Como eles chegaram lá - Spósito Soluções e Serviços

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Como eles chegaram lá
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Como eles chegaram lá
3
© 1999, Editora Campus Ltda.
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Capa
Visiva Comunicação e Design
Editoração Eletrônica
Futura
Copidesque
Paulo Guanaes
Revisão Gráfica
Ana Paula Lessa
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Projeto Gráfico
Editora Campus Ltda.
A Qualidade da Informação
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20050-002 Rio de Janeiro RJ Brasil
Telefone: (021) 509-5340 FAX (021) 507-1991
E-mail: [email protected]
ISBN 85-352-0522-5
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ
P472c
Penteado, José Roberto Whitaker, 1919 –
Como eles chegaram lá: as receitas, o marketing pessoal
e os momentos mágicos de 10 profissionais de sucesso/
José Roberto Whitaker Penteado. – Rio de Janeiro:
Campus, 1999
ISBN 85-352-0522-5
1. Marketing pessoal. 2. Sucesso nos negócios – Brasil.
I. Título.
99-1604
99 00 01 02
4
CDD 658.8
CDU 658.8
5 4 3 2 1
Aos dez co-autores deste livro.
Pelo que me ensinaram.
5
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Sumário
Apresentação
9
As receitas de sucesso 15
O marketing pessoal 19
Aquele momento 23
As entrevistas
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João De Simoni
Do interior para a metrópole
29
Christina Carvalho Pinto
Estrela da propaganda 46
Armando Ferrentini
O realizador 63
Carlos Salles
Funcionário público numa multinacional
Roberto Duailibi
Antes de se tornar o “D” da DPZ
Marcos Magalhães
Um engenheiro no topo
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92
111
Nizan Guanaes
Publicitário com jeito de padeiro
128
7
Francisco Gracioso
Da empresa à escola
144
Carlos Arthur Nuzman
Último representante de uma espécie em extinção
Joaquim Francisco de Castro Neto
“Preferia ser dono de restaurante” 184
8
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Apresentação
Este não é um livro de receitas de sucesso. É um livro de experiências de vida que deram certo. Uma velha tia que conheci
quando garoto costumava dizer – de forma que me parecia grosseira e levemente escandalosa – que só se conhecia uma pessoa
dormindo com ela. Mas ela era de uma geração que, em assuntos
de cama, ignorava as segundas intenções e o seu anexim era literal. Para você conhecer uma pessoa, tem de conviver com ela:
morar, comer e dormir juntos.
Por isso, acho que, além de interessante – quem não gosta de
saber dos detalhes da vida alheia? – essas páginas poderão ser
muito úteis para os que buscam modelos ou inspiração para tentar construir suas próprias carreiras e seus próprios sucessos.
Caçar exemplos é uma atividade quase tão antiga quanto a
nossa civilização. O mais famoso dos biógrafos, Plutarco, escreveu
o clássico Vida dos Homens Ilustres há cerca de dois mil anos, no
primeiro século da nossa era. E o título original de sua obra não
era esse, mas sim Vidas Paralelas, pois comparava a trajetória de
gregos famosos com romanos famosos, procurando tirar conclusões. Outro biógrafo famoso deste século, Emil Ludwig, escreveu
sua própria biografia e denominou-a Memórias de um Caçador
de Homens. Ainda são muitas as biografias que se tornam bestsellers. Para nós, o ser humano continua sendo uma fonte inesgotável de interesse e perplexidade – e de emoções, que vão desde
o temor e o ódio até a admiração e a idolatria.
Feito basicamente a partir de entrevistas que fiz, entre 1997 e
1999, para a Revista da ESPM – uma publicação bimestral da
Escola Superior de Propaganda e Marketing, dirigida principalmente a seus alunos e professores – este livro aproveita o enfoque que
se deu a cada uma delas, que era o de procurar acompanhar a traje-
9
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tória profissional de cada um dos entrevistados a partir de suas realidades familiares, de suas experiências de vida e de seus estudos.
Essa tríade, família-sociedade-escola, é particularmente relevante. Há alguns anos, um outro estudo, este feito na universidade, levou-me a escrever sobre Monteiro Lobato e a força de suas
narrativas para crianças como fator de formação das mentalidades de muitas gerações de brasileiros. Na tese que defendi citei
Alexis de Tocqueville, sentenciando que a totalidade do homem
só pode ser vista no berço da criança. As respostas desses dez profissionais às perguntas – objetivas e, às vezes, provocadoras – que
fazia, traçam um perfil autêntico e, não raro, quase íntimo da
convivência que tiveram, desde pequenos, com o sucesso e os
seus momentos decisivos. É, assim, um pouco como se eu e você,
leitor, ambos, tivéssemos dormido com cada um deles. Na visão
da minha tia.
Ao longo do que já vai chegando a quatro décadas de atividade profissional, lidando simultaneamente com profissionais, executivos e empresários e com alunos de cursos profissionalizantes,
um constante paradoxo sempre me incomodou: ouvir, de ambos
os lados, que não havia oportunidades de trabalho suficientes
para os jovens que se formavam, aos milhares, em nossas escolas
superiores. Ao mesmo tempo, em particular, os profissionais costumavam reclamar que “não conseguiam gente boa” por mais
que procurassem. Ora, como diretor de escola, pude travar contato com uma realidade estatística de nosso país que, hoje, ninguém ignora: com um universo de menos de dois milhões de
jovens estudando nas faculdades do país, o Brasil é um dos países
que têm a pior relação entre estudantes universitários e população/força de trabalho. Pior até do que os nossos vizinhos argentinos ou chilenos. Então, sabia que não podia ser verdade que
haveria excesso de profissionais jovens. Mas a realidade do dia-adia também demonstrava que, de fato, no Brasil é muito difícil
conseguir “gente boa” para preencher as funções produtivas das
empresas.
Estou, hoje, convencido de que desemprego é – em grande
parte – uma questão de preguiça mental. A visita a ex-países
comunistas, embora proporcione visões consternadoras, eviden-
cia o que se passa com uma sociedade que transfere para cima a
responsabilidade de pensar e de tomar decisões. Um talentoso
cartunista, bom amigo meu, o Redi, costumava contar que,
recém-chegado aos Estados Unidos e pouco falando inglês, conseguiu vender um cartum para o prestigioso New York Times.
Passou a freqüentar o jornal quase diariamente, para ver se repetia a dose e descobriu que a maioria dos ilustradores deixava a
redação por volta de seis da tarde e que, a partir desse momento,
não havia ninguém para fazer cartum para as matérias que estavam fechando. Em breve, seus cartuns eram os mais requisitados
e, não raro, chegavam à primeira página. E ele não era nem
empregado do jornal. Sei que o Redi não vai se zangar de estar
contando uma intimidade. Mas, de fato, foi – e continua sendo –
uma demonstração prática de como a competência encontra a
oportunidade.
Você vai também encontrar, encimando os três próximos capítulos sobre as Receitas para o Sucesso, o Marketing Pessoal e o
Momento Decisivo de cada um dos meus personagens, algumas
frases de outras pessoas bem-sucedidas. Mesmo correndo um
certo risco de explicar demais, não quero perder essa oportunidade de falar, também, um pouco dessas citações. Muitos amigos
e alguns leitores sabem que adoro citações.
Oscar Wilde, um dos escritores mais citados do mundo, a ponto
de dar a impressão de que, de fato, criava suas frases de efeito antes
de escrever os livros, faz uma afirmação original para um poeta: de
que o sucesso é uma ciência e que pode ser controlado. Embora, no
íntimo, como herdeiro de muitas gerações românticas e ideologicamente aleatórias, sinta certa discordância, não posso negar que
nisso está a essência deste livro. Querer é, mesmo, Poder. Mas a
frase seguinte, atribuída a Eddie Cantor, um ator-cantor da
Broadway hoje esquecido – Levei vinte anos para me tornar um
sucesso da noite para o dia – é crítica e uma das minhas favoritas.
Sempre fui de opinião que “mágica” é o resultado de um esforço
muito grande e continuado.
A frase do filósofo alemão Erich Fromm – muito influente no
Brasil nos anos 50 e 60, quando comecei a trabalhar – A principal tarefa do ser humano é dar à luz a si próprio. Tornar-se tudo
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aquilo de que é potencialmente capaz produz um contraponto
que considero essencial na questão do chamado marketing pessoal. Como antigo profissional da área, e redator – em maio
deste ano – do seu Código de Ética oficial, no Brasil, respeito o
marketing como uma técnica eficaz para vender bons produtos e
serviços. Acho que o mau produto, o serviço desnecessário ou
mal-feito poderão ser vendidos apenas uma vez e serão expulsos
do mercado. Há que trabalhar, no marketing pessoal, as potencialidades verdadeiras e as qualidades autênticas da pessoa. O
que não descarta, entretanto, a necessidade de se mostrar ao
mundo o lado brilhante, como preconizava o poeta russo
Maiakovsky e está contido na jovialidade da frase do jornalista e
humorista norte-americano Don Marquis: Algumas pessoas absolutamente íntegras conseguem ser, também, muito simpáticas.
A austera senhora Margaret Thatcher, a dama-de-ferro, contribui com o seu precioso depoimento para reforçar o que afirmo nessa apresentação, a respeito de haver muitas oportunidades, nesse mundo e no Brasil, para trabalhar competentemente.
É a visão de alguém que, de fato, esteve lá em cima e o que ela
diz é que as pessoas acham que não há lugar lá em cima. Pois eu
asseguro que há toneladas de lugares no topo. Ao que contrapõe
Josh Billings, um outro humorista norte-americano, preservado
nas enciclopédias de citações: As ocasiões são raras. E mais raras
ainda as pessoas capazes de aproveitá-las. Acho que é principalmente disso que trata este livro.
A seleção dos entrevistados foi feita visando ao interesse dos
leitores da Revista da ESPM e, por isso, mais ou menos concentrada nas áreas de propaganda e marketing. Mas há executivos
com outras formações, como administração ou engenharia.
Estatisticamente, trata-se de uma ótima – e simpática – amostragem sociológica. Estamos conversando com a nova classe média
brasileira – aquela que faz as coisas acontecerem: são os filhos
dos profissionais liberais, dos funcionários públicos e dos militares da primeira metade do século; os netos das famílias patrícias
cujas heranças se diluíram em pouco planejamento e excesso de
herdeiros; os filhos e os netos dos imigrantes de países próximos
como a Itália ou distantes como a Síria, que trouxeram, nas mãos
ásperas e nas almas antigas, a única riqueza verdadeira que tem o
nosso país: a capacidade de trabalho de cada um de nós.
Se você é tão esperto, disparam os americanos, como é que não
ficou rico? Antes que me façam a acusação, quero dizer que essa
é, justamente, a tônica desse livro: o sucesso das pessoas não é
medido em dinheiro. Especialmente e sobretudo o sucesso profissional. Você verá, nas próximas páginas, que o verdadeiro
sucesso consiste em coisas tão nobres quanto ter alegria e bom
humor, paixão e prazer, interesse e fascínio, compreensão e sensibilidade, confiança e vontade de fazer melhor, gostar de gente –
e ter um pouco de sorte.
E a combinação dessas qualidades pode, inclusive, resultar em
dinheiro – pelo menos suficiente para curtir os resultados.
JRWP
Rio, novembro de 1999
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AS RECEITAS DE SUCESSO
O sucesso é uma ciência. Se você tem as condições certas,
os resultados aparecem.
– Oscar Wilde
Levei vinte anos para me tornar um sucesso da noite para o dia.
– Eddie Cantor
Há receita para o sucesso?
A maioria dos meus entrevistados achou – como o grande
poeta irlandês – que sim. Com exceção de Christina Carvalho
Pinto e de Roberto Duailibi, que responderam com um maiúsculo
NÃO para, em seguida, dar as suas próprias receitas – lacônica,
no caso de Duailibi, e femininamente misteriosa, em Christina.
João De Simoni tem uma visão original. Ele acha que o sucesso
profissional tem muito a ver com alegria e bom humor. E, num
aspecto mais prático, com o fato de que sempre procurou contratar, na sua empresa, gente potencialmente melhor do que ele. De
fato, De Simoni acredita tanto nisso que insiste que aprende mais
com seus funcionários do que é capaz de ensinar. A alegria e o
bom humor, segundo ele, são capazes de proporcionar confiança
e determinação para ver sempre o lado bom da vida. E aconselhanos a evitar pessoas negativas e negadoras para procurar a companhia de gente entusiasmada, “cheia de tônus vital e sensibilidade”.
Com seu depoimento, inicia uma quase-unanimidade de prescrição de muito estudo, ao longo de toda a vida, para chegar ao
sucesso e não o deixar escapar. “Nossa reciclagem só deve parar
quando estivermos literalmente enterrados”, sentencia.
Christina Carvalho Pinto não acredita em receita para o sucesso
profissional. Mas acredita em paixão, vocação, “acredito em aceitar
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as missões que a vida nos traz, uma vez que não estamos neste
pequeno planeta a passeio”. E recomenda também o prazer “pela
disciplina e pela busca contínua e obstinada de aprender e conhecer
sempre mais”. Uma curiosidade incessante também. Christina faz
profissão de fé de que as pessoas bem-sucedidas não buscam o sucesso em si, mas buscam realizar “demandas mais profundas”. Onde se
encontra com Castro Neto, o presidente do Unibanco, que acha o
trabalho simplesmente um meio para atingir objetivos superiores.
Armando Ferrentini lista o que chama de “ingredientes básicos”:
disciplina, interesse, aplicação, esforço físico, alto nível de exigência, começando por si próprio. Mas atribui grande importância à
sorte, ao acaso: “As coisas vão acontecendo e você vai agindo para
que elas possam lhe trazer benefícios.” Para ele, sorte existe, mas é
sempre uma combinação de oportunidade com capacidade.
Roberto Duailibi, além de lacônico, mostrou-se fiel às origens
libanesas quando declara que só há muito trabalho – incessante,
constante, auto-gerado. “E uma vontade imensa de fazer melhor.”
Carlos Salles, evidentemente, já dedicou muito tempo e reflexão à questão do sucesso – e oferece a receita mais longa de
todas – da qual inserimos aqui uma prévia, dividida entre do’s e
do not’s – faça e não faça.
O que convém fazer: reconhecer suas próprias capacidades e
limitações; descobrir que atividades e funções são as mais prazerosas na vida profissional; capacitar-se tecnicamente; desenvolver a capacidade de comunicar-se verbalmente e por escrito; ter
a convicção de que tudo numa organização acontece em função
das pessoas que a compõem; ter muita paciência; ser profissionalmente honesto; aplicar-se nas suas responsabilidades; exercitar a capacidade de tomar decisões.
O que não se deve fazer: não ser autêntico; não adotar o estilo
cowboy, que tudo destrói à sua volta; controlar impulsos de
arrogância; evitar atitudes do tipo “eu sei tudo”; não imaginar
que você será paparicado depois que perder o poder; ter cuidado
com os modismos; não prometa o que não pode realizar; não
engane as pessoas que trabalham com você.
Nizan Guanaes, um dos mais admirados profissionais de criação
da propaganda brasileira, revela um inesperado lado “negocial” de
quem também tem e assume raízes familiares no Oriente. Para ele,
tem sucesso em propaganda quem sabe de marketing, até mais do
que os próprios clientes. “Temos de ser a vanguarda do marketing”, proclama. “Não adianta ser só a vanguarda da publicidade,
não adianta ter a técnica de escrever, a estética. É preciso ter uma
profunda compreensão mercadológica e lembrar, a cada momento, que a propaganda é um instrumento que os clientes adquirem –
a bom preço – para vender seus produtos e serviços.”
Outro presidente, Marcos Magalhães (Philips), aposta todas as
suas fichas em três condições: uma formação acadêmica sólida,
de natureza multidisciplinar; escolher e saber gerenciar os
melhores talentos; buscar os objetivos com consistência e determinação. Mas não deixa de acrescentar a necessidade de “uma
pitada” de sorte, que define, contudo, como a combinação de
competência com oportunidade.
Francisco Gracioso, presidente da ESPM, reassume o tom
professoral para propor nada menos do que um decálogo para
realizar o sucesso profissional:
1. O sucesso não se mede pelo dinheiro.
2. Falar sempre a verdade.
3. Aliar a intuição com a imaginação criadora.
4. Superar as expectativas que os outros têm de você.
5. Evitar aborrecimentos.
6. Pior que tomar o caminho errado é não escolher nenhum.
7. Escolher colaboradores como o maestro rege a orquestra.
8. Evitar surpresas.
9. Não perder tempo se lamentando.
10.Aceitar as companhias da solidão e da inquietude.
Carlos Arthur Nuzman preconiza uma receita espartana para
o sucesso no esporte, que é a sua profissão: dedicar-se à atividade
esportiva como quem come um prato de comida, bebe água ou
come pão; ter determinação, coragem, humildade, simplicidade,
treinar muito, trabalhar muito, não ser “mascarado”, nem se
achar um grande campeão, “porque a história está cheia de grandes campeões que desceram a ladeira”. Para quem quer trabalhar
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na administração do esporte, sua receita é mais simples: estudar
e estar muito bem-informado.
E Joaquim Francisco de Castro Neto, do Unibanco, tem também
uma receita muito própria, interessante e objetiva: em primeiro lugar,
ter a capacidade de trabalhar muito; em segundo, a capacidade de
trabalhar em cima de problemas que desagradam, pois existem sempre áreas “desagradáveis”, mas que são determinantes para atingir
objetivos. Saber lidar com pessoas. Castro Neto lembra que, entre
as habilidades sociais e técnicas, o desenvolvimento das habilidades
sociais têm peso mais importante. “Nunca vi ninguém com grandes habilidades técnicas, mas sem habilidades sociais, ter sucesso.”
Seria tentador concluir que, apesar das receitas, não há um
caminho único para o sucesso. Mas volto a insistir que ninguém
menos do que Oscar Wilde, um poeta, escreveu a frase que
introduz esse artigo: que o sucesso é uma ciência e, como tal,
submete-se às imposições da previsibilidade.
Se concordo com isso? O bom é saber se você, leitor, concorda. Mas acredito que poderá acrescentar às idéias e convicções
que tem, agora, no início dessa leitura, muita coisa interessante e
as experiências vividas, que se encontram nas páginas seguintes.
Mas devo dizer-lhe, honestamente, que concordo com Wilde.
Diante do simples enunciado das receitas dessas pessoas inteligentes
e bem-sucedidas fica evidente que não há uma só receita ou um
caminho para o sucesso. Como não existem – e os grandes chefs
sabem disso – receitas únicas, mesmo para os pratos mais celebrados.
Mas existe um padrão; existe um jeito que as coisas e os fatos
tomam, formatados pela vontade e que favorecem ou facilitam o
atingimento de objetivos geralmente relacionados com o “sucesso” em alguma empreitada.
Entre tudo o que está registrado, inclino-me pelo que disse o
presidente da Philips – e um aluno meu também, uma vez, trouxe escrito num papel, que mantenho na parede da minha sala – e
que não tem mais autoria definida: Sorte é o que acontece quando a competência encontra a oportunidade. Ao que me permito
acrescentar uma frase antiga do meu querido guru profissional,
Júlio Cosi, outro bem-sucedido: O sucesso é o resultado da impaciência com a mediocridade.
O MARKETING PESSOAL
A principal tarefa do ser humano é dar à luz a si próprio.
Tornar-se tudo aquilo de que é potencialmente capaz.
– Erich Fromm
Algumas pessoas absolutamente íntegras conseguem ser,
também, muito simpáticas.
– Don Marquis
Mike McCaffrey, um consultor americano, escreveu um dos
melhores livros que conheço sobre este assunto: Personal
Marketing Strategies, com um subtítulo explicativo: “Como vender a si próprio, suas idéias e seus serviços.”
Como observa, atento, um dos entrevistados, não há nada de
muito novo na venda de si próprio. No sistema de trocas sociais
em que vivemos, as pessoas estão constantemente se vendendo –
ou tentando. O namorado, ao conversar com a namorada; o
jovem, ao discutir com o pai, digamos, o tema da mesada; o pai,
ao discutir com o filho este mesmo e outros assuntos; o funcionário com o patrão; o político com seus eleitores; o jornalista
com os seus leitores; etc. etc. Cada um procura, pelo menos,
vender as suas idéias, ainda que, provavelmente, sem qualquer
tipo de interesse que poderíamos chamar de “comercial”.
O marketing profissional da pessoa, no seu trabalho, é uma
extensão natural do processo.
McCaffrey teoriza que o marketing pessoal passa por quatro fases:
1. A criação de uma imagem pública bem-definida.
2. O estabelecimento de relações pessoais de máxima eficácia.
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3. A “venda” pessoal; a conquista de “clientes”.
4. Uma permanente preocupação com a satisfação dos clientes
conquistados.
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Mas ouçamos nossos top ten. De Simoni é o mais cândido, ao
confessar: “[marketing pessoal] sempre foi o meu produto a ser
vendido. Acho até que exagerei.”
Christina conta que, durante muitos anos, olhou com desdém
o marketing pessoal, como uma simples vontade de aparecer.
Mas aprendeu que quem consegue se posicionar publicamente
de maneira coerente, tornando suas idéias, estilo e personalidade
conhecidos, acaba gerando interesse a respeito do que se faz, o
que leva, naturalmente, à ampliação dos negócios.
Para Armando Ferrentini, o marketing pessoal tem importância total. “Cria o magnetismo, o que chamamos de ‘uma pessoa
interessante’. Aí, fica mais fácil ser ouvido, expor as suas idéias.
Se você é apenas uma voz na multidão, correrá o risco de falar
para si mesmo.”
Castro Neto, administrador profissional não especializado em
comunicação, reconhece que o marketing pessoal, “na dose
apropriada”, é uma necessidade. E estabelece três targets importantes: os subordinados, os chefes e o mundo exterior. “Carisma
é um ingrediente necessário ao sucesso. Acho difícil”, admite,
“encontrar executivos de sucesso que não usaram, em alguma
dose, práticas que se enquadrem nessa categoria.”
Duailibi não hesita: é importantíssimo. “Você contrata quem
você confia. E confiança começa a se formar com o conhecimento. Ele recomenda as atividades de dar aulas, escrever artigos nas
publicações especializadas, escrever livros, dar entrevistas, divulgar seu trabalho, participar de seminários, congressos, conferências, como ingredientes de marketing pessoal que contribuem
“para gerar mais demanda por seu talento”.
Magalhães, da Philips, é mais comedido e acredita que o marketing de um executivo é o seu track-record. “Prometer e cumprir é o melhor marketing pessoal para o executivo moderno.”
Nizan Guanaes, que nunca desprezou o valor de uma boa promoção pessoal, entra, contudo, na linha de Magalhães quando
observa que tudo pode ser exagerado, ao contar que, quando se
iniciou na profissão, implicou com seus “estereótipos”. “Prefiro
ter uma participação comunitária e ser visto pelos empresários
na hora em que eles pensam em fazer a campanha da Fiesp.” Ou
ser votado em primeiro lugar – entre os publicitários mais conhecidos – numa consulta entre os leitores da Gazeta Mercantil.
O professor Gracioso também considera importante o marketing pessoal. Mas acha que, da mesma forma que no marketing de
produtos (ou serviços), nosso marketing pessoal deve consistir no
atendimento das necessidades ou expectativas do nosso “públicoalvo” e, a longo prazo, “o que fazemos pelos outros é mais importante do que a nossa aparência ou a nossa maneira de falar”.
E Carlos Arthur Nuzman é favorável, observando que os grandes nomes do esporte, todos eles, têm suas imagens cuidadas
através do marketing pessoal. É verdade que “alguns limites, às
vezes, são ultrapassados, mas”, desconta, “isso faz parte dessa
dinâmica”.
Mas, para encerrar este capítulo sobre um assunto hoje tão
peculiar quanto o marketing pessoal, gostaria de devolver o foco
a McCaffrey, o especialista a quem elogiei no início.
Aprenda com ele algumas de suas receitas de marketing pessoal:
1. Não espere negócios do que escreve. Seus escritos apenas ajudam nos contatos.
2. Gaste mais tempo colecionando cartões de visitas dos outros
do que distribuindo os seus.
3. A venda é um processo que tem princípio, meio e fim.
4. As pessoas gostam de ajudar: peça indicações e conselhos.
5. Ninguém está disposto a pagar-lhe salário ou honorários se
não considerar você importante.
6. Melhor do que saber responder é saber perguntar.
7. A pessoa mais importante do mundo, num negócio, é o seu cliente.
8. Se você não acreditar em você mesmo, quem vai acreditar?
Mais do que isso, só lendo o resto deste livro e voltando aqui,
depois, para conferir.
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AQUELE MOMENTO
As pessoas acham que não há lugar lá em cima.
Pois eu asseguro que há toneladas de lugares no topo.
– Margaret Thatcher
As ocasiões são raras.
E mais raras ainda as pessoas capazes de aproveitá-las.
– Josh Billings
O que existe em um momento?
Milan Kundera, o escritor tcheco que teve a reputação atropelada pelos best-sellers que escreveu, desenvolveu uma trama meio
entediante em torno de um tema fascinante: o que acontece na
vida das pessoas – e com as pessoas – pelo fato de se pegar um
trem dois minutos antes, ou perdê-lo, dois minutos depois.
Se o sucesso for, de fato, um encontro da competência com a
oportunidade, como reconhecer a oportunidade?
Fui ao Dicionário de Citações, do meu querido e saudoso
amigo e professor Paulo Rónai, em busca do que teria registrado
sob momento e encontrei três pensamentos. Profundo, de
Schiller: O que rejeitares do momento, eternidade nenhuma o restituirá. Solidário, de Paulo Bonfim: No momento em que escrevo
estas palavras, centenas de pessoas morrem longe de meus cuidados… E definitivo, em Mário da Silva Brito: Só há dois minutos
importantes no destino de um homem: o minuto em que nasce e
aquele em que morre.
Mas, entre esses dois minutos distintos, há toda uma seqüência
de momentos que significam a nossa vida e, nela, as oportunidades profissionais que nos aparecem, muito claras ou disfarçadas.
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O que dizem nossos dez personagens, em busca de um possível consenso?
“São tantas as variáveis e as circunstâncias neste mundo indisciplinado que, a cada dia, surge alguma coisa nova para fazer”, filosofa De Simoni. “Descobri que o importante não é fazer o que se
gosta, mas gostar do que se faz.” Mas, fazendo uma revisão forçada pela entrevista, ele confessa que sua missão profissional ficou
clara aos 12 anos de idade, quando montou um circo e um cassino de brincadeira, lá em Capivari, no interior de São Paulo.
Christina Carvalho Pinto acha que ainda não teve o seu
insight e que isso ainda poderá acontecer em plena entrada do
terceiro milênio. “Sempre tive dificuldade de compreender o que
vim fazer no meio publicitário”, confessa. “Nasci artista, estudei
música, fiz dança e me dediquei à literatura.” Mas considera seu
dom maior a capacidade de escrever e, por isso, acabou virando
redatora de propaganda. E acha que o sentido de missão é indispensável. Quem trabalha na comunicação de massa deve transmitir valores que levem às pessoas alento, coragem e dignidade.
“Tenho refletido sobre por que a vida me colocou nesta função.
Nós que lideramos este setor somos considerados pelos mais
jovens como exemplo e precisamos ser bons exemplos.”
Ferrentini percebe claramente que foi quando começou a
escrever a coluna Asterisco, no Diário Popular, em 1965 – mais
tarde transformada no caderno Propaganda & Marketing – que
despertou um interesse público pelo seu trabalho. “Foi até inesperado para mim, mas acho que se deveu ao meu estilo sincero e
polêmico.” A partir daí, pôde identificar a “sua” estrada.
Carlos Salles lembra com satisfação de quando assumiu a liderança na implantação da primeira fábrica de cédulas da Casa da
Moeda. Ali sentiu o gosto pelo management. Mas sentiu-se arrasado ao tomar consciência de que “eu estava fascinado por um
jogo que não sabia jogar, pois nunca havia administrado coisa
alguma”. Tomou, então, a decisão de fazer tudo o que estivesse
ao seu alcance para, um dia, poder ser reconhecido “como um
Gerente com G maiúsculo”.
Roberto Duailibi cresceu numa loja de armarinho fino, em
Mato Grosso, mantida pelos pais, com a ajuda do resto da famí-
lia. Aos dez, 11 anos, acompanhava principalmente o que era
feito nas vitrines, para promover a venda das mercadorias. Esse
fascínio gerou o artífice da DPZ, uma agência que ajudou muito
a mudar a “cara” da propaganda brasileira.
Depois de 15 anos na área de telecomunicações da Philips, o
engenheiro Marcos Magalhães recebeu a incumbência de gerenciar também a área comercial. Desse contato com o mercado, em
1979, nasceu uma visão clara do business management, que, afinal, “era o que eu realmente desejava fazer”, descobriu.
Uma conjunção de fatores levaram Nizan Guanaes à primeira
linha da propaganda brasileira e mundial: a estadia na Escócia e
a familiaridade com o idioma inglês, quando ainda era um garoto; a visão negocial da publicidade, herdada dos fenícios; e um
olho clínico para as oportunidades de negócio que pouco têm a
ver com a promoção pessoal, pois – como ele mesmo sublinha –
nenhuma de suas empresas teve o seu nome…
Gracioso não tem dúvidas de que o seu momento chegou
quando assumiu a direção executiva da ESPM, que era então
uma pequena escola sem muita expressão. Apaixonou-se pelos
jovens estudantes e resolveu dar a eles nada menos do que “a
melhor escola de propaganda e marketing do Brasil e do
mundo”.
Para Carlos Arthur Nuzman, houve um momento extremamente pessoal, em que a difícil decisão a tomar era estar presente
ao casamento de sua única irmã ou ir enfrentar um campeonato
mundial na distante e fechada União Soviética, no qual a equipe
brasileira tinha (ainda) pouquíssimas chances de sucesso. E outro
em que, com firmeza e determinação, praticamente exigiu para si
a presidência da Confederação Brasileira de Vôlei, para poder
realizar o que considerava como o grande trabalho de sua vida.
Para Castro Neto, houve uma sucessão de momentos importantes. O primeiro, quando tomou a decisão de ir para São Paulo
cursar administração; o segundo, quando começou a carreira
num banco e não numa indústria “cheia de graxa”, as opções da
época. Depois, houve muito de insustentável leveza do ser, pois
estava trabalhando numa empresa que foi adquirida pelo grupo
Unibanco e acabou como presidente do seu banco de varejo.
25
Um amigo jornalista, ao saber que este livro estava em preparação, publicou um comentário meio irônico, meio crítico:
“Desvendar como as pessoas chegaram ao topo vai resultar em
leitura imprópria para menores...” A observação tem a ver com
um aspecto menos nobre da tradicional cultura brasileira, que
Nizan traduz num comentário azedo que evoca palavras do grande Tom Jobim: “Sucesso, no Brasil, é tratado como ofensa pessoal.”
Mas considero saudável o resultado dessa garimpagem entre
dez do que chamaria de verdadeiros trabalhadores do Brasil –
gente que conquistou posições através de um esforço visível e
dirigido. Em que pese o fato de, em suas respostas, terem recorrido largamente a racionalizações e parecerem não saber, de fato,
com muita precisão, qual foi “aquele momento”, a maioria parecia estar atenta quando surgiu, em algum lugar do caminho,
aquele segundo ingrediente importante da fórmula da sorte e do
sucesso: a oportunidade que chegou para complementar a competência de cada um.
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AS ENTREVISTAS
Interessam-me mais as pessoas do que o que elas fazem.
– Marcel Duchamp
Adoro as pessoas.
Mas não pelas suas semelhanças, e sim pelas diferenças.
– Apollinaire
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28
João De Simoni
Do interior para a metrópole
Fale, no Brasil, em qualquer lugar, sobre promoção de vendas e
você ouvirá o nome de João De Simoni. Atuando há mais de duas
décadas no setor, João De Simoni Soderini Ferracciu – que tem
nome de nobre florentino e sotaque de caipira – é um dos mais
conhecidos e respeitados profissionais, no Brasil, do que ele
mesmo chama de Marketing Promocional, em vez de simplesmente Promoção de Vendas.
Mais que isso, De Simoni é um estudioso do marketing e de
outras atividades humanas, para fazer palestras brilhantes para as
quais é insistentemente convidado por empresas e instituições de
todo o Brasil.
JR: Falemos da parte pessoal...
De Simoni: Estou comemorando neste mês de junho (de 1997)
sessenta anos de idade. Sou caipira do interior. Nasci numa
fazenda, no município de Capivari, onde meu pai trabalhava. De
fato, comecei a trabalhar com promoção de vendas, sem saber,
aos 12 anos de idade. Somos nove irmãos na família. Meu pai foi
presidente da Câmara de Capivari durante 16 anos – uma pessoa
extremamente culta. Imagine, naquela época, uma pessoa que
falava quatro ou cinco idiomas.
JR: Como é que você, nobre italiano, um De Simoni Soderini
Ferracciu, foi parar no interior do Brasil?
De Simoni: Na realidade, meu avô era filho de um embaixador
da Itália na Romênia. Quando veio para o Brasil, passou pelo
29
Rio e adorou. Aí recebeu a notícia de que os pais dele tinham
falecido na guerra (a primeira) e, por problema de ordem política, ele não podia voltar para a Itália e acabou ficando no Brasil,
onde teve os filhos e veio para Capivari. Meu pai estudou em
São Paulo e retornou para o interior porque havia perdido a
visão: ele era cego de uma vista e com a outra enxergava pouco.
Imagina a dificuldade que tinha para cuidar de nove filhos.
Fomos, na verdade, muito pobres, passamos dificuldade, mas
éramos uma família culta, particularmente meu pai. Nasci, então,
na fazenda. Na garagem de minha casa que, na realidade, era
uma cocheira, eu, sem saber, já fazia promoção de vendas.
Montei um cirquinho numa mesa de pingue-pongue, que a gente
revestia usando o tecido que eu pegava na loja de minha mãe.
Era também um cassino. Na mesa de pingue-pongue improvisada, a gente fazia sorteios e eu mesmo preenchia os números.
JR: Sua mãe tinha loja, naquele tempo?
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De Simoni: Minha mãe tinha um armarinho, onde costurava,
fazia e vendia de tudo. Ela trabalhava tanto quanto meu pai e
não só mantinha a loja como ainda trabalhava com ele com títulos de capitalização. O trabalho rendia, pois ele, como agente,
tinha um cadastro muito grande de clientes nas redondezas.
Voltando ao meu “circo”, eu ficava com um megafone de papelão, chamando o pessoal – nós morávamos bem ao lado da igreja
matriz da cidade. Terminava a missa e eu ficava convocando o
pessoal para participar do cassino. Nesse cassino, usávamos
quase todas as técnicas de promoção de vendas: os cupons a
gente fazia preenchendo papeletas, onde as pessoas que não
tinham ganho nada adquiriam o direito de voltar na semana
seguinte para concorrer, desde que apresentassem o comprovante. Com o megafone de papelão, eu estava fazendo propaganda,
“reclame”, como se dizia na época. Mandávamos até “tiquetizinhos”, bilhetes, para os pais da criançada que ia para lá, convidando-os a virem participar, para que permitissem que os filhos
viessem. Depois que terminava o cassino, todo mundo ia jogar
futebol no quintal da minha casa ou na frente da igreja.
Com 12 anos de idade montei um
cirquinho numa mesa de pingue-pongue
e já fazia promoção.
JR: Como começou sua história profissional?
De Simoni: Eu saí do interior para trabalhar no Banco Popular
do Brasil. O banco faliu. Acho que sou especialista em empresas
que faliram ou foram vendidas para outras. Depois ingressei na
Willys, onde comecei como office-boy e terminei como gerente
geral de comunicações.
JR: Qual é a sua formação acadêmica?
De Simoni: Cursei o Colégio Presidente Roosevelt, passei um
bom tempo trabalhando, para só depois ingressar na Escola
Superior de Propaganda e Marketing. Costumo dizer que eu não
fiz a escola, a escola é que me fez. Eu fui da turma de 1962-63,
na rua Sete de Abril. E tive excelentes professores, como Alex
Periscinoto, Roberto Duailibi, Antonio Nogueira, Otto Scherb.
JR: E seus colegas?
De Simoni: O Marco Antônio Rocha, jornalista, foi meu colega.
O Wanderley Saldiva também. Quase todas as pessoas formadas
na ESPM ingressaram no mercado de trabalho. Mas havia um
problema muito sério, que acabou sendo uma das coisas mais
positivas da minha vida: quem patrocinou o meu curso foi a
Willys. Eram quatro horas de aula todas as noites e eu ficava
frustradíssimo quando um professor não comparecia ou não
havia aula. Eu tinha a obrigação de reunir tudo o que aprendera
à noite e, na manhã seguinte, entre oito e nove horas, eu dava a
mesma aula para trinta pessoas na Willys. Isso me ajudou.
Depois, fui fazer curso de oratória, de impostação de voz. A
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escola, de um lado, foi excelente porque aprendi muito com os
professores; e, de outro lado, a Willys complementou porque eu
era obrigado a reproduzir as aulas.
JR: Qual era a sua função na Willys?
De Simoni: Na época, era supervisor de propaganda. Depois, fui
supervisor de promoções e vendas. As agências eram a Norton e a
Multi. Quase em seguida, em 1962, a Norton e a Multi perderam
espaço e a Mauro Salles Publicidade iniciou as atividades. Aliás,
deixa eu fazer um depoimento: uma vez reuni as fotografias dos
presidentes da Willys dos últimos três anos e em todas as fotografias
o Mauro Salles sempre estava ao lado deles. Quantas vezes encontrei o Mauro com todo o pessoal trabalhando de cueca no hotel,
com uma máquina de datilografia sobre o sofá, ajoelhado, escrevendo texto... No comecinho, a gente tinha raiva do Mauro, a maneira
como ele entrou não foi bem recebida pelos departamentos de propaganda. Foi preciso um mês para gostar muito dele.
JR: Da Willys para a Thompson ou teve alguma intermediária?
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De Simoni: Teve. Quando a Ford comprou a Willys, eu fui convidado para a gerência de comunicações da Ford e passei um tempo
lá. Mas quase imediatamente fui convidado pela Chrysler do
Brasil, que tinha acabado de comprar a Simca. Lá eu aprendi o
que era merchandising. E fui para a Chrysler com o título de
gerente de merchandising, mas era responsável até por definir as
cores dos carros. Na função de gerente de merchandising, tinha
propaganda, promoção de vendas e todas as atividades que envolviam a comunicação. Era praticamente um gerente de marketing.
E tinha comunicações também. Na Chrysler, trabalhei três anos,
mas o presidente era meu grande amigo e, quando foi para a
Ford, convidou-me para voltar. Então recebi um convite irrecusável da Thompson e ficou mais do que evidente que houve comentários entre as presidências da Thompson e da Ford para cuidar
da conta da Ford. Mas não quis. Achava politicamente indelicado.
Aí a Thompson me convidou para abrir sua estrutura de promo-
ção de vendas. Isso foi em 1970. Havia 18 pessoas trabalhando
naquela unidade e, durante oito anos, fiquei na Thompson. Foi a
primeira unidade de promoção de uma agência no Brasil.
JR: E quando você foi professor na ESPM?
De Simoni: Em 1964 eu já dava aula. Veja como me ajudaram as
aulas diárias que eu dava na Willys. Fui convidado por Otto
Scherb e foi a melhor coisa da minha vida, porque, para dar aula,
você se obriga a levantar informações e você aprende ensinando.
De fato, eu acho que você aprende muito mais ensinando, talvez,
do que fazendo.
JR: E depois da Thompson?
De Simoni: Foram oito anos e meio de Thompson, cuidando de
todas as contas da agência. Aí comecei a perceber que estava
fazendo muito mais promoções voltadas para as comunicações
do cliente do que para vendas. Mas a Thompson nunca me
impediu de desenvolver qualquer atividade promocional, que
não tivesse a ver com o interesse dela. Ela sempre prestigiou a
unidade, mas o pessoal de atendimento desejava que as soluções
promocionais resultassem em soluções de mídia, o que é natural.
Então achei que estava fazendo mais o marketing da agência do
que do cliente e, em abril de 1978, resolvi sair para montar a
minha própria organização. A Thompson foi fantástica, imagine
que eu pedi demissão e, no outro dia, o Augusto de Angelo me
chamou e disse: “Com a sua saída nós não vamos continuar com
a unidade de promoção de vendas e gostaríamos de participar do
negócio.” A Thompson queria participar com 50% do negócio.
Eu não quis nem 1% por achar que, politicamente, eu estaria
preso. Mesmo assim, a Thompson fez uma carta a todos os clientes recomendando trabalhar, sem nenhuma restrição, com a nova
empresa De Simoni Associados, me deu todos os móveis, mandou transferir todo mundo, até indenizou o pessoal para ir para
lá. Além de fazer essa recomendação aos clientes e me fornecer
tudo, ainda me perguntaram do que mais eu precisava.
33
JR: Por que fizeram isso?
De Simoni: Talvez porque eu tivesse dito que não ia trabalhar
para nenhum cliente da Thompson. Eles acharam a minha atitude correta, porque normalmente as pessoas saem levando contas.
Durante muitos anos mantive esse relacionamento especial com
a JWT.
JR: O que é, hoje, o seu negócio?
