Efeito retroativo de Lei Municipal autorizadora da

Transcrição

Efeito retroativo de Lei Municipal autorizadora da
julho | agosto | setembro 2011 | v. 80 — n. 3 — ano XXIX
Efeito retroativo de Lei Municipal
autorizadora da abertura de
créditos adicionais suplementares
PEDIDO DE REEXAME N. 838.778
EMENTA: PEDIDO DE REEXAME — MUNICÍPIO — PARECER PRÉVIO PELA REJEIÇÃO DA PRESTAÇÃO
DE CONTAS — INOCORRÊNCIA DE ABERTURA DE CRÉDITOS ADICIONAIS SEM COBERTURA LEGAL —
LEI MUNICIPAL N. 1.166/2010 — APROVAÇÃO TARDIA DE DIPLOMA LEGAL AUTORIZATIVO — EFEITO
RETROATIVO DA LEI — PROVIMENTO DO RECURSO — REFORMA DA DECISÃO — APROVAÇÃO DA
PRESTAÇÃO DE CONTAS DO MUNICÍPIO
1. É vedado abertura de créditos suplementares sem a devida cobertura legal.
Pareceres e decisões
revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais
2. A edição de lei municipal, com efeito retroativo, que autoriza suplementação de dotação
orçamentária do exercício descaracteriza a irregularidade.
RELATOR: CONSELHEIRO WANDERLEY ÁVILA
RELATÓRIO
Tratam os autos de pedido de reexame interposto pelo Sr. Emerson de Carvalho
Andrade, Prefeito do Município de Coroaci, em face da decisão da Primeira Câmara,
sessão de 19/10/2010, exarada nos autos da Prestação de Contas Municipal
n. 835.163, referente ao exercício de 2009, que emitiu parecer prévio pela
rejeição das contas, em razão da abertura de créditos suplementares, no valor de
R$3.254.073,16, sem a devida cobertura legal, em desacordo com o disposto no
art. 167, inciso V, da Constituição Federal e do disposto no art. 42 da Lei Federal
n. 4.320/1964.
O recorrente alegou, em síntese, que os créditos adicionais foram abertos com base
em projeto de lei que tratava de autorização da abertura de créditos adicionais
suplementares que, à data da remessa da prestação de contas pelo Siace/PCA
2009, pendia de exame pelo Poder Judiciário para ter regular tramitação no Poder
Legislativo daquele Município. A aprovação da lei se deu somente em 08/04/2010,
registrada como Lei Municipal n. 1.166/2010, com efeitos retroativos à época da
abertura dos créditos adicionais suplementares impugnados.
Esclareceu o recorrente que a Lei Municipal n. 1.145, de 05/12/2008, que aprovou
o orçamento anual de 2009, estabeleceu o limite de cinco por cento do valor total
da despesa fixada para fins de autorização de abertura de créditos suplementares,
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cujo montante de R$700.000,00 seria insuficiente para as necessidades do
Município. Afirmou que encaminhou ao Legislativo Municipal projeto de lei para
aprovação de novos créditos suplementares ao orçamento, que foi sumária e
ilegalmente arquivado pelo Presidente da Câmara, sem qualquer tramitação no
âmbito daquela Casa, obrigando-o a promover ação judicial para correção no
procedimento legislativo.
Ressaltou o recorrente que tendo o Poder Judiciário determinado a regular
tramitação do projeto de lei que tratava das autorizações legislativas para abertura
dos créditos adicionais suplementares impugnados, a sua remessa ao Plenário da
Câmara Municipal, onde foi aprovado, resultou na edição da Lei Municipal n. 1.166,
de 8 de abril de 2010, sanando a irregularidade apontada no relatório do órgão
técnico e demonstrando a regular cobertura legal nos termos do art. 42 da Lei
4.320/1964, tendo em vista seus efeitos retroativos.
Afirmou o recorrente que a vigência da Lei Municipal n. 1.166/2010 é, portanto,
anterior à abertura dos créditos impugnados, e que não se verifica no caso presente
a violação ao art. 167, V, da Constituição Federal, ou do art. 42 da Lei 4.320/64,
nem mesmo tem suporte o apontamento de ausência de autorização legal para
a abertura dos créditos adicionais suplementares como fato determinante da
rejeição das contas.
