1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO UNIVERSIDADE

Transcrição

1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO UNIVERSIDADE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO PARA A DIVERSIDADE
ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS COM
FOCO EM RAÇA E GÊNERO
HELIANA FERREIRA DA SILVA
POLO CONSELHEIRO LAFAIETE/MG
POLÍTICA E CONSCIENTIZAÇÃO:
ESTRATÉGIAS PARA ENFRENTAR A OPRESSÃO SOCIAL DE
GÊNERO E RAÇA/COR NO BRASIL
CONSELHEIRO LAFAIETE/MG
2012
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HELIANA FERREIRA DA SILVA
POLÍTICA E CONSCIENTIZAÇÃO:
ESTRATÉGIAS PARA ENFRENTAR A OPRESSÃO SOCIAL DE
GÊNERO E RAÇA/COR NO BRASIL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Programa de Pós-Graduação em Educação
para a Diversidade da Universidade Federal de
Ouro Preto, como requisito parcial à obtenção
do grau de Especialista em Gestão de Políticas
Públicas.
Área de concentração: Gênero e Raça
Orientadora: Ana Amélia Chaves T. Adachi
Pólo: Conselheiro Lafaiete/MG
CONSELHEIRO LAFAIETE/MG
2012
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AGRADECIMENTOS
Agradeco, de forma especial, à querida orientadora Ana Amélia Chaves
Teixeira Adachi que, com zelo e dedicação, se fez presente em todas as
etapas deste percurso, atribuindo sentido às nossas vidas e nos ajudando
a construir essa parte de nossas histórias. Também às tutoras Rosiney e
Rita Verona, demais professoras/es e coordenadoras/es desta instituição,
sem os quais não haveria a realização deste curso. Aos Deuses e Deusas
que cruzaram o meu caminho, muito obrigada!
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EPÍGRAFE
(...) Não se importe com a origem ou a cor do seu semelhante
O quê que importa se ele é nordestino e você não?
O quê que importa se ele é preto e você é branco
Aliás, branco no Brasil é difícil, porque no Brasil somos todos mestiços
Se você discorda, então olhe para trás
Olhe a nossa história
Os nossos ancestrais
O Brasil colonial não era igual a Portugal
A raiz do meu país era multirracial
Tinha índio, branco, amarelo, preto
Nascemos da mistura, então por que o preconceito?
(...)
E desde sempre não pára pra pensar
Nos conceitos que a sociedade insiste em lhe ensinar
E de pai pra filho o racismo passa
Em forma de piadas que teriam bem mais graça
Se não fossem o retrato da nossa ignorância
Transmitindo a discriminação desde a infância
E o que as crianças aprendem brincando
É nada mais nada menos do que a estupidez se propagando
Nenhum tipo de racismo - eu digo nenhum tipo de racismo - se justifica
Ninguém explica
Precisamos da lavagem cerebral pra acabar com esse lixo que é uma herança cultural
Todo mundo que é racista não sabe a razão
Então eu digo meu irmão
Seja do povão ou da "elite"
Não participe
Pois como eu já disse racismo é burrice
Estrofes da Música: Racismo É Burrice
Autoria: Gabriel O Pensador
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RESUMO
Apesar da presença e expressividade numérica na composição
populacional e no mercado de trabalho, as mulheres e negros/as são
vistos e tratados de maneira desigual, sendo discriminados nos diversos
campos sociais. Uma alienação dominante foi imposta historicamente
para a perpetuação de um pensamento preconceituoso e excludente das
mulheres e negros/as em relação a si próprios. Percebe-se que isso tem
levado à manutenção de uma desvalia e a um acesso dessemelhante às
oportunidades e serviços oferecidos na sociedade, comprometendo
negativamente a qualidade de vida desses segmentos. Para além dos
avanços científicos, tecnológicos, políticos e da maior acessibilidade aos
conhecimentos sistematizados, ainda são as diferenças anatômicas e
morfológicas entre homens e mulheres que estabelecem as hierarquias e
as conseqüentes vantagens no funcionamento social. Uma desconstrução
política dessa idealização poderá acontecer em torno de propostas de
conscientização que viabilizem uma mudança dos paradigmas que
mantêm tais pessoas presas às estruturas de dominação.
Palavras chave: discriminação, política, conscientização
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SUMÁRIO
1-Introdução.............................................................................................P.7
2 - Capítulo I
Racismo no Brasil: exclusões, preconceitos e formas de
enfrentamento.......................................................................................P.11
3- capítulo II
O fenômeno do racismo: fundamentações e justificativas.....................P.17
4- capítulo III
Gênero e cor: expressividade, movimentos e ações afirmativas...........P.22
5- capítulo IV
Política e trajetos para a desconstrução das desigualdades sociais de
Gênero e Raça/cor ...............................................................................P.26
5.1-Capítulo IV.I
Cidadania: caminhos para a democracia ..............................................P.29
6- capítulo V
Ações afirmativas e as Políticas Públicas..............................................P.32
7-Considerações Finais.........................................................................P.40
8-Referências Bibliográficas..................................................................P.42
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INTRODUÇÃO
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios –
PNAD, do IBGE (2000), o Brasil é considerado um dos países do mundo
que mais cresceu em sua demografia e economia no século XX. Em
termos populacionais, atingiu o número de 170 milhões de habitantes em
2000, com um percentual de cinco milhões de mulheres a mais que
homens, e um fator de miscigenação incalculável, como apontados nos
dados para o ano de 2008.
Os avanços e desenvolvimentos na assistência à saúde, na
redução da taxa de mortalidade e fecundidade, na economia e na
sociedade, em geral, apesar de ainda serem problemas do país,
contribuíram para uma maior qualidade e esperança de vida nesta última
década. Porém, observa-se que o preconceito, a intolerância, a
discriminação e a indiferença entre os seres humanos, ainda são fatores
reais e cruciais e que retardam um desenvolvimento efetivo e igualitário
em nossa sociedade.
Desde o início da história do nosso Brasil, pouco ou nada mudou
no que diz respeito às práticas racistas e discriminatórias dos nossos
antepassados para com as mulheres e negros/as. Fator esse que impôs e
impõem desvantagens e injustiças sociais, deixando marcas profundas
em suas vítimas. O racismo, orientado diretamente pela escravidão,
trabalho forçado e o sexismo, assentado na distinção entre o espaço
público e o privado, finda numa forma sutil de desvalia e alienação social,
apesar de todos os avanços conquistados neste século.
Sabe-se que um país se desenvolve, efetivamente, à medida que
exercita a democracia, oportuniza a todos/as o direito à cidadania e
concorre para a promoção da justiça social. Para que isso ocorra, é
necessário que a população não somente sobreviva, mas viva com
qualidade, sendo percebida e atendida de forma equânime, de acordo as
suas demandas. Porém, os preconceitos de raça e gênero, existentes de
forma explícita e também sutil na sociedade, contribuem para um acesso
desigual aos bens e serviços sociais. Tal situação poderá ser minimizada
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mediante uma promoção ampla e efetiva de condições para uma
conscientização combatente desses males.
Promover
ações
afirmativas
permanentes,
de
cunho
conscientizador, e que apontem para as consequências das opressões e
exclusões
dessa
população
atingida,
a
partir
das
comunidades
educacionais, poderá ser uma solução, em longo prazo, para uma efetiva
mudança nos pensamentos, atitudes e paradigmas da sociedade.
Segundo Alves e Cavenaghi (2009), em geral, os programas
governamentais ainda não contemplam medidas igualitárias e efetivas de
cidadania para mulheres e negros/as, pois estes continuam carecendo de
oportunidades e de renda igualitária no mercado de trabalho, em relação
aos homens brancos.
As desigualdades de gênero e raça no Brasil são históricas e reais,
e os avanços, após vinte séculos de história, apresentam poucas
conquistas das mulheres e negros diante de esforços empreendidos nas
áreas da educação, saúde, trabalho e previdência social. Alguns fatores
responsáveis pela opressão dessa população são as falhas na promoção
do acesso efetivo à saúde geral, sexual e reprodutiva, percebidas pelos
altos índices de mortalidade, doença e pobreza, impulsionados pela
negligência ou má qualidade da educação brasileira.
O movimento feminista e o movimento pela igualdade racial foram
de extrema importância para muitas conquistas desta era, no tocante a
esses dois segmentos. Porém, no que tange a uma efetiva inserção na
política e a uma vivência igualitária de oportunidades sociais e de
remuneração, mulheres e negros/as estão longe de ter uma paridade
participativa. Eles ficam limitados ao exercício democrático de votar, sem
ter, na maioria das vezes, qualquer conscientização e envolvimento
efetivo nas temáticas políticas e sociais do país. Isso evidencia uma forma
de alienação que contribui para perpetuar a histórica desigualdade entre
homens e mulheres e entre brancos e negros.
Diante dessa situação excludente, dominadora e alienante faz-se
importante
promover
estudos
que
culminem
num
despertar
da
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consciência, numa mudança de paradigmas e na busca pela equiparação
da condição de cidadania desses atores sociais. Somente através de um
rompimento prático com a cultura da subjugação, subordinação e
predileção será possível a construção de condições que favoreçam uma
igualitária redistribuição de renda e oportunidades. Tais condições são
imprescindíveis como alternativas ao poder massificador e opressor que
se perpetua no imaginário e nas práticas sociais, corroendo as
possibilidades de vivência, por parte de todos, de uma efetiva cidadania.