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De Simoni: Essa talvez seja a pergunta mais pertinente de
todas... Confesso que, hoje, até eu não sei totalmente qual é o
meu negócio. Nós oferecemos um mix de marketing promocional e eu defendo a tese de que temos que fazer o marketing do
cliente e não o nosso. Com essa preocupação, prestamos uma
série de serviços que não têm muito a ver com a atividade específica de promoção de vendas, mas que são necessários. No ano
passado, por exemplo, coordenamos o lançamento de dez fábricas. Organizar o evento de uma fábrica é uma atividade promocional? Até é, também, mas é mais uma atividade institucional,
de relações públicas, de relações com a imprensa. Só para a
Volkswagen fizemos o lançamento da fábrica de São Carlos, o
lançamento da fábrica de Resende e estamos cuidando agora do lançamento da fábrica da Audi. Levamos jornalistas a Barcelona,
para ver a fábrica da Seat, fizemos três lançamentos para a Ford,
vários lançamentos para outras organizações também. Então,
veja o seguinte: por que uma empresa de promoção de vendas –
que chamamos de marketing promocional – começa a enveredar por esses setores de atividade? Porque o cliente pede. Na
área de mala-direta, eu tenho um sócio e nós rimos porque a
coisa que nós menos fazemos hoje é mala-direta. Temos 13
milhões de nomes disponíveis no setor de computação e o nosso
pessoal está preparado para fazer um trabalho de pesquisa, através de um sistema de computação, por exemplo, com todos os
proprietários de moto da Honda que respondem a um questionário. Então somos uma empresa de pesquisa, também. Para a
Electrolux, temos todo e qualquer tipo de informação referente
aos produtos, quer de campanhas promocionais ou sobre os
próprios produtos. Operamos um sistema de tool-free, on-line, e
prestamos essas informações aos clientes. Quando o cliente diz
que precisa de tal coisa, nós fazemos. Esta semana, recebi a visita da Dôle, que é a maior empresa mundial no ramo de legumes, frutas e coisas desse gênero. Eles vão montar no Brasil toda
uma estrutura de merchandising. Tudo bem, nós somos uma
empresa de promoção e merchandising, mas nós não temos tudo
pronto e eles estão querendo contratar pessoas aposentadas e
treiná-las para prestarem serviços em supermercados, em postos
de venda etc. Vamos operar esse processo e montar essa organização para eles.
JR: Há um elemento comum em todas essas coisas?
De Simoni: Acho que são ações de marketing promocional, voltadas para venda e voltadas para comunicação também. Nós só não
trabalhamos com promo-mídia. Utilizamos os meios, os elementos da promoção de vendas, para divulgar produtos, paralelamente à propaganda, com ações promocionais voltadas para venda.
Quase todas as nossas atividades estão voltadas para resultados de
vendas. As exceções ocorrem com inauguração de fábricas, comemorações de jubileu de centenários, clientes mais institucionais, que não deixam de ser eventos promocionais. Ainda agora
estou mantendo contato com uma grande organização do governo que quer patrocinar um determinado esporte, provavelmente
teremos que organizar todos os eventos esportivos para eles, no
campo da promo-mídia.
JR: Você faria este mesmo trabalho se a De Simoni estivesse nos
Estados Unidos ou na Austrália?
De Simoni: Eu tenho viajado muito para outros países e acho a
diferença muito grande com relação ao Brasil. Na França, na Itália,
na Espanha e nos Estados Unidos, todas essas empresas trabalham
com propaganda da promoção, não só criam as ações promocionais, como veiculam depois através da mídia – e a rentabilidade e
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receita delas está nas comissões. Por outro lado, as empresas especificamente de promoção que trabalham com não-mídia estão quase
todas no campo de full service. Elas não têm a badalação do mercado, elas realmente funcionam mais como sujeito oculto da frase, e o
posicionamento delas nesses países é muito mais de fornecedores de
serviço do que agência. Aliás, eu jamais usei para a De Simoni o
termo agência. Sempre disse que a De Simoni é uma empresa,
mesmo com os votos contrários de meus colegas de empresas de
promoção de vendas, que acham que também devemos veicular.
Nós não agenciamos nada. Nós produzimos e fazemos.
JR: O seu negócio poderia ser definido como uma atividade de
comunicação ou promoção não-mídia?
De Simoni: É uma postura e uma política. Muitos clientes já
sugeriram que nós veiculássemos. Mas nós, definitivamente, não
fazemos isso e chegamos a indicar agências de propaganda para
eles. Até sabemos fazer, mas não desejamos fazer propaganda,
para não distorcer nossa atividade. Nosso pessoal ficaria pensando em concorrer, ganhar prêmios e coisas desse tipo.
JR: Como é que você cobra?
De Simoni: Temos várias maneira de cobrar em cada uma das
empresas. Na empresa de promoção e vendas, jamais ganhamos
comissão. Cobramos pelo nosso trabalho, como pró-labore,
levando em conta o tempo de mão-de-obra das pessoas envolvidas e, efetivamente, a experiência que temos em rentabilizar a
operação. Em muitos casos, alguns clientes desejam que façamos
concorrência de preços. Nós, por filosofia, não participamos
desse tipo de concorrência. Agora, se ele quer, quantificamos
tudo sem problemas e fornecemos estimativas para todos os custos.
JR: Qual é o seu maior ingrediente de custo?
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De Simoni: Na empresa de promoção, 70% do nosso custo é
gente. Na empresa de feiras e exposições, os custos maiores são
de materiais, você trabalha com muita madeira, iluminação.
JR: Seus clientes são exclusivos, como nas agências de propaganda?
De Simoni: Sim. Os nossos clientes melhor atendidos são os que
trabalham com uma continuidade de relacionamento. Às vezes,
até sem contrato formal. Nós temos, por exemplo, contrato formal com a Electrolux, com a Volkswagen, que há vinte anos é
nossa cliente. Com uma série de outros clientes, como a Bosch,
que trabalhava conosco há 19 anos, não temos um único documento assinado. E nós trabalhamos com todas elas em regime da
mais absoluta exclusividade.
JR: E com a empresa de mala-direta?
De Simoni: Com ela é diferente porque ela não é nenhum veículo. Na empresa de feiras e exposições também não, porque ela
não está alterando o marketing do cliente e participa de concorrências. Na nossa empresa de marketing direto, que chamamos
de representações e serviços, ela está também à vontade para
prestar serviço a concorrentes. Nós prestamos serviços para a
Fiat, Mercedes, Scania, Volkswagen, Ford etc. Agora, se houver
necessidade de criar um projeto de marketing promocional, aí é
na base da exclusividade.
JR: E os números?
De Simoni: Estamos, hoje, com mais de 250 funcionários. O faturamento gira em torno de 50 milhões de dólares por ano. Às vezes,
pode ser mais. Exemplifico: se realizarmos uma convenção, para
levar três mil pessoas ao exterior – já fizemos isso várias vezes – e
comprarmos as passagens para essas pessoas, só aí tem três milhões
de dólares, mas não ganhamos um vintém. O cliente paga direto à
agência de viagens ou paga por nosso intermédio, e eu não considero isso importante em nosso negócio. O importante é a receita, que
é o dinheiro para pagar toda a operação, até para comprar um
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caminhão. Promoção de vendas envolve isso. Temos uma frota de
trinta veículos – caminhões, camionetes – para transportar uma
série de coisas. Isso não é a ótica do mundo publicitário.
JR: Quem são os seus principais executivos?
De Simoni: Meus principais executivos são sócios. Estão conosco
há 20 anos, são pessoas que começaram na própria De Simoni e
se transformaram em sócios, ou já vieram na condição de sócios.
A maioria das pessoas que hoje trabalham na De Simoni veio de
clientes e não de agência de comunicação, com exceção das pessoas que trabalham na criação e direção de arte. Quase todas as
pessoas que trabalham com planejamento de marketing e planejamento de promoção têm grande experiência com clientes.
Aliás, eu defendo a tese de que quem mais sabe de promoção e
vendas, nesse país, são os clientes. O maior aprendizado que
tivemos foi com cada um dos nossos clientes como diretor de
vendas, diretor comercial, gerente de marketing ou de promoção. Também tenho aqui seis diretores que fizeram a ESPM. Esse
é outro aspecto interessante. As pessoas que só têm experiência
prática são exageradamente operacionais. Tenho “fazedores de
trabalho” que, operacionalmente, são fantásticos. Mas quando o
cliente questiona conceitualmente determinada ação, eles não
sabem responder. Já as pessoas que têm a formação da ESPM, da
escola, discutem conceitualmente. Prefiro unir a combinação de
quem tem o conhecimento conceitual teórico e a experiência
prática. Eu brinco sempre dizendo que a promoção de vendas
não é campo nem para teórico nem para preguiçosos. Muitos
colegas nossos, que fizeram economia na FGV, também têm uma
boa experiência nesse campo.
JR: Qual é, aproximadamente, o salário anual de um profissional
desses?
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De Simoni: Temos algumas pessoas que recebem mais de 100 mil
dólares. E temos, também, na média gerência, em torno de 70,
80, 90 mil por ano. O pessoal de maior nível ganha acima de
100 mil dólares por ano e os que estão no segundo escalão, mais
ou menos 70, 80 mil.
JR: Se nós compararmos isso com agências de propaganda, lá eles
ganham um pouquinho mais, não?
De Simoni: Tenho visto muita gente de agência de propaganda,
vindo para cá, que ganhava menos. É que a comparação sempre
é feita com os “grandes ídolos”, que na maioria são donos dos
seus negócios e têm luz própria. É raro você encontrar pessoas
que têm luz própria nas atividades de promoção. Uma das coisas
de que me orgulho muito é que, da De Simoni, saíram 18 empresas. São profissionais que trabalharam aqui, nas áreas de atendimento ou criação, e que montaram estúdios de arte ou empresas
nos mais diferentes setores. Na realidade, são as pessoas comissionadas que ganham mais. Eu diria que aí não tem limites. O
comissionado, aqui, às vezes ganha mais do que os diretores.
Pessoas, por exemplo, que vendem os stands nas feiras. São vendedores, mas não são só vendedores. Eles também têm recursos
para acompanhar o trabalho.
JR: Como é que você vê o futuro das profissões de vendas?
De Simoni: Não estou vendo o futuro, estou vendo o presente.
Hoje, nas empresas de grande porte, nós verificamos que os diretores industriais estão perdendo espaço para presidentes que vieram de vendas e de marketing. Isso não é uma tendência futura,
é uma tendência atual, porque como o mercado entrou na fase
da demanda consciente – e tem que ser valorizada a empresa voltada mais para o mercado do que para seu próprio umbigo – significa que o diretor industrial cede espaço para o diretor comercial, de vendas e de marketing. Então eu acho que a função de
vendedor vai ser valorizada, vai ser profissionalizada, mesmo
porque o Brasil tem os piores vendedores do mundo.
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Tem que ser valorizada a empresa
voltada mais para o mercado
do que para o seu próprio umbigo.
JR: Por quê?
De Simoni: Porque os nossos profissionais de vendas, em geral,
são pessoas frustradas, que não se deram bem em outras profissões e escolheram a atividade de vendedores. Vieram para a atividade pela porta errada. Não deram sorte e então passaram a
trabalhar como vendedores. Eu diria que a maioria dos vendedores brasileiros é do tipo: “eu ‘se’ fiz por si próprio”. É a pessoa
que não tem nenhum embasamento cultural, não tem quase
nenhuma formação. Acho que participei na criação de uma nova
leva de profissionais de vendas altamente entusiasmados pela atividade. São verdadeiros profissionais. Mas, veja, é curioso observar que não existe, no Brasil, nenhuma grande escola para dar
cursos de psicologia e técnica de vendas. Eu vivo sendo convidado para dar palestras.
JR: Você é o maior vendedor da De Simoni?
De Simoni: Eu sou o primeiro vendedor dela e lamento, às vezes,
ter de dizer ao meu pessoal que me sinto mal de estar sendo o
único. Porque acho que todo funcionário de uma empresa vende
ou “desvende” a empresa. Em princípio, todos devem ser vendedores. Acho que o crescimento da De Simoni decorreu de uma
vocação natural que eu tenho para vendas. Faço isso não por
estilo, mas por gostar de vender.
JR: Bill Gates é um grande vendedor da Microsoft. Você diria que
estamos entrando numa nova era de vendedores?
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De Simoni: Acho que sim. Vamos falar das grandes agências de
propaganda do Brasil ? Veja as pessoas que as dirigem e observe
que todas elas são grandes apresentadores. Alex Periscinoto é um
grande apresentador, Mauro Sales, Roberto Duailibi, Nizan
Guanaes, Washington Oliveto, Christina Carvalho Pinto (foi
minha redatora na Thompson) são todos grandes apresentadores, portanto grandes vendedores.
JR: E sobre o futuro da profissão?
De Simoni: Antes, quando se perguntava o que cada um desejava
ser quando começava a fazer ESPM, 90% levantavam a mão e
diziam que queriam trabalhar em criação. Hoje, vemos que a escola está voltada para marketing, isso significa que são adultos, estão
com a cabeça no lugar e sabem o que querem. Eu gostaria de chamar a atenção desse pessoal para o fato de que hoje já editaram
um anuário brasileiro de promoção só de fornecedores. Pegue por
exemplo o último anuário de Meio & Mensagem e verifique
como estão as atividades de promoção e vendas verticalizadas, e
que há possibilidades de se trabalhar em mil tipos diferentes de
negócios. As pessoas não precisam ficar com aquela idéia de trabalhar numa agência, não precisa trabalhar na De Simoni, numa
agência de promoção – até porque o mercado de trabalho aí é bastante reduzido – mas existem empresas como Koch Tavares,
empresas que realizam eventos, empresas de promoções de vendas
e de vendas de promoções, e ainda o franchinsing, o telemarketing,
o marketing direto, empresas que trabalham com produção de
vídeo, com vídeos institucionais... um mundo novo.
JR: Sem falar da área de informática.
De Simoni: Aí é que eu queria chegar. Outro dia, fui à ESPM e
falei: “Isso aqui é uma empresa de informática ou uma escola de
propaganda ?” Aqui está começando a acontecer a mesma coisa,
tem computador em tudo quanto é lado, todo mundo trabalhando
no sistema, o futuro da promoção de vendas vai estar plugado na
Internet, todo mundo é internauta aqui. Aposto que, dentro de
algum tempo, cuponagem não vai ser impressa, vai ser jogada no
computador, a pessoa copia na própria casa o cupom e leva para ter
o desconto no supermercado. A promoção de vendas está sendo
eletronizada. Acho, também, que há um mercado de trabalho fan-
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tástico nos veículos. Estou à vontade para falar, pois, como estou
mandando convites para o mercado, a respeito do lançamento do
meu livro, fui pegar o anuário e fiquei admirado com a diversidade
de empresas existentes. Então, há um mercado diferente. Outro
aspecto que vale a pena comentar é que eu não tenho a menor
dúvida de que o Brasil investe hoje em tomo de 6 a 7 bilhões de
dólares por ano nas atividades de marketing promocional e outros
7 a 8 bilhões nas atividades de propaganda. Então a verba brasileira
de comunicação de marketing, ou marketing de comunicação, está
em torno de 15 bilhões de dólares. Todo mundo está voltado para os
8 bilhões de dólares nas agências. E se perguntarem onde estão os 7 bilhões de dólares para as empresas de promoção? Este dinheiro está
sendo administrado pelos próprios clientes, pelos gerentes de produtos, que compram os brindes e que tomam a decisão de gastar 1,
2, 3, 4 milhões de dólares para comprar este brinde. Quem fabrica
o brinde, a empresa que fornece o brinde, pertence a esse universo
e precisa de profissionais competentes para estar trabalhando este
marketing.
JR: Você acha que existe algum lugar para os nossos alunos na
administração pública?
De Simoni: Boa pergunta. Eu tive a oportunidade de receber visitas do pessoal do governo do Estado de São Paulo, de Brasília,
para saber como trabalhar com licitações com as empresas de
promoção de vendas, para desenvolver ações promocionais para
o governo, sem ter que passar pelas agências de propaganda.
Acabei de comentar isso com você, de um órgão do governo que
está se interessando por uma atividade de promo-mídia, que, até
então, vinha sendo organizada por uma agência de propaganda.
Acho que o futuro vai fazer com que as agências de propaganda cada
vez mais façam propaganda e contratem terceiros para serviços
especializados. O grande problema do órgão governamental é
saber quem vai estar na gestão dos negócios do cliente. O órgão
governamental ainda não aprendeu a fazer um marketing eficiente e delegar as responsabilidades nos diversos níveis.
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JR: Qual é o futuro do marketing?
De Simoni: Acho que o marketing, na melhor acepção de entender e atender clientes, sem dúvida vai ter um futuro brilhante. O
marketing, na minha ótica, não tem sido usado, no Brasil, como
uma função de vanguarda, mais sim de retaguarda. A explicação
para isso é fácil. Quase sempre, quem faz o marketing, nesse
país, não tem sido a economia, mas a política. Um país que tinha
que conviver com indexação, desindexação, confisco, seqüestro
de bens, tarifaço, tirombaço, pacotaço, emendão, remendão,
maxi-monitoramento, controle de preços, tablitas, defletores,
deflatores, indutores – imagine a parafernália desses atos governamentais com que convivemos ao longo dos últimos anos. Tudo
isso fez com que os profissionais de marketing não pensassem
estrategicamente no amanhã, mas fossem obrigados a funcionar
como bombeiros, apagando incêndios. Eram todos reatores ativos e não pró-ativos. Por isso acho que o futuro do marketing vai
ser brilhante e eu sinto que as empresas já estão trabalhando
estrategicamente. Já tive vários clientes que vieram aqui, em meu
auditório, com 15 funcionários para nos dizer o que eles esperam da gente durante o ano. Nós nunca tivemos isso, desde que
iniciamos há 20 anos. Mas isso aconteceu há três meses. Então
eu sinto que o futuro do marketing vai ser brilhante para as
empresas que forem pró-ativas. As empresas que forem apenas
reativas vão morrer.
JR: Então os futuros empresários e presidentes de empresa do
futuro tendem a estar mais nas escolas de comunicação e administração?
De Simoni: Você sabe que eu cheguei a pensar que, para me reciclar, eu deveria voltar a fazer a ESPM? Todas as vezes que fui lá
para assistir a algumas palestras saí embevecido. E quando sou
convidado a fazer algumas palestras lá, sempre recebo perguntas
que não estou preparado para responder. Um dia, falava das
“malandragens” profissionais, e um aluno se levantou e fez a pergunta: “De Simoni, honestamente, você não tem vergonha de
43
fazer isso?” E eu comecei a me questionar, ele estava fazendo
essa pergunta para a pessoa que era, na época, o presidente do
conselho de ética da Associação de Marketing Promocional do
Brasil. E eu estava desenvolvendo ações para levar os balconistas
no ponto de venda a vender um produto em detrimento do
outro. Será que o futuro permitirá isso? Já se discute agora que,
no futuro, o lucro vai ser extremamente questionado, as empresas não estarão voltadas para o lucro, mas voltadas para a sociedade, o que é uma forma esquisita, socialista, de ver o futuro
mas, qualquer que seja o futuro, eu não tenho a menor dúvida
de que o marketing vai estar cada vez melhor.
JR: Qual é o seu conselho para os jovens?
De Simoni: Vou dizer uma coisa que eu não sei se é agradável,
mas a primeira coisa é não procurar estágio, e sim emprego.
Evitar ir para qualquer empresa e se posicionar como estagiário.
Por menor que seja o salário, mesmo que seja apenas suficiente
para pagar as despesas de locomoção e alimentação, comecem a
trabalhar. Nós nunca tivemos a filosofia de estágio. Todas as pessoas que vêm para cá vêm trabalhar, e damos prioridade para as
pessoas que têm boa formação cultural. Na empresa de promoção, que tem um mercado menor, nós acabamos de contratar
mais duas pessoas da ESPM. Não importa se a pessoa vem trabalhar como secretária, mesmo que formada, pois começa a trabalhar
como secretária e as pessoas descobrem que ela não é simplesmente uma secretária. As pessoas que têm essa boa formação
educacional e cultural tendem a se sobrepor às pessoas da própria empresa. Você começa a descobrir, depois de um certo
tempo, que, numa reunião, quem está liderando é aquela pessoa
que há seis meses era principiante, mas tinha boa cabeça. Eu
volto a dizer: “Eu não fiz a Escola, a Escola é que me fez”, e esse
pessoal que está estudando lá não está fazendo a Escola, a Escola
é que os está fazendo. Eu não tenho a menor dúvida disso.
44
A primeira coisa é não procurar
estágio, e sim emprego.
JR: Quais são as suas receitas para o sucesso profissional?
De Simoni: Acredito ter sido uma predisposição à alegria e ao
bom humor. Talvez tenham me dado a confiança e a determinação para ver sempre o lado bom da vida, afastando-me dos
insights negativos e, principalmente, de pessoas negativas e negadoras, relacionando-me ao longo da vida com gente entusiasmada, cheia de tônus vital e sensibilidade. Acho que aprendi rapidamente, também, que todo poder vem da base. Já contratei e
gerenciei milhares de pessoas, ao longo dos meus 45 anos de
profissional, e acho que cada uma delas era melhor do que eu
naquilo que fazia. Aprendi com elas. Aliás, continuo aprendendo
com os meus colegas da De Simoni, e fora dela. Creio que a
melhor receita é ter em mente que nossa reciclagem só deve
parar quando estivermos literalmente enterrados. Ou será que, lá
na vida etérea, a gente vai precisar continuar se reciclando?...
JR: Momento mais importante na vida profissional…
De Simoni: São tantas as variáveis e as circunstâncias neste
mundo indisciplinado das atividades de promoção de vendas
que, a cada dia, surge alguma coisa nova para fazer. Descobri
que o importante não é fazer o que se gosta, mas gostar do que
se faz. No campo das promoções sempre descubro novos prazeres em cada nova missão. Mas, para responder com precisão à
sua pergunta, creio que a melhor resposta é afirmar que minha
missão promocional ficou clara aos 12 anos de idade, ao montar
o meu cassino promocional, na cocheira de minha casa, lá em
Capivari.
JR: Importância do Marketing Pessoal…
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De Simoni: Sempre foi o meu produto a ser vendido. Acho, até,
que exagerei.
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Christina Carvalho Pinto
Estrela da propaganda
Christina Carvalho Pinto é uma estrela. O que poderia ser considerado pejorativo, no caso dos publicitários, muitas vezes criticados por excessos de vaidade ou auto-estima, no caso de Christina
é simplesmente uma constatação.
Ela é admirada por clientes, colegas e, em especial, pelos jovens
estudantes e profissionais, que apreciam seu modo firme e direto –
mas cheio de charme e de uma pitada de sedução – para encarar
os desafios da propaganda. Profissional que não tem paciência
com a mediocridade, ela acha que tudo que é bem-feito pode ser
ainda melhorado. Mas sempre dentro de uma profunda reverência
aos seres humanos que estão do lado de lá do processo de comunicação publicitária, como clientes ou consumidores.
CCP: Eu estava lendo o seu livro Os Filhos de Lobato e encontrei-me muitas vezes nele. Acho que a leitura das aventuras do
Pica-pau Amarelo na minha infância foi até mais importante do
que as coisas que aprendi na escola.
JR: Que bom saber que você também é uma “filha de Lobato”.
CCP: Monteiro Lobato teve uma influência definitiva na história
de todos nós, porque levou o imaginário a sério. As personagens
de ML acreditavam no imaginário e faziam a vida acontecer através disso. Hoje, há muitos livros – desde os medíocres, de “autoajuda”, por exemplo, até outros seriíssimos – dizendo que a
gente define o destino a partir de decisões muitas vezes inconscientes. A gente vê que as pessoas que acreditam no Pó de
Pirlimpimpim – e levam isso a sério – fazem milagre com a pró-
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pria existência. Sou uma dessas pessoas que acreditam, desde que
nasceu, no Pó de Pirlimpimpim...
JR: Onde você nasceu?
CCP: Nasci em Dois Córregos, bem no centro do estado de São
Paulo. As famílias do meu pai e da minha mãe eram paulistanas,
mas o meu pai foi visitar um irmão que era juiz de direito em
Dois Córregos, adorou a cidade e resolveu ficar. Foi lá que eu
nasci.
JR: Você tem irmãos e irmãs?
CCP: Nós fomos seis. Primeiro, quatro homens e, depois de 10
anos do último, minha mãe até pensou que já tinha cumprido
sua missão de mãe, eu nasci. Logo em seguida veio a minha irmã.
JR: Alguém em propaganda?
CCP: Não, só eu. Dos meus quatro irmãos – o mais velho é falecido – todos foram advogados. Um deles é juiz de direito, outro
é um dos grandes criminalistas do país. Minha irmã é cientista
pura, doutora em estatística por Oxford. A única que abraçou
uma carreira um pouco mais “lúdica” fui eu. Dos quatro advogados, tem um que também fez filosofia pura, mas depois acabou
indo para a advocacia.
JR: Como é que você veio de Dois Córregos para a propaganda?
CCP: Comecei a escrever com nove anos. Comecei a escrever
muito, muito... crônicas, contos, poemas, eu realmente desandei
a escrever com nove anos de idade...
JR: Publicou?
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CCP: Tenho pouca coisa publicada, sempre contra a minha vontade. As únicas coisas publicadas foram alguns contos, que eu
ganhei um concurso. Por exemplo, houve um do Unibanco – que
teve mil e tantas inscrições do Brasil inteiro. Eu fiquei entre as
finalistas e fizeram um livro. Lembra, também, quando existia a
revista Status, e todo ano tinha um concurso de contos eróticos?
Havia escritores de muito nome que escreviam. Eu também fui
uma dos que venceram esse concurso, com um conto que já
tinha escrito...
JR: Mas aí você já estava trabalhando em propaganda....
CCP: É verdade. Falava dos nove anos, quando comecei a escrever
muito e a fazer música – piano, dança. Na verdade, eu me formei
em música. Fiz Faculdade de Música, da PUC, em Campinas, onde
tive o privilégio de ser aluna da professora Olga Normanha. Eu
tinha 16 para 17 anos e não sabia se ia ser escritora, bailarina ou
pianista. Eu fazia as três coisas e passava as noites em claro escrevendo, escrevendo, lendo, lendo, compulsivamente. Na minha
vida, passei bem uns vinte anos sem ter muito sono. O tempo era
muito curto. Cheguei a ganhar prêmios como bailarina – prêmio
Revelação do Ano, aqui no Teatro Municipal de São Paulo. Estou
contando essas coisas para você ver como a vida é. Por isso falei
que acreditar no Pó de Pirlimpimpim é também acreditar nessa
coisa mágica, a linguagem verbal, a magia da palavra, a magia da
expressão do corpo, a magia do som.... e é isso que me interessa
na vida: a magia das pessoas. Aí, um dia, eu fui fazer um cursinho
em Campinas, o curso Vestibulares, pois precisava fazer cursinho
para alguma coisa e não me decidia para nada. No cursinho, o
professor de literatura e gramática falou: “Olha, eu vou ser franco
com você. É melhor assumir a cadeira, porque você sabe bem mais
do que eu.” Aí, eu virei professora do cursinho, pois era uma apaixonada mesmo por análise sintática – eu tinha loucura – Camões e
tudo mais. Como eu virei professora, não fiz o cursinho...
JR: Você está falando de que ano?
CCP: Era 1968 e eu vim prestar o meu vestibular. Mas eu nunca
me preparei. Meu mundo era o da música, o mundo da literatura,
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eu sempre vivi fora do mundo real, pois sou do signo de Peixes.
Então vim para São Paulo, prestei vestibular e fui reprovada na
ESPM. Aí, prestei exame numa outra escola, que estava abrindo
naquele ano, era o Instituto Superior de Comunicação Publicitária,
que depois virou a Escola Anhembi. Lá era mais fraquinha, e eu fui
aprovada. Cursei uns três meses, e achei o curso entediante.
JR: Mas por que o curso de Propaganda?
CCP: Como eu não sabia o que eu ia ser, meu irmão Luiz
Antonio falou: “Mana, a única profissão em que você vai poder
juntar tudo o que gosta é a criação publicitária. Vê se estuda
piano, se forma em música, faz o que você quiser. Mas experimenta essa coisa criativa, irreverente, um negócio que combina o
seu gosto por escrever, a paixão por música, você vai mexer com
mídia eletrônica, vai discutir trilha...” Então eu fui parar como
redatora da P.A. Nascimento.
JR: Como foi isso?
CCP: O Luiz Antonio era professor da Fundação Getulio Vargas,
na época. Ele também fez marketing, embora, hoje, seja um conceituado advogado. O filho do Paulo Artur Nascimento, o
Arturo, era aluno do Luiz Antonio. Então ele disse para o Arturo
que tinha uma irmã, que estava chegando a São Paulo, tinha 17
anos e gostaria de fazer um estágio lá. Eu fiz o estágio e fui contratada, depois de três meses, como redatora júnior. Fiquei um
ano e, de lá, fui para a Thompson, como redatora.
JR: Quem levou você da P.A. para a Thompson?
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CCP: Foi o meu professor da Anhembi – o Luiz Eça. Ele era
diretor de criação da Thompson. Fiquei um ano na P.A. e fui
para a Thompson. Mas já na P.A. eu ganhei dois prêmios com
anúncios impressos. Tinha um que era para um uísque da
Martini & Rossi...
JR. Você tem o seu primeiro anúncio?
CCP: Eu não guardo papéis. Não guardo nada. Só guardo a emoção, a memória, não guardo nada físico, não gosto de guardar.
Mas a marca do uísque era King Edward III. E escrevi “engarrafamos o rei”. Tinha um outro da Copa do Mundo, assinado pela
cooperativa dos produtores de açúcar... foram os dois primeiros
anúncios que eu fiz e foram superpremiados. Eu dei sorte.
Só guardo a emoção, a memória,
não guardo nada físico.
JR: Sabe qual é a definição de sorte? É quando a competência
encontra a oportunidade...
CCP: Ai que maravilha! Mas, no meu caso, naquela idade, era
mais oportunidade do que competência. Mas eu acreditava no
Pó de Pirlimpimpim e em fazer as coisas com paixão. Então o
Eça me levou para a Thompson. Da Thompson, eu recebi uma
proposta da Salles Rio. Fui para lá, fiquei um ano e pouco e voltei para a Salles SP, como redatora. Não me acostumei muito
porque era casada com meu primeiro marido – ele fazia engenharia em São Paulo – e eu morando no Rio, não dava certo.
Fiquei dois anos e meio na Salles São Paulo e de lá fui para a
CBBA, onde vivíamos a era áurea do nosso queridíssimo e saudoso Renato Castelo Branco. A CBBA então vivia uma fase
extremamente brilhante, lá na Rebouças, onde eu convivi intensamente com o Renato, por quem tenho até hoje um enorme
carinho e admiração. A Hilda Schutz, o Geri Garcia.
JR: Essa fase da CBBA funcionou um pouco como escola ou você
já estava formada?
CCP: Todas as fases da minha vida têm servido como uma impressionante escola, inclusive a deste momento. A CBBA era, sim, uma
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grande escola. Foi lá que eu vi, pela primeira vez, uma mulher presidente de agência. Porque o Renato passou a presidente do conselho, e a presidente executiva era a Hilda Schutz, uma mulher brilhante e determinada. O Geri Garcia era grande diretor de arte.
Foi, sim, uma grande escola a CBBA. Fiquei quatro anos e meio e
de lá assumi a direção de criação da McCann-Erickson, a convite
do Marcio Moreira, que se preparava para deixar o país, tinha planos internacionais. Eu fui trabalhar com o Marcio, fiquei dois anos
com ele na McCann. Foi então que, um belo dia, me deu uma
grande crise existencial. Afinal, eu nasci artista, não nasci publicitária. Nasci escritora, não nasci redatora. Entrei numa crise completa. Eu queria ficar mais tempo com o meu filho, que tinha dois
anos. Então larguei tudo, no momento em que estava vivendo o
ápice da carreira. Tinha vinte e poucos anos, já tinha uma atuação
ativa no Clube de Criação de São Paulo – fui a presidente interina
do clube durante muito tempo. Mas, aí, eu parei tudo e disse:
“Não quero mais. Quero completar minha faculdade de música” –
porque eu tinha deixado uma série de matérias pendentes por falta
de tempo. “Quero voltar a estudar piano, quero fazer uma coisa
mais produtiva” e desandei a escrever contos de novo. É dessa
época que eu tenho os contos premiados. Fiquei um ano só cuidando do meu filho mais velho, João Francisco, escrevendo contos, estudando piano loucamente, completei a faculdade de música, fiz todas as matérias pendentes. Um ano depois, não resisti a
um convite e voltei à propaganda, feliz da vida, através da FCB
Siboney. Assumi a direção de criação, naquela época em parceria
com Oscar Coré, diretor de arte, e fiquei quatro anos na FCB.
Foram anos interessantíssimos. A gente era uma agência low profile, recém-formada no Brasil, e nós ganhamos clientes novos,
ganhamos muitos prêmios. Diverti-me muito lá. Aí a CBBA me fez
uma nova proposta, eu voltei à CBBA, fiquei mais dois anos, aí já
como vice-presidente nacional de criação. Em 1986 foi a festa dos
40 anos da Norton e, lendo no jornal sobre a festa, eu li sobre a
história daquela revolução, feita por Neil Ferreira Fontoura, o
Jarbas, o Joaquim Gustavo, se não me engano, a Helga Miethke –
grandes profissionais, os “subversivos”, eu vi a memória dessa fase
extremamente agressiva da criatividade, no Brasil...
JR: Mas isso tinha sido nos anos 70...
CCP: Sim, foi muito antes, mas eu li sobre isso e pensei: “Que
coisa, a Norton precisava reviver essa audácia criativa.” Aí eu
liguei para o José Francisco Queiroz e disse para ele que já fazia
tempo que a Norton não dava um grande escândalo criativo...
Ele falou, “é verdade, vou te apresentar ao Geraldo Alonso
Filho”. Conversamos meia hora, a empatia foi total e fiquei dois
anos lá como vice-presidente de criação. Foi genial, a Norton foi
a Agência do Ano, ganhamos um monte de prêmios. Mas aí eu
recebi o convite irrecusável para assumir a presidência da butique criativa do Grupo Young & Rubicam no país, a Impact. A
Young no Brasil se chamava Fischer, Justus, Young & Rubicam e a
Impact era uma outra agência. Seis meses depois houve a ruptura
entre a Fischer e a Young, e então eu assumi a presidência da
Young, incorporei a Impact à casa-mãe, e lá fiquei sete anos e
meio pelos quais eu tenho um respeito indescritível. Foi uma
experiência extraordinária. Quando nós chegamos à Young, a
equipe tinha de enfrentar uma agência desfigurada, carente de
clientes, carente de imagem. A imagem da agência era mais de
uma ameba do que de uma empresa. Ao longo desses sete anos,
com uma equipe fabulosa de profissionais, a gente reconstruiu
tudo – imagem, faturamento, lucratividade, e isso deu-me a experiência necessária e levou-me à reflexão de criar um novo conceito de agência, que eu corporifiquei, aqui, agora, na Full Jazz.
JR: Christina, vou desviar o assunto para uma coisa indiscreta. O
Marcio Moreira fez uma carreira multinacional, muito bem-sucedida, hoje ocupa um cargo importante, de vice-chairman.
Christina Carvalho Pinto faz uma carreira muito bem-sucedida
numa multinacional, chega a uma posição de importância e prestígio, mas resolve sair e montar o seu próprio negócio. Como é
que você vê essas duas carreiras paralelas, porém diferentes?
CCP: Olha, eu acho que em ambos os casos a relação foi semelhante. O Marcio – você sabe – nós trabalhamos juntos, é um
amigo querido, grande profissional, talvez o melhor apresentador
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de estratégias de campanha com quem eu tive o gosto de conviver. Foi com ele que eu aprendi a apresentar. Mas eu acho que o
Marcio tinha um sonho, que era fazer uma grande carreira internacional – e ele fez. Ele acreditou no seu Pó de Pirlimpimpim, foi
para Nova Iorque e fez acontecer. O meu sonho é radicalmente
diferente. O meu sonho é revolucionar continuamente. Eu nasci
para revolucionar, não nasci para fazer carreira. Eu não dou bola
para carreiras, em geral. Carreira, para mim, é uma desimportância no meu destino. Revolucionar e trazer contribuições sempre
surpreendentes e relevantes – esse é o meu destino, isso é o meu
talento. Eu sou uma transformista. Essa é a diferença. Não se
trata de um relacionamento diferente com multinacional, mas de
um relacionamento diferente com o próprio destino. Eu não descarto, de repente, amanhã, ter um novo sócio multinacional na
nossa empresa, não tenho nenhum preconceito. Se isso significar,
para mim, de novo uma revolução, eu estou aberta.
JR: Caio Domingues – lembra dele? – teorizava muito sobre propaganda. Dizia que a propaganda era uma atividade conservadora. Que a propaganda só usa a linguagem que já foi aceita pela
sociedade, pois ela vive de anúncios, que são pagos por clientes
que querem vender seu produto. Como é que você concilia essa
definição do Caio com essas suas idéias sobre revolução?
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CCP: Bom, primeiro, eu acho que mudou, de maneira radical, o
perfil dos anunciantes e dos profissionais de marketing, desde a
época do Caio Domingues até agora. Do ponto de vista comportamental, o ser humano está fazendo revoluções tecnológicas,
sociais, políticas – imagina o que aconteceu, mundialmente, com
a queda de todos os muros. Historicamente, o que vem acontecendo, o índice de revoluções por minuto que o ser humano
mostrou que é capaz de fazer é tão impressionante, que eu concordo, sim, em parte com o Caio, que não é a propaganda que
faz a grande revolução. É função da propaganda estar “antenada” – intuitivamente até – com as revoluções que estão começando a acontecer no planeta e, de alguma forma, expressar em
novas linguagens esse processo revolucionário. O anunciante de
décadas atrás era muito mais conservador, e especialmente os
grandes anunciantes. Hoje, o anunciante participa do processo
revolucionário, ele é também um revolucionário porque está
revolucionando tecnologia, está revolucionando as demandas e
os sonhos dos consumidores e, portanto, busca parcerias capazes
de se afinar com este temperamento inovador.
JR: Propaganda ainda existe?
CCP: Propaganda existe sim, só que eu acho que está mudando e
vai continuar mudando de maneira acentuada, não só o conceito
mais profundo do que é propaganda, como a forma de vivenciar
este conceito. Vou-me explicar um pouco melhor: eu fiz uma análise, há uns anos atrás, sobre como a propaganda vê a mulher. Foi
um negócio que deu muito trabalho. Comecei analisando anúncios
de antes da Primeira Guerra Mundial. Fiz uma coletânea, depois
também na era da televisão, filmes de início da era da TV, até os
dias atuais e uma análise extensa de como a propaganda vê a
mulher. Nesta análise, descobri que a propaganda começou como
algo profundamente informativo e gerador de elos de empatia
muito direta com a parte psicológica das pessoas. Porque, você
sabe, no começo, quem fazia propaganda eram os escritores como
– Orígenes Lessa, Olavo Bilac, Bastos Tigre – e então, o texto
publicitário tinha um conteúdo psicológico muito grande. Tinha
um nível literário bem grande. Ou seja, a propaganda tinha uma
maneira de abordar produto/marca/consumidor extremamente
aguda e num nível muito alto. Ela criava “pontes de empatia” com
o consumidor final de uma forma mais forte e direta do que uma
fase posterior onde a propaganda começou a virar uma linguagem
em si, e começou a se pasteurizar. Por que a gente descobriu que o
consumidor era a grande massa. Só que não existe a grande massa.
Ela existe estatisticamente, ela é um dado, um número.
JR: Coca-Cola é consumida uma por uma...
CCP: Claro! Cada indivíduo é um só, único, especial e mágico.
Então, o que aconteceu é que houve uma fase de grande fascínio
pela descoberta das pesquisas, dos números, a decodificação.
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JR: Década de 70?
CCP: Antes. Você pega, por exemplo, as grandes múltis, as agências de propaganda multinacionais que fizeram escola, com
importante contribuição, somadas aos profissionais e anunciantes da época. Mas o que aconteceu? Com o fascínio pelos dados
que estavam começando a estudar, descobriram um negócio chamado público-alvo. Não quero ser injusta com nada disso, que
foi fundamental para a evolução. Mas houve um fascínio pelo
instrumental em si, o que distanciou a linguagem publicitária, na
minha visão, dessa intimidade – que eu chamo de “ponte empática” (mas pode dar o nome que você quiser) – com o indivíduo,
que é alvo da mensagem publicitária. Foi a era da pasteurização e
durou demais para o meu gosto. Aliás, ela ainda está aí, a gente
vê “pedaços” enormes dessa era, todos os dias. Por que pasteurização? Porque lidava, por exemplo, com três ou quatro tipos de
mulher. Público-alvo: dona-de-casa de 35 a quarenta anos, com
dois filhos, não sei o quê. Aí, vem o homem – a gente fala da
mulher porque ela é um público muito forte para a mensagem
publicitária.
JR: Mulher compra muito mais do que o homem...
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CCP: Acho que os homens têm menos paciência de agüentar a
fila do caixa. Mas você fala do homem, e aí começou a era do
executivo bem-sucedido, lembra? Vinte a 45 anos, pastinha na
mão, aquela gravata esvoaçante. Então, o que acontece, também? Todo homem tem que ter aquela cara... Você imagina se os
homens são apenas isso? O jovem: jovem é um ser que anda em
bando, todos fazem a mesma coisa, então houve um distanciamento entre a linguagem publicitária e o consumidor, o indivíduo ficou em segundo plano. A propaganda ainda está cheinha
de clichês. Mas já começa uma recuperação dessa intimidade,
que requer mais criatividade, muito mais audácia para falar olhono-olho com pessoas. Os ingleses são os mestres de trazer essa
intimidade de volta ao diálogo, naquilo que a gente chama de
drama.
Os homens compram menos porque
têm menos paciência para
agüentar a fila do caixa.
JR: Eles são grandes teatrólogos grandes atores, porque teatro é
uma forma de lidar com a verdade.
