Reflexao I

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Reflexao I
Cuidados de Enfermagem Pós-anestésicos
Reflexão 1 – O enfermeiro na Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos
A Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos (UCPA) é uma unidade dotada de
instalações, pessoal e equipamento capaz de assegurar cuidados pós-anestésicos e pósoperatórios imediatos ao doente cirúrgico. O período de recobro pós-anestésico consiste no
“(…) intervalo de tempo que se segue imediatamente a um acto terapêutico e/ou
diagnóstico efectuado sob anestesia geral, loco-regional ou sedação” (AESOP, 2006,
p.155). Este período é considerado um período crítico e de grande vulnerabilidade para o
doente, pois existe a conjugação dos riscos associados à cirurgia e à anestesia e a
susceptibilidade para o aparecimento de complicações (AESOP, 2006). Na medida em que
cerca de 50% dos acidentes anestésicos mais graves ocorrem na 1ª hora de recobro
(AESOP, 2006), os cuidados de enfermagem na UCPA, assumem particular relevância
para responder positivamente aos desafios deste período.
A necessidade de criar unidades específicas para os doentes submetidos a algum
procedimento anestésico e/ou cirúrgico surgiu no tempo de Florence Nightingale, em 1859,
para que os doentes pudessem ser vigiados até recuperarem dos efeitos da anestesia
(AESOP, 2006). Em 1904, o médico G. C. Gordon criou, no Hospital de Massachusetts
uma sala destinada aos doentes de cirurgia geral, onde era realizada uma lavagem corporal
para remover o éter utilizado como gás anestésico (AESOP, 2006). Em 1923, foi criada
uma sala de recobro, com um neurocirurgião e enfermeira, era composta por três camas,
para a vigilância dos doentes de neurocirurgia durante o período que antecedia a sua
transferência para a enfermaria (AESOP, 2006). Durante a IIª Guerra Mundial houve um
aumento do número de doentes que necessitavam de cuidados especiais no pós-operatório,
como consequência, do aumento de intervenções cirúrgicas agressivas em doentes graves
requerendo cuidados pós-operatórios mais evoluídos. Dados estatísticos revelaram que
cerca de 50% das mortes no pós-operatório teriam sido evitáveis se tivesse existindo uma
vigilância mais apertada (AESOP, 2006). Em 1951, Lowenthal e Russel provaram a
necessidade das UCPA’s e estabeleceram os primeiros requisitos para o seu
funcionamento: “Recursos humanos competentes; Equipamento capaz de dar resposta às
necessidades; Supervisão de anestesia; Localização central e próxima do Bloco
Operatório; Espaço físico adequado” (Henriques, 2011). Na década de 70 ocorreu um
desenvolvimento das técnicas de monitorização invasiva, (por exemplo: linhas arteriais e
pressão da artéria pulmonar) e técnicas de ventilação assistida (AESOP, 2006). Entre 19781982 foi realizado um estudo em França que identificou que os acidentes anestésicos eram
os acidentes mais descritos no pós-operatório imediato (42%) e ocorriam na 1ª hora de
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recobro (50% de probabilidade de ocorrer um acidente anestésico e 70% de probabilidade
de ocorrência de depressão respiratória) (AESOP, 2006). Em 1980 foi reconhecida a
especialidade de enfermagem pós-anestésica e surge a American Society of Post Anesthesia
Nurses (ASPAN) (AESOP, 2006).
Os cuidados de enfermagem na UCPA devem assentar em dois pilares
fundamentais para a manutenção da qualidade: promoção da segurança e adopção de
medidas de promoção do conforto e bem-estar do doente. A finalidade da UCPA consiste
na redução da mortalidade e morbilidade dos doentes cirúrgicos e diminuir os dias de
hospitalização necessária pós cirurgia. Os objectivos principais dos cuidados de
enfermagem na UCPA são:
o
Responder às necessidades do doente durante o período de permanência na
UCPA;
o
o
o
Proporcionar uma avaliação crítica permanente do pós-operatório;
Antecipar e prevenir as possíveis complicações anestésicas e cirúrgicas;
Possibilitar a actuação imediata de elevada competência em situação de
complicações;
o
Estabelecer um elo de ligação do Bloco Operatório e a família do doente,
serviço de internamento ou domicílio.
