As medidas cautelares e seu impacto no sistema penal

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As medidas cautelares e seu impacto no sistema penal
AS MEDIDAS CAUTELARES E SEU IMPACTO NO SISTEMA
PENAL BRASILEIRO
Carvalho, Roberta dos Santos Pereira de1.
RESUMO
As inovações trazidas ao Direito Brasileiro pela Lei nº 12.403/11 introduziram no
Processo Penal uma série de medidas cautelares específicas, reafirmando o princípio de
que a liberdade é a regra e a prisão cautelar a exceção e evidenciaram a intenção de reduzir
a decretação de prisões preventivas. A Constituição da República garante a presunção de
inocência a todo cidadão, e disso decorre que é excepcional o caráter do encarceramento
cautelar, sempre provisório, ao contrário da liberdade, que é a norma. As cautelares
pessoais são: prisão cautelar, prisão domiciliar, comparecimento periódico em juízo,
proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato
com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da comarca, recolhimento domiciliar no
período noturno e nos dias de folga, suspensão do exercício de função pública ou de
atividade de natureza econômica ou financeira, internação provisória, fiança, monitoração
eletrônica.O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a adequação constitucional
e a aplicabilidade das medidas cautelares trazidas pela nova lei no processo penal
brasileiro, e como objetivos específicos esboçar um quadro acerca do que seja a pena, a
prisão, o processo e os princípios constitucionais para o Direito brasileiro, à luz da nova
legislação. A metodologia aplicada baseou-se na pesquisa bibliográfica.
Palavras-chave: Pena. Princípios Constitucionais. Medidas Cautelares. Aplicabilidade.
ABSTRACT
The innovations that were brought to Brazilian Law by Act nº 12.403/11 have introduced
in Penalty Procedure a series of specific caution acts, reassuring the principle that freedom
is the rule and the caution prison the exception and emphasized the intention of reducing
caution prison orders. The Republic Major Law presumes the innocence of every citizen,
and from this arises the conception that caution imprison is exceptional and temporary,
while freedom is the rule. The personal caution acts are: caution prison, home prison,
periodical frequency before judicial office, prohibition of access or frequency to certain
places, prohibition of maintaining contact to determined person, prohibition of absence
from the city, home permanency at night and holidays, suspension of public function or
financial/ economic activity exercise, temporary retirement at health/mental institutions,
fee, electronic remote control. This paper aims to analyze the constitutional adequacy and
applicability of caution acts brought by the new law to the Brazilian Penalty Procedure and
as specific objectives to draw a frame for what is penalty, prison, process an constitutional
1
Possui graduação em Direito pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1993) e
mestrado em Direito das Relações Econômico Empresariais pela Universidade de Franca (2003). Atuou
como professor titular da Universidade de Franca até junho de 2008.Atualmente execer a docencia junto ao
Centro Univesitário da Fundação Educacional Guaxupé-MG e na Faculdade "Dr. Francsico
Maeda", em Ituverava-SP. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Penal e
Direito Processual Penal.
2
principles for Brazilian Law, in confront to the new law. The applied methodology was
based on bibliographical research.
Key-words: Penalty. Constitutional Principles. Caution Acts. Applicability.
INTRODUÇÃO
As medidas cautelares fazem-se presentes já de longa data no Direito brasileiro, em
algumas leis desconectadas, como o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), Lei
Maria da Penha (Lei n º11.340/06) e Lei de Drogas (Lei nº 11.343/06), que apresentam
medidas cautelares que visam a evitar o encarceramento provisório dos acusados.As
inovações trazidas ao Direito Brasileiro pela Lei nº 12.403/11, que entrou em vigor em
05/07/2011, introduziram no Processo Penal brasileiro uma série de medidas cautelares
específicas, reafirmando o princípio de que a liberdade é a regra e a prisão cautelar a
exceção e evidenciaram a intenção de reduzir a decretação de prisões preventivas,
substituindo-as por medidas cautelares nos casos em que a restrição antecipada da
liberdade não seja adequada nem necessária. Deve-se notar que a Constituição da
República garante a presunção de inocência a todo cidadão, e disso decorre que é
excepcional o caráter do encarceramento cautelar, sempre provisório, ao contrário da
liberdade, que é a norma, pois as novas medidas garantem que a prisão cautelar somente
ocorrerá se e quando demonstrado na decisão judicial a inaplicabilidade de tais medidas.
Tais preceitos evidenciam a intenção do legislador de posicionar a prisão provisória como
a última medida a ser tomada, intenção essa acentuada pelo fato de que o juiz, ao receber o
auto de prisão em flagrante, deverá convertê-lo em prisão preventiva, se cabível e com
fundamentação.
A nova lei baseia-se em dois critérios para reformular as normas das medidas
cautelares no processo penal. São eles: necessariedade e adequabilidade. A necessariedade
tem como requisitos a garantia da aplicação da lei penal, a conveniência da investigação ou
instrução criminal, e o desestímulo à prática de infrações penais. A adequabilidade repousa
na gravidade do crime; nas circunstâncias do fato e nas condições pessoais do indiciado ou
acusado, ampliando o número de medidas possíveis e tratando apenas das cautelares
pessoais e não das reais (que asseguram bens para a reparação do dano e para a satisfação
das obrigações dos condenados - como arrestos e sequestros). As cautelares pessoais de
que trata a nova lei são: prisão cautelar (art.283 e ss.), prisão domiciliar (arts.317 e 318), e
outras medidas cautelares diversas da prisão (art.319): comparecimento periódico em juízo,
proibição de acesso ou frequência a determinados lugares, proibição de manter contato
com pessoa determinada, proibição de ausentar-se da comarca, recolhimento domiciliar no
período noturno e nos dias de folga, suspensão do exercício de função pública ou de
atividade de natureza econômica ou financeira, internação provisória, fiança, monitoração
eletrônica.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a adequação constitucional e a
aplicabilidade das medidas cautelares trazidas pela Lei nº 12.403/2011 no processo penal
brasileiro, e como objetivos específicos esboçar um quadro acerca do que seja a pena, a
prisão, o processo e os princípios constitucionais para o Direito brasileiro, à luz da nova
legislação.
