mancha marrom de alternária: uma interação fungo, toxina e tangerina

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mancha marrom de alternária: uma interação fungo, toxina e tangerina
FITOPATOLOGIA
MANCHA MARROM DE ALTERNÁRIA:
UMA INTERAÇÃO FUNGO,
TOXINA E TANGERINA
MARINÊS BASTIANEL1, FERNANDO ALVES DE AZEVEDO1,
MARIÂNGELA CRISTOFANI1 e MARCOS ANTÔNIO MACHADO1
RESUMO
A recente constatação de uma nova doença nos pomares
brasileiros, a mancha marrom de alternária, tem causado preocupação por parte dos produtores, em vista dos sérios prejuízos em
plantios comerciais de variedades suscetíveis, como a tangerina
‘Ponkan’ e o tangor ‘Murcott’. A doença afeta, além dos frutos,
principalmente os tecidos vegetais jovens, prejudicando o desenvolvimento da planta e, conseqüentemente, a produção. Nesta
revisão, são abordados aspectos relacionados com a interação
fungo, toxina e tangerina, controle do patógeno e genética da
herança da resistência à doença nos citros.
Termos de indexação: citros, doença fúngica, resistência,
Alternaria alternata.
SUMMARY
ALTERNARIA BROWN SPOT:
A FUNGUS, TOXIN AND TANGERINE INTERACTION
The recent spread of a new disease in the Brazilian
orchards, the Alternaria brown spot, has caused concern on
the part of the farmers because it causes serious damages in
commercial orchards of susceptible varieties, as the ‘Ponkan’
1
2
Centro APTA Citros Sylvio Moreira/IAC, Rodovia Anhanguera, km 158, Caixa Postal 4, 13490-970
Cordeirópolis, (SP).
Autor correspondente: [email protected]
ARTIGO DE REVISÃO
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MARINÊS BASTIANEL et al.
tangerine and ‘Murcott’ tangor. Besides the fruits, the disease
affects mainly young tissue, hindering the plant development
and, consequently, the yield. This review focuses on aspects related with the fungus, toxin and tangerine interaction, the control
of the pathogen and the genetic inheritance of the resistance to
the disease in citrus.
Index terms: citrus, fungus disease, resistance, Alternaria
alternata.
1. INTRODUÇÃO
O Brasil é o maior produtor mundial de citros e o maior exportador de
suco concentrado de laranja. Apesar de ter como principal espécie produzida
a laranja-doce, merecem destaque, nos pomares brasileiros, as tangerinas e
alguns de seus híbridos, quando têm como destino o mercado nacional de
frutos in natura.
Nos pomares de tangerinas e híbridos, a mancha marrom de alternária
causada pelo fungo Alternaria alternata, tem sido considerada a mais
séria doença fúngica na atualidade (PERES et al., 2003). A doença foi
primeiramente relatada em tangerina ‘Emperor’ (Citrus reticulata Blanco) na
Austrália (KIELY, 1964) e, posteriormente, em tangerina ‘Dancy’ na Flórida
(EUA) em 1974 (WHITESIDE, 1976). Sua alta severidade em regiões de
clima úmido, onde o controle da doença é muito difícil, tem ocasionado
o abandono de plantios comerciais de variedades altamente suscetíveis
(TIMMER et al., 2000).
A doença também tem sido relatada em outros países, como: Israel
(SOLEIL, 1991), África do Sul (SWART et al., 1996), Espanha (VICENT
et al., 2000), Itália (BELLA et al., 2001) e Argentina (PERES et al., 2003).
No Brasil, a presença da mancha marrom de alternária foi confirmada nos
Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo,
afetando seriamente os pomares formados pela variedade de tangerina
‘Ponkan’ (C. reticulata Blanco) e tangor ‘Murcott’ (C. sinensis Osbeck
x C. reticulata Blanco), as principais variedades cultivadas no País, e em
tangerina ‘Dancy’ (GOES et al., 2001; PERES et al., 2003; SPÓSITO et
al., 2003). A alta suscetibilidade dessas variedades vem inviabilizando a
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produção, principalmente do tangor ‘Murcott’ no Estado de São Paulo,
fazendo com que muito citricultores erradiquem seus pomares, em virtude
do elevado número de pulverizações necessárias e, conseqüentemente, o
drástico aumento no custo de produção.
