Recalque e foraclusão

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Recalque e foraclusão
Recalque e foraclusão
Costumamos dizer que Freud começou pela histeria e Lacan pela paranóia, porque
aquele começou com “Anna O” e este com “Aimée”.
Trago isso não por uma razão factual, mas conceitual.
Trabalhando os casos de histeria, Freud esteve, de preferência, elaborando o
conceito de recalque, às vezes, no sentido amplo do termo, no sentido de defesa e, outras
vezes, no sentido restrito, ou seja, como uma defesa específica do sujeito histérico.
Isso significa que paradoxalmente Freud elaborava a noção de que um significante
representa um sujeito para um outro significante, isto é, elaborava a noção de sujeito
barrado.
Por outro lado, Lacan, elaborava o conceito de paranóia. Do ponto de vista
conceitual, paranóia equivale à psicose, quer dizer, equivale a uma condição da qual não se
pode dizer que há sujeito barrado.
Na paranóia, não se pode dizer que um significante representa um sujeito para um
outro significante.1 Na paranóia só se pode escrever S1S2 juntos, em holófrase.
Na paranóia não se pode escrever esse intervalo que geralmente representamos por
essa flecha S1  S2. Quando há esse intervalo, há um efeito de articulação de um
significante a um outro significante, efeito chamado de sujeito dividido.
Freud elaborava, através da histeria, o sentido conceitual de recalque, o que se pode
chamar de alicerce da doutrina freudiana do sintoma.
Lacan elaborava, através da paranóia, o sentido conceitual de foraclusão, o que se
pode chamar de alicerce da doutrina lacaniana do sintoma.
Retomo esses léxicos, recalque e foraclusão, para mostrar que em Lacan há uma
inversão de perspectiva. Considerar que o alicerce do sintoma é o recalque é uma
perspectiva, e considerar que o alicerce do sintoma é a foraclusão, é uma perspectiva
inversa.
Os antecedentes dessa inversão de perspectiva estão no “caso Schreber”, um caso
de paranoia do ponto de vista conceitual, porém de esquizofrenia, de demência paranóide,
do ponto de vista clínico.
Embora em “Abertura da Seção Clínica”, 5/1/77, Lacan tenha dito que na paranoia o significante
representa um sujeito para um outro significante, ainda que não tenha demonstrado.
1
Freud pensava que o mecanismo que condiciona uma psicose é a projeção, porém
se corrige imediatamente e propõe chamar esse mecanismo de abolição simbólica, de
foraclusão: “a característica mais notável da formação do sintoma na paranoia, é o processo
que merece o nome de projeção e que se define assim: uma percepção interna é suprimida
e ingressa na consciência sob a forma de percepção externa; mas acrescenta: foi incorreto
dizer que a percepção suprimida internamente é projetada para o exterior, a verdade é, pelo
contrário, que aquilo que foi internamente abolido retorna desde fora”.
O comentário introdutório, do editor, ao “caso Schreber”, diz que Freud
prometera escrever mais sobre a projeção, que esse parece ser um dos manuscritos
perdidos de Freud. Chego a pensar que dada a correção que Freud imediatamente
introduziu, dizendo que não se trata de supressão, mas de abolição, que não se trata de
projeção, mas de foraclusão, que se realmente houve algum manuscrito perdido de Freud,
teria sido sobre a foraclusão e não sobre a projeção, dado que, afinal de contas, a foraclusão
não foi destacada por Freud com a ênfase que merecia, cabendo a Lacan a tarefa de
evidenciá-la no próprio Freud.
Teoria restrita do sintoma
Isso nos leva a propor uma teoria restrita e uma teoria generalizada do sintoma. A
teoria restrita do sintoma toma por alicerce, por mecanismo fundamental do sintoma, o
recalque, e a teoria generalizada, toma por alicerce do sintoma a foraclusão.
Ao examinar o texto, de Freud, de 1915, sobre o recalque, um dos léxicos
fundamentais da metapsicologia, verificamos que ele pensa, é o que se chama de primeira
teoria da angústia, que a angústia sucede ao recalque, que ela é efeito do recalque. O
recalque é suposto como uma represa, uma contenção da libido, uma contenção do gozo
que gera a angústia.
