2005 1(2) - Cátedra UNESCO de Bioética
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2005 1(2) - Cátedra UNESCO de Bioética
Volume 1 Número 2 2005 Revista Brasileira de Bioética Sociedade Brasileira de Bioética - SBB Diretoria / 2001-2005 Presidente Volnei Garrafa (DF) 1º Vice Leo Pessini (SP) 2º Vice José Eduardo de Siqueira (PR) 3º Vice Délio Kipper (RS) 1º Secretário Dirce Matos (DF) 2º Secretário Elma Zoboli (SP) 1º Tesoureiro Mauro Machado do Prado (GO) 2º Tesoureiro Marcos de Almeida (SP) CONSELHO FISCAL João dos Reis Canela (MG) Maria Clara F. Albuquerque (PE) Maria Cristina K. B. Massarollo (SP) COMISSÃO DE ÉTICA Cláudio Cohen (SP) Fermin Roland Schramm (RJ) Livia H. Pithan (RS) Roberto L. D’ Ávila (SC) Sérgio Ibiapina F. Costa (PI) Revista Brasileira de Bioética - RBB Editor Interino Volnei Garrafa Editora Executiva Dora Porto Revisão Dora Porto, Kenia Alves (espanhol), Ana Claudia Almeida Machado (inglês), Mauro Machado do Prado e Volnei Garrafa. Jornalista Responsável Gustavo Tapioca (MTB/BA - 547) Capa Marcelo Terraza Apoio Departamento de Ciência e Tecnologia-DECIT / Ministério da Saúde Conselho Editorial Interino Antônio Carlos Rodrigues da Cunha, Christian de Paul de Barchifontaine, Edvaldo Dias Carvalho Júnior, Erli Helena Gonçalves, Elma Zoboli, José Eduardo de Siqueira, Marco Segre, Marlene Braz, Mauro Machado do Prado, Nilza Maria Diniz, Paulo Antônio de Carvalho Fortes. A SBB estimula e autoriza a reprodução total ou parcial por todos os meios desde que citada a fonte. Sumário 109 Editorial Artigos Especiais 110 BIOÉTICA Y BIOPOLÍTICA Bioethics and Biopolitics Miguel Kottow 122 INCLUSÃO SOCIAL NO CONTEXTO POLÍTICO DA BIOÉTICA Social inclusion in the political context of bioethics Volnei Garrafa Artigos Originais 133 ¿ES UNA BIOÉTICA SEPARADA DE LA POLÍTICA MENOS IDEOLOGIZADA QUE UNA BIOÉTICA POLITIZADA? Is a bioethics disconected from politics less desired as a politics-oriented bioethics? Pedro L. Sotolongo 145 BIOÉTICA DAS INSTITUIÇÕES PIONEIRAS - PERSPECTIVAS NASCENTES AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE Bioethics of the pioneer institutions and rising perspectives connected to some challenges of contemporary Leo Pessini 164 CLONACIÓN HUMANA REPRODUCTIVA, TERAPÉUTICA Y SOCIAL Reproductive, therapeutic and social human cloning José Maria Cantú Diana Resendez Pérez Ute Schmidt Osmanczik 180 O NINHO VAZIO: A DESIGUALDADE NO ACESSO À PROCRIAÇÃO NO BRASIL E A BIOÉTICA The empty nest: bioethics and the unequality in the access to procreatin in Brazil Marlene Braz Fermin Roland Schramm 195 A VULNERABILIDADE E O PACIENTE DA CLÍNICA ODONTOLÓGICA DE ENSINO Vulnerability and teaching odontologic clinic patients Evelise Ribeiro Gonçalves Marta Inez Machado Verdi Seções 206 Resenha de livros 208 Atualização científica 212 Documentos DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS 228 Teses, dissertações e monografias Editorial O trabalho de um editor é plantar palavras e assim dar corporeidade a uma idéia. Quando escrito, o pensamento se torna perene. Ao ser impressa, a palavra alcança dimensão coletiva, disponível em tempo e espaço para toda pessoa que queira acercar-se dela, usufruí-la, apoderar-se de seu(s) sentido(s). A palavra impressa tem, no mundo das idéias, o valor do cultivo de uma planta na realidade concreta. Ela produz valor. Plantar propicia vida material porque estas podem se transformar continuamente em frutos, numa metamorfose cíclica. E a fertilidade pode brotar, indistintamente, nos campos de cultivo ou no campo das idéias. Como editores interinos da Revista Brasileira de Bioética, estamos procurando preparar e regar essa seara, satisfeitos com o fruto produzido, e acreditando que alguma eventual falha não seja capaz de diminuir o valor intrínseco que é a existência manifesta da RBB. A publicação oficial da Sociedade Brasileira de Bioética já existe; pode ser vista, tocada, manuseada e lida (é o que esperamos...) por todos aqueles que se interessam pela bioética. E mais que isso, pode vir a ser ferramenta para revolver o terreno, arejando a discussão coletiva. Pode, por fim, consubstanciar-se em instrumento para semear o processo dialético e para colher a praxis, que liberta da teoria estéril e do cotidiano do automatismo cego. Nesse momento histórico, em que está para ser homologada a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, unir teoria e prática é tarefa de todos aqueles que querem ver a ética aplicada à vida social, gerando um novo mundo mais comprometido com a realidade, no qual as diferenças não sejam inequívocos sinais de desigualdade. Nesse sentido, estamos certos que os artigos apresentados neste volume trazem, de maneiras diversas, a inquietação de bioeticistas latino-americanos frente à realidade dos países em desenvolvimento. Apontam cada um a seu modo, mas todos de maneira clara, que a reflexão autóctone só se estabelece na intersecção entre a existência material e a interpretação que se concebe sobre ela. Portanto, para nós, não se faz ética só na teoria: a ética, para ser ética, deve necessariamente ser prática, aplicada. Ao bom entendedor, meia palavra basta... Os Editores Revista Brasileira de Bioética Artigos especiais Esta seção destina-se à publicação de artigos de autores convidados. Os textos serão publicados no idioma original. BIOÉTICA Y BIOPOLÍTICA Bioethics and Biopolitics Miguel Kottow Escuela de Salud Pública y Departamento de Bioética y Humanidades, Universidad de Chile, Santiago, Chile. [email protected] Resumen: En este artículo discuto el actual esfuerzo por facilitar el acercamiento de la bioética a la política, dentro de la propuesta de la derivación de los conflictos bioéticos a la arena política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la inequidad social y la exclusión. Al aclarar algunas definiciones de la política, introduzco la idea de que el ideario del poder es foráneo a la bioética, para argumentar que Bioética y política obran en ámbitos distintos, y con métodos que difieren entre sí. La bioética no puede, por lo tanto, adoptar el lenguaje del poder. Una convergencia entre bioética y política en el plano de la deliberación no es pensable para la biopolítica. La propuesta de la bioética en general, y de la bioética de protección en particular, reconoce una profunda incompatibilidad con la biopolítica, en tanto la primera se ocupa del bíos – existencia- y la biopolítica se ensaña con la zoe destruyendo el bíos pues, como su nombre lo indica, la vida nuda se acerca a la vida animal y es despojada de su humanidad. En este antagonismo, la bioética tiene precisamente el rol de proteger al bíos de no ser tratado como mera zoe , y de argumentar en oposición a las perspectivas biopolíticas, que operan en forma excluyente de los valores de libertad. Palabras-clave: Bioética. Política. Biopolítica. Poder. Ética de protección. Abstract: In this article it is discussed the present effort that aims at an approach of bioethics and politics, following a proposal which sustains that bioethical conflicts reach a political scenery, specially the ones which are connected to poverty, social inequity and exclusion. By elucidating some definitions of politics, it is introduced the idea that bioethics and politics act in different ambito and with different methods. Bioethics thus cannot adopt power discourse. A consonance between bioethics and politics in a deliberation plan is not contrivable to biopolitics. The proposal of bioethics, in general, and of protection bioethics, in specific, recognizes a deep incompatibility with biopolitics. The first one is formed by bíos – existence – and biopolitics is componed by zôì, destroying the bíos, as the name indicates, life approximates from animal life and is deprived from its humanity. In this antagonism, bioethics has precisely the task of protecting the bios of not being treated as only a zôì, and of arguing in resistance to the biopolitical perspectives, which work excluding freedom values. Key words: Bioethics. Politics. Biopolitics. Power. Protection ethics. 110 Volume 1, n o 2, 2005 Desde hace algunos lustros se presentan la inquietud y el esfuerzo por facilitar el acercamiento de la bioética a la política, sobre todo desde la perspectiva que reconoce la estrecha relación entre lo sanitario y las condiciones socioeconómicas de las sociedades. El tema se vuelve más candente en la medida en que van claudicando los grandes referentes de la filosofía política y cediendo el espacio al pensamiento utilitarista y a las estrategias pragmáticas. El nacionalismo cede ante la globalización, y el comunismo ha arrastrado en su caída a los socialismos, limpiando el escenario para la hegemonía neoliberal. La idea del Estado – social o benefactor – empalidece frente al libre mercado que sostiene poderlo todo, y que todo lo quiere. Los problemas de que se ocupa la bioética – notablemente los biomédicos y ecológicos: salud pública, atención médica, investigación en seres vivos, adaptación al medio social y ambiental, conservación de recursos naturales – no pueden ser entendidos e influidos únicamente desde la reflexión académica. De allí la sugerencia de derivar los conflictos bioéticos a la arena política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la inequidad social y la exclusión. Desde hace algunos lustros se presentan la inquietud y el esfuerzo por facilitar el acercamiento de la bioética a la política, sobre todo desde la perspectiva que reconoce la estrecha relación entre lo sanitario y las condiciones socioeconómicas de las sociedades. El tema se vuelve más candente en la medida en que van claudicando los grandes referentes de la filosofía política y cediendo el espacio al pensamiento utilitarista y a las estrategias pragmáticas. El nacionalismo cede ante la globalización, y el comunismo ha arrastrado en su caída a los socialismos, limpiando el escenario para la hegemonía neoliberal. La idea del Estado – social o benefactor – empalidece frente al libre mercado que sostiene poderlo todo, y que todo lo quiere. Los problemas de que se ocupa la bioética – notablemente los biomédicos y ecológicos: salud pública, atención médica, investigación en seres vivos, adaptación al medio social y ambiental, conservación de recursos naturales – no pueden ser entendidos e influidos únicamente desde la reflexión académica. De allí la sugerencia de derivar los conflictos bioéticos a la arena política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la inequidad social y la exclusión. 111 Revista Brasileira de Bioética Política y Bioética La política es la administración – legítima, por lo general - del poder civil con fines de gobernabilidad. Este lenguaje ha sido depurado en las democracias hacia el afán de obtener de la ciudadanía el mandato de ejercer ese poder. Siendo reconocidamente compleja y multifacética, la definición de política se sustenta medularmente como el arte de gobernar. Pero esta definición pierde toda inocencia al reflexionar sobre la íntima relación entre Estado, poder y violencia. M. Weber genera un primer eslabón en esta preocupante relación cuando, basándose en lo dicho por Trotski – “todo Estado se basa en violencia” –, define a su vez Estado como “el dominio de hombres sobre hombres basado en medios legítimos, es decir presuntamente legítimos, de violencia” (WEBER, 1994), a lo cual C. W. Mills agrega: “toda política es una lucha por poder; la forma definitiva de poder es la violencia” (ARENDT, 1970). El poder necesariamente implica desigualdad entre los que lo detentan y quienes se someten a él. El ideario del poder es foráneo a la bioética, pues en esta última el pensamiento gravita más hacia la equidad y la comunicación. Ambas, política y bioética, obran en ámbitos distintos, con métodos que difieren entre sí y, aplicando el lenguaje sistémico-funcional, cada uno debe actuar según su código (RODRÍGUEZ & ARNOLD, 1991), que para la política es el dipolo poder/impotencia y para la ética es bien/mal. La asociación entre gobierno, poder y violencia es contraria al pensamiento bioético y crea una brecha infranqueable entre ésta y la política. Algunos cultores de la disciplina, impacientes y enardecidos por la inequidad social que reina y prevalece en el mundo, proponen “para los países periféricos un nuevo enfoque bioético basado en prácticas intervencionistas, directas y duras, que instrumentalicen la búsqueda de una disminución de las inequidades” (GARRAFA & PORTO, 2003). Esta bioética de intervención, que propone una redistribución del poder a fin de lograr justicia, se acerca en forma notoria a un planteamiento político. Desde una vertiente similar pero más propia de la bioética, se habla de una bioética activa, cuya misión es reconocer que “necesitamos un debate intelectual profundo y creativo, acerca de los nuevos problemas generados por los avances de la ciencia, y en una conciencia alertada al impacto de elecciones bioéticas en el diario vivir, que sólo es posible enfrentar con la participación de energías múltiples” (BERLINGUER, 2003). La preocupación por la miseria y las angustias que sufren los 112 Volume 1, n o 2, 2005 pueblos es aquí enfocada por la bioética hacia asuntos sanitarios de su directa incumbencia. En la imposibilidad de adoptar el lenguaje del poder, la bioética queda marginada frente a la política contingente y se produce la paradoja de que el poder político tiene escasa sensibilidad para los insumos éticos. Notorio es, asimismo, que el gran auge de la bioética ocurre en países donde el espectro político es relativamente uniforme y facilita la convivencia que en las naciones del tercer mundo continúa muy conflictiva. La impostergable irritación con la inequidad social, también sentida por la bioética, se esfuerza por delatar las patologías sociales y fomentar las terapias socio-políticas requeridas. Estos testimonios no poseen la fuerza necesaria para lograr cambios efectivos, pero tienen la intención de alertar y orientar acciones correctivas. Biopolítica La biopolítica ha sido entendida de muy diverso modo, siendo algunas definiciones más rigurosas que otras. M. Foucault inicia el uso del término distinguiendo dos vetas: la anatomía política de los cuerpos individuales entendidos como fuerzas productivas, y el control regulador de la reproducción humana en el nivel demográfico, que se desarrolla como biopolítica de los pueblos. El poder busca ocupar y administrar a la vida: “si es probable hablar de <biohistoria> con relación a aquellas presiones ejercidas sobre los movimientos que imbrican vida e historia, se deberá entonces hablar de <biopolítica> para señalar el ingreso de la vida y sus mecanismos en el ámbito del cálculo consciente y de la transformación del poder sapiente en un agente modificador de la vida humana” (FOUCAULT, 1997). Una de las interpretaciones más amplias y alejadas de la propuesta foucaultiana deriva un concepto ambicioso de biopolítica a partir de una definición holística de bioética, al sugerir que: “la ética es, por definición, un problema humano, en tanto que bioética se ocupa, con lo humano, de una dimensión bastante más amplia y rica: el cuidado y el posibilitamiento de la vida en general: de la vida humana, 113 Revista Brasileira de Bioética pero, además y principalmente, de la vida en general, actual y posible, conocida y por conocer”. Por ende, “[l]a biopolítica es in extremis una política de la vida y hacia la vida: de la vida en general y no, ya única y principalmente, de la vida humana” (MALDONADO, 2003). Para la visión tradicional, que entiende la ética como una reflexión filosófica y las éticas aplicadas como fragmentos del discurso ético enfocados sobre prácticas sociales específicas y determinadas, resulta extraño que se plantee, a la inversa, la bioética como “más amplia y rica” que la ética. En cuanto al concepto de biopolítica planteado por Maldonado, éste es diametralmente opuesto e incompatible con el pensamiento de Foucault y de Agamben, a su vez apoyados en Arendt, Benjamín y otros. Otra visión presenta la biopolítica como entretejida en el conflicto de vida y muerte, tema que ha sido asimismo central para la bioética en la polémica del aborto, que oscila entre el primado de la vida – pro vida del embrión – en contraposición a la elección por la libertad de la mujer desinclinada a un embarazo no deseado. Un enfrentamiento similar ocurre en el nivel ecológico entre los conservacionistas – derecho a la vida de la naturaleza – y los intervencionistas – derecho a elegir acciones humanas sobre el entorno. La biopolítica concentra y reduce la argumentación a la dicotomía vida/libertad, enfocando el cuerpo como realidad estrictamente biológica y entendiéndolo como portador de alguna característica esencial: género, raza, etnia, edad. Con esta reducción de la persona a un rasgo biológico, la biopolítica se abstrae a los factores culturales e históricos que diferencian a los integrantes de un grupo entre sí y a una comunidad de otra, en un discurso monocorde que arriesga volverse intolerante y autoritario, eventualmente totalitario (HELLER & FEHER, 1995). Interpretaciones más descarnadas, apoyadas en Foucault, ven en la biopolítica “la creciente implicación de la vida natural del hombre en los mecanismos y los cálculos del poder” (AGAMBEN, 2003). De aquí derivan dos tractos de singular importancia: la vida nuda y la biopolítica como estado de excepción. Reeditando pensamiento y vocabulario griegos, la vida o zoe como mero facto biológico se diferencia de la existencia humana, o bíos, que es el ser humano inmerso en su cultura, en su historicidad y sustentado por sus derechos. La vida nuda, el homo sacer, es despojada de todas sus características existenciales: ya no es ciudadano ni miembro de la sociedad. Se es homo sacer cuando el poder lo convierte en tal y eso ocurre con recurso a alguna denotación que justifica el despojo: se es clasificado como mero 114 Volume 1, n o 2, 2005 ente biológico por ser judío, islámico, negro, VIH (+), gay o poseer cualquier otro atributo que la miopía biopolítica se empecine en descalificar. A ese efecto, el poder tiene que ejercerse a despecho de la ley, es decir, se crea un estado de excepción que realiza el desnudamiento. Por estado de excepción se entiende la proclamación de una supuesta necesidad crítica de ejercer la soberanía por fuera de la ley, de los derechos y de la moral. Antecedentes históricos como los campos de concentración del nazismo y del Gulag dieron un horroroso realismo a esta degradación humana de bíos a zoe, con la consecuente impunidad para aniquilar esa vida reducida a biología (LEVI, 2003). Lo más aterrador, sin embargo, es el diagnóstico de Foucault y de Agamben, que observan el subrepticio desplazamiento contemporáneo del Estado de derecho hacia un estado de excepción crónica, y la indiferente contemplación con que este proceso es tolerado. Un signo delatorio de esta tendencia a desmantelar el Estado de derecho se presenta en el afán de erosionar los límites y reformular las definiciones y los criterios diagnósticos de vida y muerte, esfuerzos que se debaten en una zona gris de incertidumbres y discrepancias. El sesgo biopolítico de definir escuetamente vida como no-muerte, y muerte como la pérdida de todo residuo vital, ha sido ejercitado en la muy reciente polémica sobre Terri Schiavo, una mujer desde hacen 13 años en estado vegetativo persistente que finalmente fue dejada a morir de inanición. Todas las decisiones en este caso fueron tomadas o revocadas por los tres poderes públicos, sin que se observara la participación de la medicina ni valiesen los argumentos de los allegados, que sólo podían expresarse a través de instrumentos biopolíticos. El origen del concepto de biopolítica lo sitúa, de inicio, en la cercanía de las preocupaciones bioéticas, ya que trata del ejercicio de poder sobre el cuerpo humano. Los abusos de este poder, compartidos en el Tercer Reich por los médicos, llevan a decir: “y esto implica que la decisión soberana sobre la nuda vida se desplaza, desde motivaciones y ámbitos estrictamente políticos, a un terreno más ambiguo, en que el médico y [el] soberano parecen intercambiar sus papeles” (AGAMBEN, Op. cit.). La biopolítica no sólo transforma al individuo en nuda vida biológica, desprovisto de ciudadanía, de derechos, de nexos sociales y atributos personales, como también es agresiva con los pueblos: “hoy el proyecto democrático-capitalista de poner fin, por medio del desarrollo, a la existencia de clases pobres, no sólo reproduce en su 115 Revista Brasileira de Bioética propio seno el pueblo de los excluidos, sino que transforma en nuda vida a todas las poblaciones del Tercer Mundo” (AGAMBEN, Op. cit.). También en el nivel colectivo, todo lo que la salud pública pudiese hacer por los pueblos queda sepultado bajo las maniobras de despojo biopolítico. La política tiende a desembocar, eventualmente, en una violencia cuya manifestación más extrema es la biopolítica que reduce la existencia humana a vida biológica. Estos procesos de ejercicio del poder tienen por característica la caducidad de las normas jurídicas y morales, supuestamente con el objeto de preservarlas. El discurso legal, no menos que el ético, queda marginado de participar en decisiones, silenciado en la crítica y desactivado en la práctica. Por lo tanto, la tendencia de la biopolítica a reducir a los pueblos y a los individuos a nuda pervivencia se sitúa en un nivel pre-moral, donde la bioética no tiene acceso porque su lenguaje se vuelve absurdo en situacioneslímite: ¿cómo puede un principio bioético encontrar aplicación frente a la realidad de un campo de concentración o, en escenarios contemporáneos, tener vigencia cuando combatientes capturados no son considerados prisioneros de guerra y por ende no reciben el trato humanitario que internacionalmente se ha acordado? Bioética y Biopolítica Si el campo de concentración es el paradigma del estado de excepción donde opera la biopolítica, será ingenuo pensar que la bioética tendrá alguna influencia o capacidad de regulación: “pero aquí, en el Lager… no hay criminales porque no hay una ley moral que infringir” (LEVI, Op. cit.). Su campo de acción se sitúa allí donde una incipiente biopolítica aventura ciertas posturas sin todavía haberse apropiado del poder. Se entiende así que la política se mueva siempre en el espacio público, en tanto la biopolítica se inmiscuye en lo privado y lo desnuda en público. En esa correlación, la bioética sería la protectora del espacio privado y del individuo, protestando cuando lo público produce daño al individuo. El argumento biopolítico insiste en que el embarazo – y la sospecha de embarazo como ocurre en la controversia sobre la píldora del día después – es sagrado y confirma su deber de defender la [presunta] vida en comienzos, sin considerar los múltiples contextos que pudiesen hacer valer otras posturas y llevar a decisiones diferentes. La biopolítica cae aquí, como también en su 116 Volume 1, n o 2, 2005 defensa de la violencia y la guerra, en la paradoja de destruir vidas para defender la vida nuda. La biopolítica defiende vida, frente al aborto por ejemplo, sin abrirse a las circunstancias que rodean la solicitud de aborto y que, desde la bioética, podían ser respetadas de un modo prioritario para desaconsejar el nacimiento de una vida con grandes riesgos de ser nuda. Al respecto es ilustrativo cómo países – Chile – bajo un régimen biopolítico militar han decretado la ilegalidad absoluta del aborto, no contemplándolo siquiera en caso de violación o incesto. De modo análogo, la biopolítica es contraria a la eutanasia voluntaria, aunque puede caer en la inconsecuencia de desarrollar programas de eutanasia impuesta, con el mismo argumento de aniquilar vidas para proteger la vida. La bioética se opone a estas prácticas, reclamando que la eutanasia impuesta es homicidio, y que la radical negativa de conceder eutanasia voluntaria es una forma de ir deslizando al ser humano desde una existencia propia a una vida nuda sufriente. Toda polémica con relación a la eutanasia es el enfrentamiento entre bioética y biopolítica, pues ésta insiste en el resguardo y la conservación de la vida, en tanto la bioética reconoce vidas reducidas a tal grado que no pueden llevar una existencia significativa y no desean permanecer en la residualidad crónica, desesperanzada y torturante. Son existencias para las cuales seguir viendo es peor que morir (HARRIS, 1984). La situación del donante de órganos en proceso de muerte es otro terreno de conflicto, en que se debate el hecho biológico de no estar muerto y los esfuerzos médicos por mantener indefinidamente esa situación, frente a la intención de no prolongar innecesariamente una muerte inminente y, en ciertos casos, poner en riesgo la vitalidad de los órganos ofrecidos en donación. Las conflictivas prácticas de investigación con seres humanos pueden ser la mejor ilustración de la convergencia de posiciones bioéticas críticas, ya sean políticas, biopolíticas o disciplinarias, que articulan su protesta desde diversas perspectivas frente a las iniquidades de estas prácticas que albergan cada vez más situaciones de abuso, en tanto los proyectos de investigación se desplazan desde el ámbito académico al netamente mercantil, generando la doctrina del doble estándar en ética de la investigación: uno aspiracional para países desarrollados, otro pragmático para naciones pobres. En la medida en que la ética de la investigación se vuelve demasiado rigurosa en los países desarrollados, hace atractivo el traslado de las investigaciones a países pobres donde es posible desarrollar protocolos más flexibles, y donde los mecanismos de compensación y beneficio son literalmente ignorados. 117 Revista Brasileira de Bioética La protesta desde la bioética de intervención se complementa con el rechazo a la actitud biopolítica de estas prácticas que clasifican a los seres humanos en probandos vulnerables y los señalan pro forma como frágiles, pero sin que patrocinantes e investigadores se sientan obligados a desarrollar programas de ayuda y protección más allá de las precauciones y consideraciones requeridas por el protocolo de estudio. La bioética disciplinaria, por su parte, se ocupa de los sujetos involucrados cuyos reales desmedros y privaciones dan espacio a las injusticias e insensibilidades sociales que caracterizan a las investigaciones foráneas traídas al tercer mundo. Esta perspectiva bioética concentra sus esfuerzos en desbaratar los intentos de abuso, depurando los mecanismos de operación de los estudios mediante el análisis crítico del consentimiento informado, de la equiponderación, de la atingencia y relevancia de los ensayos, del apoyo a las necesidades que generan las susceptibilidades de los probandos, y de los beneficios posteriores que corresponden tanto al probando como a la comunidad huésped. Ética de Protección y Biopolítica Una forma de entender la recientemente desarrollada ética de protección (KOTTOW, 1999; SCHRAMM & KOTTOW, 2000) es otorgando el resguardo a los marginados y excluidos, dando cobertura al homo sacer víctima de dominaciones políticas, injusticias sociales y privaciones económicas (SCHRAMM, 2004). La Bioética de Protección, no obstante, comparte con otras perspectivas la imposibilidad de acceder a plantear valores y a cautelar intereses cuando las personas ven amenazada su nuda sobrevida, aquende de todo derecho o participación ciudadana y aquende, también, de todo discurso moral. En otras palabras, la bioética ha de hacerse presente antes que los individuos o las comunidades hayan perdido la capacidad de reclamar sus derechos y de bregar por sus intereses. La Bioética de Protección ha sido sugerida, por otra parte, para resguardar a seres humanos que no están en condiciones de desarrollar su existencia por falta de maduración de su autonomía, por vulneración social, económica o biológica, o por déficit de empoderamiento, pero que potencialmente podrían ser protegidos mediante acciones terapéuticas apropiadas (O’NEILL, 1998; KOTTOW, 2003; KOTTOW, 2004) ha venido la propuesta de proteger al medio ambiente para futuras generaciones, lo cual significa extender el concepto 118 Volume 1, n o 2, 2005 de Bioética de Protección a seres que, potencial y probablemente, tendrán que desarrollar una existencia humana, a diferencia del homo sacer que ha sido despojado de la potencialidad de ser rescatado terapéuticamente o de ser resguardado para su futura existencia, y que por ello se encuentra fuera del ámbito toda posible protección bioética. En otras palabras, la Bioética de Protección necesita la conservación de una cierta humanidad y de un orden social mínimo que sean capaces de incorporarse al discurso ético. La radical deshumanización provocada por acciones biopolíticas vuelve imposible la aplicación de normativas legales, morales y, por ende, bioéticas. La propuesta de la bioética en general, y de la Bioética de Protección en particular, reconoce una profunda incompatibilidad con la biopolítica, en tanto la primera se ocupa del bíos – existencia- y la biopolítica se ensaña con la zoe destruyendo el bíos pues, como su nombre lo indica, la vida nuda se acerca a la vida animal y es despojada de su humanidad. En este antagonismo, la bioética tiene precisamente el rol de proteger al bíos de no ser tratado como mera zoe, y de argumentar en oposición a las perspectivas biopolíticas, que operan en forma excluyente de los valores de libertad. Conclusiones Una convergencia de bioética y política en el plano de la deliberación no es pensable para la biopolítica, que por definición se excluye de cualquier argumentación y desconoce toda norma ética y legal que no sea unilateralmente erigida por ella. Ninguna deliberación, tampoco la bioética, tiene cabida en un clima opresivo. Tanto mayor ha de ser el esfuerzo de la bioética por detectar intrusiones morales en nuestras sociedades, que dicotomizan artificialmente los problemas en vida versus libertad, donde la biopolítica en ocasiones dará preferencia al vida sin importar su calidad, en otras a la libertad sin preocuparse para qué. La relación entre bioética y política es compleja. En uno de sus más recientes libros, se esfuerza Habermas por señalar que la legitimidad debe preceder a la legalidad (HABERMAS, 1994) es decir, la justificación ética ha de dar los fundamentos para las normativas que rigen el orden social, lo cual apunta en dirección similar a la racionalidad deliberativa que Rawls propone para desarrollar un esquema de justicia. D. Gracia cita a E. Emmanuel como reconociendo el compromiso de la bioética en materias colectivas y sociales, al punto de indicar que la bioética va más allá de la ética profesional 119 Revista Brasileira de Bioética y se constituye como parte de la filosofía política. “La bioética necesariamente se ocupa de los valores involucrados en salud y enfermedad. Por lo tanto, la bioética es un proceso de deliberación sobre fines individuales y colectivos de la vida humana” (GRACIA, 2001). Pero la bioética no puede “deliberar sobre la vida humana” por cuanto se convertiría en ética filosófica; para mantener su carácter de ética práctica, tendrá que ser deliberativa pero ceñirse a los temas de su agenda: biomédicos, ecológicos, de investigación con seres vivos. Por otra parte hay acuerdo que la ética es una reflexión, una deliberación, un discurso comunicativo que opera con métodos diversos a los de la política fáctica. En ese sentido, su accionar se centra en el escenario de la racionalidad razonable, vale decir, de la deliberación entendida como argumentación racional y valórica. Si la política se adscribe a la deliberación en forma de una democracia ética dispuesta a legitimar su proceder, estará en un terreno común y fructífero con la bioética. Es menester que la política reconozca sus raíces éticas y la proveniencia moral de su legitimidad, mas que pedirle a la bioética que intente desarrollar un discurso político. Referências Bibliográficas: AGAMBEN, G. 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Wissenschaft als Beruf-Politik als Beruf. Tübingen, JCB Mohr, 1994. 121 Revista Brasileira de Bioética INCLUSÃO SOCIAL NO CONTEXTO POLÍTICO DA BIOÉTICA Social inclusion in the political context of bioethics Volnei Garrafa Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. [email protected] Resumo: O presente artigo reforça a necessidade de politização da bioética como forma de construção da justiça social. Analisa a inclusão social a partir dos conceitos de empoderamento, libertação e emancipação, como possíveis ferramentas epistemológicas da Bioética de Intervenção. Além das características relacionadas ao rigor acadêmico, o texto defende a necessidade da ação política concreta para a transformação social. Apresenta o teor da Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos construída pela UNESCO com a participação efetiva dos países em desenvolvimento, discutindo o avanço representado pela incorporação dos temas sociais e ambientais à agenda da bioética do século XXI. Palavras-chave: Bioética de Intervenção. Bioética e política. Empoderamento. Libertação. Emancipação. Direitos Humanos. Abstract: This article reinforces the need of a politics-oriented bioethics as an instrument to build social justice. It analyzes social inclusion from some concepts such as empowerment, liberation and emancipation, as they are the epistemological tools of Intervention Bioethics. The text defends the necessity of a concrete political action aiming at social transformation. It presents the content of the Universal Draft Declaration on Bioethics and Human Rights assembled by UNESCO with the effective participation of developing countries, discussing the advance attained by the inclusion of social and environmental themes to the bioethics agenda of 21st century. Key words: Intervention Bioethics. Bioethics and politics. Empowerment. Liberation. Emancipation. Human Rights. 