comunicação, lançamos mão dos recursos disponíveis na língua e,
ao mesmo tempo em que exercemos um papel ativo sobre ela,
“sofremos”, dela, “coerções”. Essas forças aplicadas pela língua
não chegam ao falante de forma impositiva, mas ele, o falante,
escolhe um modelo disponibilizado pela língua para a
comunicação. Metaforicamente, é como se a língua fizesse uma
triagem das possibilidades antes que pudéssemos fazer nossa
escolha. Essa seleção ocorre levando em conta vários fatores,
como o objetivo da comunicação, o meio de produção do ato
comunicativo, a relação de proximidade entre os participantes do
evento, entre outros.
Por isso apontamos que, por mais que o falante tenha
autonomia em relação à língua, há uma padronização, uma
regularidade
nos
processos
comunicativos,
já
que
são
fundamentados socialmente. Isso, de certa forma, está postulado
no excerto acima. Os enunciados que “emanam” dos participantes
112
de uma atividade linguística interacional são selecionados de
acordo com as “esferas das atividades humanas”. E dentro dessas
esferas constroem-se os gêneros do discurso.
Os “tipos
relativamente estáveis de enunciados” são as formas, os modelos,
os protótipos que se apresentam dentro de um determinado espaço
de comunicação. Como exemplo, temos, num espaço acadêmico,
a
possibilidade
de
que
surjam
algumas
dessas
formas
padronizadas, como a aula, o seminário, a monografia, a tese de
doutoramento, o artigo acadêmico, entre tantos outros, cada um
com uma função e um conteúdo específico, selecionados pelos
participantes do processo interativo. A aparição desses gêneros é
predominante na esfera acadêmica, não impedindo a sua utilização
em outro ambiente.
Contudo, pela aparição de um gênero,
assume-se uma esfera comunicativa, ou seja, o gênero textual
direciona a situação interacional. Se uma aula acontece fora do
espaço acadêmico, qualquer outro espaço em que surja pode
tomar para si características da academia. Nisso reside a
“coerção” de que falamos.
Além disso, não se postula que os gêneros sejam rijos e
inflexíveis:
assim como as situações de interação social se
modificam, as maneiras de se comunicar também. Se tomarmos
como exemplo a inovação dos meios midiáticos, teremos a
aparição de uma gama de novos gêneros textuais que há algumas
décadas não se imaginava existir. Exemplos que atestam essa
113
flexibilidade dos gêneros são os blogs, scraps, posts, entre outros,
quase que exclusivos do campo da informática. Podemos apontar,
também, uma “evolução” de alguns gêneros, acompanhando o
desenvolvimento da sociedade: não é difícil estabelecer uma
relação de similaridade e de temporalidade entre o folhetim, a
rádio-novela e a novela televisiva.
Nessas possibilidades de mudança, reside o caráter relativo
da estabilidade dos gêneros. Isso atesta a asserção de que atuamos
na língua como parceiros ativos do processo interativo.
Outro aspecto importante, e que norteia o nosso estudo, diz
respeito às modalidades do gênero. O trabalho com a modalidade
escrita é sobremaneira discutido, apresentado, treinado e
fundamentado no espaço escolar. A oralidade, no entanto, não
tem o mesmo espaço. Sempre vista, equivocadamente, como o
lugar do erro, da confusão, da incoerência e da desorganização, a
oralidade foi marginalizada por muito tempo nos estudos
educacionais e, até mesmo, linguísticos, haja vista a pouca e
recente literatura sobre tal assunto. No entanto, como Bakhtin já
apontava, os gêneros podem-se dar tanto na esfera da escrita
quanto da oralidade.
A noção do autor sobre gêneros primários e secundários
guarda uma relação estreita com o continuum oralidade - escrita.
Não direta como aquela estabelecida anteriormente – a oralidade
como o lugar do erro e a escrita como o lugar da pureza
114
gramatical, mas pautada, principalmente, segundo o critério
interacional.
Os gêneros primários seriam aqueles que se
estabelecem entre práticas sociais mais simples e menos rígidas;
exemplo prototípico seria a conversação espontânea.
Já os
gêneros secundários teriam seu lugar estabelecido dentro de
limites mais rígidos e complexos das formas interacionais, como o
teatro, por exemplo.
Contudo,
não
estamos
estabelecendo,
com
essa
diferenciação, ou com a relação que dissemos existir entre as
modalidades e essa classificação dos gêneros, uma regra. Não
queremos incorrer no mesmo equívoco que há pouco criticamos.
O que estamos postulando é uma aproximação das modalidades
aos gêneros primários e secundários, como já apontada por
Bakhtin.
Nada impede que haja um gênero primário cuja
modalidade seja a escrita, assim como há gêneros secundários
orais. O que se apresenta é uma constatação empírica: os gêneros
orais, em sua maioria, depreendem uma organização diversa
daquela da escrita, já que o seu processo de planejamento é
concomitante ao tempo de fala, enquanto, na escrita, o que temos
é, majoritariamente, uma organização a priori.
A apresentação dessa relação faz-se necessária porque
talvez seja ela que fundamente a marginalidade do estudo com
gêneros orais menos planejados: como esses são mais simples e
pertencentes,
predominantemente,
115
às
esferas
privadas
de
comunicação, a escola não deveria se ater ao seu estudo. Afinal, o
aluno já sabe “falar”. Por conta dessa “verdade” educacional, o
lugar do estudo dos gêneros orais foi, por muito tempo, sequer
pensado.
Aprofundando-nos um pouco mais nessa questão, cabe,
aqui, uma pequena distinção que pode, de certa forma, fazer vir à
baila a incoerência teórica que rege a “verdade” apontada acima.
Marcuschi (2008b, p.25) apresenta-nos definições de oralidade e
fala que podem nos ser úteis para entender um pouco melhor essa
questão: sobre oralidade, o autor diz que “seria uma prática social
interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas
formas ou gêneros textuais (...)”; já a fala “seria uma forma de
produção
textual-discursiva
para
fins
comunicativos
na
modalidade oral”. Essa pequena distinção tem grande relevância
para os estudos de gêneros.
A fala associa-se ao campo da fisiologia, pois o ser
humano dispõe de mecanismos corporais responsáveis pela
transmissão de sons e esses sons foram estabelecidos de forma a
propiciar a comunicação.
Portanto, um ser humano sem
impedimentos fisiológicos seria capaz de falar, mas essa
capacidade não se espraiaria, diretamente, ao campo da
comunicação oral.
A oralidade, como apresentada, está
relacionada aos gêneros, já que envolve, em sua produção,
práticas interacionais.
116
Sendo assim, a assertiva de que o aluno “já sabe falar” é
mesmo uma verdade se reconhecermos “fala” no sentido mais
estrito, fisiológico. Assim, não caberia à escola ensiná-lo a falar,
mas sim a se expressar oralmente, ou seja, utilizar gêneros
comunicativos apropriados a cada situação em que se encontra,
seja ela pública ou privada.
Dada essa distinção, podemos, agora, compreender como
os projetos educacionais oficiais fundamentam o trabalho com
gêneros
textuais,
orais
ou
escritos.
Essa
apresentação
fundamentará o nosso trabalho de análise posterior.
2.1. Os gêneros textuais nos PCN
A observação dos documentos instrutivos de educação,
como os Parâmetros Curriculares Nacionais, doravante PCN,
confirma o que se disse até então: a língua, como prática interativa
de comunicação, deve ser o objeto da escola.
É dever dessa
instituição aprofundar a utilização, por parte do aluno, dos
mecanismos de linguagem em instância privada e apresentar os
componentes necessários para o estabelecimento profícuo desses
mecanismos na instância pública. O conceito de gêneros textuais é
basilar para essa discussão, já que se assume que é através deles
que acontecem, efetivamente, as trocas interativas.
117
Mesmo que a escola, em âmbito mais geral, ainda encontre
dificuldades em se adaptar às recentes pesquisas linguísticas, o
que se tem de efetivo, e produtivo, é a assunção de que o estudo
da língua por meio dos gêneros textuais é o caminho para um
trabalho que possa fazer com que o aluno tenha oportunidade de
adaptar sua fala à situação de uso, ao seu interlocutor, ao espaço
em que se encontra, entre tantos outros mediadores do evento
comunicativo.
Os PCN apontam para a dificuldade que se tinha antes da
aplicabilidade do estudo de gêneros textuais ao contexto escolar.
Os alunos tinham grandes déficits formativos, tanto de leitura
quanto de produção de textos.
Não é estranho que cheguem
alunos as cadeiras iniciais das faculdades de letras do Brasil sem o
mínimo domínio de alguns gêneros textuais fundamentais a vida
acadêmica, como o resumo e o seminário, para ficarmos com
apenas dois dos mais freqüentes, um na modalidade escrita e outro
na oral.
Hoje, as gerações de futuros professores já dispõem de um
arcabouço teórico e prático riquíssimo no campo do trabalho com
gêneros textuais. Muito pela pressão de documentos como os
PCN, os autores de livros didáticos se adaptaram a essa nova
realidade trazida pelos estudos textuais.
Bem verdade que o
espaço escolar e a sociedade como um todo ainda guardam
resquícios desse momento tradicionalista e normativo, já que não
118
há como se mudar anos de formalismo em pouco tempo. No
entanto, pela mudança ocorrida no seio de quem pensa a
educação, que se espalha pelos vestibulares e processos seletivos,
chegando aos livros didáticos e às cadeiras escolares, temos uma
revolução teórica que pode, daqui a algum tempo, alcançar certa
equivalência com os estudos mais tradicionais.
Além desse trabalho com gêneros textuais, os PCN
desenvolvem
um
profundo
trabalho
de
compreensão
e
aplicabilidade dos estudos de variação linguística. Isso porque, no
entendimento desse documento, é esse estudo que, de certa forma,
norteia o trabalho com o texto. O aluno deve entender que a
língua admite variações que podem depender de fatores internos e
externos ao falante.
Esses últimos, se entendidos como
participantes do processo de interação, tendem a justificar
determinadas escolhas e de determinados gêneros. Sendo assim, a
associação do estudo de gêneros textuais aos de variabilidade
linguística se torna produtiva à medida que leva o aluno a
entender o enunciado não partindo unicamente do ponto de vista
do texto como produto, mas sim de seu processo de produção, ou
seja, entender que o enunciado é fruto de uma enunciação, cujos
participantes
“selecionam”
os
gêneros
disponíveis
interativamente.
Não aprofundaremos as discussões sobre o papel dos
estudos de variação na acepção dos gêneros, mas, claro está, de
119
antemão, que é assim que os PCN propõem essa discussão,
principalmente no que tange aos estudos de oralidade, como
veremos na próxima seção.
3. O espaço da oralidade na escola
“Ensinar o que já se sabe”: essa, como dissemos, é a
máxima que norteia o trabalho com a oralidade e é a desculpa para
não fazê-lo. Baseados no consenso de que os alunos sabem falar –
e muito, como atestam os docentes –, a oralidade é tolhida em sala
de aula. A simples resposta oral há alguma pergunta direcionada
é o máximo que se poderia esperar no ensino tradicional. Essa
resposta, aliás, deveria ser dada de modo extremamente formal e
ordenada, tal como na escrita, afinal, “o falar adequado é aquele o
mais próximo da escrita possível”, como defendem as gramáticas
mais tradicionais de cunho normativo e prescritivo.
Abre-se, pois, uma discussão muito delicada: o que é
“ensinar oralidade”? Formalizar as aulas de fonética? Apresentar
falares de diferentes regiões do país e ensinar sotaques? Sem
dúvida não é esse o efetivo trabalho com o oral, muito embora os
PCN apresentem, sempre que possível, uma contraparte
variacionista ao estudo da fala. O respeito pela diversidade e a
avaliação sem preconceitos dos vários dialetos do país nas
audições que se devem fazer no espaço escolar mostram, de certa
120
maneira, a preocupação em dar uma finalidade sociolinguística ao
estudo da oralidade.
Isso se dê talvez pelo fato de que nem
mesmo os estudos linguísticos são suficientes para demandar a
questão do oral, o que dirá os manuais que neles se baseiam.
Não se discute, aqui, a pertinência dessa associação. O
que se pretende, no entanto, é fundamentar essa questão da
oralidade não somente nos estudos variacionistas, como fazem,
predominantemente, os manuais, mas apresentar possibilidades de
relação com o estudo dos gêneros que, afinal, é o que sustenta a
perspectiva interacionista comunicativa que se quer adotada pela
instituição escolar. Assim,
Cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas
diversas situações comunicativas, especialmente nas mais
formais: planejamento e realização de entrevistas, debates,
seminários, diálogos com autoridades, dramatizações, etc.
Trata-se de propor situações didáticas nas quais essas
atividades façam sentido de fato, pois seria descabido
“treinar” o uso mais formal da fala. A aprendizagem de
procedimentos eficazes tanto de fala como de escuta, em
contextos mais formais, dificilmente ocorrerá se a escola não
tomar para si a tarefa de promovê-la. (PCN, 1998. p.27)
Vê-se, portanto, uma preocupação em apresentar o estudo
da oralidade relacionado aos estudos variacionistas. O que se
entende, no entanto, é que subjaz a esse conceito uma
possibilidade de nortear esse estudo pelos gêneros, o que não é
deixado
claro
pelos
PCN.
As
“diferentes
situações
comunicativas”, como “entrevistas, debates, seminários, diálogos
121
com autoridades, dramatizações” são, especificamente, os gêneros
textuais.
De certa forma, espera-se que a escola trabalhe com os
gêneros textuais secundários, segundo a visão bakhtiniana. No
entanto, também merecem relevante espaço algumas discussões
sobre os gêneros orais primários. Não há por que abandonar esses
gêneros no espaço escolar.
(...) a capacidade de uso da língua oral que as crianças
possuem ao ingressar na escola foi adquirida no espaço
privado: contextos comunicativos informais, coloquiais,
familiares. Ainda que, de certa forma, boa parte dessas
situações também tenha lugar no espaço escolar, não se trata
de reproduzi-las para ensinar aos alunos o que já sabem.
Considerar objeto de ensino escolar a língua que elas já falam
requer, portanto, a explicitação do que se deve ensinar e de
como fazê-lo. (PCN, 1998. p. 38)
Compreendemos que explicitar “o que é” e o “como se
faz” depende, necessariamente, de uma avaliação sistemática dos
gêneros textuais orais. Como indica a afirmativa acima, mesmo
que, prioritariamente, o objetivo do espaço escolar seja a análise e
reconhecimento de gêneros mais planejados, não deixa de ter
espaço o estudo mais sistemático daqueles com os quais os alunos
já possuem maior familiaridade. Espera-se que, partindo de um
estudo desses gêneros menos planejados, o aluno seja levado a um
crescimento e aperfeiçoamento do trabalho com a oralidade.
Entender, por exemplo, os marcadores conversacionais que
apontam a troca de turno em um diálogo espontâneo pode
122
favorecer, posteriormente, a coerência das proposições num
debate regrado e, até mesmo, facilitar a utilização dos operadores
argumentativos num artigo opinativo escrito.
Convém, aqui, analisar mais especificamente o que seria
esse “oral espontâneo”. Segundo Dolz & Schneuwly (2004, p.
157), temos
O oral “espontâneo”, geralmente pensado como fala
improvisada em situação de interlocução conversacional, que
(...) constitui um “modelo” relativamente idealizado, a
respeito do qual, às vezes, à primeira vista, sublinha-se o
aspecto aparentemente fragmentário e descontínuo que, com
freqüência, esconde regularidades a serviço da comunicação.
Os autores pressupõem conceitos de orais variados que se
definiriam nos termos de um continuum: num extremo estaria
esse oral apresentado; no outro, a leitura oral de textos escritos.
Ambas as formas devem ser trabalhadas pela escola, não
analisadas dicotomicamente, mas como partes desse continuum,
cuja apropriação por parte do aluno deve favorecer tanto um
desenvolvimento do oral espontâneo quanto uma apropriação do
oral utilizado em situações mais controladas.
Outra observação que pode ser feita a respeito desse uso da
oralidade é a falsa impressão que se tem de desorganização
peculiar da fala. Segundo Dolz & Schneuwly (2004, p. 159), a
produção oral tem um planejamento que se “elabora em ação”.
Assim, o falante se serve das relações interacionais de que
123
participa para observar, analisar, rever, refazer e produzir o seu
texto. Os movimentos de hesitações e pausas, assim como as
autocorreções são as mais claras manifestações de planejamento
decorrente da interação in loco. Num texto escrito, o produtor
imagina um possível leitor a que seu texto atingirá, mas não pode
dominar, completamente, as reações que este terá ao ler. Na fala,
mesmo que não se identifique totalmente esse leitor, as reações
faciais ou gestuais podem levar a fala a uma reorganização. Um
professor, por exemplo, muda seu ritmo de voz, seus exemplos,
suas explicações ao perceber que seus alunos não estão
acompanhando efetivamente o que está sendo explicado. Alguns
manuais produzidos para cursos à distância têm procurado adotar
uma interação com o leitor de forma a se aproximar de uma
conversa, com explicações mais minuciosas e previsão de
possíveis perguntas. O par pergunta-resposta, comum à interação
face a face, é muito utilizado como método didático desses
manuais.
Assim, o espaço da oralidade – inclusive do oral
espontâneo – na escola tem de ir muito além da simples
observação de variantes dialetais e de registro. Tem de seguir a
perspectiva adotada para um estudo linguístico eficaz – o conceito
de gênero, observando as características pertencentes a cada um
dos gêneros abordados e, sempre que possível, não os observando
como um mecanismo estanque. Associado a esse conceito, é
124
relevante, também, a discussão sobre as tipologias textuais, o que
veremos a seguir.
4. Um aporte teórico-metodológico: as tipologias
textuais
Uma noção muito cara aos estudos de gêneros textuais é a
de tipos de texto ou sequências textuais. Essa noção, apresentada
por Adam e retomada por outros teóricos, insere-se no contexto da
Linguística Textual de forma a associar-se aos estudos de gêneros,
fundamentando ainda mais o trabalho com esses últimos. Vejamos
o que nos diz Marcuschi (2008a, p.154) sobre o tipo textual:
(...) designa uma espécie de construção teórica {em geral uma
sequência subjacente aos textos} definida pela natureza
linguística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas, estilo}. (...) Em geral, os
tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias
conhecidas como: narração, argumentação, exposição,
descrição, injunção9.
Se os gêneros são entendidos no processo interacional e,
por conta disso, assumem uma função específica dentro de uma
9
Como nos atesta Bonini (2005), Adam reviu sua literatura e, para ele, não
seria necessária a criação de uma tipologia injuntiva, já que essa se aproximaria
em muito da descritiva. Às quatro restantes, Adam acrescentaria a tipologia
dialogal. Não abordaremos essa discussão teórica em nosso estudo, tendo em
vista que a nossa principal finalidade é a discussão do conceito de gênero.
Adotaremos, pois, as tipologias apontadas por Marcuschi.
125
dada esfera comunicativa, os tipos de texto são caracterizados
muito mais pela forma que os compõem, ou seja, pelas as marcas
linguísticas que podem ser detectadas. A implicação interacional
dos tipos de texto é, portanto, menor que a dos gêneros.
Não queremos dizer, com isso, que os tipos de texto
independem da situação comunicativa. Os falantes selecionam
gêneros, e esses gêneros são compostos por tipologias. Essas, por
sua vez, pode se imbricar no interior do gênero. Poucas são as
tipologias que aparecem independentemente de outras.
Na
maioria das vezes, o que se tem é uma predominância de uma
tipologia, associada a outra, que aparece em menor escala. Um
romance, por exemplo, constitui um gênero textual determinado
por uma função sócio-interativa específica e se sustenta,
basicamente, sobre as tipologias narrativa e descritiva. A primeira
é predominante, e a segunda está, quase sempre, em função da
primeira.
Como vimos no excerto, as tipologias são poucas e finitas,
enquanto os gêneros são vários e as possibilidades de novas
criações são muitas. Portanto, para que se tenha um sustentáculo
teórico pouco flutuante, a noção de tipo textual vai ao encontro
das propostas de trabalho com o texto. O aluno é levado a pensar
e a produzir os mais variados gêneros, sabendo que cada um deles
se organiza, predominantemente, conforme um tipo de texto.
126
De forma sistemática, a escola e, consequentemente, os LD
procuram apoiar os estudos do texto na sistematização das
tipologias. No que tange ao trabalho com as marcas linguísticas, a
teoria dos tipos de texto torna a aplicabilidade dos ensinamentos
muito mais palpável para o aluno.
Entende-se, pois, que a
associação dessas teorias é fundamental para um pronto
desenvolvimento das habilidades textuais, tanto de produção
quanto de leitura e compreensão.
A próxima seção tratará, especificamente, da análise de
dois livros didáticos, cuja perspectiva de trabalho se pauta no
estudo
dos
gêneros
textuais.
Procuraremos
apontar,
especificamente, o trabalho com gêneros orais menos planejados,
levando em conta, agora, não só a avaliação das discussões sobre
gêneros textuais, mas também a associação aos estudos
tipológicos.
5. Análise de Livros Didáticos
Nesta seção, trataremos especificamente da avaliação de
duas coleções de livros didáticos, que funcionarão como uma
amostra do trabalho feito nas escolas do segundo segmento do
ensino fundamental.
As duas coleções passaram por avaliações variadas, tanto
no que diz respeito ao trabalho com as competências linguísticas
127
quanto na sua proficiência em relação ao trabalho com o texto. No
entanto, de acordo com a perspectiva que levantamos,
observaremos mais atentamente como é feito o trabalho com os
gêneros orais espontâneos e os tipos de textos e tentaremos, na
medida do possível, suscitar discussões sobre a relevância do
trabalho com essa modalidade dos gêneros na escola, quais deles
são selecionados para esse trabalho e o tipo de texto predominante
nesses.
Faremos, em princípio, um levantamento básico das
propostas de discussão com a oralidade.
Após esse primeiro
momento, observaremos quais são os gêneros menos planejados
apresentados e como são trabalhados. Avaliaremos, à luz dos
conceitos teóricos já apresentados, a proficiência dos materiais
elaborados e, proporemos, sempre que possível, uma ampliação
do trabalho com o gênero mediante a literatura especializada.
5.1. Coleção Passaporte para a língua portuguesa.
A primeira coleção que analisaremos apresentou um
trabalho eficaz com os gêneros orais, tanto os mais planejados
como os espontâneos. Sob uma perspectiva semiótica, as autoras
trabalham os conteúdos dos livros partindo de temáticas próximas
aos alunos, apresentando, em cada uma das unidades da coleção,
gêneros variados. Todas as noções de gêneros e tipos de texto
128
apresentadas no manual do professor que acompanha a coleção
têm as mesmas bases daquelas lançadas nesse artigo. Portanto,
observa-se que a metodologia de trabalho é adequada aos modelos
propostos pelos PCN e em consonância com o que de mais recente
se apresenta em termos de estudos linguísticos.
Vejamos, no quadro abaixo, uma avaliação geral dos
gêneros orais espontâneos encontrados na coleção. Sempre que
necessário, apontaremos outros gêneros orais complementares,
mesmo que sejam aqueles mais planejados:
VOLUME 1 – 5ª SÉRIE/ 6º ANO
UNIDADE
1 – TEXTO E
GÊNERO
LIÇÃO
1–
Família
GÊNERO(S)
DA
ORALIDADE
RESUMO DE
ATIVIDADES
- leitura oral de
textos escritos
conversa
dirigida
A primeira lição
propõe
uma
sistematização
das
principais
características
da
oralidade. A leitura
oral aponta para a
relação entre oralidade
e escrita. A conversa
dirigida
apresenta
procedimentos
utilizados em uma
situação
de
conversação.
No
entanto, o caráter
“dirigido”
da
atividade de produção
reduz
a
espontaneidade
do
gênero.
129
2 – VOZES DO
TEXTO
2–
Bichos
- diálogo
coletivo
- leitura
expressiva
- leitura
dramatizada de
conto
3–
Lembranças
- Relato de
experiência
- Debate
mediado
- Jogo da
memória
- Discussão
dirigida
- Registro
escrito de texto
oral
130
O diálogo coletivo é
a proposta final de
atividade.
Parte-se
das
leituras
expressiva
e
dramatizada para a
construção de um
arcabouço temático
que será utilizado no
diálogo.
Nesse
gênero
oral
específico,
as
características mais
espontâneas da fala
são respeitadas.
Partindo
de
perguntas
direcionadoras,
o
aluno é levado a
apresentar um relato
de experiência de
uma visita a um
museu.
O livro
sugere
que
a
apresentação
do
relato seja planejada.
O debate partiria das
impressões sobre o
espaço do museu
apontadas
nos
relatos. O jogo da
memória
não
apresenta
uma
organização genérica
muito
eficiente.
Propõe-se,
posteriormente uma
discussão sobre o
gênero memórias. O
registro escrito de
texto oral pressupõe
uma atividade de
4–
Sonhos e
emoções
- Debate
3 – TEMPO E
ESPAÇO
5–
Cidades
- Contação de
história
4ARGUMENTAÇÃO
7–
Comunicação
- Roda de
conversa
retextualização, mas
não é sistematizada
nessa lição
Vários
gêneros
textuais escritos são
utilizados
como
forma de direcionar a
discussão.
Os
alunos
são
levados a continuar,
oralmente,
uma
história iniciada pelo
professor.
Breve
apontamento sobre
os mecanismos de
progressão textual.
Sistematização das
atividades
de
retextualização.
Proposta
de
conversação
espontânea com um
tema norteador
Tabela 1: Passaporte para a língua portuguesa-V. 1
VOLUME 2 – 6º SÉRIE/ 7º ANO
UNIDADE
LIÇÃO
GÊNERO(S)
DA
ORALIDADE
1- FUNÇÕES
DA
LINGUAGEM
2–
Tecnologia
- Discussão em
grupo
2 – VOZES E
PONTOS DE
VISTA
3 – Sala de
aula
- Avaliação de
texto lido
131
RESUMO DE
ATIVIDADES
Proposta de conversação
espontânea com um tema
norteador.
Há
a
sistematização de uma
troca de experiências entre
os grupos formados.
Atividades avaliativas em
que os alunos têm de se
posicionar sobre a leitura
dos textos pertencentes a
outros colegas.
4–
Cultura
popular
brasileira
*Vários gêneros
orais são
propostos sob a
temática da
lição
- Conversa
temática
Na lição, os alunos são
levados a praticar várias
atividades orais. A maioria
delas é planejada. Muitas
têm por direcionamento o
texto escrito.
Tabela 2: Passaporte para a língua portuguesa-V. 2
VOLUME 3 – 7º SÉRIE/ 8º ANO
UNIDADE
LIÇÃO
GÊNERO(S)
DA
ORALIDADE
1- VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA
2–
Romeus e
Julietas
- Relato
espontâneo
3 – TEXTOS
SINCRETICOS
5 – No
escurinho
do cinema
- Conversa em
grupo de forma
espontânea.
RESUMO DE
ATIVIDADES
Recontagem espontânea de
texto lido. Nessa lição,
apresentam-se
efetivamente
as
características do texto
oral.
Há, inclusive,
apresentação de alguns
símbolos de transcrição
que
marcam,
especificamente,
o
planejamento
concomitante que ocorre
na fala.
Discussão em grupo sobre
textos que versam sobre a
temática do cinema. Os
textos motivadores estão
no próprio livro e em
pesquisas que o aluno
deverá
ter
feito
anteriormente.
Tabela 3: Passaporte para a língua portuguesa-V. 3
132
VOLUME 4 – 8º SÉRIE/ 9º ANO
Não foram encontrados gêneros orais espontâneos diferentes daqueles já
abordados em outros volumes.
Tabela 4: Passaporte para a língua portuguesa-V. 4
Uma breve análise desse quadro nos permitirá chegar a
algumas conclusões. A primeira delas é de que, sem dúvida, a
coleção trabalha de forma gradual a complexidade e o
planejamento dos gêneros orais. Isso se confirma se observarmos
a quantidade de gêneros espontâneos pelos anos de escolarização.
Há uma concentração muito grande desses gêneros nos dois
primeiros volumes, enquanto os últimos retomam minimamente
alguns deles.
A segunda conclusão a que chegamos pode, a princípio,
parecer contrariar a primeira, mas não o faz. Mesmo que o maior
quantitativo de gêneros orais espontâneos ocorra nas séries
iniciais do segundo ciclo do ensino fundamental, esses gêneros
não deixam de aparecer ao longo dos dois últimos anos.
A
conversa informal e o debate são recursivos em todos os volumes.
O que se vê, no entanto, é um aprofundamento temático das
discussões que se estabelecem. Além disso, a leitura dramatizada
ou expressiva, que estabelece o intercurso entre oralidade e
escrita, é também recorrente. Essas atividades de produção são
133
efetivas para a proficiência oral, tendo em vista que pressupõem o
desenvolvimento de recursos aplicáveis às manifestações da fala,
como entonação, gestualidade, expressões faciais, entre outros.
Aliados a essa produção oral espontânea, vão ganhando
espaço os gêneros orais mais planejados, sempre associando o
gênero à tipologia predominante. Assim, ao final do uso dessa
coleção, espera-se que o aluno consiga, pelo trabalho com os
gêneros espontâneos, dominar os aspectos mais amplos do
trabalho com a oralidade – respeito aos turnos, propriedade e
domínio dos recursos orais, utilização adequada de marcadores
conversacionais, ampliação de recursos epilinguísticos, entre
outros.
Essa progressão será útil ao aluno quando ele for
apresentado aos gêneros mais planejados, como debate regrado,
exposição oral, seminário, mesa redonda, comunicação oral,
discutidos ao longo dos volumes em associação às práticas
espontâneas.
Percebe-se, portanto, que a coleção apresenta uma
proposta muito efetiva com o trabalho da oralidade. Os gêneros
são trabalhados de forma adequada, sempre a serviço da temática
de cada uma das lições. Não se prioriza uma tipologia única, mas
quase todas as possíveis, com um destaque maior para os tipos
argumentativo e narrativo. Vê-se, ainda, nesse trabalho com o
texto oral, uma apropriação de uma das mais recentes propostas de
trabalho com língua: o trabalho em espiral, proposto por Dolz &
134
Schneuwly (2004). Para os autores, toda a discussão sobre o
gênero em questão deve propiciar ao aluno um desenvolvimento
efetivo desse, de forma gradativa. Com a utilização do mesmo
gênero ao longo das unidades e volumes, o aluno, ao final dos
quatro anos de trabalho, dominará quase que por completo os
componentes genéricos estruturais.
Uma atividade que mostra como isso se efetiva na coleção
é o trabalho com o gênero relato espontâneo. Esse mesmo texto é
trabalhado em todas as unidades. No primeiro volume, a forma de
produção do relato é livre. O aluno não tem uma sistematização
efetiva nem mesmo dos componentes tipológicos narrativos desse
texto. Com a apresentação mais organizada dessas marcas
linguísticas ao longo de todo o volume 1 e início do volume 2, o
aluno consegue, no início do volume 3, aprofundar sua reflexão
sobre as marcas tipológicas e sobre as características genéricas,
chegando, inclusive, a aprofundar as discussões sobre as marcas
específicas da oralidade.
Outro trabalho efetivo se estabelece na interação entre as
modalidades oral e escrita.
A retextualização, proposta por
Marcuschi (2008b), faz com que o aluno consiga perceber que a
ordenação da fala é específica, pois leva em conta uma situação de
interação que é diversa daquela que se estabelece na escrita. Não
se propõe que o aluno copie o que se diz, mas que ele consiga
entender o processo de “tradução” de uma modalidade para a
135
outra, adequando as marcas específicas de cada uma à situação
interativa. Fazendo isso, o aluno ampliará tanto o seu
conhecimento sobre as marcas orais como as implicações que o
texto escrito tem. Além disso, toda a atividade de retextualização
pressupõe uma interpretação do texto que será refeito. Não é uma
simples transcrição, mas uma apropriação efetiva do conteúdo do
texto, o que favorece, por conseguinte, a proficiência em leitura.
O que se observa, portanto, é uma aplicação, ao longo dos
quatro últimos anos do ensino fundamental, de uma proposta de
trabalho que vai propiciar o desenvolvimento efetivo dos mais
variados gêneros orais, planejados ou não, partindo daqueles que
possuem uma estruturação mais próxima da fala espontânea. Não
seria demais pensar que, ao longo desse trabalho, a participação
do alunado em sala de aula e seu comprometimento com a
disciplina seria muito maior, tendo em vista que, associados aos
mecanismos
de
produção
do
gênero,
o
aluno
também
desenvolveria a responsabilidade nos momentos de produção da
oralidade e o respeito à fala do outro, isso sistematizado pela
apresentação, mesmo que básica, dos mecanismos de turnos.
Além disso, as correções, as hesitações, as pausas, por exemplo,
serão mais produtivas e o planejamento em função da interação
muito mais eficaz.
136
5.2. Coleção Tudo é linguagem
A coleção Tudo é linguagem organiza suas lições em
função de um gênero textual específico. A proposta da coleção é
claramente sistematizada em relação às tipologias. Assim, no
volume 1, mesmo que apareçam elementos de argumentação e
injunção, o foco são os gêneros do narrar. Há uma progressão nas
discussões das marcas tipológicas, como, por exemplo, os
componentes de um texto narrativo (personagens, narrador,
ambiente, tempo), as partes que compõem o enredo (apresentação,
complicação, clímax e desfecho), as marcas linguísticas
propriamente ditas (classes de palavras e pontuação em função do
gênero da unidade). A cada unidade, o aluno é levado a refletir e
a aprofundar as marcas que tinham sido apresentadas nas unidades
anteriores.
Vejamos um quadro sinótico dos gêneros orais menos
planejados:
VOLUME
I
UNIDADE
GÊNEROS
1 – Conto
popular em
prosa
- leitura expressiva
de texto escrito
- criação oral de
desfecho
para
conto
- respostas orais a
questões
de
interpretação
- Roda de causos.
137
DESCRIÇÃO
A unidade discute as
questões da oralidade
em
relação,
principalmente, aos
recursos
entonacionais
disponíveis na fala.
Não
há
uma
sistematização
de
gêneros
orais
específicos, mas de
um trabalho com a
oralidade em função
do gênero que rege a
unidade.
2 – Conto
popular em
versos:
poema
narrativo
- debate
espontâneo
4 – Conto
fantástico
- conversa
espontânea
1 – Conto
- leitura
dramatizada
- análise de
transcrição
- comentário
crítico oral
3- Relato e
memória
- relato oral de
experiência
II
138
A seção Um bom
debate, presente em
todas as unidades,
promove a interação
espontânea
dos
alunos por meio de
questões norteadoras.
Após a construção de
um desfecho para um
conto – atividade
semelhante àquela da
unidade 1, os alunos
são levados a discutir
sobre os desfechos
criados, tendo que
chegar
a
um
consenso sobre qual
seria o melhor.
Atividades apoiadas
nos textos escritos.
Marcas tipológicas
destacadas.
A
análise de texto oral
transcrito avalia de
forma abrangente os
mecanismos da fala.
Discussão
oral
apoiada em textos
escritos.
Sem
sistematização desse
último gênero.
Apresentação oral de
situações
vividas
pelos alunos. Embora
não seja um gênero
III
IV
pouco
planejado,
como
não
se
apresenta
uma
sistematização
específica para esse
trabalho, assume-se
que a espontaneidade
da oralidade foi
levada em conta.
Não foram encontrados gêneros orais espontâneos
diferentes daqueles já abordados em outros volumes.
Não foram encontrados gêneros orais espontâneos
diferentes daqueles já abordados em outros volumes.
Tabela 5: Tudo é linguagem – Todos os volumes
Como se percebe nessa sucinta análise, o trabalho com o
gênero oral, especificamente, é pouco contemplado. A seção Um
bom debate é a que rege, de certa forma, esses estudos. No
entanto, não há muito mais que respostas orais às questões de
interpretação. A discussão das características dos gêneros orais é
ineficaz: não há uma exploração dos recursos empregados em
cada gênero, nem das situações interativas que os condicionam. A
oralidade, como atesta o Guia de Livros Didáticos (2010, p.142),
é o “ponto fraco” dessa coleção.
Espera-se que, de uma forma geral, os gêneros da
oralidade menos planejados, que são o foco de nossa análise,
sejam menos discutidos na totalidade das obras. Eles serviriam
como uma base para a análise dos gêneros mais planejados e
frequentes na esfera pública, o que é o objetivo e o foco do espaço
139
escolar. No entanto, a coleção em questão trabalha de forma
escassa tanto os gêneros menos planejados como os mais
planejados. Gêneros como seminários e exposições orais são
pouco ou sequer apresentados aos alunos.
