medidas protetivas da lei maria da penha: aplicação

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medidas protetivas da lei maria da penha: aplicação
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Seminário de Direito Processual Penal
MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI MARIA DA PENHA:
APLICAÇÃO ANALÓGICA A MENINOS E HOMENS
Marcela Harumi Takahashi Pereira
Promotora de Justiça – MG. Doutora em direito internacional – UERJ.
Resumo: É possível aplicar as medidas protetivas da Lei Maria
da Penha a situações nela não previstas, mediante recurso à
analogia? O artigo discute essa possibilidade sob o prisma teórico.
Palavras-chave: Direito Processual Penal; Lei Maria da Penha;
Medidas Protetivas; Medidas Cautelares.
Abstract: Is it possible to apply the provisional measures
concerning domestic violence against women to other risky situations,
based on analogy? The article examines the topic by a theoretical
perspective.
Keywords:
Criminal
Procedural
Law;
Brazilian
Domestic
Violence Act; Provisional Measures.
Sumário: 1 Lei Maria da Penha; 2 Medidas cautelares na
legislação comum e na Lei Maria da Penha; 3 Possibilidade de
analogia; 4 Palavras finais; Bibliografia.
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1.Lei Maria da Penha[1].
A necessidade de que nós mulheres sejamos protegidas contra
a violência perpetrada no âmbito das relações afeto, domésticas e
familiares, é reconhecida por todas as sociedades evoluídas no
mundo atual. Mais de 180 países aderiram à Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher,
elaborada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Plenamente
adotada pelo Brasil em 1994[2], a Convenção diz em seu preâmbulo:
―a participação máxima da mulher, em igualdade de
condições com o homem, em todos os campos, é
indispensável para o desenvolvimento pleno e completo
de um país, para o bem-estar do mundo e para a causa
da paz‖. No artigo 2º, os países comprometem-se a
seguir uma ―política destinada a eliminar a
discriminação contra a mulher‖ e, especialmente, a
―adotar todas as medidas adequadas, inclusive de
caráter legislativo, para modificar ou derrogar [...] usos
e práticas que constituam discriminação contra a
mulher‖. A título de esclarecimento, a expressão
―discriminação contra a mulher‖ assume significado
amplíssimo na convenção, abarcando, em síntese, toda
restrição fundada no gênero que prejudique o gozo de
direitos humanos pela mulher, em igualdade de
condições com o homem (art. 1º[3]). Nesse sentido, a
submissão da mulher à violência doméstica ou familiar,
com a complacência das autoridades públicas, é, às
escâncaras, uma forma de discriminação.
Os países do nosso continente firmaram, ainda, em
Belém do Pará, a Convenção Interamericana para
Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
promulgada no Brasil pelo Decreto 1.973, de 1º de
agosto de 1996. Diz seu art. 3º: ―Toda mulher tem
direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito
público, como no privado‖, enquanto o art. 4º
especifica certos direitos da mulher: direito a que se
respeite sua vida; direito a que se respeite sua
integridade física, psíquica e moral; direito a que se
respeite a dignidade inerente a sua pessoa. No
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preâmbulo, os países signatários assim justificaram a
necessidade de afirmar tais direitos: a ―violência em
que vivem muitas mulheres da América, sem distinção
de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra
condição, é uma situação generalizada‖. Além disso,
reconheceram ter a ―responsabilidade histórica de fazer
frente a esta situação para procurar soluções
positivas‖.
