entre o rio e a floresta, um novo conceito de

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entre o rio e a floresta, um novo conceito de
correntecontínua
Ano XXXII - Nº 232- Maio/Junho - 2010
A revista da Eletrobras Eletronorte
Dardanelos: entre o rio e a
floresta, um novo conceito de
hidrelétricas na Amazônia
MEIO AMBIENTE
Tucuruí, 25 anos
Os estudos que decidem
sobre a viabilidade
de usinas hidrelétricas
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GERAÇÃO
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No Rio Aripuanã,
um exemplo de como
construir sem destruir
Foto: Secom/AC
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Manejo florestal pode
salvar espécies e melhorar
a socioeconomia da
exploração madeireira
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ENERGIA ATIVA
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CORRENTE ALTERNADA
A hora e a vez
da energia eólica
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correntecontínua
SCN - Quadra 6 - Conjunto A
Bloco B - Sala 305 - Entrada Norte 2
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Fones: (61) 3429 6146/ 6164
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Prêmios 1998/2001/2003
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correntecontínua
Tucuruí, 25 anos
“O que acontece em Tucuruí é reflexo da paixão de
sua força de trabalho com a atividade diária de gerar
e garantir ao País uma energia limpa e estável”.
A frase é do presidente da Eletrobras, José
Antonio Muniz Lopes e caracteriza muito bem
as comemorações dos 25 anos de atividade da
Usina Hidrelétrica Tucuruí. Em cerimônia realizada no dia 9 de junho de 2010 foram lançados, juntamente com a Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos, o selo e o carimbo alusivos à data. Os ex-gerentes de construção e
de operação foram homenageados com uma
placa de reconhecimento pelos serviços prestados. Também foi lançado o livro “Os peixes e
a pesca no Baixo Tocantins: vinte anos depois
da UHE Tucuruí”. O evento contou com a participação do ministro de Minas e Energia, Márcio
Pereira Zimmermann.
SUSTENTABILIDADE
A energia forte das
pequenas e médias
centrais hidrelétricas
Circuito Interno
Sumário
CIRCUITO INTERNO
Ladeado pelo presidente da Eletrobras, José
Antonio Muniz Lopes, o diretor de Produção e
Comercialização da Eletronorte, Wady Charone
Junior, e o superintendente de Produção Hidráulica, Antonio Augusto Bechara Pardauil,
o gerente de Obras de Expansão de Tucuruí,
José Biagioni, o Ministro de Minas e Energia,
junto com comitiva, conferiu o andamento das
obras das eclusas, que deverão ser inauguradas em setembro próximo. Após vistoriar as
obras, Zimmermann visitou as instalações do
Centro de Operação da Hidrelétrica, onde recebeu informações sobre o funcionamento do
sistema que controla e comanda a maior usina Autoridades
genuinamente brasileira.
prestigiaram
o evento
SETOR ELÉTRICO
Concorrentes, não. Complementares
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CORREIO CONTÍNUO
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FOTOLEGENDA
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Diretoria Executiva: Diretor-Presidente - Jorge Palmeira - Diretor de Planejamento e Engenharia - Adhemar Palocci - Diretor de Produção e Comercialização - Wady Charone - Diretor
Econômico-Financeiro - Antonio Barra - Diretor de Gestão Corporativa - Tito Cardoso - Coordenação de Comunicação Empresarial: Isabel Cristina Moraes Ferreira - Gerência de Imprensa:
Alexandre Accioly - Equipe de Jornalismo: Alexandre Accioly (DRT 1342-DF) - Bruna Maria
Netto (DRT 8997-DF) - Byron de Quevedo (DRT 7566-DF) - César Fechine (DRT 9838-DF)
- Érica Neiva (DRT 2347-BA) - Michele Silveira (DRT 11298-RS) - Assessorias de Comunicação das unidades regionais - Estagiárias: Camila Marques e Márcia Alvarenga - Fotografia:
Alexandre Mourão - Roberto Francisco - Rony Ramos - Assessorias de Comunicação das
unidades regionais - Revisão: Dimensão Comunicação e Marketing - Foto da capa: Rony Ramos - Arte gráfica: Jorge Ribeiro - Tiragem: cinco mil exemplares - Periodicidade: bimestral
Orquestra
sinfônica
paraense
(abaixo) tocou
para a platéia
presente
na casa
de força
Antes da cerimônia, a comitiva assistiu a
uma apresentação sobre o modelo de gestão
que utiliza a metodologia TPM (Manutenção
Produtiva Total) e visitou as instalações da segunda casa de força, onde foram apresentadas
as melhorias implementadas.
Durante a cerimônia, realizada no pátio da
oficina da casa de força, José Antonio Muniz
Lopes reafirmou que a Usina Hidrelétrica Tucuruí é a mais importante instalação do Sistema
Eletrobras e é diferenciada porque tem alma:
“O que acontece em Tucuruí é reflexo da paixão de sua força de trabalho com a atividade
diária de gerar e garantir ao País uma energia
limpa e estável”.
Wady Charone reiterou que toda essa vibração sentida por quem visita Tucuruí só é possível graças ao comprometimento das pessoas
que lá trabalham. Antonio Pardauil exaltou o
envolvimento das equipes. Para ele, essa paixão é o que dá consistência e retorno para a
Empresa e para as pessoas. “O mais importante é poder ver o futuro. Porque Tucuruí é muito
mais do que máquinas e produção. É sim, um
grande contingente de pessoas e empregados
que formam uma grande família e conseguem
os resultados”, afirmou.
maior usina hidrelétrica da Amazônia. “Nesses
25 anos eu desejo mais sucesso do que nós já
tivemos, porque não foi fácil chegar até aqui.
A Empresa ainda está com uma equipe muito
boa, principalmente na parte de elaboração de
projetos, mas é preciso ter cuidado com a qualificação da mão de obra”, disse.
Representando os trabalhadores, José Manuel Machado Picanço lembrou a contribuição
de todos os que já passaram por Tucuruí e do
sonho de muitos em ver a obra concluída. “Vimos esse monumento de concreto nascer den-
tre as águas do Rio Tocantins. Tudo parecia um
sonho, mas era real, e o que hoje vemos de
concreto é um sonho transformado em realidade”, disse ele.
Também foram homenageados os gerentes
pioneiros que trabalharam na construção e
operação. Cada um deles recebeu um troféu
alusivo à data com palavras de reconhecimento
pelos serviços prestados (ver depoimentos).
Exemplo - Tucuruí é o exemplo de como os
investimentos na Amazônia podem dar certo.
Essa foi a constatação feita pelo ministro de
Minas e Energia, Márcio Zimmermann. Em
seu pronunciamento, o Ministro afirmou que a
construção de Tucuruí é um modelo de como
os investimentos, ajustados aos anseios das comunidades e às leis ambientais, podem servir
de vetor de desenvolvimento de uma região e
dar ambiente propício para o crescimento das
pessoas. “É com esse exemplo melhorado que
queremos construir Belo Monte para garantir a
oferta de energia para o País e propiciar o desenvolvimento”.
Ministro
confere a
excelência da
metodologia
TPM
Homenagens - O homenageado Berilo Mamoré, primeiro gerente de construção, exaltou
a equipe que trabalhou na primeira etapa da
Hidrelétrica. Para ele, uma equipe técnica de
primeira aceitou o grande desafio de construir a
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Depoimentos
José Antonio
Zimmermann lembrou que o gerenciamento
Muniz Lopes
carimba o selo de Belo Monte e das usinas que comporão o
comemorativo Complexo do Tapajós será baseado na expe-
riência de Tucuruí. “O governo continuará a
construir usinas hidrelétricas e o potencial para
garantir a suficiência energética está na Amazônia. Tucuruí mostra que estamos no caminho
certo para o desenvolvimento”.
Também participaram da cerimônia dos 25
anos de Tucuruí José Antonio Correia Coimbra,
secretário-executivo do MME, Josias Matos de
Araújo, secretário Nacional de Energia Elétrica,
Tito Cardoso de Oliveira Neto, diretor de Gestão
Corporativa, representando o presidente da Eletronorte, Jorge Nassar Palmeira, e o diretor Econômico-Financeiro, Antonio Maria Amorim Barra.
Pará Sinfônico - Como parte do projeto
“Pará Sinfônico - A Orquestra nos municípios”,
a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz desembarcou em Tucuruí para duas apresentações especiais. A primeira reuniu centenas de
expectadores nas dependências do Ginásio Poliesportivo Esmaelino Pontes. A segunda apresentação marcou a abertura e o encerramento
da solenidade comemorativa pelos 25 anos da
Hidrelétrica.
Segundo o maestro, Enaldo Oliveira, as apresentações são vibrantes e eufóricas. “Para nós,
e especialmente para mim, que sou filho de
Tucuruí, é uma grande honra poder tocar para
todas essas pessoas e participar dessa cerimônia. Tucuruí é muito importante para o Pará e
para o Brasil”, afirmou.
(Colaboraram Denis Aragão Costa
e Marcelo de Jesus Leite, da
Superintendência de Produção Hidráulica)
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“Uma orquestra, na verdade, é uma grande empresa, em que o maestro procura tirar o talento de cada
músico, fazendo com que
a música tenha o brilho total, ou seja, o papel de cada
músico é importante para
que a música seja bem regida. É possível comparar a
condução de uma orquestra
à de uma grande empresa. Nós, gerentes, os que passaram e os que estão aqui, fazem esse papel de condutores de uma orquestra, conduzindo cada trabalhador e
tirando um pouco do melhor que cada um tem para a
gente somar e atingir os objetivos da organização”.
Antonio Augusto Bechara Pardauil
“Quando Geraldo Afonso
Prates veio para a Eletronorte ele me convidou para
trabalhar em Tucuruí e junto comigo vieram o Erico, o
Humberto e também o topógrafo Magela. Ocorre que,
em 1982, houve um acidente grave em que morreram
três diretores da Eletronorte.
Naquela época, por exemplo, havia um projeto de levar, de Tucuruí até Rondônia,
uma linha de transmissão já com a produção de energia
de Tucuruí. Ali a Eletronorte perdeu um pouco do seu
ímpeto, mas deixou uma equipe técnica de primeira.
Não se ouve reclamação de concreto, máquinas quebradas, nada disso. Aqui nós temos um projeto bem
feito e uma execução maravilhosa”.
Berilo Mamoré Belo
“Desde 1980 tenho dedicado grande parte de meu
trabalho na construção de
Tucuruí, por alguns períodos
com 100% de dedicação,
com momentos de grandes
alegrias e realização profissional. Mas ouvir uma Orquestra Sinfônica tocando
Villa Lobos na casa de força
com todas as máquinas em
operação, ao lado de alguns dos grandes amigos que
também participaram do desafio, não tem preço e nem
como segurar o choro”.
Luiz Fernando Rufato
“Todas as vezes que venho
a Tucuruí acontece uma nova
emoção, porque é uma obra que
continua crescendo e caminhamos para o término das eclusas.
A vida é assim mesmo, estamos
terminando aqui e vamos começar Belo Monte. É uma sensação
de ufanismo até, porque sobre Tucuruí não abrimos mão do
jargão ‘Tucuruí é a maior usina genuinamente nacional’. E
não é qualquer profissional da engenharia que pode ter essa
felicidade desde o começo até o final.”
Humberto Rodrigues Gama
“Ao chegar a Tucuruí, em
1977, nada existia, mas mesmo assim eu estava muito feliz,
pois sabia que a partir daquele
momento começaria uma nova
vida ao lado de minha esposa e
de novos amigos. Passamos por
momentos de dificuldades, mas
com a união de todos conseguimos superar todos os obstáculos
e transformar um sonho em realidade. O tempo que passei
em companhia de pessoas excelentes contribuiu imensamente para meu crescimento pessoal e profissional, graças ao companheirismo e a ajuda de todos”.
Paulo Almeida
“Trabalhar em Tucuruí foi uma
experiência maravilhosa. Foi a
melhor coisa que já fiz na minha
vida. Cheguei em Tucuruí em
1981, com toda minha família.
Fiquei até a inauguração e segui
para Balbina, no Amazonas. Depois voltei para concluir a primeira etapa. Então fui para o Rio de
Janeiro onde estou até hoje. Profissionalmente, em Tucuruí pude
crescer graças a uma sucessão de eventos, como o fechamento do rio em 1984 e a inauguração da obra no mesmo
ano. Esses eventos marcaram minha vida profissional”.
Angelo Antonio Carrilo
“Vim para Tucuruí em 1990 e nesse período concluímos
a construção da primeira etapa, totalizamos a motorização
da segunda e agora estamos concluindo as eclusas. Acabamos deixando marcas de desenvolvimento para essa região
em função do empreendimento
que trouxemos para a Usina.
Foi onde fiz novas amizades,
adquiri novos conhecimentos.
E uma obra dessa natureza nos
deixa muitas marcas sem dúvidas, até porque não foi qualquer profissional que teve a oportunidade de participar da
construção dessa obra que hoje representa 10% das necessidades do País”.
José Biagioni de Menezes
“Cheguei em Tucuruí em 1977
e o tempo que passei ali foi em
uma época de pioneirismo. Morávamos na Vila Pioneira e o aeroporto era no meio da cidade, onde
hoje é uma avenida. Retornar hoje
e ter a oportunidade de ver a casa
onde você morou e rever os amigos
é muito gratificante pelo trabalho
realizado e pelos anos que passei
aqui. Tucuruí tem uma importância
não só pela magnitude do empreendimento, mas também pela quantidade de informações e
de profissionais que foram formados nessa obra e estão espalhados em usinas em construção pelo País”.
Erico Bittencourt
“Depois de sete anos, volto a Tucuruí e me sinto privilegiado por ter
participado da complementação
da maior Usina brasileira. Quando
cheguei, a preocupação era manter a qualidade da obra que havia
sido realizada na primeira etapa. Tivemos um grande desafio e
também todo cuidado em manter
a parte da operação funcionando
100%. Tive o privilégio também de
implantar a primeira norma ISO
9000 de uma usina hidrelétrica no País. Em Tucuruí tive um
crescimento pessoal e profissional enorme. Muitos desafios
foram vencidos”.
Adailton de Souza Pinto
“Senti-me lisonjeado com a
homenagem recebida durante as
comemorações dos 25 anos de Tucuruí. Durante aqueles momentos
um misto de emoção e orgulho me
dominou, por ter tido o privilégio
de participar de empreendimento
de tal magnitude. Tucuruí foi, é e
continuará sendo, um dos orgulhos
da engenharia brasileira. A cada
dia que lá chegamos nos deparamos com o valor das pessoas que trabalharam na Eletrobras
Eletronorte. Concordo plenamente com o Dr. José Antonio
Muniz, quando diz, ‘Tucuruí tem alma’, e complemento: tem
vida também”.
Ricardo Rios
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Geração
No Rio Aripuanã,
um exemplo
de como construir
sem destruir
ainda alicerçadas na indústria madeireira, na
agropecuária e no turismo. Em tempo: a origem do nome Aripuanã é indígena Apiacá, e
significa água de pedra. É ali que está sendo
implementado um novo conceito de hidrelétricas na Amazônia: a fio d’água, ou seja, sem
reservatório, e com mínima interferência sobre
a natureza e o homem.
Alexandre Accioly
São 6h30 e chove fino em Cuiabá. O sol ainda não fustiga o solo matogrossense quando
o monomotor decola rumo a Aripuanã, no extremo norte do estado, divisa com Rondônia e
Amazonas. A pequena Vitória, de apenas quatro meses de idade, viaja com os pais e mais
sete passageiros sem imaginar que durante
quatro horas o avião fará escalas, aterrisando e
decolando de pistas de terra, em Juara, Juína e
Juruena, antes de chegar ao destino final.
Chove forte em Aripuanã e o pouso é feito
em pelo menos 20 cm de água sobre a terra e o
capim. O que se viu lá de cima foram duas belas cachoeiras e uma pequena cidade cercada
pela floresta amazônica. Entre o Rio Aripuanã e
a densa vegetação é possível ver as tubulações
e o desenho arquitetônico do Aproveitamento
Hidrelétrico Dardanelos, empreendimento realizado pela Sociedade de Propóstio Específico
(SPE) Energética Águas da Pedra S/A, formada pelas empresas Neoenergia (51%), Eletrobras Eletronorte (24,5%) e Eletrobras Chesf
(24,5%).
Segundo o histórico oficial, o município de
Aripuanã (acima) foi criado em 31 de dezembro de 1943. O primeiro lugar escolhido para
a instalação da sede municipal foi Angustura,
na margem esquerda do Rio Ji-Paraná. Mas
não foi possível assentar a cidade ali, porque
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pertencia ao Território de Guaporé (atual Estado
de Rondônia). Posteriormente, optou-se pelo
entreposto seringueiro de Panelas, na margem
direita do Rio Roosevelt, divisa de Mato Grosso
com Amazonas
Em 1966, foi escolhido um novo local e providenciada a transferência da sede do município
de Panelas para as margens do Rio Aripuanã,
junto às belíssimas cachoeiras Dardanelos e
Andorinhas. Aripuanã tem, atualmente, uma
área de 24,6 mil km², mas no passado chegou
a ser um dos maiores municípios do mundo,
com uma área de 145 mil km², abrangendo os
territórios das atuais cidades de Alta Floresta,
Apiacás, Nova Bandeirante, Castanheira, Cotriguaçú, Juína, Juruena, Nova Monte Verde,
Paranaíta, Rondolândia e Colniza.
Hoje, Aripuanã é uma cidade acolhedora,
bem estruturada, que vem sendo beneficiada
com os projetos socioambientais de Dardanelos, observando-se melhorias significativas na
infraestrutura básica, principalmente na saúde,
educação e apoio às atividades econômicas,
O empreendimento - Quando esta revista estiver circulando já estará em seus testes
iniciais de operação a primeira unidade geradora do Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos, que, ao final, terá uma potência instalada
de 261 MW, com quatro turbinas de 58 MW e
uma de 29 MW. O empreendimento foi leiloado pela Aneel em 2006,
teve as obras iniciadas
em 2007 e será concluído em 2010, com um
ano de antecedência da
data prevista. São R$ 760
milhões de investimentos
para a usina e a linha de
transmissão, em 230 kV,
entre Aripuanã e Juína.
Dali, a hidrelétrica e a
cidade serão integradas
ao Sistema Interligado
Nacional – SIN (abaixo,
as subestações Juína, à
esquerda, e Dardanelos,
à direita).
João Cadamuro (à
direita) é gerente Técnico da Energética Águas
da Pedra. Ele continua a contar esta história:
“O que me atraiu para o empreendimento foi
o tipo de obra, tão especial pela qualidade da
preservação ambiental que ela garante, seja
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no desmatamento absolutamente mínimo e
necessário, ou pela recuperação das áreas degradadas com espécies nativas. Dardanelos garante, também, a beleza cênica das cachoeiras
e a continuidade da revoada dos andorinhões.
Ressalto, ainda, a interferência mínima na cidade, de onde se vê a obra apenas de alguns
pontos”.
Segundo Cadamuro, no pico das obras
1.800 trabalhadores ocupavam o canteiro e
hoje já são menos de 800. Por estarem a 12
km do centro da cidade e contarem com alojamentos, refeitórios e hospital, não houve interferência dessa mão de obra no dia a dia dos
cidadãos. Uma curiosidade: Aripuanã já é aliada das PCHs e não queima combustível para
gerar energia elétrica, hoje garantida por duas
pequenas centrais que também usam a água
do rio para gerar 11 MW, frente a um consumo de oito MW, uma da Rede Cemat e outra
particular.
Dardanelos é uma usina de porte médio,
mas os números de sua construção são magníficos: 120 mil m³ de concreto, um milhão e
900 mil m³ de escavação em terra e rocha, 300
mil m³ de aterro e enrocamento, cinco condutos forçados de 450 m cada um, por 4,20 m
de diâmetro, três mil toneladas de aço e 1.134
virolas, aros que emendam os tubos.
A localização é especial: na margem direita
do Rio Aripuanã, alimentada por um canal que
garante a quantidade de água necessária para
a geração de energia e para a manutenção das
cachoeiras e da fauna e flora endêmicas da re-
Montagem
das turbinas
na casa
de força
gião, ou seja, uma vazão máxima de 330 m³/s
para a geração plena e mínima de 21 m³/s para
as cachoeiras e PCHs. Nesse caso, no período
seco e baixa vazão, Dardanelos deixa de operar.
O canal, aberto paralelo ao rio, aproveita a topografia da região e um desnível natural de 100
m, e alaga apenas 0,24 km².
“Estamos cumprindo todas as obrigações
do licenciamento ambiental e fazendo além
do exigido. Por exemplo, toda a rocha escavada virou brita, consumida pela própria obra,
já que em Aripuanã não existe brita. Da mesma forma a madeira desmatada foi usada na
O andorinhão
continua
presente
(ver box)
construção. Todo o material de montagem
chegou via terrestre, inclusive peças de 120
toneladas”, conta Cadamuro.
