SAMAIRA e KARINI - vii simpósio jurídico dos campos gerais
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SAMAIRA e KARINI - vii simpósio jurídico dos campos gerais
POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADAS À PROTEÇÃO DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS INDÍGENAS ASSOCIADOS À BIODIVERSIDADE Samaira Siqueira Santos [email protected] Karini de Santana Julia Maria Milanese Buffara, Profª. Me. Vinculado ao Projeto de Pesquisa: Justiça, Democracia e Direitos Humanos. Universidade Estadual de Ponta Grossa Resumo: Tendo em vista sua natureza de direito social, o tema conhecimentos tradicionais indígenas associados à biodiversidade requer especial análise em virtude da recente alteração legislativa que incidiu sobre suas regras de proteção. A nova regulamentação se dá pela Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015, intitulada Lei da Biodiversidade, que modifica a medida provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que regulava o assunto desde então, e esteve vigente por mais de 10 anos. Pretende-se com o presente trabalho apresentar uma breve discussão sobre a proteção do direito a esses conhecimentos tradicionais, com a finalidade de analisar se o processo de sua regulamentação ocorreu de forma justa e democrática ou se acabou prejudicando os interesses desses povos, os quais estariam sendo desvalorizados. Palavras - chave: direito social, lei da biodiversidade, direito indígena, conhecimento tradicional. Introdução Tendo em vista sua natureza de direito social, o tema proteção dos conhecimentos tradicionais indígenas requer especial análise em virtude de recente alteração legislativa que incidiu sobre suas regras de proteção. A nova regulamentação se dá pela Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015, intitulada Lei da Biodiversidade, que modifica a medida provisória 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que regulava o assunto desde então, e esteve vigente por mais de 10 anos. O empenho na análise da eficiência da nova lei justifica-se, vez que há muito tempo ocorre usurpação do conhecimento tradicional indígena sobre biodiversidade por meio da comercialização de produtos que fazem uso desses conhecimentos na sua formulação, principalmente nas indústrias farmacêutica, cosmética e alimentícia, entre outras. Isso também ocorre, igualmente, com os conhecimentos sobre agro biodiversidade, oriundos da experiência de comunidades e agricultores familiares. Percebe-se com isso que há um problema social relevante que deve ser incluído em políticas públicas de forma efetiva, pois, desde a época colonial, ingenuamente, o povo indígena vem cedendo os seus conhecimentos sobre biodiversidade, permitindo o acesso a eles aos pesquisadores e às grandes indústrias nacionais e internacionais, os quais, ao longo do tempo foram grandemente favorecidos em seu detrimento. Objetivos Pretende-se com o presente trabalho apresentar uma breve discussão sobre a proteção do direito aos conhecimentos tradicionais indígenas, isto é, investigar se atualmente no Brasil há ou não a devida proteção e respeito a eles, bem como, reafirmar a sua natureza jurídica de direito social. Métodos e técnicas de pesquisa O supracitado tema será abordado por meio do método dedutivo de caráter documental indireto e bibliográfico, analisando-se as manifestações de entidades indígenas, e a legislação vigente sobre o assunto. Resultado Com o advento da Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015, pode-se dizer que o Brasil tem um “novo marco legal da biodiversidade”, ou seja, essa lei regula o acesso e o uso do patrimônio genético, dos componentes, e do conhecimento tradicional que os povos indígenas e comunidades locais têm acerca da biodiversidade no território nacional. Esse acesso traduz-se em pesquisas científicas e no desenvolvimento de produtos que são explorados comercialmente, gerando grandes lucros, como medicamentos, cosméticos e produtos alimentares. Sabe-se que os recursos genéticos brasileiros, como bens comuns, e o conhecimento tradicional indígena a eles relacionado, desde a colonização portuguesa, vêm sendo usados de forma irracional e gananciosa pelos detentores do poder econômico. Conforme preceitua o doutrinador Paulo de Bessa Antunes: “A proteção jurídica do conhecimento tradicional associado