Realmente, os números são alarmantes, como se lê na
Exposição de Motivos da Lei 11.340/06[4]:
“[...] Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar - PNAD
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE,
no final da década de 1980, constatou que 63% das
agressões físicas contra as mulheres acontecem nos
espaços domésticos e são praticadas por pessoas com
relações pessoais e afetivas com as vítimas. A
Fundação Perseu Abramo, em pesquisa realizada em
2001, por meio do Núcleo de Opinião Pública,
investigou mulheres sobre diversos temas envolvendo a
condição da mulher, conforme transcrito abaixo:
“A projeção da taxa de espancamento (11%) para o
universo investigado (61,5 milhões) indica que pelo
menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já
foram espancadas ao menos uma vez. Considerando-se
que entre as que admitiram ter sido espancadas, 31%
declararam que a última vez em que isso ocorreu foi no
período dos 12 meses anteriores, projeta-se cerca de,
no mínimo, 2,1 milhões de mulheres espancadas por
ano no país (ou em 2001, pois não se sabe se estariam
aumentando ou diminuindo), 175 mil/mês, 5,8 mil/dia,
243/hora ou 4/minuto - uma a cada 15 segundos.”
O Brasil elaborou recentemente a Lei Maria da Penha, para
proteger as mulheres da violência doméstica e familiar. O diploma
legal elege expressamente esse propósito, referindo, no preâmbulo, a
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher.
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Aliás, o próprio nome pelo qual se tornou conhecida a Lei
11.340/2006 —Lei Maria da Penha— revela seu fim precípuo. Em 29
de maio de 1983, a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi
vítima de tentativa de homicídio praticada por seu marido Marco
Antônio Heredia Viveiros, economista, que disparou contra ela
durante o sono. A agressão deixou a vítima paraplégica. Duas
semanas depois de voltar do hospital, Maria da Penha sofreu novo
atentado contra sua vida: o marido tentou eletrocutá-la enquanto ela
se banhava, após o que se divorciaram. Entre a prática dessa dupla
tentativa de homicídio e a prisão do criminoso, transcorreram 19
anos e 6 meses. Em razão da demora, o Brasil foi denunciado à
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que chegou às
seguintes conclusões no Relatório nº 54, de 2001[5]:
―3. Que o Estado tomou algumas medidas destinadas a
reduzir o alcance da violência doméstica e a tolerância
estatal da mesma, embora essas medidas ainda não
tenham conseguido reduzir consideravelmente o padrão
de tolerância estatal, particularmente em virtude da
falta de efetividade da ação policial e judicial no Brasil,
com respeito à violência contra a mulher.
4. Que o Estado violou os direitos e o cumprimento de
seus deveres, por seus próprios atos omissivos e
tolerantes da violação infligida.‖
Para solucionar os problemas identificados, a Lei Maria da
Penha trouxe, inter alia, um novo rol de medidas cautelares a serem
decretadas no curso da investigação ou processo penal, algumas das
quais conversíveis em prisão preventiva, se necessário. A conversão,
vale notar, é possível mesmo em delitos que, em regra, não
autorizam a preventiva, como ameaça, vias de fato, lesões corporais
e crimes contra a honra, geralmente punidos com detenção[6].
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Embora
a
Lei
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Maria da Penha se destine, histórica e
textualmente, às meninas e mulheres vítimas de violência doméstica
ou
familiar,
será possível
a aplicação
analógica
das
medidas
protetivas nela previstas a meninos e homens?
2.Medidas cautelares na legislação comum e na Lei Maria
da Penha.
No processo penal, as mais conhecidas cautelares são as
prisões
provisórias,
entre
as
quais
a
preventiva
serve
como
paradigma (art. 312 do CPP[7]). Todavia, a preventiva restringe-se
tradicionalmente aos crimes dolosos punidos com reclusão, excluídas
as contravenções e alcançados os crimes punidos com detenção
somente quando o investigado ou acusado é vadio, de identidade
duvidosa ou reincidente em crime doloso (art. 313 do CPP[8]). Fora
as prisões e a liberdade provisórias, de feição pessoal, o Código de
Processo Penal disciplina cautelares incidentes sobre bens, como o
arresto, o sequestro, a hipoteca legal e a busca e apreensão.
