o falso madeira - Seminário Vitivinicultura Atlântica

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o falso madeira - Seminário Vitivinicultura Atlântica
O FALSO MADEIRA
A TRADIÇÃO E CONHECIMENTO DA VINHA E VINHO NOS ESPAÇOS INSULARES ATLÂNTICOS
Alberto Vieira1
CEHA-Madeira
...en las Islas Canarias pusiesen en práctica porque los vinos que producen
aquellas islas lograsen el mismo grado de vino de La Madeira hasta llegar las
noticias de todas las naciones, pues es bien sabido y notorio que aquel precioso
licor de Las Canarias tiene la misma virtud que el de la isla de La Madeira y
por alta de no ser los dichos vinos tratados del mismo modo que los de la isla
de La Madeira, no se les da estimación, pues es notado de todas las naciones, y
en especial de los ingleses, que son los que frecuentan más este ramo de
comercio que dicen que, tratados que sean los vinos de las Canarias como se
practica en dicha isla de La Madeira, aun llegarán a ser mejores por el clima
de aquellas islas.
Francisco Chacón, 17846
Versão provisória
Não citar sem autorização do autor
1.ALBERTO VIEIRA. n.1956. S. Vicente Madeira. Títulos Académicos e Situação Profissional: 2008- Presidente do CEHA, 1999 - Investigador
Coordenador do CEHA, 1991- Doutor em História (área de História dos Descobrimentos e Expansão Portuguesa), na Universidade dos Açores.
PUBLICAÇÕES (apenas os livros individuais): O Bordado da Madeira, Funchal, Bordal (com edição tb em inglês); 2005- A freguesia de S.
Martinho, 213pp; 2005-JOÃO HIGINO FERRAZ. Copiadores de Cartas (1898-1937), de colaboração com Filipe dos Santos, 418pp; 2005- Açúcar,
Melaço, Álcool e Aguardente. Notas e Experiências de João Higino Ferraz (1884-1946), de colaboração com Filipe dos Santos, 636pp; 2005-A Vinha
e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV-XX, Funchal, CEHA,585pp; 2001: História da Madeira [coordenação de manual de apoio ao ensino],
399pp; 2001: Autonomia da Madeira. História e Documentos [cdrom]; 2001:Associação dos Bombeiros Voluntários Madeirenses. Breves
Apontamentos Históricos, ABVM. 131Pp; 2001:A Nau Sem Rumo, NSR. 87Pp; 1999: Do Éden à Arca de Noé - o Madeirense e o quadro natural,
Funchal, 330pp; 1999: As Luzes da Festa, SIRAM, 119pp; 1998: CDROM: Obras clássicas de Literatura del Vino, compilação de livros e introdução,
Madrid, Fundación Historica Tavera; 1998: Las Islas Portuguesas, compilação de livros e introdução, Madrid, Fundación Historica Tavera; 1998: O
Vinho da Madeira (com Constantino Palma), Lisboa, 143pp; 1998: O Açúcar, Expo 98. Pavilhão da Madeira, 64pp; 1998: O Vinho, Expo 98. Pavilhão
da Madeira, 64pp; 1998: Publico e o Privado na História da Madeira. II. As cartas particulares de João de Saldanha, Funchal. CEHA, 224pp; 1997:
Vicente Um Século de Vida Municipal (1868-1974), Funchal. 167Pp; 1997: CDROM: Elucidário Madeirense de Fernando Augusto da Silva e Carlos
Azevedo de Menezes, coordenação da edição, Funchal, CEHA; 1997:Publico e o Privado na História da Madeira. I. As cartas particulares de Diogo
Fernandes Branco, Funchal. CEHA, 273pp; 1996: A Rota do Açúcar na Madeira, de Colaboração com Francisco Clode, Funchal, 220pp; 1995: Guia
para a História e Investigação das ilhas Atlânticas, Funchal, 414pp; 1993: História do Vinho de Madeira. Textos e documentos, Funchal, 431pp;
1992: Portugal y Las Islas del Atlântico, Madrid, 316pp; 1991: Os Escravos no Arquipélago da Madeira. Séculos XV-XVII, Funchal, 544pp; 19891990: Breviário da Vinha e do Vinho na Madeira, Ponta Delgada, 79pp +115pp; 1987: O Arquipélago da Madeira no século XV, Funchal (de
colaboração com o Prof. Dr. Luís de Albuquerque). 73Pp; 1987:O Comércio Inter-Insular (Madeira, Açores e Canárias). Séculos XV-XVII, Funchal,
228pp.
RESUMO.:
Foi na Madeira onde pela primeira vez se plantaram os vinhedos do espaço insular Atlântico que ganharam
fama universal. Sabemos que da ilha seguiram cepas para os Açores e até mesmo para Canárias. Mas a
História traçou um rumo distinto para os vinhos de cada arquipélago que só se voltam a cruzar em pleno
século XVIII. A Madeira tinha então grande saída no mercado norte-americano e a sua oferta não dava para
as encomendas. Daí a presença do chamado falso Madeira. E para que isso fosse possível havia necessidade
de copiar as técnicas de vinificação, entender algumas especificidades, com os vidonhos mais comuns, as
técnicas de vinificação mais comuns, a possibilidade de uso das estufas. É neste quadro que o vinho da
Madeira se diferencia dos demais, usando técnicas específicas de vinificação, como a a estufagem e
fortificação pelas aguardentes importadas ou da região. Neste quadro de evolução tecnológica é de salientar
os trabalhos de D. João da Câmara Leme e João Higino Ferraz.
ABSTRACT:
It was in Madeira Island, where for the first time, vines were planted in the Atlantic Insular area. From here it
spread to the Azores and the Canary Islands where each had its individual history joining routes during the
18th century. By this time Madeira had gained an important position within the North American market and
the demanding exceeded what the Island had to offer. Thus, the emerging of the false Madeira Wine. And in
order to make it possible one had to copy the wine making techniques, and understand the particularities,
such as the common vindonhos, and the possibility of using greenhouses (estufas). Madeira Wine become
unique through the use of different wine making techniques such as the cooking of the wine in the
greenhouses and the fortification by adding brandy both imported and locally made. In this field of
technological evolution one has to highlight the work of D. João da Câmara Leme and João Higino Ferraz.
PALAVRAS CHAVE.:
Açores, Canárias, História da Ciência, História da Tecnologia, História do Vinho, ilhas, Madeira,vinificação,
vinho, Tecnologia.
KEYWORDS.:
Azores, Canary, History of Science, History of Technology, Islands, Madeira, technology, vinification, wine,
Wine history.
O vinho é uma presença indelével no devir histórico da cristandade Ocidental e esta comunhão
perfeita que não pode ser ignorada. Acompanhou os primeiros cristãos nas catacumba. Expandiu-se
com a Europa monástica. Perseguiu a diáspora cristã além oceano. A dupla presença no ato litúrgico
e alimentação traçou-lhe o caminho e o protagonismo histórico.
As ilhas atlânticas são exemplo disso. Mesmo em casos onde a cultura teria dificuldades em se
adaptar, como foi o caso de Cabo Verde, os europeus fizeram aí chegar algumas cepas e produzir
vinho. Apenas na Madeira e nas Canárias a fama se igualou à dimensão comercial, pautando um
animado movimento com os mercados europeus e americanos.
A concorrência entre estes dois vinhos foi evidente a partir do século XVII. À disputa pelo mercado
inglês seguiu-se a conquista do norte-americano no século XVIII. Do outro lado do oceano a
Madeira conseguiu usufruir de uma melhor posição mercê dos favorecimentos dos tratados e leis de
navegação. Já aos Açores as condições endafoclimáticas retiraram-lhe valor em algumas das ilhas,
excetuando-se o caso das ilhas do Pico e Graciosa onde o produto se igualou ao madeirense e
canariano, não assumido no mercado atlântico a mesma dimensão.
Em qualquer dos casos o mercado do vinho insular foi feito a pensar no mundo colonial, não
obstante muitos dos seus apreciadores terem-se iniciado no velho continente, que foi o primeiro e
mais antigo mercado dos vinhos insulares. Os vinhos da Madeira e Canárias que desde o século XV
tiveram uma presença assídua nas mesas da aristocracia europeia e o verdelho do Pico que corria
nos palácios do czares das Rússia.
As ilhas identificam-se perante a História norte-americana por aquilo que lhes concedeu, isto é, o
vinho. A partir do século XVIII as ilhas -Açores, Canárias e Madeira - são conhecidas pela
documentação e historiografia como as ilhas do vinho2. Esta visão unitária vai ao encontro do papel
comum e competitivo que o vinho lhes atribuiu no mercado americano. Ainda em alguns dos
registos alfandegários norte-americanos do século XVIII o vinho da Madeira surge juntamente com
o dos Açores3.
INTERCONEXÕES INSULARES. A Madeira pela posição charneira entre os Açores e as
Canárias e da anterioridade no processo de povoamento, foi, desde meados do século XV, um
importante viveiro fornecedor de colonos para estes arquipélagos e um elo de ligação entre eles. A
ilha funcionou mais como polo de emigração para as ilhas do que como área receptora de
imigrantes. Se excetuarmos o caso dos escravos guanches e a inicial vinda de alguns dos primeiros
conquistadores de Lanzarote, podemos afirmar que o fenómeno é quase nulo, não obstante no
século dezasseis os açorianos surgirem com alguma evidência no Funchal. Nas Canárias a presença
dos insulares portugueses assume diversa razão. Assim enquanto os madeirenses se situam
maioritariamente no sector do comércio e dos ofícios, os açorianos são trabalhadores, muitas vezes
sazonais, ligados às atividades agrícolas.
O papel da Madeira neste sistema de inter-relações e a importância da comunidade madeirense
neste arquipélago é destacado por todos os autores que se têm dedicado ao tema; os inúmeros
estudos realizados nos últimos anos vão no sentido desta valoração. Aliás, já J. Perez Vidal havia já
chamado a atenção para o papel da Madeira neste quadro de influências e relações 4. É certo que
2
3
. GUIMERÁ RAVINA, Agustin, "Las islas del vino (Madeira, Azores y Canarias) y la America inglesa durante el siglo XVIII", in Colóquio
Internacional de História da Madeira, Funchal, 1989, pp.900-934.
. A. D. Francis, The Wine Trade, Edinburg, 1973, p.216; Ch. M.Andrews, The Colonial Period of american History, H. Haven, 1964, p.112
4 Buena parte de los portugueses estabelecidos en Canarias y los que traficaban con estas islas procedía, como se habrá visto, de la Madeira. Era un
hecho perfectamente natural. Ambos archipiélagos constituían sendas avanzadas de Portugal y España en sus empresas de descubrimiento; fronteras
bases en el arranque de los caminos maritimos hacia las nuevas tierras. Entre uno y outro era importante y frecuente el intercambio; pero la corriente
estamos perante uma presença variada de portugueses de todas as regiões do país 5, mas esta
familiaridade canário-madeirense foi dominante no quadro de relacionamentos, jogando a ilha um
papel chave.
A presença e influência portuguesa nas Canárias que assumiu grande impacto a partir da Madeira
registou-se a vários níveis da sociedade e economia deste arquipélago vizinho. O movimento
permanente de gentes portuguesas trouxe associado, formas de falar, usos e costumes mas também
técnicas e produtos de que os mesmos acabaram por ser os promotores, porque surgem também na
qualidade de agricultores e operários especializados dedicados às diversas tarefas de transformação
dos produtos. Assim, é evidente a associação dos madeirenses à divulgação das culturas do pastel,
da vinha e da cana-de-açúcar. O leque de atividades em que se empenharam os portugueses é
variado indo desde o comércio, às atividades produtivas ligadas ao sector agrícola e aos diversos
ofícios.
Hoje sabemos que a comunidade portuguesa em Canárias propiciou inúmeras influências, ainda
visíveis nas aportações linguísticas e etnográficas. Neste caso são evidentes nos portuguesismos na
nomenclatura dos ofícios, utensílios e produtos a que estiveram ligados: açúcar, vinho, pesca,
construção civil e fabrico de calçado6. Muitas das técnicas e nomenclatura associada a estas
atividades estão indissociavelmente ligadas a estes e mostram na maioria dos casos que são de
proveniência portuguesa, quase sempre com passagem pela Madeira.
Se tivermos em conta o pioneirismo madeirense na agricultura de produção para o mercado, assente
nas culturas da vinha e dos canaviais não será difícil de associar mais esta influência à prática destas
culturas nas Canárias, onde vemos também muitos madeirenses relacionados. Assim, se foram os
madeirenses a levar algumas cepas e canaviais, também deverão ter juntado as técnicas e formas de
trabalho e transformação destas culturas para as adequar ao mercado de exportação. Para a cana-deaçúcar foram as técnicas de regadio, como também os engenhos de moenda, enquanto para a vinha
notamos idênticas similitudes nas latadas de La Palma, como nas tipologias dos lagares 7. Recordese a este propósito que a Madeira fornecia estes ilhas de arcos e madeira para pipas.
A HISTÓRIA DO VINHO. Sem dúvida que no universo do vinho das ilhas um dos que mais se
evidenciou foi o da Madeira. O luzidio rubinéctar que continua a correr nos cálices de cristal é, não
só, a materialização da pujança económica presente, mas também, o testemunho de um passado
histórico de glórias. Prende-o à ilha da Madeira uma tradição de mais de cinco séculos. Nele refletese a época de resplendor e os momentos de crise.
No esquecimento de todos fica, quase sempre, a parte amarga da labuta diária do colono no campo e
nas adegas, o árduo trabalho das vindimas, os borracheiros no seu passo cadenciado — denunciado
pelo eco dos seus cantares — por entre as encostas da ilha. Para recriar esta ambiência torna-se
necessário agarrar os restos materiais e documentos e fazê-los reviver a labuta sazonal, ou antes,
desbobinar o filme do quotidiano de luta que se esconde por entre a ferrugem, a traça e o pó.
principal se dirigía del de la Madera al de las Canárias: la Madera alcanzó pronto una gran población relativa: la conquista de las Canárias terminó
mucho después: además las Canárias se hallaban más al sur y más próximas al Africa, precisamente en la dirección que seguía wentonces el
incontenible movimiento de expansión atlántica. Perez Vidal, J., 1991: 59
5
Diversos autores destacam a presença de portugueses de outras regiões. Veja-se Perez Vidal, J., 1991:59-64; Morera, Marcial, 1994: 1617; Brito González, Alexis, 1997:49, 116-118; Lobo Cabrera, Manuel, 1979, Protocolos de Alonso Gutierrez (1520-1521),Tenerife, p.18
6. Confronte-se PEREZ VIDAL, J.,1991,
Las Palmas; PEREZ VIDAL, J.,1985, Estudios de Etnografia y Folklore, Santa Cruz de Tenerife,
pp.44-102; MORERA, Marcial, 1990, Lengua y colónia en Canarias, La Laguna, MORERA, Marcial, 1991, Las hablas de Canarias, Puerto del
Rosario, MORERA, Marcial, 1993, La formación del vocabulario canario, La Laguna; MARTIN RODRIGUES, Gabriel, 1978, Arquitectura
Domestica Canaria, Santa Cruz de Tenerife, pp.24-48;
7
Fernandes-Armesto, Felipe, 1982, The canary Islands after the conquest, Oxford; Afonso Peres, Leoncio, 1984, Miscelanea de Temas
Canarios, Santa Cruz de Tenerife, pp.229-230. Note-se que a este proposito da vinha e do vinho Rodriguez Rodriguez, J. (1976), La vid y
los vinos de Canarias, Santa Cruz de Tenerife, apresenta como sendo de proveniência andaluza.
O Vinho Madeira, celebrado por poetas e apreciado por monarcas, príncipes, generais, exploradores
e expedicionistas, perdeu nos últimos cem anos o seu mercado, situação que se procura alterar na
atualidade. Isto resulta da conjuntura criada, entre finais do séc. XVIII e princípios do séc. XIX. A
grande procura fez nascer da água e do fogo quantidades apreciáveis de vinho velho a que sucedeu
o fastio em 1814. Mais tarde a natureza fez acabar com as cepas de boa qualidade, fazendo-as
substituir pelo produtor directo que se manteve lado a lado com as castas europeias numa
promiscuidade escandalosa. O presente anuncia o retorno ao passado e das castas tradicionais.
O Vinho Madeira, desde tempos recuados, adquiriu fama no mundo colonial europeu, tornando-se a
bebida preferida do militar e aventureiro em terras da América ou da Ásia. Escolhido pela
aristocracia colonial, o vinho manteve-se com lugar cativo no mercado londrino, europeu e colonial.
O ilhéu desde o último quartel do século XVI fez mudar os canaviais por vinhedos, os quais
alastraram a todas as terras cultivadas, devorando a floresta a sul e a norte. Nesta autêntica febre
vitícola o madeirense esqueceu que devia semear cereais e plantar árvores de fruto.
O vinho era a sua única fonte de sustento pois com ele adquiria-se o alimento necessário, trazido
pelas embarcações americanas, ou a indumentária e manufaturas inglesas. Tudo isto era trocado por
pipas de vinho. Estamos perante uma troca desigual de produtos que se afirmou como lesiva para o
madeirense. Viveu a Madeira, desde o século XVII a princípios do XIX, embalada pela opulência
derivada do comércio do vinho. Com tão avultados proventos, o madeirense deixou-se vencer pelo
luxo exuberante do meio aristocrático londrino. O íncola habituou-se à vida cortesã europeia,
copiou os hábitos ingleses e, nas suas quintas rodeadas de sumptuosos vinhedos e jardins passou a
copiá-los até ao mais ínfimo pormenor.
A presença da vinha na Madeira como nas demais ilhas era uma inevitabilidade do mundo cristão.
O ritual religioso fez do pão e do vinho os dois elementos substanciais da sua prática, fazendo-os
símbolos da essência da vida humana e do seu Salvador. Por isso o vinho e o pão avançaram
conjuntamente com a Cristandade, levados por monges e bispos. Tal realidade veio revolucionar os
hábitos alimentares do ocidente cristão, a partir do séc. VII, estabelecendo o comer pão e beber
vinho como o símbolo do sustento humano. Em meados do século XV, com o processo de ocupação
e aproveitamento da ilha, é dada como certa a introdução de cepas vindas do reino e mais tarde as
celebres do Mediterrâneo.
A Madeira foi a primeira ilha a merecer uma ocupação efetiva e desde então a vinha e o vinho estão
presentes na sua história. João Gonçalves Zarco, Tristão Vaz Teixeira e Bartolomeu Perestrello, que
receberam o domínio das capitanias do arquipélago, sob a direção do monarca e do Infante D.
Henrique, procederam ao desbravamento e ocupação do solo com diversas culturas trazidas do reino
— o trigo, a vinha e a cana. Num lapso de tempo a paisagem da ilha transformou-se. Das escarpas
brotaram as culturas e o denso arvoredo foi cortado para construir habitações e erguer latadas.
Os cronistas apontam que as primeiras videiras que deram fama ao vinho da Madeira vieram das
ilhas do Mediterrâneo, mas de certeza que os os homens e as técnicas de plantio e ligadas à
vinificação vieram do reino. Do norte de Portugal, mais propriamente de Entre-Douro-E-Minho, de
onde são originários a maioria destes primeiros colonos. Daí a presença dos chamados embarrados,
como dos lagares traçados na pedra firme.
Nas planuras ribeirinhas do oceano, onde havia local para varar um barco surgiu o Homem na sua
fúria constante contra a natureza a traçar socalcos que fez decorar de dourados trigais e de
verdejantes canaviais e vinhas. No Funchal do funcho fez resplandecer os campos de trigo
entremeados, aqui e acolá, por canaviais e vinhedos. Em Câmara de Lobos, depois de afugentados
os lobos marinhos, subiu encosta acima de picareta na mão traçando o rendilhado dos socalcos
donde fez plantar a videira pachorrentamente descansadas em vistosas latadas.
Rapidamente a vinha conquistou o solo ilhéu em todas as direções tornando-se o vinho um produto
importante na atividade agrícola do ilhéu. Já em 1455 Cadamosto ficara deslumbrado com o que viu
na área vitícola do Funchal; «...tem vinhos, mesmo muitíssimo bons, se considerar que a ilha é
habitada há pouco tempo. São em tanta quantidade, que chegam para os da ilha e se exportam
muitos deles». O vinho na Madeira do séc. XV apresentava-se já com um produto competitivo do
trigo e do açúcar, com grande peso na economia local, sendo desde o início um potencial produto do
mercado externo da ilha. Os testemunhos abonatórios da importância no comércio externo são
múltiplos. Destes releva-se o elogio de Shakespeare em algumas das peças de teatro, tanto ao vinho
da Madeira como ao de Canárias.
Com o tempo os trigais e canaviais deram lugar às latadas e balseiras e a vinha tornou-se na cultura
exclusiva do colono madeirense, à qual este deu todo o seu engenho e arte. Tudo isto projetou o
vinho para o primeiro lugar na atividade económica da ilha, mantendo-se por mais de três séculos.
O ilhéu, desde o último quartel do séc. XVI, apostou em exclusivo na cultura da vinha, tirando dela
o necessário para o sustento diário e, igualmente, para manter uma vida de luxo, sumptuosos
palácios e igrejas.
Se em 1547 para Hans Standen a economia da ilha assentava no binómio vinho/açúcar, já em 1578
Duarte Lopes colocava o vinho em primeiro lugar nas exportações para em 1669 o cônsul francês
afirmar que o vinho era o negócio principal da ilha. A documentação dos sécs. XVIII/XIX é
unânime em considerar o vinho como a principal e total riqueza da ilha, a única moeda de troca.
Diz-se até que a Madeira não tinha com que acenar aos navios que por aí passavam, ou a
demandavam, senão o copo de vinho. Tudo isto fez aumentar a dependência externa da economia
madeirense.
Contra a política exclusivista imposta pelo mercantilismo inglês manifestaram-se, quer o
governador e capitão general Sá Pereira, em regimento de agricultura para o Porto Santo, quer o
corregedor e desembargador António Rodrigues Veloso nas instruções que deixou em 1782 na
Câmara da Calheta, quando aí esteve em alçada. Mas foi tudo em vão, ninguém foi capaz de frenar
a "febre vitícola", nem de convencer o viticultor a abandonar a vinha.
Vivia-se um momento de grande procura do vinho no mercado internacional e as colheitas eram
insuficientes para satisfazer a grande procura. Perante tão desusada solicitação socorria-se dos
vinhos inferiores do norte da ilha e até mesmo dos vinhos dos Açores e Canárias para poder saciarse o sedento colonialista europeu.
Desde o século XV que o vinho ilhéu traçou a rota no mercado internacional, acompanhando o
colonialista nas expedições e fixação na Ásia e América. O comerciante inglês, aqui fixado desde o
séc. XVII, soube tirar partido do produto fazendo-o chegar em quantidades volumosas às mãos dos
compatriotas que se haviam espalhado pelos quatro cantos do mundo colonial europeu. Vários
fatores fizeram com que o comerciante inglês se instalasse na ilha e cá se afirmasse como um
potencial negociante do vinho. Merecem referência as condições favoráveis exauridas nos tratados
luso-britânicos e o favorecimento que as regulamentações britânicas do comércio colonial atribuíam
à Madeira.