A princípio, a questão da oralidade deve ser entendida
mais do que como um espaço para responder a questões de
interpretação. Se assim se fizer, estaremos trabalhando com a
fala, e não com a construção de gêneros orais (cf. Marcuschi,
2008b). Esse trabalho com a fala é, notadamente, foco da coleção,
haja vista a quantidade de atividades cujo objetivo final é o
aprofundamento das marcas entonacionais e expressivas.
A
grande carga de “leituras em voz alta” atesta essa aplicabilidade.
Além disso, a seção dos volumes que trabalha com a oralidade
tem, quase sempre, um contraponto com a escrita, em que essa
última toma o foco principal.
Para se ter uma noção da
desproporção dessa interface oral-escrito, o gênero entrevista
(Volume IV), que brota de um contexto conversacional, tem sua
apresentação e aplicabilidade unicamente voltada para a análise e
exploração da sua forma escrita. De certa maneira, esse gênero,
mesmo que planejado minimamente, guarda as características da
espontaneidade, já que o entrevistador tenta adequar suas
perguntas às respostas do entrevistado.
Como o gênero só é
apresentado em sua versão escrita, esse planejamento fica
defasado.
140
Uma boa sugestão, caso se pensasse em trabalhar
efetivamente a oralidade, seria o aprofundamento da discussão do
gênero entrevista em sua acepção prévia: análise da situação de
interação que define o gênero; reconhecimento dos papeis dos
atores desse jogo discursivo, bem como suas posições
hierárquicas; observação dos conhecimentos prévios que devem
ser acionados pelo entrevistador no momento da entrevista;
compreensão da progressão temática para que devem apontar as
perguntas em relação às respostas dadas; entre outros elementos
que definem o gênero.
Outra análise que contemplaria o estudo da oralidade seria
a que levasse em conta, para esse mesmo gênero, o par perguntaresposta. Para Marcuschi (1998, p. 37), esse par é “uma das
sequências conversacionais mais comuns”. De uma forma geral, o
trabalho que fosse dirigido por essa avaliação, apropriar-se-ia dos
conceitos básicos de oralidade espontânea e esse estudo poderia se
espraiar para outros campos, como uma avaliação dos tipos de
discurso, por exemplo. Um entrevistador tem várias formas de
questionar o entrevistado, seja diretamente, algo que acontece nos
momentos iniciais de uma entrevista, seja indiretamente, fazendo
comentários e avaliações sobre as respostas do entrevistado. Para
executar
esses
dois
tipos
de
prática,
são
necessários,
evidentemente, conhecimento e apropriação das características
genéricas. O que se vê muitas vezes, quando o trabalho com esse
141
gênero é aplicado na escola, é a criação de uma lista prévia de
perguntas,
que,
independentemente
das
respostas,
serão
apresentadas. Às práticas escolares, de forma geral, não trabalham
com a especificidade do gênero.
Além disso, poderia ser pensada outra proposta efetiva
para esse mesmo gênero, como a aplicação das práticas de
retextualização na tradução do texto oral para o escrito. A
entrevista, gênero oral e conversacional, poderia ser apresentada à
turma sob a modalidade escrita, mas desde que se fossem
discutidas as técnicas de transposição para essa modalidade.
Assim, o aluno conseguiria compreender as práticas orais em
relação à escrita, uma associação tão bem quista pelos manuais
didáticos. A proficiência em leitura também seria contemplada.
Se quisesse expandir o arcabouço teórico sobre oralidade,
o material poderia, minimamente, apresentar os mecanismos de
transcrição do texto oral. Assim, o aluno conseguiria visualizar
como ocorrem as construções orais espontâneas, em que momento
aparecem as hesitações, em função de que estão os marcadores
conversacionais, como acontece a passagem de turnos, entre
outros elementos. Castilho (2006) aponta para a necessidade de o
aluno se tornar um pesquisador em língua para apropriar-se
daquilo
que
já
sabe
e
expandir,
eficientemente,
seus
conhecimentos sobre a língua. Mais do que estabelecer normas
técnicas para uma transcrição, por exemplo, a construção, entre
142
aluno e professor, de sua própria legenda para marcar as estruturas
orais favoreceria essa apropriação e tornaria o trabalho mais
dinâmico e participativo, também como almejam os PCN.
Aqui, foram sugeridas, minimamente, quatro atividades
que contemplariam não só o trabalho com o gênero oral, como
também sua interface com o estudo de mecanismos linguísticos.
Percebe-se que é possível associar esses conceitos e concretizar as
mais variadas propostas que são apresentadas nos compêndios
teóricos que versam sobre a oralidade. Caberia, portanto, nessa
coleção que ora se apresenta, uma revisão desses conteúdos,
principalmente no que tange ao trabalho com os gêneros orais.
Fazer desse estudo uma atividade de simples resposta em voz alta
a perguntas de interpretação é minimizar as contribuições
linguísticas que o estudo da oralidade tem a oferecer. A obra
poderia, ainda, explorar melhor as mídias que a acompanham, já
que esses mecanismos proporcionam a audição de vários gêneros
textuais. Atividades que levassem em conta essa audição e uma
posterior discussão dos gêneros facilitariam muito o trabalho com
a oralidade no espaço escolar.
6. Considerações finais
Nosso artigo apresenta, portanto, algumas impressões
sobre o trabalho que se efetua com oralidade na escola, mais
143
especificamente com os gêneros menos planejados, levando em
consideração que esses devem, também, ser objeto de discussão e
ensino.
Percebeu-se, aqui, tanto pelas apresentações teóricas
quanto pelas análises propostas, que esses gêneros são
minimamente abordados no espaço escolar e cabe aos manuais de
ensino adequarem-se a essa demanda, afinal, como atestam os
PCN, se não for na escola que essa discussão se deva dar, fora
dela tampouco será.
A precocidade do trabalho com oralidade de certa maneira
justifica uma inconstância dos LD nessa produção. No entanto, já
há propostas eficazes que fundamentem uma exploração mais
efetiva desses gêneros e sua aplicabilidade às situações
comunicativas pelas quais passará o aluno dentro e fora do espaço
escolar.
Estar preparado para um debate, uma entrevista de
emprego, uma apresentação informal, uma solicitação de
informação, dentre tantos outros gêneros cotidianos e, às vezes,
pouco planejados é o mínimo que se pode esperar ao final de um
trabalho específico com a oralidade.
Para que se cumpra o
objetivo educacional da escola, que é de preparar os discentes para
as situações por passarão fora desse ambiente, é urgente que se
revejam as propostas de trabalho com os gêneros menos
planejados. Parafraseando Marcuschi (2005), é preciso falar mais
sobre a questão da oralidade.
144
Referências
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Fontes, 1997 [1929].
BONINI, Adair. A noção de sequência textual na analise
pragmático-textual de Jean-Michel Adam. MEURER, J.L.;
BONINI, A. & MOTTA-ROTH, D.(org.). Gêneros: teorias,
métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.
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Portuguesa. Brasília, Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Básica, 2010.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais – terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa (PCNEF).
Brasília, Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998.
CASTILHO, Ataliba T. de. A língua falada no ensino de
português. São Paulo: Contexto, 2006.
DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
FÁVERO, L.L. et al. Oralidade e escrita: perspectivas para o
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KARWOSKI, Acir et al. (Org.). Gêneros textuais: reflexões e
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MARCUSCHI, L. A.. Produção textual, análise de gêneros e
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______. Da fala para a escrita: atividades de retextualização.
9.ed. São Paulo: Cortez, 2008b.
______. Oralidade e ensino de língua: uma questão pouco
“falada”. DIONÍSIO, A. & BEZERRA, Ma. Auxiliadora (Org.). O
livro didático de português: múltiplos olhares. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lucerna, 2002.
______. Análise da conversação. 4.ed. São Paulo: Ática, 1998.
Livros didáticos
BORGATTO, A. T.; BERTIN, T.; MARCHEZI, V. Tudo é
linguagem. 2.ed. São Paulo: Ática, 2009. (Obra em 4 v.)
DISCINI, N; TEIXEIRA, L. Passaporte para a língua
portuguesa. São Paulo: Editora do Brasil, 2007. (Obra em 4 v.)
145
O gênero entrevista na sala de aula:
uma proposta de ensino
Letícia Tupper (UFRJ)10
1. Introdução
Dentro do quadro teórico e epistemológico da vertente
sócio-interacional da Linguística Textual (LT), este artigo visa,
sobretudo, refletir sobre a questão do ensino de gênero textual
(GT). No entanto, será dada ênfase aos gêneros orais e à questão
da prática da sequência didática (SD) em sala de aula e, a fim de
ilustrar essa proposta, procuramos utilizar especificamente o
gênero entrevista como objeto de ensino, mostrando como esse
gênero pode e deve ser trabalhado no contexto didático. Por
último, serão analisados dois livros didáticos de português (LDP)
de ensino fundamental (EF) com o intuito de verificar como esses
livros propõem o ensino do gênero entrevista.
Primeiramente, é necessário que saibamos que para um
trabalho sócio-interacionista com a linguagem, no sentido da
constituição de leitores e escritores, há de se considerar o texto o
cerne do ensino de língua materna, já que é o texto que permite ao
aluno perceber e analisar os fatos linguísticos em situações reais
de uso, e não em unidades isoladas. Dentro desse panorama, se
10
[email protected]
146
entendermos que todo texto é concretizado em gêneros,
percebemos que o ensino de língua portuguesa (LP) deve ser
pautado no ensino de GT. Em outras palavras, dizemos que os GT
são os diferentes formatos que os textos assumem para ser
pertinentes e funcionais. Isto é, são a face concreta de um texto.
O trabalho com o texto na escola, de fato, ocorre. Algumas
pesquisas (cf. NEVES, 2008) mostram que muitos professores
afirmam trabalhar com textos, mas o que se faz com eles é a
grande questão. Como sabemos, os textos, na maioria das vezes,
são utilizados basicamente como um conjunto de frases isoladas
para a o ensino de um dado tópico gramatical.
Entretanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
para o ensino de LP, com base nos conceitos de letramento e de
GT, propõem que o texto como unidade de ensino configure um
trabalho que congregue três essenciais práticas de linguagem:
leitura, produção de textos orais e escritos e análise linguística.
Para isso, é necessário que o ensino privilegie os gêneros como
objetivo principal da disciplina. Mas o que significa ensinar um
GT? Que conhecimentos o professor precisa ter para ensinar
determinado gênero? Como ensiná-los?
Além dessas questões, o professor de LP, sabendo da
demanda expressa pelos PCN, deve perceber se e de que maneira
os LDP com os quais trabalha abordam o ensino de gêneros. É
preciso perceber se há uma efetiva colaboração para uma visão
147
crítica do ensino dessa disciplina, em que se enfatize leitura e
produção textual com base em diversos gêneros, tanto orais
quanto escritos, e também observar se esses compêndios oferecem
subsídios para que os docentes saibam como abordá-los.
Partindo desses pressupostos, este artigo contribuirá com
respostas a todas essas questões e possíveis soluções para os
problemas com que se deparam os docentes na sala de aula.
2. Os gêneros textuais como ação social
Sabemos que, em uma sociedade, os sujeitos estabelecem
relações múltiplas. A partir disso, somos levados a crer que nossas
necessidades
comunicativas
são
igualmente
múltiplas;
os
conteúdos de nossos atos verbais, portanto, são ilimitados.
Diante dessa constatação, é possível perceber que
praticamos infinitas ações de linguagem e tais ações vão formar o
que chamamos de gêneros textuais ou gêneros de discurso.11
Dizemos, portanto, que os gêneros nos são impostos pela
sociedade em que estamos inserindo e por isso reconhecemos e
produzimos, nas interações sociais, vários deles, fato este que
possibilita a comunicação verbal – mesmo que não haja uma
consciência clara disso.
11
Ver discussão sobre a diferença de nomenclaturas no artigo de Rojo (In:
MEURER et al., 2005, p. 184-207).
148
Diante de tal fato, Koch (2004, p. 102) defende a ideia
segundo a qual
(...) os indivíduos desenvolvem uma competência
metagenérica que lhes possibilita interagir de forma
conveniente, na medida em que se envolvem nas
diversas práticas sociais. É essa competência que
possibilita a produção e a compreensão de GT, e até
mesmo, que os denominemos (...).
De acordo com o postulado por de Bazerman (apud
MARCUSCHI, 2008, p. 16), esta capacidade de classificação dos
gêneros é momentânea:
(...) apesar de nosso interesse em identificar os gêneros
e classificá-los, parece impossível estabelecer
taxonomias e classificações duradouras [...]. Pois as
nossas identificações de formas genéricas são sempre
de curta duração.
Ao contrário do que se pode concluir, os gêneros têm uma
identidade e como menciona Marcuschi (2008, p. 16), “eles [os
gêneros] são entidades poderosas que na produção textual nos
condicionam a escolhas que não podem ser totalmente livres nem
aleatórias”. Isto é, os gêneros possuem caráter mediador e
organizador do uso que fazemos da linguagem. Por este motivo,
dizemos que todos os usuários de uma língua devem moldar sua
fala/escrita às formas dos gêneros.
149
Chamamos atenção ainda para o fato de que, para Bakhtin
(apud DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 116) três dimensões
formam a identidade de um gênero: o conteúdo temático (o que é
dizível por meio dele), a estrutura composicional (a forma de
organização do dito) e o estilo (os meios linguísticos que operam
para dizê-lo), elementos indissociáveis na constituição do gênero.
Assim,
(...) o gênero desempenha em toda interação, o papel
de interface entre os interlocutores: ele é o instrumento
de comunicação, à medida que define, para o
enunciador, o que é dizível e a forma de dizê-lo e, para
o destinatário, o „horizonte de expectativas‟. (DOLZ &
SCHNEUWLY, 2004, p. 116)
Percebemos, assim, que, ao mesmo tempo em que o
gênero impõe restrições e padronizações, também é um convite a
escolhas, estilos, criatividade e variação.
Ainda sobre a classificação dos gêneros, como nos alerta
Dell‟Isola (2007, p. 20) “são fortes os indícios de que o que se tem
ensinado não é o gênero em si, mas o formato engessado restrito a
uma estrutura fixa de como é o gênero”, como se houvesse uma
configuração rígida para cada GT. Devemos ficar alerta para o
perigo
de
categorizá-los
partindo
de
uma
“mentalidade
normativa”, em que os textos são simplesmente rotulados e
ensinados a partir de uma forma fixa, pois os gêneros não se
definem por sua forma, mas por sua função. O aluno deveria, pois,
150
ser capaz de depreender que os GT estão relacionados a certas
funções sociais. Por isso, é importante mostrar que os falantes não
estão impossibilitados de modificar e criar gêneros, como se a
estrutura composicional e o estilo fossem características estanques
de cada gênero. Esse seria um excelente caminho para tentar
explicar a relação entre a linguagem e as estruturas sociais.
Da mesma forma, Meurer (apud DELL‟ISOLA, 2007, p.
23) defende que
(...) tanto na forma oral quanto na escrita, os GT são
caracterizados pelas funções específicas e organização
retórica mais ou menos típica, são reconhecíveis pelas
características funcionais e organizacionais que
exibem e pelos contextos onde são realizados.
Por todos esses motivos, Bakhtin decidiu classificar os
gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados, já que
carregam em si um caráter flexível e plástico. Nessa definição,
podemos dizer que a palavra relativamente é essencial; é ela que
denota a flexibilidade do gênero, a qual está diretamente ligada às
interações sociais, e, se tais relações são complexas e os gêneros
constituem-se a partir das atividades humanas, por consequência,
eles refletirão as mudanças histórico-sociais e, então, estarão
sempre em constante constituição.
Assim, os gêneros, como entidades dinâmicas, sofrem
variações na sua constituição, que, em muitas ocasiões, resultam
151
em outros gêneros, novos gêneros. Não se trata de uma relação de
substituição, mas do aparecimento de gêneros a partir das novas
necessidades de interlocução, o que ocorre através das mudanças
sócio-históricas. Isto é, um gênero surge ou desaparece em função
das condições sócio-discursivas.
2.1.
Que gêneros orais ensinar?
Vimos que os gêneros são instrumentos que fazem a
mediação da atividade de linguagem comunicativa. Falta-nos
ainda escolher, dentre uma enorme variedade de gêneros, aqueles
que podem, e talvez mesmo devam, tornar-se objeto de ensino.
Sabendo que o papel da escola é sobretudo o de instruir, mais do
que o de educar, em vez de abordarmos os gêneros da vida
privada cotidiana, é preciso que nos concentremos no ensino de
gêneros da comunicação pública formal.
O trabalho escolar será realizado, evidentemente, sobre
gêneros que o aluno não domina ou o faz de maneira
insuficiente; sobre aqueles dificilmente acessíveis,
espontaneamente, pela maioria dos alunos; e sobre os
gêneros
públicos
e
não
privados.
(DOLZ
&
SCHNEUWLY, 2004, p. 83)
Uma das características inovadoras dos PCN é justamente
a inclusão de textos orais no ensino de língua. Dizemos isso
152
porque a tradição escolar é pouco desenvolvida no ensino do oral
e os conhecimentos sobre o desenvolvimento da linguagem oral
na idade escolar são muito limitados. Não é comum, por exemplo,
os LDP e os professores enfatizarem a “oralidade” na sala de aula.
Marcuschi (1997) já alertava para isso, ao analisar diversos
manuais didáticos e não encontrar em nenhum qualquer referência
a textos orais. Segundo os PCN, é a pluralidade de textos, orais ou
escritos, literários ou não, que fará o aluno perceber como se
estrutura sua língua.
Contudo, para os PCN, a existência de um vasto número
de gêneros torna impossível seu ensino de maneira totalizada.
Portanto, os parâmetros afirmam ser necessário priorizar os
gêneros merecedores de uma abordagem mais profunda como os
que dizem respeito aos usos públicos da linguagem que
contribuem para a participação plena na sociedade:
(...) Os textos a serem selecionados são aqueles que,
por suas características e usos, podem favorecer a
reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento
mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição
estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os
mais vitais para a plena participação numa sociedade
letrada. (BRASIL, 1998, p. 24)
Ou seja, “o papel da escola é levar os alunos a ultrapassar
as formas de produção oral cotidianas para confrontá-los com
outras formas mais institucionais, mediadas, parcialmente
153
reguladas por restrições exteriores” (DOLZ & SCHNEUWLY,
2004, p. 147). Não devemos, pois, perder tempo com textos que
os alunos aprendem sozinhos – oralmente ou na escrita, como o
diálogo escrito numa sala de bate-papos na internet, por exemplo.
Entretanto, devemos ainda proceder a uma seleção dos
gêneros que devem estar na escola, daqueles que devem ser objeto
somente de leitura ou, conjuntamente, de leitura e de escrita. O
gênero poema, por exemplo, não precisa ser objeto de produção,
mas de leitura e reflexão. Devemos ressaltar ainda que não só a
escolha, mas a progressão dos gêneros a serem ensinados merece
atenção. Segundo Dolz & Schneuwly, (2004, p. 104)
(...) ou um mesmo gênero é trabalhado, em diferentes
ciclos/séries, com objetivos cada vez mais complexos,
ou diferentes gêneros pertencentes a um mesmo
agrupamento12 podem ser estudados, em função das
possibilidades de transferência que permitem.
2.2.
O que trabalhar nos gêneros em sala de aula?
Como já foi mencionado, o trabalho com os gêneros, de
acordo com os PCN, deve privilegiar três importantes práticas de
linguagem, que devem ser trabalhadas conjuntamente: leitura,
produção textual e análise linguística.
12
Ver proposta de agrupamento de gêneros em Dolz & Schneuwly, 2004, p.
101-108.
154
É importante considerar que todos os textos estão
ancorados em práticas de linguagem historicamente construídas.
Ou seja, em situações de interação social em que as pessoas fazem
um determinado uso da língua.
O caráter social das práticas de linguagem revela que estas
estão em constante reelaboração, à medida que os homens
reatribuem sentido a práticas de linguagem aprendidas ao longo de
sua história e à medida que o modo como os homens produzem
suas próprias vidas também se modifica no decorrer do tempo,
aportando novos veículos de comunicação, novos GT ou novas
modalidades de textos de gêneros já conhecidos. Diante disso, a
adequação
linguística
dependerá
não
apenas
do
uso
gramaticalmente correto da língua, mas de como as pessoas fazem
uso dessa língua nas diversas situações de produção discursiva.
Por isso, a necessidade de entrarmos em contato com textos
originais, sejam eles orais ou escritos. Através deles nos
aproximamos do uso que as pessoas fazem da língua.
Quanto à prática de análise linguística, especificamente,
ressalta-se, no texto dos PCN, que ela não é um novo nome para o
ensino de gramática, mas uma maneira de perceber fenômenos
linguísticos e relacioná-los aos textos:
Quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda
que se considere a dimensão gramatical, não é possível
adotar uma caracterização preestabelecida. Os textos
submetem-se às regularidades linguísticas dos gêneros
155
em que se organizam e às especificidades de suas
condições de produção: isso aponta para a necessidade
de priorização de alguns conteúdos e não de outros.
(BRASIL, 1998, p. 78-79).
Diante disso, devemos compreender, definitivamente, que
estudar gramática a partir do texto é essencial para que o aluno
não fique com a impressão equivocada de que texto é uma coisa e
gramática é outra, e que um nada tem a ver com o outro. A
gramática, assim como os gêneros, é um meio para ensinar a ler e
escrever, portanto, não deve ser o objetivo central das aulas de LP.
Devemos ressaltar, porém, que trabalhar a análise
linguística a partir do texto que o aluno escreve é tomar a
produção de textos como um processo e não como um produto
final.
Dessa forma, a prática de escuta de textos orais / leitura de
textos escritos, a prática de produção de textos orais e escritos e a
prática de análise linguística formariam um tripé em cima do qual
sustenta-se o ensino de LP, funcionando como um bloco na
formação dos alunos. Os conteúdos devem partir, portanto, de
diferentes gêneros, sempre valorizando e destacando diferenças e
semelhanças entre eles, fazendo com que o aluno discuta o que vê
⁄ lê para conseguir se sentir usuário da língua e participante do
processo de aprendizagem. Em resumo, tem-se o princípio USO→
REFLEXÃO→ USO. É, portanto, na percepção das situações
156
discursivas que o aluno poderá se constituir como cidadão e
exercer seus direitos como usuário da língua.
Tudo isso deixa claro, conforme aponta Koch, (2009, p.
55), que
(...) o domínio do gênero, como o próprio domínio da
situação comunicativa, domínio este que se pode dar
através do ensino das capacidades de linguagem, isto
é, pelo ensino das aptidões exigidas para a produção de
um gênero determinado [...] seria, pois uma forma
concreta de dar poder de atuação aos educadores e, por
consequência, aos educandos.
Em resumo, os gêneros norteiam as interações sociais e, ao
mesmo tempo, são por elas norteados; apresentam flexibilidade
para as organizações dos enunciados; servem como base para o
dizer social. Os sujeitos se enunciam por meio dos enunciados
construídos dentro de um determinado gênero e, por meio do
enunciado e do seu gênero, expressam suas concepções de mundo,
suas crenças, seus valores, e formando, assim, uma cadeia
ininterrupta de sentidos.
3. O gênero entrevista: oral ou escrito?
A entrevista é um gênero jornalístico de longa tradição que
diz respeito a um encontro entre um jornalista – o entrevistador –
e um especialista ou uma pessoa que tem um interesse particular
157
num dado domínio – o entrevistado. Uma entrevista consiste,
então, em o entrevistador fazer falar esta pessoa expert (o
entrevistado) a respeito de diversos aspectos de um problema, de
uma questão, de um assunto particular, de um projeto, uma
situação etc, com o intuito de comunicar as informações
fornecidas a terceiros que representam, teoricamente pelo menos,
a demanda de informações. Portanto, quando se elabora uma
entrevista, devemos partir sempre de um determinado ângulo de
abordagem que resulta de uma escolha que teve por base a
consciência da importância de determinado assunto em detrimento
de outros.
É importante salientar a existência de vários tipos de
entrevista – entrevista jornalística, científica, radiofônica, médica,
de emprego, dentre outras –, aos quais podemos chamar de
subgêneros. Contudo, qualquer que seja o tipo, há uma ligação
fundamental com o universo da mídia. Seu lugar social de
produção é a imprensa escrita (revistas, jornais), a internet, o rádio
ou a televisão.
Percebemos, pois, que esse gênero possui características
gerais comuns a todos os subgêneros, a saber: 1) sua estrutura será
sempre caracterizada por perguntas e respostas, envolvendo pelo
menos dois indivíduos – o entrevistador e o entrevistado; 2) o
papel desempenhado pelo entrevistador caracteriza-se por abrir e
fechar a entrevista, fazer perguntas, suscitar a palavra ao outro,
158
incitar a transmissão de informações, introduzir novos assuntos,
orientar e reorientar a interação; 3) o entrevistado responde e
fornece as informações pedidas; 4) é um gênero primordialmente
oral, podendo ser transcrito para ser publicado em revistas,
jornais, sites da Internet.
Assim, é possível que, ao mencionarmos o gênero
entrevista, o nosso interlocutor acione significados sociais
histórica e socialmente compartilhados relativos a: temas que
recorrentemente são elaborados em uma entrevista (fatos da vida
ou ideias e opiniões do entrevistado sobre determinados temas ou
eventos), um motivo para fazer uma entrevista (a curiosidade da
sociedade sobre algo relacionado à pessoa pública entrevistada ou
a ela própria), um objetivo (levantar informações acerca dessa
pessoa, da sua opinião, experiência de vida etc), os papéis e
relações sociais dos envolvidos (é possível perceber que,
geralmente, ambos ocupam papéis públicos institucionalizados; a
natureza da relação social e interpessoal condiciona fortemente a
relação que se instaura entre os dois).
Numa visão restrita, os PCN sugerem que o trabalho com
entrevistas poderia ser feito quanto à forma, ensinando ao aluno
que o gênero entrevista se estrutura com perguntas e respostas que
são redigidas na íntegra. Percebemos, assim, que os parâmetros
curriculares não privilegiam o gênero estudado como forma de
enunciar valores, ideologias, vozes sociais e a relação com o
159
outro, mas sim, com a valorização da forma e com finalidade
escolar, como afirma Fiorin (2006, p. 60):
(...) Depois que os Parâmetros Curriculares Nacionais
estabeleceram que o ensino de Português fosse feito
com base nos gêneros, apareceram muitos livros
didáticos que vêem o gênero como um conjunto de
propriedades formais a que o texto deve obedecer. O
gênero é, assim, um produto, e seu ensino torna-se,
então, normativo. Sob a aparência de uma revolução
no ensino de Português está-se dentro da mesma
perspectiva normativa com que se ensinava gramática.
Isso deixa claro que o ensino de gêneros deve ir além da
chamada normatização descritiva, isto é, a tendência de explicar
só as características formais de cada gênero.
Já segundo a perspectiva de Dolz & Schneuwly (2004) e
também de Bakhtin, o estudo deveria evidenciar o processo de sua
produção, ou seja, as relações dialógicas e a sua contextualização
sociohistórico-cultural. Para eles, são os gêneros que determinam
um enunciado que atende às finalidades de diferentes esferas das
atividades humanas. Por estar intimamente ligado ao enunciado, o
estilo funciona como um elemento do gênero e reflete a
individualidade de quem fala. Assim, as escolhas linguísticas
estão voltadas para a intenção do enunciador perante seu
interlocutor e não exclusivamente para a forma.
Percebemos, então, que a entrevista deve ser estudada e
analisada de acordo com sua função na esfera social em que
160
circula. Contudo, esse gênero pode aparecer como excelente
instrumento de trabalho, tanto na linguagem escrita e oral dos
gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos
quanto na oralidade e escrita dos gêneros sugeridos para a prática
de produção de textos orais e escritos. Dizemos, pois, que a
entrevista constitui um gênero oral, mas que é eventualmente
transposto para a escrita. Entretanto, quando transcritas, não
possuem, na maioria dos casos, traços da oralidade e do contexto
situacional, pois, além de serem transcritas, são também editadas
de modo tal que toda marca oral é eliminada. Ou seja, devemos
mostrar aos alunos que a maioria das entrevistas escritas passou
por um processo de retextualização do oral.
Ainda em relação à questão do ensino, é necessário
ressaltar que os gêneros, orais ou escritos, não são conteúdos
escolares isolados, são socialmente produzidos e, quando têm
relevância para a constituição do domínio da língua, precisam ser
ensinados.
O gênero entrevista, portanto, é um dos gêneros orais que
precisa ser ensinado na escola, pois permite mostrar ao aluno
várias estratégias discursivas relevantes não só a esse gênero
como a outros produzidos e recebidos por eles nas diversas
situações linguareiras. Afinal, apesar de os gêneros se
diferenciarem em seus aspectos funcionais, a situação de
161
comunicação própria do gênero está socialmente ligada a várias
outras situações das quais ele depende.
Segundo Gouveia (2008, p. 10),
Segundo Medina (apud GOUVEIA, 2008, p. 10), no
contexto dos estudos jornalísticos, a entrevista
funciona como interação social e quebra de
isolamentos grupais, individuais e sociais. Serve
também como pluralizadora de vozes e como uma
distribuição democrática da informação, seu fim é o
inter-relacionamento humano. Os participantes da
entrevista se interagem, modificam, revelam, crescem
no conhecimento do mundo e deles próprios.
Escolhido o gênero oral a ser ensinado, o professor deve
identificar todos os elementos estáveis que determinam a
ocorrência do gênero que quer ensinar, refletindo sobre esses
elementos e analisando-os com os alunos. Nesse momento, é
preciso perguntar, por exemplo: Quais os elementos da situação
de comunicação de uma entrevista? Como ela se constitui?
Muitos são os elementos que podem ser estudados e
analisados nesse gênero. Como sabemos, as entrevistas, em geral,
além das características que já foram mencionados acima, contêm
outras bastantes marcantes. Por exemplo: alguns sinais de
pontuação, como o ponto de interrogação, o travessão, aspas,
reticências, parêntese e às vezes colchetes aparecem com
frequência e servem para dar ao leitor maior informações que ele
supostamente desconhece. Além disso, há sempre um título (um
162
enunciado curto) que chama a atenção do leitor e resume a ideia
básica da entrevista. Geralmente, esses títulos constituem-se por
paráfrases textuais e são acompanhados por um trecho importante
da fala do entrevistado.
Frequentemente observamos, ainda, algumas fotografias
do entrevistado ou sobre algo relacionado ao tema ou citado no
decorrer da entrevista a título de amostra. A fotografia do
entrevistado aparece normalmente na primeira página da
entrevista e pode estar acompanhada por uma frase importante
dita por ele. Podemos, por exemplo, dizer aos alunos que essas
frases importantes ditas pelo entrevistado, que também podem
aparecer em destaque nas outras páginas da entrevista, são
chamadas de "olho".
Além disso, é importante frisar que a entrevista se
estrutura basicamente por duas tipologias textuais: a expositiva, se
a intenção da entrevista for informar, expor conhecimento
(quando a entrevista é feita com algum especialista de uma área de
conhecimento, por exemplo), e a argumentativa, se o objetivo é
expressar opinião do entrevistado diante de um fato. Na
composição da introdução da entrevista, em que o entrevistador
coloca o leitor a par do assunto que será abordado ou apresentado,
vemos ainda, na maioria das vezes, a predominância da tipologia
narrativa.
163
A entrevista, apesar de ter uma estrutura previamente
preparada, possui uma característica peculiar de transformar a
interação quase numa realização espontânea da fala, entre o
entrevistador e entrevistado, contudo, devemos dizer que,
contrariamente a uma conversa comum, a entrevista apresenta um
caráter estruturado e formal cujo objetivo é satisfazer as
expectativas do destinatário.
Para a atividade pedagógica, a entrevista é um excelente
recurso, pois, além de desenvolver habilidades orais, viabilizar a
coleta de informações, permite um intenso trabalho com o texto,
especialmente quando a proposta for a transposição das palavras
do entrevistado para o texto (na transposição da linguagem falada
para o texto escrito há necessidade de supressões de redundâncias,
repetições, pausas e reelaboração sintática para que o texto não
fique tortuoso para a leitura). O aluno poderá perceber as
diferentes marcas da linguagem falada e escrita, as diferenças
sintáticas, além da necessidade do uso de pontuação adequada.
De acordo com Dolz & Schneuwly (2004, p. 73),
(...) esse gênero [a entrevista], sendo um instrumento
para adquirir e construir conhecimentos, pode, de
maneira válida, constitui-se num modelo simplificado,
suscetível de facilitar a aprendizagem do papel do
mediador,
da
co-gestão
[participação
institucionalizada] e da regulação da conversa formal.
164
3. A sequência didática
De acordo com Dolz & Schneuwly (2004), é dever da
escola auxiliar o aluno a dominar as características específicas de
determinados GT. Mas como o gênero deve ser trabalhado em
sala de aula? Como levar o aluno a construir as habilidades
necessárias à produção de um determinado gênero? A solução
dada é um procedimento que eles denominam sequência didática
(SD).
Uma SD “é um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um GT oral ou
escrito”, que tem por finalidade “ajudar o aluno a dominar melhor
um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de
uma
maneira
mais
adequada
numa
dada
situação
de
comunicação”. A SD é, portanto, um procedimento que serve para
“dar acesso aos alunos a práticas de linguagem novas ou
dificilmente domináveis” (DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 8283) e é composta de quatro etapas: a apresentação da situação, a
primeira produção, os módulos e a produção final.
Na apresentação da situação, devem ser apresentadas as
informações necessárias para que os alunos conheçam o projeto de
comunicação que será realizado na última etapa e a aprendizagem
de linguagem a que se relaciona. Essa parte prepara, ainda, os
alunos para a primeira produção, etapa subsequente, que não deixa
165
de ser uma tentativa de realização do gênero que será trabalhado
nos módulos. De acordo com Dolz & Schneuwly (2004, p. 84) “é
nesse momento que a turma constrói uma representação da
situação de comunicação e da atividade de linguagem a ser
executada”.
Nessa etapa, os professores devem deixar claro para os
alunos o gênero que será abordado, neste caso, a entrevista, e o
trabalho objetivado: obter informações mais específicas de um
determinado assunto com um especialista da área, por exemplo. O
professor pode ainda
perguntar aos
alunos
se eles já
ouviram/leram ou deram alguma entrevista, sobre o quê, quem,
para quem, em que “veículo”, com qual objetivo etc.
Para esclarecer as representações dos alunos, os autores
sugerem que se peça a eles que leiam ou escutem um exemplo do
gênero visado. Como, no caso da entrevista, é possível realizar
ambas as tarefas, a sugestão é que seja mostrada a entrevista em
vídeo/áudio, e depois a escrita. Ao levantar esse pré-conhecimento
com os alunos, reforçando os aspectos de oralidade sem esquecer
o apoio na escrita, eles tomarão consciência da situação em que se
envolverão e terão melhores resultados no uso dos gêneros como
valiosos instrumentos para o domínio da língua.
A segunda etapa de uma SD é a primeira produção. Esta
constitui uma primeira tentativa de elaboração do gênero
escolhido, o que servirá para mostrar, tanto para o próprio aluno
166
quanto para o professor, o que se conhece sobre aquele gênero.
Dessa forma, não estamos diante de uma produção completa, com
todas as características do gênero, mas essa etapa é crucial, pois
funciona como uma espécie de “reguladora” da sequência.
Cabe ao professor observar os conhecimentos já adquiridos
pelos alunos e também os não incorporados para que proceda a
sequência baseado em aspectos mais objetivos e bem delineados.
Nas palavras de Dolz & Schneuwly (2004, p. 84), “essa etapa
permite ao professor avaliar as capacidades já adquiridas e ajustar
as atividades e os exercícios previstos na sequência às
possibilidades e dificuldades reais da turma”.
A produção inicial pode ser simplificada, ou seja,
recomendamos que seja pedido aos alunos que façam uma
entrevista com o próprio colega de turma ou mesmo com um
destinatário fictício.