A hipótese do sintoma é que se trata de uma formação de compromisso. Este é um
ponto de vista dinâmico, e que assim se enuncia: a pulsão visa a satisfação e funciona como
uma força constante, e a defesa que é uma contra-força, um contra-investimento, uma
contra-catexia lhe faz oposição.
Logo, o recalque não é uma opressão moral, social, pedagógica, não é um dizer não
do pai, um dizer não do guarda, mas um dizer que não, a própria impossibilidade de
satisfação da pulsão, a impossibilidade de dizer, uma vez que uma pulsão só é satisfeita uma
vez dita, em palavras ou em atos.
O recalque é uma força da própria pulsão; a pulsão é catexia o recalque é contracatexia; a pulsão é investimento o recalque é contra-investimento; o impulso pulsional é
Drang, o recalque é Verdrängung, e o sintoma é a resultante desse jogo de forças.
Resultante de forças é um conceito da física, da mecânica. A força da pulsão, a
catexia, a Besetzung, a ocupação, é um vetor (), a contra força da pulsão, o recalque, é um
vetor em sentido inverso () e a resultante dessa oposição de forças é o sintoma.
É isso que se chama de formação de compromisso, o do ut des, o donant donant, o
dou para que dês; temos assim essa noção de sintoma, em Freud, em 1915.
Lacan fará, em 1957, uma teoria do sintoma mais elaborada que essa teoria da
formação de compromisso, porém ainda restrita. O sintoma será o resultado da fixação de
um significante. Um significante fixado produz um efeito metafórico; se há transposição
desse limite, que ele chama de barra, há efeito metafórico. O sintoma então é definido
como metáfora, é uma mensagem que está cifrada, resultado da fixação de um significante
no inconsciente.
Há, entre 1915 e 1957, um texto de Freud, em que ele vai avançar a teoria do
sintoma. Isto é muito curioso, porque é como se Lacan tivesse que repetir a mesma
démarche de Freud, tivesse que fazer, em primeiro lugar, uma teoria restrita do sintoma, para
depois fazer, uma teoria generalizada do sintoma.
Essa teoria restrita do sintoma, que acabei de esboçar, se sustenta, por sua vez, no
esquema que utilizamos na aula anterior. A afirmação, a Behajung, esse sim primordial é
condição para o recalque que é um não. Isso é lógica pura, não posso dizer não sem ter dito
em primeiro lugar sim, não posso dizer (~) sem ter dito (), pois (~) é negação de ().
A teoria também é restrita nesse sentido, porque ela diz que é preciso
primeiramente a afirmação, o sim, para que se possa explicar o recalque, e também, a
denegação, que é um não a essa afirmação primordial. O recalque é um não, um não querer
saber dessa afirmação primordial, um não querer fazer esse juízo de atribuição sobre tal
sujeito, um não querer fazer esse juízo da existência de tal sujeito. É isso o não querer
saber, o recalque.
A afirmação condiciona esse não que escrevemos como (-), como não à castração,
como não quero saber da falta de um significante no Outro [S( Α )]. O recalque é sempre
secundário, porque supõe que há uma força de atração no inconsciente, que induz o
contra-investimento, a contra-catexia, uma força de atração no inconsciente que é
denominada de recalque primário, Urverdrängung.
Era de se esperar que se dissesse, que se ditasse à pulsão que devia se voltar contra
a própria pulsão, na forma de um contra-investimento, e Freud raciocina com a idéia de
recalque primário. Mas, já sabemos que esse primário é mítico, que temos sempre que dizer
como tudo começou, como foi a primeira vez, como foi o primeiro recalque, e então
criamos essa noção histórica. Logo, se há afirmação, temos essa condição lógica que está
esboçada aí, podemos negar uma afirmação, e devemos denominar essa negação de
recalque.
Em compensação, se não há afirmação, que é o que chamamos de Verwerfung, a não
afirmação primordial, a não Bejahung, que Freud chamou primeiramente de Austossung e que
depois Lacan atualizou, num dado momento, para retranchement, quer dizer, abolição, e, em
seguida, para Verwerfung, foraclusão, se não há uma afirmação primordial, se há um não
primordial, então, está criada a condição, vamos chamar assim, do fracasso do recalque,
não se vai poder negar, no sentido do recalque, porque não houve afirmação.