122 Volume 1, n o 2, 2005 N os países latino-americanos, de modo geral, e no Brasil, especificamente, o tema da justiça sanitária faz parte da agenda bioética. As imensas desigualdades no acesso aos recursos - a tudo que caracteriza a qualidade de vida - tornam esse tema efetivamente orgânico quando se pretende aplicar a ética para garantir a dignidade da vida humana. Isso não significa que em outras regiões do mundo o assunto seja aceito pacificamente. Pelo contrário, em alguns países desenvolvidos e mesmo em determinados núcleos acadêmicos das nações em desenvolvimento, existem fortes resistências à utilização, no campo sanitário, dos paradigmas referenciais da bioética, que se volta preferencialmente à biotecnologia e, com a mesma ênfase, recusa a politização da pauta bioética internacional. Duas são as razões básicas para essa resistência. Em primeiro lugar, o preciosismo acadêmico de alguns estudiosos da área que, utilizando a lógica formal e assépticas argumentações teóricas, tentam desqualificar o academicismo do debate sócio-político da bioética, afirmando que a temática política, que inclui temas da saúde pública e coletiva, como a inclusão social e outros, está fora do escopo epistemológico da disciplina, constituindo na realidade outra área, que denominam de “biopolítica” (KOTTOW, 2005). Em relação a essa primeira razão, pode-se questionar o sentido intrínseco de tal posicionamento. Como aponta Castoriadis, o filósofo foi, desde o início da civilização grega, um cidadão plenamente inserido no seio da sociedade da qual fazia parte, a polis, atuando como tal na vida social, a exemplo de Sócrates. Dessa forma, a filosofia se dedicava a questionar a ordem estabelecida, em lugar de meramente justificar sua reprodução por meio de fórmulas que se descolam da realidade concreta, experimentada cotidianamente. Desde Platão e, de maneira crescente em Kant e outros filósofos modernos, a dissociação entre a razão e a ação vem provocando um tipo de “perversidade edificante” que privilegia a primeira em detrimento da segunda. Tal tendência, que na pós-modernidade ganhou contornos de niilismo estagnado, impede tanto a reflexão quanto a ação - o processo dialético - que hoje é indispensável na medida em que a tecnociência institui novas fronteiras para o exercício do poder. Esse limite não se restringe apenas ao adestramento da corporeidade pelo desempenho “autônomo” das regras e normas sociais, como sempre aconteceu. Pela ação da tecnologia, o controle social imiscui-se nesse mesmo corpo e recria-o a partir de uma linha divisória que secciona inexoravelmente aqueles que têm direito à qualidade de vida e bem-estar, dos demais que, privados disso, são cerceados à condição de sustentáculos da desigualdade. 123 Revista Brasileira de Bioética Nesse sentido, cabe um reparo à idéia de transformar o princípio justo da proteção em uma epistemologia de cunho mais abrangente como forma de suprimir as desigualdades. Ainda que proteger os que suportam a ordem estabelecida, a custa da expropriação de seus corpos e vidas, e defender sua integridade frente aos que usufruem todos os benefícios dessa divisão espúria seja uma ação que pode melhorar sua qualidade de vida, restringir a possibilidade de intervir na realidade à proteção aos menos favorecidos não deixa de ser uma concessão com a manutenção da desigualdade, dos privilégios e da exclusão. Por isso, deve-se considerar a proteção como um princípio, essencial para a construção da justiça social, mas que não deve ser alçado à condição de matriz teórica. Sob a capa de um humanismo paternalista e patriarcal a maximização do princípio da proteção acaba revelando, em última análise, a assimetria concreta entre quem protege e quem é protegido. De certa forma, revela também uma admiração acrítica pelo pensamento escolástico, mesmo quando este somente reproduz uma retórica esvaziada do sentido que deve impregnar a relação entre teoria e prática, entre o plano ideal e a realidade. Com relação a isso, Castoriadis afirma que: “só sairemos da perversão que caracterizou o papel dos intelectuais desde Platão, e de novo agora nos últimos setenta anos, se o intelectual se tornar verdadeiramente cidadão. Um cidadão não é (não é necessariamente) ‘militante de um partido’, mas alguém que reivindica ativamente sua participação na vida pública e nos negócios comuns, tanto quanto os outros. Aqui aparece com toda a evidência uma antinomia, que não tem solução teórica, que somente a phronésis, a sabedoria, pode permitir ultrapassar. O intelectual deve pretender ser cidadão como os outros, deve também pretender ser, de direito, porta-voz da universalidade e da objetividade. O intelectual só pode se manter nesse espaço, reconhecendo os limites do que sua suposta objetividade e universalidade lhe permitem. Deve reconhecer, e não com desdém, que o que ele tenta fazer entender é ainda uma doxa, uma opinião, e não uma epistémé. Cumpre sobretudo reconhecer que a história é o domínio onde se desenvolve a criatividade de todos, homens e mulheres, eruditos e analfabetos, de uma humanidade na qual ele mesmo é apenas um átomo. E isso ainda não deve vir a ser pretexto para que se afiance, sem crítica, as decisões da maioria, nem para que se incline diante da força, por ser ela a expressão dos mais numerosos” (CASTORIADIS, 1992). 124 Volume 1, n o 2, 2005 Em segundo lugar, e talvez, como decorrência lógica dessa primeira posição, tal resistência pode ser imputada ao conservadorismo ou estreiteza política de certos pesquisadores, que acreditam que toda gama de conflitos éticos relacionados à vida e à saúde pode ser circunscrita ao âmbito biomédico, mesmo com certas inclusões tangenciais de alguns deles pelo campo social. Sob tal argumento, criticam as tentativas de transportar essa discussão para o campo onde verdadeiramente se dão as grandes decisões, que alijam ou incluem indivíduos como beneficiários do desenvolvimento científico e tecnológico, ou seja, a seara das decisões políticas. Disfarçados sob as vestes do vazio ideológico deixado pela modernidade tardia (ou pós-modernidade, se preferirem os leitores...) e, com outra linguagem, ressuscitam uma superada contradição fortemente constatada na América Latina dos anos 1960 e 1970. Naqueles tempos, notáveis sanitaristas como os saudosos Juan Cesar Garcia, Cecília Donângelo e Sergio Arouca, entre tantos outros que ainda seguem vivos nas mesmas trincheiras, tiveram que empreender heróica resistência às ditaduras militares plantadas no continente. Nas suas áreas de trabalho, combateram e transformaram os estreitos referenciais da antiga medicina social e os conteúdos preventivistas em moda na época, por meio da construção concreta de pautas socialmente comprometidas com a essência democrática e inclusiva da saúde pública e coletiva. A bioética social, para ser efetiva, além de disposição, persistência e preparo acadêmico, exige uma espécie de militância programática e coerência histórica por parte do pesquisador. De minha parte, é o que venho tentando fazer há alguns anos com a linha de pesquisa que denominei inicialmente de Bioética Dura (hard bioethics) e posteriormente Bioética de Intervenção (GARRAFA, 2000; GARRAFA & PORTO, 2003). A Encyclopedia of Bioethics, no capítulo dedicado à América Latina, em sua última edição, traz comentários positivos do responsável pela matéria, prof. José Alberto Mainetti, sobre o surgimento da Bioética Dura na região. Com vistas a aprofundar os fundamentos epistemológicos dessa vertente latino-americana da bioética, analiso neste artigo o tema da justiça social em saúde e sua relação com a bioética, a partir dos diferentes conceitos utilizados para promover inclusão social e a expansão significativa que o assunto adquiriu com sua inserção na Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, a ser homologada pela UNESCO em outubro de 2005, na sua Assembléia anual. Neste sentido, após a consagração da Declaração, com o considerável avanço logrado no conteúdo referido ao campo social, pretendo passar a incorporar a 125 Revista Brasileira de Bioética Bioética de Intervenção, definitivamente, à “Bioética Social”, uma vez que já terá sido alcançado um dos principais motivos de sua criação, ou seja, a necessária visibilidade política ao tema. Discutindo a Inclusão Social na Epistemologia da Bioética O tema da inclusão social recebeu suporte teórico de diversos conceitos cunhados no campo da saúde pública nos últimos anos. Algumas destas palavras revelaram-se bastante apropriadas, outras nem tanto... No campo da bioética, igualmente, diferentes autores têm tratado o assunto sob ângulos e interpretações diversas. Tão importante quanto o significado da expressão escolhida, naturalmente, são as justificativas e a sustentação argumentativa com relação a sua utilização. Para o objetivo dessa discussão, analiso três expressões recorrentes - empoderamento, libertação e emancipação - que podem embasar o debate sobre quais princípios se prestam a sustentar a intervenção bioética no campo social. A palavra empoderamento, tradução livre e direta do inglês, teve seu uso fortalecido a partir do momento em que o cientista indiano Amartya Sen, recebeu o Prêmio Nobel de Economia. Sem dúvida, em nosso idioma, esta versão cunhou uma palavra feia, de difícil pronúncia e audição, mas que, não obstante, possui um apelo prático especialmente grande. De qualquer modo, justiça seja feita, ao longo de toda sua vasta obra, para dar idéia de empoderamento, Sen utiliza com freqüência a palavra liberdade, como na seguinte passagem: “Para que se torne possível superar a fome, a pobreza, as ameaças de destruição do meio ambiente e outras formas de iniqüidade, exige-se da sociedade uma postura de cumplicidade fortalecedora da idéia de liberdade, da qual ela mesma não pode se furtar ” (SEN, 2000). Tal como apontado neste trecho, a idéia de empoderamento dos sujeitos individuais, vulnerabilizados em decorrência do processo histórico e da característica cultural das sociedades nas quais estão inseridos, perpassa o todo social, atuando como elemento capaz de amplificar as vozes dos segmentos alijados do poder de decisão, e promovendo sua inserção social. A idéia do empoderamento estaria, portanto, alicerçada na articulação orgânica entre os diferentes grupos e segmentos, processo que, como já apontava Durkheim, é o que transforma um mero aglomerado de indivíduos em uma sociedade (DURKHEIM, 1990). 126 Volume 1, n o 2, 2005 A meu ver, o que confere humanidade aos seres biologicamente reconhecidos como humanos, decorre de um processo coletivo, que se consubstancia na produção e reprodução contínuas dos significados atribuídos às práticas sociais. Neste sentido, a proposta inclusiva aqui desenvolvida passa pelo pressuposto que a ação social politicamente comprometida é aquela capaz de transformar a práxis social. Essa definição coaduna-se aos marcos teóricos delineados pela Bioética de Intervenção, que aponta o corpo como parâmetro da intervenção ética (GARRAFA & PORTO, Op. Cit.). Ela identifica e incorpora a dimensão social, a percepção da pessoa como uma totalidade somática na qual estão articuladas as dimensões física e psíquica, que se manifestam de maneira integrada nas inter-relações sociais e nas relações com o meio. Nesse sentido, a visão de empoderamento delineada por Sen estabelece a ponte entre os indivíduos, cuja corporeidade sustenta o processo de produção e reprodução social e a coletividade da qual essas pessoas fazem parte. Explicita-se, assim, a relação dialética entre reflexão e ação na responsabilidade individual e coletiva pelo impacto que as escolhas dos indivíduos produzem na realidade. Assim, parece claro que a idéia de empoderamento reporta justamente à importância de perceber que as escolhas dos sujeitos sociais não podem ser marcadas apenas por uma visão míope e estereotipada de autonomia, que circunscreve a opção individual ao exercício narcísico e antropocêntrico, levando o pensamento em direção à questão do poder de uns e outros cidadãos em mundos desiguais. E se a desigualdade é construída no meio social - na formação do indivíduo - suplantá-la implica em reconhecer a relação inequívoca entre autonomia e responsabilidade. A autonomia se manifesta não só na capacidade de responder a uma situação de forma a atender ao mesmo tempo à moralidade social, às normas legais, aos desejos, necessidades e vontades do indivíduo, como também no reconhecimento da interconexão entre os seres humanos e todas as formas de vida, assim como na responsabilidade existencial exigida frente a elas. Em abril de 2004, proferi a conferência de encerramento do V Congresso Brasileiro de Bioética, realizado em Recife cujo tema foi “A bioética no século XXI”. Tendo, como de costume, levado a discussão para o âmbito social e da politização da bioética, comparei as idéias de Sen e a também extraordinária produção do educador brasileiro Paulo Freire. Guardadas as peculiaridades de cada palavra e de cada contexto, Sen de certa forma expressa com o uso da categoria empoderamento o que Freire denomina libertação. 127 Revista Brasileira de Bioética Porém, a idéia de libertação implica em mais do que o simples reconhecimento da existência do poder. Ela, necessariamente, aponta para o locus aonde se instalam a força capaz de obrigar à sujeição, e a fragilidade, manifesta na incapacidade de desvencilhar-se da submissão. Ao definir esses pólos, Freire identifica a oposição entre cativeiro, ou a privação do direito de escolha, e a libertação, o verdadeiro exercício da autonomia. Dessa forma, assinala que os sujeitos sociais são, eminentemente, atores políticos, cuja ação pode tanto manter como transformar o status quo. A categoria libertação desvela as posições de poder e permite pressupor uma tomada de posição no jogo de forças pela inclusão social. A utilização desta categoria na Bioética de Intervenção pretende apontar em que direção se deve conduzir a luta política para garantir tal liberdade. Sua adoção visibiliza a luta das cidadãs e cidadãos que logram sua inclusão social, seja no contexto da saúde ou em contextos mais amplos, a partir da tomada de consciência sobre as forças que os oprimem e pela ação concreta em oposição a elas. Paulo Freire é particularmente contundente ao criticar o preciosismo acadêmico e sua malvada conseqüência, a assepsia moral, que constituem obstáculos à libertação: “Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo. Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos. Em tempo algum pude ser um observador ‘acinzentadamente’ imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética. Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista, mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele. O meu ponto de vista é o dos ‘condenados da Terra’, o dos excluídos” (FREIRE, 2001). No entanto, o que se vê no meio da saúde pública brasileira é que a palavra empoderamento tem uma utilização bastante aceita e incorporada ao nosso léxico sanitário, enquanto libertação é raramente utilizada. Entre outras razões, imputo essa constatação ao fato de Sen trabalhar na área de economia, de grande visibilidade no contexto capitalista contemporâneo, ao passo que Freire se debatia em meio a teorias educacionais, de menor apelo mercadológico, trabalhando a idéia da educação como prática de libertação. 128 Volume 1, n o 2, 2005 Embora os dois autores tenham desenvolvido seus estudos no sentido de favorecer as populações dos países pobres do Hemisfério Sul do mundo, o apelo da economia, infelizmente, é flagrantemente maior que o da educação, no atual contexto histórico pelo qual passa a humanidade. A terceira expressão que incluo nessa análise é emancipação. O sujeito emancipado não deixa de ser um sujeito livre. O jovem emancipado, por exemplo, é aquele que adquiriu status de maioridade e passa a ser senhor e responsável pelos seus próprios atos. Emancipação significa alforria, independência, liberdade, o caminhar que se inicia com a libertação. Só é emancipado aquele que suprimiu sua dependência, que alcançou o domínio sobre si mesmo e pode garantir não apenas a sobrevivência, mas suas escolhas frente aos meios de alcançar essa sobrevivência. O poder sobre si mesmo é o que outorga a emancipação, tornando a pessoa imune às forças que buscam sua sujeição. Portanto, suprimir a dependência é pré-condição para a emancipação, e isso vale tanto para a pessoa quanto para o Estado. É nessa concepção que a categoria emancipação se presta à Bioética de Intervenção como ferramenta ou veículo para direcionar a luta pela libertação e para colocar essa luta na dimensão coletiva. No entanto, parece-me que, pelo menos ao ouvido, a emancipação tem um sentido mais jurídico do que político, sublinhando o reconhecimento legal da capacidade de decidir. Porém, para que a inclusão social (inerente ao cidadão emancipado) reflita efetivamente sua autonomia, ela deve ser fruto de uma conquista pelo direito de decidir e pela possibilidade real do exercício desse direito, não podendo decorrer de mera concessão, como um presente que sem luta foi ofertado e que, por isso, da mesma forma, pode ser tirado ao sabor da vontade de quem concedeu a dádiva, como ocorre no caso da proteção. Para a Bioética de Intervenção, a inclusão social é a ação cotidiana de pessoas concretas e precisa ser tomada na dimensão política, como um processo no qual os sujeitos sociais articulam sua ação. Na medida em que a ação cotidiana direciona as escolhas não apenas em função de uma inclinação pessoal, mas considerando a dimensão do todo - a necessidade de garantir a existência das pessoas e de todas as formas de vida - ela se torna inclusiva, tendendo, como decorrência, à maior simetria. De qualquer modo, creio que qualquer uma das três expressões – empoderamento, libertação e emancipação - embora com conotações diferentes, auxiliam à compreensão do fenômeno de inclusão social como um processo dinâmico que necessita ser construído e levado à prática, objetivando a conquista da verdadeira justiça social em saúde. 129 Revista Brasileira de Bioética A Agenda Social na Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos Depois de mais de dois anos de intensas discussões e a produção de consecutivas versões, entre os dias 20 e 24 de junho de 2005, foi realizada na UNESCO, em Paris, a reunião definitiva de experts dos diversos governos filiados àquela Organização, com o objetivo de definir o teor da futura Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. Após a superação de inúmeras dificuldades, tendo em vista posições antagônicas de diferentes países sobre as mesmas questões, finalmente chegou-se a um documento consensual. Desde o início das negociações, ficou patente o interesse dos países ricos e seus satélites, guiados por Estados Unidos, Alemanha e Canadá, em reduzir a agenda bioética aos temas relacionados exclusivamente à biotecnologia/biomedicina, alijando sumariamente os outros dois pilares da disciplina, caros aos países em desenvolvimento do Hemisfério Sul: a bioética social e a bioética ambiental. A delegação brasileira teve um papel político fundamental na condução da reação dos países periféricos, com o apoio das nações latino-americanas – muito especialmente da Argentina - africanas, de alguns países árabes e da Índia. Embora se saiba que uma Declaração Internacional deste tipo contenha apenas normas não vinculantes, que não podem ser consideradas como lei, servem como guias futuros para a construção das legislações nos diferentes Estados. Neste sentido, o documento construído em Paris pode ser considerado um avanço extraordinário para os países em desenvolvimento. Sua construção mostra um preâmbulo substancial composto de vários considerandos, onde são mencionados como referência documentos e tratados internacionais já aprovados pelas Nações Unidas. Posteriormente, vem a Declaração propriamente dita, com 28 artigos, divididos em cinco capítulos: um capítulo introdutório com as disposições gerais que incluem o escopo e objetivos da bioética (dois artigos), seguido de outros dois que trazem os princípios (em número de 15) e sua aplicação (quatro artigos), além de duas partes finais relativas a sua implementação e promoção (quatro artigos), finalizando com as considerações finais (três artigos). O mais importante, para os objetivos deste texto, se refere às conquistas obtidas na Declaração com relação ao campo da saúde pública e da inclusão social. Entre outros, foram incluídos tópicos sobre dignidade humana e direitos humanos; respeito pela vulnerabilidade humana e integridade pessoal; 130 Volume 1, n o 2, 2005 igualdade, justiça e eqüidade; respeito pela diversidade cultural e pluralismo; solidariedade e cooperação; proteção do meio ambiente, biosfera e biodiversidade; responsabilidade social e saúde pública e divisão dos benefícios. Em relação a esses dois últimos pontos ficou claro o compromisso dos Estados-membro em proporcionar acesso a sistemas sanitários de qualidade, aos benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico, a novos medicamentos e à nutrição, assim como à redução da pobreza e outros temas afins, tão caros à pauta contemporânea da saúde pública. Além disso, deve ser mencionada a inclusão de um tópico que poderá servir de antídoto contra o avanço da teoria do duplo-standard nas pesquisas em países pobres e ricos, embora se tenha conseguido colocá-lo apenas no preâmbulo do documento: “... os seres humanos, sem distinção, deveriam ser beneficiados pelos mesmos elevados padrões éticos nas pesquisas em medicina e nas ciências da vida” (UNESCO, 2005). De modo geral, portanto, a Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos re-define a agenda bioética para o século XXI, expandindo generosamente seu campo de interpretação, pesquisa e ação. As firmes e legítimas ações políticas dos países latino-americanos foram decisivas para a mudança do panorama. Ou seja: a Bioética incursionou pela política para incluir as questões sociais em sua agenda. E isso não é biopolítica. É a bioética intervindo em uma dimensão mais ampla: a política. Esse grande passo trará, sem dúvida, conseqüências positivas e concretas no sentido de ampliar as discussões éticas em saúde, proporcionar melhores condições para implementação de medidas de inclusão social e favorecer a construção de sistemas sanitários mais acessíveis; criando, assim, condição para que as sociedades humanas alcancem uma qualidade de vida mais justa. Para a Bioética de Intervenção, o reconhecimento dessas pautas teve distintos significados. A inclusão de tais temáticas no contexto das Nações Unidas reafirmou a relevância de seus pressupostos teóricos, legitimando a pertinência da intervenção ético-política nesse âmbito. Por outro lado, consubstanciou uma ação efetiva de intervenção no sentido de conformar a realidade a partir de parâmetros de eqüidade, inclusão social e justiça. Mais do que isso, porém, a criação desse documento traçou uma orientação universal e objetiva a partir da qual a bioética pode lutar pelo empoderamento, pela libertação e pela emancipação dos “condenados da terra”. Agradecimento: Agradeço a Dora Porto, companheira de primeira hora na construção da Bioética de Intervenção, pelas preciosas sugestões ao presente texto, bem como pela parceria constante nas reflexões sobre o tema. 131 Revista Brasileira de Bioética Referências Bibliográficas CASTORIADIS, C. O mundo fragmentado: as encruzilhadas do labirinto / 3. São Paulo, Paz e Terra, 1992. DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1990. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo, Paz e Terra, 2001. GARRAFA, V. Bioética fuerte – uma perspectiva periférica a las teorias bioéticas tradicionales. Conferência. Congreso de la Federación Latino-Americana y del Caribe de Instituciones de Bioetica, Panamá, 2000. mimeo. GARRAFA, V. & PORTO, D. 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[email protected] Resumen: En este artículo examino, en una aproximación primera, una cuestión presente tanto en la agenda de las reflexiones y debates actuales como en las urgencias de la práctica contemporánea de los bioeticistas latinoamericanos y caribeños. Es ésta la disyuntiva entre la orientación hacia una bioética que se demarque de la política, dado su carácter supuestamente apolítico, y una propuesta distinta, que se posiciona en defensa de la construcción de una bioética politizada. Además, explicito las premisas en las que sostengo mi argumentación (desde la epistemología, la teoría social, la ética, la política, la bioética y la práxis social) en favor de una bioética declaradamente articulada con la política. Palabras-clave: Bioética. Política. Complejidad. Poder. Latinoamérica y Caribe. Abstract: In this article the autor discusses a topic which is part of the present reflections and debates and also of the contemporaneous practice of Latin American and Caribbean biethicists. It is the dissimilarity between a bioethics disconnected from politics, due to a supposed bioethics apolitical feature, and a different proposal, which supports the construction of a politics-oriented bioethics. The argumentation is sustained by the elucidation of premises such as epistemology, social theory, ethics, politics, bioethics, and social práxis, in favor of an assumed politics-articulated bioethics. Key words: Bioethics. Politics. Complexity. Power. Latin America and Caribbean. 133 Revista Brasileira de Bioética Desde la Lógica, toda conclusión vale lo que valen las premisas en las que se sustentan su argumentación. Por más agudo y bien intencionado que pueda ser lo que se argumenta, esto sigue siendo así. Las conclusiones concernientes a la compatibilidad o incompatibilidad entre la bioética y la política no constituyen excepción: valen lo que valen las premisas que la sustentan. Expresaré entonces, desde ya, algunas de las premisas de las cuales parto para entretejer las ideas defendidas en este artículo. Desde la epistemología, en una época signada por la tendencia contemporánea hacia una convergencia multi, inter y transdisciplinar, el reconocimiento de la articulación entre conocimiento y valor y la reivindicación de la importancia de la vida cotidiana, toda conclusión que reafirme la permanencia de la bioética y de la política en compartimientos separados merece, cuando menos, una sospechosa mirada y/o un suspicaz exámen epistemológicos. Desde la teoría social, las fuertes evidencias de una indefectible articulación circular entre nuestras prácticas cotidianas de poder, de saber, de deseo y de discurso, presentes aún en las más diarias de las interacciones sociales, tornan sociológicamente problemática en sí misma - como genuino contradictio in adjectum - la aspiración a la inarticulidad, y más aún si se pretende que ella sea, por principio, entre bioética y política (GARRAFA & PORTO, 2003; KOTTOW, 2004; KOTTOW, 2005; y SOTOLONGO, 2005). Desde las propias ética y política, su historia permite constatar como sus relatos más fructíferos y enriquecedores para los seres humanos han tenido lugar en las situaciones en que ambas se han articulado coherentemente: cuando la política se ha eticizado y la ética se ha politizado. Desde la bioética misma, pues al estar ésta al servicio del reconocimiento y de la reivindicación de los valores concernientes a la vida y a la propiciación de la sustentabilidad de la vida como tal, no puede ser ajena a ninguna realidad social con relación a la cual ejercer su labor de crítica, reconstrucción y propiciación del cambio social humanamente enriquecedor, incluyendo en esto al ámbito de la(s) política(s) concerniente(s) a la(s) vida(s). Desde la práxis social, la constatación que, desde la vida cotidiana, se impone aún al más inadvertido, de las enormes desigualdades, inequidades e injusticias sociales del mundo en que aún vivimos, y que son particularmente contrastantes en nuestra región latinoamericana y caribeña, hace con que cualquier conclusión que nos lleve a separar la bioética de la política parezca, desde su dimensión y alcance prático-cotidianos, al menos ingenua y riesgosa, cuando no francamente irresponsable. 134 Volume 1, n o 2, 2005 Desde la Epistemología: la reflexividad de todo saber y la articulación conocimiento-valor Desde que la indefectible labor objetivizadora del sujeto de indagación ha revelado el indisoluble nexo entre el indagador y lo indagado, la contemporaneidad ha sido testigo del desarrollo de la nueva epistemología, o epistemología de segundo orden, que ha evidenciado la reflexividad de todo saber. En la ciencia clásica, tal reflexividad objetivizadora quedaba enmascarada tras la denominada problemática-del-error-de-la-medición que es, en realidad, fruto del error del indagador. Ya en la ciencia no-clásica, e incluso en la que se ocupa de la naturaleza, dicha reflexividad se hizo patente, con toda la claridad, en la siempre presente relatividad espacio-temporal del indagador con relación a lo indagado (Einstein) y en la incidencia del indagador en el tipo de ente a indagar (onda o partícula) a través del diseño experimental elegido (Bohr, Heisenberg, Dirak, Schroedigner). Aunque muchos se han empeñado en no verla, tal reflexividad ha estado patente en la ciencia que se ocupa de los problemas sociales y humanos, ya que es imposible indagar lo social y lo humano situándose desde afuera de toda sociedad y/o desde afuera de todo ser humano. Asimismo, se ha ido evidenciando la futilidad, característica del intento de presentarnos un conocimieno ascético, axiológicamente neutro, incluso en las ciencias calificadas como más duras, alimentada siempre por el(los) positivismo(s). Al constatar que todo saber queda tramado en los posicionamientos a partir de los cuales se construye, la relación conocimiento y valor se evidencía, ya sean estos posicionamientos engendrados por parámetros cultural-civilizatorios, de género, de raza, de etnia y de clase, para nombrar sólo los más notorios. El saber bioético, sus conocimientos y sus valores no son una excepción a esta condición de articulación manifiesta. Por otra parte, es cada vez más perceptible la tendencia, en múltiples campos del saber contemporáneo, hacia la transgresión de la mentalidad y de la práctica cognitiva disciplinares. La multidisciplina, la interdisciplina y, más recientemente, la transdisciplina, han ido plasmando la actual tendencia hacia un saber cuyo carácter es tanto más integrador como abarcante y holista. Entre éstas, es la transdiciplina - donde por cierto se ubica la bioética - que, junto al permanente diálogo entre saberes que preconiza, trasciende más consecuente y radicalmente con tal mentalidad y práctica disciplinares (GARRAFA, 2005). Este diálogo entre saberes incluye la reivindicación de la 135 Revista Brasileira de Bioética importancia del saber del no-experto frente al del experto, del saber del hombre y de la mujer de la calle, y de la propia vida cotidiana, reforzando así el reconocimiento de la articulación entre conocimiento y valor. Desde la Teoría Social: poder, saber y vida cotidiana La teoría social contemporánea ha puesto en claro que es desde la vida cotidiana - desde el interaccionar diario de hombres y mujeres - que emergen las estructuras objetivas de las relaciones sociales, y que se constituyen las subjetividades individuales y colectivas. Ambos procesos dimanan simultáneamente de la siempre presente circularidad de nuestras practicas locales de poder, de deseo, de saber y de discurso. Éstas, vinculadas entre sí, transcurrren en el marco de las situaciones de interacción social cotidianas de co-presencia, asociadas a uno u otro de nuestros patrones de interacción social, también cotidianos (SOTOLONGO, 2002). Tales prácticas locales de poder, de deseo, de saber y de discurso emergen de ciertas asimetrías sociales generadoras de la complejidad social, articuladas circularmente todas con todas, a saber: - las asimetrías de circunstancias sociales en favor de algunos de los involucrados (con nombre y apellidos) y en desfavor de otros (también con nombres y apellidos): ciertas cuotas locales de poder y de contrapoder; - las asimetrías sociales de satisfacciones (placer) e insatisfacciones (dis-placer) de los involucrados: ciertos circuitos locales deseantes; - las asimetrías en las factibilidades y no factibilidades epistémicas a la disposición de los involucrados: ciertos posicionamientos en la positividad epistémica de la época; - asimetrías en las factibilidades y no factibilidades enunciativas a la disposición de los involucrados: ciertos posicionamientos en una positividad discursiva epocal. Resumiendo, tenemos que el ejercicio de cuotas locales de poder y de contrapoder induce los circuitos de deseo (de satisfacción e insatisfacción) que, subyacentemente, lo alimentan. Además, este ejercicio requiere y propicia la construcción de las cuotas de saber que lo legitiman, profiriéndose y tramándose en enunciaciones locales de un discurso que tributa a él y lo difunde intersubjetivamente. Así se constituye la articulación circular entre el poder y los demás ámbitos de la práctica social que venimos caracterizando. Tal circularidad se plasma, siempre, a partir del ejercicio articulado de prácticas 136 Volume 1, n o 2, 2005 sociales (de dominio - poder, y de búsqueda de placer - deseo), de prácticas epistémicas (saber) y de prácticas enunciativas (discurso) cotidianas. Todo lo cual produce, y no puede no producir: - efectos locales legitimadores de poder, provenientes del deseo, del saber y del discurso que ponen localmente en juego (y que no pueden no poner en juego), añandiéndose a los efectos inmediatos de sus cuotas locales de poder, y reforzándolas; - efectos locales deseantes de placer provenientes del poder, del saber y del discurso que ponen en juego (y que no pueden no poner en juego), añadiéndose a los efectos inmediatos de sus circuitos locales del deseo, y reforzándolos; - efectos locales de verdad - de saber - provenientes del poder, del deseo y del discurso que ponen en juego (y que no pueden no poner en juego), añadiéndose a los efectos inmediatos de sus posicionamientos locales epistémicos, y reforzándolos; - efectos locales de discurso provenientes del poder, del deseo y del saber que ponen en juego (y que no pueden no poner en juego), añadiéndose a los efectos inmediatos de sus posicionamientos locales discursivos (de discurso). El poder no es algo que se posee o se otorga. Al contrario. Inherente a toda práctica social, el poder se ejerce. Si no se ejerce por uno, es ejercido por otros. El poder no deja vacíos sociales en su trama. Al plasmarse en estrategias y tácticas atraviesadas por uno u otro cálculo, visa a mantener unas u otras circunstancias en favor de algunos, y en desfavor de otros1. Las prácticas bioéticas no constituyen excepción alguna al respecto. Implican siempre la puesta en juego - el ejercicio - de cuotas locales de poder y de contrapoder bioético. Inducen indefectiblemente circuitos locales de deseo bioético, de satisfacción o insatisfacción bioéticas. Éstos, alimentando de forma subyacente a aquellas cuotas de poder bioético, requieren y propician la construcción de un saber bioético que las legitime, profiriéndose y tramándose en enunciaciones de un discurso bioético que les tributa e difunde intersubjetivamente. Así se constituye la circularidad de articulación entre el poder bioético y los demás ámbitos de las prácticas bioéticas locales que venimos caracterizando. 