Camila Daniel Título da Tese: P`a crecer en la vida

Transcrição

Camila Daniel Título da Tese: P`a crecer en la vida
Camila Daniel
P’A CRECER EN LA VIDA:
a experiência migratória de jovens peruanos no Rio de Janeiro
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA
Tese de Doutorado
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais da PUC-Rio como requisito parcial para
obtenção do título de doutor em Ciências Sociais.
Orientadora: Profa. Sonia Maria Giacomini
Co-orientador:Prof. Helion Póvoa Neto
Rio de Janeiro
Setembro de 2013
Camila Daniel
P'a crecer en la vida: a experiência migratória
de jovens peruanos no Rio de Janeiro
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor pelo Programa de PósGraduação em Ciências Sociais do Departamento de
Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais da
PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora
abaixo assinada.
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA
Prof. Sonia Maria Giacomini
Orientadora
Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio
Prof. Helion Póvoa Neto
Co-Orientador
UFRJ
Profa. Miriam de Oliveira Santos
UFRRJ
Prof. Marcos Cueto Caballero
FIOCRUZ
Profa. Carolina Moulin
PUC-Rio
Prof. Valter Sinder
PUC-Rio
Profa. Mônica Herz
Coordenadora Setorial do Centro
de Ciências Sociais – PUC-Rio
Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2013
Todos os direitos reservados. É proibida a
reprodução total ou parcial do trabalho sem
autorização da universidade, da autora e da
orientadora.
Camila Daniel
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA
Graduação em Ciências Sociais pela UENF
(Universidade Estadual do Norte Fluminense) em
2006. Mestre em Ciências Sociais pela UERJ, tendo
concluído o curso em 2009. Professora da UFRRJ
(Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
Integrante do Núcleo Interdisciplinar de Estudos
Migratórios (NIEM), atua na área de mobilidades
internacionais, com ênfase nas migrações latinoamericanas no Brasil.
Ficha Catalográfica
Daniel, Camila
P’a crecer em La vida: a experiência
migratória de jovens peruanos no Rio de Janeiro
/ Camila Daniel ; orientador: Sonia Maria
Giacomini ; co-orientador: Helion Póvoa Neto. –
2013.
296 f. : il. (color.) ; 30 cm
Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de
Ciências Sociais, 2013.
Inclui bibliografia
1. Ciências Sociais – Teses. 2. Experiência
migratória. 3. Mobilidade estudantil. 4. Brasil. I.
Giacomini, Sonia Maria. II. Póvoa Neto, Helion.
III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Departamento de Ciências Sociais. IV.
Título.
CDD: 300
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A Leandro, pela companhia na jornada e por fazer desse trabalho nosso
projeto familiar.
Agradecimentos
Primeiramente a Deus, alfa e ômega, que no alto da sua onisciência, tem tornado
meus sonhos realidade.
À toda minha família, pelo carinho.
À PUC-Rio, pelo auxílio concedido.
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À Profa. Sonia Giacomini e ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais
da PUC-RJ que me deram a oportunidade de desenvolver este projeto.
À banca examinadora, pelas valiosas contribuições.
Aos professores Edward e Anke Dew, que há 11 anos me apoiaram na jornada
acadêmica e foram os primeiros a me aproximarem do Peru.
Ao Prof. Enrique Mayer, por toda generosidade em me ajudar a me integrar à
cultura peruana.
Ao Prof. Hélion Póvoa Neto pela co-orientação e por me receber na disciplina
“Políticas de imigração no Brasil”. Muito obrigada por todo carinho e pelo
cuidado em me acompanhar por todo caminho desde quando a tese era ainda só
um sonho distante.
A todos os amigos do NIEM por me ajudar em minhas dúvidas e inquietações e
me resgataram da solidão que o trabalho acadêmico impõe. Um agradecimento
especial à Miriam Santos, por todo incentivo pelas reflexões e pelas preciosas
sugestões de bibliografias.
Aos amigos Ágatha, Dulce, Jefferson, Jader, Dulce, Sílvia, Klênio, Juliana e
Carol, por fazerem parte da minha vida.
Aos meus amigos da UFRRJ-ITR Andreza, Paulo, Annelise, Hernan, Zé
Rodrigues e Fernanda, que acompanharam minha caminhada e com quem pude
compartilhar minha admiração pelo Peru.
A todos os peruanos no Rio de Janeiro que gentilmente me aceitaram como parte
de suas vidas. Ao me ensinar sobre seu país e sua cultura, me levaram a refletir
sobre meu país, minha cultura e em quem eu sou.
Um agradecimento especial a Báslavi, Karina, Alfredo, Azucena, Daniela, Omar,
Ricardo, Farith, Claudia, Nollan, Javier, Glória, Eveline, Carmem, Arnold, Edwin
e Cristian, pelos grandes amigos que se tornaram e por me ensinarem a dançarsalsa, merengue, tondero, festejo-, a gostar de música "latina", a falar espanhol
com sotaque peruano e a me permitir viver o Peru no Rio de Janeiro.
Ao Consulado Geral do Peru no Rio de Janeiro, pelo apoio e disposição em
contribuir com meu trabalho.
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A Victor e Paola, por me aceitar como parte de sua família, me acolhendo em sua
casa em Lima 5 das 6 vezes que estive no país. Obrigada pelo entusiasmo em me
receber e de fazer de Magdalena del Mar minha casa no Peru.
Resumo
Daniel, Camila; Giacomini, Sonia Maria. P'a crecer en la vida: a
experiência migratória de jovens peruanos no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro, 2013. 296p. Tese de Doutorado - Departamento de Ciências
Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Este trabalho tem como foco analisar a experiência migratória de jovens
peruanos que se dirigem ao Brasil como estudantes universitários. Entendendo a
experiência migratória como um conjunto de vivências proporcionadas pelo
deslocamento
por
diferentes
espaços
geográficos
e
simbólicos
concomitantemente, a tese examina os significados que preenchem de sentido a
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mobilidade estudantil internacional. Baseando-se no método etnográfico, que tem
na intersubjetividade uma condição para produção de conhecimento, a presente
pesquisa analisa como os estudantes se apropriam das condições oferecidas pela
sociedade peruana e brasileira para a realização deste tipo particular de
mobilidade. Quando ainda estão no Peru, os jovens descobrem através de suas
redes as oportunidades de estudar no Brasil, um país próximo geograficamente,
mas distante culturalmente. No país de destino, as redes apoiam a adaptação dos
jovens à vida cotidiana no Rio de Janeiro. Se tornar um estudante no exterior é a
estratégia que os jovens peruanos elaboram para se integrar ao fluxo internacional
de pessoas de forma mais socialmente prestigiada, lidando com as hierarquias de
poder da sociedade peruana, que atribuem um maior valor àqueles que já viveram
no exterior. Negociando com as condições estruturais dentro e fora do seu país,
estes jovens encontram na mobilidade estudantil uma oportunidade para almejar
novos horizontes. Neste processo, os jovens peruanos encontram um terreno fértil
para (re)pensar a si mesmos, seu país de origem, o destino e o mundo.
Palavras-chave
Experiência migratória; mobilidade estudantil; Brasil.
Abstract
Daniel, Camila; Giacomini, Sonia Maria (Advisor). P'a crecer en la vida:
the migratory experience of Peruvian young people in Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 2013. 296p. PhD thesis - Departamento de Ciências Sociais,
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
This work aims to analyze the migratory experience of Peruvian young
people who go to Brazil as university students. Understanding the migratory
experience as a set of experiences provided by displacement towards different
geographical, and symbolic space concomitantly, this thesis examines the
meanings that give a sense to international student mobility. Through
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ethnographic method, which consider intersubjectivity as inherent to knowledge
production, the present study examines how peruvian students appropriate the
conditions that Brazilian and Peruvian society offers to make this specific kind of
mobility possible. Still in Peru, their network inform them about oportunities to
study in Brazil, a country that is geographic close, but cultural distant from them.
Once peruvian students arrive there, network in Brazil uphold their adaption to
everyday life in Rio de Janeiro. To become an international student is a strategy
that Peruvian young people ellaborate to be integrated into international people
flow in a more prestigious way. In this process, they deal with power hierarchy of
Peruvian society, that attribute greater valeu to those who have lived abroad.
Negotiating against structural conditions in and outside their homecountry, these
young people find in student mobility an opportunity to crave new horizons. In
such process, they find a fruitful terrain to (re)think themselves, their homeland,
the destination and the world.
Keywords
Migratory experience; student mobility; Brazil.
Sumário
1. Introdução
16
2. A imigração peruana no Rio de Janeiro
44
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2.1. Copa Peru-Rio: o futebol como metáfora das relações
sociais
45
2.2. A dinâmica das relações na imigração peruana
51
2.3. Os estudantes e a vida social peruana
55
2.3.1. Grupos de música
58
2.3.2. Grupos de dança
61
2.3.3. Festas e eventos
63
2.3.4. Consejo de Consulta
65
2.3.5. Revista Virtual Nativos
65
2.4. Trajetórias e trânsitos: perfil dos estudantes peruanos
67
2.4.1. Os estudantes de pós-graduação
67
2.4.2. Estudantes de graduação
69
2.4.3. Formas de acesso às universidades brasileiras
71
2.5. Tecendo redes
76
2.5.1. O primeiro “empurrão”
76
2.5.2. Como fios que estruturam a rede
79
2.5.3. A fragilidade das redes
83
2.5.4. A "Geração de 96"
85
2.5.5. A repercussão da "Geração de 96"
87
3. Peru, o ponto de partida
90
3.1. A construção social do Peru
92
3.1.1. Da esteira ao tijolo: migrações internas e a urbanização
101
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no Peru
3.1.2. Educação e migração
106
3.2. Peru, país de emigração
111
3.3. Educação Superior no Peru
119
3.3.1. Educação universitária no Peru hoje
130
3.3.2. A internacionalização da educação no Peru
134
4. Brasil: a construção de um destino
138
4.1. O Brasil no contexto das migrações internacionais
140
4.1.1. Os novos imigrantes
142
4.1.2. Os brasileiros no exterior
148
4.2 . O Brasil e a mobilidade estudantil internacional
152
4.2.1. Mobilidade estudantil e política nacional
155
4.2.2. Mobilidade estudantil internacional e imigração
qualificada
159
4.3. Quando o Brasil entra no mapa
161
4.3.1. O país das novelas
164
4.3.2. O Brasil por trás das novelas
167
4.3.3. Praia, futebol e carnaval?: imagens do Rio de Janeiro
174
5. O cotidiano no Rio de Janeiro
178
5.1. Moradia
179
5.2. A comida é lembrança
182
5.2.1. Feijão é só segunda!
185
5.2.2. Do mercado ao (super)mercado
187
5.3. O Rio de Janeiro (não) é para turista
189
5.4. Na Polícia Federal
195
6. Os imponderáveis da experiência migratória
199
6.1. Identidades em jogo
201
6.1.1. Dança, música e comida: a peruanidad em
(re)construção
201
6.1.2. Se posicionando no mapa dos brasileiros
204
6.1.3. Os custos emocionais da experiência migratória
208
6.1.4 . Você sempre vai ser uma estrangeira aqui
210
6.1.5. (Trans)formações
216
6.1.6. De “Peixe fora d`água” à “carioca”?
222
6.1.7. Transformações e as novas tecnologias
228
6.2. A experiência migratória e as relações de gênero
230
6.2.1. Dançando conforme a música: do tondero às relações
afetivas
231
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6.2.2. As relações de gênero como uma experiência
comparativa
238
6.2.3. Velho/a pra casar?: mobilidade estudantil e gênero
243
7. Conclusão
250
8. Referências Bibliográficas
258
9. Glossário
277
10. Anexos
279
Lista de abreviaturas
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ANR
Asociación Nacional de Rectores
Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível
CAPES
Superior
CBPF
Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
CCBB
Centro Cultural Banco do Brasil
CEB
Centro de Estudos Brasileiros
CENAUN
Censo Nacional Universitario
Conselho Nacional de Desenvolvimento
CNPq
Científico e Tecnológico
FGV
Fundação Getúlio Vargas
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INEI
Instituto Nacional de Estadística e Informática
MEC
Ministério da Educação
Missão das Nações Unidas para a estabilização
MINUSTAH
no Haiti
MRE
Ministério das Relações Exteriores
OCI
Oficina de Cooperación Internacional
PEC-G
Programa Estudante Convênio- Graduação
PEC-PG
Programa Estudante Convênio- Pós-Graduação
PUC-Peru
Pontifícia Universidad Católica del Perú
Pontifícia Universidade Católica do Rio de
PUC-RJ
Janeiro
UERJ
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UFF
Universidade Federal Fluminense
UFMG
Universidade Federal de Minas Gerais
UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
UNA-Puno
Universidad Nacional del Altiplano- Puno
UnB
Universidade Nacional de Brasília
UNCP
Universidad Nacional del Centro del Perú
Organização das Nações Unidas para a
UNESCO
Educação, a Ciência e a Cultura
UNI
Universidad Nacional de Ingeniería
Universidade Federal da Integração LatinoUNILA
americana
Universidade da Integração Internacional da
UNILAB
Lusofonia Afro-Brasileira
Universidade do Grande Rio Prof. José de
UNIGRANRIO Souza Herdy
Universidade Federal do Estado do Rio de
UniRio
Janeiro
UNMSM
Universidad Nacional de San Marcos
UNSA
Universidad Nacional de San Agustín
UNSAAC
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UNSCH
UNT
USP
Universidad Nacional San Antonio Abad de
Cusco
Universidad Nacional San Cristóban de
Huamanga
Universidad Nacional de Trujillo
Universidade de São Paulo
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Lista de quadros e figuras
Figura1 - Mapa político do Peru.
37
Quadro 1 - Perfil dos atores da pesquisa.
40
Quadro 2 - Número de peruanos residentes no Brasil.
52
Quadro 3 - Porcentagem de analfabetos em relação a
população total do Peru.
106
Quadro 4 - Porcentagem da população analfabeta com
15 anos e mais de idade na América do Sul.
107
Figura 2 - Anúncio de aulas de Português em Huaraz.
172
Quadro 5 - Esquema de classifição da comida peruana
e brasileira segudo a percepção dos estudantes
peruanos.
188
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Mi cuate, mi socio, mi hermano
Aparcero, camarado, compañero
Mi pata, m´hijito, paisano…
He aquí mis vecinos.
He aquí mis hermanos.
Las mismas caras latinoamericanas
de cualquier punto de America Latina:
Indoblanquinegros
Blanquinegrindios
Y negrindoblancos
(...)
Alguien pregunta de dónde soy
(Yo no respondo lo siguiente):
Nací cerca del Cuzco
admiro a Puebla
me inspira el ron de las Antillas
canto con voz argentina
(...)
Yo no coloreé mi Continente
ni pinté verde a Brasil
amarillo Perú
roja Bolivia.
Yo no tracé líneas territoriales
separando al hermano del hermano.
Poso la frente sobre Río Grande
me afirmo pétreo sobre el Cabo de
Hornos
hundo mi brazo izquierdo en el Pacífico
y sumerjo mi diestra en el Atlántico.
Por las costas de oriente y occidente
doscientas millas entro a cada Océano
sumerjo mano y mano
y así me aferro a nuestro Continente
en un abrazo Latinoamericano.
Nicomedes Santa Cruz, América Latina
1
Introdução
...travelers move about under strong cultural, political, and economic compulsions and that
certain travelers are materially privileged, others oppressed. These specific circumstances
are crucial determinations of the travel at issue… Travel (…) denotes a range of material,
spatial practices that produce knowledge, stories, traditions, comportments, music, books,
diaries, and other cultural expressions (Clifford, 1997, p. 35).
Este trabalho se propõe a compreender como os indivíduos elaboram
estratégias para se inserir num mundo em que o trânsito internacional ganha
crescente valor e alimenta uma complexa gama de expectativas. Inspirada na
abordagem antropológica, que tem a comparação como princípio metodológico,
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analiso a maneira como jovens peruanos, que num determinado momento de suas
trajetórias decidiram vir para o Rio de Janeiro como estudantes universitários,
atribuem sentido ao deslocamento e ponderam sobre as repercussões que ele
provoca em sua subjetividade. Neste trabalho, partimos do princípio que os jovens
peruanos, ao se tornarem estudantes estrangeiros no Brasil- e não imigrantes-,
encontram a possibilidade de viver uma experiência migratória, um conjunto de
vivências que, propiciadas pelo deslocamento simultâneo por diferentes espaços
simbólicos e geográficos, permitem que os indivíduos lancem um olhar crítico
sobre si, suas práticas, o país de origem e de destino.
A escolha de um tema de pesquisa nunca é feita de forma aleatória ou
imparcial, mas sempre a partir da subjetividade do pesquisador, como já
ressaltava Weber (2006). No meu caso, a definição do meu objeto de estudo foi
construída ao longo de muitos anos, muito antes de eu imaginar me tornar
cientista social e aluna de doutorado. Minha aproximação com o Peru teve início
quando ainda era uma estudante graduação. Eu ingressei no curso de em Ciências
Sociais na Universidade Estadual do Norte Fluminense em 2002 e, logo no
semestre seguinte à minha entrada na instituição soube que ela inaugurara seu
primeiro programa de intercâmbio internacional. O destino eram os EUA e o
programa previa a vinda de alunos americanos para o Brasil e de brasileiros para
os EUA. Eu, que na adolescência sonhava sair do Brasil rumo a um país
“desenvolvido”, mas nunca tive condições econômicas para tal, pensei: “esta é a
17
minha chance de sair do país!”. Quando as inscrições para os alunos brasileiros
foram abertas, eu não pensei duas vezes: me candidatei a uma vaga. Eu passei na
seleção e no primeiro semestre de 2003 fui estudar em Fairfield University, em
Connecticut, EUA.
