2005 1(2) - Cátedra UNESCO de Bioética

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2005 1(2) - Cátedra UNESCO de Bioética
Volume 1
Número 2
2005
Revista Brasileira de Bioética
Sociedade Brasileira de Bioética - SBB
Diretoria / 2001-2005
Presidente Volnei Garrafa (DF)
1º Vice Leo Pessini (SP)
2º Vice José Eduardo de Siqueira (PR)
3º Vice Délio Kipper (RS)
1º Secretário Dirce Matos (DF)
2º Secretário Elma Zoboli (SP)
1º Tesoureiro Mauro Machado do Prado (GO)
2º Tesoureiro Marcos de Almeida (SP)
CONSELHO FISCAL
João dos Reis Canela (MG)
Maria Clara F. Albuquerque (PE)
Maria Cristina K. B. Massarollo (SP)
COMISSÃO DE ÉTICA
Cláudio Cohen (SP)
Fermin Roland Schramm (RJ)
Livia H. Pithan (RS)
Roberto L. D’ Ávila (SC)
Sérgio Ibiapina F. Costa (PI)
Revista Brasileira de Bioética - RBB
Editor Interino Volnei Garrafa
Editora Executiva Dora Porto
Revisão Dora Porto, Kenia Alves (espanhol), Ana Claudia Almeida Machado
(inglês), Mauro Machado do Prado e Volnei Garrafa.
Jornalista Responsável Gustavo Tapioca (MTB/BA - 547)
Capa Marcelo Terraza
Apoio Departamento de Ciência e Tecnologia-DECIT / Ministério da Saúde
Conselho Editorial Interino Antônio Carlos Rodrigues da Cunha, Christian de
Paul de Barchifontaine, Edvaldo Dias Carvalho Júnior, Erli Helena Gonçalves,
Elma Zoboli, José Eduardo de Siqueira, Marco Segre, Marlene Braz, Mauro
Machado do Prado, Nilza Maria Diniz, Paulo Antônio de Carvalho Fortes.
A SBB estimula e autoriza a reprodução total ou parcial por
todos os meios desde que citada a fonte.
Sumário
109
Editorial
Artigos Especiais
110
BIOÉTICA Y BIOPOLÍTICA
Bioethics and Biopolitics
Miguel Kottow
122
INCLUSÃO SOCIAL NO CONTEXTO POLÍTICO DA BIOÉTICA
Social inclusion in the political context of bioethics
Volnei Garrafa
Artigos Originais
133
¿ES UNA BIOÉTICA SEPARADA DE LA POLÍTICA MENOS
IDEOLOGIZADA QUE UNA BIOÉTICA POLITIZADA?
Is a bioethics disconected from politics less desired as a
politics-oriented bioethics?
Pedro L. Sotolongo
145
BIOÉTICA DAS INSTITUIÇÕES PIONEIRAS - PERSPECTIVAS
NASCENTES AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE
Bioethics of the pioneer institutions and rising perspectives
connected to some challenges of contemporary
Leo Pessini
164
CLONACIÓN HUMANA REPRODUCTIVA, TERAPÉUTICA Y SOCIAL
Reproductive, therapeutic and social human cloning
José Maria Cantú
Diana Resendez Pérez
Ute Schmidt Osmanczik
180
O NINHO VAZIO: A DESIGUALDADE NO ACESSO À
PROCRIAÇÃO NO BRASIL E A BIOÉTICA
The empty nest: bioethics and the unequality in the access to
procreatin in Brazil
Marlene Braz
Fermin Roland Schramm
195
A VULNERABILIDADE E O PACIENTE DA CLÍNICA
ODONTOLÓGICA DE ENSINO
Vulnerability and teaching odontologic clinic patients
Evelise Ribeiro Gonçalves
Marta Inez Machado Verdi
Seções
206
Resenha de livros
208
Atualização científica
212
Documentos
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE BIOÉTICA E DIREITOS HUMANOS
228
Teses, dissertações e monografias
Editorial
O
trabalho de um editor é plantar palavras e assim dar corporeidade a
uma idéia. Quando escrito, o pensamento se torna perene. Ao ser impressa,
a palavra alcança dimensão coletiva, disponível em tempo e espaço para
toda pessoa que queira acercar-se dela, usufruí-la, apoderar-se de seu(s)
sentido(s).
A palavra impressa tem, no mundo das idéias, o valor do cultivo de uma
planta na realidade concreta. Ela produz valor. Plantar propicia vida material
porque estas podem se transformar continuamente em frutos, numa
metamorfose cíclica. E a fertilidade pode brotar, indistintamente, nos campos
de cultivo ou no campo das idéias.
Como editores interinos da Revista Brasileira de Bioética, estamos
procurando preparar e regar essa seara, satisfeitos com o fruto produzido, e
acreditando que alguma eventual falha não seja capaz de diminuir o valor
intrínseco que é a existência manifesta da RBB.
A publicação oficial da Sociedade Brasileira de Bioética já existe; pode
ser vista, tocada, manuseada e lida (é o que esperamos...) por todos aqueles
que se interessam pela bioética. E mais que isso, pode vir a ser ferramenta
para revolver o terreno, arejando a discussão coletiva. Pode, por fim,
consubstanciar-se em instrumento para semear o processo dialético e para colher
a praxis, que liberta da teoria estéril e do cotidiano do automatismo cego.
Nesse momento histórico, em que está para ser homologada a Declaração
Universal de Bioética e Direitos Humanos, unir teoria e prática é tarefa de
todos aqueles que querem ver a ética aplicada à vida social, gerando um
novo mundo mais comprometido com a realidade, no qual as diferenças não
sejam inequívocos sinais de desigualdade.
Nesse sentido, estamos certos que os artigos apresentados neste volume
trazem, de maneiras diversas, a inquietação de bioeticistas latino-americanos
frente à realidade dos países em desenvolvimento. Apontam cada um a seu
modo, mas todos de maneira clara, que a reflexão autóctone só se estabelece
na intersecção entre a existência material e a interpretação que se concebe
sobre ela. Portanto, para nós, não se faz ética só na teoria: a ética, para ser
ética, deve necessariamente ser prática, aplicada. Ao bom entendedor, meia
palavra basta...
Os Editores
Revista Brasileira de Bioética
Artigos especiais
Esta seção destina-se à publicação de artigos de autores convidados. Os textos serão
publicados no idioma original.
BIOÉTICA Y BIOPOLÍTICA
Bioethics and Biopolitics
Miguel Kottow
Escuela de Salud Pública y Departamento de Bioética y Humanidades, Universidad
de Chile, Santiago, Chile.
[email protected]
Resumen: En este artículo discuto el actual esfuerzo por facilitar el acercamiento
de la bioética a la política, dentro de la propuesta de la derivación de los conflictos
bioéticos a la arena política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la
inequidad social y la exclusión. Al aclarar algunas definiciones de la política,
introduzco la idea de que el ideario del poder es foráneo a la bioética, para
argumentar que Bioética y política obran en ámbitos distintos, y con métodos que
difieren entre sí. La bioética no puede, por lo tanto, adoptar el lenguaje del poder.
Una convergencia entre bioética y política en el plano de la deliberación no es
pensable para la biopolítica. La propuesta de la bioética en general, y de la bioética
de protección en particular, reconoce una profunda incompatibilidad con la
biopolítica, en tanto la primera se ocupa del bíos – existencia- y la biopolítica se
ensaña con la zoe destruyendo el bíos pues, como su nombre lo indica, la vida nuda
se acerca a la vida animal y es despojada de su humanidad. En este antagonismo, la
bioética tiene precisamente el rol de proteger al bíos de no ser tratado como mera
zoe , y de argumentar en oposición a las perspectivas biopolíticas, que operan en
forma excluyente de los valores de libertad.
Palabras-clave: Bioética. Política. Biopolítica. Poder. Ética de protección.
Abstract: In this article it is discussed the present effort that aims at an approach of
bioethics and politics, following a proposal which sustains that bioethical conflicts
reach a political scenery, specially the ones which are connected to poverty, social
inequity and exclusion. By elucidating some definitions of politics, it is introduced
the idea that bioethics and politics act in different ambito and with different methods.
Bioethics thus cannot adopt power discourse. A consonance between bioethics and
politics in a deliberation plan is not contrivable to biopolitics. The proposal of
bioethics, in general, and of protection bioethics, in specific, recognizes a deep
incompatibility with biopolitics. The first one is formed by bíos – existence – and
biopolitics is componed by zôì, destroying the bíos, as the name indicates, life
approximates from animal life and is deprived from its humanity. In this antagonism,
bioethics has precisely the task of protecting the bios of not being treated as only a
zôì, and of arguing in resistance to the biopolitical perspectives, which work excluding
freedom values.
Key words: Bioethics. Politics. Biopolitics. Power. Protection ethics.
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Volume 1, n o 2, 2005
Desde hace algunos lustros se presentan la inquietud y el esfuerzo por
facilitar el acercamiento de la bioética a la política, sobre todo desde la
perspectiva que reconoce la estrecha relación entre lo sanitario y las
condiciones socioeconómicas de las sociedades. El tema se vuelve más
candente en la medida en que van claudicando los grandes referentes de la
filosofía política y cediendo el espacio al pensamiento utilitarista y a las
estrategias pragmáticas. El nacionalismo cede ante la globalización, y el
comunismo ha arrastrado en su caída a los socialismos, limpiando el escenario
para la hegemonía neoliberal. La idea del Estado – social o benefactor –
empalidece frente al libre mercado que sostiene poderlo todo, y que todo lo
quiere. Los problemas de que se ocupa la bioética – notablemente los
biomédicos y ecológicos: salud pública, atención médica, investigación en
seres vivos, adaptación al medio social y ambiental, conservación de recursos
naturales – no pueden ser entendidos e influidos únicamente desde la reflexión
académica. De allí la sugerencia de derivar los conflictos bioéticos a la arena
política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la inequidad social
y la exclusión.
Desde hace algunos lustros se presentan la inquietud y el esfuerzo por
facilitar el acercamiento de la bioética a la política, sobre todo desde la
perspectiva que reconoce la estrecha relación entre lo sanitario y las
condiciones socioeconómicas de las sociedades. El tema se vuelve más
candente en la medida en que van claudicando los grandes referentes de la
filosofía política y cediendo el espacio al pensamiento utilitarista y a las
estrategias pragmáticas. El nacionalismo cede ante la globalización, y el
comunismo ha arrastrado en su caída a los socialismos, limpiando el escenario
para la hegemonía neoliberal. La idea del Estado – social o benefactor –
empalidece frente al libre mercado que sostiene poderlo todo, y que todo lo
quiere. Los problemas de que se ocupa la bioética – notablemente los
biomédicos y ecológicos: salud pública, atención médica, investigación en
seres vivos, adaptación al medio social y ambiental, conservación de recursos
naturales – no pueden ser entendidos e influidos únicamente desde la reflexión
académica. De allí la sugerencia de derivar los conflictos bioéticos a la arena
política, ante todo los que se relacionan con la pobreza, la inequidad social
y la exclusión.
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Revista Brasileira de Bioética
Política y Bioética
La política es la administración – legítima, por lo general - del poder
civil con fines de gobernabilidad. Este lenguaje ha sido depurado en las
democracias hacia el afán de obtener de la ciudadanía el mandato de ejercer
ese poder. Siendo reconocidamente compleja y multifacética, la definición
de política se sustenta medularmente como el arte de gobernar. Pero esta
definición pierde toda inocencia al reflexionar sobre la íntima relación entre
Estado, poder y violencia. M. Weber genera un primer eslabón en esta
preocupante relación cuando, basándose en lo dicho por Trotski – “todo Estado
se basa en violencia” –, define a su vez Estado como “el dominio de hombres
sobre hombres basado en medios legítimos, es decir presuntamente legítimos,
de violencia” (WEBER, 1994), a lo cual C. W. Mills agrega: “toda política es
una lucha por poder; la forma definitiva de poder es la violencia” (ARENDT,
1970).
El poder necesariamente implica desigualdad entre los que lo detentan
y quienes se someten a él. El ideario del poder es foráneo a la bioética, pues
en esta última el pensamiento gravita más hacia la equidad y la comunicación.
Ambas, política y bioética, obran en ámbitos distintos, con métodos que
difieren entre sí y, aplicando el lenguaje sistémico-funcional, cada uno debe
actuar según su código (RODRÍGUEZ & ARNOLD, 1991), que para la política
es el dipolo poder/impotencia y para la ética es bien/mal.
La asociación entre gobierno, poder y violencia es contraria al
pensamiento bioético y crea una brecha infranqueable entre ésta y la política.
Algunos cultores de la disciplina, impacientes y enardecidos por la inequidad
social que reina y prevalece en el mundo, proponen “para los países periféricos
un nuevo enfoque bioético basado en prácticas intervencionistas, directas y
duras, que instrumentalicen la búsqueda de una disminución de las
inequidades” (GARRAFA & PORTO, 2003). Esta bioética de intervención,
que propone una redistribución del poder a fin de lograr justicia, se acerca
en forma notoria a un planteamiento político.
Desde una vertiente similar pero más propia de la bioética, se habla
de una bioética activa, cuya misión es reconocer que “necesitamos un
debate intelectual profundo y creativo, acerca de los nuevos problemas
generados por los avances de la ciencia, y en una conciencia alertada al
impacto de elecciones bioéticas en el diario vivir, que sólo es posible
enfrentar con la participación de energías múltiples” (BERLINGUER,
2003). La preocupación por la miseria y las angustias que sufren los
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Volume 1, n o 2, 2005
pueblos es aquí enfocada por la bioética hacia asuntos sanitarios de su
directa incumbencia.
En la imposibilidad de adoptar el lenguaje del poder, la bioética queda
marginada frente a la política contingente y se produce la paradoja de que
el poder político tiene escasa sensibilidad para los insumos éticos. Notorio
es, asimismo, que el gran auge de la bioética ocurre en países donde el
espectro político es relativamente uniforme y facilita la convivencia que en
las naciones del tercer mundo continúa muy conflictiva. La impostergable
irritación con la inequidad social, también sentida por la bioética, se esfuerza
por delatar las patologías sociales y fomentar las terapias socio-políticas
requeridas. Estos testimonios no poseen la fuerza necesaria para lograr
cambios efectivos, pero tienen la intención de alertar y orientar acciones
correctivas.
Biopolítica
La biopolítica ha sido entendida de muy diverso modo, siendo algunas
definiciones más rigurosas que otras. M. Foucault inicia el uso del término
distinguiendo dos vetas: la anatomía política de los cuerpos individuales
entendidos como fuerzas productivas, y el control regulador de la reproducción
humana en el nivel demográfico, que se desarrolla como biopolítica de los
pueblos. El poder busca ocupar y administrar a la vida:
“si es probable hablar de <biohistoria> con relación a aquellas presiones
ejercidas sobre los movimientos que imbrican vida e historia, se deberá
entonces hablar de <biopolítica> para señalar el ingreso de la vida y
sus mecanismos en el ámbito del cálculo consciente y de la transformación
del poder sapiente en un agente modificador de la vida humana”
(FOUCAULT, 1997).
Una de las interpretaciones más amplias y alejadas de la propuesta
foucaultiana deriva un concepto ambicioso de biopolítica a partir de una
definición holística de bioética, al sugerir que:
“la ética es, por definición, un problema humano, en tanto que bioética
se ocupa, con lo humano, de una dimensión bastante más amplia y rica:
el cuidado y el posibilitamiento de la vida en general: de la vida humana,
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Revista Brasileira de Bioética
pero, además y principalmente, de la vida en general, actual y posible,
conocida y por conocer”. Por ende, “[l]a biopolítica es in extremis una
política de la vida y hacia la vida: de la vida en general y no, ya única y
principalmente, de la vida humana” (MALDONADO, 2003).
Para la visión tradicional, que entiende la ética como una reflexión
filosófica y las éticas aplicadas como fragmentos del discurso ético enfocados
sobre prácticas sociales específicas y determinadas, resulta extraño que se
plantee, a la inversa, la bioética como “más amplia y rica” que la ética. En
cuanto al concepto de biopolítica planteado por Maldonado, éste es
diametralmente opuesto e incompatible con el pensamiento de Foucault y de
Agamben, a su vez apoyados en Arendt, Benjamín y otros.
Otra visión presenta la biopolítica como entretejida en el conflicto de
vida y muerte, tema que ha sido asimismo central para la bioética en la
polémica del aborto, que oscila entre el primado de la vida – pro vida del
embrión – en contraposición a la elección por la libertad de la mujer
desinclinada a un embarazo no deseado. Un enfrentamiento similar ocurre
en el nivel ecológico entre los conservacionistas – derecho a la vida de la
naturaleza – y los intervencionistas – derecho a elegir acciones humanas
sobre el entorno. La biopolítica concentra y reduce la argumentación a la
dicotomía vida/libertad, enfocando el cuerpo como realidad estrictamente
biológica y entendiéndolo como portador de alguna característica esencial:
género, raza, etnia, edad. Con esta reducción de la persona a un rasgo
biológico, la biopolítica se abstrae a los factores culturales e históricos que
diferencian a los integrantes de un grupo entre sí y a una comunidad de
otra, en un discurso monocorde que arriesga volverse intolerante y autoritario,
eventualmente totalitario (HELLER & FEHER, 1995).
Interpretaciones más descarnadas, apoyadas en Foucault, ven en la
biopolítica “la creciente implicación de la vida natural del hombre en los
mecanismos y los cálculos del poder” (AGAMBEN, 2003). De aquí derivan
dos tractos de singular importancia: la vida nuda y la biopolítica como estado
de excepción. Reeditando pensamiento y vocabulario griegos, la vida o zoe
como mero facto biológico se diferencia de la existencia humana, o bíos, que
es el ser humano inmerso en su cultura, en su historicidad y sustentado por
sus derechos. La vida nuda, el homo sacer, es despojada de todas sus
características existenciales: ya no es ciudadano ni miembro de la sociedad.
Se es homo sacer cuando el poder lo convierte en tal y eso ocurre con recurso
a alguna denotación que justifica el despojo: se es clasificado como mero
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Volume 1, n o 2, 2005
ente biológico por ser judío, islámico, negro, VIH (+), gay o poseer cualquier
otro atributo que la miopía biopolítica se empecine en descalificar. A ese
efecto, el poder tiene que ejercerse a despecho de la ley, es decir, se crea un
estado de excepción que realiza el desnudamiento. Por estado de excepción
se entiende la proclamación de una supuesta necesidad crítica de ejercer la
soberanía por fuera de la ley, de los derechos y de la moral. Antecedentes
históricos como los campos de concentración del nazismo y del Gulag dieron
un horroroso realismo a esta degradación humana de bíos a zoe, con la
consecuente impunidad para aniquilar esa vida reducida a biología (LEVI,
2003).
Lo más aterrador, sin embargo, es el diagnóstico de Foucault y de
Agamben, que observan el subrepticio desplazamiento contemporáneo del
Estado de derecho hacia un estado de excepción crónica, y la indiferente
contemplación con que este proceso es tolerado. Un signo delatorio de esta
tendencia a desmantelar el Estado de derecho se presenta en el afán de
erosionar los límites y reformular las definiciones y los criterios diagnósticos
de vida y muerte, esfuerzos que se debaten en una zona gris de
incertidumbres y discrepancias. El sesgo biopolítico de definir escuetamente
vida como no-muerte, y muerte como la pérdida de todo residuo vital, ha
sido ejercitado en la muy reciente polémica sobre Terri Schiavo, una mujer
desde hacen 13 años en estado vegetativo persistente que finalmente fue
dejada a morir de inanición. Todas las decisiones en este caso fueron tomadas
o revocadas por los tres poderes públicos, sin que se observara la participación
de la medicina ni valiesen los argumentos de los allegados, que sólo podían
expresarse a través de instrumentos biopolíticos.
El origen del concepto de biopolítica lo sitúa, de inicio, en la cercanía de
las preocupaciones bioéticas, ya que trata del ejercicio de poder sobre el
cuerpo humano. Los abusos de este poder, compartidos en el Tercer Reich
por los médicos, llevan a decir: “y esto implica que la decisión soberana
sobre la nuda vida se desplaza, desde motivaciones y ámbitos estrictamente
políticos, a un terreno más ambiguo, en que el médico y [el] soberano parecen
intercambiar sus papeles” (AGAMBEN, Op. cit.).
La biopolítica no sólo transforma al individuo en nuda vida biológica,
desprovisto de ciudadanía, de derechos, de nexos sociales y atributos
personales, como también es agresiva con los pueblos:
“hoy el proyecto democrático-capitalista de poner fin, por medio del
desarrollo, a la existencia de clases pobres, no sólo reproduce en su
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Revista Brasileira de Bioética
propio seno el pueblo de los excluidos, sino que transforma en nuda
vida a todas las poblaciones del Tercer Mundo” (AGAMBEN, Op. cit.).
También en el nivel colectivo, todo lo que la salud pública pudiese hacer
por los pueblos queda sepultado bajo las maniobras de despojo biopolítico.
La política tiende a desembocar, eventualmente, en una violencia cuya
manifestación más extrema es la biopolítica que reduce la existencia humana
a vida biológica. Estos procesos de ejercicio del poder tienen por característica
la caducidad de las normas jurídicas y morales, supuestamente con el objeto
de preservarlas. El discurso legal, no menos que el ético, queda marginado
de participar en decisiones, silenciado en la crítica y desactivado en la práctica.
Por lo tanto, la tendencia de la biopolítica a reducir a los pueblos y a los
individuos a nuda pervivencia se sitúa en un nivel pre-moral, donde la
bioética no tiene acceso porque su lenguaje se vuelve absurdo en situacioneslímite: ¿cómo puede un principio bioético encontrar aplicación frente a la
realidad de un campo de concentración o, en escenarios contemporáneos,
tener vigencia cuando combatientes capturados no son considerados
prisioneros de guerra y por ende no reciben el trato humanitario que
internacionalmente se ha acordado?
Bioética y Biopolítica
Si el campo de concentración es el paradigma del estado de excepción
donde opera la biopolítica, será ingenuo pensar que la bioética tendrá alguna
influencia o capacidad de regulación: “pero aquí, en el Lager… no hay
criminales porque no hay una ley moral que infringir” (LEVI, Op. cit.). Su
campo de acción se sitúa allí donde una incipiente biopolítica aventura ciertas
posturas sin todavía haberse apropiado del poder. Se entiende así que la
política se mueva siempre en el espacio público, en tanto la biopolítica se
inmiscuye en lo privado y lo desnuda en público. En esa correlación, la
bioética sería la protectora del espacio privado y del individuo, protestando
cuando lo público produce daño al individuo.
El argumento biopolítico insiste en que el embarazo – y la sospecha de
embarazo como ocurre en la controversia sobre la píldora del día después –
es sagrado y confirma su deber de defender la [presunta] vida en comienzos,
sin considerar los múltiples contextos que pudiesen hacer valer otras posturas
y llevar a decisiones diferentes. La biopolítica cae aquí, como también en su
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Volume 1, n o 2, 2005
defensa de la violencia y la guerra, en la paradoja de destruir vidas para
defender la vida nuda. La biopolítica defiende vida, frente al aborto por
ejemplo, sin abrirse a las circunstancias que rodean la solicitud de aborto y
que, desde la bioética, podían ser respetadas de un modo prioritario para
desaconsejar el nacimiento de una vida con grandes riesgos de ser nuda. Al
respecto es ilustrativo cómo países – Chile – bajo un régimen biopolítico
militar han decretado la ilegalidad absoluta del aborto, no contemplándolo
siquiera en caso de violación o incesto.
De modo análogo, la biopolítica es contraria a la eutanasia voluntaria,
aunque puede caer en la inconsecuencia de desarrollar programas de
eutanasia impuesta, con el mismo argumento de aniquilar vidas para proteger
la vida. La bioética se opone a estas prácticas, reclamando que la eutanasia
impuesta es homicidio, y que la radical negativa de conceder eutanasia
voluntaria es una forma de ir deslizando al ser humano desde una existencia
propia a una vida nuda sufriente.
Toda polémica con relación a la eutanasia es el enfrentamiento entre
bioética y biopolítica, pues ésta insiste en el resguardo y la conservación de
la vida, en tanto la bioética reconoce vidas reducidas a tal grado que no
pueden llevar una existencia significativa y no desean permanecer en la
residualidad crónica, desesperanzada y torturante. Son existencias para las
cuales seguir viendo es peor que morir (HARRIS, 1984). La situación del
donante de órganos en proceso de muerte es otro terreno de conflicto, en
que se debate el hecho biológico de no estar muerto y los esfuerzos médicos
por mantener indefinidamente esa situación, frente a la intención de no
prolongar innecesariamente una muerte inminente y, en ciertos casos, poner
en riesgo la vitalidad de los órganos ofrecidos en donación.
Las conflictivas prácticas de investigación con seres humanos pueden
ser la mejor ilustración de la convergencia de posiciones bioéticas críticas,
ya sean políticas, biopolíticas o disciplinarias, que articulan su protesta desde
diversas perspectivas frente a las iniquidades de estas prácticas que albergan
cada vez más situaciones de abuso, en tanto los proyectos de investigación
se desplazan desde el ámbito académico al netamente mercantil, generando
la doctrina del doble estándar en ética de la investigación: uno aspiracional
para países desarrollados, otro pragmático para naciones pobres. En la
medida en que la ética de la investigación se vuelve demasiado rigurosa en
los países desarrollados, hace atractivo el traslado de las investigaciones a
países pobres donde es posible desarrollar protocolos más flexibles, y donde
los mecanismos de compensación y beneficio son literalmente ignorados.
117
Revista Brasileira de Bioética
La protesta desde la bioética de intervención se complementa con el
rechazo a la actitud biopolítica de estas prácticas que clasifican a los seres
humanos en probandos vulnerables y los señalan pro forma como frágiles,
pero sin que patrocinantes e investigadores se sientan obligados a desarrollar
programas de ayuda y protección más allá de las precauciones y
consideraciones requeridas por el protocolo de estudio. La bioética
disciplinaria, por su parte, se ocupa de los sujetos involucrados cuyos reales
desmedros y privaciones dan espacio a las injusticias e insensibilidades
sociales que caracterizan a las investigaciones foráneas traídas al tercer
mundo. Esta perspectiva bioética concentra sus esfuerzos en desbaratar los
intentos de abuso, depurando los mecanismos de operación de los estudios
mediante el análisis crítico del consentimiento informado, de la
equiponderación, de la atingencia y relevancia de los ensayos, del apoyo a
las necesidades que generan las susceptibilidades de los probandos, y de
los beneficios posteriores que corresponden tanto al probando como a la
comunidad huésped.
Ética de Protección y Biopolítica
Una forma de entender la recientemente desarrollada ética de protección
(KOTTOW, 1999; SCHRAMM & KOTTOW, 2000) es otorgando el resguardo
a los marginados y excluidos, dando cobertura al homo sacer víctima de
dominaciones políticas, injusticias sociales y privaciones económicas
(SCHRAMM, 2004). La Bioética de Protección, no obstante, comparte con
otras perspectivas la imposibilidad de acceder a plantear valores y a cautelar
intereses cuando las personas ven amenazada su nuda sobrevida, aquende
de todo derecho o participación ciudadana y aquende, también, de todo
discurso moral. En otras palabras, la bioética ha de hacerse presente antes
que los individuos o las comunidades hayan perdido la capacidad de reclamar
sus derechos y de bregar por sus intereses.
La Bioética de Protección ha sido sugerida, por otra parte, para resguardar
a seres humanos que no están en condiciones de desarrollar su existencia
por falta de maduración de su autonomía, por vulneración social, económica
o biológica, o por déficit de empoderamiento, pero que potencialmente podrían
ser protegidos mediante acciones terapéuticas apropiadas (O’NEILL, 1998;
KOTTOW, 2003; KOTTOW, 2004) ha venido la propuesta de proteger al medio
ambiente para futuras generaciones, lo cual significa extender el concepto
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Volume 1, n o 2, 2005
de Bioética de Protección a seres que, potencial y probablemente, tendrán
que desarrollar una existencia humana, a diferencia del homo sacer que ha
sido despojado de la potencialidad de ser rescatado terapéuticamente o de
ser resguardado para su futura existencia, y que por ello se encuentra fuera
del ámbito toda posible protección bioética. En otras palabras, la Bioética de
Protección necesita la conservación de una cierta humanidad y de un orden
social mínimo que sean capaces de incorporarse al discurso ético. La radical
deshumanización provocada por acciones biopolíticas vuelve imposible la
aplicación de normativas legales, morales y, por ende, bioéticas.
La propuesta de la bioética en general, y de la Bioética de Protección en
particular, reconoce una profunda incompatibilidad con la biopolítica, en
tanto la primera se ocupa del bíos – existencia- y la biopolítica se ensaña con
la zoe destruyendo el bíos pues, como su nombre lo indica, la vida nuda se
acerca a la vida animal y es despojada de su humanidad. En este antagonismo,
la bioética tiene precisamente el rol de proteger al bíos de no ser tratado
como mera zoe, y de argumentar en oposición a las perspectivas biopolíticas,
que operan en forma excluyente de los valores de libertad.
Conclusiones
Una convergencia de bioética y política en el plano de la deliberación no
es pensable para la biopolítica, que por definición se excluye de cualquier
argumentación y desconoce toda norma ética y legal que no sea
unilateralmente erigida por ella. Ninguna deliberación, tampoco la bioética,
tiene cabida en un clima opresivo. Tanto mayor ha de ser el esfuerzo de la
bioética por detectar intrusiones morales en nuestras sociedades, que
dicotomizan artificialmente los problemas en vida versus libertad, donde la
biopolítica en ocasiones dará preferencia al vida sin importar su calidad, en
otras a la libertad sin preocuparse para qué.
La relación entre bioética y política es compleja. En uno de sus más
recientes libros, se esfuerza Habermas por señalar que la legitimidad debe
preceder a la legalidad (HABERMAS, 1994) es decir, la justificación ética ha
de dar los fundamentos para las normativas que rigen el orden social, lo
cual apunta en dirección similar a la racionalidad deliberativa que Rawls
propone para desarrollar un esquema de justicia. D. Gracia cita a E. Emmanuel
como reconociendo el compromiso de la bioética en materias colectivas y
sociales, al punto de indicar que la bioética va más allá de la ética profesional
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Revista Brasileira de Bioética
y se constituye como parte de la filosofía política. “La bioética necesariamente
se ocupa de los valores involucrados en salud y enfermedad. Por lo tanto, la
bioética es un proceso de deliberación sobre fines individuales y colectivos
de la vida humana” (GRACIA, 2001).
Pero la bioética no puede “deliberar sobre la vida humana” por cuanto se
convertiría en ética filosófica; para mantener su carácter de ética práctica,
tendrá que ser deliberativa pero ceñirse a los temas de su agenda: biomédicos,
ecológicos, de investigación con seres vivos. Por otra parte hay acuerdo que
la ética es una reflexión, una deliberación, un discurso comunicativo que
opera con métodos diversos a los de la política fáctica. En ese sentido, su
accionar se centra en el escenario de la racionalidad razonable, vale decir,
de la deliberación entendida como argumentación racional y valórica. Si la
política se adscribe a la deliberación en forma de una democracia ética
dispuesta a legitimar su proceder, estará en un terreno común y fructífero
con la bioética. Es menester que la política reconozca sus raíces éticas y la
proveniencia moral de su legitimidad, mas que pedirle a la bioética que
intente desarrollar un discurso político.
Referências Bibliográficas:
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121
Revista Brasileira de Bioética
INCLUSÃO SOCIAL NO CONTEXTO POLÍTICO DA BIOÉTICA
Social inclusion in the political context of bioethics
Volnei Garrafa
Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, Brasília, Distrito Federal,
Brasil.
[email protected]
Resumo: O presente artigo reforça a necessidade de politização da bioética como
forma de construção da justiça social. Analisa a inclusão social a partir dos conceitos
de empoderamento, libertação e emancipação, como possíveis ferramentas
epistemológicas da Bioética de Intervenção. Além das características relacionadas
ao rigor acadêmico, o texto defende a necessidade da ação política concreta para a
transformação social. Apresenta o teor da Declaração Universal de Bioética e Direitos
Humanos construída pela UNESCO com a participação efetiva dos países em
desenvolvimento, discutindo o avanço representado pela incorporação dos temas
sociais e ambientais à agenda da bioética do século XXI.
Palavras-chave: Bioética de Intervenção. Bioética e política. Empoderamento.
Libertação. Emancipação. Direitos Humanos.
Abstract: This article reinforces the need of a politics-oriented bioethics as an
instrument to build social justice. It analyzes social inclusion from some concepts
such as empowerment, liberation and emancipation, as they are the epistemological
tools of Intervention Bioethics. The text defends the necessity of a concrete political
action aiming at social transformation. It presents the content of the Universal Draft
Declaration on Bioethics and Human Rights assembled by UNESCO with the effective
participation of developing countries, discussing the advance attained by the inclusion
of social and environmental themes to the bioethics agenda of 21st century.
Key words: Intervention Bioethics. Bioethics and politics. Empowerment. Liberation.
Emancipation. Human Rights.
122
Volume 1, n o 2, 2005
N os países latino-americanos, de modo geral, e no Brasil, especificamente,
o tema da justiça sanitária faz parte da agenda bioética. As imensas
desigualdades no acesso aos recursos - a tudo que caracteriza a qualidade
de vida - tornam esse tema efetivamente orgânico quando se pretende aplicar
a ética para garantir a dignidade da vida humana. Isso não significa que em
outras regiões do mundo o assunto seja aceito pacificamente. Pelo contrário,
em alguns países desenvolvidos e mesmo em determinados núcleos
acadêmicos das nações em desenvolvimento, existem fortes resistências à
utilização, no campo sanitário, dos paradigmas referenciais da bioética, que
se volta preferencialmente à biotecnologia e, com a mesma ênfase, recusa a
politização da pauta bioética internacional.