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A metodologia aplicada baseou-se no levantamento de dados na literatura
disponível sobre o tema em livros, revistas especializadas e sites da Internet.
1 A PENA E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
A ideia da pena nasceu primitivamente do sentimento de vingança, inicialmente na
forma privada, e mais tarde na categoria de direito. Oswaldo Henrique Duek Marques
(1978) pontua que o ser humano das primeiras eras "encontra-se muito ligado à sua
comunidade, pois fora dela sentia-se desprotegido dos perigos imaginários” (MARQUES,
Oswaldo Henrique, 1978, p. 56). Essa ligação refletia-se na organização jurídica primeva,
baseada no vínculo de sangue representado pela recíproca tutela daqueles que possuíam
uma descendência comum. Dele se originava a chamada vingança de sangue, definida por
Erich Fromm como “um dever sagrado que recai num membro de determinada família, de
um clã ou de uma tribo, que tem de matar um membro de uma unidade correspondente, se
um de seus companheiros tiver sido morto” (MARQUES, Oswaldo H. Duek, 1978, p 23).
Com o surgimento do Estado, e com o aparecimento das religiões, surgiram regras
de Direito Penal com conotação de divindade, em nome da qual se aplicava a punição.
Ensina Henny Goulart (2000) que "sendo o ato considerado como atentado à divindade, a
sanção tendia para a eliminação ou expulsão do transgressor, sacrifício que se oferecia aos
deuses" (GOULART, Henny, 2000, p. 65).À medida que o pensamento humano passou a
evoluir àa regras também foram mudando, como lembra René Ariel Dotti (2004):
(...) a idéia de pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através
da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento
da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos
súditos. É a pena pública que, embora impregnada pela vingança, penetra nos
costumes sociais e procura alcançar a proprocionalidade através das formas do
talião e da composição. A expulsão da comunidade é substituída pela morte,
mutilação, banimento temporário ou perdimento de bens (DOTTI, René Ariel,
2004, p. 80).
Ensina Henny Goulart (2000) que, a partir do século XV, as ideias liberais,
condicionadas pela renovação de conceitos a respeito do mundo e do destino do ser
humano, acentuam-se, concretizadas, afinal, no século XVIII, com os ideais da Revolução
Francesa. Surgem, então, ovas concepções no campo penal e, com elas, as doutrinas acerca
direito de punir. Para Roberto Lyra (1972), nos últimos anos do século XVIII e na primeira
metade do século XIX, sob a égide das idéias iluministas, desenvolvem-se os estudos da
Escola Clássica Criminal, também chamada idealista, filosófico-jurídica, crítico-forense
etc., que é livre-arbitrista, individualista e liberal, considerando o crime fenômeno jurídico,
e a pena, meio retributivo. Para o autor, os clássicos são contratualistas e racionalistas;
foram, inicialmente, mais ou menos jusnaturalistas, aceitando, em regra, o predomínio de
normas absolutas e eternas sobre as leis positivas (LYRA, Roberto, 1972, p. 89). Já para
Francesco Carrara (1973), a pena é um conteúdo necessário do direito. É o mal que a
autoridade pública inflige a um culpado por causa de seu delito. Segundo Roberto Lyra
(1972), para a Escola Positiva, que veio a seguir, o crime é um fenômeno natural e social, e
a pena meio de defesa social, e tal Escola
(...) também chamada italiana, nova, moderna ou antropológica (Lombroso,
Ferri, Garofalo, Fioretti), é determinista e defensivista, encarando o crime como
fenômeno social e a pena como meio de defesa da sociedade e de recuperação
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do indivíduo. Chama-se positiva, não porque aceite o sistema filosófico mais ou
menos comteano, porém, pelo método. Inicialmente, sofreu a influência de
Darwin, Spencer e Haeckel, com as novas concepções da natureza, do homem e
da sociedade, mormente a doutrina da evolução (LYRA, Roberto, 1972, p.89).
Em meio aos extremos bem definidos das Escolas Clássica e Positiva, surgiram ao
longo dos tempos posições conciliatórias. A primeira dessas correntes surge com a
publicação, na Itália, de um artigo de Manuel Carnevale, denominado "Una Terza Scuola
di Diritto Penale in Itália", em 1891, que assinala o início do que se convencionou
denominar positivismo crítico. Destacam-se, nesta fase, a obra de Bernardino Alimena
(Naturalismo crítico e diritto penale, 1892) e Impallomeni (Instituizioni di diritto penale,
1916). Embora acolham o princípio da responsabilidade moral, não aceitam que a
responsabilidade moral se baseia no livre arbítrio, substituindo-o pelo determinismo
psicológico.
Conforme ensina Damásio E. de Jesus (1985), após a II Guerra Mundial, reagindo
ao sistema unicamente retributivo, surge a Escola do Neodefensivismo Social, liderada por
Marc Ancel, na França, e por Filippo Grammatica, na Itália, que segundo seus postulados
não visa punir a culpa do agente criminoso, apenas proteger a sociedade das ações
delituosas. Essa concepção rechaça a idéia de um direito penal repressivo, que deve ser
substituído por sistemas preventivos e por intervenções educativas e reeducativas,
postulando não uma pena para cada delito, mas uma medida para cada pessoa. E afirma
ainda:
(...) para a Defesa Social, a pena tem três finalidades:
1.ª) não é exclusivamente de natureza retributiva, visando também a tutelar os
membros da sociedade;
2.ª) é imposta para a ressocialização do criminoso;
3.ª) a máquina judiciária criminal deve ter em mira o homem, no sentido de que
a execução da pena tenha um conteúdo humano" (JESUS, Damásio E. de, 1985,
p. 56).