Um efetivo cidadão, como lembra Abramo (2004), deve atentar-se
para o seu papel na identificação das desigualdades e promoção de
igualdade, edificando, tanto mulheres como negros/as, como sujeitos do e
para o social. Uma população só avança realmente quando desenvolve,
além da economia, as suas características sociais, culturais e políticas,
pois estas influenciam na qualidade da vida humana e garantem mais
dignidade para todos/as.
Nesse sentido, optou-se em fazer um estudo bibliográfico que
pudesse contemplar um pouco da história do preconceito e da
discriminação, bem como destacar as conquistas políticas que têm visado
à desconstrução das desigualdades de gênero e de cor no Brasil.
Perpassou-se a história da escravidão para que pudesse haver uma
maior reflexão sobre a reprodução e perpetuação dos atos excludentes
que vivenciamos ainda nos dias de hoje.
Um destaque foi dado aos percursos e movimentos sociais
empreendidos e que culminaram em ações políticas afirmativas. Nessa
perspectiva, o objetivo geral deste trabalho foi o de ampliar o
conhecimento relativo às práticas cotidianas excludentes que o ser
humano faz de sua própria raça e gênero, bem como apontar a política
como uma das possíveis saídas para a desconstrução das desigualdades
e opressões.
Acredita-se que, desse modo, revendo e assinalando um pouco do
que os seres humanos foram e fizeram, oportuniza-se um repensar dos
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atos e, consequentemente, uma escolha diferente no fazer em relação à
perpetuação da indiferença, da intolerância e do preconceito.
Estruturado em cinco capítulos, o trabalho está apontando os
seguintes temas: no capítulo I, o racismo no Brasil, com as exclusões,
preconceitos e formas de enfrentamentos. No capítulo II buscou-se
destacar as fundamentações e justificativas do fenômeno do racismo. No
capítulo III discorreu-se sobre gênero e cor, sobre as formas de
expressividade dos respectivos segmentos nos movimentos sociais e as
ações afirmativas alcançadas. No capítulo IV os comentários foram
tecidos permeando a história da democracia brasileira, com enfoque nas
políticas e trajetos para a desconstrução das desigualdades sociais de
Gênero e cor. No capítulo V comentou-se sobre importância de se
entender e articular o termo cidadania como sendo um fator para a
consolidação da democracia. Nas considerações finais tratou-se de fazer
uma breve recapitulação das temáticas apresentadas, num repensar da
nossa história, em que haja condições para a conscientização e
envolvimento dos próprios excluídos e marginalizados, a saber, mulheres
e negras/os, na busca pelas soluções dos problemas que vivenciam e,
muitas vezes, ajudam a perpetuar.
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CAPÍTULO I – RACISMO NO BRASIL: EXCLUSÕES,
PRECONCEITOS E FORMAS DE ENFRENTAMENTO
Em 1888, no Brasil, foi extinta formalmente a escravidão pela Lei
Áurea e cerca de um milhão de escravizados/as passavam a ser dotados
de direitos e deveres, compondo o povo brasileiro. Com a Revolução
Industrial, o capitalismo passou a ser o novo sistema econômico, sendo
que a era agrícola foi superada e parte do trabalho humano foi substituído
por máquinas, criando novas relações entre capital e trabalho. As
pessoas brancas eram vistas como superiores aos negros/as e
amarelos/as, sendo a miscigenação compreendida como algo que
enfraquecia os grupos, pois os filhos/as mestiços/as incorporariam as
qualidades do grupo racial inferior.
Porém, a população brasileira estava constituída majoritariamente
por indivíduos descendentes das raças ditas inferiores, os quais tiveram a
sua mão de obra preterida mesmo após o término da escravidão. Diante
do impasse que se criou frente às demandas do mercado de trabalho e a
disponibilidade de mão de obra, foi posto em ação, pelos planos
governamentais
brasileiro,
um
projeto
de
embranquecimento
populacional, através do ingresso e mistura de brancos/as europeus/ias
no país com a população negra.
Segundo Freyre (1993), o efeito imediato de tal projeto foi que os
empregadores/as da época passaram a privilegiar os imigrantes
europeus/ias para os postos de trabalho disponíveis, criando-se, assim,
uma segregação racial à brasileira. Com isso, perpetuava-se o
preconceito como um esforço deliberado das oligarquias dominantes de
manter os privilégios raciais vigentes na sociedade escravista contra
negros/as.
O preconceito estaria baseado em um estigma identificado na
aparência negróide (cor de pele, textura dos cabelos, formato dos lábios e
do nariz) que associa determinadas peculiaridades do ser humano à
escravidão, justificando, consequentemente, uma posição subordinada do
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mesmo na sociedade. Negro/a incute o significado de classe baixa e
pobre e, assim, o preconceito que se praticava contra negros/as seria o
preconceito de classe.
Assim, a questão de raça passou a ser um problema nacional após
a abolição da escravidão, quando cerca de 1 milhão de pessoas
brasileiras começam a sofrer com maior intensidade (de fome) a
segregação devido à sua cor e à origem. A discriminação passa a ser
exercida fora dos portões das senzalas e dos terreiros dos seus primeiros
opressores. Apesar de livres, o acesso de negros/as e mestiços/as ao
mercado de trabalho é impedido e estes passam a vivenciar um processo
de total desvalia social, já que não mais são obrigados a manter e cuidar
da vida de seus donos.
Com o passar do tempo e com o aumento das injustiças sofridas,
ativistas negros/as denunciavam a situação vivenciada pela população
negra preterida no mercado de trabalho em prol dos/as imigrantes
europeus/ias. A miscigenação se torna um paradoxo e intelectuais se
preocupam em esclarecer o processo racial do país.
Bastide (1973) afirma que para o filósofo francês Michel Foucault
(1926-1984), a mistura vislumbrada na miscigenação era entendida como
degenerescente, e nessa lógica, éramos um país cujo futuro estaria
comprometido, fadado ao fracasso devido à composição racial de nossa
população.
Assim como já proposto pelo governo brasileiro, o crítico literário
sergipano Silvio Romero (1851-1914), entre outros pensadores, via a
mistura de grupos raciais como uma saída para o impasse vivido pelo
país, já que haveria a possibilidade de depuração do sangue negro por
meio da inserção de mais brancos/as no território, desde que estes
últimos estivessem dispostos a misturarem-se com negros e mestiços.
Já o médico/antropólogo maranhense Raimundo Nina Rodrigues
(1862-1906), por sua vez, era contra a miscigenação, uma vez que esta,
em sua opinião, produziria seres degenerados. De acordo com o mesmo,
a alta taxa de mortalidade de negros/as devido a suas condições sociais,
apontava para um futuro mais promissor para o Brasil. Desse modo,
visando diferenciar ainda mais as condições de vida da população,
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chegou-se a propor, no país, o estabelecimento de códigos penais
distintos para brancos e negros, o que foi publicado em “As Raças
Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil”.
O primeiro período republicano foi marcado, portanto, pelo
preconceito racial no mercado de trabalho e nos espaços de
entretenimento. Observam-se as desvantagens cumulativas que foram
transmitidas
de
geração
a
geração,
como
importantes
fatores
responsáveis pela reprodução da pobreza entre os/as não brancos/as.
Essa situação discriminatória impulsionou os/as afro-brasileiros/as
a construírem espaços próprios de sociabilidade. Segundo Bastide (1973)
e Fernandes (1964), o movimento negro brasileiro, em sua acepção
moderna, surgiu no início do século XX, quando emergiram nos jornais da
Imprensa Negra e nas associações os primeiros protestos contra o
preconceito de cor que, aos poucos, assumiram objetivos políticos em
favor da integração do/a negro/a na sociedade de classes.
Petrônio Domingues, historiador pernambucano, conta que, no
período pós-abolição os/as negros/as criaram diversas associações em
São Paulo, tais como grêmios recreativos, sociedades cívicas e
beneficentes. Esse contexto de associativismo marcou o primeiro ciclo de
mobilização do movimento negro, em que a FNB - Frente Negra Brasileira
(1931-1937) se constituiu na cidade de São Paulo como pólo divulgador
da política antirracista. Prestavam-se auxílio aos/às associados/as que
dispunham de pouca ou nenhuma proteção social, propiciando espaços
de lazer, de estética, de profissionalização e de participação política.
Também dispunham-se de uma caixa beneficente que prestava auxílio
médico, hospitalar, farmacêutico e funerário aos associados, uma vez que
o Estado ainda não contava com um sistema de saúde amplo, universal e
capaz de atender a todos/as cidadãos/ãs.
As organizações negras advogavam também em favor dos direitos
civis, universalizando o conceito de cidadania no Brasil. Por razões
políticas, no âmbito do ápice do regime ditatorial, ocorreu a dissolução da
FNB e a dispersão da mobilização política negra na década de 1930. Foi
somente no período pós-Estado Novo que o movimento negro pôde se
reorganizar publicamente.