Engenharia do proprietário – A Eletrobras
Eletronorte participa de Dardanelos não apenas
como uma das proprietárias, mas também colocando à disposição do empreendimento seu
conhecimento de 37 anos de atuação na Região
Norte do País e a capacidade técnica do seu corpo profissional, principalmente de engenharia.
Aldair Teixeira Duarte (abaixo) é o representante da Empresa e engenheiro residente
da engenharia do proprietário, serviço prestado
pela Eletrobras Eletronorte para garantir a qualidade da obra. “No modelo atual do Setor Elétrico surgiram novas atribuições, entre elas essa
que chamamos de ‘engenharia do proprietário’,
onde podemos oferecer, de maneira bastante positiva, o conhecimento que temos como
nenhuma outra instituição em se tratando de
Amazônia”, afirma.
Na Sede da Empresa, em Brasília, o coordenador da Engenharia do Proprietário de
Dardanelos, Adailton de Souza Pinto, explica:
“O marco regulatório do Setor Elétrico introduziu o conceito de modicidade tarifária no
suprimento de energia elétrica, o que está
exigindo dos empreendedores uma ‘engenharia econômica’, para diminuir todos os
custos envolvidos e valorizar a qualidade das
obras. Fazer a engenharia do proprietário significa exercer uma auditoria da qualidade dos
processos executivos do empreendimento.
Em Dardanelos temos indicadores excelentes de verificação das obras, tanto pela nossa
equipe, com grande acervo de conhecimento,
quanto pela Eletrobras Chesf, que também
nos apóia com seus técnicos nessas atividades. Enfim, estamos cumprindo a contento a
nossa atribuição contratual e atendendo a todas as condicionantes de um empreendimento ecologicamente correto”.
Para fiscalizar a obra a Eletrobras Eletronorte compôs uma equipe de apenas 12 técnicos. Além de analisar os projetos civil e eletromecânico, e inspecionar as peças na origem
de fabricação, eles puderam observar e até
corrigir alguns pontos críticos da construção.
“Detectamos, por exemplo, que a usina estava fora da situação ótima para funcionar e
fizemos uma intervenção para que a casa de
força fosse rebaixada, garantindo um melhor
aproveitamento das máquinas. Atuamos também na prospecção e construção do canal de
aproximação e no direcionamento dos condutos forçados”, conta Aldair.
correntecontínua 13
Água do
canal é
direcionada
para os
tubulões
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Aprendizado de vida – Profissionais da Eletrobras Eletronorte também estão aproveitando
a experiência de Dardanelos para aprimorar
seus conhecimentos acerca de engenharia elétrica, mecânica e civil, principalmente. Segundo Adailton, “estamos utilizando esse grande
laboratório de engenharia de barragens para
promover a capacitação técnico-operacional da
nossa mão de obra, com amplo retorno de conhecimento sistêmico e especializado em construção de usinas hidrelétricas”.
Os técnicos que estão sendo treinados em
Dardanelos aproveitam o estágio na obra para
adquirir habilidades como coordenar, supervisionar e verificar a qualidade da execução
das obras civis de construção e montagem
eletromecânica da Hidrelétrica e seu sistema
de transmissão associado. Na prática, estão
vivenciando as etapas de projeto, fabricação e
transporte dos equipamentos e sistemas eletromecânicos; e da montagem das turbinas, geradores, subestação e linhas de transmissão.
Isa Helena Castro Carramaschi (acima), 33
anos, é engenheira eletricista, com mestrado
em engenharia elétrica, e uma das ‘estagiárias’ da Eletrobras Eletronorte em Dardanelos.
“Estou na Empresa desde 2008 e estava trabalhando com o projeto das eclusas de Tucuruí.
Agora estou aqui para ficar um mês e a experiência está sendo espetacular. Eu, engenheira,
não via a hora de colocar a mão na massa, ter
livre acesso às obras e projetos, num empreendimento onde todos estão sempre à vontade
para ensinar, passar informações. É um projeto
diferente, a fio d’água, sem impacto ambiental,
talvez o melhor da Empresa ecologicamente”,
afirma Isa.
No prédio ao lado, outro jovem trabalhador,
Waldir Almeida da Paixão (abaixo), 22 anos,
rondoniense de Jauru, é mais um exemplo de
aprendizado de vida. Morando na cidade vizinha de Colniza, ficou sabendo da obra e se
apresentou para trabalhar. Foi o sétimo empregado a ser contratado pela Construtora Odebrecht, começando como ajudante de pedreiro.
“Passei a mão na ferramenta e comecei a trabalhar. Fui evoluindo, promovido a carpinteiro,
depois oficial pleno até chegar a líder de equipe”, conta o sorridente Waldir.
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Piccolli e Warfield: diretores ressaltam as obras do Centro
de Educação, à esquerda, e do hospital, à direita
Dois depoimentos
José Piccolli Neto é diretor Presidente da Energética Águas
da Pedra. Warfield Ramos Tomaz é diretor Técnico. Aqui, os
dois dão os seus depoimentos sobre o Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos. Confira.
Piccoli: “Quando chegamos para estruturar a SPE, no final
de 2006, começamos tudo do zero, desde as primeiras sondagens até montar toda a infraestrutura necessária em Cuiabá
e em Aripuanã. Vimos essa obra nascer e agora ela está quase
pronta para gerar energia, o que, para mim, é uma satisfação
excepcional”.
“Desde o começo trabalhamos todos alinhados, Neoenergia, Eletrobras Eletronorte e Eletrobras Chesf. Sempre em
A história dele não para por aí: “Achei muito
bom trabalhar aqui, somos valorizados e estamos aprendendo o tempo todo. Fui crescendo,
peguei a oportunidade nas mãos e não joguei
nada fora. Entrei solteiro, casei e tenho uma filha de quatro meses. Também gostei muito de
ter ajudado na construção do prédio da Apae
que a Energética Águas da Pedra construiu
em Aripuanã, uma obra
para pessoas carentes,
crianças, foi muito marcante ajudar a população.
Amizade vale mais que o
dinheiro”.
Produção agrícola –
Em parceria com o Se16 correntecontínua
prol do projeto como fator essencial para o desenvolvimento sem agressão ao meio ambiente. Somos desbravadores e tivemos um excelente relacionamento com a
comunidade de Aripuanã”.
“No insconsciente brasileiro fica sempre aquela imagem de uma hidrelétrica que inunda grandes extensões
de terras, que constrói vilas e invade propriedades. Aqui
não teve nada disso, não é um projeto com cara do
passado, fizemos com que ele adequasse as questões
sociais e ambientais. Não temos reservatório, não desmatamos além do necessário, deixamos as cachoeiras
intactas, não houve a realocação de nenhum ser humano, nenhum indígena”.
“Vamos gerar recursos com a compensação pelo
uso dos recursos hídricos, os royalties, com quase ¼
da arrecadação atual do município, cerca de R$ 2,5
brae e a Prefeitura Municipal de Aripuanã,
a Energética Águas da Pedra desenvolve um
programa de apoio à produção agrícola. O
suporte técnico tem conseguido bons resultados, como o aumento da produção leiteira
e da qualidade de grãos, como o café (ao
lado). O agricultor Antonio Raimundo é paulista e chegou a Aripuanã em 1979. Ele diz
que produz o básico: milho, arroz,
feijão, leite e derivados do leite. “Fornecemos queijo muçarela, flamingo,
frescal. Inclusive, minha esposa está
fazendo um curso para apefeiçoar a
produção. O consumo fica na cidade
mesmo, pois ainda não temos uma
boa estrada asfaltada para escoar. A
milhões por ano. Assumimos compromissos como a recuperação dos balneários, a construção do mirante das
Andorinhas, ponto turístico da cidade. E vamos entregar o hospital e o centro educacional, saúde e educação de alto nível. Por exemplo, após as ações de saúde
que desenvolvemos, a malária teve queda acentuada
em Aripuanã”.
Warfield: “Trabalhei na Eletronorte por 25 anos e recebi com satisfação o convite para integrar a equipe da
Energética Águas da Pedra. É um projeto muito bom,
que está sendo desenvolvido com base em soluções de
engenharia e com atenção ao meio ambiente como poucas vezes visto no Setor Elétrico brasileiro”.
“Se no conceito anterior hidrelétricas ocupavam grandes áreas inundadas, Dardanelos está se colocando
como piloto na intervenção mínima na natureza. Tra-
prefeitura compra 30% do que é produzido
para a merenda escolar. Depois da Usina
Dardanelos passamos a aprender mais para
produzir mais. Até a educação da gente mudou, não fazemos mais as coisas
de qualquer jeito. Educação em
primeiro lugar, não é só dinheiro
não”, ensina Raimundo.
Colega dele, Moacir Francisco da Cruz (ao lado) é conhecido
como Francisco do Lontra, pois é
morador do assentamento Lontra.
Chegou na região em 1982 mas
perdeu as terras que tinha devido
à demarcação de uma reserva indígena. “Desde então venho pele-
balharemos de acordo com o regime de águas do rio, em
determinadas épocas operando com cinco máquinas, em
outras com até nenhuma máquina funcionando”.
“Agradeço especialmente aos empregados que integraram as equipes nas suas diversas posições, o que resultou
num bem extraordinário para o sistema elétrico brasileiro,
pois estamos entregando uma infraestrutra básica, que é
a energia, para o desenvolvimento social e econômico do
município, do Estado de Mato Grosso e do Brasil, por meio
do Sistema Interligado Nacional”.
“Qualquer empresário que queira investir na região hoje
tem a segurança da energia elétrica garantida. Aripuanã
está melhorando seu plantel de gado e de grãos, os produtores estão se organizando e ainda fizemos o plano diretor
do município, contemplando todas as áreas de atuação da
prefeitura”.
jando como pequeno agricultor até a chegada
do Sebrae e da Águas da Pedra. Agora está clareando um caminho melhor, estamos buscando
incentivo na agricultura familiar. Acreditamos
que vai dar certo e já estamos
criando uma cooperativa para
conseguir melhores preços
e qualidade para os nossos
produtos. Da Águas da Pedra
também ganhei mil mudas de
árvores nativas que já plantei
e eu mesmo já estou produzindo mais 20 mil mudas. Isso
aqui era muito atrasado, mas
agora nossa renda será mais
competitiva”, acredita.
correntecontínua 17
Beleza cênica - A experiência da Eletrobras
Eletronorte em Dardanelos teve início com os
estudos de viabilidade (ver matéria na página
48) e a realização das primeiras audiências públicas com a comunidade. Esse trabalho prévio
foi fundamental e basilar para o desenvolvimento das ações previstas no Projeto Básico
Ambiental – PBA.
Essas ações envolvem o apoio à educação
básica e ambiental, à saúde pública e ao controle epidemiológico, às atividades de lazer, cultura e turismo, e ao estudo de fauna e flora.
O plantio de espécies nativas e o salvamento
arqueológico, por exemplo, são um marco no
setor (ver box).
Para a população, principalmente, o mais importante além da melhoria significativa das condições de vida, é a garantia de que as cachoeiras
não irão secar e que a beleza cênica da região
permanecerá. No período de cheias, os saltos
continuarão com uma condição tão exuberante
quanto a que se observa atualmente, preservando-se, então, a atração do local enquanto espaço
de contemplação. Nos demais períodos, estarão
asseguradas vazões mínimas para garantir o uso
turístico e de lazer nos balneários, bem como
fluxo permanente nas cachoeiras.
Na verdade, o uso do Balneário Oásis, por
exemplo, inclusive a pedra conhecida como
‘escorregador’, foi favorecido pela implantação
do empreendimento, na medida em que se tornou perene a possibilidade de banhos no local.
18 correntecontínua
Antes, os balneários só eram acessíveis por cerca de quatro ou cinco meses ao ano, já que nos
períodos de vazões mais elevadas a força da
água não oferecia segurança aos usuários.
Quando a menina Vitória estiver brincando
nos balneários do Rio Aripuanã, ou sendo vacinada no melhor hospital da região, ou ainda
estudando no Centro de Educação Continuada
da cidade de Aripuanã, verá que sua vida começou junto com um grande empreendimento, hoje exemplo para o Brasil e o mundo. Em
Dardanelos, os homens optaram pelo equilíbrio
entre a exploração de um recurso natural, o rio,
para a geração de eletricidade, e a preservação
desse mesmo rio e tudo que o rodeia. Admirando a beleza das cachoeiras Andorinhas e
Dardanelos, Vitória entenderá muito bem o significado do seu próprio nome.
O Salto
Dardanelos
(na página
ao lado), a
Cachoeira das
Andorinhas
(acima); e
o Balneário
Oásis: beleza
preservada
correntecontínua 19
A natureza agradece
Vista de cima, a imagem do Aproveitamento Hidrelétrico
Dardanelos impressiona por vários motivos, mas é impactante
a exuberância da floresta amazônica ao redor da obra, como
se ela tivesse sido colocada ali, delicadamente, já pronta e
acabada, como parte daquele cenário natural, onde, do outro
lado, uma densa nuvem se ergue das cachoeiras Andorinhas
e Dardanelos.
Além do cenário deslumbrante, as cachoeiras são vitais
para uma espécie de ave: o andorinhão-taperuçu-velho ou
andorinhão-velho-da-cascata (Cypseloides senex), que não
sofreu qualquer influência da obra, desde o início da construção, e continua ocupando as encostas das cachoeiras.
Sua população permanece estável em aproximadamente 3,5
milhões de indivíduos. É um espetáculo nos céus de Aripuanã a revoada desses pássaros migratórios entre os meses de
outubro e novembro (fotos acima e na página ao lado). Mas
eles não estão sozinhos: das 563 espécies de aves já registradas no município de Aripuanã, 316 foram observadas na
área de influência direta de Dardanelos.
Segundo conclusões dos estudos de monitoramento da
avifauna da região, o número de espécies de aves registradas na área do empreendimento representa 56% de todas
que ocorrem em Aripuanã. Esse quantitativo continua estabilizado e é provável que algumas aves, futuramente, tenham suas populações aumentadas. Várias espécies estão
reproduzindo na área da Hidrelétrica, o que pode indicar
uma gradativa recuperação do ambiente impactado pela
construção.
O gerente de Meio Ambiente da Energética Águas
da Pedra, Paulo Rogério de
Novaes (ao lado), explica
que, no caso dos andorinhões, mesmo com detonações, movimentação
de máquinas e pessoas, o
monitoramento feito a cada
três meses indica que nada
mudou. “É um pássaro migratório que só ocorre aqui
em Aripuanã. Ele vem de
outras partes do mundo
para se reproduzir nas cachoeiras, onde faz seus ninhos nos
paredões, no período seco. No período chuvoso, vem em busca
de alimentos”.
Segundo Paulo, o mais interessante nos estudos de avifauna é que o número de espécies identificadas aumentou
sobremaneira entre os estudos de viabilidade e a construção
de Dardanelos: “A região conhecida como Cristalino, aqui
também no norte de Mato Grosso, teria o maior número de
espécies de aves do Brasil, mas, agora, Aripuanã chega pró-
20 correntecontínua
ximo, com mais de 560 variedades, o que faz da cidade a
mais rica em avifauna”.
Em se tratando de fauna os estudos em Dardanelos
foram abrangentes. Na ictiofauna foram registradas 133
espécies de peixes e não foram observadas interferências
negativas da estrutura da obra sobre o habitat natural. Na
mastofauna (mamíferos) os dados também apontam para
a manutenção das 101 espécies que habitam a região, e
na herpetofauna as campanhas totalizam 50 espécies de
anfíbios e 57 de répteis.
“Espécies que indicam boa qualidade do ambiente, no
caso dos anfibios, continuam a ocorrer normalmente na
área direta de influência do empreendimento, assim como
determinadas aves, ou o bagre que achava-se endêmico,
mas que existe em toda a bacia do rio; ou o tatu-canastra e
o macaco-cabeludo, também indicativos de um ambiente
equilibrado e harmonioso”, explica Paulo.
2007 e 2009, mais de 830 mil mudas de 82 espécies,
usadas na recuperação da degradação e doadas para
pequenos e médios proprietários rurais. Uma vez concluída a recuperação, as mudas serão direcionadas para o
reflorestamento das matas ciliares dos afluentes do Rio
Aripuanã, como o Frei Canuto. Outras 15 mil mudas de
espécies não nativas serão usadas na arborização urbana
de Aripuanã.
Para a instalação do canteiro de obras também foi
necessário o trabalho prévio de arqueologia, um resgate
do passado do homem que habitou a região. O Instituto
do Homem Brasileiro, em Cuiabá, já está guardando um
tesouro de 100 mil peças arqueológicas recuperadas na
área de influência de Dardanelos. Há material cerâmico,
como panelas e urnas mortuárias, que pode datar de sete
a 15 mil anos.
É a história que o Aproveitamento Hidrelétrico Dardanelos
deixa para a cidade, o estado, o País. Uma história que ainda
registrará a construção de um hospital modelo, com 56 leitos,
pronto a atender à demanda regional do norte de Mato Grosso. E o Centro de Educação Continuada, um amplo e moderno
espaço com salas de leitura e informática, biblioteca e auditório para 400 pessoas.
“É uma experiência única trabalhar na implementação de
um empreendimento construído conscientemente para o ganho ambiental sustentável. É gratificante saber que podemos
gerar energia de um recurso natural e que tudo isso permitiu
a preservação da natureza”, conclui Paulo Novaes.
Flora e arqueologia – Mais de 88% das áreas degradadas no entorno de Dardanelos já foram recuperadas com
mudas de plantas e árvores nativas da Amazônia. Numa
área de 75 hectares todas as árvores com tronco acima
de cinco centímetros foram inventariadas. No viveiro da
Energética Águas da Pedra já foram produzidas, entre
correntecontínua 21
Sustentabilidade
Manejo florestal pode
salvar espécies e melhorar
a socioeconomia da
exploração madeireira
Bruna Maria Netto
A cadeira em que você está sentado, lendo
esta reportagem, pode ter vindo de uma árvore da floresta amazônica. Não? Então a porta
da sua casa ou do escritório certamente foi. Se
você está na Região Norte, então lembrará que
há 30 ou 40 anos, a energia usada para ligar
lâmpadas e assistir televisão vinha da queima
de madeira também; ou se está em qualquer
lugar do Brasil isso se aplica ao piso da sua
casa, ao violão dos encontros no final de semana, à borracha e ao papel do escritório. Enfim,
se forem enumeradas as diversas funções da
madeira, seria necessária toda a edição desta
Corrente Contínua.
Por isso, é melhor nos atermos às considerações do pesquisador em Genética e Conservação Florestal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, Milton
Kanashiro (ao lado), sobre a importância da floresta amazônica e de sua
madeira para o homem e para o meio
ambiente: “A madeira da Amazônia é
muito utilizada para construções e para
a fabricação de barcos. Também há
muita demanda para energia, ou celulose na fabricação de papel. A floresta
tem uma função muito importante na
regulação do clima e sobre a biodiversidade
das florestas tropicais. As espécies arbóreas
também têm uma relação direta com a fauna,
pois, em muitos casos, dependem dela para
os processos de polinização”.
O Brasil é hoje o maior fabricante de madeira tropical do mundo. Produziu, em 2002,
69% do volume de madeira tropical da América do Sul e 22% do conjunto do continente
americano, sendo a região amazônica responsável por 87,5% da produção brasileira. Para
22 correntecontínua
se ter ideia, só a Amazônia Legal é a segunda
maior produtora de madeira tropical do mundo, perdendo apenas para a Indonésia. Sendo essa uma das principais atividades econômicas da região, abastece o mercado com
10,4 milhões de metros cúbicos de madeira
processada, ou seja, já em forma de tábuas,
produtos beneficiados, laminados, compensados, entre outros.
De acordo com dados de pesquisa realizada pelo Instituto Homem e Meio Ambiente da
Amazônia – Imazon, em 2004, o setor madeireiro extraiu cerca de 6,2 milhões de árvores.
Desse total, 64% ficaram aqui mesmo no Brasil, enquanto foram exportados os
36% restantes. Segundo Newton
Zerbini, engenheiro florestal e
gerente de Estudos e Projetos
Ambientais de Transmissão da
Eletrobras Eletronorte, o recurso
madeireiro é muito importante e
em vários países é a principal base
econômica. “No Chile, o setor madeireiro é a segunda economia do
país, enquanto no Estado do Pará,
a madeira alimenta 15% de todo o
PIB brasileiro”.
Zerbini (ao lado) afirma que,
atualmente, em qualquer empreendimento
que envolva o meio ambiente, haverá um tratamento melhor ao uso da madeira do que
de décadas atrás. “Hoje, ao se construir uma
hidrelétrica, por exemplo, existem outras preocupações que não se limitam ao reservatório,
pois o aproveitamento da madeira é pontual.
