JC Relations - Jewish

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JC Relations - Jewish
Jewish-Christian Relations
Insights and Issues in the ongoing Jewish-Christian Dialogue
Henrix, Hans Hermann | 01.08.2002
Provado em crises, embora achacoso a perturbações
O relacionamento judaico-cristão atual
Hans Hermann Henrix
O relacionamento judaico-cristão tem, nestes meses, dois contextos que são de peso especial,
influindo sobre o relacionamento entre a Igreja Católica e o povo judaico. É, de um lado, o conflito
Israel-Palestina, este que, neste país, está sendo discutido controversamente até ambientes
eclesiais adentro. A caraterização, que encontramos por vezes aí, como supressão do pobre e
humilhado povo palestinense pelo rico agressor Israel, não está livre do perigo de prorrogar atitudes
inimigas aos judeus em forma de crítica a Israel. E vice versa, não podem todas as críticas da
política de Israel ser postas sob suspeita de anti-semitismo.
O outro contexto importante, é que o relacionamento cristão-judaico o possui na fase serôdia do
pontificado de João Paulo Segundo. Apesar de todo o prejuízo corporal, o papa continua levando
adiante os anseios mais importantes. A isso pertence muito centralmente a configuração do
relacionamento da Igreja às religiões e, especialmente, o relacionamento ao Judaísmo, este tratado
por ele com ênfase própria. Assim, tomou mais uma vez a iniciativa, no primeiro encontro de Assisi
em 27 de outubro de 1986, para um Dia Mundial de Oração pela Paz.
Sob os olhos do público mundial, os representantes das comunidades religiosas comprometem-se,
em 24 de janeiro de 2002 em Assisi, em dez pontos “a trabalharem no grande terreno de
construção da paz” (cf. HK [Herderkorresponenz], março de 2002, 109ss.). Além da disposição à
auto-correção e exortação para “perdoar uns aos outros os erros e preconceitos do passado”,
acordaram também na concepção de que: paz e justiça não podem ser separadas uma da outra convicção que tem um dos engajados defensores na pessoa do papa atual.
Ao lado do nível oficial, os procedimentos informais são importantes
O relacionamento cristão-judaico permanece, deste a grande abertura pelo Concílio Vaticano
Segundo, cercado de crises e controvérsias. Por vezes, todos os progressos parecem revogados,
embora o colóquio não tenha simplesmente um fim. É provado em crises, embora ficando achacoso
a perturbações. Essa experiência se fez sentir acentuadamente no verão de 2002. Várias facetas
cunham o relacionamento vivido, assuntos e agentes diferentes impõem-se ao colóquio. Ao lado do
nível oficial, procedimentos informais são importantes. Reflexões internas andam paralelas ao
colóquio no vis-a-vis de fato. Esforços de pensar teológicos ou religiosos-filosóficos em câmara
silenciosa, estão sendo muitas vezes disfarçados por tensões políticas no público.
O relacionamento oficial entre a Igreja Católica e o povo judaico tem uma instância apelável, no
nível do direito dos povos e político, com o contrato de base entre a Sede Apostólica e o Estado de
Israel de 30 de dezembro de 1993.
Texto em; Hans Hermann Henrix e Wolfgang Kraus [edit.s], As Igrejas e o Judaísmo;
Documentos de 1986 a 2000, Paderborn/Gütersloh 2001, 80-85.
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Que um contrato comparável com a Organização de Libertação Palestinense (PLO) foi assinado, em
15 de fevereiro de 2000 no Vaticano, acarretou protesto israelense, o qual, porém, não turvava o
relacionamento duradouramente.
Texto: L’Osservatore Romano, alemão, 3 de março de 2000, 4.
Tara considerável do relacionamento vaticano-israelense ameaçava com o projeto de construção
duma mesquita na vizinhança imediata da Basílica de Anúncio em Nazaré; Israel o tinha, primeiro,
aprovado com dois permissões estaduais de construção em 1998 e 1999, antes de que, com
decisão de gabinete de 3 de março de 2002, considerou as várias intervenções, decisão essa que
determinou a parada dos trabalhos, oferecendo vários terrenos alternativos.