Na experiência brasileira (e certamente na de outros países), o
regime
cautelar
comum
revelou-se
insuficiente
para
conter
a
violência doméstica e familiar, muitas vezes praticada mediante
reiteradas lesões corporais ou agressões verbais punidas com
detenção. Em acréscimo, a vítima pode depender economicamente do
agressor, com ele mantendo laços civis, o que torna a prisão cautelar,
desacompanhada de providências civis, como
a
referente aos
alimentos provisórios, um ônus excessivo, induzindo-a a manter em
segredo os abusos e a tolerá-los.
Para atender a essas especificidades, a Lei Maria da Penha
inovou o elenco de medidas cautelares e conferiu poderes adicionais
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ao juiz criminal nos delitos envolvendo violência doméstica e familiar
contra a mulher (arts. 22, 23 e 24):
“Art. 22 - Constatada a prática de violência doméstica
e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz
poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto
ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de
urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas,
com comunicação ao órgão competente, nos termos da
Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
II - afastamento do lar,
convivência com a ofendida;
domicílio
ou
local
de
III - proibição de determinadas condutas, entre as
quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das
testemunhas, fixando o limite mínimo de distância
entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares
testemunhas por qualquer meio de comunicação;
e
c) freqüentação de determinados lugares a fim de
preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes
menores,
ouvida
a
equipe
de
atendimento
multidisciplinar ou serviço similar;
V
prestação
provisórios.[...]
de
alimentos
provisionais
ou
Art. 23 - Poderá o juiz, quando necessário, sem
prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a
programa oficial ou comunitário de proteção ou de
atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus
dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento
do agressor;
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III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem
prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos
e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
Art. 24 - Para a proteção patrimonial dos bens da
sociedade conjugal ou daqueles de propriedade
particular da mulher, o juiz poderá determinar,
liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo
agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e
contratos de compra, venda e locação de propriedade
em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das
ofendida ao agressor;
procurações
conferidas
pela
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito
judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da
prática de violência doméstica e familiar contra a
ofendida. [...]”
Finalmente, a Lei Maria da Penha dotou as medidas protetivas
penais e a alimentícia de especial eficácia ao prever a decretação da
prisão
preventiva
para
garantir
sua
execução.
Um
breve
esclarecimento: entre as cautelares listadas, algumas possuem
natureza penal, enquanto outras são de natureza civil[9]. Somente as
primeiras, além daquela do art. 22, V (alimentos provisórios), podem
ensejar a preventiva do art. 313, IV, do Código de Processo Penal,
cuja extensão a todas as cautelares civis seria desarrazoada e, nos
casos do art. 24, I, II e IV, equivaleria até mesmo a alargar o campo
da prisão civil por dívida, restrito ao devedor de alimentos, por força
de norma de estatura supralegal (art. 7º, item 7[10], do Pacto de
São José da Costa Rica).
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Além de diferir do regime cautelar do Código de Processo Penal,
o regime traçado na Lei 11.340/2006 não encontra similar em outros
estatutos protetivos, como o das crianças e adolescentes (Lei
8.069/1990)
e
o
dos
idosos
(Lei
10.741/2003).
Constata-se,
portanto, verdadeira lacuna quanto às vítimas de violência doméstica
e familiar do sexo masculino.
3. Possibilidade de analogia.
A analogia é o método de autointegração do direito pelo qual,
no julgamento do caso concreto, a lacuna legislativa é preenchida
com a mesma resposta dada pelo legislador a uma situação específica
que, embora não seja aquela sob exame, com ela se identifique em
essência. Para operar-se a analogia, são pressupostos: (1) omissão
legislativa; (2) identidade de razões entre a situação prevista e a
imprevista. ―Por mais previdente que seja o legislador‖, ensina
Tornaghi, ―é possível que não haja regulado algo que devia regular‖.
Será necessário, então, superar a omissão, pois, prossegue o autor,
―a lei pode ser lacunosa mas o Direito não‖[11].