As Canárias eram o competidor direto da Madeira no mercado europeu e colonial. Deste modo a
união peninsular não parece ter sido favorável ao vinho madeirense pois se abriu o mercado
colonial, usufruindo as Canárias de uma posição privilegiada na rota de ida para a Africa e América.
A situação que se anuncia em 1640 abre novas perspectivas para o malvasia da Madeira, o retorno a
uma situação de privilégio do mundo português, a que se junta o britânico. A partir daqui o
competidor mais direto será o vinho dos Açores, produzido nas ilhas Graciosa e do Pico.
O movimento do comércio do vinho da Madeira ao longo dos sécs. XVIII e XIX se imbrica de
modo direto no traçado das rotas marítimas coloniais que tinham passagem obrigatória na ilha. A
estas rotas fundamentais juntavam-se outras subsidiárias, quase todas sob controlo inglês: são as
rotas da Inglaterra colonial que faziam do Funchal porto de refresco e carga de vinho no percurso
para os mercados das Índias Ocidentais e Orientais, donde regressavam, via Açores, com o recheio
colonial. Também os navios portugueses da rota das Índias, ou do Brasil escalavam a ilha onde
recebiam o vinho que conduziam às praças lusas. São ainda os navios ingleses que se dirigem à
Madeira com manufaturas e fazem o retorno tocando Gibraltar, Lisboa, Porto.
E, finalmente, os navios norte-americanos que traziam as farinhas que asseguravam o sustento
diário do madeirense e regressavam carregados de vinho. Por todas estas razões o vinho ilhéu
conquistou, desde o séc. XVI, o mercado colonial em África, Ásia e América afirmando-se até
meados do séc. XIX como a bebida por excelência do colonialista e das tropas coloniais em ação.
Regressado o colonialista à terra de origem, com o surto do movimento independentista, trouxe na
bagagem o vinho da ilha e fê-lo apreciar pelos patrícios.
O momento de apogeu da exportação do vinho da Madeira para estes mercados situa-se entre finais
do séc. XVIII e princípios do séc. XIX, altura em que a saída atingiu a média de 20.000 pipas. Mais
de 2/3 do vinho exportado destinava-se ao mercado colonial americano, de que se destacam as
Antilhas, as plantações do sul da América do Norte e N. York. A primeira metade do séc. XIX é
pautada por uma acentuada alteração na geografia do mercado consumidor do vinho da Madeira. É
o período de afirmação dum novo para cobrir as exigências de novos e velhos apreciadores. A
Inglaterra e a Rússia tomaram o lugar do mercado colonial a partir de 1831.
A esta mudança temos de associar a concorrência do vinho de França, Espanha e Cabo. Mais uma
vez o curso da História atraiçoou-nos. O fim das guerras europeias, em princípios do séc. XIX,
abriu as comportas do vinho europeu ao potencial mercado colonial asiático e americano. A retirada
do colonialista das áreas colonizadas fez perder o gosto pelo vinho da ilha. Os primeiros sintomas
surgem a partir de 1814, agravando-se de ano para ano. As colheitas de 1819 a 1821 mantiveram-se
estagnadas nos armazéns, por isso em 1820 vinte mil pipas aguardavam comprador. O retrato
verdadeiro da situação está patente na voz de desespero do homem da época: «Estão as casas ricas
de vinho, pobres de sustento e de alimento». Por tudo isto a recordação do período que decorre dos
anos de 1840 a 1860 faz-se com muita dor e lágrimas. Foi esta a época de maior sofrimento do
íncola.
Hoje, passados mais de quinhentos anos sobre a introdução da vinha na Madeira, todos nós temos
bem vivo um imenso rol de recordações dos tempos áureos de apreciação e comércio do vinho. Mas
infelizmente a imagem passou já à História. À euforia da grande procura sucedeu-se a crise dos
mercados, agravada, ademais, pela presença das doenças que atacaram a vinha (oídio e filoxera).
A crise do sector produtivo, fruto de fatores botânicos alastrou rapidamente a todo o espaço vitícola
insular com efeitos semelhantes na economia destes espaços e no mercado do vinho. Com isto
perdeu-se a ligação ancestral com as tradicionais castas europeias mas, em contrapartida,
conquistou-se novas variedades americanas. Também as dificuldades conduziram à debandada dos
agentes comerciais que lhe traçaram o mercado, perdendo-se, no meio desta desgraça, a maior parte
da documentação particular. Por isso, ao historiador que pretende rastrear este inolvidável percurso
deparam-se dificuldades na sua revelação. Apenas a Madeira conseguiu paulatinamente recuperar os
seus mercados ou conquistar novos, como se prova pela situação atual.
Os vinhos dos Açores e das Canárias seguem uma trajetória semelhante ao da Madeira. Note-se que
foram os madeirenses que levaram as primeiras cepas para as ilhas açorianas. Todavia se no caso
das Canárias a afirmação é já do século XV concorrendo de forma direta com o da Madeira no
mercado inglês, a atestar pelas assíduas referências de Shakespeare, já para os Açores isso só
acontecerá a partir do século XVII. Mesmo assim a grande disputa foi sempre entre o malvasia da
Madeira e os caldos de Tenerife. Primeiro foi a disputa e conquista do mercado europeu a que se
seguiu o mercado colonial. As Canárias ainda se intrometeram no comércio com Cabo Verde e
ibero-América, mas as limitações impostas não facilitaram o trafico.
O século XVII anuncia-se como um momento de viragem do mercado atlântico do vinho de que a
Madeira conseguiu levar a melhor na preferência do mercado norte-americano e das colónias
inglesas das Antilhas. O vinho Madeira havia-se transformado numa moda e os viticultores e
comerciantes, nomeadamente de Tenerife, para sobreviver tiveram de se sujeitar a fabricar um vinho
semelhante ao Madeira que era depois conduzido para as colónias por navios ingleses 8. Também
está documentada a prática de baldeação com o de Tenerife para depois era vendido com o rótulo de
Madeira. O século XVIII foi o momento de afirmação do falso e verdadeiro Madeira9.
Não temos dados documentais que corroborem a ida de cepas madeirenses para as Canárias, mas é
muito natural que assim tenha acontecido. Uma análise e recurso aos testemunhos da linguística e
Etnografia atestam diversas similitudes em algumas designações e técnicas, que deverão estar
ligadas a esta influência de colonos madeirenses.
O aspecto mais evidente que une os dois arquipélagos em torno da cultura prende-se com a disputa
do mercado e a posição preferencial que a Madeira assumiu no mercado colonial britânico, por
força dos tratados luso-britânicos10, que deu azo às situações que se seguem.
O vinho das Canárias concorreu de forma direta com o da Madeira no mercado britânico já no
século XV, a atestar pelas referências de Shakespeare. Para o vinho dos Açores foi apenas a partir
do século XVII. A grande luta foi sempre entre o malvasia da Madeira e os caldos de Tenerife. Da
disputa pelo mercado europeu passou-se ao colonial.
O século XVII foi o momento de viragem do mercado atlântico do vinho conseguindo a Madeira
levar a melhor na preferência do mercado norte-americano e colónias nas Antilhas. O vinho
Madeira era uma moda. Os viticultores e comerciantes de Tenerife para poderem sobreviver tiveram
que se sujeitar ao fabrico de um vinho semelhante ao Madeira, ou à baldeação com o de Tenerife
para depois venderem com o rótulo de Madeira 11. O século XVIII foi a época de afirmação do falso
e verdadeiro Madeira12.
Em princípios do século XVI fala-se da malvasia de Canárias no mercado londrino, numa posição
concorrencial com a da Madeira, mas só a partir de meados da centúria o vinho adquiriu dimensão
de relevo nas exportações. No caso de Tenerife sabe-se que até à década de trinta necessitou de
importar vinho, definindo-se medidas limitativas da importação desde meados da centúria 13. Deste
modo as Canárias, a exemplo da Madeira, repartem o vinho entre a velha Europa e os novos
8 . Burguesia extranjera y comercio Atlantico. La empresa comercial irlandesa en Canarias(1703-1771), Santa Cruz de Tenerife, 1985, pp.317-332;
G.L.Beer, The Old Colonial System. 1660-1754, N. York, vol. II, 1912, p. 287.
9 . Alberto Vieira, Breviário da Vinha e do Vinho na Madeira, Ponta Delgada, 1991, p.30-31.
10 . Sobre a História do Vinho Madeira veja-se Vieira, Alberto, 2003, A Vinha e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV a XX, Funchal,
CEHA.
11 . 1985, Burguesia Extranjera y Comercio Atlantico. La Empresa Comercial Irlandesa en Canárias (1703-1771),
Santa Cruz de Tenerife,
pp.317-332; Beer, G.L. , 1912, The Old Colonial System. 1660-1754, N. York, vol. II, p. 287.
12 . Vieira, Alberto, 1991, Breviário da Vinha e do Vinho na Madeira, Ponta Delgada, p.30-31.
13 . Martínez Galindo, Pedro M., 1998, La Vid y el Vino en Tenerife en la Primera Mitad del Siglo XVI, La Laguna,
pp.259 e segs.
espaços de ocupação do outro lado do Atlântico, como Puerto Rico, Santo Domingo e Cuba14.
A partir de meados do século XVII as Canárias competem diretamente com a Madeira no domínio
do mercado do vinho britânico. A união peninsular não terá sido favorável ao vinho madeirense,
uma vez que abriu as portas do mercado colonial ao vinho de Canárias. A conjuntura económica
que se anunciou em 1640 abriu novas perspectivas para o Malvasia da Madeira, com o retorno da
posição de privilégio no mundo português e britânico. O competidor directo era apenas o vinho dos
Açores, produzido nas ilhas Graciosa e do Pico.
Os pactos de amizade entre as coroas de Portugal e Inglaterra sedimentaram as relações comerciais
favorecendo a oferta do vinho madeirense e açoriano nas colónias britânicas da América Central e
do Norte, como o determinavam as leis de navegação a partir de Carlos II, aprovada em 1641 15. A
situação de privilégio concedida ao vinho dos arquipélagos portugueses repercutiu-se
negativamente na economia das Canárias sendo um travão ao desenvolvimento da economia
vitivinícola, a partir de finais do século XVII 16. E. Steckley, não obstante documentar uma época de
prosperidade no comércio com Inglaterra, anuncia a crise que se aproximava: Así pues durante
dicha centuria algunos de los antiguos mercados canarios de vino se estancaron y las islas
portuguesas demonstraron ser unos competidores capaces y eficientes para los nuevos mercados
americanos de vino17. A mesma ideia aparece no estudo de António Macíaz e Agustin Millares
Cantero, que definem o período de 1640 a 1670 com de crisis del prolongado esplendor económico,
como resultado de la oferta madeirense y de o porto que comenzó a sustituir a la Canaria en el
mercado ingles18. A criação em 1665 da Companhia dos mercadores de Londres e a reação popular
que gerou com o derrame dos vinhos conduziu inevitavelmente à perda de importância do malvasia
de Canárias no mercado europeu em favor do Jerez.
O casamento de Carlos II de Inglaterra com D. Catarina de Bragança foi o prelúdio da conjuntura
favorável ao vinho Madeira, sendo referido por Viera y Clavijo como um golpe tan feliz para la isla
de la Maderas como infausto para las Canárias 19. A guerra de Cromwell contra Espanha levou ao
encerramento do mercado londrino, no período de 1655 a 1660, ao vinho de Canárias e ao
estabelecimento de medidas preferenciais para o das ilhas portuguesas. O texto da ordenança de
1663, repetido mais tarde na de 1665, era claro: Wines of the growth of Maderas, the Western
Islands or Azores, may be carried from thence to any of the lands, islands, plantatinos, & colonies,
territories or places to this majesty belonging, in Asia, Africa or America, in english built ships.20
Com o fim da guerra de fronteiras entre Portugal e Espanha e a assinatura das pazes em Madrid a 5
de Janeiro de 1668, ratificadas a 13 de Fevereiro em Lisboa, restabeleceram-se os contactos entre os
dois arquipélagos21. O reforço das relações é testemunhado pela presença de Bento de Figueiredo no
Funchal como cônsul castelhano22. Não acabaram aqui as dificuldades pois apenas com as pazes de
14 . Torrres Santana, Elisa, 2003, História del Atlantico. El comercio de la Palma con el Caribe 1600-1650. Relaciones de Interdependência, La
Palma, p.179; Lobo Cabrera, Manuel, 1988, El Comercio Canário Europeo Bajo Filipe II, Funchal, pp.120-123.
15. CROFT-COOKE,1961, Rupert, Madeira, Londres, pp.26-28; SIMON, André L.,1928, "Introduction" e
"Notes on Portugal Madeira
and the Wines of Madeira", in The Bolton Letters. Letters of an English Merchant in Madeira 1695-1714, Londres.
16. Bethencourt MASSIEU, A., 1956,
"Canarias Y Inglaterra. el Comercio de Vinos(1650-1800)", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.2,
pp.195-308: IDEM, 1977, "Canarias y el Comercio de Vinos(siglo XVII)", in Historia General de las Islas Canarias, tomo, III, 266-273;
17. 1981, "La Economia Vinicola de Tenerife en el Siglo XVII: Relación Anglo-espanola en un Comercio de Lujo", in
Aguayro, nº. 138,
Las Palmas, p. 29
18. 1984, "Canarias en la Edad Moderna (circa 1500-1850)", in
Historia de Los Pueblos de Espana. Tierras Fronterizas(I) Andalucia Canarias,
Madrid, pp.319, 321
19. Citado por LORENZO-CÁCERES, A.,1941, Malvasia y Flastaff. los Vinos de Canarias, La Laguna, p.19.
20. SIMON, André L.,1928, "Notes on Portugal, Madeira and the Wines of Madeira", in The Bolton Letters. Letters of an English Merchant
in Madeira 1695-1714, Londres.
21. A coroa insistiu na nova situação, recomendando às autoridades madeirenses que publicitassem o que foi feito por meio de um
bando a 8 de Maio. Veja-se ARM, CMF (Câmara Municipal do Funchal), nº.1215, fls.37vº-38
22. Ibidem, nº.1215, fls.58-58vº, 17 de Dezembro de 1672.
Ultrecht de 1713 se abriram novas perspectivas de negócio, quando os vinhos madeirenses e
açorianos haviam conquistado uma posição sólida no mercado colonial e britânico.
O arquipélago das Canárias encontrava-se na posição de perdedor e a braços com uma crise
económica por falta de escoamento do vinho23. Procuraram-se várias alternativas no sentido de
debelar a crise e encontrar um bom mercado para os caldos canarios. A moda do vinho Madeira nas
colónias britânicas levou-nos à falsificação.
O falso Madeira, de Canárias ou dos Açores, foi uma dificuldade mais para a afirmação da
hegemonia do Madeira no mercado colonial britânico24. A questão persistiu no decurso do século
XVIII e goradas as iniciativas diplomáticas houve que esperar até que em 1778 se anunciou uma era
nova para o vinho Madeira, com o livre comercio para as Índias e a abertura do mercado norteamericano em consequência da independência proclamada em 177625. A situação reflete-se de forma
positiva nas exportações entre 1790 e 181426.
AS ILHAS DO FALSO MADEIRA. Na segunda metade do século XVIII a situação preferencial
do vinho Madeira no mercado atlântico, nomeadamente nos Estados Unidos da América e colónias
britânicas, conduziu a que os espaços produtores vizinhos procurassem todos os meios para
poderem usufruir desses mercado usado para tal o nome do Madeira, daí a designação de falso
Madeira.
Ora para que isso acontecesse havia necessidade de conhecer a viticultura e técnicas de vinificação
usadas na ilha. Nomeadamente a vinificação madeirense assumia uma forma particular, com a
utilização desde muito cedo do sistema de calor, como forma de envelhecimento do vinho, através
da exposição ao solo e depois das estufas, que aparecem em 1794. Esta forma distinta da vinificação
madeirense obrigou aos seus imitadores usar de informes que permitissem adaptar as técnicas
madeirenses à vinificação, como foi o caso de Tenerife de que temos dois informes de finais do
século XVII, aqui reunidos no final da presente comunicação27.
Várias são as situações, com expressão na documentação madeirense, que retratam esta realidade do
falso Madeira exportado para os mercados americanos, de forma velada através da baldeação feita
com vinhos dos Açores e Canárias no mar alto ou em pleno porto do Funchal. O mecanismo de
falsificação passava pelos aspectos técnicos relacionados com a vinificação, que muitas vezes era
solucionado com a mistura proporcional do vinho Madeirense com o das outras ilhas, como da
cópia das técnicas de vinificação usadas. Todavia não temos conhecimento que quer nos Açores,
quer nas Canárias se tenham usado as estufas.
A baldeação externa com o vinho dos Açores e Canárias adquiriu importância no debate entre 1783 e
1810. A situação parece que foi prática corrente nos momentos de maior procura de vinho. A Junta
havia permitido a entrada de vinho do reino e ilhas para o consumo das tabernas, o que foi aproveitado
pelas praças estrangeiras para a falsificação do vinho.
Esta prática era comum aos diversos agentes de exportação de vinho dos três arquipélagos. Por parte
dos Açores e das Canárias era a possibilidade de uma saída eficaz para os seus vinhos, para muitos dos
23. STECKLEY, G., art.cit., pp.25-31.
24 Guimerá Ravina, Agustin, Burguesia extrangera y Comercio Atlântico, p.330.
25 . Cf. Béthencourt Massieu, A., 1995, Canarias Y Inglaterra. el Comercio de Vinos (1650-1800), Las Palmas.
26 . Macias Hernández, A. M., 1995, La Economia Moderna (siglos XV-XVIII), in Historia de Canárias, Las Palmas.
27 Cf. Hernandez Gonzalez, Manuel, 1994, Madeira Canárias y las islas del Caribe. La Difusion de las ideas a través de las relaciones mercantiles en
el siglo XVIII, in As Sociedades Insulares no contexto das Interinfluencias Culturais do Século XVIII, Funchal, pp.159-184; Guimera Ravina,
Agustin, 1998, Vinificacion en los Puertos Atlanticos: Madeira a finales del siglo XVIII, in Actas do III simpósio da Associação Internacional de
História e Civilização da Vinha e do Vinho, Funchal, pp.69-82.
madeirenses eram também a possibilidade de aumentar os seus negócios e corresponder à insistente
demanda de vinho, que por diversas vezes suplantava as reais capacidades de produção do arquipélago.
Recorde-se que nesta época todo o vinho, bom e mau produzido na ilha tinha saída e raras vezes dava
para as necessidades da demanda externa, esgotando-se anualmente todos os stocks da produção.
Várias situações aconteceram na praça madeirense que obrigaram a diversas intervenções e apelos das
autoridades. Neste sentido temos o facto de alguns negociantes terem decidido tirar certidões autênticas
de forma a desvanecer a desconfiança sobre a qualidade do vinho exportado e impedir que qualquer
boato pudesse perigar o negócio. Em 178328 o vinho recuperava o mercado americano e por isso a
introdução, baldeação e franquia deste género (vinho das Canárias), não só seria temível exemplo
para o futuro, mas ainda poderia atrair uma bem fundada suspeita de que este vinho seria d'aqui
exportado a título de vinho da Madeira, mas que resultaria um considerável prejuízo há estabelecida
reputação do comércio exportativo que faz florescer este estado". Daí a interdição da entrada de 100
pipas de vinho, que então se pretendia, não sendo permitido o despacho nem por baldeação, nem por
franquia29.
Em 179130 Carlos Maurray, Cônsul geral inglês, em representação dirigida a Luís Pinto de Sousa,
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, manifestou-se contra a fraude praticada
por alguns comerciantes que exportavam vinhos da Madeira para as Canárias, onde os lotavam com
os aí produzidos, mais baratos e de inferior qualidade. Dos navios que desviaram a rota para às
Canárias entre 1784/7, temos o Duque de Bragança, Invencível, Santíssimo Sacramento, Cara
Assada, Trindade31.
O vinho dos Açores surge em 180032 num pedido de Domingos Oliveira Júnior em que era solicitado o
desembarque de 80 pipas de vinho do Faial, transportadas no bergantim Bom Nome, apresentando
como justificação as descargas permitidas em 1796 aos vinhos das Canárias e de Clarete. O Senado 33,
nobreza, povo e comerciantes nacionais e estrangeiros 34, a Junta da Fazenda e o Governador 35,
levantaram-se em uníssono argumentando que a importação dos vinhos de inferior qualidade para
depois serem reexportados como procedentes da Madeira, arruinaria o comércio dos vinhos da ilha36. A
documentação diz-nos que os vinhos, quer das Canárias e Açores, quer de Málaga e Catalunha, foram
admitidos, atingindo-se as 200 pipas37.
Para obviar a situação decidiu-se em 22 de Dezembro de 1800 38 colocar marcas nas pipas e mais
vasilhas em que se exportavam os vinhos da Madeira e dos Açores ao mesmo tempo que em 1817 se
proibia a saída de vasilhas vazias para fora da ilha39. Segundo o cônsul e homens de negócios as
providências sobre as marcas do vasilhame para exportação do vinho não evitavam as fraudes, antes as
facilitavam, pelo que clamavam por uma melhor regulamentação40.
Marcelino Gomes, Guarda de número da Alfândega41, apresentara um plano para melhorar a
28
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32
33
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35
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37
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39
40
41
ANTT, PJRFF, nº 942, p. 120.
ANTT, AF, nº 237, fol. 210vº.
AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1253.
Idem, nº 1254.
Idem, nº 1221 e 1255.
Idem, nº 1204, 1219, 1220, 1259.
Idem, nº 1203; ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.
Idem, nº 1218.
Idem, nº 1260.
Idem, nº 1263/1272.
Idem, nº 1252, 1222; em 1817 proibiu-se a saída de vasilhame vazio, ARM, RGCMF, T. 1, fols. 147vº/148.
Idem, nº 4531/4532; ARM, RGCMF, T. 14, fols. 147vº/148.
Idem, nº 1251; ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.
Idem, nº 4511.
arrecadação dos direitos reais42 e medidas conducentes a impedir a entrada de todo e qualquer vinho, a
baldeação interna e externa. O plano consistia num regimento do ofício de tanoeiros da cidade do
Funchal43 e no regimento dos oficiais da Mesa da Inspecção dos vinhos da ilha da Madeira 44. Não
houve consenso manifestando-se contra o Juiz da Alfândega, Manuel Caetano César de Freitas 45 e a
favor o Corregedor, Manuel Caetano d'Almeida e Albuquerque, que as achavam razoáveis e úteis 46.
Outra medida, mais eficaz foi a de tornar obrigatório o uso de manifestos singulares e outros
documentos autênticos que depois seriam examinados nos países de destino47.