Ciclo de vida do fungo e sintomas
O fungo causador da mancha marrom de alternária reproduz-se sobre
o material vegetal afetado, presente na árvore ou caído no solo, por meio
da formação de esporos assexuais (conídios). A liberação dos esporos está
relacionada com a ocorrência de chuvas e mudanças bruscas na umidade
relativa, ou seja, uma vez formados, quando há uma redução brusca de
umidade relativa, eles são facilmente disseminados pelo vento (TIMMER
et al., 2000). Os conídios germinam sobre o tecido suscetível, frutos, ramos
e folhas novas, liberando uma toxina específica ao hospedeiro tangerina
(detalhado à frente), causando necrose rápida dos tecidos. As condições
ideais para infecção ocorrem com temperaturas em torno de 20 a 27ºC e 10
a 12 horas de molhamento foliar contínuo, aparecendo os sintomas um-dois
dias após (TIMMER et al., 2000).
Os sintomas em ramos, frutos, tecidos verdes imaturos ou em fase
de crescimento, surgem em média, 24 horas após a infecção, expandindose pela ação da toxina seletiva ACT produzida pelo fungo, podendo causar
desfolhamento intenso durante os períodos de infestação, em vista da necrose
das folhas (TIMMER et al., 2003).
Em folhas jovens, os sintomas iniciais caracterizam-se por pequenas
manchas de coloração marrom ou preta, circundadas ou não por halos
amarelados que, posteriormente, se estendem, podendo abranger grande
área da folha. Normalmente, ocorrem nas nervuras, com morte de tecido,
espalhando-se a partir delas, provocando deformação característica, ou seja,
as folhas curvam-se lateralmente. O avanço das lesões seguindo as nervuras
das folhas é um dos sintomas diferenciais da doença. As brotações novas,
tanto vegetativas como da florada, apresentam um aspecto de requeima no
caule, com morte dos ponteiros e posterior tendência ao envassouramento,
pelo superbrotamento. Em ramos finos, ocorrem pequenas lesões corticosas,
sem ou com halo clorótico (AKIMITSU et al. 2003).
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Em frutos jovens, infectados logo após a queda das pétalas, as lesões
podem induzir a abscisão do fruto, limitando a produção da planta. As lesões
dos frutos mais desenvolvidos são bastante variáveis quanto ao tamanho,
podendo atingir grandes áreas da casca, com manchas escuras corticosas,
as quais podem ser destacadas, deixando cicatriz na casca, depreciando
o fruto. Pode haver penetração do fungo no fruto, fazendo com esse caia
antes da maturação (TIMMER et al., 2003). Alguns sintomas comuns da
mancha marrom de alternária em folhas, brotações novas e frutos podem ser
visualizados na Figura 1.
Figura 1. Lesões características de mancha marrom de alternária em folhas (A);
superbrotamento após a ocorrência de sintomas em brotações novas (B), e lesões
em frutos de tangor ‘Murcott’ (C). Fotos A e B: gentileza do Pesquisador Eduardo
Feichtenberger - UPD/APTA Sorocaba.
O Patógeno
Fungos do gênero Alternaria, um dos mais cosmopolitas causando
doenças em vários hospedeiros vegetais, são saprofíticos facultativos,
embora sejam mais adaptados quando envolvidos com patogenicidade
(WALTON, 1996). Esses fungos, considerados imperfeitos pela ausência da
fase sexual na maioria de suas espécies, são morfológica e geneticamente
similares; entretanto, apresentam diferenças patológicas (KUSABA &
TSUGE, 1994). Por esse fato, linhagens de certas espécies, principalmente
A. alternata, têm sido referidas como forma specialis ou patótipos, em
função do seu hospedeiro (KOHMOTO et al., 1995).