Esse descargo foi sobreposto pela escalação do conflito israelense-palestino, o qual, com a entrada
dos destacamentos israelenses no Banco Ocidental em 29 de março de 2002, como resposta militar
a uma série de atentados suicídios com muitas vítimas civis, assumia dimensão bélica, chegando a
experimentar certa cesura com a evacuação, no dia 10 de maio e 2002, da igreja de Nascimento em
Belém, esta que estava sendo ocupada por algumas semanas.
As irritações por “Dominus Jesus”
Ao agravamento do conflito, é que João Paulo II se referiu muitas vezes. Conectava, as suas
intervenções e reações, à clareza de posição com a manutenção dos relacionamentos a ambos os
lados (cf. HK, junho e 2002, 281ss.). E não pode haver dúvida de que um ou outro pronunciamento
do papa de apoio aos interesses palestinenses em Israel não seja popular. O fato, porém, de que a
estima referente ao papa não foi renegada no lado judaico, poderia ser conseqüência da sua visita
histórica do dia 21 de março de 2000 em Israel e Jerusalém. Com essa visita, uma obstinada
ambivalência na reação judaica a João Paulo II, foi construtivamente superada.
No entanto, não é para negar que comentários mais recentes no “L’Osservatore Romano”
agrediram violentamente a política de Israel, não se espantando da fala de humilhação e destruição
do povo palestinense, desatando grande indignação no ambiente da comunidade judaica de Roma.
Também face a essa desavença, o embaixador de Israel na Santa Sé, Yosef Landau, avaliou o
relacionamento de ambos os lados como “bom e estreito” (cf. HK, maio de 2002, 221s.). Já logo
depois da viagem papal a Israel do março de 2000, aconteceram algumas coisas que arranjaram
irritação - não só no palco político dramaticamente mudado, mas também no espetro religiosoexlesial.
Aí se chegou, em 3 de setembro de 2000, à beatificação, não só de João XXIII, mas também de Pio
IX. A comunidade judaica de Roma, comissões de historiadores e grêmios cristãos-judaicos, depois
de a data da beatificação ter chegado ao publico, protestaram perguntando qual “mensagem”
Roma então quer enviar com a beatificação de Pio IX (cf. HK, setembro de 2000, 452ss.). A irritação
de então no relacionamento católico-judaico foi reforçada pela, também na parte judaica lida com
atento, Declaração da Congregação para a Doutrina da Fé Dominus Iesus (DI) sobre a unicidade e
universalidade da salvação de Jesus Cristo e da Igreja, de 6 de agosto de 2000. Ainda que esse
documento, na sua dimensão interreligiosa, seja orientado ad gentes, não fazendo pronunciamento
explícito sobre a relação ao Judaísmo, havia vozes apontadoras judaicas críticas.
Todavia, podiam essas fazer valor no encontro anual do comitê de relacionamento católico-judaico
de 30 de abril a 3 de maio de 2001 em Nova York. O erudito ortodoxo americano, David Berger,
referiu-se, na sua contribuição principal do encontro, aos pronunciamentos do documento do
Vaticano de que os indivíduos não-cristãos encontram-se numa situação gravemente deficitária de
salvação; em vista do centro de pronunciamento do documento, centro esse em cuja conseqüência
toda a salvação vem do Deus triuno e da sua carne incarnada, seria, conforme a sua opinião,
incoerente, se os judeus não fossem incluídos nesse pronunciamento. Apontando aos escritos do
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cardeal Joseph Ratzinger, leu DI à luz dum, embora amigável, mas clássico supersessionismo, o qual
crê que Israel - se bem que sem polêmica antijudaica - está ultrapassado e substituído por Cristo e a
Igreja.
A fumaça de pólvora depois da briga acerca da comissão de historiadores
está dissipada
Além disso pensou, se uma crítica judaica das posições de DI referente ao Deus triuno ou à
incarnação não poderiam significar, vice versa, um convite aos cristãos que exigissem, agora por
sua vez, mudanças da teologia judaica, recusando isso como instrumentalização do diálogo para a
intromissão externa. Como extremamente problemático, Berger achou a posição de DI de que o
diálogo não seria uma das atividades da Igreja senão dentro da sua tarefa missionária. A opinião de
que missão e diálogo devessem penetrar-se mutuamente, justificaria a suspeita de judeus
ortodoxos referente ao diálogo com a Igreja e a Cristandade.