Duas são as razões básicas para essa resistência. Em primeiro lugar, o
preciosismo acadêmico de alguns estudiosos da área que, utilizando a lógica
formal e assépticas argumentações teóricas, tentam desqualificar o
academicismo do debate sócio-político da bioética, afirmando que a temática
política, que inclui temas da saúde pública e coletiva, como a inclusão social
e outros, está fora do escopo epistemológico da disciplina, constituindo na
realidade outra área, que denominam de “biopolítica” (KOTTOW, 2005).
Em relação a essa primeira razão, pode-se questionar o sentido intrínseco
de tal posicionamento. Como aponta Castoriadis, o filósofo foi, desde o início
da civilização grega, um cidadão plenamente inserido no seio da sociedade
da qual fazia parte, a polis, atuando como tal na vida social, a exemplo de
Sócrates. Dessa forma, a filosofia se dedicava a questionar a ordem
estabelecida, em lugar de meramente justificar sua reprodução por meio de
fórmulas que se descolam da realidade concreta, experimentada
cotidianamente.
Desde Platão e, de maneira crescente em Kant e outros filósofos modernos,
a dissociação entre a razão e a ação vem provocando um tipo de “perversidade
edificante” que privilegia a primeira em detrimento da segunda. Tal tendência,
que na pós-modernidade ganhou contornos de niilismo estagnado, impede
tanto a reflexão quanto a ação - o processo dialético - que hoje é indispensável
na medida em que a tecnociência institui novas fronteiras para o exercício
do poder. Esse limite não se restringe apenas ao adestramento da corporeidade
pelo desempenho “autônomo” das regras e normas sociais, como sempre
aconteceu. Pela ação da tecnologia, o controle social imiscui-se nesse mesmo
corpo e recria-o a partir de uma linha divisória que secciona inexoravelmente
aqueles que têm direito à qualidade de vida e bem-estar, dos demais que,
privados disso, são cerceados à condição de sustentáculos da desigualdade.
123
Revista Brasileira de Bioética
Nesse sentido, cabe um reparo à idéia de transformar o princípio justo
da proteção em uma epistemologia de cunho mais abrangente como forma
de suprimir as desigualdades. Ainda que proteger os que suportam a ordem
estabelecida, a custa da expropriação de seus corpos e vidas, e defender sua
integridade frente aos que usufruem todos os benefícios dessa divisão espúria
seja uma ação que pode melhorar sua qualidade de vida, restringir a
possibilidade de intervir na realidade à proteção aos menos favorecidos não
deixa de ser uma concessão com a manutenção da desigualdade, dos
privilégios e da exclusão. Por isso, deve-se considerar a proteção como um
princípio, essencial para a construção da justiça social, mas que não deve
ser alçado à condição de matriz teórica.
Sob a capa de um humanismo paternalista e patriarcal a maximização do
princípio da proteção acaba revelando, em última análise, a assimetria
concreta entre quem protege e quem é protegido. De certa forma, revela
também uma admiração acrítica pelo pensamento escolástico, mesmo quando
este somente reproduz uma retórica esvaziada do sentido que deve impregnar
a relação entre teoria e prática, entre o plano ideal e a realidade. Com relação
a isso, Castoriadis afirma que:
“só sairemos da perversão que caracterizou o papel dos intelectuais desde
Platão, e de novo agora nos últimos setenta anos, se o intelectual se
tornar verdadeiramente cidadão. Um cidadão não é (não é
necessariamente) ‘militante de um partido’, mas alguém que reivindica
ativamente sua participação na vida pública e nos negócios comuns, tanto
quanto os outros. Aqui aparece com toda a evidência uma antinomia,
que não tem solução teórica, que somente a phronésis, a sabedoria, pode
permitir ultrapassar. O intelectual deve pretender ser cidadão como os
outros, deve também pretender ser, de direito, porta-voz da
universalidade e da objetividade. O intelectual só pode se manter nesse
espaço, reconhecendo os limites do que sua suposta objetividade e
universalidade lhe permitem. Deve reconhecer, e não com desdém, que
o que ele tenta fazer entender é ainda uma doxa, uma opinião, e não
uma epistémé. Cumpre sobretudo reconhecer que a história é o domínio
onde se desenvolve a criatividade de todos, homens e mulheres, eruditos
e analfabetos, de uma humanidade na qual ele mesmo é apenas um átomo.
E isso ainda não deve vir a ser pretexto para que se afiance, sem crítica, as
decisões da maioria, nem para que se incline diante da força, por ser ela
a expressão dos mais numerosos” (CASTORIADIS, 1992).
124
Volume 1, n o 2, 2005
Em segundo lugar, e talvez, como decorrência lógica dessa primeira
posição, tal resistência pode ser imputada ao conservadorismo ou estreiteza
política de certos pesquisadores, que acreditam que toda gama de conflitos
éticos relacionados à vida e à saúde pode ser circunscrita ao âmbito biomédico,
mesmo com certas inclusões tangenciais de alguns deles pelo campo social.
Sob tal argumento, criticam as tentativas de transportar essa discussão para
o campo onde verdadeiramente se dão as grandes decisões, que alijam ou
incluem indivíduos como beneficiários do desenvolvimento científico e
tecnológico, ou seja, a seara das decisões políticas.
Disfarçados sob as vestes do vazio ideológico deixado pela modernidade
tardia (ou pós-modernidade, se preferirem os leitores...) e, com outra linguagem,
ressuscitam uma superada contradição fortemente constatada na América
Latina dos anos 1960 e 1970. Naqueles tempos, notáveis sanitaristas como
os saudosos Juan Cesar Garcia, Cecília Donângelo e Sergio Arouca, entre
tantos outros que ainda seguem vivos nas mesmas trincheiras, tiveram que
empreender heróica resistência às ditaduras militares plantadas no continente.
Nas suas áreas de trabalho, combateram e transformaram os estreitos
referenciais da antiga medicina social e os conteúdos preventivistas em moda
na época, por meio da construção concreta de pautas socialmente
comprometidas com a essência democrática e inclusiva da saúde pública e
coletiva.
A bioética social, para ser efetiva, além de disposição, persistência e
preparo acadêmico, exige uma espécie de militância programática e coerência
histórica por parte do pesquisador. De minha parte, é o que venho tentando
fazer há alguns anos com a linha de pesquisa que denominei inicialmente
de Bioética Dura (hard bioethics) e posteriormente Bioética de Intervenção
(GARRAFA, 2000; GARRAFA & PORTO, 2003). A Encyclopedia of Bioethics,
no capítulo dedicado à América Latina, em sua última edição, traz comentários
positivos do responsável pela matéria, prof. José Alberto Mainetti, sobre o
surgimento da Bioética Dura na região.
Com vistas a aprofundar os fundamentos epistemológicos dessa vertente
latino-americana da bioética, analiso neste artigo o tema da justiça social em
saúde e sua relação com a bioética, a partir dos diferentes conceitos utilizados
para promover inclusão social e a expansão significativa que o assunto adquiriu
com sua inserção na Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos, a
ser homologada pela UNESCO em outubro de 2005, na sua Assembléia anual.
Neste sentido, após a consagração da Declaração, com o considerável avanço
logrado no conteúdo referido ao campo social, pretendo passar a incorporar a
125
Revista Brasileira de Bioética
Bioética de Intervenção, definitivamente, à “Bioética Social”, uma vez que já
terá sido alcançado um dos principais motivos de sua criação, ou seja, a
necessária visibilidade política ao tema.
Discutindo a Inclusão Social na Epistemologia da Bioética
O tema da inclusão social recebeu suporte teórico de diversos conceitos
cunhados no campo da saúde pública nos últimos anos. Algumas destas
palavras revelaram-se bastante apropriadas, outras nem tanto... No campo
da bioética, igualmente, diferentes autores têm tratado o assunto sob ângulos
e interpretações diversas. Tão importante quanto o significado da expressão
escolhida, naturalmente, são as justificativas e a sustentação argumentativa
com relação a sua utilização. Para o objetivo dessa discussão, analiso três
expressões recorrentes - empoderamento, libertação e emancipação - que
podem embasar o debate sobre quais princípios se prestam a sustentar a
intervenção bioética no campo social.
A palavra empoderamento, tradução livre e direta do inglês, teve seu
uso fortalecido a partir do momento em que o cientista indiano Amartya Sen,
recebeu o Prêmio Nobel de Economia. Sem dúvida, em nosso idioma, esta
versão cunhou uma palavra feia, de difícil pronúncia e audição, mas que,
não obstante, possui um apelo prático especialmente grande. De qualquer
modo, justiça seja feita, ao longo de toda sua vasta obra, para dar idéia
de empoderamento, Sen utiliza com freqüência a palavra liberdade, como
na seguinte passagem: “Para que se torne possível superar a fome, a
pobreza, as ameaças de destruição do meio ambiente e outras formas de
iniqüidade, exige-se da sociedade uma postura de cumplicidade
fortalecedora da idéia de liberdade, da qual ela mesma não pode se furtar ”
(SEN, 2000).
Tal como apontado neste trecho, a idéia de empoderamento dos sujeitos
individuais, vulnerabilizados em decorrência do processo histórico e da
característica cultural das sociedades nas quais estão inseridos, perpassa o
todo social, atuando como elemento capaz de amplificar as vozes dos
segmentos alijados do poder de decisão, e promovendo sua inserção social.
A idéia do empoderamento estaria, portanto, alicerçada na articulação orgânica
entre os diferentes grupos e segmentos, processo que, como já apontava
Durkheim, é o que transforma um mero aglomerado de indivíduos em uma
sociedade (DURKHEIM, 1990).
126
Volume 1, n o 2, 2005
A meu ver, o que confere humanidade aos seres biologicamente
reconhecidos como humanos, decorre de um processo coletivo, que se
consubstancia na produção e reprodução contínuas dos significados atribuídos
às práticas sociais. Neste sentido, a proposta inclusiva aqui desenvolvida
passa pelo pressuposto que a ação social politicamente comprometida é aquela
capaz de transformar a práxis social.
Essa definição coaduna-se aos marcos teóricos delineados pela Bioética
de Intervenção, que aponta o corpo como parâmetro da intervenção ética
(GARRAFA & PORTO, Op. Cit.). Ela identifica e incorpora a dimensão
social, a percepção da pessoa como uma totalidade somática na qual
estão articuladas as dimensões física e psíquica, que se manifestam de
maneira integrada nas inter-relações sociais e nas relações com o meio.
Nesse sentido, a visão de empoderamento delineada por Sen estabelece a
ponte entre os indivíduos, cuja corporeidade sustenta o processo de produção
e reprodução social e a coletividade da qual essas pessoas fazem parte.
Explicita-se, assim, a relação dialética entre reflexão e ação na
responsabilidade individual e coletiva pelo impacto que as escolhas dos
indivíduos produzem na realidade.
Assim, parece claro que a idéia de empoderamento reporta justamente à
importância de perceber que as escolhas dos sujeitos sociais não podem ser
marcadas apenas por uma visão míope e estereotipada de autonomia, que
circunscreve a opção individual ao exercício narcísico e antropocêntrico,
levando o pensamento em direção à questão do poder de uns e outros cidadãos
em mundos desiguais. E se a desigualdade é construída no meio social - na
formação do indivíduo - suplantá-la implica em reconhecer a relação
inequívoca entre autonomia e responsabilidade. A autonomia se manifesta
não só na capacidade de responder a uma situação de forma a atender ao
mesmo tempo à moralidade social, às normas legais, aos desejos, necessidades
e vontades do indivíduo, como também no reconhecimento da interconexão
entre os seres humanos e todas as formas de vida, assim como na
responsabilidade existencial exigida frente a elas.
Em abril de 2004, proferi a conferência de encerramento do V Congresso
Brasileiro de Bioética, realizado em Recife cujo tema foi “A bioética no século
XXI”. Tendo, como de costume, levado a discussão para o âmbito social e da
politização da bioética, comparei as idéias de Sen e a também extraordinária
produção do educador brasileiro Paulo Freire. Guardadas as peculiaridades
de cada palavra e de cada contexto, Sen de certa forma expressa com o uso
da categoria empoderamento o que Freire denomina libertação.
127
Revista Brasileira de Bioética
Porém, a idéia de libertação implica em mais do que o simples
reconhecimento da existência do poder. Ela, necessariamente, aponta para o
locus aonde se instalam a força capaz de obrigar à sujeição, e a fragilidade,
manifesta na incapacidade de desvencilhar-se da submissão. Ao definir esses
pólos, Freire identifica a oposição entre cativeiro, ou a privação do direito de
escolha, e a libertação, o verdadeiro exercício da autonomia. Dessa forma,
assinala que os sujeitos sociais são, eminentemente, atores políticos, cuja
ação pode tanto manter como transformar o status quo. A categoria libertação
desvela as posições de poder e permite pressupor uma tomada de posição
no jogo de forças pela inclusão social.
A utilização desta categoria na Bioética de Intervenção pretende apontar
em que direção se deve conduzir a luta política para garantir tal liberdade.
Sua adoção visibiliza a luta das cidadãs e cidadãos que logram sua inclusão
social, seja no contexto da saúde ou em contextos mais amplos, a partir da
tomada de consciência sobre as forças que os oprimem e pela ação concreta
em oposição a elas. Paulo Freire é particularmente contundente ao criticar o
preciosismo acadêmico e sua malvada conseqüência, a assepsia moral, que
constituem obstáculos à libertação:
“Daí o tom de raiva, legítima raiva, que envolve o meu discurso quando
me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo.
Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar
de observador imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos.
Em tempo algum pude ser um observador ‘acinzentadamente’ imparcial,
o que, porém, jamais me afastou de uma posição rigorosamente ética.
Quem observa o faz de um certo ponto de vista, o que não situa o
observador em erro. O erro na verdade não é ter um certo ponto de vista,
mas absolutizá-lo e desconhecer que, mesmo do acerto de seu ponto de
vista é possível que a razão ética nem sempre esteja com ele. O meu ponto
de vista é o dos ‘condenados da Terra’, o dos excluídos” (FREIRE, 2001).
No entanto, o que se vê no meio da saúde pública brasileira é que a
palavra empoderamento tem uma utilização bastante aceita e incorporada ao
nosso léxico sanitário, enquanto libertação é raramente utilizada. Entre outras
razões, imputo essa constatação ao fato de Sen trabalhar na área de economia,
de grande visibilidade no contexto capitalista contemporâneo, ao passo que
Freire se debatia em meio a teorias educacionais, de menor apelo
mercadológico, trabalhando a idéia da educação como prática de libertação.
128
Volume 1, n o 2, 2005
Embora os dois autores tenham desenvolvido seus estudos no sentido de
favorecer as populações dos países pobres do Hemisfério Sul do mundo, o
apelo da economia, infelizmente, é flagrantemente maior que o da educação,
no atual contexto histórico pelo qual passa a humanidade.
A terceira expressão que incluo nessa análise é emancipação. O sujeito
emancipado não deixa de ser um sujeito livre. O jovem emancipado, por
exemplo, é aquele que adquiriu status de maioridade e passa a ser senhor e
responsável pelos seus próprios atos. Emancipação significa alforria,
independência, liberdade, o caminhar que se inicia com a libertação. Só é
emancipado aquele que suprimiu sua dependência, que alcançou o domínio
sobre si mesmo e pode garantir não apenas a sobrevivência, mas suas escolhas
frente aos meios de alcançar essa sobrevivência. O poder sobre si mesmo é o
que outorga a emancipação, tornando a pessoa imune às forças que buscam
sua sujeição. Portanto, suprimir a dependência é pré-condição para a
emancipação, e isso vale tanto para a pessoa quanto para o Estado. É nessa
concepção que a categoria emancipação se presta à Bioética de Intervenção
como ferramenta ou veículo para direcionar a luta pela libertação e para
colocar essa luta na dimensão coletiva.
No entanto, parece-me que, pelo menos ao ouvido, a emancipação tem
um sentido mais jurídico do que político, sublinhando o reconhecimento
legal da capacidade de decidir. Porém, para que a inclusão social (inerente ao
cidadão emancipado) reflita efetivamente sua autonomia, ela deve ser fruto de
uma conquista pelo direito de decidir e pela possibilidade real do exercício
desse direito, não podendo decorrer de mera concessão, como um presente
que sem luta foi ofertado e que, por isso, da mesma forma, pode ser tirado ao
sabor da vontade de quem concedeu a dádiva, como ocorre no caso da proteção.
Para a Bioética de Intervenção, a inclusão social é a ação cotidiana de
pessoas concretas e precisa ser tomada na dimensão política, como um
processo no qual os sujeitos sociais articulam sua ação. Na medida em que a
ação cotidiana direciona as escolhas não apenas em função de uma inclinação
pessoal, mas considerando a dimensão do todo - a necessidade de garantir a
existência das pessoas e de todas as formas de vida - ela se torna inclusiva,
tendendo, como decorrência, à maior simetria.
De qualquer modo, creio que qualquer uma das três expressões –
empoderamento, libertação e emancipação - embora com conotações
diferentes, auxiliam à compreensão do fenômeno de inclusão social como
um processo dinâmico que necessita ser construído e levado à prática,
objetivando a conquista da verdadeira justiça social em saúde.
129
Revista Brasileira de Bioética
A Agenda Social na Declaração Universal de Bioética e Direitos
Humanos
Depois de mais de dois anos de intensas discussões e a produção de
consecutivas versões, entre os dias 20 e 24 de junho de 2005, foi realizada
na UNESCO, em Paris, a reunião definitiva de experts dos diversos governos
filiados àquela Organização, com o objetivo de definir o teor da futura
Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos. Após a superação de
inúmeras dificuldades, tendo em vista posições antagônicas de diferentes
países sobre as mesmas questões, finalmente chegou-se a um documento
consensual.
Desde o início das negociações, ficou patente o interesse dos países
ricos e seus satélites, guiados por Estados Unidos, Alemanha e Canadá, em
reduzir a agenda bioética aos temas relacionados exclusivamente à
biotecnologia/biomedicina, alijando sumariamente os outros dois pilares da
disciplina, caros aos países em desenvolvimento do Hemisfério Sul: a bioética
social e a bioética ambiental. A delegação brasileira teve um papel político
fundamental na condução da reação dos países periféricos, com o apoio das
nações latino-americanas – muito especialmente da Argentina - africanas,
de alguns países árabes e da Índia.
Embora se saiba que uma Declaração Internacional deste tipo contenha
apenas normas não vinculantes, que não podem ser consideradas como lei,
servem como guias futuros para a construção das legislações nos diferentes
Estados. Neste sentido, o documento construído em Paris pode ser considerado
um avanço extraordinário para os países em desenvolvimento. Sua construção
mostra um preâmbulo substancial composto de vários considerandos, onde
são mencionados como referência documentos e tratados internacionais já
aprovados pelas Nações Unidas. Posteriormente, vem a Declaração
propriamente dita, com 28 artigos, divididos em cinco capítulos: um capítulo
introdutório com as disposições gerais que incluem o escopo e objetivos da
bioética (dois artigos), seguido de outros dois que trazem os princípios (em
número de 15) e sua aplicação (quatro artigos), além de duas partes finais
relativas a sua implementação e promoção (quatro artigos), finalizando com
as considerações finais (três artigos).
O mais importante, para os objetivos deste texto, se refere às conquistas
obtidas na Declaração com relação ao campo da saúde pública e da inclusão
social. Entre outros, foram incluídos tópicos sobre dignidade humana e direitos
humanos; respeito pela vulnerabilidade humana e integridade pessoal;
130
Volume 1, n o 2, 2005
igualdade, justiça e eqüidade; respeito pela diversidade cultural e pluralismo;
solidariedade e cooperação; proteção do meio ambiente, biosfera e
biodiversidade; responsabilidade social e saúde pública e divisão dos
benefícios. Em relação a esses dois últimos pontos ficou claro o compromisso
dos Estados-membro em proporcionar acesso a sistemas sanitários de
qualidade, aos benefícios do desenvolvimento científico e tecnológico, a novos
medicamentos e à nutrição, assim como à redução da pobreza e outros temas
afins, tão caros à pauta contemporânea da saúde pública.
Além disso, deve ser mencionada a inclusão de um tópico que poderá
servir de antídoto contra o avanço da teoria do duplo-standard nas pesquisas
em países pobres e ricos, embora se tenha conseguido colocá-lo apenas no
preâmbulo do documento: “... os seres humanos, sem distinção, deveriam
ser beneficiados pelos mesmos elevados padrões éticos nas pesquisas em
medicina e nas ciências da vida” (UNESCO, 2005).
De modo geral, portanto, a Declaração Universal de Bioética e Direitos
Humanos re-define a agenda bioética para o século XXI, expandindo
generosamente seu campo de interpretação, pesquisa e ação. As firmes e
legítimas ações políticas dos países latino-americanos foram decisivas para
a mudança do panorama. Ou seja: a Bioética incursionou pela política para
incluir as questões sociais em sua agenda. E isso não é biopolítica. É a
bioética intervindo em uma dimensão mais ampla: a política. Esse grande
passo trará, sem dúvida, conseqüências positivas e concretas no sentido de
ampliar as discussões éticas em saúde, proporcionar melhores condições
para implementação de medidas de inclusão social e favorecer a construção
de sistemas sanitários mais acessíveis; criando, assim, condição para que as
sociedades humanas alcancem uma qualidade de vida mais justa.
Para a Bioética de Intervenção, o reconhecimento dessas pautas teve
distintos significados. A inclusão de tais temáticas no contexto das Nações
Unidas reafirmou a relevância de seus pressupostos teóricos, legitimando a
pertinência da intervenção ético-política nesse âmbito. Por outro lado,
consubstanciou uma ação efetiva de intervenção no sentido de conformar a
realidade a partir de parâmetros de eqüidade, inclusão social e justiça. Mais
do que isso, porém, a criação desse documento traçou uma orientação
universal e objetiva a partir da qual a bioética pode lutar pelo empoderamento,
pela libertação e pela emancipação dos “condenados da terra”.
Agradecimento: Agradeço a Dora Porto, companheira de primeira hora na
construção da Bioética de Intervenção, pelas preciosas sugestões ao presente
texto, bem como pela parceria constante nas reflexões sobre o tema.
131
Revista Brasileira de Bioética
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132
Volume 1, n o 2, 2005
Artigos originais
Esta seção destina-se à publicação de artigos enviados espontaneamente pelos
interessados.
¿ES UNA BIOÉTICA SEPARADA DE LA POLÍTICA MENOS
IDEOLOGIZADA QUE UNA BIOÉTICA POLITIZADA?
Is a bioethics disconected from politics less desired as a
politics-oriented bioethics?
Pedro L. Sotolongo
Instituto de Filosofía de La Habana, La Habana, Cuba.
[email protected]
Resumen: En este artículo examino, en una aproximación primera, una cuestión
presente tanto en la agenda de las reflexiones y debates actuales como en las urgencias
de la práctica contemporánea de los bioeticistas latinoamericanos y caribeños. Es
ésta la disyuntiva entre la orientación hacia una bioética que se demarque de la
política, dado su carácter supuestamente apolítico, y una propuesta distinta, que se
posiciona en defensa de la construcción de una bioética politizada. Además, explicito
las premisas en las que sostengo mi argumentación (desde la epistemología, la
teoría social, la ética, la política, la bioética y la práxis social) en favor de una
bioética declaradamente articulada con la política.
Palabras-clave: Bioética. Política. Complejidad. Poder. Latinoamérica y Caribe.
Abstract: In this article the autor discusses a topic which is part of the present
reflections and debates and also of the contemporaneous practice of Latin American
and Caribbean biethicists. It is the dissimilarity between a bioethics disconnected
from politics, due to a supposed bioethics apolitical feature, and a different proposal,
which supports the construction of a politics-oriented bioethics. The argumentation
is sustained by the elucidation of premises such as epistemology, social theory, ethics,
politics, bioethics, and social práxis, in favor of an assumed politics-articulated
bioethics.
Key words: Bioethics. Politics. Complexity. Power. Latin America and Caribbean.
133
Revista Brasileira de Bioética
Desde la Lógica, toda conclusión vale lo que valen las premisas en las que
se sustentan su argumentación. Por más agudo y bien intencionado que
pueda ser lo que se argumenta, esto sigue siendo así. Las conclusiones
concernientes a la compatibilidad o incompatibilidad entre la bioética y la
política no constituyen excepción: valen lo que valen las premisas que la
sustentan. Expresaré entonces, desde ya, algunas de las premisas de las
cuales parto para entretejer las ideas defendidas en este artículo.
Desde la epistemología, en una época signada por la tendencia
contemporánea hacia una convergencia multi, inter y transdisciplinar, el
reconocimiento de la articulación entre conocimiento y valor y la reivindicación
de la importancia de la vida cotidiana, toda conclusión que reafirme la
permanencia de la bioética y de la política en compartimientos separados
merece, cuando menos, una sospechosa mirada y/o un suspicaz exámen
epistemológicos.
Desde la teoría social, las fuertes evidencias de una indefectible
articulación circular entre nuestras prácticas cotidianas de poder, de saber,
de deseo y de discurso, presentes aún en las más diarias de las interacciones
sociales, tornan sociológicamente problemática en sí misma - como genuino
contradictio in adjectum - la aspiración a la inarticulidad, y más aún si se
pretende que ella sea, por principio, entre bioética y política (GARRAFA &
PORTO, 2003; KOTTOW, 2004; KOTTOW, 2005; y SOTOLONGO, 2005).
Desde las propias ética y política, su historia permite constatar como
sus relatos más fructíferos y enriquecedores para los seres humanos han
tenido lugar en las situaciones en que ambas se han articulado
coherentemente: cuando la política se ha eticizado y la ética se ha politizado.
Desde la bioética misma, pues al estar ésta al servicio del reconocimiento
y de la reivindicación de los valores concernientes a la vida y a la propiciación
de la sustentabilidad de la vida como tal, no puede ser ajena a ninguna
realidad social con relación a la cual ejercer su labor de crítica, reconstrucción
y propiciación del cambio social humanamente enriquecedor, incluyendo en
esto al ámbito de la(s) política(s) concerniente(s) a la(s) vida(s).
Desde la práxis social, la constatación que, desde la vida cotidiana, se
impone aún al más inadvertido, de las enormes desigualdades, inequidades
e injusticias sociales del mundo en que aún vivimos, y que son
particularmente contrastantes en nuestra región latinoamericana y caribeña,
hace con que cualquier conclusión que nos lleve a separar la bioética de la
política parezca, desde su dimensión y alcance prático-cotidianos, al menos
ingenua y riesgosa, cuando no francamente irresponsable.
134
Volume 1, n o 2, 2005
Desde la Epistemología: la reflexividad de todo saber y la
articulación conocimiento-valor
Desde que la indefectible labor objetivizadora del sujeto de indagación
ha revelado el indisoluble nexo entre el indagador y lo indagado, la
contemporaneidad ha sido testigo del desarrollo de la nueva epistemología,
o epistemología de segundo orden, que ha evidenciado la reflexividad de
todo saber.
En la ciencia clásica, tal reflexividad objetivizadora quedaba enmascarada
tras la denominada problemática-del-error-de-la-medición que es, en
realidad, fruto del error del indagador. Ya en la ciencia no-clásica, e incluso
en la que se ocupa de la naturaleza, dicha reflexividad se hizo patente, con
toda la claridad, en la siempre presente relatividad espacio-temporal del
indagador con relación a lo indagado (Einstein) y en la incidencia del
indagador en el tipo de ente a indagar (onda o partícula) a través del diseño
experimental elegido (Bohr, Heisenberg, Dirak, Schroedigner). Aunque
muchos se han empeñado en no verla, tal reflexividad ha estado patente en
la ciencia que se ocupa de los problemas sociales y humanos, ya que es
imposible indagar lo social y lo humano situándose desde afuera de toda
sociedad y/o desde afuera de todo ser humano.
Asimismo, se ha ido evidenciando la futilidad, característica del intento
de presentarnos un conocimieno ascético, axiológicamente neutro, incluso
en las ciencias calificadas como más duras, alimentada siempre por el(los)
positivismo(s). Al constatar que todo saber queda tramado en los
posicionamientos a partir de los cuales se construye, la relación conocimiento
y valor se evidencía, ya sean estos posicionamientos engendrados por
parámetros cultural-civilizatorios, de género, de raza, de etnia y de clase,
para nombrar sólo los más notorios. El saber bioético, sus conocimientos y
sus valores no son una excepción a esta condición de articulación manifiesta.
Por otra parte, es cada vez más perceptible la tendencia, en múltiples
campos del saber contemporáneo, hacia la transgresión de la mentalidad y
de la práctica cognitiva disciplinares. La multidisciplina, la interdisciplina y,
más recientemente, la transdisciplina, han ido plasmando la actual tendencia
hacia un saber cuyo carácter es tanto más integrador como abarcante y holista.
Entre éstas, es la transdiciplina - donde por cierto se ubica la bioética - que,
junto al permanente diálogo entre saberes que preconiza, trasciende más
consecuente y radicalmente con tal mentalidad y práctica disciplinares
(GARRAFA, 2005). Este diálogo entre saberes incluye la reivindicación de la
135
Revista Brasileira de Bioética
importancia del saber del no-experto frente al del experto, del saber del
hombre y de la mujer de la calle, y de la propia vida cotidiana, reforzando
así el reconocimiento de la articulación entre conocimiento y valor.
Desde la Teoría Social: poder, saber y vida cotidiana
La teoría social contemporánea ha puesto en claro que es desde la
vida cotidiana - desde el interaccionar diario de hombres y mujeres - que
emergen las estructuras objetivas de las relaciones sociales, y que se
constituyen las subjetividades individuales y colectivas. Ambos procesos
dimanan simultáneamente de la siempre presente circularidad de nuestras
practicas locales de poder, de deseo, de saber y de discurso. Éstas, vinculadas
entre sí, transcurrren en el marco de las situaciones de interacción social
cotidianas de co-presencia, asociadas a uno u otro de nuestros patrones de
interacción social, también cotidianos (SOTOLONGO, 2002). Tales prácticas
locales de poder, de deseo, de saber y de discurso emergen de ciertas
asimetrías sociales generadoras de la complejidad social, articuladas
circularmente todas con todas, a saber:
- las asimetrías de circunstancias sociales en favor de algunos de los
involucrados (con nombre y apellidos) y en desfavor de otros (también con
nombres y apellidos): ciertas cuotas locales de poder y de contrapoder;
- las asimetrías sociales de satisfacciones (placer) e insatisfacciones
(dis-placer) de los involucrados: ciertos circuitos locales deseantes;
- las asimetrías en las factibilidades y no factibilidades epistémicas a
la disposición de los involucrados: ciertos posicionamientos en la positividad
epistémica de la época;
- asimetrías en las factibilidades y no factibilidades enunciativas a la
disposición de los involucrados: ciertos posicionamientos en una positividad
discursiva epocal.
Resumiendo, tenemos que el ejercicio de cuotas locales de poder y de
contrapoder induce los circuitos de deseo (de satisfacción e insatisfacción)
que, subyacentemente, lo alimentan. Además, este ejercicio requiere y propicia
la construcción de las cuotas de saber que lo legitiman, profiriéndose y
tramándose en enunciaciones locales de un discurso que tributa a él y lo
difunde intersubjetivamente. Así se constituye la articulación circular entre
el poder y los demás ámbitos de la práctica social que venimos caracterizando.
Tal circularidad se plasma, siempre, a partir del ejercicio articulado de prácticas
136
Volume 1, n o 2, 2005
sociales (de dominio - poder, y de búsqueda de placer - deseo), de prácticas
epistémicas (saber) y de prácticas enunciativas (discurso) cotidianas. Todo
lo cual produce, y no puede no producir:
- efectos locales legitimadores de poder, provenientes del deseo, del
saber y del discurso que ponen localmente en juego (y que no pueden no
poner en juego), añandiéndose a los efectos inmediatos de sus cuotas locales
de poder, y reforzándolas;
- efectos locales deseantes de placer provenientes del poder, del saber
y del discurso que ponen en juego (y que no pueden no poner en juego),
añadiéndose a los efectos inmediatos de sus circuitos locales del deseo, y
reforzándolos;
- efectos locales de verdad - de saber - provenientes del poder, del
deseo y del discurso que ponen en juego (y que no pueden no poner en
juego), añadiéndose a los efectos inmediatos de sus posicionamientos locales
epistémicos, y reforzándolos;
- efectos locales de discurso provenientes del poder, del deseo y del
saber que ponen en juego (y que no pueden no poner en juego), añadiéndose
a los efectos inmediatos de sus posicionamientos locales discursivos (de
discurso).
El poder no es algo que se posee o se otorga. Al contrario. Inherente
a toda práctica social, el poder se ejerce. Si no se ejerce por uno, es ejercido
por otros. El poder no deja vacíos sociales en su trama. Al plasmarse en
estrategias y tácticas atraviesadas por uno u otro cálculo, visa a mantener
unas u otras circunstancias en favor de algunos, y en desfavor de otros1.
Las prácticas bioéticas no constituyen excepción alguna al respecto.
Implican siempre la puesta en juego - el ejercicio - de cuotas locales de
poder y de contrapoder bioético. Inducen indefectiblemente circuitos locales
de deseo bioético, de satisfacción o insatisfacción bioéticas. Éstos, alimentando
de forma subyacente a aquellas cuotas de poder bioético, requieren y propician
la construcción de un saber bioético que las legitime, profiriéndose y
tramándose en enunciaciones de un discurso bioético que les tributa e difunde
intersubjetivamente. Así se constituye la circularidad de articulación entre el
poder bioético y los demás ámbitos de las prácticas bioéticas locales que
venimos caracterizando.
1
Fue Foucault el pensador contemporáneo que, a juicio nuestro, ha puesto más de relieve
en la teoría social esta omnipresencia del poder en todos los poros del socium.