Em citros, além da mancha marrom em tangerinas, tais fungos são
responsáveis pela mancha marrom do limão ‘Rugoso’, pela podridão póscolheita de frutos de citros e pela mancha foliar em limão ‘Galego’ (TIMMER
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et al., 2003), sendo a última relatada apenas no México (TIMMER et al.,
2000).
Inicialmente, em razão da alta similaridade morfológica entre os
patógenos causando mancha marrom de alternária e podridão pós-colheita,
identificou-se como sendo o mesmo patógeno, Alternaria citri (WHITESIDE,
1976). Contudo, o patótipo responsável pela mancha marrom de alternária
é biológica e bioquimicamente distinto, pela habilidade de infectar folhas
e frutos jovens, além de produzir toxinas específicas no hospedeiro (host
specific toxins - HSTs). Por esse motivo, esse patógeno foi, posteriormente,
classificado como A. alternata (KOHMOTO et al., 1979) e, mais tarde,
designado por A. alternata f. sp. citri (SOLEIL, 1991).
Recentemente, por dados moleculares, todos os isolados de Alternaria
associados aos citros que desenvolvem pequenos esporos, incluindo podridão
pós-colheita, mancha marrom do limão ‘Rugoso’ e mancha marrom em
tangerinas, foram classificados em uma única espécie A. alternata. Para
as duas últimas doenças, por serem causadas por linhagens produtoras
de HSTs, os patógenos foram denominados de patótipo limão e tangerina
respectivamente (AKIMITSU et al., 2003).
Existem claras diferenças biológicas, bioquímicas e genéticas entre
esses fungos, os quais podem ser diferenciados por testes de patogenicidade,
ensaios de toxinas ou marcadores moleculares (PEEVER et al., 2000, 2002).
A espécie A. limicola está associada à mancha foliar do limão ‘Galego’,
podendo ser morfologicamente diferenciada das demais por produzir esporos
maiores, além de não estar associada com a produção de toxinas (PALM &
CIVEROLO, 1994).
A Toxina
As toxinas associadas às doenças em plantas são desenvolvidas
por muitas bactérias e fungos, caracterizando-se, normalmente por serem
produtos secundários de baixos pesos moleculares, que constituem um grupo
diverso de compostos incluindo substâncias como peptídeos, glicopeptídeos,
derivados de aminoácidos, ternóides, esteróides, polícetídeos e quinonas
(NISHIMURA & KOHMOTO, 1983). Tais substâncias são determinantes
críticos de patogenicidade ou virulência em várias doenças. Além disso,
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atuam no desenvolvimento de sintomas, tais como clorose, necrose e murcha
nas células vegetais (WALTON, 1996).
As toxinas podem ser classificadas como não-seletivas, ou seja,
tóxicas a várias espécies de plantas, independentemente de o organismo
toxicogênico provocar doenças nelas, ou seletivas (HSTs), isto é,
tóxicas somente nas espécies naturalmente suscetíveis, sendo essenciais
para o estabelecimento do patógeno e no estabelecimento da doença
(PASCHOLATI, 1995). Todas as HSTs conhecidas são produzidas por
fungos e, com exceção da Ptr, toxina proteica produzida por Pyrenophora
tritici-repentis, são metabólitos secundários. São desnecessárias para
sobrevivência e reprodução do patógeno (WALTON, 1996) e normalmente,
produzidas durante a germinação dos conídios (HAYASHI et al., 1990).
Existem pelo menos 12 tipos de HSTs conhecidas, produzidas por
patótipos de Alternaria, muitas das quais parecem ser variantes da espécie
A. alternata (THOMMA, 2003). Os principais tipos de toxinas geradas por
esses fungos são as seguintes: AK, AM, ACR, ACT, AL e AF, produzidas por
patótipos de A. alternata, respectivamente, em pêra japonesa, maçã, limão
‘Rugoso’, tangerina e seus híbridos, tomate e uma variedade de morango
japonesa (WALTON, 1996). Estudos demonstraram que esses patótipos
são constituídos de pequenos cromossomos extras, dispensáveis para a
sobrevivência do patógeno, diferentemente dos patótipos de Alternaria que
não produzem HSTs (AKAMATSU et al., 1999).
