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Carnaval em Terras de Caboclo: Saber e “Cultura” no Maracatu de Baque Solto Suiá Omim Arruda de Castro Chaves 1 RESUMO O presente artigo apresenta as categorias de saber e “cultura” tal como elaboradas pelas pessoas que brincam Maracatu de Baque Solto. As noções de “cultura” e saber ganham destaque quando são discutidas em relação às diversas transformações ocorridas no Maracatu nas últimas décadas. A noção de passado, para os conhecedores de maracatu, demarca um território privilegiado para pensar a constituição do Maracatu como “cultura”; as atribuições na hierarquia das posições e as relações em torno do saber do Maracatu. De brincadeira maligna a ícone da identidade pernambucana, o Maracatu torna-se um caso instigante para pensar o processo de espetacularização de um ritual de carnaval realizado e vivido por trabalhadores da cana de açúcar. Palavras-chave: carnaval, saber, "cultura", maracatu ABSTRACT This article introduces the categories of knowledge and “culture” from the perspective of the people who “play” and perform the Maracatu de Baque Solto. The notions of “culture” and knowledge gain relevance when discussed in relation to the several changes that took place in the Maracatu during the last decades. For the experts on Maracatu, the notions of the past outline the boundaries of a privileged territory, where it is possible to think of the very constitution of the Maracatu as “culture”; the roles and attributions assigned, and the relations around the knowledge of Maracatu. From a malicious dance to an identity icon of Pernambuco, the Maracatu became an instigating case to observe the process in which this carnival rite danced by sugar cane workers turned into a spectacular performance. Keywords: carnival, knowledge, "culture", maracatu !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 1 Doutoranda em antropologia pelo PPGSA/IFCS/UFRJ, é mestre em antropologia social pelo PPGAS/MN/UFRJ e graduou-se em Ciências Sociais no IFCS/UFRJ. Este artigo se baseia na dissertação de mestrado (Chaves, 2008) defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/ UFRJ. O apoio financeiro concedido pela CAPES e pelo PPGAS possibilitou a realização da pesquisa. 92! ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ I. Introdução A palavra Maracatu2 nomeia duas brincadeiras distintas e presentes no múltiplo carnaval pernambucano: o Maracatu de Baque Virado ou Maracatu Nação e o Maracatu de Baque Solto ou Maracatu Rural. A Zona da Mata Norte de Pernambuco reúne um conjunto variado de brincadeiras e ritmos, que fazem parte do ciclo anual de divertimentos dos moradores da região: Ciranda, Mamulengo, Coco, Repente, Cavalo-Marinho, Maracatu de Baque Solto, entre outros. No calendário regional, as festas natalinas, carnavalescas e juninas são as que mais mobilizam a população. A maior parte dos grupos de Maracatus de Baque Solto3 se concentra nas cidades e nos municípios da Mata Norte e, em menor número, há sedes na Zona Metropolitana. Os participantes dos Maracatus que habitam a Mata Norte são, em sua maioria, trabalhadores sazonais no corte da cana-de-açúcar e moram na rua, como são chamadas as cidades da região. O presente artigo aborda a noção de passado 4 nas narrativas de Maracatu como um território privilegiado para pensar a constituição do Maracatu como “cultura”, 5 as atribuições de posição e reconhecimento e as relações em torno do saber do Maracatu. A primeira parte do artigo apresenta o universo cosmológico da brincadeira. A segunda parte enfoca a problemática contemporânea do saber no Maracatu. II. Deus e o diabo em terras de caboclo Na região, se costuma dizer pareia quando se forma um par. Nestes grupos em que minha pesquisa se concentrou, o Maracatu e o Cavalo-Marinho formam uma pareia. O universo compartilhado por essas brincadeiras compõe muitos vínculos e diálogos entre esses dois mundos. Além das duas brincadeiras trazerem referências em comum (personagens, locais, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 2 Mario de Andrade (1982) atribui a raiz linguística da palavra ao tronco ameríndio, devido à semelhança com fonemas guaranis. “Maracá é o instrumento ameríndio, de percussão, conhecidíssimo. Catu em tupi quer dizer bonito. D’abbeville (285,188 face), que grafava bastante mal as vozes ameríndias, cita o nome do morubixaba Maracapu (Maracapou) que diz significar “som de maracá”. Podia-se assim lembrar a formação Maracá-catu, donde Maracatu, fundidas as duas sílabas cá. E ainda outra interpretação é lembrável. Marã, indica T.Sampaio (260, 309), como “a guerra, a confusão, a desordem, a revolução”. Donde Marãcàtú e posteriormente Maracàtú, por assimilação, isto é, guerra bonita, a briga bonita, a briga de enfeite, invocando o cortejo real festivo mas guerreiro.” (Andrade, 1982:137, 138). 3 No ano de 2007, havia 104 grupos registrados na Associação de Maracatus de Baque Solto. O Maracatu de Crianças e o de Mulheres, ambos de Nazaré da Mata, não são filiados. 4 Todas as palavras em itálico são categorias nativas. 5 Seguindo a sugestão metodológica de Manuela Carneiro da Cunha (2009), utilizo o termo cultura entre aspas para realçar a apropriação nativa desta categoria. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 93! estética visual), elas compartilham muitos de seus participantes. A proximidade destas duas brincadeiras traz um universo comum e cria uma relação de complementaridade e oposição. O Cavalo-Marinho aparece como uma festa criada por Deus, que celebra, entre outras coisas, o nascimento de Cristo, a alegria, a graça, a beleza. Já o Maracatu, a brincadeira carnavalesca, é considerado uma festa inventada pelo diabo numa tentativa de pegar Cristo. Lida com o lado maligno da vida, o perigo, a rivalidade declarada, a canalização de maus sentimentos, uma espécie de obstrução religiosa. A sequência temporal em que as festas acontecem, o Cavalo-Marinho no período natalino, até o dia de reis, e o Maracatu durante o Carnaval, sugere um “modelo estrutural” (Lévi-Strauss, 1967) da celebração regional: a brincadeira de Deus e a brincadeira do diabo. Essa pareia sugere uma cosmologia comum, em que a vinculação do Maracatu com a figura do diabo está estruturalmente oposta à atribuição do Cavalo-Marinho como brincadeira 6 de Deus. José Borba, falecido Mateus, atribuía a criação do Cavalo-Marinho ao tempo em que os homens surgiram na terra e aqui viviam infelizes e dispersos. “Por compaixão, Deus teria decidido colocar uma beleza entre eles, inventando o Cavalo-Marinho e colocando-o no fundo do mar. Diante de um animal tão bonito, o homem não resiste e, então, o traz para a terra. Na terra, o Cavalo-Marinho imediatamente se transforma em brincadeira e passa a existir com o sentido de fazer os homens felizes” (Acselrad, 2002:40). O diabo, numa roda de Cavalo-Marinho, só chega até a beirada, por medo da rabeca e do baje,7 instrumentos musicais que, quando tocados, remetem à imagem da cruz que afastaria da roda coisas negativas. “Cabe a essa interpretação, a justificativa da preferência de alguns brincadores, de uma por outra, que envolveria também a diferença entre o caráter descontrolado do desejo que desencadeia a vontade de brincar Maracatu em relação àquele, um pouco menos violento, responsável pela vontade de brincar Cavalo-Marinho” (Acselrad, 2002:39, 40). A ideia de sorte é outro aspecto de oposição nas duas brincadeiras. No Cavalo-Marinho, o coletivo assegura sorte para os brincadores8 – “quem não brinca está desprotegido” (Acselrad, 2002:40) – o diabo só chega até a beirada da roda, supondo-se que quem está dentro da roda está com sorte. No Maracatu, quem está brincando precisa ter respeito, estar !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 6 A figura do Mateu – ao lado da Catirina e da Burra – aparece nas inúmeras versões do mito e do rito de morte e ressurreição do boi (Andrade, 1982; Cavalcanti, 2006). Os personagens do boi estão presentes em diversas brincadeiras e folguedos de norte a sul do Brasil. No Maracatu de Baque Solto, o trio corre bem na frente do cortejo, anuncia e abre espaço para o cortejo passar. Estes personagens são o espaço do “riso” e da comicidade ficando justamente “fora” do desenho nuclear do Maracatu ao redor da bandeira. Além disto, a palhaçada destes personagens contrasta com o comportamento sério dos demais personagens (caboclos de lança, caboclos de pena, baianas, entre outros). 7 O Banco do Cavalo-Marinho é formado por quatro instrumentos: rabeca, baje (reco-reco), pandeiro e o mineiro (ganzá). 8 Categoria nativa para quem brinca Cavalo-Marinho. No Maracatu, não ouvi referência às pessoas que brincam como brincadores, mas sim como maracatuzeiros ou folgazões. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 94! com o corpo fechado, pois quem toma parte no Maracatu está mais vulnerável aos maus sentimentos, ao desmantelo.9 “Porque carnaval é muito pesado, muito pesado mesmo. Rola muita inveja, olho grande. Se um caboclo tem inveja de outro e você não tá bem preparado, acabou-se”, diz Fabinho, caboclo de lança. Acselrad (2002) fala sobre o cuidado como categoria primordial no Cavalo-Marinho, por tratar-se de uma brincadeira que gera um vínculo coletivo ou compartilhamento de algo que merece respeito. “O cuidado é orientado por dois juízos de valor considerados referenciais bastante populares nesta região: o desmantelo e a consonância”. O desmantelo se associa ao descuido, à desagregação, e a consonância, à atenção e ao cuidado (idem:36) No Maracatu, “todo cuidado é pouco, pois no carnaval está todo mundo aberto pra tudo”, conta Fabinho. Para não desmantelar é necessário que todos estejam bem protegidos num momento tão especial. O carnaval é um período festivo, particularmente privilegiado para pensar a possibilidade do “mundo de cabeça para baixo”, uma ruptura da vida cotidiana, a inversão da ordem, uma ocasião de êxtase e libertação, o dilema de permanecer e mudar, a possibilidade de renascimento e renovação (Bakthin, 2002; Burke, 1999; DaMatta, 1979; Cavalcanti, 1995). Considerando os aspectos universalizantes do carnaval, a ideia aqui é pensar a festa do ponto de vista das pessoas que brincam, fazem e narram o Maracatu. À luz da sugestão de Cavalcanti (2006), a respeito de um uso flexível e etnográfico dos conceitos de mito, rito e figuração como distintivos, procuro refletir sobre diferentes planos de existência dos fatos na brincadeira do Maracatu, sem perder de vista, como nos lembra Mauss (2003), a natureza integrada do homem e suas produções (Cavalcanti, 2006:74). Durante todo o tempo em que estive no campo, 10 escutei inúmeras referências à relação do Maracatu com o diabo. Esta relação se expressa no plano mítico, em que o diabo aparece como o criador do Maracatu e, na dimensão ritual, em que o diabo faz parte do calço 11 do carnaval, a preparação espiritual. Maracatu não pertence a Deus não. Maracatu pertence ao diabo. O diabo foi quem fez o Maracatu. Fez uma festa de três dias. O Maracatu começou assim: o diabo passou e viu Nosso Senhor dando a medicina aos doutores, que vive nos hospitais e posto de saúde. Quando chegou à terra dele [do diabo], que tinha o patrão dele, [disse]: “eu vi o senhor do povo dando a medicina aos doutores e eu achei bonito. O que a gente faz?“. Ele disse: “Vamo fazer uma festa de três dias. Faz a festa e vai chamar ele [NS]. Em cada beco de rua !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 9 O desmantelo é uma categoria usada na região para designar o descontrole, o erro, o azar, a desagregação, a desafinação. 10 A pesquisa teve início em 2004, quando brinquei o carnaval com o Maracatu Leão de Ouro de Condado. Em 2006, permaneci três meses e meio na região, sendo meus principais interlocutores integrantes dos Maracatus: o Leão de Ouro de Condado e o Estrela de Ouro de Aliança (Ponto de Cultura). 11 A preparação espiritual realizada pelos caboclos de lança pode ser feita individualmente (através de banhos de descarrego, defumação de objetos, como a lança, a gola, o cravo) ou pode-se fazer o calço com alguma mãe ou pai de santo (através de práticas e rituais estabelecidos pelos especialistas, como o preparo do cravo, e outros objetos). A ideia é que o caboclo que brinca calçado apresenta uma proteção espiritual reforçada. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 95! a gente bota dois vigias. “[o Diabo]: “A gente vai fazer uma festa de 3 dias o Senhor vai?”. Ele [o Senhor] disse: “vou”. Em todos os 3 dias Nosso Senhor foi: no domingo, na segunda e na terça, quando foi na quarta ele [o Diabo] chegou: “cadê você eu não lhe vi”. Em cada beco de rua tinham botado dois vigias pra pegar Nosso Senhor, mas não tinha podido pegar. Eles atentaram Nosso Senhor da quarta feira da cinzas até a sexta feira da paixão, botaram os judeus pra pegar Nosso Senhor na virada e pegou, né? Quando foi domingo de páscoa fizeram Maracatu, fizeram carnaval, pra ver se Nosso Senhor tava aqui na terra. Aí ficou o Maracatu (Martelo, caboclo de lança). Essa narrativa atribui a criação do Maracatu a uma tentativa do diabo de enganar Nosso Senhor, trazendo-o para a terra. Inicia-se no domingo de carnaval e termina no domingo de Páscoa.12 Os caboclos de lança seriam os judeus perseguindo Cristo por todo o período da Quaresma. E no domingo de Páscoa, eles fazem o carnaval e comemoram o sucesso da perseguição. Essa dimensão temporal apresenta uma inversão no calendário cristão e, portanto, no sentido dominante de carnaval. Os três dias de carnaval do Maracatu são narrados como a representação da perseguição a Cristo (um momento de grande seriedade, respeito, abstinência sexual) e a Páscoa, mais especificamente o domingo, é vivida como a situação de comemoração pela morte de Cristo (momento em que os caboclos efetivamente fazem carnaval: “não têm um compromisso, é só farra e bebedeira”). Consequentemente, inverte-se o ciclo anual nos domínios do Carnaval e da Quaresma. Quando eles acabaram com Cristo, eles não voltaram pra casa. É como a cabocaria da Páscoa, os caboclos que estão brincando [representam] a volta dos judeus, quando acabaram com Cristo. Quem gosta brinca mais, é mais folia de bebida. Não é que eles são os judeus, eles tão representando o que fizeram com Cristo. Na quarta de cinzas não passou o carnaval? Naquelas [próximas] sete semanas é respeito. Ai chegou a Páscoa (Biu Alexandre, dono do Maracatu Leão de Ouro de Condado). Essa narrativa de “onde o Maracatu partiu” me foi contada por pessoas de uma geração de mais de 60 anos: Martelo, Biu Alexandre e Seu Mané Silva. 13 Os três moradores de Condado relataram o mito de origem do Maracatu, revelando o valor do conhecimento dessa explicação como algo que poucas pessoas sabem. O conteúdo das narrativas trata do Maracatu como uma invenção do diabo, que teria permanecido na terra entre os escravos, nas senzalas de engenhos. Como conta Biu Alexandre: Na época que Cristo sofreu, num foram os judeus quem ajudiou com Cristo? Então, é a apresentação que o Maracatu faz hoje. Tem muita gente que não entende que é isso. Depois que se brinca o Maracatu, tem a 4ª feira de cinzas, que foi quando o povo judeu começou perseguindo Cristo. Teve sete semanas eles perseguindo Cristo. É que não é tanto bem assim, porque Maracatu pertence aos escravos. Do tempo de Cristo, foram as sete semanas perseguindo Cristo, é o que o Maracatu representa. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 12 Sobre a oposição cosmológica entre carnaval e Quaresma, ver Burke, 1999; Cavalcanti, 1995; Baroja, 1979. Brincou de caboclo de lança por muitos anos. Quando o entrevistei em 2006, não exercia mais nenhuma atividade em Maracatu e recentemente soube que faleceu. 13 ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 96! A perseguição a Cristo teria o Maracatu “a serviço do diabo”, na perseguição e na crucificação. As lanças dos caboclos seriam as armas da perseguição (para furar, ferir e crucificar). “O carnaval foi partido dos judeus fazendo judiação com Jesus Cristo. Aquelas flechas de caboclo de Maracatu, aquilo é da parte do judeu, [que saem] furando ele, pregando ele na cruz” (Mané Silva, ex-caboclo de lança). Os carnavais antigos são narrados como um grande enfrentamento: quando dois grupos de Maracatu se encontravam no meio do caminho, eles tinham que passar pelo ritual de encruzamento de bandeiras, uma maneira de os Maracatus passarem um por dentro do outro, simbolizando um acordo de paz, de forma que cada grupo seguisse o seu caminho. Se um dos grupos se recusasse a encruzar as bandeiras, a guerra estava anunciada. O encruzamento é descrito como um momento de grande perigo, um entrelaçamento de partes rivais, em que os dois Maracatus ficam numa posição vulnerável, pois se coloca em risco a bandeira. Uma das principais consequências do ritual de encruzamento, segundo os maracatuzeiros, era justamente a guerra, visto que o maior desejo de um Maracatu é furar a bandeira do outro. Porque todos os caboclos torcem pela bandeira do Maracatu. A bandeira representa isso. Comparando mal, que a bandeira passa às vezes de Cristo. Porque todos os caboclos só é pra defender a bandeira. A vontade era furar bandeira. Era tudo pela bandeira (Biu Alexandre, dono do Maracatu Leão de Ouro). A bandeira seria o elemento síntese do conjunto do Maracatu. Se a bandeira é furada ou rasgada, o Maracatu fica arruinado, desmantelado, ele não é mais um Maracatu. A organização espacial confere à bandeira um lugar de máxima proteção: o miolo do Maracatu, que é rodeado de caboclos de lança. Biu Alexandre sugere que a bandeira “passa às vezes de Cristo” e precisa ser protegida ferozmente. Essa posição conferida à bandeira dá a ideia de que, em cada Maracatu, Cristo “se esconde” na bandeira. Deste modo, a perseguição seria direcionada à bandeira do outro Maracatu, o inimigo. O diabo é um personagem fascinante na literatura ocidental. As várias faces desse personagem, que está em cena há pelo menos um milênio, do cômico medieval ao maligno romântico, compõem uma figura complexa e misteriosa. É um personagem que protagoniza muitas histórias contadas no interior: em cada encruzilhada, à meia-noite no canavial, nos vapores da usina. No universo dos cordéis nordestinos, o diabo também é um personagem bastante presente. Na literatura ocidental, a disputa entre Deus e diabo, o bem e o mal, encontra na história de Fausto um marco desse personagem. Desde o final do século XVI, popularizou-se na Europa através de diversas representações teatrais sobre a história de Fausto, meio mago, meio cientista – considerado, na época, um charlatão. A história de Fausto, por exemplo, coloca em relação Deus, o diabo e o homem, articulados numa disputa 97! ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ ligada ao conhecimento como poder (a religião, a magia, a ciência, a experiência). A ideia “knowledge is power” (Chartier, 2003:150), que se insinua nas muitas versões literárias das aventuras do Doutor Fausto, nos serve aqui de inspiração para pensar as transversalidades do saber-poder nas narrativas míticas do Maracatu, articuladas nas elaborações nativas da atualidade agonística da brincadeira. Semelhante ao personagem de Fausto, cujos anseios o levaram a vender sua alma, o homem que brincava de caboclo, das narrativas de Maracatu, fazia um contrato com o demônio em busca da superação dos limites humanos. Através da supressão da ordem dominante – o poder de Deus – torna-se poderoso e sábio para manipular sua força de forma maligna. A figura do diabo no Maracatu se vincula à inconformidade com os limites (terrestres, corporais, naturais), tendo como guia a expressão da rivalidade. A disputa pelo poder 14 torna- se aqui o nosso foco, na medida em que a própria investigação do que está em jogo nessa disputa configura-se como um elo das narrativas de origem e dos enfrentamentos contemporâneos dos Maracatus de Baque Solto. Brincar de caboclo, no passado, era se aliar ao demônio e seus domínios em busca de uma vivência poderosa do confronto. A violência física é identificada como motivadora dos carnavais antigos, “a diversão era brigar”, e o pacto com o demônio, “o calço de antigamente”, era uma maneira de preparar o caboclo para a briga, para ele poder “sair no pau sem levar a pior”. O pau, ou a lança, ou a guiada do caboclo constitui a arma que, por um lado, protege a sua bandeira e, por outro, ataca a bandeira do Maracatu rival. A guiada, a lança do caboclo, é um objeto que traz em si um problema espiritual para o Maracatu: Maracatu, Maracatu, quem fez Maracatu foi o diabo, pra trair Nosso Senhor. Olha, o Maracatu é tão atravessado que a gente pega, corta um pau numa mata e faz a ponta do pé do pau. A ponta da guiada é feita do pé do pau. Só anda com o pé pra riba. Se a gente fizer uma casa e botar a ponta do pé pra riba depois ninguém mora. Porque ninguém mora, só fica tudo é doente. Enquanto não tirar aquele cabo, é gente doente dentro de casa direto. Porque é negócio de enguiço, a mesma coisa é o Maracatu. Agora, hoje, todo mundo brinca, mas no tempo que eu era menino não era pra todo mundo brincar, não. Porque só era de barulho, só andava de pés. Saía no domingo de carnaval e tinha uma coisa, não passava de meia-noite pra chegar em casa, não. Se passasse de meia-noite, o cabra se encontrava com o Maracatu do diabo no caminho. E tinha que brigar e tinha que encruzar. Pra brincar de caboclo, o cabra tinha que ser macho, um cabra dum cacete. Mas era pra brigar quando se encontrava, pra modo de cruzar a bandeira. Se contava no tempo que eu era menino.15 A metáfora usada por Martelo para explicar o enguiço do Maracatu é a casa de pau-apique, feita de troncos de madeira preenchida com barro, tipo de moradia muito comum na região. Ele explica que se a casa for construída com o pé do pau pra cima, isto é, fixada no chão na direção inversa ao crescimento da árvore, aquela moradia fica com um enguiço, um !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 14 A palavra poder é aqui utilizada na medida em que possibilita tornar inteligível alguns valores, sentimentos e atitudes ligados ao saber do Maracatu. 15 Entrevista com Martelo realizada por Tatiana Gentile. Condado, 2006. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 98! comprometimento espiritual, que prejudica a saúde das pessoas que habitam a casa. De acordo com Martelo, a guiada do caboclo é feita com o pé do pau propositalmente trabalhado para ser a ponta da lança, que o caboclo carrega apontando para cima. Seguindo esta lógica, o Maracatu seria uma brincadeira enguiçada por princípio, associado à coisa ruim, a energias baixas e sentimentos cruéis. Martelo aponta para esta dimensão maligna do Maracatu, contrastando o brinquedo do tempo em que era menino, em que “o cabra tinha que ser macho” para brincar, com o Maracatu de hoje, em que “todo mundo brinca”. A noção de enguiço nos traz a ideia de um ritual que lida com o lado sombrio, violento e maléfico. Numa disputa entre Deus e o diabo, o Maracatu aparece como brincadeira do diabo, anticristã que, numa acepção moralizante da experiência religiosa, estaria a serviço do mal, lidando com a malignidade do mundo, propagando a violência. Estes elementos em muito se assemelham aos rituais pertencentes ao mundo da jurema no Recife, especialmente os “cultos de esquerda” tal como descritos por Carvalho (2003). Entre os maracatuzeiros é predominante a familiaridade com uma religiosidade baseada num catolicismo popular politeísta, chamado genericamente de catimbó, xangô (versão pernambucana do candomblé, dito tradicional) ou jurema (torés, culto semelhante ao que se chama macumba quimbanda, umbanda). No interior, há vários centros espíritas que realizam toques (festas, giras, cultos) “que introduzem entidades várias além dos orixás, tais como caboclos, mestres, exus, pretos velhos, pombagiras” (idem: 88). Embora muitos neguem ter uma relação direta com essas casas ou centros, quase todos os meus interlocutores afirmam que, no passado, quem brincava Maracatu necessariamente estava ligado a uma religiosidade, muito próxima aos chamados “cultos de esquerda” da jurema. “Só brincava homem e homem que soubesse respeitar.” Antigamente tinha mais respeito. Sabe o que era o respeito? Porque muita gente brincava pro Pata [Diabo], então era o calço dele era o Pata. Você sabe o que é a Pata? Então vou explicar, a Pata era: ele negociava com o bicho preto, eles faziam um contrato, eles se contratavam. Antigamente uma mulher num brincava, os meninos não brincavam, as baianas era baiano, homem vestido de mulher. Hoje é diferente, hoje tudo se modificou. Hoje ninguém brinca pro Pata, porque ninguém quer se contratar com o bicho preto. Eu mesmo num quero. Mas antigamente era contrato. Então fazia contrato de 7 anos, de 14, de 21, só era ímpar. Então, quando terminava o contrato, fazia outro. [O contrato] era se entregar ao demônio. Para brincar de caboclo, eles se entregavam ao demônio. E naquele dia [em que o sétimo ano se completava], o demônio vinha buscar ele. Antigamente o pessoal era mais maligno, era para fazer malignidade no mundo. Aqui, Condado, era terra de caboclo ruim, a gente passou num lugar que os caboclos se encontravam, os maracatuzeiros se encontravam lá. Os caboclos que iam se encontravam, tocaiavam. A gente passou lá no Bringa, [o cemitério] de Itaquitinga, lá eles esperavam um pelo outro. Ali morreu muito caboclo. Eles esperavam para brigar com os caboclos de outro Maracatu. Brigar, matar, morrer (Biu Alexandre, dono de Maracatu Leão de Ouro). Biu Alexandre chama de Pata, alegando que não gosta de falar o nome dele, do diabo. O contrato mencionado por Biu Alexandre traz a ideia de que a proteção do caboclo que fazia o ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 99! calço era uma forma de “ficar com o diabo” e poder fazer de tudo, brigar, matar sem nada lhe acontecer. O contrato com o demônio é narrado como uma forma de se preparar para a diversão daqueles dias: brigar, lutar, matar ou morrer, mas com respeito. O respeito é considerado essencial para a brincadeira dar certo, para o brinquedo não se desmantelar. Respeitar, como diz Biu Alexandre, é entender o Maracatu. A demonstração do respeito se dá primeiramente com o resguardo sexual, “ficar afastado de mulher” antes e durante o carnaval, para manter o corpo fechado. Os rituais de respeito, no Maracatu, estão ligados ao segredo, um tipo de preparação espiritual: O apito é o segredo, segredo da sambada [disputa poética entre dois mestres de Maracatu]. Chegando o carnaval, ninguém pode pegar naquele apito, só o mestre. Não pode deixar ele num canto, ele tá preparado para tudo. Todo o segredo do mestre tá no apito. Quando a mãe de santo calça, vem todo aquele segredo na bola do apito. Se bobear, não canta nada, se alguém pegar, desmantela, pode até acabar o Maracatu, todo cuidado