Minha experiência como estudante de intercâmbio nos EUA me levou a
refletir sobre o sentido do deslocamento que eu vivia, um deslocamento que, para
além de físico, era também cultural, sentimental e cognitivo que marcou minha
vida para sempre. Até hoje, me lembro de fatos que aconteceram comigo nos
EUA, como, por exemplo, meu primeiro contato com os afro-americanos e a
profunda amizade que tive com alunos de diferentes lugares do mundo, como
China, Bielorússia, Moldávia e Bulgária. Todos nós tínhamos enfrentado
dificuldades de nos relacionar com os estudantes norte-americanos. Também me
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lembro das refeições brasileiras que eu, os dois alunos brasileiros de Manaus que
participavam do mesmo programa que eu e o Mark, aluno de Fairfield University
que no semestre anterior estudou comigo na UENF fazíamos regularmente. E
também até hoje, o semestre que passei em Fairfiled University chama atenção
minha carreira profissional. Sempre que participo de processos seletivos como
concursos para professor e de seleção para cursos de mestrado e doutorado, um
ponto que todos os avaliadores me perguntam é sobre o período que vivi nos EUA
como bolsista da CAPES.
Entre as disciplinas que eu cursei no intercâmbio, a que mais me instigou foi
"Política da América Latina". O curso era composto por duas partes: uma primeira
parte teórica mais geral sobre processos históricos na região e outra com estudos
de caso de determinados países, entre eles, El Salvador, Brasil e Argentina. O
professor que ministrava esta matéria, o Prof. Edward Dew, havia morado no Peru
e no final dos anos 60, realizou um trabalho de campo em Puno, serra sul do país.
Além de ter vivido no Peru, ele já desenvolveu pesquisas no Suriname.
Além do contato com o Peru através do Prof. Dew, um episódio que
aconteceu comigo em Fairfield university ficou registrado na minha memória. Na
biblioteca da universidade, trabalhava um senhor que sempre tinha um semblante
muito sisudo, muito mais do que os outros funcionários, a ponto de me chamar a
atenção. Um dia, eu estava saindo da biblioteca e percebi que a pessoa que estava
imediatamente atrás de mim também ia sair. Gentilmente, depois que passei,
18
segurei a porta para que a pessoa pudesse passar. Para minha surpresa, a pessoa
que estava atrás de mim era o senhor sisudo. Ele ficou tão feliz com meu gesto
que sua fisionomia fechada deu lugar a um entusiasmado sorriso.
Eu não entendi o porquê do seu entusiasmo, pois segurar a porta para as
pessoas era um hábito amplamente difundido na universidade, que eu tratei de
aprender assim que cheguei. Imaginei que talvez as pessoas segurem as portas
umas para as outras, mas talvez não para ele, que trabalhava na universidade como
faxineiro. Ainda tomado pela alegria do meu gesto, o senhor não apenas sorriu
para mim, como me cumprimentou. E, observando que eu era estrangeira,
perguntou de qual país eu vinha. Quando respondi “Brasil”, o senhor expandiu
ainda mais o caloroso sorriso e com muita euforia me disse: “Brasil?! Eu sou
peruano! Somos vizinhos!”
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Somos vizinhos?! A exclamação do senhor peruano para mim significava
mais uma pergunta do que uma afirmação categórica. Sem dúvidas, Brasil e Peru
estão próximos geograficamente, mas no meu cotidiano nos EUA, eu percebi o
qual distante eu estava culturalmente dos países latino-americanos. Na disciplina
que eu cursava, eu me surpreendi com meu absoluto desconhecimento sobre os
países latino-americanos, mesmo aqueles mais próximos, como o Peru. Isto me
gerou um profundo desconforto.
No dia a dia, o desconforto se aprofundava. Havia uma noção por parte dos
norte-americanos e outros estrangeiros nos EUA de que eu, como brasileira,
compartilharia com outros latino-americanos uma espécie ‘cultura latina’,
sobretudo através da comida, da dança e da língua. A ideia que eles tinham é que
eu, como brasileira e, portanto, latina, comeria comida apimentada, dançaria salsa
e merengue e teria o espanhol como língua nativa. Nenhuma das três opções se
enquadrava no meu caso. Eu também não correspondia às expectativas dos latinoamericanos, para quem eu era uma decepção, pois não compartilhava de nenhum
código cultural com eles, como o gosto pela comida mexicana ou por cantores
latino famosos em todo o continente- exceto Brasil-, como o americano com pais
porto-riquenhos, Marc Anthony.
Voltei ao Brasil decidida a conhecer os países do continente. Também
decidi que em algum momento da minha trajetória acadêmica trabalharia com um
tema de pesquisa que envolvesse outro país do continente que não o Brasil. Em
19
2007, tomei a decisão de que este país seria o Peru. Naquele ano, fiz minha
primeira viagem para um país da América do Sul, o Peru, visitando as cidades de
Lima e Cusco. Fiquei impressionada, primeiro, com a beleza do país e pela
herança histórica pré-colonial muito bem preservada, não apenas na
mundialmente conhecida Machu Picchu, mas também por toda Custo, e também
com a organização de Lima.
Também me impressionei com o fato de que eu não tinha a menor ideia de
como seria o Peru, do que eu encontraria no país, do tipo de comida que se come
lá, de qual tipo de música se ouve. Naquela viagem, eu percebi na prática o que eu
já tinha descoberto na teoria, no curso de "Política da América Latina" e na
convivência com norte-americanos, latino-americanos de demais estrangeiros nos
EUA: a aproximação geográfica não garante por si só outras aproximações, como
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a cultural, por exemplo. Apesar do Brasil e do Peru compartilharem quilômetros
de fronteiras, eu me senti mais estrangeira no Peru do que nos EUA.
O contato que eu já havia tido com os EUA antes de ir para lá tinha sido
muito mais profundo do que o contato que tive com o Peru. Antes de ir para os
EUA, eu já tinha estudado 5 anos inglês, ouvia muita música americana, assistia
filmes e seriados, me correspondia com adolescentes dos EUA. Já com o Peru, eu
não tinha nenhum contato, a não ser com dois peruanos que conheci no Fórum
Social Mundial de 2005. Um deles foi ao Fórum já preparando seu retorno para
Porto Alegre, onde ia cursar o mestrado. Foi ele quem me incentivou a conhecer o
Peru. O contato com os dois peruanos não foi suficiente para que eu construísse
uma imagem sobre o Peru. Apesar da distância geográfica entre o Brasil e os EUA
ser consideravelmente maior do que entre o Brasil e o Peru, culturalmente os EUA
estavam muito mais próximos de mim. E minha relação com o Peru esteve
diretamente relacionada com as experiências que vivi nos EUA. A relação Sul-Sul
que eu estabeleci primeiramente na minha experiência pessoal e depois na minha
vida acadêmica foi diretamente influenciada pelo Norte, pelo que vivi e senti
como estudante estrangeira nos EUA.
Voltei do Peru imaginando como seria para os peruanos sair do Peru rumo
ao Brasil e o qual o sentido, para eles, vir para um país que, além de não ocupar
um lugar entre os países do capitalismo central, mantém uma significativa
distância cultural do Peru. Comecei então a refletir sobre os sentidos que entram
20
em jogo na experiência migratória e que servem como fundamento e justificativa
para se deslocar por diferentes países do mundo. Assim, comecei a pensar: o que
leva os peruanos a virem para o Brasil? Quais são seus objetivos? Como o Brasil
começou a fazer sentido como um possível destino para os peruanos? Em que
medida estes sentidos são construídos pelos indivíduos e seu círculo de
convivência? Como suas redes sociais influenciaram o deslocamento para o
Brasil, objetiva e intersubjetivamente? Estas foram as perguntas iniciais que me
levaram a campo.
II.
O deslocamento de jovens peruanos para o Rio de Janeiro como estudantes
se difere do fluxo de saída de peruanos predominante no Peru, incentivado
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principalmente por motivos econômicos e tem como principais destinos EUA,
Espanha e Itália, no hemisfério norte, e Argentina e Chile, no hemisfério sul.
Vivendo num país em que a presença estrangeira é constante no cotidiano,
através, por exemplo, de programas de televisão e cinema, redes de fast food, lojas
de grande marcas internacionais e ainda do contato com peruanos que vivem no
exterior, para os estudantes, ir para o exterior é uma realidade próxima da sua
imaginação (Appadurai, 1996).
Portanto, a decisão de estudar no Rio de Janeiro não se dá num vazio. Ela
está inserida num contexto em que os estudantes avaliam as oportunidades e
condições- econômicas, sociais, acadêmicas- dentro e fora do Peru para preencher
suas expectativas mais amplas. No processo de decisão, eles levam em
consideração o mercado de trabalho e de diplomas de seu país e percebem que ter
um diploma brasileiro pode render mais vantagens do que um peruano. Além
disso, os estudantes também analisam que não apenas o mercado de trabalho
peruano, mas também a sociedade no país valoriza os indivíduos que vivem uma
experiência internacional, considerados como mais cosmopolitas do que aqueles
que nunca estiveram no exterior.
O deslocamento dos estudantes do Peru para o Brasil tem também como
pano de fundo um complexo conjunto de hierarquias e relações de poder. As
oportunidades de viajar pelo mundo estão desigualmente distribuídas entre os
indivíduos de acordo com uma combinação de fatores como a origem nacional, as
21
condições econômicas e a etnia, que constrangem os indivíduos na sua forma de
se deslocar pelo mundo. Clifford (1997) alerta que no discurso dominante da
viagem, as pessoas não brancas nunca aparecem, assim como as mulheres, que,
quando
aparecem,
é
como
acompanhantes,
coadjuvantes
nas
viagens
protagonizadas pelos homens.
Neste discurso, prevalece o mito da independência, ou seja, a ideia do
viajante que se desloca livremente por um mundo para ele sem fronteiras. No
entanto, Clifford chama atenção para o fato de que todo viajante segue
determinados itinerários, segundo as condições políticas, sociais e econômicas
que influenciam o deslocamento. Tais fatores atuam de forma ainda mais incisiva
quando aquele que viaja é um imigrante, que se desloca em busca de melhores
oportunidades de trabalho. Ou ainda, um empregado, que viaja acompanhando
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seus patrões (Clifford, 1997, p. 35). Eles também se deslocam, porém não são
considerados viajantes.
Clifford analisa que, embora exista uma cultura dominante de viagem, que
se desenvolveu no ocidente e influenciou inclusive a noção de etnografia- do
viajante (e do antropólogo) como o homem, branco, ocidental, civilizado-, outras
culturas de viagem existiram e continuam a existir, produzindo múltiplas culturas
de viagem. A cultura dominante de viagem parte do princípio que enquanto certas
pessoas no mundo são cosmopolitas, todo o resto está enraizado em seus locais de
residência, e por isso são os "nativos" (Clifford, 1997, p.36). O trabalho de
Bálsamo (2009) com transmigrantes que embarcaram sem autorização em navios
saindo de diferentes países da África para a América é um exemplo de uma
cultura de viagem particular, elaborada por negros africanos na atualidade que
desafia a dominante.
No caso dos estudantes peruanos, são eles, em tese meus "nativos", que
viajam, enquanto eu, pesquisadora, continuo no meu lugar de residência. Tal
característica se difere da forma tradicional como os "nativos" e antropólogos
foram representados na história da Antropologia: os primeiros seriam indivíduos
portadores de uma cultura, circunscrita a um determinado local; já os segundos
seriam indivíduos cosmopolitas que circulariam pelo mundo (Clifford, 1998). Por
outro lado, na relação entre os estudantes peruanos e eu, nenhum de nós nos
encaixamos completamente no perfil de viajante associado à cultura dominante de
22
viagem: ambos somos oriundos de países em desenvolvimento, sul-americanos e
na geografia simbólica (Bálsamo, 2009) mundial, não somos considerados tão
ocidentais e cosmopolitas como os cidadãos das grandes potências do hemisfério
norte; e ainda, muitos de nós não nos encaixamos no perfil do viajante dominante
ao qual Clifford se refere, seja porque não somos brancos ou oriundos de um país
desenvolvido.
Os estudantes peruanos encontram com uma situação peculiar. Como
cidadãos peruanos, eles encontram facilidades legais para circular pela América
Sul. Desde meados da década de 2000, eles podem viajar para o Brasil, por
exemplo, apenas com seu documento nacional de identidade- sem precisar de
visto ou mesmo passaporte. Porém, não é para o Brasil ou para países da América
do Sul que grande parte dele gostaria de ir. O desejo deles era ir para o hemisfério
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norte. Nos países dessa região, ao contrário do que acontece no continente sulamericano, o controle da entrada de peruanos é severa, sendo solicitado visto para
entrar em países como EUA, Alemanha e Itália, países para onde muitos deles
gostariam de ir.
Por outro lado, a predominante saída de peruanos do país por razões
econômicas ganhou tamanha visibilidade no Peru e no exterior a ponto de ofuscar
as outras modalidades de deslocamento, como a realizada pelos estudantes. Eles
ficam assim invisíveis diante do numeroso fluxo de emigrantes que vão para
exterior em busca de trabalho. Enquanto Clifford se refere a um discurso
dominante sobre a cultura da viagem como algo restrito a determinadas classes, na
especificidade do caso peruano, a cultura dominante da viagem, que na sua
história esteve associado às elites que iam estudar no exterior e renovar seu status,
hoje está amplamente relacionada aos inúmeros peruanos que, afetados pela crise
política e econômica começaram a deixar o país de forma maciça nos anos 80 para
se inserir principalmente em atividades não qualificadas.
Acionando seu capital social, os estudantes peruanos encontram na
educação superior a oportunidade de ir para o exterior de uma maneira
institucionalmente
protegida,
socialmente
prestigiada
e
simbolicamente
valorizada. O acesso à informação sobre a obtenção de bolsas de estudos foi um
grande estímulo para que eles chegassem à decisão de sair do Peru tendo o Brasil
como destino. Muitos deles já tinham pensado em sair do país, como estudantes
23
ou não. Os que pensaram em sair como emigrantes desistiram da ideia por avaliála como muito arriscada. Os que já tinham imaginado sair do país como
estudantes não tiveram as condições, principalmente econômicas, que tornassem
este um plano viável. É neste contexto que estudar no Brasil surge então como a
possibilidade de sair do Peru e viver uma experiência internacional de uma
maneira mais positiva e valorizada socialmente do que outras formas de
mobilidade.
Nesta tese eu me coloco a compreender como jovens peruanos que
chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes universitários entre 1983 e 2012,
com idade entre 16 e 40 anos interpretam seu deslocamento e a si mesmos como
parte de um mundo que ultrapassa as fronteiras do Estado nacional e, a partir
disso, constroem uma experiência migratória que marcará sua trajetória. Para
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realizar tamanho empreendimento, desenvolverei uma análise
que leva em
consideração não apenas os aspectos estruturais e macrossociológicos que
motivaram o deslocamento, mas também sua dimensão subjetiva e cultural. As
noções de projeto e campo de possibilidades desenvolvidas por Velho
(1981;1999; 2009) serão o referencial teórico que balizarão esta análise, uma vez
que permitem pensar a relação entre os indivíduos, suas ações e estrutura onde
estão inseridos no processo migratório.
Velho (2009) explica que as sociedades moderno-contemporâneas são
caracterizadas pela coexistência de diferentes mundos e valores. Nelas, os
indivíduos estão constantemente diante de uma diversidade de experiências,
realidades e contextos, que possibilitam seu trânsito por diversos universos
simbólicos. Os sujeitos agem de acordo com escolhas mais ou menos conscientes
e são constituídos a partir do conjunto de experiências e interações que vivem ao
longo de suas trajetórias. As noções de projeto e campo de possibilidades
compreendem a singularidade do indivíduo e seu potencial de ação ao mesmo
tempo em que reconhecem o indivíduo e suas ações como inseridos num o
contexto cultural. Velho entende o projeto como uma ação com um objetivo
predeterminado, se referindo a uma dimensão prospectiva, ou seja, uma ação
empreendida com a expectativa de obter um resultado num tempo futuro. Por isso,
o projeto é constituído por uma racionalidade canalizada para a obtenção de um
24
fim específico. Os sujeitos planejam suas condutas, as interpretam, podem
explicá-las e (re)avaliá-las.
Na construção de seus projetos, os jovens peruanos não estão sozinhos:
participam deles outros indivíduos que direta ou indiretamente influenciam sua
vida acadêmica, profissional e pessoal- pais, amigos, colegas de turmas, colegas
de trabalho, empregadores, professores. Para eles, estudar fora do Peru apresenta
múltiplas motivações, desde a obtenção de um diploma que se distingue daqueles
obtidos no país; desenvolver projetos de pesquisa; conhecer outra realidade
cultural e até se afastar da interferência da família na gerência de sua vida. Sair do
país como estudantes de graduação ou pós-graduação representa, para muitos,
uma estratégia para acumular recursos sociais, acadêmicos e simbólicos para se
inserir tanto na sociedade peruana como para ampliar as possibilidades de viajar
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pelo mundo.
