erro de tipo e erro de proibição: uma abordagem didática
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erro de tipo e erro de proibição: uma abordagem didática
ERRO DE TIPO E ERRO DE PROIBIÇÃO: UMA ABORDAGEM DIDÁTICA DOS INSTITUTOS Wanderlei José dos Reis1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES Os acadêmicos e os profissionais do Direito sempre se deparam na seara penal com a crucial distinção entre erro de tipo e erro de proibição. Diferenciação esta que já deve ficar assentada desde os primeiros anos do curso de Direito, como pré-requisito para a ampla e correta compreensão de outros institutos penais posteriores e pertinentes a estes no estudo da Parte Geral do Estatuto Repressivo. Este pequeno estudo não tem o condão de esgotar o tema – que já foi, inclusive, objeto de obras específicas de grandes penalistas pátrios –, mas, mostra-se peculiar aos acadêmicos de Direito, que, a partir dele, podem despertar para o fato de que são os pormenores, muitas vezes, que fazem a diferença entre os muitos institutos do Direito, demandando, assim, perspicácia por ocasião dos estudos, buscando-se a separação conceitual e, ao mesmo tempo, a integração entre eles, e que ao se estudar as diversas cadeiras dessa faculdade deve-se ter em mente a interdisciplinaridade, já que os ramos do Direito não são estanques. Cumpre destacar também, preliminarmente, que essa questão palpitante, objeto da análise, é de grande frequência em provas e concursos jurídicos.2 Antes da reforma de 1984, na Parte Geral do Código Penal, o erro de tipo e o erro de proibição estavam dispostos no art. 17, §§ 1º e 2º daquele estatuto, que estabelecia: 1 Juiz de Direito em Mato Grosso (1º colocado no concurso); ex-delegado de Polícia (1º colocado no concurso); doutorando em Direito; MBA em Poder Judiciário pela FGV; escritor; professor; doutrinador; graduado em Matemática; bacharel em Direito; especialista em Educação pela UFRJ, em Direito Público Avançado e em Processo Civil Avançado; autor de inúmeras obras e artigos jurídicos; membro da Academia Mato-Grossense de Letras e da Academia Mato-Grossense de Magistrados. Atua como juiz da 1ª Vara Cível de Sorriso-MT. Recebeu inúmeros reconhecimentos sociais (em nível regional e nacional) pelos trabalhos desenvolvidos no âmbito da Justiça nacional. 2 Como, à guisa de exemplo, o que nos submetemos em 04/06/2000 – Prova Oral para o Cargo de Delegado de Polícia do Estado de Mato Grosso – ou o XXXVIII Concurso de Ingresso ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais – 2ª Fase – 1999. 194 Erro de Tipo e Erro de Proibição: uma abordagem didática dos institutos Art. 17 - É isento de pena quem comete o crime por erro quanto ao fato que constitui, ou quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. §1º - Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. §2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. Agora, são os arts. 20 e 21, do Código Penal, que tratam do assunto. Passemos ao tema. CRIME Para tratarmos de erro de tipo e erro de proibição, mister se faz, inicialmente, conceber-se o que é crime, seu conceito, sua estrutura e seus requisitos. A teoria clássica considera crime como sendo um fato típico, antijurídico e culpável. Hoje o entendimento da doutrina é praticamente pacificado que o Código Penal, reformado em sua Parte Geral pela Lei n.º 7209/84, adotou a Teoria Finalista – quesito fundamental para se aferir qual a estrutura do crime. Para esta teoria, crime, sob o prisma formal, é um fato típico e antijurídico. Constituindo-se a culpabilidade, juízo de reprobabilidade da conduta do agente, como pressuposto de aplicação da pena. Logo, crime – fato típico e antijurídico – possui a seguinte estrutura: 1 - Fato típico, que é composto dos seguintes elementos: a) Conduta humana3 dolosa ou culposa. b) Resultado (exceto nos crimes de mera conduta). c) Nexo causal entre a conduta e o resultado (exceto nos crimes de mera conduta e formais). d) Tipicidade (enquadramento da conduta realizada pelo agente à norma penal incriminadora). 2 - Antijurídico Diz-se que o fato é antijurídico ou ilícito quando contrário ao orde3 Por oportuno, ressalve-se que hodiernamente, com o advento da Lei n.º 9605/98 – art. 3º –, em decorrência do art. 225, §3º, da CR, há a possibilidade de a pessoa jurídica delinquir. Wanderlei José dos Reis 195 namento jurídico. Esse conceito de antijuridicidade se extrairá, na verdade, por exclusão, tendo-se que o fato típico, em princípio, é antijurídico, pois milita contra o fato típico a presunção da antijuridicidade, salvo se acobertado por uma das excludentes de ilicitude4 previstas em lei (legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, estado de necessidade, exercício regular de direito, normas permissivas da Parte Especial do Código Penal ou de legislação extravagante). Já a culpabilidade, que não integra o crime e sim funciona como condição de aplicação de pena, compõe-se dos seguintes elementos: 1 – Imputabilidade. 