é pouco (Mestre Negoinho, poeta de Maracatu). A interdição do contato sexual é a principal forma de respeito, tendo um caráter inquestionável entre os maracatuzeiros. O corpo carnavalesco do Maracatu parece manter a sua força, entre outros segredos, através do controle dos fluidos vitais.16 A importância dos fluidos vitais, no universo do Maracatu, se mostra também na proibição da presença das mulheres, como elemento perturbador, não só pela interdição sexual, mas por conta da menstruação, já que o sangue, quando não é ritualmente oferecido às entidades, deixa o “corpo aberto”. A proximidade com a morte também estabelece um vínculo de sangue: “dar o sangue ao demônio como os caboclos antigos faziam” é visto como um compromisso que transcende o plano da vida, numa aliança de sangue e fluido vital com o “porteiro do inferno”. O caboclo assume, no pacto, uma liberdade (poder) para matar em vida e um aprisionamento infernal na morte. Diante da possibilidade da morte, o caboclo reúne todas as forças e os fluidos vitais para lutar. Tanto o oferecimento do sangue quanto a retenção do sêmen garantem a concentração da sua força. A força e o poder adquiridos através do contrato com o demônio são narrados em fascinantes histórias sobre os caboclos velhos, em performances sobrenaturais:17 pular a janela de costas “com o surrão 18 e tudo”, saltar para dentro do miolo de um Maracatu rival !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 16 Serve-nos aqui a ideia de técnica, no sentido que Mauss (2003:407) lhe atribui: “um ato tradicionalmente eficaz (e vejam que nisso não difere do ato mágico, religioso, simbólico)”. 17 ! Uma das histórias mais famosas na região é a do caboclo João de Mônica, que desapareceu depois do 21º carnaval do contrato com o diabo. Conta-se que o diabo veio buscá-lo, pois ele não refez o contrato pra brincar o carnaval no 22º ano. “Ele só fazia tudo encarnado (vermelho): chapéu, gola, tudo”, diz Martelo.! 18 O surrão é um grande chocalho de metal usado pelo caboclo de lança. A própria palavra surrão indica o ato de surrar, bater. O saber bater o surrão está associado ao som produzido pelo movimento do corpo que carrega o surrão, a habilidade com que ele manobra, anda, corre, luta, dança, maneja a guiada (lança), balança a cabeça (com o pesado chapéu), engana, faz graça, mostra sua beleza. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 100! para furar a bandeira, brigar de lança com vários caboclos sem ficar com arranhão, passar os três dias de carnaval “cortando pelos engenhos a pé” com o surrão nas costas. Que nem antigamente, que o povo fazia calço para isso mesmo, para pular a janela de costas, para encontrar o camarada dele e meter-lhe o cacete, bater pau um com outro e até se matar e furar uns aos outros. Às vezes ele pegava uma briga com o amigo dele, antes do carnaval, aí guardava aquilo ali tudinho, para pegar durante o carnaval, ia descontar só na semana de carnaval. Agora não tem mais isso, não, até porque os Maracatus agora são cheios de meninos, ninguém quer botar as crianças em bico de pau. Mas, antigamente, a diversão era brigar. Desconta a mágoa de São João no Carnaval (Aguinaldo, caboclo de lança e puxador de cordão). As inúmeras práticas ligadas à preparação espiritual, como o contrato, o calço, os banhos de descarrego, inspiram a ideia do carnaval como um ritual de guerra. A violência religiosa, operando como fronteira dos conflitos interpessoais, é analisada no livro Guerra de Orixá, através das mútuas agressões simbólicas e físicas entre diversos integrantes de um grupo de umbanda (Maggie (1979) apud Carvalho, 2003). O caboclo de lança é descrito num tal estado de braveza e êxtase que, ao encontrar qualquer pessoa pela frente, seja seu próprio pai ou mãe, ele enfrenta. Esse espírito diabólico do caboclo, no carnaval, pode ser aproximado ao tipo de relação agonística a que Aguinaldo se refere: “desconta a mágoa do São João, no Carnaval”. Para Martelo, um dos caboclos mais antigos e que ainda brinca no Maracatu, “caboclo de verdade é aquele que já foi no inferno”. Ele é conhecido na região por saber muitas histórias de Maracatu e há quem diga que ele é uma “prova viva”, isto é, um caboclo que efetivamente fez o contrato.19 Essas histórias antigas de Maracatu circunscrevem uma noção da diversão carnavalesca associada à violência, bebedeira, brutalidade, masculinidade. As Três Vendas,20 local conhecido na Zona da Mata Norte pela convivência, bebedeira e briga da cabocaria, têm histórias famosas que expressam essa forma de diversão dos caboclos antigos. As Três Vendas foram tema de uma música do grupo pernambucano Mestre Ambrósio:21 Bebeu cana nas três vendas Engoliu cobra coral Não vá lá mano Que os cabra pega você E a cana já tá cortada Nem tem pro’onde se esconder Vadeia mano Escuta o que eu digo a tu !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 19 “Existia, antigamente, que quem brincava um ano, tinha que brincar sete [...] Isso é bem antigo, há muito tempo, no tempo que Maracatu andava a pé, há uns 60, 80, 90 anos atrás. E hoje existe uma prova viva disso, que é um tal de Martelo lá de Condado, ele foi um dos caras que fez o pacto com o demônio.” ! 20 As três vendas ficavam em Chã de Camará, no município de Aliança, Zona da Mata Norte de Pernambuco. Eram três armazéns muito próximos, localizados neste sítio pertencente a Mestre Batista, famoso dono de Maracatu e CavaloMarinho. Atualmente, há apenas uma das vendas. 21 “As Três Vendas” é a faixa 7 do primeiro disco do Mestre Ambrósio, música e letra de Siba. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 101! Melhor tá no teu terreiro Sambando Maracatu Bebeu cana nas três vendas Engoliu cobra coral Pra ir lá mano Escuta o que eu digo a você Beber com a cabocaria Muito macho tem de ser Pra pegar na cobra viva Matar com o dente e comer Vou chamar minhas cobrinha Do tronco do jurema Surucucu, cascavé, Salamanta, jiricoá22 Bebeu canas nas três vendas Engoliu cobra coral A letra mostra uma sociabilidade dos caboclos maracatuzeiros, vista na bebedeira da cana, estimulando a exaltação de uma masculinidade marcadamente agressiva, que se apresenta através da imagem do homem que come uma cobra viva.23 Há muitas histórias recorrentes sobre os carnavais antigos que demonstram essa atuação violenta das pessoas que brincavam. Conta-se, por exemplo, que os caboclos roubavam baianas de outros Maracatus que estivessem desacompanhadas. Baianas que, embora fossem homens vestidos de mulher, não tinham como lutar com um lanceiro e viam-se obrigados a brincar no Maracatu rival. Diz-se que, por causa disso, os caboclos passaram a ter que buscar as baianas em casa para tentar evitar o roubo. E, mesmo assim, era capaz de um grupo maior de caboclos querer roubar as baianas. Há referências também a um tipo de trabalho espiritual que se fazia para criar a ilusão de um grupo de três caboclos levando baianas parecer, aos olhos de outros caboclos, um grupo de 30 caboclos, intimidando um possível ataque. As sambadas pé-de-parede – a disputa poética de dois mestres – também são descritas como eventos que podiam acabar “manchando o terreiro de sangue”. Na disputa de dois mestres, as torcidas exaltadas se provocavam, até o ponto em que “embolava tudo” e no fim havia mestre morto, gente ferida, instrumentos destroçados. O cemitério da cidade de Itaquitinga é narrado como o cenário de muitas mortes de Maracatu. Os caboclos dirigiam-se para o cemitério dos Bringa para bater pau, e ouve-se dizer até que alguns eram “enterrados lá de surrão e tudo”. Outra recorrente narrativa é sobre uma bebida tomada pelos caboclos, o azougue, uma mistura de cachaça, pólvora, limão e ervas, que deixaria os caboclos ligados, agitados, azougados. A ênfase na preparação para o carnaval, na construção de um corpo invencível, !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Linha tradicional de catimbó.! Peter Burke (2000:219) descreve os carnavais europeus tradicionais através de características como: ênfase na bebida e na violência, composição de sociedades carnavalescas dominadas por adultos do sexo masculino, interpretadas por ele como rituais de afirmação da masculinidade. 