Porém, é interessante preservar a bacia onde
está localizado o empreendimento. Se ela não é
bem preservada irá acarretar em carreamento
de sedimentos, em ciclo hidrológico alterado - pois não há uma boa
retenção de água na bacia -, o que
acaba prejudicando o reservatório
e, consequentemente, a geração
de energia. Se existe uma área
com cobertura florestal, a água da
chuva a alimenta com os recursos
hídricos de forma contínua e não
de uma vez só, como acontece
atualmente nas grandes cidades,
que sofrem com inundações em
decorrência da chuva”.
Qualidade para exportação – Quem entende
bem sobre os 36% exportados é o engenheiro
florestal e agrônomo Guilherme Carvalho (acima), diretor Técnico da Associação das Indúscorrentecontínua 23
FSC, o selo verde
da certificação
Fotos: Jaime Souza/Aimex
O manejo
sustentável trias Exportadoras de Madeiras do Estado do
da Aimex Pará – Aimex. A Associação, entidade do setor
no Pará
florestal mais antiga do Estado do Pará, foi criada em 1981 para contribuir na implantação de
políticas públicas para o setor florestal.
Guilherme lembra que a exportação de madeira antes da formação da Associação não
seguia regras de qualidade como hoje. “O diferencial estava no controle, por parte do governo, dos preços da madeira exportada. Porém, era permitida a exportação de madeira na
forma bruta de tora, prejudicando as empresas
que já serravam toras para exportar. Essas sen-
24 correntecontínua
tiam uma concorrência desleal, já que tinham
investido em equipamentos para exportar a madeira dessa forma, enquanto os exportadores
de madeira em tora não tinham nenhum custo
com industrialização, bastando cortar a tora,
empilhá-las e esperar o navio carregar”.
Em 1989, o governo brasileiro baniu definitivamente a exportação de tora, fato que levou
o setor a começar a exportar madeira serrada
e compensada. “Foi quando observamos que,
primeiro, havia a necessidade de regulamentar
o Art. 15 do Código Florestal e a Lei 4.771,
de 1965. Somente 30 anos após a publicação dessa lei é que foi publicado
o Decreto 1282/94 regulamentando o
manejo florestal na bacia
Amazônica. Aí teve início
um processo voltado
para critérios técnicos
com base na ciência
florestal, que condicionou a exploração
das florestas primitivas da bacia amazônica e das demais
formas de vegetação
arbórea natural somente sob a forma
de manejo florestal
sustentável de uso múltiplo. Isso, obedecendo
aos princípios de conservação dos recursos naturais, de preservação da estrutura da floresta e
de suas funções, de manutenção da diversidade biológica e do desenvolvimento socioeconômico da região”, afirma Guilherme.
O médico veterinário da Embrapa, Paulo
Fernandes (acima), ressalta que a fiscalização
quanto à retirada da madeira ilegal da floresta
está mais intensa, e faz o alerta: “Somente as
ações punitivas não são suficientes para a solução definitiva do problema. O mercado de madeira no Pará gera empregos e renda há várias
décadas e o poder público e o meio científico
precisam agir em harmonia em busca de alternativas viáveis”. Mesmo com essas ações punitivas, segundo Newton, estima-se que 80%
da produção de madeira na Amazônia são de
fonte ilegal ou predatória.
Um meio de o consumidor se proteger das madeiras ilegais é a compra de
Segundo a WWF - Brasil, o FSC é hoje o selo verde mais
reconhecido em todo o mundo, com presença em mais de
75 países e todos os continentes. Atualmente, os negócios
com produtos certificados movimentam recursos da ordem
de US$ 5 bilhões por ano em todo o planeta. FSC é uma
sigla em inglês para a Forest Stewardship Council, ou
Conselho de Manejo Florestal, em português.
O Conselho foi criado como o resultado de uma
iniciativa para a conservação ambiental e o desenvolvimento sustentável das florestas do mundo inteiro. Seu
objetivo é difundir o uso racional da floresta, garantindo
sua existência no longo prazo. Para atingir este objetivo,
o FSC criou um conjunto de regras reconhecidas internacionalmente, chamadas Princípios e Critérios, que
conciliam as salvaguardas ecológicas com os benefícios
sociais e a viabilidade econômica, e são os mesmos para
o mundo inteiro.
O FSC desenvolve os princípios e critérios para a certificação; credencia organizações certificadoras especializadas e independentes; e apóia o desenvolvimento de
padrões nacionais e regionais de manejo florestal.
O Brasil é hoje o País com maior área de florestas e o
maior número de produtos certificados pelo FSC. São mais
de três milhões de hectares de florestas certificadas desde
o Amazonas até o Rio Grande do Sul e cerca de 170 certificações de cadeia de custódia. A maior parte dos produtos
com selo FSC destina-se à exportação para países europeus
e da América do Norte. No entanto, já existe um número
superior a 60 organizações (indústrias, designers, governos
estaduais, entidades de classe e outros) pertencentes ao
Grupo de Compradores de Madeira Certificada, entidade
que assume publicamente o compromisso de dar sempre
preferência ao produto certificado.
correntecontínua 25
Fotos: Secom/AC
produtos certificados. Segundo a WWF - Brasil,
a certificação é um processo voluntário em que
é realizada a avaliação de um empreendimento
florestal por uma organização independente, a
certificadora, e verificados os cumprimentos de
questões ambientais, econômicas e sociais que
fazem parte dos Princípios e Critérios do Conselho Brasileiro de Manejo Florestal – redação em
português para a sigla FSC.
A certificação florestal deve garantir que a
madeira utilizada em determinado produto é
oriunda de um processo produtivo manejado de
forma ecologicamente adequada, socialmente
justa e economicamente viável. E no cumprimento de todas as leis vigentes. É uma garantia
de origem que serve também para orientar o
comprador atacadista ou varejista a escolher
um produto diferenciado e com valor agregado,
capaz de conquistar um público mais exigente
e, assim, abrir novos mercados.
No Brasil, esses princípios e critérios são
estabelecidos pelo FSC e pelo Cerflor, que é
vinculado à ABNT/Inmetro, e avaliados por
uma certificadora. Para que uma empresa participe do processo de certificação ela precisa
inicialmente ter um empreendimento florestal
aprovado pelo órgão ambiental competente.
“A certificadora avaliará o empreendimento e,
se for o caso, apresentará um relatório para a
empresa adequá-lo aos princípios e critérios.
O manejo
florestal
garante o
planejamento
cuidadoso
na extração,
no corte e no
transporte
26 correntecontínua
Paralelamente serão realizadas consultas públicas que permitirão àqueles que, direta ou
indiretamente, tenham interesse ou sejam afetados pelo empreendimento, se manifestem.
Depois de todo este processo a empresa recebe a certificação do empreendimento florestal
e passa a ser monitorada anualmente”, explica
Guilherme Carvalho.
Manejo florestal – Outra forma de continuar
usufruindo da madeira sem levá-la à extinção é
por meio do manejo florestal. Milton Kanashiro
lembra que um dos grandes problemas atuais é
justamente a mal utilização da madeira: “A madeira é má utilizada pelo homem quando as extrações ocorrem de forma ilegal e não há cuidado
algum no processo de abate das árvores. Muitos
procedimentos recomendados para a exploração
não são aplicados, e a derrubada pode causar
danos à floresta, chegando a derrubar outras árvores, caso elas estejam ligadas através de cipós
que não tenham sido cortados anteriormente.
Também é maléfico quando árvores, mesmo que
ocas, são derrubadas, enquanto que, se mantidas
na floresta, poderiam ter outras funções, como
abrigo para animais. A má utilização está em qualquer atitude de desrespeito e a falta de cuidado
para não desperdiçar a madeira”, sentencia.
O pesquisador da Embrapa explica o que
é manejo florestal ao afirmar que a madeira é
bem utilizada quando ocorre a preocupação
com o planejamento, preparo para a extração,
corte respeitando a quantidade de árvores existentes, cuidado na direção em que a árvore será
derrubada e os próprios cuidados na derruba.
“Um planejamento cuidadoso na extração madeireira, incluída a parte de identificação botânica (e não apenas tudo baseado em nomes
populares), estará assegurando a manutenção
da biodiversidade de espécies, no sentido de
que é importante se ter a diversidade genética
para garantir a evolução e adaptação das espécies de forma contínua”.
Muitas vezes, em função de um inventário
florestal mal feito, as consequências podem
ir além dos prejuízos econômicos imediatos,
como a destruição de espécies antes de serem devidamente identificadas. De acordo com
Paulo Fernandes, o reflorestamento precisa ser
planejado de forma muito especial. “Pode ser
realizado em grande escala, com florestas homogêneas. A alternativa pode ser o plantio em
baixa densidade de árvores ou em faixas, intercaladas com pastagens e culturas agrícolas”,
diz. Trata-se da integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF), difundida pela Embrapa.
Os sistemas de iLPF são alternativas viáveis
para suprir a demanda de madeiras nobres na
região. “Existe também o potencial da tecnologia para produção de agroenergia na forma de
correntecontínua 27
carvão ou biodiesel. O carvão pode ser produzido com o plantio de eucalipto e o biodiesel com
palma. Os vários setores produtivos precisam
estar integrados, em cadeias produtivas e mercados formais bem desenvolvidos, com geração
de empregos e riquezas. Dessa forma, demandas por geração de renda são supridas e o meio
ambiente pode ser preservado”, conclui.
No entanto, Newton Zerbini lembra que o
manejo florestal sustentável limita-se a escassas iniciativas de empresas privadas ou projetos
experimentais e apenas a adoção de políticas
públicas integradas pode torná-lo viável. Outra
questão associada ao manejo é a valorização
integrada de todos os recursos da floresta. O
manejo florestal em escala comercial depende
do aproveitamento máximo das potencialidades
da floresta, visto que envolve custos operacionais que devem ser compensados com o maior
valor possível dos produtos a serem colhidos.
Devido ao aproveitamento seletivo de reduzido
número de espécies madeireiras, que vem ocasionando sua escassez, são necessários estudos que examinem a existência de novas espécies capazes de ingressar, ou mesmo substituir,
as tradicionalmente utilizadas.
Madeira submersa – Outro tipo de extração
de madeira, em caráter experimental e pioneiro,
foi a madeira submersa oriunda do lago da Usina Hidrelétrica Tucuruí (foto na página ao lado),
de onde saíram depois de submersas espécies
como castanheira, sumaúma, virola, cedrorana, angelim, faveira, jatobá e ipê. A exploração
florestal submersa poderia ser benéfica para a
qualidade da água do reservatório, pois evitaria
a reprodução de fitomassa degradável.
Newton Zerbini explica que a madeira
submersa tem suas vantagens, pois a água
mantém suas características tecnológicas e,
“dependendo de quem a processe, ela é até
melhor do que a madeira comum, porque fica
mais macia para ser serrada. Numa serraria,
por exemplo, os troncos são armazenados em
pátios. Já em laboratórios, a madeira é armazenada em água”. O trabalho de extração da
madeira submersa era realizado com um equipamento próprio, porém sem qualquer estrutura ou técnicas de mergulho.
Mais tarde, foi feita uma licitação para essa
extração, dividindo-se o lago em glebas. Entretanto, o controle deficiente do que era retirado
possibilitou que madeiras extraídas em outras
regiões passassem a ser apresentadas no comércio como sendo madeira do lago de Tucuruí, além de outras irregularidades contratuais.
Na época, um barco canadense, equipado com
um braço mecânico, chegou a ser utilizado por
uma das empresas contratadas. Logo após, estudos de ictiofauna identificaram que as árvores
submersas, conhecidas como paliteiro, tinham
se transformado numa espécie de berçário de
peixes e, entre a exploração deficiente da madeira submersa e o aumento da população pesqueira, optou-se por esta última.
Desmatamento - De acordo com o Imazon, em março de 2010 o Sistema de Alerta
de Desmatamento (SAD) registrou 76 km² de
“Em São Paulo trabalhávamos com madeira. Aqui trabalhamos com floresta”
“A minha experiência com trabalho de madeira de pequenos
objetos surgiu da empresa do meu pai no interior de São Paulo,
em 1970”, conta o engenheiro mecânico George Doré (foto),
nascido em Campinas (SP), e hoje presidente da Iiba Produtos
Florestais Sustentáveis, em Rio Branco (AC), especializada no
desenvolvimento e fabricação de produtos de madeira. Hoje,
a empresa desenvolve seus produtos baseada no melhor uso
dos recursos naturais já explorados. Isso envolve o aproveitamento dos materiais que sobram no manejo florestal, tanto
dos galhos e costaneiras, quanto nas serrarias. “Eu certifiquei
a empresa pelo FSC em 2001 e, a partir daí, acabamos tendo
contato com a produção de madeira certificada pelo manejo
comunitário do Acre, realizada por um grupo de seringueiros
que utiliza o manejo floresta”.
George se fixou no Estado do Acre para estar mais próximo
da produção e entender melhor as questões diretamente
relacionadas ao manejo florestal. Ele relata as diferenças: “Lá
em São Paulo nós trabalhávamos com madeira, e aqui a Iiba
trabalha com florestas, então é outro enfoque. Em São Paulo,
a empresa do meu pai ou qualquer outra, entra em contato
com o material a partir do momento em que ele chega à porta
da indústria. A empresa consumidora não tem contato com
o processo de beneficiamento desde a floresta até aquele
ponto, ou conhecimento da quantidade de madeira que se
perde pelo caminho. Podemos dizer que a cadeia produtiva
da madeira, de um modo geral, é muito ineficiente. Se tomarmos por base o volume de madeira explorada no mato,
o volume que é abatido de uma árvore até o produto final, o
rendimento é sempre inferior a 30%, levando-se em consi-
28 correntecontínua
deração todas as etapas do processo de produção. O que
vamos conseguir fazer é produzir mais produto acabado
a partir do mesmo volume original de madeira de áreas
exploradas, sem precisar derrubar mais
árvores”.
George começou a perceber outras possibilidades, chegando a trabalhar com resíduos
florestais, que são os galhos
das árvores que foram exploradas no manejo florestal.
“Hoje em dia quando se abate uma árvore só se aproveita o
tronco, chamado fuste. Toda galhada – e aqui na Amazônia
é muito exuberante –, um volume significativo de madeira
fica no mato e lá apodrece. Então fizemos um estudo junto
com a Fundação de Tecnologia do Acre – Funtac, e com o
Serviço Nacional da Indústria – Senai, para criar produtos
a partir da madeira de galhada (foto acima), seguindo essa
lógica de melhorar o uso da árvore que está sendo extraída
e não está sendo aproveitada”.
Atualmente a Iiba tem 12 trabalhadores diretos e, indiretamente, uma das principais bases de suprimentos é a
Cooperativa dos Produtores Florestais Comunitários – Cooperfloresta, formada por sete comunidades, totalizando 100 famílias
que trabalhavam com látex e castanha. “Justamente nessa onda
de criar novas atividades florestais sustentáveis fomos trabalhando
com esses seringueiros o desenvolvimento florestal madeireiro,
um grande desafio para eles, que são muitos sensíveis às questões
ambientais”, lembra George.
E acrescenta que é do consumidor final o papel principal nessa
cadeia produtiva: “É ele quem toma a decisão de remunerar a produção sustentável ou não, e muita das vezes, por desconhecer o
selo FSC, acaba por remunerar os produtos mais baratos sem selo,
e que, provavelmente por ser mais barato, é de origem ilegal, pois
a opção da legalidade acaba sendo necessariamente mais cara.
Quando a cadeia produtiva se completa e todas as etapas estão
respeitando as questões ambientais, tributárias e
fiscais, isso acaba incorrendo em um aumento
necessário de custos quando comparado com
uma cadeia produtiva ilegal”.
(Colaborou Leandro José Alves,
da Regional de
Comercialização
do Acre)
correntecontínua 29
Inpa estudou as madeiras de Balbina
O entrevistado é Basílio Vianez (foto), coordenador do
projeto Madeiras da Amazônia, do Instituto Nacional de
Pesquisas da Amazônia – Inpa. A pesquisa, inicialmente, foi realizada no lago da Usina Hidrelétrica Balbina,
estendendo-se, depois, a outras localidades. O estudo foi
desenvolvido com 40 espécies madeireiras oriundas da
área da Hidrelétrica localizada no Rio Uatumã, localizado
ao norte da cidade de Manaus (AM).
Madeira
submersa fica
conservada
dentro
d’água
30 correntecontínua
desmatamento na Amazônia Legal. Isso representou um aumento de 35% em relação a
março de 2009, quando a devastação somou
57 km². Newton explica que “a avaliação da
influência de diversos fatores socioeconômicos no processo de desflorestamento da floresta amazônica, utilizando-se uma série temporal de 1980 a 1999, permitiu concluir que
os fatores mais significativos do desmatamento são, em ordem de importância: a extração
madeireira, o aumento da população regional,
a produção madeireira, o aumento da malha
viária e o efetivo do rebanho bovino”.
No entanto, Paulo Fernandes alerta que a
expansão da pecuária na Amazônia não é um
dos principais causadores do desmatamento, e
sim consequência disso. “O bovino, geralmente taxado como o causador do desmatamento,
pode, na realidade, ser o fim de um ciclo que
passou por três fases: inicialmente retiram-se
as toras de madeira nobre do meio da floresta;
em outra fase ocorre a retirada da vegetação
para a produção de carvão, que atende às demandas locais, especialmente ao mercado da
siderurgia no Pará; finalmente, no espaço sem
vegetação, restou somente a opção da formação de pastagens. Nesse caso, os bovinos não
seriam a causa do desmatamento, mas a con-
sequência das ações anteriores, inclusive das
políticas públicas de ocupação territorial ocorrida há décadas”.
Alternativas – Tanto Milton quanto Newton
afirmam que há muito mais a se explora na
Amazônia: “Em décadas passadas, eram aproveitadas apenas as árvores de alto valor econômico e muitas outras eram deixadas de lado.
O baixo aproveitamento dos recursos florestais
e a dificuldade de implementação do manejo
florestal sustentável no Brasil oneram a extração florestal nacional devido, sobretudo, à falta
de informações da cadeia produtiva madeireira,
à deficiência de informações tecnológica relativamente à qualidade da madeira e ao aproveitamento comercial de número reduzido de
espécies”, afirma o engenheiro florestal da Eletrobras Eletronorte.
“Notadamente na Amazônia, muito desta
biodiversidade é desconhecida. Muitas espécies arbóreas têm grupos bastante complexos
e a própria qualidade do produto madeira pode
ser afetado pela sua não homogeneidade. A
dificuldade na separação de espécies propicia
um mercado instável e pode causar impactos
ambientais pela perda de espécies mesmo antes de serem catalogadas”, completa Milton.
O que motivou a pesquisa
sobre madeiras da Amazônia?
No Inpa essa pesquisa foi iniciada com um projeto
financiado pelo CNPq, Finep e BID, cuja implementação
durou um ano e meio (setembro de 1979 a março de 1981).
Esse projeto foi intitulado “Manejo Ecológico e Exploração
da Floresta Tropical Úmida” e teve a aplicação de cerca de
US$ 13 milhões na construção da Coordenação de Pesquisas em Produtos Florestais, constituída de laboratórios
e plantas-piloto para desenvolver pesquisas científicas e
tecnológicas em manejo e tecnologia de madeiras tropicais.
A principal motivação dessa iniciativa foi a necessidade
de se definir um modelo que permitisse o aproveitamento
econômico da floresta, mantendo-se um equilíbrio ecológico.
No seu escopo, o projeto justificava a necessidade de se
obter mais conhecimentos sobre o manejo e a exploração
florestal que levassem a um desenvolvimento econômico e
social da região.
O número de espécies madeireiras encontradas
era o esperado? Houve alguma surpresa?
O número de espécies arbóreas na floresta Amazônica
é muito grande e a maioria já é conhecida pelos botânicos
há muitas décadas. Entre eles Adolpho Ducke, Jacques
Huber e Paul Le Cointe, desde o final do século XIX. Mas
faltavam estudos de manejo e caracterização tecnológica
dessas espécies. Em nossa região poucas espécies são
tradicionalmente exploradas para o uso da madeira e isso
faz com que uma grande pressão exploratória recaia sobre
poucas espécies, levando-as à extinção. Um dos principais
objetivos dos estudos desenvolvidos pelo Inpa é aumentar o
conhecimento sobre um número cada vez maior de espécies, para que essa pressão exploratória seja reduzida. Dessa
forma, um dos principais critérios para escolha das espécies
a serem estudadas é a sua densidade volumétrica (m³/ha) e
a possibilidade de se fazer agrupamentos de espécies com
características tecnológicas semelhantes.
