Competência Financeira - Prof. Elisson de Andrade
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Competência Financeira - Prof. Elisson de Andrade
TÓPICOS AVANÇADOS EM EDUCAÇÃO FINANCEIRA VOLUME 2 A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA PROF. ELISSON DE ANDRADE WWW.PROFELISSON.COM.BR VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Direitos Autorais Copyright© by Elisson Augusto Pires de Andrade Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1988. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito do autor, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Autor: Professor Elisson de Andrade Site: www.profelisson.com.br Design e revisão de texto: Phillip Souza (www.criterionbr.com) Andrade, Elisson de A importância do desenvolvimento de competência financeira [recurso eletrônico]. In: Tópicos Avançados em Educação Financeira. Vol 2 / Elisson de Andrade. -- Piracicaba: O Autor, 2012. 44 p. Modo de acesso: World Wide Web Disponível em: http://profelisson.com.br/e-books/ ISBN: 978-85-913916-1-5 1. Competência financeira 2. Finanças Pessoais 3. Educação Financeira 2 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA SOBRE O AUTOR O Professor Elisson de Andrade é Mestre e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (ESALQ-USP), professor de ensino superior em cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de matemática financeira, mercado de capitais, derivativos e faz palestras sobre finanças pessoais. Blog: www.profelisson.com.br Twitter: @Prof_Elisson APOIO 3 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA PREFÁCIO: VOLUME 2 A ideia de inserir dentro do debate sobre a administração do próprio dinheiro a questão de competência surgiu de minhas aulas e palestras sobre educação financeira. Ao longo dos últimos anos notei que o maior desafio não se encontrava em fazer as pessoas compreenderem conceitos tais como fluxo de caixa ou investimentos, mas de conseguir que elas fizessem um bom uso dos conhecimentos adquiridos. Para dar um exemplo: provavelmente todas as pessoas que possuem renda sabem não ser interessante gastar mais do que se ganha. Dessas, algumas buscam formas de gerenciar seu orçamento doméstico, baixando programas na internet que facilitam o controle (ou anotando tudo em um caderninho). Entretanto, parte delas não consegue aplicar tal gerenciamento no dia a dia, pois o que lhes faltam são a habilidade e atitude necessárias para colocar os conhecimentos em prática. 4 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Dessa forma, nota-se que apenas oferecer conhecimento não é suficiente para que haja uma real transformação do comportamento humano. Isso significa, em outras palavras, ser necessário criar programas educacionais que desenvolvam a competência financeira dos indivíduos, que extrapolem a dimensão de “apenas” saber. É exatamente essa a discussão que norteia a revisão bibliográfica do Volume 2, que tem o objetivo de oferecer a você uma visão mais ampla sobre Educação Financeira. Portanto, boa leitura! Prof. Elisson de Andrade 5 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 7 FINANÇAS PESSOAIS E PLANEJAMENTO FINANCEIRO ............................................................................. 10 EDUCAÇÃO FINANCEIRA ................................................................................................................................ 14 FINANCIAL LITERACY ...................................................................................................................................... 19 O CONCEITO DE COMPETÊNCIA ................................................................................................................... 25 COMPETÊNCIA FINANCEIRA E SUAS CARACTERÍSTICAS ......................................................................... 28 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................... 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................... 