CCP: Lidar com a verdade, descobrir linguagens para isso. Os
ingleses são os melhores do mundo em propaganda porque trabalham do indivíduo que está criando, para o indivíduo que está
recebendo a mensagem. Então, o consumidor é verdadeiro, é
humano, não é pasteurizado, não tem carinha de boneca nem
cara de bobão, entendeu? É homem, é mulher, com defeitos,
com qualidades, com tudo. Foi uma coisa estranha, pejorativa,
transformar o homem num desimportante objeto de consumo. O
que a propaganda inventou, a propaganda paga caro hoje, porque as pessoas não têm empatia com isso. Nada tenho contra
pessoas feias ou bonitas ou médias, só acho que a gente não pode
criar um sistema pasteurizado de referência. Só isso. Hoje a
gente vem buscando, de novo, essa coisa mais difícil de fazer, que
é falar com todos falando com cada um. Propaganda existe, mas
está em mutação e ela vai ter que dar o grande salto na direção
que acabo de mostrar. E mais: a propaganda do Terceiro Milênio
Ela vai ter de buscar um caminho de contribuição para a vida do
ser humano. Na Young, conheci um maravilhoso profissional,
chamado Alex Kroll, que foi presidente mundial. Nós desenvolvemos uma relação profissional e uma amizade que ultrapassa
qualquer decisão minha de sair, aliás ele também se retirou do
grupo, uns dois anos antes. Kroll dizia: “Christina, você que tem
a mente tão voltada para criação, pense na contribuição daquilo
que você está criando.” Ele antevia isto, anos atrás. Hoje, tenho
consciência de que não era uma conversa literária. Nós, publicitários, vamos ter que tomar consciência de que cada vez que a
gente cria uma frase, uma imagem, um gesto, um rosto, isso tem
que contribuir para a vida de quem está recebendo a mensagem.
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Tudo que a propaganda fez até agora, no sentido de frivolizar,
frustrar, distorcer os sonhos, ela vai ter que reposicionar na sua
relação com cada indivíduo.
JR: Você pode dar um exemplo desse “novo tipo” de propaganda?
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CCP: Uma vez, atendendo à Colgate Palmolive, vimos uma
longa pesquisa entre mulheres de todas as classes sociais, de 18 a
quarenta e poucos anos, para a linha de cosméticos. Ela mostrava a frustração, a dor, da mulher que não se vê reconhecida no
seu papel doméstico pelo seu homem – mesmo a que trabalha
fora. Pode até ser que o marido a admire, por trabalhar fora, mas
ele nunca se lembra de que a camisa dele está com o botão pregado porque alguém cuidou disso, a camisa está cheirosa porque
alguém escolheu, no supermercado, o perfume; a roupa da criança não está rasgada e a lancheira está com lanche, é porque,
mesmo que ela tenha empregada, é ela que tem que decidir tudo
dentro de casa. Eu sei do que estou falando porque sou mãe de
três filhos e dona-de-casa. A absoluta indiferença da família –
marido e filhos – por esse papel fundamental para a qualidade de
vida de toda a família provoca uma mágoa muito grande. Todos
esses pequenos detalhes, desde o sabão em pó com que eu lavo o
lençol, até o quarto do filho, a um carpete, o menino tem alergia
etc., todos estes cuidados, as pessoas ignoram. Eu vi quatro horas
de filme: um relatório tremendo sobre essa frustração. Nós
íamos fazer uma campanha para um amaciante. Achei que a
gente precisava fazer uma campanha que aliviasse a dor dessa
mulher. Fizemos uma campanha de dois filmes de 30”, que
entravam colados, com o mesmíssimo visual, só que mudava o
texto. O primeiro filme era a mulher observando o marido se
arrumar para sair de manhã para o escritório: abre a gaveta, pega
a camisa, veste a camisa rapidamente, está apressado, sai do
quarto, vai embora, dá um beijinho e desaparece de cena. Numa
locução off, a voz da mulher dizia, “puxa vida, ele não notou
com que cuidado eu arrumei as gavetas dele, preparei essa camisa que ele está pondo, o perfume que eu escolhi, é um gesto de
carinho, mas, é claro, ele não nota nada disso”. Logo em segui-
da, entrava o mesmo comercial, só que quem estava pensando
off era o marido: “Que gostosa a minha camisa, está cheirosa,
que perfume diferente. Que coisa! Como minha gaveta está arrumada, como é importante sentir esse carinho da minha mulher.
Por que eu não digo isso para ela. Eu queria dizer, mas acabo
todo dia saindo correndo. Queria tanto que ela soubesse como
eu reconheço, mas, por alguma estranha razão, eu não faço.”
Essa campanha acabou sendo veiculada em vários países, e em
todos eles teve um sucesso escandaloso.
JR: Mas como é que você relaciona tudo isso com as mudanças
drásticas na mídia? Por exemplo, a televisão está se trivializando,
tornando-se menos importante. O cidadão não fica mais horas
diante da telinha, ou então fica, mas com teclado, está interativo.
Ele não vê mais a propaganda como uma coisa mágica, pois vai
ao shopping, que é lindo, e vê os produtos lá. A propaganda deixou de ser uma coisa mágica para ser mais uma das fontes de
informações que a pessoa tem. Diante do que você disse sobre o
publicitário – que ele é responsável por prestar um serviço – como
é que vê isso diante dessa mídia que está mudando?
CCP: Com certeza, a propaganda será muito menos importante se não trouxer uma contribuição clara e definitiva para a
vida de quem recebe a mensagem. Se ela continuar assim, “frivolizante”, vai perder relevância. A propaganda tem que buscar outros tons, outros coloridos, outras linguagens. Tem de
fazer rir, de fazer chorar, de buscar uma estética inovadora.
Quando você diz que a televisão está banalizante, eu acho que
há uma programação absolutamente banal e inexpressiva, mas
tem a TV Cultura com uma programação espetacular. Você
pega uma Globo, que fez a minissérie Canudos, uma das coisas
mais impressionantes que vi, como relevância histórica, literária. O gabarito da TV Bandeirantes em esportes, o Jô e a Hebe
do SBT etc. A TV, cada vez mais, vai expor um “leque total”,
cada um vai fazer suas escolhas. Do mesmo jeito, se a contribuição da propaganda não for relevante, ela vai ser menos
importante.
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JR: Como é que você responde quando perguntam: “Como é que
eu faço para começar a trabalhar em propaganda?”
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CCP: É tão difícil! Tenho três filhos, e não sei quais as profissões
que vão escolher. O mais velho estuda Administração, que é um
tema muito amplo e ele pode querer fazer uma série de coisas
que eu não sei quais serão. Primeiro, eu acredito que o ser humano está se revolucionando e revolucionando o planeta Terra
numa velocidade de tirar o fôlego. O sonho do publicitário não
vai mais ser trabalhar numa famosa agência de propaganda. O
sonho dessa geração vai ter que servir, estimular a iniciativa,
inclusive, empresarial. O número de anunciantes se multiplicou –
número, tamanho, características, lugares no país, tudo está se
ampliando de maneira geométrica. É o erro de todos nós, publicitário, universidade, ainda não começamos a estimular concretamente o jovem a usar o seu Pó de Pirlimpimpim – retornando a
Monteiro Lobato – a sua crença, o seu preparo, a sua capacidade
mobilizadora, pessoal, individual e – melhor ainda – somada
quando se junta com dois ou três colegas, para montar novos
núcleos na área de comunicação, na área de marketing, novas
formas, não sei se serão estudos criativos, propaganda, agências
pela Internet, planejamento, em todas as áreas. Acho que somos
responsáveis, em grande parte, por essa frustração, porque continuamos sinalizando que o grande sonho é fazer um estágio na
agência A, B ou C. Mas essa é apenas uma das mil hipóteses para
o ano 2000. Por exemplo, eu tive um estagiário na Young que
era talentoso para redação, o Alessandro. Ganhou o prêmio
Caça-Talentos do Clube de Criação. Por alguma razão, ele não
decolou. Isso me angustiava. Pois um belo dia, ele telefonou e
disse: “Você sabe que eu estou feliz da vida? Estou morando em
São Sebastião. Montei uma empresa que faz adesivos e eu crio
adesivos que vão desde colagem em prancha de surfe, vitrines...”
Ele montou uma empresa, ele cria, ele gerencia, faz atendimento... e está ganhando dinheiro. Fiquei emocionada. Há tantas
maneiras de começar. É preciso ter coragem de acreditar que não
precisa ter um titio ou uma titia para abrir a porta. Muitas vezes
eles nem têm mais porta para abrir...
JR: Há menos empregos, mas há muito mais trabalho....
CCP: Eu acredito que a criatividade vai ter que ser usada não só
para fazer anúncio, mas para criar novas oportunidades, e com
isso eles vão pôr todos nós no chinelo, porque vão fazer o novo.
JR: Como é que a gente junta essas duas Christinas: a que ficou
impaciente com o Instituto Superior de Criação Publicitária, que
foi estudar piano, e hoje aparece nos comerciais da escola, dizendo “façam o Pós-Graduação da ESPM”?
CCP: Mas eu fiz o pós-graduação de marketing. E acho a escola
um caminho muito válido. Naquele tempo, era válido, hoje é
essencial. Porque a competitividade quintuplicou. Um profissional gabaritado e competitivo inclui, com certeza, uma boa formação acadêmica. A ESPM está aí, nas análises públicas, como
uma das grandes escolas desse país. Eu tenho um orgulho enorme de ter sido da escola e conselheira, conferencista... Hoje sou
conselheira com muito orgulho. A escola, quando tem qualidade,
trabalha a qualidade das pessoas e vai fazer pessoas maiores, pessoas com horizontes mais amplos, mais preparadas, mais corajosas. Eu acho que as pessoas só podem crescer profissionalmente
quando estão sempre alimentando o seu crescimento. Há uma
frase de uma escritora por quem tenho grande admiração, que é
a Catherine Mansfield. Essa inglesa, que morreu aos 23 anos de
tuberculose, era uma contista extraordinária e, pouco antes de
morrer, foi entrevistada. Ela tinha parado de escrever e já estava
no hospital. O entrevistador dizia: “Mas, Catherine, você não
tem tanto tempo de vida e tem até uma missão, precisa escrever,
porque você é um talento exuberante.” E ela respondeu: “Só
voltarei a escrever quando sentir que não é a minha técnica que
está melhor, mas eu que estou maior. Se não perceber que, como
pessoa, eu estou maior, se não tiver algo de maior a dizer, não
escreverei nem mais uma linha porque não é exibição de técnica
que eu pretendo fazer.” E ela não escreveu mais. Então eu acho
que, para ser um profissional maior, nós precisamos buscar ser
pessoas maiores. A escola é uma das fontes para isso.
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Criatividade vai ter que ser usada
não só para fazer anúncio, mas
para criar oportunidades
de trabalho.
JR: Receita para o sucesso?
CCP: Não acredito em receita para o sucesso profissional. O que
acredito é em paixão, vocação, em aceitar as missões que a vida
nos traz, uma vez que não estamos neste pequeno planeta a passeio. Tenho certeza de que nenhum de nós chega a lugar algum
se faltar o prazer pela disciplina e pela busca contínua e obstinada de aprender e conhecer sempre mais. Podemos chamar este
prazer de curiosidade incessante também. Só posso me basear na
própria experiência, mas acredito que pessoas bem-sucedidas
não buscam o sucesso em si, buscam realizar demandas mais profundas.
JR: Você pratica o marketing pessoal?
CCP: Durante muitos anos olhei com desdém a questão do chamado Marketing Pessoal. Sempre encarei isso como aquela vontade boba de aparecer. Com o passar dos anos, aprendi que as
coisas são diferentes. Se você consegue se posicionar publicamente de maneira coerente, tornando suas idéias, seu estilo e
personalidade mais conhecidos, você acaba gerando maior interesse a respeito daquilo que você faz. Isso pode favorecer a
ampliação dos seus negócios.
JR: Qual o momento mais importante na sua vida profissional?
62
CCP: Minha missão pessoal/profissional está ficando mais clara
exatamente agora, em plena entrada do Terceiro Milênio. Sempre
tive grande dificuldade de compreender o que vim fazer no meio
publicitário. Nasci artista, estudei música (continuo apaixonada
por arte), fiz dança séria e me dediquei, desde a infância, à literatura. O dom maior que Deus me deu foi justamente escrever, por
isso acabei virando redatora. A frivolização da imagem do publicitário, provocada por uns poucos colegas que se preocupam mais
com seus egos do que com a missão profissional, gerou uma percepção na sociedade de que o publicitário vive preocupado com
seu umbigo e com sua fama. A realidade, no entanto, é diferente.
Trabalhando no eixo central da comunicação de massa, podemos
e devemos tentar transmitir valores que dignifiquem a vida humana e levem para as pessoas um novo alento, uma visão mais corajosa e positiva das próprias experiências. A comunicação de massa
ganhou uma importância abrangente nos últimos anos. Tenho
refletido sobre isso e sobre por que a vida me colocou nesta função. Hoje cresce o número de projetos voltados à comunidade,
bem como de empresas abraçando causas de responsabilidade
social. É importante comunicar tudo isso de maneira eficaz e, na
Full Jazz, adotamos várias destas causas como parte da nossa missão. Queiramos ou não, todos os que lideramos este setor somos
considerados pelos mais jovens como exemplo e precisamos tentar ser bons exemplos.
63
Armando Ferrentini
O realizador
Se alguém me pedisse para definir Armando Ferrentini profissionalmente, teria que recorrer ao inglês: trata-se de um doer.
Porque doer é mais do que um simples “fazedor” – alguém que
executa tarefas – ou um “realizador”, palavra romântica que
sugere glórias e conquistas que não combinam com a simplicidade
de um homem cujo trabalho se tem caracterizado pelo estabelecimento de objetivos muitas vezes ambiciosos, seguidos pela incessante perseguição aos modos de torná-los realidade. Salvo engano, Ferrentini nunca deixou de dar concretude a um projeto que
tivesse assumido.
Um dos precursores do colunismo de propaganda no Brasil,
Armando Ferrentini chegou a provocar uma saudável supervalorização do setor que, sem dúvidas, se reflete na qualidade da
propaganda e do marketing brasileiros, que colocam o Brasil
num nível superior ao 45º lugar que o país ocupa no ranking
das nações por renda per capita. Sua atuação aparentemente
discreta como presidente do Conselho Superior da ESPM – sucedendo a Rodolfo Lima Martensen, depois de exercer a presidência do Conselho Administrativo – chega a ocultar uma grande
capacidade política, conhecida dos amigos, que o torna capaz de
promover consensos úteis e produtivos num setor profissional
que não se caracteriza exatamente pela modéstia de seus praticantes.
64
JR: Armando, seus amigos, às vezes, brincam, chamando-o de
“capo”... Como é que você vê essa influência italiana – desses
Ferrentini que aportaram em São Paulo – na sua vida?
AF: Bem, é inevitável, um dado natural. Sou descendente de italiano pelos quatro lados, e recebo até com orgulho esse tipo de
brincadeira porque se os velhos capos da máfia tinham um lado
bandido – que eu não tenho – tinham outro extremamente generoso. Esses personagens são figuras geralmente simpáticas, agradáveis. O próprio cinema mostra-os dessa forma.
Eles eram os “mocinhos” da época, protegiam as suas famílias, os
seus familiares, a comunidade. Muitas vezes não eram, de fato,
os bandidos. E essa é uma história que tem mais de mil anos.
JR: É, no sul da Itália, nas áreas pobres, eram os “capos” que
faziam as coisas acontecerem: você é um homem que tem feito as
coisas acontecerem.
AF: Sou uma pessoa que nunca está satisfeita com o que acabou
de fazer. Quero sempre realizar, fazer mais e melhor. Tenho uma
grande satisfação em fazer coisas. Por exemplo, hoje, aqui no
Maksoud Plaza onde gravamos esta entrevista, estamos encerrando a décima segunda Semana Internacional da Criação
Publicitária. Sinto uma satisfação muito grande ao ver 500 pessoas, à noite, ouvindo as palestras. E, de tarde, são também 500
estudantes vendo coisas que nunca imaginaram ver. Sou do tipo
que não fica na teoria, vou em frente, quero fazer e acho que só
tem valor se você fizer. Nenhuma idéia vale nada se não for realizada.
JR: Você é do tipo que acaba a décima segunda semana de criação
e já está pensando na décima terceira?
AF: Nós já reservamos o Maksoud para a décima terceira, no
ano que vem. Há coisas que você não pode deixar para a última
hora. Você não pode convidar sete profissionais de primeira
linha do mundo internacional da propaganda – esse ano temos
um japonês – em cima da hora. Então, já estamos começando a
convidar as pessoas para o ano que vem.
65
JR: Voltando à sua infância, como é que seu pai deu o nome à
Avenida Armando Ferrentini...
AF: Quando ele faleceu, havia uma legislação municipal que
incentivava a troca de nomes de ruas e avenidas que se repetiam.
São Paulo tinha, por exemplo, três avenidas Jurubatuba, e nós
aproveitamos o espírito dessa lei para sugerir ao prefeito que
uma das avenidas Jurubatuba em São Paulo fosse transformada
em Av. Armando Ferrentini, porque meu pai foi um grande paulistano, que tinha um grande amor por essa cidade incrível. Ele
conhecia a história de São Paulo desde os primórdios. O prefeito
Olavo Setúbal sensibilizou-se com a sugestão, e aí está.
JR: E por que que você não é Armando Ferrentini Júnior?
AF: Porque eu sou Armando Crisóstomo Ferrentini. Tenho um
nome no meio que é do santo padroeiro do dia em que eu nasci,
dia 27 de janeiro, que é o dia de São João Crisóstomo.
JR: O que fazia seu pai?
AF: Era marceneiro, começou com 19 anos e sempre foi muito
inquieto. Com 19 anos, ele se estabeleceu – pasme – em plena rua
Barão de Itapetininga, que ainda não era no centro comercial em
São Paulo. Imagine, uma marcenaria lá. Mas isso foi nos anos 30.
De lá, ele mudou para a rua Pinheiro de Andrade, também no centro, onde ficou muitos anos, e depois foi para um armazém no
Vale do Anhangabaú. Sempre com dois ou três empregados. Ele
tinha a filosofia napolitana de não crescer demais para poder aproveitar as coisas boas da vida. Diferente dos filhos, porque a gente
cresceu... Do Anhangabaú, ele foi para a Asdrúbal do Nascimento.
JR: Você nasceu pobre, classe média, ou rico?
66
AF: Na nossa ótica, de filho, éramos pobres. Na do meu pai,
classe média – ele até se ofendia quando dizíamos que ele era
pobre. Nós morávamos numa vila do Brás, mas tínhamos carro,
uma coisa que, naquela época, pouca gente tinha. Não era do
ano, mas era um carro. Então, estávamos “bem de vida”... Ter
uma casa, vestir bem, ir ao teatro, jantar fora uma vez por mês,
isso era viver bem, era classe média, naquela época.
JR: Quantos irmãos?
AF: Somos três: eu, o Nelo, mais velho, e a Silvia. Sou o caçula.
O Nelo é meu sócio na Editora Referência, a Silvia é de “prendas
domésticas”, casada, já tem netos e bisnetos. À custa de muito
trabalho, nós conseguimos crescer, mas, na nossa concepção, éramos pessoas pobres que moravam num bairro pobre. O Brás era
um bairro em efervescência, era ainda o bairro dos italianos, mas
de lá surgiam grandes nomes para a literatura, para as artes, para
a indústria, muita gente saiu de lá e abriu negócios, enfim, era
um bairro de pessoas inquietas...
JR: E os seus estudos?
AF: Comecei num grupo escolar, depois fui para o ginásio e
comecei a trabalhar muito cedo, com 12 anos, acabei tendo que
estudar à noite...
JR: O que você fazia? Ajudava seu pai?
AF: Não, eu comecei a trabalhar como office-boy num escritório
que importava bordados da Ilha da Madeira. Depois, fui para
uma empresa maior, logo virei auxiliar de escritório, mas antes
que você pergunte sobre a propaganda, foi o seguinte: com 14
anos, eu vi um anúncio no jornal de uma agência muito criativa,
na ocasião chamada Multi Propaganda, do David Monteiro. Essa
agência estava recrutando pessoas no mercado, e eu fui atrás do
anúncio, consegui a vaga e fui trabalhar como auxiliar de faturamento.
67
JR: Ainda estudando?
AF: Continuava estudando, trabalhando de dia e estudando à
noite. Na Multi Propaganda, que ficava numa casa belíssima, na
rua Albuquerque Lins, as pessoas que trabalhavam lá eram alegres, nós éramos muito felizes, eu fiquei lá um ano e me apaixonei definitivamente pela atividade publicitária. Encontrei a
minha vocação, embora, curiosamente, nunca tenha sido publicitário da criação ou da mídia. Mas tive a vocação de ligar o jornalismo com a publicidade, daí surgiu o jornalismo publicitário.
JR: Daqui a pouco voltamos a eles. Como é que foi a faculdade?
AF: Aí, vamos pular alguns anos. Ao mesmo tempo em que
ingressava no Diário Popular com 21 anos, eu estava entrando na
Faculdade de Direito, no Mackenzie. Era um dos bons cursos,
dos melhores aqui de São Paulo, de grandes mestres, como
Magalhães Noronha, que tem obras importantes sobre direito
penal, o grande professor Benevides de Resende, enfim, professores que eram também da São Francisco, o que naquela época
era comum. Estou falando dos anos 70.
JR: Qual foi a ponte entre a Multi e o Diário Popular?
68
AF: Fiquei na Multi apenas um ano e trabalhei em outras
agências de propaganda. Da Multi passei por muitas agências,
entre elas a MPM e a J.Walter Thompson, até chegar em
1963, quando entrei no Diário Popular. Meu irmão já trabalhava lá, o jornal estava querendo entrar numa fase nova, os
acionistas estavam divididos, era uma família e estávamos com
problemas de relacionamento, pois eram muitos herdeiros.
Mas havia um grupo, liderado por um jovem, Rodrigo de
Moura Soares, que queria fazer o jornal voltar a ser o que
tinha sido tempos atrás. O Diário Popular é um jornal centenário, como o Estadão. O Rodrigo convidou-me para montar o
departamento comercial. O Diário Popular, como o Estadão,
recebia os anúncios – até das agências de propaganda – no balcão. E havia, no Estadão, uma coisa que seria folclórica hoje,
mas que era duro na época: poucas agências tinham conta corrente. Era uma dificuldade enorme você abrir uma conta corrente com o Estadão. Você tinha que apresentar uma série de garantias, tinha que ser amigo do rei, tinha que ser conhecido,
enfim, não era para qualquer um. O Diário Popular nasceu de
uma briga dentro do Estadão, quando o Estadão ainda se chamava A Província de São Paulo. Pouco depois de sua fundação,
em 1875, o Américo de Campos, que era um dos donos da
Província, que virou Estadão, saiu, juntou-se a outros e fundou o Diário Popular. Por causa disso havia muita semelhança
entre os dois jornais, e o Diário Popular também não tinha
departamento comercial. Eu fui para lá e abri o departamento
comercial. Era um jovem, de 20 ou 21 anos, mas já tinha
experiência na área publicitária e resolvi encarar esse desafio.
Conhecia bastante gente – sempre fui uma pessoa que soube se
relacionar bem, felizmente – e aí montamos uma equipe. Mas
logo fui atraído para o jornalismo. Naquela época, até 1967,
ainda não havia os cursos de jornalismo, bastava você ter dois
anos de atividade jornalística para ser provisionado. Eu sou
jornalista mas não me formei em faculdade. Eu me formei na
vida.
JR: Já estamos em 1963...
AF: No início de 1964 eram sessenta funcionários e três kombis.
O jornal tinha um prédio na rua do Carmo, com seis andares e
apenas três eram ocupados, os outros ficavam vazios, esperando
o crescimento do jornal. Em 1964, quando houve a famosa
“revolução”, eu fui fazer cobertura, eu queria ser jornalista, estava lá para isso também. Lembro-me de que entrevistei, no aeroporto de Congonhas, na noite do dia 30 de março, um tal de
Diniz que era parente do Magalhães Pinto. Ele vinha de Minas
para São Paulo. Eu, jovem, perguntei: “O senhor acredita na
revolução?” Ele respondeu: “A revolução já está nas ruas.”
69
JR: Vamos falar um pouco do nascimento da sua coluna, que
virou uma editora.
AF: Como responsável pelo novo departamento comercial do
jornal, eu sentia uma necessidade muito grande de que o jornal
fosse lido pelos publicitários, que tivesse um trânsito no meio.
Era um jornal popular, mas não popularesco, nem de baixo
nível. Foi quando surgiu a idéia de criar uma coluna. Já havia
uma coluna no mercado, de Cícero Silveira, bem anterior à
minha. Ela saía às terças-feiras no Diário da Noite.
JR: O Cícero foi o primeiro colunista?
AF: Antes do Cícero, teve o Marcus Pereira, lembra dele? Ele
teve uma agência, a Marcus Pereira Publicidade, e matou-se com
um tiro. Era um profissional brilhante, sujeito de grande competência e coragem. Ele tinha uma coluna no Estadão, aos domingos, mas era mais técnico – até por não ser jornalista e não freqüentar a redação, mas era uma boa coluna.
JR: O Cícero devia ser importante, pois escrevia nos jornais dos
Diários Associados.
AF: Sim, era a Globo da época. A Globo surgiu em 1965. Ele era
o colunista mais importante desse grupo inicial. O Cícero, depois
eu, depois o Eloy Simões, o Fernando Reis, mas o Cícero era,
sem dúvida, o mais importante.
JR: Aí você criou a sua coluna no Diário Popular...
70
AF: Criei a coluna, que logo virou uma página. Mas eu queria
uma seção polêmica, não queria uma coluna oba-oba, de agrado,
de release, simplesmente. Eu queria uma coluna polêmica, para
atrair a atenção. Mas esse comportamento tem de ser sempre
dentro de uma linha de raciocínio coerente. Você não pode provocar polêmica e ao mesmo tempo escrever bobagem. Pois consegui sucesso, felizmente, e em menos de um ano eu já me torna-
va conhecido. A primeira coluna saiu no dia 21 de maio de
1965. E, na primeira, saiu como “Asterístico”, assim, errado, e
ninguém corrigiu. Passou por todo mundo. Eu fiquei extremamente abatido com esse erro. Pensei: “Puxa, de cara uma coluna
que sai com o nome errado...”, mas aí eu me animei. Lembrei
aquele provérbio – o que começa errado termina certo. A coluna
logo virou página e, depois, transformou-se num caderno.
Propaganda & Marketing é um veículo vitorioso na classe publicitária.
JR: Há pessoas que têm uma profissão na vida e têm um hobby –
por exemplo, ser contador no banco e o hobby é criar galinha. De
repente, descobre que é ótimo criar galinhas e se torna o rei das
granjas, faz fortuna criando galinhas. Acho seu caso um pouco
mais complexo. Você era meio-jornalista, meio-diretor comercial
e acabou virando empresário num nicho que você próprio criou...
AF: Eu sou um jornalista que virou empresário, acho que essa é a
melhor definição. Abandonei a advocacia. Aliás, eu a exerci
somente por uns dois anos, depois deixei. Fui criando essa coisa
nova, que não existia, transformando-a numa atividade maior,
gerando empregos e gerando até veículos. O Brasil tem mais veículos publicitários do que, mesmo, os Estados Unidos. E as pessoas sobrevivem, estão aí. Temos, de fato, uns 15 veículos publicitários. Mas essas coisas foram acontecendo. Eu não fiz nenhum
plano de vida que viesse a dar no que está aí. Fui aproveitando as
oportunidades, como, por exemplo, criar o Prêmio Colunistas.
Na época em que nós o criamos – eu, o Cícero Silveira e o Eloy –
não havia nenhum prêmio de publicidade no Brasil.
JR: Quem teve a idéia?
AF: Até hoje a gente discute isso. Eu achava que tinha sido o
Cícero e ele dizia que a idéia foi minha. Mas aí fizemos uma
exposição na Terrazza Martini, cedida pelo Murilo Antunes
Alves, fizemos a premiação e a entrega dos prêmios e abrimos a
exposição. Isso foi em 1965. Mas o que eu queria ressaltar, nessa
71
história, foi a minha preocupação de trazer colaboradores para a
página e depois para o Caderno. Fazer com que a nossa publicação fosse uma coisa plural, que não tivesse apenas uma opinião,
e isso felizmente se mantém até hoje. São opiniões, às vezes,
completamente contrárias às da gente. Houve até colaborações
que nos criticavam, e a gente deixava sair...
JR: Você foi o inventor do ombudsman no jornal?
AF: De uma certa forma, sim, pelo menos na minha área.
JR: E a sua associação com a ESPM?
72
AF: Além da minha atração pela propaganda, também tive sempre um fascínio muito grande pelo ensino. Um dia, quando eu já
tinha a coluna no Diário Popular, o Otto Scherb me convidou
para colaborar com ele na Escola. Eu ainda não era conselheiro,
apenas um colaborador, sem qualquer remuneração. Otto Scherb
marcou muito a minha vida pelo que ele era. Se você me perguntar o que exatamente me marcou no Otto, eu não saberia responder de pronto. Mas era a sua figura humana, a inteligência, o
caráter. Um convite dele era uma ordem, eu era discípulo dele. Aí
começamos a colaborar com a Escola, publicando artigos dos
professores no nosso Caderno, no Diário Popular. E também os
anúncios da Escola no jornal, pois ela não tinha recursos. O vínculo com o Otto reforçou-se com o conhecimento que eu tinha
do Rodolfo Lima Martensen, o fundador, e isso acabou por me
levar ao Conselho da Escola, quando ele foi formado, logo no início. Eu acabei sendo o primeiro presidente de um conselho,
depois fui para outro, o Superior, pelo que me tornei presidente
do Conselho Superior – o que muito me orgulha. A Escola, para
mim, é parte da minha vida, como foi a página do Diário Popular,
a Editora Referência, o Caderno Propaganda e Marketing, a revista Propaganda, o Prêmio Colunistas, a revista Marketing, assim é
a Escola Superior de Propaganda e Marketing.
JR: Você tem três filhos e nenhum deles é publicitário. Por quê?
AF: Nenhum dos três é publicitário ou jornalista. Meu relacionamento com os filhos sempre foi muito aberto e sempre respeitei o
que meu pai me ensinou – deixar que os filhos sigam a sua vida e
os pais sejam norteadores, sejam conselheiros, mas não sufoquem.
Confesso que procurei influenciá-los para que, pelo menos, fizessem o curso de Direito. Minha filha mais velha, a Tatiana, é o
segundo curso que faz. Os três fazem, mas a Tatiana já se formou
em Administração de Empresas. Mas eu acredito que a pessoa
que tem um certo patrimônio tem que conhecer o Direito. Isso é
importante, principalmente num país como o Brasil. Agora, se eu
pudesse orientá-los para uma carreira, sem fazer demagogia, sem
dúvida eu os orientaria para a propaganda e o marketing. Porque
continuam sendo, a meu ver, as atividades que oferecem as
melhores oportunidades para os jovens, porque o jovem de hoje é
muito mais inquieto do que o jovem do nosso tempo. O jovem
quer que o dia seguinte seja diferente do dia anterior, e não há atividades que possibilitem mais esse tipo de vida do que o marketing e a propaganda. Há uma outra, que é o jornalismo, mas essa
remunera muito mal. Jornalista hoje só se dá bem quando vira
dono de alguma coisa, que foi o meu caso. Eu não vou encaminhar meus filhos para uma atividade que remunera mal.
JR: O jornalista é mal remunerado por falta de competição?
AF: Não, ao contrário, há muita competição. Embora o tema
mereça um estudo mais profundo, eu acho que o jornalista é mal
remunerado, entre outras coisas, porque há uma tradição no
Brasil de que o jornalismo era o segundo emprego das pessoas.
Os grandes jornalistas não eram jornalistas de vida, eles eram jornalistas por hobby...
JR: Eles faziam outras coisas...
AF: Até trabalhavam de graça. Fiquei vinte anos no Diário
Popular e tive colaboradores que trabalhavam absolutamente de
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graça, tinham excelente qualidade. Uma coisa que também contribuiu para prejudicar os salários – e essa questão é meio complexa – mas é essa coisa da formação universitária. Eu já fui a
favor, hoje sou contra. Eu acho que o jornalista não precisa ser
formado numa universidade. Se de um lado há uma concorrência acirrada entre empresas, do outro existe uma concorrência
ainda mais acirrada na disputa do emprego. É dificílimo arrumar
um emprego em propaganda, jornalismo, em marketing, porque
há muitos candidatos.
JR: Eu acredito que jornalismo e propaganda podiam ser carreiras
de pós-graduação.
AF: Depois de formada é que a pessoa optaria. Mas eu queria
deixar uma observação para reflexão e até um apelo: o jornalismo deveria voltar a ser investigativo, opinativo, mais do que simplesmente informação e entretenimento. Nós perdemos, na
imprensa diária, aquela coisa polêmica, a investigação. As coisas
passam desapercebidas. Há escândalos nacionais que duram apenas um dia ou dois. Ninguém vai atrás, ninguém sabe mais,
daqui a uma semana. Tudo passa muito rapidamente, porque
basicamente não há investigação, não há alguém que fique acompanhando uma história para buscar a verdade, o que de fato
aconteceu. Tudo vai contado rapidamente nas páginas de jornais,
no telejornalismo e pronto. Acho que isso, de alguma forma, tem
que voltar.
JR: E o marketing e a propaganda dos anos 2000?
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AF: A virada do século – e, mais ainda, do milênio – não mudará
absolutamente nada, a não ser os números do calendário. Que
grandes mudanças podem acontecer no dia 1o de janeiro de 2000
ou, para ser mais exato, de 2001? Mas é claro que as mudanças
se processarão, como vêm ocorrendo, e as atividades de marketing e propaganda também passarão por elas. Ambas continuarão
existindo, porém de forma mais diferente quanto mais distante
for o futuro a ser contemplado. Da mesma forma que o marke-
ting e a propaganda de 1999 são distintos do que chamávamos
de marketing e propaganda em 1950. Essas atividades – até por
serem de vanguarda – evoluirão mais rapidamente. Devemos,
por exemplo, ter o domínio mais completo do terceiro grande
veículo de massa que a humanidade conheceu, chamado Internet, hoje ainda uma força dispersa.
A segmentação dos diversos públicos continuará ainda mais em
produtos e serviços – e o marketing e a propaganda terão de levar
isso em conta. Quem acompanhou a rápida transformação dos veículos nos últimos dez, vinte anos, pode imaginar o que acontecerá
nas duas próximas décadas. As agências de propaganda também
sofrerão grandes transformações e, no Brasil, se defrontarão com
duas realidades: de um lado, a explosão do nosso mercado de consumo, que, com a vinda de novos investimentos empresariais, provocará maior demanda no setor. Um dado altamente positivo. Do
outro lado, porém, a desregulamentação das taxas fará com que
elas trabalhem cada vez mais com margens menores de lucro. Um
dado negativo com o qual terão que aprender a conviver. Grande
parte da culpa nesse processo lhes cabe, pois negligenciaram as
mudanças ocorridas nos últimos anos. Imitaram o avestruz.
Marketing e propaganda continuarão existindo, assim como o ser
humano: com outros trajes, corpo mudado, maiores anseios.
JR: E as receitas de sucesso?
AF: Receitas para o sucesso profissional não há. As coisas vão
acontecendo e você vai agindo para que elas possam lhe trazer
benefícios. Mas isso não ocorre por acaso. O fator sorte existe,
mas é sempre uma combinação de oportunidade com capacidade. Atrevo-me, porém, a registrar a necessidade de ingredientes
básicos: disciplina, interesse, aplicação, esforço físico, alto nível
de exigência, começando por você.
JR: Você acredita no marketing pessoal?
AF: O marketing pessoal tem importância total. Cria o magnetismo, aquilo que chamamos de “uma pessoa interessante”. Aí, fica
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mais fácil ser ouvido, expor as suas idéias. Se você é apenas uma
voz na multidão, correrá o risco de falar para si mesmo. Como
no deserto. Parece antagônico, mas é assim que as coisas são.
JR: O momento mais importante da sua vida profissional.
AF: Momentos da vida… Foi quando comecei a escrever a coluna “Asterisco”, no Diário Popular, em 1965, mais tarde transformando-se em um caderno, que precedeu ao Propaganda &
Marketing, despertando um interesse público que foi até inesperado para mim, fruto do meu estilo sincero e polêmico. A partir
daí, identifiquei a minha estrada que felizmente foi cada vez mais
se alargando.
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Carlos Salles
Funcionário público numa multinacional
A simplicidade da segurança e o humor da inteligência quase disfarçam a importância e a profundidade dos conceitos emitidos
por Carlos Salles.
Ocupando há mais de vinte anos a mais alta posição executiva
da Xerox do Brasil, a terceira em importância e faturamento entre
as empresas Xerox do mundo, Carlos Salles é o típico caso do profissional que percorre, um a um, os estágios de sua carreira, combinando os atributos básicos de que um executivo precisa para ser
bem-sucedido – vocação e pragmatismo – aos conhecimentos
adquiridos e senso de oportunidade. Nosso sistema educacional,
nossa cultura “meio antiempresarial”, em que até mesmo os profissionais liberais ainda procuram ser funcionários públicos, a
influência das grandes empresas multinacionais, o surgimento da
grande empresa nacional, a importância das microempresas e o
relacionamento das empresas com a mídia são temas que mostram um agudo espírito analítico.
JR: Carlos Salles, você é parente de alguma linhagem famosa de
Salles – dono de banco ou de agência de propaganda?
CS: Devo ser o lado pobre, pois não tenho nenhuma ligação
com eles.
JR: Um pouco da sua biografia...
CS: Nasci em 1939 na rua do Vintém, 6. Em Vitória. Nasci em abril
e a Segunda Guerra Mundial começou em setembro. Esse endereço
era uma chácara, no centro, praticamente, de uma aldeia chamada
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Vitória. Meu pai era advogado e também professor da Faculdade de
Direito de Vitória. Minha mãe, apesar do seu extraordinário curriculum – em 1927, aos 15 anos de idade, ganhou um prêmio por ter
tirado dez em todas as matérias durante um ano inteiro – cumpriu o
destino das mulheres da província: formou-se em professora, mas
nunca exerceu a profissão. Dedicou-se a criar filhos, o que era a missão das mulheres na época. Sou o mais velho de quatro irmãos. Fiz a
escola primária em Vitória, numa escola pública, que, naquela
época, era um símbolo de excelência. Em 1946, meu pai foi eleito
deputado federal para a Assembléia Constituinte e nós viemos,
então, para o Rio de Janeiro, que era a Capital da República. Mas a
família nunca se adaptou muito à mudança. Minha mãe passava largos períodos em Vitória e meu pai também. E, naquela época, uma
viagem do Rio a Vitória era uma aventura que durava 22 horas, para
cobrir um pouco mais de 600 km de trem.
JR: Você é casado, tem filhos?
CS: Sou um animal em extinção: casado com a mesma mulher,
Sônia, há 32 anos. Ela formou-se em jornalismo, mas nunca
exerceu a profissão. Em vez disso, abriu uma agência de viagens
de porte médio. Tenho três filhos. O mais velho, Felipe, 31, é
dono de uma pequena empresa que faz homepages para a
Internet. É casado e tem uma filha de quatro anos. Tenho a
Paula, mãe de uma menina e um casal de gêmeos, formada em
desenho industrial, que tem uma pequena empresa onde faz programação visual para microempresas. A terceira filha, Marcela,
tem 18 e quer estudar administração de empresas.
JR: Que cursos você fez?
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CS: No Rio, fui para o Colégio Santo Inácio, que era uma organização “bio-militar”, mas dava aos seus alunos uma formação
muito sólida. Mas o colégio refletia os preconceitos da época e
um deles era que o Santo Inácio só se sentia realizado se seus alunos fossem ser médicos ou engenheiros. Qualquer outra profissão era um ultraje às tradições do colégio...
JR: E aí você foi ser médico, ou engenheiro?
CS: Sem força psicológica para resistir a essa pressão, aos 14
anos, entrei para o científico, que era dividido previamente em
duas turmas: a de medicina e a de engenharia. Como eu não era
bom em matemática, fui para medicina. Cheguei até a me convencer de que ia ser médico. Fiz o vestibular, na Faculdade
Nacional de Medicina. Éramos quase dois mil candidatos para
cem vagas. Quando terminou a penúltima prova, sobraram 103.
A direção da escola, então, tomou a decisão de admitir os 103. Mas
promoveu uma última prova de física, apenas para cumprir o
ritual. Então, em vez de uma prova difícil, com problemas, deu
uma prova “fácil”, discursiva, para resumir a biografia de dois
físicos, descrever um aparelho qualquer de experiências etc. Era
a linha de ensino das escolas inferiores: os alunos que vinham do
interior só sabiam biografias, esse tipo de coisa. Para mim foi um
desastre: dos 103, eu fui o único reprovado, mas salvou-se o país
de um médico sem vocação...
JR: E ganhou o management...
CS: Fiquei em estado de choque, pensando: “Engenheiro eu não
tenho capacidade, médico, acabo de fracassar no vestibular, o
que vou fazer?” Então meu pai me chamou para uma conversa e
disse: “Você não sabe o que vai ser, vou lhe dar um conselho:
faça a escola de Direito porque ela vai te dar uma bagagem
muito importante que é a capacidade de pensar. No meio do seu
curso, você vai pensando no que quer. Dê-se essa oportunidade
de aprender a pensar, a raciocinar de forma ampla.” Aí, entrei
para a escola de Direito no Rio de Janeiro e em seguida meu pai
morreu. Ele chegou a ministro da Justiça de Juscelino Kubitschek.
Fiquei numa situação complicada, porque não tínhamos recursos
e eu tive que sair para trabalhar. Fui trabalhar nos Diários Associados – como despachante – para ter alguma renda. Na Faculdade de Direito, ia empurrando com a barriga, sabendo que não
ia ser advogado. Nessa altura, eu tinha conseguido entrar para a
Casa da Moeda, como auxiliar de impressão, mas não era nada
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80
que me satisfizesse. Formei-me em Direito e fui fazer uma espécie de MBA, daquele tempo, em administração, na Fundação
Getulio Vargas do Rio. Tive meu primeiro encontro com a gestão e comecei a querer usar aquilo na Casa da Moeda. Veio a
Revolução de 64 e foi designado diretor geral da Casa da Moeda
um homem fantástico, capitão-de-mar-e-guerra, Nelson de
Almeida Brum, homem sério, trabalhador, com uma determinação fantástica, que resolveu transformar a Casa da Moeda numa
empresa. Antes aquilo era uma repartição pública, de terceira
categoria, uma bagunça completa – 1.800 funcionários a não
fazer absolutamente nada. O Brum botou aquilo em ordem,
transformou a Casa da Moeda em empresa e lançou o projeto de
fazer dinheiro no Brasil – porque, até então, o Brasil não fazia
seu próprio dinheiro. Fui recrutado para o grupo de trabalho
que ia criar as condições de produzir papel-moeda no Brasil.
