o livro de imagem na educação infantil

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o livro de imagem na educação infantil
ARTIGO
EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
O LIVRO DE IMAGEM
NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
UM RECURSO FAVORÁVEL
PARA DESPERTAR O DESEJO PARA A LEITURA
Glaucia Feitosa Cunha1
Jonas Alves da Silva Junior2
Resumo
O presente artigo pretende salientar a importância do livro de imagem na educação infantil por meio de um estudo qualitativo, no
qual se procurou investigar quais as relações que a criança estabelece entre a literatura clássica e o livro de imagem, cujo texto é única
ou predominantemente visual. Para tanto, realizou-se uma análise
crítica acerca da literatura clássica, livro de imagem e das concepções de leitura fundamentadas à luz de vários autores importantes
nesse panorama literário infantil.
Palavras-chave: livro de imagem, leitura, educação infantil.
Abstract
The present article intended to point out the importance of the of
image in the book of early childhood education through a qualitative study in which we sought to investigate the relations which the
child establishes between classic literature and picture book whose
text is only or predominantly visual. To this end we carried out a
critical analysis of classic literature, picture books and reading concepts grounded in the light of several important authors in literary
landscape in children.
Keywords: the book image, reading, children s education.
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os autores
Glaucia Feitosa Cunha
1
Pedagoga formada pela Universidade Federal do Maranhão e estudante de
Letras da Universidade Estadual do Maranhão. É professora de Educação
Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da Rede Pública de Ensino
– ([email protected]).
Jonas Alves da Silva Junior
2
Formado em Letras e Pedagogia, é doutor em Educação pela Universidade São
Paulo (USP) e docente do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Maranhão
– ([email protected]).
1. INTRODUÇÃO
Desde o seu nascimento, a criança se encontra inserida em um
mundo letrado. As experiências que vai adquirindo e os estímulos visuais que encontra ao seu redor a impulsionam a adquirir
conhecimentos, estabelecendo relações com aquilo que ouve,
com o que deseja falar e sobretudo com o que vê.
Por meio deste artigo, pretende-se enfatizar a importância de
se trabalhar a leitura dos livros de imagem na educação infantil,
pois esta é uma atividade significativa que motivará os alunos
de forma prazerosa a uma leitura que começa antes do texto
escrito e vai além da última página do livro.
Para isso, em busca de realizar este trabalho, que tem como objetivo geral perceber até que ponto a leitura do livro de imagem
favorece o desenvolvimento da criança em relação à leitura,
buscou-se compreender a analogia que as crianças fazem entre
os textos “Patinho Feio”, de Hans Christian Andersen e “Pê: o
pato diferente”, de Regina Coeli Rennó, bem como analisar com
qual dos textos as crianças mais se identificaram e perceber que
aspectos do aprendizado dessas crianças são mais significativos.
O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL...
Os livros de imagem podem desempenhar um papel muito importante num processo que vai do desejo ao prazer, tendo em
vista não só uma familiaridade com o universo infantil como
também por apresentar narrativas elaboradas com introdução,
desenvolvimento e desfecho. Nesse sentido, o livro de imagem
é visto como pretexto para construir histórias (BOM-FIM, 2009).
A escolha da temática partiu das inquietações ao se trabalhar
com uma turma de segundo período numa escola pública do
munícipio de Imperatriz, onde, ao elaborar leitura em pequenos
grupos com as crianças, percebemos que elas se coadunavam
com essa prática. Desta forma, posteriormente foram oferecidos
à turma livros da literatura infantil, tais como o clássico “Patinho
feio” e, em seguida, o livro de imagem “Pê: o pato diferente”.
Nesse contexto, a opção metodológica foi pela realização de uma
pesquisa qualitativa, pois se estava interessado em desenvolver
um estudo sobre a leitura que um determinado grupo de alu-
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UM AMBIENTE
SOCIAL INSTIGANTE
E SIGNIFICATIVO
BENEFICIA A
nos da educação infantil faria do clássico “Patinho Feio” e
posteriormente do livro de imagem “Pê: o pato diferente”,
utilizando como técnica de coleta de dados a entrevista semiestruturada, apreendendo desta forma o verbalizar desses leitores mirins e incursionando-os na fruição à leitura.