Os módulos servirão, pois, para que os alunos se apropriem
daqueles instrumentos necessários para que se domine o gênero
em estudo, trabalhando os problemas observados, na etapa
anterior, de maneira sistemática e aprofundada. Nessa etapa, é
possível comparar vários textos do gênero estudado, no caso da
entrevista, comparar aquelas feitas para revistas cujo público alvo
é os jovens com as que são feitas para revistas científicas, por
exemplo, ou uma entrevista oral mais informal em comparação
com outra mais formal. Podemos também nos concentrar num
167
aspecto mais preciso de elaboração de um texto, como, por
exemplo, elaborar refutações encadeadas ou a partir de uma
resposta dada na entrevista etc.
Outra importante observação, é que, nessa etapa, os
alunos, além de construírem progressivamente conhecimento
sobre o gênero, adquirem uma linguagem técnica, que será
comum à classe e ao professor. A título de exemplificação,
podemos citar o caso do aprendizado das técnicas para
transformar as respostas do outro em perguntas, numa entrevista,
através de uma linguagem técnica – que pode ser simples –
permite a revisão do próprio texto ou uma melhor antecipação do
que se deve fazer numa produção oral.13
Por fim, a produção final, será o momento em que o aluno
poderá pôr em prática tudo aquilo que foi adquirido na etapa
anterior, isto é, o aluno irá trabalhar todas as noções e os
instrumentos elaborados separadamente nos módulos de forma
conjunta e poderá, com o auxílio do professor, medir a sua
evolução. Poderá haver, portanto, uma comparação da produção
inicial com a final para que a percepção do progresso que
professor e aluno tiveram durante todo o trabalho seja mais nítida.
13
O tempo de duração dos módulos dependerá das dificuldades encontradas em
cada turma, portanto não há como estipular um tempo exato para todas as
turmas: como cada uma apresentará um grau de dificuldade, diz-se que a SD
possui caráter modular.
168
É este o momento, se assim desejar, de o professor propor
uma avaliação, em que os elementos trabalhados em aula sirvam
como critérios de avaliação, havendo, pois, uma explicitação bem
delimitada e conhecida dos critérios a serem avaliados, o que
servirá para que se observe as aprendizagens efetuadas e eventuais
retornos a pontos mal assimilados. A avaliação deve servir, então,
para analisar o progresso, o aprendizado do aluno.
A questão discutida nos parágrafos anteriores leva a outra
consideração: como o aluno não consegue se apropriar de todos os
conhecimentos sobre o gênero de uma só vez, a elaboração
didática, com um dado gênero, precisa ser retomada ao longo da
escolarização dos alunos. Essa constatação da necessidade de
retorno do mesmo gênero no currículo escolar é apontada por
Dolz & Schneuwly (2004), que propõem a noção de currículo em
espiral14, isto é, a cada retorno do gênero, haverá um
aprofundamento do conhecimento sobre o mesmo.
Além disso, devemos entender que o trabalho com os
gêneros na escola deve ser construído independentemente da
situação imediata de produção, o que exige um certo nível de
ficcionalização. No caso da entrevista,
14
Essa expressão „em espiral‟, remete ao ensino da diversidade textual a cada
nível. O que varia de um nível para outro são os objetivos limitados a serem
atingidos em relação a cada gênero: as dimensões trabalhadas, a complexidade
dos conteúdos e as exigências quanto ao tamanho e ao acabamento do texto.
169
(...) o enunciador tem por função transmitir o saber a outros; o
entrevistador não é somente um jornalista que gostaria de
saber mais sobre o assunto, mas também um mediador entre o
entrevistado e os ouvintes/leitores; o lugar social não é o
espaço onde se realiza a entrevista, mas um tipo de emissão
em um mass media, com restrições bem definidas. (DOLZ &
SCHNEUWLY, 2004, p. 147)
Como já foi dito, trabalhar com o oral significa levar os
alunos das formas de produção oral cotidianas e imediatas a outras
mais definidas do exterior, mais formais e mediatas. É
precisamente a escola que produz e pressupõe, para seu
funcionamento,
modos
de
comunicação
mais
fortemente
formalizados e convencionalizados, o que não exclui a
continuação paralela dos outros modos cotidianos.
Essas formas institucionais implicam sempre uma parte de
ficcionalização, à medida que os parâmetros contextuais não estão
dados
pela
situação
imediata,
mas
pré-definidos
institucionalmente e materializadas no próprio gênero. O
enunciador, o destinatário, lugar social são parcialmente instâncias
físicas e sociais da produção e da recepção imediatas e devem ser
ficcionalizados para aparecer no texto produzido, em forma de
traços diversos. Essa palavra fortemente definida e regulada do
exterior permite e pede uma intervenção didática, portanto, é
sobre ela que deve incidir prioritariamente o ensino do oral. Nesse
sentido, o trabalho sobre a ficcionalização parece constituir uma
dimensão essencial do trabalho sobre o oral.
170
Assim, ao criar um produto final com público definido, a
turma aprende a focar em um gênero e saber o quê, para quê e
para quem escrever/falar. Além disso, no que tange às produções
escritas, a tarefa adquire outro sentido, pois o aluno sabe que
escreve para que outros leiam (e não apenas para o professor), e,
portanto, passa a prestar mais atenção na necessidade de se fazer
entender. E, em relação à aos gêneros orais, passam a regular mais
a sua fala nas diversas situações de uso.
Diante de um trabalho como esse, fica clara a diferença
entre o trabalho do texto como pretexto e do texto como objeto de
ensino, pois, em linhas gerais, o procedimento prepara os alunos
para dominar sua língua nas situações mais diversas da visa
cotidiana, oferecendo-lhes instrumentos precisos para melhorar
suas capacidades de escrever e de falar; desenvolve no aluno uma
relação consciente e voluntária com seu comportamento de
linguagem e constroi nos alunos uma representação da atividade
de escrita e de fala em situações complexas.
Contudo, é preciso ter cuidado, porque uma das possíveis
derivações do trabalho de SD com os gêneros é fazer uma
pedagogia superficial: apresentar situações de comunicação sem
focalizar as capacidades linguísticas, linguístico-discursivas e as
necessidades dos alunos, que precisam aprender a escrever, em
português, textos importantes para a vida.
171
4. Análise de LDP de Ensino Fundamental
Os dois LDP analisados, ambos do Ensino Fundamental,
foram escolhidos para análise por apresentar como principal
objetivo o trabalho com os gêneros. Devemos ressaltar que o
objetivo da análise não se deu em função de avaliar a qualidade
das obras, mas de verificar como o trabalho com o gênero
entrevista tem sido feito nesses compêndios e quais propostas
podem ser incorporadas como um trabalho produtivo. Para tanto,
foram analisados não só a abordagem feita sobre os gêneros, mas
também as instruções e o suporte oferecidos pelo Manual do
Professor (MP), já que esta parte constitui um ponto de suporte e
às vezes o único referencial teórico que o professor possui. É
importante, então, que essa parte do compêndio seja bem
delimitada
e
forneça
ao
professor
todas
as
informações/explicações e subsídios necessários para todo o
trabalho realizado ao longo da obra.
Como constata Santos (2009, p. 17),
(...) é comum o professor considerar o livro didático, em
especial o MP, como referencial teórico, mas nem sempre os
autores desses manuais deixam claros os objetivos do trabalho
com gêneros [...]. Se os materiais didáticos apresentam falhas
[...], o professor acaba ficando sozinho na tarefa de definir
como trabalhar os textos em sala de aula.
172
O primeiro livro analisado, Passaporte para a língua
portuguesa, de Teixeira e Discini, apresenta em seu MP dois
objetivos principais: “levar o aluno a ler e produzir textos de
diferentes tipos e gêneros e levá-los a refletir sobre as
possibilidades de leitura que o mundo, considerado como um
texto, oferece”. (p. 4). Em torno desses dois tópicos teóricos, as
autoras organizam o estudo da expressão escrita e também da oral
“tendo o texto como fio condutor do projeto (...) e a noção de
gênero como eixo dos estudos feitos nesta coleção” (p. 4 e 8).
Diz-se ainda que serão privilegiados, assim como propõem Dolz
& Schnueuwly (2004), “os gêneros orais formais e públicos (...)
tendo sido escolhidos gêneros pertencentes a diferentes esferas de
circulação” (p. 12).
Apesar de ser perceptível a preocupação desta coleção em
trabalhar com os gêneros, foi possível observar vários deles sendo
trabalhados sem a sistematização devida. Confirmamos, dessa
forma, que, ao trabalhar com muitos gêneros dentro de uma
mesma lição, por exemplo, torna-se praticamente impossível
trabalhar as características específicas a cada um dos gêneros,
além de não contribuir para o trabalho em espiral como pregam os
PCN, ou seja, as vantagens sócio-histórico-culturais do processo
são deixadas de lado, ocorrendo uma abordagem superficial.
É necessário, pois, que haja uma sistematização consciente
de cada gênero abordado, senão o trabalho com os gêneros será
173
feito superficialmente com o intuito apenas de apontar uma
diversidade deles, o que não deve ser o objetivo do ensino,
porque, dessa forma, o gênero está sendo usado somente como
pretexto. De acordo com Santos (2009, p. 9),
(...) mesmo quando há variedade de textos, de domínios
discursivos diversos, nem sempre a abordagem dos gêneros
nos LDP se caracteriza por uma sistematização coerente e
uma reflexão sobre os papeis dos interlocutores, os objetivos
do texto e as estratégias necessárias para lê-lo/produzi-lo.
Além disso, não se abordou nesta coleção o gênero
entrevista, apesar de ela estar enquadrada na esfera jornalística,
bastante produtiva no que se refere aos gêneros em nossa
sociedade. Mesmo no trabalho com a reportagem, também
relacionada à esfera jornalística, não houve menção ao gênero
entrevista. Ou seja, nossa pesquisa, em relação a essa coleção, não
obteve resultados frutíferos no que concerne o trabalho com o
gênero pesquisado.
No que se refere ao segundo livro analisado, Tudo é
linguagem, de Borgatto et al, foi possível perceber um excelente
trabalho com o gênero entrevista. Sendo assim, a análise consistirá
em apontar os pontos fortes da proposta elaborada pelas autoras e
serão mencionadas algumas sugestões para um melhor trabalho
com esse gênero. Além disso, será observado se a proposta está de
acordo com o trabalho em SD, que mencionamos acima.
Começando pelo MP, percebemos que a obra possui como
eixo norteador os GT,
174
priorizando o estabelecimento da SD que pretende contemplar a
progressão em espiral. A primeira abordagem do gênero entrevista
é feita no livro do 7º ano, inserida na apresentação do gênero
reportagem. Nesse momento, são traçadas algumas características
do gênero, sem aprofundamento, pois a abordagem completa,
como é alertado ao professor em nota esclarecedora, será feita na
unidade 4 da obra destinada ao 9º ano.
No livro do 9º ano, então, há um trabalho bastante extenso
com o gênero entrevista. Na apresentação da unidade 4 (p. 117),
podemos observar uma tentativa de reproduzir a primeira etapa da
SD, ou seja, a apresentação da situação, em que é dito para os
alunos que
(...) uma das maneiras de obtermos informações sobre
determinado campo do conhecimento é conversar com
alguém que domine o assunto de nosso interesse. Essa
conversa pode se transformar em uma entrevista quando
preparada previamente, com perguntas planejadas por
alguém, que será o entrevistador, para serem feitas ao
entrevistado, com ordenação dos turnos de fala.
Entretanto, consideramos que o professor não precisa – e
talvez nem deva – se limitar somente a essa apresentação, como já
foi dito, ele pode recorrer a outros artifícios, como interrogar os
alunos para descobrir qual a experiência deles com o gênero a ser
estudado. Investigar o que eles já sabem sobre uma entrevista, se
já leram alguma e se a resposta for positiva, perguntar-lhes sobre
175
o quê, ou sobre quem foi, o que levou a ler aquela determinada
entrevista etc. Essas questões podem ser feitas até mesmo antes da
apresentação sugerida pelo livro.
É possível também que o professor leve para os alunos
uma entrevista em vídeo, para tentar ser mais realista. Fica a
critério do professor o assunto da entrevista a ser escolhido,
sugerimos aqui que seja uma entrevista cuja temática esteja
relacionada ao que vem sendo estudado, não só na sua disciplina
(literatura, gramática, redação), mas também em outras – um bom
momento para estabelecer a interdisciplinaridade tão comentada e
exigida ultimamente.
Após essa apresentação, é feita, neste volume, uma
reprodução de três entrevistas escritas cujos objetivos diferem: a
primeira é referente ao único astronauta brasileiro na Nasa e
objetiva mostrar o processo que o levou a ser um astronauta; a
segunda é feita com um cantor e objetiva informar sobre a
produção artística e vida pessoal do entrevistado; e a terceira é
feita com uma importante escritora e tem por objetivo divulgar as
próximas obras da autora.
Há, entretanto, um ponto em comum entre elas: todas
possuem como tema a importância de perseguir ideais, de não
desistir de sonhos. Além disso, todas as reproduções foram
iniciadas com a apresentação (ficcional) do veículo original de
onde elas foram retiradas, o que também é considerado importante
176
para mostrar aos alunos a forma como aquele gênero é veiculado
fora da escola e torná-lo mais real e mais fácil de ser identificadas
no dia a dia.
Apesar dessa tentativa de reprodução do gênero estudado,
é
preciso
que
sejam
promovidas
atividades
de
ensino/aprendizagem em que os alunos leiam textos nos
respectivos suportes em que foram publicados e que produzam os
gêneros de forma que eles circulem naquela esfera à qual
pertencem.
Em relação às atividades de interpretação de texto,
presentes após cada uma das entrevistas, foi possível perceber que
elas são mais direcionadas ao texto em si do que ao gênero.
Contudo, há questões bastante produtivas que focalizam a
estrutura que compõe o gênero, analisando as partes que a
compõem: a introdução e a entrevista propriamente dita. Nesta
última, procurou-se analisar a escolha do título, os papéis dos
interlocutores, o tipo de registro adotado, a marcação dos turnos
de fala, os tipos de perguntas, as circunstâncias de comunicação,
aspectos visuais etc.
Merecem destaque as atividades que focalizaram a
tipologia argumentativa presente em um trecho da 1ª entrevista
(p.125), a que ressalta o uso dos advérbios interrogativos nas
perguntas do entrevistado (p.124) e a que destaca os recursos
empregados para marcar os turnos de fala, as hesitações etc.
177
A obra propõe trabalhar com atividades escritas e orais, no
entanto, em relação a estas últimas, é feito um trabalho superficial,
pois os alunos não são levados a praticar o gênero em seus
aspectos orais, são apenas perguntas pessoais que exigem leitura
ou exposição em voz alta.
Após as duas primeiras entrevistas e ao final da
apresentação destas, é pedido aos alunos que comparem as
entrevistas reproduzidas a fim de mostrar-lhes as diferenças de
níveis de linguagem de ambos os participantes da situação e a
tipologia predominante em cada uma, mais expositiva ou
argumentativa. Esta abordagem é interessante porque mostra a
adequação da linguagem aos diferentes propósitos comunicativos
e mostra que a entrevista é um gênero que poder ser formal ou
informal, a depender das circunstâncias. Nessa parte, há uma forte
preocupação em ressaltar o contexto, a circunstância em que a
entrevista aconteceu, a intenção e o possível receptor do texto,
fatores esses que devem ser observados no estudo da entrevista
como em qualquer outro gênero.
Lemos no MP (p.2), que “os GT constituem o eixo
norteador da organização didática dos conteúdos de cada uma das
unidades. São os elementos desencadeadores de estudo e reflexão
sobre diversas práticas de linguagem (...)”. Ao analisar os pontos
gramaticais ao longo de toda obra, pudemos perceber que, dentro
de cada unidade, há a sistematização de alguns pontos
178
gramaticais. Na unidade norteada pelo gênero entrevista,
entretanto, os pontos a serem abordados são referentes ao
“processo
de
subordinação,
classificação
das
orações
subordinadas, o estudo dos pronomes relativos e da regência
verbal”. Como se nota, são conteúdos desvinculados do gênero.
Ou seja, não há uma ligação dos conteúdos gramaticais com o
gênero estudado, como sugere a SD.
Apesar do bom trabalho, podemos observar que parece ser
difícil elaborar atividades especificamente com base nos GT. A
maioria apresenta ênfase na interpretação do texto que compõe o
gênero. Conforme defendem Dolz & Schneuwly (2004), é
importante que sejam considerados aspectos como a estrutura, o
tema, o estilo, o suporte e a situação de interlocução nas
atividades de leitura e produção textual. Deste modo, fica notória
a dificuldade de os livros didáticos procederem a uma integração
entre o estudo dos gêneros com os estudos dos tópicos
gramaticais. Apesar de já haver um trabalho que priorize as
características formais e funcionais dos gêneros, ainda há
necessidade de cumprir os conteúdos exigidos pela escola, sem
atrelar esses conteúdos a textos efetivamente produzidos.
O trabalho mais próximo de uma SD se encontra no
caderno de produção de textos, um material à parte do livro,
destinado às produções textuais dos alunos. Neste material,
encontrou-se uma excelente ferramenta de trabalho com o gênero
179
entrevista. Neste caderno, há um trabalho integral com o gênero,
bastante semelhante ao procedimento com SD. Começa, porém,
com os módulos, em que são pedidas aos alunos atividades
variadas para treinamento. As atividades, aqui, envolvem também
tarefas de áudio (a obra inclui CD-Rom) como a retextualização
da entrevista oral para a escrita. Pedia-se aos alunos que, após
ouvir as respostas dadas pelos entrevistados, fossem elaboradas
possíveis perguntas para as respostas dadas. Ou seja, nesse
momento, confrontam-se os alunos com possíveis problemas a
serem encontrados na produção final.
Além disso, são sugeridos trabalhos em grupo e
individuais cujo objetivo principal é a elaboração de uma
entrevista a ser publicada, sugere-se que a publicação seja feita no
jornal do bairro, da própria escola ou mesmo no mural da escola.
O tema é sugerido pelo caderno e o entrevistado deve ser
escolhido pelos alunos. Neste caso, espera-se que eles escolham
um especialista naquele assunto.
Todas as tarefas exigidas no caderno já foram, de alguma
forma, abordadas no livro didático, portanto, o trabalho se torna
mais fácil e rápido. O que ocorre, de fato, é a produção de uma
entrevista pelo aluno após um contato prévio com este gênero no
livro do aluno.
Além dessas constatações, é necessário dizer que, nesta
obra, o MP satisfaz bastante as expectativas, pois é visível a
180
preocupação em oferecer bases teóricas ao professor. A
explicação de como dividir a obra e os objetivos gerais é bem
detalhada.
5. Considerações finais
Defendemos aqui que as práticas didático-pedagógicas de
LP precisam considerar a heterogeneidade de textos existentes em
nossa sociedade e levar em conta a necessidade de tornar nossos
alunos proficientes leitores e produtores de textos.
Para um trabalho como este, é necessário, antes de tudo,
que se compreenda que essa proficiência só pode ser alcançada
através do trabalho com os GT. Para tanto, é imprescindível que o
professor seja letrado nos gêneros que pretende ensinar, caso
contrário não será bem sucedido na sua tarefa. Entretanto, o
procedimento SD, como vimos, constitui uma excelente maneira
de lidar com o estudo de gêneros, uma vez que “propõe uma
forma precisa de trabalhar em sala de aula” (DOLZ &
SCHNEUWLY, 2004, p. 82).
Em outras palavras, cabe aos professores promover
oportunidades para um aprendizado igualitário com vistas a vários
letramentos que levam os aprendizes a compreensões de como
funcionam os textos nas sociedades; o desafio, porém, está em
criar situações em sala de aula que permitam aos alunos a
181
apropriação desta diversidade. Essa apropriação, contudo, não
pode estar limitada ao que os livros didáticos trazem, nem ao que
oferecem como atividades, pois muitas vezes, como constatamos,
eles não apresentam um trabalho integral com os gêneros.
Percebemos a necessidade de se integrar os estudos linguísticos
com o estudo dos gêneros.
Apesar de não termos encontrado um estudo sobre o
gênero entrevista em uma das obras, acreditamos que nesses
casos, o professor deva realizar um trabalho autônomo, que pode
ter como base o trabalho realizado com outros gêneros de uma
mesma esfera, por exemplo. Para isso, é importante que o MP dê
suporte para o docente, para que não o mesmo se sinta inseguro
em relação a essa tarefa.
Caso o LD não apresente um trabalho sistemático com os
gêneros que se pretende ensinar, o professor deve ser capaz de
preencher esse vazio. Para tanto, faz-se necessário que esteja
sempre ciente das pesquisas realizadas sobre o assunto, o que
requer constante atualização e estudo. Além disso, os autores dos
livros didáticos devem priorizar o trabalho contínuo com os
gêneros, de forma a levar os alunos a adquirir conhecimentos de
forma progressiva além de priorizar o estudo de alguns gêneros
em detrimento de outros, já que se torna impossível fazer um
trabalho sistemático com muitos gêneros. Para tanto, percebemos
182
que o trabalho com os gêneros atrelado ao trabalho com a SD é a
melhor opção.
Quanto aos alunos, é necessário que se sintam preparados
para compreender a dinâmica dos gêneros que circulam na
sociedade e se sintam aptos a interagir, não só com os gêneros a
que estão familiarizados, mas principalmente com os que não lhes
são familiar, dada a dinamicidade do discurso.
Percebemos, desse modo, que os GT servem como
ferramenta essencial para a socialização do aluno e permitem lidar
com o uso autêntico da língua. Sendo assim, devemos entender
que aprender a LP é aprender a compreender e produzir gêneros
orais e escritos.
A inclusão do gênero entrevista nas aulas de LP, por sua
vez, enriquece o trabalho do professor através da interpretação e
produção de texto em atividades orais e escritas. Ao analisarmos
sua estrutura, seu conteúdo, seu estilo, suas finalidades e suas
intenções, estaremos ensinando aos aprendizes formas de enunciar
valores, ideologias, vozes sociais e a relação com o outro, isto é,
fazemos com que os alunos adquiram um domínio progressivo das
situações de interlocução.
Diante de toda essa discussão, torna-se necessário discutir
propostas de inclusão dos GT na elaboração de conteúdo
programático e materiais didáticos e na formação dos professores,
além de ser importante continuar investigando de que forma os
183
LD estão inserindo o estudo com os gêneros em suas análises.
Observamos que apesar de os LD apresentarem melhoras em
relação ao estudo dos gêneros, ainda é preciso maior destaque e
organização na abordagem do assunto.
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185
O gênero textual exposição oral (seminário) em
dois livros didáticos de língua portuguesa do
Ensino Fundamental
Vivian de Oliveira Quandt (UFRJ)15
1. Introdução
Há bastante tempo, é difundida, no Brasil, pelo menos nos
meios acadêmicos, a ideia de que o texto é a base do ensinoaprendizagem do português como língua materna. No entanto,
segundo Rojo & Cordeiro (2010, p. 8), nas três últimas décadas,
primeiramente, o texto foi usado, na sala de aula, como “material
empírico que propiciava atos de leitura, de produção e análise
linguística”. Assim, durante essa época, o texto era tomado como
objeto de uso e servia para estimular hábitos de leitura e escrita,
não havendo, portanto, espaço para o ensino.
Mais tarde, ainda de acordo com Rojo & Cordeiro (2010),
algumas propriedades do texto passam a ser referenciadas no
ensino, sobretudo as estruturais, por meio das noções da
linguística textual. Depois, esse tipo de ensino deu lugar a uma
“gramaticalização dos eixos do uso, passando o texto a ser
“pretexto” não somente para um ensino da gramática normativa,
mas também da gramática textual” (Id., p. 9).
15
[email protected]
186
Essas práticas escolares com o texto, entretanto, estavam
formando leitores apenas com as capacidades mais básicas de
leitura/escrita, e isso ficava nítido ao observar, por exemplo, as
dificuldades de muitos alunos, ao final do Ensino Médio, em
compreender os textos propostos para leitura e organizar ideias
por escrito.
Essas evidências de fracasso escolar apontaram a
necessidade da reestruturação do ensino de língua portuguesa,
com o objetivo de encontrar formas de garantir, de fato, a
aprendizagem da leitura e da escrita. Dentro desse contexto,
aparecem os programas e propostas curriculares oficiais, como os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), por exemplo, que
ajudaram a mudar o enfoque dado ao texto e seus usos na sala de
aula até então.
Segundo os PCN do Ensino Fundamental (BRASIL, 1998,
p. 19), o domínio da língua oral e escrita é fundamental para a
participação social efetiva, já que é por meio dela que “os homens
e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam
e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de
mundo, produzem cultura”.
Sendo assim, preconiza-se que a escola, como espaço
institucional de acesso ao conhecimento, reveja as práticas de
ensino – que tratam a língua como algo sem vida e os textos como
conjunto de regras a serem aprendidas – e viabilize o acesso do
187
aluno ao universo dos textos que circulam socialmente,
ensinando-o a interpretá-los e a produzi-los de maneira eficaz e
“nas mais variadas situações” (BRASIL, 1998, p. 19). Dessa
forma, os PCNEF defendem que o texto deva estar no centro do
ensino da língua materna, com base numa diversidade de gêneros
textuais.
Essa ideia de centralizar o ensino da língua no texto, com
o intuito de desenvolver a competência discursiva dos alunos se
justifica pelo fato de, nas palavras de Marcuschi (2009, p.154), ser
“impossível
não
se
comunicar
verbalmente”
por
algum
gênero/texto, “porque toda a manifestação verbal se dá sempre por
meio de textos realizados em algum gênero” em função das
intenções comunicativas.
Nessa perspectiva, segundo os PCNEF, é necessário
contemplar, nas atividades de ensino, a diversidade de textos e
gêneros não apenas em função de sua relevância social, mas
também pelo fato de que textos pertencentes a diferentes gêneros
são organizados de diferentes formas. Assim, são colocados como
tópicos de estudo, também, os gêneros orais, uma vez que
somente através do contato e trabalho com uma pluralidade de
textos não só escritos como também orais, o aluno poderá ter
plena consciência da sua capacidade discursiva e, a partir daí,
exercer sua cidadania de maneira eficaz.
188
Embora os PCNEF sejam inovadores em alguns aspectos –
como a inserção da análise dos gêneros orais na escola – eles
pecam em outros, já que, de acordo com Marcuschi (2009, p. 207)
não indicam de maneira clara como tratar os gêneros (tanto orais
quanto escritos) nos livros didáticos. Essa questão apontada pelo
referido linguista faz com que se crie uma expectativa nos
profissionais que trabalham na área de ensino de língua: como os
manuais de língua portuguesa estão trabalhando os gêneros
textuais?
Partindo da indagação apresentada acima, o presente artigo
pretende analisar de que maneira os livros didáticos de português
do Ensino Fundamental estão apresentando e aplicando o conceito
de gêneros textuais, em especial, o de gêneros orais.
Como muitos são os livros didáticos de língua portuguesa
e muitos são os gêneros textuais orais que podem ser trabalhados
na escola, essa pesquisa restringe-se a analisar somente dois livros
didáticos (Borgatto et al. (2009) e Discini & Teixeira (2008)) e
somente o gênero oral seminário dentro dessas obras.
Esse trabalho pretende tratar os gêneros textuais seguindo
a linha bakhtiniana alimentada pela perspectiva de orientação
sociointeracionista – que se recusa a considerar a língua como um
sistema autônomo e como simples forma –, muito bem discutida,
por exemplo, em Marcuschi (2009) e Dolz & Schneuwly (2010),
que fazem uma releitura didática das ideias de Bakhtin,
189
preocupando-se, em particular, com o ensino dos gêneros textuais
na língua materna.
Assim sendo, o presente trabalho organiza-se da seguinte
forma: breve exposição dos pressupostos teóricos em que se
baseou a investigação; descrição dos livros didáticos, no que diz
respeito ao gênero oral mencionado; exposição da análise
empreendida nos livros didáticos, incluindo aí não só observações
acerca dos manuais do professor presentes nesses livros, como
também sugestões de atividades – com base em exemplos
presentes nos livros analisados – e algumas considerações finais.
2. Referencial teórico
Já que o objetivo do trabalho é fazer uma análise de como
estão sendo trabalhados os gêneros orais, especificamente o
gênero
seminário,
em
dois
livros
didáticos
do
Ensino
Fundamental, neste capítulo, será dada ênfase justamente a esse
gênero, não deixando, é claro, de apresentar considerações com
relação ao trabalho com os gêneros, de uma maneira geral, na
escola.
2.1. Os gêneros textuais na escola
De acordo com Marcuschi (2009, p. 155), os gêneros
textuais são os textos com os quais nos deparamos em nossa vida
diária
e
que
apresentam
190
padrões
sociocomunicativos
característicos definidos por “composições funcionais, objetivos
enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de
forças históricas, sociais, institucionais e técnicas”. Assim sendo,
os gêneros são vistos como formas textuais orais ou escritas
bastante estáveis, histórica e socialmente situadas.
Dessa forma, quando dominamos um gênero textual, não
dominamos uma forma linguística, mas uma forma de realizar
linguisticamente objetivos específicos em situações sociais
particulares. É nesse ponto que entra a importância de trabalhar os
gêneros, nas aulas de língua portuguesa, do Ensino Fundamental.
Se, conforme Bakhtin (1979, p. 279) (apud Marcuschi,
2009), todas as atividades humanas estão relacionadas ao uso da
língua, que se efetiva através de enunciados orais e escritos
concretos e únicos, que emanam dos integrantes de uma ou de
outra esfera da atividade humana, nada mais lógico que trabalhar
os gêneros, na escola, por meio de atividades feitas com os textos
– já que todo gênero se realiza em textos e não como elementos
linguísticos isolados.
Assim, quando se ensina, na escola, a se operar com um
gênero, está-se, na verdade, ensinando um modo de atuação sóciodiscursiva, numa cultura, e não um simples modo de produção
textual (MARCUSCHI, 2008).
Resumindo, se um dos objetivos do ensino de língua
portuguesa, no Ensino Fundamental, apresentado nos PCN, é
191
preparar os alunos a dominar sua língua nas situações mais
diversas da vida cotidiana, oferecendo-lhes instrumentos precisos
e eficazes para melhorar suas capacidades de escrever e de falar,
relacionando-se de maneira competente com o mundo ao seu
redor para que, dessa forma, possa exercer sua cidadania de
maneira plena, nada mais natural seria, portanto, colocar como
centro desse ensino a análise textual baseada em gêneros.
Assim, cabe ao professor a tarefa de criar condições para
que o aluno se aproprie das características linguísticas e
discursivas de diferentes gêneros em situações de comunicação
real. Para tanto, pode-se utilizar projetos pedagógicos que visem
não só ao conhecimento, à leitura e à produção desse gênero, mas
também à discussão sobre seu uso, suas funções sociais e sua
circulação dentro da sociedade.
A proposta pedagógica mencionada acima pode ser
aplicada, por exemplo, por meio do que Dolz & Schneuwly
(2010) chamam de “sequências didáticas”, conforme pode ser
observado no próximo subcapítulo.
2.2. O Modelo de trabalho com sequências didáticas
Segundo Dolz & Schneuwly (2010), é possível ensinar a
exprimir-se oralmente e a escrever em situações públicas e
extraescolares, desde que, dentro do ambiente escolar, sejam
192
oferecidas, aos alunos, múltiplas ocasiões de escrita e de fala, sem
que essas se transformem, num objeto de ensino sistemático.
Criar contextos de produção precisos, efetuar atividades ou
exercícios múltiplos e variados: é isso que permitirá aos
alunos apropriarem-se das noções, das técnicas e dos
instrumentos necessários ao desenvolvimento de suas
capacidades de expressão oral e escrita, em situações de
comunicação diversas. (DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.
82)
Essa proposta de trabalho defendida pelos autores é
aplicada com um procedimento de ensino denominado “sequência
didática” que, segundo eles, é “um conjunto de atividades
escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um
gênero textual oral ou escrito” (DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.
82).
A proposta da sequência didática parte da ideia de que é
possível ensinar gêneros textuais escritos e orais (públicos) de
maneira ordenada. Justamente por isso, os procedimentos
aplicados dentro da sequência teriam um caráter modular e se
distribuiriam ao longo de todas as séries do Ensino Fundamental.
Marcuschi (2009) resume a proposta da sequência
didática, indicando que a ideia central é a de que se construam
situações reais com contextos que permitam reproduzir de
maneira geral e também detalhada a situação concreta de
produção textual incluindo sua circulação.
193
Assim, uma sequência didática teria a finalidade de ajudar
o aluno a dominar melhor um gênero textual, permitindo-lhe
escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada
situação de comunicação. Dolz & Schneuwly (2010, p. 83)
salientam ainda que esse trabalho escolar deveria recair sobre
gêneros que o aluno não domina ou que domina parcialmente e
sobre os gêneros públicos e não privados; “as sequências didáticas
serviriam, portanto, “para dar acesso aos alunos a práticas de
linguagem novas ou dificilmente domináveis”.
A estrutura de base de uma sequência didática é
apresentada pelos autores por meio do seguinte esquema,
apresentado na figura 1:
Figura 1: Estrutura de uma sequência didática, segundo Dolz &
Schneuwly (2010)
Como pode ser visto no diagrama acima, a sequência
didática
seria
estruturada
seguindo
os
seguintes
passos:
apresentação da situação; produção inicial; módulos e produção
final.
A apresentação da situação seria o momento em que
alunos e professor, em conjunto, construiriam uma representação
194
da situação de comunicação e da atividade da linguagem que será
efetuada. Nesse momento, portanto, define-se se a modalidade
será oral ou escrita; qual gênero será produzido, para quem, qual
forma terá a produção (rádio, televisão, cartaz, carta, jornal, etc.) e
quem participará da produção (se todos os alunos ou apenas
alguns; se de maneira individual ou em grupo). Vale ainda
ressaltar que é nessa etapa que se apresentam exemplos do gênero
que será produzido.
A produção inicial seria o momento em que os alunos
tentam elaborar um primeiro texto oral ou escrito (dependendo do
gênero escolhido). Essa etapa é muito importante, pois demonstra
as capacidades que os alunos já têm e suas potencialidades e,
também, quais as suas dificuldades, possibilitando ao professor
delinear melhor as próximas etapas.
Em cada módulo, que podem ser vários e não
necessariamente três, como mostra o esquema, treina-se a
produção para a elaboração final do texto. Nos módulos, os
problemas, que apareceram na produção inicial são trabalhados a
fim de fazer com que os alunos os superem.
A sequência é finalizada com uma produção final, que “dá
ao aluno a possibilidade de pôr em prática as noções e os
instrumentos elaborados separadamente nos módulos” (DOLZ &
SCHNEUWLY, 2010, p. 90).
195
Conforme pôde ser visto na descrição acima, esse modelo
de trabalho com a língua através da sequência didática age com a
produção textual e não apenas com as palavras isoladas. Além
disso, de acordo com Marcuschi (2009, p. 217), “tem uma visão
de língua como um conjunto de práticas sociais e vê os gêneros
nesta mesma linha”.
Vale ressaltar ainda que, nas atividades com da sequência
didática, a produção textual, escrita ou oral, é um trabalho que se
situa em contextos da vida cotidiana, e os textos são produzidos
para alguém com algum objetivo. Em suma, de acordo com Dolz
& Schneuwly (2010, p. 96), o trabalho com as sequências
didáticas visa “ao aperfeiçoamento das práticas de escrita e
produção oral e estão principalmente centradas na aquisição de
procedimentos e de práticas”.
2.3. O gênero oral na escola: a importância da
exposição oral (seminário)
Como muito bem apontam os PCN, não é papel da escola
ensinar o aluno a falar, já que isso a criança aprende muito antes
da idade escolar. Talvez por isso, a escola tenha deixado de lado,
por tanto tempo, quaisquer usos e formas da língua oral, pensando
ser isso desnecessário.
Assim, embora a língua oral esteja sempre presente nas
salas de aula – seja nas leituras de instruções e na correção de
196
exercícios, seja nas rotinas cotidianas – frequentemente ela não é
ensinada, ocupando um lugar bastante limitado na escola.
O desenvolvimento da capacidade de expressão oral do
aluno, no entanto, depende consideravelmente da escola, que lhe
ensinará os usos da língua adequados a diferentes situações
comunicativas, por exemplo. Justamente por isso, os PCN frisam
a importância de a escola ensinar a utilização adequada da
linguagem em instâncias públicas, fazendo com que o aluno
utilize a língua oral de forma cada vez mais competente.
Analisando a oralidade na sala de aula, Dolz & Schneuwly
(2010, p.131) indicam que é necessário definir as características
do oral a ser ensinado. Assim sendo, eles apontam que há uma
gama “quase infinita” de variedades do oral que vai do mais
espontâneo ao menos espontâneo, com um grau de intervenção
mais ou menos forte da escrita, “que permanece sempre como
uma referência direta ou indireta para os locutores alfabetizados”.