137
Revista Brasileira de Bioética
Desde múltiples situaciones de interacción social con co-presencia
(escenarios sociales) se va tejiendo, “anónimamente”, toda una trama
socialmente articulada de ejercicio de poderes y contrapoderes locales. Esta
co-relación de fuerzas, de estrategias de poder y de resistencias locales,
ocurre en el seno mismo de lo social. Ahí se generan los patrones de
interacción familiares, educacionales, laborales, religiosos, recreativos, de
género, de raza, de etnia, de clase, de prácticas bioéticas etc., que componen
a cada caso. En la medida en que uno u otro de estos patrones de interacción
se propaga espacial y temporalmente en un socium dado, se extiende la
correspondiente trama local de poderes y contrapoderes, de co-relaciones
de fuerza y de estrategias sociales de resistencia.
Así, a partir de lo local se generan los efectos agregados de poder,
conformándose asimetrías sociales más amplias que, articuladas a las
asimetrías locales, producen escisiones en el entretejido social. Tales
asimetrías sociales agregadas pueden y, de hecho, es común que lo hagan,
llegar a constituirse en verdaderas líneas de falla o de fractura en el socium,
a lo largo de las cuales se alinean los diferentes polos – favorecidos y
desfavorecidos – involucrados en las asimetrías sociales de que se trate en
cada caso, según sea el patrón de interacción social concernido.
Se llegan a conformar, entonces, verdaderos efectos de hegemonía social.
Son las grandes asimetrías sociales, que reconocemos entonces como las
grandes dominaciones globales, ya sean familiares, religiosas, educacionales,
laborales, de género, de raza, de etnia, clasistas, de las prácticas bioéticas
etc. etc. etc. Son los ya más familiares macro-poderes, presencia inequívoca
en el socium, evidente en sus macro-correlaciones de fuerzas y macro
estrategias, que no son otra cosa que los efectos globales de aquellos poderes
locales, con sus co-relaciones locales de fuerzas y sus estrategias locales
mucho menos evidentes y, por lo mismo, menos reconocibles.
Tales macro-poderes y macro-resistencias surgen, a menudo, incluso
sin que los poderes y resistencias locales hayan sido considerados seriamente
o mismo percibidos socialmente. Es cuando nos preguntamos, de súbito,
¿pero, y cómo nos pudo pasar eso? Con frecuencia la respuesta a esta
interrogante llega ya demasiado tarde2. Es curioso, pero innegable que, una
2
Caso paradigmático de ello lo tenemos en el desenlace indeseado de la perestroika
soviética, para quienes la llevaron a cabo con sinceros propósitos de re-estructurar aquél
socialismo, en el propósito de hacerlo avanzar ulteriormente en un sentido democrático y
socialmente enriquecedor para aquella sociedad.
138
Volume 1, n o 2, 2005
vez plasmadas, tales hegemonías sociales, por su propia masividad y
evidencia, invisibilizan a los poderes y resistencias locales que las hicieron
posibles y de los cuales surgieron.
Al hablar, en las páginas anteriores, de la tejitura “anónima” del poder,
nos hemos referido al sentido que le otorga el carácter extremadamente local
de las miríadas de situaciones interactivas de co-presencia que suceden en
un socium cualquiera. Como se trata de situaciones que co-existen, se vuelve
imposible distinguirlas a todas desde su comienzo mismo, en sus
manifestaciones primeras o en sus efectos primarios de poder. Pero no en el
sentido de admitir que cada una de ellas no involucre - siempre - a
determinadas personas: hombres y mujeres concretos y con su propia
identidad individual, nombre y apellidos.
La relevancia de esta circunstancia radica en que permite salirle al
paso a objeciones, quizá bien intencionadas, pero muy simplistas, de que en
semejante enfoque (y se menciona siempre a Foucault) del poder, éste como
que cuelga del aire, no siendo ejercido por nadie en concreto. La articulación
que hacemos del enfoque foucaultiano del poder con los patrones de
interacción social de la vida cotidiana inmuniza nuestra argumentación contra
semejantes críticas. Por otra parte, las ya aludidas asimetrías sociales,
inherentes a una u otra situaciones de interacción social de co-presencia,
son empíricamente descriptibles por la aplicación de metodologías cualitativas,
ya ampliamente disponibles, para la indagación en el estudio de los
escenarios sociales de que se trate en cada caso.
En semejante contexto, esclarecido por la teoría social contemporánea,
se vuelve particularmente problemática, sociologicamente hablando, cualquier
aspiración a una inarticulación entre bioética y poder, entre poder bioético y
poder político.
Ética y Política
Todo régimen social necesita de personas que, incluso en el nivel de
la subjetividad, actúen en correspondencia con determinado ethos y cierta
politeia: hombres y mujeres cuyo comportamiento sea pautado en consonancia
a un conjunto de valores y reglas de conducta socialmente aceptadas,
propiciadas por dicho régimen, y que tiendan a sostenerlo. La
institucionalización de un régimen social se verifica precisamente en la
construcción de los esquemas de permisividad y prohibiciones que plasman
y afianzan al ethos y a la politeia.
139
Revista Brasileira de Bioética
El ámbito institucional, una vez constituido, se erige como una especie
de inconsciente colectivo que atraviesa transversalmente a todas las esferas
de lo social - económico-productiva, sociológica, política y cultural signándolas con la particular dialéctica de mostrar/ocultar, decir/callar, propia
de las instituciones con relación a lo que, en virtud de ellas, queda
concomitantemente permitido o prohibido en el socium.
En el Occidente, el ámbito institucional de la política remonta, en sus
orígenes, a la Antiguedad ateniense (siglo V a.C.), en donde ya se planteaba
la cuestión de la politeia como el problema de la constitución que asegurara
la isonomía y la igualdad ante la ley. Eso, mutatis mutandi, llevó al
surgimiento de una nueva forma de gobierno, el democrático, que constituía
entonces creación eminentemente revolucionaria. Sin embargo, no debemos
olvidar ni dejar pasar inadvertido el hecho de que tal forma de gobierno
excluía de todo derecho político a las mujeres, a los extranjeros y a los esclavos
- la aplastante mayoría de la población de Atenas.
Semejante evidencia nos debe de servir como antídoto contra los intentos
- frecuentes y casi siempre provenientes del norte desarrollado - de
proponernos a los latinoamericanos y a los caribeños una democracia abstracta
(sin apellidos), como si en algún lugar o tiempo haya existido tal, y una
democracia concreta (con apellidos) que ha tenido efectivamente existencia,
comenzando por la democracia para los nobles atenienses.
El interés por tales cuestiones ha ido constituyendo el saber político:
el origen de la reflexión política que se desarrollaba en el seno de la filosofía
del tiempo de Péricles. En la filosofía ateniense, incluso en el pensamiento
socrático y aristotélico, no se admitía la posibilidad de la vida social si no
fuera ésta dirigida al conocimiento de lo justo, lo bueno y lo bello - la única
manera de llegar a la verdad.
Lo bueno, lo bello, lo justo y lo verdadero eran considerados, entonces,
las piezas de un sistema de valores que es, en su totalidad, irreductible a la
sumatoria de sus partes: ellos se reclamaban y se sostenían recíprocamente.
La razón teórica, propia de la reflexión cognitiva, era entonces inseparable
de la razón práctica, propia de la acción política y del obrar moral. Ética y
Política debían practicarse, por lo tanto, en el movimiento de una reciprocidad
irreductible. La política - para las personas admitidas en su ámbito de ejercicio,
para los no-excluidos - no podía ser pensada como una esfera de conocimientos
y acciones desvinculada de los valores éticos.
Esta articulación entre ética y política puede aún trazarse a lo largo
del Medioevo, si bien que refractada, en el Occidente, por la subordinación
140
Volume 1, n o 2, 2005
de la filosofía a la teología, de la razón a la fe; en fin, de los asuntos terrenales
y carnales a los celestiales y divinos.
Ya en la Modernidad - y en el pensamiento de Kant, uno de sus mayores
filósofos - la ética y la política institucionalizadas, correspondientes al ethos
y a la politeia de la burguesía en ascenso, mantuvieron similar relación de
imbricación mútua. Los seres humanos no sólo eran los sujetos del
conocimiento; eran también los sujetos de la moralidad. No sólo aspiraban a
la verdad sobre el reino natural, sino también al conocimiento del mundo
moral, que no es otro que el reino de los fines. Kant llamaba cultura a la
capacidad o disposición de los seres humanos de proponerse fines a su arbitrio.
Como se ve, la ética y la política siguieron marchando juntas. Tal
unidad, en las sociedades burguesas de la modernidad temprana, se había
extendido, aunque fuese indiferente al conocimiento de los fines y de los
valores morales. Ninguna de las dos - ni la ética, ni la política - se ubicaban
hacia afuera de la esfera de la racionalidad.
Aunque no siempre ni en todo lugar haya sido admitida por todos, la
unidad entre la ética y la política es una conquista cardinal que debe ser
salvaguardada; bien como propiciada, en su extensión, a todo ámbito posible.
Y eso no apenas formalmente, como lo hace la burguesía con su proverbial
hipocresía y el doble discurso de la clase explotadora, sino que respondiendo
a un contenido real y concreto. No todas las épocas han podido, sin embargo,
lograrlo.
A partir de Kant, se produce una escisión entre la razón teórica y la
razón práctica. Como tal, la escisión es profundizada ulteriormente cuando
del surgimento, en el siglo XIX, de una racionalidad instrumental. Ésta,
incorporada por la política en nuestra contemporaneidad posmoderna, ha
producido una ruptura dentro del ámbito propio de la razón práctica,
rompiéndose así la unidad entre lo ético y lo político.
Con la revolución industrial, y la subsiguiente revolución técnicocientífica, cúspides del acelerado avance en las ciencias naturales a lo largo
de los siglos XVIII, XIX y XX, se ha ido produciendo una alianza cada vez
más estrecha entre la ciencia, sus resultados técnicos y su implementación
tecnológica en la industria. Así surgió el modo tecnológico de producción
fabril-mecanizado de los bienes materiales, marcando la madurez del sistema
capitalista y el inicio del proceso de transformación de la ciencia en fuerza
productiva directa, que ha llegado, hoy, a fases ulteriores y más significativas.
En la segunda mitad del recién finalizado siglo XX, y aún más
aceleradamente en el siglo recién iniciado, cabalgamos en un proceso de
141
Revista Brasileira de Bioética
globalización inevitable, pero que es, en su acepción estrictamente neoliberal,
aún evitable. Frente a tal constelación de circunstancias, el “yo pienso” deja
de ser una proclama crítica para convertirse en una razón humanamente
empobrecida, aunque poderosa. Una razón que se limita a ofrecer el
conocimiento de los medios científicos más apropiados para alcanzar, de
forma eficaz, a determinados fines, propios de las empresas, de los Estados
y de los que financían a aquellas y a éstos. Dirigidos básicamente a formular
prescripciones técnicas con relación a prognósticos, tales fines fundamentan
a la razón instrumental.
Tal escisión entre la ética y la política se debe al abandono de la
racionalidad crítica. El mejor antídoto para evitar tal escisión es, entonces, la
recuperación de la razón crítica por parte del pensamiento contemporáneo,
incluyendo al pensamiento bioético. Junto a la bioética (especialmente la
que se orienta hacia una bioética global o profunda, de índole potteriana),
otras direcciones de pensamiento y práxis, como el ambientalismo holista y
la teoría o enfoque de la complejidad, intentan articular un saber
transdiciplinario, holista y no lineal. Éste, a través de sus más lúcidos
representantes, puede coadyuvar a la recuperación de una racionalidad crítica
y a la subsiguiente conformación de un nuevo ideal - no clásico - de
racionalidad (SOTOLONGO, Op.cit.).
Bioética y Política: a modo de conclusiones
La bioética es una criatura dimanada de las contradictorias realidades
del recién terminado siglo XX. Aún no resueltas, tales contradicciones
persisten en el presente siglo, vinculadas a la reflexión y las prácticas vigentes
acerca de la inserción de la subjetividad, de los valores y de los intereses
sociales tanto en las tomas de decisión atañentes a la vida como en las
estrategias para su apropiación.
La complejidad de las problemáticas bioéticas se desplaza del terreno
ascético de la vieja epistemología de primer orden, en la que se concebía a
lo bioético como totalidad conformada por un espacio teórico constituido por
diferentes paradigmas al interior de este saber bioético. Ha adentrado el campo
de la nueva epistemología, de segundo orden. La reflexividad del bioeticista
para con lo bioético y las articulaciones de poder/saber bioéticos constituyen
estrategias diferenciadas de apropiación cognitiva crítica de las realidades
bioéticas, indisolublemente imbricadas a las estrategias empoderantes (o
142
Volume 1, n o 2, 2005
desempoderantes), deseantes (de satisfacción o de privación) y discursivas
(legitimadoras o deslegitimadoras). Éstas articulan las teorizaciones y los
imaginarios sobre lo bioético con las prácticas y con los discursos de apropiación,
producción y transformación bioéticos, orientados o bien por los principios
de la sustentabilidad de la vida o bien por su depredación.
Lo bioético no constituye una mera articulación entre ciencias en una
totalidad objetiva de conocimientos. Se trata de una articulación de
conocimientos, valores y estrategias en un campo antagónico (contradictorio)
de intereses sociales en conflicto, de identidades sociales diferenciadas, de
relaciones sociales de alteridad. Lo bioético constituye, así, un campo social
conflictual atañente al desarrollo sustentable de la vida en todas sus
manifestaciones, vegetal, animal y humana. Este campo tiene un fuerte e
indefectible asidero en las contradictorias - por injustas - realidades del mundo
en el que nos ha tocado vivir. Son estas realidades contradictorias las que
otorgan a la práctica bioética su sentido más legítimo.
Los sentidos a plasmar de lo bioético son eminentemente contextuales.
Dependen de contextos materiales, culturales, económicos, sociales y políticos
específicos, bien como de las historias de vida de quienes los construyeron.
Así, se pueden distinguir, grosso modo, dos sentidos diferenciales y
diferenciables de lo bioético: una bioética del consenso social, concomitante
con una política bioética dirigida a conciliar intereses dentro del status quo
social, obviando contradicciones sociales insalvables; y una bioética de las
contradicciones sociales, concomitante con una política bioética orientada a
revelar las contradicciones de intereses y a subvertirlas en aras de promover
la justicia y la equidad sociales.
Una bioética no articulada con la política - apolítica - resulta no ser
otra cosa más que un determinado posicionamiento político dentro del
movimiento del bioeticismo latinoamericano y caribeño. Si tal posicionamiento
se constituye ya como ingenuo o como avisado, es una cuestión a resolver
caso por caso. La defensa de una bioética apolítica es, así, un posicionamiento
político que tributa objetivamente a favor de una conciliación de intereses
dentro del status quo social vigente. Cuando se trata de intereses conciliables,
acierta. Cuando se topa, más temprano que tarde, con intereses sociales
inconciliables - como en el caso de la explotación, la marginación, la exclusión
social imperantes a lo largo y ancho de nuestra región latinoamericana y
caribeña – yerra, y no puede no errar.
Por otra parte, una bioética de las contradicciones sociales
latinoamericanas y caribeñas, articulada con la política, constituye el
143
Revista Brasileira de Bioética
posicionamiento político dirigido a revelar las contradicciones de fines,
intereses, necesidades e interpretaciones bioéticamente relevantes en nuestro
ámbito regional.
Los intentos de construcción de una bioética demarcada de la política
nos recuerdan a aquella pretensión de afirmarse como “ser apolítico” que,
estoy seguro, más de una vez hemos todos escuchado. Como si “ser apolítico”
no constituyera, desde un principio, un posicionamiento tan politizado como
otro cualquiera.
Referências Bibliográficas
GARRAFA, V. Multi-inter-transdisciplinaridad, complejidad y totalidad concreta en
bioética. In: Garrafa,V.; Kottow, M. & Saada, A. (orgs.). Estatuto epistemológico de
la bioética. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM / UNESCO: 6786, 2005.
GARRAFA, V. & PORTO, D. Intervention bioethics - a proposal for peripherial
countries in a context of power and injustice. Bioethics, 17 (5-6): 399-416, 2003.
KOTTOW, M. Por una ética de protección. Revista de la Sociedad Internacional de
Bioética, 11: 24-34, 2004.
____________. Bioética y biopolítica. Revista Brasileira de Bioética, 1 (2):110-121,
2005.
SOTOLONGO, P. Complejidad social y vida cotidiana. Revista Emergence (número
doble especial dedicado ao 1er. Seminario Bienal Internacional Complejidad, La
Habana, enero del 2002). E. U. A., septiembre, 2002.
______________. Bioética y complejidad. El tema de la complejidad en el contexto de
la bioética (La bioética, su estatuto epistemológico y el nuevo ideal de racionalidad).
In: Garrafa, V.; Kottow, M. & Saada, A. (orgs.) Estatuto epistemológico de la bioética.
México: Instituto de Investigaciones Jurídicas - UNAM / UNESCO: 95-124, 2005.
Recebido em 16/6/2005
Aprovado em 28/7/2005
144
Volume 1, n o 2, 2005
BIOÉTICA DAS INSTITUIÇÕES PIONEIRAS - PERSPECTIVAS
NASCENTES AOS DESAFIOS DA CONTEMPORANEIDADE
Bioethics of the pioneer institutions - rising perspectives
connected to the challenges of contemporary
Leo Pessini
Centro Universitário São Camilo, São Paulo, Brasil.
[email protected]
Resumo: Este artigo divide-se em duas seções que serão apresentadas
sequencialmente aqui e no próximo volume da RBB. Nesta primeira seção analisase o pioneirismo de Van Rensselaer Potter, conhecendo a pessoa, seu legado
intelectual, sua concepção de ciência e religião juntas com o objetivo de garantir o
futuro da vida no planeta terra, o seu credo bioético e uma apreciação crítica de sua
obra a partir de dois de seus discípulos, Gerald M. Lower e Peter J. Whitehouse.
Palavras-chave: Bioética. Ciência. Religião. Ecologia.
Abstract: This article is divided in two sessions that will be presented here and in the
next volume of RBB. In the first one, the pioneeiring work of Van Renselaer Potter is
analised, considering to some important aspects of his personal history and
outstanding academic work. One special issue is the discusson on the relation between
science and religion in the quest for global survival of humankind and bioesfere.
Potter´s bioethical creed for individuals is presented as well as an critical apraisal
from two of Potter´s followers, Gerald M. Lower e Peter W. Whitehouse.
Key words: Bioethics. Science. Religion. Ecology.
145
Revista Brasileira de Bioética
A
bioética consolidou-se com uma espetacular história de sucesso,
especialmente quando se considera seu pouco tempo de existência. Há apenas
35 anos do surgimento do neologismo bioethics, pela intuição de Van
Renselaer Potter e pouco mais de duas décadas da fundação dos primeiros
institutos de bioética estadunidense - o Kennedy Institute em Washington e
o Hastings Center em Nova York - é utilizada em todo mundo, conquistando
adeptos e o respeito de eminentes estudiosos.
Após o estabelecimento de inúmeros institutos e programas em
universidades em todo o mundo, estamos entrando em nova fase, com a
implantação dos primeiros mestrados e doutorados na área. Fazer uma
prospecção do futuro relacionando-a às origens da bioética é o desafio
enfrentado neste texto. Dividido em duas partes, iniciamos com o resgate da
figura pioneira de Potter, apresentando a pessoa, seu legado intelectual, o
credo bioético potteriano, além da apreciação crítica de dois de seus discípulos,
Gerald Lower e Peter J. Whitehouse. Na segunda parte do texto, que será
apresentada no próximo volume, discorreremos sobre a Enciclopédia de
Bioética (Encyclopedia of Bioethics), obra fundamental e referencial da bioética
nascente e contemporânea, comentando sua concepção, sua evolução ao longo
do tempo nas três edições de 1978, 1995 e 2004. Traçaremos uma caminhada
com o idealizador e editor-chefe das duas primeiras edições, Warren Thomas
Reich, da Universidadee de Georgetown, conferindo atenção especial à última
edição da Enciclopédia, levantando com seu editor-chefe, Stephen Post,
algumas das questões candentes da bioética atual.
O Pioneirismo de Potter
Conhecendo a pessoa
Nascido no Estado da Dakota do Sul em 27 de agosto de 1911, Potter
faleceu em 6 de setembro de 2001, em Madison, pequena cidade do Estado
de Wisconsin, no meio-oeste dos Estados Unidos, ao completar 90 anos,
deixando esposa, três filhos, seis netos e duas irmãs.
De seu avô, que morreu de câncer um ano antes de seu nascimento, aos
51 anos, herdou o nome, vindo a se chamar Van Rensselaer Potter II. Desde
a morte de sua mãe em um acidente de carro quando tinha sete anos de
idade, Potter passou a ser muito ligado ao pai.
Por ocasião de seu falecimento recebemos um comunicado de sua
neta Lisa Potter, que trabalhou muito perto do avô, entre 1994-1997,
146
Volume 1, n o 2, 2005
auxiliando-o nas publicações de bioética e em conferências. Nesse
comunicado ela relata:
“Lamentamos informar que Van faleceu ontem (6/09) às 5h20 da tarde.
Ele estava confortável e a família mantinha-se presente ao lado do leito. Eu
segurava sua mão quando exalou o último suspiro. Sei que ele sentiu o
apoio e amor da família. Ele morreu logo após seu 90º aniversário e teve a
chance de ver muitos membros da família. Sentiremos muito sua falta”.
Como é amplamente conhecido, foi Potter quem cunhou o neologismo
bioethics em 1970. Entretanto, chamá-lo de “pai da bioética”, como muitos
fazem, seria um exagero, segundo alguns críticos, estudiosos da história da
bioética. Não obstante, dizer que ele é somente autor do neologismo que
batizou esse campo de estudo não seria uma afirmação justa, especialmente
quando se considera sua envergadura moral, sua dedicação como pesquisador
e pioneiro da bioética.
Poucos dias antes de seu falecimento Potter deixou uma mensagem final,
endereçada aos amigos da sua “rede de bioética global”. Nesta mensagem
demonstra ressentimento pelo não reconhecimento de seu trabalho em bioética
em seu próprio país:
“Por um longo período de tempo, 1980-1990, ninguém reconheceu meu
nome e quis ser parte de uma missão. Nos EUA houve uma explosão
imediata do uso da palavra bioethics pelos médicos, que falharam ao
não mencionar meu nome ou o título das minhas quatro publicações de
1970-1971. Infelizmente, a sua imagem da bioética atrasou o surgimento
do que existe hoje”. (HARVARDSQUARELIBRAY, 2004).
A biografia de Potter é particularmente relevante para a história de uma
idéia - o conceito de autonomia - que desempenha até hoje papel
predominante na ética biomédica norte-americana. De acordo com essa visão,
que pautou seu comportamento pessoal e profissional, antes de enfocar direitos
individuais deve-se enfatizar responsabilidades pessoais. Seguindo fielmente
essa assertiva, Potter não só elaborou, mas viveu seu credo de ativista,
formulado a partir da responsabilidade social e ambiental. Como bioeticista
virtuoso que foi, não apenas viveu sua visão de bioética, como também
conclamou outros a fazê-lo, alertando que, para merecer ser chamado de
bioeticista se deve seguir tal credo, que apresentaremos na íntegra neste
147
Revista Brasileira de Bioética
texto. A forte ênfase na ética das virtudes destaca-se na bioética potteriana,
que adquire um tom quase de pregação.
Potter era considerado um distinto membro da Sociedade Unitariana de
Madison (Unitarian Society of Madison), organização de inspiração cristã
que segue o espírito de Jesus de Nazaré e defende a perspectiva de uma
religião liberal. Trata-se de uma associação aberta, em que o ateu honesto
pode se declarar como tal, sem nenhum medo, bem como o crente piedoso
falar de sua ligação pessoal com o universo e com Deus sem embaraço. Os
unitarianos constituem-se uma confraria de livre pensamento em que são
aceitos como membros “... pessoas de todas as opiniões teológicas, que
desejam se unir a nós na promoção da verdade, justiça, reverencia e caridade
entre os homens” (HARVARDSQUARELIBRAY, Op. Cit.). Entre os objetivos
dessa organização, destaca-se o primeiro, que diz respeito à integridade de
vida, que significa a totalidade (wholeness). Para as pessoas de genuína
integridade, todos os objetivos e questões de vida estão interrelacionados.
Na página virtual desse grupo lê-se textualmente: “... a única exigência
que fazemos e que esperamos é que sejamos honestos conosco mesmos e
com os outros” (HARVARDSQUARELIBRAY, Op. cit.). Embora não haja
nenhuma menção à ligação entre a visão de Potter e a organização dos
unitarianos, é perceptível a profunda associação entre o credo bioético
potteriano e a filosofia dessa organização.
Potter doutorou-se em bioquímica e trabalhou mais de 50 anos na
Universidade de Wisconsin, nos Laboratórios MacArdle para a pesquisa de
câncer, aposentando-se em 1982. Sua contribuição original sobre a
compreensão do metabolismo das células cancerígenas foi reconhecida,
contribuindo para sua eleição para a Academia Nacional de Ciências. Foi
presidente da Sociedade Americana de Pesquisa sobre o Câncer em 1974,
além de ter atuado em inúmeras outras organizações científicas de grande
prestígio nos EUA.
Após sua aposentadoria, Potter praticamente passou a residir em sua
casa de campo, localizada em meio a um bosque, nas cercanias de Madison.
Ali recebia amigos e estudantes na varanda de madeira rústica, sentindo-se
em comunhão com a natureza. Nos últimos anos de vida, dedicou-se ao
cuidado de sua esposa, Vivian, tragicamente deficiente em decorrência de
artrite. Por opção, deixa de viajar e dar conferências pelo mundo afora, ficando
junto a sua companheira.
A última viagem que realizou ao exterior foi em 1990 para a Itália, a
convite de Bruneto Chiarelli, professor de antropologia da Universidade de
148
Volume 1, n o 2, 2005
Florença, quando falou sobre Bioética Global. Estava com 79 anos, e quase
não mais viajava, embora recebesse inúmeros convites para participar de
eventos de bioética, para os quais enviava vídeos de suas três palestras:
palestra sobre Bioética Global, em 1998, por ocasião do IV Congresso Mundial
de Bioética, em Tóquio a convite de Hyakuday Sakamoto; palestra para o
Congresso Mexicano de Bioética, em 1999, a convite do falecido Manuel
Velasco Suarez; e palestra para o Congresso Internacional de Bioética, em
2000, organizado pela Sociedade Internacional de Bioética (SIBI) na Espanha,
a convite de Marcelo Palácios.
Uma resolução elaborada pelo corpo docente da Universidade de
Wisconsin em memória de Potter destaca a importância de sua vida
profissional como pesquisador e professor de oncologia no Laborátório
McArdle de Pesquisa de Câncer, durante mais de 50 anos, e enfatiza a
importância da fase final de sua vida, justamente os últimos 30 anos
dedicados à bioética:
“...sua maior contribuição para a comunidade científica são os mais de
90 doutorados que orientou e estudantes de graduação que inspirandose nele, muitos tornaram-se proeminentes em vários campos da ciência,
sendo que um deles foi agraciado com o Prêmio Nobel. (....) Para Van
a ciência, não era um ´trabalho´ mas, uma experiência ética, apaixonada
e criativa. Além do mais, ele não separava o cientista do processo científico
ou o cientista do contexto social do empreendimento científico. Esta
filosofia, motivado pelo seu conceito de ‘humildade com responsabilidade’,
o conduziu à fase final de sua produtiva carreira” (MCARDLE, 2002).
Potter é lembrado por seus colegas de docência na universidade como
“um ser humano iluminado, preocupado com o cuidado humano de tudo,
para que todos pudessem viver, não numa utopia, mas em um mundo
esteticamente belo e sustentável, uma vida satisfatória e feliz” (MCARDLE,
Op. cit).
O legado intelectual
Potter, que chamou a bioética de “ciência da sobrevivência humana”,
traçou uma agenda de trabalho para a mesma que vai desde a intuição da
criação do neologismo em 1970, até a possibilidade de encarar a bioética
como uma disciplina sistêmica ou profunda em 1988. É interessante recordar
149
Revista Brasileira de Bioética
alguns momentos mais importantes deste itinerário, iniciando pela história
do surgimento do neologismo bioética (POTTER, 1971).
Nos anos 1970-71, Potter cunha o neologismo bioethics, utilizando-o em
dois trabalhos: no artigo Bioethics, science of survival, e no livro Bioethics:
bridge to the future. Esta publicação é dedicada a Aldo Leopold, renomado
professor na Universidade de Wisconsin, que pioneiramente começou a discutir
uma “ética da terra”. O termo apareceu na mídia em abril de 1971 quando a
Revista Time publicou um longo artigo entitulado “Man into superman: the
promisse and peril of the new genetics”, citando o livro de Potter.
No termo bioética (do grego bios = vida e ethos = ética) o primeiro
refere-se ao conhecimento biológico, a ciência dos sistemas vivos, e o segundo
relaciona-se ao conhecimento dos valores humanos. Potter almejava criar
uma nova disciplina que propiciasse uma verdadeira e dinâmica interação
entre o ser humano e o meio ambiente, perseguindo a intuição de Leopold e
antecipando-se ao que hoje se tornou uma preocupação mundial, que é a
ecologia. Na contracapa de Bioethics: bridge to the future, ele destaca:
“Ar e água poluída, explosão populacional, ecologia, conservação - muitas
vozes falam, muitas definições são dadas. Quem está certo? As idéias se
entrecruzam e existem argumentos conflitivos que confundem as questões
e atrasam a ação. Qual é a resposta? O homem realmente está colocando
em risco o seu meio ambiente? Não seria necessário aprimorar as condições
que ele criou? A ameaça de sobrevivência é real ou se trata de pura
propaganda de alguns teóricos histéricos?” (POTTER, Op. cit.).
“...Esta nova ciência, bioethics, combina o trabalho dos humanistas e
cientistas, cujos objetivos são sabedoria e conhecimento. A sabedoria é
definida como o conhecimento de como usar o conhecimento para o bem
social. A busca de sabedoria tem uma nova orientação porque a
sobrevivência do homem está em jogo. Os valores éticos devem ser
testados em termos de futuro e não podem ser divorciados dos fatos
biológicos. Ações que diminuem as chances de sobrevivência humana
são imorais e devem ser julgadas em termos do conhecimento disponível
e no monitoramento de ‘parâmetros de sobrevivência’ que são escolhidos
pelos cientistas e humanistas” (POTTER, Op. cit.).
Potter pensa a bioética como uma ponte entre a ciência biológica e a
ética. Sua intuição consistiu em pensar que a sobrevivência de grande parte
150
Volume 1, n o 2, 2005
da espécie humana, numa civilização decente e sustentável, dependia do
desenvolvimento e manutenção de um sistema ético. A respeito, afirma na
introdução daquele livro:
“Se existem duas culturas que parecem incapazes de dialogar - as ciências
e humanidades - e se isto se apresenta como uma razão pela qual o
futuro se apresenta duvidoso, então, possivelmente, poderíamos construir
uma ponte para o futuro, construindo a bioética como uma ponte entre as
duas culturas” (POTTER, Op. cit.).
Anos depois, em 1998, ratificando suas convicções, Potter relata:
“O que me interessava naquele momento, quando tinha 51 anos, era o
questionamento do progresso e para onde estavam levando a cultura
ocidental todos os avanços materialistas próprios da ciência e da
tecnologia. Expressei minhas idéias do que, segundo meu ponto de vista,
se transformou na missão da bioética: uma tentativa de responder à
pergunta frente à humanidade: que tipo de futuro teremos? E temos
alguma opção? Por conseguinte a bioética transformou-se numa visão
que exigia uma disciplina que guiasse a humanidade como uma ‘ponte
para o futuro’” (POTTER, 1998).
É importante registrar que existe outro pesquisador que reivindica a
paternidade do termo bioética. É o obstetra holandês, André Hellegers, da
Universidade de Georgetown, que seis meses após a aparição do livro de
Potter utiliza esta expressão no nome do novo centro de estudos: Joseph and
Rose Kennedy Institute for the Study of Human Reproduction and Bioethics.
Hoje esse centro é conhecido simplesmente como Instituto Kennedy de
Bioética. No Instituto Kennedy, Hellegers conduziu um grupo de discussão
de médicos e teólogos (protestantes e católicos) que viam com preocupação
crítica o progresso médico e tecnológico, os quais apresentavam enormes e
intrincados desafios aos sistemas éticos do mundo ocidental. Para Warren
Thomas Reich, historiador da bioética e organizador das duas primeiras
edições da Enciclopédia, o legado de Hellegers está no fato deste entender
sua missão em relação à bioética como “uma pessoa ponte entre a medicina,
a filosofia e a ética”. Este legado é o que acabou conquistando maior
notoriedade, tornando-se hegemônico, fazendo da bioética um “estudo
revitalizador da ética médica” (REICH, 1995).
151
Revista Brasileira de Bioética
Potter não deixou de expressar sua decepção em relação ao curso que a
bioética seguiu. Reconheceu a importância da perspectiva de Georgetown,
porém afirmou que “minha própria visão da bioética exige uma visão muito
mais ampla”. Pretendia que a bioética fosse uma combinação de conhecimento
científico e filosófico e não, simplesmente, um ramo da ética aplicada, como
foi entendida em relação à medicina. Seja como for, fica claro que desde o
momento de seu nascimento, a bioética tem dupla paternidade e duplo
enfoque, apontando perspectivas distintas: os problemas da macrobioética,
com inspiração na perspectiva de Potter; e, os conflitos da microbioética, ou
bioética clínica, com clara inspiração no legado de Hellegers.