2 – Exigibilidade de conduta diversa. 3 – Potencial consciência da ilicitude. Assim, em resumo, para que alguém cometa um crime ou delito é necessário que pratique uma conduta típica e antijurídica. E mais, para que sobre ele recaia uma pena (espécie do gênero sanção penal) é necessário que se faça presente a culpabilidade (com seus três elementos supracitados). ERRO DE TIPO O erro é a falsa representação da realidade: é a crença de ser B, sendo A; é o equivocado conhecimento de um elemento, ao passo que ignorância é a ausência de conhecimento. O erro de tipo é tratado pela doutrina tradicional como erro de fato5 (error facti), o que a moderna doutrina penal, dentre eles Damásio, não mais faz.6 O art. 20, caput, do Código Penal, prescreve que: “O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Trata-se do erro de tipo, quando o agente não quer praticar o crime, mas, por erro, vem a cometê-lo. O erro aí incide sobre elementar ou circunstância do tipo penal (abrangidas também as qualificadoras, causas de aumento de pena e as circunstâncias agravantes). O agente tem uma falsa percepção da reali4 Também chamadas de excludentes de antijuridicidade, descriminantes, eximentes, justificativas ou causas de exclusão do crime. 5 Para Nelson Hungria, antes da reforma da Parte Geral do Código Penal Brasileiro, o erro de fato excluía o dolo. 6 Damásio entende que o erro de fato não corresponde ao erro de tipo. 196 Erro de Tipo e Erro de Proibição: uma abordagem didática dos institutos dade, enganando-se, imaginando não estar presente uma elementar ou circunstância do tipo penal, e com isso falta-lhe a consciência e sem ela não há dolo, logo, o erro de tipo exclui o dolo, e sem este não há conduta, que, como se viu, integra o fato típico, excluindo a existência do próprio delito. Como exemplos citados pela doutrina tem-se o caso do caçador que atira em seu companheiro achando tratar-se de um animal bravio; indivíduo que se casa com pessoa já casada, desconhecendo o casamento anterior; alguém que recebe um carro idêntico ao seu das mãos do manobrista e o leva embora. Ora, nesses casos faltou aos agentes o dolo de matar “alguém” (pessoa), o dolo de casar com pessoa já casada e o dolo de furtar (subtrair coisa alheia móvel), respectivamente, logo não respondem por crime algum. Há duas formas de erro de tipo, que ensejam tratamentos e consequências diversas: erro de tipo essencial e acidental. O erro de tipo essencial é o que recai sobre elementares ou circunstâncias do tipo penal, de tal forma que subtrai do agente a consciência de que está praticando um delito. Com isso, exclui-se o dolo (se o erro essencial for vencível ou inescusável - art. 20, caput, 2ª parte e § 1º, 2ª parte, CP), permitindo a punição a título de culpa (se houver previsão legal), ou exclui-se o dolo e a culpa (se o erro essencial for invencível ou escusável - art. 20, caput, 1ª parte, e § 1º, 1ª parte, CP). Já o erro de tipo acidental é aquele que recai sobre elementos secundários e irrelevantes da figura típica e não impede a responsabilização do agente pelo crime, ou seja, não elide nem o dolo nem a culpa. Podendo assumir as modalidades de erro sobre o objeto (error in objecto), erro sobre a pessoa (error in persona), erro na execução (aberratio ictus), resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) ou erro sobre o nexo causal (aberratio causae). Por fim, anote-se que, segundo Mirabete7, o § 1º do art. 20 do Código Penal, que trata das descriminantes putativas, está topograficamente mal colocado, haja vista que a teoria dominante entende que tais descriminantes se referem a erro de proibição (art. 21) e não erro de tipo. Por seu turno, Damásio8, com mais acerto no nosso entender, leciona que neste caso do 7 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 8. ed. v. 1. São Paulo: Atlas, 1994. p. 162. 8 JESUS, Damásio E. Direito penal. 19. ed. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 272. Wanderlei José dos Reis 197 §1º do art. 20, se o erro incidir sobre os pressupostos de fato da excludente de ilicitude, trata-se sim de erro de tipo, aplicando-se o art. 20, §1º, CP; já, se o erro do sujeito recair sobre os limites legais (normativos) da causa de justificação, aplicam-se os princípios do erro de proibição (art. 21, CP). ERRO DE PROIBIÇÃO A doutrina tradicional trata o erro de proibição como erro de direito (error iuris), o que a moderna doutrina penal não mais faz.9 O art. 21, do Código Penal, prescreve que: “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá reduzi-la de um sexto a um terço. Considerando-se evitável o erro, se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.” Trata-se, pois, do erro de proibição. Consabido que, de acordo com o art. 3º, da LICC10, “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, pois, ignorantia legis neminem excusat, tem-se assentado a