Assim,
o oral “espontâneo” é geralmente pensado como fala
improvisada em situação de interlocução conversacional que,
numa das extremidades, constitui um “modelo” relativamente
idealizado, a respeito do qual, às vezes, à primeira vista,
sublinha-se o aspecto aparentemente fragmentário e
descontínuo (...). Situado na outra extremidade em relação a
esse estilo oral espontâneo, temos as produções orais
restringidas por uma origem escrita que identificamos ou
descrevemos como a “escrita oralizada”. Trata-se, portanto,
de toda palavra lida ou recitada. (DOLZ & SCHNEUWLY,
2010, p.131-132)
197
Como pode ser visto acima, o oral, no ensino, ainda não
está bem compreendido como objeto autônomo de trabalho
escolar, permanecendo, assim, bastante dependente da escrita,
sendo a leitura em voz alta, ou seja, a escrita oralizada, a atividade
oral mais frequente na prática (DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.
139).
Também fazendo uma análise dos gêneros textuais
falados, Marcuschi (2008, p. 187) salienta que essa é uma área na
qual os estudos não são abundantes e observa, ainda, que “o
estudo da classificação das interações verbais orais é bem mais
recente e menos sistemático que a classificação dos textos
escritos”.
Justamente pelo fato de os gêneros orais serem, ainda nos
dias atuais, pouco discutidos, Dolz & Schneuwly (2010)
enfatizam que o oral se ensina e se aperfeiçoa na escola.
Vistos como megainstrumentos16, os gêneros tanto orais
quanto escritos constituem a referência essencial para abordar
infinita variedade das práticas de linguagem e o meio de tratar a
heterogeneidade das unidades textuais. E, como o papel da escola
é, sobretudo o de instruir, quando no momento da escolha de que
gênero oral ensinar, em vez de abordar os da vida privada
16
Para Dolz & Schneuwly (2010, p.146), os gêneros são considerados
megainstrumentos, uma vez que “podemos considerá-los como a integração de
um grande conjunto de instrumentos num único – que fazem a mediação da
atividade de linguagem comunicativa”.
198
cotidiana, aos quais os alunos tem acesso contínuo e irrestrito, é
preciso que o ensino se concentre nos gêneros da comunicação
pública formal – tanto “aqueles que servem à aprendizagem
escolar (...) (exposição, relatório de experiência, entrevista,
discussão em grupo etc.)” quanto “aqueles da vida pública no
sentido lato do termo (debate, negociação (...), teatro, etc.)”
(DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, p.146).
A opção de trabalhar os gêneros formais públicos, na
escola, advém justamente do fato de eles, diferentemente da
produção oral cotidiana, constituírem formas de linguagem que
apresentam restrições impostas do exterior e “implicam,
paradoxalmente, um controle mais consciente e voluntário do
próprio
comportamento
para
dominá-las”
(DOLZ
&
SCHNEUWLY, 2010, p.147).
Dos diversos gêneros orais que podem ser trabalhados na
escola, a exposição (seminário) é a atividade que mais parece útil
aos professores para desenvolver o domínio da oralidade, segundo
uma pesquisa empreendida com professores da Suíça francófona
(cf. DOLZ & SCHNEUWLY, 2010). Infelizmente, no entanto, o
seminário é comumente praticado, nas salas de aula, sem que um
verdadeiro trabalho didático seja feito.
O seminário, segundo Dolz & Schneuwly (2010, p.185),
pode ser definido, como já foi dito anteriormente, como um
gênero textual público relativamente formal – já que é usado,
199
basicamente, nas escolas – no qual um “expositor” especialista
dirige-se a um “auditório”, de maneira estruturada, a fim de “lhe
transmitir informações, descrever-lhe ou lhe explicar alguma
coisa”.
Assim sendo, o seminário além de ser um instrumento
privilegiado de transmissão de uma infinidade de conteúdos, não
só para quem está apresentando como também para o público
espectador, se trabalhado pedagogicamente, serve também para
que o aluno-expositor perceba que existe todo um trabalho
anterior à apresentação: exploração de fontes diversificadas de
informação, seleção das informações em função do tema e da
finalidade visada e a elaboração de um esquema destinado a
sustentar a apresentação oral.
A importância do seminário (exposição oral) não só no
contexto escolar como também na vida social justificam, portanto,
que esse gênero seja trabalhado várias vezes no período escolar –
seguindo o que Dolz & Schneuwly (2010) chamam de
“progressão em espiral” – de tal maneira que esse gênero seja
abordado com diferentes níveis de complexidade, desde uma
sofisticação mínima até uma máxima, de acordo com o avanço do
ensino.
A exposição oral (seminário) feita na sala de aula reúne
alguns “atores”, tais como: o aluno que produz uma exposição e o
auditório (formado pelos demais alunos), cada um com a sua
200
importância e tarefa. O aluno-expositor necessita, primeiramente,
construir uma problemática, levando em conta aquilo que os
ouvintes já sabem sobre o tema abordado e o que eles ainda não
sabem. Deve, também, ao longo da exposição, avaliar a novidade
e a dificuldade daquilo que expõe de tal maneira que seja
necessário, muitas vezes, reformular, redefinir, dizer de outra
maneira o que havia proposto expor. Por outro lado, o auditório
deve estar atento às informações novas a fim de assegurar-lhe um
pleno conhecimento do que está sendo transmitido. Visto por esse
prisma, o seminário, constitui o que Dolz & Schneuwly (2010,
p.186) chamam de uma “estrutura convencionalizada de
aprendizagem – tanto para o expositor como para o auditório”.
O planejamento de um seminário, dentro de uma
perspectiva de ensino, deve seguir uma ordem um tanto rígida e,
sempre que possível, monitorada pelo professor. Primeiramente,
como objeto de trabalho na sala de aula, seria necessário que se
fizesse uma triagem das informações pertinentes para a exposição,
hierarquizando-as em principais e secundárias, com a finalidade
de garantir uma progressão temática clara e coerente em função da
conclusão visada. A ajuda do professor, nesse momento, seria de
extrema importância, pois auxiliaria os alunos a não reduzirem
seus textos a uma sequência de fragmentos temáticos sem ligação
entre si.
201
Como pôde ser visto acima, a feitura de um seminário
exige do aluno um bom domínio da estruturação de um texto
longo que, segundo Dolz & Schneuwly (2010, p.190), “longe de
ser somente um suporte auxiliar organizado pelo expositor, ele faz
parte do modelo didático do gênero e deve ser objeto de uma
construção refletida, apoiada na observação das práticas sociais de
referência e nos conhecimentos práticos dos alunos”.
Ainda de acordo com Dolz & Schneuwly (2010, p. 191),
mesmo os seminários sendo pautados em um texto escrito, eles
serão oralizados em sala, por meio da memorização completa ou
parcial do texto escrito. Assim,
seria didaticamente razoável levar os alunos a construir
exposições não para serem lidas, mas que se apóiem bastante
em esquemas baseados em suportes escritos diversificados:
anotações, gráficos, citações etc., assim como esquemas
baseados em palavras-chave, alguns marcadores de
estruturação que permitam ao orador lembrar-se
explicitamente do estatuto que atribui a essas palavras-chave
em seu planejamento.
Para finalizar, segundo esses autores, seria ainda
necessário fazer um trabalho com os alunos, em sala de aula,
explicitando que a oralização do seminário comporta também
algumas características da retórica textual, tais como captar a
atenção da audiência, variando a voz; gerenciar o suspense;
seduzir. Além, é claro, de mostrar também que faz parte da
oralização incluir a gestualidade e a cinestésica.
202
3. Análise de dois livros didáticos de língua portuguesa
do ensino fundamental
Conforme já foi mencionado acima, dentro de um cosmo
bastante extenso de variedades de Livros Didáticos de Língua
Portuguesa, optou-se pela análise de dois Livros Didáticos, para
que se tivesse uma noção de como, pelo menos dentro de duas
obras do Ensino Fundamental, que se propõem a estudar a língua
portuguesa com base em gêneros textuais, o gênero oral
seminário estaria sendo trabalhado.
Em cada um dos subcapítulos abaixo, será apresentada
uma pequena descrição do Manual do Professor e do Livro
Didático como um todo – no que se refere aos gêneros da
oralidade, em especial, o seminário –, entremeando a essa
descrição comentários sobre as atividades feitas com esse gênero,
dando, sempre que possível, sugestões de outras atividades, com
base nos exemplos dos próprios Livros Didáticos.
3.1. O gênero oral seminário em Borgatto et al. (2009)
No Manual do Professor de Borgatto et al. (2009), as
autoras não só explicitam que os gêneros textuais constituem o
eixo norteador da organização didática dos conteúdos de cada
umas das unidades da Coleção como também comentam que o
203
projeto didático que estruturou a obra priorizou o estabelecimento
de sequências didáticas (Dolz & Schneuwly, 2004) e que
pretendem trabalhar os gêneros a partir da progressão em espiral,
não só dentro de cada série, como também de uma série para
outra.
As autoras comentam, também, que, em todos os volumes,
são encontrados gêneros de todos os âmbitos: narrar, relatar,
expor, argumentar, instruir/prescrever. No entanto, em cada série,
priorizam-se textos de um determinado âmbito: 6º ano – gêneros
do âmbito do narrar; 7º ano – gêneros do relatar; 8º ano – gêneros
do expor e do argumentar; e 9º ano – gêneros do argumentar.
Por fim, ainda explicitam que há, na Coleção, uma
preocupação com o estudo da oralidade. Além da reflexão sobre
marcas específicas da oralidade e da sistematização de alguns
princípios específicos da linguagem oral, dá-se particular
importância ao estudo, à análise e à vivência dos gêneros orais,
tais como: rodas de causos, debates, exposição oral.
Analisando cada volume da Coleção, observa-se que a
oralidade é trabalhada de diferentes maneiras, recebendo cada
uma delas títulos diferenciados – tais como “Atividade oral”, “Um
bom debate” e “Produção de texto” (que se configura como uma
atividade tanto oral quanto escrita, conforme será explicado mais
adiante).
204
As entradas, nas unidades, intituladas “Atividade oral”
configuram-se, como foi apontado no Manual do Professor, como
atividades de leitura oral expressiva; leituras dialogada, interativa,
dramatizada; atividades de responder, em voz alta, questões
propostas, no livro, a partir de um texto.
Muitas vezes, as atividades de leitura em voz alta são feitas
através de jograis, saraus (como pode ser observado, por exemplo,
no livro do 8º ano, páginas 233-234) ou pela simples leitura de um
texto proposto com o objetivo de mostrar como o ritmo ou a
entonação favorecem a significação plena do que está sendo lido.
Atividades como essas podem ser vistas, por exemplo, no 6º ano –
nas páginas 38, 56 –; no 7º ano – nas páginas 54, 126; no 8º ano –
na página 226 ; e no 9º ano – na página 22.
Observou-se, também, que essas atividades de leitura
diminuem em quantidade de acordo com os volumes: nos 6º e 7º
anos, elas aparecem em número maior. Além disso, nos volumes
dos 8º e 9º anos, são incluídas outras tarefas na entrada
“Atividades
orais”,
tais
como:
discutir,
conversar
sobre
determinados assuntos, explicar situações, dar opiniões (8º ano –
páginas 130, 236 –; 9º ano – páginas 65, 72, 129, 160, 170, 215).
Pelo que foi exposto, percebe-se que essa parte da coleção
não se propõe a trabalhar um ou mais gêneros orais, mas sim
praticar, treinar a oralidade nos alunos. Fazendo com que eles se
exponham oralmente, as atividades, cada uma a sua maneira,
205
abordam características da oralidade, como entonação, pausa,
ênfase, marcas da fala.
A entrada “Um bom debate”, que aparece em todas as
unidades de todos os volumes, serve justamente para propor um
debate entre os alunos. O tema do debate sempre está relacionado
ao que está sendo trabalhado de alguma maneira na unidade. No
entanto, em momento algum, desde o 6º ano até o 9º, houve uma
explicação do que é ou como se faz um debate, muito menos
houve a demonstração de algum debate para que os alunos
tivessem uma noção daquilo que estava sendo proposto que eles
fizessem.
Já que o debate parece ser um gênero importante para as
autoras, uma vez que aparece em todas as unidades, seria
importante que, de alguma maneira, ele fosse apresentado aos
alunos, no próprio livro, por meio de esquema que desse as
instruções da sua estrutura ou, até mesmo, através de um exemplo
gravado e levado pelo professor.
A seção “Produção de texto”, presente no final das
unidades, se vincula às condições de produção do gênero
enfocado. Justamente por isso, pode ser vista como resultado final
do trabalho realizado com um determinado gênero visto na
unidade. Dessa forma, dependendo do gênero trabalhado na
unidade, a produção pedida pode ser de um texto oral ou escrito.
No 6º ano, por exemplo, como, na unidade 1 é trabalhado o
206
gênero conto popular em prosa, pede-se que os alunos, em grupo,
criem um causo para que este seja contado numa “Roda de
causos”. Já, no 9º, por exemplo, como, na unidade 5, enfoca-se o
gênero editorial, sugere-se que seja redigido, em grupo, um
editorial.
Vale ainda mencionar que a produção textual a ser
realizada, nessa seção, na maioria das vezes, não é para ser feita
em apenas um dia. Toda atividade é dividida em partes, cada uma
delas podendo ser efetuada em dias diferentes.
Conforme pode ser visto ao longo da explanação feita
acima, o gênero oral seminário, embora se configure, para Dolz &
Schneuwly (2010), como um dos gêneros orais mais trabalhados,
na sala de aula, no Ensino fundamental, não será muito explorado
na Coleção ora analisada, aparecendo apenas em uma unidade dos
7º e 8º anos e na seção “Projeto de leitura”, também, do 8º ano.
No 7º ano, o gênero oral seminário aparece pela primeira
vez na Coleção, mas não recebe esse nome. Na seção intitulada
“Interpretação de texto” (página 95), apresenta-se um texto de
autoria de Frei Beto em que vários nomes de pintores famosos são
mencionados. As autoras da Coleção, aproveitando esse mote,
propõem uma atividade de “pesquisa e relato oral”.
Nesta atividade, num primeiro momento, é pedido que os
alunos pesquisem, em enciclopédias, informações sobre os
pintores indicados no texto. Num segundo momento, pede-se que
207
os alunos registrem essas informações, no caderno, para que
depois sejam apresentadas oralmente, para turma, com auxílio de
imagens e obras do pintor. Essa atividade, embora não receba o
nome “Seminário” é estruturada como se fosse um, já, de alguma
maneira, introduzindo, para o aluno, a noção de uma exposição
oral sistematizada, uma vez que esse gênero será efetivamente
trabalhado na série seguinte.
No 8º ano, a exposição oral (seminário) aparece, na
unidade 4, duas vezes – primeiro, na entrada “Construção do
texto”, e depois, na entrada “Produção de texto” – e na seção
“Projeto de leitura”.
Na parte “Construção do texto” (página 126), o enfoque é
indicar para o aluno diferentes maneiras de se apropriar das
informações de um texto: através de esquemas, resumos. Depois
que as autoras apresentam o que é um resumo, aparece um tópico
chamado “Exposição oral” (página 128) – que inclusive vem com
um comentário para o professor, informando que este é um
exercício inicial para a exposição oral – que indica o passo a
passo desse gênero, desde o planejamento do que será falado, até
como deve ser apresentada uma exposição oral.
Na seção “Produção de texto” (página 144), a atividade
indicada é a feitura de uma exposição oral, configurando-se,
portanto, como resultado final de um trabalho realizado com esse
gênero na unidade. Como primeira tarefa pede-se aos alunos que
208
elaborem um esquema sobre o texto “Consumo Consciente”,
apresentado na seção e que segue a temática da unidade – o
consumismo –, seguindo os comandos anteriormente dados na
página 127. Depois se recomenda que os alunos preparem a
exposição seguindo as recomendações sobre linguagem, postura,
formas de saudação e despedida que, também, já haviam sido
dados na unidade 4 – página 128.
Na seção “Projeto de leitura”17 – que aparece como uma
espécie de apêndice em todos os volumes da Coleção – do 8º ano
é proposta como atividade a exposição oral centrada em textos de
informação e de divulgação científica.
Essa seção é divida em quatro oficinas e uma produção
final. A primeira começa com atividades de leitura de diferentes
textos expositivos – apresentados, no próprio livro, da página 281
até 315 –, sensibilizando os alunos para o estudo do conteúdo dos
textos a serem lidos. A segunda indica atividades que valorizam
não só a leitura de diferentes linguagens, como também a leitura
analítica como competência necessária para quem vive no mundo
de hoje.
Já
a
terceira
oficina
explora
as
habilidades
de
problematizar e de levantar hipóteses e exercita atitudes de escuta,
17
A seção “Projeto de leitura” se configura como um projeto coletivo de
trabalho que pode ser iniciado, no momento que o professor achar adequado,
em formas de oficinas e indica atividades cujo produto final é um texto do
gênero principal enfocado nas séries.
209
respeito e acolhimento da fala do outro. Finalmente, a quarta
propõe atividades para treinar as habilidades de localizar os
tópicos principais nos textos, tomar notas, esquematizar as
relações de similaridade existentes entre os textos e produzir um
roteiro de leitura.
Como produto final, o projeto propõe a atividade de
Exposição oral, apresentando o passo a passo, bastante detalhado,
das atitudes a serem tomadas tanto pelo ouvinte quanto pelo
expositor, preparando, portanto, os alunos para a execução da
tarefa.
Conforme pôde ser observado ao longo desse subcapítulo,
embora a Coleção não explore bastante o gênero oral seminário,
quando abordado, o é de uma maneira coerente, em que fica clara
a tentativa de fazer um verdadeiro trabalho didático, em que a
construção da linguagem expositiva fosse objeto de atividades
propostas.
Vale, no entanto, fazer uma pequena crítica ao trabalho
com esse gênero nesta Coleção. Se a proposta das autoras,
conforme explicitado no Manual do Professor, era trabalhar com
gêneros a partir da “progressão em espiral”, elas perderam a
oportunidade de apresentar o seminário aos alunos desde a série
inicial.
Assim sendo, já no 6º ano, as autoras poderiam ter
introduzido a exposição oral através de atividades mais simples,
210
assim como fizeram no 7º ano. A unidade 1 da série inicial, por
exemplo, trabalha as variedades linguísticas. Aproveitando esse
tema, as autoras poderiam ter sugerido que os professores
pedissem uma pequena pesquisa para os alunos em que eles
buscariam diferentes vocábulos que se referem ao mesmo
“objeto” nas diversas cidades brasileiras. Como produção final
dessa investigação, os alunos apresentariam o que descobriram
para a classe. Nesse momento, portanto, já poderiam ser
introduzidos conceitos do que é expor e como devem se
comportar o aluno expositor e o aluno ouvinte.
A sugestão apresentada acima, não desmerece o trabalho
das autoras com o gênero seminário. No volume do 8º ano, ele é
trabalhado efetivamente como um gênero e através de um projeto
que se assemelha um pouco com a proposta de “sequência
didática” de Dolz & Schneuwly (2010).
Nas oficinas 1 e 2 do “Projeto de leitura”, de uma certa
maneira, as autoras fazem uma espécie de “apresentação inicial”,
despertando a curiosidade pelo tema proposto. Já as oficinas 3 e 4,
funcionariam como “módulos”, uma vez que servem para treinar a
produção final. A parte da sequência didática que estaria faltando
seria a “produção inicial” feita a partir de um exemplo mostrado
pelo professor. Parte essa que pode muito bem ser recuperada se
forem consideradas as atividades de exposição oral efetuadas, na
unidade 4, como uma “produção inicial”.
211
3.2. O gênero oral seminário em Teixeira & Discini
(2008)
No Manual do Professor de Teixeira & Discini (2008), as
autoras explicitam que a Coleção apresenta dois objetivos
principais: levar o aluno a ler e a produzir textos de diferentes
tipos e gêneros e levá-lo a refletir sobre as possibilidades de
leitura que o mundo, considerado como texto, oferece. Comentam,
também, que há uma preocupação em trabalhar gêneros
pertencentes a diferentes esferas de circulação, dando uma atenção
especial aos gêneros praticados oralmente. Informam ainda que,
como as lições são temáticas, temas como família, bichos,
lembranças fundam a seleção dos textos, os quais procuram
adequar-se ao universo de interesse do leitor, que no caso, é o
aluno. Assim, os gêneros escritos e orais, bem como os textos que
os materializam, são trabalhados em função do tema de cada lição.
Analisando cada volume da Coleção, percebe-se que a
oralidade é trabalhada sempre na seção “Expressão oral”. Nessa
parte, são enfocados não só gêneros orais, como também a
expressão oral efetuada a partir da modalidade escrita. Assim, a
leitura de textos escritos funciona, muitas vezes, como “alavanca”
para
debates,
como
motivação
para
depoimentos,
como
informação que subsidia exposições, por exemplo.
Sendo assim, nessa seção, múltiplas são as propostas de
atividades com a oralidade, tais como: conversa dirigida; diálogo
212
coletivo – que aparecem, por exemplo, nas páginas 13 e 47, do
volume 1 –; Declamação de poema, “cantação” de música – que
figuram, na página 97, do volume 2; relatos espontâneo e
planejado – pedidos, por exemplo, nas páginas 18 e 20, do
volume 3; radionovela – que a aparece, na página 35 do volume 4.
Em se tratando, especificamente, do gênero exposição
oral, pode-se dizer que ele é trabalhado, em diversas lições, de
todos os volumes da Coleção, recebendo nomes distintos, como:
exposição oral e seminário. Sob o nome exposição oral, aparecem
atividades relacionadas a um único tema, ou seja, todos os alunos
farão apresentações orais sobre o mesmo tema. Já sob o nome
seminário são propostas atividades que terão como culminância
exposições orais feitas a partir de temas diferentes.
A exposição oral aparece uma vez, nos volumes 1, 2 e 4 e
duas vezes no volume 3. No volume 1 (6º ano), esse gênero
aparece como uma atividade da Lição 7, que tem como tema a
“comunicação”. Na seção “Expressão oral”, são propostas,
primeiramente, algumas perguntas para pensar sobre avanços
tecnológicos e comunicação. A partir daí, apresenta-se o projeto
“Comunicação e tecnologia” que será desenvolvido, ao longo da
lição, pelo aluno e culminará com uma exposição oral.
Para a feitura dessa exposição oral, são indicadas leituras
de textos (apresentados na lição), que versam sobre a evolução
tecnológica dos meios de comunicação e sua influência na vida
213
cotidiana, além de serem indicadas também fontes bibliográficas e
sites de internet para consulta. Recomenda-se que, após a leitura
de cada texto, seja preparado um resumo escrito com as
informações colhidas a fim de que, a partir dele, seja efetuada a
exposição.
Vale ressaltar que, dentro dessa seção, embora tenha sido
explicado que uma exposição oral deve conter informações
relevantes e expressar o ponto de vista fundamentado do autor a
respeito do que está sendo falado e que o orador deve ser capaz de
convencer o auditório de que seu trabalho é importante, não são
indicadas estratégias linguísticas para que isso ocorra, nem são
apresentados modelos de uma exposição oral para que os alunos
se baseiem. Isso pode ser considerado uma falha das autoras, pois
é a primeira vez que aparece esse gênero na Coleção e, numa série
inicial, momento ideal de já ser introduzido, de maneira
simplificada, o passo a passo da execução desse gênero, inclusive
a partir de exemplos concretos.
A atividade de exposição oral do volume 2 (página 135) é
apresentada de maneira bastante simplória, sem muitas indicações
do que é esse gênero, de como ele é elaborado e é feita a partir de
pesquisa realizada pelos alunos sobre bailados e danças típicos de
diferentes regiões do país. A única informação nova, nesse
momento, é que recursos audiovisuais devem ser inseridos na
apresentação.
214
Já as propostas de exposição oral dos volumes 3 e 4
aparecem com vários detalhes do que é esse gênero e de como ele
é concretizado.
Num primeiro momento, no volume 3, a exposição oral
aparece, na lição 2, ancorada à atividade de “expressão escrita”
que versa sobre o gênero resumo. Nesse momento, para ajudar na
feitura da exposição oral são apresentados, no livro, não só o que
é esse gênero como também o passo a passo da feitura de
esquemas para serem utilizados na apresentação juntos aos
recursos visuais. Além disso, são dadas, também, sugestões de
métodos para a apresentação da exposição oral.
Esse gênero aparece novamente, no volume 3, dentro da
lição 4, como uma das etapas de atividade do Projeto “Espaços
Reinventados”, que tem por tema Aventuras na terra, no ar. A
execução desse projeto é dividida em três etapas: (1) Leitura de
diferentes textos que falem sobre o assunto; (2) realização de uma
exposição oral (como atividade de expressão oral); e (3)
realização de um relato de viagem (como atividade de expressão
escrita).
Dentro do tópico “Expressão oral” desse Projeto são
apresentadas características de uma exposição com relação ao
modo de falar, postura, uso de variantes linguísticas, recursos da
oralidade, pausas.
215
No volume 4, a exposição oral aparece, na última lição,
que tem como tema a publicidade e, justamente por isso, será feita
com base em análises realizadas a respeito de propagandas sociais
(apresentadas no próprio livro). Aqui, assim como aconteceu no
volume 3, há observações sobre a realização da fala expositiva
que é proposta na lição (página 332).
Conforme pôde ser observado ao longo da explanação feita
acima, o gênero exposição oral é, de uma maneira geral, bem
trabalhado dentro da Coleção, uma vez que não aparece como
atividade isolada, servindo apenas como estratégia de o professor
saber se o aluno entendeu ou não o conteúdo trabalhado (atividade
bastante corriqueira nas escolas). Pelo contrário, está, na maioria
das vezes, inserida nas lições ou como etapas de um projeto ou
ancoradas a uma atividade de expressão escrita, que também tenha
por finalidade trabalhar a exposição.
O gênero oral seminário aparece uma vez em cada um dos
três últimos volumes. Todas as vezes em que ele é trabalhado, está
inserido
como
uma
atividade
de
culminância
do
tema
desenvolvido ao longo da lição. Como já dito anteriormente, as
autoras colocam sob o nome seminário atividades de exposição
oral em que os alunos escolhem temas diferenciados para
apresentar.
No volume 2, por exemplo, há dois temas relacionados ao
tema geral da lição (Terra), a saber: a terra como propriedade e a
216
Terra como planeta. No volume 3, o tema principal da lição é
Mistérios do espaço e cada aluno deverá fazer um recorte sobre
esse tema para apresentar oralmente. Já no volume 3, o tema da
lição é Costumes, e os alunos deverão fazer um seminário sobre
Costumes do Brasil Colônia ou sobre Velhice (tema trabalhado, na
lição, por meio de dois textos verbais e alguns textos não verbais,
como fotos e pinturas).
Para a feitura do seminário, são indicadas leituras prévias
não só dos textos apresentados na lição, como também de outros
textos, indicados no item “Fique ligado”, que os alunos deverão
procurar através de pesquisa extraclasse.
Assim como a exposição oral, o seminário também é
efetivamente trabalhado como gênero dentro da Coleção, servindo
como um instrumento privilegiado de transmissão de diversos
conteúdos obtidos através de exploração de fontes diversificadas
de informação. No entanto, as autoras pecam em dois momentos:
(1) não apresentar, já no 6º ano, de maneira simplificada esse
gênero aos alunos e (2) explicitar as etapas de ação de um
seminário, incluindo aí os recursos linguísticos mais usados para a
composição desse gênero, somente no volume 2, como se
partissem do princípio de que os alunos já fossem plenos
conhecedores do gênero oral seminário.
Outro ponto que merece atenção é o fato de as autoras
terem perdido a oportunidade de trabalhar esses gêneros a partir
217
da proposta de “progressão em espiral” apresentada em Dolz &
Schneuwly (2010). Embora a exposição oral tenha sido abordada
em todas as séries, ela não é trabalhada com níveis diferentes de
complexidade. Desde o 6º ano, esse gênero é abordado com um
nível de dificuldade grande, trabalhando temas bastante
complicados para a idade dos alunos.
Além disso, vale ressaltar que, o fato de as autoras
apresentarem como gêneros diferentes aquilo que a maioria dos
linguistas textuais vê como o mesmo gênero (exposição oral =
seminário), pode causar dúvidas não só no professor, que utiliza o
livro didático, como também nos alunos, que podem perceber que
não há efetivamente diferenças estruturais entre as atividades
chamadas exposição oral e seminário propostas pelas autoras.
Para complicar ainda mais essa questão, as autoras ainda
acrescentam a explanação como um gênero distinto dos outros
mencionados somente pelo fato de, ao invés de os alunos falarem
expositivamente sobre um tema, o fazem sobre um objeto feito
por eles (uma colagem, por exemplo).
4. Considerações Finais
Como bem frisava Bakhtin (1979) (apud Marcuschi, 2009,
p. 190), os gêneros são apreendidos no curso de nossas vidas
como membros de alguma sociedade, já que funcionam como
“padrões comunicativos socialmente utilizados, que funcionam
218
como uma espécie de modelo comunicativo global que representa
um conhecimento social localizado em situações concretas”.
Justamente por isso, hoje em dia, preconiza-se que a escola
– vista como instituição de acesso ao conhecimento – trabalhe
com diferentes textos (que são concretizações de gêneros) orais ou
escritos, que circulam na sociedade, com o objetivo de ajudar os
alunos a dominar melhor o funcionamento da linguagem em
situações de comunicação, a fim de torná-los indivíduos críticos e
conscientes da sua cidadania.
No que diz respeito à linguagem oral, as instituições
sociais, como bem apontam os PCN, fazem dela diferentes usos:
um professor, um religioso, um cientista, um político, um feirante,
um repórter, enfim, todos os que tomam a palavra para falar em
voz alta o fazem de diferentes formas, utilizando diferentes
registros em razão das também diferentes instâncias nas quais essa
prática se realiza.
Por isso, Dolz & Schneuwly (2010) afirmam que não só o
texto escrito mas também o oral se ensinam, uma vez que, só por
meio de uma intervenção didática, os padrões enunciativos e
sociais dos gêneros formais, que são fortemente definidos e
regulados do exterior, são aprendidos e/ou aperfeiçoados.
Ao analisar dois livros didáticos do Ensino Fundamental
que se predispõem a trabalhar a língua portuguesa a partir de
219
gêneros textuais, observou-se que o gênero seminário, em
especial, foi abordado com o objetivo apontado acima.
Embora apresentando alguns problemas no que diz
respeito ora à aplicação do que é proposto no Manual do Professor
ora a questões de nomenclatura dos gêneros, os livros didáticos –
tanto de Borgatto et al. (2009) quanto de Teixeira & Discini
(2008) –, ao trabalhar a exposição oral, na sala de aula, tentaram
fazê-lo, como é proposto por Dolz & Schneuwly (2010, p. 192).
Dessa forma, a exposição oral (seminário) é apresentada,
nesses livros didáticos, efetivamente como gênero, já que estão ali
com o propósito de fazer com que os alunos tomem consciência
da situação de comunicação de uma exposição; de sua dimensão
comunicativa e de todas as capacidades que envolvem a execução
desse gênero, tais como: exploração de fontes de informação;
hierarquização das ideias e elaboração de um plano segundo
estratégias discursivas; desenvolvimento das capacidades de
exemplificação e da “competência metadiscursiva”; tomada de
consciência da importância da voz, do olhar, da atitude corporal;
preparação e oralização das notas.
Referências
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ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa (PCNEF).
Brasília, Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998.
DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na
escola. Campinas: Mercado de Letras, 2010.
220
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: configuração,
dinamicidade e circulação. In: KARWOSKI, Acir et al. (org.).
Gêneros textuais: reflexões e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,
2008. p. 15-28.
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Paulo: Parábola, 2009.
ROJO, R. & CORDEIRO, G. Gêneros orais e escritos como
objetos de ensino: modo de pensar, modo de fazer. In: DOLZ, J.
& SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas: Mercado de Letras, 2010. p. 7-16.
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BORGATTO, A. T. et al. Tudo é linguagem. V. 6-9. 2. ed. São
Paulo: Ática, 2009.
TEIXEIRA, L. DISCINI, N. Passaporte para a língua
portuguesa. V. 6-9. São Paulo: Ed. do Brasil, 2008.
221
Gêneros instrucionais nos livros didáticos:
análise e perspectivas
Sylvia J. S. do Nascimento Fabiani (UFRJ)18
1. Introdução
Este trabalho investiga os gêneros instrucionais como
ferramentas de ensino em língua portuguesa como língua materna,
no segundo segmento do Ensino Fundamental. A partir da
apresentação do conceito gênero textual e da necessidade de sua
aplicação como instrumento de ensino, caracterizam-se os gêneros
instrucionais conforme a temática, a composição e o estilo
comuns a esses tipos de enunciado, para, em seguida, analisar sua
abordagem por duas coleções de livros didáticos destinadas aos
quatro anos finais do Ensino Fundamental.
2. Gêneros textuais: uma nova perspectiva de ensino
2.1. O conceito de gênero textual
A noção de gênero textual se relaciona ao princípio de que
a linguagem é estabelecida como prática social, isto é, como um
18
[email protected]
222
fenômeno dialógico. Nas palavras de Bakhtin (2003, 265), “a
língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos
(que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos
que a vida entra na língua”. Um gênero textual, sob tais
condições, se caracteriza por ser um conjunto de convenções
linguísticas sob certa estabilidade – uma constante de padrão de
uso – permeado por uma historicidade e modelado conforme uma
situação de uso. A recorrência de situações similares em um grupo
social promove a instauração e confirmação do gênero textual,
ação verbal típica adotada por uma comunidade linguística.
Um gênero textual se fundamenta por fatores relacionados
à interação comunicativa; como esclarece Marcuschi (2002, 29),
“quando dominamos um gênero textual, não dominamos uma
forma linguística e sim uma forma de realizar linguisticamente
objetivos específicos em situações sociais particulares”. Afirmar
que as formações genéricas se justificam primordialmente por
suas realizações sociais não é, entretanto, a defesa de que um
determinado gênero textual não apresente uma corporeidade
linguística recorrente que o caracterize. Em verdade, a estrutura
linguística, muitas vezes, está associada de tal modo ao gênero,
que aquela lhe confere uma plasticidade própria, de tal forma
arraigada ao padrão genérico, que essa relação passa a ser
apreendida como intrínseca.
223
A
apreensão
do
sistema
linguístico
se
realiza,
necessariamente, por intermédio dos gêneros textuais. Assim, se
“a comunicação verbal só é possível por algum gênero textual”
(MARCUSCHI, 2002, 22), são esses modelos de verbalização que
inserem o homem no universo do discurso. As formações
genéricas também se apresentam, no dinamismo da interação
verbal, como veículos, instrumentos e estratégias de interlocução
que unem sujeito e língua, na construção do significado.
Conforme
as
reflexões
de
Koch
(2002,
53),
a
materialização do discurso em forma de gêneros textuais está
relacionada,
de
modo
inseparável,
à
competência
sociocomunicativa dos interlocutores. Essa competência se
caracteriza como o fator responsável pela capacidade de o
falante/autor e o ouvinte/leitor identificarem o que é apropriado ou
não a cada situação social, bem como diferenciarem as
particularidades funcionais dos variados padrões genéricos.
Segundo Bazerman (2005, 29), as convenções genéricas
vinculam-se a estereótipos de situações comunicativas. Por esse
motivo, os gêneros textuais tendem a funcionar como espécies de
“macro-signos” no jogo da interação verbal, uma vez que o
emprego de enunciados padronizados permite identificar, com
maior facilidade, o que se almeja realizar pela ação do discurso.
Essa perspectiva teórica assemelha-se à noção de gênero
apresentada por Searle (apud BIASSI-RODRIGUES et al., 2009,
224
21), ao identificar os gêneros como classes, categorias de eventos
comunicativos, compostos por discurso, participantes, funções
discursivas e situação.
Ainda que se constituam como formas pré-determinadas,
os gêneros textuais não são moldes estáticos, inflexíveis,
invariáveis: como todo fenômeno comunicativo, estão sujeitos a
serem reestruturados pela interferência criativa dos interlocutores.
Nas palavras de Marcuschi (2002, 19), os gêneros são “eventos
textuais altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”. Assim, a
interação e as necessidades específicas do contexto discursivo
geram fatores capazes de interferir na estrutura dos gêneros
textuais, promovendo a variabilidade dessas estruturas.