Em 181048 desembarcaram no calhau por contrabando algumas pipas de vinho da ilha Terceira. O
Senado da Câmara, colocado perante a situação, insiste no comprimento da lei para que se fique
entendendo que de nenhuma maneira se tolera a introdução de vinhos estrangeiros para que se não
animem os contrabandistas a repetir a especulação na certeza do castigo que os espera e se evitem a
equivocação na qualidade e quebra no preço dos vinhos da Madeira, único ramo de comércio deste e
se evite em uma palavra a ruína total de todas as classes de seus habitantes e dos direitos de sua
Alteza Real. Por tudo isto, segundo informação à margem do citado documento, se derramou o referido
vinho em 9 de Março de 1810 na praça do Pelourinho.
As dificuldades do mercado na segunda década do século XIX levaram a reclamações contra a
introdução de vinho de fora em que se incluía o proveniente do reino. A situação repetiu-se na década
de trinta e nos anos sessenta49. Por ordens de 181250 e de 181451 proibiu-se a entrada de qualquer vinho
e a baldeação ou franquia, de modo a evitar qualquer subterfúgio que venha a diminuir a estima dos
vinhos da Madeira52.
Em 1819 aludia-se à baldeação externa como prática que estava na origem do estado em que a ilha se
encontrava: Outras muitas providências são precisas para derevidar (sic) nas praças estrangeiras o
crédito do nosso vinho também manchado pela mistura que alguns negociantes dele fazem em vinho
estufado de Canárias e Faial, ganhando com prejuízo mais de cento por cento. Selando-se os vasos de
embarque com marca distintiva, fazendo-se manifestos para aparecer em todos, também com
fiscalização por via dos cônsules portugueses para verificar a identidade do vinho Madeira, assim
como pratica a companhia do Porto, que faz os seus embarques debaixo de chancela do seu
conservador com manifestos volantes por todas as praças a anunciar que só é vinho de feitoria, o que
leva aquele selo de autenticidade, mas é melhor corrigir, primeiro os males do interior reintegrando o
vinho à sua generosidade natural e imediatamente quando já nos não poderem encrepar com
retracção de inferior infâmia, fazer-se uso desta medida...53.
Para o período de 1817 a 1822 temos a decisão da Junta em comprar os melhores vinhos da ilha, como
forma de restaurar a fama e qualidade no mercado externo, relegando para segundo plano o comércio
dos vinhos ordinários ou baldeados. Com isto pretendia-se escoar grandes quantidades em stock.
A Junta considerava ainda a necessidade de impedir aos efeitos perniciosos do monopólio inglês do
comércio: Esta medida produziu logo o melhor efeito, baixando o cambio das letras a 20 por cento,
42
43
44
45
46
47
48
Idem, nº 4527.
Idem, nº 4524.
Idem, nº 4526.
Idem, nº 4530.
Idem, nº 4529.
ARM, RGCMF, T. 13, fols. 107vº/111.
Idem, T. 13, fols. 204/205.
49 . Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 49-52, 49-61, 63-64, 67, 73-79, 182, 185, 189, 212.
50
ANTT, AF, nº 238, fol. 196.
51
52
ANTT, PJRFF, nº 404, p. 463. Veja-se ainda Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 59-67
ANTT, AF, nº 238, fol. 196
53
ARM, RGCMF, T. 14, fol. 202/203vº. in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993, pp. 86-87
como ela possa ainda produzir maiores utilidades, não só no aumento da cultura e crédito dos vinhos,
diminuindo pelo embarque deles o adulterado, mas também evitará o monopólio do comércio dos
vinhos desta ilha, comprados e exportados por um pequeno número de casas estrangeiras, que unidas
podem estabelecer a seu modo o preço de compra deles e mesmo os da venda nas praças onde o
conduzem como se vê da mesma resposta54.
Ora imitar o vinho Madeira implicava o conhecimento das cepas mais importantes como das
técnicas de vinificação. E foi isso que fizeram alguns viticultores de Canárias retornaram no século
XVIII à Madeira em busca das cepas e da tecnologia de vinificação 55. E partir daqui está
reestabelecido o intercâmbio de técnicas.
CONHECIMENTO TÉCNICO E CIENTIFICO. A Agricultura e as atividades resultantes dela
conduziram à adoção, concepção e construção de um conjunto de infraestruturas industriais para a
transformação dos produtos agrícolas de forma a poderem estar em condições de entrar no mercado
local, nacional e europeu. Um dos aspectos mais evidentes da revolução tecnológica iniciada no
século XV pelos europeus, prende-se com a sua capacidade de adaptar as técnicas de transformação
agro-industrial que conheciam, às circunstâncias e às complexidades de culturas e produtos muito
diferentes dos que conheciam como foi o caso, por exemplo, da cana sacarina e também da vinha.
As condições de acesso ao conhecimento tecnológico estavam muito condicionadas nas duas
primeiras décadas de ocupação e exploração dos espaços insulares. A contrário do que veio a
suceder nas centúrias seguintes, não se denota qualquer conhecimento no âmbito das práticas
agrícolas que saia do nível atingido na Europa. Tudo foi transmitido por força da tradição. Apenas
no caso do cultivo da cana sacarina e da produção de açúcar houve necessidade de se socorro dos
conhecimentos e competências de técnicos sicilianos e valencianos, sem prejuízo das adaptações e
inovações que os madeirenses souberam habilmente introduzir e espalhar no demais espaço
açucareiro do Atlântico.
O tributo de experiências e técnicas foram uma constante. Assim, no caso do processo de fabrico de
açúcar foi-se buscar a prensa ao vinho, a mó de pedra ao azeite e aos cereais. Por outro lado
estamos perante uma permuta constante de processos tecnológicos e formas de aproveitamento das
diversas fontes de energia: A tração animal, a força motriz do vento e da água foram usadas em
simultâneo para a transformação dos cereais como da cana sacarina. Por vezes a mesma estrutura
assumia uma dupla função. Sucedeu assim na Ribeira Brava, onde a estrutura de aproveitamento da
força motriz da água servia um engenho de cana-de-açúcar e um moinho de cereais, ou então de
mandioca como sucedeu em algumas situações no Estado de Santa Catarina no Brasil.
O século das Luzes trouxe nova Luz para as práticas agrícolas. Mesmo assim foi apenas no último
quartel do século XVIII que as autoridades manifestaram a intenção de querer mudar a rotina das
práticas agrícolas. No caso da Madeira, tomando-se a situação de crise agrícola do Porto Santo
procuraram-se saídas através de imposição de transformações tecnológicas. A partir de 1783
estabeleceu-se um plano de ordenamento do território, coordenado por um inspetor de agricultura,
definindo-se áreas para a vinha e outras culturas. Naquele ano, num estudo da situação da ilha do
Porto Santo apontam-se inúmeras deficiências dos materiais agrários e das técnicas usadas que eram
o principal fator de entorpecimento da agricultura.
As enxadas eram de lâmina muito estreita e quase não cumpriam a sua função, sendo recolhidas e
54
ANTT, PJRFF, nº 763, fols. 66/66vº, vide nº 405/407.
55 Cf. Hernandez Gonzalez, Manuel, 1994, Madeira Canárias y las islas del Caribe. La Difusion de las ideas a través de las relaciones mercantiles en
el siglo XVIII, in As Sociedades Insulares no contexto das Interinfluencias Culturais do Século XVIII, Funchal, pp.159-184; Guimera Ravina,
Agustin, 1998, Vinificacion en los Puertos Atlanticos: Madeira a finales del siglo XVIII, in Actas do III simpósio da Associação Internacional de
História e Civilização da Vinha e do Vinho, Funchal, pp.69-82.
substituídas por outras, de acordo com o modelo inglês. Já em 1780 se havia sugerido aos
agricultores o uso arados, situação que não foi vista com bons olhos pela gente do campo, e, por
isso, insiste-se de novo nesta necessária mudança, impondo-se sanções aos lavradores renitentes.
Para além desta medidas disciplinadoras dos métodos agrícolas, devemos assinalar quanto ao vinho,
um outro conjunto de orientações sobre o processo de vinificação, de acordo com os conhecimentos
químicos disponíveis na época. Os cuidados com as pipas e o processo de fermentação do mosto
foram minuciosamente descritos.
Na Madeira foram surgindo as Sociedades Científicas impulsionadoras de grandes transformações
nas práticas rotineiras do mundo rural. Em 1783, assinala-se na Ilha da Madeira a criação da
Sociedade Patriótica Económica de Comércio, Agricultura, Ciência e Artes, da responsabilidade do
maçon e botânico francês, Jean Joseph d’Orquiny, instituição que teve vida efémera. Já no século
XIX, constituíram-se a Junta dos Melhoramentos da Agricultura das Ilhas da Madeira e Porto
Santo e em 1823, a Sociedade Funchalense dos Amigos das Ciências e das Artes. Todas insistiam
na necessidade de transformação das técnicas agrícolas, mas depararam-se sempre com uma grande
resistência dos lavradores. Esta Junta persistiu até 1821, mas não temos indicação que tenha
resultado algum serviço útil à agricultura, para além da questão da regulamentação e distribuição
dos baldios para uso agrícola.
No século XIX é evidente um avanço nos conhecimentos agro-industriais, fruto do engenho e arte
de muitos madeirenses que estudaram em França. A maior parte dos avanços situa-se ao nível das
culturas com maior valor mercantil, como era o caso da vinha e da cana-de-açúcar. Foi no último
quartel da centúria oitocentista que se deram os avanços mais significativos. Ao nível do vinho,
assinala-se D. João da Câmara Leme, que apresentou diversos textos sobre a química do vinho e a
melhor forma de o produzir com qualidade.
Por outro lado, Severiano Freitas Ferraz e João Higino Ferraz apresentaram algumas adaptações da
tecnologia francesa ou inventos próprios, que tiveram muita utilidade no incremento do processo
industrial do fabrico da aguardente de vinho e do fabrico de açúcar e aguardente a partir do melaço
de cana.
Em 1911 criou-se a Junta Agrícola com o objetivo de promover o desenvolvimento económico da
ilha, apontando-se a promoção dos produtos da ilha fora da região, a criação de uma estação agrária
para promover a reconversão da vinha pelas castas tradicionais, o fomento das estradas rurais. Das
suas iniciativas, faziam parte a montagem de um frigorífico, cujo edifício começou a ser construído
mas nunca teve qualquer uso, a não ser toponímico, ao ser dado o nome de frigorífico à rua onde ia
ser instalado.
Uma das apostas mais bem conseguidas terá sido no turismo, com diversas iniciativas de promoção
e lançamento de algumas obras. O Turismo era então considerado como o sector mais promissor da
sociedade e economia madeirenses. Já no período do Estado Novo foi rejuvenescer da indústria
madeirense, tendo como sede o Funchal. Daqui resultou que o sector secundário assumiu uma
posição destacada na década de 60, perdendo na seguinte para o dos serviços, por força do grande
incremento do turismo.
É de salientar que no meio rural não eram visíveis avanços significativos nas competências da sua
população que continuava apegada à foice e à enxada. As poucas mudanças que ocorreram
resultaram da intervenção do Estado a estabelecer ordem e a disciplina, de que merece referência o
sector leiteiro, que por força das medidas disciplinadoras de 1936, deu azo à conhecida “Revolta do
Leite”.
A modernização parecia ainda não casar com o mundo rural, ficando o espaço de inovação aberto
para o meio urbano, onde se notava uma evolução cada vez mais notória nos sectores comercial e
industrial. O sector moageiro foi alvo de profundas mudanças e modernização, o mesmo
acontecendo com a produção de açúcar, mas sucede que tudo isto, só foi conseguido à força de
medidas protecionistas ditadas pelo Estado que favoreceram uma concentração monopolista nos
diversos sectores.
Por outro lado temos que assinalar que a maioria das inovações aconteceram em áreas dominadas
pela comunidade britânica, sendo de destacar o caso do Engenho do Torreão, que durante a primeira
metade do século XX, exerceu um papel fundamental na inovação industrial, relacionada com a
produção de açúcar. Foi na Madeira que se procedeu à adaptação da tecnologia usada no fabrico de
açúcar de beterraba para a cana sacarina. Muitas das inovações definidas por João Higino Ferraz,
responsável técnico daquele engenho e alguns engenheiros franceses que o frequentavam, foram
depois transferidas para os Açores, Angola, Argentina, África do Sul, Brasil e Austrália.
AGRICULTURA E TRANSFORMAÇÃO TECNOLÓGICA. O século XV foi o início de um
processo de plena afirmação do mercado internacional que se repercutiu de forma clara na
economia agrícola dos novos espaços. Esta nova situação não se compadece por vezes com os
níveis de desenvolvimento tecnológico dos meios de produção, implicando uma quase total
revolução tecnológica. Daqui resultaram inovações tecnológicas que propiciaram uma maior
oportunidade de oferta em face da permanente demanda. Todavia, o investimento tecnológico
esbarra sempre com as disponibilidades de recursos financeiros para a realização dos investimentos
e a disposição ou não dos seus intervenientes para acatar esta nova realidade.
O mundo rural rege-se sempre por rotinas e tradições e é quase sempre contrário ao progresso. Tais
condições fazem muitas vezes com que o progresso se situe apenas dentro de um grupo restrito,
como sucedeu com o açúcar, ou que seja transferido para o espaço urbano, como nos assinala o caso
do vinho a partir do século XVIII.
Um dos aspectos mais evidentes da revolução tecnológica iniciada no século XV pelos portugueses
na Madeira prende-se com a capacidade do europeu em adaptar as técnicas de transformação
conhecidas às circunstâncias e exigências de culturas e produtos tão exigentes como a cana e o
açúcar. Ao vinho foi-se buscar a prensa, ao azeite e aos cereais a mó de pedra. Por outro lado
estamos perante uma permuta constante de processos tecnológicos e formas de aproveitamento das
diversas fontes de energia.
A tração animal, a força motriz do vento e da água foram usadas em simultâneo com os cereais e
cana sacarina. Por vezes a mesma estrutura assume uma dupla função. Como se poderá verificar
num dos engenhos da Ribeira Brava, hoje Museu Etnográfico, onde a estrutura de aproveitamento
da força motriz da água serviu um engenho de moenda de cana e um moinho de cereais.
O aproveitamento económico da ilha implicava a disponibilidade de instrumentos e técnicas
capazes de fazerem com que da terra brotassem as culturas. Estes foram preciosos auxiliares do
homem que se aperfeiçoam de acordo com as necessidades, a disponibilidade de materiais e o seu
engenho e arte. A agricultura implicava um nível elevado de conhecimento tecnológico adequado às
diversas tarefas de lavrar e plantar a terra, canalizar a água e transporte das riquezas dela extraídas.
Muitos dos utensílios ligados à atividade agrícola acompanharam os europeus nesta demanda de
novas terras no Atlântico, mas outros tiveram que surgir, fruto do engenho e arte dos colonos ou de
outras regiões, para se poder vencer os desafios que o meio colocava56.
56
Alfaia agrícola: Ernesto Veiga de Oliveira, Alfaia Agrícola Portuguesa, Lisboa, 1976. Jorge Dias, Nótulas e Etnografia Madeirense. Contribuição para o
Estudo das Origens Étnico-Culturais da População da Ilha da Madeira, Biblos, XXVIII, Coimbra, 1952, 179-201. Kate Brudt, Madeira. Estudo
Linguístico Etnográfico, Boletim de Filologia, t. V, fasc. 1-2, 3-4, 1937-1938, 59-91, 289-343. Jorge de Freitas Branco, Camponeses da Madeira, Lisboa, 1986.
No século XV a ilha da Madeira oferecia aos povoadores poucas áreas com condições para o cultivo
da terra. A formação quase piramidal da ilha fazia com que as poucas terras apropriadas ao cultivo
da terra estivessem nas bacias das ribeiras. Eram pequenas planícies de aluvião e, por isso mesmo,
adequadas ao plantio de qualquer cultura e foi a partir daí que se iniciou o povoamento e ocupação
do solo para as tarefas agrícolas. O maior espanto dos portugueses foi a fertilidade da terra quanto à
produção de cereais, que em Portugal se cifrava em valores de 1 semente para 13 e que aqui atingia
as sessenta.
Sucede que as áreas de aluvião eram limitadas tornando-se necessário conquistar mais terra à
encosta, servindo-se os colonos para isso do sistema que havia aprendido nas regiões do Norte de
Portugal, através da construção de paredes de pedra que funcionavam em simultâneo como forma
de retenção das terras para o cultivo e de controlo dos deslizamentos da terra, tendo em conta a
instabilidade dos solos gerada pelo desbravar da floresta.
A tarefa de construção dos poios foi da responsabilidade do dono da terra, que para isso se
socorreram da mão-de-obra assalariada e da força dos escravos africanos. Foram eles os primeiros
cabouqueiros da ilha que construíram os poios onde se lançaram as primeiras sementes de cereal.
Já, a partir da segunda metade do século XVI, a mudança da estrutura fundiária, com o
aparecimento do contracto de colónia, conduziu a que fosse uma obrigação do colono que recebia a
terra.
A TECNOLOGIA DA VINIFICAÇÃO- DO LAGAR AO CANTEIRO. A cultura da vinha conduziu
igualmente ao desenvolvimento de uma tecnologia adequada à valorização sócio-económica da
cultura. Várias atividades artesanais giram em torno dos lagares e adegas. Primeiro a construção do
lagar estrutura imprescindível para início do processo, depois, a construção de pipas e o prolongado
sistema de vinificação do mosto.
A presença do lagar foi, durante muito tempo, sinónimo de uma importante área de vinhas. Note-se
que nem todos os viticultores tinham meios para o dispor e que a maior parte dos caseiros se
serviam do lagar do seu senhor. O seu usufruto implicava o pagamento de uma taxa, conhecida na
Idade Média como lagaragem. Hoje o lagar é uma peça de museu, sendo substituído pela moderna
tecnologia, mas houve tempos em que ele era um instrumento imprescindível para o fabrico do
vinho.
Na Madeira está documentada a presença de três tipos: 1. as lagariças de pedra, onde o cocho é
escavado na rocha, dispondo de vara e fuso em madeira para exercer pressão sobre o bagaço; 2.
lagariças de madeira, em que o cocho é escavado num tronco de madeira; 3. o lagar de madeira
calafetada. Depois, mais próximo de nós foram estes lagares substituídos por outros em cimento,
prensas manuais e mecânicas. Hoje a ilha dispõe já da mais avançada tecnologia para o fabrico do
vinho. Lagares ou prensas existem para a laboração do vinho caseiro.
Feito o vinho no lagar era depois transportado às adegas pelos carreteiros em borrachos (uma pele
de cabra curtida e voltada do avesso) . Muitas vezes era transportado diretamente ao Funchal, por
via marítima ou terrestre ficando aí a fermentar nas grandes lojas. Temos três fontes que
comprovam de modo direto o que vimos afirmando e explicitam as razões de tal procedimento:
A primeira é-nos dada num documento de 1777, em que se salienta que na ilha não se procede de
modo idêntico como no reino:- “não se praticam as colheitas como no reino que vão passando dos
lagares a encubar nas adegas, mas como as terras estão aqui divididas em porções módicas de
colonos, estes pisando suas módicas porções que logo imediatamente conduzem a meia parte
respectiva ao senhorio para a cidade, nem dão lugar a tirar guias, o que é impraticável por ser a
condução em barris de dois almudes, ou odres sobre ombros de homens, porque a escabrosidade
dos caminhos faz impraticáveis outras conduções”, 2ª surge-nos de modo idêntico em documento
de 1779: - “... os moradores são avulsos por não haver na ilha povoações, ou lugares, nem os
colonos encubam os vinhos em suas adegas, porque não tem, e cada um em sua casa em lagariças
de pau faz o vinho que daí se transporta por homens rústicos muitas léguas para as dos senhorios
pela escabrosidade dos caminhos, tais que nem cavalgaduras o podem transportar, quanto mais
vasos ou pipas”. 3ª é dada noutro documento de 1789.- “... no campo não se acham adegas
suficientes para o vinho, porque a parte dos senhorios habitantes nesta cidade, todo é transportado
para esta e a maior parte do vinho dos caseiros, é vendido à bica a infinitos habitantes também
desta cidade para onde igualmente transportam”. Será então no Funchal que, de ordinário, o vinho
fermenta nas adegas sendo depois sujeito à trasfega e trato em canteiro ou estufa. As adegas
madeirenses, não eram edifícios preparados, mas sim qualquer um que fosse extenso e escuro, junto
das quais se situavam as estufas e a oficina de tanoaria.
De acordo com D. João da Câmara Leme ”Os vinhos da Madeira que hoje aparecem, geralmente
nos mercados, são muito diferentes desses vinhos afamados, e que a Madeira exportava antes dos
fins do século XVIII.A ilha da Madeira não mudou... o que mudou foi o sistema de tratamento”.
Temos, assim, desde os finais do século XVIII profundas alterações no processo de vinificação
madeirense ao nível do trato. Mudança provocada, quer pelo uso das estufas para aceleração do
envelhecimento do vinho, quer pelo uso imoderado de aguardentes, primeiro de França, depois da
terra, para fortificar os vinhos mais fracos.
O método antigo, de canteiro, manteve-se, mas cada vez menos solicitado, por ser mais demorado e
dispendioso e fora do alcance das solicitações do mercado internacional do vinho nesta época, o que
só poderia ser feito com as estufas e o trato das aguardentes, processos rapidíssimos e muito
baratos. Por isso temos a partir de então a generalização dos três métodos, com a afirmação dos dois
últimos. Este sistema era o dominante até finais do século XVIII e foi aquele que deu ao vinho da
Madeira o trago especial, que lhe valeu fama mundial, à sombra do qual vegetou por algum tempo o
vinho da estufa adubado.
Feito o vinho era transportado à adega onde fermentava no vasilhame instalado sobre o canteiro, ou
seja “duas traves na altura de dois ou três palmos”, fermentado e retiradas as borras, o que é para
velho é trasfegado após ter sofrido o processo de clarificação com goma de peixe, clara de ovo,
sangue, repetindo-se este processo por seis ou oito vezes no decurso de 19 meses, posteriormente no
momento da trasfega começou a adicionar-se aguardente.
Além os elementos fornecidos por P. P. da Câmara fomos encontrar nalguns documentos o modo
como se tratava em Lisboa os vinhos que para aí eram enviados após a fermentação. Aí nos
armazéns do Arsenal da Marinha se procedia ao trato do vinho; clarificação com goma de peixe e
trasfegas. Tal prática encontra-se documentada, apenas a partir de 1832.
Em Abril a Junta da Fazenda do Funchal envia a Lisboa o vinho do sequestro feito nos armazéns do
morgado João de Carvalhal Esmeraldo, pronunciado na devassa de 1828 e ausente em Londres.
Juntamente com o vinho é enviado o escrivão da Alfândega, Manuel António Serrão para proceder
aí ao devido trato, pois que o “trato dos vinhos deste país é inteiramente diferente daquele que se
pratica em Portugal, sendo necessário cuidá-lo de contínuo”.