Por fim, requereu o recorrente que sejam acolhidas as razões expostas para que,
após os trâmites regimentais, seja exarado novo parecer aprovando as contas do
Município de Coroaci, do exercício de 2009.
Admitido o presente pedido de reexame, os autos foram remetidos ao órgão técnico,
que se manifestou no sentido de que
As razões constantes do presente recurso foram devidamente examinadas, não
tendo o recorrente apresentado nenhuma justificativa capaz de modificar o
parecer prévio emitido por esta Egrégia Corte de Contas.
O Ministério Público de Contas, em seu pronunciamento a fls. 18-22, considerando
as razões e os fundamentos apresentados no presente recurso, aduziu, com muita
propriedade, que:
18. [...] o Prefeito de Coroaci alega que a abertura desses créditos suplementares,
ao contrário do que constou no parecer prévio, teve amparo na Lei Municipal
n. 01, de 8 de abril de 2010, cujos efeitos retroagiram à data de 1º de junho
de 2009. De acordo com o recorrente, a aprovação tardia do diploma legal
decorreu de arbitrário arquivamento do projeto pela Câmara Municipal, o qual
foi revertido por força de decisão judicial.
19. Caso fosse confirmada tal circunstância, a tardia aprovação da lei não poderia
ser imputada ao gestor municipal, impondo a aceitação da retroatividade e,
consequentemente, a aprovação das contas.
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20. Não obstante, observa-se que o projeto que resultou na Lei n. 01/2010
foi remetido inicialmente ao Poder Legislativo apenas em 20 de janeiro de
2010 (fls. 75 do Processo n. 835.163). Logo, o próprio gestor municipal deixou
de encaminhar tempestivamente o projeto de lei autorizando a abertura
de créditos adicionais, sendo que o arquivamento liminar fundamentou-se
justamente no fato de que o exercício financeiro encontrava-se encerrado.
Ademais, embora o recorrente assevere que enviara outros projetos de lei
anteriormente, inexiste qualquer comprovação nos autos.
21. Ainda assim, a aprovação posterior da norma autorizadora tem o condão
de ratificar os decretos que promoveram a abertura de créditos. Isso porque
o órgão que a aprovou é o mesmo que possuía competência para editá-la em
momento oportuno e para julgar as contas prestadas pelo chefe do Poder
Executivo. Ressalte-se, além disso, que inexiste vedação expressa à edição
de lei com efeito retroativo ratificando decretos de abertura de créditos
adicionais suplementares.
Pareceres e decisões
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22. Seja como for, ainda que não se adote o entendimento aqui esposado,
é de se notar que a interpretação sistêmica do art. 45 da Lei Orgânica do
Tribunal de Contas de Minas Gerais (LC n. 102/2008) leva à conclusão de
que a emissão de parecer prévio pela rejeição das contas apenas é possível
em hipóteses de dano ao erário. Para melhor elucidação do assunto, segue
abaixo a redação da norma:
‘Art. 45 A emissão do parecer prévio poderá ser:
I — pela aprovação das contas, quando ficar demonstrada, de forma clara e
objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a compatibilidade dos
planos e programas de trabalho com os resultados da execução orçamentária,
a correta realocação dos créditos orçamentários e o cumprimento das normas
constitucionais e legais;
II — pela aprovação das contas, com ressalva, quando ficar caracterizada
impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal, da qual não
resulte dano ao erário, sendo que eventuais recomendações serão objeto de
monitoramento pelo Tribunal;
III — pela rejeição das contas, quando caracterizados atos de gestão em
desconformidade com as normas constitucionais e legais.’
23. Note-se que o inciso III, que trata das hipóteses de rejeição das contas,
possui conotação excessivamente ampla, ao trazer em sua redação a oração
‘quando caracterizados atos de gestão em desconformidade com as normas
constitucionais e legais’. Porém, o cotejo com o inciso II acarreta seu nítido
esvaziamento.