No processo penal, a analogia é admitida expressamente no
art. 3º do codex:
―A lei processual penal admitirá interpretação extensiva
e aplicação analógica, bem como o suplemento dos
princípios gerais de direito.‖ Como esclarece Frederico
Marques, o Código de Processo Penal foi claro, ―para
evitar que se procurasse impor, no domínio do
processo, a série de restrições pertinentes ao Direito
Penal sobre a analogia‖[12].
A Lei 11.340/2006, como vimos, não estende seu regime
cautelar a meninos e homens submetidos a violência doméstica e
familiar, dirigindo-se a meninas e mulheres. Em acréscimo, outros
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estatutos protetivos, como o das crianças e adolescentes ou o dos
idosos, não preveem nada semelhante. Embora o art. 130[13] do
Estatuto da Criança e do Adolescente até admita, como medida
cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum, não se tem
aí uma providência penal, mas civil, a ser determinada pelo juiz da
infância e juventude, como resulta da leitura casada do dispositivo
citado
com
8.069/1990,
o
art.
146[14].
permissão
de
Tampouco
prisão
se
encontra,
preventiva,
mesmo
na
Lei
quando
necessária para a execução da ordem de afastamento. Portanto, a
legislação brasileira contempla um regime cautelar penal para
meninas e mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, mas
silencia em relação a meninos e homens.
Identificada a lacuna, haverá identidade de razões na situação
de umas e de outros a demandar a analogia? Sim. Nem se alegue
que a Lei Maria da Penha se destina às pessoas do sexo feminino —
um argumento estéril, quando não se discute sua aplicação direta,
pura e simples, aos meninos e homens, mas sim a aplicação
analógica. Como lembra Reale, ―o pressuposto do processo analógico
é a existência reconhecida de uma lacuna na lei‖[15]. Alcançasse a
Lei
Maria
da
Penha
todas
as
pessoas,
indistintamente,
seria
despiciendo até mesmo invocar a analogia.
Se o pai é denunciado por praticar reiterados maus tratos
contra sua filha de 7 anos, o juiz criminal ou, se houver, do juizado
da mulher poderá cautelarmente ordenar-lhe que deixe a residência
familiar, pague alimentos provisórios e se afaste da ofendida, com
isso pondo fim à sucessão de ilícitos. Há, para tanto, lei expressa:
art. 22, I, III, a, e V, da Lei 11.340/2006. E, se a violência for
praticada contra menino, nas mesmas condições, o juiz do juizado
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especial criminal poderá conceder as mesmas medidas cautelares,
pois, apesar do vazio legislativo, a posição de ambas as vítimas é
essencialmente igual.
Considerações semelhantes merecem ser tecidas a respeito do
idoso submetido à violência psicológica praticada por seu filho,
mantenedor e proprietário do lar comum, que diariamente o ameaça
de morte e injuria. Assim como a idosa nessa situação, fará jus às
medidas protetivas da Lei Maria da Penha.
Tanto é possível que meninos e homens sejam vítimas, que, em
alguns países, as leis repressivas da violência doméstica são neutras
diante do gênero. Seriam os homens neozelandeses susceptíveis
desse tipo de violência, mas os brasileiros não? Quem poderá
convencer o menino vítima de abusos sexuais praticados pelo pai de
que não merece a mesma tutela da irmã, em iguais condições, por
ser brasileiro e do sexo masculino?
Na verdade, a ―desigualdade concreta e real entre o ser
humano homem e o ser humano mulher‖[16], invocada por Pacelli
para negar às pessoas do sexo masculino o pálio da Lei Maria da
Penha, somente é concreta e real em termos gerais e amplos, na
comparação entre grandes grupos populacionais, não passando de
um mito nas relações intersubjetivas individualizadas. Até mesmo a
―desigualdade física‖, considerada ―de todo relevante‖ pelo autor,
pode, no caso concreto, ser desmentida, seja porque o homem é uma
criança ou um idoso, seja porque a fulana é mais forte do que o
fulano. Afinal, quantos homens brasileiros se creem mais fortes do
que a taekwondista londrina Natália Falavigna? No mais, a agressão
psicológica, sexual, patrimonial e moral não pressupõe o recurso à
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força muscular do agressor, e pode caracterizar a violência doméstica
e familiar.