Houve alguma mudança nas
espécies catalogadas de lá para cá?
É lógico que a lista de espécies estudadas vai aumentando lentamente a cada ano. Mas isso não significa que
sejam utilizadas pelo comércio de madeiras. Mudar os
hábitos dos consumidores e das empresas madeireiras quanto ao
uso e exploração de novas espécies, visando a preservar aquelas
ameaçadas pela exploração predatória, não é uma coisa fácil
de se alcançar. Nos catálogos de madeiras estudadas existem
muitas que tiveram suas propriedades evidenciadas e foram
sugeridas para substituir espécies nobres. Entretanto, muitas
vezes isso não aconteceu. Algumas espécies novas são introduzidas pelas madeireiras e são aceitas pelos consumidores sem
haver o conhecimento tecnológico das mesmas. Nesse caso, o
caminho é inverso. Em função dessa demanda faz-se necessário
o estudo dessas espécies para sua melhor utilização. Já espécies
florestais identificadas e que tenham sido extintas não são do
nosso conhecimento. Diminuição de volumes tem ocorrido com
as espécies mais exploradas, mas, na maioria dos casos, elas
são colocadas em listas de espécies ameaçadas de extinção e
sua comercialização é proibida, como ocorreu com o mogno, a
cerejeira e a castanheira.
Quando as áreas alagadas têm volumes consideráveis
de madeira comercialmente valiosas e todo
o processo da retirada é economicamente viável?
É possível ser feito um aproveitamento dessas madeiras. Normalmente, essas áreas são remotas, de difícil acesso e os projetos
são executados em prazos muitos curtos para que uma exploração
adequada possa ser feita. Quando essa madeira fica debaixo
d’água sem ser explorada, ela fica preservada por muitas décadas.
É possível que uma floresta não economicamente explorável ao
tempo da sua inundação passe a atrair o interesse de empresas
para a sua exploração muitos anos depois, como aconteceu em
Tucuruí e está prestes a acontecer em Balbina. A economia é a
mola-mestre de toda essa dinâmica.
O que pode ser feito com as
espécies de madeiras encontradas?
A floresta Amazônica é muito heterogênea. Em um hectare de
floresta é possível encontrar centenas de espécies distintas, para
os mais diversos usos. Daí a importância dos estudos de caracterização tecnológica desenvolvidos pelos centros de pesquisa.
Esses estudos é que orientam para o melhor uso de cada espécie
de madeira.
Como a sociedade pode ajudar?
A conscientização das populações locais para
a manutenção da floresta em pé, com a sua
exploração baseada em um
manejo sustentável, está
se tornando, cada dia
mais, uma realidade.
Somente dessa maneira é que poderemos sustentar esse
patrimônio que é
de todos nós.
Energia Ativa
A energia forte das pequenas
e médias centrais hidrelétricas
César Fechine
As pequenas e médias centrais hidrelétricas, conhecidas pela sigla PCHs, constituemse em excelente opção para ajudar a suprir a
demanda por energia elétrica no Brasil, principalmente considerando-se a previsão de
diversos setores da economia que estimam o
crescimento em 5% para os próximos anos.
Essa é a opinião compartilhada por centenas
de profissionais que participaram do VII Simpósio sobre Pequenas e Médias Centrais Hidrelétricas, promovido pelo Comitê Brasileiro
de Barragens - CBDB, no último mês de maio,
em São Paulo, com o apoio das mais importantes instituições públicas e privadas do País
(foto abaixo).
O Brasil conta hoje com cerca de 350 PCHs,
responsáveis por quase 3% da oferta de energia, com potencial de geração que pode chegar
a 8% nas próximas décadas. Isso representa
uma capacidade de 25 mil MW, segundo dados do CBDB. “Superada a crise econômica de
2008 e 2009, os investimentos em pequenas e
médias centrais hidrelétricas voltam a crescer
e a atrair os investidores. Há hoje cerca de 70
projetos de PCHs em construção no País”, informa o engenheiro Fabio De Gennaro Castro,
coordenador do Simpósio e vice-presidente do
CBDB (abaixo).
Relatório da Agência Nacional de Energia
Elétrica – Aneel aponta que as PCHs em vias de
construção agregariam no curto prazo mais 1,6
mil MW ao potencial de
geração do País. Para dis
cutir a construção dessas
centrais com a segurança
e a agilidade necessárias,
além de debater questões
relativas às inovações técnicas, contratos, segurança de barragens e o licenciamento ambiental para
esse tipo de obra é que foi
realizado o Simpósio.
“Muita energia é necessária para que o Brasil possa gerar hoje
um PIB de R$ 3,5 trilhões, suficiente para situar o País como a sexta principal economia
do mundo. Muito mais energia elétrica terá de
estar disponível para que alcancemos o status
de quinta economia mundial até 2013, como
PCH
Zé Fernando,
localizada
no Rio São
Lourenço,em
Juscimeira
(MT), tem
potência
instalada de
29,1 MW
admitem alguns dos mais ilustres analistas
internacionais”, contextualiza Erton Carvalho,
presidente do CBDB.
O Brasil dispõe hoje de um potencial de geração superior a 100 mil MW. E a principal fonte
desse sistema é a geração hidrelétrica, que responde por 70% da capacidade instalada. Trata-se de
uma energia limpa, renovável, segura e com preço
competitivo, que fornece
o insumo necessário para
que a economia brasileira
possa deslanchar.
Crivo ambiental e taxa
de retorno - Mas, ao evitar
a construção de barragens
o Setor Elétrico brasileiro
pode terminar optando por fontes de energia
poluidoras, menos eficientes e mais danosas ao
meio ambiente. “Há claramente um olhar enviesado para as barragens, seja qual for o seu
porte. Projetos de grandes barragens e mesmo
de pequenas e médias centrais são submetidos
a um duro crivo legal e ambiental que não parece o mesmo aplicado a modalidades como a
geração térmica”, diz Erton (foto acima).
Representando o Ministério do Meio Ambiente,
a especialista em recursos hídricos e assessora
32 correntecontínua
do diretor-presidente da Agência Nacional de
Águas - ANA, Gisela Forattini (foto abaixo), disse que a gestão integrada dos recursos hídricos
exige a permanente articulação com diversos
setores e defendeu os empreendimentos de
PCHs. “Água é desenvolvimento. Nosso País
vem se desenvolvendo e deve crescer muito
mais. Dado a sua vocação hidrelétrica, as bases desse desenvolvimento devem envolver,
necessariamente, o binômio água e energia. Nesse sentido, as pequenas
e médias centrais hidrelétricas representam opção
interessante para auxiliar o
atendimento da demanda
energética”, afirmou.
A geração hidrelétrica é
limpa, renovável, não gera
CO², nem efeito estufa. As
PCHs, além da geração
limpa, também trazem
benefícios por estarem situadas próximas aos centros de carga, o que faz
com que sejam evitados grandes investimentos
em transmissão. “Por se tratar de uma geração
distribuída, a PCH gera controle de tensão, redução de perdas e aumento da confiabilidade
do suprimento”, explica Erton Carvalho.
correntecontínua 33
Geralmente, as PCHs oferecem baixo risco
ambiental e têm, portanto, licenciamento mais
ágil, podendo ser utilizadas para usos múltiplos,
como o controle de cheias, por exemplo. Desse modo, representam um bom negócio para
os investidores, pois recebem o incentivo de
redução de 50% na Tarifa de Uso do Sistema
de Distribuição (Tusd) e estão isentas de pagamento pelo uso da água (compensação financeira pelo uso do recurso hídrico, ou royalties).
Apesar de o retorno do investimento em uma
PCH depender de uma série de fatores, como
a geologia, a topografia, as quedas d’água existentes no local e a forma de financiamento, o
que se vê no mercado é que a Taxa Interna de
Retorno - TIR desses empreendimentos está
acima de 10% ao ano.
Um dos trabalhos apresentados no Simpósio mostra que a aplicação de Mecanismos de
Desenvolvimento Limpo – MDL, a empreendimentos de PCHs pode elevar os ganhos na TIR
em até 6%. “Há um projeto que tinha uma TIR
de 8,5% e passou para 14,5% apenas com a
incorporação da variável MDL”, cita Aluizio Fagundes, presidente do Instituto de Engenharia.
Outro atrativo apontado é que as PCHs, na
maioria das vezes, acabam levando progresso
para a região onde a usina é construída, gerando oportunidades para a abertura de indústrias
de médio porte e para a participação de inves-
PCH São
Bernardo,
localizada entre
os municípios
de Barracão
e Pinhal da
Serra-(RS) com
capacidade
instalada
de 15 MW
tidores no setor de infraestrutura, influenciando
positivamente na geração de empregos.
A participação das PCHs na matriz energética brasileira parece pequena? “Pois o percentual é muitas vezes decisivo em momentos críticos da oferta de energia. As PCHs cumprem
papel decisivo no desenvolvimento das áreas
que estão fora do sistema interligado e contribuem também para a segurança geral do sistema”, responde De Gennaro.
Expansão - O superintendente de Expansão
da Geração, engenheiro Humberto Gama (foto
na página ao lado), representou a Eletrobras
Eletronorte no Simpósio, com uma palestra sobre a “A Eletronorte e a Expansão da Oferta de
Energia Elétrica”. Segundo ele, a capacidade
instalada de geração de energia elétrica no País
vai evoluir de 99.742 MW para 154.797 MW
até 2017, conforme prevê o Plano Decenal de
Expansão de Energia, aprovado pelo Ministério
de Minas e Energia. “A Eletronorte participa
atualmente de 27 projetos e estudos de expansão da oferta de energia, que somam quase 31
mil MW”, informa.
O Plano prevê a queda da geração por meio
de fontes hidrelétricas na matriz energética de
86% para 76%, a manutenção da fonte nuclear no patamar de 2% e o aumento da geração
proveniente de fontes alternativas de 1% para
4%, bem como de térmicas dos atuais 12%
para 18% (ver matéria na página 60).
Gama diz que há oportunidades de negócios
no Setor Elétrico brasileiro para todas as áreas
da engenharia. “O Plano prevê o crescimento de
4,9% ao ano de capacidade instalada de geração
de energia. O consumo de energia cresceu em
todas as regiões do País no último ano, com destaque para a Amazônia, que cresceu 8,5%. Naquela região existe uma demanda reprimida.”
‘Barrageiro’ convicto, Humbertão, como é
conhecido, lembra que justamente onde há a
maior demanda, há o maior potencial. “Na Região Norte há rios que ainda não conhecemos.
Às vezes, os pesquisadores estão sobrevoando
a Amazônia, vêem um rio pequeno lá embaixo,
vão procurar no mapa e não acham.”
Inovações - O tema Inovações e Qualidade
Técnica dos Empreendimentos de Pequenas e
Médias Centrais Hidrelétricas abriu o Simpósio,
que reuniu mais de 1.100 profissionais, sendo
600 participantes, 300 expositores e 200 visitantes, representantes de empresas públicas e
privadas. Uma exposição técnica com 40 estandes mostrou os trabalhos desenvolvidos por empresas ligadas às áreas de planejamento, investimento, projeto, construção, operação de usinas,
fabricantes e montadoras de equipamentos.
Foram apresentados trabalhos de engenharia civil, que concentra a maior parte dos riscos
e incertezas relacionados a PCHs. Houve uma
parcela significativa de trabalhos relacionados
à engenharia elétrica e a temas gerais, como
arranjos, modelos de barragens e automação.
O relator do tema, José Franco Pinheiro
Machado, afirma que os projetos de PCHs ou
Lei da
Arbitragem
completa
14 anos
De autoria do senador Marco Maciel (DEM-PE) (foto), a Lei
de Arbitragem – Lei 9.307/96, é uma alternativa à prestação
jurisdicional por parte do Estado. “É essa a grande vitória da
arbitragem a meu ver, ou seja, está fazendo com que em diferentes campos muitas demandas deixem de ser encaminhadas
à prestação jurisdicional por parte do Estado e sejam resolvidas
através de comissões de arbitragem. Essas comissões, inclusive, compreendem não somente a conciliação, mas também
a busca de caminhos alternativos para a solução de litígios”,
diz o Senador.
Uma conquista muito importante obtida após a vigência da
Lei, na avaliação de Marco Maciel, foi o fato de o Brasil haver
subscrito a convenção sobre reconhecimento e execução de
sentenças arbitrais estrangeiras. Maciel observa que o Poder
Judiciário também passou a praticar o instituto da arbitragem,
inclusive no campo trabalhista.
A arbitragem é uma forma de solução de conflitos quando
surge um impasse decorrente de um contrato. Para isso, as
partes nomeiam árbitros, sempre em número ímpar. O árbitro
pode ser qualquer pessoa maior de idade, no domínio de suas
faculdades mentais e que tenha a confiança das partes. Também deverá ser independente e imparcial, isto é, não pode ter
interesse no resultado da demanda e não pode estar vinculado
a nenhuma das partes.
A arbitragem não é um instituto novo em nosso Direito, pois
desde o período colonial é legalmente reconhecida no Brasil e
vem sempre sendo incluída em diversas legislações nacionais.
Aspectos importantes como a simplicidade, objetividade, sigilo
e rapidez do procedimento arbitral, se sobrepõem à complexidade, prolixidade, publicidade e, sobretudo, à morosidade do
processo judicial.
A arbitragem possui diversos efeitos e a lei cria maior compromisso e confiança entre as partes envolvidas no conflito.
Entre as partes os efeitos jurídicos podem ser definidos primeiramente na exclusão do Poder Judiciário para solucionar
os conflitos e a submissão das partes à sentença arbitral, que
só podem recorrer ao Poder Judiciário no caso de nulidade ou
extinção do compromisso e, consequentemente, apenas para
rever questões formais.
(Continua na página 36)
34 correntecontínua
correntecontínua 35
médias centrais envolvem complexidades semelhantes aos projetos de grandes usinas, apesar
da menor potência instalada. “É muito importante gerenciar adequadamente cada etapa da
implantação do empreendimento, desde a definição da divisão de quedas, análise
da topografia, hidrometria e sondagens, definição de arranjos de barragem, vertedouro, desvio, até o
comissionamento de cada usina e
a forma de conexão ao sistema”,
afirma Franco (ao lado).
Entre as apresentações feitas
está o trabalho “Diretrizes para o
Projeto e Controle de Qualidade
da Construção de Aproveitamentos Hidrelétricos em Concreto”,
que mostra a importância das investigações do projeto, desde o inventário até a operação, com foco nos materiais
necessários para o concreto e os ensaios que
devem ser feitos durante a construção, para garantir qualidade e segurança.
O “Monitoramento de Temperaturas com
Sensores Distribuídos de Fibra Ótica na Barragem da UHE Fundão” foi motivado pela geração de calor oriundo da reação da hidratação
do cimento, que pode provocar níveis de tensão e afetar a integridade da estrutura. Foram
utilizados no trabalho 1.100m de cabos óticos
e feitas medições de temperatura em 370 pontos. “Nenhum indício de infiltração foi detectado nessas leituras”, relata o engenheiro Paulo
Alexandre de Oliveira, do Lactec.
Outro trabalho interessante citado pelo relator é a “Reativação de PCHs Históricas pela
Fundação Energia e Saneamento”. As usinas localizadas nas cidades de Rio
Claro, Brotas, Santa Rita
do Passa-Quatro e Salesópolis, em São Paulo, foram
desativadas na década de
1970, e restauradas, conforme as características
originais do patrimônio
histórico industrial. Os
imóveis registram a história da energia elétrica,
da industrialização e da
urbanização e estão localizados em área de corredor ecológico. “Essa é
uma forma de mostrar como é possível juntar a
preservação histórica, a geração de energia e
a preservação do meio ambiente”, diz Daniella
Líbio, representante da Fundação (ao lado).
36 correntecontínua
O uso de modelos reduzidos e matemáticos
e de outras ferramentas nos projetos também
foi defendido para resolver eventuais problemas
de engenharia. “O custo de um eventual reparo,
a busca de uma solução para uma ruptura, por
exemplo, é muitas vezes maior do que o gasto
adicional com um estudo
bem elaborado”, opina o
engenheiro Iramir Pacheco (ao lado). Os trabalhos
relatados tiveram como
objetivo contribuir para
a melhoria dos projetos
de engenharia como um
todo, arremata Pinheiro
Machado. “Em resumo,
é preciso investir mais na
implantação do empreendimento, para não ter que
investir mais durante a
construção, sem controle
e sem previsão.”
Contratos - Os regimes contratuais e a forma
de contratação de obras de pequenas e médias
centrais hidrelétricas foi o segundo tema de
destaque do Simpósio. Especialistas debateram
as particularidades e possíveis falhas dos tipos
de contratos utilizados. O assunto é considerado
delicado e um ponto de discórdia entre as partes envolvidas com este
tipo de empreendimento.
Carlos Augusto Blois
Pera (ao lado), relator do
tema, diz que as formas
de contratação que agradam um lado desagradam
o outro. “O grande problema é que os agentes financiadores e os investidores
institucionais gostariam de
ter um contrato de execução de empreendimento
a preço fechado, com todos os riscos embutidos, com todos os valores
fechados, de forma que não haja surpresa no
decorrer do empreendimento”, explica.
Para que isso fosse possível, os construtores e
os fornecedores teriam que assumir riscos muito
elevados e as consequências seriam o aumento
no valor do serviço ou, como acontece na maioria
das vezes, a existência de cláusulas no contrato
que limitam os riscos ou deixam a responsabilidade para ser discutida na ocasião da obra. “Ainda não foi encontrada a melhor solução quanto à
forma de contratação. Eu penso que os contratos
UHE Cajuru,
localizada
no Rio Pará,
município
de Carmo do
Cajuru (MG),
tem potência
instalada
de 7,0 MW
do tipo EPC (engenharia, projeto e construção)
estão com os dias contados. Esse tipo de contrato é factível quando se tem um projeto bem
detalhado, o que muitas vezes não acontece no
caso de PCHs”, acredita Blois Pera.
Cássio Vioti, presidente Honorário da Comissão Internacional de Grandes Barragens – Icold
(na sigla em inglês), opina que o objetivo do
engenheiro deve ser conseguir uma obra que
custe o mínimo possível e que atenda a todos
os requisitos de segurança. “Segurança envolve aspectos amplos, a segurança estrutural,
a segurança ambiental e a garantia de que o
empreendimento vai funcionar. Muitas vezes,
o empreendedor busca uma TIR muito alta, o
contratado também quer ganhar e isso pode
resultar em conflito.”
Convidado a participar das discussões, o
engenheiro e advogado Aldo Mattos, propôs a
aplicação da arbitragem em contratos de PCHs,
por meio de comitês de resolução de disputas
ou juntas de adjudicação. “Os conflitos entre
contratantes e contratados e entre contratados e
fornecedores são de natureza as mais diversas
possíveis, tais como projeto, condições do terreno, alteração no projeto, problemas de desapropriação, serviços não previstos no edital, desequilíbrio econômico-financeiro, paralisação de
obras, quebra de máquinas, atraso de entrega. E
a forma tradicional de resolver esses problemas
são os pleitos, que ensejam um embate, um confrontamento, na Justiça. Muitas vezes, para evitar atrasos, esses pleitos são apenas avisados e a
prova fática acaba enterrada, fica inacessível ou
os registros se perdem no tempo”, relata Mattos.
Vantagens da arbitragem - Uma forma de resolver controvérsias é a resolução extrajudicial,
muito comum na Europa e nos Estados Unidos,
que é a arbitragem. Isso é feito
com a nomeação de árbitros,
que são profissionais idôneos e
de confiança das partes, com
capacidade para deliberar
sobre a apuração de responsabilidades. “Com isso, evitase a morosidade da Justiça e
a resolução é relativamente
contemporânea ao conflito.
Se surgir uma controvérsia,
entram em cena os árbitros”,
explica Mattos (ao lado).
E como isso é feito? Por
meio de uma cláusula arbitral, quando o próprio contrato entre construtor
e proprietário ou entre construtor e fornecedor
estabelece que as controvérsias sejam resolvidas por meio da arbitragem. Essa cláusula
pode ir além e definir os árbitros ou nomear
uma câmara arbitral.
correntecontínua 37
A arbitragem tem o poder de fazer com que
sua sentença seja tão efetiva quanto a sentença judicial, com cumprimento obrigatório. No
Brasil, a arbitragem é regida pela Lei 9307/96,
chamada Lei Marco Maciel (ver box). Entre as
vantagens está a resolução do conflito por um
especialista como, por exemplo, um engenheiro
com especialidade em estrutura,
fundações ou pavimentação. Se o
problema for econômico, pode ser
nomeado um economista ou um
contador como árbitro.