inescusabilidade da ignorância da lei. Viu-se, inicialmente, que a culpabilidade é pressuposto de aplicação de pena e compõe-se de três elementos, dentre eles a potencial consciência da ilicitude, que exige do sujeito, por ocasião da prática do fato, consciência que aquele comportamento é contrário ao ordenamento jurídico (antijurídico). Daí, erro de proibição: erro que incide sobre a ilicitude do fato. Se a pessoa o pratica sem saber que ele é proibido, sendo inevitável esse desconhecimento, fica excluída a culpabilidade, dando-se a isenção de pena; se evitável, fica atenuada a pena de um sexto a um terço. No erro de proibição o erro incide sobre a ilicitude do fato, o sujeito supõe lícito o fato por ele praticado, fazendo um juízo equivocado sobre o que lhe é permitido fazer no convívio social. Como exemplos de erro de proibição, mencionados pela doutrina, pode-se citar o caso de dois irmãos que se casam supondo a inexistência de impedimento legal, ou a pessoa que tem cocaína na sua casa em depó9 Damásio defende que o erro de direito não corresponde ao erro de proibição. 10 A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4657/42), ou, recentemente nominada, “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, não obstante à nomenclatura (introdução ao Código Civil), não se refere apenas ao Direito Civil e nem somente ao direito privado. Ela regula as normas jurídicas de uma maneira geral, sejam elas de direito público ou privado, e é tida como uma norma sobre normas. 198 Erro de Tipo e Erro de Proibição: uma abordagem didática dos institutos sito reputando aquela conduta como legal. Eles sabem, perfeitamente, o que estão fazendo, só que julgam tais condutas permitidas. CONCLUSÃO Não há o que confundir erro de tipo e erro de proibição. Como salientado alhures, são institutos distintos. O erro de tipo recai sobre elementares ou circunstâncias do tipo penal, ao passo que o erro de proibição é aquele que incide sobre a regra proibitiva, sobre a antijuridicidade do fato. No erro de tipo (art. 20, do Código Penal) o erro recai sobre o fato em si (daí a doutrina tradicional chamá-lo de erro de fato – error facti, e o Código Penal vigente tratá-lo como tal), ou seja, o dolo do agente não é o de cometer crime (animus dolandi), mas, por erro sobre elementares ou circunstâncias do tipo penal, vem a cometê-lo (tem uma noção errônea do fato, não sabe o que está fazendo), v.g., quando o agente se apodera de objeto alheio achando que é seu, isso enseja a exclusão do dolo (permitindo a punição a título culposo, se houver previsão legal) ou do dolo e culpa. Já no erro de proibição (art. 21, do Código Penal) tem-se um erro de direito (daí a doutrina tradicional chamá-lo de error iuris, e o Código Penal vigente tratá-lo como tal), ou seja, o agente erra quanto à ilicitude do fato, tendo um juízo equivocado, entendendo que aquela conduta não é ilegal (o engano incide sobre o comportamento do sujeito), com reflexos na culpabilidade, excluindo-a ou atenuando-a, e, em consequência, a pena. Assim, a diferença marcante entre os dois institutos está na percepção da realidade, pois tem-se que no erro de tipo o agente não sabe o que faz, tendo uma visão distorcida da realidade, não vislumbrando na situação que se lhe apresenta a presença de fatos descritos no tipo penal incriminador como elementares ou circunstâncias; ao passo que, no erro de proibição, a pessoa sabe perfeitamente o que faz, existindo um perfeito juízo sobre tudo o que está se passando, mas há uma errônea apreciação sobre a injustiça do que faz, ela entende lícita sua conduta, quando, em verdade, é ilícita. Por fim, traçando-se um paralelo em casos concretos, basta volvermos aos dois exemplos suprarreferidos do erro de proibição. Ora, no primeiro caso, dos dois irmãos que se casam supondo a inexistência de impedimento legal, se eles desconhecessem a relação de parentesco, estar- Wanderlei José dos Reis 199 se-ia diante do erro de tipo, e não erro de proibição. Da mesma forma, no caso da pessoa que tinha cocaína em depósito, se ela julgasse que tal substância não fosse cocaína e sim outro material inócuo, o caso seria de erro de tipo e não erro de proibição. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BALDACCI, Roberto. Teoria e questões de concursos. São Paulo: Edipro, 1999. v. 1 BARUFFI, Helder; CIMADON, Aristides. A metodologia científica e a ciência do direito. 2. ed. Porto Alegre: Evangraf, 1998. BRUNO, Aníbal. Direito penal. Rio de Janeiro: Forense. v. 1, 1959; v. 2, 1959; v. 3, 1962. DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 3. ed. São Paulo: Renovar, 1991. GONÇALVES, Victor E. Rios. Direito penal. Parte geral. São Paulo: Saraiva, 1999. v. 1. HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. JESUS, Damásio E. Direito penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 8. ed. São Paulo: Atlas, 1994. v. 1.
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