Para encurtar uma história de seis anos, acabei sendo o primeiro
diretor da primeira fábrica de cédulas do Brasil, inaugurada em
abril de 1969. A Casa da Moeda virou uma curiosidade, as pessoas iam visitar, autoridades, empresários, crianças de escola etc.
Um dia, um amigo telefona e diz: “Olha, eu quero programar a
visita para um amigo meu, que é o presidente da Xerox.” E perguntei: “O que é Xerox?” “É uma empresa que aluga máquinas
de copiar.” Eu disse: “Você está me dando duas informações inéditas: em primeiro lugar, máquina de copiar para mim era aquela
termofax, que eu nunca imaginei que pudesse ser um negócio
digno de justificar uma empresa. Por outro lado, você me diz que
é uma firma que aluga máquina!” Nessa época, no Brasil, nem
automóvel se alugava, só casas ou apartamentos. Conheci então
o Henrique Sérgio Gregory. Acompanhei-o na visita, para mostrar todo o processo de produção. Ele veio junto com o diretorsuperintendente, o Caio Aragão. Quando terminou a visita, o
Caio me deu um cartão, dizendo: “Queria convidá-lo para almoçar.” Mas eu já tinha recebido muitos cartões de gente que nunca
chamava depois. Mas, passados uns três ou quatro dias, a secretária do Caio me ligou, convidando para o tal almoço. Lá fui eu
e ele me fez o convite para vir para a Xerox. Naquele tempo, até
o nome Xerox era estranho, soava como marca de detergente.
Havia uma firma chamada Orniex. Confesso a você que tomei
um susto: como diretor da Casa da Moeda, eu despachava diretamente com o presidente do Banco Central, com o ministro da
Fazenda, circulava nos altos níveis da administração pública, com
reuniões na Alemanha, França, na Suíça... Mas o meu salário
equivalia a uns US$ 400 por mês e a Xerox oferecia-me US$
1.100, mais bônus. As pernas tremeram. Eu nunca tinha visto
tanto dinheiro na vida. Cheguei em casa e conversei com minha
mulher: “Vou largar tudo, como um mercenário? Indo atrás de
um salário, mais nada?” Levei um mês nesse dilema e o Caio
telefonou três vezes. Finalmente, deu-me um ultimato: precisava
preencher o cargo e precisava de uma resposta. Fui conversar
com o Brum, que ficou furioso e disse que, se saísse, era uma
traição pessoal a ele. Fiquei numa situação terrível. Mas aí fiz
uma pergunta ao Brum que foi decisiva para eu tomar a decisão:
“Comandante, qual é a garantia que o senhor tem de que estará
na Casa da Moeda daqui a 15 anos?” Ele respondeu: “Nenhuma.” Aí, vim para a Xerox como gerente de uma pequena operação chamada Copicentro.
JR: E como é que você acabou fazendo carreira internacional?
CS: O Copicentro era relativamente fácil de tocar, porque, do
ponto de vista tecnológico, era a idade da pedra comparado com
o que eu tinha na Casa da Moeda. Mas o que aprendi na Xerox
foi uma ciência que eu não conhecia e que se chamava venda. A
Xerox proporcionou-me cursos, treinamento, e aprendi muito
com os meus vendedores. O Copicentro teve um ano de sucesso
– até porque era o começo de uma operação pequena – e praticamente duplicou de tamanho. O Caio Aragão chamou-me e
disse: “Hoje, 90% da operação da Xerox no Brasil estão concentrados em São Paulo e Rio de Janeiro. Qualquer concorrente que
chegar vai-nos atacar nessas duas cidades. Se nós não tivermos
uma presença nacional, vamos ficar vulneráveis. Estou com um
projeto de expansão para fora dos dois grandes centros e queria
que você o comandasse.” Tive assim uma grande oportunidade,
que me permitiu, entre 1971 e 1972, abrir 22 operações no
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Brasil. No final de 1973, São Paulo e Rio já eram responsáveis
por apenas 60% da operação – 40% vinham de fora. Isso foi
considerado um sucesso. Nesta ocasião vagou a função de gerente de marketing da companhia e o marketing tinha, nessa época,
uma conotação de “ciência oculta”: os camaradas que trabalhavam em marketing na Xerox do Brasil falavam um idioma que
ninguém entendia, viviam todos fazendo cursos em universidades americanas e, quando voltavam, continuavam fora, fazendo
conferências. Eles não falavam com os vendedores nem com os
clientes. Iam para a ADVB, lá em São Paulo, participar de seminários e encontros; estavam sempre envolvidos em questões de
alta indagação e nada de mercado, nada de clientes, nada de produtos. O Caio não gostava muito dessas coisas e acabou fazendo
uma faxina. Quando assumi, ele me disse: “Agora, pé no chão:
quero que você assuma a área de marketing com a mesma cabeça
que você usou para abrir o interior.” Eu não era ainda qualificado, era um aprendiz, incapaz de sustentar qualquer discussão
sobre teorias de marketing, porque não havia estudado isso, não
sabia. Mas sabia fazer com que a empresa vendesse, o que me
levou a gerente de marketing. Fui gerente de marketing durante
o ano de 1974, mas durante este curto tempo acabei travando
uma briga com a burocracia da Xerox em Stanford...
Na década de 1970, o marketing
tinha uma conotação de
“ciência oculta”.
JR: Em Connecticut ou na Califórnia?
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CS: Perto de Nova York, em Connecticut. Eles obrigavam todo
mundo a uma burocracia monstruosa, que não tinha nenhum
valor para o cliente, nem para a empresa, nem para o acionista.
Eu não entendia porque tinha de perder tempo com aquela
“porcariada” toda. Pois sustentei a briga e aí aconteceu a coincidência: também o presidente da operação da Xerox latino-ame-
ricana fez uma faxina idêntica lá e disse: “Eu quero pessoas pragmáticas agora.” E trouxe, para a operação americana, um
homem de operações. Entre eu e ele estabeleceu-se uma identidade de opiniões, de pontos de vista, de programas, de tudo,
muito grande, a ponto que, em janeiro de 1975, num jantar,
disse: “Olha, isso que você fez aqui no Brasil, eu quero fazer na
América do Sul. Você vai trabalhar comigo.” E levou-me, em
maio, para os EUA, deu-me um território que ia da Venezuela ao
Chile. Peguei o Chile com uma força de vendas de seis vendedores, que passei para trinta. Se no Brasil subiu de 28 para 150, em
um ano, por que o Chile não podia ir para trinta? Fui fazendo
isso no Chile, no Peru, na Colômbia, na Venezuela... E, ao final
desse período de dois anos, houve uma reorganização na Xerox
do Brasil e criou-se o cargo de diretor executivo de operações.
Eu fui chamado à Xerox do Brasil, e em 1977 desembarquei de
volta como diretor executivo de operações.
JR: Vamos falar de outros assuntos. “Cópia xerox” como termo
genérico: como é que a empresa e você lidam com isso?
CS: Isso é uma coisa desastrosa sob todos os aspectos. Não há
nenhuma vantagem nessa confusão. Isso existiu também nos
Estados Unidos, durante o período em que a Xerox era, realmente, a única opção para cópia em papel comum. Lá, durante
algum tempo, também virou sinônimo de cópia. Mas eu acredito
que a confusão entre marca e produto, no Brasil, seja a mais dramática que a Xerox enfrenta no mundo inteiro. Até pelo fato de
o país em que a Xerox tem maior participação de mercado do
mundo ser o Brasil.
JR: Vocês fazem alguma coisa para mudar isso ou trata-se de um
fenômeno com que tenham de conviver?
CS: Nós decidimos conviver com ele. No começo, tentávamos
até medidas judiciais. O sujeito se estabelecia, na rua, para vender cópias, instalava máquinas de outras marcas e na tabuleta
punha XEROX. Mandávamos advogados para obrigar a tirar a
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placa. Na hora em que o oficial de justiça ia embora, eles
punham a placa de novo. Nenhum juiz, até hoje, considerou que
isso fosse coisa que merecesse muita atenção – então desistimos
de brigar. Agora, toda vez que flagramos uma situação mais séria
de confusão de marca e produto que possa nos afetar, vamos à
imprensa – temos um contato muito próximo com a imprensa, a
Xerox do Brasil é uma empresa aberta para ela – e contamos aos
jornalistas o que se passa. E eles se encarregam de divulgar.
Outro dia, saiu na Gazeta Mercantil uma nota sobre a nova lei de
direito autoral, em que espontaneamente o jornal dizia que a lei
estava muito bem colocada, mas que se devia tomar cuidado, que
a Xerox do Brasil “não tem nada que ver com cópia ilegal, assim
como a Tramontina não tem culpa se crimes são cometidos com
as facas que fabrica...”.
JR: Carlos, a Xerox fica no Rio de Janeiro, enquanto muitas
outras indústrias foram para São Paulo. A Xerox vai continuar no
Rio?
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CS: Acho que esse fenômeno é um pouco dramatizado. O esvaziamento deu-se no Rio de Janeiro porque a cidade não ofereceu
condições de infra-estrutura básica. Por exemplo, o Rio de Janeiro
cedeu o espaço de centro bancário a São Paulo. Mas também o
excesso de concentração industrial na cidade está esvaziando São
Paulo e o ABC particularmente, e levando essas indústrias para
outros estados e para o interior do estado de São Paulo. Isso é um
fenômeno que pode ser doloroso para algumas cidades, mas é
extremamente benéfico para o Brasil. O escritório central da
Xerox do Brasil é no Rio de Janeiro. A sede fiscal da empresa é em
Vitória, o centro tecnológico principal está em São Paulo e as
indústrias estão no estado do Rio de Janeiro, na Bahia, no
Amazonas e no Espírito Santo. Portanto, a questão de onde está a
sede da empresa é absolutamente irrelevante. O importante é que
a empresa tenha presença nacional. Por exemplo, um profissional
que quiser, hoje, ter uma função na área de planejamento industrial da Xerox, na área de compras ou na área de desenvolvimento
tecnológico-industrial da Xerox, vai se empregar em São Paulo e
não no Rio de Janeiro, porque é lá que nós temos a área industrial.
JR: Nessa questão que você abordou, das relações das empresas
com a imprensa, muitas multinacionais adotam uma postura low
profile.
CS: Veja, quando uma indústria automobilística tem um problema que obriga a um recall, o que ela faz, qual a tradição da
indústria automobilística? Ela é “pró-ativa”, ela divulga, faz com
que todos vejam no recall uma ação de defesa do consumidor.
Nunca vi um caso de recall que seja tomado de forma detrimental para a empresa, muito ao contrário, o público aceita que possam haver falhas industriais. Mas se você é pró-ativo e rapidamente diz: “Errei, traga de volta que vou corrigir”, você recebe
aplausos. O silêncio é um suicídio empresarial. Isso está mudando. A Xerox do Brasil é, como disse, pró-ativa. Qualquer problema, na mesma hora, divulgamos tudo, especialmente a solução
para o problema, porque sabemos que estamos sujeitos a falhas.
E a política do no problems não é uma criação brasileira, é coisa
antiga. Quando houve o episódio do Exxon-Valdez, que jogou
óleo lá no Alasca, em vez de a empresa tomar a iniciativa, preferiu ficar calada e crucificar o comandante que estaria embriagado, naquele momento. Com isso, deu espaço a todos os “inimigos” para que tomassem a iniciativa. Duvido que se um outro
episódio como esse acontecer com a Exxon, que ela vá ficar calada e dizer no coments, como fez na época.
JR: Você não acha que a cultura brasileira é meio “antiempresarial”?
CS: Acho. A origem histórica brasileira é de funcionário público.
Se você olhar a geração antes da nossa, todos os meus parentes,
tios, ascendentes, fora uns dois ou três que eram funcionários
públicos, eram comerciantes, o resto...
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JR: Ou profissionais liberais...
CS: Não! Mesmo o profissional liberal no Brasil também era
funcionário público. O sujeito era médico, mas também médico
do ministério não sei de onde, da repartição tal etc. Este era um
país de funcionários públicos, que tomou conhecimento da realidade empresarial, há quarenta, cinqüenta anos no máximo. E
ainda existe essa cultura no Brasil, por ignorância, mas não acho
que seja de antagonismo à empresa, é ignorância mesmo. No
Brasil ainda se fala na verba, na dotação, como se fosse um
dinheiro que cai de uma cornucópia. O país foi treinado para
gastar a verba e não para gerar a verba. Mas a alteração que
houve no Brasil, nos últimos vinte ou trinta anos, é gigantesca.
Hoje, este é um país de empreendedores. A camelotagem, por
exemplo, é apenas um lado pouco atraente da entrepreuneurship.
O “sacoleiro” também é um empreendedor. Acho que a economia informal brasileira é produto da estupidez governamental.
Ela revela um importante aspecto da sociedade brasileira. A
microempresa é extremamente importante no Brasil. Acho que o
país está assimilando isso. Há mais antagonismo em relação à
empresa e ao empresário, estereotipado, em boa parte da mídia.
E a sociedade brasileira está mais avançada nisso do que a mídia. Ela
ainda trata o empresário daquele jeito antigo, de quem explorava
o empregado, não assinava a carteira. O microempresário não
assina carteira porque não pode pagar os encargos, porque a
legislação brasileira ainda não conseguiu internalizar a microempresa.
A microempresa é extremamente
importante no Brasil. Acho que
o país está assimilando isso.
JR: Por que que você acha que a imprensa está defasada?
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CS: Porque muitos dos bons jornalistas não saem da redação,
mandam o repórter – que se formou a semana passada, que vem
de escolas que não ensinam o que é empresa e estão ainda
influenciados por uma geração que não cobria empresas. Na
década de 70, a Xerox Corporation sugeriu à Xerox do Brasil a
criação de uma área de relação com a imprensa. Descobrimos
que, nos grandes jornais brasileiros, não havia espaço – em 1977,
há apenas vinte anos – nenhuma atenção em relação à empresa.
O foco era só política e esporte. Os jornais só aprenderam a
focalizar a empresa muito recentemente, quando apareceram
revistas tipo Exame, a Gazeta Mercantil, o assunto ganhou fôlego novo. Descobriram que, inclusive, era assunto que interessava
as pessoas. A sociedade estava interessada. O quadro está
mudando, felizmente.
JR: Eu mesmo tive experiências nesse sentido, com um programa
na televisão e colunas em jornais e revistas.
CS: Pois é, acho que boa parte da mídia ainda tem essa opinião antiquada. Se você conversar com as pessoas, vai ver que é outra coisa,
diferente. Outro detalhe é que isso varia de região para região. O
estado do Rio de Janeiro é profundamente comprometido com o
serviço público – a maior concentração de funcionários públicos do
país está no Rio e não em Brasília. As grandes estatais estão todas
sediadas no Rio de Janeiro, então esse é um estado que “pensa” meio
repartição pública. Se você for a São Paulo, Paraná, ou mesmo, hoje
em dia, Minas Gerais, já não se pensa assim. Agora, em Rondônia,
onde mais da metade da população adulta é funcionária pública, aí
todo mundo só vive em termos de repartição.
JR: Vamos falar sobre carreira, ensino. O que você acha do mercado de trabalho para quem está estudando administração e comunicação?
CS: Tenho por hábito conversar muito com os estagiários da
Xerox, para ouvir os planos deles e para tentar colocar minhocas
nas suas cabeças. Ontem sentou-se aqui uma menina, que está terminando o estágio, e eu lhe fiz a pergunta: “O que você aprendeu
aqui e quais são os seus planos profissionais?” A resposta dela obri-
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gou-me a fazer um pequeno discurso. As pessoas não estão entendendo que a estrutura do trabalho profissional, no Brasil e no
mundo, está mudando rapidamente, como já mudou no passado.
Quando eu e você entramos no mercado de trabalho, o sonho era
ser empregado do Banco do Brasil. Os menos sonhadores se contentavam com uma função qualquer no Ministério da Fazenda.
Depois, começaram a aparecer as multinacionais, na época, especialmente da instalação da indústria automobilística, final dos anos
50 e década de 60. Porém, o fascínio ainda era das estatais, todas
líderes de mercado – Petrobras, Telebras – todo mundo queria trabalhar nas “teles”, que eram as empresas de “ponta” tecnológica e
na gestão, inclusive, de recursos humanos. Depois que as multinacionais se solidificaram, todo mundo queria trabalhar na IBM, na
Xerox, na GM, na Volkswagen... eram os grandes patrões. Pois
temos de abrir o olho: daqui a dez anos, este quadro estará mudado. Essas empresas estão todas – inclusive a Xerox – sob pressão
para se tornar mais eficazes, para ter custos de gestão mais baratos.
A terceirização é irreversível. As empresas vão concentrar-se nas atividades core. A verticalização está acabando rapidamente e isso
enseja cada vez mais a criação de empresas prestadoras de serviço
pequenas e ágeis. Porque nenhuma multinacional vai querer um
elefante terceirizado. Como vou terceirizar uma atividade que eu
quero baratear, entregando-a a uma empresa que tem os mesmos
custos que eu tenho? Não adianta, eu quero uma empresa pequena,
mais barata, mais focada. Então, a oportunidade gigantesca no mercado brasileiro, agora, é da microempresa. As pessoas têm de estar
atentas a essa mudança. Não ficar imaginando que o único caminho é tornar-se gerente de uma grande empresa. Esse funil vai-se
apertar mais, cada vez mais. A Xerox e outras empresas grandes
terão menos espaços para “empregador”. Em compensação, o
espaço para terceirização, não vejo limites nele...
JR: Você acha que a informática contribui para isso? E a tecnologia da comunicação?
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CS: Eu acho que tanto a informática quanto, digamos, a infraestrutura de comunicação, como um todo, contribuíram – mas o
grande instrumento de pressão é a competitividade das empresas. Acho que, hoje, os alunos de gestão empresarial deveriam
estar se preocupando em ser capazes de administrar microempresas, porque a técnica de gerir uma microempresa não tem nada a
ver com a técnica de gerir um elefante do tamanho da Xerox e
de outras empresas grandes. São coisas absolutamente distintas,
são disciplinas diferentes. Eu costumo brincar aqui com o pessoal
dizendo o seguinte: “Se pegar alguém que passou a vida inteira
numa empresa como a Xerox, habituado a ter uma retaguarda
forte atrás dele, e torná-lo dono de uma padaria, em não mais de
três meses ele vai quebrar a padaria.” Em compensação, o “seu”
Joaquim, que teve muito sucesso administrando a sua
Panificação Nossa Senhora de Fátima, jamais encontraria espaço
para trabalhar numa empresa como a Xerox.
JR: Suas receitas para o sucesso.
CS: Difícil falar em receitas porque isso pode levar as pessoas a
imaginar que há fórmulas de sucesso na prateleira, facilmente
alcançáveis pelos interessados. Baseado na minha própria experiência e nas observações que fiz ao longo de quase quarenta
anos de vida profissional, prefiro fazer duas listas: os do’s e os do
not’s.
Começando pelos do’s:
1. Reconhecer suas próprias capacidades e limitações e, com base
nisto, mostrar o seu time. Ter em mente que, no conjunto, sua
equipe tem que ser melhor que você.
2. Descobrir que atividades, tipos de negócios, funções, exercem
sobre você aquele fascínio para levá-lo a ter prazer na vida
profissional.
3. Capacitar-se tecnicamente. O espaço para a improvisação
amadorística está menor a cada dia que passa. Educação continuada é um imperativo de sobrevivência.
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4. Como dizia o velho Chacrinha “quem não se comunica se
trumbica”. Desenvolva sua capacidade de se comunicar, leia
muito, escreva muito, aprenda a tratar o vernáculo com respeito.
5. Investir tempo no estudo da gestão eficaz de recursos humanos, avaliar-se para ver onde estão seus shortcomings e desenvolver a convicção de que tudo, absolutamente tudo numa
organização acontece em função das pessoas que a compõem.
6. Ter muita paciência. Mais cedo ou mais tarde, as oportunidades aparecem. É uma questão de observá-las atentamente,
selecionar as que lhe interessam e, após detida avaliação de
competência, fazer a escolha.
7. Ser profissionalmente honesto. Contribuir com “valor agregado” no seu trabalho, não apenas para a empresa, mas para a
sociedade como um todo.
8. Aplicar-se nas suas responsabilidades. Fazer-se reconhecido
como alguém que leva a sério os seus deveres profissionais.
9. Exercitar a capacidade de tomar decisões. Nada pior que um
“gerente em estado líquido”, isto é, aquele que toma a forma
do vaso que o contém.
Esta lista poderia ser bem mais longa, mas vamos dar um basta
por aqui e partir para a relação dos do not’s.
1. Não imagine que você será capaz de projetar por muito tempo uma
imagem diferente daquilo que você realmente é. Seja autêntico.
2. Não adotar o estilo cowboy, aquele que tudo destrói à sua
volta para atingir seus objetivos imediatos.
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3. Controlar impulsos de arrogância, os desafetos de hoje talvez
resolvam dar o troco amanhã.
4. Evitar atitudes do tipo “eu já sei tudo, não tenho nada a
aprender com os outros”.
5. Não cair na armadilha de imaginar que você receberia exatamente as mesmas homenagens e deferências, se não estiver na
posição importante que ocupa hoje.
6. Cuidado com a armadilha dos modismos. Você não será capaz
de funcionar como o campeão de todas as teorias gerenciais
que surgem a cada dia.
7. Não prometa o que você sabe que não pode realizar.
8. Não engane as pessoas que trabalham com você. Confiança se
conquista ao longo de anos, mas para perdê-la, bastam alguns
minutos.
JR: Marketing pessoal funciona?
CS: Tenho medo de fazer apologia do marketing pessoal porém,
não posso negar que, na dose apropriada, é uma necessidade.
Intencionalmente ou não, a gente acaba fazendo marketing pessoal em três direções: subordinados, chefes e mundo exterior.
Carisma é um ingrediente necessário ao sucesso e o gerente que
tem e usa seus dotes carismáticos acaba, de certa forma, produzindo o que se poderia chamar de marketing pessoal. Acho difícil
encontrar executivos de sucesso que, em alguma dose, explícita
ou veladamente, não usaram de práticas que se enquadrem nessa
categoria. Afinal, o executivo, ele próprio, é um “produto” e
todo produto precisa ser “vendido”.
Não engane as pessoas que trabalham
com você. Confiança se conquista ao
longo dos anos. Para perdê-la, bastam
alguns minutos.
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JR: Momento mais importante na vida profissional.
CS: Foi quando assumi o papel de liderança na implantação da
fábrica de cédulas da Casa da Moeda. Ali senti o gosto pelo
management e adquiri, de um golpe, toda a crença de que teria
que suprir, com aplicação e força de vontade, a minha quase
absoluta falta de capacitação profissional. Foi terrível tomar
consciência de que eu estava fascinado por um jogo que não
sabia jogar. Ali tomei a decisão: farei tudo o que estiver ao meu
alcance para, um dia, poder ser reconhecido como um Gerente
com G maiúsculo.
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Roberto Duailibi
Antes de se tornar o “D” da DPZ
Roberto Duailibi quase justifica o chavão “dispensa apresentações”. Pouca coisa aconteceu na propaganda brasileira dos últimos trinta anos que não tenha tido sua participação – tanto no
conteúdo quanto na forma – pois, a par de ser criador, administrador, contato e media-man, Duailibi tem sido incansável defensor da propaganda na área política, estrito senso.
Quem, contudo, viveu um passado recente – em que o francês
Seguela recomendava “não contem pra minha mãe que eu trabalho em propaganda, porque ela pensa que eu sou pianista num
bordel”; Geraldo Alonso, pai, hospedava-se em hotéis assinando a
ficha de hóspede como comerciante e os espanhóis diziam-se
designers, mas nunca publicitários – pode apreciar a contribuição
dada por RD ao aperfeiçoamento e à legitimação da profissão de
publicitário no Brasil.
JR: Nos últimos trinta anos e, em particular, nesta última década,
o profissional Roberto Duailibi é sempre associado à DPZ, certamente a agência brasileira de maior fama e sucesso. Gostaria de
focar esta entrevista no caminho que Roberto Duailibi percorreu
até fundar a DPZ.
RD: Tive a sorte de trabalhar com gente que ajudou a criar o sistema publicitário no Brasil, todos de outras áreas e profissões. Já
existia a Escola de Propaganda, recém-fundada, mas a profissão
não era reconhecida. Trabalhei na McCann, na Thompson, na
CIN e na Standard. Naquele tempo, carregávamos clichês pelas
ruas, atravessávamos a Praça da Sé e começávamos a ter aceitação e compreensão dos anunciantes e dos veículos. Era uma pro-
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fissão independente, já liberta da sua semente que foram os veículos. Como você sabe, a profissão começou com os corretores
de anúncios de jornais.
Carregávamos clichês pela rua,
atravessávamos a Praça da Sé.
JR: Fomos, basicamente, da mesma geração – de uma época em
que não havia cursos de comunicação.
RD: Não havia curso superior de propaganda, mas existia a
Escola de Propaganda. Tanto que larguei a medicina para ir fazer
a Escola.
JR: E a sociologia?
RD: A sociologia foi mais recente. Eu era muito envolvido com
política estudantil, com política dentro da escola, de fato, e estava muito ligado ao socialismo; contra a ordem estabelecida,
então a sociologia para mim foi um caminho natural.
JR: Para você e para o nosso presidente, FHC.
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RD: Para o FHC, para muitos colegas da própria escola. Fomos
contemporâneos. Morei na casa que pertencia ao seu pai durante
o exílio dele, e sabíamos que o dinheiro do aluguel ia ajudar em
alguma coisa. A sociologia foi uma das melhores coisas que eu
fiz, junto com a Escola de Propaganda. Tivemos sorte de ter sido
uma geração que pôde encontrar a vocação, mesmo em cursos
não reconhecidos. Mas foi bom o curso de sociologia, porque
me deu uma visão das distorções da ditadura socialista. Hoje, as
motivações dos jovens brasileiros que querem mudar o mundo
começam com as viagens. É uma grande diferença, a facilidade
de hoje; naquela época, uma viagem para o exterior era uma
epopéia.
JR: Quando viajou pela primeira vez?
RD: Fui pela primeira vez ao exterior premiado pela IAA (International Advertising Association).
JR: Então você já estava em propaganda?
RD: Sim, trabalhava na Standard, como redator com o Júlio Cosi
Jr., um dos grandes mestres dessa profissão. A IAA fez um concurso para jovens, oferecendo passagens e hospedagens, patrocinado
pela Philips. O tema era o transístor, recém-inventado. Por uma
coincidência, naquele mês houve um confronto entre Egito e
Líbia – a Líbia era uma monarquia, tinha um rei ou um imperador – e Gamal Abdel Nasser, para vencer o confronto, encomendou milhões de radinhos portáteis, transístores, que soltou na
Líbia, de pára-quedas. Era um radinho que tinha só uma estação,
a Rádio Cairo. A quantidade distribuída foi tão grande que os
rádios praticamente não tinham valor comercial – e a própria
polícia líbia não conseguiu confiscar todos. Então, o pessoal ligava a Rádio Cairo e ouvia denúncias e críticas contra o monarca.
Em uma semana, o exército derrubou-o. Foi a primeira revolução
literalmente produzida pelo transístor, uma novidade tecnológica.
Aproveitei esse gancho para escrever uma dissertação sobre o que
aquilo podia significar para países que viviam escravizados pelas
monarquias da miséria e da pobreza. Ganhei as passagens e fui
para Paris e Londres. Isso foi no início dos anos 60.
JR: Como você começou a trabalhar em propaganda?
RD: Nasci, literalmente, numa loja comercial. Cresci no meio de
cartazes, de material de promoção. Meus pais tinham um armarinho em Campo Grande, Mato Grosso, era uma loja de moda e
artigos de moda: botões, plissés – até hoje eu sei fazer plissé. Meu
pai viajava muito e a loja era bonita, com vitrines muito bem feitas – na época, esse tipo de material vinha da França ou era produzido no Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo. Os balcões
tinham vidros de todos os lados, eram verdadeiras obras de arte.
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Eu participava da decoração das vitrines, que ficavam ao longo
da entrada da loja. Isso também foi importante porque me fez
conviver sempre com gente trabalhando, produzindo. Eram
umas 12 ou 14 máquinas de costura, máquinas de arremate, e as
moças dando duro na conservação do material – era uma convivência de trabalho.
JR: Você está falando do Roberto Duailibi com dez ou 12 anos de
idade.
RD: Sim. Eu nasci e vivi nessa loja até os 12 anos.
JR: Irmãos e irmãs?
RD: Meus irmãos e irmãs trabalhavam na loja. Eu tenho o
Victor, que é o mais velho e dez anos mais do que eu; depois, a
Lorice; um irmão chamado Fauze, que morreu e teve uma
influência grande na minha vida porque ele era desenhista;
depois, a Therezinha, que hoje tem uma malharia; depois eu, o
Carlos e a Sônia, que é jornalista. Éramos sete irmãos de uma
família libanesa – meu pai era libanês. A culinária ainda teve uma
influência muito grande na minha vida e também a poesia. Meu
pai lia muita poesia para a gente em voz alta, principalmente em
árabe.
JR: Você fala árabe?
RD: Nada, mas alguma coisa consigo entender. Havia também
muitos livros na minha casa. Era o presente favorito dos meus
pais: livro ou almanaque.
JR: Como é que foi a sua saída de Campo Grande para o primeiro
emprego em propaganda?
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RD: É, foi longa, a distância. Na verdade, voltamos para SP, porque meus pais eram de São Paulo. Ele tinha ido para lá para
acompanhar o general Klinger na revolução de 1932. Voltei para
São Paulo e completei o ginásio no Benjamim Constant, que foi
uma coisa boa, pela presença dos alemães, com sua organização
e disciplina. Até hoje me dou com alguns colegas daquela época.
Fui o orador da turma, no ginasial.
JR: É. Na época tinha formatura de ginásio e depois formatura de
colegial.
RD: Que se chamava científico ou clássico. O Benjamin
Constant era em frente à minha casa, o que era uma grande vantagem. Depois, fiz o científico no Bandeirantes, um dos melhores
colégios de São Paulo e tinha o melhor clássico também. Para
ajudar a pagar os estudos, trabalhei num jornal, chamado Jornal
de Vila Mariana, e fazia história em quadrinhos. Acabamos fundando, com o Alvaro Moya, o Cortez e outros, a Associação
Brasileira de Desenhistas, que dava cursos numa salinha alugada
num prédio velho no Vale do Anhangabaú, mas cujo objetivo
era, na verdade, político.
JR: Você já estava exercendo uma atividade criativa, não?
RD: É. Nessa época apareceu a revista PN, que teve uma influência muito grande também na definição da minha profissão. Eu
comprava a revista nas bancas e lia com muito interesse sobre as
pessoas, as agências, os anúncios etc. Depois surgiu a revista
Propaganda em São Paulo, eu estava me preparando para estudar
medicina. Meu pai foi farmacêutico, meu irmão mais velho ia ser
médico e acabou químico, no Rio. Mas era uma época muito
difícil e me angustiava essa perspectiva de viver seis anos dependendo da minha família. Em Campo Grande, tínhamos sido
quase ricos, mas em São Paulo, embora não nos faltasse nada, o
orçamento era apertado. Vivíamos perto da pobreza – uma coisa
muito paranóica. Acho que, até hoje, uma das motivações de eu
trabalhar muito é fugir da ameaça da pobreza. Pois um dia abro
o jornal e tinha um anúncio classificado, da Colgate – Palmolive,
97
pertinho da nossa casa, pedindo alguém para o departamento de
propaganda e eu fui lá me candidatar. Aí, fui aceito e foi uma
alegria. Primeiro, porque era perto de casa, dava para ir a pé e,
depois, porque foi a grande escola para mim. Eu substituí o
Dirceu Borges, que foi trabalhar na Thompson. Na Colgate, eu
fazia o levantamento das verbas dos concorrentes, pegava revistas, relatórios de rádio e calculava, com a tabela. Foi assim que
eu aprendi mídia. Eu era também encarregado de traduzir os
anúncios americanos e tinha uma redatora que me prestigiava
muito, a Silvia Jatobá, que mora no Rio, uma pessoa maravilhosa. Eu fazia essa análise da concorrência e tinha de escrever um
relatório – o que fazia com facilidade. O pessoal gostava dos
meus textos, que eram cheios de humor, muito divertidos. Aí fui
fazer o vestibular da Escola de Propaganda. Embora já tivesse
passado no de Medicina, fiquei muito nervoso com o vestibular
da Escola e, quando cheguei lá e vi a lista de nomes, eu era o
número dois. O primeiro colocado tinha sido o Evaldo Dantas
Ferreira. Voltei para casa numa alegria imensa. Lembro-me perfeitamente de ter pegado o bonde, na Praça João Mendes, e de
descer a Eça de Queiroz em direção à minha casa. Fui dançando.
E pensava: “Agora eu estou fazendo uma coisa de que eu gosto.’’
E já era uma revolução no ensino, a escola dava um curso de um
ano e você saía com uma profissão. Eu devia ter uns 18, 19 anos
e a perspectiva de só começar a trabalhar com 26 ou 27, se tivesse sido médico, era apavorante. O curso foi muito legal, eu era
um dos melhores alunos.
JR: Professores?
98
RD: O Zé Kfouri, o Alfredo Carmo, o Lima Martensen dava aula, o
Caio Domingues, o Bicudo, que foi meu colega na ColgatePalmolive, e também tive o Castelo, o Nogueira e o Saulo Guimarães
da revista Seleções – eu brigava com ele porque eu achava que
Seleções era o próprio demônio, símbolo do capitalismo e ele ficava
por conta. Mas a grande admiração nossa era pelo Caio Domingues,
porque o Caio ia dar aula de planejamento, nas sextas-feiras, com
uma mala de couro inglesa elegantíssima, guiando seu MG 48, con-
versível, era a própria imagem do publicitário bem-sucedido. Nos fins
de semana, ele ia para o Rio de carro. Aí o Dirceu, que estava saindo
da CIN, me chamou e começou um outro período muito feliz da
minha vida, na CIN, que era uma agência pequena. A agência era do
Samuel Vilmar e ficava na rua Barão de Itapetininga. Eu tinha uns 24
anos, a agência estava se expandindo. Era um prédio construído pelo
Niemeyer, tinha um grande buraco no meio, e em volta eram as salas
e elevadores e, nos lados, salas também. A CIN começou nessa parte
de dentro. Com o crescimento da agência, eles alugaram uma salinha
para a redação, que foi para onde eu fui – me sentindo o máximo.
Tinha até varanda. Uma sala própria, era um paraíso. Aí aconteceu
um episódio curioso. Fui convidado para ir trabalhar na McCann,
pelo Francisco Gracioso, e fiquei lá menos de um mês. O Gracioso
era o chefe de redação. Ele pegava nos textos dos redatores lia, conferia, corrigia com um lápis, reescrevia. Era, realmente, muito diferente
do mundo das duplas de criação e dos computadores. Mas aí a CIN
me chamou de volta quase que imediatamente, dobrando o meu salário da McCann. Voltei para a agência de que gostava e passei a
ganhar três vezes mais. Pouco tempo depois, o Júlio Cosi Jr. saiu da
McCann para a Standard e convidou-me. A Standard tinha sede no
Rio, mas o escritório de São Paulo era importante. Quem chefiava
era o Ivan Meira e o Júlio era o diretor de operações. Foi o Ivan
Meira quem instalou a Standard no prédio da Praça Roosevelt, mobiliou a agência quase luxuosamente, com muito vidro e as pessoas não
estavam habituadas. Achavam que agência tinha de ser meio caótica.
Mas a Standard era um lugar muito bonito, com gente bonita, estavam lá, além do Júlio, o Otto Stupakof, o Jefferson, uma turma de
primeiríssima categoria. Quando lembro, hoje, vejo como essa profissão tem e teve gente muito boa, grandes criadores, caras que revolucionaram a cultura do país.
JR: Você não acha que ainda faz falta uma crônica sobre essa
geração, um livro?
RD: O Ricardo Ramos, num dos Anuários de Propaganda, fez o
que eu considero um bom roteiro disso. Mas acho que está fal-
99
tando, sim, alguém que recupere essas memórias feitas de tantos
episódios, porque a profissão foi feita de episódios. E foi também “filha’’ da Revolução Industrial, no Brasil. Nos anos 50
havia muita indisciplina e a falta de ética era geral. Donos de
lojas comerciais criavam a campanha com uma agência e veiculavam com outra, os anunciantes nem se importavam sobre quem
ia trabalhar para eles. Mas foram essas pessoas, nos anos 60, que
deram as bases à profissão.
JR: Mas sem esquecer que, no final do século passado e no início
desse século, já havia uma atividade publicitária importante no
Brasil.
RD: Você sabe que a história da propaganda na Argentina também é sensacional. Eles sempre tiveram uma indústria editorial
mais avançada do que a brasileira, as emissoras de rádio como a
Rádio Belgrano. Em Mato Grosso, eu ouvia mais rádio argentina
do que brasileira, e acabei falando espanhol.
JR: Dia desses, Roberto, eu recebi um convite da Standard Ogilvy
para celebrar o cinqüentenário mundial da Ogilvy. Mas, para
mim, a Standard Propaganda é mais importante e mais antiga.
Como é que você vê isso?
RD: A Standard tem muitos mais anos, se você considerar a
pequena agência fundada pelo Cicero Leuenroth. Ele desenvolveu a agência, literalmente, porque precisou comprar um estúdio, em Madureira, que fazia anúncios para a Shell, e acabou
ficando com a conta da Shell no Brasil, que cresceu, transformando-se num enorme cliente. Eu trabalhei muito para a Shell.
Criamos coisas fantásticas para eles.
JR: Você trabalhou com o Magaldi, o Carlito Maia, o Prosperi?
RD: Sim. Eles criaram o programa da Jovem Guarda, coisas pioneiras de que nunca se tinha ouvido falar no país. Essas são as
100 pessoas de minha geração, uma geração de luta, de trabalho,
uma geração em que o importante, para nós, era o cliente e o
fato de você criar empresas saudáveis, com espírito corporativo,
que era tão necessário. Nós fomos a geração que sofreu o pré68, a ausência de regras, e por isso a gente lutou tanto por uma
lei que, como disse o Mauro Salles, propiciou trinta anos de dignidade para a profissão, de 1968 a 1998. E está sendo uma das
primeiras vítimas da globalização e da visão errônea do que é o
liberalismo. Não sei como vai ficar a profissão, que reflexos vai
ter nas escolas. Há diferenças brutais no tratamento entre cliente
e as agências. Vamos ver como se desenvolve isso...
JR – Queria lembrar um episódio no qual nós fomos protagonistas. A DPZ está completando trinta anos e a revista Veja,
também. Você teve um papel importante no lançamento de
Veja. Lamento não ter guardado um bilhetinho que você me
mandou e que dizia: “Zé Roberto, estou saindo numa aventura, juntando-me ao Petit e ao Zaragoza, e vamos abrir uma
agência.’’ Se eu tivesse guardado o bilhetinho, hoje seria um
documento histórico.
RD: Isso foi naquele terrível ano de 1968. Para quem fala em
recessão, em aperto financeiro, tudo o que aconteceu depois de
68 foi “pinto”. O ministro do Planejamento era o Roberto
Campos e o da Fazenda, o Bulhões. Eu era o gerente do escritório da Standard em São Paulo. No Rio, o diretor-geral da
Standard era o Alberto Moraes e Barros, com o Edeson Coelho.
Eu, que estava voltado para a criação, pegava o telefone para
ligar para os veículos e pedir pelo amor de Deus para não mandar a fatura para o protesto, ligando desesperado para os clientes, pedindo pelo amor de Deus para pagarem, porque havia
uma moratória geral. Ninguém pagava ninguém, ninguém comprava coisa nenhuma. Aquilo não foi só recessão, foi uma
depressão da pior espécie. Foi a era pós-Jango e nunca saiu tanto
dinheiro do Brasil. Todo mundo mandava dinheiro para fora,
porque ninguém confiava no que ia acontecer.
101
JR: Voltando ao lançamento da Veja...
RD: Pois é. Eles anunciavam nas suas próprias revistas, havia
pouca televisão. Mas os veículos começaram a contratar agências a
partir da necessidade de fazer filmes, para veicular na TV. Era tudo
feito com permuta. O lançamento de Veja foi importante – chovia
no dia do lançamento e o Victor Civita dizia que isso dava sorte.
JR: O Júlio Cosi tinha saído da Standard para a Alcântara
Machado e, numa sucessão rápida, você apresentou a campanha;
em seguida, saiu da Standard para montar a DPZ; o Neil Ferreira
veio logo depois, de repente também saiu, foi trabalhar com o
Júlio e veio o Edeson Coelho, tudo isso num espaço de poucos
meses. A campanha da Standard estava demorando para ficar
pronta e, finalmente, você apareceu trazendo apenas um lay-out
embaixo do braço. Eu fiquei por conta porque achava que a nossa
agência tinha de trazer um batalhão de coisas, roteiros de filmes,
material promocional...
RD: Eu lembro que a nossa idéia era, exatamente, provocar,
levar primeiro uma semente para ver como vocês reagiriam.
Como vocês reagiram bem, o resto da campanha foi em torno
daquele tema. Mas, na época, a gente acreditava muito num
negócio que o Júlio Cosi ensinava: você podia vender uma campanha nas costas de um guardanapo. Se a idéia fosse boa, você
podia trazer um esboço, explicar para o cliente, fazer um rabisco
e ele comprava. E foi o que aconteceu. Mas não há dúvida de
que as condições de hoje não permitem mais isso. Tem de levar
tudo muito detalhado e bem explicado.