1 Fue Foucault el pensador contemporáneo que, a juicio nuestro, ha puesto más de relieve en la teoría social esta omnipresencia del poder en todos los poros del socium. 137 Revista Brasileira de Bioética Desde múltiples situaciones de interacción social con co-presencia (escenarios sociales) se va tejiendo, “anónimamente”, toda una trama socialmente articulada de ejercicio de poderes y contrapoderes locales. Esta co-relación de fuerzas, de estrategias de poder y de resistencias locales, ocurre en el seno mismo de lo social. Ahí se generan los patrones de interacción familiares, educacionales, laborales, religiosos, recreativos, de género, de raza, de etnia, de clase, de prácticas bioéticas etc., que componen a cada caso. En la medida en que uno u otro de estos patrones de interacción se propaga espacial y temporalmente en un socium dado, se extiende la correspondiente trama local de poderes y contrapoderes, de co-relaciones de fuerza y de estrategias sociales de resistencia. Así, a partir de lo local se generan los efectos agregados de poder, conformándose asimetrías sociales más amplias que, articuladas a las asimetrías locales, producen escisiones en el entretejido social. Tales asimetrías sociales agregadas pueden y, de hecho, es común que lo hagan, llegar a constituirse en verdaderas líneas de falla o de fractura en el socium, a lo largo de las cuales se alinean los diferentes polos – favorecidos y desfavorecidos – involucrados en las asimetrías sociales de que se trate en cada caso, según sea el patrón de interacción social concernido. Se llegan a conformar, entonces, verdaderos efectos de hegemonía social. Son las grandes asimetrías sociales, que reconocemos entonces como las grandes dominaciones globales, ya sean familiares, religiosas, educacionales, laborales, de género, de raza, de etnia, clasistas, de las prácticas bioéticas etc. etc. etc. Son los ya más familiares macro-poderes, presencia inequívoca en el socium, evidente en sus macro-correlaciones de fuerzas y macro estrategias, que no son otra cosa que los efectos globales de aquellos poderes locales, con sus co-relaciones locales de fuerzas y sus estrategias locales mucho menos evidentes y, por lo mismo, menos reconocibles. Tales macro-poderes y macro-resistencias surgen, a menudo, incluso sin que los poderes y resistencias locales hayan sido considerados seriamente o mismo percibidos socialmente. Es cuando nos preguntamos, de súbito, ¿pero, y cómo nos pudo pasar eso? Con frecuencia la respuesta a esta interrogante llega ya demasiado tarde2. Es curioso, pero innegable que, una 2 Caso paradigmático de ello lo tenemos en el desenlace indeseado de la perestroika soviética, para quienes la llevaron a cabo con sinceros propósitos de re-estructurar aquél socialismo, en el propósito de hacerlo avanzar ulteriormente en un sentido democrático y socialmente enriquecedor para aquella sociedad. 138 Volume 1, n o 2, 2005 vez plasmadas, tales hegemonías sociales, por su propia masividad y evidencia, invisibilizan a los poderes y resistencias locales que las hicieron posibles y de los cuales surgieron. Al hablar, en las páginas anteriores, de la tejitura “anónima” del poder, nos hemos referido al sentido que le otorga el carácter extremadamente local de las miríadas de situaciones interactivas de co-presencia que suceden en un socium cualquiera. Como se trata de situaciones que co-existen, se vuelve imposible distinguirlas a todas desde su comienzo mismo, en sus manifestaciones primeras o en sus efectos primarios de poder. Pero no en el sentido de admitir que cada una de ellas no involucre - siempre - a determinadas personas: hombres y mujeres concretos y con su propia identidad individual, nombre y apellidos. La relevancia de esta circunstancia radica en que permite salirle al paso a objeciones, quizá bien intencionadas, pero muy simplistas, de que en semejante enfoque (y se menciona siempre a Foucault) del poder, éste como que cuelga del aire, no siendo ejercido por nadie en concreto. La articulación que hacemos del enfoque foucaultiano del poder con los patrones de interacción social de la vida cotidiana inmuniza nuestra argumentación contra semejantes críticas. Por otra parte, las ya aludidas asimetrías sociales, inherentes a una u otra situaciones de interacción social de co-presencia, son empíricamente descriptibles por la aplicación de metodologías cualitativas, ya ampliamente disponibles, para la indagación en el estudio de los escenarios sociales de que se trate en cada caso. En semejante contexto, esclarecido por la teoría social contemporánea, se vuelve particularmente problemática, sociologicamente hablando, cualquier aspiración a una inarticulación entre bioética y poder, entre poder bioético y poder político. Ética y Política Todo régimen social necesita de personas que, incluso en el nivel de la subjetividad, actúen en correspondencia con determinado ethos y cierta politeia: hombres y mujeres cuyo comportamiento sea pautado en consonancia a un conjunto de valores y reglas de conducta socialmente aceptadas, propiciadas por dicho régimen, y que tiendan a sostenerlo. La institucionalización de un régimen social se verifica precisamente en la construcción de los esquemas de permisividad y prohibiciones que plasman y afianzan al ethos y a la politeia. 139 Revista Brasileira de Bioética El ámbito institucional, una vez constituido, se erige como una especie de inconsciente colectivo que atraviesa transversalmente a todas las esferas de lo social - económico-productiva, sociológica, política y cultural signándolas con la particular dialéctica de mostrar/ocultar, decir/callar, propia de las instituciones con relación a lo que, en virtud de ellas, queda concomitantemente permitido o prohibido en el socium. En el Occidente, el ámbito institucional de la política remonta, en sus orígenes, a la Antiguedad ateniense (siglo V a.C.), en donde ya se planteaba la cuestión de la politeia como el problema de la constitución que asegurara la isonomía y la igualdad ante la ley. Eso, mutatis mutandi, llevó al surgimiento de una nueva forma de gobierno, el democrático, que constituía entonces creación eminentemente revolucionaria. Sin embargo, no debemos olvidar ni dejar pasar inadvertido el hecho de que tal forma de gobierno excluía de todo derecho político a las mujeres, a los extranjeros y a los esclavos - la aplastante mayoría de la población de Atenas. Semejante evidencia nos debe de servir como antídoto contra los intentos - frecuentes y casi siempre provenientes del norte desarrollado - de proponernos a los latinoamericanos y a los caribeños una democracia abstracta (sin apellidos), como si en algún lugar o tiempo haya existido tal, y una democracia concreta (con apellidos) que ha tenido efectivamente existencia, comenzando por la democracia para los nobles atenienses. El interés por tales cuestiones ha ido constituyendo el saber político: el origen de la reflexión política que se desarrollaba en el seno de la filosofía del tiempo de Péricles. En la filosofía ateniense, incluso en el pensamiento socrático y aristotélico, no se admitía la posibilidad de la vida social si no fuera ésta dirigida al conocimiento de lo justo, lo bueno y lo bello - la única manera de llegar a la verdad. Lo bueno, lo bello, lo justo y lo verdadero eran considerados, entonces, las piezas de un sistema de valores que es, en su totalidad, irreductible a la sumatoria de sus partes: ellos se reclamaban y se sostenían recíprocamente. La razón teórica, propia de la reflexión cognitiva, era entonces inseparable de la razón práctica, propia de la acción política y del obrar moral. Ética y Política debían practicarse, por lo tanto, en el movimiento de una reciprocidad irreductible. La política - para las personas admitidas en su ámbito de ejercicio, para los no-excluidos - no podía ser pensada como una esfera de conocimientos y acciones desvinculada de los valores éticos. Esta articulación entre ética y política puede aún trazarse a lo largo del Medioevo, si bien que refractada, en el Occidente, por la subordinación 140 Volume 1, n o 2, 2005 de la filosofía a la teología, de la razón a la fe; en fin, de los asuntos terrenales y carnales a los celestiales y divinos. Ya en la Modernidad - y en el pensamiento de Kant, uno de sus mayores filósofos - la ética y la política institucionalizadas, correspondientes al ethos y a la politeia de la burguesía en ascenso, mantuvieron similar relación de imbricación mútua. Los seres humanos no sólo eran los sujetos del conocimiento; eran también los sujetos de la moralidad. No sólo aspiraban a la verdad sobre el reino natural, sino también al conocimiento del mundo moral, que no es otro que el reino de los fines. Kant llamaba cultura a la capacidad o disposición de los seres humanos de proponerse fines a su arbitrio. Como se ve, la ética y la política siguieron marchando juntas. Tal unidad, en las sociedades burguesas de la modernidad temprana, se había extendido, aunque fuese indiferente al conocimiento de los fines y de los valores morales. Ninguna de las dos - ni la ética, ni la política - se ubicaban hacia afuera de la esfera de la racionalidad. Aunque no siempre ni en todo lugar haya sido admitida por todos, la unidad entre la ética y la política es una conquista cardinal que debe ser salvaguardada; bien como propiciada, en su extensión, a todo ámbito posible. Y eso no apenas formalmente, como lo hace la burguesía con su proverbial hipocresía y el doble discurso de la clase explotadora, sino que respondiendo a un contenido real y concreto. No todas las épocas han podido, sin embargo, lograrlo. A partir de Kant, se produce una escisión entre la razón teórica y la razón práctica. Como tal, la escisión es profundizada ulteriormente cuando del surgimento, en el siglo XIX, de una racionalidad instrumental. Ésta, incorporada por la política en nuestra contemporaneidad posmoderna, ha producido una ruptura dentro del ámbito propio de la razón práctica, rompiéndose así la unidad entre lo ético y lo político. Con la revolución industrial, y la subsiguiente revolución técnicocientífica, cúspides del acelerado avance en las ciencias naturales a lo largo de los siglos XVIII, XIX y XX, se ha ido produciendo una alianza cada vez más estrecha entre la ciencia, sus resultados técnicos y su implementación tecnológica en la industria. Así surgió el modo tecnológico de producción fabril-mecanizado de los bienes materiales, marcando la madurez del sistema capitalista y el inicio del proceso de transformación de la ciencia en fuerza productiva directa, que ha llegado, hoy, a fases ulteriores y más significativas. En la segunda mitad del recién finalizado siglo XX, y aún más aceleradamente en el siglo recién iniciado, cabalgamos en un proceso de 141 Revista Brasileira de Bioética globalización inevitable, pero que es, en su acepción estrictamente neoliberal, aún evitable. Frente a tal constelación de circunstancias, el “yo pienso” deja de ser una proclama crítica para convertirse en una razón humanamente empobrecida, aunque poderosa. Una razón que se limita a ofrecer el conocimiento de los medios científicos más apropiados para alcanzar, de forma eficaz, a determinados fines, propios de las empresas, de los Estados y de los que financían a aquellas y a éstos. Dirigidos básicamente a formular prescripciones técnicas con relación a prognósticos, tales fines fundamentan a la razón instrumental. Tal escisión entre la ética y la política se debe al abandono de la racionalidad crítica. El mejor antídoto para evitar tal escisión es, entonces, la recuperación de la razón crítica por parte del pensamiento contemporáneo, incluyendo al pensamiento bioético. Junto a la bioética (especialmente la que se orienta hacia una bioética global o profunda, de índole potteriana), otras direcciones de pensamiento y práxis, como el ambientalismo holista y la teoría o enfoque de la complejidad, intentan articular un saber transdiciplinario, holista y no lineal. Éste, a través de sus más lúcidos representantes, puede coadyuvar a la recuperación de una racionalidad crítica y a la subsiguiente conformación de un nuevo ideal - no clásico - de racionalidad (SOTOLONGO, Op.cit.). Bioética y Política: a modo de conclusiones La bioética es una criatura dimanada de las contradictorias realidades del recién terminado siglo XX. Aún no resueltas, tales contradicciones persisten en el presente siglo, vinculadas a la reflexión y las prácticas vigentes acerca de la inserción de la subjetividad, de los valores y de los intereses sociales tanto en las tomas de decisión atañentes a la vida como en las estrategias para su apropiación. La complejidad de las problemáticas bioéticas se desplaza del terreno ascético de la vieja epistemología de primer orden, en la que se concebía a lo bioético como totalidad conformada por un espacio teórico constituido por diferentes paradigmas al interior de este saber bioético. Ha adentrado el campo de la nueva epistemología, de segundo orden. La reflexividad del bioeticista para con lo bioético y las articulaciones de poder/saber bioéticos constituyen estrategias diferenciadas de apropiación cognitiva crítica de las realidades bioéticas, indisolublemente imbricadas a las estrategias empoderantes (o 142 Volume 1, n o 2, 2005 desempoderantes), deseantes (de satisfacción o de privación) y discursivas (legitimadoras o deslegitimadoras). Éstas articulan las teorizaciones y los imaginarios sobre lo bioético con las prácticas y con los discursos de apropiación, producción y transformación bioéticos, orientados o bien por los principios de la sustentabilidad de la vida o bien por su depredación. Lo bioético no constituye una mera articulación entre ciencias en una totalidad objetiva de conocimientos. Se trata de una articulación de conocimientos, valores y estrategias en un campo antagónico (contradictorio) de intereses sociales en conflicto, de identidades sociales diferenciadas, de relaciones sociales de alteridad. Lo bioético constituye, así, un campo social conflictual atañente al desarrollo sustentable de la vida en todas sus manifestaciones, vegetal, animal y humana. Este campo tiene un fuerte e indefectible asidero en las contradictorias - por injustas - realidades del mundo en el que nos ha tocado vivir. Son estas realidades contradictorias las que otorgan a la práctica bioética su sentido más legítimo. Los sentidos a plasmar de lo bioético son eminentemente contextuales. Dependen de contextos materiales, culturales, económicos, sociales y políticos específicos, bien como de las historias de vida de quienes los construyeron. Así, se pueden distinguir, grosso modo, dos sentidos diferenciales y diferenciables de lo bioético: una bioética del consenso social, concomitante con una política bioética dirigida a conciliar intereses dentro del status quo social, obviando contradicciones sociales insalvables; y una bioética de las contradicciones sociales, concomitante con una política bioética orientada a revelar las contradicciones de intereses y a subvertirlas en aras de promover la justicia y la equidad sociales. Una bioética no articulada con la política - apolítica - resulta no ser otra cosa más que un determinado posicionamiento político dentro del movimiento del bioeticismo latinoamericano y caribeño. Si tal posicionamiento se constituye ya como ingenuo o como avisado, es una cuestión a resolver caso por caso. La defensa de una bioética apolítica es, así, un posicionamiento político que tributa objetivamente a favor de una conciliación de intereses dentro del status quo social vigente. Cuando se trata de intereses conciliables, acierta. Cuando se topa, más temprano que tarde, con intereses sociales inconciliables - como en el caso de la explotación, la marginación, la exclusión social imperantes a lo largo y ancho de nuestra región latinoamericana y caribeña – yerra, y no puede no errar. Por otra parte, una bioética de las contradicciones sociales latinoamericanas y caribeñas, articulada con la política, constituye el 143 Revista Brasileira de Bioética posicionamiento político dirigido a revelar las contradicciones de fines, intereses, necesidades e interpretaciones bioéticamente relevantes en nuestro ámbito regional. Los intentos de construcción de una bioética demarcada de la política nos recuerdan a aquella pretensión de afirmarse como “ser apolítico” que, estoy seguro, más de una vez hemos todos escuchado. Como si “ser apolítico” no constituyera, desde un principio, un posicionamiento tan politizado como otro cualquiera. Referências Bibliográficas GARRAFA, V. Multi-inter-transdisciplinaridad, complejidad y totalidad concreta en bioética. In: Garrafa,V.; Kottow, M. & Saada, A. (orgs.). Estatuto epistemológico de la bioética. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM / UNESCO: 6786, 2005. GARRAFA, V. & PORTO, D. Intervention bioethics - a proposal for peripherial countries in a context of power and injustice. Bioethics, 17 (5-6): 399-416, 2003. KOTTOW, M. Por una ética de protección. Revista de la Sociedad Internacional de Bioética, 11: 24-34, 2004. ____________. Bioética y biopolítica. Revista Brasileira de Bioética, 1 (2):110-121, 2005. SOTOLONGO, P. Complejidad social y vida cotidiana. Revista Emergence (número doble especial dedicado ao 1er. Seminario Bienal Internacional Complejidad, La Habana, enero del 2002). E. U. A., septiembre, 2002. ______________. Bioética y complejidad. El tema de la complejidad en el contexto de la bioética (La bioética, su estatuto epistemológico y el nuevo ideal de racionalidad). In: Garrafa, V.; Kottow, M. & Saada, A. (orgs.) Estatuto epistemológico de la bioética. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM / UNESCO: 95-124, 2005. Recebido em 16/6/2005 Aprovado em 28/7/2005 144 Volume 1, n o 2, 2005 BIOÉTICA DAS INSTITUIÇÕES PIONEIRAS - PERSPECTIVAS NASCENTES AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE Bioethics of the pioneer institutions - rising perspectives connected to the challenges of contemporary Leo Pessini Centro Universitário São Camilo, São Paulo, Brasil. [email protected] Resumo: Este artigo divide-se em duas seções que serão apresentadas sequencialmente aqui e no próximo volume da RBB. Nesta primeira seção analisase o pioneirismo de Van Rensselaer Potter, conhecendo a pessoa, seu legado intelectual, sua concepção de ciência e religião juntas com o objetivo de garantir o futuro da vida no planeta terra, o seu credo bioético e uma apreciação crítica de sua obra a partir de dois de seus discípulos, Gerald M. Lower e Peter J. Whitehouse. Palavras-chave: Bioética. Ciência. Religião. Ecologia. Abstract: This article is divided in two sessions that will be presented here and in the next volume of RBB. In the first one, the pioneeiring work of Van Renselaer Potter is analised, considering to some important aspects of his personal history and outstanding academic work. One special issue is the discusson on the relation between science and religion in the quest for global survival of humankind and bioesfere. Potter´s bioethical creed for individuals is presented as well as an critical apraisal from two of Potter´s followers, Gerald M. Lower e Peter W. Whitehouse. Key words: Bioethics. Science. Religion. Ecology. 145 Revista Brasileira de Bioética A bioética consolidou-se com uma espetacular história de sucesso, especialmente quando se considera seu pouco tempo de existência. Há apenas 35 anos do surgimento do neologismo bioethics, pela intuição de Van Renselaer Potter e pouco mais de duas décadas da fundação dos primeiros institutos de bioética estadunidense - o Kennedy Institute em Washington e o Hastings Center em Nova York - é utilizada em todo mundo, conquistando adeptos e o respeito de eminentes estudiosos. Após o estabelecimento de inúmeros institutos e programas em universidades em todo o mundo, estamos entrando em nova fase, com a implantação dos primeiros mestrados e doutorados na área. Fazer uma prospecção do futuro relacionando-a às origens da bioética é o desafio enfrentado neste texto. Dividido em duas partes, iniciamos com o resgate da figura pioneira de Potter, apresentando a pessoa, seu legado intelectual, o credo bioético potteriano, além da apreciação crítica de dois de seus discípulos, Gerald Lower e Peter J. Whitehouse. Na segunda parte do texto, que será apresentada no próximo volume, discorreremos sobre a Enciclopédia de Bioética (Encyclopedia of Bioethics), obra fundamental e referencial da bioética nascente e contemporânea, comentando sua concepção, sua evolução ao longo do tempo nas três edições de 1978, 1995 e 2004. Traçaremos uma caminhada com o idealizador e editor-chefe das duas primeiras edições, Warren Thomas Reich, da Universidadee de Georgetown, conferindo atenção especial à última edição da Enciclopédia, levantando com seu editor-chefe, Stephen Post, algumas das questões candentes da bioética atual. O Pioneirismo de Potter Conhecendo a pessoa Nascido no Estado da Dakota do Sul em 27 de agosto de 1911, Potter faleceu em 6 de setembro de 2001, em Madison, pequena cidade do Estado de Wisconsin, no meio-oeste dos Estados Unidos, ao completar 90 anos, deixando esposa, três filhos, seis netos e duas irmãs. De seu avô, que morreu de câncer um ano antes de seu nascimento, aos 51 anos, herdou o nome, vindo a se chamar Van Rensselaer Potter II. Desde a morte de sua mãe em um acidente de carro quando tinha sete anos de idade, Potter passou a ser muito ligado ao pai. Por ocasião de seu falecimento recebemos um comunicado de sua neta Lisa Potter, que trabalhou muito perto do avô, entre 1994-1997, 146 Volume 1, n o 2, 2005 auxiliando-o nas publicações de bioética e em conferências. Nesse comunicado ela relata: “Lamentamos informar que Van faleceu ontem (6/09) às 5h20 da tarde. Ele estava confortável e a família mantinha-se presente ao lado do leito. Eu segurava sua mão quando exalou o último suspiro. Sei que ele sentiu o apoio e amor da família. Ele morreu logo após seu 90º aniversário e teve a chance de ver muitos membros da família. Sentiremos muito sua falta”. Como é amplamente conhecido, foi Potter quem cunhou o neologismo bioethics em 1970. Entretanto, chamá-lo de “pai da bioética”, como muitos fazem, seria um exagero, segundo alguns críticos, estudiosos da história da bioética. Não obstante, dizer que ele é somente autor do neologismo que batizou esse campo de estudo não seria uma afirmação justa, especialmente quando se considera sua envergadura moral, sua dedicação como pesquisador e pioneiro da bioética. Poucos dias antes de seu falecimento Potter deixou uma mensagem final, endereçada aos amigos da sua “rede de bioética global”. Nesta mensagem demonstra ressentimento pelo não reconhecimento de seu trabalho em bioética em seu próprio país: “Por um longo período de tempo, 1980-1990, ninguém reconheceu meu nome e quis ser parte de uma missão. Nos EUA houve uma explosão imediata do uso da palavra bioethics pelos médicos, que falharam ao não mencionar meu nome ou o título das minhas quatro publicações de 1970-1971. Infelizmente, a sua imagem da bioética atrasou o surgimento do que existe hoje”. (HARVARDSQUARELIBRAY, 2004). A biografia de Potter é particularmente relevante para a história de uma idéia - o conceito de autonomia - que desempenha até hoje papel predominante na ética biomédica norte-americana. De acordo com essa visão, que pautou seu comportamento pessoal e profissional, antes de enfocar direitos individuais deve-se enfatizar responsabilidades pessoais. Seguindo fielmente essa assertiva, Potter não só elaborou, mas viveu seu credo de ativista, formulado a partir da responsabilidade social e ambiental. Como bioeticista virtuoso que foi, não apenas viveu sua visão de bioética, como também conclamou outros a fazê-lo, alertando que, para merecer ser chamado de bioeticista se deve seguir tal credo, que apresentaremos na íntegra neste 147 Revista Brasileira de Bioética texto. A forte ênfase na ética das virtudes destaca-se na bioética potteriana, que adquire um tom quase de pregação. Potter era considerado um distinto membro da Sociedade Unitariana de Madison (Unitarian Society of Madison), organização de inspiração cristã que segue o espírito de Jesus de Nazaré e defende a perspectiva de uma religião liberal. Trata-se de uma associação aberta, em que o ateu honesto pode se declarar como tal, sem nenhum medo, bem como o crente piedoso falar de sua ligação pessoal com o universo e com Deus sem embaraço. Os unitarianos constituem-se uma confraria de livre pensamento em que são aceitos como membros “... pessoas de todas as opiniões teológicas, que desejam se unir a nós na promoção da verdade, justiça, reverencia e caridade entre os homens” (HARVARDSQUARELIBRAY, Op. Cit.). Entre os objetivos dessa organização, destaca-se o primeiro, que diz respeito à integridade de vida, que significa a totalidade (wholeness). Para as pessoas de genuína integridade, todos os objetivos e questões de vida estão interrelacionados. Na página virtual desse grupo lê-se textualmente: “... a única exigência que fazemos e que esperamos é que sejamos honestos conosco mesmos e com os outros” (HARVARDSQUARELIBRAY, Op. cit.). Embora não haja nenhuma menção à ligação entre a visão de Potter e a organização dos unitarianos, é perceptível a profunda associação entre o credo bioético potteriano e a filosofia dessa organização. Potter doutorou-se em bioquímica e trabalhou mais de 50 anos na Universidade de Wisconsin, nos Laboratórios MacArdle para a pesquisa de câncer, aposentando-se em 1982. Sua contribuição original sobre a compreensão do metabolismo das células cancerígenas foi reconhecida, contribuindo para sua eleição para a Academia Nacional de Ciências. Foi presidente da Sociedade Americana de Pesquisa sobre o Câncer em 1974, além de ter atuado em inúmeras outras organizações científicas de grande prestígio nos EUA. Após sua aposentadoria, Potter praticamente passou a residir em sua casa de campo, localizada em meio a um bosque, nas cercanias de Madison. Ali recebia amigos e estudantes na varanda de madeira rústica, sentindo-se em comunhão com a natureza. Nos últimos anos de vida, dedicou-se ao cuidado de sua esposa, Vivian, tragicamente deficiente em decorrência de artrite. Por opção, deixa de viajar e dar conferências pelo mundo afora, ficando junto a sua companheira. A última viagem que realizou ao exterior foi em 1990 para a Itália, a convite de Bruneto Chiarelli, professor de antropologia da Universidade de 148 Volume 1, n o 2, 2005 Florença, quando falou sobre Bioética Global. Estava com 79 anos, e quase não mais viajava, embora recebesse inúmeros convites para participar de eventos de bioética, para os quais enviava vídeos de suas três palestras: palestra sobre Bioética Global, em 1998, por ocasião do IV Congresso Mundial de Bioética, em Tóquio a convite de Hyakuday Sakamoto; palestra para o Congresso Mexicano de Bioética, em 1999, a convite do falecido Manuel Velasco Suarez; e palestra para o Congresso Internacional de Bioética, em 2000, organizado pela Sociedade Internacional de Bioética (SIBI) na Espanha, a convite de Marcelo Palácios. Uma resolução elaborada pelo corpo docente da Universidade de Wisconsin em memória de Potter destaca a importância de sua vida profissional como pesquisador e professor de oncologia no Laborátório McArdle de Pesquisa de Câncer, durante mais de 50 anos, e enfatiza a importância da fase final de sua vida, justamente os últimos 30 anos dedicados à bioética: “...sua maior contribuição para a comunidade científica são os mais de 90 doutorados que orientou e estudantes de graduação que inspirandose nele, muitos tornaram-se proeminentes em vários campos da ciência, sendo que um deles foi agraciado com o Prêmio Nobel. (....) Para Van a ciência, não era um ´trabalho´ mas, uma experiência ética, apaixonada e criativa. Além do mais, ele não separava o cientista do processo científico ou o cientista do contexto social do empreendimento científico. Esta filosofia, motivado pelo seu conceito de ‘humildade com responsabilidade’, o conduziu à fase final de sua produtiva carreira” (MCARDLE, 2002). Potter é lembrado por seus colegas de docência na universidade como “um ser humano iluminado, preocupado com o cuidado humano de tudo, para que todos pudessem viver, não numa utopia, mas em um mundo esteticamente belo e sustentável, uma vida satisfatória e feliz” (MCARDLE, Op. cit). O legado intelectual Potter, que chamou a bioética de “ciência da sobrevivência humana”, traçou uma agenda de trabalho para a mesma que vai desde a intuição da criação do neologismo em 1970, até a possibilidade de encarar a bioética como uma disciplina sistêmica ou profunda em 1988. É interessante recordar 149 Revista Brasileira de Bioética alguns momentos mais importantes deste itinerário, iniciando pela história do surgimento do neologismo bioética (POTTER, 1971). Nos anos 1970-71, Potter cunha o neologismo bioethics, utilizando-o em dois trabalhos: no artigo Bioethics, science of survival, e no livro Bioethics: bridge to the future. Esta publicação é dedicada a Aldo Leopold, renomado professor na Universidade de Wisconsin, que pioneiramente começou a discutir uma “ética da terra”. O termo apareceu na mídia em abril de 1971 quando a Revista Time publicou um longo artigo entitulado “Man into superman: the promisse and peril of the new genetics”, citando o livro de Potter. No termo bioética (do grego bios = vida e ethos = ética) o primeiro refere-se ao conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e o segundo relaciona-se ao conhecimento dos valores humanos. Potter almejava criar uma nova disciplina que propiciasse uma verdadeira e dinâmica interação entre o ser humano e o meio ambiente, perseguindo a intuição de Leopold e antecipando-se ao que hoje se tornou uma preocupação mundial, que é a ecologia. Na contracapa de Bioethics: bridge to the future, ele destaca: “Ar e água poluída, explosão populacional, ecologia, conservação - muitas vozes falam, muitas definições são dadas. Quem está certo? As idéias se entrecruzam e existem argumentos conflitivos que confundem as questões e atrasam a ação. Qual é a resposta? O homem realmente está colocando em risco o seu meio ambiente? Não seria necessário aprimorar as condições que ele criou? A ameaça de sobrevivência é real ou se trata de pura propaganda de alguns teóricos histéricos?” (POTTER, Op. cit.). “...Esta nova ciência, bioethics, combina o trabalho dos humanistas e cientistas, cujos objetivos são sabedoria e conhecimento. A sabedoria é definida como o conhecimento de como usar o conhecimento para o bem social. A busca de sabedoria tem uma nova orientação porque a sobrevivência do homem está em jogo. Os valores éticos devem ser testados em termos de futuro e não podem ser divorciados dos fatos biológicos. Ações que diminuem as chances de sobrevivência humana são imorais e devem ser julgadas em termos do conhecimento disponível e no monitoramento de ‘parâmetros de sobrevivência’ que são escolhidos pelos cientistas e humanistas” (POTTER, Op. cit.). Potter pensa a bioética como uma ponte entre a ciência biológica e a ética. Sua intuição consistiu em pensar que a sobrevivência de grande parte 150 Volume 1, n o 2, 2005 da espécie humana, numa civilização decente e sustentável, dependia do desenvolvimento e manutenção de um sistema ético. A respeito, afirma na introdução daquele livro: “Se existem duas culturas que parecem incapazes de dialogar - as ciências e humanidades - e se isto se apresenta como uma razão pela qual o futuro se apresenta duvidoso, então, possivelmente, poderíamos construir uma ponte para o futuro, construindo a bioética como uma ponte entre as duas culturas” (POTTER, Op. cit.). Anos depois, em 1998, ratificando suas convicções, Potter relata: “O que me interessava naquele momento, quando tinha 51 anos, era o questionamento do progresso e para onde estavam levando a cultura ocidental todos os avanços materialistas próprios da ciência e da tecnologia. Expressei minhas idéias do que, segundo meu ponto de vista, se transformou na missão da bioética: uma tentativa de responder à pergunta frente à humanidade: que tipo de futuro teremos? E temos alguma opção? Por conseguinte a bioética transformou-se numa visão que exigia uma disciplina que guiasse a humanidade como uma ‘ponte para o futuro’” (POTTER, 1998). É importante registrar que existe outro pesquisador que reivindica a paternidade do termo bioética. É o obstetra holandês, André Hellegers, da Universidade de Georgetown, que seis meses após a aparição do livro de Potter utiliza esta expressão no nome do novo centro de estudos: Joseph and Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics. Hoje esse centro é conhecido simplesmente como Instituto Kennedy de Bioética. No Instituto Kennedy, Hellegers conduziu um grupo de discussão de médicos e teólogos (protestantes e católicos) que viam com preocupação crítica o progresso médico e tecnológico, os quais apresentavam enormes e intrincados desafios aos sistemas éticos do mundo ocidental. Para Warren Thomas Reich, historiador da bioética e organizador das duas primeiras edições da Enciclopédia, o legado de Hellegers está no fato deste entender sua missão em relação à bioética como “uma pessoa ponte entre a medicina, a filosofia e a ética”. Este legado é o que acabou conquistando maior notoriedade, tornando-se hegemônico, fazendo da bioética um “estudo revitalizador da ética médica” (REICH, 1995). 