Entendendo que o crime é uma patologia, e o criminoso, portanto, um doente,
Manoel Pedro Pimentel (2003) asseverava que a sociedade tem o dever de se defender dos
ataques contra bens e interesses tutelados juridicamente. Todavia, no seu entender a
palavra pena deveria ser substituída pela expressão medida de defesa social, ou outra
equivalente, afastando-se do sentido de castigo, e o Direito Penal passaria a ser Direito de
Defesa Social; o Código Penal, então, seria denominado Código de Defesa Social. Os
presídios já não seriam prisões, e sim casas de tratamento. A Defesa Social, segundo
Manoel Pedro Pimentel (2003), possui tríplice objetivo:
1 – a pena não tem somente caráter expiatório, mas interessa também para a
proteção da sociedade;
2 – a pena, além de ser exemplar a retributiva, tem um escopo de melhoramento
senão mesmo de uma reeducação do delinqüente;
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3 – a justiça penal deve ter sempre presente a pessoa humana, além das simples
exigências da técnica processual, a fim de que o tratamento penal seja sempre
humano" (PIMENTEL, Manoel Pedro, 2003, p. 67)
Apesar de as penas sempre terem sido aplicadas àqueles que transgrediam as
normas estabelecidas na sociedade, havia pouca reflexão sobre a sua real finalidade.
Tratava-se apenas de uma simples retribuição pela infração, sendo a sanção uma forma de
punir o transgressor. Nessa linha de raciocínio há a Teoria Retribucionista ou Absoluta,
que tem como fundamento a retribuição do dano causado pelo infrator mediante a
aplicação de uma pena, sem a menor preocupação com o delinquente. Grandes pensadores
como Kant e Hegel eram adeptos dessa teoria. Ensina Bitencourt (2008), que Kant
considerava que o réu deveria ser castigado simplesmente por ter delinquido, sem
considerar a utilidade deste castigo, que figurava como uma sanção moral ao cometimento
do delito. Já Hegel afirmava que a pena era "o restabelecimento da ordem jurídica
quebrada", pois o crime era a quebra do acordo estabelecido pelos cidadãos, trazendo uma
abordagem jurídica às idéias de Kant.Esta teoria não é mais aceita, tendo em vista que
estudos já demonstraram que a imposição de pena apenas para castigar o criminoso em
nada frutifica para a sociedade.
Em estudos mais recentes, a Escola de Defesa Social tenta estabelecer que a real
finalidade da pena é a readaptação social do condenado. Para estes pesquisadores, a
sociedade só é recompensada com a ressocialização do delinqüente, e o seu consequente
retorno ao convívio em sociedade.Muito aplaudida por psicólogos e juristas, esta teoria
vem alertar acerca da necessidade de observação de meios que ajudem os condenados a se
reinserir na sociedade, não sendo mais bastante a simples colocação do indivíduo na rua.
Programas de reeducação e trabalhos de readaptação do condenado ao convívio
social devem ser criados pelo Estado para que este indivíduo não volte a delinquir por falta
de opção, funcionando assim também como um meio de prevenção.
Por outro lado, uma das facetas dessa teoria é a exclusão definitiva do caráter
retributivo da pena. Mas se o desejável é a ressocialização e a reinserção do criminoso ao
convívio social, a característica de castigo se torna incompatível com a teoria, o que levou
ao desagrado por parte de muitos estudiosos e vítimas de crimes, pois, afinal, a pena
sempre teve um caráter retribucionista, acrescentando um fim preventivo.Como afirma
Everardo da Cunha Luna: “a retribuição, sem a prevenção, é vingança; a prevenção, sem a
retribuição, é desonra” (LUNA apud MIRABETE, 2007).
1.1 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Nesse contexto de discussão sobre as finalidades da pena, oportuna é uma reflexão
sobre o princípio constitucional da Dignidade Humana. A dignidade humana funciona
como uma fonte jurídico-positiva para os direitos fundamentais, atribuindo-lhes coerência
e unidade e dando-lhes uma noção de sistema. O princípio fundamental da dignidade da
pessoa humana serve como uma “lei geral” para os direitos fundamentais, que são
especificações da dignidade da pessoa humana (SARLETT, 1998, p. 115). Para Rizzatto
Nunes (2004),
(...) princípio jurídico é um enunciado lógico, implícito ou explícito, que, por sua grande
generalidade ocupa posição de preeminência nos horizontes do sistema jurídico e, por
isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas
jurídicas que com elas se conectam (NUNES, Rizzatto, 2004, p. 363).
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Daí infere-se que, na interpretação dos direitos humanos, deve-se contemplar, como
bem maior a ser protegido, a dignidade do ser humano, e por isso deve ser afastada
qualquer norma que viole ou colida com os preceitos fundamentais de respeito à dignidade
humana, pois esta é um valor máximo, supremo.Como assevera Paulo Otero (2003), esse
valor é
(..) dotado de uma natureza sagrada e de direitos inalienáveis, afirma-se como
valor irrenunciável e cimeiro de todo o modelo constitucional, servindo de
fundamento do próprio sistema jurídico: O Homem e a sua dignidade são a
razão de ser da sociedade, do Estado e do Direito” (OTERO, Paulo, 2003,
p.254)
Segundo Flávia Piovesan (1997), o valor da dignidade da pessoa humana impõe-se
como núcleo básico e informador de todo e qualquer ordenamento jurídico, como critério e
parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão de qualquer sistema
normativo, mormente o sistema constitucional interno de cada país (PIOVESAN, Flávia,
1997, p. 78). Cristiano Chaves de Farias (2004), em consonância, preleciona que, no
âmbito interno, importa destacar que o mais precioso valor da ordem jurídica brasileira,
erigido como fundamental pela Constituição de 1988, foi a dignidade da pessoa humana,
que impõe a elevação do ser humano ao ápice de todo o sistema jurídico, sendo-lhe
atribuído o valor supremo de alicerce da ordem jurídica (FARIAS, Cristiano Chaves, 200,
P. 76).
O Artigo 5º da Convenção da Costa Rica estabelece que:
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e
moral.
2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis,
desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada
com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano.
3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente.
