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A quebra do Sigilo do Cadastro de Clientes dos
Provedores de Acesso à Internet - nov/2003
Carlos Daniel Vaz de Lima Jr
Promotor de Justiça Criminal em São Paulo
O sol estava quase nascendo quando uma série de fotos eróticas de crianças
começou a ser postada na USENET no grupo alt.binaries.pictures.erotica.pre-teen . Era
evidente a ocorrência do crime previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do
Adolescente e alguma coisa precisava ser feita. Olhando bem de perto cada artigo
postado foi possível encontrar no código de origem os elemento necessários a
comprovação da materialidade delitiva e bons indícios de autoria. Entretanto, para que
esses indícios pudessem ser melhor investigados era necessária a cooperação do
provedor de acesso a Internet cujo equipamento foi usado na postagem dos artigos
ilícitos. O provedor deveria fornecer os dados cadastrais de um determinado usuário.
Imediatamente vieram à discussão temas como "garantia constitucional da privacidade e
transmissão de dados", "necessidade de requisição judicial", "natureza jurídica do
provedor de acesso a Internet", "serviços de telecomunicações" e "serviço de valor
adicionado". Ao apurarmos a autoria delitiva de "crimes de computador" é necessária a
análise dos dados constantes dos cadastros de clientes dos provedores de acesso à
Internet. Isto porque superada a fase da comprovação da materialidade a identidade do
agente deve ser esclarecida de forma inequívoca, e somente o provedor de acesso é
quem pode informar com segurança qual cadastro de usuário foi utilizado para
estabelecer uma conexão num determinado terminal na data e hora do fato criminoso.
Para decidirmos a melhor forma de requisição desta informação devemos
discutir a natureza jurídica desse cadastro para podermos conhecer eventuais barreiras
legais ao fornecimento de seus dados.
Os provedores de acesso à Internet classificam-se como sendo "serviço de
valor adicionado", ou seja, é a atividade que acrescenta, a um serviço de
telecomunicações que lhe dá suporte, e com o qual não se confunde, novas utilidades
relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação
de informações.
Por serem uma atividade comercial de natureza privada, este serviço de valor
adicionado não constitui serviço de telecomunicações, e, assim o provedor classifica-se
como pessoa jurídica de direito privado com os direitos e deveres inerentes a essa
condição.
É a esta conclusão que nos leva a Lei n.º 9.472, de 16 de julho de 1997,
publicada no DOU de 17 de julho de 1997, que dispõe sobre a organização dos serviços
de telecomunicações. A distinção legal entre "serviço de valor adicionado" e "serviço de
telecomunicações" afastando daquele a incidência do sigilo constitucional previsto no
artigo 5 da Constituição Federal em seu inciso XII que se refere à comunicação de
dados feita por "serviço de telecomunicações". Vale dizer que o provedor de acesso não
executa serviço de telecomunicação, por isso não tem trafego de dados a ser protegido.
Ainda nessa linha, a análise dos dados constantes dos cadastros dos clientes
dos provedores de acesso, mesmo tendo estes sido criados através de um serviço de
telecomunicações, não representam a "interceptação do fluxo de comunicações em
sistemas de informática" prevista na Lei n.º 9.296, de 24 de julho de 1996, publicada no
DOU de 25 de julho de 1996 e que regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da
Constituição Federal, por isso, o rigor da requisição judicial mencionado no artigo 10
desta Lei não se aplica a esta atividade comercial de natureza meramente privada.
Com estes fundamentos podemos facilmente entender e relacionamento legal
do usuário com o provedor de acesso e destes dois com o "serviço de
telecomunicações". Em primeiro lugar temos a ação do usuário enviando dados ao seu
provedor através de um "serviço de telecomunicação" explorado pela União. Em
segundo lugar temos armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação
desses dados pelo provedor e acesso, executando uma atividade privada. E em terceiro
lugar temos a relação deste provedor de acesso com outros provedores de acesso através
de um "serviço de telecomunicações" que lhe dá suporte e com o qual não se confunde.
A regulamentação da privacidade do usuário, por tratar-se de um banco de
dados privado, mantido e explorado por uma pessoa jurídica de direito privado com o
objetivo de prestar um serviço, é feita pela Constituição Federal em seu artigo 5, inciso
X, e pelo Código do Consumidor, Lei n.º 8.078/90, notando, em especial, sua
equiparação a "entidade de caráter público" dada a importância da preservação desta
intimidade.
A relevância da preservação da intimidade do usuário, aliás bem destacada
em nossa legislação, também é alvo de preocupação em outros países. Nos Estados
Unidos da América foi editado o "Electronic Communications Privacy Act"
(http://www.rewi.hu-berlin.de/Datenschutz/USA/ElectronicPrivacyAct.html) que
disciplina, inclusive, a proibição da divulgação dos dados dos usuários a terceiros,
deixando apenas a possibilidade judicial de uso deste cadastros nas situações em que a
lei permitir.
Em nosso país igual cuidado teve o legislador ao responsabilizar o provedor
ou a autoridade requisitante pela indevida divulgação dos dados pessoais, por este
motivo que o acesso a tal informação só pode ocorrer por força de lei. Analisada a
natureza jurídica do provedor de acesso a Internet, de sua relação com o usuário, e de
seu banco de dados cadastrais, podemos concluir que tais informações podem ser
requisitadas pelo Ministério Público Federal ou Estadual com base na Constituição
Federal e nas respectivas Leis orgânicas, não podendo os provedores de acesso à
Internet em hipótese alguma deixar de fornecê-las invocando sigilo constitucional ou
necessidade de outra forma de requisição.

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