Sair do Peru como estudante também representa uma possibilidade de
vislumbrar alternativas de vida e trabalho mais diversificadas do que no Peru. No
campo de trabalho, como um país em desenvolvimento no capitalismo mundial, o
Peru apresenta um mercado de trabalho e de produção limitado; por outro lado,
muitos estudantes percebem a sociedade como endógena, fechada e tradicional,
que atribui aos indivíduos determinadas expectativas e exerce grande pressão
sobre suas escolhas. Além disso, na sua vida cotidiana, os estudantes estão
frequentemente em contato com outros países do mundo através de elementos
como uma produção cultural em massa, viagens e a presença de empresas
estrangeiras no Peru. Todos estes fatores compõem o pano de fundo dos projetos,
o que significa que sua racionalidade é sempre relativa. Os projetos nunca são
elaborados em isolamento, mas estão sempre contextualizados. Os indivíduos
elaboram seus projetos a partir de suas experiências e sua relação com outros
projetos e indivíduos:
... a racionalidade de um projeto é relativa desde que se alimenta de determinadas
experiências culturais... O projeto, enquanto conjunto de ideias, e a conduta estão
sempre referidos a outros projetos e condutas localizáveis no tempo e no espaço.
Por isso é fundamental entender a natureza e o grau maior ou menor de abertura ou
fechamento das redes sociais em que se movem os atores. Posso me inspirar em
algum varão de Plutarco, mas tenho de levar basicamente em conta os meus
contemporâneos com quem terei de lidar para procurar atingir meus objetivos,
25
Serão aliados, inimigos ou indiferentes, mas serão seus projetos e condutas que
darão os limites dos meus (Velho, 1981, p. 28).
Através da noção de projeto, Velho reconhece o lugar do indivíduo na vida
social como agente com potencial de metamorfose. Ele não age num vazio, mas
sempre se relacionando com outros indivíduos e inserido num determinado quadro
sociocultural, isto é, a partir de um campo de possibilidades. Será este quadro que
apresentará
aos
indivíduos
o
repertório
de
valores
e
significados
reconhecidamente importantes para determinada cultura, através dos quais eles
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construirão seus projetos. Ou seja:
Os projetos individuais sempre interagem com outros dentro de um campo de
possibilidades. Não operam num vácuo, mas sim a partir de premissas e
paradigmas culturais compartilhados por universos específicos. Por isso mesmo são
complexos e os indivíduos, em princípio, podem ser portadores de projetos
diferentes, até contraditórios. Suas pertinência e relevância serão definidas
contextualmente (Velho, 1999, p. 46)
Partindo do princípio que o projeto se (re)constrói dentro de um campo de
possibilidade, os estudantes peruanos são compreendidos como sujeitos que agem
segundo determinados objetivos a partir de um projeto, cuja construção, que
envolve tanto um plano subjetivo quanto um objetivo, se efetiva a partir de certas
condições sociais, econômicas, afetivas, profissionais, familiares, acadêmicas e
políticas, previstas ou não por eles, isto é, de seu campo de possibilidade. A
chegada no Rio de Janeiro não coloca um ponto final na trajetória destes jovens.
Ao contrário: será em terras estrangeiras e nas experiências vividas neste contexto
que eles encontrarão um terreno fértil para reavaliar o projeto inicial; confrontá-lo
com outros anteriores ou concomitantes e elaborar novos, refletindo sobre si e seu
futuro.
A partir do auxílio das noções de projeto e campo de possibilidades, este
trabalho tratará de investigar a interpretação que os jovens estudantes fazem de
seu deslocamento para o Rio de Janeiro através da análise de sua experiência
migratória. Apesar não se inserirem no perfil mais tradicional de um imigrante,
que é representado pela sociedade receptora como aquele que sai de seu país em
busca de trabalho (Sayad, 1998), defendo a tese que o deslocamento realizado
pelos interlocutores desta pesquisa se desenvolve como uma experiência
26
migratória: ela vai se construindo antes do jovem sair do Peru; estará em
constante reavaliação no período de estudo no Rio de Janeiro e deixará nele
marcas indeléveis mesmo depois de se formar. Em outras palavras, apesar dos não
ser classificados como imigrantes jurídica e socialmente, principalmente porque
não saem do país como trabalhador e sua presença no exterior é imaginada como
temporária, os estudantes peruanos vivem uma experiência migratória.
Para fins de análise, proponho uma definição de experiência migratória
como um conjunto de vivências experimentadas por cada indivíduo num contexto
de deslocamento geográfico, segundo o quadro sociocultural no qual está
inserido- dentro e fora de seu país. No deslocamento geográfico, estes indivíduos
encontram uma oportunidade para desenvolver práticas e valores que colocam de
encontro as sociedades de origem e destino e que possibilitam rearranjos originais
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e singulares entre as experiências vividas em ambos os países e a interpretação
que fazem delas.
Oportuno é esclarecer que o que chamo aqui de experiência migratória não
é algo dado, um fato inevitável que qualquer pessoa que sai do seu país de origem
está fadada a viver. É possível ir para outro país sem que isso signifique viajar por
universos simbólicos, como aqueles que viajam e se hospedam na mesma rede
internacional de hotéis; comem na mesma rede internacional de restaurante;
circulam por espaços muito semelhantes por todos os países por onde vão, como
shoppings, aeroportos, empresas e universidades (Bauman, 1999). Para estas
pessoas, o deslocamento internacional é vivido como um contínuo processo de
reterritorialização, que se caracteriza como uma capacidade de se apropriar
cultural, política e simbólica do território, vivido principalmente pelas elites
"globalizadas" (Haesbert, 2006).
A experiência migratória é um processo no qual o indivíduo, através do
deslocamento geográfico, encontra a possibilidade de circular por outros
universos culturais e simbólicos e de lançar um olhar distanciado tanto sobre o
país de destino, como do país de origem e sobre si mesmo. Ou seja, na
experiência migratória a dimensão física do deslocamento não é preterida: ela é
reconhecida como importante, porém não é a única condição para que os
indivíduos (re)pensem a si mesmos como sujeito entre/em dois países.
27
Por isso, não seria correto supor que todos os estudantes peruanos no Rio de
Janeiro necessariamente vivam uma experiência migratória ou todos a vivam da
mesma maneira. Mais do que uma posição dentro de um determinado espaço
físico, a experiência migratória se configura como uma posição dentro de espaços
sociais e simbólicos, posição esta caracterizada por um duplo movimento de
distanciamento e proximidade, semelhante à experiência do estrangeiro em
Simmel (2005). O distanciamento se remete à capacidade de questionar ou
desnaturalizar o que no país de origem e de destino é vivido como natural- de ver
os dois países como alguém de fora; a proximidade se refere ao sentimento de,
como humanos, encontrar pontos de identificação tanto com peruanos, como com
brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades, desenvolvendo uma empatia
com pessoas de outros lugares do Peru, do Brasil e do mundo.
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Socialmente, o estudante é entendido como um indivíduo, jovem em
processo de preparação para a vida adulta e para o mercado de trabalho, por isso,
o término do curso universitário representa também uma passagem da
universidade para o mercado de trabalho, da juventude para a vida adulta (Elias,
1994). Como estudante no exterior, ele é então compreendido pela sociedade
brasileira e peruana como um ser em formação- acadêmica e pessoal- e esta
formação tem um prazo para ser concluída. Uma vez terminado este prazo, ele
deixará de ser estudante- acadêmica, jurídica e socialmente para ser reconhecido
como um adulto, um profissional qualificado que terá que decidir sobre seu
presente e seu futuro.
III.
Apesar da ideia de estudar a imigração peruana no Brasil ter começado a
ser moldada desde 2003, esta pesquisa e a consequente definição deste objeto só
foram possíveis a partir da construção de determinadas redes que tornaram essa
pesquisa uma realidade. Embora eu tivesse um antigo desejo pelo tema da
imigração e quisesse relacioná-lo com o Peru, esta tese só foi possível porque ao
longo da minha trajetória eu encontrei condições para desenvolvê-la. E estas
condições nunca estiveram dadas e prontas, mas foram construídas ao longo das
experiências que vivi ao longo do trabalho de campo, de participar de encontros
acadêmicos e através do intenso diálogo com aqueles interessados em minha
28
pesquisa. Isto significa que meu projeto também esteve inscrito num determinado
campo de possibilidades (Velho, 2009).
Quando ingressei no doutorado em Ciências Sociais na PUC-RJ em 2010,
retomei o plano que havia elaborado anos antes, de estudar um tema relacionado
ao Peru. Apesar da decisão, eu continuava conhecendo pouco sobre o Peru e
encontrando poucas referências bibliográficas sobre este país andino no Brasil, o
que me preocupou muito. No entanto, alguns fatos me estimularam a seguir com o
projeto inicial. Quando eu ainda estava nos EUA, certa vez, o Prof. Dew convidou
um antropólogo peruano que ministrava aulas em Yale para dar uma palestra em
Fairfieild University, o prof. Enrique Mayer. Eu me lembrava que tinha ido e lá
conheci sua esposa, que é brasileira do Rio de Janeiro. Quando em 2007 decidi
aprender mais sobre o Peru, pedi ajuda ao Prof. Dew, que me recomendou entrar
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em contato com o Prof. Mayer. Todos os anos, ele e sua esposa passam férias no
Rio de Janeiro, por isso, desde 2008 sempre consigo encontrá-los para conversar
sobre minhas ideias.
Como um dos expoentes da Antropologia Peruana que é, o Prof. Enrique
Mayer tem um vasto conhecimento sobre os temas peruanos explorados pelas
ciências sociais no Peru e no exterior. Ele tem me ajudado muito, me colocando
em contato com pesquisadores peruanistas em áreas afins ao que pretendia
estudar, além de me indicar referências bibliográficas sobre o tema. Através dele,
fui apresentada a outros pesquisadores- peruanos e estrangeiros-, que se dedicam a
assuntos peruanos, inclusive a imigração. Com ele também travei longos diálogos
sobre minha experiência de campo, os quais foram fundamentais para que
compreender determinados símbolos e significados compartilhados pelos
peruanos, que para mim eram como enigmas de difícil compreensão.
Outro fato que contribuiu de maneira singular na definição do objeto foi o
meu ingresso no doutorado em Ciências Sociais da PUC-RJ. Quando eu decidi me
candidatar à universidade, eu não imaginava que nela havia tantos alunos
estrangeiros, entre eles muitos peruanos, a maioria estudantes de pós-graduação
nas diferentes áreas da Engenharia. Um lugar sempre privilegiado para encontrálos é o restaurante universitário, o bandejão. Nos horários de almoço e jantar, é
sempre muito comum encontrar grupos de peruanos que se reúnem para comer
juntos. Esses grupos variam de tamanho, mas o que eles têm em comum é que
29
raramente há neles alguém que não seja peruano e a língua de comunicação é
sempre o espanhol. Em princípio, eu não consegui participar de nenhum desses
grupos, o que só foi possível quando conheci peruanos que me convidavam para
almoçar ou jantar com eles e seus amigos.
Apesar de também estudar na PUC-RJ, foi fora dela que eu conheci os
peruanos que me convidavam fazer refeições com eles e seus amigos. Em 2011,
quando comecei a me inserir no campo, conheci o grupo Sayari Danzas Peruanas.
Eu soube do grupo através da sua diretora geral, que mantém um blog na internet.
Pelo seu blog, enviei um email para ela contando da minha pesquisa e
perguntando se ela poderia me ajudar a conhecer outros peruanos. Prontamente,
ela me respondeu que sim. Em maio de 2011 comecei a frequentar os ensaios, que
é formado principalmente por estudantes peruanos. Eles se encontram
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semanalmente às quintas-feiras para treinar as coreografias e manter contato uns
com os outros. Quando comecei a ir aos ensaios do Sayari, dois dos seus
integrantes mais assíduos eram estudantes da PUC-RJ e um deles se ofereceu para
ajudar na minha pesquisa. Foi através dele que comecei a ser apresentada a outros
peruanos que estudam na PUC-RJ.
Se somos formados em nossas interações (Velho, 2009), assim também se
formam nossos objetos de pesquisa. Este teve sua construção gestada no meu
intenso convívio com os peruanos sobretudo, mas não apenas, estudantes e exestudantes. Neste processo, foram fundamentais as contribuições dos trabalhos
como os de Hirsch (2007), sobre estudantes caboverdianos e de Santos (2012),
sobre estudantes congoleses, ambos no Rio de Janeiro e ainda o trabalho de tese
em andamento de Gisele Almeida, sobre estudantes brasileiros na França. Além
das reflexões que seus trabalhos me proporcionaram, Almeida e Santos se
tornaram interlocutoras privilegiadas, com as quais pude compartilhar minhas
dúvidas, incertezas e inseguranças com relação à definição do que seria meu
objeto de pesquisa.
Almeida, por exemplo, me mostrou que, ainda que os estudantes peruanos
apresentem um perfil que se diferencia do que se compreende como imigrante- e
meu plano inicial era escrever um trabalho sobre imigrantes peruanos-, sua análise
traz grandes contribuições para os estudos migratórios. Nas conversas com ela foi
que percebi que a mobilidade estudantil é uma modalidade de trânsito que ainda
30
se tem poucas reflexões a respeito e, em muitos casos, ela é uma etapa para
muitos que querem se tornar imigrantes. E isto observei na minha convivência
com os peruanos. Numa parte muito significativa dos eventos públicos peruanos
na cidade no Rio de Janeiro predominava a presença de estudantes ou exestudantes. Me chamou muito a atenção o protagonismo deles na construção de
uma vida pública peruana no exterior. Foi neste processo de frequentar ativamente
os eventos organizados por estudantes e ex-estudantes que fui percebendo a
importância de se realizar uma análise da experiência vivida pelos estudantes e,
aqui, reforçam sua identidade como peruanos.
A partir da reflexão sobre a
experiência migratória podemos ampliar nossa compreensão sobre a mobilidade
estudantil, sua relação objetiva e subjetiva com outros tipos de fluxos, como as
migrações internas e internacionais e seu significado para o país de origem, de
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destino e para os estudos migratórios.
IV.
Uma característica das Ciências Sociais que o pesquisador precisa ter em
mente é que tanto ele como os sujeitos da pesquisa atribuem significados ao
mundo em que vivem, por isso, a pesquisa tem como princípio epistemológico a
hermenêutica dupla (Giddens, 1989). Será na interação entre o pesquisador e os
pesquisados que se realizará a produção de conhecimento. Nela, a subjetividade
não é preterida ou renegada, mas reconhecida como parte fundamental do trabalho
de investigação (Clifford, 1998; Geertz, 2001; Da Matta, 1978; Velho, 1978),
tornando possível a realização do desafio antropológico, que é a aproximação de
diferentes universos de significado- o do pesquisador, o dos pesquisados e o do
público leitor (Geertz, 1978). O trabalho de campo etnográfico se constitui um
método de pesquisa privilegiado para realizar tamanha tarefa. Mais do que uma
estratégia de coleta de dados, ele se configura como um modo de agir que abarca
concomitantemente razão e emoção, intelecto e sentimento:
A característica mais marcante do trabalho de campo antropológico como forma de
conduta é que ele não permite qualquer separação significativa das esferas
ocupacional e não ocupacional da vida. Ao contrário, ele obriga a essa fusão.
Devemos encontrar amigos entre os informantes e informantes entre os amigos...
No seu ambiente, o antropólogo vai comodamente ao escritório exercer um ofício,
31
como todo mundo. Em campo, ele tem que aprender a viver e pensar ao mesmo
tempo (Geertz, 2001, p. 45).
Na minha convivência cotidiana com peruanos de diferentes classes sociais,
de diferentes locais de origem, que vieram para o Rio de Janeiro com diferentes
objetivos, três elementos abriram as portas do campo para mim: falar espanhol, já
ter ido ao Peru e ser negra. Quando iniciei o trabalho de campo, eu já tinha
estudado espanhol- aos 13 anos de idade estudei o idioma por 2 anos-, mas ainda
não era fluente. Os peruanos sempre adotaram uma postura muito positiva diante
da minha vontade em melhorar meu espanhol. Eles admiram meu esforço e,
pacientemente, sempre me ajudam a conjugar os verbos, eles também corrigem
meus erros e me ensinam expressões tipicamente peruanas. Me tornei ainda mais
fluente no idioma depois da minha entrada no Grupo Sayari, cujos integrantes se
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tornaram os amigos com quem mais mantenho contato regularmente. Hoje, eles
me parabenizam por minha fluência no idioma e se orgulham quando conto para
eles que já conheci pessoas cuja língua materna é o espanhol, como argentinos,
chilenos e espanhóis, que me disseram que eu tenho sotaque peruano.
Já ter ido ao Peru me possibilitou fazer das viagens um tema para iniciar
uma conversa. Eu sou muito tímida quando estou diante de pessoas
desconhecidas, por isso, antes de conversar com algum peruano pela primeira vez,
eu sempre planejava o que iria falar. Em geral, contar a um/a peruano/a que eu já
estive em seu país me ajuda a quebrar o gelo e despertar nele/a se o interesse em
conversar comigo. Conhecer o Peru me distingue dos outros brasileiros que, em
geral, nunca foram ao país e nem demonstram interesse em conhecer peruanos.
Assim, o desinteresse de grande parte dos brasileiros pelo Peru e os peruanos
contribuiu para que eu fosse identificada como uma brasileira diferente dos
outros, despertando o desejo de alguns em conversar mais comigo.
No primeiro semestre de 2011, recebemos na PUC-RJ como professora
convidada a Dra. Suzanne Oboler. Ela pesquisa relações raciais na John Jay
College of Criminal Justice, em Nova Iorque e, apesar de morar nos EUA, é
peruana. Quando comentei com ela sobre meu tema de tese, ela me chamou para
uma conversa privada e me indagou: “qual é sua estratégia para se aproximar
dos peruanos?”. Em princípio, não entendi o teor da pergunta. Em seguida, ela
32
me explicou. No estudo que realizou sobre relações raciais no Peru, Suzanne
identificou entre os peruanos um posicionamento hostil contra os negros, até mais
que contra aos índios1. Por isso, ela acreditava que os peruanos no Rio de Janeiro
poderiam ter o mesmo tipo de posicionamento comigo. Apesar da raça estar
sempre presente, na minha experiência de campo nunca recebi um tratamento
hostil por isso.