4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em
circunstâncias excepcionais, e devem ser submetidos a tratamento adequado à
sua condição de pessoas não condenadas.
5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos
adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível,
para seu tratamento.
6. As penas privativas de liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma
e
a
readaptação
social
dos
condenados
(http://www.portaldafamilia.org/artigos/texto065.shtml acesso em agosto de
2012).
Assim, a dignidade da pessoa humana serve como motriz da intangibilidade da vida
do homem, dela aflorando o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a admissão
da existência de pressupostos materiais mínimos para que se possa viver e o respeito pelas
condições fundamentais de liberdade e igualdade (FARIAS, Cristiano Chaves, 2004, P.
79).
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1.2 OUTROS PRINCÍPIOS
1.2.1 DIREITO COLETIVO E DIREITO INDIVIDUAL
Sempre que houver conflito entre um interesse individual e um interesse coletivo,
deve prevalecer o interesse público, ou seja, há que valer o princípio “pro societá”. Nesse
sentido preleciona Marçal Justen Filho (2005) que:
a supremacia do interesse público significa sua superioridade sobre os demais
interesses existentes na sociedade. Os interesses privados não podem prevalecer
sobre o interesse público. A indisponibilidade indica a impossibilidade de
sacrifício ou transigência quanto ao interesse público, e é em decorrência de sua
supremacia (JUSTEN FILHO, 2005, p. 43).
O sistema jurídico deve contemplar ambos a segurança pública e o direito do
condenado, uma difícil tarefa, uma vez que os princípios constitucionais visam defender os
direitos humanos, dando-se destaque à individualização, a humanização e a proibição de
aplicação de penas cruéis e com caráter perpétuo (art. 5º III, LXVII e LXVI, CF/88).
O sistema jurídico, além de tutelar o modelo de sanções reparatórias, apenando e
fazendo coerção quando não cumpridas as normas, tutela também as sanções preventivas,
que objetivam o não lesionamento das normas. As sanções reparatórias do sistema penal
são justificadas pela sua extração de códigos oriundos das fontes primárias do direito,
dentre os costumes da sociedade, sob a forma de jurisprudência.
De acordo com Baratta (2002), as sanções são concretizadas oficial e oficiosamente
por organizações e instituições (polícia e sistema penitenciário) responsáveis, observando
os princípios que as permitem agir, e que são os seguintes (BARATTA, 2002, p. 12):
1.2..2 PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE:
Para conservar direitos coletivos, o Estado legitima a coibição da criminalidade
através de instituições e organizações oficiais, bem como meios oficiais (penas que privam
a liberdade e medidas sócio-educativas) (LENZA, 2008, p. 595-601);
1.2.3 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE:
Analisa o animus do sujeito que cometeu a conduta criminalizada, visto que dentro
das normas em determinadas situações, condutas adversas (maléficas) às normas e aos
costumes são permitidas para defesa de um direito ou têm as penas suavizadas pela não
propositura de cometê-las (culpa) (LENZA, 2008, p. 595-601);
1.2.4 PRINCÍPIO DA FINALIDADE OU DA PREVENÇÃO
Tem a função de atuar posteriormente e também preventivamente sobre o crime,
abstrativamente (quando ainda está em lei) tendo adequada e justa penalidade e quando
concretizado, visando reeducar o delinquente (LENZA, 2008, p. 595-601);
1.2.5 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
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Ao aplicar a lei penal, o sistema visa igualmente aplicá-las aos que cometeram os
mesmos atos infracionais (LENZA, 2008, p. 595-601);
1.2.6 PRINCÍPIO DO INTERESSE SOCIAL E DO DELITO NATURAL
Os delitos são na maioria contra a sociedade, de forma indireta (seus direitos e
ideais) ou direta, e as sanções, juntamente com os códigos, existem para tutelá-los, pois os
direitos coletivos são constituintes basilares da sociedade (BARATTA, 2002, p. 42).
1.3 O PROCESSO PENAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Quando se pensa em sociologia, logo daí se extrai a ideia da sociedade e do
homem, pois o homem é um ser social por natureza, uma vez que suas dependências físicas
o fazem conviver com outros indivíduos da mesma espécie. E quando surge a obrigação de
conviver, nasce a necessidade de adaptação. Essa adaptação pode acontecer de forma
pacífica ou conflituosa, pois as regras impõem-se de forma natural. Sendo assim, tais
regras aflorarão de acordo com a moral ou com os costumes. Daí o Direito. Quando o
homem infringe as normas de condutas dentro da sociedade, eis que surge o litígio. Ele
ocorre mesmo quando há igualdade de língua, costumes e tradições dentro dos núcleos
sociais. Conceitua-se litígio como uma oposição de interesses num ato de ação ou omissão
do indivíduo, que tem sua pretensão contradita ou insatisfeita.
Com o surgimento do Estado com todos seus elementos (povo, território e
soberania), e suas intervenções, as soluções dos conflitos foram se modificando. Mas a
atuação do Estado ainda era algo questionável, pois ele detinha todos os poderes: o poder
de legislar e o de executar e julgar, concentrados.Ocorre que a tripartição dos poderes,
idealizada por Montesquieu, descentralizou os poderes do Estado e, assim, as funções de
julgar, executar e legislar foram divididas para favorecer a que a intervenção do Estado
ocorresse com maior possibilidade de sucesso. Após a divisão dos poderes, o Estado
passou a gerir, ou seja, a administrar a justiça; sendo assim, a propriedade do jus puniendi,
que se traduz do latim como o direito de punir, passou a ser totalmente dele. Tourinho
Filho (2010) assim define o jus puniendi:
O jus puniendi pertence, pois, ao Estado, como uma das expressões mais
características da sua soberania. Observe-se, contudo, que o jus puniendi existe
in abstracto e in concreto. Com efeito. Quando o Estado, por meio do Poder
Legislativo, elabora as leis penais, cominando sanções àqueles que vierem a
transgredir o mandamento proibitivo que se contém na norma penal, surge para
ele o jus puniendi num plano abstrato e, para o particular, surge o dever de
abster-se de realizar a conduta punível, Todavia, no instante em que alguém
realiza a conduta proibida pela norma penal, aquele jus puniendi desce do plano
abstrato para o concreto, pois, já agora, o Estado tem o dever de infligir a pena
ao autor da conduta proibida. Surge, assim, com a prática da infração penal, a
“pretensão punitiva”. (TOURINHO FILHO, 2010, p. 46-47).