Júlio Cosi ensinava: Você pode
vender uma campanha
nas costas de um guardanapo.
102
JR: Você não acha que a campanha de lançamento de Veja criou
expectativas muito superiores ao próprio produto?
RD: Veja vendeu muito nos primeiros meses, mas, de fato, logo
em seguida, a queda foi brutal. Mas isso também acontece com a
Época, agora. Revista é uma coisa a que a pessoa precisa se habituar, ela é meio “orgânica’’ para o seu leitor. Ele contribui para
ela e ela contribuiu para o leitor. Nessa simbiose é que se vai formando o hábito de ler aquelas páginas, aqueles “capítulos’’ com
aquela forma. Eu costumo dizer que uma revista é a extensão das
próprias pessoas, uma coisa meio biológica. Mas Veja acabou
sendo vitoriosa, porque é uma revista corajosa – este é um ingrediente fundamental de Veja, a sua coragem de denunciar o
roubo, a fraude, o desfalque, a corrupção. O Roberto Civita deve
ficar muitas noites sem dormir, e até ter a necessidade de proteger-se fisicamente, com guarda-costas, porque deve ter muita
gente querendo se vingar de coisas que Veja denunciou.
JR: E quais eram as perspectivas do Roberto Duailibi antes da
DPZ? Você deixou um excelente emprego.
RD: Era o maior salário da propaganda brasileira. Mas a decisão
foi baseada exatamente no clima que eu estava vivendo na
Standard. E não era por causa da Standard, mas pelo que nós
estávamos vivendo antes de 68. Eu sentia que não ia ter futuro.
Nessa mesma época, o Petit e o Zaragoza, para quem eu já fazia
free-lance, tinham um estúdio chamado Metro 3. Eu saía da
Standard, ia para lá, na Alameda Casa Branca. Eu tinha trabalhado com o Petit, na McCann, e com o Zaragoza, na Thompson –
esse período de Thompson foi um período que vale a pena até
escrever um livro sobre ele – mas sempre fiz muitos free-lances.
Mas eu estava na Metro 3 trabalhando com o Pierre Rousselet,
escrevíamos histórias em quadrinhos, com uma personagem
feminina chamada Virgínia Zipf – e eu vinha da Standard cansado daquela gritaria, daquele clima de nervosismo, transmitido
pelo Alberto Moraes Barros, pelo Edeson, porque eles estavam 103
tentando salvar a empresa, coitados. O negócio era desesperante.
Ninguém pagava ninguém.
JR: Inclusive salários dos funcionários?
RD: Não, nisso a Standard nunca falhou. Era ponto de honra do
Cícero: salário não falhava. Mas quando eu ia para a Metro 3 era
outra coisa, era voltar à profissão verdadeiramente, criar coisas,
criar anúncios, histórias em quadrinhos, campanhas, era o que eu
gostava de fazer. O Petit e o Zaragoza estavam precisando de
alguém para ajudá-los no atendimento e Zaragoza disse para
mim: “Por que não você?’’ Quando vim ao Rio, pedir demissão
ao Guilherme de Vasconcelos, estava apavorado. Mas voltei para
São Paulo e, na hora em que estava sobrevoando a cidade, pensei:
“Agora sou mais um desempregado, sócio de dois espanhóis, num
pequeno negócio.’’ Aí eu vi São Paulo, com todas aquelas janelas,
a Av. Paulista... e em cada janelinha destas – pensei – tem alguém
que precisa daquilo que eu sei fazer, não pode dar errado. E o
nosso trabalho, no início, era fazer anúncio e ir vendê-lo para os
clientes. Chegamos a ter seis bancos como clientes ao mesmo
tempo. A gente tinha um prazer enorme de fazer a criação. Aí
começaram a aparecer clientes grandes – Banco Itaú – mas eles
vieram naturalmente. Eu não levei nenhum cliente da Standard, e
me orgulho muito de dizer isso. A Sadia quis sair comigo, a
Rhodia também, e eu me recusei. Disse não, a Standard confiou
em mim para gerenciar o escritório de São Paulo, não vou fazer
agora essa cafajestada. Mas isso é coisa que desapareceu da propaganda brasileira. Passou a ser padrão roubar os clientes confiados a
você. As pessoas não têm mais nem noção de que isso é antiético.
JR: Conte-me como é que, na JWT, uma vez você fez cem anúncios num só dia?
RD: Essa foi uma missão incrível na Thompson. O Ricardo
104 Ramos saiu e fui substituí-lo, e não é fácil você substituir um
cara como ele, o pessoal da redação o adorava. Mas eu já tinha
prêmios, era o profissional com o maior número de folhas de
ouro, no único concurso que existia na ocasião – da Folha de
São Paulo. Enfim, quando cheguei na Thompson, constatei que
tinha trabalho atrasado pra burro, tinha envelope de pedido que
não acabava mais. Resolvi limpar, coloquei os redatores – o
Galiano, a Julieta, um pessoal superlegal – num mutirão de 24
horas e depois não tinha nada atrasado. Nessa ocasião, fui mais
uma vez para um congresso da IAA e um dos programas do
congresso era uma visita à Thompson, para um encontro com o
pessoal de redação. O chefe da redação da Thompson devia ter
uns cinqüenta anos, e eu tinha 25... A Silvia – eu já estava casado – me cutucava e dizia: “Fala que você tem o mesmo cargo
que ele...’’ Mas eu não tinha coragem. “Não vou falar nada porque eles não vão acreditar, porque eu sou muito jovem para ser
chefe de redação.’’
JR: E havia uma separação entre os copywriters e os layoutmen,
não havia diretor de arte...
RD: O próprio Eric Nice também era layoutman. Melhor do que
os outros. Mas a origem de todos os layoutmen era a oficina gráfica e, é claro, depois a cultura foi-se disseminando. Eu e o Eric formamos a primeira dupla, no Brasil, para uma campanha da Ford
que a agência não conseguia aprovar. Aí me tranquei com o Eric
numa sala e resolvemos fazer a campanha os dois juntos – e aquilo
foi um escândalo: “Como é que um redator se tranca com um
layoutman? A diferença é que eu tinha a experiência das histórias
em quadrinhos – que era um trabalho obrigatoriamente feito em
dupla – e foi muito natural a gente trabalhar juntos. Eu sempre
desenhei. Então, eu levava layouts do tipo thumb-nail.
JR: Como é?
RD: É quando você faz um layoutinho assim (desenha), do tamanho de uma unha de polegar...
105
JR: Na Thompson, você ouviu aquela história que o Roberto
Menna Barreto conta, no livro dele, que o Lessa disse para ele:
“Propaganda é uma merda.’’ Essa passagem do Roberto me marcou. Meu pai, também, nunca foi um publicitário muito convencido, tanto assim que, quando escreveu um livro chamado A Propaganda Antiga, ele o dedicou a duas pessoas: ao Cícero Leuenroth,
que o tinha feito entrar na propaganda, e ao Carlos Lage, que o
tinha feito sair. Você conviveu com esse pessoal, um pouco envergonhado da profissão...
RD: Sem dúvida. Ninguém se declarava publicitário. O próprio
Geraldo Alonso contava que, quando ia a um hotel, ele se registrava como “comerciante’’. Havia muito preconceito e há ainda.
Você vai a muito departamento de criação e os caras falam que
trabalham meio a contragosto. Por exemplo, na Espanha, você
não diz que é publicitário, tem que dizer que é designer. O
Antonio Carlos Magalhães, no enterro do Sergio Motta, disse
para um político que estava ao seu lado: “Este é o Roberto
Duailibi, um publicitário competente e sério: duas coisas que são
raras nessa profissão...’’
JR: Você acha que há futuro para a agência de propaganda?
RD: Acho que sim. Porque se cada vez mais a gente voltar à
essência da nossa profissão, que é fazer um bom texto, um bom
desenho, se você trabalhar com pessoas éticas, com industriais e
comerciantes éticos, pode ser. Muita gente está sentindo o horror de conviver com o free-willing, o vale-tudo da remuneração.
Cada um por si, praticar o comércio meio sem regras. Eu acho
que vamos revalorizar a profissão, os veículos vão continuar precisando dos publicitários. Isso é fundamental.
JR: E os novos veículos? A Internet é um novo veículo?
RD: Por enquanto não, embora a Internet seja, de todos, o mais
106 mensurável. Há uma diferença brutal entre o computador e a televi-
são, porque você fica em frente ao computador para trabalhar e em
frente à televisão para se divertir. Na hora em que o computador
tenta divertir, você acaba se fixando em poucas coisas. Atualmente,
as duas categorias de sites mais acessados são sexo, em primeiro
lugar, porque é a diversão universal, e o segundo, por incrível que
pareça, é genealogia. Porque as pessoas estão descobrindo no computador o seu próprio mundo, porque na hora em que constrói ou
reconstrói como viver o seu amor, você está fazendo uma viagem.
Mas sexo é diversão e genealogia é trabalho, é pesquisa.
JR: Trabalho, pesquisa, novos comportamentos... Aí volto a falar
com o sociólogo: você considera esse conhecimento, essa curiosidade sobre a natureza humana uma característica marcante da
profissão?
RD: Fundamental. Você assiste a uma seção de brain-storm do
pessoal de criação, e eles estão, ao mesmo tempo, voltados para
o consumidor e para a própria necessidade de ganhar um prêmio
em Cannes – que é uma força poderosíssima hoje, na criação. E,
às vezes, há distorções brutais na abordagem do anúncio por
causa da angústia de ganhar o prêmio. Na época em que eu era
só redator, eram poucos os prêmios.
JR: Cannes, mesmo, ainda não fez trinta anos.
RD: Aquilo virou uma máquina de ganhar dinheiro, de distorcer
a cabeça dos jovens de uma forma brutal.
JR: E o que é que você diz para os jovens, para os nossos alunos,
que querem ingressar na profissão?
RD: A primeira lição é de relacionamento humano e é a seguinte:
“Consiga e mantenha clientes.’’ Entre todas as tarefas profissio- 107
nais, é a mais importante. Quando eu digo manter, significa tornar
satisfeitos e fazer a venda repetida. Porque aí você estará mostrando que sabe escrever, sabe desenhar, sabe planejar, ou sabe prever,
conhece as angústias desse cliente. Com isso, de certa maneira,
você está garantindo todo o restante que é a criação de condições
boas de trabalho, a defesa da dignidade da profissão. Você nunca
será feliz trabalhando numa profissão desrespeitada. Nunca. É
uma obrigação de cada um de nós tornar mais respeitada a nossa
profissão. Acho que a escola deveria ensinar para os alunos o cultivo do relacionamento humano, como criar uma agenda, como
mandar bilhetes, como se relacionar, como criar lealdade. Você
sabe que essa ainda é a grande falha das nossas escolas, como fazer
uma entrevista, como se relacionar. Havia um livrinho americano,
antigamente, chamado How to pick up girls, e tinha 12 regras para
você seguir. Se nós pegássemos aquilo e transformássemos girls em
clientes, teríamos tudo ali.
JR: Administrar o relacionamento.
RD: É isso mesmo, acho muito estranho a falta disso num publicitário. Ontem, entrei no departamento de criação e, do pessoal,
só um se levantou para me cumprimentar, abraçar, o resto ficou
inibido. As pessoas têm de aprender a se relacionar, a criar um
círculo de amizades, de apoio. Outro conselho que eu daria é o
seguinte: “Faça de cada trabalho uma missão de Deus’’, quer
dizer, as coisas têm que ser tão importantes para você, em relação ao seu trabalho ou à sua profissão, que, se tiver descrença, o
melhor é abandonar a profissão e procurar outra coisa.
As pessoas têm de aprender
a se relacionar, a criar um
círculo de amizades, de apoio.
108
JR: Mas a nossa tradição religiosa não é de que Deus condenou o
homem ao trabalho, de que aquilo foi um castigo?
RD: Quando digo “missão de Deus’’, quero dizer como uma
coisa importantíssima. São Francisco diz: “A felicidade é estar
ocupado.’’ Eu acho que estar ocupado, realizar uma tarefa, principalmente hoje, com a complexidade da vida nas cidades... Vejo
pelas pessoas mais modestas, uma faxineira, um motorista com o
simples fato de ter um emprego regular, eles conseguem coisas
para si, para sua família, porque têm um emprego, têm um salário. A coisa mais terrível é exatamente não ter o trabalho.
JR: E o fim do emprego?
RD: Acho que, pelo contrário, o emprego traz a diminuição da
criminalidade, o aumento de satisfação – que são as medidas
japonesas. O nível de felicidade é mais importante do que a
renda per capita.
JR: O que foi a ESPM na carreira de Roberto Duailibi?
RD: Para mim é a memória da juventude, uma marca, os colegas
que fiz e que me acompanham pela vida inteira, a experiência de
ter dado aulas que eu considero a coisa mais preciosa da minha
vida. Havia alunos muito mais velhos do que eu e criei aquele
negócio de fazer anúncio, criar porta-fólios e atrair outros colegas para dar aula. Também, a experiência da convivência com o
Otto Scherb. Quando era diretor de cursos, tínhamos um problema sério com os professores que faltavam. Quase 50% de alunos
aprovados eram muito feios e sisudos. Eu olhava aquela classe e
dizia para o Otto: “Nós não podemos aprovar as pessoas só porque passaram no vestibular. Essa classe é muito feia, olha essa
gente que está aí. No próximo vestibular, vamos aprovar umas
meninas bonitinhas para dar encanto nesta classe. Esses caras
parecem que vêm diretamente do departamento de contabilidade.’’ Tivemos sorte, naquele ano, por mérito, foi aprovada a
Bruna Lombardi e também uma menina americana, a Bonnie, 109
uma garota italiana... Nós colocamos umas seis ou sete meninas
bonitas. Os professores passaram a freqüentar mais a aula... A
Bruna é um talento fora do comum, a maior contadora de piadas
que eu conheço. São esses pequenos truques, essas pequenas percepções que são importantes. Você tem que ter coisas bonitas à
sua volta. Se alguma coisa o irrita, esteticamente, substitua, mude
a posição, faça alguma coisa, se não lhe faz bem. Como diretor
de cursos, também me orgulho muito de ter criado cursos para
trazer receita para a Escola, que era outra coisa olhada com desconfiança. Mas tínhamos que gerar caixa, só podíamos pagar as
contas, no final do mês, se a gente tivesse dinheiro. Então fizemos cursinhos, seminários... Essa área foi muito desenvolvida. E
também tivemos a sorte do Antonio Nogueira administrar muito
bem esse dinheiro, investindo na bolsa e saindo na hora certa, o
que permitiu à Escola formar patrimônio e comprar um terreno.
Acho que muitas pessoas foram importantes, mas quem teve a
maior influência na Escola, como instituição permanente, foi
realmente o Otto Scherb. Inclusive com a sua preocupação de
reconhecimento pelo MEC – coisa que todos nós desprezávamos. O espírito do “ensina quem faz ’’ dava muito charme para a
escola, mas, como instituição permanente, essa legitimação acadêmica foi muito importante e ele acabou convencendo todo
mundo. Eu reconheço que se o Otto não tivesse feito isso, não
haveria Escola.
JR: Receitas para o sucesso?
RD: Não há receitas. Há trabalho – incessante, constante, autogerado. E uma vontade imensa de fazer melhor.
JR: Marketing pessoal?
RD: É importantíssimo. Você contrata quem você conhece. E a
confiança começa a se formar com o conhecimento. Assim, dar
aulas, escrever artigos regularmente, escrever um livro a cada
110 ano, dar entrevistas, divulgar seu trabalho, participar de seminá-
rios, congressos, conferências – tudo isso contribui para gerar
mais demanda por seu talento.
JR: Momento mais importante da vida profissional.
RD: Ainda quando trabalhava com meus pais, na loja. Aos dez,
11 anos, eu já acompanhava tudo, principalmente em promoção
no ponto de venda.
111
Marcos Magalhães
Um engenheiro no topo
Marcos Magalhães é um engenheiro pernambucano que chegou
ao top, em três décadas, tendo iniciado sua carreira na velha
Recife, na fábrica da empresa. As atividades acadêmicas, contudo,
valorizaram uma relação que passou pela Holanda e permite a
Marcos, até hoje, conversar e discutir fluentemente com seus chefes na própria língua deles – que pouca gente fala, mesmo no
resto do mundo.
Sob uma serenidade aparente, MM dirige com talento e determinação uma multinacional que está completando 75 anos de
permanência no Brasil; sempre ocupou posições de liderança; é a
sexta empresa Philips no mundo e superou a marca de 30 milhões
de unidades de produtos fabricados em Manaus.
JR: Você é o primeiro presidente brasileiro da Philips, no Brasil,
em 75 anos. Por que a Philips levou tanto tempo para nomear um
brasileiro?
MM: A Philips do Brasil operava dentro de um modelo de gestão dirigido para o que chamamos de “países-chave”. Nesse
modelo, o primeiro executivo e o responsável pela área financeira sempre foram holandeses. O Brasil é um país-chave, que
ocupa mais ou menos a sexta posição, em importância, no
mundo. Há cerca de uns cinco anos, a empresa tomou a decisão
de internacionalizar-se, em termos de gerência e alta gerência.
Este processo teve início no próprio board of management da
Philips. No alto escalão havia predominância de holandeses,
mas, de repente, ingleses, americanos e pessoas de outras nacio112 nalidades passaram a ter lugar no board. O passo seguinte foi
indicar “nativos” para a presidência da Philips, em seus respectivos países. Isto fez parte de um processo cultural e a mudança
deu-se de forma rápida, não só na América do Sul, mas também
nos Estados Unidos, na China... Minha nomeação foi uma das
primeiras, mas, nos últimos dois anos, foram designados vários
outros presidentes “locais”.
JR: Isso pode indicar – para os jovens executivos brasileiros – que
há mais chances nas multinacionais do que antigamente?
MM: Não resta a menor dúvida. Hoje tenho, sob minha responsabilidade, não só o Brasil, mas toda a América do Sul. Quando
assumi, encontrei cenários muito semelhantes na Argentina, no
Chile, na Venezuela e na Colômbia. Os presidentes da Philips
desses vários países eram também holandeses ou europeus. Parti
do princípio de que já existem executivos locais com competência e conhecimentos acumulados para assumir funções de ponta.
No período de pouco mais de um ano – com uma única exceção
– eu substituí todos os estrangeiros. O resultado tem sido excepcional e a motivação aumentou enormemente. Acho que isso
representou um sinal extremamente positivo, principalmente
para os jovens. Hoje não há limites porque a Philips opera em
cem regiões e não mais país-por-país. Um jovem executivo do
Chile, do Brasil ou da Argentina sabe que suas ambições não se
limitam mais às fronteiras de sua nação.
JR: Você está há muitos anos na Philips, não?
MM: Desde 1972.
JR: De 1972 até agora, são 27 anos na mesma empresa. Como
você chegou à Philips?
MM: Sou engenheiro, ninguém é perfeito... Terminei meu curso
em Recife, no final de 1969, e planejava fazer pós-graduação. Na
realidade, pretendia me dedicar às atividades acadêmicas. Fui
para a Holanda fazer mestrado.
113
JR: Você já estava na Philips?
MM: Não, não tinha nenhum vínculo com a Philips. Basicamente,
contei com um suporte financeiro do governo holandês e também
da Philips, porque a empresa tinha um programa de ajuda. O meu
professor de telecomunicações era belga e acabou sugerindo que
fosse para a Holanda. Fiquei dois anos, terminei o mestrado e especializei-me em telecomunicações, no momento em que a Philips
estava investindo numa fábrica em Recife. Coincidência, não?
Então, fui convidado para passar por mais um período de treinamento na Holanda e, depois, vim para Recife, para assumir a gerência do projeto de implantação da fábrica. Meu plano de vida não
era trabalhar na indústria, mas pensei: “Quem sabe, fico uns dois
anos para adquirir um pouco de experiência prática, antes de iniciar minha vida acadêmica...”. Bem, dois anos tornaram-se 27.
JR: E a vida acadêmica?
MM: Não me afastei completamente. Meu ambiente era industrial, mas dei aulas na Escola de Engenharia, na Federal e também na Politécnica. Mas, em seguida, como conseqüência natural, comecei a assumir responsabilidades na área comercial e aí a
imprevisibilidade é muito grande. Tive que abandonar a atividade acadêmica.
JR: Eu ia perguntar como você aprendeu o holandês, língua que
não é comum os brasileiros falarem, mas isso está explicado.
MM: Não sei se se trata de algo indispensável. É uma língua
falada por apenas 14 milhões de pessoas na Holanda, mais ou
menos 200 mil nas Antilhas Holandesas e mais 300 mil no
Suriname. E só.
JR: Mas isso poderia ser dito a respeito do português, apesar da
quantidade maior de pessoas que falam a nossa língua.
MM: Mas o português também é falado na China, em Macau e
114 em alguns países na África...
JR: Falar outros idiomas é indispensável para o executivo brasileiro?
MM: Dominar o inglês é condição básica. E também o espanhol,
para quem deseja fazer negócios nessa região. Não falo do “portunhol”, que é terrível. E é importante dominar uma terceira língua: o francês ou o alemão.
JR: Você fala espanhol?
MM: Falo um espanhol razoável. Não é “portunhol”.
JR: Como você evoluiu do “portunhol” para o espanhol?
MM: Sou muito curioso e interessado em línguas. Prefiro estudar um pouco mais, para falar bem. Eu me cobro nesse aspecto.
Por exemplo, acabei perdendo muito do francês por falta de prática. Mas sobre o espanhol, tive uma convivência intensa, na
Holanda, durante dois anos, com colegas da Espanha e da
América do Sul. E o meu interesse pela língua foi despertado.
Percebi que coisa terrível é as pessoas achando que balbuciar três
palavrinhas espanholas intercaladas com o português basta. Um
absurdo. Mas estudei um pouco e com, relativamente, pouco
esforço você chega a falar espanhol razoavelmente bem.
JR: A revista The Economist publicou, há uns dois anos, um
suplemento sobre o Brasil em que faziam críticas aos nossos políticos, mas reservaram elogios aos executivos brasileiros, dizendo
que estavam entre os melhores do mundo. Você concorda com
isso?
MM: Acho que o executivo brasileiro – principalmente o que se
preocupou em adquirir um bom nível educacional – acaba, de
fato, tendo um papel de destaque. Isto se deu, principalmente,
por causa das circunstâncias em que o Brasil vivia, até meados dos
anos 90. O número de variáveis e de incógnitas que tínhamos que
gerenciar era enorme. O executivo brasileiro funcionava numa
instabilidade muito maior do que o executivo europeu. A instabi- 115
lidade, a incerteza, a alta inflação, a imprevisibilidade faziam com
que qualquer planejamento de negócios aqui no Brasil se tornasse
um exercício dificílimo. Mas isso apurava muito a competência
do executivo brasileiro, principalmente no processo de tomada de
decisões em situações de mudança – porque o pior que pode
acontecer para um executivo é a estabilidade.
O pior que pode acontecer para
um executivo é a estabilidade.
JR: A estabilidade?
MM: Sim. Do ponto de vista da formação, da capacitação de um
executivo, estabilidade é a pior coisa que pode acontecer na sua
vida.
JR: Se depender disso, os brasileiros serão os melhores executivos
do mundo.
MM: Não tenho dúvidas. Veja o caso do Gustavo Franco. Esteve
na Europa, fazendo uma apresentação, em Genebra, para as
maiores autoridades financeiras do mundo, como o Greenspan.
Qual o país que teria como presidente do Banco Central um
jovem de trinta e poucos anos de idade? Neste país, temos jovens
brilhantes.
JR: E qual tem sido a sua impressão dos jovens formados pelas
escolas de administração, no Brasil?
MM: Temos dois programas dirigidos aos jovens executivos. Há
um programa de trainees, em que buscamos atrair jovens talentos
das escolas de administração do Brasil, e um programa MBA, na
Fundação Getulio Vargas, para os jovens que já estão na empresa
116 e que consideramos que têm potencial. Costumo sentar-me com
esses jovens, para conversar e trocar idéias. Obviamente, as qualidades do jovem têm muito a ver com a qualidade da escola que
freqüentaram. Mas, de maneira geral, o nível é bastante bom.
JR: Você fala em jovens graduados.
MM: Sim, jovens com graduação, que se encaminham para o
mestrado. Fazemos uma primeira seleção entre trainees já graduados. Os que ficam são observados e, quando demonstram
potencial, tornam-se candidatos aos postos-chave.
JR: Entre os novos produtos, lançados pela Philips no Brasil, qual
está obtendo maior sucesso?
MM: O nosso gravador de CDs tem um apelo extremamente
forte. Ele atrai por ter duas aplicações básicas: uma é poder
transformar sua coleção de LPs em CDs, preservando seu patrimônio; outra é “customizar” os seus CDs com suas músicas
favoritas. Outra vantagem é poder presentear um amigo com
uma gravação particular. Isso tem um apelo muito forte. O
outro produto é o DVD – Digital Video Disc – disco digital
idêntico a um CD com filmes longa-metragem com som e imagens gravados digitalmente, com 32 opções de legenda e oito
opções de trilha dublada, que vai ter uma penetração muito
grande no ambiente doméstico. É um entretenimento que pode
ser operado como uma máquina de videogame para as crianças
ou para o home-cinema. A qualidade é excepcional, mas é claro
que a velocidade de decolagem do DVD será em função da disponibilidade de títulos. O CD Áudio levou cinco anos para
decolar, o DVD deve fazê-lo mais rapidamente. O CD Áudio
representava uma tecnologia completamente nova, mas acreditamos que é um produto que vai vender por muito tempo. O
terceiro produto é a TV de tela plana, mas que ainda atinge um
segmento de mercado muito restrito, pois o preço, por enquanto, é alto: 25 a trinta mil dólares.
117
JR: E não é um contra-senso vocês usarem um comercial para
divulgar esse produto, tão caro, como uma economia de espaço?
MM: Estamos no início de um processo. O apelo à economia de
espaço foi para destacar o diferencial de um produto que você
pode realmente pôr na parede. Mas certamente o produto vai cair
de preço, como tem acontecido com todos os produtos de consumo. Daqui a um par de anos, estaremos falando numa fração desse
preço de hoje. Mas como uma solução tecnológica para autodefinição, para a TV digital, é extremamente importante. Estamos trabalhando o aspecto criação para despertar o consumidor para uma
nova geração tecnológica, para a televisão do futuro. Nosso objetivo de curto prazo não é de vender grandes volumes.
JR: E o caso do DVD? Houve algum acordo da indústria para evitar o que aconteceu com o home video? Porque acho que o consumidor fica preocupado com a aceleração tecnológica e tem
receio de adquirir algo que será obsoleto rapidamente.
MM: Para sua primeira pergunta, a resposta é sim. Não teremos,
com o DVD, aquela disputa entre três sistemas que houve no
caso dos videocassetes – VHS, Beta e V 2000. Para o DVD, a
Philips liderou um consórcio, que foi agregando vários participantes, e, hoje, existe um padrão mundial. O consumidor pode
ficar tranqüilo, pois o produto terá vida longa. Claro que sempre
haverá produtos com mais facilidades, com mais features. Mas a
tecnologia básica do DVD será tão duradoura quanto a do CD
Áudio. Quem comprou um CD Player há dez anos, sabe que
ainda hoje pode usá-lo. A funcionalidade vai aumentar, expandir-se, mas a tecnologia básica será a mesma...
JR: Como consumidor, fico irritado quando compro um novo aparelho, que vem acompanhado de um manual de instruções de 300 páginas! Será que, no futuro, só Ph.D.’s vão poder comprar as novidades?
MM: Essa dificuldade é universal. A tendência, daqui para a
118 frente, é que um conjunto básico de instruções de operação de
qualquer produto seja cada vez mais parte integrante do software
daquele produto. Na verdade, em relação aos produtos eletrônicos, existem três pilares básicos. Dominando a tecnologia desses
três pilares básicos, uma empresa pode construir qualquer produto eletrônico. O primeiro deles é o display, que é o meio de
comunicação da máquina. Ele pode ser um display de tecnologia
convencional, pode ser um como aquele ali ou pode ser um plasma; o certo é que sempre haverá um display como meio de
comunicação. O segundo pilar são os chips, ou seja, os circuitos
integrados onde está a memória, a inteligência residente do produto. O terceiro é o software, é a programação. A variabilidade
nessas três dimensões é o que torna um produto diferente de
outro. Hoje, uma televisão é uma televisão. O que diferencia o
fabricante A do fabricante B são o design, os chips que cada um
coloca no produto e muitos, muitos softs. A mesma coisa vai se
aplicar a qualquer outro produto. Mas os softwares desses produtos de consumo ainda não são tão poderosos como os softs de
um PC. Mas os televisores ou os videocassetes vão ficar cada vez
mais potentes, e em relação a uma parcela cada vez maior das
instruções que o usuário vai ter de seguir, ele vai poder interagir
com o aparelho. Eu concordo com você que, atualmente, esses
manuais são uma chatice.
JR: Algumas provedoras de TV a cabo funcionam assim, interagindo...
MM: Sim, você já tem, no seu controle remoto, um cardápio,
que vai operando. Na realidade, o grande precursor desse processo foi exatamente a Apple, que procurou transformar o computador em algo agradável.
JR: Até hoje, eu não consigo usar Windows. Fiquei com o
Macintosh.
MM: A pessoa se habitua. Meu primeiro computador foi um
XT2C, uma maquininha fácil de usar, mesmo para o leigo. Mas
os primeiros contatos com aquela máquina foram horrorosos. Os 119
softs do Microsoft eram muito mais para programadores do que
para os usuários comuns. Na minha opinião, o manual deve estar
a serviço dos que têm mais curiosidade, ou querem mais detalhes
em relação às potencialidades do equipamento. As coisas começam a migrar nessa direção. Nas próximas gerações de produtos
nossos, vai ficar mais e mais visível.
JR: Numa entrevista com o Carlos Salles, da Xerox, ele declarou
que diz aos jovens que se devem preparar para um mundo com
cada vez mais trabalho e cada vez menos emprego. Qual é a sua
visão?
MM: Eu concordo. Na realidade, os conceitos de emprego, de
empregabilidade vão mudar profundamente nos próximos anos.
Estar vinculado a uma empresa com esse modelo vai, ao longo
do tempo, sofrer uma profunda transformação. Hoje a imprensa
diz que “X por cento da população brasileira vive da economia
informal...”. O enfoque está absolutamente errado. Pode ser
informal porque não tem mecanismo de coletar impostos. Mas,
nesse modelo, vejo que a população brasileira está buscando,
com criatividade, uma forma de conseguir mais trabalho sem
necessariamente ter um emprego. Na minha opinião esse processo deveria ser mais estimulado do que criticado. Esse é o modelo
do futuro. Implica trabalhar em casa, buscar os próprios recursos, criar a sua base de clientes, tudo fundamentado no que você
conhece. Menos indústria e mais serviço: essa é a direção em que
as coisas vão caminhar.
O brasileiro está buscando,
com criatividade, uma forma
de conseguir mais trabalho
sem necessariamente ter um emprego.
JR: E você acha que o governo brasileiro está em sintonia com isso?
MM: Para que esse modelo tenha sucesso, é preciso investir na
120 formação das pessoas. Vamos ter que criar milhões de pequenos
empresários, empreendedores que vão ser donos de seus próprios negócios. Acho que o nosso grande desafio é na educação.
Veja o caso da Coréia. Em um período de mais ou menos 15
anos, a população do país saiu de uma média de três anos e meio
de escolaridade para 12 anos! Isso explica o salto dado pelo país.
Ou nós investimos nessa área, ou vamos criar uma população de
microempresários com baixo grau de escolaridade e, conseqüentemente, de baixo grau de produtividade.
JR: Então, você vê a proliferação de micros e pequenas empresas
no Brasil como fator negativo?
MM: Não. Esse caminho é inevitável, aqui e lá fora. Mas no
Brasil isso acontece como conseqüência da crise econômica. Só
que, para que alguém possa ser dono do seu nariz, montando o
próprio negócio, precisa ter um mínimo de educação. Como
fazer um planejamento, como definir uma estratégia, como executá-los, como atender um consumidor, como pagar os impostos? Deve-se passar da informalidade para a formalidade e o processo pode ser otimizado se investirmos em preparar esses
pequenos empresários para esse futuro inevitável.
JR: Você não acha que existe uma certa cultura “antibusiness”, no
Brasil?
MM: Talvez. Porque temos vários “brasis” no nosso território.
Talvez em certas regiões – até mesmo de onde eu venho – o
empresário ainda seja visto um pouco como vilão. Mas não acho
que seja a tônica no Brasil como um todo. Já evoluímos bastante
e, inclusive, o papel do governo no setor produtivo – depois que
o processo de privatização foi detonado – tem-se reduzido. Por
isso eu acho que a idéia de o governo ter responsabilidade produtiva vai-se reduzir pela própria redução da oferta de emprego por
parte do governo. O processo de negociação política vai ficar
mais transparente. O processo de privatização fez com que ofertas
de cargos, posições etc. fossem reduzidas. Mas, claro que temos
um problema cultural desde a época dos jesuítas, quando ganhar 121
dinheiro, obter lucro, era considerado pecado. Havia até uma
passagem, na Bíblia, que dizia que quem tivesse lucros jamais
entraria no reino dos céus. É uma cultura bem diferente da americana, onde o lucro é considerado justa recompensa do esforço de
cada um. Durante muito tempo, nas regiões menos desenvolvidas,
o empresário era tido como um explorador, e o empregado como
um coitado. Mas acho que vai ficando coisa do passado.
JR: Qual, é hoje, o negócio da Philips?
MM: A Philips é uma empresa eletrônica, que tem a preocupação de estar sempre junto ao consumidor, quando se desloca, na
sua casa, quando ele tem a preocupação de tratar da saúde. Em
casa, estamos junto ao consumidor com sistemas de iluminação,
com aparelhos de entretenimento doméstico, como televisores,
videocassetes, som etc. Quando ele está em deslocamento, estamos com ele, por exemplo, ao carregar no bolso um telefone
celular, ao levar um hand-held PC, que é um computadorzinho
portátil, ao utilizar seu diskman. Quando o consumidor vai a um
hospital fazer ultra-sonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética ou um raio X, ele vai encontrar a Philips
presente. Quando a esposa vai à cozinha preparar a comida e usa
produtos Wallita, ela está com a Philips. Procuramos fornecer
meios para o consumidor se sentir satisfeito, estando sempre
junto deles. Esse é o objetivo.
JR: Ele não é um pouco amplo?
MM: Sim, mas a eletrônica hoje é ampla. Era estreita, quando
comecei há muitos anos. Hoje, a vastidão da eletrônica é impressionante: atinge quase tudo, do ponto de vista do suporte à nossa
forma de viver.
JR: Por que você acha que a Philips teve sucesso com a política de
manter a marca numa grande variedade de produtos?
MM: Há uma diferença. Nossos consumidores não engolem os
122 produtos Philips, diferentemente do que acontece com uma
Nestlé ou Parmalat. No máximo, chegamos aos seus ouvidos,
pois fazemos equipamentos de surdez também. O nosso ramo de
negócios conduz, mais e mais, a um envolvimento emocional
entre o produto e o consumidor. Estamos migrando para uma
sociedade sem necessidades físicas. Na Europa, e em certas
regiões dos Estados Unidos, o estímulo para alguém sair de casa
e comprar um aparelho de TV ou de som tem mais a ver com
emoção e sedução do que com necessidade. O aspecto emocional envolve também a marca do produto: o consumidor deve
sentir-se bem com ela; deve ver nela uma qualidade intrínseca;
ver nela possibilidades de continuidade e da certeza de que tem
boa tecnologia. Hoje, isso é comum até na área de áudio para
crianças. Elas têm orgulho de ter um certo equipamento, com
uma certa potência e aplicação, como as pessoas que guiam têm
orgulho de ter Mercedes, BMW etc. Dentro desse contexto, se
você opera com multiplicidade de marcas, dificilmente vai criar
um link emocional. É como um rapaz que tem cinco namoradas:
acaba não amando nenhuma. A Philips tinha muitas marcas no
passado, mas resolveu adotar a política de uma empresa identificada de forma unívoca em todo o mundo, cuja marca deve ter
uma relação afetiva – e efetiva – com o consumidor. Procuramos
soluções multifuncionais para os produtos do futuro. Essa mesa
poderá ser só uma mesa, ou vai ser, digamos, também uma lâmpada; vai acender no meio da sala, para iluminar. Uma caixa
acústica vai ser também um jarro. Temos que gerar emoções, e o
impulso de compras será mais por esse caminho do que pela
necessidade. Quando não tenho necessidade e compro por emoção, prefiro comprar uma marca com a qual me identifico, que
seja confortável.
JR: E quem é o Philips da marca? Houve um Sr. Philips?
MM: Sim, existe a família Philips. Em meados do século passado, o filho de um banqueiro na Holanda, o Gerhard Philips, era
engenheiro, e pediu ao pai alguns milhares de florins, porque
achava que tinha uma excelente idéia para desenvolver e fabricar
lâmpadas. O velho Philips resolveu investir a quantia, meio a 123
fundo perdido, mas o negócio deu certo. Gerhard Philips criou
um processo industrial para fabricação de lâmpadas quase ao
mesmo tempo que Edison desenvolvia o seu, nos Estados
Unidos. No final do século, havia na Europa uma grande demanda por iluminação, e o irmão dele, Anton, que era um gênio para
comerciar, entrou alguns anos depois na empresa e foi a grande
alavanca.
JR: A Philips holandesa patrocina uma equipe de futebol, o PSV
Eindhoven, onde atuaram o Ronaldinho e o Romário. Como é
que deixaram esses craques irem embora?
MM: Isso é investimento. O PSV opera como empresa: compra
e vende seus artigos no momento.
JR: A Philips não tem nenhum investimento específico em esporte
por causa do PSV?
MM: Não. O time foi, de fato, criado como o time da Philips,
mas foi evoluindo. Hoje a Philips tem assento no board do PSV,
mas ele opera como uma empresa. A Philips não tem patrocinado futebol fora da Holanda.
JR: Um outro aspecto que interessa a nossos leitores é a comunicação. Vocês trabalham com duas agências de propaganda ligadas
a multinacionais: uma é ligada à DMB&B e a outra, à Euro.
Como é que você vê essa questão do alinhamento internacional
de agências?
MM: Sobre os prós e contras de um modelo ou de outro, poderíamos discutir até amanhã. Historicamente, a Philips operava
quase só em base local, do ponto de vista de agências e campanhas. Eventualmente, tínhamos alguma campanha global, institucional. Mas em produtos, principalmente, todo o processo era
sempre decisão local, associada a agências locais. Mas, há três
anos, foi tomada a decisão de alinhar a Philips, mundialmente,
124 com duas agências: a Euro e a DMB&B. Você pode imaginar
que, de início, houve um certo tumulto, porque trabalhávamos
com algumas agências há vinte anos ou mais. Já havia uma química – na agência, a parte química é extremamente importante.
Tivemos que retomar o processo quase que do início com as
novas agências. A Salles já atuava no passado, mas a Euro nem
existia no Brasil. Mas, hoje, acho que a decisão foi correta, deduzidos os tumultos iniciais da reaprendizagem e da busca da química, um processo que leva tempo. Hoje temos produtos globais
e clientes globais, como o Carrefour e o Makro e, além disso,
clientes que formam cadeias regionais na América do Sul. É
importante que também tenhamos uma mensagem única, bem
definida, focada no consumidor. Muitas das negociações de
mídia já são regionais e algumas, globais.
JR: Você está falando das vantagens. E as desvantagens?
MM: É muito difícil alguém ser tão eclético que consiga entender a diversidade das populações da América do Sul. Há territórios e ambientes diferentes, um coração brasileiro, um coração
argentino etc. Chegamos a pensar: “As pessoas locais entendem
muito mais a forma de linguagem, a forma de estabelecer contato com o consumidor do país A, B ou C.” O fato de ser difícil
alguém entender totalmente os anseios das pessoas da América
Latina foi uma desvantagem, inicialmente. Para superar esta dificuldade, decidimos pela proliferação de filiais das agências nos
respectivos países. Procuramos, ainda, ter um “sabor” local, mas
dentro de um contexto mais amplo. A campanha dos startronics,
por exemplo. Cada região tem o que chamamos de um brandchampion e, junto com o pessoal de criação, foram criando uma
campanha onde o sabor local era trazido por pessoas das respectivas regiões, que participaram do processo inteiro. Procuramos
minimizar a desvantagem de não ter sabor local, através do processo participativo.
JR: Mas sempre haverá melhores slogans, por exemplo, em português, do que a tradução do “Let’s make things better...” como
“Fazendo sempre o melhor”. Afinal, “Let’s make things better” 125
não é “Fazendo sempre o melhor”. Ponto número dois: “Let’s
make things better” pode não ser o melhor slogan para a Philips,
no Brasil. Pode haver um melhor.
MM: O “Let’s make things better”, na realidade, é mais que um
slogan. Pode haver melhores. Mas uma companhia tem uma
marca e uma mensagem global. Esta frase traduz um conceito de
uma forma curta; passa a sensação que queremos transmitir para
o nosso pessoal e para o consumidor que somos eternos insatisfeitos. Pela posição que temos no mercado, pela preferência do
consumidor, poderíamos dizer: “Estamos fazendo muito bem...”
Mas temos que nos dizer: “Ainda não é suficiente.” A busca pela
qualidade e pela satisfação do consumidor é permanente.
Portanto, “Let’s make things better” traz esse conceito embutido.
JR: No Brasil existe uma “Phillips”, com dois “ll”. Tem havido
algum problema de convivência com essa outra marca, além de
os jornalistas grafarem o nome de vocês com dois “ll”?
MM: Não. Há uma convivência pacífica. A outra empresa comporta-se muito bem, nunca procurou explorar a situação e mostra-se muito séria. Já o tipo de letra do nome é muito parecido,
mas há tempos resolvemos que o assunto não era importante.
JR: Sobre Marcos Magalhães…
MM: Casado, dois filhos.