O que chamo de fracasso do recalque é o conceito que Lacan introduziu em sua
primeira teoria da psicose, fracasso da metáfora paterna, fracasso do Nome-do-Pai. Pode-se
escrevê-lo de diversas maneiras, [NP0] Nome-do-Pai zero, [0] significação fálica zero, tal
como aparece, no texto “Questão Preliminar”: a condição da psicose é que não tenha
havido essa afirmação primordial, e, portanto, não pode haver a negação. Não houve o sim,
não pode haver a negação desse sim. Essa é a teoria restrita do sintoma.
Então, aqui, foraclusão quer dizer abolição do significante do Nome-do-Pai no
campo do significante, no campo da linguagem, que chamamos de campo do Outro; falta,
no campo do Outro, o significante do Nome-do-Pai, que seria instalado com a afirmação
primordial que não ocorreu.
Isso é uma teoria restrita do sintoma. Gostaria de escrevê-la com uma fórmula, a
 )] existe um sujeito para quem falta um significante no
fórmula do existencial: [x S( Α
campo do Outro. Não se aplica a todos, não se aplica àqueles que fizeram a afirmação
primordial, ou seja, aos neuróticos. Todos os sujeitos se banham no campo da linguagem,
existem sujeitos que não se banham que não podem utilizar um significante do campo do
Outro, ou seja, existem sujeitos chamados de psicóticos para os quais falta um significante
no campo do Outro.
Teoria generalizada do sintoma
Como disse há pouco, sempre me pareceu curioso, que Lacan, que já conhecia, em
1957, o texto de 1926, de Freud, já conhecia “Inibição, sintoma e angústia”, tivesse que
passar por uma teoria restrita do sintoma, uma teoria que fixava o significante ao
significado, que produzia a mesma formação de compromisso, sob o léxico da metáfora
paterna.
Sempre me pareceu enigmático, que somente em 1975, no RSI, ele tenha podido
retomar a essência do texto de 1926, onde Freud propõe uma segunda teoria da angústia,
que também é uma generalização da primeira. Freud diz que a angústia é um signo, isto é,
um sentido enigmático, um cúmulo de sentido. A angústia é um signo que desencadeia o
recalque; na primeira teoria a angústia era um consequente do recalque devido à estase da
libido, e para minimizá-la, o sintoma se formava.
Em 1926, Freud inverte a perspectiva: a angústia não resulta do recalque, ao
contrário, o condiciona, e essa inversão da teoria o encaminha a definir o sintoma como
um substitutivo de uma satisfação pulsional, como um modo de satisfação substitutiva da
pulsão.
Então, ele abandona o modelo de resultante de forças, abandona o ponto de vista
dinâmico, e abraça o ponto de vista econômico: a pulsão não se satisfaz, não pode realizarse diretamente, é preciso o sintoma para realizá-la indiretamente.
Esse é um ponto de vista econômico, porque joga com o conceito de satisfação da
pulsão, que é a base de todo ponto de vista econômico, ou, recorrendo-se a um léxico mais
atualizado, o léxico de Lacan, diríamos que o ponto de vista econômico joga com o
conceito de gozo.
Essa inversão de perspectiva incide inclusive sobre outro termo da pulsão que está
aí implicado; já não se trata mais do Drang, porque não se trata mais de contra-Drang, de
Verdrängung, mas de satisfação, de Ziel, do alvo da pulsão, da finalidade da pulsão, que é um
outro termo, mas sobre isso não vou me estender agora.
Freud definiu o sintoma como um modo indireto, substitutivo, suplente de
satisfação da pulsão; a pulsão é titular e o sintoma é suplente; a pulsão quer se satisfazer,
mas não pode obter essa satisfação; a pulsão não pode se satisfazer e aceita como suplente
o sintoma.
Então, se o sintoma é isso que Freud chama de substitutivo, o que está em jogo é o
conceito de metáfora, mas uma metáfora que agora está aplicada do ponto de vista
econômico, do ponto de vista da satisfação.
Então, há uma teoria restrita do sintoma (de 1915) e uma teoria generalizada do
sintoma (de 1926) em Freud, e uma teoria restrita do sintoma (de 1957) e uma teoria
generalizada do sintoma (de 1975) em Lacan.