Além da rapidez, outras vantagens são a confidencialidade,
a economia, a flexibilidade e a
cooperação. Ao final, os árbitros
lavram uma sentença que é de
cumprimento obrigatório. A lei diz
que a arbitragem é irrecorrível,
não tem segunda instância. Essa
é uma questão de hierarquia de direito, conforme o preceito da autonomia da vontade. “As
partes, ao nomearem a arbitragem, declaram
de comum acordo que vão resolver suas controvérsias de uma forma extrajudicial”, acrescenta Mattos.
Segurança - Um tema recorrente entre os
palestrantes foi a importância da atuação dos
órgãos fiscalizadores. Nos últimos anos, diversos acidentes com barragens foram constatados
no Brasil. Um dos que tiveram mais destaque
foi a ruptura da barragem da Usina Hidrelétrica
Espora, no sudoeste de Goiás, em 2008, que
rompeu-se parcialmente, causando isolamento de cidades, alagando fazendas e trazendo
prejuízos ambientais e materiais. Também em
2008, a barragem da PCH Apertadinho, em
Rondônia, sofreu uma ruptura de 60m, alagando fazendas e causando o assoreamento do Rio
Comemoração.
No episódio mais recente ocorrido no País,
em maio de 2009, o rompimento da barragem
de Algodões, no Piauí, deixou 11 mortos e duas
mil famílias desabrigadas. As águas chegaram
a 20m de altura e arrastaram casas e árvores,
inundando 50km da cidade de Cocal da Estação. A energia elétrica da cidade foi cortada
porque dezenas de postes de iluminação foram
arrastados, causando risco à população. As lavouras da região foram destruídas e dezenas
de animais de criação, como vacas, bodes e
porcos, morreram. Toda a água represada pela
barragem, 52 milhões de litros, escoou sobre a
cidade, varrendo o vale do rio e deixando um
rastro de destruição e lama.
38 correntecontínua
“Na maioria dos incidentes e acidentes ocorridos no Brasil, é possível constatar a ocorrência de erros de gestão nas diversas etapas de
concepção, projeto, construção e operação”,
declara Carlos Henrique Medeiros, relator do
tema Segurança de Barragens (à esquerda).
Esses episódios demonstram a necessidade
da adoção de uma lei de segurança de barragens no País. O Projeto de Lei Complementar
nº 168 – PLC 168/2009, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens, visa
a suprir essa necessidade e tramita em caráter
terminativo, dispensando votação em plenário,
após ter sido aprovado pela Comissão de Infraestrutura do Senado Federal.
O senador e relator do projeto, Gilberto Goellner (DEM-MT), diz que falta apenas a aprovação de uma emenda para que seja enviado à
Mesa Diretora e posterior sanção presidencial.
“O projeto foi amplamente discutido com a participação de representantes de diversos órgãos
e agentes da sociedade, o que garante legitimidade ao processo”, declara.
“A lei define segurança de barragem como
a condição que visa a manter a sua integridade
estrutural e operacional, a preservação da vida,
da saúde, da propriedade e do meio ambiente,
além de definir os atores e suas responsabilidades”, diz Medeiros.
O texto original do projeto, de autoria do deputado Leonardo Monteiro (PT-MG), chegou
ao Congresso Nacional em 2003 e passou por
PCH Marmelos,
localizada às margens
do Rio Paraibuna,
em Juiz de Fora (MG),
foi a primeira hidrelétrica
destinada ao serviço público
de energia elétrica
no Brasil, em 1889,
a Usina tem potência
de 4,0 MW
várias versões preliminares até chegar à versão
definitiva. O texto garante os padrões de segurança, ampliando os poderes dos órgãos de fiscalização e definindo as obrigações e responsabilidades dos proprietários com a construção
e manutenção, além de criar um sistema de
classificação de barragens segundo o risco e o
dano potencial a elas associados.
“Barragem é uma das estruturas de maior
risco na engenharia, por isso devem ser planejadas, projetadas e construídas tendo como
premissa a obtenção de estruturas seguras, sob
o ponto de vista da engenharia e do meio ambiente”, acrescenta Medeiros.
Cerca de 40 países adotam programas de
segurança de barragens, entre eles Suécia,
Suíça, Canadá, EUA, Reino Unido, Holanda e
Espanha. Nesses países, o índice de acidentes está dentro do considerado tolerável – um
acidente em dez mil barragens por ano. Já no
Brasil, que ainda não adotou uma política de
segurança, ocorre um caso para 250 barragens
por ano.
Licenciamento - Marco legal e Licenciamento Ambiental foi o tema de encerramento do VII
Simpósio sobre Pequenas e Médias Centrais
Hidrelétricas, promovido pelo CBDB. O relator
do tema foi o engenheiro Vilson Christofari, presidente da Companhia Energética de São Paulo
– Cesp, que tratou das questões que abrangem
as dificuldades durante e após o licenciamento,
os empreendimentos de baixo impacto ambiental, assim como os procedimentos simplificados
de licenciamento ambiental. “Vários textos de
lei citam as PCHs, mas se procurarmos alguma
lei que define o que é PCH, nós não vamos encontrar. Não existe uma definição legal do que
seja uma PCH”, diz Christofari (abaixo).
A Resolução nº 652 da Aneel, de 9 de dezembro de 2003, define como principais “características de PCH” a potência menor ou
igual a 30 MW e a área do reservatório menor
que três km². Se a área do reservatório for maior, é preciso
fazer a especificação do reservatório em função de outros
objetivos, como a regularização de rios, evitar enchentes
e secas ou propiciar o abastecimento de água para núcleos
urbanos. Há outras limitações
para reservatórios com área
de até 13km². Os principais
incentivos disponíveis para os
investidores de PCHs ou usinas de médio porte são os recursos financeiros do BNDES, bem
como o Proinfa e a Conta de Desenvolvimento
Energético – CDE.
PCHs são consideradas uma unanimidade
para os ambientalistas, juntamente com outras
fontes alternativas como eólicas e biomassa,
quando comparadas a outras fontes de produção de energia. “Entretanto, na hora do licenciamento, a dificuldade é semelhante às dificuldades enfrentadas por usinas de grande porte,
e bem maiores do que as exigências para instalar uma termelétrica, por exemplo, com todos
os problemas que causa”, acrescenta o relator.
O Brasil possui uma tecnologia em construção de barragens e hidrelétricas reconhecida
mundialmente, mas que não deve permanecer
estática. “É preciso ter momentos como este
Simpósio para debater esses temas e aprimorar
e consolidar posições já conquistadas”, conclui
Fabio De Gennaro.
No próximo ano, o CBDB completará 50
anos de atividades na busca de alavancar o
desenvolvimento e integrar os profissionais que
trabalham com estudos de engenharia, projetos
e construção de barragens, além de aprofundar
e discutir as experiências técnicas. E o próximo grande evento a ser realizado promete extrapolar fronteiras. “Em 2011, vamos organizar
um seminário nacional de grandes barragens,
juntamente com um simpósio internacional de
barragens de enrocamento em parceria com a
China”, anuncia Erton Carvalho.
correntecontínua 39
Corrente Alternada
A hora e
a vez da
energia
eólica
Byron de Quevedo
Se noutras terras os ventos causam furacões,
aqui, tirando telhas arrancadas e outras molecagens de rodamoinhos infantis, eles sempre
foram sinônimos de iluminação. Há cinco séculos impulsionaram as caravelas portuguesas
para o nosso descobrimento, tirando-nos da
escuridão dos séculos. Depois vieram os ventos
da liberdade para os colonizados e, mais tarde,
para os escravos. Agora novamente eles varrem
a terra livre, só que para gerar outro tipo de luz
libertadora das trevas do subdesenvolvimento:
a elétrica, num momento em que fontes alternativas se juntam ao potencial hidrelétrico brasileiro para constituir um dos mais consistentes
sistemas elétricos do planeta.
Oportunamente, uma audiência pública
com todos os atores envolvidos com a energia
eólica no Brasil ocorreu na Comissão de Ener-
gia da Câmara dos Deputados, no dia 18 de
maio de 2010, tendo como foco a análise dos
bem-sucedidos leilões da Agência Nacional
de Energia Elétrica – Aneel, em dezembro de
2009, que contrataram 1.805 MW dessa fonte
energética. O resultado desses leilões foi um
total de 441 projetos divididos em dez estados brasileiros. A Região Nordeste ficou com
72% deles, a maioria a serem instalados no Rio
Grande do Norte, Ceará e Bahia, e também no
Rio Grande do Sul. Foram habilitados 339 projetos e 71 foram vencedores, com deságios de
até 21,49% em relação ao preço inicial de R$
189,00/MWh, ficando o preço médio de venda
em R$ 148,39/MWh”.
Os parques custarão R$ 16 bilhões. Foi
opinião unânime entre os palestrantes que os
fatores de sucesso dos leilões foram, entre outros, os contratos de longa duração - 20 anos;
os financiamentos públicos; a possibilidade da
entrada em operação antecipada; e o evidente
socorro às economias das regiões Nordeste,
Sul e parte da Região Norte, permitindo a instalação de uma indústria permanente de equipamentos para matrizes eólicas.
O presidente da Associação Nacional dos
Consumidores de Energia - Anace, Carlos Faria
(ao lado), observou que,
do ponto de vista de segurança, a opção pela eólica
evitará sobressaltos, e na
ampliação do mercado
livre a escolha tem muitas vantagens. “Por isso
queremos ver as eólicas
saindo da condição de
energia de reserva para
ser contribuinte e fundamental para a matriz
energética brasileira. Com
ela, evitaremos o despacho de cargas de usinas térmicas, pagas pelo
consumidor brasileiro, que em 2009 girou em
torno de R$ 250 milhões e em 2010 será mais
cara ainda. Que sejam bem-vindos os leilões de
eólicas, mas precisamos ter consistência, pois
o sucesso deles dependerá de providências do
agente brasileiro em dar segurança ao investidor para ir ao mercado e apostar que é possível
se investir em energia eólica no Brasil”.
Financiamentos e insumos - Cada projeto
pode contemplar dois, três ou mais parques
eólicos. O BNDES aprovou projetos de energia,
de 2003 a 2011, com taxas de risco variando
entre 0,5 a 3,0%. Os investimentos em energia dobraram nos últimos quatro anos com
desembolsos de R$ 137 bilhões em 2009, e
já foram aprovados outros R$ 180 bilhões.
Luiz André, presidente da Área de Infraestrutura do BNDES, enfatiza que os projetos são
apresentados numa consulta prévia. Depois,
são avaliados por um conselho que verifica
se têm as condições básicas: garantias, perfil
e capacidade dos empreendedores, enfim, se
atendem às políticas operacionais do Banco.
“Atendidas essas condições, o projeto será
analisado mais profundamente. Os melhores
pontos para a instalação de eólicas estão no
Nordeste e na Região Sul, com perspectivas de
crescimento, pois há a possibilidade de se ter a
combinação da energia hidráulica a eólica. Na
proposta também deve constar a observação
que a matriz eólica terá, pelo menos, 50% de
componentes nacionais. O fato de termos seis
fabricantes de equipamentos eólicos no Brasil
42 correntecontínua
já ajuda muito nessa questão, reduzindo os
custos dos empreendimentos”.
Segundo Luiz André, o BNDES tem financiado grandes projetos energéticos eólicos e tem
capacidade para fazer novos financiamentos de
grande porte. “Os bancos privados participam
do setor eólico como repassadores de recursos do BNDES. Financiamentos eólicos a longo prazo de origem de bancos privados ainda
são poucos. Para a aprovação final, os projetos
deverão ter os problemas ambientais resolvidos
junto aos órgãos ambientais estaduais”.
Já o presidente da Associação Brasileira de
Energia Eólica - ABEEólica, Ricardo Simões,
reclama pelo fato de o Brasil ter indústrias de
laminação de aço, ferro gusa, ser exportador
de aço e os preços internos desses insumos
ainda serem altos. “A melhor forma de incentivar a competitividade e a deflação nos custos
Torres eólicas, nova atração turística do Nordeste
(Continua na página 44)
No Brasil, bons ventos
a favor da energia eólica
O diretor da Empresa de Pesquisa Energética – EPE,
Maurício Tolmasquim (foto), é fã da expansão das energias alternativas, principalmente as de fonte eólica.
Mas faz considerações que devem ser atendidas para
que esse tipo de geração se torne viável em curto prazo.
A EPE prevê a instalação, até 2019, de mais 14 mil
MW de energia alternativa no País, ou seja, “teremos o
equivalente a uma Itaipu advindo de fontes alternativas”, comenta entusiasmado. Confira a entrevista:
Quais os ganhos de preços obtidos
com os últimos leilões de usinas eólicas?
O sucesso dos leilões das eólicas foi coletivo e a Câmara dos Deputados deu enorme contribuição ao pôr o
tema em debate. Fui apenas um instrumento de mediação. Teremos um marco em 2010: este será um ano histórico para a energia eólica no Brasil pela quebra de paradigmas. Dizia-se ser esta uma energia ecologicamente
correta, mas muito cara para o consumidor final, e o
leilão, ao atrair muitos competidores, provocou imediata
queda nos custos. Pagava-se, a preços reajustáveis, em
torno de R$ 270,00 o MWh. No leilão contratamos por
volta de R$ 148,00 o MWh, um valor já bastante próximo
das energias de fontes hídrica, térmica e da biomassa. A
hidroenergia ainda é a mais barata, mas reduziu-se muito a distância histórica de preços em relação às outras.
Isso sinaliza mais competitividade
nos próximos leilões?
O Brasil investiu no setor e conseguir fazer a energia
eólica competitiva. Com
relação aos quantitativos,
já está marcado para o
segundo semestre deste
ano outro leilão de fontes alternativas – eólicas
e biomassas, principalmente a oriunda do bagaço de cana. A demanda
será repartida entre essas
fontes. Faz todo sentido
dar espaço, por exemplo,
à cana-de-açúcar, pela
grande produtividade de
etanol, com eficiência no
aproveitamento dos subprodutos dessa indústria em outros setores da economia. Pela ordem, teremos a energia
hidráulica em primeiro lugar; em segundo lugar, a eólica;
em terceiro a biomassa; e depois vêm as demais. Quanto
mais produtores de determinada fonte de energia, mais
competição e melhores preços para os consumidores.
Quais as perspectivas
da indústria eólica no Brasil?
Temos hoje seis produtores de equipamentos eólicos
no Brasil. E a coisa vai num círculo virtuoso: quanto mais
empresas no campo das eólicas, mais produção, maior variedade de equipamentos e menores preços. Em relação
ao volume de contratações e a consequente produção de
equipamentos para atender a essa demanda, precisamos
observar a capacidade de produção das empresas. É importante se ter constância. Os fabricantes nos têm dito ser
mais importante ter períodos moderados de contratações
do que ter momentos de grandes aquisições de equipamentos e depois simplesmente a demanda acabar. É me-
lhor ir fazendo as aquisições aos poucos e ter sempre a indústria mantendo a sua produção.
A indústria eólica vem ganhando grande complexidade.
Como tirar proveito disso num sistema
de menor lance como o dos leilões?
O modelo de contratação é pelo menor preço. Já pensamos em usar outro modelo de compra, mas ainda parece
adequada essa forma, pois queremos aproveitar o que cada
região tem de abundante e a alta competitividade da indústria de equipamentos eólicos. As regiões Nordeste e Sul têm
boas quantidades de ventos, então é natural que nelas se
trave grande competitividade para a instalação de eólicas.
Já São Paulo é farto nas sobras de biomassa, então é natural que a competitividade se trave lá para a exploração do
bagaço de cana para fins energéticos. Já a Região Norte é
abundante em rios o que a torna competitiva em hidroenergia. Ou seja, cada região mostra as suas vantagens competitivas em relação a outras e isto tem que ser aproveitado em
benefício do País.
Qual a importância de se formar
estoques de energia de reserva?
Energia de reserva é apenas um título. É aquela energia que
sobra, quando a distribuidora já atendeu a toda a sua demanda, mas o governo, por uma questão de segurança, pretende
contratar a mais, aproveitando-a. Não é uma energia que a
distribuidora está contratando, mas um encargo pago por todos aqueles que dependem daquela energia. Pois, quando
o Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS vai operar,
não quer saber se a energia foi contratada pela distribuidora
ou não, ele faz circular a energia a partir daquelas fontes de
energia mais baratas: a hidrelétrica, a eólica e a da biomassa,
e só depois ele entra com as térmicas. É importante termos
energia de reserva, pois damos tempo para que as águas se
acumulem nos reservatórios.
correntecontínua 43
é permitir que o fabricante de torres eólicas no
Brasil possa importar as placas metálicas. Até se
pode importar, mas o problema é que, para se
obter o financiamento do BNDES deve-se manter um determinado índice de nacionalização.
Sugerimos que esse índice já seja atendido com
a fabricação da torre no Brasil, tendo a placa
nacional ou a importada. Assim teríamos uma
adequação dos custos e a manutenção da qualidade em patamares internacionais. Temos uma
indústria competente, aplicada e já fabricamos
as peças sobressalentes, geradores, cabeamentos, transformadores, chaveamentos, cabos,
disjuntores, postes e todos os equipamentos
necessários para a fabricação e instalação das
torres eólicas. Quando importamos as placas o
custo das torres cai pela metade em relação ao
material exclusivamente nacional. Se esse critério for modificado, os deságios apresentados
nos leilões seriam ainda maiores, assim como o
preço da energia gerada”, enfatiza.
Para o diretor executivo da ABEEólica, Pedro
Perreli, a indústria eólica brasileira está num
momento de criação de mercado. “O Brasil é
(Continua na página 46)
Eletrobras Eletronorte está
em empreendimentos de 162 MW
Após participar do leilão de energia eólica realizado em
dezembro de 2009 pela Aneel, participando do Consórcio
Brasil dos Ventos, a Eletrobras Eletronorte (24,5%), e Eletrobras Furnas (24,5%), em parceria com as empresas privadas
Bioenergy e J.Malucelli (51%), vão construir quatro centrais
geradoras eólicas no Estado do Rio Grande do Norte: Aratuá I
(14,4 MW) e Miassaba III (50,4 MW), na região de Guamaré;
e Rei dos Ventos I e Rei dos Ventos III, com 48,6 MW cada,
em Galinhos, totalizando 162 MW que serão gerados a partir
de julho de 2012. Serão quatro Sociedades de Propósito Específico - SPEs, com concessão para 20 anos.
No momento, estuda-se a conexão elétrica desses parques
à rede básica do Sistema Eletrobras Chesf e ao sistema de distribuição estadual. Também estão sendo analisadas propostas
dos fabricantes de turbinas, que gerem mais com menores
custos de instalação, operação e manutenção. Definidas as
rotas dos sistemas de transmissão e as turbinas, serão feitos
os estudos fundiários, ambientais e arqueológicos ao longo
das linhas e nas bases das torres.
Segundo o gerente de Análise Estratégica da Expansão da
Eletrobras Eletronorte, Jorge Curi Sadi (foto), o sucesso dos
leilões de eólicas de 2009 se deveu, também, ao Plano Decenal de Expansão de Energia 2008-2017, que aumentou de
1% para 4% a participação da geração alternativa na matriz
energética nacional, em contrapartida
ao acréscimo de participação da geração térmica de 12% para 18% no período avaliado (ver matéria na página 60).
De acordo com Curi, fatores como
os requisitos em atendimento aos itens
de desempenho dos procedimentos
de rede do ONS, no caso de conexão
à Rede Básica do Sistema Interligado
Nacional - SIN, e aos sistemas de distribuição; o fornecimento de histórico
de medições contínuas de velocidade e
da direção dos ventos em altura mínima
de 50 m por período não inferior a 12
44 correntecontínua
meses consecutivos no local do parque; a certificação das
medições anemométricas da central eólica por um ano; e
a comprovação junto à EPE de que a empresa certificadora
tinha realizado, nos últimos quatro anos, certificações de
dados de medição dos ventos e de geração eólica de projetos em construção ou em operação, eliminou do certame
parte dos projetos cadastrados.
Carbono – Curi lembra que as diretrizes também orientavam sobre a obtenção de créditos oriundos do Mecanismo
de Desenvolvimento Limpo (MDL). “No caso do Consórcio
Brasil dos Ventos, foi avaliada como premissa operacional
a receita pela venda de créditos de carbono, do início de
operação comercial das usinas até 2022, ao preço de US$
15,00 por tonelada de CO2. Remuneração fixa pelos megawatts gerados ou não. Há sempre certa incerteza sobre
a produtividade de cada parque gerador. Os Contratos de
Energia de Reserva (CER), para efeitos de contabilização,
foram subdivididos em cinco períodos de reconciliação
quadrienais (ajuste da quantidade de energia contratada
em função da produção de energia eólica verificada), permitindo uma faixa de tolerância para desvios na produção
anual de energia elétrica. Dentro dessa tolerância, são permitidos desvios na produção média anual efetiva de até
10% a menor (margem inferior) e de
até 30% a maior (margem superior)
em relação ao valor anual de suprimento contratual. De acordo com a
metodologia, o comprometimento de
cada agente gerador é obtido pela
contratação da energia eólica produzida, por quantidade, e sua penalização caso a produção fique abaixo do
valor contratado, considerando-se a
margem de tolerância acordada.