é uma resposta às reivindicações formuladas por Organizações Não governamentais (ONGs) e pelas comunidades tradicionais que se sentiram ameaçadas em seus direitos de utilização de plantas, drogas e práticas com finalidades medicinais e culturais, diante do processo de globalização e, em especial, pelos avanços da biotecnologia e das atividades de manifestações de origem autóctone, na florescente indústria cultural” (2010). O que se deve analisar, porém, é se a atual Lei da Biodiversidade protege, de fato, os direitos a que se propõe. Inicialmente, segundo o professor Paulo Affonso Leme Machado, “a gestão da cultura brasileira precisa levar em conta a importância e o envolvimento das pessoas (formas de expressão, modos de criar, saber, viver das pessoas e entidades)” (2014). Assim, é imprescindível a participação dos grupos indígenas em discussões sobre o tema, visto que envolve diretamente seus interesses. Contudo, tal não ocorreu durante a elaboração da Lei nº 13.123/15, violando-se o direito à consulta prévia previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, bem como, a Convenção da Diversidade Biológica e o Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura. Diante disso, questiona-se: além dos inegáveis ganhos e benefícios auferidos com a exploração dos conhecimentos tradicionais indígenas, principalmente aqueles associados à biodiversidade, a nova lei, promulgada nessas condições, permite a conservação, a sustentabilidade e a melhor repartição desses ganhos e benefícios? Ao que parece nos atuais termos da Lei nº 13.123/15 os direitos sociais dos indígenas estão sendo violados, pois seus dispositivos limitam o percentual de repartição de benefícios fazendo com que o antigo escambo ainda se faça presente, prejudicando também a população brasileira e demais países, uma vez que a biodiversidade transpassa o território nacional, como ocorre com a floresta amazônica. Discussão A Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015 traz em seu bojo alterações que passaram a regulamentar os seguintes dispositivos legais: o inciso II do § 1º e o § 4º do art. 225 da Constituição Federal, o art. 1º, a alínea j do art. 8, a alínea c do art. 10, o art. 15 e os §§ 3º e 4º do art. 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998, dispondo sobre o acesso ao patrimônio genético, à proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado, bem como a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.1 O que seria ideal, ou seja, o acesso e repartição justa e equitativa de benefícios e de elevados rendimentos advindos da exploração do conhecimento tradicional indígena, conforme se viu, sempre foi sobrepujado pelo interesse econômico. Sendo assim, povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares do Brasil redigiram duas cartas como meio para externarem a problemática, quais sejam, “De onde brotam os espinhos” e “De onde brotam as sementes”. Além disso, endereçaram uma carta final, com quase 150 assinaturas, à Presidente da República, com o intuito de solicitar o veto total ao projeto de lei nº 7.735/2.014 que deu origem à Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Na carta, destacou-se o veto no tocante ao conhecimento tradicional associado ao patrimônio genético de variedades tradicionais ou crioulas relacionadas à alimentação e agricultura, pois para acesso a esse conhecimento não se exigia consulta sobre seu uso, nem consentimento prévio de comunidades tradicionais ou povos indígenas, sendo, consequentemente, um conhecimento de origem não identificável. Assim, o resultado econômico e os benefícios auferidos iriam para o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios. Apesar dos esforços, por ocasião da aprovação da supracitada lei, esses apontamentos não foram levados em consideração, bem como, se desprezou o direito à consulta livre, prévia e informada, constituindo-se tal ato um atentado contra os reais detentores do conhecimento tradicional, uma desvalorização da biodiversidade e da diversidade cultural. O não acatamento das reivindicações limita a repartição dos benefícios em até 1% (um por cento), o que pode ser reduzido por acordo setorial e permite a repartição de forma não monetária, tornando-a exceção. Portanto, violou-se o preceito constitucional de proteção aos desamparados, presente no art. 6º da