Na sua resposta a essas exposições, o cardeal Walter Kasper, como o novo presidente da Comissão
Vaticana para Relacionamentos Religiosos aos Judeus, reagiu com a referência hermenêutica de que
não seria possível citar artigos do cardeal Ratzinger, afim de preencher aquilo que DI não diz. Antes,
DI deveria ser lido a partir dos pronunciamentos do concílio e dos numerosas declarações de João
Paulo referente à relação da Igreja ao Judaísmo. A Igreja creria que o Judaísmo seria resposta fiel do
povo judaico à aliança irrevogável de Deus e, por isso, salvífica para ele, porque Deus seria fiel às
Suas promissões. A igreja Católica não manteria organizações missionárias referente aos judeus.
Mas não só no nível da prática, mas também na teoria, o relacionamento ao Judaísmo seria de
categoria singular. A fé dos judeus testemunhada na Bíblia não seria outra religião para a Igreja,
mas sim fundamento da própria fé. “Os judeus e os cristãos pertencem ao mesmo lado.”
Em soma, DI não recolheria plenamente o estado atual da reflexão teológica na Igreja. A resposta
argumentativa do cardeal Kasper a objeções apresentadas, impressionou a delegação judaica, e,
talvez, é graças a esse franco intercâmbio de Nova York, que “Dominus Iesus” não continua mais
onerando o relacionamento católico-judaico. No entanto, com isso não fica simplesmente superada
a hermenêutica da desconfiança e suspeito com que os documentos e procedimentos eclesiais
estão sendo lidos.
O cardeal Kasper partiu antes do tempo da Consultação de Nova York, para, na sua função como
presidente do Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, acompanhar o papa à Grécia,
Síria e Malta de 4 a 9 de maio de 2001 (cf. HK, junho de 2001, 277ss.). Pelo público alemão, quase
não foi percebido o fato de que um acontecimento durante a visita papal na Síria repercutiu ao
relacionamento judaico-católico. O presidente Baschar al-Assad culpara, na sua alocução ao papa,
Israel e os judeus procederem hoje contra os palestinenses e os lugares santos do mesmo modo
como os judeus do primeiro século teriam causado a morte de Jesus. O papa, na sua resposta, não
se referiu ao discurso do presidente e ao tom antijudaico do mesmo, o que foi registrado com
grande decepção pelos judeus americanos (cf. Freiburger Rundbrief NF 8, 2001, 284ss.).
Quanto a carga do passado está presente, percebeu-se também na controversa acerca do
encerramento do trabalho da Comissão Histórica Católica-Judaica Internacional. Essa comissão foi
fundada no outono de 1999, em comum pela Comissão Vaticana para as Relações Religiosas aos
Judeus e o Comitê Judaico Internacional para Consultações Interreligiosas (IJCIC) depois do eco
controverso à Declaração Vaticana “Nós nos lembramos. Uma Reflexão sobra a Shoáh” de 16 de
março de 1998. A tarefa da comissão era avaliação do papel da Santa Sé no tempo da Shoáh, e
precisamente na base dos documentos do Vaticano publicados dos anos de 1939 a 1945. Acesso a
material ulterior do arquivo não foi prometido à comissão, tampouco um apoio de ajuda ou uma
infra-estrutura de assistência. Na discussão interna da comissão havia posições diferentes sobre se,
com o material publicado, podia-se fazer uma avaliação progressiva, embora não definitiva. Numa
disputa pública, que, durante muitas semanas chegou a ser cada vez mais pessoal e amarga, fez o
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cardeal Kasper, numa declaração pública de 24 de agosto de 2001, observar resignado que um
trabalhar comum ulterior seria praticamente impossível (cf. HK, setembro de 2001, 436s.).
A fumaça de pólvora se tem dissipado. Ficaram repreensões mútuas: na parte judaica a impressão
de que o Vaticano teria algo a esconder, na parte católica a repreensão de que o projeto teria
fracassado pelo rompimento e falta de confiança. A questão pelas causas do fracasso está ficando
ainda no ar. A causa do fracasso é complexa semelhantemente como o era a missão da comissão.
Era essa uma “missão impossível”, porque era quase forçosamente triturada entre uma
determinação de tarefas limitada e uma faixa de expectativas excessivas e contrariantes?