Em 1988 Potter amplia sua visão da bioética em relação a outras
disciplinas, não somente como ponte entre a biologia e a ética, mas alçandoa à dimensão de uma Ética Global:
“A teoria original da bioética era a intuição da sobrevivência da espécie
humana, numa forma decente e sustentável de civilização, exigindo o
desenvolvimento e manutenção de um sistema de ética. Tal sistema (a
implementação da bioética ponte) é a Bioética Global, fundamentada em
intuições e reflexões fundamentadas no conhecimento empírico
proveniente de todas as ciências, porém, em especial do conhecimento
biológico... Na atualidade este sistema ético proposto segue sendo o
núcleo da bioética ponte com sua extensão para a Bioética Global, o que
exigiu o encontro da ética médica com a ética do meio ambiente numa
escala mundial para preservar a sobrevivência humana” (POTTER,1988).
Em suas palavras finais no vídeo apresentado em Tóquio no IV Congresso
Mundial de Bioética, traça a agenda dos desafios futuros da bioética:
“À medida que chego ao ocaso de minha experiência sinto que a bioética
ponte, a bioética profunda e a Bioética Global, alcançaram o umbral de
um novo dia que foi muito além daquilo que eu imaginei. Sem dúvida,
necessitamos recordar a mensagem do ano de 1975 que enfatiza a
humildade com responsabilidade com uma bioética básica, que
logicamente segue da aceitação de que os fatos probabilísticos, ou em
parte a sorte, têm conseqüências nos seres humanos e nos sistemas
viventes. A humildade é a conseqüência característica que assume o
‘posso estar equivocado’, e exige a responsabilidade de aprender da
experiência e do conhecimento disponível. Concluindo, o que lhes peço é
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Volume 1, n o 2, 2005
que pensem a bioética como uma nova ética científica que combina a
humildade, responsabilidade e competência, numa perspectiva
interdisciplinar e intercultural e que potencializa o sentido de humanidade”
(CONGRESSO MUNDIAL DE BIOÉTICA. 4, 1998).
Naquela mesma palestra fala também de Hans Küng, célebre teólogo
católico, mundialmente conhecido, da Universidade de Tubinguen, na
Alemanha, lembrando que este já havia chamado atenção para uma ética
global, voltada à política e economia, em relação a qual todas as nações e
povos das mais diferentes tradições culturais e crenças deveriam se
responsabilizar. Ressalta que o coração da ética global de Küng está no
humano, o que lhe parece louvável, e que, embora essa ética global não seja
bioética, seus preceitos básicos parecem totalmente aceitáveis, podendo ser
seguidos por todos. Sublinha, porém, que esta perspectiva não é suficiente,
pois é preciso explicitar o respeito pela natureza e pelas diferentes culturas,
para além das culturas judaica e cristã.
Em 1998, Potter expõe a idéia da Bioética Profunda, retomando o
pensamento de Whitehouse, da Universidade de Cleveland. O trabalho de
Whitehouse incorporou os avanços da biologia evolutiva, em especial o
pensamento sistêmico e complexo que comporta os sistemas biológicos. A
Bioética Profunda pretende entender o planeta como locus de grandes
sistemas biológicos entrelaçados e interdependentes, cujo centro já não
corresponde ao homem, como em épocas anteriores, mas à própria vida,
sendo o homem somente um pequeno elo nesta grande rede.
Ciência e religião juntas frente ao desafio ético de garantir o futuro
da vida
Em artigo publicado na revista The Scientist com o sugestivo título A
ciência e a religião devem partilhar da mesma busca em relação à
sobrevivência global Potter afirma que não podemos mais ficar confortáveis
com a idéia de que no futuro - se as coisas piorarem - a ciência terá as
respostas. Para ele o momento de agir e provar nossa competência ética, bem
como técnica, é agora:
“Uma questão central para os nossos esforços deve ser a promoção do
diálogo entre a ciência e a religião em relação à sobrevivência humana e
153
Revista Brasileira de Bioética
da biosfera. Durante séculos, a questão dos valores humanos foi
considerada como estando para além do campo científico e propriedade
exclusiva dos teólogos e filósofos seculares. Hoje devemos sublinhar que
os cientistas, não somente têm valores transcendentes, mas também os
valores que estão embutidas no ethos científico, necessitam ser integrados
com aqueles da religião e filosofia para facilitar processos políticos
benéficos para a saúde global do meio ambiente” (POTTER, 1994).
Na busca de companheiros para a causa, registra que muitos livros e
artigos abordam os problemas do meio ambiente e saúde humana, mas
relativamente poucos enfocam a questão da sobrevivência da espécie humana
no futuro. Entre estes destaca a obra de Hans Jonas, The imperative of
responsibility: in search of an ethic for the technological age; a do sociólgo
Manfred Stanley, The technological conscience: survival and dignity in an
age of expertise; e a Declaração para uma Ética Global do já citado Küng,
mentor e redator documento final, apresentado no Parlamento Mundial das
Religiões, que se reuniu em Chicago em 1993 (KÜNG & SCHMIDT, 1998).
É sobre este último que Potter tece comentários, relativos à construção da
ponte entre ciência e religião. Criticando a perspectiva da Ética Global de
Küng, afirma que no cerne da moral religiosa por este defendida não está
incorporada a preocupação com o rápido crescimento populacional. Destaca
que dentre os seguidores das maiores religiões mundiais, em particular o
catolicismo e o islamismo, estão as populações que mais contribuem para a
atual e assustadora taxa de crescimento populacional.
Segundo Potter, somente a ciência tem as técnicas para analisar mudanças
populacionais e seu impacto. Ao formular sua Ética Global, Küng apontou
uma questão chave para a sobrevivência humana, idéia que nenhum outro
teólogo até então sequer tinha mencionado. Embora outros líderes religiosos
tenham proclamado que a vida é sagrada e defendido os direitos humanos,
somente Küng colocou a sobrevivência humana na agenda da reflexão ética.
Os cientistas, por sua vez, há muito tempo abraçaram o desafio do bem estar
humano e implicitamente a sobrevivência humana; portanto, estão credenciados
para colaborar na causa pela sobrevivência humana e da biosfera.
Potter vai além ao dizer que não somente os teólogos, mas também os
filósofos seculares falharam em pensar sobre a sobrevivência humana e da
biosfera como uma questão ética. Restritas a relações interpessoais ou sociais
entre os humanos, tais reflexões excluíram questões que para ele são
fundamentais, relacionadas ao crescimento populacional e aos problemas
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Volume 1, n o 2, 2005
ecológicos. Como ponto importante da famosa Declaração sobre Ética Global
Potter destaca: não pode haver sobrevivência sem uma ética mundial, e não
existirá paz mundial sem a paz entre as religiões e uma aliança entre crentes
e não-crentes (ateus, agnósticos e outros) respeitando-se mutuamente, pode
também ser necessária para a concretização de uma ética mundial comum a
todos os humanos. A respeito enfatiza:
“Os cientistas devem aplaudir os esforços de Hans Küng ao apontar
para construção de uma aliança reconciliatória entre crentes e aqueles
que não são fundamentalmente caracterizados como religiosos, incluindo
entre estes, penso, a maioria dos cientistas. Precisamos unir as forças
frente à responsabilidade global da sobrevivência humana e seu apelo
pelo ‘respeito mútuo’, é necessário para uma ética mundial comum”
(POTTER, Op. cit.).
Em vários trabalhos Potter manifesta profunda preocupação com o rápido
crescimento da população mundial, lembrando que os demógrafos projetam
a duplicação da população em meados do século XXI. A abordagem desta
questão revela seu lado de militante obcecado com a questão populacional,
que não deixa de ter um viés um tanto alarmista. Suas constantes assertivas
no sentido de interromper o crescimento populacional, tornam-se ironicamente
visíveis na placa de seu velho carro, YES ZPG (Zero Population Growth),
que significa “Sim, crescimento populacional zero” (WHITEHOUSE, 2001).
Sabe-se hoje, que a questão demográfica tem uma série de novos fatores,
cruciais e preocupantes, que Potter sequer mencionou.
No seu credo bioético Potter explicita que o compromisso em relação à
saúde pessoal e familiar se expressa no sentido de limitar os poderes
reprodutivos de acordo com objetivos, nacionais e internacionais. Pensando
que o problema da superpopulação não pode ser resolvido enquanto as
maiores religiões se opuserem a qualquer tentativa de limitar a fertilidade,
deixa claro que o diálogo entre ciência e religião não é fácil. Tal constatação
gera o questionamento sobre a possibilidade de construir um consenso sobre
o assunto e a aceitação dessa diretriz política pelos governos: a busca por
uma ética mundial, partilhada tanto pela religião como pela ciência não
poderia ser expressa em princípios concretos para a ação? Para ele a
inquietação angustiante desta busca permanece sem resposta, pois não há
certeza de que se possa encontrar solução satisfatória para tais questões, ao
menos no presente momento histórico.
155
Revista Brasileira de Bioética
Sintetizando as questões chave do diálogo entre ciência e religião, vale
destacar o que Potter diz a propósito da Declaração das Religiões sobre uma
Ética Global:
“Estamos conscientes de que as religiões não podem resolver os problemas
econômicos, políticos e sociais da terra. Contudo, elas podem prover o
que não podemos conseguir através dos planos econômicos, programas
políticos e regulamentações legais. As religiões podem causar mudanças
na orientação interior, na mentalidade, nos corações das pessoas e
levá-las para uma ´conversão` de um ´falso caminho’ para uma nova
orientação de vida. As religiões contudo, são capazes de dar às pessoas
um horizonte de sentido para suas vidas e um lar espiritual.
Certamente as religiões podem agir com credibilidade somente quando
eliminarem os conflitos que surgem entre elas mesmas e
desmantelarem imagens hostis e preconceitos, medos e desconfiança
mútuas” (POTTER, Op. cit.).
Esse trecho demonstra a profunda compreensão de Potter em relação à
ciência e à religião, apontando um caminho para aplacar a longa batalha
histórica que travam pela hegemonia sobre a verdade. Cada uma delas,
quando em posição hegemônica, tenta negar a outra, restringindo a
possibilidade dos seres humanos alcançarem verdadeira compreensão
(PETERS & NENNETT, 2003). A visão de Potter, à qual fazemos coro, mostra
que agora ambas precisam caminhar juntas, de mãos dadas, em função de
um objetivo maior, uma causa que interessa a toda a humanidade: garantir o
futuro da vida, humana e cósmico-ecológica, no planeta terra.
Nesse sentido, um dos documentos mais reveladores da personalidade e
das convicções de Potter, que fez da bioética sua causa de vida, se expressa
no chamado credo bioético.
O credo bioético de Potter
1. Creio na necessidade de uma ação terapêutica imediata para melhorar
este mundo afligido por uma grave crise ambiental e religiosa.
Compromisso: Trabalharei com os outros para aperfeiçoar a formulação
de minhas crenças, desenvolver credos adicionais e procurar um movimento
mundial que torne possível a sobrevivência e o aprimoramento do
156
Volume 1, n o 2, 2005
desenvolvimento da espécie humana em harmonia com o meio ambiente
natural e com toda a humanidade.
2. Creio que a sobrevivência futura bem como o desenvolvimento da
humanidade, tanto cultural quanto biológico, é fortemente condicionado pelas
ações do presente e planos que afetam o meio ambiente.
Compromisso: Tentarei adaptar um estilo de vida e influenciar o estilo
de vida dos outros, bem como ser promotor para um mundo melhor para as
futuras gerações da espécie humana, e tentarei evitar ações que coloquem
em risco seu futuro, ao ignorar o papel do meio ambiente natural na produção
de alimentação e fibras.
3. Creio na unicidade de cada pessoa e na sua necessidade instintiva de
contribuir para o aprimoramento de uma unidade maior da sociedade, de
forma que seja compatível em longo prazo com as necessidades da sociedade.
Compromisso: Ouvirei os pontos de vistas dos outros, sejam estes de
uma minoria ou de uma maioria, e reconhecerei o papel do compromisso
emocional em produzir uma ação efetiva.
4. Creio na inevitabilidade do sofrimento humano que resulta da desordem
natural das criaturas biológicas e do mundo físico, mas não aceito
passivamente o sofrimento que é resultado do tratamento desumano de
pessoas ou grupos.
Compromisso: Enfrentarei meus próprios problemas com dignidade e
coragem. Assistirei aos outros na sua aflição e trabalharei com o objetivo de
eliminar todo sofrimento desnecessário à humanidade.
5. Creio na finalidade da morte como uma parte necessária da vida.
Afirmo minha veneração pela vida, creio na necessidade de fraternidade
agora, e que também que tenho uma obrigação para com as futuras gerações
da espécie humana.
Compromisso: Viverei de uma forma tal que será benéfica para as vidas
de meus companheiros humanos de hoje e do futuro, e que serei lembrado
com carinho pelos meus entes queridos.
6. Creio que a sociedade entrará em colapso se o ecossistema for
danificado irreparavelmente, a não ser que se controle mundialmente a
fertilidade humana, devido ao aumento concomitante na competência de
seus membros para compreender e manter a saúde humana.
Compromisso: Aperfeiçoarei as habilidades ou um talento profissional
que contribuirão para a sobrevivência e aprimoramento da sociedade e
manutenção de um ecossistema saudável. Ajudarei os outros no
desenvolvimento de seus talentos potenciais, mas ao mesmo tempo cultivando
o autocuidado, auto-estima e valor pessoal.
157
Revista Brasileira de Bioética
7. Creio que cada pessoa adulta tem uma responsabilidade pessoal em
relação à sua saúde, bem como, uma responsabilidade para o desenvolvimento
desta dimensão da personalidade em sua descendência.
Compromisso: Esforçar-me-ei por colocar em prática as obrigações
descritas como compromisso bioético para a saúde pessoal e familiar. Limitarei
meus poderes reprodutivos de acordo com objetivos, nacionais ou internacionais.
Apreciação Crítica da Obra de Potter
Gerald M. Lower Jr., um dos estudantes que completava seu doutorado
nos Laboratórios McArdle quando Potter publicou seu livro pioneiro, observa
o seguinte: “Naquele momento, Potter não estava imune da crítica dos
pesquisadores locais por se aventurar numa área de filosofia e ética e não
em seu laboratório” (LOWER, 2002). O que os críticos de seu trabalho viram
como erro, justificando seu não envolvimento público, Lower viu como sendo
uma profunda e significativa contribuição.
Lower relata que o termo bioethics foi rapidamente assumido pela
comunidade médica, como um rótulo para seu esforço de estabelecer padrões
éticos para o exercício de uma medicina de alta tecnologia. Programas de
bioética emergiram em muitas partes dos EUA e o neologismo popularizouse, sem que se mencionasse Potter ou sua publicação. Para tornar essa situação
pior, o tipo de bioética promovida nos EUA, de cunho pragmático e não
conceitual, realmente não tinha nenhuma relação com a vertente potteriana.
Também Peter J. Whitehouse reconhece a pouca relação entre as duas
maneiras de conceituar o termo bioethics. Para esse autor o conceito de bioética
de Potter não influenciou o desenvolvimento da ética biomédica porque, desde
o início, a identificação da palavra bioethics com o Instituto Kennedy inclinou
seu uso à medicina clínica.
Segundo esse autor, nos anos 1970 as pessoas estavam preocupadas com
as implicações da tecnologia médica, particularmente tecnologia reprodutiva.
Este enfoque das implicações éticas relacionadas às descobertas médicas sobre
os valores humanos continua dominante na ética biomédica. A trágica falta de
preocupação do sistema de saúde relacionado com a saúde pública e meio
ambiente pode estar associada com as mesmas forças sociais que levaram Potter
a não considerar na sua visão de bioética, questões de medicina de alta
tecnologia, medicina genética, orientada pelas forças do mercado.
Fazendo uma crítica dessa vertente da bioética elaborada em seu próprio
país, Whitehouse afirma:
158
Volume 1, n o 2, 2005
“À medida que a população mundial cresce, as espécies animais
continuam a ser eliminadas e preocupações com meio ambiente saudável
toma cada vez mais vulto, o que provavelmente faz com que a perspectiva
potteriana de bioética ganhe maior proeminência. Por outro lado,
preocupações com a profissionalização da ética em torno de certos
conceitos limitados de ética médica também continuarão. O enfoque sobre
a autonomia individual, como um princípio ético dominante nos EUA,
deve mudar para questões mais amplas, de responsabilidade comunitária
e de cuidado com o meio ambiente” (WHITEHOUSE, 2003).
Buscando resgatar a memória intelectual de Potter e reafirmar sua
legitimidade como autor do termo bioethics, Whitehouse afirma logo no início
de seu artigo: “Van Rensselaer Potter foi a primeira voz a emitir a palavra
bioethics, mas ele é muito pouco apreciado pela comunidade bioética”
(WHITEHOUSE, Op. cit.).
Segundo este autor a maior contribuição de Potter deu-se no sentido
conceitual e não factual, influenciando a maneira como vemos e pensamos
as coisas e o mundo. Potter estava essencialmente preocupado com o
desenvolvimento de uma ética que pudesse guiar o comportamento para
permitir a sobrevivência da humanidade e de outras espécies. A bioética de
Potter era explicitamente orientada para o futuro, como sugere o título de
seu primeiro livro, no qual considera o desenvolvimento do campo da bioética
como um aspecto essencial da sobrevivência humana. Para Whitehouse, os
conceitos criados por Potter para explicar sua concepção de bioética são
infinitamente mais poderosos que os fatos, mesmo que não tenham granjeado
reconhecimento ou sido simplesmente ignorados pela comunidade biomédica
norte-americana, marcada pela ideologia de mercado e sem uma filosofia
biomédica coerente de base.
Para ilustrar a grande habilidade de Potter em construir palavras para
capturar conceitos complexos, Whitehouse relata que durante mais de cinco
anos de trabalho conjunto pode observar várias ocasiões nas quais Potter
construiu novos conceitos para descrever sua concepção de bioética. Os dois
chegaram a cunhar juntos o termo deep bioethics em uma dessas ocasiões,
buscando expressar a mistura entre ecologia profunda e Bioética Global:
“Os ecologistas profundos nos pedem para refletir sobre nossas conexões
espirituais com o mundo natural, como o fez Leopold, por exemplo, em
seu famoso ensaio sobre olhar nos olhos de um lobo agonizante. Portanto,
159
Revista Brasileira de Bioética
existe algo explicitamente espiritual em relação à ética de Potter que
exige algum tipo de conexão sagrada aos sistemas naturais, talvez
relacionado ao conceito de Wilson, de biofilia. Quando cunhamos o termo
‘bioética profunda’, tivemos o sentimento de eureka, justamente como
Potter descreveu seu estado mental original, ao estar andando de bicicleta,
quando teve o insight do termo bioethics” (WHITEHOUSE, Op. cit.).
Whitehouse diz ainda que durante seu trabalho com Potter este também
testou o termo priviledge ethics para enfocar os problemas que dividem os
povos do mundo entre os que têm acesso aos recursos e à riqueza e os que não
têm essa possibilidade de acesso. Relata que Potter também considerou o conceito
de bridge ethics para focar a necessidade de conectar diferentes formas de
ética médica, ambiental, social e religiosa. Já no final de sua vida trabalhava a
perspectiva de desenvolver a noção de uma ética de sustentabilidade da vida
humana e qualidade do meio ambiente com um grupo de bioeticistas
internacionais, buscando organizar-se para criar um centro de bioética na
Universidade de Wisconsin.
Numa visão prospectiva, Whitehouse fala do renascimento da bioética,
em termos de ir além das formulações originais de Potter:
“O campo da bioética encontra-se hoje num estágio crítico de evolução,
após trinta anos de desenvolvimento de programas de bioética. Encontrase numa fase de profissionalização, respondendo a demandas éticas do
contexto clínico e consultoria bioética para a indústria biotecnológica, bem
como no nível acadêmico organizacional surgem os primeiros departamentos
e programas de doutorado na área” (WHITEHOUSE, Op. cit.).
Contudo, na raiz de todos estes neologismos está a concepção original
da própria bioética. O trabalho precursor de Potter preparou o caminho para
que a bioética se estabelecesse a partir de uma perspectiva global. Neste
sentido, Bridge to the future contém vários insights que são a base para a
emergência de uma filosofia científica global que abraça não somente a
evolução biológica, mas também acata a diversidade cultural. Assim, a Bioética
Global deve ser percebida como uma metáfora que comunica a preocupação
para com todo o planeta bem como a abrangência do sistema intelectual.
Embora Potter fosse reconhecido como alguém sempre rápido em apontar
que uma ética viável deve estar fundamentada num conhecimento científico
de base, o que implica que uma ética global deve ser baseada numa filosofia
160
Volume 1, n o 2, 2005
global, foi somente em 1988, quando publicou Global Bioethics: Building on
the Leopold Legacy, que seu trabalho ganhou rapidamente a admiração dos
europeus, sendo paulatinamente reconhecido também entre os estadunidenses.
Este trabalho é inspirado e dedicado a Aldo Leopold, pesquisador da mesma
universidade na qual trabalhava (que não chegou a conhecer), que construiu
o conceito de land ethics, uma articulação pioneira no ocidente de uma ética
do meio ambiente.
Além desses dois colaboradores, que trabalharam diretamente com Potter,
consideramos necessário apresentar algumas observações de Warren Reich,
sobre a importância de seu trabalho. Para Reich, Potter foi o primeiro a cunhar
o termo bioethics em 1970 (REICH, 1995). Embora possamos discutir a respeito
de um nascimento em dois lugares, parece claro que Potter cunhou, usou e
publicou os termos antes do seu uso pelo Instituto Kennedy de Bioética.
Embora seja interessante, a acurada reconstrução histórica feita por esse
autor não é tão importante quanto as diferenças fundamentais entre as
concepções de bioética de Potter e o que se tornou a forma dominante do
pensamento corrente da ética biomédica.
A ética de Potter era inspirada por uma compreensão aguda da biologia,
bem como por uma profunda preocupação pessoal em relação à sobrevivência
e sustentabilidade da vida no planeta. Embora Potter tivesse explorado as
implicações clínicas de seu trabalho na bioética, estava mais preocupado
com as relações básicas entre biologia e valores humanos, antes que com
aquelas questões levantadas pelos avanços clínicos e científicos da medicina.
O interesse de Potter em valores e biologia era prioritário devido seu
conhecimento mais especifico da biologia do câncer e implicações do
crescimento descontrolado das células e formas de vida em geral. Sua
contribuição científica para compreender o metabolismo das células
cancerígenas foi fundamental no sentido de capacitá-lo a compreender as
complexidades dos sistemas biológicos e sua influência na vida humana. A
esse respeito Whitehouse observa:
“É tempo para os bioeticistas levantarem questões mais profundas sobre
os objetivos da pesquisa e dos sistemas de saúde. Se considerarmos
como um dos objetivos subjacentes da medicina o de promover a
sobrevivência da humanidade e a vida no planeta, então o conceito
potteriano de bioética merece um renascimento. Isto exigirá sabedoria,
não ainda tão evidente em nossos sistemas de saúde. Potter realmente
antecipou-se aos tempos ao definir a bioética como sendo uma ponte
161
Revista Brasileira de Bioética
para o futuro, porque sem este pensamento bioético, do qual foi pioneiro,
poderemos não ter um futuro” (WHITEHOUSE, Op. cit.).
Se a perspectiva potteriana desde o início era abrangente, tornou-se cada
vez mais ampla quando Potter desenvolveu a noção de Bioética Global. Como
Reich aponta, o conceito “global” tem vários significados. O primeiro é a idéia
que uma bioética precisa abranger as preocupações sobre os diversos
ecossistemas e culturas humanas. A bioética de Potter era também
intelectualmente ampla e incorporou uma variedade de domínios de deliberação
ética, para além daqueles associados com medicina clínica. Porém, talvez a
mais importante diferença entre a bioética de Potter e as outras formas de ética
biomédica, seja o seu credo pessoal, especialmente porque esse conjunto de
valores é vivido concretamente. Para ser um verdadeiro bioeticista, na perspectiva
de Potter, é necessário adotar alguns comportamentos e decisões pessoais em
relação ao cuidado com o meio ambiente, incluindo o uso dos recursos, o controle
populacional e o compromisso com a sustentabilidade do planeta.
Consoante à concepção de Potter, nos parece pertinente alertar para os
efeitos devastadores de conflitos de interesse que podem vir a ocorrer se a
bioética envolver-se e comprometer-se com questões mercadológicas. O
ressurgimento da ética das virtudes pode renovar o interesse na visão de
Potter, fortalecendo a idéia de que para alguém ser chamado de bioeticista é
imprescindível adotar valores pessoais e comportamento, consistentes com o
sistema intelectual de crença por ele desenvolvido.
Nas origens da bioética temos a intuição original Potter e a obra referencial
deste campo, que é a Enciclopédia de Bioética. Curiosamente, no curso
histórico das origens é a perspectiva de Bioética de Georgetown (bioética
médica, clínica) que vai produzir a Enciclopédia de Bioética, a qual
praticamente ignorou Potter e sua perspectiva da Bioética Global. Porém, é
do encontro destas duas vertentes que nasce a reflexão bioética dos últimos
anos e a compreensão que temos hoje de bioética.
Assim, neste resgate histórico fica claro que a reflexão potteriana sobre a
bioética se antecipa a toda a problemática ecológica de hoje. Potter, lá nas
origens da bioética na década de 1970, se antecipa e aponta para um dos
maiores desafios que a humanidade tem neste início de milênio: garantir o
futuro da vida no planeta terra. Resgatarmos sua contribuição intelectual
para o campo da bioética é uma questão de justiça histórica.
162
Volume 1, n o 2, 2005
Referências Bibliográficas
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Saúde. (Vídeo apresentado no IV Congresso Mundial de Bioética Tóquio,4-7 nov
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Kennedy Institute of Ethics Journal 5(1): 19-34, 1995.
WHITEHOUSE, P.J. In Memoriam. Van Renssselaer Potter: the original bioethicist.
Hastings Center Report, nov/dec : 12, 2001.
WHITEHOUSE, P.J. The rebirth of bioethics: extending the original formulations
of Van Rensselaer Potter. American Journal of Bioethics 3(4): 26-31, 2003.
Recebido em 22/7/2005
Aprovado em 10/8/2005
163
Revista Brasileira de Bioética
CLONACIÓN HUMANA REPRODUCTIVA, TERAPÉUTICA Y
SOCIAL
Reproductive, therapeutic and social human cloning
José Maria Cantú
Centro Universitario de Ciencias de la Salud de la Universidad Nacional Autónoma
de México, México - D. F., México.
[email protected]
Diana Resendez Pérez
Facultad de Ciencias Biológicas de la Universidad Autónoma de Nuevo León,
Monterrey, México.
[email protected]
Ute Schmidt Osmanczik
Instituto de Investigaciones Filológicas de la Universidad Nacional Autónoma de
México, México D. F., México.
[email protected]
Resumen: El término clonación ha tenido diversos usos y significaciones. Después
de describir los procesos de desarrollo y diferenciación celular y los primeros
experimentos, pasamos al problema de la clonación humana propiamente dicha.
Ésta, puede realizarse teniendo en vista dos finalidades: la reproductiva y la
terapéutica. Sobre éstas, discutimos tanto las circunstancias que las justifican como
las objeciones éticas, legales y sociales a estas prácticas. Discutimos también el
impacto de la clonación en la fabricación de productos biofarmacéuticos, sus
limitaciones y ventajas. Al fin, trazamos consideraciones éticas y sociales relacionadas
al tema, sus perspectivas y límites éticos, denunciando la clonación social que se
verifica en la reproducción del “paupericidio” y en la peligrosa homogenización
propiciada por la masiva tecnología de la comunicación que pretende enseñarnos a
vivir con lo inaceptable.
Palabras-clave: Clonación humana. Clonación con fines reproductivos. Clonación
con fines terapéuticos. Clonación social. Bioética. Derechos Humanos.
Abstract: The term “cloning” has been used in many different ways. That can be
undertaken for reproductive or therapeutic purposes. We present the circumstances
that would justify those kinds of cloning as well as medical, legal and social objections
related to these practices. We also discuss the impact of cloning in the manufacturing
of biopharmaceutical products, including its limitations and advantages. At last, the
article makes ethical and social considerations about this topic, its perspectives and
ethical limits. The study denounces the social cloning that can be found in the
reproduction of the genocide of the poor (“poorcide”) and also the dangerous
homogenization made possible by the massive communication technology which
intends to teach us how to live with the unacceptable.
Key words: Human cloning. Reproductive cloning. Therapeutic cloning. Social
cloning. Bioethics. Human Rights.
164
Volume 1, n o 2, 2005
E
l término clonación procede del griego klon, que significa retoño, rama o
brote. Inicialmente, fue utilizado para designar a un conjunto de plantas
generado por multiplicación vegetativa, de manera que la población así
obtenida conserva la información genética presente en la planta que le dio
origen. Posteriormente, el concepto de clon se aplicó, por extensión, a
poblaciones de células y organismos obtenidos mediante reproducción
asexual. La palabra clonación también se ha utilizado para definir al
procedimiento que lleva a la obtención de copias de moléculas de ADN
(ácido desoxirribonucleico). En el presente trabajo, nos enfocamos a la
clonación que implica la generación de uno o varios organismos a partir del
núcleo de una célula somática obtenida de un donador, de forma que los
organismos clonados son idénticos o casi idénticos al genoma original. En
este proceso, se transfiere el núcleo proveniente de una célula somática de
un donador a un óvulo al que previamente se le eliminó el núcleo
(enucleación), para luego ser implantado en el útero de una hembra preparada
para la gestación. El producto es casi idéntico al individuo donante. La
diferencia podría deberse al genoma citoplásmico (mitocondrial) procedente
del óvulo receptor y/o a las mutaciones somáticas producidas en la célula
donante.
La reproducción asexual constituye, en sí misma, una forma de clonación.
En aquellos organismos que son capaces de reproducirse a partir de la división
de una célula de un sólo individuo, la población generada compartirá
información genética idéntica, a menos que ésta sea modificada por algún
evento de mutación espontánea. Por otra parte, también es posible, aunque
sea de rara frecuencia, la producción de clones de organismos superiores
mediante reproducción asexual, como es el caso de la partenogénesis
(“originado por una virgen”).
En animales superiores, la única forma de reproducción es la sexual: en
la que se unen dos células germinales o gametos (óvulo y espermatozoide),
provenientes de cada uno de los padres, formando un huevo, o cigoto, que se
desarrollará hasta constituir al organismo adulto. Este nuevo organismo
contendrá el genoma proveniente de ambos gametos, es decir, una combinación
de genes nueva y única. La reproducción sexual es el “invento” evolutivo que
garantiza que, en cada generación, existan nuevas combinaciones de genes
para incrementar la variabilidad genética de los diferentes organismos, necesaria
en los procesos de la selección natural y la evolución.
165
Revista Brasileira de Bioética
Desarrollo y Diferenciación Celular
El desarrollo del embrión se inicia con la fertilización del óvulo por el
espermatozoide, dando origen al cigoto o protoembrión unicelular. Éste sufre
una serie de divisiones celulares, generándose células denominadas
blastómeros. En las primeras divisiones, cada una de las células es
totipotente, es decir, en forma individual, tienen la capacidad de dar
lugar a un organismo completo. Estas primeras células del embrión son
conocidas como células madre (también llamadas troncales, tallo,
estaminales, seminales: son totipotenciales que pueden diferenciarse a
cualquier tipo de célula somática.
Después de cuatro divisiones celulares, y hasta la novena, las células
madre pierden la capacidad de formar un organismo, pero pueden
diferenciarse en cualquier tipo de célula, excepto placenta. Se les llama,
ahora, pluripotenciales. Posteriormente, se forma el blastocisto, y de ahí en
adelante las células madre pierden versatilidad, ya que reducen el número
de tipos de célula en los que pueden diferenciarse. Se les conoce, ahora,
como multipotenciales. Después de eso, se crea una capa externa, que genera
el trofoblasto para dar origen a la placenta y a la masa celular interna, que
formará las tres capas de tejido embrionario - el endodermo, el mesodermo y
el ectodermo - de dónde se formarán todos los tejidos del embrión.
El desarrollo de un organismo es el proceso en que cada una de las
células se especializa para desarrollar las funciones del tejido u órgano
específico que van a integrar. La diferenciación celular es un mecanismo
altamente complejo, que se lleva a cabo mediante la activación y represión de
un gran número de genes en una forma muy precisa en espacio y tiempo, que
está “secuencialmente programada” en respuesta a estímulos extracelulares y
intracelulares. Las células somáticas, que constituyen los tejidos de un animal
adulto, son el producto de la división y diferenciación del cigoto que, a diferencia
de las células madre, han perdido la totipotencia y se han diferenciado para
realizar una función específica, aunque mantienen el mismo material genético
y no presentan alteraciones en la organización del genoma.
Primeros Experimentos de Clonación
El primer experimento de clonación en vertebrados fue realizado en 1952
(BRIGGS & KING, 1952) usando ovocitos de rana pues, por ser células
166
Volume 1, n o 2, 2005
grandes, ellas facilitan la manipulación necesaria para la eliminación del
núcleo. En este experimento, fue posible micro-inyectar núcleos
indiferenciados de un organismo donador a huevos fertilizados previamente
enucleados. La progenie resultante contenía la información genética del
donador, por lo que los organismos constituyeron una clona genética del
mismo. Posteriormente, Gurdon logró colecciones idénticas de Xenopus laevis
al introducir núcleos de células de fases larvarias tempranas en ovocitos
enucleados (GURDON, 1962). Este experimento funcionó únicamente con
núcleos obtenidos de células en fases larvarias. No se tuvo éxito cuando se
utilizaron núcleos de células donadoras adultas ya diferenciadas (GURDON
et. al., 1975). Estos resultados mostraron que el núcleo de las células
diferenciadas no fue capaz de activar el proceso de diferenciación del ovocito
tal y como se había observado en los experimentos previos con el núcleo de
las células embrionarias.