Para Dolz & Scheuwly (2010) o gênero, “objeto
socialmente elaborado” (op. cit., 21), é um instrumento de
interação social, que norteia o indivíduo às ações possíveis no e
pelo discurso, conduzindo a novos conhecimentos e saberes.
[...] há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age
discursivamente (falar/ escrever), numa situação definida por
uma série de parâmetros, com a ajuda de um instrumento que
aqui é um gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é,
uma forma de linguagem prescritiva, que permite, a um só
tempo, a produção e a compreensão de textos. (DOLZ &
SCHNEUWLY, 2010, 23-24).
As convenções genéricas são atividades sociais submetidas
a critérios de êxito (BARROS, 2002, 203). Entre os critérios
225
necessários para a realização de um texto, por meio de uma
convenção genérica, estão a finalidade discursiva a ser legitimada,
o contrato entre os interlocutores, que os reconheça como
capacitados a participar da ação comunicativa, o suporte material
que corporifique o texto em objeto sensível e a organização
textual que estruture o sistema linguístico conforme as
peculiaridades comunicativas da situação interativa.
Os gêneros são construtos sociais, estabelecidos em um
tempo-espaço que os legitima (MAINGUENEAU, 1997, 36). Em
outras palavras, as convenções genéricas são ações que
relacionam homem, língua e discurso, de acordo com as verdades
de um grupo social. Assim, é possível afirmar que os gêneros
formam um sistema de controle social e de exercício de poder
(MARCUSCHI, 2008, 161). Compreender os mecanismos formais
e, principalmente, ideológicos que orientam esses padrões de
comunicação é inserir-se na rede simbólica que dimensiona e
sustenta as crenças e os valores da sociedade. Aprender,
conscientemente, a utilizar os gêneros textuais é preparar-se para
questionar, reconstruir e, inclusive, manipular esses mesmos
valores e crenças.
2.2. Gênero textual como instrumento de ensino – a
visão de Dolz & Schneuwly
226
Dolz & Schneuwly (2010) afirmam que os gêneros
textuais, por seu caráter intermediário e integrador, fundamentam
as práticas e atividades de linguagem. Sob a metáfora de o gênero
ser um megainstrumento – “uma configuração estabilizada de
vários subsistemas semióticos (sobretudo linguísticos, mas
também paralinguísticos)” (Dolz & SCHNEUWLY, 2010, 25) –
os autores defendem que o ensino de língua materna deve ser
desenvolvido a partir do trabalho com gêneros textuais. Em seus
estudos, recebem enfoque especial os gêneros secundários, uma
vez que a apropriação desses instrumentos não ocorre diretamente
em uma situação de comunicação; “O trabalho escolar será
realizado, evidentemente, sobre gêneros que o aluno não domina
ou o faz de maneira insuficiente; sobre aqueles dificilmente
acessíveis, espontaneamente, pela maioria dos alunos [...]” (id.,
83).
Seguindo esse posicionamento, os autores relacionam o
ensino dos gêneros complexos ao conceito de zona proximal de
Vygotsky (distância entre o nível de desenvolvimento potencial e
o nível de desenvolvimento real de conhecimento para a resolução
de uma situação problema). Dolz & Schneuwly (2010) apontam
que o ensino dos gêneros secundários deve acontecer a partir do
conhecimento dos gêneros primários, por meio de uma
reelaboração do antigo sistema de linguagem, que, a partir de
227
então, apresenta novas significações, por meio de novas
perspectivas textuais.
Pode-se mesmo dizer que a introdução do novo sistema, a
aparição dos gêneros secundários na criança, não é o ponto de
chegada, mas o ponto de partida de um longo processo de
reestruturação que, a seu fim, vai produzir uma revolução nas
operações de linguagem (id., 31).
Defendem os autores que devem ser foco do trabalho
escolar os gêneros textuais pertencentes à escrita e ao oral formal,
sob a preocupação de conduzir o educando, de modo sistemático,
ao necessário domínio da linguagem, em seu funcionamento nas
diversas situações comunicativas. A sistematicidade do ensino dos
gêneros deve ser estruturada sob uma progressão em espiral entre
os conhecimentos a serem adquiridos, sob a forma de sequências
didáticas (módulos ordenados de ensino, estruturados sob o
objetivo de aperfeiçoar uma prática de linguagem), sempre
norteadas pelas dificuldades em linguagem apresentadas pelo
aluno (id., 43-46).
Frente à diversidade de gêneros que circulam em uma
sociedade letrada, Dolz & Schneuwly sugerem que o ensino de
língua materna se desenvolva a partir de uma seleção dos
instrumentos a serem trabalhados sob agrupamentos, organizados
sob três critérios, cujo alvo se localiza nas capacidades globais de
linguagem a serem trabalhadas. São eles: 1. relação direta com as
228
finalidades sociais esperadas do ensino de língua materna, em
suas modalidades escrita e oral; 2. abordagem, de modo flexível,
das diferentes tipologias textuais; 3. relativa homogeneidade
discursiva entre os gêneros agrupados (DOLZ & SCHNEUWLY,
2010, 50).
São cinco os agrupamentos de gêneros propostos pelos
autores (id, ibidem):
1. cultura literária ficcional – relacionado à ação de narrar (fábula,
romance, piada etc.);
2. documentação e memorização das ações humanas – relacionado
à ação de relatar (testemunho, reportagem, biografia etc.);
3. discussão de problemas controversos – relacionado à ação de
argumentar (debate regrado, editorial, ensaio etc.);
4. transmissão e construção de saberes – relacionado à ação de
expor (seminário, verbete, exposição oral etc.);
5. instruções e prescrições – relacionado à ação de descrever,
orientar ações (receita, comandos, regulamento etc.).
As vantagens do ensino desenvolvido por agrupamentos de
gêneros
são
a
diversidade
de
instrumentos
discursivos
apresentados aos alunos, a multiplicidade de operações de
linguagem a serem abordadas, a possibilidade de enfocar as
tipologias textuais, sem, contudo, desvinculá-las de suas
respectivas funções na dinâmica de uma situação comunicativa e o
229
desenvolvimento de competências e habilidades que são
transferíveis entre o ensino de cada gênero trabalhado.
Dolz & Schneuwly (2010) ressaltam que o gênero
apresenta-se, na situação escolar, como uma “variação do gênero
de referência, construída numa dinâmica de ensino-aprendizagem,
para funcionar numa instituição cujo objetivo primeiro é
precisamente este” (op. cit., 69). Sob tal perspectiva, instaura-se a
necessidade de propiciar ao aluno situações comunicativas
próximas às verdadeiras em que o gênero se realiza, a fim de que
o processo de aprendizagem tenha sentido.
O trabalho escolar com gêneros deve-se desenvolver,
portanto, para elucidar os conhecimentos implícitos da formação
genérica, por meio de modelos didáticos. Pode-se caracterizar um
modelo didático a partir de duas características: uma síntese
destinada à orientação docente e um sinalizador das dimensões
ensináveis, que sinaliza as sequências didáticas a serem
elaboradas (id., 70).
As sequências visam ao aperfeiçoamento das práticas de
escrita e de produção oral e estão principalmente centradas na
aquisição de procedimentos e de práticas. Ao mesmo tempo
em que constituem um lugar de intersecção entre atividades
de expressão e de estruturação, as sequências não podem
assumir a totalidade do trabalho necessário para levar os
alunos a um melhor domínio da língua e devem apoiar-se em
certos conhecimentos, construídos em outros momentos
(DOLZ & SCHNEUWLY, 2010, 96).
230
De modo geral, uma sequência didática se estrutura,
primeiramente, na apresentação do gênero a ser trabalhado, sob
uma situação real – ou ao menos verossímil – de comunicação.
Em seguida, a partir da produção textual dos alunos, uma série de
módulos é proposta, a fim de explicitar, com base nas dificuldades
apresentadas nesses primeiros textos, as características do gênero
e aprimorar as competências e habilidades textual-discursivas dos
alunos. Por último, os educandos elaboram uma produção textual
final do gênero, já então munidos dos instrumentos trabalhados ao
longo do desenvolvimento dos módulos.
2.3. Gêneros instrucionais
Denominam-se por gêneros instrucionais os tipos de
enunciado (BAKHTIN, 2003) organizados sob uma relação
discursiva de comando-execução, orientando ou proibindo ações e
comportamentos. Dolz & Schneuwly (2010, 52) caracterizam os
gêneros instrucionais sob capacidade de linguagem de regulação
mútua de comportamentos. O arranjo discursivo do gênero
instrucional, necessariamente, inscreve no texto as figuras de um
enunciador (aquele que prescreve ou interdita os comandos) e de
um enunciatário (a quem se dirigem as instruções ou interdições a
serem observadas).
231
Embora seja evidente que os gêneros apresentem uma
heterogeneidade tipológica, percebe-se que há sequências que se
revelam como discursivamente dominantes em determinados
gêneros. A diretriz comando-execução acaba por atribuir aos
gêneros instrucionais características (recorrentes, porém não
obrigatórias) na materialidade linguístico-textual. A sequência
textual predominante nesses enunciados tipicamente instrucionais
é a injuntiva (MARCUSCHI, 2002), que engloba os atos de fala
diretivos, cujo objetivo é levar ao enunciador executar algo
(SEARLE, 1969).
A sequência injuntiva está, assim, para os
gêneros instrucionais, como um traço relacionado ao estilo, que,
ao lado do conteúdo temático e da construção composicional, é
um elemento caracterizador dos gêneros textuais.
A injunção pode explicitar uma força ilocucionária de
ordem, pedido, sugestão, restrição ou interdição. Travaglia (2007)
afirma que, no tipo textual injuntivo, o conteúdo “é sempre algo a
ser feito e/ou como ser feito, uma ou várias ações ou fatos e
fenônemos cuja realização é pretendida por alguém” (id, 43).
Intrínseca à sequência injuntiva encontra-se a implicatura
de um desnível temporal do discurso – a injunção indica um
comando a ser praticado em um momento futuro, posterior à
própria enunciação. Desse modo, a sequência injuntiva traz, em si,
um núcleo de um processo de transformação: há um “antes” (o
estado anterior da execução das orientações/ prescrições) e um
232
“depois” (implicados na execução do comando por parte do
interlocutor), demarcados pela ação transformadora incitada pela
injunção. Assim, a sequência injuntiva extrapola o plano textualdiscursivo, ao propor uma junção dialogal entre o dito e o por
fazer, inscritos no plano de ação estruturador do sentido textual.
Travaglia (2007) afirma que a superestrutura de textos do
tipo injuntivo19 costuma ser formada por três partes ou categorias
esquemáticas. A primeira é o elenco ou descrição dos elementos a
serem manipulados a partir do comando-execução; o elenco pode
apresentar-se sob a forma de lista (ingredientes de receita) ou lista
e descrição/ ilustração (fotos ou desenhos em manuais de
instrução). A segunda categoria esquemática é a determinação ou
incitação, em que se apresenta o comando-execução a ser
cumprido – “a injunção em si” (id., 50). A terceira parte é a
justificativa, ou incentivo em que se apresenta a justificativa para
o comando-execução. Travaglia (2007) ressalta que textos que são
necessária
e
dominantemente
injuntivos
apresentam
essa
superestrutura em seu todo ou em parte de sua própria
superestrutura. O autor menciona, ainda, que as categorias
esquemáticas
não
estão sob
ordem
fixa
e podem
ser
intercambiáveis. “A única parte obrigatória é a determinação, mas
às vezes o produtor do texto apenas dá a justificativa ou
19
Para o autor (Travaglia, 2007, 51), a noção de texto do tipo injuntivo é
equivalente ao que se denomina por gêneros instrucionais neste trabalho.
233
explicação e a determinação fica implícita, sendo deduzível
através de inferências” (op. cit, 51).
Em relação às características do verbo, Travaglia (id., 6566) mostra que, nos textos do tipo injuntivo, é comum o uso de
auxiliares modais de modalidades imperativas (principalmente
ordem, obrigação e prescrição) e verbos sob nuance semântica de
dinamismo (ações), normalmente indicando a condição do
produtor do texto (incitador) e do interlocutor (potencial executor
do comando). Segundo o autor, os verbos, em textos injuntivos,
não apresentam a atualização do aspecto e o valor temporal
característico é de futuro, independentemente da forma verbal.
Rosa (2003) agrupa os gêneros de predominância do tipo
injuntivo de acordo com a função sociocomunicativa. Há três
categorias
de
textos
instrucionais:
o
texto
instrucional-
programador (instrui um modo de fazer; exemplo: receita), o texto
de conselho (sugerem um fazer; exemplo: horóscopo) e o texto
regulador-prescritivo (obrigam um fazer; exemplo: leis) (id., 32).
A relação entre gêneros instrucionais e injunção como
sequência textual predominante parece, muitas vezes, ser
apreendida como intrínseca – a noção norteadora de comando
daqueles gêneros liga-se estritamente à força ilocucionária inscrita
em uma sequência injuntiva. Travaglia (2007, 51) cita que o tipo
textual injuntivo, como estrutura textual dominante, vincula-se a
gêneros
como
mensagem
religioso-doutrinária,
234
instruções,
manuais de uso e/ou montagem de aparelhos, receitas de cozinha e
receitas médicas, textos de orientação comportamental (por
exemplo, como dirigir sob neblina, etc.).
Apesar de ser a evidente a interrelação entre sequência
injuntiva e gêneros instrucionais, tal vinculação não pode ser
entendida como uma relação biunívoca, em que a existência de
um desses elementos pressupõe necessariamente a presença do
outro. Tal proposição se verifica na possibilidade de sequências
injuntivas comporem – ainda que não predominantemente –
gêneros textuais que não sejam instrucionais (como, segundo
Travaglia (id., ibid.), no gênero editorial), ou, ainda, alguns
gêneros instrucionais não explicitarem um comando-execução por
elementos característicos de uma sequência injuntiva, embora o
tragam inscrito no nível discursivo (como, por exemplo, o gênero
textual crendice popular, em que o camando-execução não se
manifesta na materialidade do texto, mas é resgatado por meio da
exploração dos elementos implícitos20).
Gêneros instrucionais são organizados principalmente
sobre a função apelativa (conativa) da linguagem – o discurso
instrucional traz como pressuposto um enunciatário ao qual a
orientação, prescrição, restrição ou interdição se dirige. Chalhub
20
As crendices parecem se enquadrar entre os gêneros instrucionais nos quais,
como se mencionara, a determinação injuntiva é dada implicitamente,
recuperada por meio de inferências (cf. Travaglia, 2007, 51).
235
(2004) menciona que a função conativa revela uma ação do
emissor “de se fazer notar pelo destinatário, seja através de uma
ordem, exortação, chamamento ou invocação, saudação ou
súplica” (op. cit, 22), apresentando frequentemente o imperativo
como marca gramatical – modo verbal também muito comum a
determinados gêneros instrucionais.
Pela objetividade do gênero instrucional (o comando
procura ser mais claro o possível, para que a execução seja
cumprida conforme o esperado), os textos sob essa organização
genérica costumam apresentar linguagem precisa, frases curtas e
uma ordenação relativamente fixa das informações (a alteração
dos comandos pode refletir no processo de sua execução).
Gêneros instrucionais com maior corporeidade textual (receitas,
manuais)
costumam
apresentar
articuladores
textuais
que
explicitam a hierarquia de execução de cada microcomando a ser
cumprido, para que o macrocomando seja realizado, promovendo,
assim, a progressão textual: “primeiramente”, “antes”, “depois”,
“em seguida”, “por último” etc.
O enquadramento argumentativo nesses gêneros, por sua
vez, não favorece a polêmica: o texto instrucional assume-se
como verdade a ser seguida, não abrindo espaço a outra
possibilidade de construção do discurso por parte do interlocutor.
Dessa maneira, desde os manuais de instruções, passando pelas
receitas e bulas de medicamentos, até chegar aos textos legais
236
(placas de trânsito, regulamentos, estatutos, leis etc.), os gêneros
instrucionais são construídos sob uma assimetria discursiva entre
enunciador (aquele que dita o modus operandi de um saber) e
enunciatário
(o
que
deve
cumprir
os
procedimentos
determinados).
Assim, pode-se afirmar que, nos gêneros instrucionais,
pressupõem-se a autoridade e legitimidade do enunciador para a
construção do discurso - o comando apenas se justifica caso o
interlocutor o aceite como verdade, justificada e reconhecida
socialmente, a ser executada. Os tipos de enunciados instrucionais
tendem a ser fechados em si mesmos, a partir de uma visão
autoritária da construção dos sentidos.
3. Análise dos livros didáticos
Como corpora para esta pesquisa, foram selecionadas duas
coleções de livros didáticos, destinadas ao ensino de língua
portuguesa no segundo segmento do Ensino Fundamental (EF):
Tudo é linguagem (BORGATTO, BERTIN & MARCHEZI, 2009)
e Passaporte para a Língua Portuguesa (DISCINI & TEIXEIRA,
2007). Ambas as coleções são organizadas em quatro volumes,
cada um destinado a um ano de escolaridade em que o EF é
subdividido.
237
A análise foi desenvolvida a partir da observação dos
seguintes parâmetros nos livros didáticos:
1. abordagem teórica dos gêneros instrucionais nos respectivos
Manuais do professor;
2. apresentação e desenvolvimento dos gêneros instrucionais nos
conteúdos e atividades destinados ao educando.
3.1. Os Manuais do professor
Segundo o Manual do Professor da coleção Tudo é
linguagem (TL), os gêneros textuais funcionam como a diretriz de
organização dos conteúdos desenvolvidos ao longo de toda a obra,
ao envolverem o desenvolvimento da leitura, escuta, produção de
textos oral e escrita, reflexão e análise linguística (BORGATTO,
BERTIN & MARCHEZI, 2009, p 2). A apresentação de gêneros
variados e a diversificação de textos de uma mesma formação
genérica são caracterizadas como procedimentos indispensáveis à
formação de um indivíduo funcionalmente letrado, por promover
a reflexão sobre a língua como produto sociocultural e
instrumento de interação. Os gêneros textuais/ do discurso
refletem, pois, “a dimensão social da linguagem e dos textos (op.
cit., 7).
Em TL, afirma-se que os gêneros, ao serem trabalhados no
ambiente escolar, são reconstruídos por um processo de
238
“didatização da leitura”, uma vez que os alunos são conduzidos a
organizar seus conhecimentos prévios ao estudo reflexivo das
formações genéricas enfocadas na escola. Tal metodologia de
reflexão é desenvolvida a partir do agrupamento dos gêneros sob
duas perspectivas. A primeira organiza os gêneros a partir de
domínios de práticas de linguagem (Dolz & Schineuwly, 2010): o
narrar, o relatar, o expor, o argumentar e o instruir/ prescrever. A
segunda perspectiva é orientada sob o aspecto de circulação social
(esferas discursivas) do gênero, presentes no cotidiano: “gêneros
literários, de imprensa, publicitários, de divulgação científica”
(BORGATTO, BERTIN & MARCHEZI, 2009, 8).
Afirma-se, no Manual de TL, que o trabalho com gêneros
é estruturado sob a forma de sequências didáticas, de modo a
estabelecer uma gradação entre as competências comunicativas a
serem desenvolvidas e aprimoradas, promovendo uma progressão
em espiral (Dolz & Schineuwly, 2004) do processo de ensinoaprendizagem. Assegura-se, também, que tal organização do
ensino atende, de modo equilibrado, tanto os gêneros de língua
escrita quanto os de língua falada.
O Manual de TL ressalta, ainda, que em todos os volumes
da obra são trabalhados gêneros de todos os domínios de práticas
de linguagem, o que é exemplificado pelos gêneros sob o domínio
do instruir/ prescrever “os textos do âmbito do instruir (jogos,
instruções, regras...) têm momento marcado no volume do 6º ano,
239
mas são analisados e empregados ao longo do desenvolvimento
das atividades dos demais volumes” (Borgatto, Bertin &
Marchezi, 2009, 11). Apesar da ressalva, constatou-se que o
desenvolvimento de gêneros instrucionais é mencionado pelo
Manual do Professor de TL unicamente naquele mesmo volume
da coleção.
Especificamente no Manual do volume destinado ao sexto
ano, citam-se
alguns
exemplos
de gêneros
instrucionais
(instruções de montagem, receitas, regulamentos, regras de jogo,
instruções, uso de comandos diversos, textos prescritivos),
ressaltando sua recorrência no cotidiano. Interessante mencionar
que já no Manual deste volume, na seção “Sugestão de aplicação
por bimestre”, fica registrado que a produção textual dos gêneros
instrucionais se direciona ao aprimoramento da língua escrita (op.
cit., 34). Todas essas observações serão retomadas no tópico
seguinte deste artigo, a fim de constatar a coerência entre as metas
propostas e as atividades destinadas ao aluno, na coleção TL, em
relação à abordagem dos gêneros instrucionais pela obra.
Por outro lado, o Manual da coleção Passaporte para
língua portuguesa (PLP) define como objetivo da obra conduzir o
educando a “ler e produzir textos de diferentes tipos e gêneros e
levá-lo a refletir sobre as possibilidades de leitura que o mundo,
considerado como um texto, oferece” (DISCINI & TEIXEIRA,
2007, 5), sob uma proposta de orientação equilibrada entre a
240
abordagem das modalidades escrita e oral da língua. Confirma-se
a metodologia de ensino baseada na análise de formações
genéricas, ao se mencionar que o conceito de gênero,
“instrumento confirmador da situação de comunicação” (id., 13),
funciona como eixo dos estudos apresentados pela obra.
Em PLP também se revela preocupação em desenvolver o
processo de ensino-aprendizagem sob a diretriz de uma
progressão em espiral (DOLZ & SCHINEUWLY, 2010), pela
retomada e aprofundamento das características abordadas nos
gêneros, ao longo de seus quatro volumes. Menciona-se que a
obra procura conciliar a noção de gênero textual ao conceito de
tipos de texto, a fim de o aluno seja capaz de transferir
conhecimentos, já então internalizados, para as exigências
específicas de cada situação de comunicação. Desse modo, os
textos instrucionais, “em que se dão regras de como fazer algo”
(DISCINI & TEIXEIRA, 2007, 13), são definidos, no Manual do
Professor, como a concretização do tipo textual injuntivo.
O Manual de PLP apresenta uma série de conceitos
teóricos disseminados ao longo dos segundo, terceiro e quarto
volumes, conforme a abordagem dos gêneros desenvolvida em
cada ano de escolaridade do segundo segmento do EF
(respectivamente sétimo, oitavo e nono anos de escolaridade) –
seção intitulada como “Respostas de questões e encaminhamentos
complementares”. Assim, as orientações ao docente em relação
241
aos gêneros instrucionais, aparecem em diversas passagens da
obra, de acordo com as atividades práticas desenvolvidas com os
alunos no livro – com ressalva ao texto de apresentação comum
aos quatro volumes, o Manual do primeiro volume não faz
menção alguma aos gêneros instrucionais.
No
Manual
do
segundo
volume,
apresentam-se
características dos textos injuntivos, tais como o plano de ação
norteador do discurso, o valor das prescrições e interdições
sustentadoras do texto conforme o gênero textual abordado, a
transmissão de um “saber fazer” (DISCINI & TEIXEIRA, 2007,
v.2, 54) ao interlocutor, orientando a construção dos sentidos que
este faz a partir de uma realidade. O Manual do terceiro volume
apresenta orientações sobre o tema, o conteúdo e o estilo do
gênero instrucional manual de etiqueta e manual de instruções. No
quarto volume, o Manual aborda o enunciador do gênero
instrucional (crendice e estatuto) como o que instrui, prescreve ou
interdita ações e comportamentos por meio de uma assimetria
instaurada entre ele e seu interlocutor. Também delineia as esferas
de circulação daqueles gêneros.
É importante ressaltar que a análise não identificou, em
momento algum, o desenvolvimento de atividades que abordem os
gêneros instrucionais sob a modalidade oral da língua no Manual
do Professor na coleção PLP. Essa e as demais constatações
descritas neste tópico serviram como base comparativa entre as
242
propostas apresentadas no Manual do Professor de cada uma das
coleções e o trabalho real desenvolvido naquelas obras, em
relação aos gêneros instrucionais.
3.2. Desenvolvimento dos gêneros instrucionais nos
livros didáticos
Ambas as coleções analisadas afirmam, como fora
mencionado na análise dos Manuais do Professor, abordar e
desenvolver os gêneros instrucionais sob uma a forma de uma
progressão em espiral, entre os gêneros de um mesmo domínio de
prática de linguagem, sob relativo equilíbrio entre gêneros orais e
escritos. A observação das obras revela, entretanto, que a coleção
TL não promove um tratamento em espiral entre tais gêneros,
tampouco equilibra a abordagem entre fala e escrita nesses tipos
de enunciado. A coleção PLP também apresenta suas falhas, pois,
ainda que a progressão em espiral seja desenvolvida, a oralidade é
claramente preterida, em favor dos gêneros instrucionais escritos.
A fim de ilustrar a dinâmica de apresentação dos gêneros
instrucionais nas coleções foram desenvolvidas duas tabelas, em
que se registram o gênero trabalhado, o ano de escolaridade, os
tópicos desenvolvidos a partir do gênero e a proposta de produção
textual apresentada. A sinalização dos tópicos relacionados ao
gênero se justifica pela intenção de identificar se a formação
genérica foi abordada como objeto principal ou secundário de
243
análise, utilizando-se o gênero como “pretexto” para o estudo de
outro conteúdo.
A tabela 1 apresenta os dados relativos à coleção TL. As
áreas em fundo cinza mostram o gênero abordado de forma
secundária, sem ser considerado por sua função, tema,
composição ou estilo (cf. legenda).
Livro
Gênero
Instrucional
TUDO É LINGUAGEM
Tópicos relacionados
6º ano
Placa de
advertência
Manual
Produção textual do
gênero
Ambiguidade; pontuação.
-
Tema, composição e estilo
do gênero.
-
Regra de jogo
Tema, composição e estilo
do gênero.
Folheto
instrucional
Tema, composição e estilo
do gênero; implicações do
suporte, conjugação entre
linguagem
visual
e
linguagem
verbal;
comparação
entre
exemplares
do
mesmo
gênero. Correlação entre
modo imperativo, futuro do
indicativo e infinitivo no
texto instrucional.
Estilo do gênero.
Produção escrita de
regras de jogo em duplas
e
comparação
entre
produções.
Produção escrita das
orientações
para
confecção de origami, a
partir das ilustrações.
Produção escrita de
folheto instrucional sobre
cuidados com a pele.
Horóscopo
244
Produção escrita de
horóscopo a partir de
frases feitas.
-
-
7º ano
8º ano
9º ano
Legenda
Gênero sob enfoque principal
Gênero sob enfoque secundário
Tabela 1: Gêneros instrucionais na coleção Tudo é linguagem.
A observação da tabela 1 revela que, em relação aos gêneros
instrucionais, a coleção TL não consegue estabelecer uma
metodologia de progressão em espiral. Contrariando o que se
esboçara no Manual do Professor, nos volumes destinados ao
sétimo, oitavo e nono anos não foram encontrados exemplares de
texto sob o domínio do instruir.
A tabela 1 esclarece também que, na referida coleção, há
um gênero instrucional trabalhado sob enfoque secundário
(BORGATTO, BERTIN & MARCHEZI, 2009, v.1, 62-63). Na
atividade, apresentam-se placas de advertência de trânsito, para
abordar a ambiguidade do texto e trabalhar a pontuação, a fim de
corrigir a imprecisão do sentido. Apesar de a esfera de circulação
ser relativamente apresentada, o gênero não é abordado em sua
função comunicativa ou características temáticas, composicionais
e estilísticas, mas sim como um instrumento para se chegar a um
tópico gramatical.
245
É válido ressaltar que todos os textos instrucionais
apresentados em TL são trabalhos sob a modalidade escrita da
língua; os textos orais sob o domínio do instruir não são, em
momento algum, abordados na obra. Também as atividades de
produção textual não são direcionadas para a oralidade,
constatação que se mostra em desacordo com as diretrizes
apresentadas pelos Manuais.
No volume destinado ao sexto ano, a Unidade 8 é dedicada
aos textos instrucionais. É curioso, entretanto, que o texto
principal da seção é uma narrativa (“O espelho dos nomes”).
Ainda que o texto apresente, inserido na organização da narrativa,
regras de um jogo desenvolvido pelas personagens da história, o
objetivo comunicativo principal do texto trabalhado não se
enquadra sobre o domínio de prática de um texto instrucional. Isso
se comprova pelo fato de haver a necessidade de, em outra
passagem (id., 219), organizarem-se as regras do jogo
apresentadas na referida na narrativa, sob forma convencional,
para, somente a partir de então, desenvolver-se o estudo do gênero
instrucional.
A preocupação de definir e caracterizar os gêneros
instrucionais aparece na Unidade 8:
“O texto que tem a finalidade de transmitir regras, instruções
ou orientações pertence ao gênero de texto chamado
instrucional.
246
Exemplos desse gênero de texto: bulas de remédio, receitas
médicas, receitas culinárias, manuais que acompanham
eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos, instruções de
montagem de móveis ou aeromodelos, regulamentos, regras
de jogos, etc.
Características dos textos instrucionais:
 frases curtas e objetivas;
 verbos utilizados no modo imperativo ou no infinitivo;
 organização em itens ou em lista com orientação passo a
passo;
 linguagem clara e precisa (id., 225).
Nota-se que a caracterização dos textos instrucionais se
limita ao imperativo e ao infinitivo como formas verbais
apresentadas no texto instrucional. Contudo é interessante que o
livro se contradiz justamente na narrativa apresentada como texto
principal da unidade. Naquele texto, no registro das regras de um
jogo, os comandos são estruturados com a forma verbal no
presente do indicativo: “A gente diz uma frase (...). / E você diz
outra que combina” (id., 212).
É muito interessante o trabalho apresentado sob o estudo
do gênero folheto instrucional, em TL (Unidade 8), por ser
desenvolvido a partir de uma abordagem contextualmente
orientada, oferecendo variados exemplares do gênero para
comparação de tema, composição e estilo. Nessa passagem,
comenta-se o valor do futuro do presente do indicativo como
sinalizador de um comando a ser cumprido.
Passando à coleção PLP, é possível observar que, nesta
obra, a intenção de organizar os conteúdos sob uma progressão em
247
espiral parece contemplar o estudo dos gêneros instrucionais. A
tabela 2 esquematiza tais formações genéricas na referida coleção:
Livro
Gênero
Instrucional
PASSAPORTE PARA A LÍNGUA PORTUGUESA
Tópicos relacionados
6º ano
Placa de interdição
Receita culinária
7º ano
Receita culinária
“Aconselhamento”
(Revista de
amenidades) 21
Estilo do gênero;
imperativo.
Estilo do gênero;
imperativo.
Produção textual do
gênero
modo
-
modo
-
Tema, composição e estilo
do gênero; função da
linguagem;
plano
de
expressão e plano de
conteúdo
do
texto;
comparação
entre
exemplares
do
mesmo
gênero; modo imperativo.
Tema, composição e estilo
do gênero; texto injuntivo;
conceito de prescrição e
-
21
-
Os nomes dos gêneros entre aspas, devido a não haver uma nomenclatura
específica indicada no livro didático analisado, foram adotados, em função da
temática do gênero, para uma referência aos textos. Na obra analisada, esses
textos aparecem como partes do gênero “revistas de amenidades”.
Diferentemente do que apresenta o livro didático, adotou-se neste trabalho a
perspectiva de que a revista é um suporte, que agrupa variados textos sob
diferentes domínios de práticas de comunicação.
248
“Instrução para
artesanato”
8º ano
Manual de etiqueta
Manual de instrução
9º ano
Crendice
Estatuto
Regulamento
interno
interdição;
esfera
de
circulação do gênero; “tom
de voz” do enunciador;
modo imperativo no texto
injuntivo.
Texto injuntivo.
Tema, composição e estilo
do gênero; esfera de
comunicação do gênero.
Tema, composição e estilo
do gênero.
-
Reescrita das regras
de um manual de
instrução sob a forma
de
manual
de
etiqueta.
-
Tema e estilo do gênero;
esfera de circulação do
gênero.
-
Tema, composição e estilo
do gênero. Conceito de texto
injuntivo; comparação entre
textos injuntivos; esfera de
comunicação; futuro de
presente
com
valor
prescritivo
em
textos
injuntivos; comparação entre
exemplares
do
gênero;
situação de comunicação.
Tema, composição e estilo
do gênero; situação de
comunicação.
Produção escrita de
um estatuto.
Produção escrita de
regula-mento interno.
Tabela 2: Gêneros instrucionais na coleção Passaporte para
língua portuguesa.
Como ilustra a tabela 2, em todas as suas ocorrências em
PLP, os gêneros instrucionais aparecem como centro da atividade,
249
confirmando, tal qual se dissera no Manual do Professor a adoção
dos gêneros textuais como eixo dos estudos desenvolvidos. O
enfoque sobre tais textos não se delimita a descrever a
estruturação linguística do gênero, mas aponta para marcas
enunciativas típicas de tais enunciados e, na maioria dos casos, a
situação e função comunicativa desses enunciados.
É perceptível que em PLP há a preocupação de apresentar
textos instrucionais desde a esfera cotidiana (crendice, receita
culinária), passando pela esferas públicas (manual de etiqueta e
estatuto). O livro busca também relacionar o conceito de gênero
instrucional às ideias de sequência injuntiva e tipo textual
injuntivo, a partir dos aspectos linguístico-discursivos que
aproximam essas três noções – como, por exemplo, força
ilocucionária, posicionamento do enunciador, estrutura verbal.
No quarto volume (DISCINI & TEIXEIRA, 2007, v. 4,
208-240), o gênero estatuto é explorado detelhadamente. Há a
preocupação dee oferecer diversificados exemplares do gênero,
para que o aluno perceba as variações que o permeiam. A
atividade de produção escrita incentiva a produção de texto sob tal
características, a patir da localização de uma situação de
comunicação, de um leitor previsto e de uma esfera de
comunicação. O interessante da atividade é inserir em um livro
didático um texto da esfera burocrática e mostrar que textos
250
instrucionais apresentam uma organização argumentativa própria,
a ser considerada para a construção dos sentidos textuais.
A coleção PLP não apresenta, entretanto, o equilíbrio
entre oralidade e escrita, prometido em seu Manual , na
abordagem dos gêneros instrucionais. Novamente os gêneos orais
são negligenciados em favor dos gêneros escritos. Até mesmo as
crendices, enunciados tipicamente orais, não são explorados sob
uma perspectiva da língua falada – os alunos são levados a refletir
sobre exemplos apresentados no livro; não há sugestão alguma de
uma exploração sob as características ligadas à oralidade.
Outro ponto a ser comentado é o desequilíbrio entre a
apresentação e a produção de gêneros em PLP. Ao mesmo tempo
em que o aluno é exposto a uma diversidade de textos
instrucionais, em poucos momentos se promove a produção
textual. Entre os dez gêneros sob o domínio do instruir ao longo
dos quatro volumes, apenas três apresentam uma proposta de
produção. Essa disposição da obra acaba por deixar a impressão
de que há, em PLP, uma grande preocupação com o
desdobramento teórico da questão dos gêneros instrucionas, sem,
contudo, a necessária exploração da prática textual – seja na
modalidade escrita, seja na modalidade falada da língua.
251
4. Conclusão
A análise dos livros didáticos constatou que a abordagem
dos gêneros textuais começa a ser um ponto comum para o ensino
de português como língua materna. Entretanto a sistematicidade
desse estudo ainda apresenta alguns problemas, por privilegiar
muito mais a leitura, sob uma ótica de processo passivo, do que a
produção textual, contextualmente desenvolvida, na realidade do
ensino.
Ainda que as práticas de língua falada sejam consideradas
tão importantes quanto as de língua escrita para a formação do
educando, os gêneros orais continuam, na realidade, a ser
preteridos no EF, em favor do tradicional enfoque sobre a língua
escrita. É preciso ressaltar a importância da modalidade falada da
língua em suas particularidades discursivas, para que o ensino se
apresente sob uma ótima seguramente eficaz.
O estudo dos gêneros instrucionais começa a ser
desenvolvido
sob
uma
diretriz
enunciativa,
funcional
e
contextualizada, deixando de ser uma mera descrição de estruturas
e formas verbais típicas. Essa constatação demonstra que a tão
sonhada transformação do ensino de língua portuguesa, ainda que
timidamente, começa a dar seus primeiros passos. Este trabalho
foi elaborado com a esperança de ser uma pequena continuidade
desse processo.