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Para Nascimento e Larkin (2000), nas décadas iniciais do século
XX vários setores do mundo lutavam contra o racismo, repudiando as
experiências traumáticas do Nazismo e do Fascismo. O Holocausto era o
símbolo máximo de que a ideia de “raça”, como sistema classificatório e
hierarquizador de grupos humanos, deveria ser abolida, uma vez que se
tinha mostrado completamente nociva para a humanidade. Contra esse
pressuposto e suas manifestações discriminatórias se reergueram formas
coletivas de combate ao racismo, em meados dos anos de 1940. Nesse
período, destacaram-se duas entidades que tiveram longevidade e
expressão política significativa no país, sendo elas: a União dos Homens
de Cor (UHC) e o Teatro Experimental do Negro (TEN), cujo papel era dar
visibilidade para a temática do preconceito racial. A assistente social
Maria de Lurdes Vale do Nascimento, dentre seus outros feitos, fundou ,
em 1950, o Conselho Nacional das Mulheres Negras, um dos braços do
TEN responsável por focalizar as questões relacionadas ao feminino e à
infância, ajudando a população negra a obter certidão de nascimento,
carteira de trabalho e apoio jurídico.
A noção de raça dentro do “protesto negro” foi um elemento
essencial para criar mecanismos de solidariedade e identidade, como a
do grupo Black Power, movimento liderado por negros, nos anos 1960 e
1970 em todo o mundo, enfatizando o orgulho racial. Este incentivou a
criação de instituições culturais, provocou políticos/as negros/as para
promoção dos interesses coletivos e da autonomia dos/as negros/as. O
orgulho racial, além de ser elemento identitário e aglutinador, passou a
ser reivindicado junto à incorporação de elementos culturais de origem
negro-africana.
As mulheres negras enfrentavam os mesmos dilemas de pertencer
a um grupo racialmente discriminado. Devido ao passado escravo, lhes
sobravam os empregos domésticos e, em menor grau, na indústria de
transformação nas áreas urbanas, ou permaneciam como trabalhadoras
rurais. Para Gonzalez (1982, 1988), o próprio movimento negro persistia
em posições machistas, flagrantes nas práticas cotidianas que levavam
tais mulheres à invisibilidade. Foi no cerne das mobilizações contra a
ditadura e pela abertura democrática que apareceram os primeiros grupos
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organizados de mulheres negras. Esses serviram para articular as esferas
locais e globais de mobilização de recursos econômicos e políticos.
Segundo Carneiro (2003), tais movimentos destacaram-se pelas
decisivas contribuições no processo de democratização do Estado,
produzindo inovações importantes no campo das políticas públicas. Entre
elas, a criação dos Conselhos da Condição Feminina – órgãos voltados
para o desenho de políticas públicas de promoção da igualdade de
gênero e combate à discriminação contra as mulheres.
Houve também a luta contra a violência doméstica e sexual que, da
dimensão do privado, passou a alcançar a esfera pública e tornou-se
objeto de políticas específicas. Esse deslocamento fez com que a
administração pública instaurasse novos organismos assistenciais, tais
como as Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAMS),
entre outras iniciativas. O leque de temas e demandas do movimento de
mulheres negras foi ampliando-se e marcando o protagonismo das
mulheres negras no Brasil.
Disso depreende-se que a cidadania reivindicada pelo movimento
negro, em geral, não esteve circunscrita à dimensão material apenas,
mas apresentou-se e continua apresentando-se também em termos
simbólicos, buscando o reconhecimento da presença, contribuição e
participação da comunidade afro-brasileira na construção da nação, em
termos econômicos, políticos e socioculturais.
Com o estabelecimento do Estado Democrático de Direito no
Brasil, as legislações incorporam os conceitos fundamentais da
democracia, particularmente a ideia de universalidade, liberdade e de
igualdade, bem como a de participação e representação política, já
idealizados pelo movimento negro.
Respaldadas pelos princípios da
Carta Magna de 1988, as reivindicações desse movimento são mais
incisivas no que compete a não discriminação dos/as negros/as em
instituições públicas e privadas, à redução das desigualdades raciais nos
diversos âmbitos da vida, particularmente no trabalho, na educação e na
saúde.
No que compete a esfera estatal, em termos concretos, ações
como o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH I) criados 1996,
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foram esboçadas junto a alguns ministérios, na tentativa de ampliar a
questão racial no âmbito governamental. Uma ação que se destacou no
governo “Lula” foi a promulgação da Lei 10639/2003, que institui o ensino
de História e Cultura da África e dos/as Afro-brasileiros/as em todos os
estabelecimentos de ensino do país.
O ensino da cultura africana no Brasil encontra como um de seus
elementos legitimadores o fato de que no ano de 2007 o percentual da
população negra (pretos/as e pardos/as), no país, superou o da
população branca. Naquele mesmo ano, 49,8% da população identificouse como preta ou parda. O “quesito cor/raça” ou a identificação racial é
um item necessário e indispensável nos serviços de saúde, não apenas
por facilitar o diagnóstico e prevenção de doenças atualmente
consideradas étnicas, mas, sobretudo, pela possibilidade de saber do que
adoece e do que morre a população negra no Brasil.
Os avanços da luta do movimento negro brasileiro, no âmbito da
saúde, culminaram na construção da Política Nacional de Saúde Integral
da População Negra, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em
2006. Esta estabeleceu estratégias, indicadores e metas que orientaram
intervenções, de 2008 a 2011, no Sistema Único de Saúde (SUS), no
processo de enfrentamento das iniqüidades em saúde para esta
população.
No que se refere às outras políticas públicas, no âmbito Federal,
tem-se trabalhado para a compensação da população negra pelas perdas
históricas por ela vivenciadas e para o enfrentamento efetivo do racismo.
Porém, as maiores dificuldades de se promover ações afirmativas residem
na dificuldade de entendimento do que é ser negro/a no Brasil. As
diferenças entre marca (aparência) e origem (local de origem ou
ascendência), além da não percepção da importância de se citar o quesito
cor/raça nos documentos públicos, dificultam as ações de natureza
afirmativa.
Ressalta-se, assim, a importância de entender e abordar a questão
da discriminação social por cor e etnia, somada a questão de gênero, na
prática cotidiana, nas diversas instituições sociais a fim de se
conscientizar e fazer surgir ações afirmativas de combate à discriminação
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e as injustiças que dela decorrem. Nesse sentido, percebe-se que todas
as manifestações negras e feministas têm como meta o direito ao
reconhecimento e valorização em sua história, cultura e identidade. E
isso se tornará possível na cultura nacional quando combatermos o
racismo e as diversas formas de discriminações em nossas mentes. Pois
é a luz da reciprocidade entre brancos e negros, homens e mulheres, que
mostrará o caminho para o respeito social.
CAPÍTULO
II-
O
FENÔMENO
DO
RACISMO:
FUNDAMENTAÇÕES E JUSTIFICATIVAS
A palavra raça, tal como a empregamos hoje, vem carregada de
ideologia, pois esconde em sua simbologia uma relação de poder e de
dominação. Já o racismo, um fenômeno híbrido e multifacetado, em seu
fim último, se propõe à serventia da exclusão e da segregação social
(MUNANGA, 2003). Ambas são usadas para exprimir manifestações
agressivas, de intolerância e ódio racial, de forma implícita ou explícita, de
acordo com os desejos e os modos pelos quais foram internalizados por
quem as usa. As diferenças físicas, hereditárias e morfológicas são
fatores morais e culturais determinantes para justificar tal comportamento
entre grupos humanos.
O campo de debate em torno da questão da raça e do fenômeno
do racismo tem vertentes, olhares e desdobramentos diferenciados,
sejam estes construídos nas ciências naturais, sociais ou na Antropologia,
e em diferentes momentos históricos. Para Munanga (2003), ao se
analisar o desenvolvimento das diferentes sociedades, é fácil perceber
que as concepções racistas visam, de alguma forma, defender pontos de
vistas extremos e que imperam na defesa da manutenção da diferença;
como se esta fosse, em sua extensão, um problema e não uma marca
social. Com isso, o que se percebe, é a necessidade de determinados
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grupos vivenciarem um ideal de sociedade onde possam garantir
segurança e estabilidade mediante uma diferenciação discriminatórias do
outro tomado como estranho.
Em Munanga (2003), do ponto de vista histórico, a ideia de raça
surgiu no século XIX, com a noção científica de raça e com o racismo
científico. Este, chamado por alguns de racialismo, baseou-se na
mensuração das diferenças morfológicas (físicas), hereditárias, e nos
costumes morais e culturais das pessoas. A ideia e o modo de separar e
classificar biologicamente os indivíduos justificou, no imaginário da
coletividade social, comportamentos extremos, tais como o de tolher a
liberdade, forçar trabalhos gratuitos, torturar física e psiquicamente e
matar outros seres humanos. Essa forma estreita de ver e pensar as
diferenças das pessoas terminou por gerar consequências sociais
desastrosas e catastróficas para a humanidade.
Ainda em Munanga (2003), também o fenômeno do colonialismo
justifica o racismo. Tratou-se de uma espécie de política em que um povo
mantém outro povo, nação ou território, sob seu domínio político,
econômico, ou cultural. Esse processo teve início com as viagens
marítimas empreendidas pelos portugueses e europeus (ingleses,
franceses, holandeses), nos séculos XIV e XV. Foi nessa época que
esses exploradores de mundo, descobrindo o Continente Africano,
empreenderam a captura forçada de nativos/as, de pele negra,
inaugurando o processo que vimos a conhecer por “escravidão”. A
colonização das Américas se iniciou nos séculos XV e XVI pelos
portugueses e espanhóis, resultando na perseguição, escravização e
massacre dos nativos, denominados, então, de indígenas.
Nesse contexto de exploração humana, os povos dominadores
buscaram estabelecer ideologias que pudessem fundamentar suas
práticas, valendo-se dos vários contextos que lhes pudessem favorecer
em seus objetivos, tais como a religião, a biologia e a cultura, dentre
outros.