JR: A mulher é profissional?
MM: Minha mulher é socióloga, mas largou a profissão para me
acompanhar. Também era decoradora, experimentou um pouquinho ser microempresária...
JR: E os filhos?
MM: Juliana terminou publicidade em Boston, está formada e
126 trabalha numa empresa lá, está adquirindo experiência. Prova-
velmente, no próximo ano, ela inicie seu mestrado em marketing. Meu filho também foi para Boston em meados desse ano e
está fazendo Business Administration na Boston University. Deve
permanecer por lá três ou quatro anos.
JR: E se tiver de dar conselhos aos jovens, o que você diria para eles?
MM: Considero que esse período dos jovens na universidade é
um dos mais ricos; uma fase de descobertas, de exercício da
curiosidade. Pena que só se percebe essa riqueza muito tarde e o
espírito de curiosidade nem sempre é posto para fora. As escolas
têm obrigação de criar esse espírito de curiosidade, de insatisfação permanente dos estudantes, que estão em busca de respostas
e soluções para tudo. Procuro dizer aos jovens em início de carreira o que disse à minha filha quando acabou a escola e ia começar a trabalhar: “Se você vai ser uma profissional, precisa definir
seus valores, aquilo em que acredita e que vai praticar. Qualquer
que seja esse conjunto, não abandone a integridade, no sentido
mais amplo. Quando for iniciar sua vida profissional, lembre-se
sempre do verbo “dividir”. Procure buscar uma forma de dividir
conhecimento, de ajudar as pessoas ao seu redor e o retorno virá
numa velocidade maior do que imagina. Aspecto comunicação:
Questione, questione, questione, comunique. Não é demérito
um profissional recém-formado dizer “não sei”. Ninguém espera
dele que tenha respostas para tudo. É preciso ter toda a abertura
possível para aprender, para dividir e para cumprir aquilo que
promete, porque o que um profissional constrói ao longo de sua
vida é credibilidade. Ele vai construir seu nome cumprindo o que
promete. E com uma característica: é preciso fazer bem e fazer
bem logo na primeira vez. Se ele começa a fazer bem só porque
está pensando na recompensa que vai ter, ele é o que eu chamo
de “carreirista”. Este, em geral, não se dá bem na vida profissional. Se a pessoa trabalhar bem, porque isso lhe dá satisfação profissional, a recompensa aparece, vem naturalmente ao longo do
tempo.
127
Procure buscar uma forma
de dividir conhecimento,
de ajudar as pessoas
ao seu redor e o retorno
virá numa velocidade
maior do que imagina.
JR: Receita de sucesso.
MM: Acredito que há três condições necessárias ao sucesso no
mundo dos negócios: 1) uma formação educacional/acadêmica
sólida, que proporcione base educacional, de forma a possibilitar
ao executivo um perfil multidisciplinar (não basta ser apenas bom
engenheiro, bom economista ou bom administrador, mas tudo isso
junto); 2) escolher — e saber gerenciar — os melhores talentos; 3)
respeitar com consistência e determinação seus objetivos. A essas
três condições eu acrescentaria uma pitada de sorte. E sorte, para
mim, é a combinação de competência com oportunidade.
JR: Já praticou o marketing pessoal?
MM: Não pratico, não precisei usar e tenho dúvidas quanto à
validade desse tipo de abordagem. Acredito que o marketing de
um executivo é o seu track-record. Prometer e cumprir é o
melhor marketing pessoal para um executivo moderno.
JR: Momento de definição em sua carreira.
MM: Depois de 15 anos respondendo pela área industrial da
área de telecomunicações da Philips, foi-me dada a oportunidade
de gerenciar também a área comercial. Esse contato com o mercado, que iniciei em 1979, foi marcante para que eu pudesse
visualizar claramente que o business management era o que eu
realmente desejava fazer em termos profissionais.
128
Nizan Guanaes
Publicitário com jeito de padeiro
Como outros publicitários da minha geração (mais de 50), conheci Nizan Guanaes (acaba de fazer 40) bem no seu comecinho. E
desde o começo, Nizan sempre fez barulho: na baiana DM9 (iniciais de Duda Mendonça, seu primeiro chefe), na carioca Artplan,
onde foi um dos responsáveis pelo que os colunistas publicitários
escolheram como a melhor campanha de propaganda brasileira
em todos os tempos; e como seguidor de Washington Olivetto
quando este saiu da DPZ para fundar a W/Brasil. Tudo isso antes
de se tornar, no Brasil, uma verdadeira celebridade, ocupando,
com Duda Mendonça, a capa e muitas páginas da revista Veja.
Mas acho que conheci o verdadeiro Nizan em Belém, numa
palestra que fez, num congresso de marketing em que estivemos
juntos. Chegando de Brasília, esbaforido, de jeans, a camisa fora da
calça, iniciou dizendo: “Eu sei que não pareço um publicitário. Os
publicitários se vestem bem, usam blazer Burberry e sapatos Gucci.
Eu pareço um padeiro.”
Nizan, hoje, na chefia de sua charmosa DM9, em São Paulo,
associada ao grupo internacional DDB, parece qualquer coisa,
menos um padeiro. Mas acho que o segredo do seu sucesso como
publicitário é justamente fazer propaganda como padeiro faz pão.
Com muita naturalidade.
JR: Direto ao assunto: propaganda é coisa séria?
NG: Tanto é que me dedico a ela há vinte anos e é uma das poucas indústrias em que o Brasil tem excelência mundial. Por exemplo, eu estou justificadamente contente porque o cinema brasilei- 129
ro teve duas indicações para o Oscar, o que é uma maravilha.
Mas isso é uma coisa que a propaganda brasileira faz todo ano:
competir e ganhar muitas vezes. Acho que é preciso fazer essa
análise para ver a excelência da nossa publicidade.
JR: Fale um pouquinho dos seus começos: você nasceu na Bahia...
NG: Nasci na Bahia, meus pais eram de classe média baixa, meu
pai chegou a ser médico, mas até os 17 anos mal sabia escrever.
Depois fez “madureza” e formou-se com 33 ou 34 anos, tanto
que eu fui na formatura dele. Aí foi para Londres, e todos fomos
juntos. Fiquei dois anos na Inglaterra e um ano na Escócia, uma
coisa que me ajudou muito na vida, pela fluência no inglês e para
ver o “exterior” como uma coisa normal. São duas características
do meu trabalho e da DM9. Aí voltei para Salvador, estudei no
Colégio Marista, fiz o colegial e a faculdade de administração,
que é outra coisa importante da minha vida, porque me deu
objetividades, uma visão de negócios. Recentemente, um sujeito
de quem até gosto muito – mas um pouco ranheta – fez um artigo, achando que estaria ou me ofendendo, ou gozando, ao me
chamar de “negociante”. Mas eu sou um negociante – primeiro
por raiz, porque minha mãe é libanesa, eles são negociantes há
quatro mil anos...
JR: E o “Guanaes”?
NG: Guanaes é índio, dessa tribo dos guaianazes de São Paulo.
Por isso, costumo dizer que estou voltando para casa. Mas eu sou
negociante mesmo, tanto que tenho uma agência que não tem o
meu nome, juntei-me a uma outra que também não tem o meu
nome, vendi parte da agência quando achava que o câmbio estava adequado e tinha encontrado o parceiro certo – e acho que fiz
um negócio extraordinário, porque qualquer agência que vá ser
vendida agora vai ser vendida pela metade do preço porque o
130 câmbio mudou.
JR: Quem tiver agência para vender deve esperar?
NG: Até ter paridade, mas eu acho que temos aí um século para
acontecer isso novamente. Mas, retomando, a faculdade de
administração deu-me essa visão de gestão, de gerência, de prioridade, o olho para o negócio. Eu saí da faculdade de administração e fui trabalhar com Duda Mendonça, na DM9 que era dele.
JR: Foi quando começou em propaganda. Por que você foi trabalhar lá?
NG: Porque meu pai era amigo da família do dono, pediu um
lugar para o filho dele. Na época, em Salvador, as pessoas iam
trabalhar com o Rodrigo, na Propeg, ou com o Duda.
JR: E por que o Duda?
NG: Porque ele realmente brilhava – como hoje ele brilha na área
de marketing. Naquele momento ele brilhava, com aquela agência fora do eixo Rio/São Paulo, muito criativa, muito instigante...
JR: Vamos voltar daqui a pouco à propaganda, mas me fala um
pouco de sua família, da sua mãe.
NG: Minha mãe é uma figura admirável, porque é uma mulher
de 1930 que é engenheira econômica formada, com pós-graduação em Londres, um negócio raro, sobretudo na Bahia daquela
época. Ela sempre foi uma mulher de esquerda e acho que por
isso eu sou um capitalista, porque nasci numa família de esquerda. Minha casa parecia um “aparelho”. Eu nasci em 1958 e
minha mãe era uma mulher de visões muito claras, muito abertas.
JR: Irmãos?
NG: Somos quatro: André, que é médico; Joaquim, que trabalha
nos Estados Unidos; João, que trabalha comigo aqui (saiu, depois
voltou e trabalha em marketing), e é um craque, depois eu.
131
JR: Qual é a ordem?
NG: Eu sou o mais velho, depois o Joaquim, depois o André, e o
caçula que é o João. Meu pai foi um médico fantástico, e teve
uma história de muita dificuldade, viveu aquela pobreza lá do
remanso do São Francisco, as lutas sangrentas, lá da Guerra da
Carnaúba, meu avô perdeu vários irmãos nessa guerra por disputa de terras e esses Guanaes, que eram lutadores danados, todos
vieram para a cidade trazendo meu tio Litelton. Aliás, minha
família tem uma característica bem nordestina, que são os nomes
complicados: Litelton, Sócrates, Urânia, Ateópito, Mozart.
JR: Até Nizan...
NG: Nizan, que era o nome do meu tio, é um mês do calendário
hebraico.
JR: Vendo você aqui sentado, olhando para toda a agência, parece
que hoje administra mais do que cria.
NG: Tenho procurado inverter um pouco um papel que, ao
longo dos dois últimos anos, se exacerbou, que era o de eu administrar mais do que criar. Agora estou com muita disciplina, trabalhando de novo na criação, fazendo dupla com diretor de arte.
Tanto que tenho evitado dar entrevistas, porque esse tempo
“sangra” o meu tempo de estar na máquina – eu não trabalho
com computador, trabalho com a minha velha Olivetti.
JR: Mas você hoje é também um homem público.
NG: Quando cheguei na publicidade, os publicitários falavam
muito sobre hambúrguer, sobre onde tomar martíni em Nova
York, em Paris, onde comprar CD’s, onde comprar gravatas etc.
Eu achava que aquela postura, embora desse um charme maior
do que a antiga visão de publicitário – que era a de um sujeito
que andava de pick-up pelo interior – ainda não era o certo. Tive
132 a preocupação de não encarnar aquele estereótipo, com o paletó
desestruturado... Eu prefiro ter uma participação comunitária,
social, ser visto pelos empresários na hora em que eles pensam em
fazer a campanha da Fiesp. Ou na hora em que eles pensam
em fazer uma campanha de mobilização, ser lembrado por grupos culturais da cidade. Hoje, a DM9 é a agência do MASP, do
Teatro Municipal, ajuda, às vezes, o MAM, ajuda a Associação
de Estudos Psiquiátricos – quer dizer, é uma empresa que tem
uma atividade comunitária, ativa, e que tem também participação em momentos fundamentais do país. Que outra agência,
nesta década, participou da eleição direta de um Fernando
Henrique, depois da campanha de reeleição? São três momentos
muito fortes da vida do país em que a agência esteve presente.
JR: Continua?
NG: Não. No ano passado, por causa da morte do Geraldo,
fiquei seis meses, praticamente, fora da agência, isso é ruim.
Acho que foi muito bom para o país, me orgulho, não me arrependo, mas acho que já dei minha contribuição. Agora é hora de
estar do lado dos meus clientes.
JR: Foi nessa época que você e o Duda saíram na capa de Veja,
chamados de “marqueteiros”. Você gostou de ser chamado de
marqueteiro?
NG: Não. Essa denominação é verdadeiramente fuleira.
Marqueteiro é quem faz um trabalho de marketing malfeito no
marketing político.
JR: Por que marketing político e não marketing em geral?
NG: Porque aquilo é uma denominação atribuída aos homens
de marketing político – quem faz o marketing normal não é
chamado de marqueteiro. Marqueteiro é uma degeneração,
uma opinião dos jornalistas sobre as pessoas que trabalham
nessa área. Não é totalmente infundada, essa opinião, porque a
visão que se tinha era da manipulação, pegar, cuidar de uma 133
pessoa como se fosse um produto. A origem desse preconceito
vem daí. A segunda origem é econômica, porque esse trabalho é
bem remunerado e você sabe que sucesso, no Brasil, costuma ser
um problema de ofensa pessoal. No meu trabalho, não mudo
óculos, não mudo penteado, não digo às pessoas o que vão
fazer... Além do mais, só trabalho para grandes homens, pessoas
que respeito. Não faço quatrocentas campanhas ao mesmo
tempo; só faço campanha de gente em quem acredito. Hoje,
posso me dar esse luxo, mas não vou mais fazer campanha política. Fiz a de Fernando Henrique, porque gosto dele, acredito
nele. Ele pode estar passando por um momento difícil, mas continuo acreditando, continuo achando que o governo pode ter
cometido erros técnicos, mas é um governo sério. Acho que o
Brasil está melhor do que estava. Para sairmos dessa situação de
pobreza, de problemas, não tem jeito mesmo... o governo erra
tentando acertar. É um grande governo de um grande presidente. Mas, agora, a minha área é a iniciativa privada, é nela
que a DM9 vai focar. A DM9 pode até atender contas do governo, mas não fará mais campanhas políticas.
O sucesso, no Brasil, costuma
ser um problema de ofensa pessoal.
JR: Isso é oficial?
NG: É público e notório, mas muitas pessoas ainda não acreditam.
JR: Voltando à propaganda: você se uniu à agência mais criativa
americana depois que ela deixou de ser criativa. Como é isso?
NG: Não concordo. O grupo DDB é, internacionalmente, o
mais premiado. Tem sido nos últimos quatro anos consecutiva134 mente.
JR: Mas você não acha que aquela DDB do Bill Bernbach não
existe mais?
NG: Aquela DDB era uma só, a DDB do Bill Bernbach. Hoje, estamos falando de uma “média” DDB. De uma DDB que é uma federação, a DDB de Nova York, a DDB de Chicago, que é a DDB da Palmer
Javis, que é a melhor agência do Canadá, que é a DDB da BMT, que
é a melhor agência da Inglaterra, que é a DM9, que é a DDNB da
Paradise da Suécia, quer dizer, é uma federação de grandes agências, unidas por um background criativo.
JR: Você se sente inteiramente à vontade nesse grupo?
NG: Absolutamente, e inclusive tenho muito orgulho de fazer
parte do board da DDB.
JR: E esse board faz o quê?
NG: Administra a empresa, toma todas as decisões estratégicas e
táticas.
JR: Quantas pessoas estão nele?
NG: Quinze. E reúnem-se em vários lugares: duas ou três vezes
em Nova York e o resto pelo mundo. Uma das coisas que nós
vamos discutir é a comemoração do nosso aniversário, a DDB fez
50 anos e estamos planejando uma festividade. Todos os números
confirmam a liderança criativa da DDB. No ano passado, fomos
International Network of the Year, eleitos pela Ad Age e, nos últimos três anos, os mais premiados na maioria das premiações.
JR: E a DM9?
NG: A DM9 fez nove anos em 1999 e dez anos no próximo ano.
Nós tínhamos uma série de coisas previstas mas, em função de
toda essa crise, vamos adiar a festa. Como disse, estamos focados
em dar atenção aos nossos clientes e cuidar do nosso negócio. 135
Quando as coisas se estabilizarem, vamos pensar na comemoração dos nossos dez anos.
JR: Será que propaganda é uma coisa que vai existir ainda, daqui
a cinco anos?
NG: Vai existir, se soubermos acompanhar o tempo. Acho que os
publicitários têm que caminhar um pouco na direção do papel
que têm os consultores. Eles precisam saber mais do negócio, têm
que entender que a coisa não é só anúncio, hoje o que se busca é
solução e quem ficar pensando só em trinta segundos de televisão
e anúncio de jornal e revista, está morto. Veja como o Euro foi
lançado, na Europa, com brincadeiras de rua, com palhaços mostrando a moeda, enfeites nos parques, com quebra-cabeças nas
mãos das crianças, quer dizer, todo um trabalho conjunto de
comunicação. Isso não significa – e eu sempre defendo isso – que
uma agência de publicidade tem que fazer tudo, mas ela tem que
pensar em tudo e ela tem que orquestrar. Ela não precisa ser a
orquestra, mas pode ser o maestro. Eu não gosto – embora seja
uma tendência das agências – de ter milhões de atividades. Prefiro
que a DM9 seja o maestro desse processo e trabalhe com outros
fornecedores. Quem ficar atento a isso, quem tiver uma visão
ampla, vai sobreviver, mas muita gente vai morrer.
JR: Qual a principal diferença entre o publicitário de dez anos
atrás e agora?
NG: Acho que, no Brasil, foi para pior. Há uma nova geração
muito deslumbrada com títulos, com pastinhas, com anunciozinhos dos próprios publicitários. Acho que está faltando um
pouco dos ingredientes da rapaziada “da antiga”. A mescla de
gerações seria benéfica.
JR: Você está falando da geração que hoje tem trinta anos?
136
NG: Que tem 25. Acho que eles precisam tomar cuidado.
JR: Você não está sendo muito crítico?
NG: Estou sendo crítico, não estou sendo pessimista. Acho que a
nova geração tem que ter um pouco mais de base mercadológica,
de preocupação de vender, a publicidade não é uma piada, ela é
feita para vender. Se esquecermos disso, nós não teremos produto a vender. Num mercado de comissão aberta, se você não tem
valor, está perdido. Você é uma commodity.
JR: Mas a meninada não deveria estar melhor preparada? Afinal,
todos eles fazem faculdade.
NG: Fazem, mas não tenho visto essa melhoria. O que tenho
visto é uma preocupação muito grande com a “marca” artística e
uma certa despreocupação com a área mercadológica.
JR: E o atendimento, vai continuar existindo?
NG: Acho que vai evoluir. O atendimento tem que caminhar
ainda mais para se tornar um consultor. O homem de propaganda tem de entender profundamente da marca, tem que ir a grupo
de discussão, tem que entender de embalagem, tem que ter uma
visão tão mais profunda, mais requintada da marca, do que simplesmente ler um briefing e ter uma idéia.
JR: Conversando com o professor Gracioso na ESPM, ele comentava que há uns trinta anos, os publicitários entendiam mais de
marketing do que os clientes e hoje é exatamente o contrário.
Você concorda?
NG: Concordo. E isso é preocupante. É exatamente o que estou
dizendo: “Temos que saber de marketing, mais do que nossos
clientes, temos de ser a vanguarda do marketing.” Não adianta
ser só a vanguarda da publicidade, não adianta ter a técnica de
escrever, a estética. É preciso ter uma profunda compreensão
mercadológica.
137
JR: Qual foi o melhor anúncio que você já fez?
NG: Espero que seja o próximo. Isso é clichê, mas é verdade.
JR: Qual foi o anúncio mais importante que você já fez até
agora?
NG: Foi a série de filmes para a Caixa Econômica Federal, que
eu fiz na Artplan, porque me deu a chance de vir para São Paulo.
Temos que saber de marketing,
mais do que nossos clientes.
JR: Na profissão, qual a maior alegria que já teve?
NG: As maiores alegrias foram a de ser a agência do ano, de
Cannes e eleger e reeleger o presidente Fernando Henrique
Cardoso. Uma foi uma alegria; a outra, uma honra. Quando
olho para trás, vejo que tudo que o Brasil fez de vanguarda, a
DM9 fez primeiro. A DM9 foi a primeira agência a ganhar o
grand prix, a DM9 foi a primeira agência a ter um presidente no
festival de Cannes, eu fui o primeiro publicitário na capa da Veja,
a DM9 foi a primeira agência no Clio, no grand prix do Festival
de Nova York, a DM9 foi eleita agora por 150 diretores da DDB
como a melhor agência do grupo na América Latina. A DM9 foi
a primeira agência, fora do eixo Nova York-Londres, a ser a
Agency of the Year, então, são muitas coisas, seja na área política,
seja na área de negócios. Este ano fui eleito, pelos assinantes da
Gazeta Mercantil – quer dizer, não tem nada a ver com publicidade – um dos líderes empresariais do ano, do meu setor, comunicação; o Antonio Hermírio, no dele... A DPZ já tinha feito
muito, na década de 80, mas acho que avançamos mais, inclusive
138 internacionalmente, e até fora dos muros de publicidade.
JR: Tirando o foco de Nizan Guanaes e da DM9, quais são os
grandes publicitários brasileiros que você admira?
NG: Eu acho que o Alex Periscinoto, Roberto Duailibi, Petit,
Zaragoza, Washington Olivetto....
JR: Só criadores?
NG: Tem o Júlio Ribeiro, que é extraordinário... Duda Mendonça,
Marcelo Serpa, Tomaz Llorente, que é meu sócio.
JR: E fora do Brasil, os grandes profissionais que você encontrou?
NG: Eu acho que tem caras extraordinários no mundo: os caras
da Goodby-Berlin-Silverstein, Keith Reinhardt, o Leo da nossa
própria, que pegou uma DDB decadente, pós-morte de
Bernbach e transformou nessa rede fortíssima que ela é hoje. Eu
acho o Bill Travos da TBWA um craque, acho o Alan Rozenshine
da BBDO, acho que nossa rede, Omnicom, é imbatível, nada se
compara a Omnicom, fora os ingleses que são uma beleza, a
nossa BMP é uma das melhores do mundo. O John Hagerty,
Luiz Casadeval, que são meus amigos, fora Bill Bernbach e David
Ogilvy que são o pai e a mãe, e aí você escolhe quem é quem na
publicidade mundial.
JR: Você se considera influenciado por eles?
NG: Completamente. Eu sou completamente influenciado por
David Ogilvy e pelo Bernbach. Costumo achar que nós deveríamos evoluir um pouco, agora, para chegarmos à década de 60.
JR: Você curte o Dilbert, como todo mundo, e existe uma crítica
feroz, na historinha do Dilbert, às grandes empresas. Essas empresas que você está citando são mega-agências. Como é que você
acha que uma pessoa que trabalha numa agência que congrega
mil, duas, três mil pessoas pode sobreviver naquele clima surreal
em que a gente vê o Dilbert?
139
NG: Nem todas são mega-empresas. Essas empresas são uniões
de muitas empresas de duzentas pessoas, como é a DM9. Tirando a nossa agência americana, onde realmente você tem megas,
em Chicago e Nova York, o resto é uma união de agências relativamente pequenas, trabalhando dentro de padrões saudáveis.
Esse princípio federativo da DDB é a chave do sucesso da DDB,
ou seja, a DDB deixa você ser o que você é.
JR: O que faz um anúncio ser um bom anúncio?
NG: O fato. E se você não ficar a par do fato, se não cavar o
fato, que vai nascer, a idéia vai nascer do quê? Do entendimento
que você tem do produto. O grande problema é que hoje as pessoas querem encontrar pérolas sem garimpar. Aí não dá.
JR: O fato nem sempre é óbvio.
NG: Nem sempre é óbvio, exige estudo, exige investigação sobre
o produto. Esse trabalho é fundamental.
JR: O David Ogilvy – que você reconhece como seu professor –
estabeleceu muitas regras para a propaganda. Você segue essas
regras?
NG: Eu acho que a gente tem que ler o Ogilvy, como a gente lê
São Paulo Apóstolo, que é uma das partes mais bonitas da Bíblia,
e tem algumas das coisas mais sábias... mas ele diz, também, que
as mulheres devem ficar em casa, que o homem é o chefe absoluto da casa, que as mulheres só devem entrar na igreja com a
cabeça coberta, então tem uma série de coisas que você tem que
entender que são o retrato da época em que aquilo foi escrito. A
mesma coisa é David Ogilvy; ele diz, num determinado momento, que você não deve começar afirmações com “não”. Mas,
depois, sua própria agência ficou famosíssima com uma campanha para o cartão American Express, que era o “não saia de casa
sem ele”. Então, essas regras têm que ser entendidas nessa pers140 pectiva. É importante entender o conteúdo: por exemplo, o
humor: não que não se deva usar o humor, mas se for a gaiatice
pela gaiatice não vai levar a lugar nenhum. Essa é uma das mais
freqüentes armadilhas, quando a piada é mais lembrada do que o
produto.
JR: Então você acha que o humor é um bom ingrediente?
NG: Olha, em propaganda, tudo é válido, desde que faça sentido
e desde que, na bottom-line, na moral da história, esteja o produto. Se na moral da história estiver a piada, ou estiver a agência, se na moral da história estiver só a inteligência, então não
vale.
JR: O Alex Periscinoto costuma dizer que, na propaganda, o cliente sempre se pergunta: “what’s in it for me?” Você concorda?
NG: Claro. De vez em quando entra um garoto aqui na minha
sala e diz: “Esse é um ótimo anúncio de oportunidade...” E eu
pergunto a ele: “Para quem? Para você ou para o cliente? Ou é
para a agência?”
JR: Um bom anúncio concilia os interesses de todo mundo?
NG: Exatamente, até porque, quando ele é bom mesmo, os interesses de todo mundo são os mesmos.
JR: Em técnica de negociação diz-se que a boa negociação é aquela em que ninguém perde.
NG: Isso mesmo, o que é bom para os dois, a agência e o cliente.
Quando é bom para os dois? É bom para os dois quando um
anúncio é tão bom de vendas que o consumidor tem interesse de
comprar.
JR: Essa é uma visão negocial da propaganda...
NG: É a única visão que poderá manter a propaganda viva.
141
JR: E a propaganda que “assusta” o consumidor, quando é válido
assustar o consumidor?
NG: Aids, automóvel, velocidade...
JR: Você não acha que o governo às vezes abusa disso?
NG: Ao contrário, acho que o governo brasileiro não tem abusado disso. Todas as propagandas de Aids no Brasil são bem-humoradas. Acho que está faltando algumas bem assustadoras...
JR: Você não acha que, às vezes, o governo põe a culpa no cidadão? Por exemplo, campanha de segurança no trânsito. O governo devia fazer estradas melhores, controlar melhor a segurança
dos automóveis.
NG: Mas isso aí é uma outra história... estou falando que, em
condições normais, acho que mostrar o acidente, mostrar gente
jovem morrendo é importante.
JR: E o que você diz da propaganda comparativa?
NG: Acho ótima. Acho uma delícia a propaganda comparativa:
quando é feita inteligentemente é extraordinária. Mas ela não
pode ser feita nem com raiva nem com desrespeito. Propaganda
comparativa tem que ser feita da maneira mais científica possível, de forma que você não dê nenhuma margem ao outro – se
você avilta o outro, então não é mais propaganda comparativa, aí
é pro-paganda ofensiva. Propaganda comparativa é você poder
dizer, cientificamente, que é melhor que alguém – ponto, ela não
pode ser feita com arrogância, nem com desrespeito.
Acho uma delícia a propaganda
comparativa: quando é feita
inteligentemente é extraordinária.
142
JR: E sexo na propaganda?
NG: É uma das coisas mais cafonas que existem. Acho que é preciso tomar muito cuidado com propaganda sexista: primeiro,
porque o avanço das mulheres, a forma como as mulheres vêem
sexo hoje é completamente diferente, elas se sentem ofendidas e
isso é um ruído de comunicação. Depois, para as novas gerações,
o apelo sexual não tem o mesmo peso das gerações de 60, 70.
Eles não estão nem aí, porque todo mundo transa, nós estamos
falando de uma coisa que todo mundo pratica, é como comer,
respirar... então tem que tomar muito cuidado para você não
ficar com uma coisa cafajeste ou uma coisa antiquada.
JR: Quando é que o sexo pode ser um ingrediente importante?
NG: Quando ele é natural, quando é um componente. Se você
estiver falando de lingerie, é natural que o sexo apareça, mas se
você falar de material de construção... O que quero dizer é o
seguinte: a “forçada de barra”, no sexo, isso é ruim.
JR: O que você tem a dizer aos nossos professores e alunos?
NG: Eu acho que poderia dizer que, para mim, o grande centro
de preocupação é o publicitário trabalhando. No momento em
que o mercado se abre, em que as comissões são livres, vão
sobreviver e vão brilhar os eficazes. E aí, eu acho que, além do
talento, da boa mão, do ritmo, do texto, vai sobreviver o indivíduo que tiver a compreensão madura do que é essa atividade.
Seja como professor, seja como escola, seja como aluno, eu poria
nos alicerces da formação desses meninos um profundo “choque
de marketing” e de visão administrativa sobre o trabalho que eles
vão fazer. Acho que, nos primeiros dois anos, eles deviam ficar
longe de texto, de caneta, de computador, porque acho que eles
precisam sair da escola metade gerentes de marketing, metade
redatores; porque se eles não tiverem essa compreensão, não sei
quem vai estar fazendo a publicidade do próximo milênio, talvez
já não sejam as agências...
143
JR: Vai ser 80% marketing e 20% o resto?
NG: Eu acho.
JR: E onde é que entra a cultura nisso, Nizan? Onde é que entra,
por exemplo, o conhecimento da cultura do Brasil, o conhecimento da cultura do México?
NG: Mas isso é essencial. Isso, inclusive, é também marketing.
Por que um redator é melhor do que o outro? Por que – de cem
redatores – dez meninos despontam? Por que dentro do corredor
culto dele, ele ouviu mais bobagens, no rádio, ele decorou mais
músicas, ele foi a mais carnavais, ele sentiu mais o povo dele – e
consegue transmitir aquilo. Isso você não consegue dar a ninguém, isso vem – isso é que faz a diferença entre os indivíduos.
Por que um cavalo anda mais que o outro? Isso nem a escola dá.
A escola pode chamar a atenção para o dar, mas o fato de um ser
mais sensível que o outro, aí entra a genética...
JR: Mas o cavalo bem alimentado, bem tratado, é o que vai correr
no hipódromo e ganhar.
NG: Claro, mas se ele não tem genética de campeão, não adianta. Acho que tem muita gente talentosa desperdiçada, porque
não treinou, porque não estudou. Se um sujeito que já é bom,
que já tem predisposição e tem talento, entra numa escola de
propaganda a escola vai fazer a diferença – quisera eu ter me
preparado numa escola. Acho que hoje, se pudesse, eu faria o
curso de administração de empresas, aí eu acho que o cara está
pronto para o que der e vier.
144
Francisco Gracioso
Da empresa à escola
No tradicional bairro da Mooca, em São Paulo, onde, desde o
início do século, iam morar os imigrantes europeus recém-chegados, o menino Francisco soube muito cedo o que queria ser
quando crescesse. Como seu irmão, José, ele ia “vencer na vida”.
Tanto ouvia isso do pai e da mãe – ambos nascidos na Itália –
que lhe parecia uma coisa natural competir com competência e
chegar aos primeiros lugares.
Muitas décadas mais tarde, Francisco Gracioso estaria tentando ensinar a mesma coisa a milhares de jovens brasileiros, das
mais variadas origens: a vida contém um desafio profissional
para cada um e para vencer é preciso estar preparado.
JR: Há quem pense que o nome “Gracioso” é apelido. Qual é a
origem do seu nome inusitado?
FG: Na verdade, o Gracioso é uma adaptação do italiano
Grazioso, que é muito antigo. Na Idade Média houve, em Ravena,
o arcebispo Grazioso, que tinha fama de brincalhão. Quando
Carlos Magno passou por Ravena, a caminho de Roma, o arcebispo ofereceu-lhe um jantar e corria, na ocasião, que Carlos Magno
ia a Roma para tomar a coroa do Papa. No jantar, o Grazioso arcebispo dirige-se ao rei e diz: “Papa! Papa!” O rei, que estava comendo, olhou desconfiado. Mas o arcebispo explicou: “Majestade, no
meu dialeto ‘papa, papa’ significa coma, coma!”
JR: Como chegaram os Graciosos ao Brasil?
FG: Meu avô paterno foi um aventureiro bem-informado. Ao
deixar a Itália, em 1890, foi para os Estados Unidos onde come- 145
çou a trabalhar em uma mina de carvão, na Nova Inglaterra.
Trocou o vinho pela cerveja e tornou-se líder sindical. Organizou
uma greve dos mineiros e tantas fez que os americanos o convidaram a deixar os Estados Unidos. Ele voltou para a Itália e, de
lá, foi para a Argentina, onde se tornou agitador sindical, na
Companhia de Eletricidade de Buenos Aires, e também foi convidado a sair. Aí, pela ordem, ele veio para o Brasil onde se
transformou em chefe de família exemplar. Trabalhou na
Companhia de Gás de São Paulo durante muitos anos. Acho que
já tinha tido todas as aventuras que queria e resolveu se assentar.
JR: Seu pai então é nascido no Brasil?
FG: Não, meu pai nasceu na Itália, mas veio para cá criança.
Minha mãe, também de origem italiana, nasceu aqui. Enfim, sou
de família de imigrantes italianos tanto pelo lado materno quanto pelo paterno, que vieram para cá e se estabeleceram em São
Paulo, no bairro da Mooca. Cresci nesse bairro. A Mooca desse
tempo era uma região cosmopolita. Não havia apenas italianos,
mas imigrantes do mundo inteiro: da Europa Central, que nós
chamávamos de “bichos d’água”, não sei por quê. Havia também
muitos espanhóis.
JR: Quantos eram na família?
FG: Tive apenas um irmão, o José, que está hoje na Antarctica,
onde é o presidente do Conselho.
JR: O que fazia seu pai?
FG: Meu pai era mestre numa fábrica de sapatos chamada PisarFirme e dirigia a área industrial.
JR: Vocês devem ter freqüentado a escola do bairro...
FG: Foi típico da minha família a preocupação com a educação.
146 Podia faltar comida, mas não faltava educação escolar. Fiz uma
boa escola da época que se chamava Ginásio e Academia
Comercial Rui Barbosa, na região do Brás, Mooca, muito bem
conceituada. Comecei a trabalhar aos 16,17 anos e daí em diante
só podia estudar à noite. O único curso de administração noturno que havia foi o que eu fiz, da ESAN, Escola Superior de
Administração de Negócios, do Padre Sabóia de Medeiros, que
depois foi encampada pela PUC, se não me engano. Isso foi em
1949, 1950, mais ou menos. Um dos primeiros cursos de administração no Brasil. A FGV ainda não existia. Aliás, foi fundada
depois da ESPM, em 1952.
Podia faltar comida, mas
não faltava educação escolar.
JR: Você, então, começou cedo e na direção certa. Diferente de
outras das pessoas que entrevistei, como a Christina Carvalho
Pinto, que queria ser bailarina...
FG: Comecei cedo, mas logo me arrependi. Depois da ESAN, eu
continuava sem saber o que fazer... Estava trabalhando na
Antarctica, no setor agrícola, que fazia promoção do plantio da
cevada no sul do Brasil, como assistente de gerência. Viajava
muito para o sul. Fazia estudos de viabilidade de estações de tratamento da cevada. Eu era muito jovem e isto fez-me encantar
com a agricultura. Cheguei a prestar vestibular na Luís de Queirós
e fui aprovado.
JR: Para ser agrônomo?
FG: Já estava me preparando para ser agrônomo quando duas
coisas aconteceram. Primeiro, fiquei noivo e minha noiva – que
é, hoje, minha mulher – morava aqui em São Paulo. Segundo,
nas férias de fim de ano, eu estava passeando pela rua XV de
Novembro, onde era a livraria Civilização Brasileira. Estavam
fazendo uma promoção de livros americanos e comprei uma bra- 147
çada. Entre eles, um pelo qual paguei quatro cruzeiros. Era um
livro do Mark Waisimann, chamado Anatomia da Propaganda
(Anatomy of Advertising). Li esse livro e encantei-me de repente
com a propaganda. Na mesma época, a nossa escola, ESPM,
estava chamando alunos para o vestibular. Isso foi em 1953.
Inscrevi-me, passei fácil no vestibular e fiz o curso da escola. E eu
fui da segunda turma.
JR: Quem eram os seus colegas?
FG: Roberto Duailibi, Dirceu de Azevedo Borges estavam lá...
JR: Você fez direto o curso?
FG: Terminei o curso em primeiro lugar e recebi a medalha de
ouro dada numa cerimônia muito bonita no Museu de Artes,
pelo Napoleão de Carvalho.
JR: Você ainda estava na Antarctica?
FG: Sim, eu estava na Antarctica. Aí, o José Kfouri, que era o
chefe de redação da J. Walter Thompson – e foi um dos meus
professores – convidou-me para ser redator na Thompson. Ele
achava que eu tinha jeito para criação. Tomei, então, duas decisões – que só mesmo naquela idade a gente toma com tanta
naturalidade. Casei-me no dia 19 de dezembro e, antes disso, no
dia 17, informei à Antarctica que estava deixando a companhia.
E, no dia 6 de janeiro de 1954, Dia de Reis, comecei a trabalhar
na Thompson, como redator.
JR: Era o ano do quarto centenário de São Paulo. Quer dizer que
quando São Paulo comemorar seu quinto centenário, você estará
comemorando 100 anos de propaganda.
148
FG: Nossa Senhora!
JR: Então você foi para a Thompson que era, naquela época, a
maior agência brasileira.
FG: Era a maior agência do Brasil, considerada o navio-escola da
propaganda.
JR: Qual foi o primeiro anúncio que você fez?
FG: Não me lembro, mas o primeiro anúncio importante foi
para a Walita, que era nossa cliente, para uma enceradeira com
duas hastes. O Antonio Rangel Bandeira que era o meu companheiro de redação – me lembro dele com saudades – recebeu o
pedido, que nós chamávamos de blue sheet, para fazer o anúncio
de lançamento desta nova enceradeira. E comentou: “Que coisa
besta, uma enceradeira com duas hastes. Eu não vou fazer esta
campanha, Gracioso. Faça você.” Acabou sendo meu primeiro
trabalho importante.
JR: Como foi que você vendeu as duas hastes?
FG: Eu bolei o título de estalo. Se tem duas hastes, tem que
ter alguma razão, mas o próprio cliente não sabia por que,
realmente. Mas inventei uma razão: “Dupla haste/dupla firmeza.” Pois vendeu tanto que você não imagina! Nós tínhamos
outro cliente na mesma época – os tapetes Tabakow. E eu lembro de um anúncio bonito, de página dupla para O Cruzeiro
da época, em cores, de uns tapetes floreados muito bonitos. E
o título que eu bolei, também de estalo: “Transforme o seu lar
num pedacinho de céu!” Você vê que a propaganda da época era
meio verborrágica...
JR: Eram “sacadas”.
FG: Desde o início o Kfouri me chamava de phrase-maker. Eu
realmente era muito bom para sintetizar num título o que o produto tinha de mais importante.
149
JR: Você tem oito ou dez livros publicados. Quando foi que começou a escrever?
FG: Na juventude, tentei escrever contos. Escrevia sempre que
podia. Passei, uma vez, três semanas no sul do Brasil viajando de
jipe, de trem, a pé, naquelas vilazinhas de imigrantes, que plantavam cevada. Escrevi uma linda novela, ambientada nas plantações
de cevada no sul do Brasil. Escrever, para mim, sempre foi uma
segunda natureza. Mas nunca publiquei essa ficção. Meu primeiro livro – já profissional – foi Marketing: uma experiência brasileira, em 1969. Foi um dos primeiros livros de marketing e propaganda escritos no Brasil, por um brasileiro. E teve um grande
êxito. Vendeu nove ou dez edições, pela antiga Cultrix.
JR: Mas você já está falando de marketing. Nós paramos em
1954, na Thompson, quando a palavra nem existia.
FG: Curiosamente, ela existia, com um sentido um pouco diferente. Como você sabe, quem introduziu o marketing no Brasil
não foram as grandes empresas e sim as agências de propaganda,
como mais um serviço prestado aos clientes. Os grandes publicitários da época estavam muito atualizados. Foi a época em que
as agências americanas resolveram investir no Brasil e mandaram
muita gente boa pra cá – e os bons brasileiros que estavam lá
rapidamente absorveram tudo. Foram eles os primeiros arautos
desse negócio chamado marketing. Nós ensinávamos marketing
aos clientes e talvez por isso o marketing, no Brasil, até hoje tem
um viés para a comunicação.
JR: Então o marketing entrou no Brasil pela porta da propaganda.
FG: Foi isso que aconteceu. Claro que, depois, as empresas treinavam seu pessoal, vieram grandes profissionais de marketing
para cá e formou-se uma geração de anunciantes brasileiros que
passaram a ensinar suas agências a fazer marketing. Mas – em sã
150 consciência – foram as agências que primeiro ensinaram.
JR: Chico, como personagem da nossa propaganda, você é mais
associado à McCann-Erickson. Como foi a sua passagem da
Thompson para a McCann?
FG: Na Thompson, eu trabalhava ao lado do Renato Castello
Branco, que atendia a conta da Ramenzoni, que era um grande
fabricante de chapéus e confecções. Um dia, o Renato chegou
pra mim e disse: “Eu vou lhe fazer um convite e não pense que
eu quero me livrar de você. Quero é apressar sua carreira. Você
não quer ser o chefe de propaganda e promoção de vendas da
Ramenzoni? Você passa alguns anos lá, adquire uma experiência
que pouca gente, do lado de agência, tem e volta para uma agência depois.” Eu passei três anos fabulosos na Ramenzoni. O
Renato tinha toda razão. Deu-me uma base que poucos têm.
Você, que também foi cliente, sabe disso. Eu fiz coisas do arco da
velha. Fiz os primeiros desfiles de moda masculina do Brasil.
Lançamos a marca Ban-tan que era a marca mais vendida no
Brasil. A Ramenzoni chegou a fabricar sete mil peças por dia. Fiz
desfiles masculinos, desfiles infantis, fiz grandes anúncios. Isso
foi entre 55 e 57. Em fins de 57, comecei a lecionar na escola.