151 Revista Brasileira de Bioética Potter não deixou de expressar sua decepção em relação ao curso que a bioética seguiu. Reconheceu a importância da perspectiva de Georgetown, porém afirmou que “minha própria visão da bioética exige uma visão muito mais ampla”. Pretendia que a bioética fosse uma combinação de conhecimento científico e filosófico e não, simplesmente, um ramo da ética aplicada, como foi entendida em relação à medicina. Seja como for, fica claro que desde o momento de seu nascimento, a bioética tem dupla paternidade e duplo enfoque, apontando perspectivas distintas: os problemas da macrobioética, com inspiração na perspectiva de Potter; e, os conflitos da microbioética, ou bioética clínica, com clara inspiração no legado de Hellegers. Em 1988 Potter amplia sua visão da bioética em relação a outras disciplinas, não somente como ponte entre a biologia e a ética, mas alçandoa à dimensão de uma Ética Global: “A teoria original da bioética era a intuição da sobrevivência da espécie humana, numa forma decente e sustentável de civilização, exigindo o desenvolvimento e manutenção de um sistema de ética. Tal sistema (a implementação da bioética ponte) é a Bioética Global, fundamentada em intuições e reflexões fundamentadas no conhecimento empírico proveniente de todas as ciências, porém, em especial do conhecimento biológico... Na atualidade este sistema ético proposto segue sendo o núcleo da bioética ponte com sua extensão para a Bioética Global, o que exigiu o encontro da ética médica com a ética do meio ambiente numa escala mundial para preservar a sobrevivência humana” (POTTER,1988). Em suas palavras finais no vídeo apresentado em Tóquio no IV Congresso Mundial de Bioética, traça a agenda dos desafios futuros da bioética: “À medida que chego ao ocaso de minha experiência sinto que a bioética ponte, a bioética profunda e a Bioética Global, alcançaram o umbral de um novo dia que foi muito além daquilo que eu imaginei. Sem dúvida, necessitamos recordar a mensagem do ano de 1975 que enfatiza a humildade com responsabilidade com uma bioética básica, que logicamente segue da aceitação de que os fatos probabilísticos, ou em parte a sorte, têm conseqüências nos seres humanos e nos sistemas viventes. A humildade é a conseqüência característica que assume o ‘posso estar equivocado’, e exige a responsabilidade de aprender da experiência e do conhecimento disponível. Concluindo, o que lhes peço é 152 Volume 1, n o 2, 2005 que pensem a bioética como uma nova ética científica que combina a humildade, responsabilidade e competência, numa perspectiva interdisciplinar e intercultural e que potencializa o sentido de humanidade” (CONGRESSO MUNDIAL DE BIOÉTICA. 4, 1998). Naquela mesma palestra fala também de Hans Küng, célebre teólogo católico, mundialmente conhecido, da Universidade de Tubinguen, na Alemanha, lembrando que este já havia chamado atenção para uma ética global, voltada à política e economia, em relação a qual todas as nações e povos das mais diferentes tradições culturais e crenças deveriam se responsabilizar. Ressalta que o coração da ética global de Küng está no humano, o que lhe parece louvável, e que, embora essa ética global não seja bioética, seus preceitos básicos parecem totalmente aceitáveis, podendo ser seguidos por todos. Sublinha, porém, que esta perspectiva não é suficiente, pois é preciso explicitar o respeito pela natureza e pelas diferentes culturas, para além das culturas judaica e cristã. Em 1998, Potter expõe a idéia da Bioética Profunda, retomando o pensamento de Whitehouse, da Universidade de Cleveland. O trabalho de Whitehouse incorporou os avanços da biologia evolutiva, em especial o pensamento sistêmico e complexo que comporta os sistemas biológicos. A Bioética Profunda pretende entender o planeta como locus de grandes sistemas biológicos entrelaçados e interdependentes, cujo centro já não corresponde ao homem, como em épocas anteriores, mas à própria vida, sendo o homem somente um pequeno elo nesta grande rede. Ciência e religião juntas frente ao desafio ético de garantir o futuro da vida Em artigo publicado na revista The Scientist com o sugestivo título A ciência e a religião devem partilhar da mesma busca em relação à sobrevivência global Potter afirma que não podemos mais ficar confortáveis com a idéia de que no futuro - se as coisas piorarem - a ciência terá as respostas. Para ele o momento de agir e provar nossa competência ética, bem como técnica, é agora: “Uma questão central para os nossos esforços deve ser a promoção do diálogo entre a ciência e a religião em relação à sobrevivência humana e 153 Revista Brasileira de Bioética da biosfera. Durante séculos, a questão dos valores humanos foi considerada como estando para além do campo científico e propriedade exclusiva dos teólogos e filósofos seculares. Hoje devemos sublinhar que os cientistas, não somente têm valores transcendentes, mas também os valores que estão embutidas no ethos científico, necessitam ser integrados com aqueles da religião e filosofia para facilitar processos políticos benéficos para a saúde global do meio ambiente” (POTTER, 1994). Na busca de companheiros para a causa, registra que muitos livros e artigos abordam os problemas do meio ambiente e saúde humana, mas relativamente poucos enfocam a questão da sobrevivência da espécie humana no futuro. Entre estes destaca a obra de Hans Jonas, The imperative of responsibility: in search of an ethic for the technological age; a do sociólgo Manfred Stanley, The technological conscience: survival and dignity in an age of expertise; e a Declaração para uma Ética Global do já citado Küng, mentor e redator documento final, apresentado no Parlamento Mundial das Religiões, que se reuniu em Chicago em 1993 (KÜNG & SCHMIDT, 1998). É sobre este último que Potter tece comentários, relativos à construção da ponte entre ciência e religião. Criticando a perspectiva da Ética Global de Küng, afirma que no cerne da moral religiosa por este defendida não está incorporada a preocupação com o rápido crescimento populacional. Destaca que dentre os seguidores das maiores religiões mundiais, em particular o catolicismo e o islamismo, estão as populações que mais contribuem para a atual e assustadora taxa de crescimento populacional. Segundo Potter, somente a ciência tem as técnicas para analisar mudanças populacionais e seu impacto. Ao formular sua Ética Global, Küng apontou uma questão chave para a sobrevivência humana, idéia que nenhum outro teólogo até então sequer tinha mencionado. Embora outros líderes religiosos tenham proclamado que a vida é sagrada e defendido os direitos humanos, somente Küng colocou a sobrevivência humana na agenda da reflexão ética. Os cientistas, por sua vez, há muito tempo abraçaram o desafio do bem estar humano e implicitamente a sobrevivência humana; portanto, estão credenciados para colaborar na causa pela sobrevivência humana e da biosfera. Potter vai além ao dizer que não somente os teólogos, mas também os filósofos seculares falharam em pensar sobre a sobrevivência humana e da biosfera como uma questão ética. Restritas a relações interpessoais ou sociais entre os humanos, tais reflexões excluíram questões que para ele são fundamentais, relacionadas ao crescimento populacional e aos problemas 154 Volume 1, n o 2, 2005 ecológicos. Como ponto importante da famosa Declaração sobre Ética Global Potter destaca: não pode haver sobrevivência sem uma ética mundial, e não existirá paz mundial sem a paz entre as religiões e uma aliança entre crentes e não-crentes (ateus, agnósticos e outros) respeitando-se mutuamente, pode também ser necessária para a concretização de uma ética mundial comum a todos os humanos. A respeito enfatiza: “Os cientistas devem aplaudir os esforços de Hans Küng ao apontar para construção de uma aliança reconciliatória entre crentes e aqueles que não são fundamentalmente caracterizados como religiosos, incluindo entre estes, penso, a maioria dos cientistas. Precisamos unir as forças frente à responsabilidade global da sobrevivência humana e seu apelo pelo ‘respeito mútuo’, é necessário para uma ética mundial comum” (POTTER, Op. cit.). Em vários trabalhos Potter manifesta profunda preocupação com o rápido crescimento da população mundial, lembrando que os demógrafos projetam a duplicação da população em meados do século XXI. A abordagem desta questão revela seu lado de militante obcecado com a questão populacional, que não deixa de ter um viés um tanto alarmista. Suas constantes assertivas no sentido de interromper o crescimento populacional, tornam-se ironicamente visíveis na placa de seu velho carro, YES ZPG (Zero Population Growth), que significa “Sim, crescimento populacional zero” (WHITEHOUSE, 2001). Sabe-se hoje, que a questão demográfica tem uma série de novos fatores, cruciais e preocupantes, que Potter sequer mencionou. No seu credo bioético Potter explicita que o compromisso em relação à saúde pessoal e familiar se expressa no sentido de limitar os poderes reprodutivos de acordo com objetivos, nacionais e internacionais. Pensando que o problema da superpopulação não pode ser resolvido enquanto as maiores religiões se opuserem a qualquer tentativa de limitar a fertilidade, deixa claro que o diálogo entre ciência e religião não é fácil. Tal constatação gera o questionamento sobre a possibilidade de construir um consenso sobre o assunto e a aceitação dessa diretriz política pelos governos: a busca por uma ética mundial, partilhada tanto pela religião como pela ciência não poderia ser expressa em princípios concretos para a ação? Para ele a inquietação angustiante desta busca permanece sem resposta, pois não há certeza de que se possa encontrar solução satisfatória para tais questões, ao menos no presente momento histórico. 155 Revista Brasileira de Bioética Sintetizando as questões chave do diálogo entre ciência e religião, vale destacar o que Potter diz a propósito da Declaração das Religiões sobre uma Ética Global: “Estamos conscientes de que as religiões não podem resolver os problemas econômicos, políticos e sociais da terra. Contudo, elas podem prover o que não podemos conseguir através dos planos econômicos, programas políticos e regulamentações legais. As religiões podem causar mudanças na orientação interior, na mentalidade, nos corações das pessoas e levá-las para uma ´conversão` de um ´falso caminho’ para uma nova orientação de vida. As religiões contudo, são capazes de dar às pessoas um horizonte de sentido para suas vidas e um lar espiritual. Certamente as religiões podem agir com credibilidade somente quando eliminarem os conflitos que surgem entre elas mesmas e desmantelarem imagens hostis e preconceitos, medos e desconfiança mútuas” (POTTER, Op. cit.). Esse trecho demonstra a profunda compreensão de Potter em relação à ciência e à religião, apontando um caminho para aplacar a longa batalha histórica que travam pela hegemonia sobre a verdade. Cada uma delas, quando em posição hegemônica, tenta negar a outra, restringindo a possibilidade dos seres humanos alcançarem verdadeira compreensão (PETERS & NENNETT, 2003). A visão de Potter, à qual fazemos coro, mostra que agora ambas precisam caminhar juntas, de mãos dadas, em função de um objetivo maior, uma causa que interessa a toda a humanidade: garantir o futuro da vida, humana e cósmico-ecológica, no planeta terra. Nesse sentido, um dos documentos mais reveladores da personalidade e das convicções de Potter, que fez da bioética sua causa de vida, se expressa no chamado credo bioético. O credo bioético de Potter 1. Creio na necessidade de uma ação terapêutica imediata para melhorar este mundo afligido por uma grave crise ambiental e religiosa. Compromisso: Trabalharei com os outros para aperfeiçoar a formulação de minhas crenças, desenvolver credos adicionais e procurar um movimento mundial que torne possível a sobrevivência e o aprimoramento do 156 Volume 1, n o 2, 2005 desenvolvimento da espécie humana em harmonia com o meio ambiente natural e com toda a humanidade. 2. Creio que a sobrevivência futura bem como o desenvolvimento da humanidade, tanto cultural quanto biológico, é fortemente condicionado pelas ações do presente e planos que afetam o meio ambiente. Compromisso: Tentarei adaptar um estilo de vida e influenciar o estilo de vida dos outros, bem como ser promotor para um mundo melhor para as futuras gerações da espécie humana, e tentarei evitar ações que coloquem em risco seu futuro, ao ignorar o papel do meio ambiente natural na produção de alimentação e fibras. 3. Creio na unicidade de cada pessoa e na sua necessidade instintiva de contribuir para o aprimoramento de uma unidade maior da sociedade, de forma que seja compatível em longo prazo com as necessidades da sociedade. Compromisso: Ouvirei os pontos de vistas dos outros, sejam estes de uma minoria ou de uma maioria, e reconhecerei o papel do compromisso emocional em produzir uma ação efetiva. 4. Creio na inevitabilidade do sofrimento humano que resulta da desordem natural das criaturas biológicas e do mundo físico, mas não aceito passivamente o sofrimento que é resultado do tratamento desumano de pessoas ou grupos. Compromisso: Enfrentarei meus próprios problemas com dignidade e coragem. Assistirei aos outros na sua aflição e trabalharei com o objetivo de eliminar todo sofrimento desnecessário à humanidade. 5. Creio na finalidade da morte como uma parte necessária da vida. Afirmo minha veneração pela vida, creio na necessidade de fraternidade agora, e que também que tenho uma obrigação para com as futuras gerações da espécie humana. Compromisso: Viverei de uma forma tal que será benéfica para as vidas de meus companheiros humanos de hoje e do futuro, e que serei lembrado com carinho pelos meus entes queridos. 6. Creio que a sociedade entrará em colapso se o ecossistema for danificado irreparavelmente, a não ser que se controle mundialmente a fertilidade humana, devido ao aumento concomitante na competência de seus membros para compreender e manter a saúde humana. Compromisso: Aperfeiçoarei as habilidades ou um talento profissional que contribuirão para a sobrevivência e aprimoramento da sociedade e manutenção de um ecossistema saudável. Ajudarei os outros no desenvolvimento de seus talentos potenciais, mas ao mesmo tempo cultivando o autocuidado, auto-estima e valor pessoal. 157 Revista Brasileira de Bioética 7. Creio que cada pessoa adulta tem uma responsabilidade pessoal em relação à sua saúde, bem como, uma responsabilidade para o desenvolvimento desta dimensão da personalidade em sua descendência. Compromisso: Esforçar-me-ei por colocar em prática as obrigações descritas como compromisso bioético para a saúde pessoal e familiar. Limitarei meus poderes reprodutivos de acordo com objetivos, nacionais ou internacionais. Apreciação Crítica da Obra de Potter Gerald M. Lower Jr., um dos estudantes que completava seu doutorado nos Laboratórios McArdle quando Potter publicou seu livro pioneiro, observa o seguinte: “Naquele momento, Potter não estava imune da crítica dos pesquisadores locais por se aventurar numa área de filosofia e ética e não em seu laboratório” (LOWER, 2002). O que os críticos de seu trabalho viram como erro, justificando seu não envolvimento público, Lower viu como sendo uma profunda e significativa contribuição. Lower relata que o termo bioethics foi rapidamente assumido pela comunidade médica, como um rótulo para seu esforço de estabelecer padrões éticos para o exercício de uma medicina de alta tecnologia. Programas de bioética emergiram em muitas partes dos EUA e o neologismo popularizouse, sem que se mencionasse Potter ou sua publicação. Para tornar essa situação pior, o tipo de bioética promovida nos EUA, de cunho pragmático e não conceitual, realmente não tinha nenhuma relação com a vertente potteriana. Também Peter J. Whitehouse reconhece a pouca relação entre as duas maneiras de conceituar o termo bioethics. Para esse autor o conceito de bioética de Potter não influenciou o desenvolvimento da ética biomédica porque, desde o início, a identificação da palavra bioethics com o Instituto Kennedy inclinou seu uso à medicina clínica. Segundo esse autor, nos anos 1970 as pessoas estavam preocupadas com as implicações da tecnologia médica, particularmente tecnologia reprodutiva. Este enfoque das implicações éticas relacionadas às descobertas médicas sobre os valores humanos continua dominante na ética biomédica. A trágica falta de preocupação do sistema de saúde relacionado com a saúde pública e meio ambiente pode estar associada com as mesmas forças sociais que levaram Potter a não considerar na sua visão de bioética, questões de medicina de alta tecnologia, medicina genética, orientada pelas forças do mercado. Fazendo uma crítica dessa vertente da bioética elaborada em seu próprio país, Whitehouse afirma: 158 Volume 1, n o 2, 2005 “À medida que a população mundial cresce, as espécies animais continuam a ser eliminadas e preocupações com meio ambiente saudável toma cada vez mais vulto, o que provavelmente faz com que a perspectiva potteriana de bioética ganhe maior proeminência. Por outro lado, preocupações com a profissionalização da ética em torno de certos conceitos limitados de ética médica também continuarão. O enfoque sobre a autonomia individual, como um princípio ético dominante nos EUA, deve mudar para questões mais amplas, de responsabilidade comunitária e de cuidado com o meio ambiente” (WHITEHOUSE, 2003). Buscando resgatar a memória intelectual de Potter e reafirmar sua legitimidade como autor do termo bioethics, Whitehouse afirma logo no início de seu artigo: “Van Rensselaer Potter foi a primeira voz a emitir a palavra bioethics, mas ele é muito pouco apreciado pela comunidade bioética” (WHITEHOUSE, Op. cit.). Segundo este autor a maior contribuição de Potter deu-se no sentido conceitual e não factual, influenciando a maneira como vemos e pensamos as coisas e o mundo. Potter estava essencialmente preocupado com o desenvolvimento de uma ética que pudesse guiar o comportamento para permitir a sobrevivência da humanidade e de outras espécies. A bioética de Potter era explicitamente orientada para o futuro, como sugere o título de seu primeiro livro, no qual considera o desenvolvimento do campo da bioética como um aspecto essencial da sobrevivência humana. Para Whitehouse, os conceitos criados por Potter para explicar sua concepção de bioética são infinitamente mais poderosos que os fatos, mesmo que não tenham granjeado reconhecimento ou sido simplesmente ignorados pela comunidade biomédica norte-americana, marcada pela ideologia de mercado e sem uma filosofia biomédica coerente de base. Para ilustrar a grande habilidade de Potter em construir palavras para capturar conceitos complexos, Whitehouse relata que durante mais de cinco anos de trabalho conjunto pode observar várias ocasiões nas quais Potter construiu novos conceitos para descrever sua concepção de bioética. Os dois chegaram a cunhar juntos o termo deep bioethics em uma dessas ocasiões, buscando expressar a mistura entre ecologia profunda e Bioética Global: “Os ecologistas profundos nos pedem para refletir sobre nossas conexões espirituais com o mundo natural, como o fez Leopold, por exemplo, em seu famoso ensaio sobre olhar nos olhos de um lobo agonizante. Portanto, 159 Revista Brasileira de Bioética existe algo explicitamente espiritual em relação à ética de Potter que exige algum tipo de conexão sagrada aos sistemas naturais, talvez relacionado ao conceito de Wilson, de biofilia. Quando cunhamos o termo ‘bioética profunda’, tivemos o sentimento de eureka, justamente como Potter descreveu seu estado mental original, ao estar andando de bicicleta, quando teve o insight do termo bioethics” (WHITEHOUSE, Op. cit.). Whitehouse diz ainda que durante seu trabalho com Potter este também testou o termo priviledge ethics para enfocar os problemas que dividem os povos do mundo entre os que têm acesso aos recursos e à riqueza e os que não têm essa possibilidade de acesso. Relata que Potter também considerou o conceito de bridge ethics para focar a necessidade de conectar diferentes formas de ética médica, ambiental, social e religiosa. Já no final de sua vida trabalhava a perspectiva de desenvolver a noção de uma ética de sustentabilidade da vida humana e qualidade do meio ambiente com um grupo de bioeticistas internacionais, buscando organizar-se para criar um centro de bioética na Universidade de Wisconsin. Numa visão prospectiva, Whitehouse fala do renascimento da bioética, em termos de ir além das formulações originais de Potter: “O campo da bioética encontra-se hoje num estágio crítico de evolução, após trinta anos de desenvolvimento de programas de bioética. Encontrase numa fase de profissionalização, respondendo a demandas éticas do contexto clínico e consultoria bioética para a indústria biotecnológica, bem como no nível acadêmico organizacional surgem os primeiros departamentos e programas de doutorado na área” (WHITEHOUSE, Op. cit.). Contudo, na raiz de todos estes neologismos está a concepção original da própria bioética. O trabalho precursor de Potter preparou o caminho para que a bioética se estabelecesse a partir de uma perspectiva global. Neste sentido, Bridge to the future contém vários insights que são a base para a emergência de uma filosofia científica global que abraça não somente a evolução biológica, mas também acata a diversidade cultural. Assim, a Bioética Global deve ser percebida como uma metáfora que comunica a preocupação para com todo o planeta bem como a abrangência do sistema intelectual. Embora Potter fosse reconhecido como alguém sempre rápido em apontar que uma ética viável deve estar fundamentada num conhecimento científico de base, o que implica que uma ética global deve ser baseada numa filosofia 160 Volume 1, n o 2, 2005 global, foi somente em 1988, quando publicou Global Bioethics: Building on the Leopold Legacy, que seu trabalho ganhou rapidamente a admiração dos europeus, sendo paulatinamente reconhecido também entre os estadunidenses. Este trabalho é inspirado e dedicado a Aldo Leopold, pesquisador da mesma universidade na qual trabalhava (que não chegou a conhecer), que construiu o conceito de land ethics, uma articulação pioneira no ocidente de uma ética do meio ambiente. Além desses dois colaboradores, que trabalharam diretamente com Potter, consideramos necessário apresentar algumas observações de Warren Reich, sobre a importância de seu trabalho. Para Reich, Potter foi o primeiro a cunhar o termo bioethics em 1970 (REICH, 1995). Embora possamos discutir a respeito de um nascimento em dois lugares, parece claro que Potter cunhou, usou e publicou os termos antes do seu uso pelo Instituto Kennedy de Bioética. Embora seja interessante, a acurada reconstrução histórica feita por esse autor não é tão importante quanto as diferenças fundamentais entre as concepções de bioética de Potter e o que se tornou a forma dominante do pensamento corrente da ética biomédica. A ética de Potter era inspirada por uma compreensão aguda da biologia, bem como por uma profunda preocupação pessoal em relação à sobrevivência e sustentabilidade da vida no planeta. Embora Potter tivesse explorado as implicações clínicas de seu trabalho na bioética, estava mais preocupado com as relações básicas entre biologia e valores humanos, antes que com aquelas questões levantadas pelos avanços clínicos e científicos da medicina. O interesse de Potter em valores e biologia era prioritário devido seu conhecimento mais especifico da biologia do câncer e implicações do crescimento descontrolado das células e formas de vida em geral. Sua contribuição científica para compreender o metabolismo das células cancerígenas foi fundamental no sentido de capacitá-lo a compreender as complexidades dos sistemas biológicos e sua influência na vida humana. A esse respeito Whitehouse observa: “É tempo para os bioeticistas levantarem questões mais profundas sobre os objetivos da pesquisa e dos sistemas de saúde. Se considerarmos como um dos objetivos subjacentes da medicina o de promover a sobrevivência da humanidade e a vida no planeta, então o conceito potteriano de bioética merece um renascimento. Isto exigirá sabedoria, não ainda tão evidente em nossos sistemas de saúde. Potter realmente antecipou-se aos tempos ao definir a bioética como sendo uma ponte 161 Revista Brasileira de Bioética para o futuro, porque sem este pensamento bioético, do qual foi pioneiro, poderemos não ter um futuro” (WHITEHOUSE, Op. cit.). Se a perspectiva potteriana desde o início era abrangente, tornou-se cada vez mais ampla quando Potter desenvolveu a noção de Bioética Global. Como Reich aponta, o conceito “global” tem vários significados. O primeiro é a idéia que uma bioética precisa abranger as preocupações sobre os diversos ecossistemas e culturas humanas. A bioética de Potter era também intelectualmente ampla e incorporou uma variedade de domínios de deliberação ética, para além daqueles associados com medicina clínica. Porém, talvez a mais importante diferença entre a bioética de Potter e as outras formas de ética biomédica, seja o seu credo pessoal, especialmente porque esse conjunto de valores é vivido concretamente. Para ser um verdadeiro bioeticista, na perspectiva de Potter, é necessário adotar alguns comportamentos e decisões pessoais em relação ao cuidado com o meio ambiente, incluindo o uso dos recursos, o controle populacional e o compromisso com a sustentabilidade do planeta. Consoante à concepção de Potter, nos parece pertinente alertar para os efeitos devastadores de conflitos de interesse que podem vir a ocorrer se a bioética envolver-se e comprometer-se com questões mercadológicas. O ressurgimento da ética das virtudes pode renovar o interesse na visão de Potter, fortalecendo a idéia de que para alguém ser chamado de bioeticista é imprescindível adotar valores pessoais e comportamento, consistentes com o sistema intelectual de crença por ele desenvolvido. Nas origens da bioética temos a intuição original Potter e a obra referencial deste campo, que é a Enciclopédia de Bioética. Curiosamente, no curso histórico das origens é a perspectiva de Bioética de Georgetown (bioética médica, clínica) que vai produzir a Enciclopédia de Bioética, a qual praticamente ignorou Potter e sua perspectiva da Bioética Global. Porém, é do encontro destas duas vertentes que nasce a reflexão bioética dos últimos anos e a compreensão que temos hoje de bioética. Assim, neste resgate histórico fica claro que a reflexão potteriana sobre a bioética se antecipa a toda a problemática ecológica de hoje. Potter, lá nas origens da bioética na década de 1970, se antecipa e aponta para um dos maiores desafios que a humanidade tem neste início de milênio: garantir o futuro da vida no planeta terra. Resgatarmos sua contribuição intelectual para o campo da bioética é uma questão de justiça histórica. 162 Volume 1, n o 2, 2005 Referências Bibliográficas CONGRESSO MUNDIAL DE BIOÉTICA 4.Van Rensselaer Potter. O Mundo da Saúde. 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Recebido em 22/7/2005 Aprovado em 10/8/2005 163 Revista Brasileira de Bioética CLONACIÓN HUMANA REPRODUCTIVA, TERAPÉUTICA Y SOCIAL Reproductive, therapeutic and social human cloning José Maria Cantú Centro Universitario de Ciencias de la Salud de la Universidad Nacional Autónoma de México, México - D. F., México. [email protected] Diana Resendez Pérez Facultad de Ciencias Biológicas de la Universidad Autónoma de Nuevo León, Monterrey, México. [email protected] Ute Schmidt Osmanczik Instituto de Investigaciones Filológicas de la Universidad Nacional Autónoma de México, México D. F., México. [email protected] Resumen: El término clonación ha tenido diversos usos y significaciones. Después de describir los procesos de desarrollo y diferenciación celular y los primeros experimentos, pasamos al problema de la clonación humana propiamente dicha. Ésta, puede realizarse teniendo en vista dos finalidades: la reproductiva y la terapéutica. Sobre éstas, discutimos tanto las circunstancias que las justifican como las objeciones éticas, legales y sociales a estas prácticas. Discutimos también el impacto de la clonación en la fabricación de productos biofarmacéuticos, sus limitaciones y ventajas. Al fin, trazamos consideraciones éticas y sociales relacionadas al tema, sus perspectivas y límites éticos, denunciando la clonación social que se verifica en la reproducción del “paupericidio” y en la peligrosa homogenización propiciada por la masiva tecnología de la comunicación que pretende enseñarnos a vivir con lo inaceptable. Palabras-clave: Clonación humana. Clonación con fines reproductivos. Clonación con fines terapéuticos. Clonación social. Bioética. Derechos Humanos. Abstract: The term “cloning” has been used in many different ways. That can be undertaken for reproductive or therapeutic purposes. We present the circumstances that would justify those kinds of cloning as well as medical, legal and social objections related to these practices. We also discuss the impact of cloning in the manufacturing of biopharmaceutical products, including its limitations and advantages. At last, the article makes ethical and social considerations about this topic, its perspectives and ethical limits. The study denounces the social cloning that can be found in the reproduction of the genocide of the poor (“poorcide”) and also the dangerous homogenization made possible by the massive communication technology which intends to teach us how to live with the unacceptable. Key words: Human cloning. Reproductive cloning. Therapeutic cloning. Social cloning. Bioethics. Human Rights. 164 Volume 1, n o 2, 2005 E l término clonación procede del griego klon, que significa retoño, rama o brote. Inicialmente, fue utilizado para designar a un conjunto de plantas generado por multiplicación vegetativa, de manera que la población así obtenida conserva la información genética presente en la planta que le dio origen. Posteriormente, el concepto de clon se aplicó, por extensión, a poblaciones de células y organismos obtenidos mediante reproducción asexual. La palabra clonación también se ha utilizado para definir al procedimiento que lleva a la obtención de copias de moléculas de ADN (ácido desoxirribonucleico). En el presente trabajo, nos enfocamos a la clonación que implica la generación de uno o varios organismos a partir del núcleo de una célula somática obtenida de un donador, de forma que los organismos clonados son idénticos o casi idénticos al genoma original. En este proceso, se transfiere el núcleo proveniente de una célula somática de un donador a un óvulo al que previamente se le eliminó el núcleo (enucleación), para luego ser implantado en el útero de una hembra preparada para la gestación. El producto es casi idéntico al individuo donante. La diferencia podría deberse al genoma citoplásmico (mitocondrial) procedente del óvulo receptor y/o a las mutaciones somáticas producidas en la célula donante. La reproducción asexual constituye, en sí misma, una forma de clonación. En aquellos organismos que son capaces de reproducirse a partir de la división de una célula de un sólo individuo, la población generada compartirá información genética idéntica, a menos que ésta sea modificada por algún evento de mutación espontánea. Por otra parte, también es posible, aunque sea de rara frecuencia, la producción de clones de organismos superiores mediante reproducción asexual, como es el caso de la partenogénesis (“originado por una virgen”). En animales superiores, la única forma de reproducción es la sexual: en la que se unen dos células germinales o gametos (óvulo y espermatozoide), provenientes de cada uno de los padres, formando un huevo, o cigoto, que se desarrollará hasta constituir al organismo adulto. Este nuevo organismo contendrá el genoma proveniente de ambos gametos, es decir, una combinación de genes nueva y única. La reproducción sexual es el “invento” evolutivo que garantiza que, en cada generación, existan nuevas combinaciones de genes para incrementar la variabilidad genética de los diferentes organismos, necesaria en los procesos de la selección natural y la evolución. 