APRENDIZAGEM E O
DESENVOLVIMENTO
GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR
DAS CRIANÇAS
2. LEITURA NA INFÂNCIA
Nos primeiros contatos com o mundo, percebemos o calor
e o aconchego de um berço, que é diferente da sensação
dos braços carinhosos que nos enlaçam, assim como uma canção
de ninar que embala o sono, o toque nas mãos, o cheiro do peito
e a pulsação de quem nos amamenta nos provocam sensação.
Começamos, assim, a compreender o sentido de tudo que nos
cerca. Esses também são os primeiros passos para aprender a ler.
Acreditar que mesmo crianças ainda bem pequenas têm o que dizer deriva
de algumas ideias que vêm sendo construídas nas últimas décadas. Entre
elas, tem destaque o reconhecimento de que, desde a mais tenra infância,
nas suas interações sociais, as crianças vão somando impressões, gostos, antipatias, desejos, medos etc, desenvolvendo sentimentos e percepções cada
vez mais diversificados e definidos, atribuindo significados, construindo a sua
identidade (VIEIRA, 2008, p.18).
Na infância, as crianças possuem uma natureza singular que as
caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um
jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo
com as pessoas que lhes são próximas e com o meio que as circunda, elas revelam o seu esforço para compreender o mundo
em que vivem por meio dos seus anseios e desejos.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998,
p.21) deixa claro que a criança, como todo ser humano, é um
sujeito histórico e faz parte de uma organização familiar que
está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico. É profundamente
marcada pelo meio social em que se desenvolve, mas também o
marca. A criança tem na família, biológica ou não, um ponto de
referência fundamental, apesar da multiplicidade de interações
sociais que estabelece com outras instituições sociais.
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A infância é o tempo de maior disponibilidade a influências. É a
etapa em que as crianças gostam de “imitar” atos de leitura, em
que a família e os educadores são excelentes modelos de leitores
competentes. Assim, as instituições de educação infantil devem
tornar acessíveis a todas as crianças elementos que enriqueçam o
seu desenvolvimento e inserção social, ao propiciar o desenvolvimento da identidade das crianças por meio de atividades diversificadas de leituras realizadas em situações de interação.
Com base nisto, a criança deve ser considerada sujeito ativo na
sociedade, que possui uma história e que constrói e reconstrói
sua própria história. Para tanto, o ambiente social deve ser instigante e significativo, em benefício da aprendizagem e desenvolvimento da autonomia do ser humano.
Desde a história mais remota conhecida, a imagem marca sua
presença de forma inegável e, através dela, o ser humano se expressa desde muito tempo antes da palavra escrita. Sua cultura se
fortaleceu através da significação que essas imagens estabeleceram durante o percurso nas mais diversas épocas. E, atualmente,
o mundo nos cerca de imagens durante todo o tempo, mensagens visuais que estão sendo estudadas e investigadas por diversas disciplinas de pesquisa, conforme Francastel (1982, p. 35):
Os homens comunicam-se entre si pelo olhar. O conhecimento das imagens,
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2.1 Algumas reflexões acerca da leitura do livro de imagem
de sua origem, suas leis, é uma das chaves do nosso tempo. Para compreendermos a nós mesmos e para nos expressarmos é necessário que conheçamos
a fundo o mecanismo dos signos aos quais recorremos.
Sabe-se hoje que a criança, quando chega à escola, já é uma
entusiasta e experiente leitora do mundo. Ela começa desde
cedo a observar, atribuir significados aos seres e situações do
mundo à sua volta. Para compreender e interpretar o mundo,
essa busca de significados empreendida pela criança deve ser
entendida pelo professor como instrumento que, incorporado
ao cotidiano pedagógico, pode gerar o desenvolvimento da
criança. A leitura do livro de imagem é entendida como um
processo contínuo e permanente, que começa no momento em
a criança é capaz de perceber sinais e atribuir-lhes significados,
e vai acompanhá-la por toda a vida.