A baldeação da aguardente de França, primeiro, e depois da terra foi uma prática muito tardia no
tratamento dos vinhos de canteiro, pois só nos surge documentada a partir de meados do século
XVIII: “O que porém, parece averiguado é que, na segunda metade do século XVIII, os vinhos da
Madeira superiores eram já adubados com aguardente de França para o mesmo fim”.
As aguardentes são ao longo do século XIX motivo de polémica, pois que as aguardentes francesas
comummente usadas para adubar os vinhos ora surgem como adubo necessário e precioso dos
vinhos, ora como prejudiciais ao mesmo vinho. Dessa polémica daremos conta quando tratarmos da
questão das aguardentes.
AS ESTUFAS. A partir de finais do século XVIII ocorreram profundas alterações no processo de
vinificação madeirense provocadas, quer pelo funcionamento das estufas para aceleração do
envelhecimento do vinho, quer pela adição de aguardentes, primeiro de França e, depois da terra,
para fortificar os vinhos mais fracos. O método antigo, conhecido de canteiro, entrou em desuso,
por ser mais demorado, dispendioso e incapaz de atender às solicitações do mercado. A solução
estava nas estufas e na fortificação com as aguardentes.
A origem das estufas deve ser procurada, por um lado, na determinação de uma determinada
conjuntura favorável ao escoamento rápido do vinho, que adveio com as guerras napoleónicas, com
consequente esgotamento dos stocks, criando a necessidade de um trato rápido dos vinhos novos
para satisfazer as encomendas do mercado, o que só seria possível com as estufas; por outro lado
advêm dum facto ocasional, - por motivo da constatação de que os vinhos da Madeira quando
sofriam a influência do calor dos trópicos ao navegarem nos porões das naus que iam e vinham das
Índias ocidentais e orientais, adquiriam um trago especial e envelheciam. Mais do que isso estamos
certos que o madeirense ligado ao conhecimento científico, não desconhecia esse sistema de
tratamento já usado pelos antigos romanos e, até mesmo os gregos. Ao primeiro facto comenta D.
João da Câmara Leme: - “Estamos em fins do século XVIII. A exportação dos vinhos da Madeira
tem aumentado, muito principalmente para a Inglaterra, porque, em razão da guerra, lhe estão
fechados os portos da Europa. As reservas de vinhos em boas condições de embarque estão
esgotados. O sistema do canteiro não é processo aplicável a um largo e importante consumo com a
perspectiva de grandes lucros”. Para o segundo destaca A. A. Sarmento: “Pelo final do século
XVIII, notaram os negociantes exportadores de vinho da Madeira, que este sujeito a longa viagem
batido pelo balanço da embarcação, aquecido às abafadas temperaturas que se notam nos porões,
tomava características especiais de aromatização, um todo precocemente envelhecido, pelo que
mandavam muitas pipas à Índia com frete de torna-viagem, para lá voltar melhorado o vinho, que
ficou sendo chamado de roda do mundo ou simplesmente vinho de roda”.
Constatado este facto houve desde logo um rápido aproveitamento deste meio de envelhecimento
que, mesmo assim, ainda era oneroso e demorado para as exigências de um mercado momentâneo
apressado. Em 1818 a própria Junta dá o exemplo ao carregar 50 pipas no brigue-escuna Maria do
capitão José A. Martim de Sá. Tendo-se dado ordem de embarque a 21 de Abril.
Em aviso ao deputado escrivão da Junta de Cabo Verde se dá conta da remessa de vinho para
envelhecer e depois terá o destino que S. M. desejar, recomendando ao dito “o cuidado e vigilância
de sua existência, de maneira que receba o muito calor possível de Verão futuro e não haja
extravio”.Noutro aviso a J. de Araújo Barros em Cabo Verde dá-se conta da remessa “para os fazer
pôr nessa ilha e voltarem a vir depois de passado o Verão futuro... lhe rogo o maior desvelo e
cuidado na boa guarda e vigilância do dito vinho a fim de que não haja extravio casual nem
voluntário e obtenha aquele grau de melhora que se espera”.
A primeira referência às estufas remonta a 173057. Daí à afirmação do sistema o salto foi rápido:
Vião os comerciantes que o calor dos navios e dos climas mais ardentes beneficiaram considerável
e visivelmente os vinhos em toda a sua qualidade, tanto de sabor como de cheiro, logo pela razão,
a mais bem deduzida, se persuadirão, e se convencerão de que o vinho Madeira se aperfeiçoava e
mesmo se requintava com o calor: ocorreu logo, que sendo possível tratá-lo em terra com uma
precisa quentura para o seu benefício seriam grandes os proveitos que colheria o comércio, o
público, e não menos S. A. Real58. Assim, tivemos o primeiro ensaio de estufa com vinhos novos,
enquanto um comerciante aquecia dia e noite um armazém com vinhos novos outro colocava no
armazém canos de ar quente59. A primeira estufa levantada nesta ilha se fabricou no ano de 1794 e
1795, e depois dela se levantavão sucessivamente muitas outras que todas tem trabalhado até os
57 Ruppert Croft-Cook, ibidem, p. 65.
58 AHU, Madeira e Porto Santo, nº 1431.
59 D. Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 6.
últimos meses passados60. Em 1802 segundo John Leacock estufas are now become general61.
Antes do aparecimento das estufas tivemos o chamado vinho de sol. A referência mais antiga ao
processo surge em 1687. De acordo com H. Sloane 62 o vinho beneficiava com a exposição ao sol:
…tem a propriedade curiosa, muito especial de se tornar melhor quanto mais exposto estiver ao sol
e ao calor. Assim, em vez de o levarem para uma adega fresca expõem-no ao sol e ao calor. A
mesma constatação acontece com John Ovington63 que em 1689 referia: O vinho Madeira tem a
qualidade muito peculiar de, quando está a fermentar, ser melhorado pelo calor do sol se o
batoque for desviado da abertura da pipa e, desta madeira, o vinho ficar exposto ao ar. A partir de
173064 era corrente a designação de vinho de sol e em 1880 Henry Vizeteelly 65 descreve a estufa de
sol da firma Krohn Brothers no Funchal.
Em 1826 essa prática havia-se generalizado e todo o vinho de roda era reembolsado dos direitos
pagos à saída ou levantada a fiança. Assim em 21 de Fevereiro Philip Noailles Searle solicita o
desconto dos direitos de 3 quartos e 10 meias quartolas de vinho de roda que havia tido autorização
para tal acto em 8 de Junho de 1825. Um ano depois essa prática era geral e causava graves
incómodos à administração da alfândega, daí ter-se embargado tal pratica:- “Havendo-se nesta ilha
introduzido o costume de embarcar vinho com faculdade de voltar a ela para na viagem ganhar
melhoramento, foi sempre tolerado em pequenas proporções. De tal uso passou a fazer-se abuso,
pois que os negociantes para ganharem maior prazo no pagamento dos direitos, figuravam em
muitas das suas especulações os embarques do vinho para vir de roda, dando a sua fiança, e a final
quando passava o prazo marcado para a entrada do vinho, e este não chegava, se lhes carregavam
os direitos, cuja arrecadação ia ter a demora que as mais ordens terminam a favor dos assinantes.
Resultava deste meio acharem-se muitos direitos por cobrar, poderem ometer-se outros dolos que
esta Junta por bem da fazenda entendeu dever prevenir e subtrair na continuação de tal prática”.
Este informe vem a propósito de um requerimento de Philip Noailles Searle & Ca. em que
solicitava o reembolso dos direitos de 50 pipas de vinho de roda.
Já os Gregos e Romanos tinham conhecimento da ação do calor dos porões dos barcos... e dele se
serviram para trato dos seus vinhos tal como nos refere Plínio, entre outros. No entanto na Madeira
essa prática é tardia, remontando a 1730. Daí às estufas o salto foi rápido: “Viäo os comerciantes
que o calor dos navios e dos climas mais ardentes beneficiaram considerável e visivelmente os
vinhos em toda a sua qualidade, tanto de sabor como de cheiro, logo pela razão, a mais bem
deduzida, se persuadiram, e se convencerão de que o vinho Madeira se aperfeiçoava e mesmo se
requintava com o calor: ocorreu logo, que sendo possível tratá-lo em terra com uma precisa
quentura para o seu benefício seriam grandes os proveitos que colheria o comércio, o público, e
não menos S. A. Real”. Assim temos o primeiro ensaio de estufa com vinhos novos, enquanto outro
que aquecia dia e noite um armazém com vinhos novos, enquanto outro comerciante colocava no
seu armazém canos de ar quente. “A primeira estufa levantada nesta ilha se fabricou no ano de
60. Joäo da Câmara Leme, ibidem, p. 6.
61 Ruppert Croft-Cook, ibidem, p.66. Numa carta de 1800, o mesmo descreve a sua primeira estufa que teve na ilha, dando conta do
movimento das estufas, e da discussäo sobre o vinho estufado: We are erecting an estufa & hope to have it furnished in two or three weeks we
shall stard in need of two common thermometheos. good but the least expensive, in order that we may regulate the heat; we therefore by you will send
out a couple very carefully packed we hope this new mode of treating wine will answer, but the correspondents of those who ship its - they are now
common of all the houses use estufas - several of them have built them & others put their wine into hired estufas, where they pay 5 m000. p. pipe for 3
months stewing. We are not yet perfectly satisfied of all the effects produced by the application of heat to the wine, but think in general they keep too
fierce a degree of heat, nickel keeps the wine constantly boiling, and in rather insipid of weak. We are of opinion that a moon moderate temperature
will succeed better & shall prolong the period to six instead of three months as we have see. However the great test will be, how it is approved by those
who are no good judges, the new wine with three months estufa imitates wine of 4 or 5 years old & we don’t think that the deception will be easily
discovered- perhaps prejudice the character of Madeira wine. Wall hot climates its improves much quicker than in gold over: twelve months in the
East or West Indies ha me effect than 3 years here, or four or five years in England - there for the heat must be on benefit & we must make a climate
[Idem, ibidem, pp. 67/68; vide também P. P. da Câmara, ibidem, pp. 76/7, onde faz uma descriçäo da estufa; Confronte-se o texto de H.
Vizetelly in Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, Funchal, 1983, pp.375-399.
62 . António Aragão, ibidem, p.159
63 . António Aragão, ibidem, pp.197-198
64 Rupert Croft-Cooke, Madeira, p.66.
65 . Alberto Vieira, História do Vinho da Madeira, p.392
1794 e 1795, e depois dela se levantavam sucessivamente muitas outras que todas tem trabalhado
até os últimos meses passados”.
Em casa de Krohn Brothers viu no seu complexo uma estufa de sol onde o vinho era aquecido sob
“the influence of sun’s ray’s”. Mas as estufas tiveram os seus percalços, pois em todos acreditavam
no auxílio benéfico das mesmas, tal como aconteceu com o governador D. José Manuel da Câmara
que por editais de 23 de Agosto de 1802 e 6 de Novembro de 1803 proíbe as estufas por serem
prejudiciais à boa reputação dos vinhos. Mas face à reação da maioria dos comerciantes nacionais e
estrangeiros da região e do Senado da Câmara. O que levou o mesmo em 14 de Fevereiro de 1804 a
oficiar ao Conde de Anadia, dando conta do sucedido e da pretensão dos locais para que fosse
levantada a suspensão de modo a poderem aviar as encomendas.
Por ordem régia de 7 de Maio, do mesmo ano, foi expedido aviso para ser levantada a proibição.
Mesmo assim a questão das estufas não terminou, pois que em todos os debates das estufas. O
próprio Senado da Câmara cuja composição heterogénea mudava, A opinião desfavorável destaca
que tal processo de tratamento de vinho está na origem da decadência da fama e comércio do vinho,
sendo igualmente prejudicial às suas propriedades conhecidas, retirando-lhes as qualidades
“balsâmicas”, ou alterando-lhe o sabor e dando-lhe o gosto torrado, queimado “muito
desagradável”. Desta forma se faz eco de modo sarcástico, em 1851 no “Correio da Madeira”: “O
vinho estufado, cozido, fervido, frito, assado e agrilhoado é a causa suficiente da decadência do
nosso comércio e o abatimento da nossa agricultura... As estufas são somente próprias para o
vinho mão, e o que é essencialmente mau, não há forças humanas que o façam bom.
O vinho bom carece de estufa, logo as estufas só servem para o ordinário: que se deve ferver para
aguardente, e consumir nas tabernas. O cheiro, o sabor do vinho estufado são péssimos, são
repugnantes e asquerosos: o vinho não sabe à uva, parece sumo das aduelas, das vasilhas, que o
tiveram em fermentação. Nada mais ingrato, nada mais desgostoso ao paladar. O vinho de estufa
ataca o cérebro, afecta o bofe, excita sede insaciável, provoca almorreimas, produz puxos,
tenesmos, frenesim, delírios, loucura. E uma calamidade pública esta funesta descoberta; que
fazendo exportar o vinho mau, deixa o bom, e óptimo estagnado, arruinado o nosso crédito”.
Contrapondo-se a esta opinião muito generalizada na época, temos outra opinião que pugnava pela
qualidade do vinho produzido por este trato, que surge como medida útil e barata para o trato e,
consequente escoamento do vinho com maior rapidez para os centros consumidores. Assim o
referem os comerciantes locais em 1804: “Granjeou o comerciante o fruto preciso dos seus
cuidados, dos seus cálculos, e da sua bem atendida vigilância, pois que com o novo método de
melhorar, e adiantar os seus vinhos de 5 a 6 meses apronta toda a quantidade de vinho, que é
preciso para os seus embarques, não sendo obrigados a esperar o espaço seguro de 4 a 5 anos”.
No Funchal, principal centro vinícola da ilha, se procedia ao tratamento do vinho por meio das
estufas, que aí começaram a surgir desde 1795/6. Estas eram distribuídas indiscriminadamente por
toda a cidade situando-se nos terrenos anexos as adegas, que se situavam na área circunvizinha do
cabrestante. Por editais de 23 de Agosto de 1802 e 6 de Novembro de 1803 se havia proibido a
construção de estufas no recinto da cidade, argumentando o juiz do povo os inconvenientes que
delas advinha para a saúde pública, em razão do fumo e constante perigo de incêndio no período de
laboração. Contra ela se manifestaram os comerciantes da praça do Funchal, alegando os prejuízos
que daí adviria e os argumentos infundados do referido juiz do povo.
Muito antes de D. João da Câmara Leme temos já notícia de um invento de estufagem até então
usado, ou se apresenta como inovador, pois que as referências apenas nos dão indicação de que o
novo método se dava nos vinhos “comunicando-lhes o calor internamente e de os fazer assim
vermelhos em pouco tempo”. Será este o mesmo sistema do praticado em França, nomeadamente a
pasteurização? . Tudo indica que assim seja, uma vez que o dito foi a França várias vezes, donde
trouxe alambiques de destilação contínua e travou contacto com as inovações da técnica francesa de
destilação e aquecimento do vinho.
No quadro de evoluções tecnológicas relacionadas com a vinificação os avanços mais significativos
ocorreram a partir da segunda metade do século XIX e estão inexoravelmente ligados a dois ilustres
madeirenses.
JOÃO DA CÂMARA LEME HOMEM DE VASCONCELOS (1829-1902) -1º Visconde e 1º Conde
de Canavial. Nasceu no Funchal a 22 de Junho de 1829 e faleceu na mesma cidade a 13 de
Fevereiro de 1902. Era filho de António Francisco da Câmara Leme Homem de Vasconcelos e de d.
Carolina Moniz de Ornelas Barreto Cabral, casou em 1853 com d. Maria Amélia Afonseca, filha de
Ricardo Porfírio de Afonseca e D. Ludovina Tavares66.
Estudou em França na Universidade de Montpellier, recebendo o título de bacharel em ciências no
ano de 1852. Passados cinco anos doutorou-se em Medicina com a tese Études sur les ombelliferes
véneneuses (Montpellier, 1857) , titulo que revalidou em Lisboa em 1859 na Escola Médica . Desde
1861 foi professor da Escola Médico Cirúrgica do Funchal, onde também presidiu à sua direção
entre 1866 a 1883. A sua competência científica é comprovada pelo facto de ter pertencido a várias
academias estrangeiras, de que se destacam em Montpellier, cidade da sua formação académica:
Sociedade Médica de Emulação (1855), Sociedade de Cirurgia e Medicina (1857).
Empenhou-se na vida politica cativa do Funchal tendo militado em diversos grupos políticos. Em
1865 integrou as fileiras do partido fusionista fruto da junção do Regenerador e Progressista,
passando em 1868 para o novo partido popular que entretanto foi criado. A 7 de Setembro de 1876
surgiu em Lisboa o partido progressista, que teve-o como seu interlocutor no Funchal. Neste quadro
de combate político fundou três jornais: A Liberdade (5 números, de 18 de Março a 22 de Abril de
1870), O Districto do Funchal (1864), A Luz(1881-82).
As industrias madeirenses da sua época, de forma especial ligadas ao vinho e açúcar mereceram-lhe
especial atenção tendo incluso atuado como promotor da criação da Fábrica de S. João com um
método inovador de aproveitamento do suco do bagaço. Foi também um dos promotores da cultura
do bicho da seda no Funchal, sendo-lhe concedida em 1877 a Praça da Rainha para viveiro de
amoreiras brancas.
É uma das raras personalidades oitocentistas madeirenses, com uma atuação em múltiplos
quadrantes, da sociedade, politica, Ciência e Economia. Primeiro doutorou-se em Medicina na
Universidade de Montpellier em 1857, vindo depois para a Madeira onde exerceu a profissão. Aqui
contribuiu em muito para o avanço significativo da medicina madeirense, pois foi um dos
defensores da Escola Médico Cirúrgica, criada em 1837, onde foi professor e diretor. Para além
disso intrometeu-se na política, mas foi sem dúvida nos campos da Medicina e da economia que
66.
Bibliografia sobre ou com referências ao autor: 1868, A questão entre o Dr. João da Câmara Leme, servindo interinamente de delegado de saúde
O districto do Funchal e o pharmaceutico Francisco Xavier de Sousa, secretario da Escola Medico-Cirurgica da mesma cidade, por ***, (anonimo,
mas atribuído ao medico-cirurgião Francisco Clementino de Sousa); 1868, Relatorio e projecto de regulamento para a Eschola Medico-Cirurgica do
Funchal: apresentados ao Conselho da mesma eschola em Outubro de 1868, Typ. Commercial Rua dos Mercadores; 1879, A Companhia Fabril de
assucar madeirense, os seus credores e o doutor João da Câmara Leme, Joâo de Ornelas, Funchal, Clode, Luís Peter, sd., Canavial (1ª visconde e 1ª
Conde), Registo Bio-Bibiografico de Madeirenses Ilustres Sécs. XIX-XX, Funchal, pp.107-108; 1879, A Companhia Fabril de Assucar madeirense, os
seus credores, o athleta e o Sr. Dr. Joâo da Câmara Leme, por J. M. S., Funchal; 1880, O Medico Illustrado. Joâo de Câmara Leme de Vasconcellos
Visconde de Canavial, O Medico Illustrado. Jornal de Sciencias e Letras, 5 de Maio de 1880, 35-37; 1898, Joâo de Câmara Leme, in Semana
Ilustrada, nª?.2, 10 de Abril de 1898;Clode, Luís Peter,-1948,Família dos Condes de Carvalhal.Notas genealógicas e biográficas, Das Artes e Da
História da Madeira, pp.44; L.V., 1948, Títulos nobiliarquicos relacionados com a Madeira. Canavial (Conde de ), Das Artes e Da História da
Madeira, pp.98-99; Monteiro, josé Leite (atribuído), 1879, Apontamentos para a dissolução da crise agrícola, por João Craca..., Lisboa;
ORNELLAS, João Augusto d’. , 1879, A Companhia Fabril de Assucar Madeirenseos seus credores e o Sr. Dr. João da Camara Leme. Funchal: Typ.
Do Direito; PIMENTEL, Menezes, 1901-1902, Tratamento dos Vinhos da Madeira, in Portugal Vinícola, vol. XIII, 110/2, 133/135 [plágio ou
colagem do texto de D. João da Câmara Leme...]; SILVA, Fernando Augusto, 1965, da Canavial(Conde de ), in, Elucidário Madeirense, vol.II,
pp.221-223;SILVEIRA, José Marciliano da.1879. A Companhia Fabril de Assucar Madeirense os seus credores o “Athleta” e o Snr. Dr. João da
Camara Leme. Por J. M. S.. Funchal: Typ. da Voz do Povo; Vieira. Alberto, 2006, Técnicos e Enólogos Madeirense que a História Ignorou (séculos
XIX-XX), in As Cidades do Vinho, Funchal, CEHA, pp. 289-312.
mais se destacou.
Da atividade política fica a extensa participação em jornais e o atear de diversas polémicas e
debates sobre a sociedade madeirense, de que existem inúmeros folhetos. Os problemas
relacionados com o vinho e o açúcar mereceram-lhe especial atenção, tendo apresentado diversos
estudos de interesse, como intervindo de forma direta em algumas áreas como a cana-de-açúcar,
como promotor em 1879 da Companhia Fabril do Assucar Madeirense, que enfrentou acesa
polémica com a empresa similar da casa Hinton.
Em meados do século XIX a ilha vivia sob a sombra de uma devastadora crise que assolava a
cultura da vinha. As suas intervenções foram importantes no sentido de encontrar soluções. O
Conde de Canavial, cientista madeirense, havia adquirido em França a experiência e conhecimentos
científicos necessários para se dedicar à investigação enológica e à Medicina. A ele se deve um dos
raros estudos sobre a filoxera vastatrix67, os processos de tratamento das videiras infestadas, e as
soluções para a crise vitícola com a política de desenvolvimento local e a criação de uma associação
de viticultores e comerciantes68.
O Governador Civil deu bom acolhimento à medida como se pode ver em carta de 28 de Agosto de
187269 em que lhe solicitava a indicação das pessoas adequadas para fazerem parte da comissão. Em
30 de Agosto70 apontaram-se as seguintes: Juvenal Honório de Ornellas, José Leão Drumond
Cavaleiro, Domingos Alberto Cunha, Maurício de Andrade, João Maria Moniz, João Araújo Cunha,
Francisco António de Freitas Abreu, Salvador Augusto Gramito d’Oliveira. Por alvará régio de 11
de Setembro foi criada a comissão71.
Pouco ou nada sabemos da atividade desenvolvida, ficando condenada ao malogro por força da luta
política e partidária72. A 8 de Outubro de 1876 o Governador Civil, Francisco Albuquerque
Mesquita e Castro convocou uma reunião para estudo da crise agrícola, protestando D. João da
Câmara Leme, quer pelo aspecto formal da reunião pública 73, quer pelas declarações aí proferidas 74.
O Conde de Canavial no discurso apresentou mais uma vez a solução para a crise que teve forte
impacto nos jornais, nomeadamente nos afetos ao Partido Progressista de que o Conde era o líder
local75.