A teoria de hierarquização racial também teria justificado as
ações coloniais, as segregacionistas, e as de extermínio de populações
vistas como inferiores, bem como as ações de ódio racial. Os estatutos da
pureza do sangue que se estabeleceram na Espanha, a partir do século
18
XV,
eram
mecanismos
discriminatórios
contra
descendentes
de
judeus/ias, mouros/as e negros/as, considerados não confiáveis. As
lideranças sociais impediam que esses descendentes entrassem nas
universidades, recebessem títulos de honra e trabalhassem na justiça.
Esses mecanismos racistas instauraram a Inquisição, na segunda
metade do século XV, em terras espanholas, para julgar os cristãos/ãs
que
praticavam
outras
doutrinas.
Assim,
também,
outras
ideias
segregacionistas, tal como a de que o “sangue judeu” poderia condenar
toda uma linhagem, foram transpostas para os Estados Unidos da
América. Fundamentada numa ideologia denominada “regra de uma gota
de sangue”, tratou-se de uma lei que buscava diferenciar brancos/as dos
não-brancos/as por meio da linhagem e da aparência, a fim de
marginalizá-los.
Foi a partir do tráfico de escravos/as nas Américas que o termo
raça começaria a ser associada a negros/as africanos/as, bem como o
surgir da inferioridade humana como uma condição preconizada para os
mesmos. Justificada no direito de conquista, a escravidão, até então, não
esteve circunscrita a um grupo específico, não era associada a nenhuma
condição permanente ou essencial e nem tinha sido objeto de reflexão
sistematizada. O racismo negro foi forjado no contexto da escravidão
atlântica, assim como na disputa que massacrou os/as judeus/ias na
Europa.
Esse racismo contra os negros, ainda existente na sociedade atual,
pode ser explicado como fruto da perpetuação acrítica de ideias do
passado, como também pelo desejo instintivo de manifestar a
agressividade, o ódio e o medo, dentre outras proposições.
Em Arendt (2000) e com base nas teorias acerca do racismo
científico, o conceito de raça, bem como a prática do racismo, nasce e
perpetua-se carregado de funções simbólicas. Estas visaram favorecer
uma parcela, sempre minoritária, da sociedade no modo de fazer política
e desenvolver a economia regional. Assim, os brancos propagaram uma
ideologia capaz de conferir-lhes o livre e inquestionável exercício do
poder e da dominação.
19
Também em Taguiefe (1997), a ciência biológica, orientada pelas
características morfológicas, trabalhou para desvelar e articular diferenças
significativas que pudessem colocar, legalmente, o homem branco no
ápice da evolução humana. Estruturado no estudo do índice cefálico, da
ciência craniológica, distinguiram-se dois tipos extremos de crânio pelo
tamanho e forma, denominados de dolicocéfalo e braquicéfalo. Os
homens brancos puros seriam, assim, os detentores do dolicocéfalo,
superior ao segundo, característico nos semitas e outras raças.
Por essa nova ciência as raças são agrupadas em três categorias
básicas: branca, amarela e negra, correspondendo as características
respectivas de inteligência, industriosidade e sentimento. As mulheres
brancas e as outras raças foram ordenadas num contínuo descendente,
em que se substabeleceram negros/as africanos/as na base da hierarquia
das raças.
Para forjar uma inferioridade racial de grupos não brancos
promoveram-se estudos baseados em características fenotípicas dos
indivíduos, com base na medição do rosto. Ficou estabelecido que os
negros/as, por suas peculiaridades morfológicas, estariam mais próximos
dos primatas e, portanto, detinham capacidades intelectuais, mentais e
morais inferiores e limitadas (TAQUIEFE, 1997).
Baseados na antropologia morfológica, os estudiosos e cientistas
sustentaram, por um logo período, teorias distintas que se propunham
explicar as diferenças fisiológicas entre as raças, valendo-se dos
aspectos culturais dos diferentes povos, como se fossem aspectos
biológicos. Tais divisões e subdivisões se propuseram delinear, separar e
hierarquizar
os
seres
humanos.
Concomitantemente,
estudos
desenvolvidos pelo cientista alemão Franz Joseph Gall (1758-1828),
citado por Taguiefe (1997), a fim de servir à antropologia criminal,
defendeu a possibilidade de se reconhecer um/a “criminoso/a inato/a” por
suas características físicas.
Charles Darwin, em sua obra “A origem das espécies” (REGNER,
2001), é um nome importante para a história do racismo proclamado na
Europa, com suas teses sobre o desenvolvimento das espécies por meio
da seleção natural. Na teoria darwinista, a idéia da prática do racismo
20
parece ter sido justificada no ponto em que ele cunha a história da “luta
pela vida”, na qual, diante da escassez de recursos, uma mesma espécie
compete entre si. Isso serviu como base para explicar, defender e
perpetuar, sobretudo, a idéia da sobrevivência dos fortes pela subjugação
das pessoas consideradas mais fracas nos âmbitos da existência humana.
No século XIX, esse sistema de pensamento serviu para justificar as
diferenças e condicionar a superioridade das raças humanas. Submetida a
uma lei natural e universal, a inferioridade, justificada cientificamente,
facilitaria o exercício do poder de fortes sobre fracos/as e estabeleceria a
existência de uma classe inferior e desfavorecida dentre os humanos.
Disso também resultou, por conseqüência, que as mulheres fossem
reconhecidas como seres que apresentam características mentais e
psicológicas inferiores, uma vez que o índice encefálico das mesmas era
considerado menor em relação ao do homem branco.
Tais teorias tornaram-se uma ciência popularizada e reconhecida
socialmente, impetrando a defesa da busca do “espaço vital” e, ao mesmo
tempo, justificando o direito das “raças” consideradas fortes dominarem as
fracas. Foi essa mesma crença que propiciou a eclosão da Primeira Guerra
Mundial, no início do século XIX, fundamentada, sobretudo, na ideia de
que o pacifismo de um povo serviria, apenas, como uma forma de
enfraquecimento das “raças fortes”, o que favoreceria a condição de ser
dominado por outrem.
Ainda em Taguiefe (1997), pela própria ciência antropológica, essa
tese da superioridade de uns em relação a outros, medida pela fisiologia
craniana, foi desfeita pelo antropólogo Franz Boas, nas primeiras décadas
do século XX, quando pesquisava imigrantes europeus nos Estados
Unidos. Através da mesma técnica de medição do crânio, descobriu-se
que as peculiaridades físicas que diferenciavam os grupos humanos não
podiam, em sua íntegra, serem instrumentos de avaliação ou de
comparação das diferenças de comportamentos. Ele percebeu que as
características morfológicas que distinguiam grupos raciais podiam variar
segundo o meio e as condições de vida, assim como eram mutáveis as
diversas características que envolviam a vida dos seres humanos.
21
Franz Boas defendeu a idéia da ausência de determinismo racial
nas capacidades morais e intelectuais humanas, preconizando para a
comunidade antropológica que o mais importante seria o estudo das
questões culturais, na busca por respostas que justificassem as diferenças
humanas. Mesmo assim, tais descobertas não foram suficientes para evitar
guerras, exclusões ou o fenômeno do nazismo que massacrou milhares de
vidas
humanas.
Nesse
sentido,
muitos
estudiosos
também
se
preocuparam em encontrar respostas viáveis acerca das diferenças raciais
e que pudessem tornar possível e proveitosa uma convivência social
pacífica, bem como o respeito às diferenças físicas e culturais dos povos.
CAPÍTULO III - GÊNERO E COR: EXPRESSIVIDADE,
MOVIMENTOS E AÇÕES AFIRMATIVAS
No que tange ao desenvolvimento político-social e as relações de
gênero e cor, alguns movimentos sociais vem defendendo a equidade
entre homens, mulheres e negros/as. A Conferência Internacional sobre
População e Desenvolvimento (CIPD) ocorrida no Cairo, no ano de 1994,
e a defesa do voto feminino, impulsionada pelo Marquês de Condorcet,
tratam de algumas das manifestações empreendidas pelo exercício
democrático
da
cidadania.
Estes
movimentos
são
praticamente
silenciosos e deflagrados por minorias, dificultando-se, assim, o alcance
do empoderamento, por parte das mesmas, como ferramenta efetiva de
desenvolvimento social.
Segundo Gohn (2009), a própria história política, econômica,
cultural,
social
e
demográfica
do
Brasil,
no
seu
percurso
de
desenvolvimento, contribuiu para a consolidação da sociedade desigual e
excludente que vivenciamos hoje. Numa tentativa de reverter os efeitos
sociais negativos, dados nesses processos, alguns programas de
governos foram criados, tais como o Programa Bolsa Família, que tem um
22
valor significativo para o empoderamento das mulheres e negras/os.
Porém, ao mesmo tempo, este programa pode ser visto como um sistema
de reforço à alienação reprodutiva, política, social e de domesticação,
principalmente das mulheres. O programa trata-se de uma política pública
de governo com o objetivo de favorecer positivamente a redução da
pobreza daqueles que se encontram em situações de miséria e
dependência econômica. Mas, ainda nenhuma política pública tem
contribuído para alterar a divisão sexual do trabalho, que gera tanta
opressão e exclusão, bem como as implicações reprodutivas, que tornam
as mulheres dependentes econômica e psiquicamente, e inferiorizadas,
de modo geral, pelo gênero masculino em toda a sociedade.
