natureza jurídica da ação de improbidade administrativa
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natureza jurídica da ação de improbidade administrativa
NATUREZA JURÍDICA DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Legal nature of action administrative misconduct Amir José Finocchiaro Sarti Lia Sarti Cauê Simon* Resumo: Cada vez mais a “boa administração pública” tem chamado a atenção da sociedade. A Constituição Federal de 1988 tratou expressamente do tema da improbidade administrativa (art. 37, § 4º) e a Lei 8.249/92 ocupa-se do assunto visando a evitar, coibir e punir os atos que venham a ferir os princípios norteadores da atividade administrativa. Diante disso, o presente estudo ocupa-se em analisar a natureza jurídica da Ação de Improbidade Administrativa enquanto ferramenta específica utilizada para combater práticas que venham a ferir os princípios constitucionais norteadores da atividade administrativa, em especial o da moralidade. Palavras-chave: Administração pública. Ação de improbidade administrativa. Natureza jurídica. Abstract: Increasingly, the “good public administration” has caught the public´s attention. The Constitution of 1988 expressly addressed the issue of administrative misconduct (art. 37, § 4) and the Law 8.249/92 deals with the subject in order to avoid, prevent and punish acts that may injure the guiding principles of administrative activity. Thus, the present study is concerned with analyzing the legal nature of action Administrative Misconduct being a specific tool used to combat practices that may injure the constitutional principles guiding the administrative activity, especially those of morality. Keywords: Public administration. Action administrative misconduct. Legal nature. Introdução Hoje, mais do que nunca, a nossa sociedade vem observando uma avalanche de atos de corrupção praticados pelos mais diferentes agentes públicos, em razão do que aumenta a preocupação com a chamada boa Administração Pública, pois tais atos ofendem diretamente toda a coletividade. Bem por isso, “há * Amir José Finocchiaro Sarti – Ex-professor da PUCRS, AJURIS, ESMP e ESMAFE. Ex-Desembargador Federal (TRF4), ex-Subprocurador Geral da República, ex-Procurador Regional Eleitoral (TRE/RS). Advogado. Lia Sarti – Especialista com pós-graduação em processo civil da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Cauê Simon – MBA em Bussines Law pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista com pós-graduação em direito processual civil pela LFG (em curso). Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 157 relativo consenso, na atualidade, quanto à necessidade de combate à corrupção como forma de efetivação do republicanismo e do Estado Democrático de Direito”.1 O mundo contemporâneo pede mecanismos eficazes para garantir o correto exercício da atividade administrativa, ainda mais “em um país como o Brasil, marcado – como demonstrou Raymundo Faoro – pelo patrimonialismo estatal e por um estamento burocrático formado por indivíduos que se julgam verdadeiros ‘donos do poder’.”2 Essa questão é de extrema relevância, tanto que a própria Constituição Federal de 1988 tratou expressamente do tema da improbidade administrativa no seu artigo 37, § 4º, determinando ao legislador ordinário a edição de uma lei – Lei 8.249/92 – que tratasse especificamente do assunto, visando a evitar, coibir e punir os atos que venham a ferir os princípios norteadores da atividade administrativa. Por conta disso, cada vez mais os operadores do direito têm se debruçado sobre a matéria, seja na discussão das práticas de improbidade, seja na defesa dos agentes supostamente ímprobos, seja no julgamento das causas respectivas. Partindo desta premissa é que surgiu o interesse em escrever o presente trabalho, o qual, embora não aprofundado, objetiva analisar a natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, até porque o tema continua, ainda hoje, provocando inúmeras discussões doutrinárias. Para tanto, buscou-se, num primeiro momento, fixar o conceito de improbidade administrativa, trazendo algumas posições sobre o tema. Em seguida, passou-se ao exame da natureza jurídica da ação de improbidade administrativa propriamente dita, abordando certas peculiaridades que envolvem o assunto. 1 O que é improbidade administrativa O Capítulo VII da Constituição Federal de 1988 estabelece as regras gerais que devem orientar toda a administração pública e, em seu artigo 37, caput, aponta os princípios vinculadores da atividade administrativa. Vale dizer, tanto a administração direta quanto a administração indireta devem obedecer aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, sem prejuízo, é claro, dos demais princípios que estão implícitos não só ao longo do texto constitucional, mas também em todo o ordenamento jurídico,3 isso 1 2 3 NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012. p. 3. LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José da Fonseca; COSTA, Guilherme Recena. Introdução. In: ______; ______; ______ (Coord.). Improbidade administrativa: aspectos processuais da Lei 8.249/92. São Paulo: Atlas, 2013. p. 1. PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 48. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 158 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon porque “os princípios são diretrizes superiores, dotados de grande generalidade, que se irradiam por todo o sistema jurídico e influenciam seu entendimento”.4 A Lei 8.429/92 – que disciplina a matéria objeto deste estudo –, ao classificar, no artigo 2º, os agentes públicos como sujeitos ativos de improbidade administrativa adotou um critério amplo. Assim, entende-se por agente público “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função” na administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual.5 Importa salientar, nesse ponto, que o presente trabalho não visa ao estudo dos sujeitos ativos e passivos dos atos de improbidade administrativa e, consequentemente, a legitimação da respectiva ação. O objetivo aqui é apenas demonstrar quando estão configurados os atos que ferem a probidade administrativa, fato que determinará o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, chegando-se no ponto-chave que é tratar da natureza jurídica desta ação. Como mencionado, a Constituição Federal de 1988, embora não sendo inovadora no assunto, explicitou a preocupação quanto à moralidade que deve conduzir os atos administrativos, inclusive impondo ao legislador ordinário o encargo de editar uma lei específica dedicada ao tema.6 Poder-se-ia até dizer que o princípio da moralidade é o que verdadeiramente preside toda a atuação dos agentes públicos, abrangendo os demais princípios insculpidos no caput do artigo 37,7 porquanto toda infração à legalidade, à publicidade, à impessoalidade, à publicidade e à eficiência em certa medida configura ato de imoralidade.8 4 5 6 7 8 PRADO, 2001, p. 49. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.4293/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 38. PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 14-15. SPITZCOVSKY, Celso. Improbidade administrativa. São Paulo: Método, 2009. p. 17. “É oportuno lembrar que o princípio da moralidade convive com outros princípios constitucionais, tais como o da legalidade, da publicidade e da impessoalidade, de tal sorte que sua interpretação não pode comprometer a coexistência harmônica entre eles. Daí que não se poderá, por exemplo, em nome da moralidade administrativa, chegar ao ponto de inovar na ordem jurídica, pretendendo impor aos cidadãos deveres ou abstenções que não derivem de comandos legais, sob pena de se estar neutralizando o princípio da legalidade – que é princípio fundamental do Estado de Direito. Tampouco a moralidade administrativa poderá servir de esteio a entendimentos que suprimam ou reduzam a transparência dos atos públicos – com o que restaria desfigurado o princípio da publicidade. Por igual, não será de admitir que em nome da moralidade administrativa se adote orientação ou entendimento que possa importar qualquer comprometimento ao princípio da impessoalidade. O que se quer enfatizar é a impossibilidade da adoção, Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 159 Há quem diga, por outro lado, que a definição de improbidade administrativa está diretamente ligada ao “princípio da juridicidade, que impõe ao administrador o respeito não apenas à lei, mas também a todo o ordenamento jurídico”, isto porque os princípios deixaram de ser invocados somente no caso de lacunas da lei, passando a ser considerados genuínas normas jurídicas, tanto quanto as regras. Nessa linha, os princípios ganham força normativa e também passam a constituir parâmetro para o controle da atuação estatal, ou seja, qualquer dos atos elencados na Lei de Improbidade Administrativa caracteriza violação aos princípios que regem a administração pública.9 Assinala Francisco Octávio de Almeida Prado10 que, embora a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), em seu artigo 4º, determine expressamente que os agentes públicos devem observar os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade – não incluindo neste rol, por suposto, o princípio da eficiência, haja vista ter sido acrescido pela EC nº 19 de 1998 –, os atos administrativos estão vinculados, na realidade, a dois grandes princípios, que são a “supremacia do interesse público sobre o particular” e a “indisponibilidade dos interesses públicos”, dos quais decorrem todos os demais princípios norteadores da atividade administrativa. O legislador, portanto, parece ter incorrido em omissão quando deixou de destacar outros importantes princípios que também são de observância obrigatória no âmbito da administração, de modo que seria preferível que a lei tivesse dispensado este artigo 4º por não ter qualquer utilidade para caracterizar os atos de improbidade. Bem por isso, há de se falar em “princípio da juridicidade”, tendo em vista que a ofensa a qualquer princípio jurídico poderá caracterizar, no mais das vezes, atos de improbidade.11 O princípio da juridicidade seria o gênero do qual os demais princípios seriam espécies, como, por exemplo, o princípio da moralidade. O problema é que a Lei 8.429/92 não definiu precisamente os elementos essenciais do ato de improbidade, limitando-se a elencar tipos de atos e as respectivas sanções. Isso levou a uma interpretação muito ampla do elemento nuclear do tipo e ao uso indiscriminado da ação de improbidade administrativa. Como alerta Mauro Roberto Gomes de Mattos, “a lei em questão se assemelha 9 10 11 pelos agentes públicos de qualquer nível, à sombra do princípio da moralidade administrativa, de juízos subjetivos, ainda que inspirados em diretrizes éticas, que acarretem ampliação ou redução de deveres e direitos tais como assegurados pelo sistema normativo – prática que comprometeria, a um só tempo, o princípio da legalidade, o princípio da isonomia e a certeza jurídica” (PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 52-53). NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012. p. 7-8. PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 49-50. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012, p. 8. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 160 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon à norma penal em branco, por possuir conteúdo incompleto e cujo aperfeiçoamento fica por conta de quem interpreta a lei de improbidade administrativa”.12 A referida lei restringiu-se a dividir em três grandes grupos, o que deve ser considerado ato de improbidade administrativa: no artigo 9º, tratou das causas que importam enriquecimento ilícito; no artigo 10, considerou as ações ou omissões que geram prejuízos ao erário;13 e no artigo 11 cuidou, de forma extremamente restrita – diga-se de passagem – das condutas que violam os princípios da administração pública.14 Tais dispositivos trazem um rol exemplificativo de condutas, o que reforça a ideia de que qualquer outra conduta, ainda que não especialmente tipificada, pode ser considerada como ato de improbidade. Assim, para tentar inibir uma aplicação arbitrária da lei é necessário levar em conta os pressupostos contidos no caput dos referidos dispositivos legais, por meio dos quais será possível identificar o que realmente deve ser considerado ato de improbidade.15 Nessa linha de raciocínio, para configurar o enriquecimento ilícito (art. 9º) será necessária a efetiva obtenção da vantagem patrimonial indevida em virtude da função pública exercida (no sentido amplo da palavra) e o nexo causal entre o recebimento da vantagem e a conduta praticada; a lesão ao erário (art. 10) estará caracterizada pelo concreto prejuízo econômico ao erário,16 e a violação aos princípios da administração pública (art. 11), sejam eles explícitos ou implícitos, consistirá na ofensa, “além dos princípios enumerados no art. 37 da CRFB (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência)”, em agravo ao dever de “observar outros princípios expressa ou implicitamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico (razoabilidade, proporcionalidade, finalidade pública, continuidade, autotutela, consensualidade/participação, segurança jurídica, confiança legítima, boa-fé, dentre outros)”.17 12 13 14 15 16 17 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.4293/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 27-28. MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.4293/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 31. Lei 8.429/92: “Art. 11 – Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições [...].” (BRASIL. Vade-mécum. 14. ed. Obra coletiva com colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicolletti. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1468). NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012. p. 75-76. Nesse ponto, Daniel Amorim e Rafael Rezende assinalam que o significado de “erário” não se confunde com o de “patrimônio público”, porquanto, aquele se refere aos recursos provenientes dos cofres públicos da administração direta e indireta enquanto este é mais amplo, incluindo bens e interesses econômicos e não econômicos. Daí porque apontam que a doutrina é divergente na caracterização da lesão ao erário, havendo entendimento no sentido de que qualquer lesão ao patrimônio público configuraria dano ao erário e, de outra banda, que somente a lesão ao patrimônio público econômico pode ser caracterizada como dano ao erário, entendimento este adotado por esses doutrinadores (NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 84). NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 76-89. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 161 Além disso, as condutas devem ser praticadas com dolo, admitindo-se, todavia, a modalidade culposa no caso de dano ao erário. Daniel Amorim e Rafael Rezende18 apontam que parte da doutrina entende ser inconstitucional a previsão culposa, mas não compartilham desse entendimento, ao argumento de que o artigo 37, § 4º da Constituição Federal não faz qualquer menção acerca do dolo como requisito essencial, sem olvidar que a culpa teria estreita relação com o dever de cautela do administrador. Advertem, porém, que isso não pode servir de justificativa para classificar qualquer irregularidade como ato de improbidade, pois “a interpretação da legislação de improbidade deve ser feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, tanto na tipificação das condutas quanto na aplicação das sanções”.19 Desse modo, poder-se-ia conceituar improbidade administrativa como sendo O ato ilícito, praticado por agente público ou terceiro, geralmente de forma dolosa, contra as entidades públicas e privadas, gestoras de recursos públicos, capaz de acarretar enriquecimento ilícito, lesão ao erário ou violação aos princípios que regem a Administração Pública.20 Cabe reiterar, no entanto, que outros deveres juridicamente relevantes no exercício da atividade administrativa foram deixados de lado pelo legislador,21 mas isso não significa que não devam ser respeitados, porquanto, como dito, a atividade administrativa pressupõe a supremacia do interesse público e todos os atos que atentem contra esse princípio podem ser caracterizadores de improbidade. 18 19 20 21 NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 79; 85-86, 89. Mauro Roberto Gomes de Matos corrobora a doutrina que entende ser inconstitucional a modalidade culposa no caso de dano ao erário ao argumento de que “a improbidade administrativa funciona como uma ‘espécie do gênero imoralidade administrativa, qualificada pela desonestidade de conduta do agente público, mediante a qual este se enriquece ilicitamente, obtém vantagem indevida para si ou para outrem ou causa dano ao erário’. Assim sendo, somente a conduta dolosa (consciente) é que deverá ser considerada, em tese, como uma possível improbidade administrativa, sob pena de vulgarização da própria norma, com ferimento ao princípio da razoabilidade [...]. A devassidão a que se refere José Afonso da Silva, caracterizadora da improbidade administrativa, por certo, deverá vir contida na índole da conduta do agente público, ou na vontade de lesar ao erário, pois do contrário falta tipicidade para enquadrar o ato culposo em ímprobo. Nem toda lesão ao patrimônio público pode ser considerada como reveladora de um ato de improbidade administrativa, pelo fato de a conduta do agente público ser um elemento caracterizador do ilícito”. E, salienta que o entendimento no sentido de que “sem a figura do dolo, presente no ato do agente público, não configura improbidade administrativa também foi recepcionado pelo Poder Judiciário, onde o STJ, pelo RESP nº 213.994-0/ MG deixou cristalinamente demonstrado que a ‘A lei alcança o administrador desonesto, não o inábil’” (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentário à Lei nº 8.429/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 269). NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012. p. 9. PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 50-51. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 162 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon Com efeito, os deveres de honestidade e probidade referidos na Lei nada mais são que a consequência direta do princípio da moralidade,22 tanto que os atos previstos nos artigos 9º e 10 da Lei estão, salvo melhor juízo, implícitos no artigo 11. Pode-se dizer que o princípio da moralidade é a força motriz para o exercício da discricionariedade da atividade administrativa, devendo conduzir à prática de atos administrativos baseados na boa-fé, na adequação aos motivos, na razoabilidade, na proporcionalidade e na isonomia.23 A moralidade é requisito básico para todos os que atuam em nome da administração pública, na medida em que têm o dever jurídico de agir com probidade e com boa-fé.24 O bom administrador é, sem sombra de qualquer dúvida, aquele que age com respeito à moral, que respeita os limites entre o lícito e o ilícito; o justo e o injusto.25 Entretanto, para Daniel Assumpção e Rafael Rezende,26 improbidade administrativa e imoralidade não se confundem, pois o conceito de improbidade seria muito mais amplo. Assim, “a imoralidade acarreta improbidade, mas a recíproca não é verdadeira. Vale dizer: nem todo ato de improbidade significa violação ao princípio da moralidade”. Segundo a doutrina, a imoralidade como ato de improbidade refere-se a uma “imoralidade qualificada” porquanto não incluí, certamente, os atos imorais praticados pelos agentes públicos no âmbito de sua vida privada.27 A falta 22 23 24 25 26 27 “A probidade administrativa é o núcleo do princípio da moralidade administrativa que a Constituição de 1988 incluiu entre os princípios fundamentais da administração pública [...]. O controle de legalidade dos atos administrativos nunca se contentou com a mera adequação formal à letra da lei, já que a observância do fim legal e a verificação da existência dos motivos sempre foram requisitos de validade dos atos da administração pública. Todavia, a consagração expressa da moralidade administrativa como um dos princípios fundamentais da administração veio enfatizar e reforçar a necessidade de um exame aprofundado dos pressupostos de validade dos atos administrativos, de molde a verificar se tais atos guardam consonância com os fins legais, assentam em motivo juridicamente qualificado, observam a igualdade de tratamento entre os administrados, guardam proporcionalidade ao sacrifício que acarretam a direitos individuais e se pautam pela lealdade e boa-fé em relação aos seus destinatários. Em suma, a moralidade administrativa impõe um padrão de regularidade tanto no plano formal como no plano ético, que repele qualquer desvio em relação aos valores resguardados pelo sistema normativo e aos fins legalmente assinalados” (PRADO, 2001, p. 51-52). PRADO, 2001, p. 55. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, “como vem reconhecendo a doutrina, o ato de improbidade é um ato ilegal e praticado com má-fé, esta, essência da imoralidade” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Segunda Turma. REsp 514.820. Min. Relatora Eliana Calmon. Brasília, 5 maio 2005. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq =546870&sReg=200300477991&sData=20050905&formato=PDF>. Acesso em: 31 jul. 2013). NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012. p. 6-7. NEVES, 2012, p. 7. Nesse sentido é também a lição de Mauro Roberto Gomes de Mattos, para quem “o ato de improbidade administrativa é aquele em que o agente público pratica ato comissivo ou omissivo com devassidão (imoralidade), por meio de uma conduta consciente e dolosa. É a prática de ato lesivo ao erário, ou que demonstre uma moralidade qualificada” (MATTOS, Mauro Roberto Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 163 de probidade administrativa diz respeito à “ética pública, no contexto de normas jurídicas especificamente protetoras das funções públicas, dos valores imanentes às administrações públicas e aos serviços públicos”.28 Mauro Roberto Gomes de Mattos comenta que, por não haver uma definição legal de ato de improbidade, muitos passaram a entender que todos os atos ilegais, ainda que praticados sem má-fé e sem causar prejuízos ao ente público, configurariam a improbidade administrativa, o que a seu ver é um equívoco.29 Seja como for, ante a ausência de conceito jurídico sobre o que precisamente significa ato de improbidade, muitos doutrinadores adotaram o entendimento no sentido de que quando o agente público pratica atos que vêm a ferir a moralidade está essencialmente incorrendo em ato de improbidade,30 de modo que a improbidade administrativa sempre resulta da violação do princípio constitucional da moralidade.31 O fato é que a prática de atos de improbidade, em última análise, implica afronta ao interesse público, que é o maior bem jurídico a merecer toda proteção do Estado. Daí porque a necessidade de um controle repressivo, que se faz por meio da ação de improbidade administrativa, um dos instrumentos capazes de coibir e de reprimir a prática de atos de improbidade administrativa.32 2 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa Em nosso ordenamento jurídico, como ventilado no item anterior, existem outras formas de combater a prática de atos de improbidade administrativa – 28 29 30 31 32 Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.429/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 31). OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 75-76. MATTOS, 2010, p. 28. Nesse sentido, o voto-vista do Min. Teori Zavascki: “Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se conheça ou presuma vício justamente na conduta oposta: de ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a revisão dos atos praticados como nelas recomendado, ainda mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida com imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver, estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de improbidade” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp 827.445. Rel. Min. Luiz Fux. Brasília, 2 fev. 2010. Disponível em: <https://ww2. stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=838339&sReg=200600589223&sData= 20100308&formato=PDF>. Acesso em: 31 jul. 2013). MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.429/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 31. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012. p. 6-7. NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 26-27. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 164 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon como a ação popular e a ação civil pública –, o que suscita inúmeras controvérsias acerca da natureza jurídica da ação de improbidade administrativa.33 Uma leitura desatenta do artigo 17, parágrafos 7º e 12 da Lei 8.429/92 pode levar à ideia de que a ação de improbidade administrativa possui uma natureza penal ou mista. Primeiro, porque este dispositivo legal se encontra no Capítulo III, cujo título significativamente é “Das penas”; segundo, porque o parágrafo 7º permite o oferecimento de uma defesa prévia, fase característica dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos prevista no Código de Processo Penal (art. 514); e terceiro, porque o parágrafo 12 remete o operador do direito ao artigo 221 do Código de Processo Penal.34 Porém, analisando o artigo 37, § 4º da Constituição Federal35 não há como deixar de compreender que a ação de improbidade administrativa tem natureza estritamente civil, pois não descarta a possibilidade da propositura de uma ação penal, utilizando a expressão “sem prejuízo da ação penal cabível”.36 Assim, as penalidades previstas tanto na Constituição Federal quanto na própria Lei 8.429/92 caracterizam-se como sanções civis, pelo que o agente público ímprobo está sujeito à responsabilização civil e também penal, cumulativamente.37 33 34 35 36 37 AURELLI, Arlete Inês. Condições para o exercício da ação de improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade administrativa: aspectos processuais da Lei nº 8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013. p. 6. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012, p. 123. Art. 37, § 4º, CF – “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da aço penal cabível” (BRASIL. Vade-mécum. 14. ed. Obra coletiva com colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedese Juliana Nicolletti. São Paulo: Saraiva, 2012). No julgamento do Resp 133.0058/PR, o STJ comungou do mesmo raciocínio ao explicar que a ação de improbidade administrativa, “embora tenha um caráter eminentemente cível, é inegável o caráter sancionatório da demanda tendo em vista as sanções aplicáveis, – que implicam, inclusive, na suspensão transitória dos direitos políticos –, e ainda a eventual irradiação para outras esferas, tais como, na administrativa e no penal” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Segunda Turma. REsp 133.058/PR. Min. Rel. Mauro Campbell Marques. Brasília 20 jun. 2013 Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp? livre=natureza+jur%EDdica+e+a%E7%E3o+de+improbidade+administrativa&&b=ACOR&p=tru e&t=JURIDICO&l=10&i=8>. Acesso em: 16 jul. 2014. SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei nº 8.429/92. Com as alterações mantidas pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04.09.