Comentários de especialistas em história na Alemanha falaram em “saber censurável de peritos”,
atribuindo, nem por último, a carta preta [den Schwarzen Peter] aos membros da comissão.
Os membros da comissão tinham, certamente, opções diferentes, concordaram, porém, tanto na
ânsia da integridade historiológica como na intenção básica de objetivar, com o seu trabalho, a
discussão pública. Aqui, foram-lhes feitas em público várias repreensões infundidas. Houve, ainda,
um tratamento muito diferente com a publicidade; a condição prévia romana dum trabalho
cientificamente orientado no foro interno não foi bastante sincronizada obviamente, no campo
preliminar, com o estilo americano de publicidade.
Não são para serem negadas as dificuldades técnicas e de arquivo, mas, em algumas fases dos
debates, parece que se abria também diferença entre o Secretariado de Estado vaticano, o qual
aplica os direitos de soberania ao material do arquivo soberanamente, e a Comissão Vaticana para
as Relações Religiosas aos Judeus.
As controversas políticas fazem passar o diálogo sobre questões
religiosas para o segundo plano
Essa diferença se refere tanto ao apoio para uma desnecessariamente aguda tomada de posição de
Peter Gumpel, parceiro de colóquio da comissão num encontro interno vaticano e relator do
processo de beatificação de Pio XII, como também ao espaço para a questão de se possa ser
tomado em conta o desejo dos membros da comissão pelo esclarecimento de perspectivas
ulteriores do trabalho em comum. Obviamente havia, dentro das repartições vaticanas, avaliações
diferentes do âmbito e dos meios da “limpeza da memória” da Igreja.
O cardeal Kasper tinha formulado o seu entendimento da questão de arquivo, na sua declaração de
24 de agosto, assim: “O desejo de muitos dos historiadores ocupados com a coisa depois da
abertura dos arquivos vaticanos para o tempo dos papas Pio IX (1922-39) e Pio XII (1939-58) é (...)
compreensível e justificado” (cf. KNA -ÖKI 36, documentação de 4 de setembro de 2001). No
entanto, um comunicado do Vaticano de abrir os seus arquivos sobre os relacionamentos entre a
Santa Sé e a Alemanha dos anos de 1922 a 1939 para cientistas, indicou abertura parcial do beco
sem saída. “Também os documentos vaticanos-alemães do tempo do pontificado de Pio XII
(1939-1958) deveriam, segundo a vontade do papa João Paulo II, ser liberados antes do tempo. O
papa deseja muito o esclarecimento daquele período com a Guerra Mundial, as deportações de
judeus e a tragédia da Shoáh, enfatiza a declaração assinada pelos diretores do arquivo”
(L’Osservatore Romano, em alemão, 22 de fevereiro de 2002).
A abertura de partes do arquivo antes do tempo, que é agora possível e obviamente levada adiante
pelo próprio papa, pode ser lida como mais uma prova de que a relação católica-judaica tem uma
tal solidez que o seu progresso pode também superar crises como aquela acerca do projeto duma
comissão histórica católica-judaica internacional. Isso não exclui conseqüências de decepções.
Assim, o cardeal Kasper parece querendo ampliar o raio dos parceiros judaicos de colóquio para
além do círculo do IJCIC. Nisso pensa, menos em interessados em política, e mais em cunhados
acadêmico-teologicamente.
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As controvérsias “políticas” fazem, muitas vezes demais, a reflexão e o diálogo sobre questões
religiosas chegarem ao segundo plano. Estes, porém, continuam, mudado do diálogo no vis-a-vis
cristão-judaico para a certificação na câmara própria. Aí pergunta-se então, quais conseqüências a
experiência do diálogo poderia ter para o próprio auto-entendimento ou para a visão do outro para
a visão pré-dada pela tradição própria. O fato de que isso, nos decênios passados, dava-se quase
exclusivamente intra-cristãmente, indica outra vez a assimetria da carga histórica do
relacionamento cristão-judaico. O documento “O povo judaico e a sua Sagrada Escritura na Bíblia
cristã” de 25 de maio de 2001, podemos ler, entre outras coisas, como contribuição da Comissão
Bíblica Papal para uma auto-certficação tal; experimentou leitura judaica atenta e aprovada,
provocando leitura essa a esperança de que, futuramente, exegetas judaicos e cristãos reforcem o
seu estudo comum da literatura do midrash e outra comentária da Bíblia Hebraica (cf. HK, março e
2002, 115ss.).