Há um alto grau de especificidade entre isolados de tangerina (toxina
ACT) e isolados de limão ‘Rugoso’ (toxina ACR) (KOHMOTO et al., 1979;
PEEVER et al., 1999). Entretanto, embora sejam da mesma forma específicas
ao hospedeiro, as toxinas AF, AK e ACT possuem um motivo comum (9,10
–epoxy-8-hydroxy 9 –methyl – decatrienoic acid - EDT) em suas estruturas
(KOHMOTO et al., 1993).
Três genes homólogos, presentes em um pequeno cromossomo
(1.05Mb), foram recentemente identificados mediante estudos moleculares,
nesses três patótipos, possivelmente relacionados com a biossíntese de
EDT (HATTA et al., 2002). A obtenção de mutantes para esses patótipos
e a observação da distribuição cromossomal de tais genes indicaram que
eles, apesar de estarem num cromossomo idêntico, estavam agrupados de
forma distinta entre os três patótipos (HATTA et al., 2002). A ausência do
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cromossomo contendo os genes relacionados com a produção de toxinas
em mutantes desses patótipos de Alternaria não interferiu no crescimento
saprofítico do fungo, sendo, portanto, um cromossomo dispensável, um fato
que parece comum em fungos patogênicos (AKAMATSU et al., 1999).
A atuação das HSTs pode-se dar em diferentes locais da célula,
podendo alterar a permeabilidade e/ou o potencial das membranas, tendo
como conseqüência mudanças no equilíbrio iônico, perda de eletrólitos,
inibição ou estimulação de enzimas específicas e aumento na respiração e
na biossíntese do etileno (PASCHOLATI, 1995). Por exemplo, a toxina PM
produzida por Mycosphaerella zeae maydis não afeta somente a membrana
plasmática, mas, também, atua no cloroplasto, enquanto as toxinas ACT,
ACR e AT, produzidas por Alternaria alternata, patótipos tangerina,
limão ‘Rugoso’ e tabaco respectivamente são encontradas afetando apenas
mitocôndrias (OTANI et al., 1985).
O modo de ação da toxina ACT, que induz a doença mancha marrom
de alternária, ainda é desconhecido, mas a rápida perda de eletrólitos dos
tecidos foliares e as mudanças ultra-estruturais das células tratadas com a
toxina indicam que seu primeiro local de ação é a membrana plasmática
(KOHMOTO et al., 1993).
Citros: suscetibilidade e resistência à doença
A mancha marrom de alternária afeta, principalmente, as tangerinas,
sobretudo a variedade ‘Dancy’ (C. reticulata Blanco), seus híbridos diretos ou
indiretos (tangelos ‘Minneola’ e ‘Orlando’ e as tangerinas ‘Sunburst’, ‘Fortuna’,
‘Lee’ e ‘Osceola’), alguns tangores, como ‘Murcott’ e, em casos raros, os
pomelos ‘Redblush’ e ‘Sunrise’ (C. paradisi Macf.), na maioria das regiões
úmidas ou semi-áridas de cultivo dos citros (TIMMER et al., 2003). A doença
também foi relatada nas tangerinas ‘África do Sul’, ‘Sul da África’, ‘Nova’,
‘Ortanique’ e ‘Clemenules’ (FEICHTENBERGER et al., 2005), entre outras.
A maioria das variedades de tangerina ‘Clementina’ e seus híbridos,
bem como tangerina ‘Cleópatra’, limas, limões, laranja-azeda e laranjasdoces são resistentes à doença em condições normais de cultivo. Entretanto,
em condições de inoculação artificial do fungo em laboratório, observaramse sintomas em laranjas ‘Valência’, ‘Shamouti’ e ‘Washigton Navel’ e em
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limão ‘Volkameriano’ com isolados do patótipo tangerina proveniente de
tangelo ‘Minneola’ (SOLEIL & KIMCHI, 1997).