Em 30 de Julho de 1879 D. João da Câmara Leme foi finalmente nomeado Governador Civil, com a
possibilidade de pôr em prática as soluções que há muito tempo vinha pugnando. Mas se assim o
pensava, cedo chegaria à conclusão de que se havia enganado, pois que aí instalado teve de fazer
frente aos adversários políticos que dominavam parte dos serviços administrativos e se negaram às
medidas avançadas pelo novo Governador.
O primeiro facto surgiu em 11 de Agosto76, quando solicitou às câmaras e administradores dos
concelhos do distrito um parecer sobre o estado da agricultura de cada zona. Todos se escusaram 77,
67 1872, Carta sobre a Nova Moléstia da Vinha da Madeira, Funchal.
68 Uma Crise Agrícola..., pp. 143/145.
69 Idem, pp. 17/18.
70 Idem, p. 19.
71 Idem, pp. 20/21.
72 Uma Crise Agrícola..., p. 39.
73 Idem, ibidem, pp. 40/3.
74 Idem, pp. 44/6, 61/72.
75 Idem, pp. 46/56.
76 D. João da Câmara Leme, Apontamentos para o Estudo da Crise Agrícola no Distrito do Funchal, pp. 8/10.
77 Idem, ibidem, pp. 11/3; só houve uma resposta satírica apresentada sob o pseudónimo João Craca, publicada em Lisboa em 1879.
invocando razões várias, o que não impediu de fazer um breve relatório em 6 de Dezembro de 1879
78
, onde dava conta da situação aflitiva da ilha e da falta das necessárias medidas por parte de
Lisboa, ou a autorização para as por si apresentadas, pois como refere a Madeira, não só não
poderá entender-se, mas há-de forçosamente esmorecer, se não tiver eficaz protecção79.
João da Câmara Leme, em meados do século XIX, contactou com a realidade dos processos de
vinificação e apercebeu-se do deficiente uso das aguardentes e estufas, apostando numa solução
mais rápida e eficaz para o trato do vinho, que ficou conhecida como sistema canavial, definido
pelas seguintes fases: 1º - sistema sem aquecimento; 2º - sistema com aquecimento lento, ficando o
vinho em comunicação com o ar ambiente; 3º - sistema com aquecimento rápido e arrefecimento
lento, demorado ou não, em recipiente fechado80.
Em finais do século, quando a vinha agonizava, publicaram-se vários estudos com as soluções
adequadas para debelar a crise. Surgiram instruções sobre a forma de cultivo e o método mais
adequado para o tratamento de vinho81.
João da Câmara Leme, na qualidade de especialista em assuntos enológicos, teve oportunidade de
em França entrar em contacto com os sistemas de aquecimento usados desde o primeiro quartel do
século XIX, nomeadamente os sistemas em vaso fechado dados por Appert, Ervais, Verguette,
Cemotte e Pasteur82.
De regresso à Madeira foi confrontado com o processo de estufagem em uso, notando que o sistema
de aquecimento lento com comunicação com ar ambiente83 dava ao vinho um sabor torrado de
queimado muito desagradável84 ao mesmo tempo que lhe retirava as propriedades essenciais: Um
sistema que priva os vinhos novos das suas melhores qualidades naturais e lhes introduz efeitos
persistentes; que lhes tira o açúcar, alcool, óleos essenciais, e lhes introduz, um sabor
desagradável que o carvão vegetal empregado lhes não pode nunca tirar de tudo, e que os impede
de adquirir a finura tão assinalada nos antigos vinhos de canteiro. Na destilação do vinho de
garapa despreza-se o vinhão e guardam-se líquidos alcoólicos, éteres, e sais e guarda-se o
vinhão85.
Perante esta realidade, optou-se por um sistema de aquecimento em vaso fechado, de modo espe­
cial, o método Pasteur, conhecido por pasteurização. Feitas as devidas experiências D. João da
Câmara Leme conclui que o gosto de novo desaparecia muito pouco para que o vinho Madeira
78 Idem, ibidem, pp. 15/110.
79 Idem, ibidem, p. 31.
80 Idem, ibidem, p. 1.
81
Estudos do autor sobre a questão e tecnologia e processo de vinificação: 1872, Carta sobre a nova molestia da vinha da Madeira dirigida ao
Chefe Civil do Distrito pelo Dr. João da Camara Leme. Funchal: Typ. .Voz do Povo; 1876, Uma crise agricola um caminho aereo e uma
sociedade anonima, pelo Dr. João da Camara Leme Homem de Vasconcellos. Funchal: [S. n.]; 1879, Apontamentos para o estudo da crise
agricola no districto do Funchal. Primeira Parte. I. ,Divisão da propriedade territorial; Modo de transmissão; Demarcação; Cadastro;
Exploração. Capitaes; Meios de credito. III. Trabalhadores Agricolas; Instrumentos e machinas agricolas; Instrucção; Sociedades de Socorros;
Assistência Publica. IV. Irrigação; Adubos; Arborização. Pelo Dr, João da Camara Leme Homem de Vasconcellos. Funchal: Typ. Popular; 1879,
A Companhia Fabril do Assucar Madeirense. Roberto Leal e o dr. Tarquino T. da C. Lomelino. Funchal: Typ. Popular; 1882, Breve nolicia sobre
o tractmento do vinho pelo calor. Pelo Visconde do Cannavial. Funchal: Typ. Popular; 1882, Noticia para o vinho Canavial. Folheto; 1884, Um
alvitre para a solução da crise por que está passando o Paiz. Ideia de um banco agricola -Inquerito industrial (...) Pelo Dr. J. Camara Leme
Homem de Vasconcellos, Visconde do Can navial; (...). Funchal: Typ. Popular; 1989, Os vinhos da Madeira e seu descredito pelas estufas. Novo
methodo de afinamento de vinhos e bases d’uma associação. Pelo Dr. João da Camara Leme Homem de Vasconcellos (...). Funchal: Typ.
Esperariça; 1892, Noticia sobre o vinho Cannavial, digestivo, antiseptico, medicinal, alimenticio. Pelo Dr. João da Camara Leme Homem de
Vasconcellos (...). Funchal: Typ. Camões; 1892, Resposta á critica que fez o Exm.” Sr. Dr.João Augusto Teixeira á noticia sobre o Vinho
Cannavial. Pelo Dr. João da Camara Leme Homem de Vasconcellos, Conde do Cannavial. Funchal: Typ. Camões; 1900, Os três systemas de
tratamento dos Vinhos da Madeira. Pelo Conde do Cannavial (. ..). Funchal: Typ. do Bazar do Povo.
82 Vide M. L. Pasteur,1873, Études sur le Vin, ses Maladies, Causes qui le Provoquant Procédés Nouveaux pour le Conserver et pour le Vieilliès,
Paris, pp. 130/204, dando pp. 205/262 aparelhos de aquecimento.
83 Op. cit., p. 6/12.
84 Idem, ibidem, p. 7.
85 Idem, ibidem, pp. 10 e 12.
pudesse ser embarcado em pouco tempo como vinho mais velho, e que os seus outros caracteres
não tinham suficientemente melhorado86. Em 1889, ao fim de seis anos de estudo e 10 anos de
ensaios e experiências, estabeleceu um sistema de aquecimento e afinamento dos vinhos, que tomou
o nome de sistema canavial.
Adotava o novo método de aquecimento rápido e arrefecimento lento, demorado ou não, em
recipiente fechado, salientando que este processo de aquecimento e afinamento dos vinhos, ou
processo de aquecimento e de arrefecimento demorado, em recipiente fechado, é o mais próprio
para vinhos superiores ou medianos, é o mais próprio para o vinho Madeira e Para todos os
vinhos especiais87. O vinho que vai ser aquecido entre, depois de medido, num reservatório
superiormente disposto, d’onde desde, pelo seu próprio peso, por um cano de estanho, no qual é
elevado, em banho-maria e o abrigo do contacto do ar à temperatura de 158º F. (70º C),
continuando depois a descer, sem encontrar nada no caminho que lhe apresse o aperfeiçoamento; e
chegando finalmente, depois de ter marcado num termómetro a uma temperatura adquirida, ao
fundo da mesma pipa d’onde sairá pouco antes, e cuja boca, disposta de modo a impedir perda de
vapores, é fechada logo que termina a operação (...).
O vinho gasta cerca de 3 minutos no tratamento do seu aquecimento, que para uma pipa de
450 litros, exige hora e meia. O calor, comunicado pelo vinho ao interior da pipa, manifesta-se em
breve exteriormente. Os Arcos alargam-se, e precisam de ser rebatidos.
O vinho assim aquecido não é nunca voluntariamente arrefecido: e, quando se lhe não demora
o arrefecimento, deixa-se que ele se faça naturalmente, mais ou menos, lentamente segundo a
diferença entre a temperatura da pipa e a do meio ambiente; gastando, geralmente, cerca de três
dias.
É o mais curto arrefecimento do vinho rapidamente aquecido pelo sistema canavial.
Quem observar este vinho pouco depois do aquecimento, ou no fim do arrefecimento, tendo-se
conservado a pipa sempre bem fechada, nota que ele não fermenta; que não tem cheiro que indique
a presença de enxofre; e que o aroma de novo se tornou mais agradável; nota que o gosto está
também sensivelmente mudado, e que parece de vinho de mais idade; e uma operação destilatória,
feita antes e depois do aquecimento, mostra que a percentagem alcoólica é igual. Houve, pois neste
aquecimento, um notável melhoramento; e não houve prejuízo (...).
É baseado em tais princípios que este estabelecimento organizou casas, ou estâncias, próprias
para demorar o arrefecimento do vinho. Quando, pois, uma pipa de vinho é destinada ao
afinamento numa destas estâncias, é para lá transportada, hermeticamente fechada, logo depois de
terminado o aquecimento; e assim permanece, durante meses, num recinto onde a temperatura é
moderada, mas constante e bem regulada.
Cinco fornalhas introduzem ar quente em canos que dão três voltas nas estâncias; e que são
guarnecidos de chapas de ferro para facilitarem a transmissão do calor, sempre bem regulado e
facilmente observado por termómetros que se podem bem ler de fora.
As estâncias, que são sempre cuidadosamente revistadas para serem as pipas oportunamente
rebatidas, são a princípio, mantidas na temperatura de 120º F. (50º C); mas depois de ter o vinho
arrefecido suficientemente para se pôr em equilíbrio com o meio ambiente, essa temperatura vai
lentamente descendo, e fazendo paradas convenientes, até ao fim do afinamento.
O vinho, assim aquecido e afinado, conserva todas as qualidades naturais, apresenta qualidades
próprias do vinho de canteiro que tem cinco ou seis anos e uma notável finura muito apreciável;
sem apresentar nenhum mau sabor, nem defeito algum, sendo convenientemente tratado, pode logo
ser lotado com outros vinhos aquecidos e conservados livres de fermentos, e mesmo ser embarcado,
sem risco de se alterar, e com grande economia d’alcool 88. O método, acima exposto, era
considerado o único processo de tratamento por estufa que animava a qualidade do vinho fazendo-o
adquirir características e qualidades próprias, podendo rivalizar com os melhores de canteiro. O
86 Idem, ibidem, p. 13.
87. Idem, ibidem, pp. 19/20.
88 Idem, ibidem, pp. 17/19.
vinho canavial89 era normalmente preparado com o Boal, com as seguintes propriedades: digestivo,
anticéptico, medicinal, alimentício.
Muito antes de D. João da Câmara Leme, temos notícia de outro invento de estufagem. O novo
método dava-se nos vinhos comunicando-lhes o calor internamente e de os fazer assim vermelhos
em pouco tempo90. Será o mesmo sistema do praticado em França, conhecido como
pasteurização?91. Tudo indica que assim seja, uma vez que foi a França várias vezes, donde trouxe
alambiques de destilação contínua e travou contacto com as inovações da técnica francesa de
destilação e aquecimento do vinho.
JOÃO HIGINO FERRAZ[1863-1946]. é filho de João Higino Ferraz e neto de Severiano Alberto
Ferraz, o primeiro a construir um engenho a vapor na ilha da Madeira, no ano de 1856. Nasceu no
Funchal a 12 de Outubro de 1863 e faleceu aqui a 31 de Julho de 194692.
João Higino Ferraz era o superintendente da fábrica do Hinton, mas acima de tudo um cientista que
procurou aperfeiçoar os conhecimentos de Química e Tecnologia, através do confronto da literatura
estrangeira e da sua capacidade inventiva. Mantém-se permanentemente atualizado através da
leitura de publicações estrangeiras, fundamentalmente francesas. Nos estudos e experiências que
realizou e compilou nos livros de notas manifesta-se como um cientista arguto que não detêm a
atenção apenas na cana sacarina, pois que estuda e opina sobre o uso de outros produtos no fabrico
de açúcar e álcool, como é o caso da batata e aguardente.
Se confrontarmos a literatura científica de carácter químico e industrial mais significativa de finais
do século XIX até à segunda Guerra Mundial, verificaremos que a sua informação é permanente
atualizada e pauta-se por padrões de qualidade, dispondo de dados sobre os métodos mais
avançados, como dos estudos dos engenheiros químicos e industriais que marcaram o processo
tecnológico do sector açucareiro no momento93.
João Higino Ferraz fica para a História como um dos principais obreiros da modernização do
engenho do Hinton ocorrida na primeira metade do século. Não ficou por aqui o empenho de João
Higino Ferraz, pois manteve-se fiel à tradição, apostando também no processo de vinificação onde
protagonizou algumas inovações que marcaram as primeiras décadas do século XX.
A documentação disponível refere-nos o seu empenho com o processo de fabrico de vinho,
aguardentes e outras bebidas como a cidra, cerveja e vinho espumoso. As suas experiências
levaram-no a produzir, cidra, cerveja, xarope de uva, vinho espumoso, que vendia localmente e
exportava para alguns mercados como a Alemanha. Por outro lado tentou imitar o sauterre e o
champagne franceses.
89 D. João da Câmara Leme, 1892, Sobre o Vinho Canavial, Funchal.
90 AHU, Madeira e Porto Santo, nº 9480.
91 D. João da Câmara Leme, Ibidem, pp.17-19.
92
. Cf.: Clode, Luís Peter, sd (1983), João Higino, Registo Bio-Bibiografico de Madeirenses Ilustres Sécs. XIX-XX, Funchal, pp.178-179; Vieira,
Alberto, JOÃO HIGINO FERRAZ. Copiadores de Cartas (1898-1937), de colaboração com Filipe dos Santos; Vieira, Alberto, Açúcar, Melaço,
Álcool e Aguardente. Notas e Experiências de João Higino Ferraz (1884-1946), de colaboração com Filipe dos Santos; Vieira, Alberto, 2002, A
Vinha e o Vinho na História da Madeira. Séculos XV-XX, Funchal, CEHA; Vieira, Alberto, 2004, Canaviais açúcar e aguardente na ilha da
Madeira. Séculos XV a XX, Funchal, CEHA; Vieira. Alberto, 2006, Técnicos e Enólogos Madeirense que a História Ignorou (séculos XIX-XX),
in As Cidades do Vinho, Funchal, CEHA, pp. 289-312.
93. Alguns livros da biblioteca pessoal de J. H. FERRAZ entregues para a Biblioteca do CEHA.: BOULLANGER, E., s.d., Encyclopédie Agricole,
Le Matériel de Brasserie 1; BUCHELER, Le D.r M.,1899. Manual de Distillerie. Guide Pratique pour (…); CHAPTAL, Citoyen, s.d., L`Art de
Faire, Gouverner et Perfectionner Les Vins; 1905, Estatutos da Madeira Wine Company Limitada; GUYOT, Jules, 1910, Culture de La Vigne et
Vinification, Paris; 1889, Guide du Planteur de Cannes; 1900, L` Amelioration Des Vins Par Les Levures Sélectionnées de L`Institut la Claire,
prèparées par le Syteme G. Jacquemin, Paris; JACQUEMIN, Georges, 1909. Production Rationnelle et Conservation des Vins, Ed. A Malzéville
Nancy; MALVEZIN, Frantz, 1919. Bordeaux. Histoire de la Vigne et du Vin en Aquitaine depuis les origines jusqu`à jours, Ed. Imprimerie Gabriel
Delmas, Bordeaux; ROBINET, Edouard, Manual Général Des Vins Champagnes Vins Mousseux; SIMON, Frères, Guide Pratique; Payen, A., 1867,
Précis de Chimie Industrielle. Publicações Períodicas: Bulletin de l’Association des Chimistes; journal “La Biére”; Revue L’OEnophile(1893/-),
Paris.
A partir de 1905. J. H. Ferraz, a exemplo do que sucedia com o fabrico do açúcar, manteve-se
permanente atualizado sobre a tecnologia francesa de fabrico de todo o tipo de bebidas fermentadas
e destiladas, adaptando a tecnologia às condições do seu empreendimento privado nas proximidades
da igreja do Socorro. Aqui são frequentes as referências a equipamentos franceses, bem como a uma
inúmera literatura sobre o tema, de que era possuidor de alguns exemplares. Na década de vinte
construiu uma vinharia onde foi possível montar aparelho de evaporação Barbet e sistema de
refrigeração.
Ao nível dos sistemas de destilação deveremos assinalar a sua presença em Almeirim em 1916 para
montar um aparelho francês. A exemplo do que sucedeu com o Conde de Canavial bateu-se por
mudanças radicais no processo de fabrico do vinho, apelando ao abandono das técnicas tradicionais
em favor das vantagens das descobertas entretanto ocorridas na centúria oitocentista, sobre o
processo de vinificação:
Novo processo de fabricação de vinhos de uvas com fermentos seleccionados puros e
fermentações puras, etherificação dos vinhos, pastorisação ou esterelisação e meior
desenvolvimento de aromas.
Com o fim de fabricação de vinhos ou para destillação.
Antes de Pasteur todo o fabrico de vinhos era empirico; emquanto que hoje os
methodos Pastorianos, que o illustre mestre havia já a pplicado á vinificação e ás
cervejerias, commeção a penetrar nas destillarias industriaes.
Os methodos de Pasteur teem sido bastante desenvolvidos, principalmente no
tratamento e aperfeicoamento dos vinhos.
Á contudo uma parte que a escola de Pasteur deixou um pouco na sombra. Como o
fermento se acostuma facilmente a meios de cultura de composição differente, e que elle se
roproduz[sic], em todas as soluções assucaradas, contanto que ellas contenham ao mesmo
tempo materias azutadas, phosphatadas e salinas, temo-nos abituado a não ligar grande
importancia, nem á natureza do assucar nem ás substancias accessorias.
Com effeito, se se tomar um fermento de uva, e que em logar de o cultivar em um sumo
de uva se cultiva vinte vezes a seguir em um mosto de cerveja, constata-se que depois da
vigessima cultura este fermento se conserva sempre fermento de uva e nunca fermento de
cerveja: o meio em que foi cultivado não modificou a sua raça uriginal d’uma maneira
sensivel.
Nas cervejarias, a raça de fermento que se emprega tem uma influencia manifesta
sobre o aroma da cerveja, e se se muda a raça do fermento // [84] (conservando contudo
fermento de cerveja) o gosto do producto é emmediatamente modificado, ainda que o mosto
de cerveja não tenha variado.
Este factos conduziram a atribuir á raça do fermento uma influencia preponderante, e
de se não legar importancia suficiente á composição do mesto[sic] assucarado.
Ora se é exacto que a raça do fermento persiste muito tempo ainda que a contrariamos
na sua alimentação natural e favorita, não é menos verdade, que muda alguma cousa no
seu modo de vida, e isto traduz-se por uma modificação da sua natureza e o bouquet das
suas secreções.
Cultivamos o fermento de grande Champagne, n’um mosto de malte; o mosto
fermentado dará uma certa illusão vinhosa; será a cervoise, uma bebida especial, nem
vinho, nem cerveja; mas se se destilla não se achará senão porfumes fugitivos e nunca a
soma dos aromas caracteristicos do vinho, porque o meio de cultura mudificou a secreção
degestiva do fermento.
Ora d’esde o momento em que a cultura se fassa sempre em um meio propicio ao
desenvolvimento do fermento, esse fermento conserva até ao fim as suas propriadades
fermentativas e odorificas.
O ponto principal está em fazer com que esse fermento deixe a meior quantidade
possivel de secreções aromaticas no vinho fabricado. Como é nos fermentos que está uma
grande parte d’esse aromas a questão é fazel’o desprender.
Alem d’isso os gases Acido carbonico que se desprende da fermentação contem em si
tambem muitos aromas que são perdidos; que cheiro agradavel é o da fermentação
alcoolica do vinho ou outros frutos! Desde o momento que esses gazes possam ser apro-//
[85]veitados para dar ao vinho meior aroma, temos conseguido com todos estes desideratos
conservar ao vinho todos os aromas que lhe são proprios sem quasi nada perder.
Depois de esta exposição proponho-me a fazer a seguinte modifcação no tratamento
dos vinhos tanto para consumo como para destillação:
O vinho contem em si grande quantidade de acidos organicos, acido tanico que evitam
até um certo ponto o desenvolvimento de fermentos estranhos ao fermento do vinho, mas
não evita de todo essas fermentações de mau caracter e que vão dar aos vinhos depois de
fabricados as asperezas e maus gostos que prejudição[sic] o paladar.
Proponho-me evitar esse mal fazendo uma fermentação perfeitamente pura ao abrigo
do ar, que não seja o ar purificado, e fazendo sufrer ao vinho uma Pastorisação depois da
fermentação e juntar-lhe todas as escencias que os vinhos durante a fermentação alcoolica
deixando sahir em mestura com o gaz acido carbonico. Para isso opera-se da maneira
seguinte:
O vinho é aquecido n’um a pparelho Pasteur ou outro á temperatura de 65º a 70º
centigrados, passa d’ahi ao refrigerante onde é posto á temperatura propria da
fermentação. Parte d’esse vinho é levado ao a pparelho de fermentos puros de Barbet com
pratos de aerobiose onde se faz a cultura do fermento puro apropriado ao vinho que vai ser
fabricado, a outra parte do vinho passa ás cubas hermeticamente fechadas ou cascos
(toneis) onde se produz a fermentação alcoolica, pelo fermentos [sic] preparados
antecipadamente no a pparelho Barbet: É melhor fazer a fermentação em cubas fechadas//
[86] Estas cubas teem uma entrada para os mostos de vinho, uma para os fermentos
puro, uma para a introducção do ar purificado, uma para a sahida do gaz acido carbonico
desenvolvido e um sahida [sic] para o vinho fermentado, na parte inferior.
Quando o mosto «ou vinho» está em estado de ser tirado das cubas, isto é, depois da
fermentação completa ou antes, se se quer obter vinhos mais ou menos douçes, é tirado á
bomba e mettido no apparelho de pastorisação com etherificação e barbotagem de gaz
acido carbonico. Este a pparelho compoê-se de 2 ou 3 vasos de cobre estanhados com seus
calorisadores, onde o vinho é levado á temperatura de 65º centigrados e nos a pparelhos de
cobre faz-se barbotar o gaz acido carbonico desenvolvido na cubas [sic] de fermentação
que é extrahido por meio de uma bom[sic]70 de ar.