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Este raciocínio se complementa com as palavras de Benjamim
(1984, p.55), quando afiança que “frente ao livro ilustrado a
criança (...) vence a parede ilusória da superfície e, esgueirandose entre tapetes e bastidores coloridos, penetra em um palco
onde o conto de fadas vive”. Assim, compreende-se que, por
meio da leitura do livro de imagem, a criança transcende através
dos seus devaneios, adentrando na mais significativa experiência que inicia bem antes da leitura do texto escrito.
GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR
Considera-se o livro de imagem um texto significativo que permite ao leitor incursionar por sua bagagem de vida pessoal,
histórica e cultural, possibilitando novas experiências e reelaborações nas quais a exploração do fantástico, do lúdico, da
fantasia, que são metas de interação participativa do/a aluno/a
com a obra, possa levá-lo/a a “experimentar o sabor literário”.
Nesse sentido, os livros de imagem são aqueles em que a história é contada por meio de imagem. Eles são um instrumento
de educação ativa, capaz de tocar diretamente a imaginação e
a inteligência da criança. A imagem, por si só, é portadora de
uma mensagem decifrável pela criança. Cada imagem representa uma unidade de ação e de leitura, o que permite ao leitor a
compreensão e a utilização de um vocábulo adaptado às situações propostas. É relevante ressaltar que as gravuras favorecem,
sobretudo, às crianças pequenas, permitindo que elas observem
os detalhes que contribuem para a organização de seu pensamento. Isso lhes facilitará, mais tarde, a identificação da ideia
central, os fatos principais e os fatos secundários.
Assim, os livros de imagem nos trazem importantes contribuições para compreender e refletir a perspectiva da leitura da
imagem como peça fundamental para despertar o ato de ler,
encontrando ricas oportunidades de interagir e recriar de forma particular, através da sensibilidade, para discorrer sobre esse
universo imagético e enriquecedor.
A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de
“ler” o mundo particular em que me movia – e até onde não sou traído pela
memória – me é absolutamente significativa. Neste esforço a que me vou
entregando, re-crio, e re-vivo, no texto que escrevo a experiência vivida no
momento em que ainda não lia a palavra. Vejo-me então na casa mediana
em que nasci, no Recife, rodeada de árvores, algumas delas como se fossem
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EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
gente, tal a intimidade entre nós – a sua sombra brincava e em seus ga-
LIVROS DE
lhos mais dóceis a minha altura eu me experimentava em riscos menores
IMAGEM SÃO UM
que me preparavam para riscos e aventuras maiores (FREIRE, 2006, p. 12).
Freire, ao relembrar o seu passado, deixa claro que, mesmo a
criança não tendo a apropriação do código escrito, ela consegue expressar-se categoricamente através das suas experiências
de vida e da leitura que faz do mundo. Sob esse prisma, o livro
de imagem é um recurso que favorece que a criança desperte
o desejo da leitura, uma vez que, enquanto pequeno/a leitor/a,
é capaz de discorrer belissimamente sobre as sequências ilustradas a seu modo de ver e interpretar a realidade a sua volta.
INSTRUMENTO DE
EDUCAÇÃO ATIVA,
CAPAZ DE TOCAR
A IMAGINAÇÃO E A
INTELIGÊNCIA DA
CRIANÇA
Corroborando essa reflexão, consideram-se iluminadores os argumentos de Weisz (2003, p. 106):
diversidade cultural, social e também individual. Considera-se que as formas
de aprender diferem, que os tempos de aprendizagem também, e que não
tem sentido sonhar com todos os alunos caminhando igualmente em seu
processo de construção de conhecimento.
Para esta autora, é importante o educador não dar respostas
prontas, mas fazer o aluno pensar, valorizando cada criança
como um ser único de infinitas possibilidades de aprender e expressar-se por meio de sua sensibilidade. Nessa perspectiva, deve
haver uma valorização do indivíduo como ser ativo, singular e social. Portanto, é imprescindível que reconheçamos a importância
desse recurso na inserção do leitor iniciante nesse universo que
ultrapassa a palavra escrita e que não tem fim, uma vez que cada
releitura incita uma série de novas descobertas por parte do leitor.
2. REFLEXÕES
O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL...