Como a tangerina ‘Dancy’ é o parental da maioria dos híbridos
e tangelos que são suscetíveis à mancha marrom de alternária, alguns
autores especularam que a suscetibilidade à doença seria geneticamente
herdada dessa tangerina. KOHMOTO et al. (1991), baseando-se no padrão
de suscetibilidade de variedades de citros e seus híbridos, sugeriram que a
sua suscetibilidade foi herdada do parental tangerina ‘Dancy’, como uma
característica dominante, sendo recessiva, portanto, a resistência da mancha
marrom das tangerinas.
Cruzamentos recíprocos entre a tangerina ‘Clementina’ e o híbrido
‘Clementina Minneola’, respectivamente, resistente e suscetível à mancha
marrom de alternária, foram realizados por Dalkilic (1999), citado por
TIMMER et al. (2003), para avaliar a herança da resistência à doença.
Utilizando a tangerina ‘Clementina’ como parental feminino, o autor
observou uma segregação fenotípica na progênie de 1:1 para a doença,
enquanto no cruzamento recíproco a segregação foi de 3:1 (resistente:
suscetível). Baseando-se nesses resultados, o autor sugeriu que a resistência
a A. alternata é recessiva e, a suscetibilidade, controlada por um simples
gene dominante originado da tangerina ‘Dancy’, possivelmente influenciado
por uma herança citoplasmática. Entretanto, a resposta diferenciada de
híbridos bastante próximos sugere que outros genes possam estar envolvidos
nessa interação (PEEVER et al., 2000).
Recentemente, um QRL (quantitative resistance loci) explicando
cerca de 30% do fenótipo observado, foi localizado e identificado em um
mapa de ligação de citros, obtido pela análise de 143 híbridos de tangor
‘Murcott’ e laranja ‘Pêra’, respectivamente, suscetível e resistente à
mancha marrom de alternária (BASTIANEL, 2005). A análise fenotípica da
característica “porcentagem de ponteiros afetados” na população apresentou
uma segregação fenotípica 3:1 (suscetível e resistente respectivamente).
Esse resultado está de acordo com PEEVER et al. (2000) que sugerem que
mais de um gene esteja envolvido com a resistência a Alternaria alternata
patótipo tangerina nos citros.
Em doenças fúngicas, causadas por toxinas produzidas pelo patógeno,
a reação a elas é freqüentemente controlada por um simples gene. Entretanto,
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a sensibilidade à toxina e a suscetibilidade ao patógeno são bastante diversas,
incluindo dominância, semidominância, recessividade e herança materna
(WALTON, 1996). Para a mancha-preta causada pela toxina AK, produzida
por A. alternata em pêra japonesa, uma importante doença dessa espécie no
Japão, a suscetibilidade é controlada por um único gene dominante, e todas
as cultivares suscetíveis são heterozigotas (WALTON, 2000).
Em tomate, a resistência à toxina AAL produzida por A. alternaria
patótipo lycopersici é determinada por um gene codominante (THOMMA,
2003). Enquanto a resistência ao patógeno é completamente dominante, a
sensibilidade à toxina AAL é semidominante (GILCHRIST & GROGAN,
1976). Para HSTs produzidas por espécies do gênero Cochliobolus,
a sensibilidade da planta pode ser geneticamente dominante (aveia),
citoplasmática (milho para a toxina T) ou geneticamente recessiva (milho
para a toxina HC) (OTANI et al., 1985; WALTON, 1996).
Em tangerinas, ainda são poucos os trabalhos dessa natureza, mas
os resultados obtidos indicam que um ou, no máximo, dois genes principais,
estão envolvidos com a herança da resistência à mancha marrom de alternária
nos citros.
Controle
Os fungicidas à base de cobre são recomendados para o controle
da doença no pomar (Tabela 1) (SOLEIL et al., 1997). Entretanto, como a
disseminação do fungo está altamente condicionada às condições ambientais,
são necessárias várias aplicações, podendo chegar a um total de quinze para
reduzir a severidade da doença, (TIMMER et al., 2003), o que eleva bastante
os custos de produção.
O inconveniente desses fungicidas é que atuam por contato, não
penetrando nos tecidos vegetais, sendo, portanto muito vulneráveis às chuvas.