41 6 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA INTRODUÇÃO 7 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA No Brasil, termos como Educação Financeira e Finanças Pessoais vêm ganhando cada vez mais espaço na mídia, em estudos acadêmicos e na própria vida cotidiana da população. Tal fenômeno pode ser explicado por fatores como: 1) o sistema financeiro tem se tornado cada vez mais complexo, gerando um alto fluxo de notícias e tonando-se um campo propício para debates e discussões; 2) existe grande incerteza sobre qual será a situação da previdência pública do país nas próximas décadas, fazendo com que as pessoas se sintam mais inseguras quanto ao seu futuro e procurem se precaver desde já; 3) a facilidade de obtenção de crédito tem levado muitas famílias a se endividar além do razoável, surgindo a necessidade de buscar informações sobre como melhor administrar suas finanças. Nesse contexto, de “popularização” de questões ligadas à administração do próprio dinheiro, é possível verificar que alguns termos, como é o caso de Educação Financeira e Finanças Pessoais, são utilizados indistintamente, quando na verdade não são sinônimos. Portanto, um primeiro objetivo do presente trabalho é oferecer aos leitores uma revisão bibliográfica sobre os 8 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA principais conceitos/definições1 utilizados nessa área de estudo. Um segundo objetivo é apresentar uma argumentação lógica que resultará na proposta de utilização do termo Competência Financeira, visando ampliar os horizontes de estudo relacionados ao gerenciamento das finanças pessoais, em que se foque não só na importância do conhecimento sobre o assunto, mas também sobre a capacidade de uso individual dessas informações. Dessa forma, este Volume 2, da série Tópicos Avançados em Educação Financeira, discorrerá sobre os conceitos de Finanças Pessoais, Educação Financeira, Financial Literacy, Competência Financeira, dentre outros, de forma a melhorar a compreensão e futuros debates sobre a arte de administrar o próprio dinheiro. No campo científico, existe diferença entre conceituar e definir. O primeiro corresponde a ideias e pensamentos sobre determinado tema, enquanto o segundo busca delimitar a apresentação de algo em forma de palavras. No presente texto, não será feita uma distinção acadêmica entre ambos, sendo utilizados no intuito de oferecer um significado acerca dos termos que serão apresentados. 1 9 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA FINANÇAS PESSOAIS E PLANEJAMENTO FINANCEIRO 10 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA O primeiro conceito a ser apresentado neste Volume 2 refere-se a Finanças Pessoais, que segundo Garman e Forgue (2011) pode ser definido como o estudo dos recursos pessoais e familiares considerados importantes para atingir o sucesso financeiro. Segundo os autores, Finanças Pessoais envolve compreender como as pessoas gastam, poupam, protegem e investem seus recursos financeiros, sendo que o objetivo relacionado a sucesso financeiro está ligado à ideia de libertar-se de problemas relacionados ao dinheiro. Uma forma mais didática de visualizar os fatores que envolvem o estudo de finanças pessoais é apresentada pelo fluxograma proposto por Lu (2011): 11 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA É possível notar que as finanças pessoais (que se encontra no centro do fluxograma) são influenciadas pelas receitas (que podem ser tributadas) e despesas. Ao longo do tempo, a administração das finanças acaba gerando uma série de ativos e passivos. Os ativos podem ser vistos como investimentos que geram mais receitas. Já os passivos geram pagamentos, como por exemplo, os juros pagos por um empréstimo. Lu (2011) explica que a administração das finanças pessoais deve ter por objetivo que o indivíduo possa melhorar seu bem estar, respeitando o limite de seus recursos financeiros e levando em consideração os riscos e os eventos futuros. Nesse contexto, surge a ideia de Planejamento Financeiro, que nas palavras de Redhead (2008) significa o processo em que são planejadas as despesas, financiamentos e investimentos, especificando os objetivos pessoais de forma a maximizar o bem estar financeiro. Redhead (2008) cita que um planejamento financeiro pessoal deve conter decisões relacionadas ao orçamento (receitas versus despesas), administração da liquidez (dinheiro disponível para uso imediato), planejamento de longo prazo (compras de bens de grande valor que precisam de certo tempo 12 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA para ser adquiridos), investimentos (compra de ativos que gerem renda) e seguros (formas de proteção). Nota-se, portanto, que o estudo das finanças pessoais abarca diversos conhecimentos sobre como tomar dinheiro emprestado, investir, pagar menos tributos, dentre outros, sendo necessário que haja um planejamento financeiro que forneça as diretrizes para a conquista dos objetivos almejados. 