Eu fui chamado por um amigo publicitário, o Jorge Medauar,
que era gerente da Grant e um grande redator. Era também professor de redação da escola, logo depois que me formei. O Jorge
me chamou e disse: “Escuta, Gracioso, você vai ser meu assistente na cadeira de Redação.” Eu adorei. Começamos o curso juntos e, depois de duas ou três aulas, o Jorge foi transferido para o
Rio. E eu, que não estava preparado, tive que assumir “na
marra”, a cadeira de Redação da Escola de Propaganda. Assumi,
pelo menos, com coragem e, durante muitos anos, fui o professor de redação. A escola naquele tempo era dirigida diretamente
pelo Rodolfo Lima Martensem. Eu fui professor da escola desde
55, por 17 anos consecutivos.
JR: Sempre de Redação?
FG: Também de Elementos de Propaganda, Planejamento de
Propaganda, sempre nas áreas de criação e planejamento. Fui 151
também um dos três diretores, porque o Rodolfo passou a direção para um triunvirato formado pelo Ítalo Eboli, Geraldo Santos
e por mim. O Ítalo era o diretor administrativo, o Geraldo
Santos, o diretor de cursos e eu era o diretor de relações públicas
da Escola. E o Rodolfo era o nosso guru. Como você sabe, desses
três diretores, dois faleceram prematuramente – o Eboli e o
Geraldo, que eram os meus colegas na McCann-Erickson. A
Escola funcionava no mesmo prédio da McCann e para nós era
natural, às sete e meia da noite, pegar o elevador e ir para o 13º
andar. Aí o Rodolfo nomeou-me diretor de cursos. Depois convidou o Enrico Camerini, um publicitário italiano que trabalhava
aqui no Brasil e atendia várias contas de uma grande agência,
depois, ele passou para a MultiPropaganda, do David Monteiro e
do Otto Scherb. O Otto já era professor e assumiu a direção de
cursos, nessa ocasião, e continuamos a dirigir com o triunvirato
durante alguns anos. Depois deixei a diretoria e de lecionar, porque assumi a gerência-geral da McCann, viajava muito, ficava
metade do meu tempo fora do Brasil e, infelizmente, perdi o contato mais direto com a direção da escola. A Escola, naquele
tempo, estava numa trajetória descendente; estávamos realmente
enfrentando muitos problemas e, um dia, o Otto reuniu os conselheiros para dizer: “Olha, não tem jeito. Vamos acabar honrosamente com a Escola, entregando o patrimônio à USP.” Para nossa
sorte, a USP não nos aceitou. Pouco tempo depois, o Otto, que
era o diretor da Pond’s, aqui em São Paulo, teve problemas e
resolveu deixar a empresa, informando-nos que ia assumir a
Escola pra valer. Rapidamente, ele conseguiu oficializar o nosso
curso e em 71 começou a funcionar a Escola Superior de
Propaganda e Marketing, já com esse nome, e com curso autorizado pelo MEC – com o Otto como diretor-presidente.
JR: Voltando à sua carreira, você foi da Ramenzoni para a
McCann?
FG: Foi o Ítalo Eboli que me chamou para chefiar a redação da
McCann. Ele me conheceu na redação da revista Propaganda,
152 que, naquele tempo, era uma ação entre amigos – o título
“Propaganda” pertencia à APP – e um grupo de publicitários
dirigido pelo Eboli, além do Ricardo Ramos, Geraldo Santos e
outros. Reuníamo-nos uma vez por semana, à noite, na McCann
para trabalhar na revista. Durante anos dirigi uma sessão permanente da revista e o Geraldo Santos escrevia muito, também o
Ítalo Eboli. Foi aí que o Eboli me conheceu e convidou-me para
chefiar a redação da McCann-Erickson. A McCann encontravase em ebulição porque estava se transformando em duas agências. O David Monteiro, que era o antigo gerente, estava deixando a McCann para fundar a Multi Propaganda, levando com ele
as contas da Gessy Lever e da Refinações de Milho Brasil. Claro
que, tudo isso, dentro do grupo Interpublic. O Eboli assumiu a
gerência da McCann no Brasil, reportando ao Sarmento, no Rio
de Janeiro, onde era a sede. Logo veio o Geraldo Santos também. O Eboli dividiu a criação em dois grupos: um chefiado pelo
Geraldo Santos e o outro por mim. Nós dividíamos as contas
entre nós. Foi o início, pelo menos na McCann, da implantação
do conceito de diretor de criação.
JR: E este chefe da criação era obrigatoriamente um redator, não?
FG: Por muitos anos foi assim. Eu era chefe da redação e tinha
meus redatores, como foi o caso na Thompson. Nós dialogávamos com o chefe de grupo e nos relacionávamos com os diretores de arte.
JR: Que não tinham esse nome...
FG: Graciosos – Não. Eram layoutmen, artistas, ilustradores. Eu
trabalhei muito tempo na McCann ao lado do Petit, por exemplo, um bom amigo meu, e com o Petit fizemos campanhas
memoráveis e ganhávamos todos os prêmios. As campanhas das
tintas Coral, durante dois anos consecutivos, ganharam prêmios
da revista PN. Eu saí da Ramenzoni em janeiro de 58 e assumi na
McCann-Erickson, como chefe de redação.
153
JR: Na entrevista do Roberto Duailibi, ele contou um episódio,
dizendo que você, como chefe de redação, pegava os textos dos
redatores (e ele era um deles) e, com um lápis vermelho, fazia correções...
FG: (Risos). O Roberto na época era mocinho – e ficou assustado. Logo saiu...
JR: Por causa do lápis vermelho!
FG: De jeito nenhum. Saiu porque recebeu uma oferta bem
melhor e resolveu aproveitar. Eu lamentei muito. Era uma redação de alto nível. O Eboli escolheu aquele pessoal a dedo.
JR: Você acha que a evolução do diretor de arte coincidiu com o
crescimento da televisão?
FG: Não. A evolução do diretor de arte ocorreu, em primeiro
lugar, nos Estados Unidos. Mas nós sempre tivemos grandes
diretores de arte aqui, muito antes que fossem chamados como
tal. Já na Thompson eu conheci o Eric Nice e o Jean Pierre Villin
– o Vilão. Tinha também o Percy Dean, o Gerhard Wilda...
Como jovem redator tive, uma vez, uma surpresa quando o Eric
Nice – que era uma espécie de walking legend na Thompson –
subiu as escadas do quinto para o sexto andar, sentou-se humildemente diante da minha mesinha para conversar sobre o anúncio, trocar idéias, interpretar o título, fazer sugestões. E eu percebi que ele não era apenas um artista, mas um diretor de criação,
no sentido mais amplo do termo. Homens desse tipo sempre há
poucos. Mas eu diria que sempre existiram diretores de arte já
com este título. Chegamos até a McCann-Erickson. O Armando
Moura, já falecido, foi um grande diretor de arte. Não era diretor de criação, mas um grande diretor de arte. Mas desenvolveram-se a partir da mídia impressa; não tem nada a ver com tele154 visão.
JR: Chico, essa geração não é exatamente a sua, mas do meu pai –
pessoal que tinha uns anos mais que você. Essa geração intermediária, depois dos pioneiros, muitos eram artistas, intelectuais
frustrados, professores mal-remunerados e, como eram pessoas
talentosas, acabaram ganhando dinheiro e ficando na propaganda. Mas com um certo complexo de culpa, falando mal da propaganda. Você pegou essa fase?
FG: Peguei. Veja bem, mesmo lá na McCann, tínhamos o
Geraldo Santos e o Ricardo Ramos que eram, na verdade, escritores. O próprio Emil Farah era jornalista e autor de ficção. O
primeiro livro do Emil foi ficção. Depois ele virou ensaísta com
aquele famoso País dos Coitadinhos. O Emil era um homem dividido entre os dois extremos políticos. Começou como comunista, foi membro do partido comunista. E depois transformou-se
em conservador por excelência.
JR: Como você explica o sucesso que o Emil teve junto aos americanos, tão pragmáticos?
FG: O Emil, apesar de intelectual, sempre teve uma grande intuição comercial e administrativa. Ele fazia as coisas de maneira
simples, objetiva e raramente errava. Era um intelectual e um
publicitário dos bons. Ele foi um dos que construíram a conta da
Esso no Brasil.
JR: E quem foram os seus mestres na profissão? Você já falou do
Ítalo Eboli, do Geraldo Santos...
FG: José Kfouri, Robert Merrick, da Thompson, com quem eu
tinha longas conversas, mais sobre aspectos sociais, humanos. Ele
era um filósofo e eu também sempre gostei de filosofar. E também o Renato Castello Branco e o Caio Domingues, além do
Edmur de Castro Cotti.
155
JR: Você sempre levou propaganda a sério...
FG: Mais do que isso. Eu me apaixonei pela propaganda. A propaganda foi a minha primeira e única paixão profissional.
JR: E como é que você passou da propaganda para o marketing?
Algumas pessoas hoje nem lembram que você foi um grande profissional de propaganda.
FG: É verdade. Mas lembre-se de que eu tinha uma formação
comercial – administração. E a minha própria formação familiar
me levava para uma visão objetiva da vida. Quando era criança,
nossa vida era dura. Era um ambiente em que o sucesso era aferido em termos concretos. Eu sempre fui estimulado pela minha
família, pela minha mãe principalmente, a lutar para ter sucesso
na vida. E sucesso para ela era muito claro – era segurança econômica.
A propaganda foi a minha
primeira e única paixão profissional.
JR: Sucesso material – uma coisa bem européia.
FG: Minha mãe tinha a cabeça do camponês italiano. Em casa,
todos nós tínhamos sempre vários pares de sapatos guardados,
sem usar, porque, segundo a minha avó, “quando vem uma guerra, a primeira coisa que falta são os sapatos”. Ao visitar a terra de
minha avó, compreendi essa certeza. Em frente à igreja-matriz,
numa pedra de mármore, estão gravados os nomes de centenas
de moços, muitos meus parentes, que morreram na Abissínia,
Tripolitânia, Vittorio Veneto, Espanha, Egito e Rússia nos últimos cem anos. Houve uma guerra por geração, às vezes duas ou
três! Com essa formação, eu, por outro lado, sempre tive esta
natureza meio criativa e, sob esse aspecto, sou um homem dividi156 do. É uma coisa curiosa. A maioria dos meus colegas de redação
daquela época eram advogados. Eu era praticamente o único que
não tinha grau de advogado. Mas a maioria tinha uma formação
humanística que eu não tinha. É possível que isso e também o
fato de que havia tão pouca gente boa, que logo fui chamado a
atender clientes. Então passei a participar dos problemas de planejamento e percebi, rapidamente, que os clientes naquela época
precisavam, desesperadamente, de uma base de marketing, que
não tinham. Comecei a ler bastante, lia tudo que aparecia...
JR: Você se considera um autodidata?
FG: Quase total. Na verdade, no início da minha carreira passei
três meses nos Estados Unidos fazendo um curso de marketing. Foi
o Marion Harper, que era o “chefão” da McCann e, de alguma
forma, simpatizou comigo. Eu estava na redação e começava a ajudar o Eboli no atendimento. O Harper disse: “Você vai passar três
meses comigo lá. Você precisa aprender muita coisa, mas vai aprender rápido.” Montaram um estágio para mim, que incluía estágios
nos clientes e foi fabuloso. Voltei de lá mudado. Essa metamorfose
completou-se com minha passagem pelo IMD. Pouco antes de
morrer, o Ítalo Eboli, ainda na McCann, chamou-me e me disse
que, no futuro, eu iria atender a conta da Nestlé e que, para me
preparar, eu iria passar um ano no IMD. Fiz lá esse mestrado em
administração, que hoje é chamado de MBA. Depois do curso, fiz
um estágio no escritório de Genebra onde estava Ted Saba, um
grande amigo. Ficava perto do lago, era muito bonito e fiquei quase
seis meses com ele, por volta de 63, 64. Voltei de lá totalmente
modificado, com cabeça de administrador e homem de marketing.
Quando voltei, disse para o Geraldo Santos e para o Edmur Cotti
(o Eboli tinha falecido): Não me ponham mais a criar que eu não
sou capaz. Naquela época, o Armando Sarmento convidou-me para
trabalhar na McCann italiana, em Milão. Eu não quis.
JR: Não quis voltar às origens?
FG: Não. Quando voltei da Suíça, assumi a direção da conta da
Nestlé, como supervisor. Depois, o Geraldo Santos morreu e, 157
logo em seguida, assumi também a supervisão da conta da
Anakol-Kolynos. Foram as duas contas que eu dirigi mais de
perto.
JR: Você entrou para o grupo dos “astros” da propaganda, pois,
naquele tempo, alguém que dirigisse duas contas desse porte era
uma pessoa importante.
FG: Eu já estava de fato no topo da profissão. Logo depois, assumi a gerência geral da McCann. Depois de dois anos como
gerente geral em São Paulo, reportando ao Emil – ele aposentouse, foi trabalhar no Globo – eu assumi a gerência geral da
McCann no Brasil. Isso foi em 73, mais ou menos.
JR: Por que gerência geral e não presidência?
FG: Pois é, naquele tempo o próprio Emil era chamado de
gerente geral e não tinha o título de presidente. Nós nos reportávamos ao diretor de área, que também não tinha título de presidente, e que, às vezes, ficava em Miami, às vezes em Nova York.
Passou também um tempo aqui em São Paulo dirigindo toda a
América Latina. Mas era chamado de diretor de área. E foi assim
que eu terminei minha vida na McCann. Em 75, enjoei. Tinha
19 anos na McCann. Naquela idade em que te dá a coceira. Você
sente que está chegando perto do fim.
JR: Mas em 75 você ainda era jovem.
FG: Tinha 45 anos, nasci em 1930.
JR: Idade em que as pessoas estão prontas para os grandes pulos.
FG: E eu, contra os desejos da McCann, que queria nomear-me
para coordenador da América Latina – fizeram uma “proposta
irrecusável”, mas eu recusei – associei-me ao Ricardo Ramos e ao
Geraldo Tassinari e fundamos a Tempo, que viveu honrosamente
158 até passar para a Foote Cone Belding, em 1982.
JR: Foram sete anos na sua própria agência.
FG: Sete anos. A venda da Tempo para a FCB marcou também a
minha volta para um cargo executivo na Escola Superior de
Propaganda e Marketing. Eu era, durante esse tempo todo,
membro do conselho e por alguns anos – a partir de 78, 79 – fui
presidente do conselho.
JR: Quer dizer, você sempre acompanhou o trabalho da ESPM,
praticamente desde a sua fundação, já que foi um dos primeiros
alunos e depois um dos primeiros professores.
FG: Depois diretor, depois conselheiro e desde 1978 presidente
do conselho, substituindo o Ivan Pinto. O Lima me convidou e
acho que ele consultou o Otto também. E eu trabalhei com o
Otto. Aí, quando ele morreu, de forma inesperada, em 1981, o
conselho convidou-me a assumir a direção da Escola.
JR: Se você permite que eu saia um pouco da condição de entrevistador, o que de fato aconteceu foi a transformação de uma pessoa,
o encontro do Francisco Gracioso com ele mesmo. Parece-me que
acabou se encontrando como executivo principal da ESPM.
FG: Olhando para trás, não há nenhuma dúvida de que estes
anos na ESPM foram os mais felizes da minha vida profissional,
sob todos os aspectos. Eu me encontrei. Nasci para professor,
realmente, e talvez seja por isso que mantive sempre esse contato, quase instintivo, com a Escola.
JR: Ou seja, você começou a fazer profissionalmente aquilo que
fazia por hobby. Você pegou a ESPM em 1981 com quantos alunos, com que receita?
FG: A Escola tinha 374 alunos, embora já tivesse, teoricamente,
capacidade de ter 1.200 alunos na graduação. Era uma escola
com problemas sérios. Não foi fácil no começo. O Otto trabalhou bastante, mas nós não tínhamos nenhuma tradição como 159
escola oficial, como faculdade de comunicação. Já havia outras
boas faculdades na época. Estávamos perdendo alunos. De cada
dez alunos que ingressavam no começo do curso sete o deixavam. Então, de cada quatro ou 3, 5, só um se formava. Acho que
nossa receita era menos de quinhentos mil dólares, no Brasil.
JR: Então, em 1981, você assumiu uma instituição com uma
receita de uns quinhentos mil dólares e 18 anos mais tarde – você
dirige uma instituição com uma receita bruta de quase trinta
milhões de dólares.
FG: E mais de seis mil alunos no Brasil. Hoje somos considerados como padrão de referência daquilo que ensinamos, principalmente em comunicação social (propaganda e marketing). O
curso de administração é mais recente, mas já somos bem conceituados. Mas não tem ainda a imagem que temos na comunicação
social. Mas somos, sem dúvida, considerados a melhor escola de
propaganda e marketing do Brasil.
JR: A propaganda como você conheceu e onde foi expoente voltará algum dia a ter a importância que já teve?
FG: Não, nunca mais. Lembre-se, nós aqui não precisamos ter
bola de cristal para adivinhar essas coisas. Basta olhar para os
mercados que estão à nossa frente em estágio de desenvolvimento social e profissional. Nos Estados Unidos, a propaganda representou, o ano passado, 33% das verbas de comunicação com o
mercado. É uma queda que vem de longe.
JR: Que já representara praticamente 90%.
FG: Trinta anos atrás. O negócio começou a cair desde aquela
época. Hoje, a promoção, o merchandising, a comunicação dirigida, no conjunto, faturam duas vezes mais do que a propaganda, nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, já fiz várias pesquisas
160 porque acreditava que estivesse acontecendo algo parecido. Na
verdade, ainda não está. Apesar de tudo, a propaganda ainda
representa mais de 50% das verbas de comunicação.
JR: Comparativamente, então, há ainda um mercado de trabalho
razoável em propaganda.
FG: Não apenas em termos percentuais, mas vamos também
olhar para os números. A propaganda, antes do Plano Real, em
1994, faturou cinco a seis bilhões de reais. Nós faturamos, em
1998, algo em torno de 11 bilhões de reais. O dobro.
JR: Ou seja, é um mercado em crescimento?
FG: Até agora, sim. Porém, o que eu quero dizer é que com a
abertura do mercado, com a necessidade de competir – e aí a
propaganda se revelou realmente como arma de competição – as
empresas voltaram a fazer mais propaganda, em termos de porcentagens sobre as vendas. É claro que vão fazer cada vez mais
promoção, merchandising e tudo mais, mas a propaganda continua dominando.
JR: Os alunos graduados pela ESPM são profissionais de quê?
FG: De marketing e propaganda. E precisamos ser claros neste
sentido. A ESPM foi a primeira escola de comunicação social a
inserir a propaganda num contexto de marketing. Isso hoje é
feito por outras escolas também, mas nós fomos os primeiros a
ensinar que você não faz boa propaganda sem um bom marketing por trás. Com o tempo, o próprio mercado de trabalho
encarregou-se de nos mostrar e mostrar aos nossos alunos onde
estão as grandes oportunidades de trabalho para os recém-formados. Infelizmente, de cada dez formados na ESPM, oito não
terminam em agências de propaganda. Eles vão para empresas na
área do marketing.
161
JR: Você disse infelizmente...
FG: Porque eu gostaria de ver mais alunos se dirigindo para as
agências. Talvez aí o que esteja me traindo seja a minha origem.
Mas as agências, em primeiro lugar, não têm tantas vagas assim a
oferecer. Hoje, trabalha em agências no Brasil menos de 1/3 do
que trabalhava há vinte anos atrás. O faturamento multiplicou e
o número de funcionários diminuiu.
JR: Isso tem a ver com terceirização de serviços, talvez?
FG: Com o maior rendimento dos serviços, com as novas técnicas de produção e uma multiplicação de empresas menores, prestadoras de serviços. Muita coisa que era feita pela agência, hoje é
feita por fornecedores. Embora com a computação gráfica, muita
coisa que a agência encomendava fora voltou a ser feito dentro
da agência, a um custo menor. Curioso isso.
JR: Dois dos nossos entrevistados – o Carlos Salles e o Marcos
Magalhães – disseram que estão convencidos de que cada vez
haverá menos emprego e cada vez mais trabalho, e que, no futuro
próximo, os profissionais terão de escolher entre ser prestadores de
serviços ou empresários, porque os empregos vão diminuir muito.
Você concorda?
FG: Concordo. O Márcio Moreira, vice-chairman da McCann,
disse, numa ocasião, numa palestra aqui na Escola, que hoje, em
Nova York, 50% da criação e produção das agências de propaganda são feitos fora da agência. No Brasil não chegamos a isso
ainda, mas é o caminho do futuro, na medida em que surgem
cada vez mais free-lancers bem organizados. Sobre os nossos alunos, eles perceberam que dávamos – e damos – não apenas uma
boa formação em propaganda, mas também em marketing, que
poucas escolas têm. Então eles são procuradíssimos hoje, como
assistentes de marketing, gerentes de produto, assistentes de pro162 moção e tudo mais que tem a ver com marketing, muito mais do
que nas agências de propaganda por uma simples razão: há
muito mais emprego. Esta é a realidade.
JR: Você acha que existe uma propaganda brasileira, diferente da
propaganda americana, ou da francesa?
FG: Existe. A nossa é uma propaganda mais solta, mais informal,
coloquial, que é própria da nossa maneira de comunicar. Mas eu
diria, também, com tristeza. Porque percebi a nossa diferença em
relação a nossos vizinhos da América Latina. Eu tenho um rolo
de comerciais de toda a América Latina, os melhores de cada
país. E você percebe que os nossos, confrontados com os outros,
têm um apelo sexual muito maior. A nossa propaganda usa e
abusa do sexo – mais do que deveria.
JR: Mas você acha que a propaganda brasileira poderia ensinar
alguma coisa a outros mercados?
FG: Acho que sim. Nós próprios temos contato com escolas
argentinas, uruguaias, chilenas. O que eu ouço deles é que o que
mais admiram aqui não é o nosso marketing e sim a nossa propaganda. A propaganda brasileira tem muito a ensinar. Mas vou
fazer uma previsão pessimista: não vai ser por muito tempo. A
evolução que está havendo na Argentina e no Chile é muito
grande. E no México também. Eu acho que a propaganda – e é
inútil pretender o contrário – reflete o nível de atividade econômica de um país. Não apenas o nível artístico, intelectual ou técnico. Reflete também a necessidade de se fazer propaganda.
Quanto mais ativo, agressivo, for o mercado, mais ele atrairá
bons publicitários e as grandes verbas que permitem fazer grandes campanhas. Nosso país parou no tempo, nos últimos anos.
Como é que você espera que ele tenha uma grande propaganda
se tem uma economia pobre e quase estagnada?
JR: E o marketing? Existe um marketing brasileiro?
FG: Não, eu acho que nunca existiu. Na minha opinião, o marketing brasileiro neste momento está desatualizado em relação 163
ao marketing dos países avançados. Ele é menos competitivo,
utiliza menos as técnicas e estruturas modernas de marketing. Ele
realmente ainda reflete uma economia em que vender é relativamente fácil. E acho que o nosso maior atraso em termos de marketing está nas áreas da distribuição, da venda e do varejo. Estão aí
realmente as grandes fraquezas do marketing brasileiro.
JR: Seria um sintoma, por exemplo, o fato de estarmos chegando
à cifra de 150 shopping centers no Brasil e os americanos já
terem ultrapassado os quarenta mil?
FG: Mais que isso, explica, por exemplo, a invasão das grandes
redes estrangeiras de varejo que, com uma facilidade extraordinária, estão engolindo, uma a uma, as redes brasileiras – de tal
forma que, dentro de cinco anos, não vai sobrar uma sequer. A
não ser, talvez, o Grupo Pão de Açúcar que parece ser diferente
dos demais. Todas as outras redes de varejo – ouça o que eu digo
– vão ser compradas pelos estrangeiros, tamanha é a superioridade técnica e financeira deles.
JR: Quais são seus conselhos aos jovens, que estão iniciando carreira, começando pelos que você deu aos seus próprios filhos?
FG: Os meus filhos homens cursaram administração quando
aqui ainda não tínhamos o curso. Hoje, eu diria que viessem
fazer administração ou comunicação social na ESPM, porque
continuamos a ter os melhores cursos do Brasil, e formamos
jovens preparados para enfrentar a dureza do mercado de hoje.
O mercado é cada vez mais competitivo e, com uma ajudazinha
da Escola, os jovens vão conseguir enfrentá-lo. Nossa Escola está
pronta para isso. Acho que teremos anos de ouro para o marketing e a propaganda. Serão anos de competição dura, anos de
reestruturação, anos de aglutinação de empresas com a venda de
grandes grupos estrangeiros. Serão anos que vão privilegiar os
jovens bem preparados, dispostos a trabalhar duro e ter a forma164 ção de que precisam.
JR: Você falou de seus dois filhos homens e não falou de sua filha
mulher.
FG: A Ana Lúcia, curiosamente, nasceu para ser publicitária. Ela
trabalhou comigo na minha agência, a Tempo, e atendeu muito
bem a dois ou três grandes clientes, até o momento em que
resolveu casar-se. E, de lá para cá, ela é uma dona-de-casa com
três filhos.
JR: Uma das últimas representantes de uma espécie em extinção.
FG: Não, ela ajuda o marido a dirigir uma fazenda de café. Ela
voltou à minha vocação original – agrícola.
JR: Considerando o grande número de mulheres que estudam na
ESPM, como você explica que, numa lista dos dez ou vinte maiores profissionais de propaganda do Brasil, metade não sejam
mulheres?
FG: Primeiro, pelo que aconteceu com a minha filha. Elas não
continuam na profissão – a não ser, claro, as exceções de praxe.
Elas um dia casam e a maioria resolve se dedicar à família, aos
filhos e ao marido. Segundo, vou dizer com toda a franqueza. Os
homens e as mulheres são diferentes. Cada um tem as suas vantagens e desvantagens. O homem é capaz de raciocinar mais conceitualmente, mais subjetivamente do que a mulher. E estas são
características preciosas para o criador.
JR: Isso significa também que o homem é mais hábil na política
empresarial?
FG: Não, não creio. Eu acho que a diferença está aí. O homem é
mais capaz de criar do que a mulher; a mulher é mais capaz de
“segurar as pontas”, enfrentar uma situação e administrá-la.
Agora, aquele fluido mágico do qual depende o avanço do
mundo, claro que Deus distribuiu por todos nós, mas ele, por
alguma razão, privilegiou os homens.
165
JR: O Brasil tem remédio?
FG: Lógico que tem. Eu nunca concordei com os que dizem que
o Brasil perdeu dez anos – a tal década perdida. Mas nos últimos
vinte anos houve uma grande revolução social no Brasil. O Brasil
de hoje nada tem a ver com o de vinte anos atrás. Em termos de
saúde, de longevidade, de conforto na moradia, de nível de educação, de consumo, de cidadania, de comunicação e informação,
o Brasil evoluiu de uma forma que seria inimaginável. Tudo isso
no meio da dureza. E como você pode ver, é a tal década perdida
de 80. Foi a década em que esta Escola realmente se transformou, de 120 mil dólares para milhões de dólares e mudou de
um galpão alugado na Bela Vista para uma sede própria de grande valor na Vila Mariana. Se aconteceram essas coisas, é porque
realmente o Brasil tem conserto.
O homem é mais capaz de
criar do que a mulher; a mulher
é mais capaz de “segurar as
pontas”, enfrentar uma situação
e administrá-la.
JR: Ainda é um bom país para se viver no próximo século, senão
o milênio?
FG – Devido às dificuldades que enfrentamos, acho que nós brasileiros perdemos a perspectiva histórica. Perdemos a capacidade
de comparar e de projetar este país com base não apenas com
aquilo que se lê. A imprensa do Brasil afundaria qualquer país.
Será que nada de ruim acontece nos Estados Unidos? A imprensa
americana fala de coisas ruins, claro, mas 2/3 das notícias são
construtivas. No Brasil, chova ou faça sol, 9/10 das notícias
são negativas. Nos anos de ouro do Brasil quando crescíamos 8,
166 10% ao ano, ouvíamos sempre falar em crise o tempo todo e
estávamos crescendo 8%. Não tem jeito. Acontece que o nosso
início foi muito ruim, muito baixo. Esta foi a última sociedade
escravocrata do mundo ocidental. No ano de 1900 tínhamos,
vivos ainda, milhões de pessoas que tinham sido escravas.
JR: O que deveríamos reforçar na mentalidade brasileira para que
o brasileiro se orgulhasse da sua identidade?
FG: Valores. Isto não está sendo dito apenas por mim. Já houve
estudiosos que definiram as alavancas do progresso como sendo
basicamente três: a primeira são os valores culturais, crenças, coisas enfim às quais a sociedade dá valor. A segunda é o nível educacional propriamente dito, o que não tem nada a ver com valores. E a terceira é a habilidade para aplicar imediatamente os
novos avanços tecnológicos. Curiosamente, nos três aspectos, os
orientais, e principalmente os japoneses, dão lições ao resto do
mundo. O Japão tem valores morais e sociais que hoje chamaríamos de puritanos, protestantes. As tais sociedades protestantes
da Europa, do norte dos Estados Unidos não são mais protestantes coisa alguma. Eles perderam os valores que tinham e que permanecem lá no Japão. O Japão tem também o nível educacional
altíssimo e eles são mestres. Criticando os japoneses dizíamos:
“Ah! Eles não são capazes de fazer fundamental research. Eles são
bons em adaptar rapidamente o que os outros descobrem”. Pois
é aí que está a grande habilidade deles e que nós deveríamos
copiar. Eu acho que a transformação, portanto, não é nem rápida e nem fácil. Dizem que transformar valores leva 25 anos, no
mínimo, uma vez iniciada e nós nem a iniciamos ainda.
JR: Receitas de sucesso profissional.
FG: Imitando o Criador, eu também proponho dez mandamentos.
1. Antes de mais nada, gostaria de qualificar o sentido de sucesso. Se, como dizem os alemães, nossa última camisola não
tem bolsos, o sucesso não se mede pelo dinheiro que acumulamos em vida. Há outras medidas mais nobres.
167
2. O pior vício do ser humano é o da mentira. É o único que
deforma a alma.
3. A intuição e a imaginação criadora são as duas principais
características dos que tomam a liderança e fazem o mundo
caminhar. Elas freqüentemente vêm juntas, fazem parte de
nossa herança divina e devem ser usadas para o bem comum.
4. Sempre procurei superar as expectativas que os outros têm a
meu respeito. E sempre julguei os outros pelo mesmo diapasão.
5. Quando hesito entre dois caminhos a tomar, lembro-me
deste pensamento de Nietszche: “O homem não tem escolha:
ou sofre ou se aborrece.” E então escolho o caminho do
sofrimento, pois o tédio me horroriza.
6. De um mentor que Deus colocou em meu caminho, ouvi
certa vez o seguinte: “Pior do que tomar o caminho errado é
procurar equilibrar-se entre o certo e o errado.”
7. Escolho os meus colaboradores mais diretos como o maestro
que monta a sua orquestra. Trata-se aqui de obter a harmonia, a beleza e a eficiência através da combinação de elementos heterogêneos.
8. Das pessoas em quem confio espero, acima de tudo, a previsibilidade. O pior que nos pode acontecer são as surpresas.
9. Aprendi com meu pai a não lamentar a própria sorte. E de
meu genro, que ninguém nos prometeu uma vida justa ao
nascermos.
10. A solidão e a inquietude sempre me acompanharam, antes e
depois de ter sucesso na vida. De certa forma, acho que elas
são não apenas conseqüências, mas também causas do sucesso.
168
JR: Importância do marketing pessoal.
FG: É importante. Mas, da mesma forma que no marketing de
produtos (ou serviços), nosso marketing pessoal deve consistir
no atendimento das necessidades ou expectativas do nosso
“público-alvo”. A longo prazo, o que fazemos pelos outros é
mais importante do que a nossa aparência ou a nossa maneira de
falar.
JR: Qual o momento de sua vida em que sua missão tornou-se
clara?
FG: Foi quando assumi a direção executiva da ESPM e travei
conhecimento mais íntimo com os jovens estudantes. A Aylza
Munhoz costumava dizer que eles eram os “meus anjinhos”.
Apaixonei-me por eles e resolvi ajudá-los, dando-lhes a melhor
escola de propaganda e marketing do Brasil e do mundo.
169
Carlos Arthur Nuzman
Último representante de uma espécie em extinção
Carlos Arthur Nuzman pode ser considerado como um dos últimos exemplares de uma espécie em extinção. O comentário pode
parecer crítico em relação a um dos homens mais bem-sucedidos
do país. Mas não se refere ao homem; nem, muito menos, ao profissional – e sim à função. Nesta entrevista, ele mesmo não hesita
em reconhecer que o dirigente esportivo “amador” tem os seus
dias contados e que – no futuro – os profissionais competentes,
como ele e outros que dedicaram a maior parte de sua vida ao
esporte, vão, também, ser adequadamente remunerados pelo seu
trabalho. Como já acontece com os praticantes de quase todas as
modalidades esportivas, que, a partir de uma decisão histórica do
Comitê Olímpico Internacional, deixaram de precisar ostentar a
etiqueta enganosa de “amadores”.
Para realizar esta entrevista, fui encontrar Nuzman na sede do
Comitê Olímpico Brasileiro, que ocupa parte de um andar no
moderníssimo edifício do Centro Candido Mendes, no centro tradicional do Rio de Janeiro. Embora passasse das 18h, tive a sensação de estar visitando o escritório de uma empresa privada – uma
multinacional, quem sabe, ou uma dinâmica ONG – onde todas
as pessoas pareciam intensamente ocupadas. Nada a ver com a
idéia de repartição pública, que as pessoas formulam a respeito de
associações e clubes esportivos.
JR: Carlos Arthur Nuzman, onde você nasceu, onde estudou,
quem eram seus pais?
170
CN: Nasci em 17 de março de 1942, no Rio de Janeiro, meus
pais – Isaac e Esther Nuzman – são falecidos e sou formado em
advocacia, em 1964. Fui aluno de um único colégio, o Melo e
Souza, desde o jardim de infância até o clássico.
JR: O Melo e Souza era um excelente colégio, seu pai era uma
pessoa como se dizia antigamente “de posses” ?
CN: Não, era um grande esforço para eles, porque o Melo e
Souza era considerado, talvez, o melhor colégio do Rio.
JR: O que fazia seu pai?
CN: Era advogado, também.
JR: E você deixou o Melo e Souza e foi estudar advocacia por
influência do seu pai?
CN: Eu fiz um teste vocacional, quando estava quase terminando o colégio, num lugar chamado ISOP, Instituto de Seleção e
Orientação Profissional – e o resultado deu várias coisas: advocacia, jornalismo, comunicação, por aí...
JR: E você foi estudar advocacia?
CN: Sim. Na Faculdade Nacional de Direito, no famoso CACO
– Centro Acadêmico Cândido de Oliveira.
JR: Então a sua profissão principal é advocacia e não esporte?
CN: Sim. Trabalhava antes de me formar e trabalho até hoje
como advogado. Tenho um escritório que trata da parte Cível,
Família, Imobiliário...
JR: E como foi seu encontro com o vôlei?
CN: Bom, eu nadei, joguei tênis e futebol de salão e acabei no
voleibol. Comecei com 15 anos, no colégio, que tinha uma grande equipe. Do Melo e Souza, fui jogar no meu primeiro clube
que foi o CIB – Círculo Israelita Brasileiro.
171
JR: E você era um atleta amador...
CN: Sim, e há uma história engraçada dessa época. Uma vez,
fomos jogar na Associação Atlética Banco do Brasil, e nos ofereceram, para jogar no time deles, um emprego de vigilante, no
Banco do Brasil. Eu não aceitei porque estudava, mas houve
colegas que aceitaram. Isso foi nos idos de 63, 64...
JR: E você jogou vôlei regularmente?
CN: Joguei durante 16 anos – cheguei à Seleção Brasileira, participei dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 1964, dos Campeonatos
Mundiais na ex-União Soviética, em 1962, na ex-Tchecoslováquia,
em 1966, e outras competições. Até 1962 eram os países socialistas que dominavam o voleibol no mundo inteiro.
JR: Como foram essas participações brasileiras?
CN: Em 1962, o Brasil foi décimo nos Jogos Olímpicos; sétimo,
no Mundial da Tchecoslováquia e décimo terceiro, na URSS.
JR: E você participava da equipe e ao mesmo tempo fazia o seu
trabalho em advocacia?
CN: Eu trabalhava no escritório, com meu pai. Trabalhei também em atividades imobiliárias, de construção e fui incorporador
durante um período na vida.
JR: E seus filhos?
CN: Tenho uma filha de 16 anos, que quer estudar medicina.
JR: E quando é que o esporte começou a ser mais do que uma
simples distração na sua vida?
CN: Desde 1957, quando entrei para disputar minha primeira
172 partida oficial, até os dias de hoje, não saí mais do esporte. Fui
atleta de 57 a 72, 73, 74 presidi a Federação Metropolitana de
Voleibol do Estado da Guanabara, de 1975 a 1997 fui presidente
da Confederação Brasileira de Voleibol. Em 1995 assumi a presidência do Comitê Olímpico Brasileiro, fiquei um pequeno período lá no voleibol, onde estou até hoje. Fui vice-presidente da
Federação Internacional de Voleibol durante 23 anos.
JR: O que você responde quando lhe perguntam qual a sua profissão?
CN: Advogado.
JR: Você não ganha pelo seu trabalho na área do esporte?
CN: Não, não recebo nada.
JR: Quer dizer que um dos mais bem-sucedidos profissionais do
esporte brasileiro não tem rendimento profissional dessa atividade?
CN: Até o momento, não. Aliás, isso é uma questão que vem
sendo discutida no mundo inteiro e a tendência é que brevemente o dirigente seja remunerado. Acho que isso vai acontecer até o
ano 2000. Não acredito que o próximo século comece sem que
isso seja colocado oficialmente em prática.
JR: Isso é prática mundial, que os dirigentes esportivos não sejam
remunerados, ou é só no Brasil?
CN: Não, é mundial. Justamente o que estou colocando é a tendência mundial. Não há nada sigiloso, trata-se de uma discussão
pública.
JR: Carlos, você é o homem que pôs o vôlei brasileiro no mapa.
Eu queria saber como você conta essa história. Como você, no
país do futebol, conseguiu fazer do vôlei a segunda paixão esportiva brasileira?
173
CN: Vou começar a responder pelo final. Quando o Brasil foi
campeão olímpico de voleibol masculino em 1992, nos Jogos de
Barcelona, o primeiro repórter que me entrevistou fez a seguinte
pergunta: “Qual foi o primeiro pensamento que veio à sua cabeça
depois que o Brasil se tornou campeão olímpico? O Marcelo
Negrão sacou, o holandês recepcionou para a arquibancada, e aí
acabou: Brasil medalha de ouro... O que veio à sua cabeça?” Eu
disse: “Alívio.” Alívio, porque o projeto voleibol deu certo.
Porque, no Brasil, você tem que ser vencedor – se não for medalha de ouro, não é vencedor. Infelizmente, é assim. Tudo começou, depois de eu ter assumido a presidência da Confederação
Brasileira de Voleibol; eu entendia que o atleta brasileiro tinha
talento para levar o nosso voleibol a ser uma grande potência no
mundo. Mas, para isso, eu tinha que mudar a equipe inteira –
porque a mentalidade do grupo que existia não ia levar o Brasil a
lugar algum.
No Brasil você tem de ser vencedor –
se não for medalha de ouro, não
é vencedor.
JR: Que grupo? O dirigente?
CN: Não, a própria seleção; bons jogadores, jogadores magníficos, que seriam considerados ótimos em qualquer lugar do
mundo. Mas era preciso uma mentalidade diferente, mais profissional. Não havia dinheiro, só a vontade, o investimento que
cada um colocaria dentro de si. Propus a realização do primeiro
campeonato mundial juvenil (tanto masculino quanto feminino)
no Brasil; formei uma equipe que treinou um ano – de manhã,
de tarde e de noite. O masculino reuniu-se no Rio de Janeiro – o
juvenil na época era até os 18 anos – e o feminino, em Belo
Horizonte. Isso foi em 1977. Os jogadores, todos estudantes,
foram transferidos para colégios do Rio. Isso foi possível graças
174 ao interesse e ao apoio de duas pessoas, a quem sou grato: o bri-
gadeiro Jerônimo Bastos, presidente do Conselho Nacional de
Desportos, e o ministro da Educação, Nei Braga. Foi ele que
autorizou, porque nenhuma delegacia regional queria transferir
os alunos para as duas cidades. E eles jogaram, terminaram o
ano, fizeram suas provas e, no ano seguinte, voltaram para suas
cidades. Mas aí já estava montado um novo grupo, uma nova
seleção. Essa seleção foi vice-campeã mundial, em 1982, campeã
pan-americana de 1983 e medalha de prata nos Jogos Olímpicos
de Los Angeles. Esta foi a mais importante seleção de voleibol
que o Brasil já teve, pois foram eles que iniciaram tudo.
JR: São aqueles nomes famosos?
CN: Sim. Bernard, Renan, Montanaro, William, Xandó, Fernandão, Izabel, Jacqueline, Marcos Vinícius... Esse grupo entendeu o que era um treinamento profissional, mesmo sem ganhar
dinheiro, e passamos a treinar permanentemente o ano inteiro –
de 1977 em diante. Com isso, os resultados vieram; fizemos o
famoso jogo no Maracanã, Brasil x União Soviética, com 96 mil
espectadores e daí em diante foi o crescimento, o boom do voleibol. Paralelamente, houve a entrada da propaganda no esporte.
Aliás, você me corrija se é a propaganda ou a publicidade...
JR: São praticamente sinônimos, em português tanto faz...