22 23 ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 102! com privações e controle do corpo durante esse período, tem motivação na ideia de êxtase, sacrifício e flagelo do corpo. Um contraponto às performances dos caboclos antigos são as chamadas “demandas” da umbanda, ou “provas de fogo”.24 Através da imagem de uma guerra generalizada – violência, descontrole, descarga de emoções – essa simbólica da diabólica do carnaval dos antigos constitui uma ruptura com a ordem, com a vida social, num plano de destruição radical. A festa como agenciamento da agressividade, evidenciando um caráter anticristão, logo profundamente cristão, já que, “ao negar seus símbolos, usa o mesmo universo mítico”, descrevendo não só uma inversão da ordem, como uma intenção de “assustar chocar, infundir o medo, através de uma simbólica do imaginário dominante” (Carvalho, 2003:98, 99). O passado aparece, nesses discursos, como uma forma de atribuir sentido ao respeito, às práticas espirituais e aos rituais presentes no Maracatu atual, acionando um fundamento à noção de carnaval desses Maracatus. Porque Maracatu... no interior, a turma diz que quem brinca Maracatu tem pacto com demônio, é amaldiçoado. Tem gente que diz que dá no pai, dá na mãe. Essa história eu já tinha escutado desde criança: tem que amaldiçoar o pai, amaldiçoar a mãe. A turma falava que, antigamente, caboclo pulava a janela de costas, fazia todo o ritual, fazia pacto com o diabo para brincar aquela quantidade de anos. Depois sumia, ou o diabo vinha carregar. Amaldiçoava o pai, a mãe. [Como assim?) Quando botava arrumação25 não conhecia mais ninguém e se tivesse na frente, matava... Por isso que não respeita nem pai, nem mãe, se tivesse na frente, passava por cima. Aquela época era uma época bem mais religiosa que essa, porque hoje qualquer pessoa, até um cara bicado, pega arrumação e brinca de caboclo, mas naquele tempo, não. Tinha um resguardo maior, viviam pra aquilo ali mesmo, aquilo ali era outra coisa.... Ainda tem, ainda existe isso. Do respeito. Respeitavam mais, você botou aquilo ali tá pro que der e o que vier. Morria por aquilo ali. Quem brinca de caboclo, eles não dizem, mas um quer ser melhor que o outro. E quando um caboclo arreia guiada pro outro, tá procurando confusão. E o outro não quer ficar por baixo. Aí é a hora de dizer que é melhor é agora. Ninguém fala, faz (Fabinho, caboclo de lança). O tempo passado é um território privilegiado para se discorrer sobre assuntos pesados que carregam tantos preconceitos de uma sociedade da qual hoje o Maracatu faz parte. Não se trata aqui de construir uma versão do processo histórico de espetacularização da brincadeira, mas investigar como é identificada a ruptura que, do ponto de vista nativo, delimita o tempo passado, demonstrando que estes assuntos pesados não foram totalmente excluídos do processo de espetacularização, embora as brigas tenham sido proibidas neste novo contexto. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 24 “Colocar a mão no azeite de dendê fervendo para ver se está mesmo com o santo” (Maggie [1975] apud Carvalho, 2003). 25 Arrumação é como se denomina a indumentária do caboclo de lança. Ela é constituída de surrão (chocalho), gola, chapéu, lança. A arrumação completa pesa aproximadamente 25kg. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 103! Depois que a “cultura” olhou, viu de perto aquela situação, depois que Mestre Salustiano viu, aí abriu uma lei que a gente não pode fazer essas coisas. Se tiver briga, o Maracatu pode ficar sem brincar um ano ou dois. Há uns 25 anos atrás, desmanchava o brinquedo todo por causa de briga. Aí, depois, Manel Salu arrumou e foi bom26 (Inácio, caboclo de pena). Antigamente, só quem dava valor era quem brincava. Se existia cultura, ninguém sabia. Hoje a gente sabe que tudo na vida era “cultura”: Cavalo-Marinho, Maracatu, cantador de Coco, Xangô. Tudo era cultura, mas não existia. Hoje a cultura descobriu tudo, que tudo é “cultura” (Biu Alexandre, dono do Maracatu Leão de Ouro). As atribuições de valor trazem, para a investigação, um plano relevante no qual opera uma rede de reciprocidades. O reconhecimento, por parte da cultura oficial de um “valor cultural” na brincadeira, é dado através da decodificação do Maracatu e uma consequente recodificação, de maneira que se transforme em “cultura”, do ponto de vista nativo. A circularidade entre essas noções inventa valores, estabelecendo rupturas simbólicas. Como na fala de Biu Alexandre, o valor que os maracatuzeiros davam ao que faziam é visto, pelo outro, como cultura, se ele se comportar como tal, especialmente rivalizando segundo um código dominante comum, o código da cultura e não mais o da violência. O Maracatu se reterritorializa27 como brincadeira, folguedo, enquanto valor singular inventado, por meio de uma contrainvenção do que é cultura para a “cultura” (Wagner, 2010). Nesta nova configuração, o que se vê é a confluência de um saber dominado pelos conhecedores e do respeito a certas regras e tabus que devem ser seguidos por todos os participantes, com o processo de transformação do Maracatu em “cultura”. Se, por um lado, a espetacularização pacificou o Maracatu, por outro, certos códigos e tabus relacionados ao tempo passado são atualizados nesta nova configuração da brincadeira. Manuela Carneiro da Cunha, numa discussão recente e conceitualmente próxima a esta, afirma que, do ponto de vista da apropriação nativa do conceito de cultura, trata-se da aquisição de algo que os nativos já possuíam: Na linguagem marxista, é como se eles já tivessem “cultura em si” ainda que talvez não tivessem “cultura para si”. De todo modo, não resta dúvida de que a maioria deles adquiriu essa última espécie de “cultura”, a “cultura para si”, e pode agora exibi-la diante do mundo. Entretanto, como vários antropólogos apontaram desde o final dos anos 1960 [...], essa é uma faca de dois gumes, já que obriga seus possuidores a demonstrar performaticamente a “sua cultura” (2009:313). !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 26 A Associação de Maracatus de Baque Solto é frequentemente identificada como responsável pelo fim das brigas e o controle da violência entre os Maracatus que se encontravam no carnaval. Fundada em 1990, em Aliança, na Mata Norte, por 13 dirigentes, tem como seus principais articuladores mestre Salustiano, mestre Batista, Biu Hermenegildo. 27 ! “O território é de fato um ato, que afeta os meios e os ritmos, que os ‘territorializa’. O território é um produto de uma territorialização dos meios e dos ritmos” (Deleuze & Guattari, 2002:120).! 104! ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ O que ocorre no Maracatu é precisamente esse processo. Sua especificidade recai sobre uma nova atualização do princípio agonístico da brincadeira. Se antes ele estava baseado na violência e na força física, agora assume uma ênfase estética e simbólica, cujo auge é a competição entre os diversos grupos de Maracatu, realizada durante o carnaval, pela Federação Carnavalesca de Pernambuco. Essa “faca de dois gumes” não pode, é claro, ser levada ao pé da letra, pois a violência física, embora não esteja mais no centro da disputa, tampouco desapareceu por completo da brincadeira, sendo sempre uma possibilidade eminente. No tópico seguinte exploro as transformações e as ressignificações ocorridas durante esse processo de passagem do Maracatu da guerra para o Maracatu da “cultura”. III. O Saber e o Segredo Até mesmo a criançada hoje já não sente medo De ver caboclo rochedo De surrão gola e de guiada Ela fica é encantada Com o brilho da fantasia O toque da bateria Agita adulto e criança Maracatu virou dança Pra criançada hoje em dia Mestre Antonio Roberto, autor deste samba em dez linhas,28 sintetiza bem os principais contrastes do Maracatu do Passado com a contemporaneidade. A partir dos seus versos, trataremos de algumas questões que se destacam neste processo de transformação do Maracatu em “cultura”: a participação de mulheres e crianças, a relação com o dinheiro e a preparação individual e coletiva para o carnaval. Estas questões trazem à tona relações de saber-poder e acionam noções nativas como respeito, interesse, amor e desmantelo. Os versos da epígrafe demonstram como o Maracatu deixou de ser uma brincadeira temida pelas crianças, que atualmente tomam parte da festa. O mesmo ocorre com as mulheres. A participação das mulheres e das crianças no Maracatu é um dos aspectos que demarcam uma ruptura: a passagem da guerra para um espetáculo. 29 A presença das mulheres coloca ainda outras problemáticas relativas à proibição do contato sexual durante o carnaval. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 28 Maracatu do Passado é o título deste samba que nos serve de epígrafe. É a faixa 2 do CD de Antonio Roberto, na coleção Poetas da Mata Norte. 29 A Federação Carnavalesca de Pernambuco (FCP) teve um papel fundamental nas modificações do Maracatu, exigindo a presença de mulheres e crianças com o objetivo de pacificar a brincadeira. 105! ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ No ano de 2006, o Maracatu Estrela de Ouro reuniu aproximadamente 100 integrantes; a divisão entre os integrantes nos veículos que conduziam o grupo durante os três dias de carnaval era a seguinte: havia um ônibus para os homens e outro para as mulheres. Na escola municipal, em Recife, que hospedou o Maracatu durante o carnaval, com comida e dormida, também havia uma separação: as mulheres dormiam no andar de cima e os homens no andar de baixo. Este contato entre homens e mulheres é evitado, sempre que possível, na organização espacial do Maracatu durante o carnaval. A proibição das relações sexuais – que se inicia antes do carnaval (o tempo varia de Maracatu para Maracatu, de pessoa para pessoa: 1 mês, 15 dias, 7 dias) e se estende até a quarta-feira de cinzas – é um princípio do Maracatu, confirmado por absolutamente todas as pessoas com quem conversei. O resguardo sexual é uma questão de respeito ao Maracatu, associado ao saber. Teve um ano, quando eu brincava no Piaba [de Ouro], com Mestre Salustiano, que uma baiana fez um negócio errado lá e a gente ficou pagando pato. Quase todo mundo adoeceu, porque ela fez coisa errada. Ninguém pode dormir junto. Porque o que acontece: adoece baiana, adoece folgazão, qualquer coisa aparece no Maracatu. A gente não quer mandar em ninguém, a gente avisa. Quem não sabe, não sabe, mas aqui no interior todo mundo sabe disso. Porque alguma coisa acontece no Maracatu, pode acontecer até com a própria pessoa, mas não acontece com a própria pessoa, acontece com os outros. Eu mesmo, eu não tô brincando, mas eu dormi aqui no chão. Porque a gente tem que procurar o lugar da gente, mesmo se alguém lá fora não respeitar, a gente tem que respeitar e ainda paga o pato. [...] Quando se respeita, ninguém adoece, quer dizer, do meu conhecimento, né? (Biu Alexandre). O contato entre os sexos masculino e feminino é um tabu no Maracatu, é algo que perturba o equilíbrio da brincadeira, vai contra o princípio de ordem do carnaval. Visto que nesta separação, neste sacrifício reside uma força, as pessoas que estão brincando devem controlar sentimentos e ações que possam prejudicar o coletivo e, fatalmente, ajudar o inimigo. O Maracatu, tal como se encontra atualmente, traz no corpo da brincadeira muitas mulheres, o que complexifica ainda mais esta questão, já que a mulher é uma rival que está no interior da própria brincadeira. A mulher como “gênero fisicamente ausente, mas simbolicamente onipresente em negativo” problemática contemporânea do Maracatu. (Wacquant, 2003:87) nos conduz a esta 30 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 30 Conta-se que a primeira mulher que brincou num Maracatu era uma mãe de santo, que preparava espiritualmente o brinquedo de João Lianda, em 1965. Ela brincou com a boneca que é a madrinha do Maracatu, que precisa de cuidados que ajudem a manter a harmonia coletiva. Joabe conta que, “quando os outros Maracatus viram que era mais bonito botar uma mulher de dama do passo, todos começaram a botar”. Mas, ressalta, que muitas mulheres não tinham preparo para brincar Maracatu por não saberem lidar com aquilo. ! ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 106! Além do resguardo sexual e da separação de espaços femininos e masculinos, há uma recomendação de que as mulheres não toquem nos objetos, nas fantasias e também no corpo dos caboclos. Esta recomendação é ainda maior quando se trata da esposa, da namorada etc. O respeito pela brincadeira é uma maneira de manter o corpo fechado e não enfraquecer o coletivo, pois as consequências de uma má conduta podem recair sobre outra pessoa mais fraca, que esteja menos preparada. Os conhecedores do Maracatu costumam dizer que as mulheres não têm compromisso com o Maracatu, que elas não respeitam, pois não acontece nada com elas, “acontece com o cabra”. As atribuições dos infortúnios carnavalescos trazem o elemento feminino como base de “acusações”. As tentativas de coerção são visíveis ao longo do carnaval: o controle social das ações individuais, as chamadas de atenção dos mais velhos sobre as meninas (adolescentes) que brincam. Neste plano é que se distingue quem conhece e respeita a brincadeira. *** Em alguns anos atrás Maracatu se encontrava Com outros sempre brigava Mas hoje não brigam mais Acharam um caminho de paz E de muita boa vontade Porque hoje na verdade O que vale é fantasia Talento e sabedoria Perfeição e qualidade O processo de espetacularização e profissionalização dos Maracatus, como revela uma vez mais o poeta Antonio Roberto, traz um deslocamento do eixo de expressão da rivalidade entre os grupos. A disputa é identificada como uma das principais pulsões do Maracatu, seja no enfrentamento físico (dos caboclos), na batalha poética (entre mestres de Maracatu), ou na beleza do Maracatu (na plasticidade, na dança, nos gestos). Neste sentido, o passado marca um tempo em que a força e a braveza do caboclo era o que o qualificava como melhor do que o outro. A arrumação do passado é frequentemente descrita como feia e mal cheirosa: “um chucaiozinho de Mateu, com duas correias de couro fedido”. Essa passagem de uma brincadeira que “só era de barulho” para um espetáculo visual de cores, brilhos e movimentos tem no próprio referencial da luz elétrica um significante da visualidade. Se, no passado, a maior qualidade agonística de um Maracatu era identificada na braveza – “o pessoal fazia intriga no meio do ano e guardava pro carnaval” – nos tempos atuais, a busca dos grupos gira em torno da beleza e da plasticidade. Biu Alexandre compara o Maracatu dos dias de hoje com uma festa leve, como um aniversário: “Carnaval hoje é como ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 107! um aniversário. Aquela quantidade de amigo, aniversario é aquilo, não tem nenhuma confusão”. Nosso carnaval de 20 anos atrás era violento, só saía para desmantelar os outros. Antigamente, um caboclo num saía sozinho, porque tinha caboclo de outro Maracatu esperando. Hoje, a vingança é na arrumação, de fazer um caboclo mais bonito que o deles (Inácio, caboclo de pena). O Maracatu, tal como se encontra hoje, é considerado uma brincadeira onde todo mundo brinca, mulheres, crianças, gente que está atrás de dinheiro, ou simplesmente quem quer “aparecer cheio de boniteza e brilho no carnaval”. Assim, não existe restrição para quem brinca Maracatu, como Biu Alexandre me disse: “para brincar, é só querer”. A ideia aqui é a cultura valorizando a beleza do Maracatu, o espetáculo. A brincadeira, na linguagem atual, reveste suas armas nos termos da “cultura”, isto é, no que se pode comprar com o dinheiro. O reconhecimento da sociedade é visto, pelos maracatuzeiros como um olhar diferente sobre aquilo que eles faziam, como fica claro numa conversa entre caboclos de lança, puxadores de cordão: Martim: Esse negócio de folclore começou de um tempo pra cá. Eu nem me lembro o tempo. Aguinaldo: Esse negócio, quem descobriu isso aí foi esses povos de fora, isso é com vocês. O dinheiro é considerado pelos maracatuzeiros como uma das mudanças trazidas pela “cultura”, para o Maracatu: “Dinheiro tem valor agora, antigamente dinheiro não tinha valor”, diz Martim, contando que quem brincava no passado não esperava ganhar “um troco” depois do carnaval. !“Hoje muita gente brinca por amor... mas por amor ao dinheiro e não por amor à brincadeira”, afirma Biu Alexandre, ressaltando o valor do dinheiro como uma maneira de medir o interesse e o amor da pessoa pela brincadeira. Se a pessoa brinca por amor à brincadeira, ela brinca até sem ganhar nada. Se a pessoa gosta daquilo de verdade, investe seu próprio dinheiro, para fazer ou melhorar sua arrumação: “não fica só pegando arrumação de sede”. Se Carnaval é da parte do satanás, eu acho que já foi, não é mais. Aqueles tempos atrasados, eu ouvia pessoa velha falar: fulano vai pra mata, faz um negócio pra fazer assim: vai ali pedir ao satanás pra brincar tantos anos de carnaval. Dá o sangue ao satanás, um dedo, um braço, uma perna, um olho. Tudo isso eu ouvia cabra velho dizer. Que caboclo véio fazia aquilo ali. E conseguia aquilo através do satanás. Hoje não, hoje mudou muito. É que nem seu Martim e pai falou pra você. O cara saía daqui e ia pra Nazaré a pé, ia pra Aliança a pé, pra Timbaúba a pé. Não tinha passarela, não tinha esse negócio de prefeituras fazendo aquela festa nas cidades. Era pesquisando, como um caboclo sai, pedindo um trocado. Hoje toda cidade aqui no Pernambuco tem carnaval. Hoje todo mundo corre atrás... mas é do dinheiro (Aguinaldo, caboclo de lança). ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 108! *** Maracatu de Outrora Passava por desespero O brinquedo do terreiro Brigava com o de fora Só que está sendo agora muito mais civilizado Depois de modernizado Ninguém briga com ninguém Que a modernidade vem Dando apagão no passado. “Brincar Maracatu é muito fácil, o negócio é entender Maracatu”, diz Biu Alexandre. E o que é entender Maracatu? O que sabem as pessoas que entendem Maracatu? Diante destas perguntas, a primeira coisa que aprendi é que quem sabe não diz. O saber está relacionado a um segredo e a uma entrega. Como formula o músico de Maracatu Joabe: “Maracatu é mistério, é muito difícil de entender. Tem que se entregar de corpo e alma, virar um amante de MBS”. Se “hoje todo mundo brinca”, a alusão ao passado, ao respeito, qualifica quem conhece Maracatu. O respeito é uma noção nativa, que demonstra a consciência de quem brinca, do que se faz no Maracatu, da profundidade daquele mundo. “Agora como é entender o Maracatu: primeira coisa o respeito. No Maracatu se a pessoa é casada, não pode nem dormir junto com a mulher. Ele tem que respeitar aquela brincadeira. É porque muita gente não respeita, às vezes dá até certo desmantelo”. Antigamente, a nação do Maracatu saía na rua. Se o homem em casa deitasse com a mulher, acontecia um monte de desavença no Maracatu, isso é real. Por isso que muito Maracatu acabou em merda, todo mundo deu disenteria. Aconteceu de Maracatu se perder dentro de uma cidade, da qual ele era de lá, e não conseguir sair pra outra cidade. As pessoas acham que isso é coisa da cabeça do povo, mas não é, essa é a realidade do nosso povo. Hoje, tem muito maracatuzeiro que vai fazer coisa pro outro Maracatu não sair, porque é mais bonito do que ele. E se der um vacilo, qualquer coisa acontece. Acontece de o carro quebrar, do mestre adoecer, acontece muito do mestre ficar rouco, não cantar nada. Pra todos os efeitos, ainda existe o respeito (Joabe, instrumentista). Quem toma parte num Maracatu está sujeito ao perigo, ao azar, ao desmantelo. Não somente o carnaval é considerado um período em que “tem muita coisa-ruim solta”, como também, para agravar, quem está brincando no Maracatu é muito visado, “está cheio de brilho e boniteza”. Quem brinca no Maracatu deve estar com o corpo fechado para não se tornar alvo de inveja, do olhado, enfim, dos sentimentos negativos, dos quais o carnaval parece ser um forte catalisador. Como diz Seu Luiz, um mestre de caboclo: ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 109! um caboclo que pega uma arrumação é um caboclo, né? É um caboclo, mas falta muito pra ser um caboclo. Tendo umas pessoas que sabem o que é Maracatu, brincar Maracatu é muito fácil. O negócio é ter uma experiência de um caboclo, aí é que são elas. Essa ideia de que, para ser caboclo, não basta simplesmente botar uma arrumação, mas saber ser caboclo inclui sempre uma moral de “dizer que não sabe”. No interior se diz que “quem é bom, o povo é quem fala”. O saber está ligado ao segredo. Quem sabe guarda. O saber é definidor das posições e das responsabilidades dentro do Maracatu, especialmente em se tratando dos caboclos, que são os protetores do Maracatu como um todo. E como já foi dito, o carnaval é um momento de grande intensidade dos maus sentimentos, como a inveja, o mau olhado.31 O respeito dinamiza uma noção de responsabilidade individual, que assegura o equilíbrio espiritual do coletivo. O esquema de coerção e autocontrole se revela na tentativa de estabelecer a sorte, isto é, de afastar o desmantelo. O calço é conhecido pelo povo de Maracatu como uma preparação espiritual, a busca de uma força externa para brincar o carnaval protegido. O ritual de feitura do calço é descrito de formas variadas, sendo uma prática utilizada ainda hoje para fechar o corpo no período do carnaval. Entre as formas mais mencionados de fechar o corpo estão os preparos individuais: banhos de descarrego, defumar a arrumação, acender vela. O calço propriamente é considerado como preparação que precisa ser feita por um especialista, um pai de santo ou uma mãe de santo. No caso dos caboclos, o calço seria um preparo no cravo; no caso dos mestres, um preparo no apito ou na bengala. O cravo é a chave do corpo do caboclo. Pra fechar o corpo, ele leva o cravo pra casa de macumba, pra calçar. O mestre leva a bengala. Quando você veste aquela arrumação, você não é mais você, você é um caboclo de lança, uma entidade de Maracatu. A pessoa não reconhece mais as feições, você fica incansável, brinca sem parar. Maracatu hoje virou um bloco, uma diversão. Poucas pessoas estão ali por causa da religião O segredo parece ser uma fórmula mágica, coletiva ou individual, que tanto pode ser falada como tocada. Se o segredo for revelado, o Maracatu desmantela. Se alguém toca no segredo (o apito do mestre ou o cravo do caboclo), também desmantela. Mesmo que o segredo tenha sido bem guardado, se alguém desrespeitar, desmantela. O segredo do Maracatu também é sua força. Cito uma conversa entre Aguinaldo (caboclo de lança) e Amaro (baiana): Aguinaldo: o dono de Maracatu tem segredos, tem coisa que ele não pode dizer. Eu mesmo que não sou dono tenho coisa. Tem coisa que ele guarda com ele até morrer. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 31 ! O trabalho de Malinowski (1978) nos inspira aqui na medida em que uma das dimensões centrais do kula é a rivalidade entre os parceiros e a magia é utilizada para assegurar o bom desempenho, assim como as análises de Mauss (2003) sobre o potlatch.! ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 110! Tem coisa que só sabe quem é de Maracatu. Porque se vira fuxico, é fácil outro Maracatu saber. Dono de Maracatu nenhum conta seu segredo, pois o outro pode tentar acabar com ele e a brincadeira. Amaro: É quase que nem candomblé, que também tem segredo. Eu levanto meu terreiro, faço um filho de santo, mas tem coisa que eu não ensino a ele, o ponto de matar. Um dia ele pode ter ódio de mim e me matar: ele vai usar o segredo. Esta e outras conversas me levaram à ideia de que, “quase que nem candomblé”, há uma iniciação no Maracatu. Que os segredos do Maracatu dizem respeito ao saber, ao fundamento. Não se pode deixar escapar o saber do Maracatu, pois ele constitui uma força que, caso fique fora do controle dos seus guardiões, torna-se um ponto fraco. Este saber, no entanto, não está ao alcance de qualquer pessoa que brinque no Maracatu. Muito pelo contrário, os que sabem devem tornar-se merecedores através do próprio caminho de busca do saber. No plano coletivo, o Maracatu parece necessitar de um preparo para estar protegido de qualquer problema que possa desmantelar o grupo: seja por motivo de doença ou bebedeira em excesso de algum integrante; seja por uma apresentação malfeita; seja pelo fato de o mestre não dar conta da improvisação dos versos; seja porque os músicos ou o terno não estão aprumados; ou porque outro grupo faz mandinga. O dono do Maracatu deve se responsabilizar pela preparação do Maracatu como um todo: consultar uma mãe de santo, jogar búzios e fazer o que for necessário para botar o Maracatu. Botar o Maracatu refere-se a um esforço (trabalho) do dono do Maracatu para colocar o brinquedo na rua. Mas é muito usual ouvir este verbo em relação aos brincantes: “fulano tem que saber a hora de botar o caboclo”, que expressa uma habilidade do brincante em se deixar ser possuído pelo personagem e também ter controle sobre ele. A preparação espiritual, no plano individual, transmite a ideia de que o maracatuzeiro precisa construir um novo corpo para brincar o carnaval. Um corpo espiritualmente imunizado à doença, ao insucesso numa briga, à ressaca e ao cansaço depois do carnaval. O carnaval na Zona da Mata dá a ideia de que uma espécie de espírito maracatuzeiro possui os folgazões e os faz terem disposição para uma verdadeira peregrinação. Desta forma, os maracatuzeiros passam três dias e três noites viajando por estradas esburacadas, apresentando o brinquedo sob sol fortíssimo e sob o sereno da madrugada, dormindo cerca de três horas, bebendo muito (grande parte, apesar de alguns donos proibirem a bebida) e, ainda assim, motivados pela certeza de que, se nenhum deslize espiritual for cometido, não ficarão doentes e muito menos cansados. É como se, mesmo forçando ao máximo os limites do corpo, ele não cedesse, pois está sustentado por uma força espiritual. Essa força espiritual é, em alguns casos, um espírito encostado, que acompanha e protege o caboclo. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 111! O carnaval parece ser uma espécie de prova de resistência. Mesmo sendo uma grande diversão, tem um sabor de sacrifício. Neste plano é que parece acontecer a simbólica de uma guerra, tendo os caboclos de lança nas trincheiras, como também uma batalha com o próprio corpo, em que o maracatuzeiro luta com sua resistência física, com a exaustão mental, indo até os últimos limites do corpo e da saúde pelo carnaval. Eu, no carnaval, sou uma coisa. Eu aqui tô em mim mesmo, no carnaval, eu tenho uma companhia comigo. Só no pintar da cara a gente se sente... Isso aí eu aprendi com meu tio: se você é caboclo de Maracatu e tem aquele clima pra carnaval e no domingo de carnaval, depois que você se vestir, você for pintar sua cara, no espelho, e depois de pintar a cara não vê outra cara encostada, você não tá preparado pra brincar o carnaval. Quer dizer que você é aquela companhia que botaram em você pra brincar. Depois que tô no espelho e me pinto, a minha família reconhece que eu tô diferente, que eu mudei. Meu sangue se some. Dá uma evolução no corpo. Chega na terça-feira, tomo um banho de mato cheiroso, troco de roupa e tô novo.32 Nas várias conexões dos modos de conhecimento do Maracatu com as religiões afrobrasileiras, uma noção que nos parece central é a ideia de uma concepção ontológica carnavalesca. Tal como no candomblé, a concepção ontológica central é o caminho entre o “não-ser” do homem (não-iniciado) e o “ser” pleno dos orixás ou caboclos, podendo