A escola que propomos e buscamos é uma escola aberta à diversidade - a
SOBRE A LEITURA DAS CRIANÇAS ACERCA DO
LIVRO DE IMAGEM
Contar e ouvir histórias permite a entrada da criança em um
mundo encantador, cheio surpresas que divertem e ao mesmo
tempo ensinam. Desta forma, é na relação lúdica e prazerosa da
criança com a obra literária que se tem uma das possibilidades
de se formar o leitor-mirim, bem como a exploração da fantasia
e da imaginação, estimulando a criatividade e o fortalecimento
da interação do leitor com as narrativas visuais.
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Partindo desse assentimento e de uma reflexão crítica acerca
desse universo literário que possibilita que a criança se expresse
através de suas experiências e valores, tal afirmação se apoia
em um despertar por uma leitura que antecede a leitura da palavra escrita. Desta forma, a criança lerá através dos elementos
simbólicos, tendo a oportunidade de desenvolver todo o seu
potencial criativo e ampliar os seus horizontes desde a infância.
Ler uma narrativa literária é um fenômeno de outra espécie. Muito mais sutil
e delicioso. Vai muito além de juntar, formar sílabas, compor palavras e frases,
decifrar seu significado de acordo com o dicionário. É um transporte para outro
universo, onde o leitor se transforma em parte integrante da vida de um outro,
GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR
e passa a ser alguém que ele não é no mundo cotidiano (SMOLKA, 2009, p. 77).
A partir do exposto acima, considera-se oportuno enfatizar que
uma história traz consigo inúmeras possibilidades de aprendizagem. Assim, parte-se para a primeira etapa da pesquisa, em
que se trabalhou a narrativa oral do clássico da literatura infantil
“Patinho feio”, de Hans Christian Andersen.
Foram entrevistadas 15 crianças. Elas responderam às questões
tendo o auxílio da pesquisadora acadêmica, visto que as crianças
ainda não leem o código escrito. Os dados foram organizados sob
a forma de descrição dos aspectos fundamentais para uma análise,
expondo com fidelidade as falas das crianças e a norma coloquial
por elas empregada no desenvolvimento da coleta de dados.
Algumas das questões que emergiram nessa primeira etapa da
pesquisa foram as seguintes:
Iniciamos perguntando às crianças: “Quem era o patinho feio?”
LC: “Aquele que todo mundo brigou com ele, coitadinho”... “Vou convidar
ele pra morar lá em casa”.
MC: “Era aquele que cresceu... Cresceu e ficou bonito”.
CA: “O que ficou bonito titia”.
Pesquisadores: “Como ele foi tratado pelos animais?”
MA: “O gato pegou ele... Aí... Ele correu, correu!”.
LU: “O gato beliscou ele”. “Sabia que ele tava era com ciúmes do patinho”.
DA: “Os animais bateu!”.
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Pesquisadores: “O que você entendeu do final dessa história?”
LC: “Que ele foi muito feliz! Tinha um montão de patos brancos”.
LU: “Ele viveu feliz com os amigos dele”.
DA: “Porque os patos era muito bonitos e ele foi enfeitiçado e ficou bonito”.
Desta forma, as crianças demonstraram com criticidade que, apesar de o patinho ser incompreendido pelos animais da floresta em
relação a sua aparência física, este tem grande valor pela essência
do ser, atraindo assim os pequenos leitores com base em uma situação simbólica que traz grandes lições de vida na sociedade, já que
no seio social ainda existe uma forte reação do meio ao diferente.
Outro aspecto significativo na aprendizagem do pequeno leitor foi
o toque imaginativo dado à narrativa que já perpassa séculos na
sociedade e a criança a cada leitura tem a capacidade de dar novos
sentidos ao enredo da obra.
Nesse caminho, parte-se para o segundo momento da coleta de
dados, quando propusemos investigar os discursos produzidos
pelas crianças com base nas narrativas visuais. Para isso, foi trabalhado o livro de imagem “Pê: o pato diferente” através de uma
segunda entrevista semiestruturada realizada com os/as alunos/as.