Assim, muito ainda temos a pensar em ações afirmativas eficazes,
que combatam as desigualdades e injustiças, pois o recorte racial e
étnico, diluído nas políticas universais, termina por favorecer as estruturas
dominantes.
Nossas
políticas,
segundo
pesquisas
e
indicadores
estatísticos, são insuficientes para corrigir as desigualdades e exclusões
sociais. É necessário haver um mecanismo político que reconheça as
desigualdades, propiciando pensamentos efetivos para combatê-las em
todos os âmbitos sociais.
Apesar da inserção significativa das mulheres e das mulheres
negras no mercado de trabalho, seja via educação ou aumento da
qualidade de vida familiar, as desigualdades salariais as assolam
juntamente com o peso da dupla jornada de trabalho. A imposição social
e cultural de “servilismo instintivo” obriga as mulheres a conciliar trabalho
e família, situação que as colocam em desvantagem quanto ao
desemprego, baixos salários ou na informalidade no campo do trabalho,
conforme apontam as estatísticas sociais apresentadas pela Secretaria
Especial de política de Promoção de Igualdade Racial - SEPPIR (2009). O
que se percebe é que falta uma mínima conscientização política das
mulheres e negros/as, que as oportunizasse o acesso aos conhecimentos
básicos necessários para uma efetiva participação e defesa dos direitos
comuns na vida pública e política da sociedade. As desigualdades e
23
exclusões acontecem, então, pela ausência de conscientização efetiva
desta população atingida.
Ainda segundo dados divulgados também pela SEPPIR (2009), as
mulheres constituem, na atualidade, 52% do eleitorado brasileiro, mas
ocupam uma representatividade mínima nas esferas do legislativo,
judiciário e do executivo, estando realmente longe de alcançar a paridade
parlamentar.
A hierarquia nas relações de gênero e raça é presente nos mais
variados contextos socioculturais. É prevalente a submissão do sexo
feminino ao masculino, bem como a concentração de riquezas coletivas e
do poder público nas mãos dos homens e brancos/as. Como resposta, os
movimentos sociais femininos nascem sutilmente e se articulam como
uma forma de resistência das mulheres a essa subordinação imposta pelo
sexo masculino.
Para Gohn (2009), é somente a partir da segunda metade do
século XIX que se dá o nascer das primeiras associações de mulheres no
Brasil. A libertação das escravas e a realização do primeiro congresso
feminista em 1922 foram marcos importantes das conquistas feministas.
Porém, a ditadura imposta pelo então presidente Getúlio Vargas, em
meados de 1937, fez silenciar todos os esforços empreendidos.
O feminismo surge na década de 1960 e se legitima como prática
política e proposta filosófica de compreensão do mundo. Dentre os seus
principais objetivos, impera o questionamento das desigualdades que se
baseia nas diferenças anatômicas entre homens e mulheres, que
terminam por estabelecer as hierarquias sociais.
Em 1983, grupos feministas mineiros e paulistanos conquistaram a
criação de um órgão específico para a defesa da cidadania e para a
formulação de políticas públicas para as mulheres - os Conselhos
Estaduais dos Direitos das Mulheres do Brasil. Outros produtos
importantes das lutas das mulheres foram: a criação da primeira
delegacia especializada no atendimento às mulheres vítimas de violência,
no ano de 1995, e a ampliação da cota de 30% de mulheres nos partidos
24
políticos sob a Lei 9.504/1997, esta, no entanto, ainda se encontra sem a
sua real efetividade (GOHN, 2009).
No que tange ao movimento das mulheres negras, destacou-se a
criação do Conselho Nacional das Mulheres Negras, cuja defesa permeia
questões relativas aos direitos das mulheres e proteção da infância.
Também a conferência realizada em Durban (2001), apontou para a
urgência de se implementar políticas públicas sociais corretivas e
equiparativas a favor dos negros/as.
Quanto aos movimentos de mulheres indígenas, destacou-se como
movimento social o Fórum das Mulheres Indígenas realizado em
Lima/Peru, no ano de 2008. Este Foro estabeleceu um marco na
construção e na promoção de uma agenda pública voltada para os
direitos das mulheres indígenas e o seu diálogo com movimentos
internacionais. A agenda política do movimento das mulheres indígenas
tem se voltado para questões relativas à defesa de territórios, denúncias
de opressão e exclusão social, o combate à violência, a defesa do meio
ambiente e denúncias de violência familiar, dentre outros.
Em termos gerais, essas e outras Políticas Públicas no Brasil nos
apresentam um panorama sobre momentos históricos em que as massas
excluídas
têm
precisado
reclamar
condições
básicas
para
a
sobrevivência. Alguns movimentos acontecidos ao longo da história foram
usados como ferramentas possíveis de luta pela transformação social e
cultural, refletindo em alterações significativas nas agendas políticas do
país. Tais reflexos servem para nos fazer entender o lugar que mulheres
e negros/as estão ocupando na história brasileira.
Essa discussão, num panorama conceitual, proporciona um olhar
crítico sobre como a representação de gênero que fora construída e ainda
incide sobre o modo de ser da sociedade atual. A anatomia dos corpos
termina por determinar quem será o quê em nosso cotidiano, segundo as
construções culturais machistas e de submissão que mulheres e
negros/as vivenciam.
Os estudos sobre gênero se configuram como mais uma
possibilidade de olhar criticamente e trabalhar politicamente para reverter
injustiças e desigualdades perpetuadas ao longo da história. Até mesmo
25
as disputas e conquistas, no que tange aos direitos reprodutivos e
sexuais, apontam que, ainda hoje, a mulher tem que brigar, até mesmo
judicialmente, para mostrar aos homens que tem direitos sobre o próprio
corpo. Entende-se, dessa forma, que o trabalho de conscientização para
toda a sociedade, em termos da importância e dos direitos de negros e
negras, é a via imprescindível para a construção de uma noção mais
igualitária.
A trajetória histórica dos movimentos de mulheres e negros/as, até
a atualidade, enfatiza as conquistas alcançadas que, a despeito de sua
relevância histórica, culminaram numa liberdade ainda aprisionada e
pouco expressiva. A estimativa contemporânea de que serão necessários
mais 400 anos para um efetivo empoderamento de negros/as e das
mulheres, diante da soberania dos homens brancos, suscita um desejo e
responsabilidade de contribuir efetivamente para o aceleramento desse
processo.
CAPÍTULO
IV
–
POLÍTICA:
TRAJETOS
PARA
A
DESCONSTRUÇÃO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS DE
GÊNERO E RAÇA/COR
A criação do Estado Moderno nasce associada à distribuição dos
poderes políticos em três esferas independentes e equivalentes: o
Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Esses três poderes devem interagir
de forma equilibrada para efeitos democráticos eficazes, em lugar de um
direito. São criadas leis que beneficiam a expansão dos negócios e a
sociedade passa a ser pensada como um todo horizontal composto de
cidadãos/ãs. Estes são sujeitos com os mesmos direitos formais, mas
que, enquanto trabalhadores/as, precisam lutar de forma incipiente pelo
direito ao emprego e um salário suficiente para a sobrevivência.
26
Não obstante os ideais do Estado Moderno, quais sejam, liberdade,
igualdade e fraternidade, a estrutura de poder verticalizado vai propiciar o
surgimento e a disseminação de relações de poder, misturando as
esferas política e pública com a esfera das relações pessoais, do que
resultam privilégios que tendem a engessar a estrutura social. O maior
fato histórico que explicita este caráter excludente e elitista/patrimonialista
foi a controvérsia que surgiu em torno da escravidão.
Segundo Carneiro (2009), no período do Império, que foi de 1822 a
1889, dois fatores reforçaram o processo de exclusão. De um lado, a
adoção da Lei de Terras em 1850, e de outro, a forma como se deu a
abolição da escravatura no Brasil. Com a medida do Estado de financiar a
vinda para o Brasil de mão de obra imigrante européia e substituir o
trabalho
escravo,
criou-se
um
excedente
de
força
de
trabalho
engrossando as fileiras dos/as desempregados/as e gerando a exclusão
dos/as negros/as à posse da terra e ao amparo de políticas do Estado.
Também a Constituição de 1891 contraditoriamente relegou a
proposta
de
universalização
da
educação
básica,
que
incluiria
mestiços/as e negros/as, priorizando a educação universitária dos/as
filhos/as da elite nacional, sendo esta decisão governamental republicana
base para uma das maiores dívidas que assola os grupos empobrecidos.
Acrescenta-se a instituição da República Oligárquica em 1894, que
consistia no apoio do governo Federal aos governadores representantes
das elites regionais, durante o período eleitoral, prática reproduzida ao
longo do século XIX.
Tratando-se do século XX, de acordo com Gohn (2009), a
Revolução de 193, no Brasil, abriu o chamado Período Getulista (1930–
1945), que transformou o país em uma nação industrial. A Constituição de
1934 consolidou a democracia através do voto secreto, da justiça eleitoral
e do voto e direitos políticos para as mulheres. Organizou, ainda, o mundo
do trabalho através das primeiras leis trabalhistas, como a que garante a
jornada diária de 8 horas, o direito a férias, entre outros. Deslocou-o do
modelo agro-exportador do cultivo e exportação do café para o modelo
urbano-industrial, que promoveu a industrialização no país. Foram
implantadas indústrias de base e empresas estatais para que o mercado
27
fosse abastecido com a produção interna e não ficasse na dependência
da importação de produtos como ferro, aço e outros. Começou a ser
construída a siderúrgica de Volta Redonda e na sequência a Companhia
Vale do Rio Doce. No Estado Novo (1937-1945), Vargas manteve o
modelo
de
economia
nacional-desenvolvimentista.