Depois de sofrer esta operação o vinho ou é arrefecido para ser tratado como vinho de
canteiro, ou é tirado mesmo quente para as pipas e levado á estufa ordinaria
Este aparelho de Pastorisação e etherificação tem alem do que fica dito, uma sahida
para o gaz acido carbonico que não foi empregado na ultima vasilha por isso que o gaz é
mettido na primeira e na segunda e ahi passa a um refrigerante a grande superfice onde
são condensados os ethers alcoolicos que são desprendidos juntamente com o gaz acido
carbonico. O producto condensado pode ser junto ou não ao vinho Pastorisado.
CONCLUSÃO. A vinha e o vinho fazem parte do património histórico dos espaços insulares
atlânticos da Macaronésia. Apenas na Madeira, Açores e Canárias a vinha se firmou como uma
cultura de sucesso e de ligação aos mercados comuns no mundo norte-americano. Esta partilha de
um mesmo mercado consumidor gerou distintas disputas entre os interessados. Neste quadro a
Madeira usufruiu de privilégios especiais em relação às Canárias. Por isso, madeirenses e
canarianos, em época de grande demanda do vinho no mercado americano juntam-se na partilha dos
resultados da situação estabelecendo formas de troca de vinhos. A par disso as Canárias,
nomeadamente a ilha de Tenerife, procurou de diversas formas encontrar saída para os seus vinhos,
intrometendo-se no rota de exportação madeirense.
Para isso houve necessidade de conhecer a viticultura e vinificação madeirense de forma a que
vinho final fosse em tudo semelhante. Incluso as diferenças no vasilhame foram atendidas com o
recurso a pipas com volume idêntico ao da Madeira. Aqui, na segunda metade do século XVIII,
aconteceu aquilo a que poderemos considerar um processo de espionagem técnica, mas em épocas
anteriores tivemos formas de partilha distintas para culturas e produtos, formas de cultivo e
tratamento final, nomeadamente no caso do açúcar.
Na Madeira, em termos da vinificação, fizeram-se estudos avançados e os conhecimentos
científicos europeus do sector chegaram cedo à Madeira, por mãos de técnicos abalizados, com D.
João da Câmara Leme e João Higino Ferraz, duas personalidades que destacamos neste quadro de
evolução tecnológica entre os séculos XIX e XX. Isto evidência que, a exemplo do que já havia
sucedido em épocas anteriores com a cultura da cana sacarina e produção de açúcar, os
conhecimentos e avanços da Ciência e Técnica têm lugar de relevo na História da Madeira, fazendo
que seja um caso singular no quadro da História e da Ciência Ocidental.
ANEXO:
1.A HISTORIOGRAFIA DO VINHO.
A presença do vinho na História tem provocado o empenho da Historiografia nos últimos anos.
Temos, desde o pioneiro trabalho de Roger Dion (Histoire de la vigne et du vin en France. Des
origines au XIXe Siècle, 1959), inúmeros textos resultantes de arrojados projetos de investigação. É
no domínio da Geografia histórica que o tema mereceu maior destaque em França. A realização de
um colóquio em 1977 em Bordeos marca o início da atual valorização da temática. Nas atas
(Géographie Historique des Vignobles), publicadas em 1978 por Huetz de Lemps é feito o ponto da
situação do tema, com a referência de 701 títulos, sendo mais de metade referentes aos vinhos
franceses e suas regiões: Bordeaux, Languedoc e Burgundy. Entretanto na Universidade de Bordeos
o Centre d'Etudes et de Recherches sur la Vigne et le Vin (Bordeaux) desenvolve uma linha de
investigação sobre os vinhos, europeus de que resulta uma coleção dirigida por Andre Pitte com 10
volumes de que se publicaram sendo um sobre a Madeira (1989) da responsabilidade de Alain
Huetz de Lemps.
Na comunidade de língua inglesa o interesse pelo tema é igualmente relevante desde a década de
setenta, tal como assinala Tim Unwin94. Tenha-se em consideração o incremento da viticultura na
Califórnia e Austrália e África do Sul, no decurso da segunda metade do século XIX, que conduziu
a variados estudos sobre o tema.
Em Portugal e Espanha é também cada vez mais evidente o interesse pelo estudo da temática do
vinho. A tradição francesa e inglesa do tratamento do tema levou-nos a dedicar mais atenção,
nomeadamente numa perspectiva historiográfica. Assim nos últimos anos surgiram alguns estudos
de grande importância para o seu conhecimento e divulgação. Em 1982 a Academia Portuguesa de
História organizou um encontro sobre o Vinho na História Portuguesa séculos XIII-XIX. Depois
foram alguns projetos inovadores. Assim temos O Marquês de Pombal e o Vinho do Porto (1980)
de Susan Schneider, a Memória do Vinho do Porto (1990) de Conceição Andrade Martins e O
Douro e o Vinho do Porto - de Pombal a João Franco(1991) de Gaspar Martins Ferreira, em que o
vinho é recuperado para a História. E, finalmente a enciclopédia dos vinhos de Portugal, orientada
por António Lopes Vieira, que contempla os Vinhos Verdes, do Dão, do Alentejo, Bairrada,
Península de Setúbal, Porto e Madeira. Ainda, a Universidade do Porto mantém um Grupo para
História do Vinho do Dão, que tem divulgado estudos nos últimos anos. A realização mais recente é
o Grande Livro do Vinho de J. Duarte Amaral (1994)
Também nós fomos contagiados por esta vaga e o vinho passou a ser um companheiro diário das
nossas pesquisas. Ao longo destes anos reunimos tudo o que demais importante existe sobre ele ou
com ele relacionado. Dos materiais perdidos nos armazéns fizemos um museu. Daqui passamos
para a documentação dos arquivos públicos e privados, aos testemunhos dos apreciadores,
defensores e mesmo detratores. Disso demos já notícia num Breviário da Vinha e do Vinho da
Madeira (1990), numa compilação História do Vinho da Madeira. Documentos (1993) e o "Vinho
Madeira" da "Enciclopédia de Vinhos de Portugal". No penúltimo volume procuramos reunir aquilo
que consideramos mais importante para testemunhar a múltipla vivência que o vinho Madeira
definiu: a economia da ilha e dos diretos interventores; a insistente procura daqueles que se
tornaram inveterados apreciadores; o júbilo e o agradecimento daqueles que o descobriram a
genuinidade e se tornaram imorredoiros testemunhos da importância.
O vinho assumiu nas ilhas uma dimensão importante, sendo de destaca o caso das economias da
Madeira e Tenerife a partir do século XVII. Todavia é na Madeira que vamos encontrar um conjunto
variado de textos, que procuram traçar a sua História ou fazer o ponto da situação do problema
94 Wine and Vine. An Historical Geography of viticulture and the Wine Trade.1991
vitivinícola entre finais do século XIX e princípios do presente. Neste caso é de considerar a obra de
D. João da Câmara Leme, o Conde de Canavial, considerado o mais destacado estudioso e
conhecedor dos problemas políticos e enológicos. Nas Canárias os estudos são parcelares. Aqui, ao
clássico estudo de Andrés de Lorenzo Caceres 95 deverá juntar-se outro de A. Bettencourt Masieu96 e,
mais recentemente, os de A. Guimerá Ravina 97, Manuel Lobo Cabrera98 e Pedro Miguel Martínez
Galindo99. A estes deverá juntar-se o estudo de George F. Steckley. Publicado em 1981 na Revista
Aguayro100. Para os Açores é reduzida a atenção dada à cultura e produto, não obstante ter
conseguido uma posição de relevo na economia de algumas ilhas açorianas, como foi o caso do
Pico e Graciosa.
Concordamos com o Pe. Fernando Augusto da Silva, quando diz que a História do vinho da
Madeira está por fazer, mas face ao modelo de análise atrás apresentado101. "Está ainda infelizmente
por elaborar uma completa monografia sobre os vinhos da Madeira, em que se faça a sua História,
desde meados do século XV até a Época que vai decorrendo, nos variados e interessantes aspectos
que ela nos oferece. Deveria para isso proceder-se a um largo trabalho descritivo e de
pormenorizada coordenação, que além de abranger as diversas fases de indústria e dos processos
de vinificação, fornecesse também informações seguras Acerca da escolha apropriada do solo e do
plantio de bacelos, tratamento eficaz das videiras, fabrico e conservação dos mostos, preparação
dos produtos destinados ao embarque, o comércio interno e no estrangeiro, a análise rigorosa dos
chamados vinhos generosos e a cuidadosa conservação da celebrada fama de que universalmente
gozam, constituindo outros tantos objectos de investigação e estudo, para o que seria indispensável
aproveitarem os valiosos elementos que se encontram dispersos em diversas publicações"102.
Se por um lado esta argumentação merece a nossa aprovação quanto à necessidade de fazer a
História do vinho, por outro discordamos da metodologia a ser empregue para uma tal investigação.
Uma monografia histórica não se fica pelo mero enunciado dos aspectos enológicos ligados à
vinificação ou à viticultura e além disso a investigação deverá ser executada por especialistas de
cada matéria, não confundindo o campo das ciências agronómicas e naturais como o da História. A
recolha dos elementos "dispersos em diversas publicações" faz parte de uma das fases da
investigação bibliográfica e, devido ao restrito panorama bibliográfico insulano, apenas se prestará
a fazer o ponto da situação da questão.
A iniciativa nunca deverá ser um ponto de chegada, mas antes um ponto de partida para um esboço
e concretização prática de uma investigação arquivística dos núcleos documentais que contemple os
arquivos privados e oficiais. Neste caso e no que concerne ao comércio não deverá restringir-se
apenas aos arquivos dos portos de partida mas também os de destino. O confronto da informação
permite completar as lacunas e em alguns casos rastrear as atividades ilícitas.
A monografia que o Pe. F. Augusto da Silva pretendia realizar não era histórica mas antes um
esboço de enciclopédia à boa maneira do elucidário. Assim o entendeu o mesmo ao traçar em o
Elucidário Madeirense103 um esboço breve do que pretendia, no que muito se aproxima o Pe.
95. Malvasia y Falstaff. Los vinos de Canarias, La Laguna, 1941.
96. "Canarias e Inglaterra. El comercio de vinos(1650-1800)", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº 2, 1956. Publicado em livro em 1991
97. Burguesia extranjera y comercio Atlantico. La empresa comercial irlandesa en Canarias(1703-1771), Santa Cruz de Tenerife, 1985.
98. El comercio del vino entre Gran canaria y las Indias en el siglo XVI, Las Palmas de Gran Canaria, 1993.
99
. La Vid y El Vino en Tenerife en la Primera Mitad del siglo XVI, La Laguna, 1998.
100 "La econmía vinícola de Tenerife en el siglo XVII: Relación Angloespañola en un comercio de lujo", Aguayro, Las Palmas de Gran Canaria,
138, 1981.
101. Elucidário Madeirense, vol. III, p. 392.
102 . Idem, ibidem, p. 392.
103Vide vol.I - Balseira (p. 113), Estufas (p. 408); vol. II, Filoxera (pp. 31/2), Indústria Vinícola (pp. 148/54), Mangra da vinha (p. 315), Míldio (p.
347); vol III, Os Vinhos (pp. 389/95), Vinhas (pp. 381/9, Vinhas e uvas do Porto Santo pp. 387/9), Vinho de Canteiro (p. 389), Vinho de roda (p. 389).
Eduardo Pereira104.
Pouco ou nada avançam aos trabalhos de Paulo Perestrelo da Câmara e Álvaro Rodrigues de
Azevedo e, por isso mesmo estes dois últimos, até ver, ainda não perderam a atualidade e importân­
cia. O escrito de A. R. Azevedo atem-se mais aos documentos do arquivo local, às suas
deambulações históricas e políticas, mas mesmo assim é de considerar um primeiro esboço de
história local em que o vinho tem lugar de destaque 105. Se a isto juntarmos a monografia de J. Reis
Gomes, e algumas referenciadas avulsas e parcelares, temos feito o inventário da bibliografia sobre
o vinho até à década de setenta, sem que algo se possa alinhavar de novo. Hoje felizmente que o
panorama é distinto e contam-se já inúmeros trabalhos.
Os ingleses dedicaram maior atenção ao vinho Madeira. A posição hegemónica na exportação e
consumo ditou a necessidade de conhecimento. Aqui convém destacar as monografias de Henry
Vizetely, de André L. Simon, Ruppert Crooft-Cooke e as recentes de Noel Cossart e Alex Liddel.
Da nossa investigação salientamos D. João da Câmara Leme, o Conde de Canavial, uma destacada
figura da sociedade madeirense, da segunda metade do século XIX, que se evidenciou como um
escritor, cientista, naturalista, industrial, jornalista106. Do vasto espólio bibliográfico merecem aqui
referência os estudos que fez sobre o vinho e a crise vinícola de 1850-1851, 1870. Ele foi pioneiro
do associativismo cooperativo, quer com a apresentação de uma sociedade anónima que
promovesse a rede viária da ilha para transporte das mercadorias, por meio de um cabo aéreo, quer
com a criação da companhia fabril do açúcar madeirense, quer, ainda, com a criação de uma
associação de proprietários, viticultores e negociantes de vinho, isto é uma associação vinícola da
Madeira, ou Real associação vinícola da Madeira, como solução para a crise vinícola da segunda
metade do século XIX. Esta faceta do ilustre madeirense do século passado mereceria um estudo
mais demorado, que não cabe no curto espaço desta referencia.
FORMAS DE VER E ESTUDAR O VINHO. Na atualidade é cada vez mais evidente o interesse
pelo estudo do vinho. É grande a atenção por parte do público e da comunidade científica. Já na
segunda metade do século XIX, momento definido por uma conjuntura de crise da viticultura
europeia, deparamos com igual euforia editorial sobre a temática da vinha e do vinho. Aqui somos
confrontados, para além das discussão das soluções económicas e técnicas, com estudos descritivos
da realidade e História da cultura e comércio do produto. Assim definimos dois conjuntos de
publicações, de acordo com a posição que se coloca o seu autor:
1. Os estrangeiros, nomeadamente os ingleses, que procuravam divulgar junto dos
consumidores alguns aspectos do vinho que corria diariamente à sua mesa.
2. Os nacionais que, motivados por conjunturas de crise, intervém no sentido de apresentar
soluções. Estas vão sempre de encontro às suas causas. Assim, quando a crise se situa na esfera
comercial, tivemos os tratados em prol do protecionismo e no caso do mesmo incidir na área da
produção, provocada pelo oídio ou filoxera, então surgiam as soluções miraculosas para debelar a
crise.
A segunda metade do século XIX foi o momento de consciencialização para a dimensão científica
social, económica, cultural e histórica do vinho. Os estudos científicos adequam-se ao combate de
praga mas espicaçam a curiosidade de todos e permitem a publicação de inúmeros trabalhos de
104 Ilhas de Zargo, vol. I, pp. 275/301.
105 Anotações às Saudades da Terra, pp. 728/30; veja-se igualmente a sua colaboração nos jornais locais nomeadamente na "Discussão" e "A
Madeira".
106
Não existe qualquer monografia sobre esta personalidade insulana, apenas dispomos de alguns elementos em dois jornais locais: - "A Luz", nº
1 (1881), p. 2, e o "Diário de Notícias", nº 5, pp. 2/3.
diversa índole. Em muitos dos casos a recorrência à História é o necessário alento para esta aposta
no debelar das doenças e fazer com que a cultura retorne a assumir a essa adequada dimensão na
sociedade e economia. Durante este momento sucederam-se exposições 107, congressos108 e estações
vitícolas109 e eneológicas, associadas à edição de publicações periódicas especializadas110.
No caso das ilhas foi na Madeira que encontramos maior produção bibliográfica, quer de autores
nacionais, quer estrangeiros. O vinho da ilha conquistara uma dimensão inusual que se justifica esta
desmesurada atenção. Disso fizemos já eco num estado publicado onde compilamos o que de mais
importante se publicou sobre ele111.
Nos Açores o tema perde-se em referências dispersas e faz falta ainda uma monografia que destaque
a importância que assumiu o produto no devir económico açoriano. Deste modo é ainda difícil
abalizar do real valor histórico e económico. A tradição do verdelho tão apreciado pelos czares da
Rússia é hoje quase só uma miragem que só se torna realidade nos Biscoitos (Terceira) e em alguns
recantos do Pico. O passado constrói-se ainda de referências avulsas da documentação e
testemunhos de viajantes e apreciadores.
Na Madeira a atenção tem sido votada nos últimos anos para o sector comercial, difundindo-se
alguns trabalhos de grande interesse para o século XVIII. Todavia faz falta um estudo sistemático
da cultura e do produto final que contemple os cinco merecidos séculos de História. Também
subsistem algumas dúvidas para alguns campos que reputamos de grande interesse. Em primeiro
lugar no que concerne à diversidade de castas não temos informação segura sobre o momento da
presença na ilha e a dimensão que cada uma delas assumiu no computo total da produção da ilha. A
isto acrescem as dificuldades em conseguir definir de forma precisa as técnicas de vinificação e os
diversos tipos de vinho mais comuns e que deram fama ao vinho Madeira. Para certa literatura tudo
se reduz à malvasia e de modo especial à da Fajã dos Padres.
A análise da realidade vitivinícola não pode esquecer ainda a estrutura produtiva e formas de
evolução. Há que ter em conta ainda o grupo de mercadores que serviram de suporte ao mercado do
vinho e dele tiraram o maior rendimento. Neste caso o estudo das casas comerciais é um tema ainda
em aberto que se torna merecedor da nossa atenção tendo em conta a disponibilidade de alguns e
importantes arquivos empresariais112. Os estudos de História da Empresa encontram aqui um campo
aberto e de grande interesse.
A par disso não deverá esquecer-se a envolvência do vinho na sociedade e as implicações que daí
resultam. Assim, no caso da Madeira é comum definir-se um modelo de criação artística e
urbanística influenciado pelo vinho, o que levou alguns apressadamente a definirem de cidade do
Vinho. A propriedade do termo é discutível mas não impedem de consideramos as relações do vinho
com a arte e mesmo o quotidiano insular. No caso madeirense a sociedade oitocentista vai buscar as
raízes ao forte impacto da vinha e do vinho. Nesta campo faltam estudos que nos relevem esta
dimensão.
Ainda a um nível mais restrito poderá partir-se para um novo tipo de abordagens da temática.
Primeiro a arte do vinho, lavrada em gravuras, avulsas ou ilustrativas e livros, e rótulos. O rótulo
para além da expressão plástica muito peculiar, pode ser também um espelho da época através das
107. Em Espanha tivemos em 1877 a Exposición Vinicola Nacional.Em Portugal: Exposição Histórica do Vinho do Porto(1931-32).
108. Para Espanha: 1878 - Congreso antifiloxerico de Madrid, 1886; Congreso de Viticultores.Em Portugal: Congresso Vinicola Nacional (1895).
109. Em Espanha: Málaga, Zaragoça(1880), Sagunto(1881), Unidad Real(1882), Tanagona(1882). Em Portugal: Quinta de Nalaria(1887),
Douro(1957), Régua(1929).
110. Revista Vinícola Jerezana(1866) The wine and spirit Market (França-1871), The wine trade review (Londres. 1864), Revista do comércio de
vinhos (1896) O País vinhateiro (1884), Anais do Instituto do Vinho do Porto(1940), O vinho(1935), Vinicultura(1934).
111 História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993
112 Cf. Alberto Vieira, Guia Para a História e Investigação das Ilhas Atlânticas, Funchal, 1995, p.167.
temáticas dominantes e das mensagens escritas113. Também faz falta um levantamento exaustivo das
referências que o mesmo mereceu na literatura. Em prosa ou em verso o vinho é uma referência
constante.
A Etnografia é uma preciosa auxiliar do conhecimento e definição da ambiência que envolve a
cultura da vinha e o fabrico do vinho. O folclore e tradições que a atividade definiu no passado
confundem-se ainda com a realidade global. A tecnologia tradicional parece ter sido esquecida nos
armazéns. Assim são poucos os lagares tradicionais que persistem e falta quem providencie o seu
estudo e inventariação.
O fabrico do vinho tinha lugar em lagares de madeira e pedra. Hoje são raros os lagares e o fabrico
do vinho adequou-se às inovações tecnológicas para que o produto esteja conforme os padrões de
qualidade. No caso das Canárias é evidente nas ilhas de Tenerife e El Hierro o interesse dedicado a
estas estruturas de madeira. Já nos Açores é fácil encontrar no Museu do Vinho dos Biscoitos um
conjunto único de lagares e lagariças de pedra, a que se pode juntar idênticas infra-estruturas hoje
com carácter museológico no Pico e Graciosa. Na Madeira são poucos os lagares de tabuado como
os de pedra. E estes últimos, circunscritos apenas ao Curral das Freiras, Ponta do Pargo e S.
Vicente, jazem ao abandono.
O VINHO MADEIRA. UM CASO SINGULAR DA HISTÓRIA E LITERATURA. O Vinho é um
tema que atrai a atenção de todos, cativando poetas e literatos 114. Por outro lado o vinho é hoje uma
questão cultural sendo cada vez mais o público interessado em conhecer a sua história. O publico
consumidor parece que manifesta interesse em estar bem informado e conhecedor daquilo que bebe.
Deste modo não será de estranhar que esta atitude esteja na origem da profusão de estudos e de
grupos de trabalho especializados na elaboração da História.
O vinho Madeira demonstra até à saciedade a situação. De facto ele é, desde tempos recuados,
indispensável na garrafeira dos apreciadores do fino rubinéctar em todos os recantos do Ocidente.
Não é preciso ser escanção para reconhecer e apreciar as qualidades aromáticas e gustativas, basta
apenas um pouco de atenção no momento de o degustar. Os epítetos proferidos por poetas,
escritores, políticos e viajantes, que tiveram a possibilidade de o provar e apreciar poderão ser um
bom caminho para isso. Todos ficaram deslumbrados com o aroma e trago e ninguém se escusou a
tecer-lhe os maiores elogios. Talvez você, leitor, seja tentado a visitar alguma das vetustas adegas
madeirenses e a juntar a opinião à destes que conseguimos recolher.