Como eu comecei a fazer trabalho de campo ainda sem ter delimitado
aqueles que seriam o problema e o objeto de pesquisa, eu queria ter um convívio
com o maior número de peruanos possível com o perfil mais diversificado que eu
encontrasse antes de delimitar exatamente o que eu pesquisaria. Frequentar os
ensaios do grupo Sayari teve um papel central na minha inserção no campo, pois
através dos seus integrantes, eu era convidada a participar das atividades públicas
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organizadas por peruanos, principalmente quando o grupo ia dançar. Nos eventos,
os integrantes do Sayari me apresentavam seus amigos, que por sua vez, me
apresentavam a outros amigos e, num efeito bola de neve, fui ampliando minha
rede de contatos entre os peruanos no Rio de Janeiro.
Grande parte dos peruanos que conheci através do Sayari e seus amigos
tinha vindo para o Brasil como estudantes universitários, de graduação ou pósgraduação. Eles estudam (ou estudaram) em universidades como UFRJ, UniRio,
PUC-RJ e UERJ. Alguns deles não apenas iam aos eventos, como também
organizavam. O principal evento onde conheci mais peruanos foi a festa Noches
de Sol. Se, por um lado, minha convivência com estudantes e ex-estudantes estava
se tornando mais intensa, meu contato com outros peruanos, como os chamados
artesanos (artesões)- vendedores ambulantes-, que trabalham no centro do Rio e
em Copacabana ou os peruanos mais velhos e/ou das classes mais altas foi mais
esparso e superficial.
Parte disso se deve ao fato de eu ter passado a frequentar os mesmos
espaços que os estudantes e ex-estudantes, como as festas Noches de Sol, os
shows do grupo Negro Mendes e o restaurante Chicken Boom. Dois peruanos que
vendiam artesanato na porta do shopping Nova América, em Del Castilho, tinham
uma postura mais aberta comigo e me chamaram para frequentar os jogos de
1
Todos os estudantes peruanos entrevistados concordam que no Peru de hoje há racismo. Alguns
concordam com Oboler que são os negros os que sofrem mais racismo no Peru.
33
futebol que seus amigos organizam. As partidas aconteciam regularmente, duas
vezes na semana, no Aterro do Flamengo e começavam por volta das 22h. Os dois
peruanos moravam na Lapa, assim como seus amigos. Eu, no entanto, moro longe
do local onde ocorrem as partidas ou de onde moram os jogadores, por isso nunca
me animei a ir aos jogos.
Além da distância e do horário do jogo, eu também não me senti estimulada
para ir aos jogos de futebol no Aterro porque este é um espaço
predominantemente masculino. No meu breve contato com peruanos das classes
mais baixas, eu percebi que não eram raras as vezes que, principalmente os
homens, usam marcadores de gênero e raça para se referir a mim. "Morena" era a
forma como alguns me chamavam, como uma espécie de eufemismo para "negra".
Um desses peruanos que conheci no Shopping Nova América tinha o costume de
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só me chamar de "morena", o que me incomoda muito. Cansada de ser chamada
por uma categoria racial, um dia perguntei se ele sabia meu nome. Ele me
respondeu: "sim. Seu nome é Camila". E concluí: "se você sabe meu nome, me
chame por ele. Não me chame de morena". "Morena bonita" era ainda a
expressão que empregavam para mim quando flertavam, o que me deixava ainda
mais desconcertada. Embora estes termos fossem usados em tom de elogio, para
mim, eles representavam um violento demarcador de raça que geravam em mim
um profundo incômodo, desconforto e constrangimento.
Entre os peruanos que conheci através dos estudantes, a raça não deixava de
existir, porém ela se manifestava de maneiras mais sutis. Eles nunca trocaram meu
nome por nenhuma denominação racial, por exemplo. E as referências raciais que
até hoje fizeram nunca me incomodaram, como os inúmeros elogios à cor da
minha pele e ao meu cabelo. A raça também esteve presente na minha entrada
oficial no grupo Sayari, que se deu quando fui convidada para recitar o poema
"Me gritaron negra" (ver anexo 1), da artista afroperuana Victoria Santa Cruz,
cujo sucesso culminou com a organização do evento I Encontro Brasil-Peru:
conexões entre culturas negras, realizado em novembro de 2012 (ver cartaz no
anexo 2).
Como integrante do grupo, realizei algumas apresentações- do poema e de
uma dança chamada tondero em eventos importantes para a comunidade peruana,
como a festa do dia da independência e a celebração de Sr. de los Milagros, santo
34
padroeiro do Peru. Minha ativa presença na vida pública dos peruanos no Rio de
Janeiro me rendeu o título, dado pelos peruanos com quem convivo, de “a
brasileira mais peruana” que eles conhecem ou ainda de brasileira peruanizada.
Além de participar de eventos e encontros presenciais, minha relação com
os estudantes peruanos se tornou mais profunda através das redes sociais pela
internet, principalmente o facebook. Ele foi uma importante ferramenta na
manutenção de laços nós, através do envio de mensagens- em tempo real ou não-,
convites para eventos e compartilhamento de informações, fotos, músicas e
vídeos. Este tem sido um recurso muito profícuo para aprofundar a intimidade
com aqueles que eu conhecia e ainda conhecer outras pessoas. Este meio me
ajudou a me aproximar ainda mais dos estudantes, que usam a internet
cotidianamente em seus laboratórios de pesquisa, no seu trabalho e em seus
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celulares, muito mais que os peruanos das classes mais baixas que conheci. Eles
também usam a internet e o facebook, porém não de forma tão constante como os
estudantes.
O facebook foi um instrumento crucial de interação porque assim como eu
tinha mais informações sobre os peruanos que eu conhecia, eles também tinham
mais informações sobre mim. Os peruanos também podiam comprovar as
informações que eu lhes dera pessoalmente, que no facebook estão disponíveis
para eles e todos os meus demais amigos, e ainda comentar as publicações que eu
fazia na rede. Alguns peruanos, por exemplo, comentavam comigo que tinham
visto as fotos do meu casamento e das viagens que fiz ao Peru.
Embora o facebook ofereça ferramentas para filtrar as pessoas que podem
ter acesso às informações que cada usuário publica, eu não utilizo este recurso
com os peruanos. Todos os comentários e informações disponíveis para meus
amigos estão também disponíveis para os peruanos- muitos agora também meus
amigos. Pelo facebook, eu também posso ter acesso às redes de amizades que os
peruanos compartilham e, a partir delas, buscar contato com outros. Esta
experiência virtual representou para mim uma ampliação da noção de observação
participante e trabalho de campo, em que surgem novas possibilidades de
construir a relação antropólogo e informante e mais ainda, de informante à amigo.
Através de uma dinâmica não presencial que utiliza como recurso as novas
tecnologias de comunicação, eu pude lidar com minha timidez de falar com
35
pessoas que não conheço, e muitas vezes discutir temas de maneira mais
aprofundada que talvez não conseguiria fazer pessoalmente.
O trabalho de campo incluiu ainda a realização de entrevistas presenciais
e via email com peruanos que chegaram ao Brasil como estudantes. As entrevistas
seguiam um roteiro, previamente elaborado (ver anexo 3). As entrevistas
presenciais duraram de 30 minutos a 2 horas e foram gravadas e transcritas. Além
dos peruanos que vieram para o Brasil, entrevistei via skype um peruano que
estudou nos EUA. Além do material coletado nas entrevistas, esta tese também se
baseia nas anotações no diário de campo e em conversar informais com peruanos,
estudantes ou não.
Além de usufruir das tecnologias de comunicação para aprofundar minha
relação com os estudantes peruanos, também fui grandemente beneficiada pela
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expansão do acesso ao transporte de alta velocidade, e, principalmente pelo
barateamento das passagens áreas. Quando eu construí o projeto de pesquisa, eu
pensava em fazer parte do trabalho de campo no Peru. Mas, devido às restrições
do financiamento de pesquisa, decidi que seria mais prudente fazer todo o
trabalho de campo no Rio de Janeiro, cidade onde residimos eu e os estudantes
peruanos e por onde posso me locomover sem maiores dificuldades. Desde 2011,
as sucessivas promoções de passagens aéreas para o Peru me permitiram ir ao país
em diferentes ocasiões. Embora imprevistas, estas viagens foram muito
importantes para que eu pudesse estabelecer conexões entre os peruanos no Rio de
Janeiro e os peruanos no Peru. Elas também foram fundamentais para que eu
pudesse ter acesso à bibliografia de autores peruanos, que não estão à venda no
Brasil.
Nas cinco viagens que fiz ao Peru no período de junho de 2011 a maio de
2013, eu participei de 2 congressos acadêmicos, conversei com pesquisadores da
área de migração, me encontrei com amigos e familiares dos peruanos que
conheci no Rio de Janeiro. Participei ativamente do fluxo transnacional de
remessas, transportando encomendas do Brasil para o Peru e vice-versa, levando
desde temperos essenciais para a comida peruana, como o ají amarillo, até roupas,
remédios, dinheiro e instrumentos musicais. Visitei as cidades de Lima, Huaraz,
Chincha, Andahuaylas, Arequipa, Cusco, Ayacucho e Puno, tendo a chance de ver
ao vivo e em cores as imensas diferenças entre a Costa e a Serra que tanto me
36
falavam os peruanos no Rio de Janeiro. Conheci família e amigos dos meus
amigos peruanos no Rio de Janeiro. Tudo isso contribuiu para expandir minha
capacidade de compreender o que os peruanos me diziam e me ensinavam sobre o
Peru e as comparações com o Brasil.
V.
O Peru abriga uma população de mais de 29 milhões de habitantes em seus
25 departamentos, tendo seu território dividido em três grandes regiões,
demarcadas pela cordilheira dos Andes: Costa, Serra e Selva. A Costa é a região
que assumiu um lugar de destaque no desenvolvimento econômico e político do
país e é nela onde está localizada a capital do país, Lima e os departamentos de
Arequipa e La Libertad, importantes pontos de origem dos estudantes peruanos. A
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Serra é demarcada pela cordilheira dos Andes, pela forte presença indígena e pelo
predomínio de áreas rurais. Na história pré-colonial, a região abrigou a capital do
império Inca, além de outras populações pré-hispânicas.
Na Serra está localizado o departamento de Cusco, que abriga a
mundialmente conhecida cidade inca de Machu Picchu. Já a selva abarca a região
amazônica, que, preterida no imaginário social peruano, quando lembrada é pelo
exotismo e exuberância da natureza. É na Selva que está localizada província de
Iquitos. Na viagens fiz ao Peru no período da pesquisa, tive a oportunidade de
visitar os departamentos de Ancash, Arequipa, Apurímac, Ayacucho, Cusco e
Puno, departamentos distribuídos de norte a sul da Serra Peruana e Lima e Ica,
departamentos localizados na Costa Central.
37
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Figura 1- Mapa político do Peru
Fonte: webinei.inei.gob.pe
38
Assim como no âmbito da sua geografia o Peru é entendido como dividido
em três partes, ele também é compreendido como tripartite na sua composição
étnico-racial, dividido entre o branco criollo, o índio e o mestizo (Degrogori,
2012). Enquanto o branco criollo, ou seja, os descendentes dos espanhóis,
habitariam principalmente a costa do país, o índio teria como lugar de origem a
serra. O mestizo representaria a miscigenação do branco com o índio, que estaria
tanto na costa quanto na serra. Nesta classificação étnica das regiões do Peru, a
selva raramente é lembrada, assim como os negros, questão que discutiremos no
capítulo 3.
Os jovens que participam deste trabalho saíram do Peru com idade entre
18 e 40 anos, são predominantemente homens. Todos os estudantes chegaram ao
Brasil solteiros, sem filhos e pertenciam às classes médias/médias baixas das mais
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variadas partes do Peru. Entre os atores da pesquisa oriundos de Lima, alguns,
antes de vir para o Brasil, viviam em bairros de classe média, como Barranco e
San Isidro. Outros viviam em bairros periféricos nos chamados Conos- Sur e
Norte-, áreas de ocupação no entorno de Lima que os estudantes comparam com
as favelas brasileiras. Há ainda aqueles que são de Callao, província pertencente
ao departamento de Lima, famosa por sua tradição portuária e por abrigar o
aeroporto internacional Jorge Chávez.
Além daqueles que nasceram em Lima e lá viveram até chegarem no
Brasil, há estudantes oriundos de outras partes do Peru, incluindo departamentos
na costa norte e sul, serra norte, sul e central e Selva. Da Costa norte, há um
destaque para o significativo número de estudantes vindos de Trujillo, capital do
departamento La Libertad. Além de Trujillo, no Rio de Janeiro há outros peruanos
que vieram de Cajamarca, região da serra norte do país e de Ancash, estado
localizado ao norte de Lima que se estende da serra à costa.
Do sul do país, há estudantes vindos de departamentos costeiros, como
Tacna e Arequipa. Outros, viviam em departamentos da serra, principalmente em
Cusco, mas também Moquegua; da Serra central, encontramos o caso de um
estudante de Huancayo, no departamento de Junín. Da selva, há apenas o caso de
um estudante que é natural de Iquitos, Loreto.
O quadro abaixo mostra o perfil dos estudantes peruanos no Brasil
envolvidos da pesquisa. No esquema abaixo estão presentes os peruanos que
39
estudam ou estudaram no Rio de Janeiro e foram entrevistados pessoalmente;
estudantes peruanos no Rio de Janeiro que não foram diretamente entrevistados,
mas com quem convivi intensamente ao longo do trabalho de campo, assim como
um caso de um ex-estudante que atualmente mora no Rio de Janeiro, mas fez sua
graduação no Paraná. Entre os atores envolvidos na pesquisa há uma estudante
peruana que estudou em São Paulo e continuou a residir na cidade depois de
formada. Ela estudou na USP e, através da página dos estudantes peruanos da
USP no yahoo groups, a estudante respondeu o roteiro de entrevista via email.
Com a participação da ex-estudante da USP eu pude comparar a experiência dela
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em São Paulo com aquela vivida pelos estudantes peruanos no Rio de Janeiro.
40
Quadro 1- Perfil dos atores da pesquisa
Pseudônimo Idade Origem
Agustín
30 Lima
2012
Alejandro
42 Lima
1993
Antonio
70 Cusco
1968
Augusto
32 Lima
2012
Univerdade
Curso no
Brasil
Instituição
Engenharia UNMSM
Música UFRJ
Mestrado
PUC-RJ
Agronomia UFRRJ
Geologia UNI
Graduação UFRRJ
Ciências Universidad
Biológicas Ricardo Palma
Artes Cênicas UniRio
Carla
41 Lima
2000
Cristiana
38 Lima
1995
35 Lima
1996 Administração UFRJ
UNI
2003 Engenharia
2007
Engenharia UNI
Daniel
Douglas
-
Eduardo
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Ano de Curso de
Chegada Graduação
Anchash
31 Anchash
Emiliano
25 Lima
2011
Enrique
32 Cusco
1996
Gabriela
2009
Gladys
27 Arequipa
Chincha
36 (Ica)
Guadalupe
32 Lima
2011
Guillermo
Isabel
-
Cajamarca
Cajamarca
1993
UNT
Física
Engenharia UNI
Engenharia UFPR
Jeremia
29 Lima
2010
Juan
51 Lima
1983
Leonardo
30 Cusco
2009
Leyla
31 Lima
2011
Lorenzo
Luis
Fernando
30 Lima
2000
32 Tacna
1996
Néstor
30 Huancayo
Iquitos
42 (Loreto)
2012
Oscar
-
-
Mestrado
PUC-RJ
Mestrado
FIOCRUZ
Graduação UniRio
Graduação UFRJ
Universidade
Engenharia Ricardo Palma
Universidade
Informática Gama Filho
Engenharia UNSA
Industrial
UFRJ
Economia
Geologia UNMSM
1993 Administração
Graduação UFRJ
Engenharia UNSAAC
Un. Nacional del
Engenharia Callao
Comunicação UFF
Social
UFRJ
Arquitetura
Engenharia UNCP
Mestrado
PUC-RJ
Mestrado
PUC-RJ
Mestrado
PUC-RJ
Graduação Gama Filho
Mestrado
PUC-RJ
Graduação UFU/UFRJ
Mestrado
PUC-RJ
Mestrado
FGV-RJ
Mestrado
PUC-RJ
Mestrado
PUC-RJ
Graduação UFPR
Mestrado
PUC-RJ
Mestrado
UFRJ
Graduação UFF
Graduação UFRJ
Mestrado
UFRJ
Gradução
UFRJ
Mestrado
UFRJ
Mestrado
USP
UFRJ
1988 Administração
Osvaldo
32 Moquegua
2004
Piedad
45 Ancash
1999
Renato
24 Cusco
2006
Ricardo
30 Trujillo
2005
Rubén
32 Arequipa
1996
Sofia
29 Trujillo
2006
Solange
40 Lima
2011
Tomás
31 Arequipa
2005
Vania
21 Tacna
2011
Victor
32 Trujillo
2006
Virgilio
38 Lima
1996
Walter
28 Arequipa
2009
Engenharia UNSA
Engenharia UNI
Direito UERJ
Física UNT
Graduação UERJ
Engenharia UFRJ
Física UNT
Graduação UFRJ
Mestrado
CBPF
Engenharia UNMSM
Engenharia UNSA
Mestrado
UNMSM
Mestrado
UFRJ
Relações UFF
Internacionais
Engenharia UNT
Artes Cênicas UniRio
Engenharia UNSA
Mestrado
CBPF
Graduação UFF
Mestrado
PUC-RJ
Graduação UniRio
Mestrado
PUC-RJ
41
Neste trabalho, empregarei o termo "estudantes" para me referir aos sujeitos
da pesquisa, que são peruanos que chegaram no Rio de Janeiro como estudantes.