Mas,
por
descontentamentos da elite, ocorreu um golpe contra Getúlio e seu
nacionalismo, retirando o presidente do governo com o apoio de
segmentos das forças armadas.
Tais golpes levaram ao suicídio de
Vargas em 1954.
A terra continuou concentrada nas mãos da minoria elitizada e a
miséria levou os/as trabalhadores/as do campo a migrarem para a cidade.
Setores reacionários e de direita (militares, igreja e empresários/as)
organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Os militares
aplicaram o golpe, tomando o poder e interrompendo, assim, o
crescimento das organizações sociais e o exercício da cidadania, até o
ano de 1985.
Segundo Costa (2009), na década de 1980, o Brasil acompanhou
economicamente os outros países do mundo, entrando na crise que
assolou grande parte da economia mundial. Uma grande parcela da
população encontrava-se, então, em condição de pobreza e de miséria,
sem acesso à educação, à saúde e a serviços públicos básicos. Até o ano
de 1984 houve intervenção nos sindicatos, proibição de várias entidades
sociais e populares, como a União Nacional dos Estudantes, por exemplo,
e repressão a qualquer movimento reivindicatório. Também a eliminação
da oposição política através do fechamento dos partidos, da criação da
“democracia tutelada”, a censura aos meios de comunicação, as prisões
arbitrárias, o desaparecimento de opositores/as e a tortura generalizada
como meio de repressão e interrogatório.
Os setores populares e democráticos atingidos pelo golpe militar
reagiram através de ações que foram das guerrilhas organizadas às
mobilizações populares e sindicais, como as greves do ABC em 1979.
Estas ações permitiram a volta do regime democrático em 1985. Em
1986, houve uma enorme mobilização da sociedade brasileira com as
“Diretas Já”. Este movimento, muito amplo e que isolou a ditadura,
28
promoveu enormes manifestações em todo o País, com destaque para a
cidade de São Paulo, com um milhão e meio de participantes. Apesar
disso, a eleição para presidente não foi direta, e sim através do Colégio
Eleitoral, demonstrando a determinação do regime militar e de parcelas
das elites brasileiras em não perder o controle do processo e evitar
qualquer radicalização.
O impeachment (ou impugnação do mandato) do presidente
Fernando Collor de Melo, primeiro presidente eleito por voto direto, fez
com que seu vice, Itamar Franco (1992–1994) assumisse o governo. A
privatização do Estado brasileiro, iniciada nos governos Collor/Itamar
acentuou-se nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC) durante
seus dois mandatos (1995–1998 e 1999–2002), com a adoção do
receituário de uma política de Reforma do Estado embasada na
privatização das empresas públicas e profissionalização do corpo
administrativo.
O Estado brasileiro, no governo FHC, criou um discurso centrado
na importância da democracia e da participação da sociedade civil para
garantir a execução e ampliação das políticas públicas, reduzindo o
tamanho e o papel do Estado e relegando ao terceiro setor a incumbência
de desenvolver políticas sociais públicas, investindo na focalização.
Durante este governo teve início uma tímida política de transferência de
renda, através de iniciativas como o Programa Bolsa-Escola e o Fundo de
Combate à Pobreza, como cita Costa (2009). Essa iniciativa ganhou força
no governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010), que
optou por construir as políticas públicas em parceria com a sociedade civil
e seus movimentos, definindo, de forma participativa, as diretrizes das
políticas públicas, expressas em Planos Nacionais de Políticas para
Mulheres -PNPM-
e o Plano Nacional de Políticas para a Igualdade
Racial -PLANAPIR. A eleição de Dilma Roussef, em 2010, garantiu a
continuidade do projeto da era Lula.
Enfim, é entendendo um pouco de nossas construções políticas
que nós, representantes da sociedade civil, por meio de conhecimentos e
organizações,
poderemos
caminhar
para
a
desconstrução
das
desigualdades historicamente reproduzidas.
29
CAPÍTULO IV.I - CIDADANIA: CAMINHOS PARA A DEMOCRACIA
No que tange à cidadania, na época do Brasil colônia à República
Velha, a burguesia, tendo seus interesses prejudicados pela arrecadação
de impostos, começou a luta por cidadania a fim de romper com as
limitações impostas pela nobreza , a fim de se alcançar maior liberdade
para os negócios comerciais.
A liberdade atrela-se ao conceito de igualdade, entendendo-se que
todos os seres humanos devem ter os mesmos direitos ao nascer e não
necessariamente ter acesso aos mesmos bens e rendas. A igualdade,
assim, é definida como formal, mas não real. Nessa idéia de que todos
têm os mesmos direitos ao nascer, forja-se a base do conceito de
cidadão. Foi a partir dessa idéia que a burguesia forjou as noções de
cidadania e de Direitos Humanos, realizando um avanço importante para
o progresso da humanidade.
Não obstante tal ideário, a construção da cidadania nasceu de
forma tensa e particularizada ao longo da história no mundo e também em
nosso país, sempre como serviço e favorecimento de uma minoria. Em
Roma, no século I a.C, a cidadania nasceu entrelaçada a fatores
hereditários e no Brasil Colônia nasceu atrelada aos interesses da
burguesia. Tratou-se de uma busca da liberdade para os negócios através
da conquista da liberdade política.
Foram criadas leis que beneficiam a expansão dos negócios e a
sociedade passou a ser pensada como um todo horizontal composta de
cidadãos/ãs sujeitos aos mesmos direitos formais, mas que, enquanto
trabalhadores/as precisam lutar pelo direito ao emprego e um salário
digno. Então, se se têm direitos desigualmente, não se é cidadão/ã na
mesma proporção.
O conceito que engloba ter direitos e deveres, vínculos jurídicos
entre indivíduos e Estado, preconizando que o poder deve estar nas mãos
do povo e não da minoria, já começa a ser deturpado nesse ínterim. A
Constituição de 1934 consolida a democracia através do voto secreto, da
30
justiça eleitoral e do voto e direitos políticos para as mulheres, porém,
para a efetivação da cidadania não basta apenas depositar o voto numa
urna, como se faz hoje, mas ter uma consciência crítica para construir
uma efetiva democracia, pois o voto garante apenas direitos políticos e
não os direitos sociais por estarem esvaziados de conteúdo.
Assim, no que tange à educação, vimos que, ainda na Constituição
de 1891 foi contraditoriamente relegada a proposta de universalização da
educação básica, que incluiria mestiços/as e negros/as, priorizando a
educação universitária dos/as filhos/as da elite nacional. Esta decisão do
governamental republicana foi e é base para uma das maiores dívidas
que assola os grupos empobrecidos no passado e na atualidade. Na
perpetuação deste relegar, então, é o que se tem hoje na sociedade uma
desigualdade geral na educação pública. Tal desigualdade continua
desfavorecendo uma maioria pobre e marginalizada, tirando-lhe o direito
de exercer uma cidadania plena em seus conteúdos civil, político e social
e de participar conscientemente e criticamente na sociedade.
Lembrando aqui Rosseau quando, no século 18 disse que o que
corrompe o ser é a sociedade e para regenerá-lo da ignorância douta que
lhe foi imposta é só mesmo mudando essa sociedade e essa só se muda
pela política, que é a forma de ação do Estado que afeta a vida das
pessoas. Assim se constrói a cidadania: o nós reconhecendo o Eu e o
outro. A política, elemento clarificador para se entender a constituição e a
democracia, porém, se não tem bases e não se constrói um vínculo
jurídico entre cidadãos e Estado, não se tem a completude desse
processo. Assim, o privilégio para alguns impede que os direitos de ser
cidadão de outros seja exercido, pois se o mundo é de todos, se alguns
usufruem mais, outros, consequentemente, usufruem menos.
Nos anos 1980, a chamada nova cidadania, começa a se constituir.
Estabeleceu-se a partir das demandas formuladas pelos movimentos
sociais brasileiros, organizou-se em torno de questões urgentes,
fundamentalmente urbanas, tais como moradia, educação, saúde,
saneamento, transporte. Procura, desde então, estabelecer canais de
comunicação entre o surgimento de novos sujeitos sociais e de direitos de
naturezas diversas, centrando, ainda, seus esforços na ampliação dos
31
espaços da política. Para isso, o projeto adota e destaca as práticas
sociais participativas como terrenos a serem semeados na construção da
consolidação da democracia.
Ao se buscar entender a constituição do Estado brasileiro e a
construção do conceito de cidadão, destacam-se fatores importantes, tais
como o surgimento da cidadania num percurso histórico desde a época
do Brasil colônia até a atualidade da sociedade civil redemocratizada.
Porém, a política pública promovida pelo Estado e por governos ao longo
da história do país vem privilegiando uma pequena elite em detrimento do
restante da sociedade.
Na
mesma
historicidade
mostra-se
como
contraponto
a
participação ativa dos movimentos sociais e a agenda governamental do
nosso país como signatário de importantes acordos e tratados
internacionais. Nesse contexto, entendem-se as políticas afirmativas
como possibilidades reais de superar o autoritarismo, o racismo e o
sexismo que fundamentam as políticas públicas no Brasil.