Logo, o jus puniendi garante Estado tem o direito de punir. Mas este direito
somente se concretiza no momento em que o autor infringe a norma. A infração da norma
é definida como crime, que, na teoria tripartida, possui os seguintes elementos: tipicidade,
antijuricidade e culpabilidade. A pretensão punitiva do Estado, então, necessitava de
encontrar um instrumento adequado para julgar tais condutas de forma justa: daí originouse o processo.
O processo nada mais é do que atos ordenados cronologicamente destinados às
partes da relação processual, que são: o Ministério Público, o juiz, e o réu, nas ações
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incondicionadas. Já as ações condicionadas são destinadas à vítima, ao réu e ao juiz
novamente, para que este possa aplicar a lei anteriormente definida ao caso concreto, a fim
de julgar a procedência ou improcedência da pretensão punitiva. Após obter o conceito de
processo penal, entende-se então como se formará a relação processual, sendo ainda
necessário analisar outros aspectos atinentes a este ramo do direito.
O direito processual penal é conceituado por vários doutrinadores como Tourinho
Filho (2010) e Cintra (2011):
(...) conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do
Direito Penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e respectivos
auxiliares, bem como da persecução penal (TOURINHO FILHO apud
MARQUES, 2010, p. 54).
(...) chama-se direito processual penal o conjunto de normas e princípios que
regem (...) o exercício conjugado da Jurisdição pelo Estado-Juiz, da ação pelo
demandante e da defesa pelo demandado (CINTRA et lal apudI CAPEZ,2011, p.
43).
Portanto, o processo penal deve ser entendido como uma junção de atos
ordenados, normatizados previamente para o alcance da persecução penal, ou seja, a busca
da verdade real dos fatos ocorridos, que são considerados atos ilícitos para o ordenamento
jurídico.
O processo penas brasileiro teve sua regulação em meados do século XX1 e foi
redigido sob a idéia do já vigente e codificado ordenamento italiano na década de 1930,
que tem características essencialmente autoritárias, pois foi elaborado em pleno regime
fascista. Dentre as características arbitrárias, elencam-se algumas que deixam clara a
coação ao réu na persecução penal e que são apresentadas na obra de Eugênio Pacelli de
Oliveira (2011) e COUTINHO (2001):
(a) o acusado é tratado como potencial e virtual culpado, sobretudo quando
existir a prisão em flagrante, para a qual, antes da década de 1970, somente era
cabível a liberdade provisória para crimes afiançáveis, ou quando presente
presunção da inocência, consubstanciada na possível e antevista existência de
causa de justificação (estado de necessidade, legítima defesa etc.) na conduta do
agente (art. 310, caput );
(b) em uma suposta balança entre a tutela da segurança pública e a tutela da
liberdade individual, prevalece a preocupação quase exclusiva com a primeira,
com o estabelecimento de uma fase investigatória agressivamente inquisitorial,
cujo resultado foi uma conseqüente exacerbação dos poderes dos agentes
policiais;
(c) a busca da verdade, sinalizada com a verdade real, legitimou diversas
práticas autoritárias e abusivas por parte dos poderes públicos. A ampliação
ilimitada da liberdade de iniciativa probatória do juiz , justificada como
necessária e indispensável à busca da verdade real, descaracterizou o perfil
acusatório que se quis conferir à atividade jurisdicional. Esse parece ser a razão
pela qual Jacinto Nelson Miranda Coutinho, ilustre processualista, Professor
Titular da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, insiste em conceituar
o nosso modelo processual como de natureza preferencialmente inquisitorial
(COUTINHO, 2001, PP. 3-50);
(d) o interrogatório do réu era realizado, efetivamente, em ritmo inquisitivo, sem
a intervenção das partes, e exclusivamente como meio de prova, e não de defesa,
estando o juiz autorizado a valorar, contra o acusado, o seu comportamento no
aludido ato, seja em forma de silêncio (antiga redação do art. 186 e o ainda atual
art. 198, já revogado implicitamente), seja pelo não-comparecimento em juízo. É
autorizada, então, a sua condução coercitiva (art. 260, CPP). Como veremos, a
Lei nº 10.792/03, seguida também pela Lei nº 11.719/08, produziu profundas
mudanças na matéria, alterando expressamente o disposto no art, 186 do CPP, e,
10
agora por incompatibilidade, também a previsão do art. 198 do CPP
(OLIVEIRA, 2011, p. 6-7).
É visível, então, que o réu, no processo penal anterior à Constituição Federal de
1988, era tratado como um objeto de prova para instrução processual, pois tinha como
princípio fundamental o da presunção de culpa.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o processo penal brasileiro
sofreu profundas mudanças, que o tornaram mais justo, passando o réu a ser visto de uma
forma mais humana e, assim, respeitando-se o princípio da dignidade humana.As
mudanças foram radicais, a começar pelo que é assegurado no art. 5º, LVII: “Ninguém será
considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Neste
momento, foi concretizado o princípio da presunção de inocência. Também no mesmo
artigo, porém no inciso LV: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes”.E assim, nos demais incisos do artigo 5º da Constituição Federal,
são assegurados mais direitos inerentes ao réu e à relação processual. Logo se confirma a
referida mudança no processo penal brasileiro, que tem atingido seu ápice com a Lei n
12.403/11.
2 A LIBERDADE PROVISÓRIA
A garantia da liberdade provisória está inscrita no artigo 5º, LXVI, da CF, nestes
termos: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade
provisória, com ou sem fiança”. Nucci (2007) considera que a ideia central da liberdade
provisória é a de que, presa em flagrante, a pessoa terá o direito de aguardar o seu
julgamento em liberdade, pagando fiança ou, sem que o faça, afinal, é presumidamente
inocente.