Ante la interrogante sobre ¿si era posible la clonación en organismos
superiores? diferentes grupos de investigación llegaron a la siguiente
conclusión: no era posible reiniciar el desarrollo de un organismo completo
a partir del núcleo de una célula diferenciada (MCGRATH et al., 1984). Esta
conclusión, que ahora sabemos era errónea, se consideró cierta durante mucho
tiempo, estableciendo que el genoma de una célula especializada estaba
restringido exclusivamente a las funciones de la célula diferenciada.
Clonación de Mamíferos a Partir de Una Célula Diferenciada
El procedimiento de clonación dejó de ser una fantasía, convirtiéndose
en realidad, cuando la mundialmente famosa oveja Dolly fue clonada a partir
del núcleo de una célula diferenciada. En este experimento fue utilizada
una célula de glándula mamaria de una oveja adulta de la raza Finn Dorset
como donadora del núcleo (WILMUT et al., 1997) Éste fue transferido a un
óvulo enucleado de otra oveja e implantado en una hembra de la raza Scottis
Blackfase para la gestación. En este experimento, de los 277 ovocitos enucleados,
se lograron obtener sólo 29 blastocitos fenotípicamente normales después de
seis días de cultivo in vitro. Cuando los embriones fueron transferidos a hembras
receptoras preparadas hormonalmente, resultó un sólo producto viable: la oveja
Dolly. Los restantes fueron fetos y neonatos muertos, o productos con alteraciones
en el desarrollo. Esta baja eficiencia para obtener productos viables explica
el fracaso de los primeros experimentos de este tipo.
167
Revista Brasileira de Bioética
La producción del primer mamífero clonado a partir del núcleo de una
célula diferenciada mostró que es posible “reprogramar” el genoma de una
célula diferenciada por influencia del citoplasma del huevo, reiniciando el
complejo proceso de desarrollo embrionario.
Por otro lado, este avance científico permitió la clonación en otras especies,
aunque los individuos no siempre fueron obtenidos de núcleos de células
somáticas del organismo adulto. Como ejemplos de eso, podemos mencionar
el cordero Polly, conteniendo genes humanos (COLMAN, 1999); la producción
exitosa de los monos Rhesus Neti y Ditto, mediante transferencia nuclear de
células embrionarias; la clonación del gato doméstico CC (del inglés Copy
Cat - copia al carbón); diferentes ratones (HOSAKA et al., 2000) e incluso
cerdos (POLEJAEVE et al., 2000).
Transferencia Nuclear de Células Somáticas
Los estudios iniciales en la transferencia nuclear en anfibios y mamíferos
fallaron, en la mayoría de los casos, debido a la incompatibilidad entre los
ciclos celulares del núcleo donante y el ovocito receptor. El núcleo en fase S
o G2 se introducía en un ovocito detenido en metafase II, produciendo una
replicación adicional del ADN y una condensación prematura de los
cromosomas, dando como resultado aneuploidías y, por consecuencia, un
desarrollo anormal de los embriones. Para solucionar este obstáculo, en el
caso de Dolly las células de tejido mamario donador del núcleo fueron
cultivadas in vitro, en ausencia de suero, para detener el ciclo celular en G0.
La transferencia de un núcleo de estas células al ovocito enucleado permitió
la sincronización del núcleo donador y el citoplasma receptor, iniciando el
desarrollo embrionario y minimizando la probabilidad de alteraciones
cromosómicas (WILMUT et. al., Op. cit.).
La eficiencia en la producción de embriones clonados ha sido mejorada
debido a la utilización de métodos de electrofusión en lugar del método
tradicional de microinyección para la transferencia nuclear (HOSAKA et.
al., Op.cit.). El uso de la transferencia de núcleos de células somáticas (del
inglés SCNT - somatic cell nuclear transfer) ha permitido el desarrollo de
interesantes experimentos en los últimos seis años, después de la exitosa
clonación de Dolly con una célula adulta. Las técnicas de clonación descritas
a la fecha han proporcionado avances importantes en el conocimiento de la
interacción molecular y celular durante los procesos tempranos del desarrollo
168
Volume 1, n o 2, 2005
y de la diferenciación celular (MOLLARD, et. al., 2002). Sin embargo, el
obvio progreso, y el gran impacto de estas nuevas biotecnologías, ha hecho
también evidente lo poco que se conoce del mecanismo de
“reprogramación molecular ” que se presenta en la SCNT. Debido a lo
anterior, se han desarrollado nuevos enfoques experimentales, con los
que se está abordando el estudio de los diferentes tipos de células
donadoras, de los estadios del ciclo celular, del proceso de sincronización
celular, del tiempo de duplicación de las diferentes poblaciones celulares
hasta del nacimiento del organismo clonado, y de la influencia de la
SCNT en la viabilidad y la capacidad de reproducción de los clones
producidos (BREM & KUHHOLZER, 2002).
Transmisión del Genoma Nuclear y Mitocondrial
Las células eucarióticas contienen dos distintos genomas: el nuclear,
heredado a la progenie siguiendo el modelo mendeliano; y el mitocondrial,
transmitido mediante herencia materna. La clonación de mamíferos ha sido
llevada a cabo, típicamente, mediante SCNT, usando electrofusión. En este
proceso, la célula somática completa es transferida al ovocito enucleado. Por
consecuencia, la progenie clonada debería contener, además del genoma
nuclear, el genoma mitocondrial de los dos progenitores (heteroplasmia). La
transferencia del genoma nuclear fue verificada utilizando marcadores
somáticos específicos del ADN nuclear. Sin embargo, el análisis del origen
del ADN mitocondrial de Dolly, y de más nueve ovejas clonadas de células
fetales, mostró que el genoma mitocondrial de estos individuos clonados
provenía única y exclusivamente de los ovocitos enucleados sin
contribución de la células somáticas donadoras (EVANS et. al., 1999).
Con base en lo anterior, Dolly no fue una copia idéntica o clon de la
madre donadora del núcleo. Realmente, constituyó una auténtica quimera
genética, ya que contenía el genoma nuclear de la célula somática donadora
y el genoma mitocondrial del ovocito receptor. Públicamente, fue considerada
como el producto de tres “madres”: la donadora del núcleo que proporcionó
el material genético nuclear, la donadora del óvulo que contribuyó con el
citoplasma y el material genético mitocondrial, y la gestadora que
genéticamente no aportó nada.
169
Revista Brasileira de Bioética
Desarrollo y Envejecimiento Celular
Ha sido una preocupación científica la cuestión de “edad genética” de
los organismos clonados, ya que estos podrían envejecer prematuramente y,
potencialmente, presentar problemas en el desarrollo normal del organismo.
La presencia de telómeros 20% más cortos en Dolly, en comparación con el
promedio de ovejas de su misma edad, ha sido investigada. Este aspecto es
importante, ya que los telómeros se acortan en cada división celular, y han
sido considerados como marcadores de envejecimiento. En un estudio
realizado en 24 vacas clonadas, se observó la presencia de telómeros más
largos que el promedio que presentan los individuos de su misma edad.
Además, el análisis de terneros clonados de células fetales mostró la presencia
de telómeros normales, dejando abierta la pregunta de si los telómeros cortos
de Dolly son una excepción o un hecho general, que podría ser diferente en
las clonas derivadas de fetos (TIAN et. al., 2000).
En el marco anterior, existe una controversia abierta sobre la posible
ocurrencia de envejecimiento prematuro, ya que Dolly fue sacrificada debido
al cáncer de pulmón de origen vírico diagnosticado a ella y a otras ovejas
que convivían con ella. Asimismo, la presencia de artritis en la pata izquierda
de Dolly ha puesto en duda la factibilidad de los organismos clonados
para usos terapéuticos. Aunque la artritis es común en ovejas, ésta se
presenta a una edad típica de 10 años, en lugar de 5,5 años como fue el
caso de Dolly. Además, las articulaciones afectadas en ésta se encontraron
en lugares dónde normalmente no se presenta la artritis; por lo que,
muy probablemente, la enfermedad fue debida al desarrollo de inflamación
en las patas.
Por otro lado, un estudio publicado acerca de las condiciones de salud
de 335 individuos clonados, mostró que el 77% de vacas, ovejas, cabras,
cerdos y ratones no presentaron problemas de salud, porcentaje que es
representativo de lo que sucede normalmente en las poblaciones de los
mamíferos mencionados.
Adicionalmente, se tenían dudas sobre la fertilidad de Dolly, ya que ésta
podría verse afectada en comparación con una oveja concebida en forma
natural. La progenie de Dolly con seis corderos saludables muestra que, en
este caso, la fertilidad no se vio afectada.
170
Volume 1, n o 2, 2005
Clonación Humana
La estrategia que permitió crear a Dolly puede ser usada para clonar
cualquier especie de mamíferos, incluyendo al ser humano. A la fecha, se ha
mostrado que tanto las células somáticas como las células del cúmulus, las
células de Sertoli y los fibroblastos pueden ser usadas como donadoras de
núcleos para la clonación en animales. Recientemente, los resultados del grupo
de Cibelli mostraron que efectivamente se han podido obtener embriones
humanos clonados mediante SCNT usando células de cúmulo. Sin embargo,
éstos se dividieron solamente en dos, cuatro y seis células, es decir, en etapas
tempranas del desarrollo (CIBELLI et. al., 2001). Los autores atribuyen esto a
problemas técnicos, como se ha mostrado en otros mamíferos. Sin embargo no
se pueden descartar, a la fecha, los problemas reales en la re-programación
del núcleo de una célula diferenciada, o los factores múltiples como el estadio
del ciclo celular, estructura de la cromatina, metilación del ADN etc.
Clonación reproductiva y terapéutica
La clonación de humanos podría tener implicaciones terapéuticas y
beneficios sociales si se usase bajo condiciones estrictas y excepcionales. La
clonación humana podría tener dos finalidades: la clonación reproductiva,
con el fin de crear un clon para parejas con problemas de fertilidad; y la
clonación terapéutica, para obtener células o tejidos con fines terapéuticos
y/o para regeneración de tejidos.
La clonación reproductiva implica la producción de embriones mediante
la disgregación de células del blastocisto o por la SCNT a un óvulo enucleado,
seguido, en ambos casos, de la implantación en un útero que permita su
desarrollo hasta el nacimiento. En lo que se refiere a la clonación reproductiva
humana, mucha especulación ha tenido lugar, con una profusión enorme de
publicaciones al respecto. Sin embargo, la posibilidad de lograr una clonación
humana con fines reproductivos exitosa es prácticamente nula. La
investigación en varias especies de mamíferos ha demostrado que hay una
incidencia muy alta - mayor del 95% - de aparición de problemas embrionarios
y fetales, con las subsecuentes pérdidas durante del embarazo; así como de
malformaciones y muerte en los recién nacidos.
No hay razón para suponer que el resultado sería diferente en seres
humanos. Esto se debe, fundamentalmente, a que se desconocen los
171
Revista Brasileira de Bioética
mecanismos moleculares de reprogramación de un núcleo adulto de modo
que puedan recobrar la plasticidad, la virginidad y pureza originales, i.e.,
tener las mismas características funcionales de sus genes que cuando tuvo
origen a partir de un cigoto. No obstante, se tiene la expectativa de lograr
evitar las fallas técnicas y, eventualmente, garantizar un producto con
características “normales”. De ahí que hayan surgido circunstancias
hipotéticas que justificarían la clonación reproductiva. Por ejemplo, cuando
se ha perdido un hijo, o se tiene uno con algún defecto evitable en un clon,
en parejas con esterilidad, o que han perdido la capacidad de reproducción;
o cuando no es posible la reproducción, como ocurre con las parejas
homosexuales. Estas situaciones, desde el punto de vista científico, quitarían
solidez al rechazo a la clonación reproductiva. Pero, esto no sería suficiente
para levantar el veto y permitir su práctica, ya que aún habría importantes
objeciones éticas, legales y sociales.
De manera similar a la clonación reproductiva, la clonación con fines
terapéuticos y de investigación implica generar un blastocisto humano vía
transferencia nuclear de la célula somática. Sin embargo, la diferencia crucial
es que el blastocisto clonado nunca se implanta en útero alguno para el
desarrollo de un organismo completo. En vez de esto, las células troncales
aisladas del blastocisto se utilizan para generar líneas de células troncales,
para investigaciones posteriores y para usos clínicos. Este tipo de clonación
es, más bien, una terapia reconstitutiva para recuperar el tejido, mediante la
producción de células de un individuo que permita la reposición de tejidos,
evitando el problema del rechazo inmunológico. En este procedimiento, se
requiere la clonación del individuo y, en las primeras etapas embrionarias,
la obtención de las células madre embrionarias (COLMAN & KIND, 2000).
Es decir, se tomaría el núcleo de una célula somática del paciente para su
transplante a un ovocito enucleado de una donadora. Este huevo, clonado,
se dejaría desarrollar hasta formar un embrión en etapa de blastocisto, del
que finalmente se obtendrían las células embrionarias, como fuente celular
para el tratamiento del paciente.
Las primeras líneas celulares embrionarias fueron obtenidas de ratón
y, posteriormente, de pollo, hamster, cerdo, mono Rhesus y, recientemente,
de embriones humanos producto de fertilización in vitro (THOMSON et.
al., 1998). En este trabajo, los embriones humanos fueron cultivados hasta
la etapa de blastocisto, de dónde se aislaron las células de la masa interna,
permitiendo obtener cinco líneas celulares que crecieron indiferenciadas
durante cinco meses. Sin embargo, dado que los estudios sobre la
172
Volume 1, n o 2, 2005
producción de líneas celulares son recientes, gran parte del conocimiento
que se tiene viene de los trabajos realizados en ratones, y no se han
caracterizado todos los componentes y factores requeridos en la diferenciación
celular.
Es indudable que la clonación terapéutica presenta todavía limitaciones
importantes, ya que aún no se ha determinado cómo se lleva a cabo la
diferenciación específica de estas células para ser eficientemente usadas en
la terapia reconstitutiva; y es necesario perfeccionar el procedimiento de la
clonación en el humano para la obtención de las células madre embrionarias.
Otro de los recientes logros adicionales derivados de la clonación, que
presenta perspectivas muy interesante y halagadoras, fue la obtención de
células madre mediante partenogénesis en ratones, monos y humanos
(CIBELLI et. al., Op.cit.; CIBELLI et al., 2002). Es decir, se logró iniciar el
proceso de la formación de un embrión a partir de un huevo no fertilizado
hasta la formación de la cavidad de blastocele. Los resultados obtenidos
presentan implicaciones muy relevantes en la clonación de células somáticas,
y ofrecen una alternativa muy interesante en la generación de células madre
sin la necesidad de contribución paterna.
Además, Rideout y colaboradores realizaron la corrección de un defecto
genético en ratones mutantes mediante la combinación del transplante nuclear
con la terapia génica (RIDEOUT et. al, 2002). En este trabajo, se llevó a cabo
el aislamiento de las células madre de los blastocistos clonados, y éstas se
utilizaron para la reparación de la mutación mediante recombinación
homóloga, así como en la diferenciación de la células madre y el transplante
de las células en los ratones afectados. Estos logros revolucionarios presentan,
sin lugar a dudas, un horizonte muy promisorio en el campo de la investigación
de las células madre, así como en su aplicación terapéutica.
Producción de Biofármacos
El impacto de la clonación también ha sido evidente en la fabricación de
productos biofarmacéuticos en el área biomédica. La generación de animales
transgénicos para la producción y secreción, a través de la leche, de proteínas
para usos terapéuticos, se inició a finales de los años 80 con la producción
de ovejas transgénicas. La oveja Tracy produce la proteína humana alfa-1antitripsima, representando el 50% de las proteínas de su leche. Hay muchos
otros ejemplos de productos biofarmacéuticos utilizados para combatir
173
Revista Brasileira de Bioética
enfermedades, como es el caso de la fibrosis quística, que se encuentra
actualmente en fase clínica. Estas tecnologías presentan varias limitaciones.
Por ejemplo, no se pueden dirigir las inserciones del ADN específicamente
en el genoma del animal, la producción de los animales es lenta y los niveles
de expresión de la proteína de interés son impredecibles. La tecnología de
clonación presenta ventajas debido al desarrollo de la transferencia de núcleos
somáticos, previamente manipulados genéticamente, en las células somáticas,
principalmente cuando las manipulaciones son dirigidas a sitios
predeterminados en el genoma hospedero. Este objetivo fue alcanzado con
el nacimiento de Polly, una oveja clonada que expresa una proteína
involucrada en la prevención de la hemofilia humana, codificada por el gen
para el factor IX de la coagulación (COLMAN, Op. cit.).
Consideraciones Éticas y Sociales
La clonación en humanos es un tópico altamente controversial, debido a
que la idea de crear una copia de un individuo mediante manipulación
genética es simultáneamente fascinante y, de alguna forma, aterradora.
Existen aún problemas técnicos y científicos para el éxito de la clonación
en humanos, ya que aún es muy prematuro determinar si los individuos
clonados pueden poseer susceptibilidad a enfermedades, a un envejecimiento
prematuro, entre otros problemas (PERRY & WAKAYAMA, 2002). Los riesgos
potenciales de la clonación, aunados a la baja eficiencia del proceso obtenido
a la fecha, han llevado a la sociedad en general a sostener el posicionamiento
de que no se justifica la clonación para generar individuos clonados, ya que
la reproducción asistida actualmente resuelve los problemas de infertilidad
mediante fertilización in vitro.
Por otro lado, la utilización de embriones humanos en experimentación y
clonación terapéutica ha causado también mucha inquietud. El tema central
de discusión es determinar el momento en que se puede considerar que se
inicia la vida del individuo, ya sea inmediatamente después de la fertilización,
a partir de la implantación del huevo fecundado; o hasta que el sistema
nervioso se vuelve funcional. Lo anterior se debe, principalmente, a que la
obtención de las líneas celulares madre implica la destrucción posterior del
embrión clonado. Es evidente que el uso de embriones humanos para la
obtención de líneas de células madre embrionarias abre nuevas perspectivas
para el tratamiento de una gran cantidad de enfermedades. Sin embargo, su
174
Volume 1, n o 2, 2005
aplicación podría traspasar los límites éticos, a pesar de los beneficios que
pueda representar.
La respuesta legislativa de diferentes países con relación a la clonación
en humanos ha sido la de postular leyes para evitar cualquier investigación
en la clonación en humanos. Algunos beneficios potenciales han sido
resumidos en las leyes europeas y en la Convención Europea de los Derechos
Humanos (WOOD, 1999). Sin embargo, la pregunta latente e inevitable es si
estas restricciones legislativas serán suficientes para frenar la clonación en
humanos, y si estamos preparados para afrontar el complejo dilema, tanto
ético como moral, que se podría producir en la clonación reproductiva.
En lo que se refiere a la clonación terapéutica y con fines de investigación,
la perspectiva es sin duda prometedora, ya que podremos mejorar nuestro
conocimiento básico como, por ejemplo, en cuanto a: 1) reprogramar el núcleo
de la célula para activar el sistema de genes que caracteriza a una
determinada célula especializada; 2) entender las bases genéticas de las
enfermedades humanas; 3) entender mejor los mecanismos de la
reprogramación de genes y, por consiguiente, poder diseñar procedimientos
eficientes para corregir genes defectuosos. Otra meta es aprender a
reprogramar células somáticas para generar células madre que ocurren en
todas las etapas del desarrollo, desde el embrión al adulto. Pero su versatilidad
y abundancia disminuyen gradualmente con la edad.
Sin embargo, mientras las células madre embrionarias pueden producir
cualquiera de los aproximadamente 200 diversos tipos de células
especializadas que conforman el cuerpo humano, las células madre del adulto
parecen ser capaces de producir solamente un número muy limitado de tipos
celulares. La investigación usando huevos humanos es indispensable, ya
que los estudios en animales no pueden proporcionar una alternativa
apropiada para el objetivo perseguido. Estas técnicas ofrecen la posibilidad
de usos terapéuticos para los pacientes que requieren transplantes de células,
tejidos u órganos mediante células madre embrionarias genéticamente
compatibles con el donante, evitando así el problema del rechazo. Sin
embargo, aparte de los retos propiamente científicos, hay problemas con el
costo de tratamientos que resuelvan las necesidades particulares de cada
paciente, y del suministro de óvulos humanos no fertilizados. Actualmente,
como la clonación es un proceso poco eficiente, es probable que sean
necesarios muchos huevos para generar una sola línea embrionaria de células
madre; y aún no hay la certeza de que la clonación con fines terapéuticos
sea clínicamente viable.
175
Revista Brasileira de Bioética
La intensa discusión mundial acerca da la clonación humana ha dado
lugar a una multiplicidad de declaraciones, pronunciamientos etc., que van
desde la anuencia total a la prohibición absoluta. Para una revisión general
de tal tipo de pronunciamientos, basta con consultar los sitios en Internet:
http://www.humgen.umontreal.ca/en/, http://www.un.org/law/cloning/, y http:/
/www4.nas.edu/iap/iaphome.nsf?opendatabase.
Las Academias de Ciencia de más de 70 países concluyeron que la
clonación con fines terapéuticos y de investigación tiene un gran potencial
desde la perspectiva científica y médica, por lo que se debe diferenciarla
claramente de la clonación reproductiva y, por lo tanto, se debe excluirla
explícitamente de la prohibición de esta última, recomendando que ambas
políticas necesitan ser revisadas, periódicamente, a la luz de los progresos
científicos y sociales.
No obstante, el día 8 de marzo del 2005, la Asamblea General de las
Naciones Unidas aprobó el texto de la Declaración de las Naciones Unidas
sobre Clonación de Seres Humanos por 84 votos a favor, 34 en contra y 37
abstenciones. El texto aprobado establece, en su punto b), que los Estados
Miembros “habrán de prohibir todas las formas de clonación de seres humanos
en la medida en que sean incompatibles con la dignidad humana y la
protección de la vida humana”. Esta última parte condiciona, de alguna
manera, una permisibilidad de la clonación de seres humanos - al menos la
terapéutica - si se ofreciesen beneficios compatibles con la protección de la
vida humana. De cualquier manera, siendo una Declaración, y por lo tanto
no obligatoria incluso para los estados que votaron a favor, y que estuvo
lejos de una aprobación unánime, su implementación de manera global es
cuestionable. A pesar de ello, esperemos que las Organización de las Naciones
Unidas, que promueve la discusión mundial y los subsecuentes consensos,
no sólo sea respetada sino fortalecida por todos sus países miembros. Solo
así podremos lograr la armonía en la diversidad.
Como sea que se desarrolle la investigación de la clonación con fines
terapéuticos, el problema de fondo radica fundamentalmente en la inequidad
de acceso a los beneficios que promete, así como ocurre con la fertilización
in vitro, que sólo es factible en algunos países, con acceso preferencial para
aquellos que pueden solventar los altos costos requeridos. Los costos de
cualquier tipo de clonación humana seguramente serán lo suficientemente
onerosos y, en consecuencia, excluyentes de las mayorías pobres del planeta.
El ser humano tal vez no sea, por naturaleza, un “animal moral”: se ha
convertido como tal en el curso de la evolución. La moral sirve para regular
176
Volume 1, n o 2, 2005
las relaciones entre los seres humanos. Sería, desde luego, excelente que
para esta regulación tuviéramos conocimientos con el grado de certeza del
conocimiento matemático. Sería deseable que tuviéramos una teoría ética
que permitiera hacer aseveraciones morales verificables y que nos diesen la
certeza de qué debemos hacer. Pero, todo ello no es possible:”nothing is
good nor bad; we make it so”, dice Shakespeare. La falacia naturalista es
prácticamente inevitable. Lo que sí es posible es no desprender el deber ser
del ser, y tener claridad de que ello no es posible. Es importante estar
conciente de que no hay postulados éticos absolutos; lo que se puede hacer
es no tener miedo a cometer la falacia naturalista - o metafísica - y a postular
un deber ser moral, anunciando claramente en qué corriente nos encontramos.
A propósito de falacias, tanto las formales - afirmación de lo consecuente,
quaternio terminorum, las falacias disectiva “del jugador”, expansiva y de
enfoque - como las informales - ignoratio elenchi, petitio principi y los
argumenta ad baculum, hominem, misericordiam, populum, verecundiam
etc. -- son de uso y abuso cotidiano. Si reflexionamos con rigor acerca del
aforismo de Korzybski lo cual habla que “el mapa no es el territorio y el
nombre no es la cosa nombrada”, tenemos que aceptar que todo es según el
color del cristal con que se mira, como querría Campoamor, y que sólo el
silencio evita caer en la falacia. La imposible perfección y su incesante
búsqueda, y la imposible conjunción de la moral y la economía, mantendrán
el debate inagotable.
Consideraciones Finales: la clonación social
Hoy vivimos un mundo de amplísima diversidad que, con el anhelo de
la globalización total, pretende una extremista clonación social que incluya
la aceptación de “guerras defensivas”, “invasiones preventivas” y toda clase
de horrores, en los que el destaca eminentemente el “paupericidio”, producto
de la explotación, de la discriminación y del acceso selectivo a la nueva
medicina.
Evidentemente, la clonación social es mucho más antigua que la ofrecida
por la nueva biotecnología. Las religiones; los sistemas políticos, económicos
y sociales; y la perpetua inercia auto replicante con los utópicos disfraces de
libertad, igualdad y fraternidad, han mantenido diversificada pero, en cierto
modo, en rivalidad a la comunidad mundial. Si bien la humanidad no es
imaginable sin ciertos principios universales de moral y convivencia, se está
177
Revista Brasileira de Bioética
propiciando ahora la forma más peligrosa de homogenización, a la que
pretende llevarnos la propaganda publicitaria mediante la masiva tecnología
de la comunicación, en la intención de enseñarnos a vivir con lo inaceptable.
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Recebido em 27/5/2005
Aprovado em 18/8/2005
179
Revista Brasileira de Bioética
O NINHO VAZIO: A DESIGUALDADE NO ACESSO À
PROCRIAÇÃO NO BRASIL E A BIOÉTICA
The empty nest: bioethics and the unequality in the access
to procreation in Brazil
Marlene Braz
Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Fermin Roland Schramm
Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.
[email protected]
Resumo: Os autores abordam a problemática do acesso da população de baixa
renda às novas tecnologias de reprodução (NTR) apontando para as importantes
questões bioéticas implicadas. Foram utilizados fatos veiculados pela mídia escrita,
a Resolução Conselho Federal de Medicina - CFM nº 1.358/92 e os princípios éticos
da autonomia e da justiça para a discussão do tema. A reflexão feita revela a carência
de um debate ético e jurídico aprofundado e a necessidade de encontrar soluções
para colocarmos fim à omissão do Estado em relação a esta população e aos deslizes
éticos cometidos pelos médicos em instituições públicas.
Palavras-Chave: Bioética. Reprodução assistida. Acesso aos serviços de saúde.
Autonomia. Justiça.
Abstract: The problem of access to new reprodutive technologies (NRT) by low
income populations is discussed by the authors, that point to important bioethical
issues. Written media events, the Resolução Conselho Federal de Medicina - CFM nº
1.358/92 (CFM Resolution), and the ethical principles of autonomy and justice were
used to highlight the subject discussion. The lack of a thorough ethical and legal
debate; the need of finding solutions to the State omission, as far as those populations
are concerned; as well as ethical faults commited by doctors in public institutions,
were disclosed.
Key words: Bioethics. Assisted reprodution. Access to health services. Autonomy.
Justice.
180
Volume 1, n o 2, 2005
A reprodução humana nunca foi algo puramente biológico, mas também
cultural, pois nela participam aspectos emocionais, físicos, religiosos e sociais.
De uma reprodução imposta pela natureza ao Homo sapiens, até uma
reprodução controlada e medicalizada, passaram-se muitos milênios. Por isso,
o desejo da maternidade nas mulheres só foi objeto de interesse muito
recentemente. Acreditava-se num instinto materno e que toda mulher teria
como missão fundamental de sua vida gerar filhos para o homem, para a
comunidade, para a sociedade e, mais, deveria amá-los. Badinter, assim
como Ariès concluem que a família como a conhecemos hoje, é fruto de um
determinado contexto social e que tanto o desejo da maternidade quanto o
amor dedicado aos filhos são uma construção sócio-cultural (BADINTER,
1996; ARIÈS, 1996).
A “ revolução do feminino”, antecipada por Freud ao distinguir
sexualidade e reprodução humana e gestada durante o século XX, teve seu
apogeu nas décadas de 1960 e 1970. Nesta revolução, conduzida pelas
mulheres e com o auxílio dos avanços das tecnologias reprodutivas de
prevenção e interrupção da gravidez, finalmente a mulher “apropriou-se”
de seu corpo: ele lhe pertencia e só ela poderia decidir se e quando teria
filhos. Desde então, os métodos contraceptivos (principalmente a pílula) e o
aborto, conquistados duramente pelo movimento feminista, tornaram-se
realidade em muitos países. Junto a esta conquista houve outras, dentre as
quais: o direito de votar, de estudar, de trabalhar; enfim, uma gama de direitos
que foram se expandindo até os dias atuais, nos quais a assimetria de gênero
passa a ser o foco de discussões nos mais variados âmbitos.
Todos estes avanços no campo dos direitos da mulher têm trazido à tona
outras questões ora em debate, quais sejam: a postergação da maternidade,
a tripla jornada de trabalho feminino (trabalho, casa, filhos e marido), a
mudança do papel masculino, a paridade de salários entre homens e
mulheres, dentre outras.
Interessa-nos aqui tratar do direito da mulher em ter filhos na atualidade.
Tal questão é pouco aprofundada, principalmente quando se trata da
população pobre de nosso país. Partindo de alguns estudos e de fatos
veiculados pela mídia, objetivamos refletir sobre as questões relacionadas à
reprodução medicamente assistida ou como são denominadas as Novas
Tecnologias de Reprodução (NTR), em relação à população que a elas não
tem acesso em função de seu alto custo.
181
Revista Brasileira de Bioética
O Problema da Infertilidade
A infertilidade é hoje considerada um importante problema de saúde, à
diferença de outras épocas, em que a “ reprodução humana era uma
manifestação exclusiva da vontade de Deus e, portanto, seria inadmissível
sua discussão pelo homem [pois a] interferência humana no processo
reprodutivo constituía uma agressão à vontade de Deus” (NETO & JÚNIOR,
1998). Em função disto, as pessoas teriam que se conformar com seu destino
e nada, ou quase nada, podia ser feito para reverter esta situação. Atualmente,
com as NTR, vemos uma mudança na percepção deste “destino”, antes
considerado inexorável.
A infertilidade que pode afetar um dos pares ou o casal implica, muitas
vezes, em conflitos, que podem levar até o rompimento do casamento.
Sabemos, hoje, que a decisão de engravidar e ter filhos não é um processo
simples, pois envolve vários aspectos, já apontados. Este problema afeta de
8% a 15% dos casais em idade reprodutiva (DIAZ et al., 2002). No Brasil,
segundo o último censo do IBGE, 10 milhões de pessoas em idade fértil têm
dificuldades para engravidar (COLLUCCI, 2003a), e isso constitui,
certamente, um problema relevante de saúde pública e, também, um problema
moral, que a bioética deve enfrentar. Com efeito, mesmo que possamos concordar
que a superpopulação mundial é uma questão grave com a qual o mundo se
defronta não se pode ignorar que a infertilidade tornou-se um sério problema
em vários países, onde, pelas mudanças sociais e científicas ocorridas nos últimos
40 anos, a gravidez deixou de ser, em muitos casos, o primeiro objetivo do
casamento e foi, cada vez mais, postergada para uma idade avançada, quando
o “relógio biológico” já é desfavorável à mulher. Além disto, os homens inférteis
que vivenciam o problema tendem a identificá-lo com “pouca masculinidade”
(NEVES & NETTO JÚNIOR, 2003; COLLUCCI, 2003b).
Com o advento das NTR e a adesão a elas, novas questões e dilemas se
colocaram, não só para a sociedade como também para o aparato jurídico. De
fato, normas mais liberais, mas também leis rígidas foram elaboradas. A
questão colocada para o direito e para a bioética não está tanto na tecnologia
em si, mas em sua aplicação, que acaba por suscitar outras, que demandam
decisões jurídicas, no sentido de traçar balizas para a liberdade de procriar
e os direitos e limites previstos em lei:
“O papel crescente dos governos nacionais nas instituições de saúde
(...) tem-se estendido também ao controle da doação e disposição dos
182
Volume 1, n o 2, 2005
gametas e embriões humanos. Desta forma a tecnologia reprodutiva se
converte numa desculpa para fomentar duas tendências: a já presente
‘medicalização’ da reprodução e a ‘judicialização’ da gravidez” (DIAZ
et al., 2002).
Em todos os países onde as técnicas de reprodução medicamente assistidas
são utilizadas, numerosos problemas de natureza ética e legal surgiram, o
que implicou na necessidade de criar novas leis ou modificar as já existentes,
no intuito de dar conta dos aspectos relacionados à filiação, herança,
paternidade, maternidade, como também aos direitos de família e os direitos
à vida (DIAZ et al, Op. cit.).
Não podemos, por outro lado, ignorar as repercussões pessoais da
infertilidade em nível privado, tais como: baixa auto-estima; depressão; e
dificuldades emocionais, refletidas quer nas relações do casal quer nas
relações interpessoais, como também no trabalho. Frente a isso, a definição
de saúde, formulada pela Organização Mundial da Saúde OMS como
completo bem-estar biopsicossocial, não é atendida e, portanto, podemos
considerar a infertilidade como um problema de saúde a ser solucionado de
acordo com as técnicas reprodutivas existentes.