13 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA EDUCAÇÃO FINANCEIRA 14 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Uma primeira diferenciação importante a ser apresentada refere-se aos termos educação e informação. Segundo Hilgert e Hogarth (2003) educação requer uma combinação de informação, construção de habilidades e motivação para fazer as mudanças de comportamento necessárias. Isso significa que educar vai além de apenas oferecer às pessoas conhecimento técnico. Dentro desse contexto, em se tratando da administração do próprio dinheiro, o Banco Mundial (2006) define Educação Financeira como uma capacitação dos indivíduos, de forma que eles se tornem aptos a analisar diversas opções financeiras e tomar atitudes que facilitem atingir seus objetivos. Tal definição baseia-se na ideia de que o bem estar financeiro dos indivíduos é fruto de suas ações individuais, mesmo que sofram influência de forças externas como fatores econômicos e políticas adotadas pelos governos e iniciativa privada (Robb e Woodyard, 2011). Já a OECD (2005)2 apresenta uma definição mais ampla sobre Educação Financeira, em que a explica como um processo pelo qual consumidores/investidores aprimoram sua compreensão sobre produtos financeiros, seus conceitos e riscos, e, através dessa informação, desenvolvem 2 Organization for Economic Co-operation and Development. 15 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA habilidade e confiança para tornarem-se conscientes dos riscos e oportunidades. Além disso, os indivíduos tornam-se capazes de fazer escolhas adequadas, saber onde procurar auxílio e de tomar decisões efetivas de forma a melhorar seu bem estar financeiro. De forma a avançar no assunto, Hogarth (2006) argumenta que independentemente da definição sobre educação financeira adotada, alguns temas são recorrentemente associados a ela, como por exemplo: a) ter conhecimento, educação e informação sobre assuntos relacionados à administração de dinheiro e ativos, setor bancário, investimentos, crédito, seguros e tributos; b) compreender conceitos básicos sobre administração de dinheiro e ativos (exemplo: valor do dinheiro no tempo); e c) uso do conhecimento e compreensão sobre finanças para planejamento, implementação e avaliação de decisões financeiras. A OECD (2006) recomenda alguns princípios e práticas para melhorar a educação financeira das populações: Cabe aos governos e todos os stakeholders envolvidos, promover e coordenar a educação financeira; 16 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Educação financeira deve começar nas escolas, para que as pessoas sejam educadas o quanto antes; educação financeira precisa ser encarada como parte da boa governança das instituições financeiras, cuja responsabilidade deve ser encorajada; educação financeira não pode ser confundida com informações puramente comerciais, sendo que códigos de conduta para as instituições financeiras deveriam ser desenvolvidos; instituições financeiras precisam ser encorajadas a checar se os clientes leram e entenderam as informações a serem contratadas, especialmente quando são firmados compromissos de longo prazo e com grandes potenciais de interferências nas finanças pessoais – letras pequenas nos contratos e documentos obscuros devem ser evitados; programas de educação financeira devem focar em pontos importantes do planejamento financeiro, como investimentos, dívidas, seguros e previdência; programas devem levar em consideração o público-alvo, personalizando, assim, as informações para grupos específicos; 17 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA campanhas nacionais, páginas na internet sobre finanças pessoais, serviços de informação gratuita e sistemas que avisam sobre riscos aos consumidores (como fraudes) devem ser promovidos. Concluindo, é possível observar que o termo Educação Financeira mostra-se como um processo que busca desenvolver nos indivíduos características que irão lhes auxiliar na melhor administração de suas Finanças Pessoais. Fazer com que a Educação Financeira, que vai muito além do simples oferecimento de informação, chegue a um maior número de pessoas possíveis, não é tarefa fácil. Para demonstrar tal dificuldade, a OECD (2006) cita uma pesquisa realizada no Canadá que obteve como resultado que as pessoas achavam mais estressante escolher um investimento adequado, que ir ao dentista. 