Ensinam Gomes et al. (2011) que, de acordo com o disposto no artigo 321, a
liberdade provisória só será possível quando ausentes os pressupostos que autorizam a
prisão preventiva e, sendo cabível, consistirá na imposição de uma das medidas cautelares
previstas no artigo 319. Afirmam ainda que a liberdade provisória possui a natureza de
sucedâneo de uma constrição provisória precedente – em outras palavras, de uma prisão
cautelar anterior.
Com a recente reforma do CPP pensamos que a liberdade provisória possa ser
classificada da seguinte maneira: 1) liberdade provisória mediante a imposição
de outras medidas cautelares (distintas da prisão), incluindo-se eventualmente
fiança (arts. 319, 320 e 322 e SS.); 2) liberdade provisória sob condições
especiais (art. 310, parágrafo único); 3) liberdade provisória com condições
especiais, nos termos do art. 350 do CPP; 4) liberdade provisória sem nenhuma
condição (GOMES et al., 2011, p. 30).
Conjugando os arts. 321, 319 e 350 do CPP, cabe ao juiz conceder a liberdade
provisória, na carência dos requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, e
optar por um dos seguintes caminhos: 1) impor as medidas cautelares do art. 319; 2) impor
unicamente as condições do art. 310, parágrafo único, se presentes as causas de exclusão
da antijuricidade; 3) impor as condições do art. 350, quando a carência de recursos do réu o
impossibilitar de prestar fiança ou 4) conceder a liberdade provisória sem nenhuma
condição (GOMES et al., 2011, p. 30).
Afirma Mirabete (2004), ao conceituar o instituto da liberdade provisória, que, uma
vez que é condenável a prisão antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, o
direito objetivo estabelece institutos e medidas que assegurem o desenvolvimento regular
11
do processo com a presença do imputado sem o sacrifício da custódia. Um desses institutos
é o da liberdade provisória, “que substitui a custódia provisória, atual ou iminente, com ou
sem fiança, nas hipóteses da flagrante (arts.310 a 310), em decorrência de pronúncia (art.
408, parágrafo 1º) e da sentença condenatória recorrível (art. 594)”. Ainda para o autor, a
liberdade provisória é um estado de liberdade que pode estar gravado nas condições e
reservas que tornam precário e limitado o seu gozo e é “provisória” porque pode ser
revogada a qualquer tempo e vigora apenas até o trânsito em julgado da sentença final,
que, se condenatória, torna possível a execução da pena e, se absolutória, transforma a
liberdade em definitiva (MIRABETE, 2004, p. 435).
Há leis especiais que limitam a concessão da liberdade provisória: na ocorrência de
crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o
terrorismo são insuscetíveis de fiança e liberdade provisória (art. 2º, II, da Lei nº 8.072). O
mesmo ocorre quando se tratar de ações praticadas por organizações criminosas
(quadrilhas ou bandos), como dispõe a chamada Lei do Crime Organizado (art. 7º, da Lei
nº 9.034), os crimes de posse ou porte ilegal de arma de uso proibido, comércio ilegal de
armas de fogo e tráfico internacional de armas de fogo (arts. 16, 17 e 18, respectivamente,
da Lei nº 8.035).
Ensina Nucci (2007) que a liberdade provisória sem fiança é concedida nas
seguintes circunstâncias: a) quando o réu se livrar solto (na modalidade de prisão que não
tem força para segurar o indiciado no cárcere, em infrações de pequena monta); b) quando
a infração praticada não é apenada com pena privativa de liberdade (as contravenções
penais passíveis de multa); c) quando a pena máxima da infração cometida não ultrapassa
três meses; d) quando o juiz verificar, lendo o auto da prisão em flagrante, que o agente
praticou o fato escudado por qualquer das excludentes de ilicitude previstas no art; 23 do
Código Penal (estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito e estrito
cumprimento do dever legal); e) quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a
inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizem a prisão preventiva (art. 310,
parágrafo único, CPP); f) quando o réu for pobre e não puder arcar com o valor da fiança
(art. 350, CPP).
Para a lei, fiança é uma garantia real (porque tem por objeto coisas – art.330) do
cumprimento das obrigações processuais do réu e constitui um direito subjetivo seu, que
lhe permite, mediante caução e cumprimento de algumas obrigações, conservar sua
liberdade até a sentença condenatória irrecorrível, podendo ser concedida desde a prisão
em flagrante até o trânsito em julgado da sentença condenatória (MIRABETE, 2004, p.
442).
A base de cálculo para a fixação da fiança está prevista nos artigos 325 e 326 do
CPP, nos seguintes limites:
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos
seguintes limites:
(...)
I – de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja
pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;
II – de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena
privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo 1º - Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança
poderá ser:
I – dispensada, na forma do art. 350 deste Código;
II – reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou
III – aumentada em até 1.000 (mil) vezes.
12
A fiança poderá consistir em depósito em dinheiro, pedras, objetos ou metais
preciosos, títulos da dívida pública, federal, estadual, ou municipal, ou em hipoteca inscrita
em primeiro lugar (art. 330 do CPP).
O artigo 350 do CPP autoriza o juiz a conceder a liberdade provisória sem o
pagamento da fiança se as condições econômicas do imputado não lhe permitirem arcar
com ela, mas resguardadas as condições previstas nos arts. 327 e 328 e outras medidas
cautelares diversas, previstas no art. 319, conforme a necessidade.
Será exigido reforço da fiança, nos termos do art. 340 do CPP, quando a autoridade
tomar, por engano, fiança insuficiente; quando houver depreciação material ou
perecimento dos bens caucionados e quando for inovada a classificação do delito, nos
termos dos arts. 382 ou 383, para um crime mais grave.