ser pensado e construído como uma “continuidade que poderia ser percorrida por aqueles que, ingressando no culto, passam por todos os rituais e aceitam todas as obrigações” (Goldman, 2003:14). Como sugere Goldman, o caminho entre o “ser” e o “não-ser” é “uma estrada aberta e cheia de idas e vindas, de perigos, que se acentuam ao longo do percurso. [...] nesse sentido a possessão aparece como um clarão fugaz e passageiro dessa realização do ser” (idem). As narrativas do passado sugerem que nos tempos antigos os integrantes do Maracatu eram, em sua grande maioria, preparados espiritualmente para a vivência plena e religiosa do carnaval. Fica a imagem de grupos exclusivamente masculinos, “cabras machos” que estavam dispostos a tudo pela brincadeira. Atualmente, com o processo de transformação do Maracatu em “cultura”, os grupos passaram a ser mais heterogêneos, permitindo a participação de mulheres, crianças e homossexuais (que por principio não poderiam fazer parte do conjunto, segundo pressupostos religiosos) e mesmo de homens que brincam “só por esporte”, isto é, que não têm “um conhecimento em Maracatu”. O Maracatu pacificado torna-se mais flexível e, neste sentido, menos religioso. No entanto, certas prescrições e tabus continuam sendo praticados, transmitidos e ensinados pelos conhecedores do Maracatu como uma garantia de que a brincadeira esteja espiritualmente protegida. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 32 Preferi nesta fala específica preservar a identidade do meu informante. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 112! IV. O Fim do Ciclo: o Carnaval de Páscoa Chuva forte da manhã. Escuta-se o bater do surrão de caboclos que andam na rua. Um caboclo passa na porta da casa. Clécia, filha de Aguinaldo, comenta: “parece até véspera de Carnaval”. É sábado de Aleluia. Quando saímos na rua, avistamos catitas brincando, fazendo graça com as pessoas. Aguinaldo: “Semana Santa aqui tem gente que só come uma vez por dia, não toma banho e não namora”. Eu indagando: “como no carnaval?”. E ele responde: “é, quase que nem carnaval”. Na manhã seguinte, domingo de Páscoa, dez caboclos de Condado, entre eles participantes do Leão e do Estrela, lotam duas kombis para Itaquitinga. Todos na expectativa da surpresa que fariam para Seu Baixa, dono do Maracatu Leão da Mata de Itaquitinga. Bel, o caboclo que estava organizando o carnaval de Páscoa, havia combinado com os tocadores do terno do Maracatu de seu Baixa. O Maracatu da Páscoa, composto apenas de terno e caboclos, manobrou algumas vezes na frente da sede do Leão da Mata, surpreendendo Baixa e sua mulher, que logo trataram de improvisar um almoço para o pessoal. Na volta de Itaquitinga para Condado, as duas kombis que vieram cheias, uma voltou vazia e a outra com espaço sobrando. A maior parte dos caboclos ficou por lá tomando bicada e brincando o carnaval de Páscoa com surrão nas costas. Na mesma noite, Aguinaldo e eu, que voltamos na kombi semivazia, tivemos notícias do bando de caboclo bicado, que não queria deixar os bares fecharem, sambando Maracatu. Como Fabinho nos contou depois, a cabocaria de Páscoa foi caminhando por todo o trecho, de Itaquitinga até Condado, parando nas biroscas, botando um CD de Maracatu para sambar e tomar bicada. Afinal, é na Páscoa que a cabocaria faz o carnaval. Na pequena retomada de uma questão a respeito da dimensão ritual do brincar Maracatu, cito este trecho do meu diário de campo. Se cosmologicamente a oposição carnaval/quaresma é ritualmente vivida através de valores dominantes dos festejos nas ideias de finitude do corpo / resguardo, o riso / a reserva, a matéria / o espírito etc., essas oposições operam contrariamente nos valores do Maracatu. O carnaval como é feito e narrado pelos maracatuzeiros, desde a guerra até o espetáculo, é pensado como uma atividade séria que exige respeito, que vai bem com a ideia de profissionalismo. A Páscoa é o momento em que o caboclo pode fazer carnaval, brincar livremente, descontraído, sem obrigação, não se preocupando com desmantelo. O domínio do riso, tão celebrado por Bakthin, está presente na Páscoa do Maracatu, numa ideia “carnavalizante” do carnaval do Maracatu. Muito além do carnaval como uma festa do diabo, ou “a serviço do diabo” ou antiCristo, a festa é vivida como uma experiência religiosa de outras ordens, ainda que fortemente conectada à simbologia cristã, em seus infindáveis processos criativos. A superposição de níveis em que a brincadeira do Maracatu é plenamente vivida se revela na experiência de saber-ser. Um último esforço se faz no sentido de trazer para a dimensão da atualidade a brincadeira vivida no corpo, na dança, na poesia, na música, na preparação, como a constituinte do saber e da experiência individual e coletiva que mobiliza toda a produção do que se chama Maracatu. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 113! Vejo a tradição como um gosto compartilhado, que cria uma linhagem ao longo do tempo. O Maracatu tem sua tradição, o rock tem sua tradição. [...] Não gosto do termo “contemporâneo” como oposição a “tradição”. Ele é usado geralmente para reforçar preconceitos contra coisas consideradas arcaicas ou primárias. Minha música e minhas letras estão profundamente ligadas ao meu tempo. Mesmo porque não tenho a menor preocupação com a preservação ou a manutenção de nada. Faço Maracatu porque ele está vivo, e as pessoas da minha terra gostam dele porque gostam, e não para preserválo. [...] Se ele acabar um dia, é porque não conseguiu se adaptar. O Maracatu sobreviveu porque foi pra cidade, teve contato com a TV e o rádio, seus poetas tiveram alfabetização e ampliaram seus temas. Se a tradição dá o passo à frente, acompanhando o mundo, ela segue viva. Se não, não adianta gravar, fazer livro, registrar, defender... (Siba, músico, compositor e mestre de Maracatu e Ciranda). Vejo nestes espaços em que o Maracatu é criado – cantado, vivido, sambado, sabido – a “expressão social total” da atualidade da brincadeira na região: “pois a atualidade não tem esperança, e a atualidade não tem futuro: o futuro será justamente uma nova atualidade”.33 Referências bibliográficas ACSELRAD, Maria. “Viva Pareia” A Arte da brincadeira ou a beleza da safadeza – uma abordagem antropológica da estética do Cavalo-Marinho. Dissertação de mestrado defendida no PPGSA /UFRJ, 2002. ANDRADE, Mário de (org. Oneyda Alvarenga). Danças Dramáticas do Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1982. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e do Renascimento. São Paulo, Brasília: Hucitec, 1999. BURKE, Peter. A cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Cia. das Letras, 1999. CARVALHO, José Jorge de. Violência e caos na experiência religiosa. In: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de (org.). As senhoras do Pássaro da Noite: Escritos sobre a religião dos Orixás V. São Paulo: Edusp, 2003. CAVALCANTI, Maria Laura Viveiros de Castro. Carnaval carioca: dos bastidores do desfile. Rio de Janeiro: Funarte / Ed. UFRJ, 1995. ________. Tema e variante do mito: sobre a morte e a ressurreição do boi. Mana, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 69-104, 2006. CHARTIER, Pierre (org. Bernadette Bricout; trad. Lelia Oliveira Benoit). O olhar de Orfeu. Os mitos literários do Ocidente. São Paulo: Companhia da Letras, 2003. !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! 33 Trecho do romance A Paixão segundo GH, de Clarice Lispector. ENFOQUES v.10(1), maio 2011 revista eletrônica dos alunos do PPGSA/IFCS-UFRJ 114! CHAVES, Suiá Omim. Carnaval em Terras de Caboclo: uma etnografia sobre Maracatus de Baque Solto. Dissertação de mestrado defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional /UFRJ, 2008. CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: Cosac Naify, 2009. DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Zahar, 1980. DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 4. São Paulo: Ed.34, 2002. GOLDMAN, Marcio. Classificações e Transformações: Série Estrutura e Devir no Candomblé, 2003. A primeira versão deste texto foi apresentada na mesa de leituras de Durkheim e Mauss: Antropologia e Sociologia em diálogo do “Seminário Formas Primitivas de Classificação, Cem anos depois” (mimeo). LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967. MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1978. MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003. WACQUANT, Loïc. Corpo e Alma: notas etnográficas de um aprendiz de boxe. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002. WAGNER, Roy. A invenção da cultura. São Paulo: Cosac Naify, 2010. -Data de recebimento: 19/05/2010 Data da aprovação: 19/10/2010 PARA CITAR ESSE ARTIGO CHAVES, Suiá Omim Arruda de Castro. Carnaval em Terras de Caboclo: Saber e “Cultura” no Maracatu de Baque Solto. Enfoques - revista dos alunos do PPGSA-UFRJ, v.10(1), maio 2011. Online. pp. 91-114. http://www.enfoques.ifcs.ufrj.br/~enfoques/