18 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA FINANCIAL LITERACY 19 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Na literatura internacional, principalmente norte-americana, um conceito bastante utilizado nas discussões sobre temas relacionados à administração do próprio dinheiro é o que dá nome ao título desta seção: Financial Literacy. Sem muito esforço e conhecimento da língua, é possível notar que a primeira palavra relaciona-se com algo ligado a finanças. Mas é o termo Literacy que merecerá uma atenção especial. Soares (1999), que atua na área de Educação e Ciências Linguísticas, explica que na década de 1980 a palavra Literacy começou a ser traduzida como Letramento. Apesar desse vocábulo, à época, não existir nem no dicionário Aurélio, a autora explica que houve uma necessidade de inserção desse novo termo devido à Alfabetização não dar conta de expressar toda a profundidade de Literacy. Isso ocorre porque, segundo a mesma autora, analfabeto é aquele que não sabe ler, nem escrever. Logo, ao alfabetizar-se, significa que a pessoa adquiriu tal capacidade. Todavia, a palavra Literacy possui um espectro mais amplo, significando o estado ou condição que o indivíduo passa a ter como consequência da apropriação da escrita, influenciando nos aspectos 20 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA sociais, psíquicos, políticos, cognitivos, linguísticos e até mesmo econômicos do indivíduo. Dessa forma, explica Soares (1999), para atender a tal demanda, a palavra Letramento ganhou status de termo técnico. Partindo desse conceito, de que Letramento significa se apropriar da leitura e escrita para responder às exigências da sociedade, uma possibilidade seria traduzir Financial Literacy como Letramento Financeiro. Por analogia, tal termo significaria o estado de não só se apropriar dos conhecimentos sobre finanças, mas também de conseguir fazer uso desse saber, com reflexo em outras dimensões da vida pessoal. Como se pode notar em Hung et al. (2007), o entendimento sobre Financial Literacy é muito próximo a essa ideia. Os autores definem o termo como o conhecimento de conceitos básicos de economia e finanças, bem como a capacidade de usar esse conhecimento e outras habilidades financeiras, de forma a administrar os recursos de maneira efetiva para melhoria do bem estar. 21 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Hung et al. (2007) também diferenciam Financial Literacy de Educação Financeira. Explicam que enquanto o primeiro geralmente trata de questões relacionadas a conhecimento, habilidades, comportamento e experiência, o segundo significa o processo pelo qual uma pessoa melhora sua compreensão sobre produtos, serviços e conceitos financeiros. Outro termo, muito similar a Financial Literacy, encontrado na literatura consultada, refere-se a Financial Capability. O’Connell (2007) explica que Educação Financeira seria um método utilizado para aumentar o conhecimento financeiro dos indivíduos, tendo como resultado almejado o aprimoramento de sua Financial Capability. Segundo O’Connell (2007) esse é um termo mais usado no Reino Unido, ao invés de Financial Literacy, mas reconhece que ambos tratam de tomadas de decisão, habilidades e comportamento, bem como conhecimento e capacidade de compreensão. O que se nota, portanto, é uma ampla gama de definições que carecem ainda de certa maturidade, de forma a serem corretamente utilizados por pesquisadores, mídia e população em geral. De forma resumida: 1) Finanças Pessoais é o estudo sobre como gerenciar o próprio 22 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA dinheiro; 2) Educação Financeira mostra-se como um processo (método) que objetiva capacitar os indivíduos, visando um aperfeiçoamento de sua Financial Literacy (ou Capability). Dessa forma, ainda resta decidir sobre a utilização ou não do termo Letramento Financeiro, para expressar em língua portuguesa esse termo que se refere ao conhecimento e capacidade de uso de tais informações. Para solucionar essa indefinição, foi realizada uma pesquisa sobre outras aplicações da palavra Literacy. Lecardelli e Prado (2006), além de Melo e Araújo (2007), por exemplo, traduzem o termo Information Literacy como Competência Informacional. Nesse caso, Literacy foi utilizada como sinônimo de Competência, ao invés de letramento. Para as áreas de Economia/Administração, competência mostra-se como um termo bastante adequado, pois é bastante estudado nesses campos do conhecimento (enquanto Letramento, por exemplo, certamente não é encontrado com a mesma frequência). Dessa forma, optou-se, neste trabalho, adotar o termo Competência Financeira para descrever a importância de se conhecer e saber usar os conhecimentos sobre finanças (Huston, 2010), ou seja, como tradução de Financial 23 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Literacy. A seguir será realizada uma breve apresentação sobre o que a literatura compreende como competência. 