252
Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Martins Fontes:
São Paulo, 2003.
BARROS, Nina Célia de. Estratégias de ataque à face em gêneros
jornalísticos. In: MEURER, José Luiz; MOTTA-ROTH, Désirée
(orgs.). Gêneros Textuais. Bauru: EDUSC, p. 199-214, 2002.
BAZERMAN, Charles. Gêneros textuais, tipificação e interação.
São Paulo: Cortez, 2005.
BIASSI-RODRIGUES, Bernadete; HEMAIS, Barbara; ARAÚJO,
Júlio César. Gêneros textuais e comunidades discursivas: um
diálogo com John Swales. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
BORGATTO, Ana Trinconi; BERTIN, Terezinha; MARCHEZI;
Vera. Tudo é linguagem. 6º ao 9º ano. São Paulo: Ática, 2009.
CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Ática,
2004.
DISCINI, Norma; TEIXEIRA, Lucia. Passaporte para a Língua
Portuguesa. 6º ao 9º ano. São Paulo: Editora do Brasil, 2007.
DOLZ, J.; SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas: Mercado de Letras, 2010.
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos
sentidos. São Paulo: Contexto, 2002.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do
discurso. Campinas: Pontes, 1997.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e
funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela et al. (orgs.). Gêneros
textuais e ensino. RJ: Lucerna, p. 19-36, 2002.
_____. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola, 2008.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília:
Secretaria de Educação Fundamental, 1998.
ROSA, A. L. T. No comando, a sequência injuntiva! In:
DIONÍSIO, Â. P. e BEZERRA, N. S. Tecendo textos, construindo
experiências. Rio de Janeiro: Lucerna, p. 30-45, 2003.
SEARLE, J. R. Speech Acts. Cambridge: Cambridge University
Press, 1969.
253
TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A caracterização de categorias de
texto: tipos, gêneros e espécies. Alfa. São Paulo: n. 51, p. 39-79,
2007.
254
O gênero “artigo de opinião” em dois
livros didáticos
Raquel Batista dos Santos (UFRJ)
1. Introdução
Há algumas décadas o ensino de língua portuguesa estava
pautado no estudo de regras gramaticais, na maioria das vezes,
aplicadas a frases “soltas”, isoladas do texto. Tal postura era
ancorada em uma visão tradicionalista do que seria um texto, que
era visto como um aglomerado de frases, sendo uma postura
recorrente no estudo da língua tomar como ponto de partida as
frases para chegar ao texto.
Com o avanço da Linguística Textual, a unidade básica de
estudo deixou de ser considerada a palavra ou a frase e passou a
ser o próprio texto, entendido como um todo significativo ligado a
uma atividade social. Dessa forma, o modo ascendente de ensino,
da frase para o texto, passa ao descendente, do texto para a frase e
para unidades menores.
A partir dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) −
que defendem um ensino de Português pautado em gêneros orais e
escritos, por meio da interação entre leitura, produção e análise
linguística − tal postura tornou-se consenso entre os pesquisadores
da área de ensino de línguas. Houve, assim, um aumento de
trabalhos e pesquisas referentes ao tema, ainda que, em sala de
255
aula, essa tendência de trabalhar com os gêneros nem sempre seja
a mais recorrente.
Entretanto, um passo para a transformação no ensino de
língua portuguesa foi a mudança de perspectiva de alguns livros
didáticos. Mesmo que tenha sido por uma questão de adequação
aos PCN e aos critérios de avaliação do governo, alguns já trazem
muitos avanços em relação ao tratamento do texto, que deixa de
ser um pretexto para o ensino de regras gramaticais e passa a ser
estudado na perspectiva dos gêneros e das tipologias textuais.
Autores como Dolz e Schneuwly, Koch, Marcuschi
passaram a ser frequentes na bibliografia desses livros e na
perspectiva teórica presente no Manual do Professor. Entretanto,
deve-se avaliar se as teorias são realmente concretizadas nesses
materiais. Em função disso, este artigo tem por objetivo analisar
como um determinado gênero é tratado em duas coleções de
Ensino Fundamental, verificando se há articulação entre leitura,
análise linguística e produção.
Como o trabalho com os gêneros textuais está relacionado
ao estudo da língua em seus usos autênticos, a escolha de um
gênero jornalístico mostrou-se interessante para esta pesquisa,
tendo em vista a configuração do jornal como mecanismo social e
de linguagem. Nesse caso, o gênero escolhido foi o artigo de
opinião, que consideramos importante, já que, além de ser de um
texto da mídia (o que o torna um gênero recorrente na vida diária),
256
constitui
um
importante
instrumento
para
o
estudo
da
argumentação.
Sabemos que todos precisam da argumentação em diversas
situações
cotidianas
e
que,
além
disso,
a
capacidade
argumentativa é necessária ainda em contextos mais formais.
Assim, trabalhar gêneros argumentativos mostra-se importante no
sentido de permitir ao aluno desenvolver habilidades de percepção
do ponto de vista alheio e de seus fundamentos (ou da ausência
deles) e de expressão de um posicionamento próprio nas diversas
situações comunicativas.
O
desenvolvimento
deste
artigo
está
dividido
essencialmente em duas seções: a abordagem teórica e a análise
do gênero. Na parte teórica, trataremos, basicamente, das noções,
primeiro, de gênero textual, de suporte e de domínio discursivo;
em seguida, dos gêneros jornalísticos e dos tipos/sequências
textuais; depois, dos gêneros escolares e das sequências didáticas;
e, por fim, dos PCN de língua portuguesa. Já na segunda parte
será analisado o gênero em questão em dois livros de duas
coleções de Língua Portuguesa para o 3º e o 4º ciclos do Ensino
Fundamental − Tudo é Linguagem e Passaporte para a Língua
Portuguesa, das quais serão analisados os volumes 2 e 1
257
(respectivamente), visto que estes são os que contêm unidades que
trabalham com o gênero “artigo de opinião”22.
2. Abordagem teórica
2.1. Gênero textual, suporte e domínio discursivo
Segundo Bakhtin (1997), o falante se comunica por meio
de um gênero textual, tipo relativamente estável de enunciado, e o
utiliza com segurança ainda que ignore totalmente sua existência
teórica. Nessa perspectiva, aprender a falar é aprender a se
comunicar através dos gêneros, já que falamos por meio de
enunciados, não por frases ou palavras isoladas. Os gêneros
organizam nossa fala e podem também ser pressentidos na fala do
outro.
Por isso, Bakhtin (1997: 303) afirma que “Se não
existissem os gêneros do discurso, e se não os dominássemos, se
tivéssemos que criá-los pela primeira vez no processo da fala, se
tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a
comunicação verbal seria quase impossível.” Os gêneros
contribuem, pois, para ordenar as atividades comunicativas e,
22
Na verdade, como se verá no item 3.2, o livro Passaporte para a língua
portugesa analisa o gênero coluna de jornal, que, por sua similaridade com o
artigo de opinião, foi incluído nesta análise.
258
apesar de sua relativa estabilidade, são maleáveis e dinâmicos, já
que acompanham as mudanças sócio-culturais.
Conforme afirma Marcuschi (2005), com o surgimento e a
intensidade do uso de novas tecnologias, os grandes suportes
tecnológicos vão abrigando gêneros novos. O suporte, de acordo
com Marcuschi (2008: 174), é “um lócus físico ou virtual com
formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do
gênero materializado como texto”. Diante disso, um livro, uma
revista, um jornal, um outdoor podem ser considerados suportes à
medida que possuem uma materialidade, um formato específico e
têm como função veicular textos.
Como, a princípio, toda superfície pode funcionar como
suporte, Marcuschi diferencia os suportes incidentais dos
convencionais. Os incidentais são aqueles que podem veicular
textos, mas não têm essa função comumente, como o corpo
humano com uma tatuagem, por exemplo. Já os convencionais são
considerados típicos, tendo sido produzidos com a finalidade de
comportar texto/s, um exemplo disso é uma folha de papel que
veicula o gênero carta pessoal.
Contudo, Marcuschi destaca que a folha de papel não deve
ser tomada como suporte de maneira geral, pois no caso do livro,
por exemplo, a página é apenas parte do todo. O suporte é o livro,
não apenas o papel impresso, por isso podemos distinguir livros e
revistas como diferentes suportes. Marcuschi considera, então, os
259
livros didáticos como suportes convencionais, pois são produzidos
especificamente para portar textos.
O autor ressalta que o livro didático contém elementos
muito específicos e uma funcionalidade típica, pois veicula
gêneros da esfera do discurso pedagógico como a “explicação
textual”, os “exercícios escolares”, a “redação”, as “instruções
para produção textual” e veicula muitos gêneros destituídos de seu
suporte original. Nessa perspectiva, considerando que os suportes
não são apenas modos de transporte e de fixação, pois interferem
no discurso, destaca que o livro didático, embora não mude os
gêneros que incorpora, modifica a funcionalidade deles.
Outra noção importante abordada por Marcuschi é a de
“domínio discursivo”, que designa uma esfera ou instância de
produção discursiva ou de atividade humana. Tais domínios, ainda
que não sejam textos nem discursos, levam ao surgimento de
discursos bastante específicos como o pedagógico, o jurídico, o
jornalístico, o religioso. Atividades como a pedagógica, a jurídica,
a jornalística e a religiosa constituem práticas discursivas e dão
origem a um conjunto de gêneros textuais −às vezes próprios e,
em alguns casos, até exclusivos − como rotinas comunicativas
institucionalizadas.
O discurso jornalístico relaciona-se a um conjunto de
gêneros que lhe são próprios, como notícia, reportagem, crônica,
editorial, artigo de opinião, charge, anúncio publicitário.
260
Marcuschi considera o jornal como um suporte com muitos
gêneros, já Bonini (2006) o denomina como um hipergênero,
considerando-o como um gênero constituído por outros, devido a
sua organização em seções de modo mais ou menos regular.
O artigo de opinião, gênero em questão neste artigo, é
veiculado originalmente no suporte jornal ou revista e é parte do
discurso jornalístico, porém, como o nosso foco são as atividades
de livros de Língua Portuguesa, tal gênero será analisado dentro
do livro didático.
2.2. Gêneros jornalísticos e tipos/sequências textuais: o
artigo de opinião e a sequência argumentativa
Para a análise de gêneros jornalísticos, mostra-se útil a
distinção feita por Broucker, abordada por Cunha (2005), entre
dois “gêneros redacionais”: a informação e o comentário. O
primeiro visa a fazer saber, como é o caso da notícia. Nessa
perspectiva, os textos informativos são do tipo textual narrativo,
procuram responder, principalmente, às questões o quê? quem?
quando? onde? e têm por característica a busca da objetividade.
Já o segundo visa a fazer valer uma convicção, um
julgamento, um sentimento acerca de algo já dito. Sendo assim, os
textos que se enquadram na categoria “comentário” expõem um
ponto de vista a respeito de um tema conhecido e são do tipo
261
argumentativo. Um exemplo de gênero desse grupo é o artigo de
opinião, foco desta pesquisa.
Segundo Rabaça & Barbosa (1978: 25), o artigo é um
“texto jornalístico interpretativo e opinativo, mais ou menos
extenso, que desenvolve uma ideia ou comenta um assunto a partir
de uma determinada fundamentação”. Em geral, é assinado e não
representa, necessariamente, a opinião da empresa jornalística, o
que lhe confere maior liberdade.
Como o gênero artigo de opinião exprime o ponto de vista
de um articulista acerca de um determinado tema, trata-se de um
texto organizado de maneira predominantemente argumentativa.
Quanto à argumentação, Koch (2002) afirma que, na interação,
sempre há o objetivo de atuar sobre o outro e obter dele certas
reações. Nessa perspectiva, os enunciados têm sempre uma
orientação argumentativa, pois em todo discurso está presente
uma ideologia. Trata-se de uma visão da argumentação como
inerente à linguagem, ou seja, em sentido lato.
Sem
contrariar
essa
visão,
pode-se
analisar
a
argumentação no plano composicional, pois é possível observar,
em determinados textos, uma estrutura tipicamente argumentativa,
que não está presente em outros: há relação entre argumentos e
uma dada conclusão e aparecem determinadas marcas gramaticais
como os operadores argumentativos. Trata-se da argumentação
em sentido strictu.
262
À argumentação no sentido strictu relaciona-se o gênero
artigo de opinião, um texto do tipo argumentativo. Quando
falamos em tipos textuais, nos baseamos em Marcuschi (2008),
que define o tipo textual como uma espécie de construção teórica
definida pela natureza línguística de sua composição (aspectos
lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo).
O autor ressalta que os tipos caracterizam-se mais como
sequências linguísticas do que como textos materializados e
abrangem um conjunto limitado de categorias conhecidas como
narração, argumentação, exposição, descrição, injunção. Quando
um tipo predomina num texto concreto, diz-se que esse texto é
narrativo ou argumentativo ou expositivo ou descritivo ou
injuntivo.
Tomamos como base ainda Adam (1992, apud SANTOS,
2007), que utiliza o termo “sequência” em vez de “tipo” e as
define como organizações linguísticas formais em interação
dentro de um determinado gênero. Segundo o autor, a sequência é
delimitável em poucos tipos de base: narrativa, descritiva,
argumentativa, explicativa e conversacional-dialogal. Nessa
perspectiva, como o tópico desse trabalho é um gênero âmbito do
argumentar, cabe tratar da sequência argumentativa.
Adam sugere entender a argumentação de dois modos: um
em nível de discurso e de interação social (dimensão pragmática)
e outro em nível de organização da textualidade (dimensão
263
sequencial). Na dimensão pragmática, a argumentação é vista
como uma construção do discurso por um enunciador para
modificar a posição do interlocutor; na dimensão sequencial, a
argumentação é entendida como uma forma de composição
elementar,
isto
é,
os
locutores
possuem
representações
prototípicas referentes aos esquemas de argumentação. No
dimensão sequencial, Adam propõe que as proposições sejam
interpretadas na relação Argumento (s) – Conclusão, Dados –
Conclusão.
2.3. Gêneros escolares e sequências didáticas
O artigo de opinião é, como todo gênero, um instrumento
de comunicação. Porém, este estudo analisará tal gênero em livros
didáticos, ou seja, destituído de seu suporte cotidiano, o jornal, e
de seu objetivo comunicativo em si. Tem-se aí um gênero
utilizado como objeto de ensino-aprendizagem. Como apontam
Dolz e Schneuwly (2004), trata-se, nesse caso, de um gênero
escolarizado.
Segundo os autores, o uso de um gênero na escola
corresponde a uma prática de linguagem, em parte, fictícia, pois o
aluno escreve tendo como ponto de partida um “como se”, isto é,
uma condição criada com fins de aprendizagem. Sendo assim, o
gênero transforma-se em forma de expressão do pensamento,
264
desprovida de relação com uma situação de comunicação
autêntica.
Para Dolz e Schneuwly, no processo de ensino, deve haver
consciência do papel central dos gêneros, levando em conta
alguns fatores. Um deles é que toda introdução de um gênero na
escola é consequência de uma escolha didática para atingir fins
específicos de aprendizagem. Tais objetivos estão relacionados a,
por um lado, conhecer melhor um gênero para compreendê-lo e
produzi-lo melhor; por outro lado, a desenvolver capacidades que
transpassam o gênero, transferíveis para outros.
Outro fator a se considerar é a transformação que o gênero
sofre por funcionar em um lugar social diferente do original. A
relação particular que os gêneros adquirem com as práticas de
linguagem, o fato de serem gêneros, principalmente, a aprender,
mais que a comunicar, leva à complexificação dos gêneros na
escola. Entretanto, os autores destacam que se deve colocar os
alunos em situações de comunicação o mais próximas possível das
verdadeiras, com o objetivo de melhor dominá-las, sem deixar de
considerar que há também outros objetivos visados.
Segundo os autores, deve-se fornecer meios para que o
aluno melhore seu domínio de um dado gênero de modo que possa
escrever e falar de modo mais adequado em uma determinada
situação comunicativa. Sendo assim, o foco do trabalho escolar
265
serão os gêneros que o aluno não domina ou não o faz de forma
suficiente.
2.4. Os PCN de Língua Portuguesa para o Ensino
Fundamental
Os PCN para o 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental,
publicados em 1998, demonstram uma mudança na perspectiva
tradicionalista acerca do que é ensinar Língua Portuguesa,
veiculando uma postura crítica segundo a qual o ensino deixa de
ser reduzido ao trabalho com regras gramaticais e passa a ter o
texto como unidade básica. Têm-se os gêneros como ponto de
partida – já que os textos se organizam em gêneros –, com
privilégio à leitura, à produção de textos e à análise linguística.
Quando se fala em textos, trata-se tanto dos escritos quanto
dos orais. A preocupação com os gêneros orais constitui um
diferencial dos PCN, pois até então a oralidade, em geral, não era
trabalhada pelos livros didáticos e tampouco pelos professores em
sala de aula.
Para a atividade de leitura, os PCN destacam alguns
fatores: a articulação dos enunciados de acordo com as
características das sequências predominantes e conforme suas
particularidades no interior do gênero; o estabelecimento de
relações com outros textos e com recursos que os acompanham
266
como gráficos, tabelas, desenhos, fotos, boxes; uma abordagem
quanto à forma e ao conteúdo do texto, em função das
características do gênero, do suporte, do autor; um levantamento e
análise de indicadores linguísticos e extralinguísticos presentes no
texto para identificar as várias vozes do discurso, o ponto de vista
e a finalidade.
Para a prática de produção textual, considera-se a
importância de aspectos como as condições de produção, a
finalidade, as especificidades do gênero, o interlocutor escolhido e
os lugares preferenciais de circulação. Ademais, destacam-se
algumas etapas de elaboração textual: estabelecimento de tema,
levantamento de ideias e dados, planejamento, rascunho, revisão
(com intervenção do professor) e versão final. Ganham destaque
ainda aspectos como a coesão, a coerência e a argumentatividade.
Em relação à análise linguística, os PCN destacam que o
termo não constitui um sinônimo de ensino de gramática, mas
refere-se aos fenômenos linguísticos em sua relação com os
textos. A atividade está relacionada a aprender a pensar e falar
sobre a própria linguagem. Por isso, supõem-se atividades
didáticas reflexivas acerca dos recursos expressivos utilizados em
um texto, levando em conta elementos como as condições de
produção, as sequências discursivas predominantes, o gênero e o
suporte.
267
Por meio da diversidade de textos orais ou escritos é que o
aluno perceberá como se estrutura sua língua. Os PCN incluem
ainda, como parte da análise linguística, os procedimentos de
planejamento, elaboração e refacção dos textos. Assim, assinalase para uma integração entre leitura, produção e análise
linguística. Por meio da leitura e da escrita, o aluno pode perceber
as regularidades linguísticas que compõem um dado gênero e
expressar suas necessidades de aprendizado, as quais irão guiar o
trabalho do professor.
Os Parâmetros destacam que o ensino-aprendizagem deve
relacionar-se a diferentes padrões de fala e de escrita, para que o
aluno seja capaz de escolher a variedade linguística adequada às
características e condições do contexto de produção. Logo, o foco
do ensino deixa de ser corrigir “erros” e passa a ser formar um
indivíduo competente para se expressar de acordo com sua
intenção enunciativa, dirigindo-se a determinados interlocutores,
em dado contexto.
Para o estudo de determinado fato linguístico, são
sugeridos alguns procedimentos metodológicos: tomar como
ponto de partida as capacidades já dominadas pelos alunos, para
que estes ampliem gradualmente seu domínio de linguagem;
constituir um corpus simples e relevante, com dados suficientes
para que o aluno possa perceber as regularidades; analisar o
corpus, promovendo o agrupamento dos dados; organizar e
268
registrar as conclusões dos alunos e permitir que exercitem os
conteúdos estudados, a fim de que se apropriem efetivamente das
descobertas realizadas.
Dessa forma, os PCN propõem que o ensino de língua
portuguesa seja pautado na interação entre a prática de leitura, de
produção de textos (orais e escritos) e de análise linguística. A
unidade básica para o ensino-aprendizagem é o texto, que é
trabalhado por meio dos diversos gêneros de circulação social. O
aluno, usuário da língua, é ativo nesse processo que se dá por
meio do princípio USO→ REFLEXÃO→ USO.
3. Análise do gênero nos livros didáticos
A análise do capítulo selecionado em cada uma das
coleções será subdividida em leitura, análise linguística e
produção
textual,
já
que
constituem
itens
considerados
fundamentais no estudo dos gêneros. O objetivo será identificar se
cada uma dessas habilidades é trabalhada de acordo com os PCN e
os estudos atuais acerca do ensino de Língua Portuguesa. A
organização da descrição das atividades propostas nos livros e dos
comentários acerca delas seguirá, em grande parte, a ordem em
que as habilidades são trabalhadas em cada capítulo, de modo que,
se o capítulo agrupar propostas de produção textual à atividade de
leitura, por exemplo, elas podem aparecer junto ao tópico leitura.
269
3.1. Tudo é linguagem
Todos os capítulos da coleção Tudo é linguagem são
divididos por gêneros e, no início de cada um, há um resumo do
que será trabalhado e uma apresentação do gênero em questão. A
seguir, vêm alguns textos acompanhados de atividades de
interpretação, depois tópicos gramaticais e, por fim, a parte de
produção textual. Como o foco da pesquisa é analisar o trabalho
com o artigo de opinião e esse gênero encontra-se no capítulo 8 do
volume 2 da coleção, trataremos especificamente desse capítulo.
Nessa seção do livro, encontrou-se a mesma subdivisão já
citada, sendo o ponto de partida um texto prévio sobre o artigo de
opinião. Depois, apresentam-se vários textos e atividades de
interpretação: a unidade trabalha a expressão do ponto de vista a
partir de vários gêneros (cartum, artigo de opinião, debate em
revista, foto). Por fim, traz algumas propostas de produção textual.
Cabe ressaltar que a coleção como um todo costuma apresentar,
ao lado do texto, uma breve conceituação do gênero, o autor e um
diferencial: uma foto do gênero no suporte original. Isso
demonstra a importância dada ao suporte, conforme destaca
Marcuschi (2008).
270
3.1.1. Leitura
A parte de leitura e análise de textos começa com o gênero
cartum em quadrinhos e uma atividade oral com questões para a
identificação do tema e da opinião presentes nele. A seguir, passase a um texto mais denso, aparece o gênero artigo de opinião
acompanhado da parte de interpretação de texto (“Compreensão
inicial”), onde aparecem questões relacionadas ao suporte, ao
autor, às partes do texto e a sua relação com os cartuns anteriores
e com outros.
Então, apresenta-se a primeira produção de texto do
capítulo: a elaboração de um cartum. O aluno, antes de produzir,
já leu textos do gênero e já os interpretou, como expusemos
anteriormente, o que mostra, nesse acaso, um articulação entre
leitura e produção. Para a confecção do texto, são indicadas
algumas características do cartum e dadas instruções, dentre elas
estão a escolha do tema e as etapas de trabalho (planejamento,
produção, divulgação).
No item “Construção e linguagem do
texto”, são apresentadas a estrutura e as características do artigo
de opinião. O artigo lido reaparece com destaque à paragrafação, à
divisão em introdução, desenvolvimento e conclusão, ressaltando
a questão da expressão da opinião e da apresentação de
argumentos.
271
Em seguida, sugerem-se atividades orais e escritas
relativas à identificação do tema, das posições contrárias e
favoráveis a determinados pontos de vista e da estrutura do texto.
Ao final do trabalho com esse texto, apresenta-se um quadro com
o conteúdo do gênero artigo de opinião, em que o aluno deve
completar as partes (estrutura) e a intenção (objetivo), atribuindolhe um papel ativo na identificação das características do gênero.
No item “Outras linguagens”, apresenta-se uma foto e, por
meio de uma atividade oral, trabalha-se a expressão do ponto de
vista no texto através da interpretação da relação entre imagem e
legenda, e da identificação da intenção comunicativa. Na seção
“Um bom debate”, sugere-se um debate com mediação e regras,
para o qual se esclarecem as etapas, se determina a função de cada
um e se fornece um quadro de avaliação.
Assim, observa-se que, na parte de leitura e interpretação
de texto, a sequência argumentativa foi bastante trabalhada,
levando em conta a intencionalidade, a identificação e expressão
de diferentes pontos de vista e enfatizando a estrutura dados conclusão, a partir de uma gama de gêneros. O aluno leu bastante
e se familiarizou com os gêneros cartum e artigo de opinião antes
de ter que produzi-los, o que demonstra coerência com o que Dolz
e Schneuwly comentam sobre a necessidade de conhecer bem um
gênero para compreendê-lo e produzi-lo melhor.
272
Houve,
nessa
parte,
principalmente
questões
de
interpretação muito relacionadas a aspectos estruturais de ambos
os gêneros, mas também ligadas a aspectos intencionais e
comunicativos. A questão da apresentação do suporte merece
destaque, já que leva o aluno a conhecer melhor o contexto
original de produção. Ocorre ainda o trabalho com gêneros orais
(como o debate, por exemplo), o que por vezes costuma ser
esquecido
em
alguns
materiais
didáticos.
Tais
aspectos
constituem, em grande parte, um material de acordo com o que
preconizam os PCN de Língua Portuguesa. Entretanto, não foi
notada uma preocupação com a análise linguística, que se
apresentou, de forma bastante isolada, no item seguinte da
unidade.
3.1.2. Análise linguística
A análise linguística é feita em seção distinta da parte de
interpretação de texto, no item “Língua: usos e reflexão”. De uma
forma geral, são utilizados como exemplos trechos dos textos
anteriores do capítulo, que, porém, são trabalhados apenas
gramaticalmente, de tal modo que se pode dizer que servem
apenas de pretexto para abordar regras gramaticais. Apesar disso,
ao primeiro tópico de gramática apresentado (oração, sujeito e
predicado) são acrescidos outros conteúdos como a concordância
273
verbal com o sujeito, os determinantes dos substantivos (núcleos
do sujeito), a coesão referencial (elipse e outros recursos para
evitar repetições), bastante úteis na produção textual.
Destacam-se também aspectos interessantes, como a
revisão de texto – treinando os recursos coesivos – e a discussão
da importância do assunto gramatical abordado. Esse último ponto
constitui mais um diferencial em relação a outros livros, já que faz
o aluno refletir sobre a importância de estudar gramática, o que
não costuma ser uma postura recorrente nem nos livros nem em
sala de aula.
Aborda-se também como um dos tópicos a linguagem
formal e informal, abordando, a partir daí, aspectos como o
interlocutor do texto, a adequação da linguagem, a discussão da
intenção no uso da linguagem, da importância da adequação ao
público-alvo, a concordância verbal etc. Trabalham-se, assim,
aspectos relacionados ao texto como uma atividade social.
Entretanto, a questão formal/informal é abordada a partir,
primeiro, de uma canção, depois de anúncios publicitários, ou
seja, não há relação com o gênero principal do capítulo. Portanto,
apesar de a análise linguística mostrar-se interessante, está
vinculada, nesse caso, apenas aos textos lidos no item, ou seja,
desvinculada dos textos anteriores, como o artigo de opinião,
gênero principal da unidade.
274
Outro tópico gramatical da unidade é ordem direta ou
inversa, em que se abordam, a partir de trechos de textos
anteriores, a intenção na escolha da ordem frasal, a relação entre
esta e o gênero, e se fazem exercícios classificatórios. Cabe
ressaltar que, outra vez, os textos funcionam como pretexto. Na
subdivisão “Ordem frasal e informação”, são apresentados títulos
de um jornal com a foto da primeira página e se realizam
atividades classificatórias junto a outras que destacam os efeitos
da ordem direta/ indireta, as intenções, a relação com o
convencimento. Parte-se ainda de um título e olho de matéria de
jornal para a resolução de exercícios classificatórios e de
estruturação frasal. Destacamos que, mais uma vez, não há relação
com o gênero principal da unidade e com textos anteriores, apesar
de se trabalhar, nesse caso, gêneros do mesmo domínio, o
jornalístico.
Logo, a parte de análise linguística busca sempre, além de
exercícios classificatórios, discutir questões importantes de
aplicação das regras gramaticais ao texto, como alguns efeitos de
sentido, a relação com intenções, com o público-alvo, com o
gênero textual etc. Entretanto, a análise linguística não está
relacionada à leitura, já que, quando traz exemplos de textos lidos
no capítulo (e isso não é feito a todo o momento), os utiliza
apenas como pretexto para exemplificar os conteúdos veiculados,
o que demonstra uma postura ainda tradicional no tratamento de
275
aspectos gramaticais, em desacordo com os PCN. No entanto,
apesar de isto não ser explicitado, os conteúdos gramaticais são
interessantes se aplicados à parte de produção textual, da qual
tratamos a seguir.
3.1.3. Produção
Apesar de haver algumas propostas de produção de
gêneros orais e escritos ao longo do capítulo (inclusive
relacionados à linguagem não verbal), ao final, há uma seção
denominada “Produção de texto”, onde é proposta a elaboração de
dois textos: um “parágrafo argumentativo” e um “texto
argumentativo”. Para o primeiro, é fornecido um cartum, cujo
tema deve ser o ponto de partida para a confecção do parágrafo.
As instruções esclarecem que se deve defender uma opinião a
partir
de
argumentos.
Para
o
segundo,
sugere-se
um
posicionamento em relação a um dito popular e apresentam-se as
seguintes
instruções:
um
posicionamento
na
introdução,
argumentos, enriquecimento dos argumentos e conclusão.
Nas duas propostas, indica-se a avaliação do texto entre os
colegas, a partir de um pequeno roteiro e, na segunda, sugere-se
também a reformulação (se necessário), a divulgação em um
painel e um debate a partir da leitura dos textos. Demonstra-se,
assim, uma preocupação com a formação de um senso crítico do
276
aluno em relação aos textos, tanto para a avaliação de textos de
colegas quanto para uma auto-avaliação. Há, também, a sugestão
de meios de veiculação dos textos, no caso desse capítulo, em um
painel, mas, nos outros, também em mural, exposição, jornal
escolar etc - ainda que, prioritariamente, no contexto escolar.
De um modo geral, a parte de produção textual preocupase em apresentar coordenadas para a confecção do texto:
planejamento (instruções, etapas, rascunho); redação propriamente
dita; avaliação; divulgação. Na maior parte das produções, o aluno
já leu e analisou exemplo/s do gênero a ser produzido, tendo
assim uma imagem acerca do texto em questão (características).
Entretanto, alguns aspectos comunicativos como a intenção, a
situação, o público-alvo/ perfil do leitor e a linguagem adequada
não aparecem, com exceção para o último item citado.
Desse modo, observa-se que a parte de produção textual do
capítulo está atrelada à tipologia, mas, nem tanto, aos gêneros
lidos. O tema das produções tem relação com o assunto da maior
parte dos textos lidos na parte de compreensão de texto e com as
tipologias pedidas também. Entretanto, observa-se uma ênfase
apenas na sequência argumentativa, pois não são pedidos gêneros
específicos, a proposta é, especificamente, a de um texto
argumentativo, ou seja, trata-se, nesse caso, do tradicional gênero
escolar conhecido como dissertação. Sendo assim, o aluno está
277
sendo preparado para escrever um texto opinativo e não um
gênero específico.
Em suma, no capítulo analisado, há relação entre leitura e
produção no tocante à tipologia, mas, no caso do item “Produção
de texto” (ao final do capítulo), não ocorre essa relação no que
concerne aos gêneros: o tema do capítulo é o artigo de opinião,
algumas leituras e atividades se relacionam a ele, mas não há
proposta para a produção desse gênero especificamente. No que
concerne à análise linguística, como já foi dito, o tópico
gramatical trabalhado no capítulo pode ser interessante para a
parte de produção. Questões como a ordem frasal, os níveis de
formalidade, a diversificação dos tipos de sujeito como recursos
coesivos podem ser bem úteis na hora de compor um texto
argumentativo. Contudo, o capítulo não relaciona essas partes,
citando, na parte de produção, apenas a questão da adequação à
linguagem, o que constituiu uma ausência de vínculo entre análise
linguística e produção.
3.2. Passaporte para a língua portuguesa
A coleção Passaporte para a Língua Portuguesa tem seus
capítulos divididos por temas. O foco de cada lição não é trabalhar
um gênero específico, mas um determinado tema: discute-se o
assunto principal por meio da leitura de gêneros diversificados. Os
278
capítulos se dividem, basicamente, em quatro partes: estudo do
texto, expressão oral, expressão escrita e estudo da língua. Como,
ao longo da coleção, não foi encontrado o gênero artigo de
opinião, nem na parte de leitura tampouco na parte de expressão
escrita, escolhemos para a análise um capítulo em que se encontra
um gênero que consideramos mais próximo dele, a “coluna de
jornal”, presente na lição 8, do volume 1. Tal escolha se deve ao
fato de esse gênero ser do âmbito do argumentar e do domínio
jornalístico, assim como o artigo de opinião.
3.2.1. Leitura
O tema do capítulo 8 – o trabalho – é discutido por meio
de uma gama de gêneros: provérbio, depoimento, poesia, júri
simulado, pintura. Trabalha-se, assim, a expressão de pontos de
vista sobre o assunto, a partir de diversos gêneros, enfatizando a
argumentação lato sensu, como inerente a todo o texto, visto que
não são gêneros do âmbito do argumentar. A análise de textos se
inicia com a leitura de um provérbio e de um pequeno depoimento
e são trabalhados aspectos como as características do provérbio, a
identificação de recursos para convencer o leitor, para
interlocução direta, abordando recursos gramaticais frequentes no
gênero, de modo a interligar texto e gramática.
279
Em seguida, a partir do mesmo tema do capítulo, na seção
“Expressão oral”, propõe-se a produção de um gênero oral – o júri
simulado – e são fornecidas instruções em relação aos
participantes e ao papel deles na atividade. Para auxiliar no
levantamento de ideias para o júri, são fornecidos alguns textos
auxiliares, como reportagens e foto relacionadas ao tema e um
pequeno resumo em tópicos a respeito do que é saber argumentar.
Trata-se de uma atividade interessante para os alunos treinarem
essa habilidade. Após isso, apresentam-se uma poesia para leitura
e algumas questões a ela relacionadas. Pedem-se, por exemplo, as
figuras retratadas no poema e o tratamento poético dado a elas, a
identificação de expressões que as retomem (coesão referencial).
Além disso, há perguntas, relacionadas ao poema,
divididas em três seções: descrição, narração e argumentação. Na
primeira parte, pede-se para comprovar que há descrição nas duas
primeiras estrofes, para explicar o que é descrito e citar exemplos
do uso do tempo verbal, nesse último caso, fazendo uma relação
entre gramática e texto. As questões ressaltam a diferença entre
descrição e narração quando as relacionam à simultaneidade e à
posterioridade, respectivamente. Em relação à argumentação, as
perguntas destacam a relação entre a seleção vocabular e a
expressão do ponto de vista. Assim, pede-se que se relacionem
algumas palavras a sentimentos demonstrados pelo “poeta”, a
280
pontuação com a emoção, onde mais uma vez se nota a relação
entre texto e gramática.
Verificou-se, assim, um estudo de características do
gênero poema, pois, a partir das atividades, o aluno tem a
possibilidade de perceber questões geralmente recorrentes.
Ademais, a abordagem da descrição, da narração e da
argumentação no poema reflete a posição de Adam (1992) de que
as sequências interagem dentro de um determinado gênero.
O último gênero verbal trabalhado na parte de leitura é o
depoimento, também acerca do tema trabalho, em que se discutem
principalmente questões linguísticas como a relação entre tempos
verbais e pessoas gramaticais, o estilo e o grau de formalidade,
algumas marcas de oralidade. Acrescentam-se, por meio de um
pequeno quadro, algumas noções de variantes linguísticas. Cabe
ressaltar que se verificou um estudo de características do gênero
depoimento, porém mais focadas na linguagem. Na última parte
referente ao “Estudo do texto”, analisa-se detalhadamente o
gênero pintura.
Portanto, os gêneros que aparecem na parte de leitura, em
geral, são bastante trabalhados em relação a suas características.
Merecem destaque alguns aspectos como a abordagem de gêneros
orais e, ainda, a presença de questões relacionadas à variação
linguística, conforme preveem os PCN. Identificam-se também
questões relacionadas à análise linguística, havendo, assim, uma
281
relação desta com a leitura. Entretanto, não foi observada, nesse
capítulo, uma relação direta entre a produção e a leitura, já que,
conforme será tratado mais adiante, os gêneros a serem
produzidos não são os lidos nessa unidade. É possível estabelecer
essa relação somente se considerarmos a questão da abordagem da
argumentação ao longo das leituras. Além disso, a parte de
produção de texto é totalmente isolada, já que se encontra apenas
ao final do capítulo, o que será abordado mais adiante.