Antecipação - As usinas foram
leiloadas no Ambiente de Contra-
tação Regulado – ACR, para início de suprimento de
energia em 1º de julho de 2012. As usinas criaram a
necessidade de construção de três estações coletoras na
Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte, para atendimento
aos 780 MW de capacidade instalada em energia eólica
contratada. As estações coletoras de Igaporã (BA), Acaraú (CE) e João Câmara (RN) serão leiloadas pela Aneel
em outubro de 2010.
A antecipação da entrada em operação de um empreendimento depende de uma série de fatores que envolvem
não só os prazos de entrega dos fabricantes dos equipamentos, mas, ainda, a sua capacidade de produção e as
encomendas de outros agentes geradores. Além disso,
existem as questões fundiárias, ambientais e de adequação e reforços nos pontos de conexão; e os aspectos meteorológicos que dificultam as obras civis, o levantamento
das torres e o içamento dos aerogeradores, que devem
ser feitos em época de ventos brandos. “Para antecipar
a vantagem, a venda da energia é antecipada temporariamente no Ambiente de Comercialização Livre -ACL, como
receita adicional ao projeto. Antes da data contratual de
suprimento, os empreendimentos necessitam de conexões individuais na rede básica ou nas subestações das
concessionárias locais. As empresas que se cadastrarem
para conexão nas Instalações Compartilhadas de Geração
– ICG (subestações coletoras), só deverão iniciar seu suprimento na data contratual do leilão”, explica Curi.
Fotos: Jorge Curi
correntecontínua 45
o segundo maior produtor mundial de pás. O
País tem história na construção de equipamentos pesados, desde a época da indústria naval e
da indústria hidroenergética. Grandes turbinas
hidráulicas em operação em nossas barragens
foram fabricadas no Brasil. Mas
para se fabricar aerogeradores
aqui, tem de se criar um mercado
para dar sustentação à indústria,
com bases econômicas”.
Perreli (ao lado) afirma que as
eólicas estão em plena sintonia
com o espírito preservacionista,
observando que aerogeradores não
gastam água para refrigeração e
não interferem no meio ambiente.
Principalmente porque, num parque eólico, eles ocupam apenas de
2% a 3% da área total da planta. Acrescentase ainda o fato de que, por não utilizarem gases
combustíveis, também não provocam poluição
e nem efeito estufa. “O Ministério de Minas e
Energia deve redirecionar os investimentos porque a energia eólica é plenamente complementar à energia hidráulica (ver matéria na página
60). Temos hoje um grande potencial na bacia
amazônica que pode ser explorado por usinas a
fio d’água com poucos impactos ambientais e
sem formações de grandes lagos. Portanto, os
regimes hidrológicos dos rios são complementares aos regimes de ventos, por exemplo, ou seja,
quando os rios baixam de volume as correntes
de ventos estão em alta, e vice e versa.”
Litoral do
Nordeste é
ideal para
fazendas
eólicas
46 correntecontínua
Aves migratórias – O maior temor dos ambientalistas em relação às usinas eólicas é a possibilidade delas alterarem as rotas das aves migratórias. Quanto a esse fato Pedro Perreli relata
que, nos Estados Unidos, dono do maior parque
eólico do mundo, com 38 mil MW, se pesquisou
detalhadamente, de 2006 até 2008,os 40 fatores pelos quais os pássaros morriam em sua trajetória pelos continentes. E, surpreendentemente, as matrizes eólicas ocuparam o 25º lugar na
lista. O primeiro fator são as vidraças: eles se
chocam contra elas e morrem.
“As hélices funcionam abaixo das alturas
que sobrevoam a maioria das aves migratórias: gansos, cisnes, marrecões, andorinhas,
andorinhões. Uma revoada deles quando longe da lagoa de pouso ou de pernoite, acontece
sempre acima de 150 m de altura, e as torres
mais altas têm 100 m ou um pouco mais. O
morcego foi o único animal voador prejudicado
pelos parques eólicos, porque existe a interferência entre a vibração sonora do aerogerador
e os ‘radares’ desses mamíferos voadores. Na
índia e em alguns países da Europa, em regiões
de morcegos que se mudam de cavernas para
cavernas, as eólicas podem causar problemas.
Na cidade São Paulo, por exemplo, o morcego
ajuda a reprodução do cupim. Então, lá é inviável se instalar um parque eólico.
Mesmo numa situação de ventos anormal,
com as pás girando em grandes velocidades,
não se registra o tal efeito vidraça na ponta de
hélices, o que poderia confundir os pássaros. É
verdade que a velocidade das pontas das pás
é elevada, mas elas são equipadas com freios.
As hélices giram a 25 rotações por minuto, portanto, a baixa rotação. Elas só gerarão efeitos
oculares se girarem na faixa de 50 a 70 rotações por minuto, o que não é o caso dos aerogeradores porque o raio da pá é muito grande.
O problema está na velocidade angular e não
na velocidade periférica. Uma curiosidade: um
grande exterminador de aves migratórias ou locais são os gatos domésticos, quem diria?
Empresa faz
estudos no Maranhão
Em 2007, a Eletrobras Eletronorte fez uma
Chamada Pública para seleção de parceiros
interessados na implantação de empreendimentos de geração eólica. Em seguida,
assinou um Termo de Compromisso com a
empresa EDRB do Brasil Ltda. para elaborar
o estudo de viabilidade de uma usina eólica
a ser instalada no Estado do Maranhão.
Depois de obter a licença ambiental para
a instalação da torre de medição, emitida
pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente, foi instalada, em março de 2010, pela
Eletrobras Eletronorte, no município de Tutóia, uma torre de 90 m de altura para fazer
as medições dos ventos, com investimentos de cerca de R$ 100 mil.
A instalação dos equipamentos de medição atmosférica (velocidade e direção
do vento; temperatura, pressão, umidade
relativa), foi feita pela EDRB, em maio de 2010, com
investimentos próximos aos da torre e teve início, então,
o registro dos dados de ventos.
Assim como ocorre com uma hidrelétrica, que precisa passar pelos estudos de inventário e viabilidade,
as usinas eólicas também precisam ter registrados os
dados dos ventos – sazonais, dependendo das estações
do ano, e variando como um rio que tem seu período
de seca e de cheia -, numa determinada região por um
período de um ano no mínimo.
Por enquanto, os dados indicam que o local escolhido, a cerca de um quilômetro do litoral maranhense, é
apropriado à instalação de uma usina eólica, cujo projeto deve ser apresentado à Aneel em 2011.
correntecontínua 47
Meio Ambiente
Érica Neiva
Antes da instalação de uma usina hidrelétrica é realizada uma série de estudos para diagnosticar se o empreendimento é viável do ponto
de vista técnico, econômico e socioambiental.
Desde o final de 2009, a Eletrobras Eletronorte
realiza os estudos de viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico Marabá, nos rios Tocantins
e Araguaia, na região conhecida como Bico
do Papagaio; que envolve os estados do Maranhão, Pará e Tocantins. Aliás, Tocantins é
uma palavra indígena que significa bico de papagaio. Esses estudos contemplam a área de
engenharia, envolvendo projeto das estruturas
do aproveitamento, incluindo a barragem, as
unidades geradoras e a delimitação da área do
reservatório; e a análise econômico-financeira,
com levantamento dos custos de implantação
do empreendimento.
Abrangem também o Estudo de Impacto
Ambiental – EIA e Relatório de Impacto Ambiental - Rima, constituídos por diagnóstico
socioambiental, no qual são estudados as
rochas, os solos, as águas, a vegetação, os
animais, as atividades sociais, econômicas e
culturais das populações; a avaliação dos impactos socioambientais associados ao empreendimento; o prognóstico ambiental, no qual
são apresentados os cenários da região com
a implantação do empreendimento; e o planejamento dos programas e ações destinados
a eliminar, reduzir ou compensar os impactos
negativos e maximizar os benefícios do empreendimento.
Compreendem ainda, o estudo antropológico das populações indígenas para conhecer
as comunidades da região, suas relações com
a população não indígena e interações com
o meio ambiente; a avaliação dos impactos
da implantação do empreendimento, e medidas para mitigação e compensação desses
impactos.
Depois de concluídos, os estudos são submetidos à análise e avaliação dos órgãos competentes. Na sequência são realizadas audiências públicas pelo Ibama, nas quais são ouvidas
as comunidades envolvidas. De posse do resultado de todo esse processo, o Ibama decidirá
ou não pela viabilidade ambiental do empreendimento. Considerado ambientalmente viável, o
órgão emite uma licença prévia que permite a
continuidade dos estudos até as licenças para
a construção e operação.
Os estudos
que decidem
sobre a viabilidade
de usinas hidrelétricas
48 correntecontínua
correntecontínua 49
Técnicas modernas – Na área de engenharia são feitos estudos de relevo, condições hidrológicas e geológicas. Analisa-se o leito do
rio, onde passa o canal principal do reservatório, sempre levando em consideração aspectos
econômicos, ambientais e energéticos, tentando diminuir ao máximo os impactos. “Já definimos o eixo
do reservatório. Os rios pequenos que nascem no local
poderão ser desviados por um
canal direcionado à jusante
da barragem. Também estamos estudando uma forma de
proteção à ferrovia que passa
paralela ao rio”, esclarece o
engenheiro de Projeto e Construção da Eletrobras Eletronorte, Habib Salum (foto).
As técnicas e equipamentos nos estudos da engenharia
estão cada vez mais modernos. Na área de cartografia,
por exemplo, há muitos anos
se fazia um tipo de mapeamento chamado fotogrametria - utilização de
fotografias aéreas. Hoje, no entanto, há técnicas de mapeamento a laser, por radar, imagens
de satélites, Sistema de Posicionamento Global
– GPS e de softwares específicos. “A evolução
tecnológica é muito grande. Hoje é bem mais
fácil e rápido saber como é a ocupação do solo
50 correntecontínua
e, consequentemente, os custos de futuras desapropriações. A modernização gera maior confiabilidade, rapidez e precisão nos dados. Antigamente, a logística para se chegar ao campo
era muito complexa. Hoje, a tecnologia nos permite refinar os resultados, dando-lhes precisão,
não apenas em cartografia, mas em hidrologia,
geologia e demais estudos”, analisa Habib.
Meio ambiente - Normalmente, em estudos de inventário e viabilidade a Eletrobras
Eletronorte trabalha em parceria com o setor
privado, envolvendo o seu corpo técnico e
consultores e profissionais de outras instituições para realizar os diagnósticos ambientais
e avaliações de impacto ambiental. Em função
de cada empreendimento estudado é feito o
prognóstico com as medidas mitigadoras ou
compensatórias, e a formulação de programas
ambientais.
A Empresa acompanha todos os estudos
desenvolvidos pelos consultores, faz o acompanhamento junto aos órgãos ambientais responsáveis pelo processo de licenciamento, participa da elaboração, discussão e propostas dos
estudos e das audiências públicas em que as
comunidades são ouvidas. No início, a viabilidade segue um termo de referência emitido pelo
órgão ambiental, que contém as orientações
e exigências que devem constar no estudo. O
termo dá um enfoque maior para determinada área de acordo com a importância daquele
tema na região.
São aspectos relacionados ao clima, vegetação, fauna, ictiofauna, qualidade da água, relevo, morfologia, socioeconomia, cultura, patrimônio histórico e cultural. O termo de referência
contempla também os estudos do meio abiótico
(geologia, geomorfologia, solos, águas, entre outros), meio biótico (fauna em geral, fauna aquática, terrestre e alada), o meio socioeconômico
(os modos de vida e a socioeconomia das comunidades).
São solicitadas, ainda,
quatro campanhas para
icitiofauna,
limnologia,
qualidade da água, vegetação e fauna, abrangendo todo um ciclo com
duração de um ano: enchente (novembro e dezembro), vazante (junho),
cheia (março e abril) e
seca (setembro).
Segundo Silviani Froehlich, (ao lado) superintendente de Meio
Ambiente da Eletrobras Eletronorte, “em 2007
começaram as discussões do termo de referência com o Ibama sobre o Aproveitamento
Hidrelétrico Marabá. O órgão solicitou que se
fizessem reuniões públicas antes da emissão
Em terra,
rios e lagoas,
a coleta do
material a
ser estudado
correntecontínua 51
do termo de referência. As reuniões públicas
foram feitas em Marabá, São Pedro da Água
Branca e Araguatins. Antes, a população ia
para a audiência pública sem conhecer os detalhes do empreendimento. Hoje, todo o processo mudou e a sociedade também se mobiliza de forma diferenciada. A população está
muito mais participativa. Estão sendo exigidos
mais esclarecimentos e informações, inclusive
um detalhamento maior dos planos, programas
e projetos. Esse contato com as populações, sejam elas ribeirinhas, indígenas ou quilombolas,
é um aprendizado que vamos acumulando ao
longo do tempo. E, realmente, o conhecimento
e a sabedoria das pessoas têm surpreendido e
trazido valiosas colaborações”.
Ecossistemas aquáticos – A área de ecossistemas aquáticos envolve os estudos de limnologia, qualidade da água e ictiologia. No Aproveitamento Hidrelétrico Marabá são em torno de
40 pontos de coleta na superfície, no meio e no
fundo dos rios Araguaia e Tocantins.
A limnologia (foto abaixo) compreende o
conhecimento da vegetação (flora) aquática:
macrófitas (vegetação geralmente flutuante
dos rios e lagoas, tipo aguapé); fitoplancton
(organismos do tipo algas do fundo dos rios
e lagoas); perifiton, epiliton, epipelon e epifiton (organismos microscópicos geralmente
fixados no fundo dos rios e lagoas). Deve-se
analisar ainda o zooplancton (invertebrados),
pequenos animais aquáticos que flutuam nos
cursos d’ água, insetos, conchas e vermes que
vivem no fundo dos rios e lagoas.
Os estudos de qualidade da água referemse à parte físico-química (pH, quantidade de
oxigênio na água, análise microbiológica, bacteriológica e quantidade de clorofila). “Temos
quatro pontos chamados nictemerais, escolhi-
As várias Marabás
Ao se chegar a Marabá (PA) é comum ouvir as seguintes denominações para a cidade: Velha Marabá
(foto), Nova Marabá e Cidade Nova. É mais complicado ainda para quem não é da cidade se deparar
com várias pontes entrecortando o perímetro urbano.
O biólogo e presidente da Casa da Cultura de Marabá, Noé Von Atzingen, explica a origem dos vários
termos para um mesmo local: “A Marabá inicial é a
Velha Marabá que começou na foz do Rio Itacaiúnas
com o Tocantins, numa ponta conhecida como Cabelo Seco, no final do século XIX. Com as enchentes
cíclicas que acontecem começaram a se formar pequenos núcleos populacionais, um deles foi a Nova
Marabá, e o outro a Cidade Nova. Na década de
1980, houve uma proposta de transferir a Velha Marabá para a Cidade Nova devido às enchentes. Muitas famílias mudaram, mas quando o verão chegava
todo mundo voltava para a margem do rio. A ideia
de transferir a cidade para uma parte mais alta não
deu certo por conta deste envolvimento das pessoas
com o rio. A cidade é toda entrecortada pelos rios
Tocantins e Itacaiúnas, e ligada por várias pontes. Na
verdade, é uma mesma cidade dividida pelos rios.
Todos os núcleos têm vida própria”.
Marabá é um nome indígena que quer dizer mestiço. Para o biólogo Noé (ao lado), que há 34 anos saiu
de São Paulo rumo à cidade, o significado de Marabá
tem a ver com diversidade étnica e cultural. “Aqui tem
gente de todas as cidades, cores, credos e origens, por
conta dos grandes fluxos migratórios que sempre caracterizaram a região. Desde o início, com o ciclo da
borracha, vieram, por exemplo, muitos nordestinos.
Depois, com o diamante, cristal, castanha, madeira e
criação de gado a população continuou a crescer, fato
que só aumentou com grandes projetos como a Tucuruí, Carajás e Serra Pelada. Apesar dos problemas,
dos para a coleta durante 24h: um é na calha
do Tocantins, onde há confluência do Tocantins com o Araguaia; outro é a montante da
confluência, antes dos rios se juntarem; o terceiro a montante do Araguaia e outro nas lagoas marginais que se formam principalmente
na margem direita do Tocantins na época das
cheias. São nove lagoas como ponto de coleta,
sete na área do reservatório e duas fora, para
analisar se há uma semelhança entre elas. Se
houver semelhança é positivo, pois se sabe
que não haverá perdas nesse ecossistema”,
explica o biólogo da Eletrobras Eletronorte,
Ralph Kronemberger Lippi (à direita).
52 correntecontínua
acho que Marabá acolhe muito bem as pessoas. É um
lugar de possibilidades onde qualquer cidadão de boa
vontade que queira construir algo, consegue”.
Presente e futuro - O município de Marabá possui, hoje,
mais de 200 mil habitantes. A economia gira em torno do
extrativismo mineral com a presença de várias siderúrgicas e
projetos de exploração conhecidos nacionalmente como Carajás, localizado nas proximidades. Sobre a possibilidade de
uma nova hidrelétrica na região, Noé comenta: “É comum
a opinião pública, sem saber da importância de uma hidrelétrica, dizer que é contra. Acho que temos que arrumar um
meio termo para essa questão. Todos usam energia elétrica.
A energia não é apenas para a nossa casa, é para a indústria
e, consequentemente, para os produtos produzidos e oferecidos por ela. Alegam que a energia vai alimentar interesses
de grandes empresas, o que, até certo ponto, é verdade. Mas
vamos usar como exemplo a questão mineral. O ferro que se
retira de Carajás é consumido por nós por meio dos produtos
derivados do extrativismo mineral. Espero que exista uma seriedade por parte do governo e das empresas, e uma participação popular e política sem extremismos. É fundamental a
existência de um processo informativo, em que todos saibam
o que está acontecendo”.
As coletas na área de limnologia são feitas com redes de poros bem pequenos, com
espessura de 20 micrometros para coletar a
parte vegetal – fitoplancton, e 50 micrometros
para coletar a parte animal - zooplancton. Há
amostras em que se têm apenas 24h para
analisar, caso contrário, altera-se o grau de
certeza, de acurácia do resultado. “Em alguns
pontos temos que fazer as coletas de barco
nos tributários. Ao voltar passamos as caixas
com as amostras para uma caminhonete que
segue para Marabá. Algumas análises são feitas lá e outras vão para São Paulo, onde o laboratório tem que recebê-las imediatamente.
correntecontínua 53
A comunidade
ribeirinha
acompanha os
trabalhos e
também repassa
conhecimentos
É uma logística que deve estar bem acertada
para não se perder amostras. Quanto às coletas de água, foi contratado um laboratório em
Marabá e outro em São Paulo. O estudo como
um todo trabalha com uma periodicidade de
seis em seis horas (limnologia) e, em alguns
casos, de hora em hora (qualidade da água)”,
esclarece Ralph.
No campo – Vem gente de muito longe para
trabalhar nos estudos de viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico Marabá. O geólogo da
54 correntecontínua
empresa Hidrobrasil, Serlecio Guilherme Pinz,
saiu do Rio Grande do Sul para coordenar técnica e administrativamente o projeto de ecossistemas aquáticos. Ele conta um pouco do
dia a dia em campo: “A rotina é intensa. As
equipes iniciam suas atividades sempre por
volta das 6h da manhã. A agenda do dia sempre é consolidada na noite anterior, discutindo basicamente itens sobre logística. Cada
equipe possui as suas lanchas para acesso
às lagoas e rios, tendo o apoio em terra de
caminhonetes 4x4 com a presença de outros membros da equipe que fazem a análise
imediata das amostras após a chegada das
lanchas. Como as distâncias entre os pontos
são muito extensas, geralmente o pessoal já
leva consigo lanches para o trabalho do dia.
O período é extenso, por exemplo, o pessoal
que coleta os peixes deve vistoriar as redes a
cada 6h num período de 24h, ou seja, todos
os dias os trabalhos ocorrem de dia e na madrugada”.