No caso de o réu ser condenado e se apresentar para cumprir a pena, o valor dado
em garantia será devolvido a ele, abatendo-se o valor das custas, multa e indenização
fixada na sentença penal (art. 336); se o réu for absolvido, o valor da fiança lhe será
devolvido integralmente (art. 337).
Quando incabível a fiança, preleciona Lopes Jr. (2011), nos termos dos arts. 338 e
339, deverá a fiança ser cassada e os valores devolvidos integralmente ao réu. A fiança
será considerada quebrada quando:
Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado:
I – regularmente intimado para o ato do processo, deixar de comparecer, sem
motivo justo;
II – deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo;
III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança;
IV – resistir injustificadamente a ordem judicial;
V – praticar nova infração penal dolosa.
O quebramento da fiança acarretará perda de metade do valor e será
responsabilidade do juiz a decisão sobre a imposição de outras medidas cautelares, ou, em
último caso, a decretação da prisão preventiva.
A inafiançabilidade de alguns crimes, prevista nos institutos legais, tem como
consequências a impossibilidade de concessão de liberdade provisória por parte da
autoridade policial; e a liberdade provisória ficará sujeita à imposição de outras medidas
cautelares diversas, conforme o art. 319, de acordo com a necessidade da situação.
De acordo com Nucci (2012), a prisão cautelar e provisória destina-se unicamente a
vigorar, quando necessário, até o trânsito em julgado da decisão condenatória, e é regulada
pelo Código de Processo Penal, enquanto o Código Penal regula a prisão decorrente de
condenação, estabelecendo suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do
condenado.
3 AS MEDIDAS CAUTELARES
São seis as espécies de prisão processual cautelar, ainda segundo Nucci (2012): a)
prisão preventiva; b) prisão em flagrante; c) prisão preventiva; d) prisão em decorrência de
pronúncia; e) prisão em decorrência de sentença condenatória recorrível; f) condução
coercitiva de réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse,
injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia.
Os requisitos para a decretação das medidas cautelares, ensina Nucci (2011), estão
previstos no art. 282, I e II, do CPP: a) a necessidade para a aplicação da lei penal, para a
investigação ou instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais; b) adequação
da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado
ou acusado.
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O comparecimento periódico em juízo deve ser realizado no prazo e nas condições
fixadas pelo juiz, com o objetivo de informar e justificar as atividades do réu. Esta medida
é condição para que o réu usufrua de benefícios como o regime aberto (art. 115, II, LEP), o
livramento condicional (art. 132, § 1º, LEP) e o sursis (art. 78, § 2º, c, CP).
A proibição de acesso ou frequência a determinados locais deve-se ao risco de o
indiciado ou acusado cometer novas infrações, por circunstâncias ligadas ao fato. Assim
como o comparecimento periódico em juízo, essa medida também representa condição
para o gozo de outros benefícios, como o sursis (art. 78, § 2º, a, CP) e livramento
condicional (art. 132, § 1º, LEP) (NUCCI, 2011, p. 83). A Lei nº 9.714/98 apontou para a
impropriedade de considerar a proibição de frequentar lugares como pena alternativa,
porque, inserida no contexto de pena autônoma, e em substituição a pena privativa de
liberdade, teria como consequência a impunidade. De fato, em consonância com as
palavras de Nucci (2011), como pena alternativa, a medida era inexpressiva quanto à
fiscalização e “jamais conseguiu se afirmar como sanção penal, levando-se em conta o seu
caráter retributivo e preventivo” (NUCCI, 2011, p. 83). Como medida cautelar, ainda de
acordo com o autor, por outro lado, poderá ter maior eficácia, sendo que sua imposição
evitará novos crimes, pois prevenirá conflitos típicos de locais como bares e outros lugares
em que a venda de bebida alcoólica é livre.
A proibição de manter contato com pessoa determinada visa a distanciar o indiciado
de uma pessoa determinada quando tal se mostrar necessário, por circunstâncias ligadas ao
fato. Surgida, pela primeira vez, na Lei nº 11.340/2006, que versa sobre a violência
doméstica, como medida protetiva de urgência, visava principalmente a manter o ofensor a
se manter distante do ofendido, de seus familiares ou de testemunhas. Em seu art. 22, III, a,
a Lei 11.340/2006 estabelecia um limite mínimo de distância entre os envolvidos. Na
atualidade, aparece no Código de Processo Penal, em caráter mais geral, englobando
diversas circunstâncias, em especial com relação aos crimes em que autor e vítima se
conhecem e podem continuar mantendo ofensiva, depois do começo da investigação ou do
processo.
A proibição de ausentar-se da Comarca visa a garantir a permanência do acusado
ou indiciado quando esta seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução.
Também é condição para a concessão de sursis (art. 78, § 2º, a, CP), livramento
condicional (art. 132, § 1º, LEP) e regime aberto (art. 115, III, LEP).
O recolhimento domiciliar deve ocorrer no período noturno e nos dias de folga
quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. Para Nucci (2011), essa
medida cautelar “repete a figura do regime aberto, na modalidade de prisão albergue
domiciliar” (NUCCI, 2011, p. 84). Esclarece que o autor tem a obrigação de se recolher à
sua casa todas as noites, fins de semana e dias de folga. Afirma ainda que como medida
cautelar, é possível que essa providência seja mais eficiente do que como pena (sendo
ineficaz o regime aberto quando cumprido em residência), porque, no caso de ser
desconsiderada pelo autor, pode redundar em prisão preventiva. O recolhimento domiciliar
deve ser imposto nos casos de crimes em geral, pois evita que o autor mantenha-se em
contato social fora de seu trabalho.
A suspensão de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira
aplica-se quando houver temor justificado de sua utilização para a prática de infrações
penais. É adequada para os crimes contra a administração pública, como, por exemplo, os
casos de corrupção, concussão, prevaricação, delitos econômicos e financeiros. Ela evita a
prisão preventiva para garantir a ordem econômica, na hipótese em que o indiciado persista
na realização de negócios ilegais. A simples suspensão do exercício da atividade é
suficiente, segundo Nucci (2011), para garantir o desenvolvimento do processo.