Alguns deles já são formados e continuaram na cidade como profissionais. Estes
também serão denominados como "estudantes", remetendo à maneira como eles
chegaram no Rio de Janeiro e tiveram sua primeira inserção na sociedade local.
Ao longo da pesquisa, também mencionarei episódios e fala de outros peruanos
que vivem no Rio de Janeiro, mas chegaram na cidade com outros objetivos que
não o estudo. Estes serão denominados como "imigrantes" ou simplesmente
"peruanos" e terão seu perfil explicado ao longo do texto. Todos os participantes
da pesquisa tiveram seus nomes verdadeiros substituídos por nomes fictícios, para
preservar sua identidade. Os nomes fictícios foram escolhidos inspirados na
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pesquisa em sites de jornais e universidades peruanos, para se aproximar dos
nomes frequentemente empregados na realidade do país de origem.
VI.
Esta está dividida em duas partes: a introdução e cinco capítulos. Na
Introdução, apresentei como o problema de pesquisa do qual trata este trabalho foi
desenvolvido, quem são e de onde vêm os indivíduos que participaram desta
pesquisa e qual aparato teórico que estrutura a análise que será realizada nos
próximos capítulos.
O capítulo 2, A imigração peruana no Rio de Janeiro, aproxima o leitor da
organização social dos peruanos na cidade no Rio de Janeiro. Inicio o capítulo
explicando como comecei a compreender a dinâmica de interação dos peruanos a
partir da Copa Peru-Rio, campeonato de futebol organizado anualmente por
imigrantes peruanos para comemorar a independência do Peru. Após refletir sobre
os elementos que entram em jogo na construção dos grupos de afinidades entre os
peruanos, me concentro no caso dos estudantes analisando seu perfil, sua
trajetória prévia à saída do Peru, as formas de acesso à universidade brasileira, as
redes que constroem e o papel que eles assumem na consolidação de uma
coletividade peruana na cidade.
No capítulo 3, Peru, o ponto de partida, o foco está em compreender o
contexto no qual o projeto de vir para o Brasil como estudante começa a gestado.
42
Uma vez que todo movimento de chegada pressupõe um movimento prévio, de
sair de algum outro lugar (Sayad, 1998), este capítulo tem como objetivo
compreender os significados do deslocamento internacional e da educação- dentro
e fora do país- para a sociedade peruana. Numa sociedade em que as migrações
internas colocaram em xeque as hierarquias raciais, geográficas e econômicas do
país, a emigração se tornou um fenômeno presente no campo de possibilidades
daqueles que buscam melhores condições de vida, sobretudo quando já viveram
uma experiência migratória dentro do próprio país. Para os jovens peruanos que
participam desta pesquisa, as migrações internas e internacionais são uma
realidade próxima da sua vida cotidiana e, em alguns casos, servem de mola
propulsora para sua saída do país como estudante.
No capítulo 4, Brasil, a construção de um destino, a discussão gira em torno
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das condições objetivas e intersubjetivas que fizeram do Brasil o lugar de destino
para os jovens peruanos. Para nenhum deles, o Brasil era a primeira opção, mas se
tornou uma possibilidade atraente quando souberam, através de suas redes, das
bolsas que poderiam ter no país. Esta oportunidade, somada à imagem de Brasil
difundida no Peru- como o país das praias, do carnaval e do futebol- , fizeram que
o país se tornasse uma opção.
No capítulo 5, O cotidiano no Rio de Janeiro, aborda a chegada dos
estudantes peruanos o Rio de Janeiro, analisando sua inserção na cidade e a
comparação que eles estabelecem entre a imagem que eles tinham do Rio de
Janeiro antes de chegar e a realidade por eles aqui vivida. É na vida cotidiana na
cidade de encontrar um lugar para morar, definir o que comer, se relacionar com
os brasileiros, lidar com a Polícia Federal que se constrói a experiência migratória.
Através dela, os estudantes se percebam como estrangeiros que estabelecem uma
relação particular com o Rio de Janeiro. Diferentemente dos turistas, que apenas
conhecem a cidade superficialmente, os estudantes consideram que é justamente
na vida cotidiana que eles são capazes de desenvolver uma relação mais profunda
com a cidade e seus habitantes e ter uma percepção mais crítica e precisa de como
são os cariocas e o Rio de Janeiro.
O sexto e último capítulo, Os imponderáveis da experiência migratória,
trata das repercussões que a experiência de viver no Brasil como estudante
provoca na subjetividade dos jovens peruanos. Neste capítulo, exploro o
43
argumento de que embora os estudantes peruanos se diferenciam dos imigrantes
por inúmeros elementos, eles são atores que vivem uma experiência migratória,
entendida como um conjunto de vivências que têm como pano de fundo o
deslocamento no espaço que permite que os indivíduos lancem um olhar crítico
sobre si mesmos, seu país de origem e a sociedade receptora. É na vida cotidiana
no Rio de Janeiro que os estudantes descobrem que a experiência de estudar no
exterior significa muito mais que obter uma formação profissional e acadêmica.
Ela proporciona uma série de vivências que possibilitam transformações na
maneira do estudante se compreender como indivíduo.
As considerações finais traçam uma reflexão sobre os sentidos e
significados que se colocam em jogo na relação entre os projetos e o campo de
possibilidades na experiência migratória dos estudantes peruanos. Tais sentidos
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estão representados na expressão "P'a crecer en la vida", utilizada por um
informante que explica por quê as famílias peruanas, marcadas por uma cultura
tradicional e relativamente fechada, apoiam a saída de seus filhos do país. Apesar
da mobilidade estudantil, da maneira como empreendida é pelos jovens peruanos,
seja caracterizada como um deslocamento individual, no processo de
(re)construção dos projetos, ela é fortemente influenciada por sua família e pela
sociedade peruana que valorizam positivamente o estudar no exterior. Entretanto,
a experiência de se afastar da sociedade peruana permite a eles conhecerem
variadas alternativas de vidas que, muitas vezes, se confrontam com as
expectativas atribuídas aos indivíduos no Peru. Nesta ambígua relação, a
experiência migratória abre um novo leque de possibilidades para os jovens
encontrarem novas formas de se inserir na sociedade peruana e no mundo.
2
A imigração peruana no Rio de Janeiro
Neste capítulo, os estudantes peruanos são apresentados, contextualizados
na dinâmica da população peruana no Rio de Janeiro. Marcada por uma profunda
heterogeneidade, esta população abarca peruanos com diferentes perfis, que
chegaram na cidade com diferentes objetivos. Uma característica que predomina
entre os peruanos que vivem no Rio de Janeiro é sua alta qualificação e o fato de
uma parte significativa deles terem chegado à cidade primeiramente como
estudantes universitários e quando formados, não regressaram para o Peru. Isso
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faz com que a população peruana no Rio de Janeiro apresente características
muito diferentes de, por exemplo, a população peruana em São Paulo, cidade com
maior presença de peruanos no Brasil. Assim como o Rio de Janeiro, São Paulo
também recebe um importante fluxo de estudantes peruanos, mas também se
destaca por receber peruanos que emigram por razões econômicas.
Os peruanos que chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes chamam a
atenção pelo papel que desempenham na construção de espaços de interação e
convivência entre peruanos e latino-americanos, por sua ativa participação na
sociedade civil peruana e no protagonismo que desempenham na disputa pela
construção de uma imagem positiva do Peru e no Brasil. Longe de se fecharem
nas salas de aula e laboratórios, muitos estudantes usam o lugar privilegiado que
ocupam, como universitários, para consolidar sua presença na cidade.
O capítulo segue dando ênfase à trajetória percorrida pelos jovens
peruanos até sua vinda para o Brasil. Discutiremos o caminho percorrido desde
quando por eles desde quando souberam das oportunidades de estudo no Rio de
Janeiro até ingressar em universidades brasileiras. Neste processo, as redes de
relações e a ação dos indivíduos em busca de informações são os principais meios
de viabilização do projeto de sair do país como estudante.
45
2.1
Copa Peru-Rio: o futebol como metáfora das relações sociais
Na minha iniciação ao trabalho de campo, frequentar os diferentes eventos
públicos organizados pelos peruanos foi crucial para conversar diretamente com
eles e observar as formas de interação que eles estabeleciam entre si. Os eventos
públicos se tornaram espaços ainda mais privilegiados para desenvolver o trabalho
de campo quando os primeiros peruanos que conheci aproveitavam estes
momentos para me apresentar os amigos que eles acreditavam que poderiam
ajudar na minha pesquisa. E estes amigos me apresentavam para outros amigos e,
num efeito bola de neve, fui aos poucos sendo inserida em diferentes redes de
relações. Delas participam majoritariamente peruanos, mas também brasileirosdo Rio e de outras partes do Brasil- e também estrangeiros de outros países como
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Itália, Colômbia, Argentina, Chile e Irã.
Compartilhar com os peruanos o plano de escrever minha tese de doutorado
sobre a imigração peruana no Rio de Janeiro despertou neles o desejo de
contribuir com o trabalho, falando sobre suas vivências no exterior, explicando a
história política e social do Peru, compartilhando receitas1, me ensinando a dançar
e ainda, me apresentando a peruanos que eles consideram fundamentais para que
eu aprendesse mais sobre o Peru e a presença de peruanos no Brasil.
Entre os eventos públicos que frequentei estiveram algumas partidas da
Copa Peru Rio 2011 e 2012, campeonato de futebol que ocorre todos os anos,
desde 2006, no Aterro do Flamengo. O campeonato se inicia sempre no mês de
julho, quando no dia 28, o Peru celebra sua independência. Geralmente, a Copa
Peru Rio termina na primeira quinzena de agosto. As partidas são disputadas aos
domingos, a partir de 13h e se estendem até às 19h. A organização da Copa Peru
Rio é uma iniciativa de um grupo de amigos peruanos que joga futebol no Aterro
do Flamengo às quintas-feiras à noite, depois que saem do trabalho. Muitos deles
trabalham no comércio ambulante e moram próximos uns dos outros, na Lapa,
região do centro do Rio do Janeiro. A Copa Peru Rio, no entanto, não está restrita
a este grupo de amigos e nem a peruanos. Dela participam diferentes equipes. No
ano de 2011, 9 times competiram pela taça de campeão, uma delas formada por
1
Sobre o papel da comida no processo de construção de relações de pertencimento e identidade
ver capítulo 5.
46
equatorianos; em 2012, foram 8 as equipes que lutaram pelo título. Segundo o
regulamento, todas as equipes poderiam ter de até 2 jogadores brasileiros.
A
Copa Peru Rio atrai um público composto pelos jogadores, alguns
amigos e suas companheiras. Enquanto os maridos e namorados se preparavam
para entrar em quadra, elas conversavam entre si. No momento da partida, elas se
concentram para torcer pela vitória do time de seus companheiros. Além do
público envolvido com os jogadores, a Copa também é frequentada por
peruano/as que não têm nenhum interesse direto no futebol. Uma tradição durante
os domingos do campeonato é que senhoras peruanas com experiência em
cozinhar vendam pratos tradicionais do país no entorno da quadra onde acontecem
as partidas. Por isso, muitas pessoas vão para o campeonato apenas para comer.
Para os peruanos, a comida se constitui um elemento central na sua noção de
pertencimento, o que faz com que os eventos onde são servidos pratos peruanos
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sejam geralmente os mais amplamente frequentados (Daniel, 2012c). Assim, a
Copa Peru Rio se tornou um importante ponto de encontro para os peruanos que
vivem no Rio de Janeiro, deixando registrada sua presença no espaço da cidade.
Na primeira edição da Copa Peru Rio que assisti, em 2011, eu observei que
as equipes estavam circunscritas a determinados grupos de afinidades. Meses
antes do campeonato começar, conheci dois irmãos oriundos de Custo vendendo
bijuterias na passarela do shopping Nova América, em Del Castilho, Zona Norte.
Sempre que eu passava pelo shopping, que fica próximo da minha casa, eu
conversava um pouco com os dois. Numa das conversas, eles me contaram que
moravam na Lapa e me convidaram para ir às partidas de futebol às quintas-feiras,
no Aterro. Eu agradeci o convite, mas nunca fui ao jogo deles. Na Copa Peru Rio
2011, eu os reencontrei. Eles compunham uma equipe com outros dois irmãos de
Cusco que trabalham com confecção e venda de roupa. Os quatro comentaram que
costumam trabalhar juntos, viajando por diferentes partes do Brasil vendendo seus
artigos em feiras de exposição agropecuária. Os outros integrantes do time
também eram de Cusco e trabalhavam como vendedores ambulantes.
Além de conhecer alguns integrantes desta equipe, eu já tinha amizade com
alguns dos integrantes de um time formado por peruanos que chegaram no Rio
como estudantes. Todos os jogadores deste time moram em áreas de classe média
do Rio- Copacabana, Laranjeiras, Vila Isabel- e da região metropolitana- Niterói,
e exercem atividades profissionais qualificadas como dentista, administrador,
47
publicitário, engenheiro. Grande parte chegou no Rio de Janeiro entre final dos
anos 90 e início de 2000.
Estes dois times despertaram a minha atenção. Primeiro, porque eu conhecia
os jogadores- e naquele momento fui apresentada a suas namoradas- dos dois
times. Segundo, porque eles não se relacionavam entre si. Durante as partidas, os
times se dividem pelo entorno da quadra em pequenos grupos que agregavam os
próprios jogadores, as namoradas e esposas, os filhos e, às vezes, alguns amigos.
Na final da Copa Peru Rio 2011, a equipe formada pelos cusquenhos se
concentrou numa ponta da quadra. A equipe dos ex-estudantes, na outra. Como eu
conhecia pessoas dos dois times e, as namoradas dos jogadores esperavam que eu
fizesse companhia para elas, eu passei a tarde inteira me deslocando de uma ponta
a outra da quadra, o que, no fim da tarde, me deixou exausta.
Num determinado momento, a namorada do Fernando, um dos jogadores
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cusquenhos, ficou sozinha. Ela reclamou que “sumi”: eu saí de perto dela e
demorei a voltar. Incomodada pela cobrança e ansiosa para acompanhar o máximo
possível tudo o que acontecia na tarde da final do campeonato, eu perguntei
porque ela não se juntava às outras mulheres que também foram acompanhar seus
namorados e maridos. Imediatamente Fernando respondeu que as mulheres dos
jogadores dos diferentes times não se misturam. Assim como dentro de quadra o
campeonato é regido por regras- a do futebol-, do lado de fora dela, há também
um conjunto de códigos que organizam a dinâmica de interação dos grupos. Cada
peruano que participa da Copa Peru Rio tem seu grupo e com suas namoradas e
amigos, definem um local específico no entorno da quadra onde vão ficar
esperando sua vez de jogar. O contato com outros grupos é mais ou menos
esporádico e superficial. Fernando deixou claro para mim que fora da quadra
também haviam regras a serem respeitadas. Tempo depois, a namorada de outro
jogador do time de Fernando chegou e assim fez companhia para a namorada de
Fernando, o que me permitiu circular sem que ela reclamasse minha presença2.
2
Uma característica da dinâmica das relações tanto entre o time de Fernando como no time de exestudantes é que os homens conversam e interagem entre si, muitos vezes formando um círculo em
que as namoradas e esposas não entram. A namorada de um ex-estudante reclamou que é “sempre
assim”, apontando para o círculo que seu namorado formou com os amigos peruanos. No círculo,
eles conversavam com muito entusiasmo, em espanhol. Esta dinâmica parece marcar o espaço do
futebol como um espaço preferencialmente masculino, no qual a mulher deve ocupar um lugar de
discrição.
48
Assim, participar do mesmo campeonato de futebol e dividir o espaço
dentro de quadra não garantem, por si só, uma integração mais profunda entre os
peruanos. Embora compartilhem do entusiasmo pelo futebol, eles formam equipes
adversárias dentro das quadras. Fora delas, os competidores se reúnem em
pequenos grupos de acordo com time em que jogam, que, por sua vez, simboliza o
grupo de afinidade no qual eles estão inseridos. Dentro destes grupos menores, os
peruanos se preparam para a partida, se concentram, conversam e comem juntos.
Estes grupos não são completamente fechados: eventualmente, pessoas de
diferentes grupos conversavam, mas, em seguida, voltavam para aquele com o
qual tinha mais intimidade.
A Copa Peru Rio 2011 foi muito emblemática ao me dar as primeiras pistas
que meses mais tarde me levariam à construção do objeto desta pesquisa. No
primeiro momento, o que me saltou aos olhos na relação entre os times que
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disputavam o campeonato era a questão de classe. Desde meus primeiros contatos
com peruanos, sempre ouvi deles que é muito comum que os peruanos não se
relacionem com outros compatriotas por variados motivos, como a origem
geográfica, étnica, ou o trabalho que desenvolvem. A distância entre o time dos
vendedores ambulantes cusquenhos e o dos ex-estudantes universitários parecia
comprovar tal diagnóstico. Esta observação me fez suspeitar que a relação entre os
times de futebol e a classe dos participantes não deixam de entrar em cena em
momentos lúdicos.