165 Revista Brasileira de Bioética Desarrollo y Diferenciación Celular El desarrollo del embrión se inicia con la fertilización del óvulo por el espermatozoide, dando origen al cigoto o protoembrión unicelular. Éste sufre una serie de divisiones celulares, generándose células denominadas blastómeros. En las primeras divisiones, cada una de las células es totipotente, es decir, en forma individual, tienen la capacidad de dar lugar a un organismo completo. Estas primeras células del embrión son conocidas como células madre (también llamadas troncales, tallo, estaminales, seminales: son totipotenciales que pueden diferenciarse a cualquier tipo de célula somática. Después de cuatro divisiones celulares, y hasta la novena, las células madre pierden la capacidad de formar un organismo, pero pueden diferenciarse en cualquier tipo de célula, excepto placenta. Se les llama, ahora, pluripotenciales. Posteriormente, se forma el blastocisto, y de ahí en adelante las células madre pierden versatilidad, ya que reducen el número de tipos de célula en los que pueden diferenciarse. Se les conoce, ahora, como multipotenciales. Después de eso, se crea una capa externa, que genera el trofoblasto para dar origen a la placenta y a la masa celular interna, que formará las tres capas de tejido embrionario - el endodermo, el mesodermo y el ectodermo - de dónde se formarán todos los tejidos del embrión. El desarrollo de un organismo es el proceso en que cada una de las células se especializa para desarrollar las funciones del tejido u órgano específico que van a integrar. La diferenciación celular es un mecanismo altamente complejo, que se lleva a cabo mediante la activación y represión de un gran número de genes en una forma muy precisa en espacio y tiempo, que está “secuencialmente programada” en respuesta a estímulos extracelulares y intracelulares. Las células somáticas, que constituyen los tejidos de un animal adulto, son el producto de la división y diferenciación del cigoto que, a diferencia de las células madre, han perdido la totipotencia y se han diferenciado para realizar una función específica, aunque mantienen el mismo material genético y no presentan alteraciones en la organización del genoma. Primeros Experimentos de Clonación El primer experimento de clonación en vertebrados fue realizado en 1952 (BRIGGS & KING, 1952) usando ovocitos de rana pues, por ser células 166 Volume 1, n o 2, 2005 grandes, ellas facilitan la manipulación necesaria para la eliminación del núcleo. En este experimento, fue posible micro-inyectar núcleos indiferenciados de un organismo donador a huevos fertilizados previamente enucleados. La progenie resultante contenía la información genética del donador, por lo que los organismos constituyeron una clona genética del mismo. Posteriormente, Gurdon logró colecciones idénticas de Xenopus laevis al introducir núcleos de células de fases larvarias tempranas en ovocitos enucleados (GURDON, 1962). Este experimento funcionó únicamente con núcleos obtenidos de células en fases larvarias. No se tuvo éxito cuando se utilizaron núcleos de células donadoras adultas ya diferenciadas (GURDON et. al., 1975). Estos resultados mostraron que el núcleo de las células diferenciadas no fue capaz de activar el proceso de diferenciación del ovocito tal y como se había observado en los experimentos previos con el núcleo de las células embrionarias. Ante la interrogante sobre ¿si era posible la clonación en organismos superiores? diferentes grupos de investigación llegaron a la siguiente conclusión: no era posible reiniciar el desarrollo de un organismo completo a partir del núcleo de una célula diferenciada (MCGRATH et al., 1984). Esta conclusión, que ahora sabemos era errónea, se consideró cierta durante mucho tiempo, estableciendo que el genoma de una célula especializada estaba restringido exclusivamente a las funciones de la célula diferenciada. Clonación de Mamíferos a Partir de Una Célula Diferenciada El procedimiento de clonación dejó de ser una fantasía, convirtiéndose en realidad, cuando la mundialmente famosa oveja Dolly fue clonada a partir del núcleo de una célula diferenciada. En este experimento fue utilizada una célula de glándula mamaria de una oveja adulta de la raza Finn Dorset como donadora del núcleo (WILMUT et al., 1997) Éste fue transferido a un óvulo enucleado de otra oveja e implantado en una hembra de la raza Scottis Blackfase para la gestación. En este experimento, de los 277 ovocitos enucleados, se lograron obtener sólo 29 blastocitos fenotípicamente normales después de seis días de cultivo in vitro. Cuando los embriones fueron transferidos a hembras receptoras preparadas hormonalmente, resultó un sólo producto viable: la oveja Dolly. Los restantes fueron fetos y neonatos muertos, o productos con alteraciones en el desarrollo. Esta baja eficiencia para obtener productos viables explica el fracaso de los primeros experimentos de este tipo. 167 Revista Brasileira de Bioética La producción del primer mamífero clonado a partir del núcleo de una célula diferenciada mostró que es posible “reprogramar” el genoma de una célula diferenciada por influencia del citoplasma del huevo, reiniciando el complejo proceso de desarrollo embrionario. Por otro lado, este avance científico permitió la clonación en otras especies, aunque los individuos no siempre fueron obtenidos de núcleos de células somáticas del organismo adulto. Como ejemplos de eso, podemos mencionar el cordero Polly, conteniendo genes humanos (COLMAN, 1999); la producción exitosa de los monos Rhesus Neti y Ditto, mediante transferencia nuclear de células embrionarias; la clonación del gato doméstico CC (del inglés Copy Cat - copia al carbón); diferentes ratones (HOSAKA et al., 2000) e incluso cerdos (POLEJAEVE et al., 2000). Transferencia Nuclear de Células Somáticas Los estudios iniciales en la transferencia nuclear en anfibios y mamíferos fallaron, en la mayoría de los casos, debido a la incompatibilidad entre los ciclos celulares del núcleo donante y el ovocito receptor. El núcleo en fase S o G2 se introducía en un ovocito detenido en metafase II, produciendo una replicación adicional del ADN y una condensación prematura de los cromosomas, dando como resultado aneuploidías y, por consecuencia, un desarrollo anormal de los embriones. Para solucionar este obstáculo, en el caso de Dolly las células de tejido mamario donador del núcleo fueron cultivadas in vitro, en ausencia de suero, para detener el ciclo celular en G0. La transferencia de un núcleo de estas células al ovocito enucleado permitió la sincronización del núcleo donador y el citoplasma receptor, iniciando el desarrollo embrionario y minimizando la probabilidad de alteraciones cromosómicas (WILMUT et. al., Op. cit.). La eficiencia en la producción de embriones clonados ha sido mejorada debido a la utilización de métodos de electrofusión en lugar del método tradicional de microinyección para la transferencia nuclear (HOSAKA et. al., Op.cit.). El uso de la transferencia de núcleos de células somáticas (del inglés SCNT - somatic cell nuclear transfer) ha permitido el desarrollo de interesantes experimentos en los últimos seis años, después de la exitosa clonación de Dolly con una célula adulta. Las técnicas de clonación descritas a la fecha han proporcionado avances importantes en el conocimiento de la interacción molecular y celular durante los procesos tempranos del desarrollo 168 Volume 1, n o 2, 2005 y de la diferenciación celular (MOLLARD, et. al., 2002). Sin embargo, el obvio progreso, y el gran impacto de estas nuevas biotecnologías, ha hecho también evidente lo poco que se conoce del mecanismo de “reprogramación molecular ” que se presenta en la SCNT. Debido a lo anterior, se han desarrollado nuevos enfoques experimentales, con los que se está abordando el estudio de los diferentes tipos de células donadoras, de los estadios del ciclo celular, del proceso de sincronización celular, del tiempo de duplicación de las diferentes poblaciones celulares hasta del nacimiento del organismo clonado, y de la influencia de la SCNT en la viabilidad y la capacidad de reproducción de los clones producidos (BREM & KUHHOLZER, 2002). Transmisión del Genoma Nuclear y Mitocondrial Las células eucarióticas contienen dos distintos genomas: el nuclear, heredado a la progenie siguiendo el modelo mendeliano; y el mitocondrial, transmitido mediante herencia materna. La clonación de mamíferos ha sido llevada a cabo, típicamente, mediante SCNT, usando electrofusión. En este proceso, la célula somática completa es transferida al ovocito enucleado. Por consecuencia, la progenie clonada debería contener, además del genoma nuclear, el genoma mitocondrial de los dos progenitores (heteroplasmia). La transferencia del genoma nuclear fue verificada utilizando marcadores somáticos específicos del ADN nuclear. Sin embargo, el análisis del origen del ADN mitocondrial de Dolly, y de más nueve ovejas clonadas de células fetales, mostró que el genoma mitocondrial de estos individuos clonados provenía única y exclusivamente de los ovocitos enucleados sin contribución de la células somáticas donadoras (EVANS et. al., 1999). Con base en lo anterior, Dolly no fue una copia idéntica o clon de la madre donadora del núcleo. Realmente, constituyó una auténtica quimera genética, ya que contenía el genoma nuclear de la célula somática donadora y el genoma mitocondrial del ovocito receptor. Públicamente, fue considerada como el producto de tres “madres”: la donadora del núcleo que proporcionó el material genético nuclear, la donadora del óvulo que contribuyó con el citoplasma y el material genético mitocondrial, y la gestadora que genéticamente no aportó nada. 169 Revista Brasileira de Bioética Desarrollo y Envejecimiento Celular Ha sido una preocupación científica la cuestión de “edad genética” de los organismos clonados, ya que estos podrían envejecer prematuramente y, potencialmente, presentar problemas en el desarrollo normal del organismo. La presencia de telómeros 20% más cortos en Dolly, en comparación con el promedio de ovejas de su misma edad, ha sido investigada. Este aspecto es importante, ya que los telómeros se acortan en cada división celular, y han sido considerados como marcadores de envejecimiento. En un estudio realizado en 24 vacas clonadas, se observó la presencia de telómeros más largos que el promedio que presentan los individuos de su misma edad. Además, el análisis de terneros clonados de células fetales mostró la presencia de telómeros normales, dejando abierta la pregunta de si los telómeros cortos de Dolly son una excepción o un hecho general, que podría ser diferente en las clonas derivadas de fetos (TIAN et. al., 2000). En el marco anterior, existe una controversia abierta sobre la posible ocurrencia de envejecimiento prematuro, ya que Dolly fue sacrificada debido al cáncer de pulmón de origen vírico diagnosticado a ella y a otras ovejas que convivían con ella. Asimismo, la presencia de artritis en la pata izquierda de Dolly ha puesto en duda la factibilidad de los organismos clonados para usos terapéuticos. Aunque la artritis es común en ovejas, ésta se presenta a una edad típica de 10 años, en lugar de 5,5 años como fue el caso de Dolly. Además, las articulaciones afectadas en ésta se encontraron en lugares dónde normalmente no se presenta la artritis; por lo que, muy probablemente, la enfermedad fue debida al desarrollo de inflamación en las patas. Por otro lado, un estudio publicado acerca de las condiciones de salud de 335 individuos clonados, mostró que el 77% de vacas, ovejas, cabras, cerdos y ratones no presentaron problemas de salud, porcentaje que es representativo de lo que sucede normalmente en las poblaciones de los mamíferos mencionados. Adicionalmente, se tenían dudas sobre la fertilidad de Dolly, ya que ésta podría verse afectada en comparación con una oveja concebida en forma natural. La progenie de Dolly con seis corderos saludables muestra que, en este caso, la fertilidad no se vio afectada. 170 Volume 1, n o 2, 2005 Clonación Humana La estrategia que permitió crear a Dolly puede ser usada para clonar cualquier especie de mamíferos, incluyendo al ser humano. A la fecha, se ha mostrado que tanto las células somáticas como las células del cúmulus, las células de Sertoli y los fibroblastos pueden ser usadas como donadoras de núcleos para la clonación en animales. Recientemente, los resultados del grupo de Cibelli mostraron que efectivamente se han podido obtener embriones humanos clonados mediante SCNT usando células de cúmulo. Sin embargo, éstos se dividieron solamente en dos, cuatro y seis células, es decir, en etapas tempranas del desarrollo (CIBELLI et. al., 2001). Los autores atribuyen esto a problemas técnicos, como se ha mostrado en otros mamíferos. Sin embargo no se pueden descartar, a la fecha, los problemas reales en la re-programación del núcleo de una célula diferenciada, o los factores múltiples como el estadio del ciclo celular, estructura de la cromatina, metilación del ADN etc. Clonación reproductiva y terapéutica La clonación de humanos podría tener implicaciones terapéuticas y beneficios sociales si se usase bajo condiciones estrictas y excepcionales. La clonación humana podría tener dos finalidades: la clonación reproductiva, con el fin de crear un clon para parejas con problemas de fertilidad; y la clonación terapéutica, para obtener células o tejidos con fines terapéuticos y/o para regeneración de tejidos. La clonación reproductiva implica la producción de embriones mediante la disgregación de células del blastocisto o por la SCNT a un óvulo enucleado, seguido, en ambos casos, de la implantación en un útero que permita su desarrollo hasta el nacimiento. En lo que se refiere a la clonación reproductiva humana, mucha especulación ha tenido lugar, con una profusión enorme de publicaciones al respecto. Sin embargo, la posibilidad de lograr una clonación humana con fines reproductivos exitosa es prácticamente nula. La investigación en varias especies de mamíferos ha demostrado que hay una incidencia muy alta - mayor del 95% - de aparición de problemas embrionarios y fetales, con las subsecuentes pérdidas durante del embarazo; así como de malformaciones y muerte en los recién nacidos. No hay razón para suponer que el resultado sería diferente en seres humanos. Esto se debe, fundamentalmente, a que se desconocen los 171 Revista Brasileira de Bioética mecanismos moleculares de reprogramación de un núcleo adulto de modo que puedan recobrar la plasticidad, la virginidad y pureza originales, i.e., tener las mismas características funcionales de sus genes que cuando tuvo origen a partir de un cigoto. No obstante, se tiene la expectativa de lograr evitar las fallas técnicas y, eventualmente, garantizar un producto con características “normales”. De ahí que hayan surgido circunstancias hipotéticas que justificarían la clonación reproductiva. Por ejemplo, cuando se ha perdido un hijo, o se tiene uno con algún defecto evitable en un clon, en parejas con esterilidad, o que han perdido la capacidad de reproducción; o cuando no es posible la reproducción, como ocurre con las parejas homosexuales. Estas situaciones, desde el punto de vista científico, quitarían solidez al rechazo a la clonación reproductiva. Pero, esto no sería suficiente para levantar el veto y permitir su práctica, ya que aún habría importantes objeciones éticas, legales y sociales. De manera similar a la clonación reproductiva, la clonación con fines terapéuticos y de investigación implica generar un blastocisto humano vía transferencia nuclear de la célula somática. Sin embargo, la diferencia crucial es que el blastocisto clonado nunca se implanta en útero alguno para el desarrollo de un organismo completo. En vez de esto, las células troncales aisladas del blastocisto se utilizan para generar líneas de células troncales, para investigaciones posteriores y para usos clínicos. Este tipo de clonación es, más bien, una terapia reconstitutiva para recuperar el tejido, mediante la producción de células de un individuo que permita la reposición de tejidos, evitando el problema del rechazo inmunológico. En este procedimiento, se requiere la clonación del individuo y, en las primeras etapas embrionarias, la obtención de las células madre embrionarias (COLMAN & KIND, 2000). Es decir, se tomaría el núcleo de una célula somática del paciente para su transplante a un ovocito enucleado de una donadora. Este huevo, clonado, se dejaría desarrollar hasta formar un embrión en etapa de blastocisto, del que finalmente se obtendrían las células embrionarias, como fuente celular para el tratamiento del paciente. Las primeras líneas celulares embrionarias fueron obtenidas de ratón y, posteriormente, de pollo, hamster, cerdo, mono Rhesus y, recientemente, de embriones humanos producto de fertilización in vitro (THOMSON et. al., 1998). En este trabajo, los embriones humanos fueron cultivados hasta la etapa de blastocisto, de dónde se aislaron las células de la masa interna, permitiendo obtener cinco líneas celulares que crecieron indiferenciadas durante cinco meses. Sin embargo, dado que los estudios sobre la 172 Volume 1, n o 2, 2005 producción de líneas celulares son recientes, gran parte del conocimiento que se tiene viene de los trabajos realizados en ratones, y no se han caracterizado todos los componentes y factores requeridos en la diferenciación celular. Es indudable que la clonación terapéutica presenta todavía limitaciones importantes, ya que aún no se ha determinado cómo se lleva a cabo la diferenciación específica de estas células para ser eficientemente usadas en la terapia reconstitutiva; y es necesario perfeccionar el procedimiento de la clonación en el humano para la obtención de las células madre embrionarias. Otro de los recientes logros adicionales derivados de la clonación, que presenta perspectivas muy interesante y halagadoras, fue la obtención de células madre mediante partenogénesis en ratones, monos y humanos (CIBELLI et. al., Op.cit.; CIBELLI et al., 2002). Es decir, se logró iniciar el proceso de la formación de un embrión a partir de un huevo no fertilizado hasta la formación de la cavidad de blastocele. Los resultados obtenidos presentan implicaciones muy relevantes en la clonación de células somáticas, y ofrecen una alternativa muy interesante en la generación de células madre sin la necesidad de contribución paterna. Además, Rideout y colaboradores realizaron la corrección de un defecto genético en ratones mutantes mediante la combinación del transplante nuclear con la terapia génica (RIDEOUT et. al, 2002). En este trabajo, se llevó a cabo el aislamiento de las células madre de los blastocistos clonados, y éstas se utilizaron para la reparación de la mutación mediante recombinación homóloga, así como en la diferenciación de la células madre y el transplante de las células en los ratones afectados. Estos logros revolucionarios presentan, sin lugar a dudas, un horizonte muy promisorio en el campo de la investigación de las células madre, así como en su aplicación terapéutica. Producción de Biofármacos El impacto de la clonación también ha sido evidente en la fabricación de productos biofarmacéuticos en el área biomédica. La generación de animales transgénicos para la producción y secreción, a través de la leche, de proteínas para usos terapéuticos, se inició a finales de los años 80 con la producción de ovejas transgénicas. La oveja Tracy produce la proteína humana alfa-1antitripsima, representando el 50% de las proteínas de su leche. Hay muchos otros ejemplos de productos biofarmacéuticos utilizados para combatir 173 Revista Brasileira de Bioética enfermedades, como es el caso de la fibrosis quística, que se encuentra actualmente en fase clínica. Estas tecnologías presentan varias limitaciones. Por ejemplo, no se pueden dirigir las inserciones del ADN específicamente en el genoma del animal, la producción de los animales es lenta y los niveles de expresión de la proteína de interés son impredecibles. La tecnología de clonación presenta ventajas debido al desarrollo de la transferencia de núcleos somáticos, previamente manipulados genéticamente, en las células somáticas, principalmente cuando las manipulaciones son dirigidas a sitios predeterminados en el genoma hospedero. Este objetivo fue alcanzado con el nacimiento de Polly, una oveja clonada que expresa una proteína involucrada en la prevención de la hemofilia humana, codificada por el gen para el factor IX de la coagulación (COLMAN, Op. cit.). Consideraciones Éticas y Sociales La clonación en humanos es un tópico altamente controversial, debido a que la idea de crear una copia de un individuo mediante manipulación genética es simultáneamente fascinante y, de alguna forma, aterradora. Existen aún problemas técnicos y científicos para el éxito de la clonación en humanos, ya que aún es muy prematuro determinar si los individuos clonados pueden poseer susceptibilidad a enfermedades, a un envejecimiento prematuro, entre otros problemas (PERRY & WAKAYAMA, 2002). Los riesgos potenciales de la clonación, aunados a la baja eficiencia del proceso obtenido a la fecha, han llevado a la sociedad en general a sostener el posicionamiento de que no se justifica la clonación para generar individuos clonados, ya que la reproducción asistida actualmente resuelve los problemas de infertilidad mediante fertilización in vitro. Por otro lado, la utilización de embriones humanos en experimentación y clonación terapéutica ha causado también mucha inquietud. El tema central de discusión es determinar el momento en que se puede considerar que se inicia la vida del individuo, ya sea inmediatamente después de la fertilización, a partir de la implantación del huevo fecundado; o hasta que el sistema nervioso se vuelve funcional. Lo anterior se debe, principalmente, a que la obtención de las líneas celulares madre implica la destrucción posterior del embrión clonado. Es evidente que el uso de embriones humanos para la obtención de líneas de células madre embrionarias abre nuevas perspectivas para el tratamiento de una gran cantidad de enfermedades. Sin embargo, su 174 Volume 1, n o 2, 2005 aplicación podría traspasar los límites éticos, a pesar de los beneficios que pueda representar. La respuesta legislativa de diferentes países con relación a la clonación en humanos ha sido la de postular leyes para evitar cualquier investigación en la clonación en humanos. Algunos beneficios potenciales han sido resumidos en las leyes europeas y en la Convención Europea de los Derechos Humanos (WOOD, 1999). Sin embargo, la pregunta latente e inevitable es si estas restricciones legislativas serán suficientes para frenar la clonación en humanos, y si estamos preparados para afrontar el complejo dilema, tanto ético como moral, que se podría producir en la clonación reproductiva. En lo que se refiere a la clonación terapéutica y con fines de investigación, la perspectiva es sin duda prometedora, ya que podremos mejorar nuestro conocimiento básico como, por ejemplo, en cuanto a: 1) reprogramar el núcleo de la célula para activar el sistema de genes que caracteriza a una determinada célula especializada; 2) entender las bases genéticas de las enfermedades humanas; 3) entender mejor los mecanismos de la reprogramación de genes y, por consiguiente, poder diseñar procedimientos eficientes para corregir genes defectuosos. Otra meta es aprender a reprogramar células somáticas para generar células madre que ocurren en todas las etapas del desarrollo, desde el embrión al adulto. Pero su versatilidad y abundancia disminuyen gradualmente con la edad. Sin embargo, mientras las células madre embrionarias pueden producir cualquiera de los aproximadamente 200 diversos tipos de células especializadas que conforman el cuerpo humano, las células madre del adulto parecen ser capaces de producir solamente un número muy limitado de tipos celulares. La investigación usando huevos humanos es indispensable, ya que los estudios en animales no pueden proporcionar una alternativa apropiada para el objetivo perseguido. Estas técnicas ofrecen la posibilidad de usos terapéuticos para los pacientes que requieren transplantes de células, tejidos u órganos mediante células madre embrionarias genéticamente compatibles con el donante, evitando así el problema del rechazo. Sin embargo, aparte de los retos propiamente científicos, hay problemas con el costo de tratamientos que resuelvan las necesidades particulares de cada paciente, y del suministro de óvulos humanos no fertilizados. Actualmente, como la clonación es un proceso poco eficiente, es probable que sean necesarios muchos huevos para generar una sola línea embrionaria de células madre; y aún no hay la certeza de que la clonación con fines terapéuticos sea clínicamente viable. 175 Revista Brasileira de Bioética La intensa discusión mundial acerca da la clonación humana ha dado lugar a una multiplicidad de declaraciones, pronunciamientos etc., que van desde la anuencia total a la prohibición absoluta. Para una revisión general de tal tipo de pronunciamientos, basta con consultar los sitios en Internet: http://www.humgen.umontreal.ca/en/, http://www.un.org/law/cloning/, y http:/ /www4.nas.edu/iap/iaphome.nsf?opendatabase. Las Academias de Ciencia de más de 70 países concluyeron que la clonación con fines terapéuticos y de investigación tiene un gran potencial desde la perspectiva científica y médica, por lo que se debe diferenciarla claramente de la clonación reproductiva y, por lo tanto, se debe excluirla explícitamente de la prohibición de esta última, recomendando que ambas políticas necesitan ser revisadas, periódicamente, a la luz de los progresos científicos y sociales. No obstante, el día 8 de marzo del 2005, la Asamblea General de las Naciones Unidas aprobó el texto de la Declaración de las Naciones Unidas sobre Clonación de Seres Humanos por 84 votos a favor, 34 en contra y 37 abstenciones. El texto aprobado establece, en su punto b), que los Estados Miembros “habrán de prohibir todas las formas de clonación de seres humanos en la medida en que sean incompatibles con la dignidad humana y la protección de la vida humana”. Esta última parte condiciona, de alguna manera, una permisibilidad de la clonación de seres humanos - al menos la terapéutica - si se ofreciesen beneficios compatibles con la protección de la vida humana. De cualquier manera, siendo una Declaración, y por lo tanto no obligatoria incluso para los estados que votaron a favor, y que estuvo lejos de una aprobación unánime, su implementación de manera global es cuestionable. A pesar de ello, esperemos que las Organización de las Naciones Unidas, que promueve la discusión mundial y los subsecuentes consensos, no sólo sea respetada sino fortalecida por todos sus países miembros. Solo así podremos lograr la armonía en la diversidad. Como sea que se desarrolle la investigación de la clonación con fines terapéuticos, el problema de fondo radica fundamentalmente en la inequidad de acceso a los beneficios que promete, así como ocurre con la fertilización in vitro, que sólo es factible en algunos países, con acceso preferencial para aquellos que pueden solventar los altos costos requeridos. Los costos de cualquier tipo de clonación humana seguramente serán lo suficientemente onerosos y, en consecuencia, excluyentes de las mayorías pobres del planeta. El ser humano tal vez no sea, por naturaleza, un “animal moral”: se ha convertido como tal en el curso de la evolución. La moral sirve para regular 176 Volume 1, n o 2, 2005 las relaciones entre los seres humanos. Sería, desde luego, excelente que para esta regulación tuviéramos conocimientos con el grado de certeza del conocimiento matemático. Sería deseable que tuviéramos una teoría ética que permitiera hacer aseveraciones morales verificables y que nos diesen la certeza de qué debemos hacer. Pero, todo ello no es possible:”nothing is good nor bad; we make it so”, dice Shakespeare. La falacia naturalista es prácticamente inevitable. Lo que sí es posible es no desprender el deber ser del ser, y tener claridad de que ello no es posible. Es importante estar conciente de que no hay postulados éticos absolutos; lo que se puede hacer es no tener miedo a cometer la falacia naturalista - o metafísica - y a postular un deber ser moral, anunciando claramente en qué corriente nos encontramos. A propósito de falacias, tanto las formales - afirmación de lo consecuente, quaternio terminorum, las falacias disectiva “del jugador”, expansiva y de enfoque - como las informales - ignoratio elenchi, petitio principi y los argumenta ad baculum, hominem, misericordiam, populum, verecundiam etc. -- son de uso y abuso cotidiano. Si reflexionamos con rigor acerca del aforismo de Korzybski lo cual habla que “el mapa no es el territorio y el nombre no es la cosa nombrada”, tenemos que aceptar que todo es según el color del cristal con que se mira, como querría Campoamor, y que sólo el silencio evita caer en la falacia. La imposible perfección y su incesante búsqueda, y la imposible conjunción de la moral y la economía, mantendrán el debate inagotable. Consideraciones Finales: la clonación social Hoy vivimos un mundo de amplísima diversidad que, con el anhelo de la globalización total, pretende una extremista clonación social que incluya la aceptación de “guerras defensivas”, “invasiones preventivas” y toda clase de horrores, en los que el destaca eminentemente el “paupericidio”, producto de la explotación, de la discriminación y del acceso selectivo a la nueva medicina. Evidentemente, la clonación social es mucho más antigua que la ofrecida por la nueva biotecnología. Las religiones; los sistemas políticos, económicos y sociales; y la perpetua inercia auto replicante con los utópicos disfraces de libertad, igualdad y fraternidad, han mantenido diversificada pero, en cierto modo, en rivalidad a la comunidad mundial. Si bien la humanidad no es imaginable sin ciertos principios universales de moral y convivencia, se está 177 Revista Brasileira de Bioética propiciando ahora la forma más peligrosa de homogenización, a la que pretende llevarnos la propaganda publicitaria mediante la masiva tecnología de la comunicación, en la intención de enseñarnos a vivir con lo inaceptable. Referências Bibliográficas BREM, G. & KUHHOLZER, B. The recent history of somatic cloning in mammals. Cloning Stem Cells 4(1): 57-63, 2002. CIBELLI, J. B; KIESSLING, A. A.; CUNIFF, K.; RICHARDS, C.; LANZA, R., P. & WEST, M.D. Somatic cell nuclear transfer in humans: pronuclear and early embryonic development. The J. of Regenerative Medicine 2: 25-31, 2001. CIBELLI, J.B.; GRANT, K. 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Recebido em 27/5/2005 Aprovado em 18/8/2005 179 Revista Brasileira de Bioética O NINHO VAZIO: A DESIGUALDADE NO ACESSO À PROCRIAÇÃO NO BRASIL E A BIOÉTICA The empty nest: bioethics and the unequality in the access to procreation in Brazil Marlene Braz Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. [email protected] Fermin Roland Schramm Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. [email protected] Resumo: Os autores abordam a problemática do acesso da população de baixa renda às novas tecnologias de reprodução (NTR) apontando para as importantes questões bioéticas implicadas. Foram utilizados fatos veiculados pela mídia escrita, a Resolução Conselho Federal de Medicina - CFM nº 1.358/92 e os princípios éticos da autonomia e da justiça para a discussão do tema. A reflexão feita revela a carência de um debate ético e jurídico aprofundado e a necessidade de encontrar soluções para colocarmos fim à omissão do Estado em relação a esta população e aos deslizes éticos cometidos pelos médicos em instituições públicas. Palavras-Chave: Bioética. Reprodução assistida. Acesso aos serviços de saúde. Autonomia. Justiça. Abstract: The problem of access to new reprodutive technologies (NRT) by low income populations is discussed by the authors, that point to important bioethical issues. Written media events, the Resolução Conselho Federal de Medicina - CFM nº 1.358/92 (CFM Resolution), and the ethical principles of autonomy and justice were used to highlight the subject discussion. The lack of a thorough ethical and legal debate; the need of finding solutions to the State omission, as far as those populations are concerned; as well as ethical faults commited by doctors in public institutions, were disclosed. Key words: Bioethics. Assisted reprodution. Access to health services. Autonomy. Justice. 180 Volume 1, n o 2, 2005 A reprodução humana nunca foi algo puramente biológico, mas também cultural, pois nela participam aspectos emocionais, físicos, religiosos e sociais. De uma reprodução imposta pela natureza ao Homo sapiens, até uma reprodução controlada e medicalizada, passaram-se muitos milênios. Por isso, o desejo da maternidade nas mulheres só foi objeto de interesse muito recentemente. Acreditava-se num instinto materno e que toda mulher teria como missão fundamental de sua vida gerar filhos para o homem, para a comunidade, para a sociedade e, mais, deveria amá-los. Badinter, assim como Ariès concluem que a família como a conhecemos hoje, é fruto de um determinado contexto social e que tanto o desejo da maternidade quanto o amor dedicado aos filhos são uma construção sócio-cultural (BADINTER, 1996; ARIÈS, 1996). A “ revolução do feminino”, antecipada por Freud ao distinguir sexualidade e reprodução humana e gestada durante o século XX, teve seu apogeu nas décadas de 1960 e 1970. Nesta revolução, conduzida pelas mulheres e com o auxílio dos avanços das tecnologias reprodutivas de prevenção e interrupção da gravidez, finalmente a mulher “apropriou-se” de seu corpo: ele lhe pertencia e só ela poderia decidir se e quando teria filhos. Desde então, os métodos contraceptivos (principalmente a pílula) e o aborto, conquistados duramente pelo movimento feminista, tornaram-se realidade em muitos países. Junto a esta conquista houve outras, dentre as quais: o direito de votar, de estudar, de trabalhar; enfim, uma gama de direitos que foram se expandindo até os dias atuais, nos quais a assimetria de gênero passa a ser o foco de discussões nos mais variados âmbitos. Todos estes avanços no campo dos direitos da mulher têm trazido à tona outras questões ora em debate, quais sejam: a postergação da maternidade, a tripla jornada de trabalho feminino (trabalho, casa, filhos e marido), a mudança do papel masculino, a paridade de salários entre homens e mulheres, dentre outras. Interessa-nos aqui tratar do direito da mulher em ter filhos na atualidade. Tal questão é pouco aprofundada, principalmente quando se trata da população pobre de nosso país. Partindo de alguns estudos e de fatos veiculados pela mídia, objetivamos refletir sobre as questões relacionadas à reprodução medicamente assistida ou como são denominadas as Novas Tecnologias de Reprodução (NTR), em relação à população que a elas não tem acesso em função de seu alto custo. 