24 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA O CONCEITO DE COMPETÊNCIA 25 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Um trabalho bastante interessante sobre competência foi realizado por Fleury & Fleury (2001). Os autores citam que, na literatura norte-americana, competência é encarada como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes que justificam um alto desempenho, podendo ser vista como um estoque de recursos. Já no conceito francês, competência (os autores focam sua aplicação para o ambiente de trabalho) baseia-se em três características: 1) comunicação: compreender o outro e a si mesmo, entrar em acordo sobre objetivos; 2) noção incidente: a pessoa precisa sempre estar mobilizando recursos para resolver as novas situações de trabalho, saber lidar com novas situações; 3) serviço: saber atender aos outros (negociar). É possível notar que as definições de competência apresentadas possuem certa similaridade com as definições de Literacy, sendo que a visão norte-americana talvez seja a que mais se aproxima da visão apresentada na seção anterior. Dessa forma, um esquema simples que pode servir de base, no presente trabalho, para resumir o que significa competência, é o apresentado por Brandão e Guimarães (2001) – adaptado de Durand (2000). Nessa visão, bastante didática, 26 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA competência pode ser compreendida como um conjunto de CONHECIMENTO, HABILIDADES e ATITUDES. - Informação Conhecimento - Saber o quê - Saber o porquê COMPETÊNCIA - Técnica - Querer fazer - Capacidade - Identidade - Saber como - Determinação Com base nas argumentações expostas, entende-se que o termo Competência Financeira seria bastante adequado para traduzir Financial Literacy, já que considera não só a questão do conhecimento, mas também outros aspectos relacionados ao seu uso. 27 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA COMPETÊNCIA FINANCEIRA E SUAS CARACTERÍSTICAS 28 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Nesta seção será realizada uma apresentação de diversos trabalhos internacionais sobre Financial Literacy (ou Capability), em que esses termos serão sempre traduzidos como Competência Financeira, conforme já definido na seção anterior. A importância desse tema, nas palavras de Hung et al. (2007), é que o desenvolvimento de Competência Financeira mostra-se cada vez mais necessário, pois os indivíduos estão tendo a responsabilidade de tomar decisões sobre um número cada vez maior de questões. Marcolin e Abraham (2006) apresentam uma lista desses motivos, que aumentaram a complexidade das tomadas de decisão individuais: Desregulamentação dos mercados; Facilidade de obtenção de crédito; Número cada vez maior de formas de pagamentos, que estimulam o consumo; Aumento dos serviços financeiros disponíveis; Necessidade de complementar a previdência pública; Ajuda a evitar e resolver problemas financeiros. 29 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Segundo o Banco Mundial (2009), o desenvolvimento de Competência Financeira ajuda a preparar as pessoas a encarar momentos difíceis, promovendo estratégias que diminuam sua exposição ao risco, tais como acumular poupança, diversificar ativos e comprar seguros. Hogarth (2006) dá um passo além, dizendo que a Competência Financeira não é importante apenas para o indivíduo ou família, mas também para a sociedade como um todo. O Banco Mundial (2009) expõe que Competência Financeira é um conceito amplo, que inclui informação e comportamento, sendo relevante para qualquer consumidor, independentemente da riqueza ou renda. A OECD (2006), por sua vez, alerta que seu nível tende a variar de acordo com a educação e classe social, mas evidências mostram que consumidores altamente educados e com grandes rendas podem ser tão ignorantes em relação a assuntos financeiros, quanto os menos educados e de classes sociais inferiores. 30 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Em se tratando da definição do termo, Remund (2010) explica que há diversas conceituações sobre Competência Financeira, que geralmente se encaixam em cinco categorias: a) conhecimento de conceitos financeiros; b) habilidade de lidar com conceitos financeiros; c) capacidade em administrar as finanças pessoais; d) destreza em tomar decisões financeiras apropriadas; e) confiança em planejar eficientemente para necessidades futuras. Moore (2003) argumenta que indivíduos serão financeiramente competentes se demonstrarem que sabem usar os conhecimentos obtidos não só através da educação financeira, como também da experiência adquirida ao longo da vida. Marcolin e Abraham (2006) são outros autores que citam a importância da experiência (tentativa e erro) na construção das habilidades e conhecimento dos indivíduos. Para uma melhor compreensão da aplicação do conceito de Competência Financeira, Huston (2010) apresenta a seguinte figura. 