Esta posição pode ser contraposta a outra, escorada na lógica utilitarista,
que argumenta que em países como o nosso, com recursos escassos e outros
graves problemas que afetam negativamente o bem-estar da população como
um todo, dever-se-ia priorizar políticas públicas de saúde capazes de enfrentar
e solucionar outras patologias, consideradas mais importantes do ponto de
vista do cálculo geral da utilidade social, devido ao fato de afetarem um
maior número de pessoas.
Aspectos Morais e Jurídicos
A bioética, desde seu surgimento nos anos 1970, debateu e ponderou
princípios morais norteadores das pesquisas médicas e dos tratamentos. Em
sua versão principialista, propôs o modelo dos quatro princípios prima facie
da beneficência, da não-maleficência, da autonomia e da justiça, considerados
fundamentais e universais quando aplicados às práticas humanas no campo
das ciências, das técnicas da vida e da saúde. Interessa, aqui, nos determos
nos princípios da autonomia e da justiça, pois consideramos que, apesar de
todos os princípios estarem envolvidos quando tratamos do acesso à saúde
183
Revista Brasileira de Bioética
reprodutiva, autonomia e justiça têm prioridade léxica sobre os outros dois,
isto é, adquirem peso maior.
Com efeito, numa democracia todos os cidadãos são - ou deveriam ser considerados iguais, recebendo o mesmo tipo de consideração, isto impediria
– teoricamente –, a exploração de uma pessoa por outra, pois cada interesse
individual só pode, por princípio, contar como um interesse, igual a qualquer
outro interesse individual. Disso decorre – pelo menos numa visão utilitária
– a igual consideração de cada interesse, isto é, a igualdade democrática.
Para muitos, a palavra “interesse” talvez tenha uma conotação negativa, por
supostamente implicar numa visão puramente econômica da questão.
Podemos, portanto, falar em “dignidade pessoal” e dizer que é a dignidade
da pessoa humana que está em jogo. Neste caso, podemos pensar também
que a dignidade humana implica na possibilidade do exercício da autonomia
pessoal; logo, em um regime democrático, a autonomia pode ser vista como
respeito à liberdade de escolha e de decisão do paciente. Já a justiça pode
ser vista de diferentes modos, dentre os quais podemos destacar o conceito
de justiça como eqüidade, formulado em nossa época por Rawls, com o sentido
de garantir a igualdade das oportunidades relativas a bens primários e a
redução das desigualdades pela ampliação de oportunidades aos menos
favorecidos (RAWLS, 1997). Em suma, as desigualdades persistentes devem
ser priorizadas nas políticas públicas que visem uma maior justiça social, no
sentido de promover uma maior igualdade entre os membros do corpo social,
implementando inclusive medidas compensatórias em prol dos menos
favorecidos.
Assim, tendo definida as ferramentas conceituais que pretendemos utilizar,
podemos comentar o que a Constituição Brasileira estabelece no que diz respeito
ao acesso aos serviços de saúde, considerado um direito do cidadão.
Em relação ao nosso tema - a reprodução medicamente assistida - não se
tem ainda um ordenamento jurídico maior. Até agora a referência tem sido
somente a Resolução nº 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina - CFM.
Indiretamente, podemos nos remeter à Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de
1996, que regulamenta o planejamento familiar proposto no § 7 º do art. 226
da Constituição Federal. O artigo 9 º da referida Lei nº 9.263 estabelece:
“Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos
todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção, cientificamente
aceitos e que não coloquem em risco a vida das pessoas, garantida a
liberdade de opção. [grifo nosso]
184
Volume 1, n o 2, 2005
Parágrafo Único: A prescrição a que se refere o caput só poderá ocorrer
mediante avaliação e acompanhamento clínico e com informação sobre
seus riscos, vantagens, desvantagens e eficácia” (BRASIL, 1996).
Em que pesem tais garantias asseguradas por Lei, vemos, na prática,
esses direitos serem sistematicamente desrespeitados, seja pela carência na
oferta dos serviços na rede pública de saúde, seja, com poucas exceções, na
oferta de forma eticamente discutível.
Não entraremos nos detalhes de cada modalidade de reprodução assistida
- fertilização in vitro (FIV); inseminação artificial; variantes da fertilização in
vitro, criopreservação e “barriga de aluguel” – visto que as técnicas em si
não nos interessam aqui. De fato, o que queremos discutir é o aspecto ético
da desigualdade no acesso à reprodução medicamente assistida como um
todo. O foco de nossa atenção será, portanto, a inacessibilidade de tais
técnicas por parte da maioria da população brasileira.
Os Argumentos para a Indisponibilidade das NTR
Para começar, podemos enumerar alguns argumentos amplamente
utilizados pelos gestores para não implementar programas de medicina
reprodutiva na rede pública:
a) a falta de profissionais treinados;
b) o alto custo deste tipo de atendimento em função dos remédios que
devem ser ministrados (valor que gira em torno de US$ 3.500 por
inseminação);
c) o fato, por um lado, da política atual ser a de planejar os filhos e, por
outro, a população pobre ter menos condições de criá-los de forma
razoavelmente desejável; ou seja, a pouca vontade política de fazer com que
as mulheres de tal segmento populacional engravidem a um custo considerado
alto, principalmente quando comparado aos benefícios potenciais.
Comentando, em particular o último argumento, Corrêa considera, no
entanto, que essa tendência pode se reverter:
“No caso brasileiro (...) as atitudes que cercam em geral o processo
reprodutivo - os constrangimentos relativos à infertilidade, o desejo de
filhos e de constituição de uma família - levam a crer que a procura pela
reprodução assistida deve aumentar. Notadamente se esses serviços
185
Revista Brasileira de Bioética
tornarem-se acessíveis, principalmente do ponto de vista econômico, a
uma parcela menos limitada da população, contrariamente ao que ocorre
na atualidade [visto que] a liberdade individual, motor da demanda por
reprodução assistida, é limitada, antes de mais nada, por fatores
econômicos” (CORRÊA, 2001).
Na realidade, para esta autora, a demanda das mulheres no Brasil não é
espontânea, e sim induzida pelos médicos, o que não quer dizer que recorrer
às NTR “não seja amplamente aceito e bem-vindo, visto que a reprodução
assistida responde a um desejo de ter filhos e família, projeto altamente
valorizado” (CORRÊA, Op. cit.).
Para Oliveira, as NTR:
“propiciam a materialização de desejos sexistas, racistas, eugênicos e
potencializam a exploração de classe, basta que se possa pagar por eles.
O recorte de classe é o sustentáculo de tais desejos, cujas decorrências
nefastas são: a exploração de classe (mulheres/casais ricos custeiam o
‘tratamento’ das pobres e assim se livram de parte da super-hormonização
e obtêm óvulos)” (OLIVEIRA, 2001).
Como a doação de gametas entre parentes é proibida pelo CFM por ter
que ser anônima para preservar a identidade dos doadores e evitar o comércio,
de fato é sempre possível, “comprar” os óvulos de que se necessita. A autora
diz que:
“a solução mais simples usada pelas clínicas de fertilização é estimular
acordos entre suas pacientes: as que têm maridos em tratamento, mas
possuem óvulos saudáveis, doam gametas para casais em que a mulher
é infértil. Em troca, têm o tratamento custeado pelo casal receptor”
(OLIVEIRA, Op. cit.).
A International Conference on Population and Development sobre a saúde
reprodutiva também considera que:
“Saúde reprodutiva é um estado de completo bem estar físico, mental e
social e não meramente a ausência de doenças ou enfermidades. Em
todos os casos relacionados ao sistema reprodutivo e ao estado de suas
186
Volume 1, n o 2, 2005
funções deveriam ser tomadas medidas apropriadas que assegurem
acesso universal aos serviços de saúde incluindo aqueles relacionados
com a saúde reprodutiva” (MONARES, 1999).
Apesar das recomendações internacionais, de nossa Constituição e das
normas que regulamentam a reprodução assistida, pouco tem sido feito no
Brasil para atender efetivamente os casais inférteis que demandam aos
serviços de saúde pública a oportunidade de engravidar e respeitar, assim, o
direito ao acesso universal aos meios de reprodução assistida. De fato, o sob
o ponto de vista ético, é grave a situação quando abordamos o tema da
reprodução assistida, mesmo quando realizada em clínicas particulares. E
isso não é de hoje, visto que, já em 1996, o jornal Folha de São Paulo trouxe
uma matéria intitulada: “Clínicas de fertilidade no Brasil violam a lei”, na
qual se afirmava:
“Grávida de trigêmeos decide eliminar dois embriões e o médico diz
‘Ok’. Pai de três meninas quer porque quer um menino e o médico diz
‘tudo bem, podemos fazer escolha de sexo’. Solteira aos 40 quer ter um
filho sem precisar de homem e o médico diz: ‘É possível. Temos banco de
esperma’. (...) O cliente paga e tem quase tudo o que quer. O médico
embolsa e faz o que quer. Poderia ser o melhor dos mundos não fosse um
detalhe: reprodução envolve genética e pode tanto ajudar um homem
estéril a ter filhos como um maluco a inseminar 70 mulheres com seu
sêmen, como aconteceu nos EUA. (...) Nakamura, ex-professor da
Unicamp, afirma que as normas do Conselho Federal de Medicina são
equivocadas cientificamente, mas que são melhores do que nada. O
problema é que diverge filosoficamente de seus princípios. ‘O desejo do
casal está acima de qualquer lei’, defende” (FOLHA DE SÃO PAULO,
1996).
Os meios de comunicação têm historicamente desempenhado um duplo
papel: o da denúncia e o da popularização de técnicas. Silva realizou pesquisa
referente a matérias publicadas em jornais de grande circulação no país
para estudar a representação dos casais inférteis. Esse trabalho revela a
imagem de desespero dos casais frente à infertilidade e a percepção de que
as técnicas de reprodução assistida seriam simples e inócuas, revelando o
alto grau de confiança na ciência e na medicina para resolução de dificuldades
(SILVA, 1991). A pesquisa mostra também que os casais acreditam que a
187
Revista Brasileira de Bioética
única opção para quem não tem filhos é a inseminação artificial. De fato, há
uma verdadeira mistificação em torno da técnica, considerada um milagre
realizado por médicos “santos” (SILVA, Op. cit.). Em relação a esta pesquisa
de Silva, as reportagens sobre o tema mostravam a inseminação como:
“um processo muito simples, indolor e isento de traumas, medos e
ansiedades; nenhuma reportagem faz alusão ao sofrimento ou ao sacrifício
exigido das mulheres que se submetem a estas técnicas; a sexualidade
se vê afetada durante o processo, porém este dado não é citado; os casos
‘exitosos’ são generalizados como se toda tentativa terminasse num filho;
e não se faz alusão aos abortos que ocorrem durante o processo e muito
menos aos casos cujas tentativas não levam a nada” (DURAND &
SALINAS, 1996).
Naquela reportagem também não há referências aos índices de fracassos
que, de fato, são altíssimos. A notícia fala que o êxito é de 25%, podendo
chegar a 33% com técnicas mais avançadas. Outros autores falam de êxitos
em apenas 8 a 10% dos casos (CHATEL, 1995; TUBERT, 1996). Este
número menor expressa as crianças que realmente nasceram, enquanto
que as clínicas computam em seus dados desde a gravidez química (teste
positivo para gravidez sem evolução da mesma) até os abortos, como
índice de sucesso.
Quando se trata da população de baixa renda, as irregularidades legais
e éticas são ainda mais graves. Podemos inferir isto a partir de uma reportagem
mais recente, veiculada na revista Época. Com o título: “Mercado da Vida:
médicos de Brasília retiram óvulos de mulheres de baixa renda para beneficiar
clientes ricas de suas clínicas particulares”, a reportagem começa:
“Toda manhã de quarta-feira um grupo de mulheres deixa o setor de
Reprodução Humana do Hospital Regional da Asa Sul levando em baixo
do braço sacos com remédios que não podem comprar. São moradoras de
baixa renda das cidades-satélites de Brasília carregando injeções do
tratamento de fertilização assistida. Todas querem muito ter filhos, mas
têm dificuldades de engravidar. Elas não pagam pelo tratamento, o que
confere ao programa ares de obra social. Há, no entanto, uma
contrapartida para o benefício. Em troca dos remédios, as mulheres têm
de doar óvulos. Em recipientes refrigerados, eles são transportados para
uma clínica particular, na área nobre da cidade. Lá, são implantados em
188
Volume 1, n o 2, 2005
mulheres de faixa de renda mais alta com problemas de fertilidade”
(ÉPOCA, 2001). [grifo nosso]
A reportagem continua citando que o Hospital Regional da Asa Sul HRAS, em Brasília, é um dos seis centros do país onde a reprodução assistida
é feita na rede pública. Informa também que os proprietários de uma clínica
de reprodução assistida naquela cidade, criaram alternativa que conjuga
seu trabalho na rede pública e seus interesses particulares. Primeiro captam
as mulheres no setor de tratamento de infertilidade do Hospital Regional da
Asa Norte - HRAN, onde é utilizada técnica para desobstruir as trompas em
conjunto com medicação barata para aumentar a produção de óvulos. Como
o Hospital não possui laboratório para fazer o tratamento avançado da
reprodução assistida, essas mulheres são encaminhadas para a clínica e lá,
em troca de óvulos, ganham os remédios. Consultado, pelo repórter, um
representante do CFM, afirma: “Se o recebimento dos remédios for encarado
como um pagamento ou troca de favor, é incorreto” (ÉPOCA, Op. cit.).
No Hospital de Clínicas de Porto Alegre são realizadas cerca de 350
fertilizações ao ano, e lá não se faz trocas. No entanto, o chefe do setor de
Reprodução deste Hospital defende o escambo de seus colegas de Brasília,
dizendo: “Em alguns casos, o compartilhamento é louvável, por ajudar
pessoas sem condições de comprar medicamentos” (ÉPOCA, Op. cit.).
Já no Hospital Pérola Byintgton, da Secretaria de Saúde de São Paulo,
que fertiliza cerca de 95 mulheres por mês, todas as mulheres recebem os
remédios e o tratamento gratuitos. O diretor da Reprodução Humana do
Hospital é contra a permuta: “Sabemos que as pacientes fazem de tudo para
ter filhos e, ao sugerir a troca, estaríamos fazendo uma espécie de coação.
Não posso concordar com isto” (ÉPOCA, Op. cit.).
Análise Bioética
As divergências de opinião relatadas mostram que o problema da
reprodução assistida, quando referido a quem de fato tem acesso a ela, implica
em graves conflitos morais, pois ter acesso ou não, envolve questões relativas
tanto à justiça distributiva, e, portanto, à igualdade de oportunidades, como
à autonomia pessoal, visto que a liberdade de procriar está limitada pela
troca de favores. Com isso, a reprodução assistida se torna um problema da
bioética, pois esta, reconhecidamente, se ocupa de conflitos e dilemas morais
189
Revista Brasileira de Bioética
que surgem no âmbito das práticas humanas que se referem à qualidade de
vida e à saúde, logo, também a práticas que se referem à reprodução e ao
começo da vida.
Por outro lado, tais divergências mostram que se trata, também, de um
problema que diz respeito ao Direito, pois, como apontamos, as práticas de
reprodução assistida infringem as normas e a própria Constituição. De fato,
as graves irregularidades que ocorrem em nosso país neste campo, não são
punidas. O Artigo IV, § 1 da Resolução CFM n º 1.358/92 dispõe que a
“doação nunca terá caráter lucrativo ou comercial”, sem, no entanto, definir
o que é caráter lucrativo ou comercial.
Estas práticas ilegais parecem ser comuns no Brasil, ocorrendo às claras,
o que só pode significar a certeza da impunidade. Como diz Oliveira, as
clínicas de reprodução vendem óvulos sob a capa de doação voluntária:
“...usando a má fé de explorar o desejo de mulheres/casais pobres de
obter um(a) filho(a). Diante da vulnerabilidade conferida pela pobreza,
os capitães da indústria de bebês de proveta usam o poder de Deus, do
qual estão investidos, e obtêm óvulos de modo espúrio. O governo
brasileiro faz vistas grossas e é co-autor de tanta imoralidade, pois permite
serviços de reprodução assistida em hospitais públicos sem lhes fornecer
condições adequadas de trabalho e os insumos exigidos - como os
remédios necessários para maturar óvulos à força” (OLIVEIRA, Op. cit.).
Como visto, há muitos aspectos legais envolvidos nas NTR. Entretanto,
interessa determo-nos às questões já sinalizadas: os temas da autonomia e
da eqüidade. Se julgarmos moralmente errado o que vem ocorrendo nas
clínicas de infertilidade, algumas perguntas de cunho moral devem guiar a
reflexão. Elas implicam em saber se a doação de óvulos das mulheres pobres
pode ser considerada moralmente legítima, pois respeitaria o exercício da
autonomia reprodutiva. Acreditamos que não, já que há questionamento tanto
sobre a efetiva autonomia exercida, quanto sobre a atuação dos profissionais
envolvidos. Se há um consenso sobre a não eticidade do procedimento (de
fato uma troca de favores), pode-se apenas justificar tal prática pela
possibilidade dos benefícios? Admitamos que sim, mas, neste caso, os meios
justificariam os fins? Também, admitindo que sim, será que é feito um Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido, por escrito e assinado por essas
mulheres, como dispõe a Resolução CFM nº 1.358/92? Em outros termos,
podemos ver estas doações como coações? Se sim, então estaríamos
190
Volume 1, n o 2, 2005
desrespeitando o direito ao exercício da autonomia pessoal em matéria
reprodutiva, visto que não teríamos um consentimento autêntico. Ademais
estaríamos violando um direito, garantido pela nossa Constituição. Com efeito,
em relação à autonomia e de acordo com Durand:
“Em situação normal, em face a um adulto capaz de dirigir sua própria
vida, o princípio de autonomia exige o seu consentimento a todo
tratamento médico e a todo ensaio experimental. O direito toma um valor
ético quando proclama: ‘A pessoa humana é inviolável. Ninguém pode
invadir outra pessoa sem seu consentimento’ (Código Civil de Québec,
artigo 19)” (DURAND, 1995).
Assim sendo, acreditamos que no caso das mulheres de baixa renda, o
exercício da autonomia está prejudicado já que só lhes resta doar os óvulos
se quiserem ter acesso à tecnologia desejada. E isso constitui abuso de poder,
senão crime, pois a troca não é feita livre e espontaneamente, mas sob
constrangimento e baseada na desinformação. De fato, se as pessoas tivessem
acesso à informação pertinente saberiam que, constitucionalmente, têm o
direito à medicação necessária para seu tratamento sem ter que barganhar
tal direito dando, em troca, algo que lhes pertence e que concedem apenas
para garantir o acesso à tecnologia reprodutiva. Se não recorrem à justiça
por desconhecer seus direitos pode-se pensar que se soubessem recorreriam,
criando assim um desequilíbrio, principalmente nas contas municipais e
estaduais, como decorrência de despesas orçamentárias não previstas.
Mas, então, qual é o papel do Estado neste campo? Por que o Estado não
prevê concretamente o acesso? Uma das respostas possíveis é que não se
estaria privilegiando este procedimento. No entanto, o Programa de
Assistência Integral à Saúde da Mulher - PAISM, criado em 1983 pelo
Ministério da Saúde, prevê o direito à anticoncepção e à concepção,
acompanhando a política de saúde mais ampla que é voltada a dar toda a
atenção aos métodos contraceptivos, o que, sem dúvida, também tem sido o
aspecto mais enfatizado pelas feministas.
Agora, num país em que os índices de esterilização das mulheres
alcançam níveis inaceitáveis, como informa o banco de dados do Sistema
Único de Saúde - DATASUS a partir de dados de 1996, não é difícil prever
que também o acesso à informação sobre os métodos contraceptivos é
falho ou ineficaz:
191
Revista Brasileira de Bioética
“a porcentagem de esterilização feminina, entre as mulheres em idade
fértil, era de 27,3%, ou seja, uma mulher esterilizada em cada quatro
deste grupo etário (...) o percentual de laqueaduras era próximo de 50%
quando se consideram somente as mulheres de 30 anos e mais de idade”
(DATASUS, 1998).
Assim, mulheres que querem um ou dois filhos vêem na laqueadura
tubária o único procedimento de fato capaz de impedi-las de procriar. Ocorre
que as condições de vida podem mudar: ou morre o único filho ou ocorre um
novo casamento e, nestes casos, estas mulheres esterilizadas podem se
arrepender e querer voltar atrás. Assim, esgotada a técnica cirúrgica tradicional,
elas também querem a inseminação. Algumas nunca conseguiram engravidar;
outras tantas sofreram seqüelas de abortos ou de doenças sexualmente
transmissíveis, o que as deixou estéreis. Todas podem querer engravidar e,
nesse caso têm o direito de recorrer à reprodução assistida, mas o Estado lhes
nega, de fato, o acesso, embora não possa fazê-lo de jure, visto ser
inconstitucional. Tal negativa pode ser vista como uma estratégia cujo foco é o
interesse em não aumentar a população, sobretudo a de baixa renda, o que é
pelo menos questionável.
Conclusão
Mas qual é o papel legítimo de um Estado democrático em uma sociedade
caracterizada por profundas e moralmente questionáveis desigualdades?
Como deveria atuar para equacionar o direito individual ao exercício da
autonomia, inclusive reprodutiva; a eqüidade e os inevitáveis limites
orçamentários nos programas de saúde, quando ponderados junto com outros
bens considerados essenciais e que também requerem recursos,
reconhecidamente finitos, quando não escassos? De fato:
“(...) não é moralmente válido, ainda que talvez economicamente
compreensível, adaptar princípios éticos a situações locais quando traz,
por conseqüência, a probabilidade de abandonar a população e os indivíduos
mais vulneráveis a um destino determinado por mera ‘seleção natural’,
como se essa não fosse também uma seleção econômica e política, o que
seria, nas palavras de um filósofo norte-americano, uma autêntica tirania
da esfera econômica sobre as demais” (SCHRAMM & KOTTOW, 2000).
192
Volume 1, n o 2, 2005
Os problemas aqui apontados mostram a necessidade de questionar o
controle, regulação, fiscalização, legislação e a ética da reprodução assistida.
Com efeito, o controle sobre os resultados, os registros e a quase ausência de
pesquisas nesta área no Brasil, não impedem que se deva, com urgência,
enfrentar essa problemática, inclusive do ponto de vista da bioética, a qual
apesar de alguns exemplos contrários, tem abordado a questão de maneira
que consideramos insuficiente (SIMPÓSIO, 2001). Convém também lembrar
que o fato desta técnica estar disponível em sua quase totalidade no setor
privado tem impedido a investigação por parte de pesquisadores, já que, em
nome da privacidade da informação, não se tem acesso a estas clínicas e,
muito menos, a seus resultados.
Finalizando, gostaríamos de recomendar que o acesso à reprodução
assistida pelas mulheres pobres fosse respeitado, sem o quê, qualquer
discussão sobre autonomia e justiça torna-se totalmente sem sentido. Afinal,
a bioética é uma ética aplicada e, como tal, deve também dizer o que é
correto e o que é errado fazer em situações humanas específicas para melhorar
a qualidade de vida de todos e de cada um, inclusive daquelas pessoas
responsáveis por colocar no mundo outros seres humanos que poderão
concordar, ou não, com os argumentos aqui apresentados.
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Recebido em 6/8/2005
Aprovado em 16/8/2005
194
Volume 1, n o 2, 2005
A VULNERABILIDADE E O PACIENTE DA CLÍNICA
ODONTOLÓGICA DE ENSINO
Vulnerability and teaching odontologic clinic patients
Evelise Ribeiro Gonçalves
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil.
[email protected]
Marta Inez Machado Verdi
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis/SC, Brasil.
[email protected]
Resumo: As clínicas odontológicas de ensino são instituições de assistência que prestam
atendimento com profissionais ainda em formação. Esta situação propicia o
surgimento de conflitos e dilemas, principalmente porque a maioria das pessoas que
procuram atendimento busca atenção odontológica especializada, que não é fornecida
pela rede pública. Com o objetivo de identificar as questões éticas que permeiam o
atendimento a pacientes em uma clínica odontológica de ensino, realizou-se uma
pesquisa qualitativa de caráter exploratório descritivo com 10 professores do curso de
odontologia de uma universidade pública federal. Foram investigadas as rotinas de
acesso ao serviço e ao atendimento, marcados por situações peculiares, nas quais se
percebe que as pessoas em busca de tratamento tornam-se freqüentemente vulneráveis,
sofrendo, em decorrência, desrespeito em sua autonomia, como pacientes, cidadãos e
seres humanos. Este artigo pretende chamar a atenção da classe acadêmica para o
problema e reforçar a responsabilidade de todo o corpo docente dos cursos de
odontologia na formação da competência ética dos futuros profissionais, bem como
de sua postura frente aos pacientes atendidos nas clínicas de ensino.
Palavras-chave: Vulnerabilidade. Odontologia. Bioética. Clínicas odontológicas
de ensino.
Abstract: The dental school clinics are unique assistance institutions providing health
care through dental students. Moral conflicts and ethical dilemmas emerge specially
as most people who attend these clinics are searching for specialized dental care not
provided for, under Brazilian public health care. A qualitative, exploratory and
descriptive research was performed at a dentistry course of a federal public university
aiming to identify the ethical issues involved in patient attendance at the dental
school clinic of this institution. The access and attendance routines were investigated,
through which was clear that the people assisted are frequently put into vulnerable
situations, and, as a result, their autonomy is not respected as patients, citizens and
human beings. This article would like to bring this problem to the attention of the
academy and to emphasize the responsibility all dental school professors have in the
construction of the ethical competence of the future dentists as well as in their attitude
toward the patients they assist at these institutions.
Key words: Vulnerability. Dentistry. Bioethics. Dental school clinics.
195
Revista Brasileira de Bioética
Ao se falar de vulnerabilidade e das questões políticas, sociais ou humanitárias que engloba, deve-se atentar para os padrões sociais de desigualdade
nas condições de vida, de saúde e de acesso aos serviços de saúde, uma vez
que são situações que propiciam o surgimento de pessoas ou populações
vulneráveis (DINIZ, 2001). A versão revisada da Declaração de Helsinque
traz um parágrafo que trata da questão:
“As necessidades particulares dos que apresentam desvantagens
econômicas e médicas têm que ser reconhecidas. Também se requer
especial atenção àqueles que não podem dar ou recusar o consentimento
por si mesmos, àqueles que podem se sujeitar a dar consentimento em
situações de dificuldade...” (WORLD MEDICAL ASSOCIATION, 2000).
O vulnerável sofre necessidades não atendidas, o que o torna frágil e
predisposto a sofrer danos. Sujeitos vulneráveis têm que ser protegidos,
enquanto os predispostos à vulnerabilidade precisam de assistência para
remover a causa da sua fraqueza. Além da vulnerabilidade básica, intrínseca
à existência humana, alguns indivíduos são afetados por circunstâncias
desfavoráveis que os tornam ainda mais vulneráveis (KOTTOW, 2003).
A dificuldade de acesso à assistência odontológica caracteriza uma dessas
circunstâncias, pois a cobertura da assistência odontológica pública brasileira
não consegue suprir a demanda da população. Não só as vagas para
atendimento são insuficientes, como os serviços prestados pelas unidades
locais de saúde não atendem às necessidades por serviços odontológicos
básicos ou especializados.
O Governo Federal, por meio do Programa Brasil Sorridente, e lançado
em outubro de 2004, pretende investir em diversas ações em saúde bucal até
o final de 2006. Entre elas está a construção e instalação de Centros de
Especialidades Odontológicas - CEO, que vão prestar atendimento
especializado à população (CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA,
2004). Este programa está, no entanto, ainda em fase inicial de
implantação, do que se depreende que boa parte da população continua
desassistida.
As clínicas odontológicas de ensino são estabelecimentos vinculados aos
cursos de odontologia das universidades, e, na sua maioria, são mantidas
por verba pública. Essas clínicas prestam atendimento odontológico básico e
especializado à população, por meio de profissionais ainda em formação, ou
seja, os estudantes desses cursos.
196
Volume 1, n o 2, 2005
Segundo Beauchamp e Childress, “dentro de instituições de assistência
médica que ensinam futuros profissionais através do atendimento a pacientes,
surgem freqüentemente conflitos morais e dilemas éticos” (BEAUCHAMP &
CHILDRESS, 2002). Sua realidade peculiar pode contribuir para colocar as
pessoas atendidas em condição vulnerável, já que as rotinas adotadas no
cotidiano institucional referem-se a práticas que nem sempre têm relação direta
com o tratamento do paciente, e sim, muito mais, com a formação do profissional
e o cumprimento da produção acadêmica. Esses objetivos transformam as pessoas
atendidas em objetos para o ensino aos estudantes. Em decorrência disso, as
pessoas que procuram as clínicas de ensino dessas instituições, em busca de
serviços que não lhes são fornecidos pela rede pública, tornam-se vulneráveis,
e, conseqüentemente, sofrem desrespeito a sua autonomia.
Dito isso, é importante refletir sobre as diferentes questões éticas
envolvidas na relação terapêutica protagonizada pelo paciente, o aluno e o
professor. Dentre estes questionamentos, destacam-se: qual a autonomia
dessas pessoas durante o atendimento? Podem recusar determinados
procedimentos? Como se processa na relação paciente/aluno/professor o
confronto de diferentes interesses: de um lado, a necessidade terapêutica;
de outro, o interesse acadêmico? Há a supremacia de um em detrimento do
outro, quando o interesse acadêmico prepondera sobre a vulnerabilidade
dos pacientes, desrespeitando seu direito individual em nome do ensino?
Para responder a essas indagações, este estudo busca caracterizar
diferentes situações nas quais o paciente da clínica odontológica de ensino é
colocado em condição de vulnerabilidade.
Metodologia
Em 2004, foi realizada pesquisa de abordagem qualitativa e de caráter
exploratório descritivo, junto a dez professores do curso de odontologia de
uma universidade pública federal, sorteados dentre o corpo docente
responsável pelas seguintes disciplinas: Cirurgia, Clínica Integrada,
Dentística, Endodontia, Estomatologia, Odontopediatria, Ortodontia,
Periodontia, Prótese Parcial e Prótese Total. As informações foram coletadas
em entrevista semi-estruturada, incluindo nove perguntas abertas, gravadas
em fitas-cassete, e, posteriormente, transcritas na íntegra. A técnica escolhida
para a análise dos dados foi a análise de conteúdo proposta por Bardin
(BARDIN, 1977).
197
Revista Brasileira de Bioética
O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa
com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC,
sendo aprovado sem restrições. A pesquisadora comprometeu-se a manter a
identidade dos participantes em sigilo, com uso de codinomes. Foram
utilizados os nomes de dez capitais européias colocadas em ordem aleatória,
correspondendo cada uma delas a um entrevistado.
A Vulnerabilidade do Paciente da Clínica Odontológica de Ensino
Quando uma pessoa procura uma clínica odontológica de ensino, consente
explícita e implicitamente com certas perdas de privacidade, relativas ao
exame e ao tratamento odontológicos. Porém, essa decisão não concede nem
implica em acesso irrestrito ao seu corpo. São poucos os pacientes, no entanto,
que entendem a extensão da perda de privacidade que podem sofrer dentro
da clínica odontológica de ensino, e, por outro lado, nem sempre os
profissionais envolvidos no atendimento respeitam o limite desta perda,
pautada entre outros aspectos, pelo princípio do respeito à autonomia.
Beauchamp e Childress colocam que o paciente deve ser sempre
corretamente informado sobre a realidade da instituição e sobre os
procedimentos a serem realizados, dando seu consentimento esclarecido e
voluntário, e, também, nunca ser submetido a riscos desnecessários
(BEAUCHAMP & CHILDRESS, Op. cit.). Somente deste modo, não estarão
sendo violados princípios éticos de relacionamento entre profissional e
paciente. Porém, a realidade relatada pelos entrevistados explicitou algumas
questões que claramente desrespeitam as pessoas atendidas na instituição
pesquisada, colocando-as em condição de vulnerabilidade.
Uma primeira situação relatada pelos docentes, e que pode ser
considerada um reflexo das desigualdades sociais que caracterizam a
sociedade brasileira, é a luta por vagas para atendimento. Um dos docentes
assim se manifestou: “É complicado [...] primeiro ele tem que entrar em uma
competição pra poder conseguir uma vaga [...] houve uma época que existia
um comércio [...] as pessoas vinham pra cá de madrugada, conseguiam a
vaga e depois vendiam pra comunidade” (Roma).
Trindade e colaboradores ressaltam que, devido a fatores econômicos,
sociais ou mesmo de necessidade especial à saúde bucal, observa-se crescente
procura por atendimento odontológico nas clínicas de ensino (TRINDADE et
al.,1999). Dessa forma, tem-se criado uma grande dificuldade para a obtenção
198
Volume 1, n o 2, 2005
de uma vaga para atendimento nessas instituições, sendo que a maioria dos
que a conseguem, consideram o fato uma vitória, por mais contraditório que
isso seja. Isso porque o serviço prestado ali é, na verdade, um direito adquirido
das pessoas, uma vez que essas são instituições públicas, mantidas pela
população com o pagamento de impostos. Apesar desse contra-senso, a
realidade é que um grande número de pessoas procura as clínicas
odontológicas de ensino das universidades em busca de serviços
especializados “gratuitos” que não estão disponíveis na rede pública de
atendimento e pelos quais não têm condição de pagar.
Uma vez tendo conseguido cadastrar-se na instituição, o paciente entra
para uma fila de espera por atendimento em uma disciplina que faz o exame
odontológico inicial e a anamnese, e que estabelece a prioridade de tratamento
para cada paciente, encaminhando-o para outra lista de espera, a das
disciplinas clínicas específicas. A partir daí, os pacientes deveriam ser
chamados para atendimento seguindo a ordem dessa lista; no entanto, a
realidade percebida pelos professores é outra. Perguntados se o sistema oficial
de triagem de pacientes era respeitado, assim se manifestaram: “Não
necessariamente. Até porque muitas vezes alguns pacientes nos vêm
encaminhados por outros colegas de dentro da faculdade, que nos pedem
ajuda para atender esse ou aquele paciente: um parente, um amigo” (Oslo).