3.2.2. Análise linguística
A análise linguística, apesar de ser trabalhada ao longo da
parte de leitura, apresenta-se também em seção específica:
“Estudo da língua”. De um modo geral, os exemplos são trechos
retirados dos textos já lidos no capítulo. Um dos tópicos tratados é
a preposição, e a abordagem não começa com teoria nem regras
de uso, mas com questões que conduzem a elas. A definição e os
exemplos só aparecem, em seguida, em pequenos boxes ao lado
das questões.
Alguns exemplos de atividades são a identificação de
palavras de ligação, a apresentação de trechos para inserir
preposições, a discussão da ausência de variação de gênero e
número. Há questões que atentam para o sentido das preposições,
da repetição delas e para a variação no uso, o que demonstra uma
282
abordagem textual. Fala-se em contrações e pede-se para
completar as partes que faltam em uma lista delas. Assim, a parte
de gramática não oferece uma lista pronta, o aluno ajuda a
construí-la, o que deixa de lado a famosa “decoreba”. Discute-se
ainda a função da preposição, a questão do contexto linguístico
etc.
Outro tópico gramatical, bastante relacionado ao primeiro,
é a regência. Nesse caso, o ponto de partida não é constituído por
textos lidos anteriormente, são acrescidos outros. Para tratar, por
exemplo, do emprego de aonde, parte-se de uma tirinha, utilizada
apenas como pretexto, como é comum na maior parte dos
didáticos. Em seguida, apresentam-se versos de Fernando Pessoa
para que se identifiquem termo regente e termo regido, se a
regência é verbal ou nominal – conteúdos resumidos em dois
boxes. Tais versos também constituem apenas exemplos para
questões gramaticais (há uma questão de interpretação acerca
deles, mas sem relação alguma com o aspecto gramatical
abordado). Entretanto, no final desse item, há um boxe alertando
que o falante já sabe intuitivamente a regência dos termos e que,
por isso, não precisa decorar, mas apenas atentar para algumas
diferenças do uso coloquial para a variedade culta.
Além disso, em vez de fornecer uma lista acerca das
regências verbais mais complexas, sugere-se uma pesquisa em
dicionários a respeito dos verbos aspirar, assistir, obedecer,
283
preferir, chegar. Ainda no item regência, é trabalhada a crase, por
meio de questões que discutem a adequação da presença de artigo
diante de um nome de lugar (relacionada à presença ou ausência
de crase nesse contexto). Utilizam-se como exemplos trechos da
obra onde se encontra o depoimento lido anteriormente. Esse
trecho só define e explica a crase sem falar de regras e as questões
propostas fornecem um ponto de partida para que o professor as
construa junto aos alunos.
O último aspecto gramatical abordado é o predicado e seus
complementos verbais; para isso, os exemplos são constituídos
por mais um depoimento que é parte da obra já citada. Há
atividades classificatórias, mas pede-se também a relação entre os
complementos do verbo “ter” e os interesses da personagem, a
relação entre complemento verbal e determinada descrição, tratase da coesão textual, ou seja, abordam-se questões que relacionam
texto e gramática. Um aspecto importante a ser destacado é a
discussão do uso do pronome pessoal reto como objeto direto, em
que se comentam as variedades linguísticas, discutindo esse uso
da variedade popular.
No fim dessa parte, há uma seção de revisão dos conteúdos
gramaticais abordados no capítulo, onde são adicionadas algumas
atividades ortográficas, que correspondem a exercícios dos quais o
aluno depreende as regras. Fala-se também de variações regionais
na pronúncia – que podem alterar a grafia, como no caso de uma
284
canção apresentada (“Asa Branca”) –, e dos efeitos de
proximidade ao linguajar regional retratado.
Nessa parte, verifica-se que há, portanto, relação entre os
conteúdos abordados, pois preposição, regência, e complementos
verbais são assuntos interligados. A parte de leitura contém
questões que relacionam texto e gramática, mas a parte de análise
linguística não está tão vinculada a esses textos, pois, embora
reapareçam, são mais trabalhados somente em relação a aspectos
linguísticos. Por outro lado, a parte de gramática se mostra
interessante, à medida que deixa de lado as tão famosas
“decorebas”, e os conteúdos e regras vão sendo assimilados pelos
alunos a partir dos exercícios, conforme afirmam os PCN.
Ressalta-se também a preocupação observada em abordar a
questão da variação linguística, tratando da variante popular e dos
efeitos causados por seu uso. Há ainda, em alguns momentos, a
relação entre gramática e texto, o que está de acordo com os PCN.
Entretanto, não se observou uma preocupação em relacionar a
parte de análise linguística com a produção textual.
3.2.3. Produção
Em relação à produção textual no capítulo, não há
propostas de confecção de gêneros escritos nas seções anteriores à
parte de expressão escrita propriamente dita. Essa parte ficou
285
restrita apenas a poucas páginas onde se sugere a produção de um
texto argumentativo e se oferecem dois gêneros para escolha –
“coluna de jornal” e “texto de desabafo”. Para a realização da
atividade, é fornecido um quadro com algumas informações
básicas sobre o texto: tema, tipo de texto, gênero textual e textosfonte. Dentre esses textos auxiliares, há reportagem, entrevista,
foto. São fornecidas ainda algumas instruções para a elaboração
do texto que tratam de questões como a polêmica, a tomada de
posição e argumentação. Por fim, há um adendo interessante em
relação ao encadeamento de argumentos: trata-se de exercícios
úteis para treinar a coesão sequencial, o que pode auxiliar muito
na produção de texto argumentativo.
Não há relação direta entre leitura e produção, pois são
pedidos gêneros que não foram lidos no capítulo, talvez o aluno
nem saiba do que se trata, pois não há informações que
esclareçam o que é cada gênero sugerido. Parece haver uma
ênfase na sequência, pois argumentação foi trabalhada ao longo
das leituras, apesar de ter sido por meio de gêneros que não são
propriamente do âmbito do argumentar. Logo, o aluno só teve
acesso a textos argumentativos strictu sensu em produção oral, o
júri simulado. Desse modo, o aluno sabe o que é argumentar,
apesar de não conhecer os gêneros especificamente. Tem-se,
assim um foco na tipologia e não nos gêneros, que, apesar disso,
são trabalhados, mas não apresentam relação com a produção.
286
Cabe ressaltar que um algo a mais do capítulo, em relação à
produção de texto argumentativo, é a presença de algumas
propostas de estruturação para encadeamento de ideias, ou seja, a
abordagem da coesão sequencial.
4. Considerações finais
Há algumas ressalvas a serem feitas sobre os capítulos de
ambos os livros. Uma delas é acerca da ênfase sobre a tipologia na
parte de produção textual, pois ambos não permitem uma
confecção segura do gênero especificamente (o artigo de opinião
ou a coluna de jornal), mas de um texto argumentativo. Em
relação apenas ao TL, observa-se que a parte de análise
linguística, apesar de, indiretamente, possibilitar aplicação na
parte de produção textual, está desvinculada da leitura. No que diz
respeito ao PLP, devido a uma preocupação com a diversidade de
gêneros, o gênero pedido na expressão escrita, nem sequer foi lido
pelo aluno, o que pode causar dificuldades na hora da escrita.
Entretanto, os dois livros analisados apresentam diversos
avanços em relação ao modelo tradicional de livros didáticos de
Língua Portuguesa: trabalham a partir de uma diversidade de
gêneros (em maior ou menor grau) ressaltando as características
próprias; incluem o trabalho com gêneros orais; em vários
momentos, relacionam texto e gramática; abordam questões
287
relacionadas à adequação da linguagem e às variedades
linguísticas; e fornecem etapas para a produção de textos orais e
escritos, as quais incluem o planejamento, a elaboração, a releitura
e a refacção.
Mais especificamente no capítulo analisado no segundo
volume do livro Tudo é Linguagem (TL), alguns aspectos
merecem destaque: a preocupação, durante as atividades de
leitura, em situar o leitor quanto ao autor e ao suporte; a relação
entre leitura e produção, pois os textos lidos servem de base para a
expressão escrita; e a preocupação em sugerir algum tipo de
divulgação dos textos dos alunos, o que trabalha, de algum modo,
a dimensão comunicativa dos gêneros.
Já no capítulo analisado no volume 1, de Passaporte para
a Língua Portuguesa (PLP), destacam-se a relação entre leitura e
análise linguística na parte de compreensão de texto e na parte
específica de estudo da língua; e a produtividade dos exercícios
gramaticais no sentido de requerer a participação aluno na
construção dos conceitos.
Portanto, os dois capítulos analisados apresentam pontos
negativos e positivos em relação aos estudos mais recentes
relacionados ao ensino de Língua Portuguesa e às indicações dos
PCN. Os aspectos que poderiam ser aperfeiçoados, como foi visto,
dizem respeito, em alguma medida, à relação leitura, análise
linguística e produção. Contudo, de acordo com o que foi
288
analisado, os avanços em relação aos demais livros didáticos
ganham destaque e estão acima dos problemas levantados.
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RABAÇA, C. A. & BARBOSA, G. Dicionário de comunicação.
Rio de Janeiro: Codecri, 1978.
SANTOS, Maria Iesse. A organização da argumentação sob a
perspectiva do plano composicional. In: CAVALCANTE, M.M.,
COSTA et al. (orgs): Texto e discurso sob múltiplos olhares:
289
Gêneros e sequências textuais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
p.169-200.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim e colaboradores.
Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado de Letras,
2004.
Livros didáticos analisados:
BORGATTO, A.T.; BERTIN, T.; MARCHEZI, V. Tudo é
linguagem. V. 2. 2 linguístico. ed. São Paulo: Ática, 2009.
TEIXEIRA, Lucia & DISCINI, Norma. Passaporte para a língua
portuguesa. V. 1. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.
290
Considerações sobre o gênero artigo de
opinião em livros didáticos
do segundo segmento do ensino fundamental
Nubia Graciella Mendes Mothé (UFRJ)23
1. Introdução
Inicialmente, o objetivo deste artigo era analisar a
abordagem do gênero editorial nos manuais didáticos Tudo é
linguagem e Passaporte para a Língua Portuguesa. Entretanto,
após avaliar as coleções, percebemos que o gênero editorial não é
trabalhado em nenhuma das duas obras estudadas: em Tudo é
linguagem, o gênero sequer aparece nos volumes da coleção; já
em Passaporte para a língua portuguesa, dentre os quatro
volumes da coleção, as autoras só mencionam o gênero editorial
no final do volume 4 e, ainda assim, não para analisá-lo ou ensinar
as características e funções sociais de um editorial – o gênero só
aparece para exemplificar o tipo textual “dissertação”, que é o
tema da seção Estudo do texto na última lição do livro. Segundo
as autoras, a dissertação “é um tipo textual abrangente, que
envolve a exposição e a opinião” (DISCINI & TEIXEIRA, 2009,
p. 315). Quanto ao gênero editorial, que estaria exemplificando tal
tipo de texto, elas afirmam o seguinte: “Um editorial jornalístico,
23
[email protected]
291
que analisa e interpreta dados veiculados nos jornais, cobra o uso
do tipo textual dissertativo” (DISCINI & TEIXEIRA, 2009, p.
315). Nada mais é dito acerca do que é, onde aparece ou como se
configura um editorial.
Assim, devido a essas lacunas nas duas coleções quanto ao
gênero editorial, foi preciso fazer algumas mudanças. A ideia
inicial era escrever a respeito de algum gênero textual do âmbito
da argumentação, mas ficou claro que seria impossível analisar
editoriais em duas coleções que não tratam desse gênero. Deste
modo, optamos por fazer duas alterações: 1) utilizar uma terceira
coleção de livros didáticos que avaliamos como de qualidade e
abordagem similar às duas citadas anteriormente; e 2) trocar o
gênero textual sugerido. Em vez de editorial, optamos por analisar
a abordagem feita nos livros didáticos para o gênero artigo de
opinião, para que se mantivesse o foco no tipo textual
argumentativo. Mesmo assim, a coleção Passaporte para a
Língua Portuguesa não apresentava um estudo do gênero artigo
de opinião em qualquer de seus 4 volumes. Por isso, descartamos
essa coleção. E foi assim que surgiu a coleção Para viver juntos,
de Ana Elisa de Arruda Penteado, Eliane Gouvêa Lousada, Greta
Marchetti, Heidi Strecker e Maria Virgínia Scopacasa (Edições
SM).
Na coleção Tudo é linguagem, o gênero artigo de opinião
aparece nos volumes 2, 3 e 4 (respectivamente destinados ao 7º, 8º
292
e 9º anos). Já na coleção Para viver juntos, o gênero é trabalhado
nos livros do 7º e do 8º anos (volumes 2 e 3). Vamos aqui
perpassar por essas unidades para verificar que tipo de abordagem
e que tipos de atividades são feitas para que alunos do segundo
segmento do ensino fundamental se apropriem do conhecimento
sobre esse gênero tanto como leitores quanto como autores.
2. Fundamentação teórica
2.1. Das nomenclaturas
A primeira questão teórica que precisa ser discutida é
justamente aquela que se faz necessária para evitar a ambiguidade
dos termos aqui utilizados. Vemos nos trabalhos acadêmicos
ultimamente uma grande profusão de termos relacionados às
“teorias de gêneros”. Há trabalhos que adotam o termo gêneros
textuais, outros chamam gêneros discursivos; há também a
oposição entre modos de organização do discurso, tipos e
sequências textuais. Sem mencionar a discussão ainda mais antiga
acerca da diferença entre texto e discurso.
Na Linguística Textual, entretanto, em geral, a diferença
entre texto e discurso não é uma discussão central, pois, na
verdade, texto e discurso não se diferenciariam, uma vez que o
texto é visto não como produto, mas como processo e como “lugar
293
de interação entre atores sociais e de construção interacional de
sentidos”
(KOCH,
2004,
p.
XII).
Logo,
chamaremos
simplesmente texto cada exemplar do gênero artigo de opinião
com o qual trabalharemos.
Sendo assim, se, para a Linguística Textual, texto e
discurso não se diferenciam, também é indiferente chamarmos
gêneros textuais, gêneros de texto, gêneros discursivos ou mesmo
gêneros do discurso. Além disso, a principal base teórica para este
trabalho encontra-se em Dolz & Schneuwly (2004), que também
não diferenciam tais termos, como podemos ver na apresentação
da obra, feita pelas tradutoras, onde os termos aparecem como
comutáveis:
(...) passam a ter importância considerável tanto situações de
produção e de circulação dos textos como a significação que
nelas é forjada, e, naturalmente, convoca-se a noção de
gênero (discursivos ou textuais) como um instrumento
melhor que o conceito de tipo para favorecer o ensino de
leitura e de produção de textos escritos e, também, orais.
(DOLZ & SCHNEUWLY, 2004, p. 10, grifo extra nosso)
Por fim, quanto às sequências ou tipos textuais, no texto
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do terceiro e do
quarto ciclos do ensino fundamental de Língua Portuguesa, a
nomenclatura utilizada foi sequências textuais, cuja definição
dada é a seguinte:
294
As sequências são conjuntos de proposições
hierarquicamente constituídas, compondo uma
organização interna própria de relativa autonomia, que não
funcionam da mesma maneira nos diversos gêneros e nem
produzem os mesmos efeitos: assumem características
específicas em seu interior. Podem se caracterizar como
narrativa,
descritiva,
argumentativa,
expositiva
e
conversacional. (PCN, 1998, p. 21)
Mais adiante, o texto dos PCN traz os objetivos do tipo de
trabalho que deve ser feito na “Prática de análise linguística”: no
ensino de língua portuguesa, a escola deve proporcionar o
“reconhecimento das características dos diferentes gêneros de
texto, quanto ao conteúdo temático, construção composicional e
ao estilo” (p. 59), e, para que isso aconteça, deve haver “(...)
análise das sequências discursivas predominantes (narrativa,
descritiva, expositiva, argumentativa e conversacional) e dos
recursos expressivos recorrentes no interior de cada gênero” (p.
60).
Já Marcuschi (2007, p. 22), prefere a terminologia tipos
textuais:
(...) usamos a expressão tipo textual para designar uma
espécie de sequência teoricamente definida pela natureza
linguística de sua composição [aspectos lexicais, sintáticos,
tempos verbais, relações lógicas]. Em geral, os tipos textuais
abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas
como: narração, argumentação, exposição, descrição,
injunção.
295
Em contrapartida, Dolz & Schnewuly (2004, p. 51) usam o
conceito de tipologias do discurso e afirmam haver cinco tipos:
narração, relato, argumentação, exposição e descrição de ações.
Como se pode perceber, nas três referências citadas, cinco
tipos textuais são considerados. Porém, dentre os cinco, somente
três deles estão presentes nas três classificações: narração,
exposição e argumentação. O tipo descritivo é contemplado nos
PCN e em Marcuschi, mas não aparece na obra de Dolz e
Schnewuly. Estes, por sua vez, tratam do tipo relato, que não
aparece em nenhuma das outras duas obras. O tipo que Marcuschi
chama de injuntivo é na verdade o mesmo que Dolz e Schnewuly
preferem
chamar
de
“descrição
de
ações”.
E
o
tipo
conversacional só aparece nos PCN.
Não vamos discutir aqui o porquê de os autores
escolherem adotar essa ou aquela nomenclatura, esse ou aquele
tipo. Para este trabalho, basta destacar que, independente da base
teórica, o tipo (ou a sequência) argumentativo(a) está sempre
presente. E é dele que vamos tratar em seguida quando
analisarmos o gênero artigo de opinião.
296
2.2. Da análise
Como afirmam Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro na
apresentação de Gêneros orais e escritos na escola, de Dolz &
Schneuwly (2004, p.7),
(...) não é de hoje que circula e é aceita, no Brasil, a ideia de
que o texto – seja como material concreto sobre o qual se
exerce o conjunto dos domínios de aprendizagem, sobretudo
leitura e produção de textos, seja como objeto de ensino
propriamente dito – é a base do ensino-aprendizagem de
língua portuguesa no ensino fundamental.
A ideia de usar gêneros discursivos para o ensino de língua
materna já está no texto oficial dos PCN desde 1998 e já aparecia
antes disso em diversos estudos pelo país. Porém, é fato que há
vários problemas que impedem e/ou dificultam a aplicação efetiva
dessa proposta dentro da sala de aula da maioria de nossos alunos
do ensino fundamental. Os problemas vão desde a má formação
de professores até a falta de material didático apropriado para tal.
Mesmo no PNLD-EF 2011 (Programa Nacional do Livro Didático
para o Ensino Fundamental 2011) vemos ainda muitos títulos que
trabalham com o texto como pretexto para continuar cobrando
questões de natureza meramente gramatical.
Já há alguns anos, a escola tem tentado – com algumas
vitórias e algumas derrotas – substituir esse modelo pautado quase
que exclusivamente na gramática normativa para buscar incluir a
297
leitura, interpretação e produção de textos como foco do trabalho
em sala de aula. Por muito tempo, esse trabalho com textos ficou
reduzido ao trabalho com tipos textuais. Mas, nos últimos anos, o
foco tem recaído sobre o ensino através de gêneros textuais e não
dos tipos.
Segundo Dolz & Schneuwly (2004), a escola deve
priorizar o trabalho com os gêneros e não com tipos, pois, antes de
tudo, nós lemos e produzimos gêneros e não tipos. Estes estão a
serviço daqueles, e não o contrário. Além disso, os gêneros se
apropriam dos tipos de acordo a função social que desempenham.
Para os autores, as tipologias sofrem de duas limitações
importantes (Id., p. 49):
a)
Seu objeto não é o texto (...), mas operações de linguagem
constitutivas do texto, tais como ancoragem enunciativa e a
escolha de um modo de apresentação ou de tipos de
sequencialidades;
b) Por isso mesmo, a análise se exerce sobre subconjuntos
particulares de unidades linguísticas que formam
configurações, traduzindo as operações de linguagem
postuladas.
Assim, os autores propõem que a base do trabalho em sala
de aula seja com gêneros textuais, pois estes “correspondem às
grandes finalidades sociais legadas ao ensino, respondendo às
necessidades de linguagem em expressão escrita e oral, em
domínios essenciais da comunicação em nossa sociedade
(inclusive a escola)”. (Id., p. 50). Dessa forma, ao selecionar os
298
gêneros a serem trabalhados na escola, é muito importante que
seja levada em consideração a relevância social do gênero para
um determinado grupo.
E é do mesmo modo que os PCN entendem que deve ser
realizado o ensino nas nossas escolas, pois afirmam:
Considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio,
cabe à escola promover sua ampliação de forma que,
progressivamente, durante os oito anos do ensino
fundamental, cada aluno se torne capaz de interpretar
diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a
palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais
variadas situações. (PCN, 1998, p. 19)
Outro fator crucial na proposta de Dolz & Schneuwly
(2004) é considerar que a escola deve realizar um trabalho em
espiral com os gêneros, ou seja, em vez de trabalhar com os
alunos determinados gêneros em séries específicas e nunca mais
voltar a ter contato com esses gêneros em séries mais avançadas, o
ideal é que eles sejam retomados em anos posteriores. Assim:
(...) o enfoque é potencialmente espiral, ao menos
em dois níveis:

objetivos semelhantes são abordados em
níveis de complexidade cada vez maiores ao longo
da escolaridade;

um mesmo gênero pode ser abordado
diversas vezes ao longo da escolaridade, com graus
crescentes de aprofundamento. (Id., p. 54)
299
Quanto aos objetivos esperados pelos PCN para o 3º e o 4ª
ciclos do ensino fundamental, podemos citar que:
No trabalho com os conteúdos previstos nas diferentes
práticas, a escola deverá organizar um conjunto de atividades
que possibilitem ao aluno desenvolver o domínio da
expressão oral e escrita em situações de uso público da
linguagem, levando em conta a situação de produção
social e material do texto (lugar social do locutor em relação
ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social;
finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da
produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros
adequados para a produção do texto, operando sobre as
dimensões pragmática, semântica e gramatical. (PCN, 1998,
p. 49, grifo nosso)
É papel da escola, portanto, instrumentalizar o aluno com o
máximo de conhecimento possível acerca de gêneros variados e
adequados às mais diferentes situações em sociedade. Como os
gêneros são justamente “tipos
relativamente estáveis
de
enunciados”, em cada esfera de troca social caracterizados pelo
conteúdo temático, estilo e construção composicional, eles se
constituem na principal fonte da qual atualmente um professor
pode lançar mão para fornecer a seu aluno a capacidade de
compreender e se fazer compreendido no mundo que o cerca.
300
3. Análise das coleções de livros didáticos
3.1. Coleção Tudo é linguagem
O gênero artigo de opinião aparece pela primeira vez na
coleção Tudo é linguagem na unidade 8 (a última) do livro do 7º
ano. Nessa coleção, os gêneros trabalhados em cada unidade a
intitulam e todo o capítulo costuma ser voltado para aquele
determinado gênero. Sendo a última unidade do livro, entendemos
que o artigo de opinião seja trabalhado no 4º bimestre do ano
letivo. Antes dele, os gêneros abordados a cada unidade foram: 1conto, 2- crônica, 3- relato e memória, 4- relato de experiências,
5- poemas, 6- notícia, 7- reportagem. Vemos, então, que a
sequência textual argumentativa ainda não tinha aparecido no
volume.
No Manual do Professor, a unidade 8 é introduzida com o
seguinte comentário:
O artigo de opinião mostra a posição crítica do autor e os
argumentos empregados para sustentar essa posição.
Destacar: a intencionalidade, a importância da
argumentação, o dialogismo presente no texto – o autor
dialoga ou responde às possíveis objeções do leitor. (Manual
do Professor, p. 30, grifos das autoras)
Já o texto de abertura da lição diz:
Defender nossa opinião é algo que fazemos a todo instante,
em diversas situações comunicativas, falando ou silenciando,
alterando a voz, agindo... São muitas maneiras, no dia a dia,
301
de deixar claro qual é a nossa opinião diante de
acontecimentos, atitudes ou ideias polêmicas.
Mas há situações em que expressar uma opinião exige uma
elaboração mais cuidadosa. É o caso do artigo de opinião.
Quando alguém deseja expor seu modo de pensar por meio de
um veículo de comunicação, é fundamental que se expresse
de forma muito clara, relacionando argumentos que sustentem
o ponto de vista que defende.
Você tem facilidade para expor sua opinião? É fácil defender
nossas ideias com palavras? Você acha importante que
respeitemos a opinião alheia, ainda que essa opinião seja
muito diferente da nossa? (Id. p. 254-255)
Logo após esse texto introdutório do capítulo, o gênero
que aparece imediatamente em seguida como o primeiro da lição é
o cartum e não o artigo de opinião. Há uma sequência de cinco
cartuns de Laerte e depois uma série de questões de interpretação
sobre os mesmos. Em seguida, aparece o primeiro artigo de
opinião, que se relaciona aos cartuns quanto à temática: pequenos
delitos.
No Manual do Professor, a orientação que as autoras dão
sobre o uso desses cartuns no início da unidade é: “o texto de
caráter opinativo foi precedido pela apresentação de cartuns que
têm intencionalidade, argumentação e dialogismo, aspectos
explorados nessa unidade” (p. 30 do Manual do Professor).
Voltando ao livro do aluno, antes do título do artigo, as
autoras colocam em um box destacado a definição de artigo de
opinião: “Texto geralmente publicado em jornais, revistas ou
internet, com a interpretação ou opinião do autor que o assina.
Pode ser escrito na primeira pessoa.” (p. 258)
302
O texto, de Michael Kepp, ocupa quase duas páginas
inteiras sem ilustração. Na primeira página, ao lado do primeiro
parágrafo, consta uma reprodução em miniatura da página em que
o artigo foi publicado no jornal Folha de São Paulo. Seguem-se
questões de interpretação. Em uma delas, as autoras pedem que o
aluno releia o conceito de “artigo de opinião” e responda se está
escrito em primeira pessoa, justificando a resposta com trechos do
artigo.
Logo depois, na parte da lição destinada à análise do
gênero (intitulada “Construção e linguagem do texto – A estrutura
do artigo de opinião”), as autoras trabalham mais detalhadamente
o artigo de opinião, o qual elas afirmam que deve apresentar:
“ideias defendidas pelo autor; e argumentos para sustentá-las” (p.
263)
E acrescentam:
“Em um artigo de opinião é comum o autor
- apresentar sua ideia ou opinião logo no início do texto;
- em seguida expor argumentos para convencer o leitor a se
posicionar a seu favor;
- por fim, apresentar suas conclusões.” (p. 263, grifos das
autoras)
Em seguida, as autoras reproduzem o início de cada um
dos dez parágrafos do texto, dividindo-os em: 1 – Introdução:
apresentação da opinião do autor; 2 a 9 – Argumentação: fatos,
ideias, citações, exemplos que sustentam a tese; e 10 – Conclusão:
303
retoma a opinião apresentada na introdução e resume as ideias do
autor, reforçando seu posicionamento. Depois disso, propõem um
esquema com a representação dessas partes do texto que ilustra a
sequência de introdução – argumentação – conclusão:
Esquema 1: A estrutura do artigo de opinião
Seguindo-se a esse esquema, há uma proposta de atividade
oral para “analisar a construção de outros tipos de texto
argumentativo”: o debate. A atividade é bem detalhada e elas
chegam também a ressaltar sua importância no Manual do
Professor, usando um trecho de Dolz & Schneuwly (2004) e um
de Cotteron (2006) para justificar seu uso. O objetivo é fazer com
304
que os alunos percebam e aprendam como fazer uso da
argumentação em situações mais formais de interlocução oral,
observando como lidar com “argumentos mais convincentes ou
mais rejeitados, razões da prevalência de determinados pontos de
vista” etc. (Manual do Professor, p. 30). Dessa forma, depois de
trabalhar com a argumentação na escrita através do artigo de
opinião, as autoras também mostram como funciona a sequência
textual argumentativa na modalidade oral.
Após o debate, aparece uma das partes que, em nosso
entendimento, é uma das mais interessantes da lição quanto ao
estudo dos gêneros textuais. As autoras criam um quadro que
chamam de “Comparação de textos” com o objetivo de relembrar
o que foi estudado sobre a construção dos textos analisados nas
unidades anteriores do livro. O quadro é o que segue:
305
Quadro 1: Comparação de textos
Nele, percebemos que as autoras fazem um resumo dos
gêneros textuais estudados ao longo do ano, dando destaque para
as características predominantes de cada um, bem como seu tipo
de conteúdo e a intenção de cada gênero. Como atividade, elas
propõem que o aluno copie em seu caderno o quadro (visto que o
livro não é consumível) e o complete com as mesmas
306
informações, agora acerca do último gênero estudado: o artigo de
opinião.
As autoras esperam, pela indicação de respostas que vemos
no livro do professor, que o aluno:
- aponte que a construção do texto artigo de opinião prevê três
partes: introdução, argumentação e conclusão;
- saiba que o conteúdo do mesmo é concernente a ideias, opiniões
defendidas pelo autor do texto;
- e entenda que sua intenção é “defender uma ideia ou uma
opinião e convencer o interlocutor”. (cf. p. 268).
Tal orientação está de acordo com a base teórica aqui
adotada, segundo a qual, no ensino através de gêneros textuais,
mais importante que “decorar” características estruturais de cada
gênero é entender como e para que ele é utilizado em um
determinado meio social.
A proposta de produção escrita não pede que os alunos
produzam um artigo de opinião, talvez tendo em vista que são
alunos de 7º ano. Em vez disso, as autoras propõem que os alunos
produzam um parágrafo argumentativo. O enunciado da
atividade explica:
Para produzir o artigo “A mania nacional da transgressão
leve”, o jornalista não só listou vários „pequenos delitos‟ que
se comentem diariamente, como também apresentou
argumentos (...). Agora é sua vez de expressar e defender sua
opinião. Observe o fato apresentado no cartum a seguir e
escreva um parágrafo com: a) sua opinião sobre o fato
307
narrado; b) o(s) argumento(s): ideia(s), fato(s), prova(s) para
defender sua opinião. (p. 285).
Segue-se à seção de produção de texto a seção gramatical
da coleção, intitulada Língua: usos e reflexão. Sobre esta, o
Manual do Professor afirma que (nela) “são ordenados e
estudados fatos linguísticos dos textos da unidade, ampliados com
atividades e textos que os evidenciam em circunstâncias de usos
reais” (p. 14). E em seguida as autoras afirmam ainda: “A ênfase
da coleção está no estudo da diversidade de gêneros de circulação
social real, na leitura e na produção de textos escritos e orais. O
estudo gramatical é sempre motivado por esses contextos” (p.
14, grifo nosso).
No capítulo analisado, a seção Língua: usos e reflexão
trata dos tipos de sujeito. A explicação gramatical é feita com o
uso de frases retiradas tanto do artigo de Michael Kepp quanto de
gêneros diversos (letras de música, anúncio...), que, além de não
serem
artigos
de
opinião,
também
não
se
relacionam
tematicamente com o texto principal da lição. Mas, mesmo
fugindo à temática e ao gênero artigo de opinião, as autoras têm
certa preocupação em acrescentar questões de interpretação sobre
esses textos, para que, de algum modo, estejam contextualizados.
E os exercícios sobre tipos de sujeito, em geral, não são de mera
308
identificação, mas procuram levar o aluno a refletir sobre a
relevância que aquele fato gramatical tem para o texto.
Exemplo:
MURIQUI (Brachyteles arachnoides)
Maiores primatas das Américas, eles têm um metro e meio de
comprimento. Também conhecidos como mono-carvoeiros,
por causa da cara escura, são sociáveis e pacíficos. Têm
mãos, pés e cauda adaptados para pular de galho em galho,
são carinhosos e costumam esticar o corpo e fazer pontes para
ajudar os filhotes.
a.
b.
c.
d.
e.
Faça uma lista de todos os verbos encontrados nesse
trecho.
Qual é o sujeito de cada um desses verbos? Eles.
Reescreva o texto colocando o sujeito antes de cada um
dos verbos encontrados.
O que você observou nessa rescritura? A repetição
excessiva.
Diz-se que um sujeito é oculto, ou subentendido, ou
ainda elíptico quando não está presente na oração mas
pode ser identificado por meio da forma verbal ou por
alguma referência no texto. Com que finalidade o autor
teria ocultado o sujeito ao longo do texto? Para evitar a
repetição desnecessária. (p. 273, grifos das autoras)
Como se pode observar, as questões não se limitam a
identificar que as orações do texto possuem sujeito elíptico, mas
levam o aluno a perceber que se trata de uma maneira possível de
manter a coesão do texto.
Há, porém, alguns poucos exercícios em que parece haver
pouca preocupação com tal “contextualização”, como em: “As
orações seguintes foram retiradas do artigo de Michael Kepp, „A
mania nacional da transgressão leve‟. Identifique o sujeito de cada
309
uma delas e o núcleo de cada sujeito.” (p. 280). Nessa questão,
trata-se o texto da lição meramente como fonte de exemplos de
diferentes tipos de sujeito. Assim, embora todos os textos usados
na seção Língua: usos e reflexão sejam “de circulação social real”,
essa mistura de gêneros e temas, bem como o uso de alguns tipos
de questões parecem mostrar que nem sempre a preocupação
central da coleção foi a de promover estudos gramaticais
motivados pelos contextos do gênero do texto principal da
unidade.
Passando ao volume 3 (do 8º ano) da coleção Tudo é
linguagem, observamos novamente o gênero artigo de opinião.
Dessa vez, o gênero surge na unidade 5, intitulada “Textos de
opinião: argumentar”. Ao longo dos quatro volumes da coleção,
todas
as
lições
predominantemente
são
intituladas
estudado
e
pelo
gênero
explorado
na
textual
mesma.
Curiosamente, os capítulos 4 e 5 – dentre todos os volumes – são
os únicos que recebem o nome não de um gênero, mas de um tipo
textual. O capítulo 4 tem por título “O texto expositivo e algumas
formas de organizar a informação” e o capítulo 5 sugere o estudo
do tipo textual argumentativo. Neste último (que nos interessa
neste trabalho), as autoras parecem intencionar reunir diferentes
gêneros que tenham em comum o fato de serem compostos
predominantemente de sequências argumentativas.
No Manual do Professor, as autoras apontam como
objetivo da unidade:
310
Essa unidade, além de aprofundar questões referentes à
argumentação, quando trata de textos de opinião, procura
enfocar assuntos importantes para o aluno adolescente. (...)
Destacar: as partes que constituem o texto argumentativo, o
papel do debate com mediação e regras e o painel de opiniões.
”. (Manual do professor, p. 27, grifo nosso).
Sabendo que a unidade 5 é praticamente a única que trata
de um texto essencialmente argumentativo no volume em questão,
quando as autoras usam o verbo “aprofundar” destacado acima
estariam se referindo a quê? Inferimos que o aprofundamento
mencionado relaciona-se ao que foi estudado no volume 2 da
coleção. Além do capítulo 5, o 3 também fala em argumentação,
usando o gênero crônica argumentativa. No capítulo 3, entretanto,
as autoras acabam ressaltando os aspectos narrativos da crônica e
a diferença entre fato e opinião para falar em objetividade e
subjetividade. Nada sobre argumentação é trabalhado.
O capítulo 5 é iniciado com o seguinte texto:
Frequentemente, no dia a dia, temos de apresentar nossas
ideias, defendê-las e até mesmo tentar convencer nossos
interlocutores a concordar conosco ou aceitar nosso ponto de
vista. Isso significa que a todo momento produzimos
discursos argumentativos, isto é, textos orais ou escritos que
têm o objetivo de apresentar opiniões e defendê-las, além de
tentar convencer quem nos ouve ou lê.
A atividade de opinar e de argumentar se realiza
principalmente com assuntos polêmicos. Nada mais lógico:
afinal, quando um tema não provoca discordância, ninguém
precisa convencer ninguém a mudar de opinião...
Nesta unidade, você lerá textos em que os autores apresentam
pontos de vista, ou posições, sobre um assunto. São os
chamados textos de opinião. Ao apresentar suas posições, os
autores as defendem com argumentos.
311
Você costuma defender sua opinião quando não concorda
com a opinião de um colega? Você acha que é fácil convencer
o outro sobre o seu ponto de vista? Costuma estruturar bons
argumentos ou perde a paciência e desiste de convencer o
outro? ”. (v. 3, p. 149).