A equipe de estudos de ecossistemas aquáticos é formada por 11 técnicos que sempre
têm uma boa história para contar sobre o trabalho em campo. “O pessoal da ictiologia teve
de enfrentar uma sucuri de três metros em
determinado momento. Tinham colocado as
redes para captura em São Sebastião do Araguaia. Por volta das 2h da madrugada foram
fazer a vistoria e observaram que uma das redes estava sendo intensamente sacudida e, ao
recolher, viram que se tratava de uma sucuri
enrolada na rede. A cobra estava à procura de
alimento, no caso os peixes, e acabou ficando
presa. Os rapazes, com a opção de não matála, amarraram uma cinta de aço próximo à cabeça para segurá-la. Um segurava a cinta e outros três se debruçaram sobre ela e a rede para
soltá-la. Foi uma tarefa de 2h! A noite de lua
cheia ajudou na tarefa. Por fim, conseguiram
soltá-la e a cobra seguiu seu curso na noite”,
conta o geólogo Guilherme.
As jornadas em campo não são apenas executadas por pesquisadores. As comunidades
ribeirinhas são importantes parceiras nos estudos dos ecossistemas aquáticos. Elas colaboram com embarcações e auxiliam os técnicos
nos acesso às margens dos rios e lagoas por
meio de trilhas. Segundo o geólogo Guilherme
“é comum a interação com os moradores do
entorno, o que pode significar horas de convivência, tanto de dia como de noite”.
Equipamentos
modernos e
técnicas já
conhecidas
ajudam os
pesquisadores
História de pescador - O pescador Antônio Pereira de Jesus (abaixo), 49 anos, morador de Esperantina, no Estado do Tocantins,
explica um pouco do trabalho de apoio que
presta aos técnicos: “Desde novembro de
2009, auxiliamos os pesquisadores que estão fazendo os estudos. Quando fui para o rio
correntecontínua 55
com eles, as perguntas eram sobre os lagos,
os movimentos de pescaria. Os pesquisadores deixam o material em nosso depósito.
Acompanhei a equipe no processo de coleta
de água durante 24h, quando eles coletavam
amostras de hora em hora. Ajudo na procura
dos pontos de coleta e de apoio, já que conhecemos a região”.
Antônio nasceu no Maranhão e se mudou
para Marabá com 16 anos. Pescou cerca de
seis anos no lago de Tucuruí e há cerca de 12
vive com a família na região do Bico do Papagaio. “Pesco no Rio Tocantins. Vivemos da
pesca de curumatá, piabanha, jaraqui e acaranha. Temos roça de feijão, abóbora, melancia,
milho e café para consumo próprio. Saio às 4h
da manhã para pescar e retorno por volta do
meio-dia. Quando chego, saio para vender os
peixes e retiro parte da produção para o consumo. Às 15h voltamos novamente e, a depender
da situação, retornamos à meia noite. A quantidade de pesca depende do período do ano. No
verão é mais difícil. Na época de cheia pescamos cerca de 20 kg. Há dias, inclusive, que não
pescamos nada. O máximo que consegui foram
60 kg. Morar na beira do rio é o meu paraíso”,
afirma o pescador.
No povoado de Pedra de Amolar, a 14 km
de Esperantina, onde mora Antônio, é comum
ver mulheres pescadoras. Exemplo disso é a
sua esposa, a pescadora Maria Raquel Mendes da Silva. Neta de pescadores que já moravam na região do Tocantins, a paraense
Raquel explica a rotina: “Comecei a pescar
em 1983. Para completar arrumei um marido pescador, aí deu uma mariscada da boa.
Além de pescar, compro peixe para revender
e trabalho na roça. Aqui temos que enfrentar
tudo na vida, mas somos felizes, pois temos o
peixe e tudo o que plantamos dá”.
Ecossistemas terrestres – Nos estudos de
viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico Marabá os ecossistemas terrestres são estudados
pela empresa CNEC Projetos de Engenharia,
com sede em São Paulo. O objetivo desses estudos é reconhecer os diferentes tipos de vegetação terrestre existentes e o uso do solo, a
situação atual do desmatamento na região e vegetação remanescente. Eles se relacionam também com a fauna terrestre e aquática, como os
répteis (jacarés, tartarugas, cobras) e anfíbios
(sapos, rãs e pererecas); mamíferos terrestres,
botos e morcegos; e ajudam na identificação de
unidades de conservação e as áreas legalmente protegidas.
Estudos dos ecossistemas aquáticos analisam o ciclo de vida dos peixes
Os estudos de viabilidade de uma usina compreendem a ictiofuana, ramo da zoologia que estuda os peixes. No Aproveitamento Hidrelétrico Marabá estão sendo analisados os peixes dos rios Araguaia, Tocantins,
Itacaiúnas, Jacundá, Ubá, Gameleira e São Martinho.
São estudadas também as lagoas marginais, importantes fontes de alimentação para os alevinos, larvas e peixes depositados na época das cheias. Outro ambiente
analisado são as praias na época de estiagem, onde se
encontram várias comunidades de peixes. As espécies
mais encontradas são piabanha, mandi, candiru, curimbatá, jaú, poraquê, sardinha de água doce e jaraqui.
O biólogo Anastácio Afonso Juras (foto abaixo), que
trabalha na área ambiental da Eletrobras Eletronorte,
fala um pouco sobre a dinâmica dos peixes durante
os quatro ciclos de estudos: “Iniciamos os estudos em
dezembro, período da enchente. Nessa época os rios
aumentam sua vazão e os peixes começam a subir em
busca de tributários (córregos e rios que alimentam o
Rio Tocantins, servem de refúgio aos peixes e fornecem alimentação durante a desova) e de outros corpos
d’água acima das cachoeiras. Os peixes machos e fêmeas, em casais ou cardumes, sobem os tributários,
onde as águas das nascentes são límpidas. Desovam nessas áreas e depois
regressam para o leito do
rio na estação da vazante.
Os ovos crescem, transformam-se em larvas e depois em peixes, renovando
o ciclo da vida”.
Os técnicos utilizam apetrechos de pesca indicados
no termo de referência do
Ibama como malhadeiras,
espinhéis, tarrafas, arrasto de fundo e malhas especiais
para a obtenção de uma diversidade que deve ser conhecida antes da formação do reservatório. O peixe é
retirado das malhas, identificado com vários manuais,
entre eles, um livro que a Eletrobras Eletronorte publicou em 2004, bastante utilizado na comunidade científica.
Usa-se uma régua para medir o comprimento do peixe, coloca-se cada exemplar numa balança para pesar,
depois abre-se a barrigada para ver o estômago, o sexo
e o estágio de maturidade gonodal, que indica se o peixe está maduro ou imaturo para a desova. Retira-se o
estômago de algumas espécies que são guardados em
formol, para a identificação em laboratório da alimentação ingerida por eles. Isto permite fazer a relação com
a cadeia trófica do rio para saber se o peixe está comendo
larva, inseto, folhas, permitindo o conhecimento da cadeia
alimentar da espécie.
Para Juras, “as barragens em todo o mundo afetam os
organismos vivos, quer sejam aquáticos, terrestres ou alados. Estudos recentes têm muitas propostas de mitigação
e compensação. A principal delas é a educação ambiental
com a conscientização das pessoas de que o recurso aquático poderá servir de alimento ou renda com a formação
do reservatório, como o uso de estações de piscicultura,
preservação de lagoas marginais e construção de casas de
peixes. A interferência humana na natureza tem os seus
aspectos positivos e as alterações causadas podem ser mitigadas, compensadas, corrigidas de forma que o recurso
continue sendo usado pelas
populações ribeirinhas”.
Juras considera importante relatar o exemplo das
colônias de pescadores do
lago formado pelo reservatório da Usina Tucuruí, que
com técnicas simples de
higiene e conservação estão
aumentando a renda com a
produtividade de peixes. “No
reservatório de Tucuruí são
produzidas em torno de dez
mil toneladas de peixes por ano. Essa produção estava sendo
comercializada de forma primária, sem nenhum tratamento e
valor agregado. O preço do quilo era em média R$ 3,00. Nós
ensinamos os pescadores a ‘filetar’ o peixe, ou seja, a usar uma
faca, uma tábua de carne, pôr luvas, uma máscara, um gorro
e ter um freezer simples. Assim, o pescador tem um aproveitamento de 50% da carne, ou seja, com um peixe pesando três
quilos ele obteria um filé de um quilo e meio. Se fosse vender
o peixe in natura, sem o filetamento, ia conseguir R$ 3,00,
‘filetando’ consegue até R$ 7,00. Também ensinamos a fazer
marinado, embutido, defumado, com equipamentos simples e
caseiros e obedecendo às normas de higiene. Tudo isso foi feito em todas as colônias do lago de Tucuruí e as pessoas viram
que podiam aumentar a renda e melhorar de vida”.
(Continua na página 58)
56 correntecontínua
correntecontínua 57
De acordo com o coordenador de projetos
de Meio Ambiente da CNEC, Mário Vital (ao
lado), “os técnicos que executam os trabalhos
de campo são profissionais especialistas em
suas respectivas áreas de atuação
e que desenvolvem seus trabalhos de forma articulada com as
demais disciplinas que complementam os estudos ambientais.
Esses estudos são desenvolvidos
partindo-se de uma análise de
âmbito macrorregional na área de
abrangência regional; passando
para um nível regional na área de
influência indireta e municípios
envolvidos, até se chegar à área ao
redor do empreendimento, aquela
diretamente afetada”, explica.
Socioeconomia - Os estudos que envolvem
o meio socioeconômico (abaixo) têm como
finalidade conhecer o processo histórico de
ocupação da região na qual se insere um empreendimento, ressaltando os aspectos das
principais frentes de ocupação e povoamento,
as políticas governamentais de integração da
região ao País e um panorama geral das mobilizações sociais. “É feita a caracterização do
processo de evolução da rede de cidades da
região e dos diferentes sistemas que integram
Comunidade
indígena Parkatêgê
promove seminário
As terras indígenas possuem status jurídico especial,
por isso há artigo específico na Constituição Federal para
as comunidades indígenas e as terras tradicionalmente
ocupadas por elas. Tudo o que pode afetá-las direta ou
indiretamente recebe tratamento específico. O processo
de informação e consulta para a implantação de empreendimentos nessas terras é feito de forma lenta e gradual, por meio de canais de interlocução e de critérios de
relevância para a seleção de informação.
“Ao mesmo tempo em que é relevante inseri-las em
circuito de debates técnicos e políticos, há que se ter
cuidado para que a linguagem não seja um fator de exclusão. Assim, saber trabalhar os elementos essenciais
da informação de forma simples e clara é fundamental.
Com isso em mente, iniciamos os passos que antecedem os estudos elaborando um conjunto de informação acerca dos principais problemas que poderão advir
com a implantação do projeto para a comunidade. Esse
material tem por objetivo trabalhar as questões que
são relevantes, sob a ótica indígena, e que deverão ser
estudadas e respondidas ao término dos estudos. Ao
mesmo tempo, a participação da Funai dá a tonalidade
técnica e política. Outro ponto importante é que os estudos devem ser feitos por profissionais que conheçam
a realidade indígena e, preferencialmente, que sejam
conhecidos e reconhecidos pelos membros da comunidade”, afirma a antropóloga da Eletrobras Eletronorte,
Niviene Maciel (foto ao lado).
Segundo Niviene, “para o processo de construção do
consentimento é imprescindível a conciliação dos interesses empresariais e sociais. A capacidade de ampliar
a arena de negociações, aplicando-se critérios coletivamente definidos e formalmente consensuados é o que
a infraestrutura regional (sistema viário e de
transportes, energia elétrica, comunicações).
É fundamental conhecer a dinâmica econômica da região e dos municípios que compõem a
área de influência do empreendimento, ressaltando os aspectos referentes à estrutura produtiva; ao uso das terras; à estrutura fundiária;
à atividade pesqueira. Deve-se também ter informações sobre a dinâmica sociodemográfica
da região, levantando aspectos de condições
de vida da população, especialmente no que
se refere à educação, saúde, saneamento,
58 correntecontínua
gera ações favoráveis às
partes. O consentimento
somente acontece em espaço de inserção e participação. E a participação
ocorre se houver o reconhecimento das partes
envolvidas acerca da relevância de se manterem
abertas ao diálogo e ao
entendimento mútuo”.
Seminário - Três terras
indígenas estão sendo
estudadas no Aproveitamento Hidrelétrico Marabá: Sororó, Apinajé e Mãe Maria, esta última a única que
poderá ter parcela de seu território inundada. O projeto já
foi apresentado nas duas aldeias onde residem os Parkatêjê e os Kiykatêjê. “Foram conversas preliminares. A Funai ainda organizará reuniões para ouvir os grupos locais,
colher subsídios para realizar o acompanhamento e fazer a
consulta formal acerca da anuência da comunidade para
se realizar os estudos na terra. Atualmente, a dúvida está
circunscrita à anuência. Em princípio, a comunidade está
emprego e renda, e segurança. E ainda conhecer o patrimônio histórico, cultural, paisagístico, arqueológico, paleontológico e
as principais populações tradicionais”,
esclarece a coordenadora dos estudos socioeconômicos pela CNEC,
Ana Cristina Ablas (ao lado).
“Viabilizamos um estudo para propor soluções que sejam implantadas
de maneira adequada para as comunidades. Temos consciência
de que as populações podem ser
interessada em entender os impactos antes de se manifestar
sobre a anuência aos estudos”, esclarece Niviene.
Com esse objetivo, os Parkatêjê residentes na Terra Indígena Mãe Maria, município de Bom Jesus do Tocantins, no Estado do Pará, realizaram no final do mês de abril de 2010, um
seminário de esclarecimento e informação sobre o Aproveitamento Hidrelétrico Marabá. Foram convidados para o evento
a Eletrobras Eletronorte, Funai, Ministério Público, Ibama e
sociedade civil organizada.
Para o engenheiro florestal e assessor da comunidade Parkatêjê, Escraw Sompré (foto acima), “a Terra Indígena Mãe
Maria se encontra num lugar estratégico para o crescimento
regional. Aqui passaram os maiores empreendimentos regionais de Marabá – estrada de ferro, rodovia, linhões de transmissão. Temos as cidades chegando ao limite da comunidade
de maneira acelerada. Os empreendimentos trouxeram muita coisa boa, mas também trouxeram problemas. O objetivo
do seminário é fortalecer os nossos conhecimentos para que
tomemos uma decisão acertada sobre a permissão, ou não,
do estudo prévio. É importante sabermos do andamento do
processo, para que no futuro possamos tomar as decisões de
maneira consciente. Sabemos que somos pequenos no contexto. Moramos num local onde a melhor alternativa é interagirmos promovendo o diálogo, seja por meio de seminários ou
de outros eventos”.
impactadas. Em alguns casos precisam ser realocadas de onde vivem. Isto é um impacto e
uma questão relevante, por isso temos que
ter respeito e tratar todas as questões adequadamente. O caráter público das ações
em todo o processo gera um controle
social maior e a participação agrega ao
estudo informações que são relevantes
quando a usina estiver sendo construída”, analisa a superintendente de
Meio Ambiente da Eletrobras Eletronorte, Silviani Froehlich.
correntecontínua 59
Michele Silveira
Junho de 2010. O mundo inteiro volta os
olhos para a África do Sul. Você consegue imaginar aquele estádio que tomou conta dos telejornais nos últimos meses – o Soccer City – às
escuras na abertura da Copa? Talvez até dê pra
imaginar, mas que seria uma pena, seria. Vinte
dias antes do primeiro jogo, um dos principais
jornais de Joanesburgo – The Star - estampou
na manchete: “Uma nação. Uma TV. Uma lâmpada”. Mesmo com investimentos de R$ 711
milhões da Eskom, a companhia de energia do
país, o medo de um blecaute levou à recomendação aos moradores: no período do Mundial
cada casa deve deixar apenas uma televisão
ligada e uma lâmpada acesa.
Talvez pensar num blecaute na abertura da
Copa não seja tão traumático do que imaginá-lo
na estreia da seleção brasileira. E foi por pouco.
No dia 15 de junho, quando a camisa amarela
tomou conta do gramado na África do Sul, uma
série de quedas de energia elétrica no Estádio
Ellis Park, em Joanesburgo, atrapalhou a entrada de torcedores que foram ver o primeiro jogo.
Horas antes do início da partida contra a Coréia
do Norte, blecautes desligaram os aparelhos
que fazem a leitura do código de barras dos
ingressos. Com o problema, uma longa fila de
torcedores foi formada na porta do estádio. Um
dos setores das arquibancadas ficou às escuras
pouco antes da bola rolar. Durante todo o jogo,
os telões do estádio ficaram desligados.
Casos de queda de energia são comuns no
país. Há pouco mais de três anos o governo implantou um esquema de rodízio: todos os dias
cada região da África do Sul fica sem luz por
quatro horas. A principal fonte de energia dos
sul-africanos vem de termelétricas, abastecidas
com carvão.
Foto: Agência Senado
A complementaridade de fontes torna-se palavra de
ordem na evolução energética no Brasil e no mundo.
Mais que uma expressão técnica, representa geração
de energia com sustentabilidade socioambiental
Eólica - Esta reportagem começou com a
ideia de traçar comparativos entre as fontes da
energia protagonista do cotidiano. E no lugar de
dividir para comparar, foi preciso somar para integrar. Essa
é a estratégia dos especialistas, pesquisadores e técnicos
do setor. O presidente da Ventos do Sul, Telmo Magadan
(ao lado), lembra que há 15
anos, falar de fontes alternativas de energia era ‘coisa de
ambientalista’. Segundo ele,
a energia eólica é a que mais
cresce no mundo porque é
complementar à hidráulica.
“O Parque Eólico de Osório
tem 150 MW de potência,
com 75 torres com 100 m de
altura e pás de 70 m de diâmetro. É o que há
de mais moderno em geração eólica”, defende.
(ver matéria na página 40)
Uma das primeiras perguntas que vem à cabeça é: por que não se faz só geração eólica? A
resposta vem dos números. Apesar de promissora, a geração eólica ainda é cara. De acordo
com estudos do Ministério de Minas e Energia,
se toda a energia de Belo Monte tivesse de ser
gerada em centrais eólicas ou solares, o gasto seria maior e o custo da energia também.
Foto: Ventos do Sul
Setor Elétrico
Concorrentes, não.
Complementares
Do lado de cá do Atlântico, torcedores a postos no Brasil inteiro. Na praia, nos bares ou em
casa, milhões de brasileiros pararam por pouco
mais de 90 minutos. Mas para que isso acontecesse foi preciso uma jogadora indispensável:
a energia. Protagonista, ela
prefere os bastidores. Mesmo para reinventá-la é preciso que esteja ali, a postos,
pronta para entrar em campo.
Segundo Hermes Chipp (ao
lado), diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, durante o jogo
da Seleção Brasileira contra
a Coréia do Norte a queda
de consumo entre as 12h e
as 15h30 foi de 12 mil MW.
Assim que o jogo acabou, o
consumo subiu 10,3 mil MW em apenas 22
minutos. Segundo ele, diante de um aumento
repentino num curto espaço de tempo, só não
foram registrados problemas de abastecimento
graças às medidas sistemáticas que são tomadas antecipadamente.
correntecontínua 61
Foto: Agência brasil
Apesar da potência instalada de 11,2 mil megawatts, os cálculos usaram a energia média
que efetivamente será produzida, de 4.571
MW médios. Para obter essa produção com
centrais eólicas seria preciso instalar 10.160
turbinas a um custo que varia de R$ 47,8
bilhões a R$ 83,6 bilhões. As estimativas do
governo é que Belo Monte demandará investimentos de R$ 20 bilhões.
Outro fator importante é o espaço físico necessário para as torres das turbinas eólicas.
Para que uma grande central eólica, contínua,
gerasse a mesma energia de Belo Monte, seriam utilizados cerca de três mil km², duas
vezes a cidade de São Paulo. A área ocupada
seria quase seis vezes maior que a área alagada
para Belo Monte, que será de 516 km².
O ministro de Minas e Energia,
Márcio Zimmermann (ao lado), tem
reafirmado que o Brasil ainda possui
um grande potencial hidrelétrico a
explorar, que é a fonte mais barata.
“Temos de fazer das hidrelétricas o
carro-chefe da expansão. Outras fontes, como eólicas, biomassa e PCHs
são excelentes para complementar,
mas não têm as características para
liderar a expansão”.
Complementar. Essa é a palavra. O consenso, para o Brasil e o mundo, é que as fontes
sejam complementares. “O sistema energético
que se desenvolveu no século XX é altamente
dependente dos combustíveis fósseis, com cerca de 80% de carvão, petróleo ou gás, e essa
é a fonte dos grandes problemas que temos
hoje”, destaca José Goldemberg, professor da
USP e especialista em meio ambiente.
PCHs – Quanto às pequenas centrais hidrelétricas (ver matéria na página 32), os dados do
Ministério mostram que, mesmo com as vantagens e particularidades desses empreendimentos, ainda é preciso que eles agreguem sua
geração a um sistema mais forte. Para produzir
a energia gerada em Belo Monte, por exemplo,
seriam necessárias entre 277 e 554 PCHs. Isso
significaria uma área alagada de entre 831 km²
e 1.662 km², também maior do que aquele
aproveitamento.