Agora porém, uma auto-certificação notável no relacionamento à Cristandade compareceu intrajudaicamente. Os esforços por uma teologia depois de Auschwitz eram, nos anos de setenta, ligados
com a palavra de programa duma teologia cristã do Judaísmo. Nesse contexto, reciprocamente,
estava sendo discutida a pergunta pela possibilidade duma teologia judaica da Cristandade,
aludindo-se, em geral, à posição de assimetria estrutural. A Cristandade incluiria, na sua
interpretação teológica, o Judaísmo necessariamente. Para a maioria dos judeus, por outro lado, a
Cristandade seria uma grandeza histórica, sem representar um desafio religioso; “uma teologia
propriamente judaica da Cristandade não há e não pode haver”, como o formulou uma vez Zwi
Werblowsky.
Neues Handbuch thelogischer Grundbegriffe [Novo Manual de Conceitos Teológicos
fundamentais], Volume 3, Munique 1991, 46-53, 47.
Mais agudamente, Jeshajahu Leibowitz aponta: “Já a existência do Judaísmo é (...) para a
Cristandade um problema terrível; nós, ao contrário, não temos absolutamente nada com a
Cristandade”.
Gespräche über Gott und die Welt [Colóquios sobre Deus e o Mundo], Frankfurt 1990, 73).
No entanto, havia também outras vozes judaicas. Disseram que não seria mais suficiente apontar
para a possibilidade de reação rabínica referente aos não-judeus como filhos dos “mandamentos
noáquicas” ou como “justos entre os povos”; também seria muito pouco para o tempo de hoje citar
a avaliação da Cristandade (e do Islame) por Maimônides como preparadores de caminho do
verdadeiro Messíah, copiando a tradição da atitude amigável à Cristandade na Idade Média judaica
de Menachem Meir (séculos 13/14) a Jakob Emden (1697-1776). Dever-se-ia, antes, formular reação
judaica mais autêntica à Cristandade; o pluralismo do tempo presente exigiria uma visão judaica
contemporânea da Cristandade, para além da dicotomia de “Israel e os povos”. Mas tais vozes
ficavam vozes isoladas durante aproximadamente um quarto de século. Agora experimentaram
uma condensação corporativa, condensação essa que não mais pode ser negada na luta intrajudaica.
O documento judaico “Dabru Emet”
Em 10 de setembro de 2000 - portanto cinco semanas depois da publicação de DI e poucos dias
depois da beatificação de Pio IX - saiu, em dois jornais nacionais dos EUA, um anúncio com o título
“Dabru Emet: Uma tomada judaica de posição aos cristãos e ao Cristianismo”. Seu texto começa
com uma breve introdução, contendo na parte principal oito frases guias, as quais foram
brevemente explicadas. Mais que 170 acadêmicos, mulheres e homens das diversas correntes do
Judaísmo americano, assinaram esse anúncio. O documento é o fruto dum processo de discussões
intensivo de oito anos num grupo de acadêmicos judaicos, que se ocupavam cientificamente com o
Cristianismo e nomeadamente com a questão de qual resposta o Judaísmo atual pudesse dar às
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mudanças dramáticas dentro da Cristandade. Os autores - Tikva Frymer-Kensky, Peter Ochs, David
Novak e Michael Signer - são uma cientista da Bíblia, um teólogo e dois rabinos; pertencem às
diferentes alas do Judaísmo da Reforma através da ala conservativa até à ortodoxia.