Na edição de 2012 da Copa Peru Rio, confirmei que a questão de classe não
desaparece no contexto de imigração: ser um trabalhador ambulante ou um
estudante de pós-graduação faz com que o indivíduo ingresse num time de
trabalhadores ambulantes ou num de estudantes de pós-graduação. No entanto, a
dinâmica de sociabilidade dos peruanos no Rio de Janeiro não se reduz à
dimensão da classe. Um exemplo disso é que em 2011, 3 equipes que disputaram
o campeonato eram formadas por estudantes e ex-estudantes: uma de estudantes
do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), outra de alunos da PUC-RJ e a
terceira, que já mencionamos, de ex-estudantes universitários que chegaram no
Rio de Janeiro no mesmo período- cujo nome é Peruchos. Das três equipes, eu
conhecia jogadores das equipes PUC-RJ e dos Peruchos e percebi que entre eles
não é estabelecido um contato mais íntimo, assim como não havia uma interação
49
mais profunda entre os últimos e o time de Fernando- que eu tinha percebido em
2011.
Antes do campeonato anual, grande parte dos times costuma se encontrar
periodicamente para jogar futebol, como Fernando e seus amigos e os estudantes
da PUC-RJ, que se encontram às segundas e quartas na quadra da universidade.
Nestes encontros, os jogadores têm a oportunidade de construir e aprofundar os
laços de afinidade. Destes jogos participam outros peruanos que circulam pela
mesma rede de relacionamento. Isto significa que um estudante da PUC-RJ que
quer jogar futebol provavelmente irá aos jogos organizados pelos estudantes da
PUC-RJ, que acontecem no campus da universidade. Muito possivelmente, ele
nem será informado das partidas que são organizadas pelos alunos do CBPF,
pelos Peruchos ou pelos amigos do Fernando, por exemplo.
A Copa Peru Rio se mostrou para mim como uma metáfora das relações
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sociais entre os peruanos no Rio de Janeiro. A formação das equipes de futebol se
estrutura nas redes de relações, que são estabelecidas através de múltiplos
elementos: os lugares do Rio de Janeiro que frequentam, o motivo por que saíram
do Peru e vieram para o Rio, o bairro onde moram hoje, o bairro ou cidade onde
moravam no Peru, a principal atividade que exercem aqui, entre outros. Em outras
palavras, a classe se constitui um elemento importante na constituição das
equipes. Ela é vivida na trajetória e se manifesta na realidade de forma complexa,
distinguindo os indivíduos na sua forma de vestir, falar, pensar, se comportar e
compreender o mundo (Bourdieu, 2007), assim como sair do Peru e viver no
Brasil.
Por isso, um estudante que estuda na PUC-RJ, mora na Gávea, tem como
colegas de PUC-RJ outros peruanos que conheceu antes de vir para o Brasil
dificilmente participará dos jogos de futebol às quintas-feiras à noite no Aterro do
Flamengo organizados pelos peruanos vendedores ambulantes que moram na
Lapa, ou os que acontecem na Urca, organizado pelos dos alunos do CBPF,
mesmo sendo estes últimos estudantes de pós-graduação como ele. Quando
perguntei se existia algum tipo de discriminação entre os peruanos que vivem no
Rio de Janeiro, Renato me respondeu:
É qual é teu círculo .. Um estudante, por exemplo, ou alguém que trabalha, vai ficar
com os peruanos que estão estudando ou trabalhando. E os artesões, porque há
50
muitos peruanos artesãos, que inclusive jogam futebol no Aterro- dificilmente vão
frequentar os mesmos lugares, por exemplo, este festival gastronômico no
Sheraton3,, de comida peruana. Poucos peruanos vão lá para comer. Um artesão
nunca vai lá ou ao Inti Wasi4... Eu não sei se seria discriminação: são círculos
sociais, econômicos5.
A explicação de Renato sobre os círculos onde se inserem os peruanos no
Rio de Janeiro complementa minhas reflexões sobre a Copa Peru Rio. Elas foram
primordiais para que eu refinasse meu olhar e minha escuta sobre a complexidade
das relações sociais construídas pelos peruanos com outros peruanos, brasileiros e
estrangeiros de outras nacionalidades. Sayad (1998) nos alerta que é um equívoco
imaginar que os imigrantes formam uma comunidade coesa e unitária. Esta ideia
parte da representação que se faz dos imigrantes como unidos aprioristicamente
como um grupo homogêneo. Esta representação
desconhecimento sobre os imigrantes:
se baseia no nosso
“... a percepção ingênua e deveras
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etnocêntrica que se tem dos imigrantes como sendo todos semelhantes encontrase no princípio dessa comunidade ilusória” (p. 85).
No caso dos peruanos, o mito de que no Brasil ou no Rio de Janeiro eles
compõem uma comunidade homogênea ignora toda diversidade da sociedade
peruana, suas contradições e sua complexidade. Um exemplo desta complexidade
se manifesta nas diferenças que marcam os peruanos a partir de sua origem
regional, baseada na divisão oficialmente do Peru entre costa, serra e selva, que
será discutida no próximo capítulo. Ou ainda, as diferenças raciais, que
distinguem índios, mestiços e brancos e estabelece uma hierarquia entre eles. Sem
contar as diferenças de classe que marcam a população peruana no Peru e também
no Rio de Janeiro. Por isso, nesse trabalho evito o uso de expressões como
“comunidade peruana”6 que, além de não ser uma maneira através da qual os
peruanos se referem a si mesmos e aos conacionais que também vivem fora do
3
Festival de comida latino-americana que aconteceu anualmente e que sempre tem um fim de
semana exclusivo de comida peruana.
4
Primeiro restaurante peruano no Rio de Janeiro, localizado no Flamengo.
5
Es cual es tu circulo. Un estudiante, por ejemplo, o alguien que trabaja, va estar con peruanos que
estan estudiando o trabajando. Y los artesanos- porque hay muchos peruanos artesanos que incluso
juegan futbol en Aterro- dificil van a frecuentar los mismo lugares que, por ejemplo, este festival
gastronomico en el Sheraton de la comida peruana. Pocos peruanos van a ir ahi a comer. Un
artesano nunca va a ir ahi o al Inti wasi... No sé si seria discriminación: son círculos sociales,
económicos.
6
Alguns sujeitos da pesquisa usam a expressão “colônia peruana” para se referir ao conjunto de
peruanos que vivem no Rio de Janeiro.
51
país- ou seja, essa não é uma categoria nativa-, ainda traz o risco de ignorar a
profunda diversidade que caracteriza a população peruana no Rio de Janeiro.
Os estudantes também não conformam um grupo homogêneo. Entre eles há
uma multiplicidade de condições sociais, origens regionais, classe, gênero.
Precisamos ter em mente que os peruanos que hoje vivem no Rio de Janeiro não
conformam um todo fechado, opaco, com fronteiras bem definidas entre
“imigrantes”, “estudantes”, “peruanos” e “brasileiros”. Ao contrário: os peruanos
no Rio, sejam eles imigrantes ou estudantes, participam de diferentes processos de
interação, no qual encontram a oportunidade de (re)pensar o significado de ser
peruano- no exterior e no Peru. Nessa dinâmica, há peruanos que preferem se
relacionar apenas com peruanos; outros que privilegiam a convivência com
brasileiros ou ainda aqueles que apreciam a chance que o Rio oferece de conviver
com estrangeiros de muitos países.
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Entre os estudantes, a diversidade também é imensa, por isso, imaginar que
eles conformam um grupo uniforme é um total equívoco. Os estudantes percorrem
diferentes trajetos, elaboram diferentes projetos dentro de seu campo de
possibilidades, influenciados por suas famílias, pela conjuntura política e social do
Brasil e do Peru no momento que partiram, suas expectativas de futuro, as
surpresas que encontraram nesse caminho. O que há de comum entre eles é o fato
de lançarem mão da educação como recurso para sair do país, tendo a chance de
viver uma experiência migratória.
2.2
A dinâmica das relações na imigração peruana
Embora a imigração de peruanos não seja um fenômeno novo no Brasil,
até hoje ela recebeu pouca atenção da academia e da mídia. Um esforço de
preencher esta lacuna vem sendo realizado por pesquisadores vinculados a
universidades da região da Amazônia brasileira, como Silva (2008; 2011a;
2011b), Rufino (2011; 2013) e Oliveira (2006; 2008a; 2008b), que reconhecem a
vitalidade da dinâmica das migrações internacionais naquela região e a
participação de peruanos nesse processo. Nas grandes cidades brasileiras, como
São Paulo e Rio de Janeiro, a imigração peruana permanece pouco visível no
52
debate público ou, quando aparece, assume o lugar de coadjuvante diante da
imigração de outros grupos de latino-americanos, como no caso de São Paulo em
que há peruanos que trabalham com os bolivianos. Apesar disso, a imigração
peruana tem apresentado um significativo aumento nas últimas décadas:
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Quadro 2- Número de peruanos residentes no Brasil
Ano
Número de peruanos
1960
2.500
1990
5.831
2000
10.814
Fonte: CELADE (dados do Censo Demográfico do IBGE)
Como nota Dutra (2012), que analisa na sua tese de doutorado a imigração
de empregadas domésticas peruanas para Brasília, os dados acima levam em
consideração apenas os peruanos que estão no país de forma regular, que
registram domicilio no Brasil e forma incluídos na amostragem definida para a
pesquisa domiciliar do Censo do IBGE. Ou seja, estas cifras não incluem os
peruanos que não possuem um visto que regularize sua presença no Brasil e
mesmo se considerada a população estrangeira em situação regular, é muito
provável que o Censo apresente um número subestimado. Entre os latinoamericanos residentes no Brasil, os peruanos estão em sexto lugar, atrás dos
paraguaios, argentinos, uruguaios, bolivianos e chilenos7.
No caso do Rio de Janeiro, a imigração peruana permanece invisibilizada.
Ainda não existem pesquisas acadêmicas sobre o tema, apesar de existir peruanos
que residem na cidade há mais 30 anos. Diante de tamanha escassez de dados e
7
Número de latino-americanos residentes no Brasil por nacionalidade: 1) paraguaios : 28.822; 2)
argentinos: 27.531; 3) uruguaios: 24.740; 4) bolivianos: 20.388 e 5) chilenos (17.131), segundo dados do Censo
do IBGE disponibilizados pela CELADE (http://www.eclac.cl/celade/migracion/imila/. Acesso em 15 de
abril de 2012)
53
referências bibliográficas sobre a imigração peruana no Rio de Janeiro, essa seção
será baseada nos dados construídos a partir do trabalho de campo, tendo como
principal fonte o relato dos sujeitos da pesquisa.
A vinda de peruanos para o Rio de Janeiro tem assumido ao longo das
últimas décadas duas tendências: de um lado, a cidade recebe peruanos cujo
principal objetivo é o trabalho- qualificado ou não-; de outro, ela recebe peruanos
atraídos pelas oportunidades de estudo e pesquisa. A opção de vir para o Rio de
Janeiro se diferencia do fluxo de peruanos para o Brasil, que tem como destinos
principais a cidade de São Paulo ou as maiores cidades da região amazônica,
como Manaus e Rio Branco ou cidades pequenas localizadas na área de fronteira,
como Tabatinga, no Amazonas. A possibilidade de acesso ao Brasil foi
recentemente facilitada com a inauguração em 2010 da rodovia Interoceânica, que
liga o norte do Brasil com o litoral sul do Peru, o que pode estimular mais
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peruanos a vir para o Brasil.
Em São Paulo, há peruanos que se juntam a bolivianos no ramo da costura
(Silva, 1997). Além da costura, os peruanos em São Paulo trabalham na venda
ambulante de artigos variados como brincos, pulseiras, lenços, chapéus. No centro
da cidade de São Paulo, a praça da República se constitui um local estratégico,
escolhida por muitos peruanos se dedicam à venda ambulante e decidem morar
próximo às zonas centrais da cidade. Nesta região, residem muitos daqueles que
trabalham no seu entorno, conferindo à região uma dinâmica particular, com, por
exemplo, restaurantes especializados em comida peruana.
Por outro lado, São Paulo também é o destino escolhido por peruanos
ligados à produção artística. Como uma das principais metrópoles da América do
Sul, São Paulo desperta a atenção pela sua grandiosidade e pela diversidade que
abarca. A vida cultural de São Paulo, com seus diversos museus, casas de cultura,
teatros e parques atraem artistas de outros países latino-americanos, entre eles
peruanos, que anseiam desenvolver uma produção cultural. Estes foram os casos
de Cristiana e Virgilio, que queriam estudar Teatro e Alejandro, Música, em São
Paulo.
São Paulo ainda recebe estudantes peruanos, alunos de graduação e pósgraduação, com o objetivo de concluírem sua formação no país. Silva (2003)
observou que os peruanos compunham o grupo mais numeroso de hispanoamericanos em cursos de pós-graduação da USP, somando 193 estudantes. Muitos
54
deles continuam no Brasil depois de concluírem seus cursos e aqui encontram um
emprego, ingressam no matrimônio e têm filhos brasileiros. Eles primeiramente se
integram à sociedade brasileira através da educação superior e, posteriormente,
ingressam em postos qualificados no mercado de trabalho e no mercado
matrimonial. Piedad, por exemplo, é engenheira química e há 13 anos veio para a
USP cursar a pós-graduação. Apesar de ser casada com um peruano, ela decidiu
continuar em São Paulo, pois conseguiu mais reconhecimento profissional no
campo da pesquisa acadêmica do que teria no Peru. A imigração peruana em São
Paulo é bastante diversificada, em termos de classe social, objetivos que
motivaram a saída do Peru e a região de origem. Apesar de abrigar um número
consideravelmente menor de peruanos- de acordo com o Consulado Geral do Peru
no Rio de Janeiro, há cerca de 5.000 peruanos registrados nos estados de Rio de
Janeiro e Espírito Santo-, a imigração peruana no Rio de Janeiro também tem
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como uma de suas principais características a heterogeneidade.
Ainda na década de 60, alguns peruanos vieram para a região
metropolitana do Rio de Janeiro estudar ou trabalhar. Um exemplo desse primeiro
movimento é Antonio. Em meados da década de 60, ele saiu do Peru para
terminar sua graduação em Agronomia na UFRRJ. Ele pertencia a uma grande
família, cuja esperança era formar alguns filhos para que eles pudessem encontrar
logo um emprego para ajudá-la economicamente. No entanto, o plano familiar foi
interceptado pelos movimentos políticos que comprometiam a formação dos
estudantes universitários. Depois de passar por variadas universidades públicas
sem conseguir concluir os estudos, Antonio foi incentivado pelo irmão mais velho
a terminar os estudos no Brasil, na UFRRJ. Seu irmão do meio também foi
aconselhado a vir, mas ao contrário de Antonio, não quis sair do Peru e não
conseguiu terminar seus estudos universitários. Ele terminou sua graduação e
optou por continuar no Brasil, onde se casou com uma brasileira e teve filhos. O
peruano se lembra que havia muitos outros estudantes hispano-americanos na
UFRRJ, inclusive peruanos, que continuaram a morar no Brasil depois de
formados.
A imigração peruana ganhou certa visibilidade entre a população carioca a
partir da presença dos trabalhadores ambulantes e dos músicos de instrumentos
andinos no centro da cidade. Os músicos, principalmente, ocupam um lugar
folclórico no imaginário carioca: muitos deles costumavam usar trajes que
55
remetiam a uma idealização do indígena, o que às vezes incluía vestimentas
decoradas e adornos penas coloridas. O repertório apresentado era geralmente
canções- brasileiras e estrangeiras- de grande sucesso no Brasil, como, por
exemplo, a música trilha do filme Titanic. Os cariocas, de uma maneira geral, têm
uma percepção negativa destes músicos e dos vendedores ambulantes, imaginando
que eles e todos os demais peruanos são imigrantes ilegais e pouco escolarizados.
É muito comum que, quando digo, resumidamente que meu tema de
pesquisa é a imigração peruana no Rio de Janeiro, as pessoas- acadêmicas ou
não- me perguntem se eu trabalho com camelôs ou músicos de instrumentos
andinos. Quando digo que meu foco é a experiência migratória de estudantes
universitários, todos reagem com grande surpresa. Minha resposta contraria a
imagem de “peruano” que se consolidou no imaginário carioca, como aquele que
veste trajes típicos indígenas e toca instrumentos de sopro tradicionais da região
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dos Andes, como a zapoña8. Embora alguns peruanos sejam trabalhadores
ambulantes ou músicos de instrumentos tradicionais, eles não representam a
totalidade da presença peruana no Rio de Janeiro.
2.3
Os estudantes e a vida social peruana
Um dado interessante sobre o fluxo de peruanos para os Estados Unidos e a
Espanha, destinos tradicionais de recepção de peruanos no hemisfério norte, e
Argentina, principal receptor de peruanos no hemisfério sul, é que os primeiros
peruanos que ali chegaram principalmente estudantes universitários dos níveis de
graduação e pós-graduação (Altamirano, 2000a; Pærregaard, 2008). Outro
fenômeno interessante, agora do lado brasileiro, é que o grupo latino-americano
que mais imigra para o Brasil na atualidade, os bolivianos, começou sua vinda
para o país também primeiramente como estudantes universitários nas décadas de
60 e 70, através de convênios universitários (Nóbrega, 2009).
Embora apareça no espaço público pela sua inserção no mercado de
confecção de roupas, muitas vezes exercendo um trabalho em condições precárias,
8
É interessante notar que atualmente o ramo está sendo ocupado por muitos imigrantes
equatorianos.
56
a imigração boliviana tem como pioneiros os estudantes universitários. Muitos
deles optaram por continuar no Brasil quando depois que terminaram seus cursos,
se inserindo no mercado de trabalho brasileiro e muitas vezes casando e tendo
filhos no Brasil. Não posso afirmar que a chegada de estudantes bolivianos no
Brasil e de estudantes peruanos na Argentina, EUA e Espanha tenha influenciado
diretamente a posterior imigração massiva de peruanos e bolivianos para estes
países, afirmativa esta que escaparia do escopo do presente trabalho e exige uma
pesquisa rigorosa. O que este dado nos revela é que o deslocamento de estudantes
estrangeiros exige uma maior reflexão sobre seu significado no contexto de
expansão da globalização e da intensa diversificação das maneiras de se
locomover pelo mundo (Canclini, 2007).