O legislador legisla para todos; o juiz julga para a maria e o
joão. Que diferença faz, para o joão, ser mais disseminada a violência
doméstica e familiar contra a mulher, se ele está sendo perseguido
por maria, que, descontente com o fim do casamento, ameaça
queimá-lo vivo e destruir-lhe os bens, tendo já incendiado seu carro?
4 Palavras finais.
É bastante disseminada no Brasil a violência doméstica e
familiar contra a mulher, o que deve ser considerado na formulação
de políticas públicas, justificando, por exemplo, a implantação de
delegacias e juizados especializados. De fato, o ambiente de
delegacias
e
juizados
criminais
comuns,
onde
predominam
profissionais do sexo masculino, comumente despreparados para lidar
com a violência doméstica, mostra-se intimidador para as vítimas
mulheres. Afasta-se, portanto, a analogia para defender ―a delegacia
e o juizado do homem‖, porque inexiste identidade de razões: o
ambiente masculino não é intimidador para as vítimas homens.
Por outro lado, em casos concretos e individualizados, meninos
e homens podem ser submetidos a agressões no contexto doméstico,
familiar ou afetivo, hipótese em que precisam, tanto quanto as
―marias da penha‖, de tutela efetiva do Judiciário e fazem jus ao
sistema cautelar da Lei 11.340/2006. Cabe, agora, a analogia, porque
há identidade de razões.
Para ilustrar nosso ponto de vista, digamos que um novo tipo
de vírus deflagre uma epidemia e 90% das vítimas sejam mulheres.
Nesse
contexto,
as
políticas
públicas
deverão
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ser
orientadas
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prioritariamente ao público feminino-alvo preferencial do vírus—, mas
não se poderá recusar aos homens contaminados, embora em menor
número, o medicamento adequado.
Da mesma forma, a violência em casa e nas relações afetivas
atinge, em maior proporção, as meninas e mulheres, o que justifica a
criação de um juizado da mulher (feiamente denominado pela lei de
―juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher‖) e a
edição de um estatuto protetivo específico. No entanto, caso um
menino ou homem padeça do mesmo mal, não fará nenhum sentido
negar-lhe as medidas protetivas adequadas. Tudo depende de, no
caso concreto, encontrar-se ele em alguma das situações descritas no
art. 7º[17] da Lei Maria da Penha.
Ubi eadem ratio, ibi idem jus.
Bibliografia.
CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência
doméstica: Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), comentada artigo
por artigo. 2ª ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008.
DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. São Paulo:
Revista dos tribunais, 2007.
MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal.
v. I. 2ª ed. Campinas: Millennium, 2000.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 12ª ed. Rio
de Janeiro: Lumen juris, 2009.
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1998.
ROSA, Brunna. Saindo da invisibilidade. In: Fórum, 56, nov. 2007.
Disponível
em:
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Seminário de Direito Processual Penal
<http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?
id_artigo=1401>. Acesso em: 10 set. 2009.
SANTO, Iane Garcia do Espirito. Convenção sobre a eliminação de
todas as formas de discriminação contra a mulher. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, 35, 01 dez. 2006. Disponível em:
http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_
id=1521. Acesso em: 10 set. 2009.
TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. v. I. 8ª ed. São Paulo:
Saraiva, 1991.
Notas:
[1] A autora agradece o amigo e promotor de justiça Rafael Pureza,
que gentilmente leu e comentou este artigo.