Nós, contrariando o hábito daqueles que só encontram tal referência elogiosa ao vinho Madeira em
Shakespeare, iniciámos este rol de referências com aquele que terá sido o primeiro a testemunhar e
divulgar em toda a Europa as qualidades. Alvise de Ca da Mosto, nome sugestivo em questão de
vinhos, foi o primeiro a fazê-lo nas suas Navegações, escritas em 1455 e depois em várias edições
impressas que correram mundo. Este veneziano, habituado aos vinhos nobres do Mediterrâneo, não
hesita em afirmar que os da ilha eram "bons" e para que não restassem dúvidas reforça a ideia
apontando-os como "muitíssimo bons"115. Passados oitenta anos Giulio Landi116, celebra, de novo, o
rubinéctar madeirense, comparando-o "ao grego de Roma". Quanto à malvasia ele refere que da
sua colheita se extrai melhor vinho que o tão celebrado de Cândia. Em 1567, outro italiano, Pompeo
Arditi117, retém a mesma observação comparativa. Foi a partir daqui que se soube em toda a Europa
que os vinhos da ilha poderiam rivalizar com os demais afamados do Mediterrâneo, o que lhes
assegurava um espaço na mesa real ou do aristocrata.
113 . Cf. José de Sains-Trueva, Heráldica de Prestígio em Rótulos de Vinho Madeira, in Islenha, nº.9, 1991, 62 e segs; F. Guichard, A Linguagem do
Rótulo. O Vinho entre o Dito e o não Dito, in Os Vinhos Licorosos e a História, Funchal, 1998, pp.71-80.
Redol escreveu um conjunto romances com designação "Ciclo Port Wine: Horizonte Cerrado(1949), Os homens e as sombras,
Vindimas de sempre: Cf. J. Duarte Amaral, O Grande livro do vinho, Lisboa, 1994.
115 . António Aragão, A Madeira Vista por Estrangeiros, Funchal, 1981, p.37
116 . Ibidem, p.86
117 . Ibidem, p. 159
114. Alves
Shakespeare (1564-1616) foi um dos mais atentos observadores da realidade e, certamente, um dos
apreciadores. No trama que deu corpo às imortais peças, o vinho madeirense, europeu, canariano é
um dado fundamental. Primeiro diz-se, com base na peça Ricardo III, que o Duque de Clarence, em
finais do século XV, se teria afogado na Torre de Londres num tonel de malvasia madeirense,
quando na peça apenas se refere malvasia118, sem qualquer pista da proveniência119. Diferente é
todavia o que sucede na peça Henrique IV onde o dramaturgo coloca o beberão John Flastaff a
negociar com o Diabo a alma por "um copo de Madeira e uma pata de capão"120.
A referência na obra de Shakespeare ao vinho Madeira é mais um testemunho da importância que
ele adquiriu no mercado londrino, correndo com frequência nas tabernas britânicas, e a prova de
que foi a bebida mais solicitada pela aristocracia e casas reais europeias: brinde em momentos de
alegria e de grande solenidade foi, também, companheiro em momentos de aflição.
O Madeira, da conquista dos salões e palácios da vetusta cidade de Londres, passou ao Novo
Mundo, sulcou os oceanos e firmou-se, mais uma vez, nas imponentes vivendas das colónias
britânicas, disseminadas a Ocidente e Oriente.
Em finais do século dezasseis Gaspar Frutuoso o pároco da Ribeira Grande, que certamente não
dispensava o uso do vinho Madeira nos atos litúrgicos121 (vimos com assiduidade recomendações no
sentido de que este vinho fosse usado na missa), não se esquece de tecer um dos ditirambos mais
elogiosos. Diz ele que "o vinho malvasia he o melhor que se acha no Universo"122.
Os elogios mais assíduos são ditados no século dezoito a época nobre do vinho Madeira. Ele
ganhou inúmeros apreciadores que teimavam em exaltar as propriedades e a preferi-lo a todos os
outros ou demais bebidas alcoólicas, que começaram a concorrer. Esta loucura pelo Madeira foi
grande nos Estados Unidos da América do Norte. George Washington e convivas regalaram-se com
ele na boda em Maio de 1759, enquanto John Adams exclamava, com alegria no seu diário, que
sempre bebeu "grande porção de Madeira", não vendo "nenhum inconveniente nisso". Ademais,
segundo constatou o último estadista, ele é diferente de todos os outros, pois mantém-se "salutar e
agradável no calor de Verão ou no frio do Inverno"123.
Thomas Jefferson não atraiçoou a preferência dos antecessores e mesmo em Paris não prescindia do
Madeira, pois era "de superior qualidade e o melhor"124. Foi certamente com a inspiração do
aromático malvasia que se formou o grande empório. Com ele se celebrou a independência, acto
que é anualmente recordado da mesma forma.
Os europeus, levados por esta exaltação dos políticos americanos, despertaram de novo para o vinho
Madeira e choveram elogios em catadupa. Em 1795 o Dr. Wright 125 exclamava: "Se Homero o
tivesse bebido, afirmaria que o Olimpo renascia apesar de os deuses estarem já fora de moda". O
mesmo recomenda o uso pelos pacientes idosos, pois é "uma das bebidas mais úteis e eficazes para
as pessoas de idade a quem as funções físicas começavam a falhar". Daí o epíteto de leite dos
velhos. Diz-se até que a longevidade do Conde de Canavial terá resultado do Madeira que bebia
todos os dias em jejum.
Os mercadores madeirenses ligados ao comércio do vinho, em representação de 29 de Setembro de
1801126, definiam o vinho Madeira como o resultado da combinação perfeita das condições
mesológicas com as castas e nunca resultado de quaisquer artimanhas laboratoriais ou do mais
118 . Ricardo III, Lisboa, s.d., p.66 (acto I, cena IV)
119 . Note-se a confusão evidente entre o vinho da Madeira e das Canárias nas peças de Shakespeare. Cf.
1979, p.79.
120 . Henrique IV, Porto, 1973, p.19(1ª parte, acto I, cena II)
121 .Livro Quarto das Saudades da Terra, vol. II, 1981, p.47.
122 . Livro Segundo das Saudades da Terra, Ponta Delgada, 1979, p.
123 .T. B. Duncan, Atlantic Islands, Chicago, 1972, p.250-251
124 .Ibidem.
125 . Eduardo C. n. Pereira, Ilhas de Zargo, vol. I, Funchal, 1967, p.602
126 . ARM, Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal, t. 13, fls. 107vº-111
The Merry Wives of Windsor, London,
sofisticado processo de vinificação. Esta observação e tanto mais atual, quando hoje se fala já em
vinho biológico: " superioridade que distingue de todos os outros, o vinho da Madeira é o
resultado de uma combinação feliz de circunstancias favoráveis, as quais, por dependerem do
local, sempre foram e continuarão a ser privativas desta ilha. O clima, a configuração da terra, e a
natureza do torrão, não dependem de contingências, nem admitem imitação pela industria humana,
e essas vantagens, adjuvadas de uma muito particular agricultura, e de muito custo, e de um trato
simples, mas laborioso, conspiram produzirem o vinho da Madeira, licor singular e inimitável, que,
nem o tempo, nem o ar, nem o gelo do polo, nem a fervura do trópico, podem prejudicar, antes
sendo a sua essência simples e imutável, as provas as mais rigorosas, e o lapso de longos anos, só
servem a demonstrarem, a semelhança da verdade e sua nativa pureza"
O vinho da Madeira não foi apenas companheiro dos grandes momentos festivos e de euforia, pois
também se postou de guarda nas dificuldades e solidão, como sucedeu com Napoleão Bonaparte. O
deposto imperador recebeu, aquando da passagem pelo Funchal em Agosto de 1815, das mãos do
cônsul britânico uma pipa de Madeira, que foi companheira no exílio de Santa Helena, até à morte.
O general, talvez receoso de segundas intenções da oferta, nunca provou o vinho e à sua morte em
1820, o cônsul solicitou a devolução, o que ocorreu passados dois anos. Com este vinho da volta
fez-se uma garrafeira importante para gáudio dos colecionadores, sob o título de Battle of Waterloo.
W. Churchill, quando em 1950 fez férias na Madeira, teve oportunidade de apreciar este vinho que
Napoleão nunca bebeu.
As qualidades profiláticas do vinho Madeira foram mais tarde reforçadas pelo Dr. Vicente
Henriques Gouveia127 que destacou a ação bacteriológica sobre o bacilo do Erbert, enquanto Samuel
Maio recomendava o uso na cura da gota. Perante as inestimáveis e inimitáveis qualidades
organolépticas e profilácticas Warna Allen concluiu que estávamos perante um vinho imortal, que
por isso mesmo não devia ser ignorado e ultrajado.
O Vinho das ilhas ganhou raízes pela necessidade dos primeiros povoadores mas cedo se espalhou a
fama da qualidade fazendo com que o mesmo acompanhasse as rotas comerciais do Novo Mundo e
os tradicionais mercados europeus. Fama e comércio foram também sinónimo de interesse
científico e editorial. Daqui resulta que a Madeira se apresenta como um caso raro no domínio da
Historiografia da Vinha e do Vinho.
O vinho foi e continuará a ser um referencial importante de definição da ilha e da labuta de cinco
séculos das gentes insulares. E as ilhas continuarão a ser uma referência no percurso histórico do
vinho do mundo antigo para o novo.
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vinha e o vinho do Porto Santo, in Ibidem, 1944, nº. 13, pp. 1/2, 1/3, 1945, n1. 1, pp.
2/3.Idem, Subsídio para o estudo na Região da Madeira-processo de cultura da vinha, in
Ibidem, 1944, nº. 17 (1/2), 18 (5), 21(4/2), 22 (4/3), 24 (4/2). Idem, Subsídios para o Estudo
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História, Funchal, 1998, pp.99-119. Idem, Breviário da Vinha e do Vinho na Madeira, Ponta
Delgada, 1991. Idem, História do Vinho da Madeira. Documentos e Textos, Funchal, 1993.
Publica-se a tradução dos textos referentes à Madeira dos livros: G. Landi(1574), P. Arditi
(1567), Hans Sloane (1707), J. Ovington (1689), G. Forster (1777), J. Barrow (1793),
George Stauton (1797), T. E. Bowdich (1825), Alfred Lyall (1827), James Holman (1834),
John Diver (1834), F. W. Taylor (1840), R. White (1851), Ed.V. Harcourt (1851), E. S.
Wortley (1854), W. Hadfiled (1854), F.R. G. S. (1863), J. L. Thudichum e A. Dupré (1872),
S. G. W. Benjamin (1878), H. Vizetelly( 1880), D. Embleton (1882), Gaston Lemay (1881),
J. A. Dix (1896), A. Samler Brown (1890), A. J. Drexel Biddle (1900). Idem, (e Constantino
Palma, Homem Cardoso), O Vinho da Madeira, Lisboa, 1998. VIZETELLY, Henry, Facts
about Port and Madeira, With notices of Wines Vintaged around Lisbon and the Wines of
Tenerife, London, 1880.
3. CANÁRIAS: BETHENCOURT MASSIEU A.,1956, "Canarias Y Inglaterra. el Comercio
de Vinos(1650-1800)", in Anuario de Estudios Atlanticos, nº.2, pp.195-308 [com redição
em volume separado, Las Palmas, 1995];BETHENCOURT MASSIEU A., 1977,"Canarias y
el Comercio de Vinos(siglo XVII)", in Historia General de las Islas Canarias, tomo, III,
266-273; CAMACHO Y PÉREZ, G., 1966, Cultivo de cereales, viña y huerta en Gran
Canaria(1510-1527), Anuário de Estúdios Atlânticos, nº.12, LAs Palmas/Madrid; GUIMERÁ
RAVINA, Agustín,1985, Burguesia extrangera y Cmercio Atlântico. La Empresa Comercial
Irlandesa en Canárias(1703-1771), Santa Cruz de Tenerife; LOBO CABRERA. Manuel, 1988,
El Comercio Canário Europeo Bajo Filipe II, Funchal; LOBO CABRERA. Manuel,1993; El
Comercio del Vino entre Gran Canaria y las Índias en el siglo XVI, Las Palmas; LORENZO
CACERES, A. de, 1941, Malvasia y Falstaff. Los Vinos de Canárias, La Laguna; MARTIN
RUIZ, J. F., e ALVAREZ ALONSO, A., 1978, La Pervivencia de um cultivo tradicional. El
viñedo canario, Revista de Historia Canaria, XXXVI, La Laguna; MARTÍNEZ GALINDO, P., 1998,
La vid y el vino en Tenerife en la primera mitad del siglo XVI, La Laguna; MACÍAS HERNÁNDEZ,
A. M., 2000, «La viticultura canaria. Orto y ocaso, 1500-1850», MALDONADO ROSSO, J., y A.
RAMOS SANTANA (eds.),Actas del I Encuentro de Historiadores de la vitivinicultura española,
Puerto de Santa María, pp. 319-343;TORRES SANTANA, Elisa, 1991, EL Comercio de las
Canárias Orientales en Tiempos de Filipe III, Las Palmas de Gran Canaria.
ANEXO.2: Documentos.
1784(?). [COMPOSICIÓN]...DE LOS VINOS DE LA ISLA [DE LA MADERA]128
Fonte: Archivo Brier Ponte Ximénez, Garachico, Tenerife.
Composición que conviene a todos los vinos en general
Se sabe que en La Madera distinguen muchas calidades de vinos, a saber: vino particular, de
embarque a Londres, de la India, de Nueva York, de cargazón, negra mole, vino viejo y malvasía
dulce.
Antes de dar noticia de los precios y propiedades de cada uno, veamos la composición que es
común a todos.
Para cualquiera calidad de vinos que se intente hacer se pone especial cuidado en vendimiar
bien maduro. Esta fábrica comienza por lo regular a principios de Septiembre y finaliza en el mes de
Octubre, a excepción de la Malvasía dulce, cuyas vendimias empiezan casi siempre cuando las otras
acaban.
Bien compuestas y preparadas las pipas para la recolección de los mostos, se lavan
perfectamente y limpian por dentro con una cadena de hierro o con pedrezuelas. Estando enjutas y
sentadas de firme sobre canteros de media vara de alto, se echa en cada una dos canadas (que son 3 y
1/2 o 4 botellas) de aguardiente viejo, sobre el cual se vacía el mosto encolado por un jarnero, a fin de
que no vaya a la pipa algún bagazo o granilla, que por acaso se haya escapado del cesto, que a ese
intento se debe poner desde luego [cuidado] en la bica del lagar.
Las pipas han de quedar de vacío un palmo de alto, para poder batir y mecer el mosto con
facilidad, bien que hay ciertos vinos tan ásperos y fuertes por la calidad del terreno seco que los
produce, que sólo lleva cada pipa siete u ocho barriles, para poderlos trabajar mejor. Aunque las
pipas queden destapadas, se ponen sin embargo hojas de higuera blanca sobre la boca, con una
tablita atravesada por encima, la cual, estando suspendida por los arcos al lado de la boca, no
estorba el resuello del mosto mientras que hierve, cuyas hojas se renuevan cada poco tiempo, por
comunicar al vino un olor muy agradable.
Uso del yeso
A los tres días de encerrado el mosto, de cualquiera calidad que sea, se le pone [folio 1v] el yeso en
polvo, cuya cantidad... [media línea rota] Hay pipa que lleva de doce... [media línea rota] tres a
cuatro. El regular... [línea rota] dulce ocho libras, el particular y de embarque... [palabra rota] de
cinco a seis libras y todo el demás vino de cuatro a cinco. De aquí es que cuanto más fuerte sea, o
cuanto más maduro se haya vendimiado el esquilmo, necesita de mayor porción de yeso, que purifique
y corrija la ripidez del vino fuerte o la tibieza del demasiado maduro. Es circunstancia que contribuye
mucho a la bondad de los vinos que el yeso sea de buena calidad, y se conoce cuando la piedra tiene
vetas azuladas, como jabón de Castilla, y brilla como cristal. El mejor y el que regularmente se gasta
en la Madera viene de Cádiz. El yeso guardado en polvo pierde su fuerza, y por tanto cada año se
muele solamente aquel que se necesita. Hecho ese cálculo, se forma un montón de dichas piedras y
haciendo encima de ellas una pira de leña, se le da fuego, que está ardiendo 24 horas poco más o
menos. Estando cocido se muele con una mano de hierro en un pilón de madera, que se tiene
destinado solamente para ese uso, por ser muy fácil de tomar el gusto de cualwuiera otra cosa que se
maje en él.
128 . Agradecemos ao Prof. Agustin Guimerá Ravina por nos ter facultado a cópia do presente documento.
Operación de mecer el Mosto
Cuando se ha puesto el yeso en las pipas, es necesario mecer el mosto de mañana y tarde. En esta
operación se diferencia también el vino flojo o de altos, que no necesita de mecerse tanto, como el
vino fuerte, o que se ha vendimiado muy maduro, el cual debe batirse con tanta violencia que choque
de un fondo al otro del casco, gastando en cada pipa un cuarto de hora por la mañana, y otro tanto
por la tarde. Por esta razón, cuando una bodega es larga se entra gente que haga esta tarea, aunque
por lo común los mismos peones de vendimia hacen dicho trabajo, comenzando a las cuatro o cinco
de la mañana hasta las ocho o la nueve, y desde las cuatro de la tarde hasta las ocho de la noche, por
cuyo motivo se aumenta un poco su paga. La tarea de mecer el mosto de mañana y tarde dura
solamente 15 a 20 días, porque después bastará una sola vez al día, has- [folio 2]...[palabra rota],
que suele ser a mediados de Diciembre, aunque no se puede señalar un término cierto, dependiendo
del tiempo en que se hizo la vendimia y la calidad del Mosto, más fuerte o más flojo. El mecedor es un
palo redondo (hecho de haya, que es madera muy fuerte), en cuyo extremo de abajo (al alto de media
vara o tres cuartas) se hace chato de ambos lados, de hechura de pala para batir con más fuerza.
Cuando el mosto acaba su hervor no se mece más, pero se vuelve a poner sobre la boca de la pipa las
hojas de higuera blanca, con un ladrillo o tablita que las sujete, esto es sentado sobre la boca de la
pipa el mismo ladrillo o tablita que antes se había puesto atravesado.
Puesta en limpio
A fines de Enero o principios de Febrero, cuando está ya bien sentado y claro, se pone en
limpio todo el vino nuevo. Preparadas las pipas con el mismo aseo que a la recolección de los mostos,
se azufran con una mecha de cuatro dedos de largo y al cabo de un rato (no sea que arda si se echa
inmediatamente) se echan cuatro botellas de aguardiente, con el cual se enjuaga muy bien la pipa,
rodándola y empinándola una cabeza después de la otra. Hecho esto y sentada la pipa se va vaciando
el vino por un colador de bayeta con especial cuidado que vaya bien claro, a cuyo fin se pone una
persona con una taza en la mano junto a la pipa de donde se saca para estorbar que salga más vino
inmediatamente [que] lo repare un poco turbio. A este tiempo (si el vino no está perfectamente igual)
se suele mezclar el fuerte con el más flojo, con tal [de] que los dos se hayan vendimiado bien
maduros, porque de lo contrario se perderán ambos. Sentadas ahora dos pipas para recojer las
madres, en una se van depositando los primeros cántaros de vino turbio, para después encolarlo, y en
la otra se va poniendo la borra de vino, que destilada da el aguardiente más apreciable para
componer los vinos del año siguiente.
Trasiegos
Al entrar la canícula, esto es a mediados de Julio, se vuelve precisamente a trasegar todo el vino, bien
sea nuevo o viejo, dulce o seco. Entonces se echa de [folio 2v] nuevo otra tanta porción de
aguardiente y se practica [...nido] al poner en limpio todos estos trasiegos se tendrá [...] menguante
de Luna, porque de los tres días de la Luna [roto] está llena, está muy revuelto el vino y es perjudicial
menearlo.
Modo de clarificar el vino
No siempre se clarifican los vinos cuando se ponen en limpio. Esta operación se hace en la
Madera las menos veces que pueden, persuadidos a que ella quita al vino muchos espíritus y
partículas sustanciosas, y de consiguiente afloja y enfría. Así pues, sólo clarifican los tumbos que han
salido en los trasiegos, o aquellos vinos turbios que realmente necesitan de purificarlos. Toman
entonces una docena de claras de huevos para cada pipa y dentro de una orza vidriada (o un pequeño
balde) las baten con un molinillo (o con un mazo de palitos) hasta que todas se convierten en espuma
tan espesa que no se derrama aunque se incline la orza. Luego, las cáscaras de los huevos
(quitándoles aquella cutícula que tienen por dentro) se machacan con un mortero de palo (o en un
lienzo), de forma que queden tan molidas como harina. Mézclanse entonces con la espuma y llenando
la orza de vino se revueklve muy bien y [se] vacía en la pipa, la cual después de batida con el
mecedor, se tapa y deja quieta. Pasados doce o quince días se trasiega y [se] saca el vino por un
torno, teniendo cuidado de no bullir la pipa por no revolverla. Por cuyo motivo se previene al sentarla
que quede un poco inclinada hacia delante, a fin de sacarle todo el vino sin ser menester menearla. La
cola piscis muy raras veces o nunca la usan, tanto por lo mucho que afloja los vinos, como por el
ácido y mal gusto que les comunica. Es un remedio que sólo aplican en la extremidad, cuando una
pipa está sumamente revuelta o casi perdida. Si reconocen que alguna pipa tira a perderse,
inmediatamente la mudan a otro casco y echándole cuatro botellas de aguardiente viejo lo clarifican y
vuelven a trasegar como queda prevenido.
Calidad del aguardiente
Se valen mucho en la Madera del aguardiente de Francia para com-[folio 3][-poner] los vinos, por
cuyo motivo se permite su entrada en la Isla...[roto] es necesario que éste sea dulce, porque si tira
algo a ácido prueba siempre muy fatal; como quiera prefieren comúnmente el de la tierra hecho de los
madres del buen vino [o] o del vino destilado por ser flojo y no por agrio. En todo caso es preciso que
el aguardiente sea viejo, porque el nuevo no solamente comunica al vino cierto mal gusto, humo y
aspereza sino a veces le da un resabio que lo arruina, por cuya razón repugnan tanto usar de
aguardiente nuevo para vino, que antes prefieren no echarle ninguno. Cuando el aguardiente tiene
cerca de un año se reputa por viejo, mayormente si se ha mezclado con alguno de más edad, que
siempre se tiene de resguardo en una pipa arqueada de hierro y pintado con aceite de linaza, que se
destina para su depósito. La cantidad de aguardiente que se echa en cada pipa al recojer el mosto, o
al ponerlo en limpio y trasegarlo, suele ser dos canadas (o cuatro botellas) por cada vez, pero si el
vino es flojo llevará algo más. Al hacer el aguardiente se cuida mucho que el alambique esté bien
aseado, fregándole muy bien con sal, limón y vinagre, no sea que saque gusto a herrumbre; y como no
basta que el aguardiente tenga buen sabor, si[no] también que tenga bastante fortaleza para que la
pueda conservar en su vejez, de aquí es que todo el que se destina para composición de vinos se hace
de cabeza, volviendo a reestilar el aguardiente simple, para que todo sea igual. Si acaso al trasegar
los vinos no se ha tenido a mano aguardiente viejo y después gustare de echárselo, no se debe
introducir por arriba, porque siendo un espíritu mucho más ligero se queda por encima y castra el
vino, que saca después gusto a requemado. Para esto se tiene una caña gruesa que se agujerea con un
asador caliente hasta el último canuto de abajo, cuyo nudo no se abre para que sirva de tapón; en
este último canuto se barrenan de alta a abajo y alrededor, doce o diez y seis agujeros encontrados; y
entrando la caña hasta el fondo de la pipa, se introduce por ella el aguardiente, el cual, al salir por
los agujerillos del último canuto de abajo, se esparce por todo el vino. Del mismo modo se introduce
también el cocimiento de aguardiente y [folio 3v] mosto, de que presto se dará noticia.