Constituição Federal como direito social, na medida em que se liga ao direito de igualdade, pois a sua natureza de prestação positiva estatal deve proporcionar condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.2 Notavelmente, consoante o previsto no art. 225 da Constituição Federal, desrespeitou-se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, porque os recursos genéticos e o conhecimento tradicional caracterizam-se como bens essenciais à sadia qualidade de vida, sendo que as presentes e futuras gerações, invariavelmente, estão sendo e continuarão a ser prejudicadas pela biopirataria e pela comercialização de produtos originários do acesso desenfreado a recursos genéticos ou conhecimentos tradicionais associados. Considerações finais 1 Disponível em:<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=619150>. Acesso em 24 de junho. 2015. 2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38º edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional n. 84, de 2.12.2014, Malheiros Editores LTDA: São Paulo, p. 289. Em virtude do que foi analisado, percebe-se que a legislação vigente e, principalmente, as políticas públicas atuais são ineficientes em respaldar e proteger os conhecimentos tradicionais indígenas, bem como, a combater a biopirataria, irradiando, pois, desproteção à biodiversidade e à agro biodiversidade. Com a nova legislação sobre o referido assunto negou-se o direito de dizer não ao acesso e ao uso desenfreado do conhecimento tradicional pertencente ao povo indígena e às comunidades e agricultores familiares. Destarte, constata-se o desinteresse político em ouvir as reivindicações e proteger tais direitos sociais e coletivos, em prol de interesses econômicos que propiciam lucros exorbitantes a uma pequena parcela de indivíduos. Contribui para tal situação o inexistente intuito, tanto no meio acadêmico quanto na comunidade, em se discutir esses direitos, deixando brecha para as indústrias farmacológica, cosmética, alimentícia, dentre outras, para capturar o conhecimento desenfreadamente, irrestritamente e ilegalmente. Enfim, pode-se afirmar que o uso dessas informações até o presente momento não está regulamentado eficazmente. Assim, torna-se impossível alcançar a conservação, a sustentabilidade e a melhor repartição dos benefícios oriundos da sua exploração. O cenário se apresenta desfavorável ferindo, pois, o presente e o futuro das comunidades indígenas, por desrespeito ao seu passado, bem como, ferindo, indubitavelmente, a coletividade como um todo, posto que esse denso conhecimento fornece subsídio para a ciência, para a tecnologia e para a inovação. Imprescindível, assim, a continuidade da busca do reconhecimento condigno dos seus reais detentores. Referências De onde brotam os espinhos. Brasília, 11 de novembro de 2.014. Disponível em: <http://terradedireitos.org.br/wp-content/uploads/2014/11/CARTA-DENUNCIA-Deonde-brotam-os-espinhos-final.pdf>. Acesso em 26 de Jun. de 2015. Guardiões da Agro e Biodiversidade Detentores dos Saberes/Conhecimentos Tradicionais Povos dos Campos, das Florestas e das Águas. Pedido de Veto ao Projeto de Lei nº. 7735/2014. Disponível em: < http://www.socioambiental.org/sites/blog.socioambiental.org/files/nsa/arquivos/veta_ dilma_-_pl_7735_v.2.pdf>. Acesso em 26 de Jun. de 2015. Instituto Socioambiental (ISA). Biodiversidade: tradicionalmente sábia (comunidade). Disponível em: <https://www.facebook.com/biodiversidadesabia>. Acesso em 26 de Jun. de 2015. Instituto Socioambiental. O que está em jogo no PL de acesso aos recursos genéticos do Congresso? 05 de Fevereiro de 2015. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/pt-br/blog/blog-do-isa/o-que-esta-em-jogo-no-pl-deacesso-aos-recursos-geneticos-do-congresso>. Acesso em 26 de Jun. de 2015. ______.Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c do Artigo 10, o Artigo 15 e os §§ 3o e 4o do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13123.htm>. Acesso em: 01 jun. 2015. ANTUNES, Paulo Bessa. Direito Ambiental – 12ª ed. – Rio de Janeiro: Lumes Juris, 2010. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro – 22ª Ed. – São Paulo : Malheiros Editores, 2014. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38º edição, revista e atualizada até a Emenda Constitucional n. 84, de 2.12.2014, Malheiros Editores LTDA: São Paulo.