No RSI vamos encontrar um enunciado que é idêntico ou, pelo menos, equivalente
ao enunciado de Freud “o sintoma é um modo de gozar do inconsciente”; é um enunciado
que se considera, pelo menos, equivalente ao enunciado - o “sintoma é um modo de
satisfação da pulsão”, e para enunciá-lo dessa maneira, é preciso que Lacan redefina a
função do sintoma.
Ele diz que não se trata mais de metáfora significante, de fixação de um significante
a um significado, mas que se trata agora de fixação de um gozo. Esse elemento que se fixa
aí, e que é o gozo, ele passa a chamar não mais de significante, porém, de letra, e por uma
razão muito simples, porque o significante se caracteriza por ser um traço distintivo, se
caracteriza por ser distinto de um outro significante, o que se escreve assim [S1S2].
Quando se coloca o índice2 em um significante, cria-se logo a ideia de que são
distintos, cria-se um traço, um índice de distinção; se escrevesse [S1S1] vocês não
notariam essa distinção. Isso se denomina de fixação de um significante a um outro
significante, porque o efeito produzido aí, é o efeito de significado, ou o efeito de sentido,
que não é nada diferente do efeito de sujeito ou do efeito de sintoma.
[S1S2]

s
[S1S2]

S
[S1S2]


Mas, quando Lacan diz que o sintoma é um modo de gozar, já não pode mais
escrever esse intervalo entre significantes, e por isso recorre ao conceito de letra, porque,
ao contrário do significante, a letra não porta um traço distintivo; na letra há identidade de
si a si.
A fixação não é mais de um significante no inconsciente, o sintoma não é o
resultado da fixação de uma ideia, segundo o léxico de Freud. O sintoma é a fixação de um
gozo. Na teoria restrita, o sintoma é a fixação de um significante, na teoria generalizada é a
fixação de um gozo, de uma satisfação sem o Outro, porque a fixação de um significante
exige o Outro, o campo dos significantes articulados, enquanto que a fixação do gozo
prescinde do Outro. Talvez, por essa razão, Lacan a chame de fixão, e com esse neologismo
queira dizer que aí se trata da letra no inconsciente; sua letra para representar essa fixão de
gozo é o a minúsculo, o objeto a.
Ao enunciar a teoria restrita do sintoma, disse que há a primeira afirmação para uns
e não há a primeira afirmação para outros, mas agora que vou enunciar a teoria
generalizada do sintoma, devo dizer: há a primeira não-afirmação para todos, ou, para todo
x (x) há a foraclusão primordial.
Por isso vamos dizer que a foraclusão primordial é para todos. Antes tínhamos dito
que apenas alguns fazem a primeira afirmação, o primeiro sim e alguns não fazem, isso é a
teoria restrita, e a teoria generalizada, insisto sobre isso porque é essencial, é a inversão da
perspectiva, declara a não-afirmação para todos.
O não-primordial é para todos; alguns respondem a isso com um tipo de prótese,
de suplência, algumas dão um sim a esse não, alguns conseguem fazer uma suplência a esse
não, alguns conseguem fazer uma afirmação primordial, conseguem dizer que sim, o que
compensa, supre esse não primordial; vamos chamá-los de neuróticos, tomando como
modelo os histéricos; é isso que é ser neurótico. Ser neurótico é ter a condição de fazer
uma prótese, uma suplência, uma compensação a esse não primordial. Outros não têm a
condição de fazer essa compensação, lhes falta alguma coisa a mais.
O “era uma vez” é um não que podemos escrever dizendo - falta um significante
para todos. A fórmula que coloquei com um existencial, agora a generalizo, a escrevo como
um quantificador universal e isso me permite dizer: para todo sujeito falta um significante
 )] e tem de haver um recurso, um significante qualquer, para
no campo do Outro: [x S( Α
fazer uma compensação a essa falta.
Aí é que se coloca o problema: esse recurso que alguns sujeitos que chamei de
neuróticos, especialmente de histéricos, esses sujeitos que podem fazer um discurso, um
laço social, apesar de que por esse enunciado - para todo falaser falta um significante no
campo do Outro, não se esperaria encontrar nenhum discurso, nenhum laço social,
esperar-se-ia todos delirantes, todos loucos, apesar disso alguns sujeitos conseguem fazer
uma suplência, e é o que chamamos fazer um discurso, é o que conseguem os sujeitos
histéricos.