31 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA CONHECIMENTO FINANCEIRO Habilidade e confiança para efetivamente aplicar ou usar os conhecimentos relacionados às finanças pessoais. DIMENSÃO DO CONHECIMENTO Estoque de conhecimento adquirido através da educação e/ou experiência, especificamente relacionado aos conceitos essenciais às finanças pessoais. COMPETÊNCIA FINANCEIRA DIMENSÃO DA APLICAÇÃO 32 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA Segundo o autor, o conhecimento financeiro (que pode advir de um processo de educação financeira e/ou experiência) é uma dimensão integrante da competência. Isso porque, além do conhecimento, o indivíduo precisa desenvolver habilidades e confiança, de forma a tomar atitudes que levem à melhoria de seu bem estar financeiro. Tais implicações acerca do bem estar podem ser resumidas no esquema a seguir. (apresentado em Huston, 2010). CAPITAL HUMANO OUTRAS INFLUÊNCIAS BEM-ESTAR FINANCEIRO COMPETÊNCIA FINANCEIRA EDUCAÇÃO FINANCEIRA COMPORTAMENTO FINANCEIRO 33 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA O que se pode notar na figura é que a Educação Financeira é a matéria-prima que tende a aumentar o capital humano de um indivíduo, mais especificamente, agindo na dimensão do desenvolvimento de Competência Financeira. Todavia, é muito importante reconhecer que o comportamento das pessoas também sofrerá outras influências, tais como vieses cognitivos e de comportamento, problemas de autocontrole, família, amigos, situação econômica do país etc. As atitudes que refletirão esse comportamento financeiro acabam, por fim, definindo a situação de bem estar financeiro de cada indivíduo. O que se pode notar é que ao adotar o conceito de competência financeira, saímos da esfera de apenas difusão de conhecimento, mas também são levadas em consideração características que influenciam na questão comportamental. Isso remete a uma reflexão da real importância da Educação Financeira convencional (cursos, palestras, leituras etc), a ser realizada a seguir. 34 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA A resposta usual à pergunta: “como desenvolver competência financeira?” tende a ser “através de educação financeira” – sendo esta considerada, geralmente, apenas como difusão de conhecimento. Todavia, o caso não é tão simples assim. Segundo Robb e Woodyard (2011), entender a relação entre conhecimento e seu correspondente comportamento sobre questões financeiras é algo complexo. Nesse sentido Robb e Woodyard (2011) citam evidências, através de trabalhos científicos, de que conhecimento não implica, diretamente, em melhora nas atitudes financeiras. Na verdade, concluem os autores, fatores como renda explicaria mais a questão comportamental que o próprio conhecimento. Ainda nessa linha, Monticone (2010) chegou a resultados em que se sugere que pessoas com grande quantidade de ativos financeiros são mais propensas em investir em educação financeira – esse resultado ajudaria a validar estudos anteriores que mostraram que a riqueza afeta o conhecimento financeiro. Segundo Monticone (2012) as pessoas podem aprender com a experiência ou também responder a incentivos econômicos, sendo tal fator muito importante para a compreensão da relação entre comportamento e conhecimento. Em sua visão, muitas 35 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA vezes a pessoa enriquece e depois vai atrás de conhecimento para lidar com a situação: não seria o conhecimento que atrai riqueza. De tal visão, Monticone (2010) sugere que talvez isso signifique que programas educacionais deveriam ser focados às pessoas menos favorecidas, pois são exatamente elas que tem a menor propensão a procurar conhecimento financeiro. Hilgert e Hogarth (2003) são outros autores que estudaram essa relação conhecimento/comportamento. Em seus estudos também contestam a tese de que conhecimento seria o fator mais importante sobre o comportamento financeiro. Explicam que muitos estudos verificaram uma correlação entre conhecimento financeiro e comportamento, mas que essa correlação não implica, necessariamente, em causalidade. Na verdade, explicam os autores, a causalidade pode ser oposta, em que primeiro as pessoas acumulam riqueza e depois vão em busca de conhecimento financeiro. Ainda complementam dizendo que pode existir uma terceira variável, como por exemplo, as experiências familiares, que afetariam tanto comportamento como conhecimento. 