Sem Marcas - GlobalBrands
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Sem Marcas - GlobalBrands
UM MUNDO SEM MARCAS copyright: José Roberto Martins/2006 www.globalbrands.com.br Tente imaginar um mundo sem marcas. Embora isso pareça improvável, um mundo assim já existiu. Nele, os consumidores não precisavam memorizar referências ou informações para comprar bens e serviços. Comece pensando sobre o debate entre a utilidade e a inutilidade dos logotipos e você poderá aproveitar intensamente o texto intrigante do livro mais polêmico sobre marcas lançado nos últimos anos. Trata-se de “NO LOGO” (“Sem Logo”), publicado no Brasil pela Editora Record (2002). Mesmo estando em 2006, considero o livro “da hora” para todos os envolvidos no mundo do marketing. Não foi por acaso que o trabalho mereceu a capa da The Economist de 8 de setembro de 2002. A autora, uma jornalista canadense, possui um estilo envolvente que convida ao debate sobre a sua tese que, antecipo, não prega o banimento das marcas da face da terra. Um dos seus objetivos é entender as razões das empresas para o uso descomedido e desenfreado das artimanhas do branding e da comunicação, quase sempre afogando os consumidores em um mar sem fim de logotipos, campanhas vazias de propaganda, promessas, slogans… . Será que os consumidores querem (ou precisam) tudo isso? Para provar suas teorias, e até a sua evidente simpatia pela “causa” dos jovens consumidores pós-modernos, Naomi também não hesita um só instante em afrontar inúmeras práticas consagradas de management (administração), o que resulta, de fato, em um trabalho provocador, vibrante, que talvez só seja útil para quem pensa em jogar o jogo do branding de outra maneira, quem sabe até se antecipando ao desastre. Os subservientes, certamente, amaldiçoarão a autora. Antes de partir para o confronto, Naomi começa, oportunamente, pela revisão da história do mundo das marcas como o conhecemos atualmente. Uma boa parte do livro, a propósito, é dedicada ao estudo racional dos vícios e costumes no mundo das marcas. Como, afinal, chegamos ao monumental número de logotipos de hoje? Para quem ainda não sabe, temos registradas perto de 1,5 milhão de marcas no Brasil! Um alerta importante começa pela diferenciação dos termos “branding” e “propaganda”, que, embora sejam processos diferentes, são normalmente tratados de maneira univitelina pelas agências de propaganda, que se esquecem quase sempre de dizer que as suas competências são apenas parte do grande plano de branding, tanto quanto o são os patrocínios, licenciamentos e outros truques. Pense nas marcas como o significado central das corporações, e na propaganda como o meio de trabalhar e comunicar esse significado para o mercado. No início, lá por volta de meados do século 19, Naomi nos lembra que a propaganda tinha um foco muito mais estreito do que o atual. Como as empresas estavam entupidas de novas invenções (carro, lâmpada elétrica, rádio, etc.), a propaganda tinha muito mais um jeitão de publicidade do que o interesse de criar uma “identidade de marca” para qualquer produto em especial. Como quase tudo era novidade no cotidiano das pessoas, a propaganda era, por si só, uma publicidade poderosa. Praticamente qualquer meio de informação gerava resultados comerciais quase imediatos. Inventados e lançados os novos padrões, tivemos uma conseqüência decisiva para avaliar o momento atual no que diz respeito ao número exagerado de marcas: a criação das fábricas; o nascimento das linhas industriais. Quando os produtos chegaram às fábricas, tivemos o nascimento da produção em massa de uma série de coisas até então produzidas artesanalmente, distribuídas em círculos muito limitados, onde quase todos os consumidores conheciam muito bem os atributos das coisas que compravam e, na maioria dos casos, os seus fornecedores (incluindo o seu caráter). Hoje é diferente. Primeiro nos relacionamos com as mensagens da comunicação e, em seguida, caímos nas mãos de intermediários, atravessadores, gerentes, supervisores, representantes, técnicos, oficinas; call centers... . Raro, muito raro mesmo, é olhar nos olhos de um fabricante ou banqueiro e dar-lhe os parabéns pelo trabalho bem feito, ou chacoalhá-lo pela postura incompetente ou amoral. Não foi ao acaso, então, que as primeiras marcas da era industrial fossem tentativas de massificação de pessoas reais, cujas imagens já haviam sido associadas pelos consumidores da época. Esses personagens visavam substituir um ser humano verdadeiro, com o qual as pessoas estavam habituadas a negociar. São dessa época algumas marcas e imagens até hoje conhecidas, como Dr. Brown, Uncle Ben, etc., substitutos dos comerciantes camaradas que conheciam (e respeitavam) a maioria dos seus fregueses. Tinha nascido, então, a idéia de “personalidade” da marca, passível de ser empacotada e comunicada; pronta para as