(AESOP, 2006; Henriques, 2011)
O recobro anestésico pode ser dividido em 3 fases distintas (Henriques, 2011):
Fase I
Recobro imediato
Doente cumpre
ordens simples
Fase II
Recobro
intermédio
Recobro tardio
Doente recupera as
funções cognitivas
Regresso do estado
fisiológico do doente
ao estado preoperatório.
Doente recupera as
funções psicomotoras
Total recuperação das
funções dísicas e
psiquicas.
Doente sustem a
cabeça durante 5 seg.
Doente consegue
respirar fundo
Doente consegue
tossir eficazmente
Fase III
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O enfermeiro na Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos (UCPA) desenvolve os
seus cuidados nos três níveis de prevenção “(…) investindo toda a sua experiência e saber
na prevenção de complicações anestésico-cirúrgicas, na detecção precoce e tratamento
daquelas que não forem evitáveis e na preparação do doente para a reabilitação e
recuperação do seu equilíbrio fisiológico e capacidades funcionais, de forma rápida e num
ambiente de segurança e conforto” (AESOP, 2006, p. 160). As funções do enfermeiro de
UCPA iniciam-se antes da chegada dos doentes, onde é necessário planear os recursos
necessários para os receber e prepará-los. Assim, o enfermeiro da UCPA tem de preparar
as unidades para acolher o doente (ventilador, monitor, aquecedor de soros, seringas
perfusoras, funcionamento das rampas de oxigénio e vácuo, reposição de fármacos).
Como critérios de admissão na UCPA, na instituição onde exerço funções, foram
definidos que seriam recebidos os doentes submetidos a: anestesia geral ou loco-regional e
cujo acto anestésico não tenha uma duração superior a 8 horas (Patrício, 2003). No entanto,
estes critérios podem ser alterados se não existirem vagas na Unidade de Cuidados
Intensivos ou houver necessidade de uma vigilância hemodinâmica mais prolongada.
Quando recebe o doente na unidade, o enfermeiro deve fazer uma avaliação inicial do seu
estado físico e psíquico, através de: colheita de dados, exame físico, revisão dos registos
efectuados e informações transmitidas pelos elementos da sala operatória (técnica
anestésica e agentes administrados; perda hídrica ou hemática estimada; existência de
complicações e estado emocional do doente antes de ser anestesiado) (AESOP, 2006;
Rothrock, 2008). Após a avaliação inicial, o enfermeiro na UCPA, deverá estabelecer os
diagnósticos de enfermagem e elaborar um plano de cuidados, com as actividades a
desenvolver, para atingir os objectivos propostos para aquele doente específico; aplicá-lo e
avaliar os resultados (antes da alta do doente da UCPA).
O estabelecimento do plano de cuidados exige que o enfermeiro perioperatório
conheça as particularidades de cada cirurgia realizada, os seus procedimento anestésico e
as suas complicações, no sentido de detectar o mais precocemente possível e implementar
medidas correctivas e/ou limitar o agravamento da situação do doente. Do mesmo modo, o
enfermeiro da UCPA deve ter “(…) boa capacidade de observação, rapidez de raciocínio,
organização, ponderação nas decisões e calma nas actuação; capacidade de adaptação a
novas situações” (AESOP, 2006, p. 159). Os diagnósticos de enfermagem estabelecidos na
UCPA são referentes à: vigilância, manutenção e/ou melhoria da função cárdiocirculatória; vigilância, manutenção e/ou melhoria da função renal e equilíbrio hidroelectrolítico; vigilância e detecção precoce de alterações ao nível do estado de consciência;
avaliação, prevenção e tratamento da dor; promoção e manutenção do bem-estar físico;
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promoção e manutenção do bem-estar psicológico e espiritual (doente e família);
vigilância, prevenção e/ou melhoria das alterações da função motora; vigilância, prevenção
e/ou melhoria da integridade de pele e mucosas (AESOP, 2006) e vigilância/melhoria da
situação de náuseas e/ou vómitos. O plano de cuidados pode ser dinâmico em função da
resposta do doente e deve prever sempre a preparação do momento da alta da UCPA.
