A falta de sabedoria das elites Paul Krugman

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A falta de sabedoria das elites Paul Krugman
09/05/2011 - 11h26
A falta de sabedoria das elites
Paul Krugman
Os últimos três anos foram um desastre para a maioria das economias ocidentais. Os
Estados Unidos registram desemprego em massa e de longo prazo pela primeira vez
desde os anos 30. Enquanto isso, a moeda comum europeia está se desmantelando.
Como é que tudo saiu tão errado?
Bem, o que tenho ouvido com frequência cada vez maior das elites econômicas -homens
que se declaram sábios e costumam ser respeitados quanto pontificam a respeito do
tema- é que a maior parte dos problemas aconteceu por causa do público. A ideia é a de
que essa confusão surgiu porque os eleitores queriam alguma coisa sem ter de pagar por
ela, e políticos desprovidos de força de vontade decidiram conquistar o eleitorado ao
realizar suas vontades insensatas.
Portanto, o momento parece bom para apontar que essa interpretação de que a culpa é
do público não só distorce as coisas em favor da elite como está completamente errada.
A verdade é que estamos vivendo hoje um desastre que foi criado de cima para baixo. As
políticas que resultaram nos problemas que vivemos não surgiram em resposta à
demanda do público. Foram, com poucas exceções, políticas defendidas por pequenos
grupos de pessoas influentes -o mais das vezes, as mesmas pessoas que agora estão
tentando dizer aos demais cidadãos que é preciso seriedade. E ao tentar transferir a culpa
à população em geral, as elites estão fracassando em realizar uma reflexão muito
necessária quanto aos erros catastróficos que cometeram.
Permitam-me concentrar minha atenção ao acontecido nos Estados Unidos, e depois
comentar de passagem a situação na Europa.
Hoje em dia, os norte-americanos não param de receber sermões sobre a necessidade de
reduzir o deficit orçamentário. Esse foco mesmo representa uma distorção de prioridades,
porque nossa preocupação imediata deveria ser criar empregos. Mas suponha que a
conversa se restrinja ao deficit, e faça a seguinte pergunta: o que aconteceu ao superavit
orçamentário de que o governo federal norte-americano desfrutava em 2000?
A resposta é tripla. Primeiro, vieram os cortes de impostos de Bush, que elevaram a dívida
nacional norte-americana em cerca de US$ 2 trilhões nos 10 anos passados. Depois, as
guerras no Iraque e Afeganistão, que custaram cerca de US$ 1,1 trilhão em dívidas
adicionais. E por fim a Grande Recessão, que resultou tanto em colapso na arrecadação
tributária quanto em aumentos consideráveis nos gastos com benefícios aos
desempregados e outros programas de seguro social.
Quem foi responsável por todas essas decisões que causaram estouro de orçamentos?
Não foram as pessoas comuns.
O presidente George W. Bush reduziu os impostos para servir à ideologia de seu partido, e
não em resposta a uma imensa demanda popular -e a maior parte dos cortes beneficiou
uma minoria pequena e já afluente.
Da mesma forma, Bush escolheu invadir o Iraque porque era algo que ele e seus
assessores desejavam fazer, e não por que os norte-americanos estivessem exigindo
guerra contra um regime que nada teve a ver com o 11 de setembro. Na verdade, foi
preciso conduzir uma campanha de vendas muito enganosa a fim de conquistar o apoio
dos norte-americanos à invasão, e mesmo assim os eleitores jamais apoiaram a guerra de
forma tão sólida quanto à elite política e de sabichões políticos norte-americana.
Por fim, a Grande Recessão foi causada por um sistema financeiro descontrolado, que
ganhou força demais devido a uma desregulamentação imprudente. E quem foi
responsável por essa desregulamentação? Pessoas poderosas em Washington,
estreitamente ligadas ao setor financeiro. Permitam-me menção especial a Alan
Greenspan, que desempenhou papel crucial tanto na desregulamentação financeira quanto
na aprovação dos cortes de impostos de Bush -e que agora, claro, está entre aqueles que
nos passam sermões quanto ao deficit.
Portanto, foi o mau juízo das elites, e não a cobiça do homem comum, que causou o
deficit nos Estados Unidos. E a situação na Europa é bastante parecida.
Nem seria preciso dizer que não é isso que as autoridades econômicas europeias alegam.
A história oficial na Europa hoje em dia é que os governos dos países em crise cederam
mais do que deveriam às massas, prometendo demais aos eleitores enquanto
arrecadavam impostos de menos. E a história, devo admitir, procede de maneira
razoavelmente precisa com relação à Grécia. Mas isso não foi de modo algum o que
aconteceu na Irlanda e Espanha, ambas as quais tinham dívida baixa e superavit
orçamentários pouco antes da crise.
A verdadeira história da crise europeia é que os líderes do continente criaram uma moeda
única, o euro, sem criar as instituições necessárias a lidar com as contrações e expansões
que surgiriam na zona do euro. E o esforço por unificar a moeda europeia foi o exemplo
mais claro de projeto imposto de cima para baixo, uma visão de elite imposta a eleitores
fortemente relutantes.
Será que isso tudo importa? Por que deveríamos nos preocupar com os esforços para
transferir aos cidadãos comuns a culpa pelas más políticas?
Uma resposta é a simples prestação de contas. As pessoas que defenderam políticas
causadoras de estouros de orçamento, nos anos Bush, não deveriam ser autorizadas a
agora se retratarem como parte da linha dura orçamentária; as pessoas que elogiaram a
Irlanda como exemplo de gestão econômica não deveriam pregar sobre governo
responsável.
Mas a resposta mais ampla, em minha opinião, é que, ao inventar sobre nossa atual
situação histórias que absolvem as pessoas responsáveis por ela, estaremos perdendo a
oportunidade de aprender com a crise. A culpa precisa ser atribuída a quem a merece, e
nossas elites precisam arcar com os seus erros. De outra forma, causarão estrago ainda
maior nos próximos anos.