Dia da Mulher no Brasil

Transcrição

Dia da Mulher no Brasil
O ser chamado mulher no Brasil
Por Cláudia Martins, Petrolina,PE, 08/03/2016
Moro em um país de língua portuguesa – mas descobri estes dias que
formalmente sou bilingue, embora eu já desconfiasse disso. Moro num dos menores
estados desse país que é do tamanho de Portugal – muda apenas a posição, imagine
Portugal deitado e verá o Pernambuco. Sim, moro desde 2005 (com algumas incursões
anteriores a essa data), no Brasil, um país 92 vezes maior do que Portugal, e a região
onde trabalho e estudo (meu “escritório”) é um pouco maior do que todo o Baixo
Alentejo e corresponde a 1/10 de todo o território português. E se você leu meu texto até
aqui já percebeu que números são importantes – engenheiros têm esse fado, o que
havemos de fazer…? Há que admitir que eles nos dão uma referência, muitas vezes nos
ajudam a perceber melhor o todo.
Saí de Brasília em direção a Petrolina, cidade no sertão do Pernambuco (o
sertão, ah, o sertão, preciso falar-lhes sobre o sertão, em um texto separado, dedicado
somente a ele), há exatos dois anos atrás. Coincidentemente este é o dia comemorado
em quase todo o mundo como o Dia Internacional da Mulher. Por isso gostaria de
deixar meu registro, uma reflexão do fato inevitável (e adorável, embora, às vezes,
preocupante) do ser-se mulher no Brasil. Peço, por favor, a compreensão de quem lê
para alguns detalhes que podem atribuir, como diria papai, à “deformação” profissional
ou à personalidade sistemática que o tempo (nada a ver com idade, não vão especular)
só apurou. Vamos lá!
O Brasil tem pela primeira vez em sua história uma mulher como presidente, em
seu segundo mandato. Em 2015, a lista Forbes a incluiu em sétimo lugar entre as 100
mulheres mais poderosas do mundo1 (é um ranking interessante, sugiro consulta, até
para termos uma noção ainda que superficial do que o mundo considera “poder”. Ah,
sim, Portugal não aparece representado por nenhuma mulher – sem interpretações
associadas, apenas relato o fato). Existe um ranking nacional que apresentou 14
mulheres influentes que se destacaram no Brasil, também em 2015. Ali encontramos
mulheres da área financeira, hotelaria, eventos, seguros, indústria têxtil, vendas e
serviços de inteligência, para mencionar apenas alguns2.
Afunilando para a área em que me sinto um pouco mais confortável, chego às
ciências. Existe um prêmio, iniciativa da Editora Elsevier, no Brasil com o apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do Ministério da
Educação (CAPES/MEC), que tem como objetivo homenagear instituições e
pesquisadores em vários países. Para se ser um dos selecionados alguns critérios a
serem atendidos incluem participar em pesquisas que causaram impacto na comunidade
científica, ter artigos publicados e indexados na ferramenta de pesquisa Scopus e
orientar futuros mestres e doutores. As edições de 2010 e 2014 deste prêmio
homenagearam exclusivamente mulheres que se destacaram na produção científica. Em
2014, foram dez as eleitas. Predominavam áreas relacionadas à química.3 Dez eleitas!
1
Fonte: http://www.forbes.com/power-women/
http://www.forbes.com.br/fotos/2015/12/14-mulheres-influentes-que-se-destacaram-no-brasil-em-2015/
3
http://revistapesquisa.fapesp.br/2014/04/17/premio-capes-elsevier-2014-anuncia-vencedoras/
2
Li dois trabalhos interessantes, um de 2003 e outro de 2012, mostrando como as
mulheres passaram a estar mais presentes na universidade, comparativamente aos seus
colegas homens, mas mostrando também como isso não correspondia automaticamente
à permanência em carreiras científicas. Quando se consideram as bolsas de
doutoramento e pesquisa atribuídas, a concessão aos homens é mais do que o dobro das
atribuídas às mulheres4. Isso pode estar relacionado ao formato do próprio sistema
brasileiro de ciência e tecnologia, que não inclui benefícios que auxiliam a cientista a
conciliar família e carreira5, em adição à inserção tardia das mulheres no sistema.
Ainda assim, não achemos que esta tendência é exclusiva do Brasil. Em 2014 foi
lançada uma ferramenta interativa que permite saber por país, independente de seu
estágio de desenvolvimento, o quantitativo de seus pesquisadores, bem como em que
áreas da ciência se concentram6. Ali não achamos dados sobre pesquisadoras no Brasil.
Este país que continua pelejando para estar e se manter na vanguarda da ciência,
incluindo o mérito da pesquisa e a relevância do conhecimento, independente do gênero
de quem a produz, é o mesmo que criou a Lei Maria da Penha7. Pois é, no outro extremo
das estatísticas discutindo gênero no Brasil, encontramos informação de que, a cada dia
que passa, 13 mulheres são mortas em decorrência de violência doméstica. Treze! Por
dia!
Este país que criou oportunidades para se manter com o status de “o parente que
deu certo”, quando a família em causa eram as ex-colônias portuguesas, é o mesmo país
onde três em cada dez meninas nem estuda e nem trabalha, sendo que a gravidez
precoce é o principal motivo disso. Elas correspondem a 70% do total de uma geração
que já ganhou o nome de geração “nem-nem” (nem trabalha, nem estuda). A região
Nordeste (Pernambuco fica no Nordeste, meu “escritório” também) comporta quase um
quarto dessa geração, com idades entre os 15 e os 29 anos8. Aqui é muito comum as
meninas, crianças, serem mães – apesar de o casamento registrado exigir a maioridade
ou o consentimento formal dos pais. Ser avó aos 35 anos é muitíssimo comum. E o ciclo
repete-se – vez após vez, parecendo não importar as campanhas e nem os exemplos
assistidos.
É isso o ser mulher no Brasil: uma busca incessante para quebrar tradições que
aprisionam e comprometem o futuro individual e de uma nação; um equilíbrio constante
entre o que a norma social dita e o desejo de romper ciclos viciosos para fazer diferente,
dizer não, ser menina quando se é criança e mulher apenas quando se é madura o
bastante para decidir que se quer crescer; uma coragem para enfrentar os desafios que já
estão aí; uma resiliência para se manter a delicadeza em meio à insanidade. E chegamos
à conclusão que no Nordeste, no Brasil, no Mundo, as anônimas são heroínas – e nós,
de vida tão curta que nunca conheceremos todos os seus feitos. A todas, fica a
homenagem!
4
http://agencia.fapesp.br/mulheres_na_ciencia_brasileira/622/
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672012000200003
6
http://www.alemdeeconomia.com.br/blog/?p=13414
7
http://www.mariadapenha.org.br/
8
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/11/29/nordeste-tem-o-maior-percentual-dageracao-nem-nem.htm
5

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