181 Revista Brasileira de Bioética O Problema da Infertilidade A infertilidade é hoje considerada um importante problema de saúde, à diferença de outras épocas, em que a “ reprodução humana era uma manifestação exclusiva da vontade de Deus e, portanto, seria inadmissível sua discussão pelo homem [pois a] interferência humana no processo reprodutivo constituía uma agressão à vontade de Deus” (NETO & JÚNIOR, 1998). Em função disto, as pessoas teriam que se conformar com seu destino e nada, ou quase nada, podia ser feito para reverter esta situação. Atualmente, com as NTR, vemos uma mudança na percepção deste “destino”, antes considerado inexorável. A infertilidade que pode afetar um dos pares ou o casal implica, muitas vezes, em conflitos, que podem levar até o rompimento do casamento. Sabemos, hoje, que a decisão de engravidar e ter filhos não é um processo simples, pois envolve vários aspectos, já apontados. Este problema afeta de 8% a 15% dos casais em idade reprodutiva (DIAZ et al., 2002). No Brasil, segundo o último censo do IBGE, 10 milhões de pessoas em idade fértil têm dificuldades para engravidar (COLLUCCI, 2003a), e isso constitui, certamente, um problema relevante de saúde pública e, também, um problema moral, que a bioética deve enfrentar. Com efeito, mesmo que possamos concordar que a superpopulação mundial é uma questão grave com a qual o mundo se defronta não se pode ignorar que a infertilidade tornou-se um sério problema em vários países, onde, pelas mudanças sociais e científicas ocorridas nos últimos 40 anos, a gravidez deixou de ser, em muitos casos, o primeiro objetivo do casamento e foi, cada vez mais, postergada para uma idade avançada, quando o “relógio biológico” já é desfavorável à mulher. Além disto, os homens inférteis que vivenciam o problema tendem a identificá-lo com “pouca masculinidade” (NEVES & NETTO JÚNIOR, 2003; COLLUCCI, 2003b). Com o advento das NTR e a adesão a elas, novas questões e dilemas se colocaram, não só para a sociedade como também para o aparato jurídico. De fato, normas mais liberais, mas também leis rígidas foram elaboradas. A questão colocada para o direito e para a bioética não está tanto na tecnologia em si, mas em sua aplicação, que acaba por suscitar outras, que demandam decisões jurídicas, no sentido de traçar balizas para a liberdade de procriar e os direitos e limites previstos em lei: “O papel crescente dos governos nacionais nas instituições de saúde (...) tem-se estendido também ao controle da doação e disposição dos 182 Volume 1, n o 2, 2005 gametas e embriões humanos. Desta forma a tecnologia reprodutiva se converte numa desculpa para fomentar duas tendências: a já presente ‘medicalização’ da reprodução e a ‘judicialização’ da gravidez” (DIAZ et al., 2002). Em todos os países onde as técnicas de reprodução medicamente assistidas são utilizadas, numerosos problemas de natureza ética e legal surgiram, o que implicou na necessidade de criar novas leis ou modificar as já existentes, no intuito de dar conta dos aspectos relacionados à filiação, herança, paternidade, maternidade, como também aos direitos de família e os direitos à vida (DIAZ et al, Op. cit.). Não podemos, por outro lado, ignorar as repercussões pessoais da infertilidade em nível privado, tais como: baixa auto-estima; depressão; e dificuldades emocionais, refletidas quer nas relações do casal quer nas relações interpessoais, como também no trabalho. Frente a isso, a definição de saúde, formulada pela Organização Mundial da Saúde OMS como completo bem-estar biopsicossocial, não é atendida e, portanto, podemos considerar a infertilidade como um problema de saúde a ser solucionado de acordo com as técnicas reprodutivas existentes. Esta posição pode ser contraposta a outra, escorada na lógica utilitarista, que argumenta que em países como o nosso, com recursos escassos e outros graves problemas que afetam negativamente o bem-estar da população como um todo, dever-se-ia priorizar políticas públicas de saúde capazes de enfrentar e solucionar outras patologias, consideradas mais importantes do ponto de vista do cálculo geral da utilidade social, devido ao fato de afetarem um maior número de pessoas. Aspectos Morais e Jurídicos A bioética, desde seu surgimento nos anos 1970, debateu e ponderou princípios morais norteadores das pesquisas médicas e dos tratamentos. Em sua versão principialista, propôs o modelo dos quatro princípios prima facie da beneficência, da não-maleficência, da autonomia e da justiça, considerados fundamentais e universais quando aplicados às práticas humanas no campo das ciências, das técnicas da vida e da saúde. Interessa, aqui, nos determos nos princípios da autonomia e da justiça, pois consideramos que, apesar de todos os princípios estarem envolvidos quando tratamos do acesso à saúde 183 Revista Brasileira de Bioética reprodutiva, autonomia e justiça têm prioridade léxica sobre os outros dois, isto é, adquirem peso maior. Com efeito, numa democracia todos os cidadãos são - ou deveriam ser considerados iguais, recebendo o mesmo tipo de consideração, isto impediria – teoricamente –, a exploração de uma pessoa por outra, pois cada interesse individual só pode, por princípio, contar como um interesse, igual a qualquer outro interesse individual. Disso decorre – pelo menos numa visão utilitária – a igual consideração de cada interesse, isto é, a igualdade democrática. Para muitos, a palavra “interesse” talvez tenha uma conotação negativa, por supostamente implicar numa visão puramente econômica da questão. Podemos, portanto, falar em “dignidade pessoal” e dizer que é a dignidade da pessoa humana que está em jogo. Neste caso, podemos pensar também que a dignidade humana implica na possibilidade do exercício da autonomia pessoal; logo, em um regime democrático, a autonomia pode ser vista como respeito à liberdade de escolha e de decisão do paciente. Já a justiça pode ser vista de diferentes modos, dentre os quais podemos destacar o conceito de justiça como eqüidade, formulado em nossa época por Rawls, com o sentido de garantir a igualdade das oportunidades relativas a bens primários e a redução das desigualdades pela ampliação de oportunidades aos menos favorecidos (RAWLS, 1997). Em suma, as desigualdades persistentes devem ser priorizadas nas políticas públicas que visem uma maior justiça social, no sentido de promover uma maior igualdade entre os membros do corpo social, implementando inclusive medidas compensatórias em prol dos menos favorecidos. Assim, tendo definida as ferramentas conceituais que pretendemos utilizar, podemos comentar o que a Constituição Brasileira estabelece no que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde, considerado um direito do cidadão. Em relação ao nosso tema - a reprodução medicamente assistida - não se tem ainda um ordenamento jurídico maior. Até agora a referência tem sido somente a Resolução nº 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina - CFM. Indiretamente, podemos nos remeter à Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regulamenta o planejamento familiar proposto no § 7 º do art. 226 da Constituição Federal. O artigo 9 º da referida Lei nº 9.263 estabelece: “Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção, cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida das pessoas, garantida a liberdade de opção. [grifo nosso] 184 Volume 1, n o 2, 2005 Parágrafo Único: A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia” (BRASIL, 1996). Em que pesem tais garantias asseguradas por Lei, vemos, na prática, esses direitos serem sistematicamente desrespeitados, seja pela carência na oferta dos serviços na rede pública de saúde, seja, com poucas exceções, na oferta de forma eticamente discutível. Não entraremos nos detalhes de cada modalidade de reprodução assistida - fertilização in vitro (FIV); inseminação artificial; variantes da fertilização in vitro, criopreservação e “barriga de aluguel” – visto que as técnicas em si não nos interessam aqui. De fato, o que queremos discutir é o aspecto ético da desigualdade no acesso à reprodução medicamente assistida como um todo. O foco de nossa atenção será, portanto, a inacessibilidade de tais técnicas por parte da maioria da população brasileira. Os Argumentos para a Indisponibilidade das NTR Para começar, podemos enumerar alguns argumentos amplamente utilizados pelos gestores para não implementar programas de medicina reprodutiva na rede pública: a) a falta de profissionais treinados; b) o alto custo deste tipo de atendimento em função dos remédios que devem ser ministrados (valor que gira em torno de US$ 3.500 por inseminação); c) o fato, por um lado, da política atual ser a de planejar os filhos e, por outro, a população pobre ter menos condições de criá-los de forma razoavelmente desejável; ou seja, a pouca vontade política de fazer com que as mulheres de tal segmento populacional engravidem a um custo considerado alto, principalmente quando comparado aos benefícios potenciais. Comentando, em particular o último argumento, Corrêa considera, no entanto, que essa tendência pode se reverter: “No caso brasileiro (...) as atitudes que cercam em geral o processo reprodutivo - os constrangimentos relativos à infertilidade, o desejo de filhos e de constituição de uma família - levam a crer que a procura pela reprodução assistida deve aumentar. Notadamente se esses serviços 185 Revista Brasileira de Bioética tornarem-se acessíveis, principalmente do ponto de vista econômico, a uma parcela menos limitada da população, contrariamente ao que ocorre na atualidade [visto que] a liberdade individual, motor da demanda por reprodução assistida, é limitada, antes de mais nada, por fatores econômicos” (CORRÊA, 2001). Na realidade, para esta autora, a demanda das mulheres no Brasil não é espontânea, e sim induzida pelos médicos, o que não quer dizer que recorrer às NTR “não seja amplamente aceito e bem-vindo, visto que a reprodução assistida responde a um desejo de ter filhos e família, projeto altamente valorizado” (CORRÊA, Op. cit.). Para Oliveira, as NTR: “propiciam a materialização de desejos sexistas, racistas, eugênicos e potencializam a exploração de classe, basta que se possa pagar por eles. O recorte de classe é o sustentáculo de tais desejos, cujas decorrências nefastas são: a exploração de classe (mulheres/casais ricos custeiam o ‘tratamento’ das pobres e assim se livram de parte da super-hormonização e obtêm óvulos)” (OLIVEIRA, 2001). Como a doação de gametas entre parentes é proibida pelo CFM por ter que ser anônima para preservar a identidade dos doadores e evitar o comércio, de fato é sempre possível, “comprar” os óvulos de que se necessita. A autora diz que: “a solução mais simples usada pelas clínicas de fertilização é estimular acordos entre suas pacientes: as que têm maridos em tratamento, mas possuem óvulos saudáveis, doam gametas para casais em que a mulher é infértil. Em troca, têm o tratamento custeado pelo casal receptor” (OLIVEIRA, Op. cit.). A International Conference on Population and Development sobre a saúde reprodutiva também considera que: “Saúde reprodutiva é um estado de completo bem estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doenças ou enfermidades. Em todos os casos relacionados ao sistema reprodutivo e ao estado de suas 186 Volume 1, n o 2, 2005 funções deveriam ser tomadas medidas apropriadas que assegurem acesso universal aos serviços de saúde incluindo aqueles relacionados com a saúde reprodutiva” (MONARES, 1999). Apesar das recomendações internacionais, de nossa Constituição e das normas que regulamentam a reprodução assistida, pouco tem sido feito no Brasil para atender efetivamente os casais inférteis que demandam aos serviços de saúde pública a oportunidade de engravidar e respeitar, assim, o direito ao acesso universal aos meios de reprodução assistida. De fato, o sob o ponto de vista ético, é grave a situação quando abordamos o tema da reprodução assistida, mesmo quando realizada em clínicas particulares. E isso não é de hoje, visto que, já em 1996, o jornal Folha de São Paulo trouxe uma matéria intitulada: “Clínicas de fertilidade no Brasil violam a lei”, na qual se afirmava: “Grávida de trigêmeos decide eliminar dois embriões e o médico diz ‘Ok’. Pai de três meninas quer porque quer um menino e o médico diz ‘tudo bem, podemos fazer escolha de sexo’. Solteira aos 40 quer ter um filho sem precisar de homem e o médico diz: ‘É possível. Temos banco de esperma’. (...) O cliente paga e tem quase tudo o que quer. O médico embolsa e faz o que quer. Poderia ser o melhor dos mundos não fosse um detalhe: reprodução envolve genética e pode tanto ajudar um homem estéril a ter filhos como um maluco a inseminar 70 mulheres com seu sêmen, como aconteceu nos EUA. (...) Nakamura, ex-professor da Unicamp, afirma que as normas do Conselho Federal de Medicina são equivocadas cientificamente, mas que são melhores do que nada. O problema é que diverge filosoficamente de seus princípios. ‘O desejo do casal está acima de qualquer lei’, defende” (FOLHA DE SÃO PAULO, 1996). Os meios de comunicação têm historicamente desempenhado um duplo papel: o da denúncia e o da popularização de técnicas. Silva realizou pesquisa referente a matérias publicadas em jornais de grande circulação no país para estudar a representação dos casais inférteis. Esse trabalho revela a imagem de desespero dos casais frente à infertilidade e a percepção de que as técnicas de reprodução assistida seriam simples e inócuas, revelando o alto grau de confiança na ciência e na medicina para resolução de dificuldades (SILVA, 1991). A pesquisa mostra também que os casais acreditam que a 187 Revista Brasileira de Bioética única opção para quem não tem filhos é a inseminação artificial. De fato, há uma verdadeira mistificação em torno da técnica, considerada um milagre realizado por médicos “santos” (SILVA, Op. cit.). Em relação a esta pesquisa de Silva, as reportagens sobre o tema mostravam a inseminação como: “um processo muito simples, indolor e isento de traumas, medos e ansiedades; nenhuma reportagem faz alusão ao sofrimento ou ao sacrifício exigido das mulheres que se submetem a estas técnicas; a sexualidade se vê afetada durante o processo, porém este dado não é citado; os casos ‘exitosos’ são generalizados como se toda tentativa terminasse num filho; e não se faz alusão aos abortos que ocorrem durante o processo e muito menos aos casos cujas tentativas não levam a nada” (DURAND & SALINAS, 1996). Naquela reportagem também não há referências aos índices de fracassos que, de fato, são altíssimos. A notícia fala que o êxito é de 25%, podendo chegar a 33% com técnicas mais avançadas. Outros autores falam de êxitos em apenas 8 a 10% dos casos (CHATEL, 1995; TUBERT, 1996). Este número menor expressa as crianças que realmente nasceram, enquanto que as clínicas computam em seus dados desde a gravidez química (teste positivo para gravidez sem evolução da mesma) até os abortos, como índice de sucesso. Quando se trata da população de baixa renda, as irregularidades legais e éticas são ainda mais graves. Podemos inferir isto a partir de uma reportagem mais recente, veiculada na revista Época. Com o título: “Mercado da Vida: médicos de Brasília retiram óvulos de mulheres de baixa renda para beneficiar clientes ricas de suas clínicas particulares”, a reportagem começa: “Toda manhã de quarta-feira um grupo de mulheres deixa o setor de Reprodução Humana do Hospital Regional da Asa Sul levando em baixo do braço sacos com remédios que não podem comprar. São moradoras de baixa renda das cidades-satélites de Brasília carregando injeções do tratamento de fertilização assistida. Todas querem muito ter filhos, mas têm dificuldades de engravidar. Elas não pagam pelo tratamento, o que confere ao programa ares de obra social. Há, no entanto, uma contrapartida para o benefício. Em troca dos remédios, as mulheres têm de doar óvulos. Em recipientes refrigerados, eles são transportados para uma clínica particular, na área nobre da cidade. Lá, são implantados em 188 Volume 1, n o 2, 2005 mulheres de faixa de renda mais alta com problemas de fertilidade” (ÉPOCA, 2001). [grifo nosso] A reportagem continua citando que o Hospital Regional da Asa Sul HRAS, em Brasília, é um dos seis centros do país onde a reprodução assistida é feita na rede pública. Informa também que os proprietários de uma clínica de reprodução assistida naquela cidade, criaram alternativa que conjuga seu trabalho na rede pública e seus interesses particulares. Primeiro captam as mulheres no setor de tratamento de infertilidade do Hospital Regional da Asa Norte - HRAN, onde é utilizada técnica para desobstruir as trompas em conjunto com medicação barata para aumentar a produção de óvulos. Como o Hospital não possui laboratório para fazer o tratamento avançado da reprodução assistida, essas mulheres são encaminhadas para a clínica e lá, em troca de óvulos, ganham os remédios. Consultado, pelo repórter, um representante do CFM, afirma: “Se o recebimento dos remédios for encarado como um pagamento ou troca de favor, é incorreto” (ÉPOCA, Op. cit.). No Hospital de Clínicas de Porto Alegre são realizadas cerca de 350 fertilizações ao ano, e lá não se faz trocas. No entanto, o chefe do setor de Reprodução deste Hospital defende o escambo de seus colegas de Brasília, dizendo: “Em alguns casos, o compartilhamento é louvável, por ajudar pessoas sem condições de comprar medicamentos” (ÉPOCA, Op. cit.). Já no Hospital Pérola Byintgton, da Secretaria de Saúde de São Paulo, que fertiliza cerca de 95 mulheres por mês, todas as mulheres recebem os remédios e o tratamento gratuitos. O diretor da Reprodução Humana do Hospital é contra a permuta: “Sabemos que as pacientes fazem de tudo para ter filhos e, ao sugerir a troca, estaríamos fazendo uma espécie de coação. Não posso concordar com isto” (ÉPOCA, Op. cit.). Análise Bioética As divergências de opinião relatadas mostram que o problema da reprodução assistida, quando referido a quem de fato tem acesso a ela, implica em graves conflitos morais, pois ter acesso ou não, envolve questões relativas tanto à justiça distributiva, e, portanto, à igualdade de oportunidades, como à autonomia pessoal, visto que a liberdade de procriar está limitada pela troca de favores. Com isso, a reprodução assistida se torna um problema da bioética, pois esta, reconhecidamente, se ocupa de conflitos e dilemas morais 189 Revista Brasileira de Bioética que surgem no âmbito das práticas humanas que se referem à qualidade de vida e à saúde, logo, também a práticas que se referem à reprodução e ao começo da vida. Por outro lado, tais divergências mostram que se trata, também, de um problema que diz respeito ao Direito, pois, como apontamos, as práticas de reprodução assistida infringem as normas e a própria Constituição. De fato, as graves irregularidades que ocorrem em nosso país neste campo, não são punidas. O Artigo IV, § 1 da Resolução CFM n º 1.358/92 dispõe que a “doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial”, sem, no entanto, definir o que é caráter lucrativo ou comercial. Estas práticas ilegais parecem ser comuns no Brasil, ocorrendo às claras, o que só pode significar a certeza da impunidade. Como diz Oliveira, as clínicas de reprodução vendem óvulos sob a capa de doação voluntária: “...usando a má fé de explorar o desejo de mulheres/casais pobres de obter um(a) filho(a). Diante da vulnerabilidade conferida pela pobreza, os capitães da indústria de bebês de proveta usam o poder de Deus, do qual estão investidos, e obtêm óvulos de modo espúrio. O governo brasileiro faz vistas grossas e é co-autor de tanta imoralidade, pois permite serviços de reprodução assistida em hospitais públicos sem lhes fornecer condições adequadas de trabalho e os insumos exigidos - como os remédios necessários para maturar óvulos à força” (OLIVEIRA, Op. cit.). Como visto, há muitos aspectos legais envolvidos nas NTR. Entretanto, interessa determo-nos às questões já sinalizadas: os temas da autonomia e da eqüidade. Se julgarmos moralmente errado o que vem ocorrendo nas clínicas de infertilidade, algumas perguntas de cunho moral devem guiar a reflexão. Elas implicam em saber se a doação de óvulos das mulheres pobres pode ser considerada moralmente legítima, pois respeitaria o exercício da autonomia reprodutiva. Acreditamos que não, já que há questionamento tanto sobre a efetiva autonomia exercida, quanto sobre a atuação dos profissionais envolvidos. Se há um consenso sobre a não eticidade do procedimento (de fato uma troca de favores), pode-se apenas justificar tal prática pela possibilidade dos benefícios? Admitamos que sim, mas, neste caso, os meios justificariam os fins? Também, admitindo que sim, será que é feito um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, por escrito e assinado por essas mulheres, como dispõe a Resolução CFM nº 1.358/92? Em outros termos, podemos ver estas doações como coações? Se sim, então estaríamos 190 Volume 1, n o 2, 2005 desrespeitando o direito ao exercício da autonomia pessoal em matéria reprodutiva, visto que não teríamos um consentimento autêntico. Ademais estaríamos violando um direito, garantido pela nossa Constituição. Com efeito, em relação à autonomia e de acordo com Durand: “Em situação normal, em face a um adulto capaz de dirigir sua própria vida, o princípio de autonomia exige o seu consentimento a todo tratamento médico e a todo ensaio experimental. O direito toma um valor ético quando proclama: ‘A pessoa humana é inviolável. Ninguém pode invadir outra pessoa sem seu consentimento’ (Código Civil de Québec, artigo 19)” (DURAND, 1995). Assim sendo, acreditamos que no caso das mulheres de baixa renda, o exercício da autonomia está prejudicado já que só lhes resta doar os óvulos se quiserem ter acesso à tecnologia desejada. E isso constitui abuso de poder, senão crime, pois a troca não é feita livre e espontaneamente, mas sob constrangimento e baseada na desinformação. De fato, se as pessoas tivessem acesso à informação pertinente saberiam que, constitucionalmente, têm o direito à medicação necessária para seu tratamento sem ter que barganhar tal direito dando, em troca, algo que lhes pertence e que concedem apenas para garantir o acesso à tecnologia reprodutiva. Se não recorrem à justiça por desconhecer seus direitos pode-se pensar que se soubessem recorreriam, criando assim um desequilíbrio, principalmente nas contas municipais e estaduais, como decorrência de despesas orçamentárias não previstas. Mas, então, qual é o papel do Estado neste campo? Por que o Estado não prevê concretamente o acesso? Uma das respostas possíveis é que não se estaria privilegiando este procedimento. No entanto, o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM, criado em 1983 pelo Ministério da Saúde, prevê o direito à anticoncepção e à concepção, acompanhando a política de saúde mais ampla que é voltada a dar toda a atenção aos métodos contraceptivos, o que, sem dúvida, também tem sido o aspecto mais enfatizado pelas feministas. Agora, num país em que os índices de esterilização das mulheres alcançam níveis inaceitáveis, como informa o banco de dados do Sistema Único de Saúde - DATASUS a partir de dados de 1996, não é difícil prever que também o acesso à informação sobre os métodos contraceptivos é falho ou ineficaz: 191 Revista Brasileira de Bioética “a porcentagem de esterilização feminina, entre as mulheres em idade fértil, era de 27,3%, ou seja, uma mulher esterilizada em cada quatro deste grupo etário (...) o percentual de laqueaduras era próximo de 50% quando se consideram somente as mulheres de 30 anos e mais de idade” (DATASUS, 1998). Assim, mulheres que querem um ou dois filhos vêem na laqueadura tubária o único procedimento de fato capaz de impedi-las de procriar. Ocorre que as condições de vida podem mudar: ou morre o único filho ou ocorre um novo casamento e, nestes casos, estas mulheres esterilizadas podem se arrepender e querer voltar atrás. Assim, esgotada a técnica cirúrgica tradicional, elas também querem a inseminação. Algumas nunca conseguiram engravidar; outras tantas sofreram seqüelas de abortos ou de doenças sexualmente transmissíveis, o que as deixou estéreis. Todas podem querer engravidar e, nesse caso têm o direito de recorrer à reprodução assistida, mas o Estado lhes nega, de fato, o acesso, embora não possa fazê-lo de jure, visto ser inconstitucional. Tal negativa pode ser vista como uma estratégia cujo foco é o interesse em não aumentar a população, sobretudo a de baixa renda, o que é pelo menos questionável. Conclusão Mas qual é o papel legítimo de um Estado democrático em uma sociedade caracterizada por profundas e moralmente questionáveis desigualdades? Como deveria atuar para equacionar o direito individual ao exercício da autonomia, inclusive reprodutiva; a eqüidade e os inevitáveis limites orçamentários nos programas de saúde, quando ponderados junto com outros bens considerados essenciais e que também requerem recursos, reconhecidamente finitos, quando não escassos? De fato: “(...) não é moralmente válido, ainda que talvez economicamente compreensível, adaptar princípios éticos a situações locais quando traz, por conseqüência, a probabilidade de abandonar a população e os indivíduos mais vulneráveis a um destino determinado por mera ‘seleção natural’, como se essa não fosse também uma seleção econômica e política, o que seria, nas palavras de um filósofo norte-americano, uma autêntica tirania da esfera econômica sobre as demais” (SCHRAMM & KOTTOW, 2000). 192 Volume 1, n o 2, 2005 Os problemas aqui apontados mostram a necessidade de questionar o controle, regulação, fiscalização, legislação e a ética da reprodução assistida. Com efeito, o controle sobre os resultados, os registros e a quase ausência de pesquisas nesta área no Brasil, não impedem que se deva, com urgência, enfrentar essa problemática, inclusive do ponto de vista da bioética, a qual apesar de alguns exemplos contrários, tem abordado a questão de maneira que consideramos insuficiente (SIMPÓSIO, 2001). Convém também lembrar que o fato desta técnica estar disponível em sua quase totalidade no setor privado tem impedido a investigação por parte de pesquisadores, já que, em nome da privacidade da informação, não se tem acesso a estas clínicas e, muito menos, a seus resultados. Finalizando, gostaríamos de recomendar que o acesso à reprodução assistida pelas mulheres pobres fosse respeitado, sem o quê, qualquer discussão sobre autonomia e justiça torna-se totalmente sem sentido. Afinal, a bioética é uma ética aplicada e, como tal, deve também dizer o que é correto e o que é errado fazer em situações humanas específicas para melhorar a qualidade de vida de todos e de cada um, inclusive daquelas pessoas responsáveis por colocar no mundo outros seres humanos que poderão concordar, ou não, com os argumentos aqui apresentados. Referências Bibliográficas ARIÉS, P.. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Guanabara. 1986. BADINTER, E.. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro, Nova Fronteira. 1996. BRASIL. LEI Nº 9.263, DE 12 DE JANEIRO DE 1996. Do Planejamento Familiar. http://www.cfm.org.br/Leis/lei9263.htm. Acesso em 19/07/2002. BRASIL. Esterilização feminina (Laqueadura). DATASUS. Rede interagencial de informações para a saúde – RIPSA - indicadores e dados básicos - IDB - ficha de qualificação. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/idb1998/fqf12.htm. Acesso em 02/06/ 03. 1998. CHATEL, M-M.. O mal estar na procriação. 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[email protected] Marta Inez Machado Verdi Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil. [email protected] Resumo: As clínicas odontológicas de ensino são instituições de assistência que prestam atendimento com profissionais ainda em formação. Esta situação propicia o surgimento de conflitos e dilemas, principalmente porque a maioria das pessoas que procuram atendimento busca atenção odontológica especializada, que não é fornecida pela rede pública. Com o objetivo de identificar as questões éticas que permeiam o atendimento a pacientes em uma clínica odontológica de ensino, realizou-se uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório descritivo com 10 professores do curso de odontologia de uma universidade pública federal. Foram investigadas as rotinas de acesso ao serviço e ao atendimento, marcados por situações peculiares, nas quais se percebe que as pessoas em busca de tratamento tornam-se freqüentemente vulneráveis, sofrendo, em decorrência, desrespeito em sua autonomia, como pacientes, cidadãos e seres humanos. Este artigo pretende chamar a atenção da classe acadêmica para o problema e reforçar a responsabilidade de todo o corpo docente dos cursos de odontologia na formação da competência ética dos futuros profissionais, bem como de sua postura frente aos pacientes atendidos nas clínicas de ensino. Palavras-chave: Vulnerabilidade. Odontologia. Bioética. Clínicas odontológicas de ensino. Abstract: The dental school clinics are unique assistance institutions providing health care through dental students. Moral conflicts and ethical dilemmas emerge specially as most people who attend these clinics are searching for specialized dental care not provided for, under Brazilian public health care. A qualitative, exploratory and descriptive research was performed at a dentistry course of a federal public university aiming to identify the ethical issues involved in patient attendance at the dental school clinic of this institution. The access and attendance routines were investigated, through which was clear that the people assisted are frequently put into vulnerable situations, and, as a result, their autonomy is not respected as patients, citizens and human beings. This article would like to bring this problem to the attention of the academy and to emphasize the responsibility all dental school professors have in the construction of the ethical competence of the future dentists as well as in their attitude toward the patients they assist at these institutions. Key words: Vulnerability. Dentistry. Bioethics. Dental school clinics. 195 Revista Brasileira de Bioética Ao se falar de vulnerabilidade e das questões políticas, sociais ou humanitárias que engloba, deve-se atentar para os padrões sociais de desigualdade nas condições de vida, de saúde e de acesso aos serviços de saúde, uma vez que são situações que propiciam o surgimento de pessoas ou populações vulneráveis (DINIZ, 2001). A versão revisada da Declaração de Helsinque traz um parágrafo que trata da questão: “As necessidades particulares dos que apresentam desvantagens econômicas e médicas têm que ser reconhecidas. Também se requer especial atenção àqueles que não podem dar ou recusar o consentimento por si mesmos, àqueles que podem se sujeitar a dar consentimento em situações de dificuldade...” (WORLD MEDICAL ASSOCIATION, 2000). O vulnerável sofre necessidades não atendidas, o que o torna frágil e predisposto a sofrer danos. Sujeitos vulneráveis têm que ser protegidos, enquanto os predispostos à vulnerabilidade precisam de assistência para remover a causa da sua fraqueza. Além da vulnerabilidade básica, intrínseca à existência humana, alguns indivíduos são afetados por circunstâncias desfavoráveis que os tornam ainda mais vulneráveis (KOTTOW, 2003). A dificuldade de acesso à assistência odontológica caracteriza uma dessas circunstâncias, pois a cobertura da assistência odontológica pública brasileira não consegue suprir a demanda da população. Não só as vagas para atendimento são insuficientes, como os serviços prestados pelas unidades locais de saúde não atendem às necessidades por serviços odontológicos básicos ou especializados. O Governo Federal, por meio do Programa Brasil Sorridente, e lançado em outubro de 2004, pretende investir em diversas ações em saúde bucal até o final de 2006. Entre elas está a construção e instalação de Centros de Especialidades Odontológicas - CEO, que vão prestar atendimento especializado à população (CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, 2004). Este programa está, no entanto, ainda em fase inicial de implantação, do que se depreende que boa parte da população continua desassistida. As clínicas odontológicas de ensino são estabelecimentos vinculados aos cursos de odontologia das universidades, e, na sua maioria, são mantidas por verba pública. Essas clínicas prestam atendimento odontológico básico e especializado à população, por meio de profissionais ainda em formação, ou seja, os estudantes desses cursos. 196 Volume 1, n o 2, 2005 Segundo Beauchamp e Childress, “dentro de instituições de assistência médica que ensinam futuros profissionais através do atendimento a pacientes, surgem freqüentemente conflitos morais e dilemas éticos” (BEAUCHAMP & CHILDRESS, 2002). Sua realidade peculiar pode contribuir para colocar as pessoas atendidas em condição vulnerável, já que as rotinas adotadas no cotidiano institucional referem-se a práticas que nem sempre têm relação direta com o tratamento do paciente, e sim, muito mais, com a formação do profissional e o cumprimento da produção acadêmica. Esses objetivos transformam as pessoas atendidas em objetos para o ensino aos estudantes. Em decorrência disso, as pessoas que procuram as clínicas de ensino dessas instituições, em busca de serviços que não lhes são fornecidos pela rede pública, tornam-se vulneráveis, e, conseqüentemente, sofrem desrespeito a sua autonomia. Dito isso, é importante refletir sobre as diferentes questões éticas envolvidas na relação terapêutica protagonizada pelo paciente, o aluno e o professor. Dentre estes questionamentos, destacam-se: qual a autonomia dessas pessoas durante o atendimento? Podem recusar determinados procedimentos? Como se processa na relação paciente/aluno/professor o confronto de diferentes interesses: de um lado, a necessidade terapêutica; de outro, o interesse acadêmico? Há a supremacia de um em detrimento do outro, quando o interesse acadêmico prepondera sobre a vulnerabilidade dos pacientes, desrespeitando seu direito individual em nome do ensino? Para responder a essas indagações, este estudo busca caracterizar diferentes situações nas quais o paciente da clínica odontológica de ensino é colocado em condição de vulnerabilidade. Metodologia Em 2004, foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa e de caráter exploratório descritivo, junto a dez professores do curso de odontologia de uma universidade pública federal, sorteados dentre o corpo docente responsável pelas seguintes disciplinas: Cirurgia, Clínica Integrada, Dentística, Endodontia, Estomatologia, Odontopediatria, Ortodontia, Periodontia, Prótese Parcial e Prótese Total. As informações foram coletadas em entrevista semi-estruturada, incluindo nove perguntas abertas, gravadas em fitas-cassete, e, posteriormente, transcritas na íntegra. A técnica escolhida para a análise dos dados foi a análise de conteúdo proposta por Bardin (BARDIN, 1977). 