Apesar dos estudantes universitários ter uma condição diferenciada dos
imigrantes- com um visto temporário, inseridos no sistema de ensino superior
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brasileiro e tendo seu primeiro contato com a sociedade brasileira através das
classes médias universitárias-, eles não dos imigrantes na vida cotidiana no Rio de
Janeiro. Ambos, imigrantes e estudantes, se relacionam com o contexto social,
político e econômico nacional e internacional para tomar a decisão de imigrar e
para onde ir; precisam lidar com os estereótipos que o brasileiro tem do Peru no
seu processo de adaptação à sociedade brasileira; se chocam com as diferenças
culturais entre os dois países.
Entretanto,
a
relação
entre
estudantes,
ex-estudantes,
imigrantes
qualificados e não-qualificados costuma ser pontual e esporádica, circunscrita a
determinados grupos de afinidades que se encontram em locais e eventos que tem
como principal público alvo os peruanos no Rio de Janeiro. Os principais eventos
dos quais participam peruanos com um perfil mais diversificado são a já
mencionada Copa Peru-Rio, a festa de celebração do Dia de la Patria- dia da
independência do Peru, no dia 28 de julho- e a celebração do Señor de los
Milagros, santo padroeiro do Peru.
Além desses três eventos que, por se vincular a símbolos nacionais,
desempenham uma função de agregar peruanos de diferentes redes, outros eventos
são organizados por peruanos que, nem sempre com a declarada pretensão de
reivindicar símbolos pátrios, conseguem reuni-los em torno da música, da dança e
da comida do país de origem que sentem falta. Para eles, a cidade carece de mais
eventos e festas como no Peru, onde podem encontrar os amigos para ouvir e
57
dançar ritmos como a salsa, o merengue, a cumbia, o reggaeton. Na opinião dos
peruanos, também falta ao Rio mais opções de lugares onde podem saborear
comida peruana9, que, como veremos adiante, é o que eles mais sentem falta do
seu país.
Para muitos estudantes e ex-estudantes, cultivar as formas de diversão e
socialização que remetem ao Peru é uma maneira de lidar com a distância que o
deslocamento impõe e a partir das referências peruanas, cultivarem um sentimento
de pertencimento com outros peruanos no Rio de Janeiro - na construção cotidiana
de uma comunidade imaginada (Anderson, 1989). Sair a noite para escutar e
dançar as mesmas músicas que se costumavam ouvir e dançar no Peru representa
um alívio para aqueles que sentem falta do país de origem. Isto não significa que
os estudantes peruanos não se integrem à sociedade carioca e não desfrutem das
formas cariocas de se divertir. Ir para um bar beber e conversar, sair para dançar
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samba ou forró é também apreciado por muitos. No entanto, eles também querem
ter a possibilidade de se divertir como faziam no Peru.
Alguns peruanos que chegaram no Rio de Janeiro como estudantes
participam ativamente na construção de um espaço público onde peruanos possam
se reunir e cultivar hábitos em comum, reforçar uma procedência em comum que
servem de base para a (re)construção de uma peruanidad10 longe do Peru e ainda,
divulgar o Peru para a sociedade receptora. A participação dos estudantes e exestudantes na construção de uma espaço público se dá através de diferentes
formas: dois grupos de música, dois grupos de dança, organizações de festas
“latinas11”.
9
No Rio de Janeiro, atualmente há três restaurantes peruanos: o mais antigo, aberto em meados de
2005, localizado no Flamengo; o segundo, aberto em 2011, localizado em Copacabana e o mais
recente, aberto no final de 2012, em Botafogo. Este último é uma filial de um restaurante cuja sede
fica em São Paulo.
10
Ver capítulo 5.
11
Assim são chamadas as festas que tocam ritmos como salsa, merengue e cumbia, ou seja, ritmos
latino-americanos, e ritmos estrangeiros cantados em espanhol, como rock pop.
58
2.3.1
Grupos de música
No Rio de Janeiro, há dois grupos de música peruana que têm estudantes na
sua composição: o grupo Negro Mendes e o grupo Kuntur. Iniciado em 2002, o
Negro Mendes é um grupo profissional que se dedica a tocar música do litoral
peruano, principalmente afroperuana e criolla. Composto por uma uruguaia, um
brasileiro e três peruanos- um deles, ex-estudante-, o grupo se formou no Rio de
Janeiro, com a proposta de fazer uma releitura destes ritmos, incluindo no
repertório tanto peças tradicionais do cancioneiro peruano, como canções do
artista afroperuano Nicomedes Santa Cruz e da expoente da música criolla
Chabuca Granda. Uma particularidade do grupo é que, na releitura de que fazem
da música peruana, eles misturam diferentes ritmos numa mesma canção, numa
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criativa fusão entre originalidade e tradição, incluindo composições próprias. Na
sua comunidade na rede social orkut, o Grupo se apresenta:
É ainda desconhecida no Brasil a riqueza musical do litoral peruano; produto de
uma síntese das tradições espanhola, andina e africana, que desde o século XVI
misturaram suas raízes originando ritmos e estilos que hoje em dia estão ganhando
reconhecimento internacional. Quem já assistiu ao espetáculo da banda Negro
Mendes tem vibrado com a cadência contagiante do Festejo e se envolvido na
atmosfera cativante do Landó; gêneros estes que sintetizam a tradição afro-peruana
e que o grupo peruano-brasileiro vem divulgando no Rio de Janeiro desde 2003,
havendo participado de importantes eventos culturais12.
O grupo Negro Mendes se formou a partir do encontro de dois de seus
integrantes peruanos, que, por um acaso, descobriram que tocavam música
afroperuana. Os três peruanos foram os primeiros a se reunir, tendo os três
desenvolvido a habilidade de tocar música ainda no Peru. Quando moravam no
país de origem, nenhum deles nunca tinha tido a experiência de tocar música
peruana profissionalmente. A ideia de se juntar para tocar exclusivamente estilos
musicais do litoral peruano surgiu no contexto migratório, numa descoberta
inesperada de Ricardo Bartra e Edison Mego- que depois de terminar sua
formação universitária no Rio de Janeiro, foi convidado para trabalhar no
consulado peruano:
12
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=6771601&hl=pt-BR
59
O grupo surgiu em 2002, quando eu fui fazer um trâmite no consulado peruano, e
o Edison trabalhava lá. Perguntaram minha profissão e eu disse que era músico. O
Edison contou que tocava cajón13 e perguntou se eu tocava música peruana. Nós
tínhamos um amigo em comum, o Zé Maria, então foi rápido, começamos a nos
juntar para fazer música, naturalmente. Durante um ano foi um trio de peruanos:
eu, Edison e Zé Maria – conta Ricardo Bartra14.
O quarto integrante do Grupo foi o brasileiro que se interessou pelo projeto
desenvolvido pelo Negro Mendes. Quando perguntam a ele qual é sua ligação
com o Peru, ele sempre responde que nasceu e cresceu na Rua República do Peru,
no bairro de Copacabana. Já a integrante uruguaia ingressou no grupo anos mais
tarde. Seu interesse em entrar no Grupo está ligado à admiração que tinha por ele
e pelo fato das músicas afroperuanas ativar sua lembrança do candombe, ritmo
afro-uruguaio.
Quando comecei a frequentar os eventos organizados por peruanos, o
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Grupo Negro Mendes estava realizando shows periódicos às quintas-feiras. Como
em 2011 este era um dia que eu trabalhava, eu não podia ir aos shows. Mesmo
antes de estar presente nos shows, eu busquei informações sobre o Grupo na
internet: adicionei o perfil do Grupo ao meu no facebook e ouvi suas canções pelo
myspace. Durante alguns meses, o Grupo Negro Mendes foi a única trilha sonora
que eu escutava, não só porque eles tocam música peruana, mas, principalmente,
porque eu gostei bastante do estilo, que me lembrava muito a peña15 que conheci
na minha segunda visita ao Peru, em junho de 2011. O Grupo Negro Mendes
representava, então, a oportunidade que eu tinha para me aproximar de uma
cultura peruana muito diferente dos estereótipos brasileiros- que imagina o Peru
como exclusivamente indígena16- e que me remetia à experiência de Peru que eu
vivi quando estive lá.
O Grupo Negro Mendes desempenha o notável papel de aproximar o
público no Brasil da produção cultural do litoral peruano, principalmente das
músicas criolla e afroperuana. E seu público é diversificado, incluindo peruanos,
13
Instrumento de percussão que tem a forma de um retângulo, como uma caixa, feito de madeira.
http://www.anovademocracia.com.br/no-100/4401-negro-mendes-uma-viagem-a-africa-ao-perue-ao-brasil-. Dezembro de 2012.
15
Locais onde se apresentam grupos de música afroperuana e criolla, são servidos pratos de comida
criolla e às vezes também se apresentam concomitantemente grupos de dança. Os espaços das
peñas são muito populares em Lima. Nas Fiestas Patrias de 2012, foi organizada uma festa no
estilo das peñas peruanas.
16
Ver debate sobre a formação social do Peru no capítulo 3.
14
60
brasileiros, latino-americanos- uruguaios, colombianos, argentinos, chilenos,
mexicanos- e estrangeiros de outras nacionalidades, principalmente os que
apreciam uma produção musical mais autoral e menos comercial.
Entre o público peruano que comparece aos shows, prevalece a presença
daqueles que chegaram ao Rio de Janeiro como estudante. Alguns chegaram à
cidade no mesmo período que os integrantes do Grupo e, assim, acompanharam
seu processo de formação até seu momento atual. Outros ainda são estudantes e
apreciam a oportunidade que o Grupo oferece de desfrutar de ritmos peruanos
mesmo vivendo no Rio de Janeiro. Ambos costumam ir aos shows acompanhados
por amigos- peruanos e de outras nacionalidades-, contribuindo para a divulgação
da música do litoral peruano no Brasil. Para mim, frequentar os shows era uma
ótima oportunidade para me divertir e também aprofundar o contato com os
estudantes que vinha conhecendo.
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O grupo Kuntur é formado por músicos amadores, todos eles estudantes de
pós-graduação. A ideia de reunir músicos amadores para compartilhar e tocar
música peruana teve seu início com a abertura de um grupo no facebook, em
2012. Denominado Apasionados pela música, o grupo na internet tinha como
descrição:
Esta é uma tentativa de reunir todos os amantes da música peruana amadores ou
profissionais, a fim de trocar ideias e experiências. O segundo objetivo é aumentar
a nossa capacidade de organização para representar o Peru quando o Rio de
Janeiro e o mundo queiram ver os peruanos em apresentações públicas . Este será
também um espaço para músicos diferentes poder coordenar e se agrupar como
julgarem conveniente17.
Da iniciativa via facebook, o grupo começou a tomar forma, realizando suas
primeiras reuniões, com o objetivo de construir um repertório de canções peruanas
que
pudessem
ser
apresentadas
em
público.
O
grupo
é
composto
predominantemente por estudantes da UFRJ. Os ensaios acontecem semanalmente
na Ilha do Governador, bairro próximo ao campus do Fundão, onde a maioria
estuda. Em outubro de 2012, o grupo fez uma de suas primeiras apresentações
17
"Este es un intento de reunir a todos los aficionados o profesionales de la música peruana con el
objetivo de intercambiar ideas y experiencias. El segundo objetivo es aumentar nuestra capacidad
de organización para poder representar al Peru cuando Rio de Janeiro y el mundo quieran ver a los
peruanos en presentaciones públicas. Este también será un espacio para que diferentes músicos
puedan coordinar y agruparse según lo crean conveniente".
61
públicas, no Dia da Hispanidade18, na Casa de España, tocando ao vivo para o
grupo Sayari de Danzas peruanas dançar. No evento, o grupo tocou uma
valicha19- em espanhol e em quéchua- e uma marinera. Em novembro de 2012,
alguns dos integrantes do grupo fizeram outra apresentação com o grupo Sayari:
um número de Valentina20. Até muito recentemente, o grupo ainda não tinha um
nome definido e costumávamos chamá-los de Los Apasionados, em referência ao
grupo no facebook. Em 2013, eles apresentaram um espetáculo na festa pela
Independência do Peru.
2.3.2
Grupos de dança
O grupo Sayari Danzas Peruanas21 é um grupo amador de danças
folclóricas formado em 2009, reunindo principalmente jovens universitários. O
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grupo surgiu do anseio de uma peruana de preparar uma bonita apresentação para
o Dia da Hispanidade de 2009. Naquele ano, o Peru havia sido convidado para
dançar no evento, mas não havia mais um grupo de dança organizado. Uma
peruana soube disso e, preocupada com o desempenho que o Peru teria frente aos
outros países e com a imagem de seu país que seria transmitida, ela resolveu
encabeçar o movimento de formação de um grupo de dança.
Primeiramente, ela procurou o Consulado, que ajudou enviando um email
para todos os peruanos registrados, informando sobre a iniciativa daquela que se
tornou a diretora do grupo. A entrada de novos membros é constante, porém há
uma exigência coletiva de que os participantes assumam as responsabilidades do
grupo: frequentar os ensaios- toda quinta-feira, às 19h, no ginásio da PUC-RJ,
treinar em casa os novos passos aprendidos, estar presente nas reuniões e nas
apresentações públicas. Apesar da maioria de seus membros ser peruana, o grupo
está aberto a qualquer interessado, sem nenhum tipo de restrição. Na sua
18
Festa organizada pela Casa de Espanha do Rio de Janeiro, no mês de Outubro, que convida
representantes das comunidades hispânicas no Rio de Janeiro para apresentarem danças folclóricas
de seus países e oferecer a venda de comidas típicas.
19
Canção do estilo huayno (ver glossário), que conta uma história de amor de um casal- um
espanhol e uma índia.
20
Tipo de festejo- estilo de música afroperuano- instrumental, muito vibrante, dançado
exclusivamente por mulheres. A dança se desenrola como uma competição entre os músicos e as
dançarinas, que tem que coordernar o movimento do corpo- principalmente quadris e ombros- ao
ritmo da canção.
21
http://sayari-dancasperuanas.blogspot.com.br/
62
formação, o Sayari sempre contou com a participação de estrangeiros- brasileiros
ou não-, geralmente filhos/as de pais peruanos, amigo/a ou namorado/a de
peruano/a22.
O grupo Sayari tem como objetivo apresentar danças folclóricas que
caracterizem a diversidade cultural do Peru. Atualmente, o repertório do grupo
inclui ritmos tradicionais do litoral peruano, como a vals, a marinera, o festejo e o
tondero, e a valicha, canção originária da serra do país. Como danças folclóricas,
as apresentações são realizadas em diferentes eventos, num ritual em que,
enquanto o grupo dança há um público que assiste. Esta dinâmica é diferente de
outras danças em que todos dançam ao mesmo tempo. No público do grupo Sayari
estão incluídos peruanos, brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades, de
acordo com o evento onde se apresenta. Anualmente, o grupo participa das
celebrações das Fiestas Patrias, do Sr. de los Milagros e do Dia da Hispanidade.
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Além desses eventos, o grupo também já se apresentou nos campeonatos de
futebol no Aterro do Flamengo, em mostras da cultura peruana, em escolas e
universidades no Rio de Janeiro.
Uma especificidade do grupo é que por ser composto majoritariamente por
estudantes de pós-graduação, o ritmo de encontros e ensaios varia de acordo com
o ritmo das provas, exames, apresentação de trabalhos e participação em
congressos. O momento mais crítico é quando os estudantes estão prestes a passar
pelo exame de qualificação e pela defesa da tese/dissertação. Este é o momento
em que o estudante se afasta do grupo para poder concretizar as demandas de seu
programa de pós-graduação. Neste ano, dois integrantes do grupo deverão
defender a tese de doutorado e ainda não sabem se continuarão no grupo- e no
Brasil- depois de concluído o curso.
Além do grupo Sayari, no Rio de Janeiro há ainda o grupo de dança Hijos
del Sol. Este é o grupo mais antigo na cidade, porém ele não mantém suas
atividades continuamente. Ele também é composto majoritariamente por peruanos
que chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes. Quando ativo, o grupo ensaia
no Consulado aos sábados a tarde. Antes de formar o Sayari, a peruana que se
tornou diretora dele buscou informações sobre o Hijos del Sol, mas o grupo não
estava ativo naquele período. Em 2011, alguns dos membros do Sayari
22
Atualmente, além de duas brasileiros, o grupo tem uma integrante italiana.
63
começaram a participar também do Hijos de Sol, o que no início provocou um
mal-estar entre as diretoras dos dois grupos. Em 2012, os grupos chegaram a
pensar na possibilidade de se unir pelo objetivo em comum de representar o Peru
no Rio de Janeiro. No entanto, dificuldades de entendimento sobre a questão
fizeram com que eles continuassem separados.