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Sabe-se que os clássicos são tesouros para quem os lê e são mais
valiosos ainda para quem consegue apreciá-los com prazer e profundidade. Interessante para nossa análise foi constatar que a obra
literária exerceu grande influência nas crianças, provocando um
brilho no olhar, um sorriso iluminado no rosto e o sentimento de
desafeto pelos indivíduos que maltratavam o patinho denominado
de feio na história.
Nesse momento inicial, procuramos nos abster excessivamente de
explanar ou dar qualquer tipo de instrução sobre como proceder
na leitura do livro de imagem. Além disso, não fizemos nenhuma
observação às crianças sobre o fato de o livro “Pê: o pato diferente” ser concebido exclusivamente por imagens. Nada revelamos
sobre o enredo ou temas referentes ao livro. Assim, foi dada uma
autonomia à criança para manusear e discorrer sobre a temática
do livro de imagem.
Alguns resultados que emergiram nessa segunda etapa da pesquisa foram os seguintes:
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A LITERATURA DEVE
Pesquisadores: “Quem é Pê, o pato diferente nessa história?”
SER APRESENTADA
LC: “Esse patinho que tá ouvindo música.”
À CRIANÇAS ANTES
VI: “É o patinho amarelinho.”
MESMO QUE ELAS
CA: “Esse pato legal aqui da figura.”
APRENDAM A LER
Nessa pergunta inicial, a criança já consegue se apropriar,
com base no livro de imagem, de quem é o personagem
principal da história. Constatou-se que a leitura é um processo ininterrupto e permanente, que começa no momento em que a criança é capaz de perceber sinais e atribuirlhes significados que irão acompanhá-la por toda a vida.
FORMALMENTE
Pesquisadores: “Por que ele é considerado diferente nessa história?”
MA: “Porque ele queria cantar e tocar e ser feliz”
LU: “Porque ele queria tocar na banda e os seus irmãozinhos não queria toGLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR
car... Só ficava fazendo mesa com o papai.”
DA: “Ele quer tocar música... Vou levar ele pra minha igreja.”
Nas falas coletadas, observou-se que as crianças conseguiam
acompanhar o enredo da história unicamente pelas ilustrações. É
interessante ressaltar a fala da criança (DA): “Ele quer tocar música... Vou levar ele pra minha igreja”. Esta sentiu a necessidade de
acolher o personagem principal da história, levando-o, por meio
do imaginário infantil, para determinadas ações do seu dia a dia.
Pesquisadores: “Qual era o sonho de Pê?”
MC: “Era cantar e fazer banda.”
CA: “Tocar o violão dele. Sem o pai dele atrapalhar né. Tia eu vou mandar
prender o pai dele... para ele não atrapalhar o Pê."
DA: “Tocar violão na igreja. Junto com meu primo.”
Nesse prisma, as crianças enumeraram o real sonho do patinho Pê,
desvelando múltiplos olhares apreciados durante a leitura do livro
de imagem. É interessante a fala de (CA): “Tocar o violão dele. Sem
o pai dele atrapalhar né. Tia eu vou mandar prender o pai dele...
para ele não atrapalhar o Pê.”, reportando-se às autoridades que
têm o encargo de proteger a sociedade em geral. Assim, a criança
trouxe para a narrativa esses representantes com a finalidade de
proteger o patinho Pê, de tal modo que pudesse realizar o seu
sonho sem as relutâncias impostas pelo pai no enredo da história.
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Pesquisadores: “E o seu sonho, qual é?”
MC: “De tocar bateria e violão igual o Pê.”
CA: “Ser grande e ficar famosa cantando.”
MA: “Meu pai comprar um violão. Mais ele não tem dinheiro pra comprar agora.”
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A literatura infantil foi representada nesta pesquisa em uma
abordagem de interpretação imagética, carregada de significados, que foram apresentados a partir do contexto social,
cultural do leitor-mirim. Deste modo, a leitura do livro de imagem
foi considerada como o ponto de partida para um processo de
desenvolvimento e reflexão pela criança. Apoiando-se nesse
instrumento, os leitores iniciantes puderam concretizar uma
leitura fruindo como embasamento sua própria visão de mundo,
tendo em vista que a criança é um ser social, ativo e pleno de
descobertas, sobretudo nas relações adquiridas com o outro.