massas. A publicidade já era insuficiente, o que exigiu da propaganda novas abordagens práticas e conceituais. Ela ainda precisa (e como) disso, mas, em virtude da ampla comunicação dos seus próprios valores e méritos, existem por aí mil modelitos préfabricados, replicáveis para praticamente qualquer necessidade das indústrias e até das agências mais cansadas. Já não bastava (como ainda não basta) o foco nos benefícios dos produtos ou serviços; o sentido prático dos compromissos que as empresas vão estabelecendo vida afora. A idéia inicial, que ainda prevalece, era que as marcas tinham algo assim um tanto “espiritual”, exigindo um tratamento baseado na força e competência de se criar “sentimentos” e “relações” com os consumidores. Acrescento ao que Naomi escreveu que essa era a visão certa, no momento apropriado. Se o seu Ford “Modelo T” novinho desse pepino, era até possível que você conseguisse falar pessoalmente com o Henrry Ford para resolver o problema. Hoje, quando chegar a sua vez de enfrentar um defeito no seu carro (é só esperar), você será jogado na vala de um termo técnico para essas situações: recall. A capacidade de errar das empresas foi tão aprimorada que exigiu a invenção de um termo para isso. Em momentos assim, quando um carro zero quebra, um banco desaparece diante dos seus olhos, ou a sua marca preferida de sabão em pó lhe subtrai matreiramente alguns gramas, é que toda a firula do marketing e do branding desaparece. Nesse caso, uma marca bem comunicada adianta de quê? Vamos em frente… Naomi apela a um trabalho estatístico bastante elaborado para demonstrar os investimentos totais em propaganda, o crescimento da participação de mercado de algumas marcas gastadoras e uma infinidade de cases que não cansam aos que se interessam por provas e estatísticas. Um exemplo, Naomi apurou que os investimentos totais em propaganda saltaram de menos de US$ 10 bilhões em 1915 para mais de US$200 bilhões em 1998, apenas nos Estados Unidos. Cases e fatos “espetaculares” do sucesso da propaganda e do branding também estão lá: Nike, Absolut Vodka, McDonald’s, Saturn; Microsoft, Starbucks, Heineken, dentre outros tantos, quase se equilibram ao número de relatos dos fiascos ou dilemas notórios, aqueles que não puderam ser mascarados, como o já famigerado “Marlboro Friday”, que sacrificou algo próximo dos 20% do preço do cigarro e, certamente, dos lucros da Philip Morris à época (Abril de 1993). NOLOGO também é uma bandeira; o grito dos jovens contra as marcas (paradoxalmente, já existe até uma marca e site com esse nome). Esses consumidores estão um tanto cansados de ver as marcas invadindo todos os espaços das suas existências: ruas, estradas, postes, concertos federados de rock, e até o chão e os banheiros das escolas estão infestados de logotipos. Mesmo na Internet, uma mídia nascida da massa, é difícil escapar do frenesi das empresas em violar o espaço visual e emocional das pessoas, quase a qualquer custo. Mas, ao mesmo tempo em que as marcas são uma espécie de “idioma global”, o que em tese potencializaria o seu valor monetário, em outro momento elas estão mais expostas aos ataques dos consumidores que querem recapturar o prazer da emoção de pensar e comprar. Deixar de seguir a tirania do modelo corrente de comunicação, simplesmente seguindo os códigos formulados por uma elite pensadora. Será? Mas ainda há tempo de mudar e, em parte, concordo com a The Economist quando diz que as marcas são boas para os consumidores. Justamente porque vivemos em um mar de opções, as marcas nos orientam sobre escolhas que ainda merecem confiança. Minha ressalva é que essa “utilidade das marcas” exige cada vez mais a nossa atenção. A impressão é que as empresas estão tão despreparadas e desesperadas pelos resultados financeiros de curto prazo, que muitas delas são capazes de fazer qualquer coisa para levar vantagem. Depois dos últimos acontecimentos relacionados ao encolhimento matreiro no conteúdo das embalagens, fica difícil saber com qual marca, afinal, podemos nos deitar. O encantamento, de certa forma, morreu um pouco com a maquiagem brasileira e sei que as empresas vão se lamentar bastante por isso no futuro. A propaganda e o branding, em parte, são os verdadeiros responsáveis pela maioria dos seus dilemas atuais, inclusive sobre a queda no price premium. A desilusão dos consumidores com algumas marcas aumentou e, por conta disso, muitas empresas deveriam deixar de atirar para todos os lados os conceitos vazios de um posicionamento mentiroso de marca. O ideal é focar a verdade por trás da imagem, recapturando um pouco dos bons tempos da publicidade. Para isso, para bem poucos, a leitura de NOLOGO ainda pode ser a salvação. Quem ousará se mostrar como realmente é? JOSÉ ROBERTO MARTINS é consultor da GlobalBrands, autor de Branding – Um manual para você criar, gerenciar e avaliar marcas.