Segundo Bellino, “um verdadeiro empenho ético deve garantir à ciência
um máximo de liberdade compatível com o respeito devido aos outros valores
em jogo [...] e essas regras valem não só para os peritos e cientistas, mas
também para o homem comum” (BELLINO, 1997).
Privilegiar o atendimento de amigos, conhecidos e parentes de professores
ou funcionários, expõe o uso de outros critérios para a distribuição de vagas,
que não os previamente determinados pela instituição, ficando caracterizado
o abuso da autoridade de professores e funcionários, que desrespeitam
aqueles que aguardam por atendimento, evidenciando, também, a
vulnerabilidade desses pacientes, que ficam aguardando o atendimento,
pensando estar em uma lista de espera que, além de ser longa, parece também
ser permeada por atalhos e desvios.
Além da questão do privilégio no atendimento a pessoas conhecidas,
outras situações também desrespeitam a autonomia das pessoas que aguardam
a chamada pelas disciplinas clínicas. Uma delas é a prioridade explícita que
é dada por algumas das disciplinas ao atendimento de casos de interesse
acadêmico, como relatou esse professor:
199
Revista Brasileira de Bioética
“O paciente recebe uma orientação e fica sabendo que no momento que
houver uma vaga para o que a gente precise a gente chama. Mas na
dependência também daquilo que nos interessa. [...]. Porque eu sempre
coloco para o pessoal: isso aqui antes de tudo é uma escola, não é um
posto de atendimento” (Londres).
A percepção do professor deixa explícito que os casos de interesse
acadêmico são tratados com prioridade, sobrepondo-se à lista de espera e às
necessidades dos pacientes. Para legitimar tal regalia, utiliza-se como
argumento a característica da instituição, formadora da clínica de ensino. É
fato que esta instituição é uma escola, cuja finalidade é capacitar novos
profissionais; entretanto, convém ressaltar que toda pessoa, na condição de
paciente, ou seja, quando apresenta necessidades relativas a sua saúde,
deve ser tratada para que tais necessidades sejam suprimidas. Ela não deve
ser prejudicada ou preterida por não apresentar a “necessidade certa”, que
lhe possibilitaria obter o tratamento de maneira rápida, pois isso caracteriza
desrespeito a um direito humano básico, que é o direito à saúde.
A importância e prioridade que são conferidas pela instituição à formação
dos profissionais, e, conseqüentemente, ao cumprimento da produção
acadêmica, ficam claras em outra situação, identificada nas práticas dos
docentes: o uso de pacientes como “reserva”. A dinâmica de trabalho adotada
nas disciplinas clínicas prevê que o número de pacientes a terem acesso ao
serviço deve corresponder ao número de alunos disponíveis para realizá-lo.
Os “pacientes-reserva” são assim chamados porque representam um número
excedente de pacientes, marcados para ficar aguardando uma chance de
serem atendidos em caso, principalmente, da falta de algum paciente que
foi agendado para aquele dia. Sobre isso, um docente assim se manifestou:
“Sempre se pede mais [...] um pouco não, normalmente o dobro, às vezes
não dá para atender [...] não deu, aí eles voltam na semana que vem.
[...] normalmente eles ficam chateados, mas normalmente são pessoas
humildes que estão acostumadas com esse tipo de coisa” (Lisboa).
Chama a atenção a “coisificação” das pessoas, explícita nessa prática.
Pela sua necessidade de tratamento, o paciente é visto como um meio que
objetiva alcançar o fim proposto para a instituição, que é o atendimento a ser
realizado pelo aluno. Segundo Fortes:
200
Volume 1, n o 2, 2005
“Todo ser humano, quando na posição de paciente, dever ser tratado em
virtude de suas necessidades de saúde e não como um meio para a
satisfação de interesses de terceiros, da ciência, dos profissionais de saúde
ou de interesses industriais e comerciais” (FORTES, 2002).
Além disso, a situação caracteriza também desrespeito à autonomia do
paciente, a quem não é dada nenhuma informação que lhe possibilite tomar
uma decisão com pleno conhecimento de causa.
O uso do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido é frequentemente
associado ao respeito à autonomia do paciente. Em teoria, deve proteger o
sujeito na pesquisa ou no tratamento, informando-o sobre os procedimentos a
serem realizados e seus objetivos, buscando desta forma respeitar a vontade
do indivíduo em consentir ou não com realização de determinada ação. A
clínica odontológica de ensino pesquisada adota como prática comum o uso
de um Termo de Autorização para diagnóstico e tratamento, localizado no
rodapé da ficha cadastral do paciente junto à instituição. A sua assinatura,
que acontece quando o paciente é examinado pela primeira vez, é prérequisito para que seja encaminhado para as disciplinas clínicas. Um docente
se manifestou sobre o fato: “[...] ele quer ser atendido, então ele vai assinando
da mesma forma que eu assinei o teu consentimento informado [...] a maioria
dos pacientes que vão ler o consentimento informado, eles dão uma “passada”
e assinam [...]” (Copenhague).
O termo em questão concentra, em algumas linhas, um grande número
de procedimentos e ações a serem realizadas, com as quais o paciente
teoricamente consente ao assinar, mesmo quando se encontra em situação
de vulnerabilidade social. Segundo Zoboli e Fracolli, tal situação inclui, entre
outros fatores, a pobreza, as desigualdades sociais e de acesso às ações e
serviços de saúde e educação (ZOBOLI & FRACOLLI, 2001). Frente à
vulnerabilidade social, deve-se questionar se o sujeito que enfrentou
dificuldades para conseguir acesso aos serviços de saúde, é verdadeiramente
livre para exercer sua opção autônoma, especialmente quando teme que sua
recusa em assinar um termo de consentimento possa resultar na perda da
vaga para atendimento.
Além disso, freqüentemente há um longo período, de meses e até anos,
de espera entre a assinatura da autorização e o atendimento propriamente
dito, devido à grande demanda por vagas. O paciente acaba, portanto,
consentindo com uma variedade de procedimentos em relação aos quais
dificilmente pode prever a efetiva realização.
201
Revista Brasileira de Bioética
A maneira como o Termo de Autorização para tratamento é utilizado na
instituição, como mera formalidade burocrática, suscita o questionamento
sobre até que ponto os pacientes estão realmente informados e de acordo
com a realização de todos os procedimentos. Para avaliar isso, procurou-se
saber se existiam outras formas de informar os pacientes e de obter seu
consentimento voluntário quando realizados procedimentos terapêuticos e
tomadas imagens fotográficas. A respeito disso, alguns docentes assim se
manifestaram: “Infelizmente não. Na verdade a única preocupação é com o
diagnóstico, planejamento e tratamento, e não se presta nenhum outro tipo
de esclarecimento adicional ao paciente” (Estocolmo); “[...] eu não faço esse
tipo de coisa, mas eu acho que não é pedido o consentimento da pessoa.
Acha um caso interessante, alguém pega a máquina, bate a foto e pronto”
(Berlim).
O princípio da autonomia é desrespeitado devido à falta de informação
do paciente em relação ao procedimento que se pretende fazer e à ausência
do consentimento livre, esclarecido e voluntário, específico para cada
procedimento. Vários professores argumentaram que os pacientes já haviam
dado consentimento quando assinaram a autorização para tratamento. No
entanto, deve-se atentar para o conflito criado pelo uso da autorização para
tratamento como forma única de esclarecimento e concordância do paciente
com a realização de todos os procedimentos que vão ser feitos na clínica,
incluindo as fotografias. Além disso, essa autorização, além de não ser um
documento específico, não contempla informações suficientes sobre os
procedimentos que serão realizados e, como já foi dito, é apresentada ao
paciente muito tempo antes da realização do atendimento.
A dificuldade em conseguir atendimento parece gerar nas pessoas o medo
constante da perda da vaga, tornando-as vulneráveis. Em função disso,
acabam assinando - muitas vezes sem saber com o que estão consentindo - a
autorização para tratamento e se submetendo no cotidiano das clínicas de
atendimento a todo e qualquer procedimento. Essa situação caracteriza a
restrição da liberdade de manifestação dos pacientes atendidos, que fica
explícita na fala deste docente:
“O paciente praticamente não fala nada, [...], porque ele já estava
esperando há muito tempo, então imagina se ele começar a fazer certos
questionamentos que seriam normais, ele pensa que naturalmente vai
perder a vaga. [...]” (Copenhague).
202
Volume 1, n o 2, 2005
Por fim, uma situação que constantemente coloca os pacientes atendidos
pela clínica odontológica de ensino em condição de vulnerabilidade é a prática,
comum em algumas disciplinas, de exigir dos alunos o cumprimento de
produção acadêmica mínima como requisito para a aprovação: “[...] o aluno
tem que ter uma certa produção dentro da disciplina e ele pode ser penalizado
pela recusa do paciente e ele vai ter que ir atrás de outra forma pra compensar
essa perda” (Paris). A mesma situação é relatada por outro docente:
“Na nossa disciplina nós temos muito cuidado em não exigir dos nossos
alunos produção mínima, porque pode ser que ele chegue no final e não
tenha produzido exatamente o número certo de procedimentos que a
gente considere ideal e por isso a gente atribua a ele uma nota inferior à
de um indivíduo que tenha feito desnecessariamente o dobro”
(Estocolmo).
A vulnerabilidade do paciente fica explícita se considerarmos que, da
mesma forma que algumas disciplinas se preocupam em coibir a “inclinação”
de certos alunos em “sobretratar” alguns pacientes para cumprir a meta
estipulada pela disciplina, outras podem não ter a mesma orientação ou ter
um corpo docente menos atento a esses acontecimentos.
Os pacientes confiam nos estudantes de odontologia e sempre esperam
que eles atuem em nome da sua saúde bucal. Quando o estudante sugere
um tratamento, que seja o indicado para o caso e também seja “útil” para
completar a sua produção, ele não está necessariamente violando a autonomia
do paciente ou ferindo o seu próprio dever de beneficência; mas, para que
isso se configure, o paciente deve estar informado a respeito de toda a situação
e realmente dar seu consentimento voluntário para que o tratamento aconteça
(VAN DAM & WELIE, 2001). Esses autores vão ainda mais longe, dizendo
que, ao não informar o paciente sobre essa situação, os estudantes, e por
conseqüência, os professores que os orientam, agem da mesma forma
desonesta que pesquisadores que não esclarecem corretamente os sujeitos
de pesquisa ou os profissionais que tentam convencer pacientes a fazer
tratamentos caros e desnecessários.
Todas as situações visualizadas nesta pesquisa, por mais questionáveis,
constrangedoras e injustas, fazem parte do cotidiano de instituições similares
à pesquisada neste trabalho, remetendo a uma citação de Foucault, que pode
ser interpretada para a realidade pesquisada por este estudo. Ele questiona:
203
Revista Brasileira de Bioética
“Com que direito se pode transformar em objeto de observação clínica
um doente ao qual a pobreza obrigou a solicitar a assistência hospitalar?
Ele requer um auxílio do qual é o sujeito absoluto na medida em que
este foi criado pra ele; mas agora lhe é imposto um olhar do qual ele é
objeto, e um objeto relativo, pois o que se decifra nele está destinado a
um melhor conhecimento dos outros” (FOUCAULT, 1987).
Considerações Finais
A vulnerabilidade intrínseca à existência humana é, até certo ponto,
protegida pela sociedade. Afora essa vulnerabilidade, os seres humanos são
afetados por vulnerabilidades circunstanciais, em decorrência da pobreza,
da falta de acesso a serviços de saúde e da discriminação. Essas situações
impedem as pessoas de terem suas necessidades atendidas, predispondo-as
a infortúnios adicionais. A bioética tem particular preocupação com essa
vulnerabilidade secundária e circunstancial devido aos riscos que correm as
pessoas vulneráveis de serem prejudicadas pela exploração advinda de ações
biomédicas realizadas por profissionais da saúde.
A formação de futuros profissionais é a importante missão das instituições
de ensino. No entanto, quando essa formação envolve atendimento
odontológico prestado à comunidade e realizado por estudantes, a situação
assume características diferentes da simples democratização de informações
e de conhecimento, havendo o risco de que se estabeleçam conflitos morais
e dilemas éticos devido à submissão dessas pessoas à condição de objeto de
ensino para os futuros profissionais.
É importante sublinhar que o atendimento prestado pelas clínicas
odontológicas de ensino representa, para parte da população brasileira, a única
chance de acesso a determinados serviços essenciais, que não são fornecidos
pela rede pública de atendimento. Tal situação pode tornar essas pessoas
vulneráveis, o que freqüentemente ocorre, pois elas acabam se submetendo a
qualquer situação para suprir sua necessidade de saúde, sendo, então,
desrespeitadas na sua autonomia, como pacientes, cidadãos e seres humanos.
Assim, vale ressaltar que todo o corpo docente do curso de odontologia
tem grande responsabilidade na construção da competência ética dos futuros
odontólogos e na sua postura frente aos pacientes, que vivenciam, mesmo
que por período determinado, a condição de objeto de ensino para os
profissionais em formação. Esta condição, além de questionável, não justifica
desrespeitos a sua dignidade, valor primeiro e fundamental da vida humana.
204
Volume 1, n o 2, 2005
Referências Bibliográficas
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa, Edições 70. 1977.
BELLINO, F. Fundamentos da bioética. Aspectos antropológicos, ontológicos e morais.
Bauru, EDUSC. 1997.
BEAUCHAMP, T. & CHILDRESS, J. Princípios da ética biomédica. São Paulo, Ed.
Loyola. 2002.
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Ética em Pesquisa. Normas para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos (Res. CNS 196/
96 e outras) Brasília: Ministério da Saúde, 2002.
CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, ano 12, n. 61, jul-ago., Rio de Janeiro.
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CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA, ano 12, n. 62, set-out., Rio de Janeiro.
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DINIZ, D. A vulnerabilidade na bioética. In: COSTA, S. I. & DINIZ, D. (Orgs.).
Bioética: ensaios. Brasília: Letras Livres: 27-32, 2001.
FORTES, A. P de C. Ética e saúde. São Paulo, EPU, 1ª reimpressão, 2002.
FOUCAULT, M. El nacimiento de la clínica. México, Siglo XXI. 1987.
KOTTOW, M. Bioética e política de recursos em saúde. In: GARRAFA, V. & COSTA,
S. I. F. (Orgs.). A bioética no século XXI. Brasília, Editora Universidade de Brasília:
67-75. 2000.
TRINDADE, O. & RAMOS, D. Análise das rotinas adotadas nos serviços de triagem
de instituições de ensino odontológico para atendimento e encaminhamento de
pacientes: aspectos éticos. Revista da Pós-Graduação da Faculdade de Odontologia
da USP, São Paulo, Universidade de São Paulo, 6: 291-297.1999.
WORLD MEDICAL ASSOCIATION. Declaration of Helsinki, Paragraph 2, 2000.
ZOBOLI, E.L. C. P. & FRACOLLI, L. A. Vulnerabilidade do sujeito de pesquisa.
Cadernos de Ética em Pesquisa, Brasília, Ano IV(8): 20-21. 2001.
VAN DAM, S. & WELIE, J. Requirement-driven dental education and the patient’s
right to informed consent. Journal of American College Dentistry, 68(3):40-47, 2001.
Recebido em 11/6/2005
Aprovado em 9/8/2005
205
Revista Brasileira de Bioética
Resenha de livros
Esta seção destina-se à apresentação de resenhas de livros de interesse para a bioética.
Vida Ética: os melhores ensaios do mais polêmico filósofo
da atualidade.
SINGER, Peter.
Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. 420p.
ISBN 850001055X
“Dizem freqüentemente que a vida é sagrada. Mas quase nunca isso é
dito no sentido literal. Não se quer dizer que a vida seja sagrada em si,
como parecem indicar as palavras. Se assim fosse, matar um porco ou
arrancar um repolho pareceria tão hediondo quanto matar um ser
humano. Quando dizem que a vida é sagrada, as pessoas têm em mente
a vida humana. Mas por que deveria a vida humana tem valor especial?”.
O livro Vida ética é uma excelente amostra do estado-da-arte da produção
acadêmica do filósofo australiano Peter Singer. Num convite a reflexão sobre
temas fundamentais e extremamente provocantes, esta coletânea é leitura
obrigatória para bioeticistas e todos os que se interessam pela ética utilitarista,
trazendo inquietação e incômodo aos espíritos moldados numa ética centrada
no homem. Esta seleção de artigos, feita pelo próprio autor, trata com clareza e
excelente articulação lógica os controversos meandros da filosofia moral.
Peter Singer é especialista em ética aplicada e professor na prestigiada
Universidade de Princeton, onde estuda problemas como o aborto, a eutanásia,
o estatuto moral dos animais, as responsabilidades morais perante os mais
pobres do mundo e outros temas persistentes, sob o prisma utilitarista da
ética prática, que pode ser entendida como um modo de dar relevância à
filosofia nas questões cotidianas.
O livro foi lançado em 2002 pela Ediouro (tradução da versão inglesa
lançada em 2000) e é uma espécie de resposta dada por Singer aos dilemas
de uma visão unilateral de mundo. É um momento de reflexão acerca da
influência de seus escritos sobre indivíduos engajados nas questões ambientais
e na questão animal, e também um instante de reflexão crítica sobre conflitos
morais indiosincrásicos: militância ou academia?
206
Volume 1, n o 2, 2005
A coletânea encontra-se dividida em cinco partes: “Natureza da Ética”
com dois fragmentos sobre as diferentes interpretações do que é ética e do
que é moral; “Cruzando a Barreira das Espécies” com sete textos, dos quais
destaca-se o excelente “Todos os Animais são Iguais...” onde foi “embrionada”
a questão do especismo; “Salvar e Tirar a Vida Humana” com 10 fragmentos
sobre eutanásia, início e fim de vida; “Ética, Interesse Pessoal e Política” ; e
por fim, “Anotações Autobiográficas”, com dois fragmentos e uma entrevista,
nos quais Singer expõe algumas situações onde sua cáustica análise utilitarista
gerou desconforto em seus ouvintes e interlocutores, causando em alguns
momentos até uma franca hostilidade.
A prosa direta e cativante transforma os textos numa agradável leitura,
onde os argumentos são apresentados em seqüente exposição de conceitos,
induzindo os leitores a uma reflexão acerca de seus pré-conceitos e
motivações. Singer, com brilhantismo e argúcia, conduz seu público a rever
seriamente as conseqüências do agir cotidiano e o lugar do homem na
natureza, levando em consideração que, apesar de sua visão utilitarista,
outras leituras de mundo podem e devem ser feitas.
O ponto mais contundente de sua obra reaparece em Vida ética e continua
sendo sua principal bandeira: todos os seres sencientes devem ter seus
interesses levados em consideração, apesar de qualquer antropocentrismo.
Natan Monsores de Sá
Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Brasília, Distrito Federal, Brasil.
[email protected]
207
Revista Brasileira de Bioética
Atualização científica
Esta seção destina-se à apresentação de resumos e comentários de artigos científicos
recentes.
HÄYRY, Matti. A defense of ethical relativism.
Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics 14 (1): 07-12, 2005.
O filósofo finlandês Häyry discute a questão do relativismo, palavra que
exprime idéia controversa na bioética ocidental, buscando demonstrar que o
conceito vem sendo mal entendido e mal aplicado. Para isso cria uma tabela
simples onde se combinam seis “ismos”: absolutismo, relativismo e nihilismo
em uma coluna; e objetivismo, inter-subjetivismo e subjetivismo em outra.
As normas e valores éticos que orientam as ações e o pensamento moral
originam-se de três fontes básicas: do indivíduo, dos outros com os quais
esse indivíduo se relaciona e da realidade objetiva. Cada pessoa possui sua
própria vida, pensamento e características que, de alguma forma, orientam
suas ações. A convivência com outras pessoas também influencia valores,
normas e ações. Outros fatores objetivos decorrem de vivermos em um mundo
concreto que não podemos de todo controlar, criando a necessidade de
adaptação de nosso comportamento, ainda que seja simplesmente para
sobreviver.
O poder prescritivo, mandatário ou a validade de normas e valores podem
estar baseados em três atitudes. Uma possibilidade é considerá-los
absolutamente vinculantes, sendo moralmente inadequado deixar de seguilos. Este seria o caso do absolutismo, uma doutrina pela qual algumas normas
e valores devem ser obedecidos sem exceção. A versão objetiva dessa atitude
remonta a Platão, para o qual normas e valores residem no mundo das idéias
e devem ser seguidas mesmo em contradição com os costumes da sociedade
e os desejos eventuais de cada um. Tomás de Aquino retoma essa perspectiva
em sua teoria de direito natural, argumentando que Deus e a Razão seriam
as origens da correta orientação moral. Para Kant, a racionalidade humana é
a única fonte legítima de normas morais. O utilitarismo de Jeremy Bentham
é igualmente uma forma de objetivismo absoluto embasado na moralidade
do prazer e da dor e na busca da maior satisfação possível para o maior
número de pessoas.
208
Volume 1, n o 2, 2005
É questionável se o intersubjetivismo existiria como doutrina, o que
teoricamente significaria que normas contratualmente assumidas ou valores
sociais ou comunitários tradicionais deveriam ter prevalência absoluta como
fontes da ação e da moralidade. O problema, nesse caso, residiria naqueles
que não fazem parte do contrato social ou não pertencem à sociedade em
questão. Rawls, em sua teoria de justiça, retorna ao ideal absolutista kantiano
de que todos os seres racionais devem aderir ao contrato. MacIntire, crítico
da visão “comunitária” de Rawls, também termina por inspirar-se nas idéias
de Tomás de Aquino, de forma que essa posição, na matriz inicial, ficaria
vazia. Do mesmo modo, a versão subjetivista de que as normas de um indivíduo
devam prevalecer sobre as demais, não parece ter jamais recebido defesa
filosófica.
O relativismo estabelece que a validade de normas e valores está sempre
relacionada a um fenômeno ou ponto de vista em transformação. Não rejeita
todas as normas, mas se opõe a regras e princípios absolutos. A relativização
de costumes e leis no ocidente remonta ao Século XVIII por meio das visões de
Adam Smith, para quem o fator de mudança estaria na produção e distribuição
de bens e serviços e não na forma de pensar sobre eles. Hegel argumenta que
as idéias e as condições materiais que moldam o progresso histórico obedecem
a uma certa dialética em que conceitos morais são transformados e formas de
pensamento se sucedem. Neste sentido, Marx assume elementos de ambos os
autores, rejeitando a maioria dos valores burgueses ocidentais.
No Século XX, o relativismo foi estendido a sociedades intersubjetivas
especialmente em decorrência de trabalhos antropológicos que produzem
impacto no ocidente, com visões de outras culturas. A necessidade de
reconhecer a diversidade moral acentua-se após a II Guerra Mundial, com a
criação as Nações Unidas, quando se inicia o processo de regulamentação
das relações internacionais, incluindo códigos morais. A partir daí tomaram
maior vulto as tentativas para entender as moralidades de outros grupos e
garantir que qualquer indivíduo, em qualquer sociedade, pudesse mudar
suas circunstâncias de vida caso não conseguisse viver conforme aspectos
de sua cultura original. A variação subjetivista do relativismo lembra que
cada pessoa, cultura ou nação possui pontos de vista próprios. O “egoísmo
racional”, uma forma prudente ou tolerante de egoísmo, supõe que cada um
deva apreciar seus pontos de vista, reconhecendo que outros possuem suas
próprias visões a que igualmente concedem valor.
Outro ponto desta análise, o niilismo, estabelece que algumas ou todas
as normas e valores não são válidos e devem ser rejeitados. As motivações
209
Revista Brasileira de Bioética
para essa rejeição vão desde a irritação intelectual até considerações morais.
Quando aplicamos idéias niilistas a teorias morais objetivistas, há duas
conclusões possíveis. Se pudermos, por exemplo, ignorar regras kantianas
ou de Bentham (que são predominantemente altruístas), podemos estar
advogando alguma forma de egoísmo. Por outro lado, se combatemos o
universalismo desses valores comunitários ou contratuais, tendemos ao
existencialismo ou ao emotivismo.
A exigência de rejeitar normas subjetivas ou intersubjetivas faz parte,
geralmente, de formas tradicionais de objetivismo absoluto. Em termos de
valores humanos, portanto, Platão, Tomás de Aquino, Kant e Bentham podem
ser vistos como niilistas, já que negam a validade de alguns valores. Do
ponto de vista do existencialismo, esses autores estariam induzindo as pessoas
a viverem de modo “não autêntico” ou de “má fé”.
Após preencher as posições da tabela, o autor conclui o que seria, a seu
ver, o relativismo. Uma doutrina que: atribui valores a indivíduos, a todos os
indivíduos e não a um indivíduo isoladamente; busca, identifica e define
normas válidas em termos de contratos e valores compartilhados, ou seja,
em termos da interação humana e seus resultados; reconhece diferenças
culturais, históricas ou outras entre normas e valores, sem desqualificar
nenhum deles. Assim, segundo essa análise, o relativismo não é lealdade
social ou comunitária irrefletida ou egoísmo absoluto, noções que parecem
ter sido inventadas por escolas antagônicas de pensamento. Tampouco é
niilista, na medida em que não nega a validade de todas as normas e valores.
Caso a alternativa ao relativismo seja o objetivismo absoluto, isso iria
exigir um passo gigantesco para uma visão particular da natureza humana.
E sendo essa visão uma visão individual, ela significaria, no fundo, o egoísmo
absoluto. Nesse caso, o autor defende o relativismo como uma idéia que não
seria tão ruim.
O artigo é recomendável para todos aqueles que acompanham o panorama
internacional e as tentativas de julgamento de comportamentos específicos a
partir de determinados parâmetros da cultura ocidental. A busca de
abordagens conceituais contratuais para o estabelecimento de regras e valores
éticos pretensamanente universais, frequentemente deixa de fora grupos
com baixa capacidade de poder para garantir a validade de suas visões morais.
Nesse processo, valores discordantes passam a ser desqualificados, levando
a situações de intolerância, discriminação e conflito, que no bojo de uma
visão relativista poderiam ser resolvidas de forma mais construtiva e
compatível com a dignidade humana.
210
Volume 1, n o 2, 2005
É indispensável relembrar que diferenças no grau de desenvolvimento,
condições de vida, tradição histórica e o pluralismo cultural entre populações,
tornam imperativa a convivência de diversos sistemas de valores, que
permanecem existindo não obstante a imposição exógena de regras comuns.
O respeito a valores diferenciados de grupos humanos distintos, não impede
a identificação de eventuais parâmetros comuns que necessitam, contudo,
ser trabalhados de modo inclusivo, permitindo que visões discordantes sejam
apreciadas sem antagonismo a priori e que se conserve espaço para mudanças
decorrentes de novas situações e realidades.
O artigo de Häyry apresenta uma ferramenta interessante para avaliação
dos rumos atuais da bioética. Desconstrói, de modo sistemático, a conotação
negativa do relativismo imposta pelas correntes prevalentes da bioética e
amplia o espaço teórico para o surgimento de novas abordagens.
Ana Maria Tapajós
Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde – Ministério da Saúde, Brasília,
Distrito Federal, Brasil.
[email protected]
211
Revista Brasileira de Bioética
Documentos
Esta seção destina-se a apresentar documentos de interesse relevante para a bioética.
Apresentação
Entre os dias 20 e 24 de junho passado foi realizada em Paris, França, na
sede da UNESCO, a segunda e decisiva Reunião dos Experts
Governamentais de diferentes países membros daquele organismo para definir
o texto final da futura Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos.
O Brasil foi representado pela Delegação oficial do país na UNESCO chefiada
pelo Embaixador Antonio Augusto Dayrell de Lima, secundado pelo Ministro
Luiz Alberto Figueiredo Machado e pelo secretário Álvaro Luiz Vereda de
Oliveira. O prof. Volnei Garrafa, presidente da Sociedade Brasileira de
Bioética - SBB, assessorou a delegação brasileira como Delegado Oficial do
Evento, designado pelo Presidente da República por meio de ato oficial.
A reunião teve a participação de 90 países e se caracterizou por um
grande divisor de posições entre os países ricos e pobres. As posições dos
desenvolvidos, encabeçada por Estados Unidos, Alemanha, Canadá, Japão e
Reino Unido, defendia uma Declaração que restringisse a bioética aos tópicos
biomédicos / biotecnológicos. O Brasil teve papel decisivo na ampliação do
texto para os campos da bioética social e da bioética ambiental. Com o apoio
de todas as demais delegações latino-americanas presentes, secundadas
especialmente a da Argentina, pelos países africanos, Índia e Síria, o teor
final da Declaração pode ser considerado como uma grande vitória das nações
em desenvolvimento. No momento, a UNESCO está adaptando o documento
aos idiomas oficiais: inglês, francês, espanhol, russo, chinês e árabe. O formato
final será submetido à homologação, pela Assembléia Anual da UNESCO, a
ser realizada em outubro de 2005.
Pelo conteúdo da Declaração, principalmente no capítulo referente aos
princípios, os leitores poderão verificar o acerto da SBB quando a mesma
decidiu incursionar pelos caminhos da aproximação da bioética com a saúde
pública e os temas sociais, há alguns anos atrás. A definição do tema oficial do
VI Congresso Mundial realizado em Brasília, em novembro de 2002, já
prenunciava a ampliação da definição da bioética principalmente ao campo
social: “Bioética, Poder e Injustiça”. A tradução preliminar e livre da Declaração,
aqui apresentada em português, está sob a responsabilidade da Cátedra
UNESCO de Bioética da UnB. Finalmente a América Latina e o Brasil estão
mostrando ao mundo sua participação militante nos temas da bioética, com
resultados práticos e concretos, como é o caso da presente Declaração.
212
Volume 1, n o 2, 2005
ESBOÇO DA DECLARAÇÃO UNIVERSAL SOBRE BIOÉTICA E
DIREITOS HUMANOS
Paris, 24 de junho de 2005.