Qualquer sujeito sofre da falta de significante do Outro, mas alguns deles podem
fazer uma prótese a isso, porque têm um significante especial, um significante que tem a
substância protéica, que tem a substância que supre e que nada mais é do que uma
proposição tética que Lacan chamou de significante do Nome-do-Pai.
Podemos dizer desta maneira, até porque estes sujeitos que têm condições de fazer
essa compensação distinguem o real do simbólico, têm essa inscrição simbólica, esse
recurso simbólico que é sempre um significante. O que chamamos significante do Nomedo-Pai, significante da lei, podíamos chamar de significante da afirmação, que serve para
compensar esse Real. Dizer para todo sujeito falta um significante do Outro implica uma
falta, não no sentido de um déficit, mas no sentido de falta real. Para outros sujeitos, que
vou chamar paranoicos, psicóticos, falta essa disposição ao significante do Nome-do-Pai,
ou, falta essa articulação significante, esse intervalo entre os significantes, que se poderia
escrever assim juntos [S1S2] e chamar de holófrase.
Notem que apareceram duas foraclusões, uma foraclusão geral que funda o real, à
qual alguns sujeitos histéricos vão responder, e uma foraclusão restrita que corresponde à
impossibilidade de resposta de outros sujeitos que chamamos de paranoicos, de psicóticos.
Por isso dizia que só em dado momento é que vai se desencadear a psicose, vai se
desencadear no momento em que o sujeito é chamado a ocupar uma posição terceira, que
Lacan definiu dessa maneira: “para que uma psicose seja declarada, é necessário que o
Nome-do-Pai foracluído seja evocado em oposição simbólica ao sujeito”.
No esquema anterior, restrito, havia a primeira afirmação e o recalque ou a
foraclusão. O esquema restrito diz que a afirmação condiciona o recalque que, por sua vez,
condiciona a neurose, e a foraclusão condiciona a psicose; nesse esquema só aparece uma
foraclusão.
primeira afirmação
recalque
foraclusão
No esquema atual, generalizado, temos a foraclusão para todos, todo sujeito está
submetido à falta de um significante, para todo sujeito falta o significante do Outro que
constitui o que chamamos de Real, de furo no universo, de furo na linguagem, de
impossibilidade da linguagem dizer tudo, impossibilidade de dizer toda a verdade, e foi bem
lembrado que não se trata de uma déficit, que se trata de um conceito, de um axioma.
primeira foraclusão (generalizada)
recalque
segunda foraclusão (restrita)
Portanto, partamos disso, para todo sujeito falta um significante, como na
geometria partimos do axioma, a reta é um conjunto de pontos, o que é indemonstrável, o
que se coloca no nível mítico, no “era uma vez”. A foraclusão generalizada é o nosso “era
uma vez”. Podíamos construir todo um argumento restrito, dizendo, partamos do sim,
mais indiquei que devíamos partir do não, pois se partíssemos do sim, iríamos ser
governados pelo princípio do prazer - o que é bom ponho pra dentro, o que é ruim ponho
pra fora; por isso Freud se corrigiu dizendo que não se trata de supressão, não se trata de
projeção, trata-se de uma abolição.
Então, são os efeitos que vão constatar o que foi feito dessa abolição. Podemos
dizer: há foraclusão, mas, ao mesmo tempo, devemos verificar como cada um pôde fazer
essa estabilização.
É um bom léxico, estabilização. Estava no ponto de introduzi-lo, mas o evitei
porque ainda estava concluindo a resposta à pergunta anterior: se há, para todos, essa
condição chamada de foraclusão primária, real, porque a psicose só se desencadeia lá
adiante?
Para responder, retomo a citação: “para que uma psicose seja declarada é necessário
que o Nome-do-Pai foracluído, jamais vindo ao lugar do Outro, seja aí chamado em
oposição simbólica ao sujeito”. Quer dizer que o Nome-do-Pai jamais tendo vindo, jamais
tendo existido, notem aí a expulsão do juízo de existência, jamais tendo existido no lugar
do Outro, é isso o julgamento de existência, a Verwerfung que vem impedir o julgamento de
existência, que funciona como se nunca houvesse existido.