36 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA O que se pode concluir, portanto, é que o desenvolvimento de competência financeira é um tema bastante complexo e que significa o desenvolvimento de conhecimento, habilidades e atitudes, de forma a se buscar uma melhoria no bem estar dos indivíduos. A educação financeira, certamente, é um meio facilitador para essa nova postura, mas existem evidências que outros fatores podem ser tão ou mais determinantes no comportamento de cada indivíduo. São questões em aberto, que devem ser levadas em consideração em futuras pesquisas e na elaboração de programas educacionais. 37 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA 38 Para o Banco Mundial (2009), veja algumas vantagens do desenvolvimento de competência financeira: - possibilita avaliar produtos e tomar decisões com base em informações colhidas; - sem competência financeira as pessoas apresentam problemas com dívidas, poupam menos, possuem maior propensão a tomar empréstimos a juros altos, e planejam menos o futuro; - propicia que as pessoas tomem boas decisões financeiras, exijam seus direitos, saibam das responsabilidades como consumidores e entendam e administrem riscos; - melhor controle do futuro financeiro, além do uso mais efetivo de produtos e serviços; - ajuda a melhorar a eficiência e qualidade dos serviços financeiros, à medida que consumidores poderão comparar e avaliar produtos financeiros com maior conhecimento de causa; - diminuir a assimetria de informação entre instituição financeira e cliente, pois poderão compreender melhor seus direitos e responsabilidades, os riscos a que estão expostos, os termos e condições dos produtos financeiros; - fará com que as instituições financeiras ofereçam serviços mais baratos e transparentes, pois clientes poderão comparar opções, fazer as perguntas certas e negociar mais efetivamente; - as próprias instituições financeiras ganhariam, à medida que possuiria um cliente com menor risco e garantia de uma prestação de serviços sustentável ao longo do tempo; - Aumenta-se a demanda por produtos financeiros, ajudando a sustentar a estabilidade dos mercados financeiros e contribuindo para um maior crescimento econômico e desenvolvimento. VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA CONSIDERAÇÕES FINAIS 39 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA O objetivo desse Volume 2 foi de auxiliar ao leitor na compreensão de conceitos importantes relacionados à administração do próprio dinheiro, além de propor a utilização do termo Competência Financeira, como forma de ampliar a discussão para um campo que vai além da mera difusão de conhecimento. Como aperfeiçoar e desenvolver a Competência Financeira dos indivíduos ainda é um tema em aberto. O Volume 3 tratará especificamente sobre os programas de Educação Financeira já testados ao redor do mundo e sua eficácia na mudança de comportamento de seus participantes. Porém, já se pode inferir, através da revisão bibliográfica exposta neste trabalho, que tal questão é tão complexa quanto a própria natureza do ser humano. “Jogue uma pedra em uma lagoa – as ondulações irão se estender com efeitos cada vez mais amplos. Da mesma forma, isso acontece com a educação financeira. Consumidores bem informados e educados podem gerar ondulações na economia. Eles tomarão melhores decisões financeiras para eles e suas famílias, aumentando sua segurança econômica e bem estar”. 40 VOLUME 2: A IMPORTÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA FINANCEIRA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANCO MUNDIAL. The case for financial literacy in developing countries: promoting acces to finance by empowering consumers. (2009) Trabalho conjunto entre The World Bank, Departament for International Development, OECD e CGAP. BRANDÃO, H. P.; GUIMARÃES, T. A. Gestão de competências e gestão de desempenho: tecnologias distintas ou instrumentos de um mesmo constructo? Revista de Administração de Empresas, v. 41, n.1, p. 8-15, 2001. FLEURY, M. T. L.; FLEURY, A. Construindo o conceito de competência. Revista de Administração Contemporânea, vol. 5, edição especial, p. 183-196, 2001. GARMAN, E. T.; FORGUE, R. E. Personal Finance. 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