CAPÍTULO V - AÇÕES AFIRMATIVAS E AS POLÍTICAS
PÚBLICAS
É sabido que, desde a época do Brasil Colônia, mudanças efetivas
se deram na sociedade, mas, com freqüência, marcadas pelo
favorecimento das classes sociais dominantes. As leis mudaram de
acordo com a pressão social, porém mantendo os costumes e interesses
daqueles/as que detêm o poder. As nossas leis atuais são espelho da
nossa passividade e descompromisso com os assuntos públicos e
sociais.
A divisão constitucional dos poderes em Legislativo, Executivo e
Judiciário assegura e organiza a sociedade sendo capaz de promover
com maior eficiência o controle, os direitos, a autonomia e a liberdade
necessárias para a construção de uma sociedade democrática e cidadã.
32
Tal divisão preconiza um ordenamento jurídico mais próximo da realidade
do povo, refletindo seus anseios, sua cultura, sua diversidade. Assim,
participar da gestão pública é inteirar-se dos assuntos públicos e exercer
o direito e o dever de participar efetivamente da sociedade em que se
vive. As modificações sociais podem ser realizadas através de ações
afirmativas de grupos organizados, como forma de combater os efeitos
negativos
das
discriminações
que
ainda
vigoram
no
plano
socioeconômico e político.
Interagidos de forma equilibrada, os diferentes modelos de Estado
Nação se relacionam com a sociedade civil fazendo com que o jogo
democrático-republicano aconteça. Ao se promover o cumprimento efetivo
do exercício dos direitos humanos, da cidadania, e de ações políticas
afirmativas, o fundamento do poder realmente passa a ser o povo, do
povo e para o povo.
Dadas as muitas falhas encontradas no curso do desenvolvimento
da história do país e dos conflitos emergentes é que surgiu o direito da
participação social no modo de fazer política, através do direito ao voto.
As eleições diretas, a representação popular no parlamento, o
impeachment, as denúncias de corrupção, a participação via sindicalismo,
o envolvimento do povo organizado em “marchas” como expressão de
insatisfação e denúncia, enfim, tudo teve a sua função efetiva para
desdobramentos e enfrentamento dos conflitos sociais e para cobrar dos
representantes políticos muitos direitos constitucionais que não se
efetivam na prática. Todos esses movimentos e denúncias populares
concorreram para um avanço na conscientização, o que gerou um
envolvimento maior de camadas da população com o mundo da
administração pública e das políticas, embora ainda pouco expressivo na
atualidade.
Temos um modelo democrático preconizador da igualdade e das
liberdades formais e que deve ser pensado como uma ferramenta no
enfrentamento dos problemas sociais e desigualdades produzidas ao
longo da história do país. No entanto, ainda estamos vinculados
juridicamente à lógica colonial, que era marcada pela necessidade de
controlar grupos potencialmente destrutivos da ordem dominante; a saber
33
as mulheres e outras populações inteiras socialmente desumanizadas,
como os/as descendentes de africanos/as e alguns outros grupos
minoritários.
Ser um estado democrático de direito implica em realmente dar
direitos a todos os/as cidadãos/ãs e não particularizá-los ou, somente,
fazer valer os direitos de pagar as mais diversas taxas de impostos ou de
penalizar facilmente e em larga escala os “ladrões de galinha”, enquanto
os maiores corruptos do país são os que nos representam, na maioria das
vezes. Temos direitos constitucionais, mas ainda somos discriminados
pelo que somos, pelo que não somos e o que não temos.
Diante
disso,
entende-se
que,
sem
qualquer
forma
de
conscientização sobre a vida e o seu funcionamento em sociedade, não
há a emergência de conflitos suficientes para impulsionar uma
transformação e sem conflitos não há a possibilidade de mudanças. Uma
sociedade economicamente alienada em função do capital e da
acumulação termina por esquecer o ato libertador de “pensar” em função
do de “repetir”, de “produzir” em função do de “reproduzir”, e assim deixa
de evoluir e acreditar em si mesma. Nesse sentido, várias ações
afirmativas podem ser feitas a fim de realmente tornar a nossa sociedade
mais democrática, justa e igualitária, em todos os âmbitos da existência
humana. Portanto, para se alcançar uma maior efetividade com qualquer
política ou ação afirmativa, é preciso primeiro pensar em estabelecer
condições para a conscientização e esta poderia ser a bandeira dos que
realmente desejam transformar a sociedade em prol de uma vida mais
feliz.
As chamadas ações afirmativas e as normativas jurídicas que, na
definição utilizada por Gomes (2001), podem ser compreendidas como
(...) “um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório,
facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à
discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para
corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado”, têm
por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a
bens fundamentais como a educação e o emprego (Gomes, 2001: p.40).
Tais ações podem ser realizadas em qualquer esfera governamental,
34
municipal, estadual e federal, e podem também ser desenvolvidas por
instituições privadas.
As ações afirmativas visam evitar que diferentes formas de
discriminação, perpetradas por mecanismos enraizados nas práticas
culturais e no imaginário coletivo, manifestem-se formalmente. Além de
alcançar o ideal da igualdade de oportunidades, as ações afirmativas
pretendem, também, estimular transformações de ordem cultural,
pedagógica e psicológica.
Segundo Gomes (2001), a adoção de ações afirmativas tem por
base o pressuposto de que somente através de intervenções específicas,
ainda que temporárias, há a possibilidade real de uma determinada
situação persistente de inferioridade, discriminação ou desigualdade
social ser superada. Da mesma forma, elas têm como meta eliminar os
efeitos persistentes da discriminação arraigada num passado histórico e
que tende a perpetuar privilégios e manter as desigualdades entre grupos
dominantes e marginalizados.
As ações afirmativas foram inicialmente definidas como um
encorajamento por parte do Estado para que, empresários/as e poder
público, considerassem fatores como raça, cor, gênero e origem nacional
nas decisões de admissão no campo educacional e de acesso ao
mercado de trabalho. Nos fins dos anos 1960 e início dos 1970, a
conceituação de ações afirmativas foi associada à ideia de “igualdade de
oportunidades”, por meio da adoção de cotas fixas de participação ou
representação social de grupos discriminados. Os termos utilizados, os
modelos adotados e as esferas de atuação das ações afirmativas variam
segundo os países que as adotam. Como objetivo fundamental, o Estado
deve buscar concretizar o princípio da igualdade, que permite afirmar
políticas de cunho positivo. As ações afirmativas devem estar de acordo
com os objetivos constitucionais, tendo em vista que a redução das
desigualdades, bem como a promoção do bem de todos, são deveres e
direitos previstos na Constituição
Assim, o povo conscientizado é que contribui para o processo de
redemocratização do país, quando pressiona o Estado através de ações
afirmativas, criando, assim, possibilidades reais de superação do
35
processo autoritário, racista e sexista que ainda fundamenta o modo de
conceber a política pública no Brasil.
As Políticas públicas são diretrizes e instrumentos de execução dos
planos e programas que orientam a ação do poder executivo. Através
deste poder é que os governantes intervirão na sociedade, concretizando
os objetivos e os direitos previstos na Constituição federal, estadual e/ou
municipal.
A política de Estado é aquela que vai além dos mandatos políticos,
podendo se transformar em lei, ser incorporada à legislação e ser
contemplada com recursos orçamentários quando aprovada pelo
Orçamento Público. Exemplos de políticas públicas recentes que se
transformaram em Lei são a política de cotas para a população afrodescendente nas Universidades, o Ensino da História e Cultura da África
e Afro-brasileira (Lei 10.639/2003), O Ensino da História e Cultura
Indígena (Lei 11.645/2008) e a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006).
As políticas públicas de gênero e raça possibilitam um melhor
entendimento sobre a constituição das políticas públicas no Brasil e a
mobilização para uma efetiva participação através dos movimentos
sociais. Foi através das iniciativas e contribuições específicas dos
movimentos de mulheres e dos negros na luta constitucional pelo direito
de ser cidadão, buscando mais justiça e igualdade, que algumas
melhorias aconteceram (ABRAMO, 2004).
Através do entendimento da diferença entre uma política pública de
governo e uma política pública de estado será possível alterar a realidade
do preconceito e discriminação de gênero e raça e se envolver no
combate e enfrentamento das desigualdades. Algumas ações específicas
do gênero feminino foram empreendidas para diminuir as desigualdades,
porém, nem de longe se dá como a igualdade idealizada nova na
Constituição da República Brasileira. Para uma efetiva paridade
participativa nos diversos contextos sociais, as mulheres precisam se
apresentar
como
agentes
ativas
e
pró-ativas
nos
espaços
de
planejamento e decisão da elaboração das políticas públicas, mas isso só
poderá ser possível através de maior conscientização e envolvimento com
os assuntos sociais comuns.
36
Ao se elaborar uma política pública é preciso visualizar a sua
necessidade,
finalidade,
recursos,
a
participação
da
sociedade,
embasamentos e amparos legais para que esta possa vir a ser uma
política de Estado. O exercício da cidadania pauta-se nas ações de
reivindicação, denúncia, encaminhamento de propostas concretas e
articulação da sociedade na implementação de uma nova cultura de
direitos. O progresso da democracia e da sociedade brasileira e a eleição
de governos locais mais comprometidos com os movimentos populares
também favorecem políticas públicas eficazes. Exemplo disso é a criação
das primeiras delegacias e Conselhos de Direitos da Mulher, numa
parceria entre governo e sociedade civil organizada. Assim, destaca-se a
importância da participação popular através dos Conselhos de Direitos,
Conselhos de Gestão e Fóruns sociais na transformação positiva de uma
dada realidade.