Suas aplicações devem ser ajustadas aos períodos das condições favoráveis
à disseminação do fungo (ALVA & GRAHAM, 1991). O uso de outros
fungicidas, que apresentam comprovada ação contra o fungo, também é
recomendado, como estrubilurinas, dicarboximidas, triazóis e ditiocarbamatos
(Tabela 1). É importante mencionar que os benzimidazóis não apresentam
eficácia no controle da doença (FEICHTENBERGER et al., 2005).
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Para efetuar a pulverização no momento correto, um sistema
denominado Alter-rater foi desenvolvido na Flórida. Fundado em modelos
matemáticos, assinala pontos, diariamente, de acordo com as condições
climáticas favoráveis à doença, principalmente precipitação (chuva),
sendo as pulverizações apenas recomendadas quando se atinge um número
determinado de pontos, estimado em função da variedade de citros e da
região (TIMMER et al., 2003).
Práticas culturas, como formação de pomares em áreas com
bastante circulação de ar, maior espaçamento entre as plantas, cuidados
com a adubação, sobretudo a adubação nitrogenada, que induz um grande
crescimento vegetativo da planta, são recomendadas para diminuir a
severidade da doença. Como o fungo só se multiplica em tecidos mortos, é
recomendável a execução de uma poda de limpeza, eliminando os restos do
pomar e as podas no inverno para melhorar a aeração da planta (TIMMER
et al., 2003).
Tabela 1. Fungicidas com comprovada ação contra a mancha marrom de alternária
(AZEVEDO, 2005).
Grupo químico
À base de cobre
Princípio ativo
Oxicloreto de cobre
Sulfato de cobre
Hidróxido de cobre
Óxido cuproso
Ditiocarbamatos
Mancozeb
Propineb
Dicarboximidas
Iprodione
Procimidone
Triazóis
Difenaconazole
Tebuconazole
Estrubirulinas
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Pyraclostrobin
Trifloxystrobin
Azoxystrobin
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2. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mancha marrom de alternária constitui hoje, o principal problema
fitossanitário da cultura das tangerinas, variedades destinadas ao consumo
de fruta fresca. Todas as variedades utilizadas em plantio comercial
têm apresentado alta suscetibilidade ao fungo, o que tem prejudicado
sobremaneira a produção de frutos para consumo in natura.
A doença é de difícil controle, por ser causada por um fungo de
fácil disseminação e encontrar nas principais regiões produtoras de citros
do Brasil, condições bastante favoráveis para o seu desenvolvimento.
Desta forma, o controle químico do patógeno demanda grande número de
aplicações de fungicidas, o que tem aumentado os custos de produção da
fruta e desestimulado o plantio de novas áreas.
Como conseqüência, a seleção de novos genótipos mais resistentes
à mancha marrom de alternária, torna-se uma medida urgente e, vem a ser
a maneira mais econômica e viável de controle da doença. Assim, além de
melhoramento genético por cruzamentos controlados, onde novas combinações
estão sendo avaliadas para a suscetibilidade/resistência à doença e outras
características agronômicas de interesse, servindo também como base para
estudos genéticos da herança da resistência (BASTIANEL, 2005), diversas
espécies de tangerinas vêm sendo avaliadas nos últimos anos.
Essas tangerinas fazem parte do Banco Ativo de Germoplasma
do Centro APTA Citros ‘Sylvio Moreira’ do Instituto Agronômico em
Cordeirópolis (SP) e estão sendo avaliadas no próprio local e no Pólo
Regional de Desenvolvimento do Sudoeste Paulista em Capão Bonito em
colaboração com pesquisadores da Unidade de Pesquisa de Desenvolvimento
de Sorocaba da APTA Regional e do Fundecitrus. Felizmente algumas
variedades vêm se mostrando bastante promissoras, com maior resistência
em comparação com a ‘Ponkan’ e a ‘Murcott’. Dentre essas as variedades
‘Fremont’ e ‘Thomas’ merecem destaque por não apresentarem sintomas à
doença (FEICHTENBERGER et al., 2005).
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