Aos 53 anos, Schreber é promovido a Presidente do Supremo Tribunal de Dresden.
Esse apelo a ocupar essa posição, Lacan denomina teoricamente, conceitualmente,
oposição simbólica ao sujeito; o sujeito não pode assumir uma função simbólica, é assim
que traduzimos isso que sucede ao sujeito psicótico; ele não pode contrair nenhum tipo de
responsabilidade; cada vez que é apelado em oposição simbólica verifica-se que falta esse
significante do Nome-do-Pai que está foracluído.
Há a primeira foraclusão, alguns sujeitos podem respondê-la, e a condição dessa
resposta depende do significante do Nome-do-Pai; outros sujeitos não podem dar essa
resposta, sabemos disso a posteriori, deduzimos esse saber só depois, e o conceito que temos a
posteriori para dizer que eles não puderam responder é a falta do significante do Nome-doPai. No nível empírico, não podemos dizer que o significante do Nome-do-Pai falta aqui,
falta acolá, só podemos dizer a posteriori, quando uma psicose é declarada. A priori, não é
possível saber da foraclusão. Há um exemplo muito engraçado: o sujeito tem o hábito de
não atrasar o relógio durante o horário de verão; se um dia declarar uma psicose, pode-se
tomar isso como um ato bizarro; as esquisitices só se tornarão verdadeiramente bizarrices
depois de declarada a psicose; se nunca se declarar, isso não passará de uma excentricidade.
De fato, uma psicose é uma psicose declarada.
Seria preciso distinguir ainda as duas foraclusões, porque se chamei uma delas de
primeira foraclusão, à qual alguns sujeitos respondem com o recalque, sujeitos que fazem o
laço social, o vínculo social chamado discurso histérico, e disse que há outros sujeitos que
chamei paranoicos, que não conseguem fazer essa suplência, essa prótese que nos levou a
deduzir uma foraclusão secundária. É claro que seria mais apropriado nomear essa segunda
foraclusão de foraclusão do Nome-do-Pai. Por Nome-do-Pai entendemos a função que no
esquema da metáfora paterna vem barrar o Desejo da Mãe.
NP
DM
    NP
DM
x
A


A significação incógnita para o sujeito [x] depende de que o Nome-do-Pai [NP]
faça uma barra no Desejo da Mãe [DM], cujo resultado é o Outro [A] sobre o falo [].
Esse é um significante da metaforização, um significante da significação fálica. Se dissermos
que a primeira foraclusão é apenas o real e a representarmos com uma figura topológica
como o toro, deduziríamos que há um vazio de significação. Dado que não houve
julgamento algum, dado que não houve nenhum juízo de existência, não houve juízo de
atribuição, há sujeitos que podem dar uma significação, que chamamos significação fálica,
metafórica e há sujeitos que não podem dar uma significação metafórica e por isso dão uma
significação literal, denotativa, uma significação delirante, dão uma segunda significação que
Lacan chamou de significação da significação, ou significação ao quadrado, que é a
foraclusão secundária. Podíamos chamar a significação fálica de fantasia e a significação
quadrática de delírio. É uma diferença que podemos encontrar no artigo “Neurose e
psicose” de Freud.
Gostaria de concluir dizendo (e há indicações disso no “Seminário V”) que essa
 Mulher, essa primeira foraclusão, foi
primeira foraclusão, Lacan chamou de foraclusão d’ Α
a forma que ele encontrou (há uma referencia sobre isso na Conferencia sobre o sintoma
em Genebra) de ligar linguagem e sexualidade, para fazer os dois pilares da doutrina
freudiana se encontrarem. A questão de Lacan sempre foi como ligar significante e gozo,
como ligar linguagem e sexualidade. Ele disse que a foraclusão de que se trata, essa que
abole a afirmação primordial, que é para todos, é a foraclusão do significante que pode
nomear o gozo do Outro sexo. Nós temos o significante do falo, significante que pode
nomear o gozo de Um sexo, o impropriamente chamado sexo masculino, mas não temos o
significante que possa nomear o gozo do Outro sexo. É o que Freud disse com a libido é
masculina, e de tudo isso Lacan deduz a sua conclusão de que não há relação sexual, de que
 Mulher não existe, ou seja, de que falta um significante para haver relação biunívoca.