Atendendo às reivindicações dos movimentos de mulheres, nas
políticas
públicas
implementadas
pelo
governo
federal,
alguns
movimentos nacionais foram elaborados como referência para a
igualdade de gênero no Brasil. Destaca-se a criação da Secretaria de
Políticas para as Mulheres (SPM), que promove e articula programas e
ações voltados à implementação de políticas públicas para as mulheres e
estimula a transversalidade de gênero nas políticas em todas as esferas
do poder. Destaca-se, também, a aprovação, em 2004, do I Plano
Nacional de Políticas para as Mulheres (PNPM I) que recepcionou 199
ações a serem executadas transversalmente com 19 órgãos do governo
federal, sendo essas revistas em 2007, na II Conferência Nacional de
Mulheres. O I Plano Nacional resultou no II Plano Nacional de Políticas
para as Mulheres – PNPM II - com 388 ações a serem executadas por 22
órgãos do governo federal e com recursos de R$ 17,2 bilhões para quatro
anos (FRASER, 2002).
A SPM iniciou seu trabalho em 2003 com poucas delegacias de
mulheres e casas-abrigo. Ao longo de oito anos, com o PNPM I e II, o
órgão articulou parcerias diversas com o Ministério da Justiça, do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, da Saúde, do Poder
Judiciário e Poder Legislativo. Estabeleceu parcerias com estados e
37
municípios, obtendo recursos para a expansão e melhoria do atendimento
às mulheres vítimas de violência. Elaborou e aprovou a Lei Maria da
Penha (Lei 11.340/2006), a Central de Atendimento à mulher através do
Ligue 180, e criou o Pacto de Enfrentamento da Violência, dentre outras
ações.
A SPM criou o Programa Pró-Equidade de Gênero para mudar a
cultura de gestão de Recursos Humanos, de forma a garantir às mulheres
acesso aos cargos de chefia, igualdade de tratamento, de remuneração e
de oportunidades nas empresas, porém, sem muito êxito na prática.
Criou o Programa “Mulheres Construindo Autonomia na Construção Civil”,
a “Organização Produtiva das Mulheres Rurais” e o Programa Nacional de
Documentação para reconhecer o direito da titulação da terra em nome
da mulher e também instituiu linhas de créditos específicos para o
desenvolvimento da produção (ABRAMO, 2004).
Na área da educacional, em parceria com o Ministério da
Educação, a SPM idealizou o Projeto Gênero e Diversidade na Escola,
que se destina à formação dos profissionais de educação nas temáticas
de gênero, relações étnico-raciais, orientação sexual e sexualidades. É o
primeiro curso a trabalhar as temáticas relativas a gênero e raça de forma
transversal, utilizando a metodologia à distância, implementado através
de parceria com as universidades públicas. Também criou o curso
Políticas Públicas em Gênero e Raça - GPP-GeR, que tem por objetivo
fornecer
instrumentos
para
qualificar
o
trabalho
de
gestores/as
públicos/as, lideranças de organizações não governamentais e dos
Conselhos de Direitos da Promoção da Igualdade Racial, com recorte de
gênero e raça. Há ainda o Programa Mulher e Ciência e o Curso de
Formação Política, destinado à formação de mulheres para atuarem nos
espaços de poder e decisão.
Nesse processo, as políticas públicas de âmbito federal têm
enfrentado o racismo e o quadro atual de implantação de Ações
Afirmativas é conseqüência de um processo social de construção da
temática racial na agenda política nacional.
O Governo Federal lançou o Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH I de 13/05/96), assumindo o compromisso de realizar
38
estratégias de combate às desigualdades raciais através de políticas
específicas. Na prática, esse tem assumido o caráter de realizar
encontros e seminários, e trabalhar na criação de órgãos específicos para
acompanhar a elaboração e implantação de propostas de combate às
desigualdades.
Através
da
III
Conferência
Mundial
contra
o
Racismo,
Discriminação Racial e Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizado em
Durban, na África do Sul, no ano de 2001, o Brasil ratificou, no Art.108 da
Constituição, o reconhecimento da necessidade de se adotar medidas
especiais e positivas em favor das vítimas de tais ações, com o intuito de
promover a igualdade e a justiça social.
Destaca-se, também, em outubro de 2001, a criação do Conselho
Nacional de Combate à Discriminação (CNCD), em 2002 o II Programa
Nacional de Direitos Humanos (PNDH II), e a Política Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (PNPIR), entre outros. Todos são meios
de eliminar variadas as Formas de Discriminação social dos grupos
excluídos e marginalizados.
Deve-se destacar, ainda, a criação do Conselho Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (CNPIR), com projetos que visam à
valorização da cultura afro-brasileira, como apoio à implantação da Lei nº
10.639/2003 e o suporte aos/às alunos/as ingressantes nas universidades
públicas por meio do sistema de ações afirmativas.
Na área da saúde, a Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra, instituída pelo Ministério da Saúde, é o principal
projeto. No caso dos remanescentes de quilombos, destaca-se o
Programa Brasil Quilombola (PBQ) e, em 2009 foi lançado o Plano
Nacional de Promoção da Igualdade Racial (PLANAPIR). No Ministério da
Educação, destaca-se a criação da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD). No Ministério do Trabalho as ações
integram o programa Combate à Discriminação no Trabalho, tais como o
Programa Brasil, Gênero e Raça, a Comissão Tripartite de Gênero e Raça
no Trabalho e o Fórum de Combate à Discriminação no Trabalho, entre
outros, todos objetivando o combate à discriminação e as desigualdades.
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As ideias de raça e de gênero construídas no nosso passado
histórico e ainda vigente nos dias atual cumprem o papel de marcar as
diferenças e a diversidade humana, baseando-se nos aspectos físicos,
nos costumes, na moralidade e formas de raciocínio. Foi, portanto, a partir
do tráfico de pessoas nas Américas que o conceito de raça foi associado
a negro/a africano/a, conferindo-lhe a condição humana de inferioridade
e, portanto, de subserviência forçada. A escravidão, largamente
conhecida e praticada em diversos tempos e espaços encontrava
justificação no direito de conquista e, consequentemente, estava
articulada à lucratividade e ao capitalismo. Assim instaurada a idéia de
que a cor de um ser humano, diferente do branco puro, lhe confere o
caráter aproximado ao de um animal de inferioridade estética e
incapacidade de progredir racionalmente.
O racismo como uma derivação do etnocentrismo, teria origem na
idealização de algumas sociedades, grupos e culturas como modelos a
serem seguidos e como parâmetro para julgar de forma negativa as
demais sociedades. A partir da diversidade de aparências e costumes,
buscou-se explicar os diferentes tipos de povos do mundo. Concepções
bíblicas como a da predestinação serviu ao propósito de fortalecer a
ideologia de superioridade racial. A criação do índice cefálico colocava o
homem branco no ápice da evolução humana. A convicção de que as
raças européias eram superiores aos povos de cor ou não brancos era
generalizada. As teorias darwinistas também favoreceram a disseminação
do preconceito e a discriminação. Suas ideias de adaptabilidade,
sobrevivência e evolução das espécies, relacionadas às diferenças
biológicas e morfológicas, respaldaram grandes catástrofes mundiais,
como o nazismo.
Ao final da II Guerra Mundial, os/as intelectuais engajados/as se
viram obrigados/as a um esforço mais sistemático de divulgação científica
para a superação definitiva das idéias racistas. As atitudes implícitas e
40
explícitas arraigadas ao termo marcaram desfavoravelmente um povo
disperso agressivamente pelo mundo. Após séculos do nascimento e
disseminação dessa forma de ira humana sobre o seu semelhante, viu-se
que o desejo de superioridade, pensado coletivamente e repetidamente, é
capaz de atingir proporções inimagináveis e com conseqüências absurdas
e devastadoras para a humanidade, como nos foi demonstrado ao longo
da história. Essa situação se evidencia ainda mais complexa quando se
pensa na conjugação do racismo atrelado à discriminação de gênero.
No que tange ao nascimento do direito, da democracia e da
cidadania
para
todos
indistintamente,
o
relato
histórico
do
desenvolvimento da sociedade perpassou o antigo Egito, Grécia, Roma,
Portugal até chegar ao Brasil, evidenciando que é a partir dos conflitos
sociais que se alteram as normativas jurídicas, de forma respondente às
demandas sociais.
Após tantos séculos de história, os movimentos emergentes
favoráveis aos excluídos tiveram pouca força diante do pensamento
segregacionista da grande coletividade. A força do capitalismo que
perpassa toda essa história de ódio ainda é a mesma e continua a
segregar para lucrar, ainda que pensada e vivenciada de forma sutil nas
diversas organizações da nossa sociedade brasileira.
Os seres humanos, em sua maioria, ainda não conseguiram
romper com tais pensamentos antigos, reproduzindo-os e perpetuando-os
sutilmente ainda nos dias atuais Os movimentos para anular a idéia do
racismo precisam ser constantes e fortalecidos para que, um dia, seja
possível a todos, sem distinção, desfrutar das mesmas oportunidades de
experimentar a vida da forma que lhes aprouver. Daí se confirma que
realmente é preciso trabalhar essa temática com a população brasileira,
para que, ao se reconhecer como parte do problema, a população
também sairá na busca por soluções, podendo, assim lutar por uma
redistribuição de recursos e de poder mais justa e igualitária; porque, “O
que permaneceu incompreendido retorna, tal uma alma penada, não tem
repouso até que sejam reencontradas resolução e libertação” (FREUD,
Sigmund, 1910).
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