Uso del azufre
Es muy útil azufrar las pipas después que han estado con agua para quitarlas aquella acuosidad que
realmente ofende al vino; pero si se exceden en la dosis que corresponde para cada pipa la perjudica
mas el remedio que la enfermedad, dejándola un tufo intolerable, que se nota muchas veces en los
vinos de Tenerife, mayormente en las cuarterolas. Una mecha de cuatro dedos de largo es bastante
para cada pipa y una de dos dedos para cada cuarterola; es decir que una cuarta de mecha debe dar
para tres pipas o para seis cuarterolas. En la Madera solamente se azufran las pipas cuando se
embarcan, pero no al tiempo de los trasiegos, porque entonces (después de estar limpias como se ha
dicho) se enjuagan muy bien con el aguardiente y temen que si son azufradas y luego se les pusiera
aguardiente que éste se ardería. Por cuyo temor cuando se azufran las pipas para embarcar vacían
primeramente dos o tres cántaros de vino antes de echar el aguardiente o el cocimiento de aguardiente
y mosto. Es verosímil que dejando pasar algún tiempo entre azufrar las pipas y echarles el
aguardiente, en tal caso se evitaría el peligro de arderse y quemado el azufre con las dichas
porecauciones, lejos de dañar, sería muy util al encerrar el mosto y al tiempo de los trasiegos.
Del cocimiento de aguardiente y mosto
Se ha dicho que la mas esencial composición que se hace a los vinos de la Madrea es el vendimiar
bien maduros. Se sigue a esto el echarle el yeso y aguardiente viejo, mecerlo y trasegarlo en los
diferentes tiempos que se ha señalado. Sin embargo, la composición que creen los naturales que da
mayor quilate a su vino (de que hacen su grande secreto) es la mezcla del cocimiento de aguardiente y
mosto. Cuando están en las vendimias de la Negramolle hacen una con especial cuidado de que la uva
vaya bien en perfección al lagar, para separar de aquí aquella porción de mosto para el cocimiento
que necesitan, que supongamos ser una pipa. En tal caso [folio 4] toman seis barriles de este mosto
con otros seis de aguardiente viejo (si hay y cuando no del nuevo, con tal que sea bueno) y mezclado
todo junto en una pipa se tapia muy bien, sin mecerla para nada. El aguardiente en muy pocos días
aclara y purifica el mosto, de manera que se hace una bebida tan grata como rosoly, con el cual
componen el vino al tiempo del embarque, echando a cada pipa ocho o diez botellas en lugar del
aguardiente, que se excusa entonces. Si este cocimiento se destina para componer el vino llamado
particular, se hace entonces con mosto de Berdello y Gual, en lugar de Negramolle, porque dicho vino
no va tinturado. Ya se supondrá que esta composición no lleva yeso a hacerla, pero se pone en limpio
al mismo tiempo que el vino nuevo. En la Madera no usan para esto de mosto de Malvasía. La
experiencia podrá enseñar si era propósito o no.
Para hacer vino viejo en poco tiempo
Escojen las mejores pipas entre el vino nuevo y ponen en cada una diez o doce botellas de aguardiente
viejo, y veinte y cuatro dichas de malvasía dulce (no demasiado dulce y sin concertar o componer), la
malvasía comunicándole la madurez y el aguardiente el trasañejo y el espíritu de viejo hace pasar este
vino por dos o tres años más de lo que tiene.
En Octubre de [17] 84 llegadas de la Madera a esta América algunas pipas de la cosecha de [17] 83
(compuestas de esta manera) no se distinguían del de la cosecha de [17] 79 y se vendieron al mismo
precio de 39 guineas. Es de suponer que el primer año no tiene este vino suficiente trasajeño para
componer otro vino nuevo, pero dentro de un año adquirirá más vejez que otro en dos o tres.
Composición de cada calidad de vinos en particular
Habiendo explicado las composiciones que convienen a todos los vinos en general, veamos ahora lo
que distingue cada calidad.
Vino particular
Se hace en los mejores parajes del Sur de la Isla, de tres partes de Verdello (que es su mejor uva) y de
una parte de Gual, y tal vez de algún Vidueño. [folio 4v] Después de recogido el mosto, de echarle
aguardiente y yeso, mecerlo, ponerlo en limpio, trasegarlo a su tiempo, etc. etc., cuando se quiere
embarcar no se mezcla Negramolle, (porque este vino no lleva tintura) en su lugar se le ponen veinte y
ocho o treinta botellas de Malvasía dulce, si concertare o componer y otro tanto de vino viejo
particular. Si falta este último, suplirán cuarenta y cinco o cincuenta botellas de Malvasía dulce (con
tal de que sea vieja para que no le falte trasañejo) y ocho o diez botellas del cocimiento de
aguardiente y mosto (hecho de Verdello y Gual, y en su defecto cinco o seis botellas de aguardiente
viejo).
Vino de embarque para Londres
Se mezclan diferentes calidades de uvas al hacer este vino, a saber: Verdello, Gual y Vidueño, como
también Negramolle, Maroto, Bastardo y Moscatel negro; caso [de] que no haya bastante de estas
últimas cuatro uvas para hacer vendimia de tintura separada. Hecho este vino y beneficiado con el
aguardiente y yeso con la misma atención que el antecedente, se compone después al embarcarlo de
muy diferente modo. Si el mosto se ha hecho blanco, esto es si en el lagar no se han mezclado uvas
negras, requiere cuatro y media o cinco baldes de tintura (que hará treinta y cuatro a treinta y ocho
botellas) para que quede de un rojo bien encendido, pero de haber llevado dichas uvas negras,
bastarán veinte botellas de dicha tintura. Además de esto se le echan dos o tres baldes de vino viejo y
ocho o diez botellas del cocimiento de aguardiente y mosto, llevando menos si se ha vendimiado bien
maduro, y más si está verde.
Vino de embarque a la India.
Es el mejor de la calidad de Nueva York
En el vino de embarque a Nueva York se mezclan uvas menos apreciables, tal como Listán, Sarcial,
Verdello de crapuza (que es una uva pequeñita y dura) y Malvasía de Canarias. Su última
composición consiste en echarle dos o tres baldes de tinta o diez a doce botellas del cocimiento de
aguardiente y mosto, según esté verde o más maduro. Tal vez no echan vino viejo en esta calidad que
llaman de Nueva York, por cuyo [folio 5] motivo cuando nuevo agrada muy poco y alguno que se ha
traído este año aquí a la América no lleva ventajas al de Tenerife.
El vino de cargazón
Es el de embarque a Nueva York que sale de una inferior calidad. Suelen ser a veces los mejores vinos
de la banda del Norte de la Isla, puestos sobre las madres del vino particular o de embarque a
Londres, al tiempo que éstos se ponen en limpio. Prepàranse para embarcar echándoles cuatro o
cinco baldes de vino viejo, dos o tres de tinta, y ocho a diez botellas de cocimiento, o en su defecto seis
u ocho de aguardiente viejo. Como estos mostos son flojos, sólo requieren 3 1/2 a 4 de yeso para cada
pipa, pero llevan más aguardiente que los vinos fuertes, según queda prevenido.
La Negramolle
Se vendimia separadamente para hacer tintura y es el único mosto que no lleva yeso ni aguardiente.
Cortado el racimo en su perfección, se repisa y hace mosto, el cual es tan fuerte y hierve con tanta
violencia que reventaría la pipa si se encerrase como el demás mosto. Por tanto se va depositando (sin
encolar) en tinas o cascos, que se empinan y desfondan por arriba, donde se mece o bate con una
grande palo o duela que llegue hasta el fondo, hasta que pasados 25 o treinta días cesa el hervor y se
encierra en pipas. Si hay algún Moscatel prieto, Maroto o Bastardo, que son también uvas negras, se
mezclan con la Negramolle. Muchos acostumbran repartir por las pipas del otro mosto el bagazo de
la Negramolle que ha quedado en el lagar, para que suelte y le comunique su tintura, y lo mismo
practican con las madres que quedan en el fondo de la tina, de donde se saca la tinta con mucho
cuidado para no revolverla. La Negramolle nunca se compra en mosto (excepto la necesaria para
hacer el cocimiento) porque hay gran peligro de que se vuelva agria, si no se ha tenido la prevención
de vendimiar bien maduro. La pipa de ella se suele vender desde Enero por pesos fuertes 120.
Vino viejo
[folio 5v] Cuando el vino preparado para particular o para embarque de Londres ha quedado de un
año para otro se reputa como viejo y no hay diferencia entre el precio de ambos, que suele ser de ocho
a diez libras esterlinas más, por razón de su vejez. Todo negociante guarda precisamente algún vino
viejo para componer todos los que se embarcan. Regularmente lo conservan en toneles de cinco a seis
pipas, hechas en la misma isla con duelas encargadas a propósito a la América, y arcos de hierro muy
dobles que vienen de Londres. La hechura costará cuatro pesos fuertes, pero acabados piden cien
pesos por cada uno. Todos los años renuevan aquella cantidad que han sacado de cada tonel con el
mejor vino de la cosecha de dos años, con lo cual conservan siempre la data (fecha) del primer vino
que se guardó en ellos.
Malvasía dulce, y su concierto o composición
Las vendimias de la malvasía dulce comienzan comúnmente el ocho de Octubre y siguen haciéndolas
con tal atención y cuidado que, no contentos con recorrer y dar manos a la viña, suelen echar de un
mismo racimo en tres o cuatro vendimias, cortando con unas tijeras las escadias (gajitos) que están
más en perfección, y tirando todas las uvas podridas. Lavadas bien las pipas con cuatro o cinco
botellas de aguardiente, se encierra el mosto, y a los tres días se echan en cada pipa ocho libras de
yeso, poco más o menos, batiéndolas de mañana y tarde hasta que acaban de hervir, que es
regularmente quince días después de todo el demás [vino]. Al tiempo de ponerlo en limpio y
trasegarlo en canícula, se le vuelve a poner otra tanta porción de aguardiente, sin hacerle otro
beneficio cuando se destina para componer los vinos particulares. Pero si se quiere para embarcar,
toda la malvasía se concierta o compone con almíbar. Se toma cierta porción de azúcar y, poniéndola
a hervir en una caldera con agua, se purifica con claras de huevos (como cualquiera lamedor) y se da
punto, de forma que ni quede claro ni tan espeso que cuaje. Entonces se echa en cada pipa de vino
diez a doce botellas de este lamedor, y mecido muy bien se trasiega a una pipa [folio 6] con doce
arcos de hierro, enfundada en otra arqueada de palo, de cuya forma se embarca todo el vino dulce, sin
echarle por aquella vez cocimiento ni aguardiente. De las madres del vino dulce sale el mejor
aguardiente, mas antes de ir a la Destila suelen componer con ellas algún vino que está verde o
desabrido, pasando éste a la pipa donde ha estado el vino dulce. En La Madera consideran perdido el
vino dulce cuando está tan espeso y pesado como las muestras que han venido de Tenerife. Si entran
la valencia[¡] en una pipa y al salir queda la gota pegada en el extremo de ella o que hace baba al
caer, inmediatamente preparan otra pipa para trasegarlo, le echan cuatro o seis botellas de
aguardiente (más o menos según el estado de dicho vino) y lo cuelan por una bayeta, dentro de la cual
ponen unos ramos de hiesta [!] verdes, a fin de que reciban y extraigan aquella baba del vino; y,
echándole luego el yeso en polvo (y crudo comúnmente por ser más pesado), se le da la vara por un
día y después se clarifica. De esta manera lo conservan siempre bien líquido, claro y transparente, y
de un dulce no enfadoso.
Se aprecia muy poco la uva llamada Malvasía de Canarias. Lo primero por estar muy
expuesta a pudrirse con las lluvias y lo segundo por sacar el vino cierto amargor o ripidez a manera
de cerveza, por cuyo motivo la mezclan con otras uvas para hacer el vino de cargazón, y en la primera
oportunidad injertan su parra en Verdello o Gual, para lo cual es insigne.
En La Madera se embarca todo el vino en pipas nuevas. Sin estar aún con arcos de hierro se
hinchan de agua salada, y se tienen llenas dos y medio o tres días cuando más, en cuyo tiempo está
siempre un peón renovando el agua que embeben y remojándolas por fuera. Al cabo de este tiempo se
escurren muy bien y enjuagan con agua dulce, llenas de la cual se rebaten y ponen los arcos de hierro.
Bien escurridas por última vez, se azufran para embarcarlas o para tenerlas guardadas, porque sin
este beneficio tomarían vaho. Por la misma razón, cuando una pipa queda en la bodega o se tapa muy
bien o se pone con la boca vuelta a un lado, para que ni reciba el polvo de arriba ni tome el tufo de
tierra. Si la tal pipa tuviese ya resabio, se le quitará hirviendo agua con unos cañitos de caña dulce
[folio 6v], y con ella enjuagándola muy bien.
1786/Outubro/20: O VINHO Madeira- Nota do consul espanhol Francisco Chacon129.
Fonte: Archivo Real Sociedad Económica de Amigos del País de Tenerife. Tomo 6. Agricultura
Lista de los nombres de las cualidades de las uvas de Madeira que consiste a la grana que remito a Su
Excelencia para cimentar, a saber:
1.:Cimientos de uvas tintas nombradas negra mol
2. Cimientos de uvas tintas nombradas marulo
3. Cimientos de uvas tintas nombradas bastardo
4. Cimientos de uvas blancas nombradas listrón
5. Cimientos de uvas blancas nombradas baboso
6. Cimientos de uvas blancas nombradas bual
7. Cimientos de uvas blancas nombradas terrentes.
8. Cimientos de uvas blancas nombradas sayba.
9. Cimientos de uvas blancas nombradas berdillo
Las sobredichas cualidades de uvas existen a esta isla de La Madeira con la advertencia que todo lo que
son vinos tintos producen al sur de la isla y los vinos blancos producen al norte de dicha isla.
Instrucciones sobre el modo que se debe cimentar la grana del vino de la Madeira según su tiempo.
1.La grana o cimiente del vino tinto y más cualidades de ella debe sembrarse en el mes de diciembre o
bien por todo el mes de enero, con la advertencia de que la tierra esté en buena disposición bien labrada
y blanda por haber llovido.
2. La grana se sembrará cogiendo una poca de ella en cuanto se pueda al sur de la isla, pues se ha
notado por experiencia produce más cualidad de vino y es mucho más fuerte y permanente produciendo
más abundancia por razón de que la tierra es más fecunda.
3. La grana dicha se sembrará cogiendo un poco de ella como veinte o treinta granos a un palmo de
distancia una a otra, lo mismo que cimentar maíz a proporción y si se puede la tierra estear mucho
mejor, pues se nota producir buena viña de raíz con el objeto de hacer grandes plantas como se practica
en esta isla de La Madeira.
PODAR.
Del modo de podar las viñas según su tiempo por hacer las plantadas cortando los plantones necesarios
para ello, a saber la práctica que se tiene de podar las viñas según la experiencia es que después de la
vendimia al cabo de un mes tiene llevado se podan las viñas y se tiran los plantones o sarmientos para
hacer plantadas. Las dichas plantas suelen producir en fruto se replanta la viña por todo el mes de
diciembre y por todo el mes de enero sé que se practica en esta isla y también recibe fruto de ella al cabo
de tres años a más tardar. La regla general de podar las viñas es por el mes de febrero, y entonces se
hace por el reventar de las viñas, cuyo preparativo es tal útil que del contrario reventaría sin producto,
pues se experimenta nacer mucha viña y poco produce, pues acontece que algunos labradores son
omisos y se les pierde por su omisión la cosecha. Todo lo expresado se practica en esta isla de La
Madeira y para que sirva de que a estas islas de las Canarias se aumenten las plantadas de viñas, objeto
tan necesario para el fomento del comercio y extracción de los vinos me ha parecido útil remitir a
Vuestra excelencia esta nota que tengo indagado para que a lo sucesivo se verifiquen los mayores
progresos de las producciones de estas islas, teniéndose los vinos por los más generosos que de la
129.Agradecemos a Manuel Hernandez González por nos ter facultado a cópia em questão.
Madeira.
Funchal, 20 de octubre de 1786. Francisco Chacón.
Nota de la descripción de los vinos de la isla de La Madeira según el método que se practica su
composición y vendimia.
1.Por el mayor acierto de conseguir la mayor cualidad de los vinos de la isla de La Madeira consiste
con la más exacta observancia que las uvas con la mayor limpieza a la planta, sin que estén muy
colgadas de hojas que regularmente les priva del sol, y asimismo que no toquen al suelo, quedando
siempre del modo más airoso para coger la uva bien sazonada, con advertencia de que cuando se
experimenta un año seco y muy caluroso. Se empieza la vendimia por el mes de agosto, mas
regularmente suele ser por el mes de septiembre, porque da tiempo a las uvas de estar más sazonadas y
maduras, con advertencia que su madurez no pase a extremo porque daría mucho más trabajo para
salir del dulce que por su naturaleza tiene.
2. Debe notar como cosa más importante que luego de llegar el sobredicho tiempo de la vendimia se
prevendrán sujetos que saben conocer la cualidad de las uvas, tanto por ser sazonadas, como también
por ser más verdes o de distinta cualidad, de modo que se deben apartar con una grande observancia,
pues sin el expresado método no saldrán los vinos con perfección.
3. Reservada la cualidad de las uvas ya sazonadas y ya verdes, como tengo dicho, se hará el vino y, hecho
que sea, se han de prevenir pipas limpias y bien curtidas, o bien con agua salada, se echa en la pipa tres
baldes de agua, hirviendo y quedando la pipa bien curtida y limpia, se le echará el vino de madera que
debe servir de nota que la pipa sea de 23 almudes, solo se echará 17 y echado que sea el vino, como
dije, se pondrá la pipa en una lonja que sea seca y que corra el aire, bien con la advertencia de que,
puesto ya el vino a la lonja para conseguir su legítima claridad se echará adentro la pipa media
asombre de yeso y se practicará la diligencia que un hombre todos los días por la mañana antes de salir
el sol con un palo que se mete por la boca de la pipa, revuelva bien el vino por el espacio de media hora
sucesivamente y se debe notar que la pipa se debe dejar su agujero abierto durante este trabajo de
revolver el vino hasta el 11 de noviembre, que regularmente a dicho tiempo ya se empezará a
experimentar su claridad.
4. Debemos advertir que después de llegar a 11 de dicho mes se dejan un mes o bien mes y medio, mas
será mejor solo un mes, después se traslada en otra pipa con la advertencia que al tiempo de trasladar
el vino se pondrá un paño de bayeta encarnada que estará prevenido al embudo, estando la pipa limpia
y bien curtida y libre de mal olor, advirtiendo que antes de echar el vino se debe echar dentro de la pipa
cuatro asombres de aguardiente fino y de buena cualidad, cuanto más viejo mejor.
5. Estando la pipa limpia y echado el aguardiente como dije, se echará el vino llenando bien la pipa
enteramente y se cerrará de modo que no se introduzca aire alguno dentro de la dicha pipa.
6. Practicadas las sobredichas diligencias, ya llena la pipa, como se ha dicho, arriba se ha advertido que
se debe trasladar el vino todos los meses a otra pipa, guardando siempre la regla de pasar siempre el
vino por la bayeta encarnada, porque el vino quede siempre limpio y si tiene alguna mácula se quede a
fuera de la bayeta y de este modo el vino se conserva y el vino va subiendo en calidad superior.
7. Se debe practicar y tener por muy preciso que cuando se traslada el vino de una pipa por otra que se
tengan dos sirvientes prevenidos y esto levanten la pipa de manera que en un lado quede alta porque el
vino cae perpendicularmente a fin de que el vino salga de la pipa legítimamente y sin vicio que hubiese
criado dentro de la misma pipa y de este modo se debe continuar a dos los meses hasta el embarque.
8. También se debe notar que después de haber practicado cuanto se ha dicho y si por algún accidente
hubiese alguna pipa de vino que estuviese menos sana y con alguna punta de agrio se cogerán seis
libras de pasa, las cuales se majarán, de suerte de que si está más agrio será con señal evidente de
perderse y solo tal vez se remediará haciendo la operación dentro de la misma pipa cuatro libras de
carne de ternera sin cordura alguna y sin hueso, pues acontece en la isla de La Madeira algunas veces
conseguir con el mismo método la sanidad de alguna pipa que dé indicio de perderse. Una de las más
principales y evidentes experiencias que se practican en esta isla de La Madeira para dar exteriormente
el color al vino es que, siendo el vino de distintos parajes que regularmente suelen ser de color muy
blanco, se procura vino tinto, con advertencia que por tener el color legítimo de vino de La Madeira se
ha hecho en cada pipa de 23 almudes un barril de vino tinto que sea bueno, cuyo vino tinto
acostumbrado a producir el sur de la misma isla.
10. Echado, como dije, el vino tinto se cerrará bien la pipa a fin de no exhalarse y al cabo de seis días se
pasará otra vez a otra pipa.
11. Ya dije arriba como debe mezclarse el vino tinto tanto según su número y cantidad, ahora, pues,
debemos notar que, habiendo una pipa de vino que tenga una grande dulce se le acudirá luego con una
pajuela de azufre encendida y se echará dentro de la pipa y se cerrará bien y después se echará dicha
pajuela ya encendida y se volverá a cerrar la pipa..
Nota. Se debe advertir que todo lo expresado en estos sobredichos capítulos se practica en esta isla de La
Madeira y ejecuta con toda la observancia sale el vino en grado superior como consta por la notable
experiencia que tiene formada Don Francisco Chacón, cónsul de la Nación española en la citada isla de La
Madeira, cuyo celo y amor al Rey le ha movido y ha procurado adquirir para manifestar lo muy útil y ventajosa
que sería que los vasallos de Su Majestad Católica en las Islas Canarias pusiesen en práctica porque los vinos
que producen aquellas islas lograsen el mismo grado de vino de La Madeira hasta llegar las noticias de todas
las naciones, pues es bien sabido y notorio que aquel precioso licor de Las Canarias tiene la misma virtud que el
de la isla de La Madeira y por alta de no ser los dichos vinos tratados del mismo modo que los de la isla de La
Madeira, no se les da estimación, pues es notado de todas las naciones, y en especial de los ingleses, que son los
que frecuentan más este ramo de comercio que dicen que, tratados que sean los vinos de las Canarias como se
practica en dicha isla de La Madeira, aun llegarán a ser mejores por el clima de aquellas islas.
Francisco Chacón.

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