197 Revista Brasileira de Bioética O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, sendo aprovado sem restrições. A pesquisadora comprometeu-se a manter a identidade dos participantes em sigilo, com uso de codinomes. Foram utilizados os nomes de dez capitais européias colocadas em ordem aleatória, correspondendo cada uma delas a um entrevistado. A Vulnerabilidade do Paciente da Clínica Odontológica de Ensino Quando uma pessoa procura uma clínica odontológica de ensino, consente explícita e implicitamente com certas perdas de privacidade, relativas ao exame e ao tratamento odontológicos. Porém, essa decisão não concede nem implica em acesso irrestrito ao seu corpo. São poucos os pacientes, no entanto, que entendem a extensão da perda de privacidade que podem sofrer dentro da clínica odontológica de ensino, e, por outro lado, nem sempre os profissionais envolvidos no atendimento respeitam o limite desta perda, pautada entre outros aspectos, pelo princípio do respeito à autonomia. Beauchamp e Childress colocam que o paciente deve ser sempre corretamente informado sobre a realidade da instituição e sobre os procedimentos a serem realizados, dando seu consentimento esclarecido e voluntário, e, também, nunca ser submetido a riscos desnecessários (BEAUCHAMP & CHILDRESS, Op. cit.). Somente deste modo, não estarão sendo violados princípios éticos de relacionamento entre profissional e paciente. Porém, a realidade relatada pelos entrevistados explicitou algumas questões que claramente desrespeitam as pessoas atendidas na instituição pesquisada, colocando-as em condição de vulnerabilidade. Uma primeira situação relatada pelos docentes, e que pode ser considerada um reflexo das desigualdades sociais que caracterizam a sociedade brasileira, é a luta por vagas para atendimento. Um dos docentes assim se manifestou: “É complicado [...] primeiro ele tem que entrar em uma competição pra poder conseguir uma vaga [...] houve uma época que existia um comércio [...] as pessoas vinham pra cá de madrugada, conseguiam a vaga e depois vendiam pra comunidade” (Roma). Trindade e colaboradores ressaltam que, devido a fatores econômicos, sociais ou mesmo de necessidade especial à saúde bucal, observa-se crescente procura por atendimento odontológico nas clínicas de ensino (TRINDADE et al.,1999). Dessa forma, tem-se criado uma grande dificuldade para a obtenção 198 Volume 1, n o 2, 2005 de uma vaga para atendimento nessas instituições, sendo que a maioria dos que a conseguem, consideram o fato uma vitória, por mais contraditório que isso seja. Isso porque o serviço prestado ali é, na verdade, um direito adquirido das pessoas, uma vez que essas são instituições públicas, mantidas pela população com o pagamento de impostos. Apesar desse contra-senso, a realidade é que um grande número de pessoas procura as clínicas odontológicas de ensino das universidades em busca de serviços especializados “gratuitos” que não estão disponíveis na rede pública de atendimento e pelos quais não têm condição de pagar. Uma vez tendo conseguido cadastrar-se na instituição, o paciente entra para uma fila de espera por atendimento em uma disciplina que faz o exame odontológico inicial e a anamnese, e que estabelece a prioridade de tratamento para cada paciente, encaminhando-o para outra lista de espera, a das disciplinas clínicas específicas. A partir daí, os pacientes deveriam ser chamados para atendimento seguindo a ordem dessa lista; no entanto, a realidade percebida pelos professores é outra. Perguntados se o sistema oficial de triagem de pacientes era respeitado, assim se manifestaram: “Não necessariamente. Até porque muitas vezes alguns pacientes nos vêm encaminhados por outros colegas de dentro da faculdade, que nos pedem ajuda para atender esse ou aquele paciente: um parente, um amigo” (Oslo). Segundo Bellino, “um verdadeiro empenho ético deve garantir à ciência um máximo de liberdade compatível com o respeito devido aos outros valores em jogo [...] e essas regras valem não só para os peritos e cientistas, mas também para o homem comum” (BELLINO, 1997). Privilegiar o atendimento de amigos, conhecidos e parentes de professores ou funcionários, expõe o uso de outros critérios para a distribuição de vagas, que não os previamente determinados pela instituição, ficando caracterizado o abuso da autoridade de professores e funcionários, que desrespeitam aqueles que aguardam por atendimento, evidenciando, também, a vulnerabilidade desses pacientes, que ficam aguardando o atendimento, pensando estar em uma lista de espera que, além de ser longa, parece também ser permeada por atalhos e desvios. Além da questão do privilégio no atendimento a pessoas conhecidas, outras situações também desrespeitam a autonomia das pessoas que aguardam a chamada pelas disciplinas clínicas. Uma delas é a prioridade explícita que é dada por algumas das disciplinas ao atendimento de casos de interesse acadêmico, como relatou esse professor: 199 Revista Brasileira de Bioética “O paciente recebe uma orientação e fica sabendo que no momento que houver uma vaga para o que a gente precise a gente chama. Mas na dependência também daquilo que nos interessa. [...]. Porque eu sempre coloco para o pessoal: isso aqui antes de tudo é uma escola, não é um posto de atendimento” (Londres). A percepção do professor deixa explícito que os casos de interesse acadêmico são tratados com prioridade, sobrepondo-se à lista de espera e às necessidades dos pacientes. Para legitimar tal regalia, utiliza-se como argumento a característica da instituição, formadora da clínica de ensino. É fato que esta instituição é uma escola, cuja finalidade é capacitar novos profissionais; entretanto, convém ressaltar que toda pessoa, na condição de paciente, ou seja, quando apresenta necessidades relativas a sua saúde, deve ser tratada para que tais necessidades sejam suprimidas. Ela não deve ser prejudicada ou preterida por não apresentar a “necessidade certa”, que lhe possibilitaria obter o tratamento de maneira rápida, pois isso caracteriza desrespeito a um direito humano básico, que é o direito à saúde. A importância e prioridade que são conferidas pela instituição à formação dos profissionais, e, conseqüentemente, ao cumprimento da produção acadêmica, ficam claras em outra situação, identificada nas práticas dos docentes: o uso de pacientes como “reserva”. A dinâmica de trabalho adotada nas disciplinas clínicas prevê que o número de pacientes a terem acesso ao serviço deve corresponder ao número de alunos disponíveis para realizá-lo. Os “pacientes-reserva” são assim chamados porque representam um número excedente de pacientes, marcados para ficar aguardando uma chance de serem atendidos em caso, principalmente, da falta de algum paciente que foi agendado para aquele dia. Sobre isso, um docente assim se manifestou: “Sempre se pede mais [...] um pouco não, normalmente o dobro, às vezes não dá para atender [...] não deu, aí eles voltam na semana que vem. [...] normalmente eles ficam chateados, mas normalmente são pessoas humildes que estão acostumadas com esse tipo de coisa” (Lisboa). Chama a atenção a “coisificação” das pessoas, explícita nessa prática. Pela sua necessidade de tratamento, o paciente é visto como um meio que objetiva alcançar o fim proposto para a instituição, que é o atendimento a ser realizado pelo aluno. Segundo Fortes: 200 Volume 1, n o 2, 2005 “Todo ser humano, quando na posição de paciente, dever ser tratado em virtude de suas necessidades de saúde e não como um meio para a satisfação de interesses de terceiros, da ciência, dos profissionais de saúde ou de interesses industriais e comerciais” (FORTES, 2002). Além disso, a situação caracteriza também desrespeito à autonomia do paciente, a quem não é dada nenhuma informação que lhe possibilite tomar uma decisão com pleno conhecimento de causa. O uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é frequentemente associado ao respeito à autonomia do paciente. Em teoria, deve proteger o sujeito na pesquisa ou no tratamento, informando-o sobre os procedimentos a serem realizados e seus objetivos, buscando desta forma respeitar a vontade do indivíduo em consentir ou não com realização de determinada ação. A clínica odontológica de ensino pesquisada adota como prática comum o uso de um Termo de Autorização para diagnóstico e tratamento, localizado no rodapé da ficha cadastral do paciente junto à instituição. A sua assinatura, que acontece quando o paciente é examinado pela primeira vez, é prérequisito para que seja encaminhado para as disciplinas clínicas. Um docente se manifestou sobre o fato: “[...] ele quer ser atendido, então ele vai assinando da mesma forma que eu assinei o teu consentimento informado [...] a maioria dos pacientes que vão ler o consentimento informado, eles dão uma “passada” e assinam [...]” (Copenhague). O termo em questão concentra, em algumas linhas, um grande número de procedimentos e ações a serem realizadas, com as quais o paciente teoricamente consente ao assinar, mesmo quando se encontra em situação de vulnerabilidade social. Segundo Zoboli e Fracolli, tal situação inclui, entre outros fatores, a pobreza, as desigualdades sociais e de acesso às ações e serviços de saúde e educação (ZOBOLI & FRACOLLI, 2001). Frente à vulnerabilidade social, deve-se questionar se o sujeito que enfrentou dificuldades para conseguir acesso aos serviços de saúde, é verdadeiramente livre para exercer sua opção autônoma, especialmente quando teme que sua recusa em assinar um termo de consentimento possa resultar na perda da vaga para atendimento. Além disso, freqüentemente há um longo período, de meses e até anos, de espera entre a assinatura da autorização e o atendimento propriamente dito, devido à grande demanda por vagas. O paciente acaba, portanto, consentindo com uma variedade de procedimentos em relação aos quais dificilmente pode prever a efetiva realização. 201 Revista Brasileira de Bioética A maneira como o Termo de Autorização para tratamento é utilizado na instituição, como mera formalidade burocrática, suscita o questionamento sobre até que ponto os pacientes estão realmente informados e de acordo com a realização de todos os procedimentos. Para avaliar isso, procurou-se saber se existiam outras formas de informar os pacientes e de obter seu consentimento voluntário quando realizados procedimentos terapêuticos e tomadas imagens fotográficas. A respeito disso, alguns docentes assim se manifestaram: “Infelizmente não. Na verdade a única preocupação é com o diagnóstico, planejamento e tratamento, e não se presta nenhum outro tipo de esclarecimento adicional ao paciente” (Estocolmo); “[...] eu não faço esse tipo de coisa, mas eu acho que não é pedido o consentimento da pessoa. Acha um caso interessante, alguém pega a máquina, bate a foto e pronto” (Berlim). O princípio da autonomia é desrespeitado devido à falta de informação do paciente em relação ao procedimento que se pretende fazer e à ausência do consentimento livre, esclarecido e voluntário, específico para cada procedimento. Vários professores argumentaram que os pacientes já haviam dado consentimento quando assinaram a autorização para tratamento. No entanto, deve-se atentar para o conflito criado pelo uso da autorização para tratamento como forma única de esclarecimento e concordância do paciente com a realização de todos os procedimentos que vão ser feitos na clínica, incluindo as fotografias. Além disso, essa autorização, além de não ser um documento específico, não contempla informações suficientes sobre os procedimentos que serão realizados e, como já foi dito, é apresentada ao paciente muito tempo antes da realização do atendimento. A dificuldade em conseguir atendimento parece gerar nas pessoas o medo constante da perda da vaga, tornando-as vulneráveis. Em função disso, acabam assinando - muitas vezes sem saber com o que estão consentindo - a autorização para tratamento e se submetendo no cotidiano das clínicas de atendimento a todo e qualquer procedimento. Essa situação caracteriza a restrição da liberdade de manifestação dos pacientes atendidos, que fica explícita na fala deste docente: “O paciente praticamente não fala nada, [...], porque ele já estava esperando há muito tempo, então imagina se ele começar a fazer certos questionamentos que seriam normais, ele pensa que naturalmente vai perder a vaga. [...]” (Copenhague). 202 Volume 1, n o 2, 2005 Por fim, uma situação que constantemente coloca os pacientes atendidos pela clínica odontológica de ensino em condição de vulnerabilidade é a prática, comum em algumas disciplinas, de exigir dos alunos o cumprimento de produção acadêmica mínima como requisito para a aprovação: “[...] o aluno tem que ter uma certa produção dentro da disciplina e ele pode ser penalizado pela recusa do paciente e ele vai ter que ir atrás de outra forma pra compensar essa perda” (Paris). A mesma situação é relatada por outro docente: “Na nossa disciplina nós temos muito cuidado em não exigir dos nossos alunos produção mínima, porque pode ser que ele chegue no final e não tenha produzido exatamente o número certo de procedimentos que a gente considere ideal e por isso a gente atribua a ele uma nota inferior à de um indivíduo que tenha feito desnecessariamente o dobro” (Estocolmo). A vulnerabilidade do paciente fica explícita se considerarmos que, da mesma forma que algumas disciplinas se preocupam em coibir a “inclinação” de certos alunos em “sobretratar” alguns pacientes para cumprir a meta estipulada pela disciplina, outras podem não ter a mesma orientação ou ter um corpo docente menos atento a esses acontecimentos. Os pacientes confiam nos estudantes de odontologia e sempre esperam que eles atuem em nome da sua saúde bucal. Quando o estudante sugere um tratamento, que seja o indicado para o caso e também seja “útil” para completar a sua produção, ele não está necessariamente violando a autonomia do paciente ou ferindo o seu próprio dever de beneficência; mas, para que isso se configure, o paciente deve estar informado a respeito de toda a situação e realmente dar seu consentimento voluntário para que o tratamento aconteça (VAN DAM & WELIE, 2001). Esses autores vão ainda mais longe, dizendo que, ao não informar o paciente sobre essa situação, os estudantes, e por conseqüência, os professores que os orientam, agem da mesma forma desonesta que pesquisadores que não esclarecem corretamente os sujeitos de pesquisa ou os profissionais que tentam convencer pacientes a fazer tratamentos caros e desnecessários. Todas as situações visualizadas nesta pesquisa, por mais questionáveis, constrangedoras e injustas, fazem parte do cotidiano de instituições similares à pesquisada neste trabalho, remetendo a uma citação de Foucault, que pode ser interpretada para a realidade pesquisada por este estudo. Ele questiona: 203 Revista Brasileira de Bioética “Com que direito se pode transformar em objeto de observação clínica um doente ao qual a pobreza obrigou a solicitar a assistência hospitalar? Ele requer um auxílio do qual é o sujeito absoluto na medida em que este foi criado pra ele; mas agora lhe é imposto um olhar do qual ele é objeto, e um objeto relativo, pois o que se decifra nele está destinado a um melhor conhecimento dos outros” (FOUCAULT, 1987). Considerações Finais A vulnerabilidade intrínseca à existência humana é, até certo ponto, protegida pela sociedade. Afora essa vulnerabilidade, os seres humanos são afetados por vulnerabilidades circunstanciais, em decorrência da pobreza, da falta de acesso a serviços de saúde e da discriminação. Essas situações impedem as pessoas de terem suas necessidades atendidas, predispondo-as a infortúnios adicionais. A bioética tem particular preocupação com essa vulnerabilidade secundária e circunstancial devido aos riscos que correm as pessoas vulneráveis de serem prejudicadas pela exploração advinda de ações biomédicas realizadas por profissionais da saúde. A formação de futuros profissionais é a importante missão das instituições de ensino. No entanto, quando essa formação envolve atendimento odontológico prestado à comunidade e realizado por estudantes, a situação assume características diferentes da simples democratização de informações e de conhecimento, havendo o risco de que se estabeleçam conflitos morais e dilemas éticos devido à submissão dessas pessoas à condição de objeto de ensino para os futuros profissionais. É importante sublinhar que o atendimento prestado pelas clínicas odontológicas de ensino representa, para parte da população brasileira, a única chance de acesso a determinados serviços essenciais, que não são fornecidos pela rede pública de atendimento. Tal situação pode tornar essas pessoas vulneráveis, o que freqüentemente ocorre, pois elas acabam se submetendo a qualquer situação para suprir sua necessidade de saúde, sendo, então, desrespeitadas na sua autonomia, como pacientes, cidadãos e seres humanos. Assim, vale ressaltar que todo o corpo docente do curso de odontologia tem grande responsabilidade na construção da competência ética dos futuros odontólogos e na sua postura frente aos pacientes, que vivenciam, mesmo que por período determinado, a condição de objeto de ensino para os profissionais em formação. Esta condição, além de questionável, não justifica desrespeitos a sua dignidade, valor primeiro e fundamental da vida humana. 204 Volume 1, n o 2, 2005 Referências Bibliográficas BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70. 1977. BELLINO, F. Fundamentos da bioética. Aspectos antropológicos, ontológicos e morais. Bauru, EDUSC. 1997. BEAUCHAMP, T. & CHILDRESS, J. Princípios da ética biomédica. São Paulo, Ed. Loyola. 2002. BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Normas para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Res. CNS 196/ 96 e outras) Brasília: Ministério da Saúde, 2002. CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, ano 12, n. 61, jul-ago., Rio de Janeiro. 2004. CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, ano 12, n. 62, set-out., Rio de Janeiro. 2004. DINIZ, D. A vulnerabilidade na bioética. In: COSTA, S. I. & DINIZ, D. (Orgs.). Bioética: ensaios. Brasília: Letras Livres: 27-32, 2001. FORTES, A. P de C. Ética e saúde. São Paulo, EPU, 1ª reimpressão, 2002. FOUCAULT, M. El nacimiento de la clínica. México, Siglo XXI. 1987. KOTTOW, M. Bioética e política de recursos em saúde. In: GARRAFA, V. & COSTA, S. I. F. (Orgs.). A bioética no século XXI. Brasília, Editora Universidade de Brasília: 67-75. 2000. TRINDADE, O. & RAMOS, D. Análise das rotinas adotadas nos serviços de triagem de instituições de ensino odontológico para atendimento e encaminhamento de pacientes: aspectos éticos. Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Odontologia da USP, São Paulo, Universidade de São Paulo, 6: 291-297.1999. WORLD MEDICAL ASSOCIATION. Declaration of Helsinki, Paragraph 2, 2000. ZOBOLI, E.L. C. P. & FRACOLLI, L. A. Vulnerabilidade do sujeito de pesquisa. Cadernos de Ética em Pesquisa, Brasília, Ano IV(8): 20-21. 2001. VAN DAM, S. & WELIE, J. Requirement-driven dental education and the patient’s right to informed consent. Journal of American College Dentistry, 68(3):40-47, 2001. Recebido em 11/6/2005 Aprovado em 9/8/2005 205 Revista Brasileira de Bioética Resenha de livros Esta seção destina-se à apresentação de resenhas de livros de interesse para a bioética. Vida Ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo da atualidade. SINGER, Peter. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. 420p. ISBN 850001055X “Dizem freqüentemente que a vida é sagrada. Mas quase nunca isso é dito no sentido literal. Não se quer dizer que a vida seja sagrada em si, como parecem indicar as palavras. Se assim fosse, matar um porco ou arrancar um repolho pareceria tão hediondo quanto matar um ser humano. Quando dizem que a vida é sagrada, as pessoas têm em mente a vida humana. Mas por que deveria a vida humana tem valor especial?”. O livro Vida ética é uma excelente amostra do estado-da-arte da produção acadêmica do filósofo australiano Peter Singer. Num convite a reflexão sobre temas fundamentais e extremamente provocantes, esta coletânea é leitura obrigatória para bioeticistas e todos os que se interessam pela ética utilitarista, trazendo inquietação e incômodo aos espíritos moldados numa ética centrada no homem. Esta seleção de artigos, feita pelo próprio autor, trata com clareza e excelente articulação lógica os controversos meandros da filosofia moral. Peter Singer é especialista em ética aplicada e professor na prestigiada Universidade de Princeton, onde estuda problemas como o aborto, a eutanásia, o estatuto moral dos animais, as responsabilidades morais perante os mais pobres do mundo e outros temas persistentes, sob o prisma utilitarista da ética prática, que pode ser entendida como um modo de dar relevância à filosofia nas questões cotidianas. O livro foi lançado em 2002 pela Ediouro (tradução da versão inglesa lançada em 2000) e é uma espécie de resposta dada por Singer aos dilemas de uma visão unilateral de mundo. É um momento de reflexão acerca da influência de seus escritos sobre indivíduos engajados nas questões ambientais e na questão animal, e também um instante de reflexão crítica sobre conflitos morais indiosincrásicos: militância ou academia? 206 Volume 1, n o 2, 2005 A coletânea encontra-se dividida em cinco partes: “Natureza da Ética” com dois fragmentos sobre as diferentes interpretações do que é ética e do que é moral; “Cruzando a Barreira das Espécies” com sete textos, dos quais destaca-se o excelente “Todos os Animais são Iguais...” onde foi “embrionada” a questão do especismo; “Salvar e Tirar a Vida Humana” com 10 fragmentos sobre eutanásia, início e fim de vida; “Ética, Interesse Pessoal e Política” ; e por fim, “Anotações Autobiográficas”, com dois fragmentos e uma entrevista, nos quais Singer expõe algumas situações onde sua cáustica análise utilitarista gerou desconforto em seus ouvintes e interlocutores, causando em alguns momentos até uma franca hostilidade. A prosa direta e cativante transforma os textos numa agradável leitura, onde os argumentos são apresentados em seqüente exposição de conceitos, induzindo os leitores a uma reflexão acerca de seus pré-conceitos e motivações. Singer, com brilhantismo e argúcia, conduz seu público a rever seriamente as conseqüências do agir cotidiano e o lugar do homem na natureza, levando em consideração que, apesar de sua visão utilitarista, outras leituras de mundo podem e devem ser feitas. O ponto mais contundente de sua obra reaparece em Vida ética e continua sendo sua principal bandeira: todos os seres sencientes devem ter seus interesses levados em consideração, apesar de qualquer antropocentrismo. Natan Monsores de Sá Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília, Distrito Federal, Brasil. [email protected] 207 Revista Brasileira de Bioética Atualização científica Esta seção destina-se à apresentação de resumos e comentários de artigos científicos recentes. HÄYRY, Matti. A defense of ethical relativism. Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics 14 (1): 07-12, 2005. O filósofo finlandês Häyry discute a questão do relativismo, palavra que exprime idéia controversa na bioética ocidental, buscando demonstrar que o conceito vem sendo mal entendido e mal aplicado. Para isso cria uma tabela simples onde se combinam seis “ismos”: absolutismo, relativismo e nihilismo em uma coluna; e objetivismo, inter-subjetivismo e subjetivismo em outra. As normas e valores éticos que orientam as ações e o pensamento moral originam-se de três fontes básicas: do indivíduo, dos outros com os quais esse indivíduo se relaciona e da realidade objetiva. Cada pessoa possui sua própria vida, pensamento e características que, de alguma forma, orientam suas ações. A convivência com outras pessoas também influencia valores, normas e ações. Outros fatores objetivos decorrem de vivermos em um mundo concreto que não podemos de todo controlar, criando a necessidade de adaptação de nosso comportamento, ainda que seja simplesmente para sobreviver. O poder prescritivo, mandatário ou a validade de normas e valores podem estar baseados em três atitudes. Uma possibilidade é considerá-los absolutamente vinculantes, sendo moralmente inadequado deixar de seguilos. Este seria o caso do absolutismo, uma doutrina pela qual algumas normas e valores devem ser obedecidos sem exceção. A versão objetiva dessa atitude remonta a Platão, para o qual normas e valores residem no mundo das idéias e devem ser seguidas mesmo em contradição com os costumes da sociedade e os desejos eventuais de cada um. Tomás de Aquino retoma essa perspectiva em sua teoria de direito natural, argumentando que Deus e a Razão seriam as origens da correta orientação moral. Para Kant, a racionalidade humana é a única fonte legítima de normas morais. O utilitarismo de Jeremy Bentham é igualmente uma forma de objetivismo absoluto embasado na moralidade do prazer e da dor e na busca da maior satisfação possível para o maior número de pessoas. 208 Volume 1, n o 2, 2005 É questionável se o intersubjetivismo existiria como doutrina, o que teoricamente significaria que normas contratualmente assumidas ou valores sociais ou comunitários tradicionais deveriam ter prevalência absoluta como fontes da ação e da moralidade. O problema, nesse caso, residiria naqueles que não fazem parte do contrato social ou não pertencem à sociedade em questão. Rawls, em sua teoria de justiça, retorna ao ideal absolutista kantiano de que todos os seres racionais devem aderir ao contrato. MacIntire, crítico da visão “comunitária” de Rawls, também termina por inspirar-se nas idéias de Tomás de Aquino, de forma que essa posição, na matriz inicial, ficaria vazia. Do mesmo modo, a versão subjetivista de que as normas de um indivíduo devam prevalecer sobre as demais, não parece ter jamais recebido defesa filosófica. O relativismo estabelece que a validade de normas e valores está sempre relacionada a um fenômeno ou ponto de vista em transformação. Não rejeita todas as normas, mas se opõe a regras e princípios absolutos. A relativização de costumes e leis no ocidente remonta ao Século XVIII por meio das visões de Adam Smith, para quem o fator de mudança estaria na produção e distribuição de bens e serviços e não na forma de pensar sobre eles. Hegel argumenta que as idéias e as condições materiais que moldam o progresso histórico obedecem a uma certa dialética em que conceitos morais são transformados e formas de pensamento se sucedem. Neste sentido, Marx assume elementos de ambos os autores, rejeitando a maioria dos valores burgueses ocidentais. No Século XX, o relativismo foi estendido a sociedades intersubjetivas especialmente em decorrência de trabalhos antropológicos que produzem impacto no ocidente, com visões de outras culturas. A necessidade de reconhecer a diversidade moral acentua-se após a II Guerra Mundial, com a criação as Nações Unidas, quando se inicia o processo de regulamentação das relações internacionais, incluindo códigos morais. A partir daí tomaram maior vulto as tentativas para entender as moralidades de outros grupos e garantir que qualquer indivíduo, em qualquer sociedade, pudesse mudar suas circunstâncias de vida caso não conseguisse viver conforme aspectos de sua cultura original. A variação subjetivista do relativismo lembra que cada pessoa, cultura ou nação possui pontos de vista próprios. O “egoísmo racional”, uma forma prudente ou tolerante de egoísmo, supõe que cada um deva apreciar seus pontos de vista, reconhecendo que outros possuem suas próprias visões a que igualmente concedem valor. Outro ponto desta análise, o niilismo, estabelece que algumas ou todas as normas e valores não são válidos e devem ser rejeitados. As motivações 209 Revista Brasileira de Bioética para essa rejeição vão desde a irritação intelectual até considerações morais. Quando aplicamos idéias niilistas a teorias morais objetivistas, há duas conclusões possíveis. Se pudermos, por exemplo, ignorar regras kantianas ou de Bentham (que são predominantemente altruístas), podemos estar advogando alguma forma de egoísmo. Por outro lado, se combatemos o universalismo desses valores comunitários ou contratuais, tendemos ao existencialismo ou ao emotivismo. A exigência de rejeitar normas subjetivas ou intersubjetivas faz parte, geralmente, de formas tradicionais de objetivismo absoluto. Em termos de valores humanos, portanto, Platão, Tomás de Aquino, Kant e Bentham podem ser vistos como niilistas, já que negam a validade de alguns valores. Do ponto de vista do existencialismo, esses autores estariam induzindo as pessoas a viverem de modo “não autêntico” ou de “má fé”. Após preencher as posições da tabela, o autor conclui o que seria, a seu ver, o relativismo. Uma doutrina que: atribui valores a indivíduos, a todos os indivíduos e não a um indivíduo isoladamente; busca, identifica e define normas válidas em termos de contratos e valores compartilhados, ou seja, em termos da interação humana e seus resultados; reconhece diferenças culturais, históricas ou outras entre normas e valores, sem desqualificar nenhum deles. Assim, segundo essa análise, o relativismo não é lealdade social ou comunitária irrefletida ou egoísmo absoluto, noções que parecem ter sido inventadas por escolas antagônicas de pensamento. Tampouco é niilista, na medida em que não nega a validade de todas as normas e valores. Caso a alternativa ao relativismo seja o objetivismo absoluto, isso iria exigir um passo gigantesco para uma visão particular da natureza humana. E sendo essa visão uma visão individual, ela significaria, no fundo, o egoísmo absoluto. Nesse caso, o autor defende o relativismo como uma idéia que não seria tão ruim. O artigo é recomendável para todos aqueles que acompanham o panorama internacional e as tentativas de julgamento de comportamentos específicos a partir de determinados parâmetros da cultura ocidental. A busca de abordagens conceituais contratuais para o estabelecimento de regras e valores éticos pretensamanente universais, frequentemente deixa de fora grupos com baixa capacidade de poder para garantir a validade de suas visões morais. Nesse processo, valores discordantes passam a ser desqualificados, levando a situações de intolerância, discriminação e conflito, que no bojo de uma visão relativista poderiam ser resolvidas de forma mais construtiva e compatível com a dignidade humana. 210 Volume 1, n o 2, 2005 É indispensável relembrar que diferenças no grau de desenvolvimento, condições de vida, tradição histórica e o pluralismo cultural entre populações, tornam imperativa a convivência de diversos sistemas de valores, que permanecem existindo não obstante a imposição exógena de regras comuns. O respeito a valores diferenciados de grupos humanos distintos, não impede a identificação de eventuais parâmetros comuns que necessitam, contudo, ser trabalhados de modo inclusivo, permitindo que visões discordantes sejam apreciadas sem antagonismo a priori e que se conserve espaço para mudanças decorrentes de novas situações e realidades. O artigo de Häyry apresenta uma ferramenta interessante para avaliação dos rumos atuais da bioética. Desconstrói, de modo sistemático, a conotação negativa do relativismo imposta pelas correntes prevalentes da bioética e amplia o espaço teórico para o surgimento de novas abordagens. Ana Maria Tapajós Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde – Ministério da Saúde, Brasília, Distrito Federal, Brasil. [email protected] 211 Revista Brasileira de Bioética Documentos Esta seção destina-se a apresentar documentos de interesse relevante para a bioética. Apresentação Entre os dias 20 e 24 de junho passado foi realizada em Paris, França, na sede da UNESCO, a segunda e decisiva Reunião dos Experts Governamentais de diferentes países membros daquele organismo para definir o texto final da futura Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. O Brasil foi representado pela Delegação oficial do país na UNESCO chefiada pelo Embaixador Antonio Augusto Dayrell de Lima, secundado pelo Ministro Luiz Alberto Figueiredo Machado e pelo secretário Álvaro Luiz Vereda de Oliveira. O prof. Volnei Garrafa, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética - SBB, assessorou a delegação brasileira como Delegado Oficial do Evento, designado pelo Presidente da República por meio de ato oficial. A reunião teve a participação de 90 países e se caracterizou por um grande divisor de posições entre os países ricos e pobres. As posições dos desenvolvidos, encabeçada por Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Japão e Reino Unido, defendia uma Declaração que restringisse a bioética aos tópicos biomédicos / biotecnológicos. O Brasil teve papel decisivo na ampliação do texto para os campos da bioética social e da bioética ambiental. Com o apoio de todas as demais delegações latino-americanas presentes, secundadas especialmente a da Argentina, pelos países africanos, Índia e Síria, o teor final da Declaração pode ser considerado como uma grande vitória das nações em desenvolvimento. No momento, a UNESCO está adaptando o documento aos idiomas oficiais: inglês, francês, espanhol, russo, chinês e árabe. O formato final será submetido à homologação, pela Assembléia Anual da UNESCO, a ser realizada em outubro de 2005. Pelo conteúdo da Declaração, principalmente no capítulo referente aos princípios, os leitores poderão verificar o acerto da SBB quando a mesma decidiu incursionar pelos caminhos da aproximação da bioética com a saúde pública e os temas sociais, há alguns anos atrás. A definição do tema oficial do VI Congresso Mundial realizado em Brasília, em novembro de 2002, já prenunciava a ampliação da definição da bioética principalmente ao campo social: “Bioética, Poder e Injustiça”. A tradução preliminar e livre da Declaração, aqui apresentada em português, está sob a responsabilidade da Cátedra UNESCO de Bioética da UnB. Finalmente a América Latina e o Brasil estão mostrando ao mundo sua participação militante nos temas da bioética, com resultados práticos e concretos, como é o caso da presente Declaração. 212 Volume 1, n o 2, 2005 ESBOÇO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS Paris, 24 de junho de 2005. A Conferência Geral, Consciente da capacidade exclusiva dos seres humanos de refletir sobre sua própria existência e sobre o seu meio ambiente; de perceber a injustiça; de evitar o perigo; de assumir responsabilidade; de buscar cooperação e de demonstrar o sentido moral que dá expressão a princípios éticos, Refletindo sobre os rápidos desenvolvimentos na ciência e na tecnologia, que progressivamente afetam nossa compreensão da vida e a vida em si, resultando em uma forte exigência de uma resposta global para as implicações éticas de tais desenvolvimentos, Reconhecendo que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na ciência e suas aplicações tecnológicas deveriam ser examinadas com o devido respeito à dignidade da pessoa humana e universal respeito por, e cumprimento dos, direitos humanos e liberdades fundamentais, Decidindo que é necessário e oportuno para a comunidade internacional declarar princípios universais que proporcionarão uma base para a resposta da humanidade para os sempre-crescentes dilemas e controvérsias que a ciência e a tecnologia apresentam para a raça humana e para o meio ambiente, Recordando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 11 de Novembro de 1997, e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 16 de Outubro de 2003, Considerando os dois Pactos Internacionais das Nações Unidas relativos aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e aos Direitos Civis e Políticos, de 16 de Dezembro de 1966, a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de 213 Revista Brasileira de Bioética Dezembro de 1965, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de Dezembro de 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade Biológica, de 5 de Junho de 1992, os Parâmetros Normativos sobre a Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades, adotados pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 1993, a Convenção de OIT (n.