O capítulo começa com a adaptação de um texto do
psicanalista Contardo Calligaris a respeito de insegurança na
adolescência. Não se trata de um artigo de opinião em si, embora
demonstre a opinião do autor acerca do tema. Seguem-se questões
de interpretação.
Logo depois das questões, vem a parte denominada
“Contrução do texto”. As autoras afirmam que o texto de
Calligaris se trata de um “texto de opinião” e, como tal, é um texto
de
“caráter
predominantemente
argumentativo,
pois
as
declarações são acompanhadas de argumentos que justificam ou
fundamentam os pontos de vista apresentados pelo autor” (p. 153).
Em seguida, as autoras reiteram que num texto de opinião,
em geral, podem ser identificadas três partes: introdução,
argumentos, conclusão. Mas, além de simplesmente definir o
conteúdo de cada parte, elas explicam dois novos conceitos
usados na argumentação: a tese e a ancoragem. A tese é definida
como “a posição a ser defendida ou a ideia sobre a qual irá
construir seus argumentos”; já a ancoragem, em box destacado do
texto principal, é definida como “informação que serve de base e
ponto de partida para o desenvolvimento do texto. A ancoragem
312
tem a função de situar e possibilitar que esse assunto seja
abordado com coerência.” (p. 153).
Depois de mais alguns exercícios voltados para a
identificação dessas partes do texto argumentativo, temos o
segundo texto da unidade 5, introduzido com a seguinte
explicação:
Você lerá agora um artigo de opinião que faz parte de uma
reportagem sobre jovens publicada em edição especial de uma
revista de grande circulação.
Artigo de opinião é um texto publicado em jornal ou revista,
que, além de informar, apresenta a opinião do autor diante do
fato ou tema enfocado. (p. 154, grifos das autoras).
Além dessa descrição, nenhuma outra explicação é dada
sobre a diferença entre o que as autoras chamam meramente de
“texto de opinião” (texto 1) e “artigo de opinião” (texto 2). Com
base nas informações fornecidas, não nos parece que tenha ficado
clara a distinção entre ambos (se é que há tal distinção).
São propostas mais questões de interpretação, dessa vez
sobre o texto 2 e, a seguir, na seção “Construção do texto”, as
autoras introduzem mais um novo conceito: o contra-argumento.
Contra-argumento é um argumento que se opõe a outro já
apresentado. Às vezes, o próprio autor apresenta uma ideia
contrária a respeito do que está defendendo para dar mais
credibilidade às suas posições, pois assim mostra ao leitor que
analisou o tema por diversos ângulos. (p. 157).
313
Essas novas definições mostram, de certa forma, que o
conhecimento acerca do gênero artigo de opinião está sendo
construído aos poucos e evoluindo de uma série para outra, tal
como proposto por Dolz & Schneuwly (2004) quando falam no
ensino em espiral.
Ainda falando a respeito de evoluções atingidas no volume
3 em relação ao volume 2 da coleção, ao final da unidade 5, há
uma proposta de produção escrita para que os alunos produzam
um “texto de opinião” (e não mais apenas um parágrafo
argumentativo). O enunciado da proposta é bem didático e chega a
fazer um tipo de passo a passo para a elaboração do texto
opinativo:
Você observou que, para concluir seu texto argumentativo, a
autora do texto 2 usou uma afirmação do especialista em
adolescência Contardo Calligaris: “Os adolescentes
perceberam que não faz sentido se estapear por uma
identidade transitória”. (...)
Pense sobre o assunto para estruturar o seu texto de opinião.
(...)
Sugerimos o seguinte desenvolvimento para cada parte de seu
texto:
a) introdução – Apresente ideias que situem o leitor no tema
(ancoragem): como é a realidade vivida por você? É essa
realidade que você observa no seu grupo de jovens ou a que
você encontra nas notícias dos jornais, revistas, TV e rádio?;
b) tese – Apresente claramente a sua posição em relação à
afirmação de Contardo Calligaris. Nessa mesma parte, inicie a
justificativa da sua posição.;
c) argumentação – Apresente fatos, exemplos da realidade,
opinião de algum especialista (citação de autoridade) para
defender sua opinião Se achar necessário, apresente também
argumentos contrários (contra-argumentos) aos seus. (...) ;
314
d) conclusão – Retome a ideia defendida inicialmente para
reafirmá-la e concluir o texto. ”. (p. 175).
Reparem como as autoras explicam, a cada instrução, o
que é cada item que elas mencionam (citação de autoridade,
contra-argumento).
Quanto à seção destinada à análise gramatical – no caso,
sobre voz passiva –, diferentemente do volume 2 analisado
anteriormente, agora, em Língua: usos e reflexão, nenhuma
passagem dos textos opinativos anteriores é utilizada nem como
exemplo nem como parte de exercícios. A grande maioria dos
exercícios sobre voz passiva da unidade é com frases soltas e
descontextualizadas. Isso nos causa a impressão de ter sido uma
unidade elaborada com menos cuidado em respeitar a já
mencionada “contextualização” nos estudos gramaticais, o que
podemos considerar como contraditório em relação que fora dito
pelas autoras no próprio Manual do Professor da coleção.
Já o volume 4 da coleção Tudo é linguagem, destinado ao
9º ano do ensino fundamental, traz o gênero artigo de opinião na
lição 6, intitulada pelo próprio gênero. Diferentemente dos
volumes 2 e 3 analisados acima, nos quais havia apenas um
capítulo dedicado ao estudo de gênero de sequência textual
predominantemente argumentativa, no volume 4, três das sete
unidades do livro são desse tipo. São elas: 1- escolhas de
linguagem e efeitos de sentido (que não trata de um gênero
315
específico); 2- crônica e conto; 3- romance; 4- entrevista; 5editorial; 6- artigo de opinião; 7- manifesto. Sendo as três últimas
predominantemente argumentativas.
No volume 4, o capítulo 6, artigo de opinião, começa com
o seguinte texto:
Profissionais da área jornalística, pessoas de destaque em
nossa sociedade ou especialistas de diversas áreas do
conhecimento têm no artigo de opinião um meio para
expressar suas ideias ou comentar de um ponto de vista
particular os acontecimentos do mundo.
Diferentemente do editorial, o artigo de opinião é assinado,
isto é, revela a autoria dos textos. Quem o assina é que se
responsabiliza pelas opiniões ou posicionamentos expressos.
Editorial e artigo de opinião são importantes instrumentos
democráticos, pois favorecem o debate aberto de ideias,
fundamental para a construção da cidadania. (p. 179).
O capítulo é iniciado por um artigo de opinião escrito por
Gianni Carta, publicado na revista Carta Capital, sobre novas
tecnologias que podem abolir a vida privada, como câmeras, GPS
etc. O artigo ocupa três páginas e meia com poucas e pequenas
ilustrações. Ao fim do texto, há um vocabulário extenso de
palavras porventura desconhecidas dos alunos, seguidas das
questões de interpretação: doze perguntas distribuídas em uma
página
e
meia.
Em
seguida,
uma
explicação
sobre
intencionalidade e escolhas de linguagem no texto argumentativo
seguida de mais nove questões acerca desse conceito, que, em
geral, são mais profundas que as questões anteriores, pois
316
relacionam o conteúdo explícito ao conteúdo implícito no texto
através de pistas linguísticas da intencionalidade do autor.
Na seção “Construção do texto”, as autoras retomam
alguns conceitos vistos no livro do 8º ano e já relembrados no
capítulo anterior, que trata do gênero editorial. Elas pedem que os
alunos identifiquem no artigo de opinião estudado elementos
como
ancoragem,
tese
e
conclusão.
Depois
continuam
relembrando conceitos que, embora não constassem no volume 3,
foram aprendidos no capítulo sobre editorial solicitando que os
alunos retirem do texto exemplos de um argumento de autoridade
ou citação, um argumento científico, uma ironia e um argumento
de valoração, novamente agregando ainda mais conhecimento
sobre o gênero do que o já visto no volume anterior.
Há, então, mais dois artigos de opinião na unidade, ambos
sobre o Big Brother, publicados na Folha de São Paulo: um a
favor e um contra. Após os dois textos, há uma sub-seção
intitulada “Construção de textos – Comparando a estrutura dos
artigos” em que há apenas uma atividade: é proposto que o aluno
indique a opinião, os argumentos e a conclusão de cada um dos
textos lidos. E, para finalizar, mais uma definição de artigo de
opinião:
O artigo de opinião é um texto que expõe o ponto de vista, a
opinião de quem o assina – um jornalista ou um colaborador
do veículo de comunicação. É um gênero de grande
317
importância social, pois permite a manifestação de opiniões
de pessoas de vários segmentos da sociedade.
O artigo de opinião procura debater questões que suscitam
polêmica. ”. (v. 4, p. 191, grifo das autoras).
Assim como no volume 3 da coleção, no volume 4, a seção
Língua: usos e reflexões, sobre concordância verbal, também não
faz menção a trechos dos textos estudados na lição. Nesse volume,
os exercícios também se mostram bastante descontextualizados, o
que podemos considerar um ponto negativo na coleção.
Ao fim da unidade, a proposta de produção de texto pede
que o aluno produza um artigo de opinião. A orientação é:
Agora você vai expor seu ponto de vista e defendê-lo num
artigo de opinião.
a) Você deve se posicionar em relação ao seguinte tema:
“Medidas de segurança justificam o uso da tecnologia
para controlar pessoas?”
b) Pense em pelo menos dois argumentos que sustentem sua
posição.
c) Se necessário, empregue contra-argumentos que
sustentem sua posição.
d) Não se esqueça de que, na sua conclusão, você deverá
reafirmar a posição defendida. (...) (p. 203).
Percebemos que as autoras, agora, partem do princípio de
que o aluno já sabe o que é um contra-argumento, diferentemente
da proposta de produção textual do volume 2, em que se explicava
o que era um contra-argumento, uma tese etc.
Nos objetivos dessa unidade enunciados no Manual do
Professor, as autoras explicitam essa consciência de que o texto
argumentativo já vem sendo trabalhado ao longo dos anos
318
anteriores: “Como já vem sendo trabalhado ao longo dos anos, se
considerar pertinente, o/a professor/a poderá ampliar o quadro
sugerido na p. 188, apresentando aos alunos também defeitos de
argumentação: (...)”. (Manual do Professor, p. 28, grifo das
autoras).
Isso demonstra mais uma vez que existe nessa coleção a
preocupação com a progressão do ensino do gênero artigo de
opinião ao longo das diferentes séries do ensino fundamental, tal
como sugerido por Dolz & Schneuwly (2004).
3.2. Coleção Para viver juntos
Exatamente como na coleção Tudo é linguagem, o gênero
artigo de opinião aparece pela primeira vez na coleção Para viver
juntos na unidade 8 (a última) do livro do 7º ano. Além disso, os
gêneros trabalhados em cada unidade intitulam a mesma e todo o
capítulo costuma ser voltado para aquele determinado gênero.
Sendo a última unidade do livro, entendemos que tal gênero seja
trabalhado no 4º bimestre do ano letivo. Antes dele, os gêneros
abordados a cada unidade foram: 1- conto, 2- mito e lenda, 3crônica, 4- reportagem, 5- artigo de divulgação científica e artigo
expositivo de livro didático, 6- poema, 7- carta de leitor e carta de
reclamação – quase os mesmos da coleção analisada na seção
anterior deste trabalho. Vemos, então, que, antes do capítulo 8
319
destinado ao artigo de opinião, a sequência textual argumentativa
só tinha aparecido no capítulo 7, com cartas.
No Manual do Professor, os autores não só detalham mais
o gênero artigo de opinião como indicam fontes de pesquisa para
maior aprofundamento do professor a respeito do mesmo (um
grande diferencial em relação ao Manual do Professor da coleção
Tudo é linguagem). É dito acerca do gênero:
O gênero artigo de opinião pertence ao domínio jornalístico, e
suas características quanto ao uso da linguagem ou quanto à
progressão argumentativa variam de acordo com o suporte em
que é publicado ou com quem assina o texto. No artigo de
opinião, o autor busca convencer e influenciar o leitor acerca
de uma ideia, provocando uma revisão de seu posicionamento
ideológico, de seus valores e, até, uma mudança de atitude.
Dessa forma, ocorre um processo de argumentação em favor
de uma determinada posição, ao mesmo tempo que se procura
construir refutações a opiniões contrárias à tese defendida.
(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &
SCOPACASA, 2009, v. 2, Manual do Professor, p. 43).
Além dessa definição do gênero, ainda no Manual do
Professor, há um box com várias sugestões de leitura para
aprofundamento do docente, uma delas específica sobre artigo de
opinião24.
24
BRÄKLING, K. L. Trabalhando com artigo de opinião: revisitando o eu no
exercício da (re)significação da palavra do outro. In: ROJO, R. A prática de
linguagem em sala de aula: praticando os PCNs. São Paulo-Campinas: EducMercado de Letras, 2000.
320
Ainda no Manual do Professor, mostraremos abaixo os
objetivos e os conteúdos que as autoras apontam no mesmo para,
em seguida, contrastar com o que observamos no capítulo em si
para verificar se os objetivos e conteúdos propostos foram
atingidos:

Conhecer as características do gênero artigo de
opinião.
 Estudar diferentes tipos de argumentos.
 Aprofundar o estudo dos tipos de predicado.
 Conhecer verbo de ligação e predicativo do sujeito.
 Estudar o emprego de sc, sç e xc.
(p. 42, grifos nossos destacando o conteúdo relacionado à
argumentação no capítulo)
Para todas as unidades do livro, os autores dividem e
classificam os conteúdos do capítulo em três tipos no Manual do
Professor: atitudinais; procedimentais; e conceituais. No capítulo
8, os conteúdos a serem abordados são:



Atitudinal
- Discussão e aprofundamento de valores referentes: à
convivência e ao consumo consciente.
Procedimentais
- Leitura e produção de artigo de opinião.
- Organização de mural para a exposição de artigos.
Conceituais
- Artigo de opinião.
- Características do gênero e tipos de argumento:
exemplos, dados numéricos, argumento de autoridade.
- Tipos de predicado.
- Verbo de ligação e predicativo do sujeito.
- Emprego de sc, sç e xc.
321
(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &
SCOPACASA, 2009, v. 2, Manual do professor, p. 42, grifos
nossos nos itens referentes ao gênero aqui estudado).
Passando para a análise da unidade 8 em si, esta é
introduzida por uma foto e algumas questões a respeito da mesma.
No canto inferior à direita, há um box com as seguintes
informações:
Em diversas situações do cotidiano, expressamos ideias com a
intenção de convencer outras pessoas de nosso ponto de vista.
Neste capítulo, você vai estudar o artigo de opinião, um
gênero de texto em que o autor apresenta para os leitores uma
questão polêmica e procura convencê-los da sua opinião,
utilizando, para isso, estratégias variadas. (PENTEADO,
LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA,
2009, v. 2, p. 243).
O capítulo começa com o artigo de opinião “A farra dos
sacos plásticos”, do jornalista André Trigueiro publicado em uma
revista eletrônica chamada Consciência.net. O texto ocupa duas
páginas inteiras com uma pequena ilustração. Seguem-se questões
de interpretação do texto, ao longo das quais, há boxes com
informações conceituais concernentes ao gênero artigo de opinião
ou à sequência textual argumentativa. Por exemplo, há três boxes
dispostos no meio dos exercícios, cada um explicando um tipo de
argumento que pode ser utilizado em textos argumentativos:
argumento de autoridade, dados numéricos e exemplos. Em outro
box, vemos orientações sobre como a conclusão de um artigo de
opinião pode se apresentar. A cada explicação de um box, são
322
acrescentadas questões sobre a mesma. Observamos, com isso,
que os autores têm a preocupação de “guiar” os alunos aos
poucos,
desvendando
para
eles
algumas
características
fundamentais do gênero artigo de opinião. E fazem isso de
maneira bastante didática, o que facilita a compreensão desses
alunos de 7º ano que estão apenas começando a lidar com textos
argumentativos.
Em algumas questões da seção, vemos uma preocupação
não apresentada na coleção analisada anteriormente (pelo menos
não de forma sistemática): o suporte do texto. Uma das questões
traz o seguinte enunciado:
O artigo que você leu foi publicado em uma revista eletrônica
chamada Consciência.net, que veicula textos sobre temas da
atualidade. Observe o logotipo da revista. [incluem o
logotipo] a) a quem se dirige a frase “Acesse a sua”?; b) O
que significa dizer “Acesse a sua” no contexto do site?; c)
Como o artigo de André Trigueiro está relacionado a essa
frase?
(PENTEADO,
LOUSADA,
MARCHETTI,
STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 2, p. 247).
Desta forma, eles auxiliam o jovem leitor a enxergar além
do que está explícito no texto, ressaltando que, muitas vezes, o
próprio suporte contribui para a interpretação mais ampla do
mesmo, pois a palavra “acesse” de “Acessa a sua (consciência)”
só ganha plurissignificação por estar em um site na internet, onde
é muito comum. Esse tipo de leitura cuidadosa de um texto e seu
323
contexto contribui para que, pouco a pouco, os alunos se tronem
leitores mais competentes.
Em outra questão, os autores continuam destacando o
suporte do texto levando os alunos a comparar dois diferentes
gêneros textuais jornalísticos – a reportagem, estudada no capítulo
4, e o artigo de opinião –, pedindo que o aluno aponte a diferença
entre esses gêneros. Também entendemos que essa atividade é
importante, pois ajuda os alunos a distinguirem os gêneros em
suas funções sociais e também em sua estrutura, pois um é
majoritariamente composto por sequências expositivas e outro,
por sequências argumentativas. Assim, os alunos observam que,
mesmo sendo ambos gêneros encontrados no mesmo suporte
(jornal), existem diferenças quanto à sua forma e à sua função.
Percorrendo toda a unidade, não observamos um setor
específico para conceituar e sistematizar o aprendizado sobre o
gênero artigo de opinião. Todos os conceitos acerca deste estão
diluídos em forma de boxes ao longo da unidade. Assim, vemos
que os autores fornecem informações como:
Em geral, quando lemos uma reportagem estamos buscando
mais informações sobre um tema. Já quando lemos um artigo
de opinião, queremos conhecer uma possível visão ou
posição acerca de determinado assunto.
O artigo de opinião expressa o ponto de vista do autor que
assina e pode, portanto, ser escrito em primeira pessoa.
324
Em um artigo de opinião, o autor usa estratégias para
aproximar o leitor do texto. Dar exemplos da vida cotidiana,
vividos ou não pelo autor, é uma das maneiras de promover a
identificação do leitor com a situação apresentada.
(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &
SCOPACASA, 2009, v. 2, p. 248 e 249, grifos dos autores).
Para se ter uma noção de como esses boxes estão dispostos
ao longo do capítulo, reproduzimos abaixo uma miniatura das
duas páginas que contêm os boxes (em laranja) acima
explicitados:
Figura 1: Boxes nas páginas da coleção Para viver juntos
Aos poucos, então, o aluno vai formando sua noção sobre
o que seria um artigo de opinião, observando seu uso e sua
estrutura.
Depois disso, entende-se que os alunos já conseguiram
construir algum conhecimento acerca do gênero artigo de opinião.
325
Vem em seguida a proposta de produção de texto, na página 250,
cujo enunciado diz:
Você vai escrever um artigo de opinião sobre a proibição do
uso de celulares nas escolas. Ao final do trabalho, seu artigo
será exposto em um mural que estará dividido em duas partes:
uma com os textos que defendem a proibição do uso do
celular nas escolas e a outra com os textos que são contra essa
proibição. (PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI,
STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 2, p. 250).
Na página seguinte, há instruções mais específicas sobre
como redigir o texto pedido:
Figura 2: Detalhamento da proposta de produção de texto
326
Há, em seguida, uma seção destinada à reflexão linguística
sobre tipos de predicado entre as páginas 252 a 255. Ao longo
dessas quatro páginas, tanto os exemplos da explicação gramatical
quanto os exercícios propostos não são com frases retiradas de
artigos de opinião. Usa-se frases soltas ou frases retiradas de
outros gêneros reproduzidos em parte ou integralmente que ainda
não tinham aparecido na lição, como artigo de divulgação
científica, tirinha, piada, trecho de um romance etc.
No Manual do Professor, os autores dizem que a seção de
reflexão linguística da coleção se caracteriza assim:
O importante, nesse processo, é que – ainda que haja a
necessidade de sistematização e utilização de metalinguagem
– seja possibilitada ao aluno a reflexão acerca desse
conhecimento, e uma condição parece fundamental para que
isso aconteça: analisar os aspectos da linguagem na
materialidade linguística, ou seja, nos textos. Por isso, essa
coleção procura desenvolver o trabalho com gramática
sempre a partir do uso dos recursos em textos, o que não
significa tomar o texto como pretexto apenas para essa
finalidade, mas estudar-lhe os sentidos e o uso dos recursos
na produção desses sentidos. (p. 9, grifo nosso)
É dito, portanto, que os textos não são tomados como
pretextos exclusivamente para a análise gramatical. De fato, os
autores não usaram os artigos de opinião da unidade 8 para este
fim. Em contrapartida, selecionaram para a seção de análise
linguística textos que não se relacionam com os demais textos da
unidade quanto à temática nem quanto ao gênero, sendo usados
meramente para as questões de análise gramatical (ainda que
327
seguidas de algumas questões de interpretação), o que de certa
forma contradiz o que os autores anunciam no Manual do
Professor.
Depois da seção de reflexão linguística, os autores voltam
a falar sobre artigo de opinião, com um texto sobre o desperdício
da água, intitulado “Usar água sim; desperdiçar nunca”, do
empresário Antônio Ermínio de Moraes, publicado na Folha de
São Paulo. Há mais questões de interpretação mescladas com
mais boxes de conceitos acerca do gênero artigo de opinião.
Dentre eles, destacamos abaixo o box que trata da definição de
contra-argumentos, elemento que também observamos na coleção
Tudo é linguagem:
Em um artigo de opinião e em textos argumentativos em
geral, o autor precisa refutar os argumentos contrários aos
seus para que sua opinião prevaleça. O argumento usado para
combater outro é chamado de contra-argumento. Para
elaborar contra-argumentos, é necessário que o autor saiba
quais ideias contrárias às que defenderá são mais correntes
entre
seus
leitores.
(PENTEADO,
LOUSADA,
MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 2, p.
258, grifo dos autores).
Os autores encerram a parte de interpretação com questões
que comparam os dois artigos de opinião lidos na unidade.
Finalmente, há uma nova proposta de produção textual
muito semelhante à anterior e também sobre uma questão
ecológica, a respeito do excesso de automóveis nas grandes
cidades. E em seguida há instruções específicas para ajudar o
328
aluno na redação do texto tal qual fora feito na proposta anterior
aqui reproduzida (figura 2).
Cabe destacar outro diferencial que observamos na coleção
Para viver juntos em relação à coleção Tudo é linguagem, de
acordo com as propostas de Dolz & Schneuwly (2004): a
preocupação em contextualizar para os alunos um meio de
divulgação “real” para seus textos. Na primeira proposta, há a
sugestão de elaboração de um mural com opiniões contra e a favor
o uso de celulares nas escolas (inclusive com dicas para a
confecção do mural). Na segunda, há a sugestão de enviar os
artigos de opinião produzidos à Câmara Municipal da cidade do
aluno.
Dolz & Schneuwly criticam a produção de textos na escola
que não se constituem em situações reais de comunicação, pois,
para os autores, a escola deve ser tomada “como autêntico lugar
de comunicação, e as situações escolares, como ocasiões de
produção/recepção de textos.” (2004, p. 66, grifo nosso). E essa
perspectiva está presente na coleção Para viver juntos, que propõe
uma situação efetiva de comunicação para veiculação dos textos
produzidos em sala de aula.
Quanto ao volume 3 da coleção Para viver juntos,
destinado ao 8º ano do ensino fundamental, há também dois
capítulos voltados para gêneros textuais predominantemente
argumentativos: o 7 trata do artigo de opinião, e o 8 trata dos
329
gêneros carta do leitor e debate. Concentraremos nossa atenção
no capítulo 7 por já termos analisado na outra coleção o gênero
artigo de opinião e, assim, podermos comparar as duas
abordagens.
No Manual do Professor do 8º ano, constatamos que os
objetivos bem como os conteúdos atitudinais, procedimentais e
conceituais concernentes ao estudo do gênero artigo de opinião
são exatamente os mesmos do capítulo 8 do volume 2 da coleção,
analisado acima. O que muda são apenas os objetivos e conteúdos
relacionados à análise linguística e à seção de ortografia das duas
unidades. Portanto, a considerar apenas o material do Manual do
Professor, podemos dizer que não houve progressão em relação à
complexidade comparando o 7º com o 8º ano.
A referência de leitura específica sobre artigo de opinião
para aprofundamento do professor proposta pelos autores também
é a mesma já indicada no livro do 7º ano.
O que muda é apenas a definição que o gênero artigo de
opinião recebe nos dois Manuais do Professor. No livro do 8º ano
consta:
O artigo de opinião é um gênero argumentativo, no qual o
autor busca explicar sua visão a respeito da questão em debate
e convencer o leitor acerca de sua posição, podendo levá-lo a
uma mudança de atitude ou a rever seus valores. O artigo de
opinião é sempre construído tendo em vista as condições de
produção, de modo especial os seus prováveis interlocutores.
Dessa forma, a orientação argumentativa busca contemplar,
num movimento dialógico, prováveis argumentos contrários
330
ao que se defende no texto. (PENTEADO, LOUSADA,
MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 3,
Manual do professor, p. 39).
Essa definição acrescenta algumas informações sobre o
gênero em questão em relação ao volume anterior, mostrando-se
mais completa que a anterior.
Voltando-nos para a unidade 7, vemos que, assim como
em todas as lições da coleção (inclusive a já comentada acima),
esta é introduzida por meio de uma grande foto e, junto a ela, há
propostas de situações que incitam a argumentação. Ainda na
abertura da unidade, no canto inferior à direita da página, há um
box cujo objetivo é convencer sobre a importância da
argumentação:
O exercício da argumentação está presente no cotidiano de
todas as pessoas. Usam-se argumentos para negociar direitos
e deveres em casa, na escola e no trabalho; para defender
posições entre os amigos; para adquirir ou fornecer produtos e
serviços e para divulgar ideias sobre os mais variados temas.
Nessas e em outras situações, as estratégias argumentativas
podem variar de acordo como ouvinte ou leitor que se
pretende atingir. É isso o que vamos observar neste capítulo
por meio do estudo do artigo de opinião.
(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &
SCOPACASA, 2009, v. 3, p. 204-205, grifo dos autores).
O capítulo é iniciado pelo artigo de opinião que é o texto
central a ser estudado na unidade. O texto ocupa duas páginas e é
331
intitulado “Uma coisa grande mesmo”, sobre sustentabilidade, do
consultor Ricardo Guimarães, publicado na Revista MTV.
Seguem-se as questões de interpretação do texto e, com o mesmo
padrão do volume anterior, há boxes espalhados pelo capítulo com
definições em “doses homeopáticas” de conceitos referentes ao
gênero textual artigo de opinião ou à sequência textual
argumentativa. Há ainda, um pequeno box com o título LEMBRESE em que se lê:
Vários tipos de argumentos podem ser usados para convencer
e influenciar o leitor: entre os mais frequentes estão o
argumento baseado na autoridade, o argumento baseado no
consenso, o argumento baseado nas provas concretas e o
argumento que se constrói com base no raciocínio lógico.
(PENTEADO, LOUSADA, MARCHETTI, STRECKER &
SCOPACASA, 2009, v. 3, p. 209, grifo dos autores).
Podemos nos perguntar: Por que os autores colocariam tais
informações em um box de “lembrete” visto que essa é a primeira
unidade no livro do 8º ano a tratar de um texto argumentativo? Se
não havia outras lições a respeito de sequências argumentativas
nas unidades anteriores à 7, certamente os alunos não receberam a
informação sobre os vários tipos de argumentos que “podem ser
usados para convencer e influenciar o leitor”. Portanto, como os
alunos iriam “se lembrar” de algo que não viram antes?
332
Na verdade, os autores usam a palavra “lembrete” porque
eles estão assumindo que tais conceitos relativos aos recursos de
argumentação já foram vistos no ano anterior.
Assim como no volume anterior, os autores demonstram
preocupação com o suporte e o contexto de produção ao fazerem
perguntas específicas sobre esses tópicos e comentam a
necessidade de o autor adequar sua linguagem ao seu públicoalvo.
Como usual às outras unidades da coleção, na seção de
produção de texto, os autores colocam um pequeno texto para
“aquecimento” acerca de um determinado tema e logo depois
indicam a proposta:
Você vai escrever um artigo de opinião que deixe clara sua
posição a respeito da pirataria eletrônica. Esse artigo será lido
e discutido em sala de aula. Para isso, defina em qual jornal,
revista ou site seu texto circularia e qual seria seu públicoalvo (jovens que baixam arquivos sem se preocupar com sua
procedência; pais educadores que falam sobre o assunto em
casa e na escola; parlamentares que podem elaborar novas leis
sobre direitos autorais, etc). (PENTEADO, LOUSADA,
MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 3, p.
212).
Após a proposta, seguem as instruções sobre como redigir
o texto. Todas muito semelhantes às expostas na figura 2 acima.
A seção imediatamente a seguir é de reflexão linguística,
sobre conjunções. Repetem-se os mesmos pontos positivos e
negativos já mencionados em relação ao capítulo 8 do volume 7,
333
ou seja, nessa seção não se usa o artigo de opinião estudado na
lição como pretexto para o ensino de gramática. Em compensação,
continuam a usar tirinhas e pequenos trechos de reportagens
meramente para a análise linguística, deixando de lado, nesse
momento, tanto o gênero textual artigo de opinião quanto a
temática sobre sustentabilidade.
Seis páginas depois, aparece a segunda leitura do capítulo:
mais um artigo de opinião, também sobre sustentabilidade, escrito
por Eugenio Mussak e publicado na revista Você S/A sob o título
“A sustentabilidade pessoal”.
A dinâmica de atividades e definições em boxes é a mesma
seguida até então em todas as unidades da coleção Para viver
juntos.
Para segunda proposta de produção de texto, os autores
usam como “aquecimento” um pequeno texto sobre escolhas
conscientes ao comprar roupas, ao qual segue o tema da produção
textual:
Com base no que foi visto sobre esse tema, escreva um artigo
de opinião a respeito de moda sustentável, supondo que seria
publicado no caderno de variedades de um jornal de sua
cidade ou região, com o objetivo de convencer leitores a
aderir a essa causa. (PENTEADO, LOUSADA,
MARCHETTI, STRECKER & SCOPACASA, 2009, v. 3, p.
224, grifo dos autores).
334
Nas instruções para redação do texto, a orientação é
similar às anteriores, mas destacamos aqui uma delas em que se
lê: “Consulte também o provável jornal em que o texto seria
publicado e observe o tipo de linguagem utilizada. Utilize-a como
parâmetro para seu texto”. Novamente, percebemos uma
preocupação não só com a adequação linguística dos textos a
serem produzidos pelos alunos, como também com a relevância
do suporte (no caso, imaginário) dos mesmos.
A unidade é encerrada com a análise linguística dos
períodos simples e composto e, por fim, uma revisão do que foi
aprendido no capítulo.
Pelo exposto, embora o gênero artigo de opinião apareça
em duas séries distintas, não pudemos detectar diferentes níveis de
complexidade de uma para outra. Exceto pelo quadro “lembrete”
no volume 3, que parece recapitular algo visto antes. A um leitor
“desavisado” que tomasse os volumes 2 e 3 da coleção talvez
fosse impossível identificar qual capítulo pertence a qual série.
4. Conclusão
Com base no que acabamos de expor e analisar nas duas
coleções aqui estudadas, vemos que ambas dão bastante destaque
ao ensino através de gêneros textuais, conforme orientação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais. As duas coleções ressaltam o
335
contexto de produção dos textos, introduzem as lições mostrando
ao aluno em que tipo de situação comunicativa se pode fazer uso
do gênero textual artigo de opinião, bem como apontam sua
função social.
A parte destinada à análise linguística, porém, em ambos
os casos, não parece se diferenciar muito do que se está
acostumado a ver em vários livros didáticos: parece estar
descontextualizada de todo o restante do ensino voltado para o
texto. Embora haja textos na seção de reflexão linguística dessas
coleções, eles não são representantes do gênero textual estudado
na lição e muitas vezes são tomados apenas como “pretexto” para
o ensino de gramática.
As duas coleções apresentam pontos positivos e negativos
de acordo com a perspectiva aqui adotada, a defendida por Dolz &
Schneuwly (2004). A coleção Tudo é linguagem demonstra
grande preocupação em avançar gradativamente, a cada série, a
complexidade do estudo do gênero textual, o que não percebemos
na coleção Para viver juntos. Já a coleção Para viver juntos
apresenta uma grande preocupação com o veículo, o suporte, tanto
dos textos lidos nas unidades dos livros quanto dos textos
produzidos pelos alunos. Há sempre uma tentativa de vincular o
que é lido e produzido a uma situação real de comunicação que
represente verdadeiro desafio e que promova motivação ao aluno
para produzir um texto “real”.
336
Concluímos afirmando crer que ambas as coleções
apontam grandes avanços no entendimento do ensino de gêneros
textuais se comparadas ao que costumávamos ver até poucos anos
atrás em nossas escolas. Cabe, ainda, ao professor fazer
adaptações e ressalvas que ele mesmo pode inserir em sua prática
durante as aulas, para suprir eventuais deficiências do material
didático. Mas essas deficiências parecem diminuir a cada PNLD.
Quem sabe, em um futuro próximo, não poderemos ver alunos
que se apropriem melhor da leitura e da escrita, especialmente de
gêneros do âmbito do “argumentar”, como verdadeiros cidadãos
conscientes do poder que a palavra exerce numa sociedade como a
nossa, que valoriza tanto aqueles que fazem uso dela
adequadamente.
Referências
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Vera. Tudo é linguagem. 6º ao 9º anos. 2. ed. São Paulo: Ática,
2009.
COTTERON, Jany. Propostas didáticas para ensinar a argumentar
no ensino fundamental. In: CAMPS, Anna et al. Propostas
didáticas para aprender a escrever. Porto Alegre: Artmed, 2006.
DIONÍSIO, Angela; BEZERRA, Ma. Auxiliadora (org.). O livro
didático de português: múltiplos olhares. 3. ed. Rio de Janeiro:
Lucerna, 2005.
______; ______; MACHADO, Anna Rachel (org.). Gêneros
textuais e ensino. 5. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
DOLZ, J. & SCHNEUWLY, B.. Gêneros orais e escritos na
escola. Trad.: Roxane Rojo e Glaís Sales Cordeiro. Campinas:
Mercado de Letras, 2004.
337
KOCH, Ingedore. Introdução à Linguística Textual. São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e
funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela, MACHADO, Anna
Rachel & BEZERRA, Ma. Auxiliadora (org.). Gêneros textuais e
ensino. 5. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
______. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São
Paulo: Parábola, 2008.
MEURER, J.L.; BONINI, A. & MOTTA-ROTH, D.(org.).
Gêneros: teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – 3º. e 4º.
ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília,
Secretaria de Educação Fundamental MEC, 1998.
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS – ensino
médio: linguagens. Brasília, Secretaria de Educação Fundamental
MEC, 1998.
Livros didáticos analisados:
PENTEADO, A. E.; LOUSADA, E.; MARCHETTI, G.;
STRECKER, M. A; SCOPACASA, M. V. Para viver juntos. v. 69. 1. ed. São Paulo: Edições SM, 2009.
TEIXEIRA, L. & DISCINI, N. Passaporte para a língua
portuguesa. v. 6-9. São Paulo: Ed. do Brasil, 2009.
338
Gêneros textuais nos livros didáticos de Português:
uma análise de manuais do ensino fundamental
Este livro que ora apresentamos, em formato e-book, é
composto de nove artigos elaborados como trabalho de
conclusão do
curso
de pós-graduação
“Gêneros
e
sequências textuais: perspectivas teóricas e aplicações ao
ensino”, oferecido em 2010, na Faculdade de Letras da
UFRJ. O objetivo principal desta publicação é divulgar
debates teóricos que travamos durante o curso sobre
gêneros e tipologias textuais e sua aplicação ao ensino e
apresentar análise de alguns livros didáticos.
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