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Vindas de universos culturais diferentes, as crianças proferem
valores distintos. Assim, os discursos suscitados desvelam experiências do seu cotidiano, bem como seus anseios para o futuro.
Deste modo, destacamos a fala de (MC): “De tocar bateria e
violão igual o Pê”, em que há uma identificação com a escolha
profissional do personagem principal da narrativa visual. Assim,
a partir da leitura do livro de imagem, oportunizou-se ao pequeno leitor fazer uma leitura de mundo muito significativa no
florescer das suas habilidades ao longo do tempo.
Nesse cenário rico em aprendizagens, é salutar o excelente desenvolvimento das crianças em relação à leitura, pois, firmados
numa leitura que antecede a leitura da palavra escrita, viu-se, ao
longo desse itinerário, que cada criança é um ser especial capaz
de abrilhantar o livro de imagem com suas contribuições tão
singelas, transparentes, impregnadas de fantasias e desejos que
foram ao longo do caminho realizados através da leitura que
cada leitor produziu da narrativa visual “Pê: o pato diferente”.
Logo, é crucial mencionar que as leituras diversas produzidas por
cada criança através de um único livro de imagem deixam claro
que este recurso é repleto de novos significados imbuídos a cada
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nova leitura desempenhada pelas crianças. É fundamental valorizarmos cada leitura em sua plenitude, uma vez que as crianças
conseguiram discorrer sobre a narrativa visual tão sutilmente.
GLAUCIA FEITOSA CUNHA,JONAS ALVES DA SILVA JUNIOR
A sociedade exige profundas mudanças e lança-nos importantes
desafios diariamente. Nesse caminho, a escola e a família também
têm de evoluir para uma educação mais significativa. Para tanto,
é imprescindível que comecem a transmitir o ensino da literatura infantil prazerosamente às crianças, de tal modo que, quando
crescidas, possam enfrentar e transformar a sua realidade. A nosso ver, o grande valor dado à literatura infantil permitirá à criança
acreditar em si mesma e construir, por meio do imaginário, o seu
lugar no mundo.
A literatura infantil é um instrumento que abre portas para a criatividade, pois a criança, desde muito pequena, já tem uma bagagem
rica em aprendizagens que facilita a expressão frente ao clássico
literário e às narrativas visuais. Dessa forma, é possível reconhecer o
grande valor tanto da utilização do clássico literário “Patinho Feio”
quanto do livro de imagem “Pê: o pato diferente”.
Sanches (2009 apud BOM-FIM, 2009, p.6) prestigia a importância
de “cultivar” esse recurso tão admirável que é o livro de imagem:
Entre a colheita de significados pelas imagens e a colheita de significados
pelas letras, o ser humano continua em sua roça cotidiana, fazendo leituras
e joeirando os muitos sentidos que são dados para ou que ele descobre em
sua própria vida.
Nessa trajetória, a leitura do livro de imagem proporcionou aos
seus leitores a oportunidade de partilhar e reconstruir criativamente o imaginário e a sua potencialidade idealizadora. Presentemente, as crianças continuarão em sua “roça cotidiana”, mas com uma
nova semente para ser “colhida”, vivenciada, transformada a cada
nova leitura incitada pelo livro de imagem.
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EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
REFERÊNCIAS
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10ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
BENJAMIM, Walter. Reflexões: a criança, o
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1984.
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(pré) texto para contar histórias. 3ª ed. Imperatriz, MA: Alma de Artista, 2009.
________. O livro de imagem: um (pré) texto
para contar histórias. Caderno de atividades.
Imperatriz, MA: Alma de Artista, 2009.
RENNÓ, Regina Coeli. Pê: O pato diferente
São Paulo: FTD, 1993 (Coleção Roda Pião).
SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. A criança na fase inicial da escrita: a alfabetização
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VIEIRA, Silvia Helena. A criança fala: a escrita
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2008.
WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a
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O LIVRO DE IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL...
FRANCASTEL, Pierre. A realidade figurativa.
São Paulo: Perspectiva, 1982.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler:
em três artigos que se completam. São Paulo:
Cortez, 2006.
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