º 169) referente a Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de 1989, o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para a Alimentação e a Agricultura, adotado pela Conferência da FAO em 3 de Novembro de 2001 e que entrou em vigor em 29 de Junho de 2004, a Recomendação da UNESCO sobre a Importância dos Pesquisadores Científicos, de 20 de Novembro de 1974, a Declaração da UNESCO sobre Raça e Preconceito Racial, de 27 de Novembro de 1978, a Declaração da UNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as Gerações Futuras, de 12 de Novembro de 1997, a Declaração Universal da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2 de Novembro de 2001, o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo de Marrakech, que estabelece a Organização Mundial do Comércio, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1995, a Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, de 14 de Novembro de 2001, e outros instrumentos internacionais relevantes adotados pela Organização das Nações Unidas e pelas agências especializadas do sistema da Organização das Nações Unidas, em particular a Organização para a Alimentação e a Agricultura da Organização das Nações Unidas (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), Observando, ainda, instrumentos internacionais e regionais no campo da bioética, inc1uindo a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e da Dignidade do Ser Humano com respeito às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho da Europa, adotada em 1997 e que entrou em vigor em 1999, juntamente com seus protocolos adicionais, bem como legislação e regulamentações nacionais no campo da bioética, códigos internacionais e regionais de conduta e diretrizes e outros textos no campo da bioética, tais como a Declaração de Helsinki, da Associação Médica Mundial, sobre Princípios Éticos para a Pesquisa Biomédica Envolvendo Sujeitos Humanos, adotada em 1964 e emendada em 1975, 1989, 1993, 1996, 2000 e 2002, e as Diretrizes Éticas 214 Volume 1, n o 2, 2005 Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, do Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas, adotadas em 1982 e emendadas em 1993 e 2002; Reconhecendo que a presente Declaração deve ser interpretada de modo consistente com a legislação doméstica e internacional em conformidade com as regras sobre direitos humanos; Tendo presente a Constituição da UNESCO, adotada em 16 de Novembro de 1945, Considerando o papel da UNESCO na identificação de princípios universais baseados em valores éticos compartilhados para o desenvolvimento científico e tecnológico e a transformação social, de modo a identificar os desafios emergentes em ciência e tecnologia, levando em conta a responsabilidade da geração presente para com as gerações futuras e que as questões da bioética, as quais necessariamente possuem uma dimensão internacional, deveriam ser tratadas como um todo, inspirando-se nos princípios já estabelecidos pela Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos e pela Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos e levando em consideração não somente o atual contexto científico, mas também desenvolvimentos futuros, Conscientes de que os seres humanos são parte integral da biosfera, com um papel importante na proteção um do outro e das demais formas de vida, em particular dos animais, Reconhecendo, com base na liberdade da ciência e da pesquisa, que os desenvolvimentos científicos e tecnológicos têm sido e podem ser de grande benefício para a humanidade inter alia no aumento da expectativa e na melhoria da qualidade de vida, e enfatizando que tais desenvolvimentos devem sempre buscar promover o bem-estar dos indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e da humanidade como um todo no reconhecimento da dignidade da pessoa humana e no respeito universal e observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, Reconhecendo que a saúde não depende unicamente dos desenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mas também de fatores psico-sociais e culturais, 215 Revista Brasileira de Bioética Reconhecendo, ainda, que decisões sobre questões éticas na medicina, ciências da vida e tecnologias associadas podem ter um impacto sobre indivíduos, famílias, grupos ou comunidades e sobre a humanidade como um todo, Tendo em mente que a diversidade cultural, como uma fonte de intercâmbio, inovação e criatividade, é necessária aos seres humanos e, nesse sentido, é patrimônio comum da humanidade, embora enfatizando que este não pode ser invocado à custa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, Tendo em mente que a identidade de um indivíduo inclui dimensões biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais, Reconhecendo que condutas científicas e tecnológicas antiéticas já produziram impacto específico em comunidades indígenas e locais, Convencida de que a sensibilidade moral e a reflexão ética deveriam fazer parte integral do processo de desenvolvimento científico e tecnológico e de que a bioética deve desempenhar um papel predominante nas escolhas que precisam ser feitas com relação às questões que emergem de tal desenvolvimento, Considerando o desejo de desenvolver novos enfoques relacionados à responsabilidade social de modo a assegurar que o progresso da ciência e da tecnologia contribua para a justiça, a eqüidade e para o interesse da humanidade, Reconhecendo que conceder atenção à posição das mulheres é uma forma importante de avaliar as realidades sociais e alcançar eqüidade, Dando ênfase à necessidade de reforçar a cooperação internacional no campo da bioética, levando particularmente em consideração as necessidades específicas dos países em desenvolvimento, das comunidades indígenas e das populações vulneráveis, Considerando que todos os seres humanos, sem distinção, deve se beneficiar dos mesmos elevados padrões éticos na medicina e nas pesquisas em ciências da vida, Proclama os princípios a seguir e adota a presente Declaração. 216 Volume 1, n o 2, 2005 DISPOSIÇÕES GERAIS Artigo 1 – Escopo a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais. b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado e pertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e privadas. Artigo 2 – Objetivos Os objetivos desta Declaração são: (i) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para orientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outros instrumentos no campo da bioética; (ii) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições e corporações, públicas e privadas; (iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas liberdades fundamentais, consistentes com a legislação internacional de direitos humanos; (iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta Declaração e de que respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais; (v) promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questões bioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo; 217 Revista Brasileira de Bioética (vi) promover o acesso eqüitativo aos desenvolvimentos médicos, científicos e tecnológicos, assim como a maior circulação possível e o rápido compartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e a participação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de países em desenvolvimento; (vii) salvaguardar e promover os interesses das gerações presentes e futuras; e (viii)ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação como uma preocupação comum da humanidade. PRINCÍPIOS Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticas desenvolvidas por aqueles a quem ela é dirigida, os princípios a seguir devem ser respeitados. Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos a) A dignidade humana, os diretos humanos e as liberdades fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade. b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade. Artigo 4 – Benefício e Dano Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, participantes de pesquisa e outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avanço do conhecimento científico e das práticas médicas e tecnologias associadas. Artigo 5 – Autonomia e Responsabilidade Individual Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões, quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia 218 Volume 1, n o 2, 2005 dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia. Artigo 6 – Consentimento a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecida do indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento deveria, onde apropriado, ser manifesto e pode ser retirado pelo indivíduo envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar desvantagem ou preconceito. b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre, expresso e esclarecido consentimento da pessoa envolvida. A informação deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e deve inc1uir os procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser retirado pela pessoa envolvida a qualquer hora e por qualquer razão, sem acarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio somente deveriam ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presente Declaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos. c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de pessoas ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento informado individual. Artigo 7 – Pessoas sem a capacidade para consentir Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada a indivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento: a) a autorização para pesquisa e a prática médica deve ser obtida no melhor interesse da pessoa envolvida e de acordo com a legislação nacional. Não obstante, o indivíduo afetado deveria ser envolvido, na medida do possível, tanto no processo de decisão do consentimento assim como no de sua retirada; 219 Revista Brasileira de Bioética b) a pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde do indivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteção prescritas pela legislação e se não houver nenhuma alternativa de pesquisa de eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidade para fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial benefício direto à saúde só devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondo o indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se espera que a pesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesma categoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com a proteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais pessoas em participar de pesquisas deve ser respeitada. Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade Pessoal A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica deveriam ser protegidos e a integridade pessoal de cada indivíduo deveria ser respeitada. Artigo 9 – Privacidade e Confidencialidade A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas informações pessoais devem ser respeitadas. Da melhor forma possível, tais informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, em consonância com o direito internacional, em particular com a legislação internacionais sobre direitos humanos. Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Eqüidade A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados de forma justa e eqüitativa. 220 Volume 1, n o 2, 2005 Artigo 11 – Não-Discriminação e Não-Estigmatização Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos humanos e liberdades fundamentais. Artigo 12 – Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo A importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadas para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades fundamentais nem os princípios dispostos nesta Declaração, ou para limitar seu escopo. Artigo 13 – Solidariedade e Cooperação A solidariedade entre os seres humanos e cooperação internacional para este fim devem ser estimuladas. Artigo 14 – Responsabilidade Social e Saúde a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para o seu povo é um objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade. b) Considerando que usufruir do mais alto padrão de saúde atingível é um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da ciência e da tecnologia deve ampliar: (i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e crianças, porque a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada como um bem social e humano; (ii) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade; (iii) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente; 221 Revista Brasileira de Bioética (iv) a eliminação da marginalização e da exc1usão de indivíduos por qualquer que seja o motivo; e (v) a redução da pobreza e do analfabetismo. Artigo 15 – Compartilhamento de Benefícios a) Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e na comunidade internacional, em especial com países em desenvolvimento. Para dar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer das seguintes formas: (i) ajuda especial e sustentável e reconhecimento das pessoas e grupos que tenham participado de uma pesquisa; (ii) acesso a cuidados de saúde de qualidade; (iii) oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou de produtos resultantes da pesquisa; (iv) apoio a serviços de saúde; (v) acesso ao conhecimento científico e tecnológico; (vi) facilidades para geração de capacidade em pesquisa; e (vii) outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos na presente Declaração. b) Os benefícios não devem constituir indução inadequada para estimular a participação em pesquisa. Artigo 16 – Protegendo as Gerações Futuras O impacto das ciências da vida nas gerações futuras, incluindo sobre sua constituição genética, deve ser devidamente considerado. 222 Volume 1, n o 2, 2005 Artigo 17 – Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos e outras formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da biodiversidade. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, a integridade e a transparência na tomada de decisões, em particular na explicitação de todos os conflitos de interesse e no devido compartilhamento do conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do melhor conhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constante revisão das questões bioéticas. b) As pessoas e profissionais envolvidos e a sociedade como um todo devem estar envolvidos regularmente no diálogo. c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista, buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes. Artigo 19 – Comitês de Ética Comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas devem ser criados, instituídos e mantidos em nível apropriado com o fim de: (i) avaliar as relevantes questões éticas, legais, científicas e sociais relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos; (ii) prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas; (iii) avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, formular recomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes sobre temas inseridos no âmbito da presente Declaração; e 223 Revista Brasileira de Bioética (iv) promover o debate, a educação, a conscientização do público e o engajamento com a bioética. Artigo 20 – Avaliação e Gerenciamento de Riscos Deve-se promover a avaliação e o gerenciamento adequado de riscos com relação à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas. Artigo 21 – Práticas Transnacionais a) Os Estados, as instituições públicas e privadas, e os profissionais associados a atividades transnacionais devem empreender esforços para assegurar que qualquer atividade no escopo da presente Declaração, que seja desenvolvida, financiada ou conduzida de algum modo, no todo ou em parte em diferentes Estados, seja coerente com os princípios da presente Declaração. b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou mais Estados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, tal pesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s) Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado. Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes com os princípios estabelecidos na presente Declaração. c) Pesquisa transnacional em saúde deve responder às necessidades dos países hospedeiros e deve ser reconhecida sua importância na contribuição para a redução de problemas de saúde globais urgentes. d) Na negociação de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidos os termos da colaboração e a concordância sobre os benefícios da pesquisa com igual participação de ambas as partes. e) Os Estados devem tomar medidas adequadas, em níveis nacional e internacional, para combater o bioterrorismo, o tráfico ilícito de órgãos, tecidos e amostras, recursos genéticos e materiais genéticos. 224 Volume 1, n o 2, 2005 PROMOÇÃO DA DECLARAÇÃO Artigo 22 – Papel dos Estados a) Os Estados devem tomar todas as medidas de caráter legislativo, administrativo ou qualquer outro, adequadas de modo a implementar os princípios estabelecidos na presente Declaração e em conformidade com a legislação internacional e com os direitos humanos. Tais medidas devem ser apoiadas por ações nas esferas da educação, formação e informação ao público. b) Os Estados devem estimular o estabelecimento de comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas, conforme o disposto no Artigo 19. Artigo 23 – Informação, Formação e Educação em Bioética a) De modo a promover os princípios estabelecidos na presente Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em bioética em todos os níveis, bem como encorajar programas de disseminação de informação e conhecimento sobre bioética. b) Os Estados devem estimular a participação de organizações internacionais e inter-governamentais regionais e de organizações nãogovernamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço. Artigo 24 – Cooperação Internacional a) Os Estados devem promover a disseminação internacional da informação científica e estimular a livre circulação e o compartilhamento do conhecimento científico e tecnológico. b) Ao abrigo da cooperação internacional, os Estados devem promover a cooperação cultural e científica e estabelecer acordos bilaterais e multilaterais que possibilitem aos países em desenvolvimento construir capacidade de participação na geração e compartilhamento do conhecimento científico, do know-how relacionado e dos benefícios decorrentes. 225 Revista Brasileira de Bioética c) Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entre Estados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e comunidades, com atenção especial para aqueles tornados vulneráveis por doença ou incapacidade ou por outras condições pessoais, sociais ou ambientais e aqueles com maior limitação de recursos. Artigo 25 – Ação de acompanhamento pela UNESCO a) A UNESCO promoverá e disseminará os princípios da presente Declaração. Para tanto, a UNESCO buscará e o apoio e assistência do Comitê Intergovernamental de Bioética (IGBC) e do Comitê Internacional de Bioética (IBC). b) A UNESCO reafirmará seu compromisso em tratar de bioética e em promover a colaboração entre o IGBC e o IBC. CONSIDERAÇÕES FINAIS Artigo 26 – Inter-relação e Complementaridade dos Princípios A presente Declaração deve ser interpretada na sua totalidade e seus princípios devem ser compreendidos como complementares e interrelacionados. Cada princípio deve ser considerado no contexto dos demais, de forma pertinente e adequada a cada circunstância. Artigo 27 – Limitações à Aplicação dos Princípios Se a aplicação dos princípios da presente Declaração tiver que ser limitada, tal limitação deve ocorrer em conformidade com a legislação, incluindo a legislação referente aos interesses de segurança pública, para a investigação, descoberta e acusação por crimes, para a proteção da saúde pública ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquer dessas legislações devem ser consistentes com a legislação internacional sobre direitos humanos. 226 Volume 1, n o 2, 2005 Artigo 28 – Recusa a atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e dignidade humana Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocado por qualquer Estado, grupo ou indivíduo, para envolvimento em qualquer atividade ou prática de atos contrários aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana. Tradução: Mauro Machado do Prado e Ana Tapajós Revisão: Volnei Garrafa Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal, Brasil. 227 Revista Brasileira de Bioética Teses, dissertações e monografias Esta seção destina-se a divulgar as teses de doutorado, dissertações de mestrado e monografias de especialização aprovadas em diferentes programas de pós-graduação em bioética no país. Os trabalhos aqui elencados foram enviados pelos coordenadores dos respectivos cursos. A RBB está aberta à divulgação de novos trabalhos. Monografias de Especialização - 2003 V Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Bioética da UnB. Universidade de Brasília, Distrito Federal. Coordenador: Prof. Dr. Volnei Garrafa. Autores: Cássia Regina de Paula Paz, Gilmar Gonzaga e Maria do Carmo F. Queiros. Título: A importância relacional entre o ser humano e o meio ambiente sob a perspectiva da guerra: um enfoque bioético. Orientador: Prof. Dr. Jorge Alberto Cordón Portillo. Autores: Cláudia C. Guimarães e Ricardo J. de Faria. Título: Uma contribuição da bioética ao debate sobre os problemas relacionados ao álcool. Orientadora: Profª Dra. Tereza Cavalcanti F. Araújo. Autores: Bianca Barros Pedro e Marco Aurélio Versiani. Título: Enfoque bioético da autonomia e vulnerabilidade docente frente à violência discente – estudo de caso. Orientador: Prof. MSc. João Geraldo Bugarin Júnior. Autores: Anelise Krause G. Costa, Diane Maria Scherer K. Lago, Érica Correia Coelho e Sandra Mari Bachi. Título: A interdisciplinaridade nas práticas de saúde: reflexões bioéticas sobre o projeto de lei que define o “Ato Médico”. Orientador: Prof. MSc. Mauro Machado do Prado. Autores: Irene Lôbo, Juliana Figueiredo de Andrade e Rodrigo Caetano. Título: Genoma humano, para quem? Orientador: Prof. Dr. Volnei Garrafa. 228 Volume 1, n o 2, 2005 III Curso de Especialização em Bioética da UEL. Universidade Estadual de Londrina, Paraná. Coordenador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira. Autor: Juliano Tutida. Título: Odontologia para bebês: reflexões sobre um fato ocorrido. Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira. Autora: Lauana Bolzani Viana Rosa. Título: Em busca do cuidar e do cuidado. Orientador: Prof. Dr. Lourenço Zancanaro. Autora: Luciana Grange. Título: O cientista e a sociedade: um resgate. Orientadora: Profª. Dra. Olívia Márcia N. Arantes . Autor: Luis Javier Miranda Mc Nally. Título: Organizações não governamentais um novo paradigma ético-social. Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira. Autora: Maria Sueli Benassi . Título: Mulheres intervindo na realidade para mudar a mentalidade. Orientador: Prof. Dr. Leonardo Prota. Autora: Ogle Beatriz Bacchi de Souza. Título: Uma experiência de esclarecimentos em massa sobre doação de órgãos e transplantes. Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira. Autora: Sueli da Silva Paulino. Título: Visão ética: possibilitando uma ação holística de cuidar. Orientador: Prof. Dr. Nilson Giraldi. Autora: Sueli Fernandes da Costa. Título: As faces a destruição e a busca pela reconstrução. Orientador: Prof. Dr. Nilson Giraldi. 229 Revista Brasileira de Bioética III Curso de Especialização em Ética Aplicada e Bioética da Fiocruz. Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. Coordenadora: Profª Dra. Marlene Braz. Autora: Giselane L. Figueiredo Salamonde. Título: Os diferentes métodos clínicos em bioética. Orientadora: Profª. Dra. Marlene Braz. Autor: Luiz Vianna Sobrinho Título: Estudo do agente moral. Avaliação de um grupo de médicos em um centro de terapia intensiva frente à questão eutanásia – distanásia. Orientador: Prof. Dr. Fermin Roland Schramm. Autora: Maria Cristina Lopes Pereira. Título: A ética e o patenteamento de seres vivos e material biológico. Orientador: Prof. Dr. José Luiz Telles de Almeida. Autor: Paulo Augusto Alves Título: A relação médico do trabalho/trabalhador. Discussão à luz da ética aplicada. Orientadora: Profª. Dra Marisa Palácios. Autor: Rafael Guimarães Botelho Título: Análise dos aspectos éticos das memórias de Licenciatura em Educação Física que envolvem seres humanos de uma instituição de ensino superior no Estado do Rio de Janeiro – 1997 a 2002. Orientadora: Profª. Dra. Rita Leal Paixão. II Curso de Especialização em Bioética da USP. Universidade de São Paulo, São Paulo. Coordenador: Prof. Dr. Marco Segre. Autor: Eduardo Nunes Pacheco de Morais. Título: A autonomia e o Planejamento Familiar. Autora: Eliana Menabó. Título: Dilemas e evolução da pesquisa clínica em seres humanos no século XX. 230 Volume 1, n o 2, 2005 Autora: Elisabete da Silva Montesano. Título: A ética em pesquisas envolvendo seres humanos. Autora: Erika Franco de Carvalho. Título: Morte encefálica. Autor: Fábio José Donario Carvalho. Título: A importância dos documentos médicos na relação médico-paciente. Autora: Felicia Knobloch. Título: Bioética e subjetividade. Autor: Flavius Lucilius Buratto Nunes. Título: A bioética em face do sagrado. Autor: Guilherme Rubino de Azevedo Focchi. Título: Assédio moral entre médicos. Autora: Iara Alves de Camargo. Título: O emprego de cédulas tronco como recurso terapêutico e suas implicações éticas. Autor: José Arnaldo Soares Vieira. Título: DNA e crimes sexuais. Aspéctos bioéticos. Autor: Liris Delma de Lima e Silva Azevedo. Título: O alumbramento do homem uma contribuição da poesia à bioética. 231 Revista Brasileira de Bioética Normas Editoriais Para enviar seu artigo à Revista Brasileira de Bioética - RBB siga as normas editoriais abaixo: Serão aceitos manuscritos originais relacionados às seguintes seções l Artigos originais – produção resultante de pesquisa de natureza empírica, documental ou conceitual no campo da ética, ou revisão crítica relacionada a esta temática; l Resenha de livros; l Atualização científica - resumo e comentários de artigos científicos recentes; l Relação de teses, dissertações e monografias. Requisitos para apresentação de manuscritos l Serão publicados textos em português, espanhol e inglês; O texto deve ser precedido do título, em caixa alta e negrito, seguido pelo(s) nomes(s) do(s) autor(es); l Resumos: os textos deverão ser acompanhados de breve resumo (abstract); os artigos submetidos em português ou espanhol deverão ter resumo no idioma original e em inglês, com um máximo de 20 linhas cada um (aproximadamente 1.100 caracteres), incluindo as palavras-chave. l Palavras-chave: mínimo de quatro e máximo de seis palavras-chave descritoras do conteúdo do trabalho, apresentadas na língua original e em inglês; l Notas de rodapé: deverão ser apresentadas no formato de pé de página, sem ultrapassar 5 linhas, seguidas de autor e data. l Os textos devem ser acompanhados por folha de rosto com os seguintes itens: título do texto, autor(es), com e-mail e telefones; nome da respectiva instituição por extenso. Em caso de dois autores, ambos devem cumprir tais exigências; l Os artigos que divulgam pesquisa envolvendo seres humanos devem estar acompanhados da aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa – CEP; explicitar a qual comitê foi submetido; e anexar a cópia da aprovação da pesquisa no CEP; l A revista não publicará gráficos, tabelas ou fotografias; l O artigo deve ser enviado em meio eletrônico (email ou disquete, em processador de texto Word for Windows), acompanhado por três cópias em papel. l O tamanho limite dos artigos é de 20 laudas, ou aproximadamente 450 linhas, em papel A4, letra Times New Roman, tamanho de fonte 12, espaço 1,5. As referências bibliográficas não contempladas nos exemplos abaixo deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e as regras correntes do idioma brasileiro. l 232 Volume 1, n o 2, 2005 Referências bibliográficas No corpo do texto citar unicamente o sobrenome do autor e ano de publicação entre parêntesis, (AZEVEDO, 2002) ou (PESSINI & BARCHIFONTAINE, 2000.) Em citações com mais de dois autores, deve aparecer apenas o sobrenome do primeiro, seguido da expressão et al., e o ano, como (SIQUEIRA et al, 2003).Todas as referências citadas no texto devem fazer parte das referências bibliográficas. Títulos de periódicos, livros, locais, editoras e instituições não devem ser abreviados. Nas referências bibliográficas, artigos com vários autores devem ser citados com todos os nomes. No caso de mais de cinco autores, citar o primeiro seguido de et al. Livro: OLIVEIRA, M. de F. de. Oficinas mulher negra e saúde. Belo Horizonte, Mazza,1998. Capítulo de livro: ANJOS, M. F. dos. Bioética nas desigualdades sociais. In: GARRAFA, V. & COSTA, S. I. (Orgs.). A Bioética do Século XXI. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 49-65, 2000. Artigo: SCHRAMM, F. R. A autonomia difícil. Bioética. 6(1): 27-38, 1998. ZOBOLI, E. L. C. P. & MASSAROLO, M. C. K. B. Bioética e consentimento: uma reflexão para a prática da enfermagem. O Mundo da Saúde, 26 (1): 65-70, 2002. Ávila, G. N. de; Ávila G.A. de & Gauer, G.J.C. Is the unified list system for organ transplants fair? Analysis of opinions from different groups in Brazil. Bioethics, 17 (5-6): 425-431, 2003. Tese/Dissertação: ALBUQUERQUE, M. C. Enfoque bioético da comunicação na relação médico-paciente nas unidades de terapia intensiva pediátrica. Tese de Doutorado em Ciências da Saúde - Área de Concentração: Bioética, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, 2002. Resumo publicado em Anais de Congresso: CAPONI, S. Os biopoderes e a ética na pesquisa. VI Congresso Mundial de Bioética, Brasília: Anais, 219, 2002. Publicações de Governo: BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Normas para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Res. CNS nº 196/96 e outras). Brasília, Ministério da Saúde, 2002. 233 Revista Brasileira de Bioética Documentos jurídicos: BRASIL. Lei n° 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamenta os incisos II e V do parágrafo 1° do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, DF, 6 jan., 1995. Internet: SEGRE, M. A propósito da utilização de células-tronco. Disponível, em :< http:// www.consciencia.br/reportagens/celulas/11.shml/>. Acesso em: 5 set. 2004. Para onde enviar: Revista Brasileira de Bioética Setor de Rádio e Televisão Norte, SRTVN, Quadra 702, Edifício Brasília Rádio Center, conjunto P, sala 1.014. CEP: 70.719 – 900 [email protected] 234 Volume 1, n o 2, 2005 Ficha de afiliação à SBB Nome:................................................................................................................................................ Sexo: F M Naturalidade:................................... Nacionalidade:............................................................ RG:...................................................... Órgão Expedidor:....................................................... CPF:.................................................... Data Nascimento:....................................................... Endereço Residencial:............................................................................................................... Bairro:................................. Cidade:.............................. Estado:.................... Cep:................ Tel: ( )............................... Fax: ( )............................ e-mail:.............................................. Instituição onde trabalha:....................................................................................................... Cargo atual:................................................................................................................................ Fone: ( ).............................. Fax: ( )............................ e-mail:.............................................. Qualificação Profissional (Graduação):................................................................................. Maior titulação acadêmica:..................................................................................................... Áreas de interesse específico na bioética:........................................................................... ........................................................................................................................................................ Assinatura Valor da anuidade / 2005 – R$ 125,00 Depósito – Banco Brasil, Agência 3475 – 4 conta corrente 10247 – 4 Favor preencher a ficha de afiliação e enviar junto com o comprovante de depósito bancário à SBB. Ficha de assinatura da RBB Nome:........................................................................................................................................... Instituição.................................................................................................................................... Endereço..................................................................................................................................... Bairro:....................................... Cidade:......................... Estado:.................... Cep:................ Fone: ( ).............................. Fax: ( )............................ e-mail:.............................................. Referente ao ano de...................... Valor da anuidade da RBB: R$ 80,00 (quatro números por ano) Depósito – Banco Brasil, Agência 3475 – 4 conta corrente 10247 – 4 Favor preencher a ficha e enviar junto com o comprovante de depósito bancário à SBB. 235 Revista Brasileira de Bioética Revista Brasileira de Bioética Setor de Rádio e Televisão Norte, SRTVN, Quadra 702, Edifício Brasília Rádio Center, conjunto P, sala 1.014. CEP: 70.719 – 900 [email protected] 236