A duração do tempo de recobro é uma questão frequentemente abordada pelos
familiares dos doentes. A resposta a essa questão é simples: “Ficará o tempo necessário
para recuperar a consciência total, com sinais vitais estáveis e com a dor controlada”
(Smith, 2004, p.1). Existem factores que podem acelerar ou retardar a recuperação pósanestésica do doente cirúrgico, respectivamente (AESOP, 20006; Henriques, 2011):
Factores
Promotores
Factores
Retardadores
•Preparação psicológica do doente/família;
•Fornecer informação durante a permanência na UCPA;
•Optimização da funções vitais;
•Analgesia eficaz;
•Prevenção de náuseas e vómitos;
•Ambiente calmo e seguro
•Ansiedade/Medo
•Score ASA superior a II
•Hipertermia/hipotermia
•Perturbações do conforto (náuseas, vómitos, dor)
•Desiquilíbrio hidro-electrolítico
•Presença de drenos e catéteres;
•Alterações respiratórias
•Alterações hemodinâmicas
A decisão da alta do doente da UCPA é da responsabilidade do anestesista, mas
deve ser tomada, após a observação do doente e comunicação da avaliação do doente pelo
enfermeiro (AESOP, 2006). Após a alta, o enfermeiro de UCPA deve informar o serviço
de internamento do doente e comunicar a necessidade de equipamento específico (monitor,
bala de oxigénio, manga de pressão, p.ex). Antes do doente abandonar a UCPA, o
enfermeiro deve realizar uma avaliação criteriosa do doente que transmitirá ao colega de
internamento, assim como, informações relativas ao procedimento cirúrgico e anestésico
efectuado e ocorrências intra-operatórias relevantes (AESOP, 2006). Os registos de
enfermagem assumem particular relevância e devem permitir a comunicação entre a equipa
multiprofissional, permitindo a continuidade e avaliação dos cuidados de enfermagem
prestados.
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Cuidados de Enfermagem Pós-anestésicos
Outro aspecto essencial no funcionamento da UCPA relaciona-se com os seus
recursos humanos, sendo necessário uma equipa multiprofissional (anestesistas,
enfermeiros e assistentes operacionais) que centre a sua intervenção no doente/família.
Esta, como anteriormente referi, deve ser dotada de competências próprias, pois a qualquer
momento pode ser necessário reorganizar o espaço, o pessoal e os equipamentos, de acordo
com as exigências daquele momento. A dotação dos enfermeiros na UCPA é determinada
pelo número de unidades de utentes e a sua taxa de ocupação (AESOP, 2010). O período
de permanência na UCPA é dividido pela AESOP (2010) em Fase 1 e Fase 2, podendo
partilhar o mesmo espaço físico, variando a dotação de enfermeiros atendendo à
especificidade dos cuidados em cada uma dessas fases:
Fase 2 (Os enfermeiros centram a sua
FASE 1 (Os enfermeiros centram a sua
intervenção na prestação de cuidados
imediatamente após a cirurgia)
intervenção na preparação do
utente/família/pessoa significativa para a
continuidade dos cuidados após a alta da
UCPA)
• 1 enf.º para cada 2 utentes (2:1), 1
utente a dormir, estável sem via aérea
artificial e idade superior a 8 anos e outro
estável, consciente e sem complicações;
•1 enf.º para 1 utente (1:1) na fase de
admissão e até transferência da
informação necessária à continuidade dos
cuidados, via aérea assegurada, avaliação
inicial completa; via aérea instável, utente
inconsciente até aos 8 anos de idade;
•2 enf.º para 1 utente (2:1), utente crítico,
instével e com complicações (suporte
ventilatório, suporte de aminas simpáticomiméticas).
•Permanência de no mínimo 2
enfermeiros, estando 1 em permanência
na unidade;
•1 enf.º para 3 utentes (1:3) para utentes
com mais de 8 anos, ou para utentes com
menos de 8 anos, acompanhados de
familiar;
•1 enf.º para 2 utentes (1:2) para utentes
com idade inferior a 8 anos, sem
acompanhamento de familiar; admissão
de utente;
•1 enf.º para 1 utente (1:1) quando o
utente está instável à espera de
transferência.
A prestação de cuidados de enfermagem seguros, efectivos e com qualidade, de
acordo com os critérios descritos deve ser garantida pela dotação dinâmica dos enfermeiros
da UCPA. Nesse sentido, a disponibilização dos planos operatórios com antecedência,
ajuda a equipa coordenadora de enfermagem na gestão do número de enfermeiros
necessários para a UCPA.
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