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A internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com
violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semiimputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração, de acordo com Nucci
(2011), em substituição à medida de segurança provisória, extinta pela Lei de Execução
Penal, supre uma lacuna que existia na legislação pertinente à prisão provisória de doentes
mentais.
A única possibilidade de se manter seguro o enfermo mental, que tenha
cometido fato criminoso grave, era pela decretação da prisão preventiva. Porém,
quando esta era concretizada, o sujeito costumava ser mantido no mesmo
cárcere, sem a devida transferência para um hospital ou casa de custódia ou
tratamento (NUCCI, 2011, p. 85).
A denominação internação provisória, que deve ser realizada em locais apropriados,
separados do cárcere comum, surge em substituição à prisão preventiva. Exige-se a
conclusão pericial de inimputabilidade ou semi-imputabilidade para a adoção da medida,
mas, de acordo com as circunstâncias do caso, o juiz, respaldado, se necessário, por um
parecer médico prévio ou por documentos emitidos por médico particular, pode, em regime
de urgência, determinar a internação provisória mesmo antes da conclusão do laudo,
porque não é cabível manter um doente mental numa prisão comum.
O estabelecimento de fiança (art. 340 do CPP) acontece nas infrações que admitem
esse procedimento, e objetiva assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a
obstrução de seu andamento ou em casos de injustificada resistência a uma ordem judicial.
A fiança consiste no pagamento de uma quantia em dinheiro ou bens ao Estado, para
assegurar o direito de permanecer em liberdade durante a investigação ou processo, e é
uma garantia real. Ela pode ser imposta isolada ou cumulativamente com outras medidas
cautelares. De acordo com o art. 310, III, CPP, atualmente, mantém-se ainda a prisão
provisória, na avaliação do auto de prisão, com ou sem fiança, que, assim, permanece com
sua característica de garantia real. Para Nucci (2011), no entanto, a inovação consiste em
inserir-se a fiança como medida cautelar, desvinculada da prisão em flagrante. De acordo
com os requisitos do art. 282 do CPP, é possível estabelecer o pagamento de certa quantia
como forma de assegurar a presença do réu no processo e evitar sua fuga.
O art. 146-B, LEP, da Lei nº 12.258/2010 versa sobre a viabilidade legal da
determinação da monitoração eletrônica de condenados para fins de saída temporária no
regime aberto e prisão temporária. A monitoração eletrônica, como medida cautelar, serve,
assim, para fiscalizar as atividades e rumos do indiciado ou réu. Dessa forma, quem
possuía direito à saída temporária, continuará detendo esse direito, embora possa ser
monitorado.Também quem está sob a prisão domiciliar pode ser monitorado
eletronicamente. De acordo com Nucci (2011, p. 87), “a lei processual não fornece
parâmetros para a aplicação dessa nova medida cautelar, ficando a critério de cada
magistrado regular suas posições e limites”. Ele aponta ainda para o fato de que será
necessário implantar centrais de monitoração eletrônica em vários locais para
operacionalizar o uso desse instrumento. Além disso, questiona se, como terão acesso ao
controle do meio eletrônico o juiz de execução penal e também o juiz processante, haverá
verba e interesse para a instalação de tais centrais de monitoração e se será permitido a
todos os juízes brasileiros optarem por essa medida. Se tal não acontecer, para ele, essa
medida cautelar restará inoperante.
Os arts. 317 e 318 estabelecem a possibilidade da prisão (cautelar) domiciliar, nos
seguintes termos:
Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado
em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.
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Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o
agente for:
I – maior de oitenta anos;
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de menor de seis anos de idade, ou
com deficiência;
IV – gestante a partir do 7º mês de gravidez ou sendo esta de alto risco
Parágrafo único – Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos
estabelecidos neste artigo.
Adverte Lopes Jr. (2011) que essa é uma prisão domiciliar por motivos pessoais do
agente, de natureza humanitária, diversa, por conseguinte, da medida cautelar de
recolhimento domiciliar, prevista no art. 319, V, pela qual o agente tem liberdade para,
durante o dia, exercer suas atividades profissionais, devendo recolher-se ao domicílio
apenas no período noturno e nos dias de folga.
CONCLUSÃO
A liberdade é um dos direitos fundamentais do homem, preservado pela
Constituição. A Carta Magna, por outro lado, permite a restrição à liberdade, todavia com
comedimento, dentro dos limites do indispensável e com obediência a algumas regras: o
devido processo legal, a presunção de inocência, e a possibilidade de prisão e de liberdade
provisórias. Nesse contexto, aparecem as medidas cautelares, que se destinam a oferecer
alternativa à prisão propriamente dita.
Os requisitos para a decretação das medidas cautelares estão previstos no art. 282, I
e II, do CPP: a) a necessidade para a aplicação da lei penal, para a investigação ou
instrução criminal e para evitar a prática de infrações penais; b) adequação da medida à
gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
São medidas cautelares: comparecimento periódico em juízo; proibição de
frequência a determinados locais; proibição de manter contato com pessoa determinada;
proibição de ausentar-se da Comarca; recolhimento domiciliar; suspensão do exercício de
função pública; internação provisória; fiança; monitoração eletrônica e prisão domiciliar.
O instituto da fiança é reputado como a mais eficiente e utilizada medida cautelar.
A instituição de outras medidas, como a prisão domiciliar e o monitoramento eletrônico,
apesar de constituírem avanços da legislação, apresentam dificuldades para sua
implementação e fiscalização, como gastos excessivos, carência de elemento humano,
entre outros.
Segue-se, então, que a eficácia de tais medidas é extremamente comprometida, já
que elas acabam por não representar de fato alternativa viável a outro tipo de medidas. É
recomendável uma releitura desses institutos pela magistratura brasileira para que o
estabelecido na Lei nº 12.403/2011, que afirmou as medidas cautelares pessoais, seja de
fato posto em prática.
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