Enviaram esse texto a cerca de 300 rabinos, cientistas e teólogos nos EUA e no Canadá, solicitadoos que lessem o texto e o assinassem sem mudar palavra nenhuma - um procedimento inusitado,
mas eficaz. Alguns dos assinantes tinham dúvidas consideráveis referente a uma ou outra frase
guia, mas o assinaram apesar disso, porque achavam o processo importante, como o diz também a
introdução:
“Nos anos passados, deu-se uma mudança dramática e imprevisível nos relacionamentos cristãosjudaicos. Durante o exílio de quase dois mil anos de duração, os cristãos caraterizavam, na maior
parte, o Judaísmo uma como religião fracassada ou, na melhor maneira, uma como religião
precursora, a qual preparava o caminho para a Cristandade, tendo chegado ao seu fim nesta. Nos
decênios depois do holocausto porém, a Cristandade mudou-se dramaticamente. (...) Estamos
convencidos de que essas mudanças merecem uma bem pensada resposta judaica. Como grupo de
acadêmicos judaicos de correntes diferentes - o qual fala somente em seu próprio nome - é a nossa
convicção de que esteja na hora para os judeus tomarem conhecimento dos esforços cristãos por
uma apreciação do Judaísmo. Achamos que está na hora para os judeus refletirem sobre o que o
Judaísmo tem a dizer hoje à Cristandade.” Assim, o título “Dabru Emet - Falai a Verdade!” é palavra
de sinalização, tendo caráter programático.
A parte principal tem, na organização das suas oito frases guias, algo como fundamentação
teocêntrica. As frases guias são:
Os judeus e os cristãos veneram o mesmo Deus.
Os judeus e os cristãos fundam-se no mesmo livro - a Bíblia (a qual os judeus chamam de
‘Tenak’ e os cristãos de ‘Antigo Testamento’).
Os cristãos respeitam a reivindicação pelo povo judaico da Terra de Israel.
Os judeus e os cristãos reconhecem os princípios morais da Toráh.
O Nazismo não era fenômeno cristão.
A diferença, insuperável segundo critério humano, entre os judeus e os cristãos não será
arrumada antes de que Deus terá salvado o mundo inteiro, como as Escrituras o profetizam.
Um relacionamento novo entre os judeus e os cristãos não vai enfraquecer a praxe judaica.
Os judeus e os cristãos se devem empenhar juntos pela justiça e pela paz”.
(Tradução das citações segundo: Henrix/Kraus, 974-976).
A frase guia mais importante poderia ser a primeira, já que é ela que implica a afirmação de que o
entendimento cristão de Deus como o triuno não contradiz contraditoriamente ao monoteísmo
bíblico. Na primeira fase do debate intra-judaico, a 5a tese encontrou a contradição mais aguda,
porque contradiria à realidade histórica diminuindo, entre os cristãos, o senso pela responsabilidade
da Shoáh.
Nisso, a frase guia comenta-se como segue: “Sem a longa história de antijudaísmo cristão e
violência contra os judeus, a ideologia nacionalsocialista, contudo, não teria podido encontrar
consistência e não teria podido ser realizada. Cristãos demais tomavam parte das atrocidades dos
nazistas contra os judeus ou as aprovavam. Outros cristãos, ainda, não protestavam o suficiente
contra essas atrocidades.” Isso está capaz encontrar consenso entre os judeus, diferentemente da
frase que vem imediatamente a seguir: “Apesar disso, o Nacionalsocialismo mesmo não era produto
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automático da Cristandade.”
A situação alemã distingue-se da situação de colóquio americana
A recepção do documento “Dabru Emet”, ao lado do qual está sendo posto um volume científico
“Christianity in Jewish Terms” [A Cristandade em Termos Judaicos] (Westview Press 2000), está
ainda nos começos. Mal excedeu para além da discussão americana. A Conferência Episcopal
estadunidense exprimiu a sua apreciação sob o motivo e “A Força das Palavras: Uma respostas
Católica a Dabru Emet”. Lembrou que um grupo de cristãos, numa conferência na Suíça em agosto
de 1947, publicou as dez “Teses de Seelisberg” confiando, sem apoio nas sua instituições, no peso
das palavras, para chegar, no ensino cristão, a mudanças profundas no tratamento do assunto de
Judaísmo; efeito semelhantemente profético como o das teses de Seelisberg, também “Dabru Emet”
poderia ter. Também o cardeal Kasper apreciou “Dabru Emet” como passo importante para frente.
“Dabru Emet” é, na sua origem e conteúdo, resultado tanto do Judaísmo americano como do diálogo
judaico-cristão de lá, diálogo esse que, sem a vitalidade do parceiro americano-judaico, não seria
possível. Na Alemanha não só faltam, por exemplo, aquelas numerosas organizações científicas, as
quais há para a pesquisa cristã-judaica nos EUA, mas também possibilidades comparáveis de
encontro cristão-judaico na base, esta que está participando muito bem no intercâmbio americano.