CN: Isso se deu após os jogos olímpicos de Moscou, em 1980,
quando o Antonio Carlos de Almeida Braga, o Braguinha, que é
o terceiro pilar da gratidão que eu tenho, perguntou-me: “O que
você precisa para o Brasil ter medalha nos jogos de Los
Angeles?”, em 1984. Eu disse: “Faça uma equipe com a Atlântica
Boavista.” Só que não era possível. Então, disse: “Vamos lutar
para mudar a legislação...”. E entrei no Conselho Nacional de
Desportos com o pedido. Na época, eu me senti meio Robinson
Crusoé, na ilha deserta, ninguém queria ir junto. Fui à Europa,
trouxe uniformes de clubes, revistas, jornais, mostrando que as
associações das empresas com clubes, ou só empresas, era uma
coisa normal – no basquete, vôlei, handball, atletismo, enfim, 175
tudo. E, numa decisão histórica, em janeiro de 1981, o Conselho
Nacional de Desportos aprovou, por quatro votos a três, a autorização para o uso da propaganda nos uniformes do esporte brasileiro. O homem que teve a coragem de dar o voto de decisão
foi o presidente, General Cesar Montanha, e ele usou o seu voto
de qualidade, que era dobrado: estava três a dois contra, ele
votou no empate, três a três e aí votou quatro a três. E disse-lhe:
“Sua decisão muda a história do esporte brasileiro.” Então, sintome o pioneiro nisso, de uma maneira muito feliz, porque também deu certo. Daí em diante, houve o crescimento do voleibol.
Só é preciso cuidar das equipes de base, infanto-juvenil e juvenil,
e cuidar da equipe principal para ter grandes espetáculos no
Brasil todo, para manter a popularidade, para atrair novos
jovens, atletas, adeptos, torcedores, jogadores, mídia, televisão,
placas, patrocínios, enfim, forjar grandes atletas, os grandes
heróis do esporte do voleibol. A equipe campeã olímpica de
1992, em Barcelona, só tinha um atleta de 1984, que era o
Amauri. Todos os outros vieram da nossa “fábrica” de talentos.
Da mesma forma, o feminino, que em 87, 89 se tornou bicampeão mundial juvenil – que foi depois medalha de bronze nos
Jogos Olímpicos de Atlanta, vice-campeã mundial em 1994, e
atraiu a geração toda, que, hoje, é a grande equipe medalha de
ouro dos jogos pan-americanos... Quando deixei a presidência
da Confederação Brasileira de Voleibol, o Brasil era o número
um no ranking da federação internacional, com o maior número
de títulos de campeão mundial, ou vice-campeão mundial da história do voleibol. Por isso foi o meu alívio quando o projeto
voleibol deu certo.
É preciso cuidar das equipes de base,
infanto-juvenil e juvenil, e cuidar da
equipe principal para termos bons
espetáculos no Brasil todo...
176
JR: O que você diria a um jovem, na adolescência, que demonstrasse amor, interesse, competência em tênis, em vôlei, em basquete ou em natação, e quisesse fazer disso uma profissão?
CN: Essa pergunta é muito importante. Hoje, os bons atletas já
são bem remunerados, desde a década de 80 – que foi a década
da grande virada, com a entrada da propaganda nos uniformes.
JR: Isso foi objeto, inclusive, de uma modificação do Comitê
Olímpico Internacional...
CN: Exatamente. Isso coincidiu com a ascensão do presidente
Samaranch no Comitê Olímpico Internacional, em 1981, quando ele disse: “Os jogos olímpicos serão para atletas, sejam eles
profissionais ou amadores”. Você não pode obrigar um atleta a
ganhar dinheiro; amador, todos podem querer ser, até jogando
com profissionais. Acho que essa foi a grande virada. Mas eu
diria ao jovem o seguinte: primeiro, que tenha talento, que se
dedique à atividade esportiva como come um prato de comida,
bebe água, e come pão; que ele tenha determinação, coragem,
humildade, simplicidade, que treine muito, que trabalhe muito
no esporte, que nunca seja mascarado, nunca se ache um grande
campeão, porque a história está cheia de grandes campeões que
desceram a ladeira. Que, acima de tudo, seja humilde e tenha
uma condição física primorosa. Sem preparação física, raros atletas vão ter sucesso. A partir daí, tenha respeito ao treinador, respeito à sua entidade, ao clube, ao dirigente, tenha respeito para
ser respeitado.
JR: Essa, então, é a sua receita de sucesso para o desportista. Mas,
Carlos, tudo bem, que a propaganda tenha contribuído para o
sucesso do vôlei, mas como é esse negócio de torcer pelo “Leite
Moça”, e torcer pelo “Bradesco” ou pelo “BCN”?
CN: É muito interessante analisar essa questão. Enquanto você
tem no futebol, em todos os países do mundo, os clubes tradicionais, os nomes são mantidos, independente de terem patrocínios 177
ou não. Mas o restante do esporte não obedece a essa linha.
Então abre-se um leque de alternativas, de como uma equipe
deva ser constituída. Pode ser o clube de futebol participando, ou
pode ser um clube que não seja de futebol; pode ser um clube de
empresa – as empresas têm seus clubes – e outras combinações,
composições: um nome composto de um clube como uma
empresa, empresa-clube etc. Isso vai dar as condições necessárias
para que, em primeiro lugar, um esporte se desenvolva em qualquer país, que um país se desenvolva esportivamente, claro,
desde que sua legislação autorize – mas, acima de tudo, deve-se
dar, democraticamente, a liberdade de escolha e o incentivo para
que todas essas alternativas sejam possíveis. Se você fala do
ingrediente emoção, então vamos para o clube de futebol, porque ele já tem o ingrediente da emoção. Os demais vão ter que
gerar emoção através de ídolos, resultados e conquistas. Porque
não formaram ainda a grande massa de torcedores.
JR: Você considera alguma dessas formas de organização mais eficiente do que as outras?
CN: Qualquer uma delas, desde que seja completamente profissional e independente dos demais setores do clube ou da empresa. Se for no clube e mantiver o nome do clube, a estrutura profissional tem de ser independente do clube; se for uma empresa,
da mesma forma. Esses são os ingredientes fundamentais.
JR: O “esporte espetáculo” é uma coisa relativamente nova?
CN: Eu diria que a “indústria do esporte” – e tenho usado essa
expressão desde a década de 80 – vem crescendo e hoje está consolidada e vai adiante. A dinâmica de crescimento da indústria
do esporte é fundamental e isso não vai deixar de acontecer em
nenhum país do mundo.
JR: Em 1896, quando alguém decidiu que se faria a primeira
olimpíada da era moderna, na Grécia, qual foi o objetivo de reali178 zar esse evento?
CN: Claro que era mais o espírito de competição, de festa, mas
já houve uma boa participação do público, na Grécia, e também
vinham nobres, pessoas da sociedade, gente de outros países...
JR: Mas, hoje, uma olimpíada é um espetáculo mundial, que
mobiliza bilhões de dólares. Você sabe quanto?
CN: Olha, num comitê organizador, para organizar uma olimpíada, você trabalha com duas fontes de recursos: a primeira é o
que vai ser gasto na infra-estrutura da cidade, e isso vai depender... Barcelona gastou dez bilhões de dólares, mas isso não quer
dizer que todas as cidades vão gastar a mesma coisa, vai depender das necessidades de cada uma. A outra vertente é para organizar os jogos, ter as instalações esportivas etc., isso está – pelos
números das últimas – em torno de pelo menos dois bilhões e
quinhentos milhões de dólares.
JR: Isso inclui os patrocínios esportivos das transmissões?
CN: Sim, os direitos de televisão e os programas de marketing
do Comitê Olímpico Internacional.
JR: Mas não inclui o lucro que as empresas de comunicação
venham a ter.
CN: Não. Aí os números sobem, realmente, a perder de vista.
JR: Você inclui o Brasil, hoje, entre as maiores potências esportivas do mundo, ou não chegamos lá ainda?
CN: Não, não chegamos. O Brasil estará, hoje, talvez, entre as
vinte principais nações esportivas do mundo. Estaríamos na frente em algumas modalidades...
JR: Mas se o Brasil, em termos de renda per capita, é o 40º, e nós
estamos entre os vinte, nos esportes, então estamos acima da
nossa média?
179
CN: Concordo absolutamente. O Brasil talvez seja um dos países
em que os seus cidadãos têm mais talento para o esporte – não
sei se há outro parecido. Se nós estamos entre os vinte, devemos
isso, em grande parte, ao talento que os atletas têm.
JR: A que você atribui esse talento?
CN: No esporte, o atleta tem que ter a ambição da vitória: querer lutar para vencer. O que sentimos, principalmente nesses últimos jogos pan-americanos, foi uma incrível metamorfose na
ambição de ganhar, pelo orgulho de usar a bandeira brasileira...
Os brasileiros foram os que mais envergaram a bandeira do seu
país, com mais orgulho e em maior número durante os jogos
pan-americanos. Também cantar o hino, coisa que até há pouco
tempo ninguém sabia... e os atletas deram um show, mesmo nos
limitados 45 segundos em que o hino era tocado.
JR: Por que será que o brasileiro decora a sua casa toda de verde e
amarelo quando o Brasil é campeão mundial de futebol e, no dia
7 de setembro, nem sabe o que está acontecendo? Você tem alguma teoria para isso?
CN: Não, eu acho que o desafio do esporte é permanente, diário
quase, anual com certeza. Então você se acostuma a estar sempre
no desafio da vitória, no risco da derrota; das lágrimas da derrota às lágrimas da alegria pela vitória. Acho que essa competitividade que o brasileiro adquiriu até na própria vida, a certeza de
querer estar na frente, de não se conformar em ficar para trás, de
estar lutando – é tudo muito positivo.
JR: E a influência da raça negra na competência esportiva do brasileiro?
CN: É enorme. E o Brasil é um país em que transpira a união
180 entre todos os seus... E a gente vê que, no mundo de hoje, há
atletas negros em grande quantidade e em alguns esportes eles
predominam...
JR: Voltando ao esporte como negócio. Tenho, às vezes, a sensação de que mais gente de fora ganha dinheiro com o esporte brasileiro do que os próprios brasileiros. Estou certo ou errado?
CN: Está certo. Mas o que nós precisamos fazer no Brasil, para
aproveitar melhor esse grande negócio que é o esporte, é mais
profissionalização, conhecimento de como se organizar um grande evento, entregá-lo pronto e bem-feito, com padrão de qualidade, seriedade...
JR: Mas onde estariam as pessoas para fazer isso?
CN: Todos, todos. É quem vai organizar, seja um promotor de
eventos, seja entidade esportiva, seja a entidade pública, municipal, estadual ou federal. Todos integrados, conscientes de que se
tem que fazer o melhor. Muitas vezes não é fácil... Já ganhei prêmio de melhor organização de campeonato mundial e sei o que
isso custou – e não é só dinheiro, não, é literalmente sangue,
suor e lágrimas.
JR: Nós já falamos sobre o jovem que queira se tornar um esportista. E os outros que queiram fazer disso profissão, organizando
eventos, desenvolvendo negócios com o esporte. Qual seria, na
sua opinião, o caminho a seguir?
CN: Acho que têm de estudar, acho que todos têm que ter um
conhecimento abrangente de cada segmento dessa fabulosa
indústria do esporte, do que ela solicita, do que ela requer, para
se tornar um verdadeiro especialista nesse assunto.
JR: E o que ele deve estudar?
CN: Depende do que queira fazer – mas administração, comunicação e marketing são básicos. Ele não poderá dirigir nada se 181
não tiver noções de marketing. Isso é vital. Ninguém é obrigado
a conhecer uma produção de uma transmissão de televisão, mas
tem que ter noções – posicionamento de câmeras, iluminação,
som, reflexos – trata-se de um conjunto de conhecimentos de
certa complexidade.
JR: Na sua carreira profissional no esporte – embora a gente saiba
que você se realizou financeiramente como advogado – mas na
carreira de dirigente esportivo, qual foi o momento crucial?
CN: Como atleta, foi a primeira vez que fui à seleção brasileira,
ia ao campeonato mundial na ex-União Soviética em 1962 e,
naquele mesmo mês, a minha única irmã ia casar... Eu não sabia
se ficava, pedia dispensa da seleção para assistir ao casamento
dela, ou iria ao campeonato mundial. Essa data foi 27 de outubro de 1962, a data da quase-invasão da Baía dos Porcos, em
Cuba, e eu estava em Moscou. Minha decisão foi de ir ao campeonato mundial. Ali eu assumi que era um atleta do Brasil.
Como dirigente, foi quando resolvi parar de jogar – tinha trinta
anos, em 1972, ou seja, dez anos depois desse outro fato. Vieram
oferecer-me a presidência da Federação de Voleibol do Rio. Eu
disse: “O que eu quero é ser presidente da Confederação Brasileira
de Voleibol. Quero trabalhar pelo voleibol do meu país, retribuir
o que ele fez por mim.” Aceitaram-me e ali foi o grande desafio.
Dali em diante, eu queria transformar o voleibol do Brasil numa
potência. Foram momentos cruciais, que se tivesse dito “não”, a
vida tomaria outro rumo.
JR: Como você se sente hoje, cuidando de todos os esportes e não
mais apenas do voleibol?
CN: Em 1979 perdi a eleição ao Comitê, para o então presidente... Perdi por doze a nove. Minha reação foi cumprimentar a
todos e dizer para mim mesmo: “Vou transformar o voleibol na
minha plataforma, na demonstração da minha capacidade de
dirigir o Comitê Olímpico Brasileiro” – e foi o que fiz, até chegar
182 o momento em que estava pronto para dirigir o COB.
JR: No que você se identifica com alguns grandes campeões, que
iniciaram a sua trajetória com uma derrota...
CN: Ah, sim... Tenho na vida isso muito claro: vive-se de vitórias
e derrotas. Que saibamos tirar lições das derrotas, transformar
uma derrota numa grande vitória, posteriormente.
JR: Como você vê o marketing no esporte?
CN: É a ferramenta indispensável para a indústria do esporte.
Não vejo condições de organizar nada, se não tiver o marketing.
Exemplo: o Comitê Olímpico Internacional, que organiza a
maior competição esportiva do mundo. Na Copa do Mundo,
são 32 equipes, multiplicadas por 22, você tem aí perto de 1.000
atletas. Nos jogos olímpicos, estamos falando de 10.000 atletas,
5.000 técnicos e dirigentes, 17.000 jornalistas credenciados de
imprensa escrita e mais todo o credenciamento de televisão.
Estamos falando de um universo que lida com um milhão de
pessoas, numa cidade, durante três semanas. O Comitê Olímpico
Internacional precisa levantar dinheiro para isso. Ele vende direitos de televisão, criou o Top Program – Programa Top de
Marketing do COI. Este programa tem 11 patrocinadores internacionais a cada quatro anos, contribuem com uma importância
elevada para a realização dos jogos olímpicos, manutenção do
COI e ainda ajuda os comitês olímpicos de todo o mundo. Mas
não basta a TV comprar, eles têm de vender para alguém, e a
venda dele é uma ação de marketing que tem que justificar e
demonstrar um retorno importante para a empresa patrocinadora. Por isso, afirmo que o marketing é a ferramenta mais importante na construção de qualquer evento, de qualquer fato, não só
no esporte, mas em qualquer ramo, qualquer tipo de atividade.
O marketing é a ferramenta mais
importante em qualquer evento...
183
JR: E o marketing pessoal, como você vê?
CN: Em primeiro lugar, sou favorável. Os grandes nomes do
esporte, todos eles, têm suas imagens cuidadas através do marketing pessoal. Alguns limites, às vezes, são ultrapassados, mas acho
que isso faz parte dessa dinâmica. A indústria do esporte está
assumindo a sua posição dentro da sociedade e acho que isso
tem que ser muito bem cuidado. Ouve-se muito falar que, no
esporte, tem que ter o psicólogo para cuidar da cabeça dos
esportistas, mas é preciso também de marketing à flor da pele,
para cuidar de que sua imagem esteja, acima de tudo, no Top of
Mind porque, senão, não adianta a outra...
184
Joaquim Francisco de Castro Neto
“Prefiro ser dono de restaurante”
Quando Joaquim Francisco de Castro Neto, presidente do
Unibanco – terceiro maior banco privado do país – afirma que
quer ser chef e dono de restaurante no Rio de Janeiro, depois de
terminada sua missão de manager, ele não está simplesmente
fazendo blague.
Consciente ou inconscientemente, o que está fazendo é mandando um recado que valeu para ele e valerá para os jovens em
início de carreira: se você trabalhar a sério e muito; se não evitar
as tarefas desagradáveis, se elas forem importantes; se souber utilizar corretamente as habilidades “sociais” para formar equipes
coesas e entusiasmadas, capazes de grandes realizações, você pode
dar certo em qualquer lugar: seja como presidente de banco ou
chef de cozinha.
Castro Neto não se furtou a comentar criticamente sobre seu
próprio setor, que, segundo ele, aprendeu a competir um pouco
tardiamente. Espírito competidor desde os bancos escolares, ele
acha que os bancos brasileiros poderão enfrentar a concorrência
estrangeira de igual para igual.
JR: Perdoe-me a franqueza, mas a profissão de bancário é muito
“chata”. Como é que se convence um jovem recém-formado a
entrar para ela?
CN: Qualquer profissão pode ser chata. O interessante é você
saber se divertir. Na vida, interessante é o lazer. A profissão é um
meio. Por exemplo, a escola que freqüentei, a Escola de
Administração de Empresas da FGV, tínhamos uma visão diferente. Ou você ia trabalhar numa empresa de serviços, comércio 185
ou banco, ou você ia trabalhar na indústria. Indústria tinha cheiro de graxa. A área de serviços parecia mais “limpa”, e portanto
tinha lá seu charme; eu sempre me vi mais na área de serviço do
que na indústria.
JR: Como você chegou à FGV e à Administração?
CN: Aos 17 anos, estudante no Rio, cheguei à trágica conclusão
de que simplesmente não tinha nenhuma vocação; pelo menos no
que concerne à dimensão profissional da vida. Meus amigos
todos tinham vocação para ser médicos, engenheiros, advogados,
e eu gostava era de tocar piano e escrever. Graças a Deus não me
meti em nenhuma dessas duas coisas e quando tive que escolher
minha profissão fiz isso de maneira pragmática: tentando buscar
um curso que fosse rápido e que desse dinheiro, porque enxergava – como continuo enxergando – a profissão como meio e não
como objetivo final de vida. Em 1962, quando tomei essa decisão, não havia no Rio de Janeiro nenhuma escola de administração de empresas, só a Fundação Getulio Vargas, a EBAP. Mas era
Administração Pública e eu também não tinha queda para funcionário público. Então peguei o ônibus e vim para São Paulo, tentar
o vestibular da EAESP. Foi um lance de felicidade, porque não
tinha consciência do tipo de decisão que estava tomando. Mas
ingressei numa escola que vivia um momento de esplendor: éramos 240 alunos assistidos por 54 professores, todos vindos de um
MBA na Michigan State University – que foi um bom começo.
O interessante é você saber se
divertir. Na vida, interessante
é o lazer.
JR: E os modelos familiares? Seu pai, por exemplo, qual era sua
profissão?
CN: Era coronel do exército, com formação humanista, já que
186 resolveu formar-se em medicina. Ele era oficial da infantaria.
JR: Irmãos, irmãs? Filhos?
CN: Um irmão é economista; hoje mora nos Estados Unidos e
minha irmã, professora de línguas no IMPE, em São José dos
Campos. Tenho um rapaz de 17 anos e uma moça de 22 anos
que, por sinal, é aluna da Escola Superior de Propaganda e
Marketing.
JR: Dizem – e continuam dizendo – que era muito fácil ganhar,
com banco, no Brasil no tempo da inflação, e que agora ficou
difícil. Você concorda?
CN: O que está por trás dessa afirmativa é que banco, para
ganhar dinheiro, num ambiente não-inflacionário, só tem uma
maneira: emprestando dinheiro, correndo risco de crédito. E
emprestar dinheiro é uma técnica, uma arte, que pressupõe a
absorção de doses cavalares de tecnologia, principalmente quando se fala de crédito para massa e em banco de varejo. Esse é um
dos principais desafios que o setor bancário brasileiro começa a
enfrentar, de maneira tardia, por causa da deformação que a
inflação introduziu no processo. Muitos bancos, até hoje,
cobram através das agências – o que é uma loucura. Nenhum
banco europeu ou americano, que tenha volumes expressivos de
ativos, faz cobranças através de suas agências; eles ainda concedem créditos com analistas de crédito, quando as decisões de
créditos devem ser feitas com apoio de modelos matemáticos
atuariais de concessões de crédito... Quer dizer, é uma outra realidade e quem não se preparar para isso vai ter que enfrentar
taxas de risco até insuportáveis.
JR: O Unibanco foi um dos primeiros bancos a acreditar na informatização. Você acha que existe uma relação entre ser eficiente e
trabalhar com informática?
CN: No Brasil, a grande evolução tecnológica também teve relação com o ambiente inflacionário. Quando a gente vê, por exemplo, a eficiência do sistema bancário brasileiro como um todo, 187
onde você compensa cheques, em todo o país, em 24 horas, e
compara isso com os Estados Unidos onde um cheque entre
Nova York e Los Angeles leva sete dias para ser compensado, ou
na Europa... Não é porque sejam incompetentes, nem porque
não tenham tecnologia... a questão é outra: eles precisam remunerar toda a infra-estrutura de compensação, e o fazem através
da criação de um float, que acaba remunerando o banco que
presta o serviço. No Brasil – com taxas inflacionárias que chegaram a 80% ao mês – era inviável pedir a um cliente que esperasse sequer 24 horas pela compensação do seu cheque. Ele precisava do dinheiro imediatamente, para defendê-lo da inflação.
JR: Quer dizer que foi uma “boa” conseqüência da inflação?
CN: São conseqüências que poderíamos chamar de positivas, porque, de resto, as conseqüências da inflação sempre foram danosas.
Embora o ambiente inflacionário fosse um facilitador para a indústria bancária do ponto de vista de geração de resultados.
JR: Não se pode dizer que o sistema bancário tenha sido tomado
de surpresa pela estabilização da moeda, mas alguns grandes bancos brasileiros fecharam suas portas, ou foram absorvidos por
outros. Por que aconteceu isso?
CN: As razões são variadas. Se olharmos a história, acho que o
insucesso dessas instituições são de natureza diferente, embora
sempre com a presença de uma dimensão, que é a questão da
sinistralidade, associada ao problema dos créditos concedidos
aos clientes, em maior ou em menor grau.
JR: Você poderia ser um pouco mais claro?
CN: Emprestaram mal durante um certo período e não conse188 guiram se recuperar a tempo.
JR: Como é que você vê a chegada dos bancos estrangeiros?
CN: Com naturalidade. Acho importante a presença dos bancos
estrangeiros no país – até como um método de aferição da eficiência dos nacionais – que, em vários momentos tiveram essa eficiência colocada sob suspeita. Acho que o Brasil não deve fazer o que
fez a Argentina, que praticamente entregou seu sistema bancário
ao capital estrangeiro. Nós, brasileiros, deveríamos permanecer
com parte importante desse negócio sob o comando de capitais
nacionais. Os bancos estrangeiros já estão aí há algum tempo,
alguns há muitos anos, e o que nós estamos vendo é que todos respiramos o mesmo oxigênio e ninguém é capaz de fazer milagres.
Todos os bancos brasileiros de algum porte têm demonstrado
capacidade de competir com os estrangeiros, que não lançaram
nenhum produto diferente dos que têm os bancos brasileiros, operam produtos com os mesmos preços, atendem à clientela com
padrões de qualidade semelhantes ao de qualquer banco brasileiro.
JR: Os bancos brasileiros não precisam de ajuda do governo para
enfrentar essa concorrência?
CN: Com certeza não precisam. E a banca brasileira nunca pediu
nenhum apoio especial ao governo.
JR: Como a grande maioria dos brasileiros, eu sou cliente de mais
de um banco. Além do Unibanco, sou cliente de dois outros bancos. Um deles associou-se a um banco estrangeiro e recebi uma
mala-direta que dizia: “Nosso banco agora está associado com
uma rede no exterior e você será beneficiado.” Liguei para eles e a
pessoa do SAC não tinha a menor idéia. Informei que viajaria na
semana seguinte para a Europa e queria saber se poderia tirar o
meu cartão brasileiro. O funcionário acabou confessando que
não. O que você acha disso?
CN: Você deu um “trote” no pessoal do banco adquirido pelo
banco estrangeiro. Não tenho nenhuma dúvida de que eles che- 189
garão a ser competidores respeitáveis, mas tão respeitáveis quanto os meus demais competidores brasileiros.
JR: Mas o que ganha o cliente brasileiro se o seu banco se associa
a um banco estrangeiro?
CN: Diria que ainda não ganhou nada. É possível que ganhe
alguma coisa, no futuro, quem sabe? Talvez você, como cliente
desse banco onde tem a sua segunda conta, no futuro, possa
fazer o que você imaginou fazer: entrar numa agência desse
banco na Europa e sacar seu dinheiro, usar uma máquina automática etc. Mas isso só vai acontecer bem mais para frente. E talvez isso nem seja relevante, para fazer com que um cliente brasileiro tome a decisão de transferir a sua conta para um banco
estrangeiro.
JR: O Unibanco, que é o terceiro maior banco privado brasileiro,
tem planos para alguma expansão ou prestação de serviços aos
clientes do banco no exterior?
CN: Temos hoje, no exterior, escritórios em Londres, Nova
York, em Cayman, Miami, e até em Asunción, no Paraguai. E
somos associados a um banco em Montevidéu, Sulinvest, onde
damos um apoio limitado aos nossos clientes, que, na realidade,
precisam de pouca coisa quando viajam ao exterior; o que a pessoa precisa realmente é poder sacar algum dinheiro... Eu tenho
hoje à disposição dos nossos clientes, 150 mil caixas automáticos
da rede Cyrrus e Plus. Mas ainda é através dos cartões de crédito
e não de débito.
JR: Você se considera um profissional de banco, profissional de
management, um profissional de marketing?
CN: Eu sou um gerente.
JR: Então, poderia estar à frente de uma editora ou de uma indús190 tria cheia de graxa?
CN: Com certeza. E isso está muito em função daquela minha
falta de vocação. Acho que poderia ser advogado, engenheiro...
JR: Como você vê o marketing nesse composto de management?
CN: O marketing para mim, acima de tudo, é o desenvolvimento da sua sensibilidade em relação ao ambiente, e portanto o
marketing – a sensibilidade mercadológica – quase se confunde
com aquela definição clássica de inteligência como capacidade de
adaptar-se ao meio em que se vive. Isso é absolutamente necessário para os indivíduos e para as empresas que querem ter o tal
“comportamento inteligente”. A expressão desse comportamento faz-se através da capacidade de entendimento mercadológico.
É entender o ambiente, entender o seu cliente, enfim, fazer permanentemente o exercício de adaptação da sua empresa, do seu
negócio a esse conjunto de interesses, necessidades etc., que vêm
do mercado.
O marketing, para mim, acima
de tudo, é o desenvolvimento
da sua sensibilidade em
relação ao ambiente.
JR: Quando você se referiu ao “ambiente” só falou do cliente
uma vez. No marketing bancário, a constatação de que o mercado é feito de pessoas vale ou não vale?
CN: Claro que vale. Aqui, no Unibanco, acho que uma das capacidades estratégicas que mais temos desenvolvido está relacionada ao conhecimento do cliente – aquele negócio que todo
mundo diz que tem, mas que poucos operacionalizam e que é o
domínio das técnicas do marketing database. Hoje, avançamos
muito nisso, não só no entendimento das necessidades dos clientes, mas usamos, diariamente, ferramentas estatísticas de prospecção da propensão a consumir produtos financeiros. E esta- 191
mos utilizando essa técnica para operacionalizar o desenvolvimento de canais alternativos, que antes eram meramente canais
de atendimento a clientes, para prestação de informações e que
passam a partir de agora – com o apoio desse marketing database
– a ser canais de venda. Por exemplo, eu tenho hoje, um call-center, que recebe seis milhões e quinhentas mil ligações por mês. E
somos capazes de, através de um modelo matemático – behavior
score – olhando para o portfólio de clientes, sem perguntar nada,
a nenhum deles, definir-lhes linhas de crédito.
JR: O que você está dizendo, na verdade, é que na sua organização você conseguiu encontrar “agregados significantes”, que você
consegue classificar os 3 milhões e 500 mil clientes do banco em
segmentos...
CN: Muito mais do que isso, conseguimos enxergar indivíduo
por indivíduo, identificando, para cada um deles, suas propensões de consumo de produtos bancários. Portanto, as ofertas são
pessoais. Essa capacidade de desenvolvimento de modelos matemáticos de propensão a consumo é uma das capacidades críticas
e estratégicas que o Unibanco desenvolveu.
JR: Quer dizer, tecnologicamente: esse cliente ligou, deu o número dele...
CN: Ele digitou o número da agência, o número da conta corrente e a sua senha. O computador faz a pergunta: tem linha de
crédito? “Sim”. Aí, faz uma segunda pergunta: a central está com
fila? Se estiver com fila, não prejudico a qualidade, deixo seguir.
Se não está com fila e há folga no atendimento, tiro-o do atendimento digital e ele tem uma conversa pessoal com o representante de vendas, que vai dizer: “O senhor acabou de receber uma
linha de crédito do Unibanco, se for de seu interesse, ela pode
ser disponibilizada já. Basta que o senhor, de novo, digite a sua
senha e me diga que está de acordo, porque a sua ligação está
sendo gravada.” O cliente assim faz, e o crédito é feito naquele
192 momento, na sua conta corrente.
JR: Você está falando de pessoa física?
CN: Pessoa física, indivíduos. Isso é apenas um exemplo, porque
a mesma coisa acontece com seguros, fundos, planos de aposentadoria, mas não a esmo, e sim, através desses modelos, onde são
verificadas as propensões a consumir cada um desses produtos. E
tudo acontece pessoa-a-pessoa...
JR: E se você tiver uma falha no sistema, e o cidadão quiser fazer
uma reclamação ou ter um contato personalizado por iniciativa
dele. Ele terá condições de chegar à pessoa certa?
CN: Sem dúvida. É o nosso Serviço de Atendimento ao Cliente –
SAC, que é um subset do telefone Trinta Horas. Alguém entra
para pedir saldo ou um extrato, ou para fazer uma reclamação.
Para fazer a reclamação há um dispositivo especial, para recebêla, para procurá-la e depois para respondê-la. Na realidade, há
mais do que um dispositivo – o que, nesse momento, é até inconveniente – mas a tendência é reunir tudo numa coisa só. Por
exemplo, o help-test do Micro 30 Horas é um dispositivo separado, ainda, do canal geral de reclamações, mas a tendência será
reunir tudo isso em um único dispositivo de atendimento ao
cliente.
JR: Você acredita na função de ombudsman numa empresa de serviços bancários?
CN: Não acho que seja a única maneira de tratar a questão. Tenho
um pouco de medo de “afunilar”. Numa organização como a
nossa, são possíveis algumas dezenas de agentes de solução. Eu
vendo 35 produtos, não sei quantos serviços, e fico com um pouco
de medo de afunilar. Mas não tenho preconceitos contra a idéia...
Já pensei nisso e provavelmente continuarei pensando.
JR: Vimos, recentemente, uma demonstração de falta de sensibilidade mercadológica, que foi a confusão das telefônicas. Como é
que você viu isso depois de uma intensa campanha publicitária?
193
CN: Acho que, desde o início, o programa de privatização do
serviço telefônico gerou no mercado uma expectativa exagerada,
seja do ponto de vista da qualidade dos serviços, seja do ponto
de vista da expansão. Se olharmos os números objetivos, vamos
perceber que do ponto de vista da expansão do serviço, a velocidade realmente cresceu assustadoramente em relação aos anos
anteriores. Portanto, a rigor, o problema foi de comunicação.
JR: Voltando a uma observação anterior, você disse que a profissão
é um meio, não um fim... Seu objetivo não é a carreira bancária?
CN: Acho que a minha verdadeira vocação é ter um restaurante.
Você sabe que eu sou um cozinheiro de primeira – quase profissional? Pois gosto muito disso e acho que, um dia, terei o meu
próprio restaurante. Mas será no Rio de Janeiro – para onde,
aliás, gostaria de voltar...
JR: Qual a sua especialidade?
CN: Cozinha francesa.
JR: E o Rio de Janeiro, tem saída?
CN: Sabe, o Rio de Janeiro não vive só dos cariocas. A cidade
produz um certo magnetismo que atrai um certo tipo de personalidade vindo dos quatro cantos desse país – gaúchos, mineiros,
nordestinos e até paulistas – são pessoas que, no fundo, definem
a atmosfera do Rio de Janeiro cultural, humana, e fazem com
que a cidade seja, realmente, uma das mais agradáveis do
mundo. O Rio de Janeiro obviamente tem uma enorme vocação
turística, mas poderá ser, efetivamente, uma cidade para o desenvolvimento de uma indústria de alta tecnologia; tem capacidade
de desenvolver suas atividades portuárias; será sempre um centro
cultural e poderá voltar a ser um centro cultural-educacional de
muita importância para o país. Enfim, acho que o Rio de Janeiro
tem inúmeras opções para voltar a se desenvolver, tem dado
194 sinais, nos últimos anos. Nesse momento, o Rio de Janeiro tem
um dos menores índices de desemprego, o que é fantástico; a
indústria de serviços conseguiu evoluir, com uma capacidade
não-desprezível de geração de novos empregos. Afora as minhas
ligações emocionais com a cidade e com o estado, vejo condições
objetivas de o Rio de Janeiro fazer de novo a sua decolagem.
JR: Você acha que existem “receitas” para o sucesso profissional?
CN: Não sei se receitas completas, mas acho que existem alguns
ingredientes: em primeiro lugar, ter capacidade de trabalhar
muito. Trabalhar muitas horas por dia, sim, mas, segundo, é ter a
capacidade de trabalhar em cima de problemas que nos desagradam, além dos que nos agradam. Existem sempre áreas que rejeitamos, que não queremos nem ver, mas para quem tem a capacidade de se expor a todos os desafios, em áreas variadas, serão
adquiridos alguns ativos valiosos para seguir uma carreira ascendente, que demanda, a cada momento, uma visão cada vez mais
generalista. Principalmente nos níveis mais altos da hierarquia,
essas coisas são determinantes para a escolha dos indivíduos.
JR: E o que mais?
CN: A habilidade social. Saber lidar com pessoas, dentro e fora
do trabalho – mas principalmente dentro. Nessa questão do
desenvolvimento de habilidades, é clássica a divisão em habilidades sociais e habilidades técnicas – e estou convencido de que o
desenvolvimento de habilidades sociais tem peso mais importante, para a trajetória profissional, do que as suas habilidades técnicas. Evidente que o ideal é que tenha ambas, mas já vi muita
gente fazendo sucesso com suas habilidades sociais e poucas
habilidades técnicas. Nunca vi ninguém com grandes habilidades
técnicas ter sucesso sem habilidades sociais.
JR: No último livro de Drucker, ele afirma que um dos grandes
desafios do futuro próximo é que as pessoas agora vivem mais e
que, hoje, uma pessoa com cinqüenta anos deveria planejar a
segunda metade da sua vida. O que você acha?
195
CN: Li, recentemente, uma outra observação parecida com esta:
“Temos de entender que a empresa, hoje, não é mais capaz de
dar ocupação ao indivíduo, correspondente à sua nova sobrevida.” A sobrevida cresceu extraordinariamente nos últimos trinta, quarenta anos, mas as empresas não se adaptaram; e esse é
um ponto de preocupação para quem esteja com seus cinqüenta
anos.
JR: Você acha que as empresas mudarão esse modo de pensar?
Hoje, é comum uma empresa não aceitar candidatos a emprego
com mais de quarenta anos.
CN: A relação entre o indivíduo e a empresa deve-se transformar
nos próximos vinte anos. Minha impressão é de que, por exemplo, o trabalho em grupo venha a se modificar com o desenvolvimento de tecnologia onde as pessoas poderão trabalhar em casa,
ligadas por terminais, e as empresas terão mais interesse em que
isso aconteça, para baixar custos. Nesse sentido, acho que as pessoas que têm a capacidade de renovar-se em relação ao desenvolvimento tecnológico talvez tenham alguma chance de prolongar o
tempo de suas carreiras. Fora disso, acho difícil.
JR: O marketing pessoal é importante?
CN: Acho que sim. Esse marketing pessoal passa até por conceitos clássicos: a embalagem é a maneira de a pessoa se apresentar,
vestir, falar, pentear-se, barbear-se... Realmente, cada um de nós
produz uma impressão e essa impressão está permanentemente
sob julgamento, 24 horas por dia, a cada segundo. O marketing
pessoal é algo que deveria começar logo no início da carreira do
indivíduo. O indivíduo como produto, ele deve encarar a questão de estar atendendo às necessidades de seu mercado. No caso,
o seu mercado é o seu empregador atual e potencial. Na verdade, chamamos de marketing pessoal aquilo que sempre existiu,
que antigamente se chamava “charme”, “personalidade” e coisas
196 desse tipo.
JR: Qual foi o momento decisivo na sua carreira?
CN: Acho que o primeiro momento foi quando tomei a decisão
de vir para São Paulo, fazer a escola da FGV; o segundo, quando
tive oportunidade de entrar num banco, para começar a minha
carreira, no Banco Crefisul de Investimentos. Já era um banco
nacional, pertencia ao Sr. Aron Birman, um madeireiro do Rio
Grande do Sul, uma pessoa de enorme talento e, para quem não
se lembra, no final dos anos 60, início dos anos 70, o Banco
Crefisul era o maior banco de investimentos do país. Mais tarde,
em 1972, ele foi vendido ao Citibank. Depois, outro momento
decisivo foi quando trabalhava para o Grupo Gerdau, uma instituição financeira de propriedade da família Gerdau – Banco
Sulinvest e Finasul – e o Unibanco adquiriu essas duas instituições financeiras. Não foi uma decisão minha, mas foi uma oportunidade que tratei de aproveitar e tive a sorte de entrar numa
empresa brasileira profissionalizada.
JR: Isso em...
CN: Em 1974. Pouquíssimas empresas brasileiras eram assim
profissionalizadas em 1974, porque, sendo um banco da família
Moreira Salles, tendo como líder o embaixador Walter Moreira
Salles – que, a partir de certo momento da vida, quis ter uma
presença pública importante – para conciliar seus objetivos como
empresário e homem público, optou pela profissionalização do
banco. Assim, ele pôde ter os importantes papéis que teve, na
vida pública, continuando sua trajetória como empresário.
JR: O Unibanco ainda é uma empresa familiar?
CN: O Unibanco é uma empresa sob o controle da família Moreira Salles, mas é, como disse, uma instituição absolutamente
profissionalizada. Entrei aqui, “comprado”, e aqui dentro fiz carreira. No banco, prevalece um processo profissional de meritocracia, o que não significa dizer que acertamos 100% dos proces- 197
sos de avaliação, mas certamente há critérios – e diria que em
99% dos casos nós acertamos.
JR: Suponha que você seja convidado para falar a alunos em início de carreira. O que diria?
CN: As escolas têm oportunidade de fazer duas coisas com seus
alunos: uma é informar e a outra é formar. Acho que, numa
escola que esteja fazendo isso, os alunos deveriam, além de buscar a informação, também aproveitar para se formar. Eu quero
dizer com isso, para ser bem objetivo, o seguinte: “compita”.
JR: Dentro da escola?
CN: Dentro da escola. Faça com que a escola provoque este
lado, mais de formação do que de informação técnica. Tente tornar-se competitivo. Lembro-me de que essa era uma característica da minha escola – nós nos revezávamos no final de cada
semestre, íamos para o quadro negro, fazíamos o ranking de
todos os alunos em relação à média. Era uma coisa dura, até
cruel. Tinha o primeiro terço, o pelotão do meio, e tinha o
“rabo” e, realmente, nós acabávamos nos avaliando por aquele
ranking. Para certos indivíduos, aquilo operou verdadeiros milagres de reação. Eu via a turma toda crescer. Claro que era uma
classificação forçada e sempre haveria o terço inferior, mas era
uma marca. O mundo é assim, competitivo. Se você está esperando sucesso profissional, vai ter que competir.
JR: Isso não é triste, numa cultura como a nossa, que, fora das
escolas de administração, é pouco competitiva?
CN: Não acho triste, não. Acho extremamente alegre, porque
competição é uma alegria. A competição é que permite fazer
198 com que os vencedores apareçam.
O mundo é competitivo. Se você
está esperando sucesso
profissional, vai ter que competir.
JR: Mas você não acha que um dos problemas do Brasil é de que
nós precisamos de mais gente competindo?
CN: Sem dúvida. As escolas deveriam infundir esse sentido de
competição em seus alunos. Acho que essa é a parte da formação. Para mim não é a única. Existe ainda a parte da ética, da
moral, do comportamento; as escolas não podem achar que só
com informação vão tornar o indivíduo competente para sobreviver ou, mais do que sobreviver, a bem viver, num cenário profissional.
JR: Como conselheiro dos jovens que completaram o curso e vêm
aqui ao Unibanco, quais as dicas para conseguir bons empregos?
CN: Diria o que já disse. Em primeiro lugar, o desenvolvimento
de um enorme apetite para trabalhar duro. Trabalhar com a
coragem de se expor a todo tipo de desafio – os agradáveis e os
desagradáveis, colecionando assim um conjunto de ativos profissionais que serão valiosos a médio e longo prazo. Tentar desenvolver, ao máximo, suas habilidades sociais ou políticas, no sentido mais positivo da palavra, saber lidar com os companheiros,
saber trabalhar em equipe e, na fase final de seu desenvolvimento, ser capaz de exercer liderança sobre os grupos. Além disso,
cultivar, em cada segundo de sua vida, a ética profissional.
Enfim, valorizar todas as qualidades de caráter que definem uma
pessoa confiável, leal e dedicada à organização para a qual está
trabalhando. E, finalmente, uma coisa muito simples: recorrer ao
CIEE para obter um estágio. Só que acho um absurdo o estágio
só ser reconhecido por lei depois do terceiro ano. Teria de ser
feito antes, até no segundo grau, e há até muitas pessoas que trabalham enquanto estão estudando...
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