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1. Como explica Carlos Frederico Santos, “além da responsabilização na seara cível, os agentes ímprobos ainda estão sujeitos à responsabilização criminal sempre que o ato de improbidade administrativa vier a caracterizar, ao mesmo tempo, algum delito, como ocorre, por exemplo, com o agente público que incorpora, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º da LIA (art. 9º, inciso XI), como do Município, cujo enriquecimento ilícito caracteriza crime de peculato” (SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei nº Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 165 Daniel Amorim e Rafael Rezende38 acentuam que “o art. 37, § 4º, da CF, ao prever as sanções imputáveis ao ato de improbidade administrativa, expressa que sua aplicação em ação específica para tal fim não prejudica a ação penal, o que permite a conclusão de não ter a ação de improbidade administrativa natureza penal”. Assentado que a ação de improbidade administrativa tem natureza jurídica civil, torna-se necessário determinar se a demanda é individual ou coletiva.39 Nas palavras de Daniel Amorim e Rafael Rezende, o direito material a ser tutelado por determinada ação é o que vai identificar a natureza da mesma, visto que, “apesar de serem ciências autônomas, o direito processual e o direito material estão ligados de maneira indissociável, servindo o processo como instrumento estatal de efetiva proteção ao direito material”.40 Como a ação de improbidade administrativa destina-se à proteção do patrimônio público e da moralidade pública, parece claro que se trata de direito difuso ou transindividual porque atende ao interesse de toda a coletividade. Os sujeitos protegidos são indeterminados ou indetermináveis, ligados apenas pela mesma situação fática que é a prática dos atos de improbidade administrativa. Pode-se concluir, portanto, que a ação de improbidade administrativa é uma ação coletiva, pois o direito material protegido é um direito difuso.41 Estabelecida essa premissa – a ação de improbidade administrativa é uma ação coletiva – resta saber se é ou não espécie de ação civil pública.42 Arlete Ines Aurelli43 comenta que, segundo uma corrente doutrinária, a ação de improbidade administrativa possui regime e objetivos próprios, na medida em que a proteção do erário público não constitui interesse difuso. Ademais, o artigo 17 da Lei 8.429/92 teria estabelecido o rito ordinário, distanciando assim a ação de improbidade da ação civil pública propriamente dita. Contudo, para a citada doutrinadora, a adoção do rito ordinário na ação de improbidade administrativa apenas tem o condão de privilegiar o princípio constitucional do contraditório, ampliando a possibilidade de defesa dos réus. Há quem defenda, por outro lado, a tese de que a ação de improbidade administrativa não deixa de ser uma típica ação civil pública porque, ao proteger o erário público e a moralidade administrativa – entendidos como patrimônio público e social de todos –, está se preocupando com a guarda dos bens difusos.44 38 39 40 41 42 43 44 8.429/92. Com as alterações mantidas pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04.09.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1). NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 124. NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 124. NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 126. NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 128. NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 129. AURELLI, Arlete Inês. Condições para o exercício da ação de improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade administrativa: aspectos processuais da Lei nº 8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013. p. 6-7. AURELLI, 2013, p. 10. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 166 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon Afinal, a diferença entre a ação civil pública e a ação de improbidade administrativa residiria apenas no fato de aquela tutelar qualquer direito e interesse difuso e/ou coletivo, ao passo que esta busca garantir direitos e interesses difusos específicos, com regras e procedimentos próprios, sem prejuízo, é claro, da aplicação subsidiária da Lei 7.437/85.45 Daniel Amorim e Rafael Rezende ainda registram a opinião de alguns doutrinadores no sentido de que a ação de improbidade administrativa se assemelha com a ação popular, reafirmando, porém, na esteira do Superior Tribunal de Justiça,46 tratar-se de uma espécie de ação civil pública, até porque Chamar a ação regulada pela Lei 8.429/1992 de ação civil pública ou não é formalidade que não muda a realidade: uma ação coletiva que visa a tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa regida pela Lei 8.429/1992 e subsidiariamente pelo microssistema coletivo e pelo Código de Processo Civil.47 Corroboram esses doutrinadores, portanto, o entendimento de que os direitos difusos tutelados pela ação de improbidade administrativa poderiam também ser objeto tanto de ação popular (Lei 4.717/65) quanto de ação civil pú45 46 47 AURELLI, 2013, p. 10-11. Nesse sentido, Arlete Aurelli comenta que “A probidade administrativa atua no aspecto preventivo por meio da instituição de expedientes habilitados à garantia do exercício honesto da função pública, como códigos de ética pública, os sistemas de incompatibilidades, impedimentos e proibições, a apresentação de declarações de atividades, bens e interesses, de forma a garanti-los e também como vetor do controle de legitimidade do enriquecimento de agentes públicos. Os defensores dessa teoria entendem, pois, que seriam difusos os interesses protegidos pela Lei de Improbidade Administrativa. Esse entendimento nos parece mais apropriado, eis que a característica primordial da ação civil pública é seu objeto, direitos difusos (englobando aqui os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos), bem como a parte que é pública (entes legitimados pela própria lei, para em nome da coletividade, defender interesses que pertencem a todos). Assim, em nossa visão não é o fato de a Lei de Improbidade prever o rito ordinário para a referida ação que a faria perder a característica de ação civil pública” (AURELLI, 2013, p. 7-8). “Na ação civil pública declaratória de improbidade proposta pelo Ministério Público, a falta de citação do Município interessado, por se tratar de litisconsorte facultativo, a teor do disposto no artigo 17, parágrafo 3º, da Lei 8.429/92, com a nova redação dada pelo artigo 11 da Lei n. 9.366, de 1966, não tem o condão de provocar a nulidade do processo” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma. AgRg nos EREsp 329.735. Min. Rel. Castro Meira. Brasília, 10 mar. 2004. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=AT C&sSeq=1017442&sReg=200200483437&sData=20040614&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 07 ago. 2013). Ver também: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma. REsp 1.089-492-RO. Rel. Min. Luiz Fux, 4 nov. 2010. Informativo 0454/STJ. Disponível em: <http://www. stj.jus.br/SCON/SearchBRS?b=INFJ&livre=@COD=’0454’&tipo=informativo>. Acesso em: 07 ago. 2013; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Turma. REsp. 1.038.777-SP. Rel. Min. Luiz Fux, 3 fev. 2011. Informativo 0461/STJ. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/SearcBRS?b =INFJ&livre=@COD=’0461’&tipo=informativo>. Acesso em: 07 ago. 2013; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Rcl 4.927-DF. Min. Rel. Felix Fisher, 15 jun. 2011. Informativo 477/STJ. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/informativo-tribunal,informativo-477 -dostj-2011,32742.html>. Acesso em: 07 ago. 2013. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012. p. 129-130. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 167 blica “genérica” (Lei 7.347/1985), que igualmente visam à tutela do patrimônio público e da moralidade administrativa. Ressaltam, todavia, que a ação de improbidade administrativa tem peculiaridades processuais que precisam ser observadas, “em especial a legitimação ativa limitada, a fase de defesa prévia e o pedido de aplicação das genuínas penas, previsto no art. 12 da LIA”.48 Ainda segundo Daniel Amorim e Rafael Rezende, o que vai definir a questão – ação de improbidade administrativa, ação civil pública “genérica” ou ação popular – é o pedido feito na inicial. Se o pedido for de natureza reparatória, pode ser veiculado por qualquer uma das três espécies de tutela coletiva mencionadas; entretanto, se for de aplicação das penas previstas no artigo 12 da Lei 8.249/92 – perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, proibição de contratar com o poder público ou proibição de receber incentivos e subsídios – nesse caso só poderia ser formulado em ação de improbidade administrativa, “proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada” (Lei 8.429/92, art. 17).49 Arlete Aurelli, por sua vez, invocando as lições de José Roberto dos Santos Bedaque, assevera que para diagnosticar a natureza de uma ação deve-se levar em conta a relação substancial. Assim, completa, Não há como deixar de concluir que a natureza da ação de improbidade administrativa como de ação civil pública, porquanto os direitos em discussão, nesse 48 49 NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 130-131. O Min. Teoria Albino Zavascki, no julgamento do REsp nº 1.163.643, explica que “essa substancial semelhança entre as ações penais e as da improbidade administrativa que determinou, no âmbito civil, a formatação de um procedimento típico e inovador: a introdução, nas ações de improbidade, da fase procedimental relacionada a admissibilidade da demanda, prevista nos §§ 6º a 11 do art. 17 da Lei 8.429/92. A preocupação do legislador, quanto ao ponto, foi adequar o processo civil à finalidade, que não lhe é peculiar, de ser instrumento para imposição de penalidades ontologicamente semelhantes às das infrações penais. À identidade material das penas veio juntar-se a identidade formal dos mecanismos de sua aplicação. Foi no Código de Processo Penal, com efeito, que o legislador civil se inspirou para formatar o novo instrumento: o procedimento da ação de improbidade é em tudo semelhante ao que rege o processo e julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos, previstos no arts. 513 a 518 do CPP... Lá, como aqui, estando a inicial (queixa ou denúncia) ‘na devida forma’, o juiz ordenará a notificação do requerido (acusado) para oferecer manifestação escrita, no prazo de quinze dias, que poderá vir acompanhada de ‘documentos e justificações’. Recebida a manifestação o juiz, ‘em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita’ (art. 17, § 8º, da Lei 8.429/92; arts. 514 e 515, parágrafo único, CPP) [...]” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. REsp 1.163.643. Min. Rel. Teori Albino Zavascki. Brasília, 24 mar. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq= 957532&sReg=200902073858&sData=20100330&formato=PDF>. Acesso em: 07 ago. 2013). NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 131. Nesse ponto, comentam que “[...] sendo feito tal pedido por legitimado não previsto no art. 17, caput, da LIA, seja caso de diminuição subjetiva da demanda, com a exclusão de tal pedido e sua continuidade visando somente a reparação do dano causado ao patrimônio público e eventualmente a anulação do ato administrativo. Não vejo qualquer problema em transformar uma ação de improbidade administrativa proposta por parte ilegítima em ação popular ou civil pública, com as consequentes adaptações procedimentais” (NEVES; OLIVEIRA, 2012, p. 131-132). Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 168 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon tipo de ação, se inserem dentro das categorias dos direitos transindividuais. Nela é evidente a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais.50 Daniel Amorim e Rafael Rezende acrescentam que, embora a ação de improbidade administrativa tenha regras procedimentais próprias, por ser uma espécie de ação coletiva, poderão ser aplicadas também as regras previstas no que chamam de “microssistema coletivo”, mas especialmente as da Lei 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública.51 Considerando que a ação de improbidade administrativa tem natureza jurídica de ação civil, parece não haver dúvidas de que, como dito, as sanções que ela comporta são eminentemente civis. Daí por que não se pode cogitar de foro privilegiado para alguns agentes políticos, como, por exemplo, os prefeitos municipais, que deverão ser processados “perante o juízo de direito da comarca em cuja jurisdição tiver ocorrido sua prática, afastando-se a competência do Tribunal de Justiça que se restringe aos processos criminais”.52 O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, vem adotando posição diversa ao julgar atos de improbidade administrativa cometidos por magistrados, hipótese em que prevaleceria a prerrogativa de função.53 Mauro Roberto Gomes de Mattos54 leciona que, muito embora a Lei 8.429/92 estabeleça sanções de natureza civil, não é possível ignorar o seu aspecto penal quando impõe aos agentes ímprobos a perda de função e a suspensão dos direitos políticos, que apresentam “similitude com as sanções penais dispostas no Decreto-Lei 201/67, que pune a prática de crimes de responsabilidade por prefeitos municipais, que somente poderiam ser aplicados pelos Tribunais de Justiça dos Estados (art. 29, X, da CF)”. O autor destaca que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 2.138, concluiu que “os atos de improbidade administrativa descritos na Lei nº 8.429/92 50 51 52 53 54 AURELLI, Arlete Inês. Condições para o exercício da ação de improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). Improbidade administrativa: aspectos processuais da Lei nº 8.429/92. São Paulo: Atlas, 2013. p. 9. NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de improbidade administrativa: direito material e processual. São Paulo: Método, 2012, p. 132. SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei nº 8.429/92. Com as alterações mantidas pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04.09.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1. Cabe observar que a Corte Especial já entendeu que, “embora o STJ já tivesse entendido, em outras oportunidades, que não mais prevaleceria a prerrogativa de função para as ações de improbidade administrativa, o STF considerou que, em se tratando de magistrados, notadamente das cortes superiores do País, aquela sistemática deveria imperar, sob pena de permitir a desestruturação do regime escalonado da jurisdição brasileira” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Corte Especial. Rcl 4.927 – DF, Rel. Min. Felix Fischer, 15 jun. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/informativo-tribunal,informativo-477-do-stj-2011,32742. html>. Acesso em: 07 ago. 2013). MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: comentários à Lei nº 8.4293/92. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 46-47, 56. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 169 constituem autênticos crimes de responsabilidade”, afastando a Lei de Improbidade Administrativa para evitar a colisão entre normas e o bis in idem vedado em nosso ordenamento jurídico. É bem de ver, a propósito, que as penalidades aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não podem ultrapassar aquelas enumeradas na Constituição.55 O legislador ordinário não pode ampliar a restrição de direitos, liberdades, garantias e as respectivas sanções estabelecidas taxativamente pela Lei Maior, parecendo forçoso reconhecer que algumas das penalidades previstas na Lei nº 8.429/92 padecem de manifesta inconstitucionalidade, notadamente a “multa civil” e a “proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário” (art. 12), que insista-se, não estão arroladas no artigo 37, § 4º, da Constituição Federal. Em sentido contrário, Francisco Octávio de Almeida Prado entende que o legislador, ao estabelecer as sanções para os atos de improbidade administrativa, se utilizou também daquelas previstas no artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal – excluindo, obviamente, as contidas nas alíneas ‘a’ e ‘d’, pertinentes ao direito penal. Sublinha que, “fossem as penas enumeradas no inciso XLVI do art. 5º da Constituição Federal privativas do direito penal, sua adoção pela Lei 8.429 para os atos de improbidade administrativa seria inconstitucional”.56 Enfim, ao estabelecer, no artigo 12 da Lei 8.429/92, dentre outras, as sanções de “multa civil” e “proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda 55 56 O ilustríssimo Ministro Cezar Peluso, em seu voto, destacou que “J. J. Gomes Canotilho, ao cuidar do regime das leis restritivas de direitos fundamentais, ensina que compreende ele três instâncias: 1ª. delimitação do âmbito de proteção da norma; 2ª. averiguação do tipo, natureza e finalidade da restrição; e, 3ª. controle da observância dos limites estabelecidos pela Constituição às leis restritivas (problema do limite de limites). Tais instâncias funcionam como critérios de interpretação-aplicação das normas restritivas de direitos, liberdades e garantias. Dentro do âmbito da 3ª instância – limite dos limites – enquadra-se a exigência de autorização de restrição expressa que, nas palavras do eminente constitucionalista português, ‘tem como objectivo obrigar o legislador a procurar sempre nas mesmas normas constitucionais o fundamento concreto para o exercício de sua competência de restrição de direitos, liberdades e garantias, e criar segurança jurídica nos cidadãos, que poderão contar com a inexistência de medidas restritivas de direitos fora dos casos expressamente considerados pelas normas constitucionais como sujeito a reserva de lei restritiva’.E, acrescenta ‘a exigência de autorização constitucional expressa visa exercer uma função de advertência (warnfunktion) relativamente ao legislador, tornado-o consciente do significado de proibição, pois sob reserva de lei restritiva não se poderão englobar outros direitos salvo os autorizados pela Constituição’. A autorização constitucional para a restrição de direitos deve, pois, ser observada à risca pelo legislador, sob pena de entrar em contraste com a Constituição” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sexta Turma. Habeas Corpus nº 82.959. Relator Ministro Marco Aurélio. Brasília, 26 de fev. de 2006. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=79206>. Acesso em: 29 jun. 2013). PRADO, Francisco Octávio de Almeida. Improbidade administrativa. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 30-31. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 170 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário”, o legislador ordinário estaria extrapolando o limite permitido pelo constituinte originário?57 A resposta afirmativa parte da premissa de que se o Poder Constituinte pretendesse a aplicação de tais sanções à improbidade administrativa as teria inserido expressamente no rol – taxativo – do artigo 37, § 4º da Constituição Federal. Já a solução negativa esposa o entendimento de que, existindo a previsão constitucional de tais sanções, ainda que em outro dispositivo (CF, art. 5º, XLVI), nada impede o legislador ordinário de valer-se dessa possibilidade. O entendimento que se adota, no ponto, está calcado na compreensão de que o artigo 5º, inciso XLVI da Constituição Federal funciona no ordenamento jurídico como uma verdadeira cláusula geral, sendo o § 4º do artigo 37 norma especial para o tema da improbidade administrativa. E se for verdade que, segundo velho axioma jurídico, a norma especial deve prevalecer sobre a geral, de modo que o legislador ordinário, ao prescrever sanções não previstas na norma especial, está incorrendo em flagrante inconstitucionalidade. Além do mais, apesar do dispositivo constitucional deixar claro que a ação de improbidade administrativa tem natureza civil, até porque ressalva a ação penal, mesmo assim ela integra o chamado direito sancionatório, fazendo por merecer uma interpretação eminentemente garantista, conquanto punitiva. Carlos Frederico Brito dos Santos explica que nem todas as sanções previstas na Lei 8.249/92 têm natureza jurídica punitiva propriamente dita, trazendo como exemplo o ressarcimento integral do dano.58 Fábio Medina Osório denomina as penalidades cominadas pela Lei 8.429/92 de sanções administrativas, ressaltando que consistem em um mal ou castigo, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela administração pública, considerada materialmente, pelo Poder Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado(r), agente público, indivíduo ou pessoa jurídica,expostos ou não a relações especiais de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora, ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal ou material do direito administrativo.59 57 58 59 Parece que é uma indagação ainda sem respostas na jurisprudência das nossas Cortes Superiores, tendo em vista que não foram encontrados precedentes tanto no Superior Tribunal de Justiça quanto no Supremo Tribunal Federal. SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade administrativa: reflexões sobre a Lei 8.429/ 92. Com as alterações mantidas pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 04.09.2001. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 74. OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública, corrupção, ineficiência. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 191-192. Segundo este doutrinador, o direito administrativo define materialmente os ilícitos e lhes comina as sanções, de modo que “[...] O direito administrativo equivale ao processo administrativo que disciplina as ações da Administração Pública, como também equivale as normas materialmente administrativas que disciplinam o acesso às funções públicas, os valores substantivos que devem ser perseguidos ou protegidos pelas Administrações Públicas” (p. 190-191). Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 171 De tudo resulta que a ação de improbidade administrativa tem natureza jurídica de ação civil e as sanções estabelecidas na Lei 8.429/92 ostentam incontestável conteúdo civil, embora punitivo.60 O objetivo do presente estudo não é propriamente tratar das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, mas o tema sem dúvida merece um exame aprofundado, notadamente quanto à constitucionalidade ou inconstitucionalidade de algumas das penas cominadas. Em resumo, a ação de improbidade administrativa é o instrumento por meio do qual se busca inibir e punir a prática de atos administrativos que venham a ferir princípios constitucionais norteadores da atividade administrativa, em especial o princípio da moralidade. É uma ação de natureza jurídica de 60 O Ministro Teori Albino Zavascki, no julgamento do REsp 1.163.643, destaca que “não se pode confundir ação de improbidade com simples ação de ressarcimento de danos ao erário [...] Trata-se de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, diferentemente das outras ações com matriz constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, disciplinada na lei 4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente desconstitutiva (anulação de atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pública para a tutela do patrimônio público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória. Na ação de improbidade, repita-se, o objeto principal é aplicar sanções punitivas de caráter pessoal, a saber: a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, a multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. A perda de bens, a suspensão de direitos e a multa, são penas que têm, do ponto de vista substancial, absoluta identidade com as decorrentes dos ilícitos penais, conforme se pode ver do art. 5º, XLVI da Constituição. A suspensão dos direitos políticos é, por força da Constituição, consequência natural da ‘condenação criminal transitada em julgada, enquanto durarem seus efeitos (art. 15, III). Também é efeito secundário da condenação criminal a ‘perda do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (CP, art. 91, II, b). A perda de ‘cargo, função pública ou mandato eletivo’ é, igualmente, efeito secundário da condenação criminal, nos casos previstos no art. 92, I da Código Penal [...] Bem se percebe, pois, que, embora as sanções por improbidade, como decorre do art. 37, § 4º da Constituição, tenham natureza político-civil e não propriamente penal, há inúmeros pontos de identidade entre as duas espécies, seja quanto à sua função (que é punitiva e com finalidade pedagógica e intimidatória, visando a inibir novas infrações), seja quanto ao conteúdo. Com efeito, não há qualquer diferença entre a perda da função pública ou suspensão d direitos políticos ou a imposição de multa pecuniária, quando decorrente de ilícito penal e de ilícito administrativo. Nos dois casos, as consequências práticas em relação ao condenado serão absolutamente idênticas. A rigor, a única diferença se situa em plano puramente jurídico, relacionado com os efeitos da condenação em futuras infrações: a condenação criminal, ao contrário da não-criminal, produz as consequências próprias do antecedente e da perda da primariedade, que podem redundar em futuro agravamento de penas ou, indiretamente, em aplicações de penas privativas de liberdade (CP, arts. 59; 61, I; 63; 77, I; 83, I; 110; 155, § 2º e 171, § 1º). Quanto aos mais, entretanto, não há diferença entre uma e outra. Somente a pena privativa de liberdade e genuinamente criminal, por ser cabível unicamente em casos de infração penal [...].” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Seção. REsp 1.163.643. Recorrente: Carlos Massano takaki. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Min. Rel. Teori Albino Zavascki. Brasília, 24 mar. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_ Documento.asp?sSeq=957532&sReg=200902073858&sData=20100330&formato=PDF>. Acesso em: 07 ago. 2013). Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 172 Amir José Finocchiaro Sarti, Lia Sarti e Cauê Simon ação civil, cujas sanções também têm caráter civil. Trata-se de uma ação destinada à proteção de direitos difusos e/ou transindividuais, pelo que deve ser classificada como ação coletiva e mesmo, para muitos doutrinadores, como espécie de ação civil pública. Considerações finais De todo o exposto, é possível concluir que a preocupação da sociedade contemporânea está voltada para o controle da atividade administrativa, que deve ser exercida de acordo com os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, visando ao bem comum. Para tanto, criaram-se alguns instrumentos destinados a coibir e a punir os atos de improbidade administrativa realizados por agentes públicos, dentre os quais avulta a ação de improbidade administrativa como ferramenta específica para combater práticas que venham a ferir os princípios constitucionais norteadores da atividade administrativa, em especial o da moralidade. Trata-se, pois, de ação que possui natureza jurídica de ação civil, a qual conduz, logicamente, sanções que também ostentam natureza civil, sempre buscando a proteção de direitos transindividuais. Ademais, embora seja uma demanda dotada de características próprias (com traços de direito penal, por exemplo), ela pode ser considerada – sim – como uma espécie de ação civil pública. Referências AURELLI, Arlete Inês. Condições para o exercício da ação de improbidade administrativa. In: LUCON, Paulo Henrique dos Santos; COSTA, Eduardo José Fonseca; COSTA, Guilherme Recena (Coord.). 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Acesso em: 07 ago. 2013. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 156-173 Natureza jurídica da ação de improbidade administrativa 173 ______. Superior Tribunal de Justiça, Corte Especial. Rcl 4.927-DF. Min. Rel. Felix Fisher, 15 jun. 2011. Informativo 477/STJ. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/informativo-tribu nal,informativo-477-do-stj-2011,32742.html>. Acesso em: 07 ago. 2013. ______. Superior Tribunal de Justiça, Primeira Seção. REsp 1.163.643. Recorrente: Carlos Massano takaki. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Min. Rel. Teori Albino Zavascki. Brasília, 24 mar. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sS eq=957532&sReg=200902073858&sData=20100330&formato=PDF>. Acesso em: 07 ago. 2013. ______. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp 827.445. Recorrente: Ministério Público do Estado de São Paulo e outros. Recorrido: os mesmos. Rel. Min. Luiz Fux. Brasília, 2 fev. 2010. 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