Não obstante, há “agentes” do relacionamento cristão-judaico na Alemanha, os quais continuam o
colóquio, também sob o agravamento do conflito Israel-Palestina. No nível teológico-científico são,
antes de todos, os exegetas que procuram o colóquio com os colegas judaicos. As disciplinas
sistemáticas observam certa reserva. Aqui, um projeto ambicionado de pesquisa “Judaísmo Cristandade. Constituição e Diferenciação na Antigüidade e Atualidade”, sob a direção do dogmático
de Bona, Josef Wohlmut, devia estimular um discurso internacional e interdisplinário; cientistas das
áreas da ciência de literatura, ciência histórica, da teologia católica e evangélica ocuparam-se,
numa primeira fase prometedora, da questão de como os processos da formação e diferenciação da
identidade judaica e cristã na antigüidade e no tempo moderno são relacionadas uma com a outra.
Agora a saída ameaça o projeto. Dificuldades financeiras estão sendo alegadas.
Na linha de comunicação de ciência e publicidade eclesial respetivamente geral, academias
eclesiais trabalham com persistência em assuntos teológicos do relacionamento cristão-judaico
(Aquisgrano, Berlim, Loccum, Mühlheim, Stuttgart e outras). Envolvem nisso parceiros e parceiras
judaicos de diálogo de Israel e dos EUA. Os encontros e consultações encontram, agora como
dantes, os seus auditores, formando um foro de certificação para aquela minoria de diálogo
engajada, a qual pede a palavra também na briga de opiniões política. Coisa semelhante vale para
as duas revistas “Freiburger Rundbrief. Zeitschrift für christlich-jüdische Begegnung” (NF
1993/94ss.) e “Kirche und Israel. Neukirchener Theologische Zeitschrift” (1985ss.). O muito
procurado programa cristão-judaico dos Dias Eclesiais Evangélicos e dos Dias Eclesiais Católicos
receberia, no Dia Eclesial Ecumênico de 2003 em Berlim, a sua continuação e ampliação.
Cf. também a brochura recém-publicada do círculo de colóquio “Juden und Christen”
[Judeus e Cristãos] no Comitê Central dos Católicos Alemães: Auschwitz. Geschichte und
Gedenken [Auschwitz. História e Memória], Katholisches Bibelwerk, Stuttgart 2002.
O Conselho de Coordenação Alemão e as suas mais que 80 sociedades para a cooperação judaicacristã, esforçam-se para encontros na base, nos quais o trabalho sistemático trata mais das
questões políticos, históricos e culturais. A “Semana da Fraternidade”, com os seus premiados da
Medalha Buber-Rosenzweig (neste ano Edna Brocke, Johann Baptist Metz e Rolf Rendtorff) e os seus
assuntos anuais durante muitos anos, deu nomes e títulos importantes. Chegou, porém, na cultura
de “talkshow” e mediação deste pelos mídia numa crise. Uma ruptura na transmissão do
engajamento cristão-judaico à geração jovem, as sociedades a querem evitar com foros próprios
para adultos jovens. Um “handicap” considerável para a cooperação de aqui, é a carga das
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comunidades judaicas pelo desafio de integrarem os seus membros da antiga União Soviética.
Assim, a situação alemã difere muito da situação de colóquio americana. Mas também para aquela
deveria valer aquela convicção, a qual os autores e assinantes de “Dabru Emet” exprimiram, a
saber que as mulheres e homens judaicos e cristãos e as suas comunidades têm um futuro comum,
o qual pode trazer bênção ao mundo. No passado, as disputas sobre a vida religiosa traziam consigo
infinitamente muita desconfiança e violência. Hoje precisam de esperança e confiança. Essa
esperança será uma tal da “segunda coragem”, a qual sabe da achacosidade para distúrbios do
relacionamento judaico-cristão, afirmando-se sóbria, face a novos campos de tensão.
Fonte: HERDERKORRESPONDENZ 56, N.º 7, 2002.
Tradução: Pedro von Werden SJ
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