E a biomassa? Essa é a que tem o custo
mais próximo ao exemplo de Belo Monte: cerca de R$ 26 bilhões. Aqui a questão é que,
para produzir esse combustível, seriam necessários 80 mil km² de área plantada. Ainda
segundo o Ministério, com um custo superior a R$ 400 bilhões vem a energia solar.
62 correntecontínua
Para gerar a média de Belo Monte seriam necessários 140 milhões de painéis solares, além
da área útil para sua implantação.
Nos últimos anos o crescimento da demanda e a preocupação ambiental tem contribuído
para o aumento dos investimentos em fontes
alternativas de energia. O Brasil realizou o primeiro leilão de eólicas com sucesso acima do
esperado e ocupa um lugar privilegiado quando
o assunto é matriz energética renovável. E, de
olho na Copa de 2014, o País não pode abrir
mão do seu potencial e de planejamento. Conforme dados da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, a situação de suprimento é bastante
tranquila, já que até 2014, com as obras já contratadas, o Brasil apresenta um excedente de
5.800 MW médios de energia.
Segundo a EPE, a geração de eletricidade
terá de crescer 63 mil MW em dez anos. Os
investimentos no setor energético brasileiro devem chegar a R$ 951 bilhões, entre projetos nas
áreas de energia elétrica, petróleo, gás natural
e biocombustíveis. O Setor Elétrico terá acesso a cerca de R$ 214 bilhões nos segmentos
de geração e transmissão de energia elétrica,
ou seja, 22,5% do total. A estimativa é de um
crescimento da demanda de energia elétrica de
5,1% ao ano no período de 2010-2019, o que
torna necessário agregar o equivalente a aproximadamente 6.300 MW de nova capacidade
(ou 3.333 MW médios de energia firme) ao ano
na próxima década.
Complementaridade - Para o diretor de
Planejamento e Engenharia da Eletrobras Eletronorte, Adhemar Palocci (abaixo), o planejamento é o diferencial do
Setor Elétrico brasileiro.
“O modelo que temos
hoje é muito apropriado à
questão brasileira, inclusive com particularidades
que o tornam único no
mundo. Outra conquista
fundamental resgata o
planejamento, que é papel do Estado. Ao resgatálo, voltamos a ter visão de
longo e curto prazos”. Na
opinião do Diretor, o Brasil
é um país tão grande e demanda tanta energia que
não podemos achar que
uma modalidade é excludente da outra. “Muitas
vezes se coloca uma alternativa equivocada: a
eólica contra a hidráulica, ou a hidráulica contra
a nuclear, ou a térmica contra a hidráulica. É
um erro. Todas elas são complementares”, explica Palocci, destacando a riqueza do potencial
hidrelétrico do País: “A nossa vocação é indiscutivelmente a hidráulica”.
Para o Coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético – Nipe, ligado
à Unicamp, o Brasil, especialmente em algumas fontes, tem toda a capacidade de inovar
e conquistar um papel importante no panorama internacional, competitivamente. Um dos
autores de “Planejamento integrado de recursos energéticos: meio ambiente, conservação
de energia e fontes renováveis”, entre outras
obras, Gilberto De Martino Jannuzzi (acima) é
graduado em matemática pela Unicamp e doutor em Energy Studies, pela Universidade de
Cambridge, Inglaterra.
Segundo ele, a opção do Brasil pelo sistema
energético de hidrelétricas é natural e razoável
para o potencial que tem. “Países que têm uma
reserva grande, como Brasil, Noruega e Canadá, possuem uma participação correspondente
na sua matriz de produção de eletricidade”.
Para o pesquisador, um país precisa avaliar a
capacidade que tem de produzir a energia de
maneira economicamente atraente. “É uma
combinação da distância das reservas de hidroeletricidade e dos centros de consumo, em
comparação com as outras fontes de geração
de energia elétrica”.
Com uma demanda cada vez maior e com
limitadores mais fortes, a matriz hidráulica
começa a perder participação no Brasil. “Os
empreendimentos estão ficando mais caros,
incorporam novas exigências como a questão
ambiental e de deslocamento da população.
São limitantes que começam a agravar o processo da participação da hidroeletricidade na
matriz brasileira”, explica Jannuzzi.
Por tudo isso a complementaridade de fontes
torna-se, cada vez mais, palavra de ordem nos
debates sobre a evolução energética no Brasil e
no mundo. A palavra complementaridade pode
ser interpretada como capacidade para servir
de complemento. A expressão complementaridade energética refere-se então à capacidade
de uma ou mais fontes apresentarem disponibilidades energéticas complementares no tempo, no espaço ou em ambos.
A complementaridade no espaço pode existir quando as disponibilidades energéticas de
uma ou mais fontes se complementam ao longo de uma região. A complementaridade no
tempo pode existir quando as disponibilidades
apresentam períodos que se complementam
ao longo do tempo em uma mesma região. A
análise é dos pesquisadores Alexandre Beluco,
Paulo Kroeff de Souza e Arno Krenzinger, do
Instituto de Pesquisas Hidráulicas - IPH e Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica – Promec da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul – UFRGS.
De acordo com os pesquisadores, há poucas
referências discutindo ou identificando a complementaridade entre fontes de energia. O livro
de McVeigh (1977), por exemplo, identifica a
complementaridade entre as energias solar e
eólica ao longo do território da Grã-Bretanha.
Uma complementaridade presumivelmente espacial. O artigo de Kruangpradit & Tayati (1996)
cita o uso de energia solar para complementação de um aproveitamento hidrelétrico já existente em Ban Khun Pae, ao norte da Tailândia.
Como os aproveitamentos situam-se próximos,
consistiria em complementaridade no tempo.
Para eles, a complementaridade também
pode existir se forem consideradas as disponibilidades energéticas de uma ou mais fontes ao
longo de uma extensa região e ao longo do tempo. Como exemplo, pode ser citado a complementaridade no tempo e no espaço que ocorre
para a disponibilidade de energia hidráulica ao
longo do território brasileiro e durante um ano,
comentada como um dos argumentos em favor da interligação dos sistemas no Brasil, ou
mesmo de sistemas energéticos na América
do Sul. Em razão das condições climáticas e
geográficas, é comum a existência de regimes
complementares de energia. É como um time
que entra em campo com a energia titular, mas
deixa no banco uma seleção de craques prontos para fazer o gol da decisão.
A essência da água - A água é o recurso
natural mais abundante na Terra: com um
volume estimado de 1,36 bilhão de km³ recobre 2/3 da superfície do planeta. De acordo
com o Atlas de Energia da Agência Nacional
correntecontínua 63
de Energia Elétrica – Aneel, a água também
é uma das poucas fontes para produção de
energia que não contribui para o aquecimento
global, o principal problema ambiental da atualidade. E o mais importante: é renovável.
Mesmo assim, a participação da água na
matriz energética mundial é pouco expressiva
e, na matriz da energia elétrica, decrescente. O
documento da Aneel traz dados do relatório Key
World Energy Statistics, da International Energy
Agency (IEA), publicado em 2008. Segundo o
Atlas, entre 1973 e 2006, a participação da força das águas na produção total de energia passou de 2,2% para 1,8%. No mesmo período,
a posição na matriz da energia elétrica sofreu
recuo acentuado: de 21% para 16%, inferior à
do carvão e à do gás natural, ambos combustíveis fósseis não renováveis, caracterizados pela
liberação de gases na atmosfera e sujeitos a um
possível esgotamento das reservas no médio e
longo prazos.
Também de acordo com levantamentos da
IEA, nos últimos 30 anos a oferta de energia
hidrelétrica aumentou em apenas dois locais do
mundo: Ásia, em particular na China, e América
Latina, em função do Brasil. Segundo a Aneel,
nesse mesmo período, os países desenvolvidos
já haviam explorado todos os seus potenciais, o
que fez com que o volume produzido registrasse evolução inferior ao de outras fontes, como
gás natural e as usinas nucleares. No Brasil, a
expansão não ocorreu na velocidade prevista,
entre outros fatores, em razão das pressões de
caráter ambiental contra as usinas hidrelétricas
de grande porte.
Entre os que reconhecem a vocação hidráulica da matriz energética brasileira é consenso
que os impactos existem, mas que são passíveis de mitigação. Hoje, a legislação ambiental
é cada vez mais firme e os projetos estão cada
vez mais adaptados à sustentabilidade, como é
o caso do projeto das usinas-plataforma no Rio
Tapajós, ou a fio d’água como Dardanelos, no
Rio Aripuanã (MT). (ver matéria na página 8).
A melhor opção - O professor da Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília
(UnB), Ivan de Toledo Camargo (ao lado), atualmente assessor técnico da Agência Nacional
de Energia Elétrica – Aneel, lembra que a área
total a ser alagada por Belo Monte corresponde
a menos do que é desmatado em um dia na
Amazônia. “Nos últimos anos, em média, todos
os anos são pelo mais de mil km² a menos de
florestas. É o dobro do que está previsto em termos de área a ser alagada por essa hidrelétrica,
64 correntecontínua
que garantirá boa parte da energia a ser consumida no País”, afirma o professor.
As diferenças mais contundentes surgem
quando é hora de defender qual a melhor opção de energia complementar. Embora a geração térmica com combustíveis fósseis seja
a mais preterida, sua utilização ainda é considerada no planejamento e nos cenários mais
preocupantes em caso de aumento da demanda sem incremento de energia de fontes renováveis. Na opinião do presidente da Eletrobrás
Eletronuclear, Othon Luiz Pinheiro da Silva,
para crescer o Brasil não pode deixar de lado
energia térmica. A análise de Othon veio no
começo do mês de junho, quando foi autorizado, pela Comissão de Energia Nuclear – Cnen,
o início das obras de concretagem da laje do
prédio do reator da Usina Nuclear Angra 3, em
Angra dos Reis (RJ).
Segundo ele, “as centrais Angra 1 e Angra
2 foram muito boas para que pudéssemos adquirir a tecnologia da geração nuclear. Mas, do
ponto de vista da economia e da geração de
energia, elas foram um tanto precoces, ou seja,
na década de 1970 nós tínhamos muitas hidrelétricas e com reservatórios em volumes adequados de água. A necessidade do suprimento
de energia a partir das termonucleares só se
fez presente a partir da virada do século, com a
necessidade de se diversificar a composição do
sistema elétrico nacional”.
O Presidente da Eletronuclear admite que
as hidrelétricas são a melhor e mais barata
fonte geradora de energia. Mas, segundo ele,
com a variação do volume de água dos rios ao
longo do ano, são necessárias outras fontes de
energia para o sistema integrado. Hoje as usinas Angra I e Angra II contribuem com cerca
de 2 mil MW para o sistema. “Temos grandes
reservas de urânio e não podemos descartar
a nuclear como fonte primária de energia”,
defende Othon. “É claro que a prioridade tem
que ser para as fontes renováveis, principalmente a hidrelétrica e a eólica, mas é preciso,
também, de outras alternativas para um maior
equilíbrio do sistema”, avalia.
Na opinião do professor Ivan Camargo, é um
equívoco encher o País de painéis de energia
solar. “Esse tipo de energia só é indicado para
as comunidades isoladas. Apenas discursos vazios e sem dados defendem essa opção”, argumenta. Segundo ele, nem a energia solar nem
a eólica são a solução para o Brasil. “Primeiro,
por serem sazonais, ficando interrompidas em
períodos do ano. Precisamos investir pesado
nas eólicas, mas tendo em mente a necessidade de sistemas complementares, provavelmente à base de hidrelétricas e biomassa”,
defende. Ivan lembra ainda que, na Europa, a energia eólica é complementada
por usinas térmicas. “No Brasil temos
condições de usar o bagaço da cana
nesses sistemas complementares,
que atualmente tem apenas
10% de aproveitamento”.
ão:
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Ilus
Na complementaridade das fontes ainda há
espaço para tecnologias como o fogão ecológico
desenvolvido no Acre, que, de forma simples, levou energia a comunidades localizadas em meio
à floresta. A pesquisa resultou na instalação de
uma fábrica dos chamados fogões ecológicos no
Acre. Também há espaço para a as chamadas
mini-hidrelétricas, em geral compostas de uma
turbina ancorada na margem de um rio, e que
gera energia para comunidades isoladas.
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De acordo com a EPE, a principal fonte
para atender à expansão da demanda será a
hidreletricidade, com 35.245 MW instalados
nos próximos dez anos. As fontes alternativas
complementarão a energia hidrelétrica totalizando 14.655 MW no período. Esse volume
representará, em termos de capacidade instalada, cerca de 23% de tudo que será instalado
nos próximos anos (63.480 MW). Com isso,
a participação de fontes renováveis na capacidade total instalada se manterá, apesar de
uma ligeira redução da participação da hidroeletricidade.
Dono do terceiro maior potencial hidrelétrico
do mundo, o Brasil perde apenas para China
e Rússia. O País só utilizou um terço desse
potencial até hoje, enquanto muitas nações já
utilizaram 100%, como a França, e a Alemanha, com 80%. Com essa matriz hidrelétrica,
tecnologia e matéria-prima para liderar o mercado mundial de biodiesel; com os atuais nove
milhões de hectares dedicados a plantações de
cana-de-açúcar, riqueza de biomassa e uma
geração eólica crescente, o Brasil desponta
como referência mundial na produção de energia renovável.
correntecontínua 65
“Caro Alexandre, gosto muito da revista Corrente Contínua, mas só conseguimos acessá-la na web. Raramente temos acesso à revista impressa, e quando
temos é com atraso de seis meses ou mais. Será que existe uma maneira de
recebermos o exemplar impresso tão logo seja distribuída?”.
Lázaro Antonio Laurindo
- Regional de Transmissão de Rondônia - Porto Velho - RO
N.R: Prezado Lázaro, a revista é impressa levando em consideração um
exemplar para cada empregado. Estamos revendo nosso sistema de distribuição e já nesta edição você receberá sem atrasos. Obrigado.
“Prezada Erica, parabéns pela reportagem. Foi clara, objetiva e conceitualmente precisa. Além de tudo, me fez remontar ao passado, onde iniciamos os
trabalhos variando desde a parte de concepção técnica e intelectual, até contar
tábuas, telhas, abrir covas (conforme flagrado na revista). Gostei. Vou divulgar
entre os meus alunos e pessoal interessado”.
Ricardo Valcarcel
- Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - RJ
“Prezado César, em nome do Centro de Tecnologia da Eletronorte agradeço
o excelente trabalho realizado por você e equipe, em especial ao repórter e ao
editor, que deram aquele toque especial na matéria sobre nossa unidade, publicada na última edição da revista Corrente Continua. Ficou realmente excelente
e reflete especialmente o atual momento que estamos vivenciando, de muitas
realizações e perspectivas de futuro, não só para o próprio Centro de Tecnologia,
como para a Eletrobras Eletronorte. Destaco dois pontos da maior importância: a
integração que conseguimos entre os mais jovens e os mais experientes colaboradores da unidade; e o relacionamento que estamos tendo com a comunidade
do Pará, em especial. Muito obrigado e parabéns a vocês pela competência demonstrada em transcrever em forma brilhante parte de nossas atividades”.
Francisco Roberto Reis França
- Gerente do Centro de Tecnologia da Eletronorte - Belém - PA
“De ordem do deputado Paulo Rocha (PT-PA) - coordenador da Bancada
do Pará e da Região Norte no Congresso Nacional - agradeço o envio da revista
Corrente Contínua”.
Raquel Paz - Assessora Parlamentar - Brasília - DF
“Prezada Érica, agradecemos o envio da Corrente Contínua. Realmente vocês estão de parabéns pelas informações apresentadas na revista”.
Alair Maria
- Biblioteca da Federação de Agricultura e Pecuária do Pará – Belém - PA
“Minha formação é engenharia elétrica e gostaria de receber mensalmente
a revista Corrente Contínua. Solicito seja encaminhada para o meu endereço e
agradeço antecipadamente”.
Tarcisio Barros da Graça - Dnit - Brasília - DF
Eletricidade com segurança:
eu me preocupo! Repórter da
Corrente Contínua é premiada
A Associação Brasileira de Conscientização
para Perigos da Eletricidade - Abracopel criou
um prêmio para incentivar a divulgação pela
imprensa das melhores
práticas com relação às
instalações elétricas e
o uso da eletricidade,
de forma a contribuir
para a conscientização da população e
de profissionais para o
tema. Este ano a Associação promoveu o
IV Prêmio Abracopel de Jornalismo, com o
tema “Eletricidade com segurança: eu me
preocupo!”. A cerimônia de premiação foi
realizada no dia 21 de maio de 2010, em
São Paulo.
A Eletrobras Eletronorte participou
do concurso na modalidade Jornalismo
Empresarial/Institucional, com a matéria
“Segurança do trabalho: a importância
da prevenção na redução de acidentes”,
publicada na revista Corrente Contínua,
número 230, de janeiro/fevereiro de 2010.
A matéria escrita pela estagiária Camila
Marques conquistou o primeiro lugar na
modalidade que foi inscrita.
“É uma honra representar a Empresa
e os estagiários. A Eletrobras Eletronorte
contribuiu na minha formação como profissional e a maior prova dessa contribuição foi esse prêmio que ganhei”, afirma
Camila Marques. Os vencedores levaram
para casa um troféu criado exclusivamente para o prêmio pelo artista plástico Kiko
Azevedo. Houve ainda algumas mençõeshonrosas e medalhas e certificados para
todos os finalistas.
“Agradeço o gentil envio da revista Corrente Contínua, da Eletronorte”.
Michel Temer - Deputado Federal - Brasília - DF
“Com satisfação, acusamos o recebimento da revista Corrente Contínua, da
Eletronorte, edição 230. Agradecendo a gentileza da remessa, renovamos nossos
protestos de especial apreço e estima”.
“Como sempre costumo dizer, receber, ler e divulgar a nossa revista Corrente
Contínua é de suma importância. Recebi o exemplar 230, pleno de excelentes
artigos: Byron de Quevedo nos oferece o verdadeiro lago dos sonhos; logística
para o desenvolvimento, que César Fechini escreve, é mesmo um cabedal de
esclarecimentos; Procel Educacional, um banho de conhecimentos que Bruna
Netto nos propicia – realmente Meire, Marina e Jussara consolidam a marca
Procel. Colaborando, observei uma falha de digitação na página 50. Ah, que belo
presente Brasília e Nós! Parabéns também à Camila Marques e Rony Ramos
pela Fotolegenda”.
Severino Cassiano Ferreira - Água Preta - PE
66 correntecontínua
Lei Eleitoral
Em vista das determinações da Lei Eleitoral,
para o período de julho a outubro de 2010, a revista Corrente Contínua está circulando exclusivamente para atendimento ao público interno. Mas os leitores, universidades, bibliotecas e
outros públicos que recebem nossa revista não
ficarão sem o seu exemplar, que será encaminhado logo após o término das eleições.
Fotolegenda
Correio Contínuo
“Prezada Érica, lendo a reportagem ‘Tucuruí recupera 97% das áreas degradadas’, achei super interessante o trabalho que vem sendo realizado. Notei com
isso o interesse que Eletrobras Eletronorte tem com o nosso planeta. Gostaria de
sugerir que fossem feitas propagandas no sentido de divulgar nacionalmente esse
excelente trabalho, mostrando que podemos construir a Hidrelétrica Belo Monte e
depois reverter as possíveis degradações por ela causadas. Pois sei da necessidade dessa hidrelétrica, tanto para gerar empregos no Estado do Pará, como também
para gerar energia elétrica para o Brasil. Parabéns pela excelente reportagem”.
Eliane Ferreira Jorge
- Assessoria De Gestão Corporativa - Brasília - DF
Abriu-se a janela do céu e eu saí a passear, a voar
E muito além de voar eu queria mesmo era admirar
Em um belo final de tarde de outono
O entorno dos belos saltos Dardanelos e Andorinhas
Gosto de voar por aqui, mesmo sendo outono a umidade sempre é boa
E me refresco com o vento e a brisa
Sem falar dos lençóis de algodão que me cobrem e me movem
E o vento que me sopra de tão distante
E meu coração torna-se refeito
Uso meus sentidos para cortar o cais com meus braços
E grades e avenidas ficam para traz
Só consigo me lembrar do céu que sempre me convida
Antecipo o dia para que a velha longa estrada fique mais curta
Tenho a certeza que nada mais pode dissolver a minha vontade de te ver
Pois tudo que vem se vai, e assim continuo a voar indo e vindo
Abro e fecho as janelas do céu
Sabendo que no escuro eu tenho meu coração.
Texto: Vinycius Kaizer
Foto: Christopher Borges
correntecontínua 67
Eletrobras
Eletronorte

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