Α
Então, a primeira foraclusão diz respeito a foraclusão do significante d’ Α
 Mulher, ou do
significante do gozo Outro, e a segunda foraclusão diz respeito a foraclusão do Nome-doPai, que é a foraclusão de um significante simbólico por excelência. A rigor, deveríamos
chamar de foraclusão do gozo do Outro, a foraclusão de um símbolo que nomeia o gozo
 Mulher, reunindo linguagem e
do Outro sexo, que Lacan chamou de foraclusão d’ Α
sexualidade.
 Mulher é
Geralmente os autores não fazem essa distinção, porque dizem que Α
um dos Nomes-do-Pai, mas deveríamos tratar então o Nome-do-Pai no plural, e dizer que
há vários signos que são os Nomes-do-Pai. Não faz muita diferença dizer que a foraclusão
 Mulher. Pode-se
é sempre de um significante do Nome-do-Pai e que um deles é Α
encontrar no “Seminário XX”, no capítulo “Letra de uma carta de Amor”, no esquema da
 Mulher. Ali está o A Mulher barrado, ao lado do
sexuação, o lado do Pai e o lado d’ Α
significante que falta ao Outro e está o objeto a. Todos esses matemas podem ser
 ), a, Α
 Mulher, S1 não articulado, o próprio pai,
chamados de Nomes do Pai, no plural S( Α
inclusive um irmão. Se a definição do Nome-do-Pai é tudo que pode barrar o gozo
imaginário entre uma criança e sua mãe, o nascimento de um irmão pode ser um Nome-

do-Pai. Mas, me parece precioso dizer que a primeira foraclusão é a foraclusão d’ Α
Mulher, e que a segunda foraclusão é a do Nome-do-Pai. A generalização da teoria do
sintoma faz da neurose, do recalque, um modo de suplência, como Freud gostava de dizer,
bem sucedido, em relação à solução da paranoia (vou me aproveitar desse dado quando
discutir o discurso histérico, quero tomá-lo como modelo e fazer dele a meta da cura
analítica: levar todo sujeito a essa solução, reduzir todos os casos ao discurso histérico).
Uma análise bem sucedida deveria levar a fazer um sintoma do tipo histérico, porque o
sintoma histérico é a forma de compensar a falta do significante primordial, do significante
 Mulher.
d’ Α
Essa é uma tese assentada desde RSI, que depois se desdobra no Seminário “o
Sintoma”, no L’Insu, com esse nome de teoria generalizada do sintoma que faz com que o
sintoma seja a suplência da falta do significante que nomeie o gozo do Outro sexo, que faz
com que o sintoma seja enunciado como a compensação à impossibilidade da relação
sexual.
Então, vale a pena pôr esse esquema, temos de um lado o significante () para
representar um gozo, não temos do outro lado um significante para representar o Outro
gozo e podemos escrever (), o sintoma como o parceiro desse significante, do falo, do
masculino. Assim, o sintoma é o parceiro feminino, o parceiro desse outro significante.
Através do sintoma é possível fazer a relação sexual existir. Quer dizer, esse significante ()
estava solteiro e quando ponho () nesse lugar do significante que falta, do significante do
gozo do Outro sexo, consigo estabelecer isso que se escreve em teoria do conjunto sob o
termo de relação biunívoca:
()  ()
Essa foi a contribuição de Lacan, solucionar o que não tinha solução. Nesse sentido
não se pode dizer que o sintoma é negativo, não se pode ter uma noção negativa do
sintoma, pois como se vê, ele presta um grande serviço. É por isso que desde as cartas a
Fliess, Freud diz que o paranoico trata o seu delírio como a si mesmo, trata-o como um
bem, ama seu sintoma. O fato de que temos sintoma significa que temos uma resolução,
uma compensação, uma prótese a essa falta estrutural.
Dado que nos “Três Ensaios” (1905) Freud diz que a finalidade do sintoma é
substituir o ato sexual, podemos dizer que esse é um antecedente do conceito de Lacan
(1975) de que o sintoma faz existir a relação sexual.

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