[2] A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra a Mulher, foi assinada pelo Brasil, em Nova
York, no dia 31 de março de 1981, com reservas aos seus artigos 15,
parágrafo 4º, e 16, parágrafo 1º, alíneas a, c, g e h, referentes à
igualdade no casamento. Com essas restrições, a convenção foi
promulgada pelo Decreto 89.460, de 20 de março de 1984. Todavia,
em 20 de dezembro de 1994, após deliberação do Congresso
Nacional, o Brasil retirou as reservas mencionadas, o que levou à
edição do Decreto 4.377, de 13 de setembro de 2002, atualmente em
vigor.
O Brasil aderiu também ao Protocolo Facultativo à Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
(promulgado pelo Decreto 4.316, de 30 de julho de 2002), que
passou a viger no Brasil em 28 de setembro de 2002, com a previsão
de um mecanismo para conferir maior efetividade à convenção.
Segundo os arts. 1º e 2º do protocolo, indivíduos ou grupos, sob a
jurisdição do Brasil, podem comunicar ao Comitê sobre a Eliminação
da Discriminação contra a Mulher (ONU) a violação a quaisquer
direitos previstos na convenção, desde que esgotados os recursos
internos.
[3] ―Para os fins da presente Convenção, a expressão ‗discriminação
contra a mulher‘ significará toda a distinção, exclusão ou restrição
baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou
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anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do
homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais
nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer
outro campo.‖
[4]
Disponível
em:
<http://200.130.7.5/spmu/legislacao/projeto_lei/expo_motivos.htm
>. Acesso em: 10 set. 2009.
[5]
Informações
e
transcrição
disponíveis
em:
<http://www.cladem.org/portugues/regionais/litigio_
internacional/CAS2-relatorio54.ASP>. Acesso em: 10 set. 2009.
Sobre o lapso entre as agressões e a prisão: ROSA, Brunna. Saindo
da invisibilidade. In: Fórum, 56, nov. 2007. Disponível em:
<http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?
id_artigo=1401>. Acesso em: 10 set. 2009.
[6] Excepcionalmente a pena pode ser de reclusão, como acontece
com a injúria consistente ―na utilização de elementos referentes a
raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou
portadora de deficiência‖ (art. 140, par. 3º, do CP) e nas lesões
corporais graves ou gravíssimas (art. 129, pars. 1º e 2º, do CP).
[7] ―A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria.‖
[8] ―Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior,
será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I
- punidos com reclusão; II - punidos com detenção quando se apurar
que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre sua identidade, não
fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; III - se o réu
tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada
em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo 46 do
Código Penal; IV - se o crime envolver violência doméstica e familiar
contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a
execução das medidas protetivas de urgência.‖
[9] Não há extravagância alguma na concentração de competências
criminais e cíveis no juízo criminal, coisa que o Código de Processo
Penal também faz, por exemplo, ao determinar que o juiz fixe o valor
mínimo para reparação dos danos causados pela infração na sentença
condenatória (art. 387, IV, do CPP). Quanto ao juizado da mulher,
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será um juízo criminal especializado, assim como o é a vara de
execução penal, servindo para ele o mesmo comentário.
[10] ―Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita
os mandatos de autoridade judiciária competente expedidos em
virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.‖
[11] TORNAGHI, Hélio. Curso de processo penal. v. I. 8ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1991. p. 26.
[12] MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual
penal. v. I. 2ª ed. Campinas: Millennium, 2000. p. 41.
[13] ―Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual
impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá
determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da
moradia comum.‖
[14] ―A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da
Juventude, ou o Juiz que exerce essa função, na forma da Lei de
Organização Judiciária local.‖
[15] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 24ª ed. São
Paulo: Saraiva, 1998. p. 300.
[16] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de processo penal. 12ª ed.
Rio de Janeiro: Lumen juris, 2009. p. 691.
[17] ―São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher,
entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta
que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência
psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar
suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante,
perseguição
contumaz,
insulto,
chantagem,
ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou
qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à
autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer
conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de
relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação
ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de
qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer
método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao
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aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou
manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos
sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como
qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição
parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho,
documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos
econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que
configure calúnia, difamação ou injúria.‖
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