A Conferência Geral,
Consciente da capacidade exclusiva dos seres humanos de refletir sobre
sua própria existência e sobre o seu meio ambiente; de perceber a injustiça;
de evitar o perigo; de assumir responsabilidade; de buscar cooperação e de
demonstrar o sentido moral que dá expressão a princípios éticos,
Refletindo sobre os rápidos desenvolvimentos na ciência e na tecnologia,
que progressivamente afetam nossa compreensão da vida e a vida em si,
resultando em uma forte exigência de uma resposta global para as implicações
éticas de tais desenvolvimentos,
Reconhecendo que questões éticas suscitadas pelos rápidos avanços na
ciência e suas aplicações tecnológicas deveriam ser examinadas com o devido
respeito à dignidade da pessoa humana e universal respeito por, e
cumprimento dos, direitos humanos e liberdades fundamentais,
Decidindo que é necessário e oportuno para a comunidade internacional
declarar princípios universais que proporcionarão uma base para a resposta
da humanidade para os sempre-crescentes dilemas e controvérsias que a
ciência e a tecnologia apresentam para a raça humana e para o meio ambiente,
Recordando a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de
Dezembro de 1948, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os
Direitos Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 11 de
Novembro de 1997, e a Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos
Humanos, adotada pela Conferência Geral da UNESCO em 16 de Outubro
de 2003,
Considerando os dois Pactos Internacionais das Nações Unidas relativos
aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e aos Direitos Civis e Políticos,
de 16 de Dezembro de 1966, a Convenção Internacional das Nações Unidas
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 21 de
213
Revista Brasileira de Bioética
Dezembro de 1965, a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, de 18 de Dezembro
de 1979, a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de
20 de Novembro de 1989, a Convenção das Nações Unidas sobre a Diversidade
Biológica, de 5 de Junho de 1992, os Parâmetros Normativos sobre a Igualdade
de Oportunidades para Pessoas com Incapacidades, adotados pela Assembléia
Geral das Nações Unidas em 1993, a Convenção de OIT (n.º 169) referente
a Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, de 27 de Junho de
1989, o Tratado Internacional sobre Recursos Genéticos Vegetais para a
Alimentação e a Agricultura, adotado pela Conferência da FAO em 3 de
Novembro de 2001 e que entrou em vigor em 29 de Junho de 2004, a
Recomendação da UNESCO sobre a Importância dos Pesquisadores
Científicos, de 20 de Novembro de 1974, a Declaração da UNESCO sobre
Raça e Preconceito Racial, de 27 de Novembro de 1978, a Declaração da
UNESCO sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes para com as
Gerações Futuras, de 12 de Novembro de 1997, a Declaração Universal da
UNESCO sobre a Diversidade Cultural, de 2 de Novembro de 2001, o Acordo
sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao
Comércio (TRIPS) anexo ao Acordo de Marrakech, que estabelece a
Organização Mundial do Comércio, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de
1995, a Declaração de Doha sobre o Acordo de TRIPS e a Saúde Pública, de
14 de Novembro de 2001, e outros instrumentos internacionais relevantes
adotados pela Organização das Nações Unidas e pelas agências
especializadas do sistema da Organização das Nações Unidas, em particular
a Organização para a Alimentação e a Agricultura da Organização das Nações
Unidas (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS),
Observando, ainda, instrumentos internacionais e regionais no campo
da bioética, inc1uindo a Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e
da Dignidade do Ser Humano com respeito às Aplicações da Biologia e da
Medicina: Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina do Conselho
da Europa, adotada em 1997 e que entrou em vigor em 1999, juntamente
com seus protocolos adicionais, bem como legislação e regulamentações
nacionais no campo da bioética, códigos internacionais e regionais de conduta
e diretrizes e outros textos no campo da bioética, tais como a Declaração de
Helsinki, da Associação Médica Mundial, sobre Princípios Éticos para a
Pesquisa Biomédica Envolvendo Sujeitos Humanos, adotada em 1964 e
emendada em 1975, 1989, 1993, 1996, 2000 e 2002, e as Diretrizes Éticas
214
Volume 1, n o 2, 2005
Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo Seres Humanos, do
Conselho para Organizações Internacionais de Ciências Médicas, adotadas
em 1982 e emendadas em 1993 e 2002;
Reconhecendo que a presente Declaração deve ser interpretada de modo
consistente com a legislação doméstica e internacional em conformidade com
as regras sobre direitos humanos;
Tendo presente a Constituição da UNESCO, adotada em 16 de Novembro
de 1945,
Considerando o papel da UNESCO na identificação de princípios
universais baseados em valores éticos compartilhados para o desenvolvimento
científico e tecnológico e a transformação social, de modo a identificar os
desafios emergentes em ciência e tecnologia, levando em conta a
responsabilidade da geração presente para com as gerações futuras e que as
questões da bioética, as quais necessariamente possuem uma dimensão
internacional, deveriam ser tratadas como um todo, inspirando-se nos
princípios já estabelecidos pela Declaração Universal sobre o Genoma Humano
e os Direitos Humanos e pela Declaração Internacional sobre os Dados
Genéticos Humanos e levando em consideração não somente o atual contexto
científico, mas também desenvolvimentos futuros,
Conscientes de que os seres humanos são parte integral da biosfera,
com um papel importante na proteção um do outro e das demais formas de
vida, em particular dos animais,
Reconhecendo, com base na liberdade da ciência e da pesquisa, que os
desenvolvimentos científicos e tecnológicos têm sido e podem ser de grande
benefício para a humanidade inter alia no aumento da expectativa e na
melhoria da qualidade de vida, e enfatizando que tais desenvolvimentos
devem sempre buscar promover o bem-estar dos indivíduos, famílias, grupos
ou comunidades e da humanidade como um todo no reconhecimento da
dignidade da pessoa humana e no respeito universal e observância dos
direitos humanos e das liberdades fundamentais,
Reconhecendo que a saúde não depende unicamente dos
desenvolvimentos decorrentes das pesquisas científicas e tecnológicas, mas
também de fatores psico-sociais e culturais,
215
Revista Brasileira de Bioética
Reconhecendo, ainda, que decisões sobre questões éticas na medicina,
ciências da vida e tecnologias associadas podem ter um impacto sobre indivíduos,
famílias, grupos ou comunidades e sobre a humanidade como um todo,
Tendo em mente que a diversidade cultural, como uma fonte de
intercâmbio, inovação e criatividade, é necessária aos seres humanos e, nesse
sentido, é patrimônio comum da humanidade, embora enfatizando que este
não pode ser invocado à custa dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais,
Tendo em mente que a identidade de um indivíduo inclui dimensões
biológicas, psicológicas, sociais, culturais e espirituais,
Reconhecendo que condutas científicas e tecnológicas antiéticas já
produziram impacto específico em comunidades indígenas e locais,
Convencida de que a sensibilidade moral e a reflexão ética deveriam fazer
parte integral do processo de desenvolvimento científico e tecnológico e de
que a bioética deve desempenhar um papel predominante nas escolhas que
precisam ser feitas com relação às questões que emergem de tal desenvolvimento,
Considerando o desejo de desenvolver novos enfoques relacionados à
responsabilidade social de modo a assegurar que o progresso da ciência e
da tecnologia contribua para a justiça, a eqüidade e para o interesse da
humanidade,
Reconhecendo que conceder atenção à posição das mulheres é uma forma
importante de avaliar as realidades sociais e alcançar eqüidade,
Dando ênfase à necessidade de reforçar a cooperação internacional no
campo da bioética, levando particularmente em consideração as necessidades
específicas dos países em desenvolvimento, das comunidades indígenas e
das populações vulneráveis,
Considerando que todos os seres humanos, sem distinção, deve se
beneficiar dos mesmos elevados padrões éticos na medicina e nas pesquisas
em ciências da vida,
Proclama os princípios a seguir e adota a presente Declaração.
216
Volume 1, n o 2, 2005
DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1 – Escopo
a) A Declaração trata das questões éticas relacionadas à medicina, às
ciências da vida e às tecnologias associadas quando aplicadas aos seres
humanos, levando em conta suas dimensões sociais, legais e ambientais.
b) A presente Declaração é dirigida aos Estados. Quando apropriado e
pertinente, ela também oferece orientação para decisões ou práticas de
indivíduos, grupos, comunidades, instituições e empresas públicas e
privadas.
Artigo 2 – Objetivos
Os objetivos desta Declaração são:
(i) prover uma estrutura universal de princípios e procedimentos para
orientar os Estados na formulação de sua legislação, políticas ou outros
instrumentos no campo da bioética;
(ii) orientar as ações de indivíduos, grupos, comunidades, instituições
e corporações, públicas e privadas;
(iii) promover o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos
humanos, assegurando o respeito pela vida dos seres humanos e pelas
liberdades fundamentais, consistentes com a legislação internacional de
direitos humanos;
(iv) reconhecer a importância da liberdade da pesquisa científica e os
benefícios resultantes dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos,
evidenciando, ao mesmo tempo, a necessidade de que tais pesquisas e
desenvolvimentos ocorram conforme os princípios éticos dispostos nesta
Declaração e de que respeitem a dignidade humana, os direitos humanos e
as liberdades fundamentais;
(v) promover o diálogo multidisciplinar e pluralístico sobre questões
bioéticas entre todos os interessados e na sociedade como um todo;
217
Revista Brasileira de Bioética
(vi) promover o acesso eqüitativo aos desenvolvimentos médicos,
científicos e tecnológicos, assim como a maior circulação possível e o rápido
compartilhamento de conhecimento relativo a tais desenvolvimentos e a
participação nos benefícios, com particular atenção às necessidades de países
em desenvolvimento;
(vii) salvaguardar e promover os interesses das gerações presentes e
futuras; e
(viii)ressaltar a importância da biodiversidade e sua conservação como
uma preocupação comum da humanidade.
PRINCÍPIOS
Conforme a presente Declaração, nas decisões tomadas ou práticas
desenvolvidas por aqueles a quem ela é dirigida, os princípios a seguir
devem ser respeitados.
Artigo 3 – Dignidade Humana e Direitos Humanos
a) A dignidade humana, os diretos humanos e as liberdades
fundamentais devem ser respeitados em sua totalidade.
b) Os interesses e o bem-estar do indivíduo devem ter prioridade sobre
o interesse exclusivo da ciência ou da sociedade.
Artigo 4 – Benefício e Dano
Os benefícios diretos e indiretos a pacientes, participantes de pesquisa e
outros indivíduos afetados devem ser maximizados e qualquer dano possível a
tais indivíduos deve ser minimizado, quando se trate da aplicação e do avanço
do conhecimento científico e das práticas médicas e tecnologias associadas.
Artigo 5 – Autonomia e Responsabilidade Individual
Deve ser respeitada a autonomia dos indivíduos para tomar decisões,
quando possam ser responsáveis por essas decisões e respeitem a autonomia
218
Volume 1, n o 2, 2005
dos demais. Devem ser tomadas medidas especiais para proteger direitos e
interesses dos indivíduos não capazes de exercer autonomia.
Artigo 6 – Consentimento
a) Qualquer intervenção médica preventiva, diagnóstica e terapêutica
só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecida do
indivíduo envolvido, baseado em informação adequada. O consentimento
deveria, onde apropriado, ser manifesto e pode ser retirado pelo indivíduo
envolvido a qualquer momento e por qualquer razão, sem acarretar
desvantagem ou preconceito.
b) A pesquisa científica só deve ser realizada com o prévio, livre,
expresso e esclarecido consentimento da pessoa envolvida. A informação
deve ser adequada, fornecida de uma forma compreensível e deve inc1uir os
procedimentos para a retirada do consentimento. O consentimento pode ser
retirado pela pessoa envolvida a qualquer hora e por qualquer razão, sem
acarretar qualquer desvantagem ou preconceito. Exceções a este princípio
somente deveriam ocorrer quando em conformidade com os padrões éticos e
legais adotados pelos Estados, consistentes com as provisões da presente
Declaração, particularmente com o Artigo 27 e com os direitos humanos.
c) Em casos específicos de pesquisas desenvolvidas em um grupo de
pessoas ou comunidade, um consentimento adicional dos representantes
legais do grupo ou comunidade envolvida pode ser buscado. Em nenhum
caso, o consentimento coletivo da comunidade ou o consentimento de um
líder da comunidade ou outra autoridade deve substituir o consentimento
informado individual.
Artigo 7 – Pessoas sem a capacidade para consentir
Em conformidade com a legislação, proteção especial deve ser dada a
indivíduos sem a capacidade para fornecer consentimento:
a) a autorização para pesquisa e a prática médica deve ser obtida no
melhor interesse da pessoa envolvida e de acordo com a legislação nacional.
Não obstante, o indivíduo afetado deveria ser envolvido, na medida do possível,
tanto no processo de decisão do consentimento assim como no de sua retirada;
219
Revista Brasileira de Bioética
b) a pesquisa só deve ser realizada para o benefício direto à saúde do
indivíduo envolvido, estando sujeita à autorização e às condições de proteção
prescritas pela legislação e se não houver nenhuma alternativa de pesquisa
de eficácia comparável que possa incluir sujeitos de pesquisa com capacidade
para fornecer consentimento. Pesquisas sem potencial benefício direto à saúde
só devem ser realizadas excepcionalmente, com a maior restrição, expondo
o indivíduo apenas a risco e desconforto mínimos e quando se espera que a
pesquisa contribua com o benefício à saúde de outros indivíduos na mesma
categoria, sendo sujeitas às condições prescritas por lei e compatíveis com a
proteção dos direitos humanos do indivíduo. A recusa de tais pessoas em
participar de pesquisas deve ser respeitada.
Artigo 8 – Respeito pela Vulnerabilidade Humana e pela Integridade
Pessoal
A vulnerabilidade humana deve ser levada em consideração na aplicação
e no avanço do conhecimento científico, das práticas médicas e de tecnologias
associadas. Indivíduos e grupos de vulnerabilidade específica deveriam ser
protegidos e a integridade pessoal de cada indivíduo deveria ser respeitada.
Artigo 9 – Privacidade e Confidencialidade
A privacidade dos indivíduos envolvidos e a confidencialidade de suas
informações pessoais devem ser respeitadas. Da melhor forma possível, tais
informações não devem ser usadas ou reveladas para outros propósitos que
não aqueles para os quais foram coletadas ou consentidas, em consonância
com o direito internacional, em particular com a legislação internacionais
sobre direitos humanos.
Artigo 10 – Igualdade, Justiça e Eqüidade
A igualdade fundamental entre todos os seres humanos em termos de
dignidade e de direitos deve ser respeitada de modo que todos sejam tratados
de forma justa e eqüitativa.
220
Volume 1, n o 2, 2005
Artigo 11 – Não-Discriminação e Não-Estigmatização
Nenhum indivíduo ou grupo deve ser discriminado ou estigmatizado
por qualquer razão, o que constitui violação à dignidade humana, aos direitos
humanos e liberdades fundamentais.
Artigo 12 – Respeito pela Diversidade Cultural e pelo Pluralismo
A importância da diversidade cultural e do pluralismo deve receber a
devida consideração. Todavia, tais considerações não devem ser invocadas
para violar a dignidade humana, os direitos humanos e as liberdades
fundamentais nem os princípios dispostos nesta Declaração, ou para limitar
seu escopo.
Artigo 13 – Solidariedade e Cooperação
A solidariedade entre os seres humanos e cooperação internacional para
este fim devem ser estimuladas.
Artigo 14 – Responsabilidade Social e Saúde
a) A promoção da saúde e do desenvolvimento social para o seu povo é
um objetivo central dos governos, partilhado por todos os setores da sociedade.
b) Considerando que usufruir do mais alto padrão de saúde atingível é
um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça,
religião, convicção política, condição econômica ou social, o progresso da
ciência e da tecnologia deve ampliar:
(i) o acesso a cuidados de saúde de qualidade e a medicamentos
essenciais, incluindo especialmente aqueles para a saúde de mulheres e
crianças, porque a saúde é essencial à vida em si e deve ser considerada
como um bem social e humano;
(ii) o acesso a nutrição adequada e água de boa qualidade;
(iii) a melhoria das condições de vida e do meio ambiente;
221
Revista Brasileira de Bioética
(iv) a eliminação da marginalização e da exc1usão de indivíduos por
qualquer que seja o motivo; e
(v) a redução da pobreza e do analfabetismo.
Artigo 15 – Compartilhamento de Benefícios
a) Os benefícios resultantes de qualquer pesquisa científica e suas
aplicações devem ser compartilhados com a sociedade como um todo e na
comunidade internacional, em especial com países em desenvolvimento. Para
dar efeito a esse princípio, os benefícios podem assumir quaisquer das
seguintes formas:
(i) ajuda especial e sustentável e reconhecimento das pessoas e grupos
que tenham participado de uma pesquisa;
(ii) acesso a cuidados de saúde de qualidade;
(iii) oferta de novas modalidades diagnósticas e terapêuticas ou de
produtos resultantes da pesquisa;
(iv) apoio a serviços de saúde;
(v) acesso ao conhecimento científico e tecnológico;
(vi) facilidades para geração de capacidade em pesquisa; e
(vii) outras formas de benefício coerentes com os princípios dispostos na
presente Declaração.
b) Os benefícios não devem constituir indução inadequada para
estimular a participação em pesquisa.
Artigo 16 – Protegendo as Gerações Futuras
O impacto das ciências da vida nas gerações futuras, incluindo sobre
sua constituição genética, deve ser devidamente considerado.
222
Volume 1, n o 2, 2005
Artigo 17 – Proteção do Meio Ambiente, da Biosfera e da Biodiversidade
Devida atenção deve ser dada à inter-relação de seres humanos e outras
formas de vida, à importância do acesso e utilização adequada de recursos
biológicos e genéticos, ao respeito pelo conhecimento tradicional e ao papel
dos seres humanos na proteção do meio ambiente, da biosfera e da
biodiversidade.
APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS
Artigo 18 – Tomada de Decisão e o Tratamento de Questões Bioéticas
a) Devem ser promovidos o profissionalismo, a honestidade, a
integridade e a transparência na tomada de decisões, em particular na
explicitação de todos os conflitos de interesse e no devido compartilhamento
do conhecimento. Todo esforço deve ser feito para a utilização do melhor
conhecimento científico e metodologia disponíveis no tratamento e constante
revisão das questões bioéticas.
b) As pessoas e profissionais envolvidos e a sociedade como um todo
devem estar envolvidos regularmente no diálogo.
c) Deve-se promover oportunidades para o debate público pluralista,
buscando-se a manifestação de todas as opiniões relevantes.
Artigo 19 – Comitês de Ética
Comitês de ética independentes, multidisciplinares e pluralistas devem
ser criados, instituídos e mantidos em nível apropriado com o fim de:
(i) avaliar as relevantes questões éticas, legais, científicas e sociais
relacionadas a projetos de pesquisa envolvendo seres humanos;
(ii) prestar aconselhamento sobre problemas éticos em situações clínicas;
(iii) avaliar os desenvolvimentos científicos e tecnológicos, formular
recomendações e contribuir para a elaboração de diretrizes sobre temas
inseridos no âmbito da presente Declaração; e
223
Revista Brasileira de Bioética
(iv) promover o debate, a educação, a conscientização do público e o
engajamento com a bioética.
Artigo 20 – Avaliação e Gerenciamento de Riscos
Deve-se promover a avaliação e o gerenciamento adequado de riscos
com relação à medicina, às ciências da vida e às tecnologias associadas.
Artigo 21 – Práticas Transnacionais
a) Os Estados, as instituições públicas e privadas, e os profissionais
associados a atividades transnacionais devem empreender esforços para
assegurar que qualquer atividade no escopo da presente Declaração, que
seja desenvolvida, financiada ou conduzida de algum modo, no todo ou em
parte em diferentes Estados, seja coerente com os princípios da presente
Declaração.
b) Quando a pesquisa for empreendida ou conduzida em um ou mais
Estados [Estado(s) hospedeiro(s)] e financiada por fonte de outro Estado, tal
pesquisa deve ser objeto de um nível adequado de revisão ética no(s)
Estado(s) hospedeiro(s) e no Estado no qual o financiador está localizado.
Esta revisão deve ser baseada em padrões éticos e legais consistentes com
os princípios estabelecidos na presente Declaração.
c) Pesquisa transnacional em saúde deve responder às necessidades
dos países hospedeiros e deve ser reconhecida sua importância na contribuição
para a redução de problemas de saúde globais urgentes.
d) Na negociação de acordos para pesquisa, devem ser estabelecidos
os termos da colaboração e a concordância sobre os benefícios da pesquisa
com igual participação de ambas as partes.
e) Os Estados devem tomar medidas adequadas, em níveis nacional e
internacional, para combater o bioterrorismo, o tráfico ilícito de órgãos, tecidos
e amostras, recursos genéticos e materiais genéticos.
224
Volume 1, n o 2, 2005
PROMOÇÃO DA DECLARAÇÃO
Artigo 22 – Papel dos Estados
a) Os Estados devem tomar todas as medidas de caráter legislativo,
administrativo ou qualquer outro, adequadas de modo a implementar os
princípios estabelecidos na presente Declaração e em conformidade com a
legislação internacional e com os direitos humanos. Tais medidas devem ser
apoiadas por ações nas esferas da educação, formação e informação ao público.
b) Os Estados devem estimular o estabelecimento de comitês de ética
independentes, multidisciplinares e pluralistas, conforme o disposto no Artigo 19.
Artigo 23 – Informação, Formação e Educação em Bioética
a)
De modo a promover os princípios estabelecidos na presente
Declaração e alcançar uma melhor compreensão das implicações éticas dos
desenvolvimentos científicos e tecnológicos, em especial para os jovens, os
Estados devem envidar esforços para promover a formação e educação em
bioética em todos os níveis, bem como encorajar programas de disseminação
de informação e conhecimento sobre bioética.
b) Os Estados devem estimular a participação de organizações
internacionais e inter-governamentais regionais e de organizações nãogovernamentais internacionais, regionais e nacionais neste esforço.
Artigo 24 – Cooperação Internacional
a) Os Estados devem promover a disseminação internacional da
informação científica e estimular a livre circulação e o compartilhamento do
conhecimento científico e tecnológico.
b) Ao abrigo da cooperação internacional, os Estados devem promover
a cooperação cultural e científica e estabelecer acordos bilaterais e multilaterais
que possibilitem aos países em desenvolvimento construir capacidade de
participação na geração e compartilhamento do conhecimento científico, do
know-how relacionado e dos benefícios decorrentes.
225
Revista Brasileira de Bioética
c) Os Estados devem respeitar e promover a solidariedade entre
Estados, bem como entre indivíduos, famílias, grupos e comunidades, com
atenção especial para aqueles tornados vulneráveis por doença ou
incapacidade ou por outras condições pessoais, sociais ou ambientais e
aqueles com maior limitação de recursos.
Artigo 25 – Ação de acompanhamento pela UNESCO
a) A UNESCO promoverá e disseminará os princípios da presente
Declaração. Para tanto, a UNESCO buscará e o apoio e assistência do Comitê
Intergovernamental de Bioética (IGBC) e do Comitê Internacional de Bioética
(IBC).
b) A UNESCO reafirmará seu compromisso em tratar de bioética e em
promover a colaboração entre o IGBC e o IBC.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Artigo 26 – Inter-relação e Complementaridade dos Princípios
A presente Declaração deve ser interpretada na sua totalidade e seus
princípios devem ser compreendidos como complementares e interrelacionados. Cada princípio deve ser considerado no contexto dos demais,
de forma pertinente e adequada a cada circunstância.
Artigo 27 – Limitações à Aplicação dos Princípios
Se a aplicação dos princípios da presente Declaração tiver que ser
limitada, tal limitação deve ocorrer em conformidade com a legislação,
incluindo a legislação referente aos interesses de segurança pública, para a
investigação, descoberta e acusação por crimes, para a proteção da saúde
pública ou para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Quaisquer
dessas legislações devem ser consistentes com a legislação internacional
sobre direitos humanos.
226
Volume 1, n o 2, 2005
Artigo 28 – Recusa a atos contrários aos direitos humanos, às liberdades
fundamentais e dignidade humana
Nada nesta Declaração pode ser interpretado como podendo ser invocado
por qualquer Estado, grupo ou indivíduo, para envolvimento em qualquer
atividade ou prática de atos contrários aos direitos humanos, às liberdades
fundamentais e à dignidade humana.
Tradução: Mauro Machado do Prado e Ana Tapajós
Revisão: Volnei Garrafa
Cátedra UNESCO de Bioética da Universidade de Brasília, Brasília,
Distrito Federal, Brasil.
227
Revista Brasileira de Bioética
Teses, dissertações e monografias
Esta seção destina-se a divulgar as teses de doutorado, dissertações de mestrado e
monografias de especialização aprovadas em diferentes programas de pós-graduação em
bioética no país. Os trabalhos aqui elencados foram enviados pelos coordenadores dos
respectivos cursos. A RBB está aberta à divulgação de novos trabalhos.
Monografias de Especialização - 2003
V Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Bioética da UnB.
Universidade de Brasília, Distrito Federal.
Coordenador: Prof. Dr. Volnei Garrafa.
Autores: Cássia Regina de Paula Paz, Gilmar Gonzaga e Maria do Carmo F.
Queiros.
Título: A importância relacional entre o ser humano e o meio ambiente sob a
perspectiva da guerra: um enfoque bioético.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Alberto Cordón Portillo.
Autores: Cláudia C. Guimarães e Ricardo J. de Faria.
Título: Uma contribuição da bioética ao debate sobre os problemas
relacionados ao álcool.
Orientadora: Profª Dra. Tereza Cavalcanti F. Araújo.
Autores: Bianca Barros Pedro e Marco Aurélio Versiani.
Título: Enfoque bioético da autonomia e vulnerabilidade docente frente à
violência discente – estudo de caso.
Orientador: Prof. MSc. João Geraldo Bugarin Júnior.
Autores: Anelise Krause G. Costa, Diane Maria Scherer K. Lago, Érica Correia
Coelho e Sandra Mari Bachi.
Título: A interdisciplinaridade nas práticas de saúde: reflexões bioéticas sobre
o projeto de lei que define o “Ato Médico”.
Orientador: Prof. MSc. Mauro Machado do Prado.
Autores: Irene Lôbo, Juliana Figueiredo de Andrade e Rodrigo Caetano.
Título: Genoma humano, para quem?
Orientador: Prof. Dr. Volnei Garrafa.
228
Volume 1, n o 2, 2005
III Curso de Especialização em Bioética da UEL.
Universidade Estadual de Londrina, Paraná.
Coordenador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.
Autor: Juliano Tutida.
Título: Odontologia para bebês: reflexões sobre um fato ocorrido.
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.
Autora: Lauana Bolzani Viana Rosa.
Título: Em busca do cuidar e do cuidado.
Orientador: Prof. Dr. Lourenço Zancanaro.
Autora: Luciana Grange.
Título: O cientista e a sociedade: um resgate.
Orientadora: Profª. Dra. Olívia Márcia N. Arantes
.
Autor: Luis Javier Miranda Mc Nally.
Título: Organizações não governamentais um novo paradigma ético-social.
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.
Autora: Maria Sueli Benassi .
Título: Mulheres intervindo na realidade para mudar a mentalidade.
Orientador: Prof. Dr. Leonardo Prota.
Autora: Ogle Beatriz Bacchi de Souza.
Título: Uma experiência de esclarecimentos em massa sobre doação de órgãos
e transplantes.
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira.
Autora: Sueli da Silva Paulino.
Título: Visão ética: possibilitando uma ação holística de cuidar.
Orientador: Prof. Dr. Nilson Giraldi.
Autora: Sueli Fernandes da Costa.
Título: As faces a destruição e a busca pela reconstrução.
Orientador: Prof. Dr. Nilson Giraldi.
229
Revista Brasileira de Bioética
III Curso de Especialização em Ética Aplicada e Bioética da Fiocruz.
Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
Coordenadora: Profª Dra. Marlene Braz.
Autora: Giselane L. Figueiredo Salamonde.
Título: Os diferentes métodos clínicos em bioética.
Orientadora: Profª. Dra. Marlene Braz.
Autor: Luiz Vianna Sobrinho
Título: Estudo do agente moral. Avaliação de um grupo de médicos em um
centro de terapia intensiva frente à questão eutanásia – distanásia.
Orientador: Prof. Dr. Fermin Roland Schramm.
Autora: Maria Cristina Lopes Pereira.
Título: A ética e o patenteamento de seres vivos e material biológico.
Orientador: Prof. Dr. José Luiz Telles de Almeida.
Autor: Paulo Augusto Alves
Título: A relação médico do trabalho/trabalhador. Discussão à luz da ética
aplicada.
Orientadora: Profª. Dra Marisa Palácios.
Autor: Rafael Guimarães Botelho
Título: Análise dos aspectos éticos das memórias de Licenciatura em Educação
Física que envolvem seres humanos de uma instituição de ensino superior
no Estado do Rio de Janeiro – 1997 a 2002.
Orientadora: Profª. Dra. Rita Leal Paixão.
II Curso de Especialização em Bioética da USP.
Universidade de São Paulo, São Paulo.
Coordenador: Prof. Dr. Marco Segre.
Autor: Eduardo Nunes Pacheco de Morais.
Título: A autonomia e o Planejamento Familiar.
Autora: Eliana Menabó.
Título: Dilemas e evolução da pesquisa clínica em seres humanos no
século XX.
230
Volume 1, n o 2, 2005
Autora: Elisabete da Silva Montesano.
Título: A ética em pesquisas envolvendo seres humanos.
Autora: Erika Franco de Carvalho.
Título: Morte encefálica.
Autor: Fábio José Donario Carvalho.
Título: A importância dos documentos médicos na relação médico-paciente.
Autora: Felicia Knobloch.
Título: Bioética e subjetividade.
Autor: Flavius Lucilius Buratto Nunes.
Título: A bioética em face do sagrado.
Autor: Guilherme Rubino de Azevedo Focchi.
Título: Assédio moral entre médicos.
Autora: Iara Alves de Camargo.
Título: O emprego de cédulas tronco como recurso terapêutico e suas
implicações éticas.
Autor: José Arnaldo Soares Vieira.
Título: DNA e crimes sexuais. Aspéctos bioéticos.
Autor: Liris Delma de Lima e Silva Azevedo.
Título: O alumbramento do homem uma contribuição da poesia à bioética.
231
Revista Brasileira de Bioética
Normas Editoriais
Para enviar seu artigo à Revista Brasileira de Bioética - RBB siga as normas
editoriais abaixo:
Serão aceitos manuscritos originais relacionados às seguintes seções
l Artigos originais – produção resultante de pesquisa de natureza
empírica, documental ou conceitual no campo da ética, ou revisão crítica
relacionada a esta temática;
l Resenha de livros;
l Atualização científica - resumo e comentários de artigos científicos recentes;
l Relação de teses, dissertações e monografias.
Requisitos para apresentação de manuscritos
l
Serão publicados textos em português, espanhol e inglês;
O texto deve ser precedido do título, em caixa alta e negrito, seguido
pelo(s) nomes(s) do(s) autor(es);
l Resumos: os textos deverão ser acompanhados de breve resumo (abstract);
os artigos submetidos em português ou espanhol deverão ter resumo no
idioma original e em inglês, com um máximo de 20 linhas cada um (aproximadamente 1.100 caracteres), incluindo as palavras-chave.
l Palavras-chave: mínimo de quatro e máximo de seis palavras-chave
descritoras do conteúdo do trabalho, apresentadas na língua original e
em inglês;
l Notas de rodapé: deverão ser apresentadas no formato de pé de página, sem ultrapassar 5 linhas, seguidas de autor e data.
l Os textos devem ser acompanhados por folha de rosto com os seguintes itens: título do texto, autor(es), com e-mail e telefones; nome da respectiva instituição por extenso. Em caso de dois autores, ambos devem
cumprir tais exigências;
l Os artigos que divulgam pesquisa envolvendo seres humanos devem
estar acompanhados da aprovação por um Comitê de Ética em Pesquisa –
CEP; explicitar a qual comitê foi submetido; e anexar a cópia da aprovação da pesquisa no CEP;
l A revista não publicará gráficos, tabelas ou fotografias;
l O artigo deve ser enviado em meio eletrônico (email ou disquete, em
processador de texto Word for Windows), acompanhado por três cópias
em papel.
l O tamanho limite dos artigos é de 20 laudas, ou aproximadamente 450
linhas, em papel A4, letra Times New Roman, tamanho de fonte 12,
espaço 1,5. As referências bibliográficas não contempladas nos exemplos abaixo deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e as regras correntes do idioma brasileiro.
l
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Volume 1, n o 2, 2005
Referências bibliográficas
No corpo do texto citar unicamente o sobrenome do autor e ano de publicação entre
parêntesis, (AZEVEDO, 2002) ou (PESSINI & BARCHIFONTAINE, 2000.) Em citações com mais de dois autores, deve aparecer apenas o sobrenome do primeiro,
seguido da expressão et al., e o ano, como (SIQUEIRA et al, 2003).Todas as referências citadas no texto devem fazer parte das referências bibliográficas. Títulos de
periódicos, livros, locais, editoras e instituições não devem ser abreviados. Nas
referências bibliográficas, artigos com vários autores devem ser citados com todos
os nomes. No caso de mais de cinco autores, citar o primeiro seguido de et al.
Livro:
OLIVEIRA, M. de F. de. Oficinas mulher negra e saúde. Belo Horizonte, Mazza,1998.
Capítulo de livro:
ANJOS, M. F. dos. Bioética nas desigualdades sociais. In: GARRAFA, V. & COSTA,
S. I. (Orgs.). A Bioética do Século XXI. Brasília, Editora Universidade de Brasília,
49-65, 2000.
Artigo:
SCHRAMM, F. R. A autonomia difícil. Bioética. 6(1): 27-38, 1998.
ZOBOLI, E. L. C. P. & MASSAROLO, M. C. K. B. Bioética e consentimento: uma
reflexão para a prática da enfermagem. O Mundo da Saúde, 26 (1): 65-70, 2002.
Ávila, G. N. de; Ávila G.A. de & Gauer, G.J.C. Is the unified list system for organ
transplants fair? Analysis of opinions from different groups in Brazil. Bioethics, 17
(5-6): 425-431, 2003.
Tese/Dissertação:
ALBUQUERQUE, M. C. Enfoque bioético da comunicação na relação médico-paciente
nas unidades de terapia intensiva pediátrica. Tese de Doutorado em Ciências da
Saúde - Área de Concentração: Bioética, Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília, 2002.
Resumo publicado em Anais de Congresso:
CAPONI, S. Os biopoderes e a ética na pesquisa. VI Congresso Mundial de Bioética,
Brasília: Anais, 219, 2002.
Publicações de Governo:
BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa. Normas para Pesquisas Envolvendo Seres Humanos (Res. CNS
nº 196/96 e outras). Brasília, Ministério da Saúde, 2002.
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Revista Brasileira de Bioética
Documentos jurídicos:
BRASIL. Lei n° 8.974, de 5 de janeiro de 1995. Regulamenta os incisos II e V do
parágrafo 1° do art. 225 da Constituição Federal, estabelece normas para o uso das
técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, DF, 6 jan., 1995.
Internet:
SEGRE, M. A propósito da utilização de células-tronco. Disponível, em :< http://
www.consciencia.br/reportagens/celulas/11.shml/>. Acesso em: 5 set. 2004.
Para onde enviar:
Revista Brasileira de Bioética
Setor de Rádio e Televisão Norte, SRTVN, Quadra 702, Edifício Brasília
Rádio Center, conjunto P, sala 1.014.
CEP: 70.719 – 900
[email protected]
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Volume 1, n o 2, 2005
Ficha de afiliação à SBB
Nome:................................................................................................................................................
Sexo: F
M
Naturalidade:................................... Nacionalidade:............................................................
RG:...................................................... Órgão Expedidor:.......................................................
CPF:.................................................... Data Nascimento:.......................................................
Endereço Residencial:...............................................................................................................
Bairro:................................. Cidade:.............................. Estado:.................... Cep:................
Tel: ( )............................... Fax: ( )............................ e-mail:..............................................
Instituição onde trabalha:.......................................................................................................
Cargo atual:................................................................................................................................
Fone: ( ).............................. Fax: ( )............................ e-mail:..............................................
Qualificação Profissional (Graduação):.................................................................................
Maior titulação acadêmica:.....................................................................................................
Áreas de interesse específico na bioética:...........................................................................
........................................................................................................................................................
Assinatura
Valor da anuidade / 2005 – R$ 125,00
Depósito – Banco Brasil, Agência 3475 – 4 conta corrente 10247 – 4
Favor preencher a ficha de afiliação e enviar junto com o comprovante de depósito
bancário à SBB.
Ficha de assinatura da RBB
Nome:...........................................................................................................................................
Instituição....................................................................................................................................
Endereço.....................................................................................................................................
Bairro:....................................... Cidade:......................... Estado:.................... Cep:................
Fone: ( ).............................. Fax: ( )............................ e-mail:..............................................
Referente ao ano de......................
Valor da anuidade da RBB: R$ 80,00 (quatro números por ano)
Depósito – Banco Brasil, Agência 3475 – 4 conta corrente 10247 – 4
Favor preencher a ficha e enviar junto com o comprovante de depósito bancário à SBB.
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Revista Brasileira de Bioética
Setor de Rádio e Televisão Norte, SRTVN, Quadra 702, Edifício Brasília
Rádio Center, conjunto P, sala 1.014.
CEP: 70.719 – 900
[email protected]
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