Conclui o ilustre Procurador, considerando que o recorrente trouxe aos autos
elementos probatórios capazes de elidir as irregularidades apontadas no processo
de prestação de contas, pelo conhecimento do presente pedido de reexame, por
ser próprio e tempestivo para, no mérito, reconhecer a regularidade da abertura
dos créditos adicionais suplementares, entendendo pelo seu provimento para
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modificar o parecer prévio emitido pela Corte de Contas, por seus próprios e
jurídicos fundamentos.
É o relatório.
DA ADMISSIBILIDADE
Recebo o presente recurso por ser tempestivo e próprio, bem como legítima a
parte, a teor do disposto nos arts. 98, inciso IV; 99 e 108, parágrafo único, da
Lei Complementar n. 102/2008; e arts. 349 e 350, do Regimento Interno deste
Tribunal de Contas, ratificando, assim, o juízo de admissibilidade procedido pelo
então Conselheiro Relator a fls. 12.
MÉRITO
A emissão do parecer prévio pela rejeição das contas foi motivada pela abertura de
créditos suplementares, no valor de R$3.254.073,16, sem a devida cobertura legal,
em desacordo com o disposto no art.167, inciso V da Constituição Federal e art. 42
da Lei Federal n. 4.320/1964.
De acordo com a informação técnica a fls. 5 dos autos de Prestação de Contas n.
835.163, o Poder Executivo de Coroaci foi autorizado a suplementar o orçamento
em R$1.940.696,73, sendo R$700.000,00 correspondentes ao percentual de cinco
por cento previsto na própria Lei Orçamentária n. 1.145/2008 e R$1.240.696,73
decorrentes de outras leis.
Conforme se vê do Quadro de Leis, Créditos Suplementares, Especiais e Extraordinários,
juntado a fls. 11-12 daqueles autos, foram abertos créditos suplementares por
decretos no montante de R$5.194.769,89, por anulação de dotação, e os atos do
Poder Executivo tiveram amparo nas Leis Municipais n. 1.145/2008, 1.158/2009 e
0001/2010.
Constata-se, entretanto, do exame realizado pelo órgão técnico, após a apresentação
da defesa do Prefeito no processo de prestação de contas (fls. 343-346), que não
foi considerada a Lei Municipal n. 1.166/2010, de 08/04/2010, que autoriza o Poder
Executivo a proceder à suplementação das dotações orçamentárias do exercício de
2009 em até R$4.346.138,07, cujos efeitos retroagiram a 1º de junho de 2009, nos
termos do art. 5º da referida lei, que ora acato, em conformidade com o parecer do
Ministério Público de Contas.
Verifica-se, ainda, que foram realizadas despesas no exercício de 2009, no montante
de R$13.297.863,61, conforme informação a fls. 5 dos autos de prestação de contas.
Confrontando-se esse valor com o total das despesas autorizadas, no montante
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de R$15.092.064,91 (orçamento inicial de R$14.000.000,00 + suplementação de
R$6.286.834,80, deduzidos os créditos abertos por anulação, R$5.194.769,89),
constata-se que os créditos autorizados foram suficientes para cobrir o total das
despesas realizadas.
VOTO
Tendo em vista que ficou comprovada a existência de autorização legal para
abertura de créditos suplementares, voto pelo provimento ao recurso para reformar
o parecer prévio emitido por este Tribunal alterando-se a decisão de rejeição para
a de aprovação das contas do Município de Coroaci, exercício de 2009, nos termos
do disposto no art. 45, inciso I, da LC 102/2008.
Pareceres e decisões
revista do tribunal de contas DO ESTADO de minas gerais
O pedido de reexame em epígrafe foi apreciado pela Primeira Câmara na sessão do dia
02/08/11, presidida pela Conselheira Adriene Andrade; presentes o Conselheiro Wanderley
Ávila, Conselheiro Substituto Edson Arger e Conselheiro Cláudio Terrão. Foi aprovado, por
unanimidade, o voto do relator, Conselheiro Wanderley Ávila. Impedido o Conselheiro
Cláudio Terrão.
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