2.3.3
Festas e eventos
A Noches de Sol é uma festa organizada pelo Dj Rayado23, peruano que há
cerca de 8 anos começou a agrupar amigos ao som de ritmos latino-americanos. A
iniciativa surgiu quando um grupo de amigos peruanos decidiu se reunir e pediu
para Rayado se encarregar da trilha sonora. Os amigos gostaram da reunião e
resolveram repetir outras vezes. Diante do sucesso que teve com os amigos,
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Rayado decidiu organizar festas abertas ao público. Quando eu comecei a
frequentar a Noches de Sol- a primeira vez que eu fui foi em Agosto de 2011-, a
festa acontecia quinzenalmente num local no final da rua do Ouvidor, no centro
do Rio. Do início a meados de 2012, a festa passou a ocorrer num bar na Lapa- na
rua Mem de Sá. Desde de meados de 2012, a festa já não tem um local fixo, mas
tenta manter certa periodicidade e sua realização agora acontece em diferentes
espaços do Centro e da Zona Sul carioca. Também no ano de 2012, a festa passou
a contar com a organização do DVj Ratón, que é boliviano. No perfil do evento no
facebook, a Noches de Sol é definida como:
Evento inspirado em nosso maravilhoso e harmonioso passado latino, com o intuito de
transcender o espaço e o tempo. (...) Queremos que a nossa música seja uma sensação
universal que conecte todos os seres, transpondo todas as barreiras. Valorizamos nossa
cultura e nosso passado, que nos ensina o quão grandioso somos. Noches de Sol é
referência em música latina no Rio de Janeiro, e é realizada semanalmente pelo DJ Rayado
(Peru) e pelo DVJ Ratón (Bolívia). Nossa festa do Sol é cheia de calor, amor, alegria e
muito reggaetón misturado com o reggae jamaicano, cúmbia, latin pop, merengue, salsa,
bachata e os vários ritmos latinos atuais numa conexão de som e imagem da cultura latino24
americana .
Na lista de participantes da Noches de Sol estão peruanos, colombianos,
venezuelanos, chilenos, argentinos, brasileiros e estrangeiros de outras
23
24
Vive há 13 anos no Brasil, onde fez a graduação.
https://www.facebook.com/nochesdesol/info
64
nacionalidades. Como uma festa pública e comercial, sua divulgação é ampla e o
objetivo é que cada mais pessoas estejam presentes. Na sua realização, são
tocados diversos estilos latino-americanos populares, como reggaeton, salsa,
merengue, rock latino e bachata interpretados por cantores e bandas famosos de
toda América Latina, como Shakira, Juan Luis Guerra, Marc Anthony e Luis
Enrique. Enquanto soam as músicas, os participantes conversam com seus
amigos, bebem drinks e, principalmente, dançam.
A proposta do Dj Rayado é consolidar um espaço de festa que se diferencie
das opções de lazer oferecidas pelos DJs brasileiros, fazendo da sua origem
peruana e dos ritmos latinos uma marca para se destacar no mercado do
entretenimento no Rio de Janeiro. Antes da Noches de Sol se tornar mais
frequente, os peruanos costumavam se encontrar para dançar salsa na Lapa, onde
funcionava o Punto Latino, local onde tocava Cigano, um DJ mexicano muito
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popular entre os hispano-americanos. Este era o local onde os peruanos de
diferentes classes sociais se reuniam para dançar salsa. Quando eu frequentava a
Lapa, entre os anos de 2006 e 2007, sempre tive curiosidade de ir ao Punto
Latino, mas meus amigos, todos brasileiros, nunca quiseram me acompanhar e eu
nunca me animei para ir sozinha. Em 2011, quando comecei o trabalho de campo,
decidi ir ao Punto Latino, mesmo que sozinha. Para minha surpresa, o local já não
existia mais.
Quando comecei a frequentar a Noches de Sol, as festas costumavam a
reunir majoritariamente amigos do DJ. Quando a festa se mudou para a Lapa, ela
passou a ter uma visibilidade maior, atraindo um público muito mais
diversificado: muitos brasileiros que não têm nenhuma conexão com o universo
latino no Rio de Janeiro, turistas estrangeiros que frequentam a Lapa, alunos de
escolas de dança de salão, etc. A festa continua atraindo um público eclético, mas
ainda conta com a presença dos amigos do Dj Rayado. Por exemplo, um hábito
comum entre os integrantes do Sayari é comemorar datas importantes, como
aniversário, na Noches de Sol. Há um ano, além da Noches de Sol, há outra festa
latina organizada por estudantes- de origem colombiana: a Rumba Tipo-Colombia.
65
2.3.4
Consejo de Consulta
O Consejo de Consulta foi criado em 2002 pelo Ministério das Relações
Exteriores do Peru para funcionar como uma instância associativa e participativa
dos peruanos no exterior, que permita estabelecer um diálogo entre a comunidade
peruana e os escritórios consulares. Os representantes da comunidade que
integram o Consejo de Consulta assumem a tarefa de transmitir aos representantes
consulares as demandas da comunidade peruana, exercendo uma ponte entre o
consulado e os peruanos no exterior.
O Consejo de Consulta e seus representantes não estão ligados ao Estado
peruano ou ao consulado, mas sim à sociedade civil peruana no exterior, que
através dele encontraria um espaço de participação na política consular que diz
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respeito à sua vida no exterior. Todos os membros do consejo de consulta chegam
ao posto através de eleições abertas que acontece anualmente em cada seção
consular. Podem votar e se candidatar todos os peruanos registrados no consulado.
No Brasil, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, os consejos de
consulta já tiveram gestões cujos membros são ou foram estudantes universitários.
No caso do Rio de Janeiro, mais especificamente, todas as gestões desde que
entrou em funcionamento, o Consejo de Consulta conta com a participação de
estudantes, tanto como conselheiros quanto como apoiadores dos conselheiros em
exercício. Na sua atual gestão, dos 3 conselheiros eleitos para ocupar o Consejo
de Consulta, 2 são estudantes.
2.3.5
Revista Virtual Nativos
Tendo como idealizador o ex-estudante peruano Arnold Zárate, a revista
começou a ser publicada em 2010, com o objetivo de criar um espaço de
comunicação para comunidade peruana e latino-americana no Rio de Janeiro. As
edições da revista são lançadas trimestralmente, abordando diferentes temas,
principalmente aqueles relacionados com a produção cultural de peruanos e
latino-americanos no Brasil e no mundo. A revista está aberta para receber artigos
de interessados em temas latino-americanos, sobretudo aqueles pouco explorados
66
pela mídia brasileira. Em todas as edições da revista são publicados artigos de um
convidado, geralmente um amigo do diretor da Revista; uma agenda cultural e
anúncios de empresas parceiras, como cursos de espanhol e agências de viagens.
A revista tem ainda um público limitado, composto, sobretudo por
pessoas- de origem peruana ou não- que conhecem pessoalmente o editor da
revista. Ela ainda encontra dificuldades para alcançar um público que escape da
rede de relações direta do editor e os artigos por ela publicados também não
conseguem representar a comunidade peruana no Rio de Janeiro de uma forma
mais ampla. Quando eu o conheci o editor da revista, em julho de 2011, ele me
pediu para pensar num tema e escrever um artigo para a próxima edição, que
sairia em setembro. No mesmo período que nos conhecemos, estava acontecendo
a Copa Peru-Rio 2011, no Aterro do Flamengo. Por isso, eu propus a ele escrever
um artigo sobre o campeonato e foi sobre ele que escrevi (ver anexo 4).
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Estes exemplos nos mostram que os estudantes e ex-estudantes peruanos
que vivem no Rio de Janeiro ocupam posições estratégicas dentro da comunidade
peruana. Longe de se preocuparem apenas com sua formação, eles participam do
processo de construção de redes entre peruanos- estudantes e não-estudantes-,
brasileiros e outros estrangeiros no Rio de Janeiro e também entre peruanos no
Peru. Eles aproximam o Brasil e o Peru, ao tornar sua experiência de sair de um
país para outro conhecida a peruanos no Peru e brasileiros no Brasil e ao construir
redes entre os dois países. Eles também participam ativamente no processo de
construção de uma imagem do Peru no Brasil, nem sempre em total acordo entre
si e outros peruanos.
67
2.4 Trajetórias e trânsitos: o perfil dos estudantes peruanos
2.4.1 Os estudantes de pós-graduação
Os estudantes de pós-graduação no Rio de Janeiro ingressaram em cursos
de mestrado e realizaram a graduação no Peru. Entre as universidades de onde
vêm, há predomínio das universidades públicas, que, no Peru, são denominadas
como “universidad nacional”: de todos os mestrandos que entrevistei, apenas dois
estudaram em universidades privadas. Todos os outros realizaram seus cursos em
universidades públicas, como a Universidad Nacional de Ingeniería (UNI),
Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM) e Universidad Nacional
de Callao, em Lima; a Universidad Nacional de Trujillo, em Trujillo; a
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Universidad Nacional de San Agustín, en Arequipa e a Universidad Nacional San
Antonio Abad de Cusco, em Cusco.
Uma característica interessante das universidades públicas peruanas, que
discutiremos mais detalhadamente no capítulo 3, é o fato delas atraírem estudantes
das classes médias e baixas. Apesar das dificuldades econômicas e políticas que
as universidades nacionais têm enfrentado, sobretudo após a emergência do
movimento terrorista e a crise econômica da década de 80, elas ainda são
reconhecidas pela qualidade de ensino e mantêm certo prestígio dentro e fora do
Peru. No Rio de Janeiro, os estudantes oriundos das universidades nacionais
apresentam um perfil diversificado, incluído aqueles pertencentes às classes
médias, como, por exemplo, filhos de professores universitários e de profissionais
liberais, como também da classe trabalhadora peruana cujos pais valorizam a
educação como meio de ascensão social.
Quanto à área de conhecimento em que fazem o mestrado, há um
predomínio de estudantes em campos relacionados às ciências naturais, exatas e
tecnológicas. Entre elas estão as Engenharias- mecânica, elétrica, civil, de
produção e ambiental; Física, Matemática, Ciências Biológicas e Informática. Ao
longo do trabalho de campo, eu não conheci nenhum estudante de pós-graduação
inserido em outras áreas além das mencionadas acima. No entanto, uma
mestranda da UFRJ comentou que tem uma amiga peruana que terminou o
68
mestrado em Antropologia Social, também na UFRJ e outra mencionou ter uma
amiga cursando o mestrado em Economia da PUC-RJ.
A PUC-RJ e a UFRJ são duas universidades que se destacam na recepção
de peruanos estudantes de pós-graduação. No caso da PUC-RJ, apesar da
universidade ser composta por cursos em diferentes áreas de conhecimento, são as
diferentes especialidades da Engenharia que mais recebem peruanos, mas também
há peruanos na Informática. Na UFRJ, no entanto, há maior diversidade com
relação às especialidades que seguem os estudantes peruanos, incluindo áreas da
Engenharia, Ciências Biológicas, Matemática e ainda, o caso que uma peruana
comentou, de sua amiga que terminou o mestrado em Antropologia Social. Entre
os sujeitos entrevistados, há também quem estude no Centro Brasileiro de
Pesquisas Físicas (CBPF) e ainda, um peruano que fez mestrado em
Administração na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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A escolha do curso pelos alunos de pós-graduação é realizada de acordo
com sua formação na graduação e/ ou sua experiência de trabalho. Os que não
tinham uma experiência de trabalho prévia ao mestrado seguiram o mesmo campo
de estudo no qual se formaram, como Sofia, Ricardo e Walter. Entre aqueles que
estavam inseridos no mercado de trabalho peruano antes de entrar no mestrado no
Brasil há casos de mudança de área de formação ou pesquisa. Neste caso estão
Guadalupe e Augusto, que se formaram em Geologia no Peru, mas no Rio de
Janeiro fazem mestrado em Engenharia Civil. Guadalupe fez tal escolha porque
no Peru ela trabalhava na área de mineração e era impedida de fazer algumas
tarefas por não ser engenharia. A decisão de fazer mestrado em Engenharia Civil é
uma tentativa de ampliar seu raio atuação no campo de trabalho.
Todos os formados em Engenharia e em Geologia estavam inseridos no
mercado de trabalho peruano antes de vir para o Brasil. A grande maioria deles
veio para o Brasil com idade entre 25 e 32 anos25, com experiência de trabalho de
2 anos ou mais. A decisão de deixar o emprego para fazer o mestrado foi
analisada tendo como referência as expectativas de retorno que um diploma de
pós-graduação no exterior poderia trazer para eles no mercado de trabalhoperuano ou de outro lugar do mundo. Para muitos egressos dos cursos de
25
Eu entrevistei uma peruana que veio realizar o mestrado no Rio de Janeiro aos 40 anos de
idade. Solange reconhece que ela é uma exceção entre os estudantes. Ela observa que os
orientadores brasileiros preferem receber alunos peruanos mais jovens, que eles imaginam que têm
menos laços com o Peru e, por isso, mais chances de concluir o curso sem nenhuma interrupção.
69
Engenharia de universidades peruanas, desenvolver uma pesquisa de mestrado é a
chance que encontram para fazer o trabalho de conclusão de curso para obter o
título de engenheiro26. Os estudantes de pós-graduação que nunca trabalharam
antes de vir para o Brasil optaram pelo mestrado por um dos três fatores- ou por
combinação entre eles: o desejo de desenvolver um projeto de pesquisa; o anseio
de conhecer outros países e a incerteza sobre o que fazer quando terminaram a
graduação.
2.4.2
Estudantes de graduação
Entre os peruanos que vêm para o Rio de Janeiro cursar a graduação,
alguns nunca tinham tido uma experiência prévia de universidade ou trabalho. Ao
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sair do ensino secundário, eles buscaram meios para cursar a graduação no
exterior. Aqueles que tiveram uma experiência prévia de universidade, estudaram
em universidades privadas. Na graduação, encontramos peruanos que ingressaram
nos cursos de Administração, Arquitetura, Artes Cênicas, Agronomia,
Comunicação Social, Direito, Economia, Informática, Engenharia e Música nas
seguintes universidades: UFF, UFRJ, UFRRJ, UERJ, Universidade Gama Filho e
UniRio. A maioria ingressou na universidade com idade entre 16 e 19 anos e não
tinha uma ideia muito clara sobre qual curso fazer. A escolha do curso foi feita
tendo como referência principal os pais, seja através da profissão que eles
exercem, por sua sugestão ou por suas expectativas.
Enrique, por exemplo, reconhece a influência de seu pai na escolha do curso
de graduação em Informática. Ele lembra que, quando criança, seu pai trabalhou
em pesquisas com computadores quando ainda eram uma novidade, Ele era físicomatemático e trabalhava como professor universitário. Daniel teve a profissão da
mãe e dos irmãos como referência do que não fazer. Ele queria seguir uma
carreira que não reproduzisse o caminho já percorrido pela família- a mãe é
contadora, o irmão, economista e a irmã pedagoga. Daniel entrou primeiro no
26
O aluno egresso do curso de Engenharia das universidades peruanas recebem o tĩtulo de
bacharel em Engenharia. Como bacharel, ele pode trabalhar na área, mas para ter o título de
engenheiro ele deve apresentar um trabalho de pesquisa, ao estilo de uma monografia de conclusão
de curso. Muitos bacharéis em engenharia, logo que terminam a universidade, começam a
trabalhar e não fazem o trabalho final para ter o título de engenheiro- tanto por falta de tempo,
como por falta de recursos para fazer pesquisa no Peru.
70
curso de Ciências Contábeis e, depois trocou para Informática. Sua terceira e
definitiva opção foi Administração. Luis Fernando se formou em Arquitetura,
curso tradicional no Peru que os pais tinham sugerido, mas hoje trabalha como
ator27.
Diferentemente de Enrique, Daniel e Luis Fernando, Virgilio, Cristiana e
Alejandro escolheram o curso de graduação a partir da experiência de trabalho.
Os três já trabalhavam com Teatro, no caso de Cristiana e Virgilio, e com Música,
no caso de Alejandro, mas queriam também ter uma formação técnica e teórica no
campo das artes, o que não existia no Peru naquele momento. Os três chegaram no
Brasil com mais de 20 anos de idade, mais velhos que a média de idade entre os
alunos de graduação. Antes de vir para o Brasil, Cristiana e Alejandro tentaram
estudar Direito e Virgilio Ciência da Comunicação, mas perceberam que não eram
essas as carreiras que desejavam seguir. A experiência laboral e universitária que
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tiveram no Peru deu a eles a certeza de qual curso queriam realmente fazer:
Eu tinha 23 anos. Eu era o mais velho , né, da turma. Todo mundo garoto, 17 anos..
E eu.. Mas, eu comecei a tocar aos 17 anos, lá no Peru. (...) Tinha curso como
Harmonia Funcional que tive lá (na UFRJ), que para mim era como entender a
Teoria do que você já fez. Eu lembro que era muito mais fácil (para mim) e para
outros não. Outros tinham muita habilidade na hora de tocar, mas pouco
entendimento na hora de ver, de analisar a coisa. Eu acho que isso era uma
vantagem de quem faz uma faculdade depois de já ter prática. Alejandro.
... O teatro entrou meio assim forte quando eu tinha eu acho que 15 anos…, quando
fiz um curso de teatro. Então, mas aí acabei por uma questão de panorama entrando
na ciência da comunicação, mas não era algo muito forte. O teatro já tava aí… Fiz
um ano da faculdade.. Na metade desse ano comecei a fazer teatro, entrei num
grupo, começamos a montar peças… Peça vai, peça vem.. “Ah não, gente.. É isso
que eu quero fazer!” Deixei a faculdade e comecei a fazer teatro, (...) comecei a me
empolgar por esse mundo, conheci uns artistas muito legais lá.. Mas ao mesmo
tempo também havia um quê que.. cheguei um ponto que estava estagnado…
Virgilio.
Enquanto entre os estudantes de graduação há uma diversidade maior de
áreas de conhecimento em que se inserem se comparado com os alunos de pósgraduação, eles apresentam um perfil socioeconômico mais similar, como
oriundos das classes médias limenhas ou provincianas e a família trabalhando em
profissões qualificadas: o pai de Luiz Fernando, por exemplo, é psicólogo e a mãe
assistente social; os pais de Gladys são professores e os irmãos advogado e
27
Ver detalhes no capítulo 5.
71
administrador; o pai de Lorenzo é contador e a mãe professora universitária; o pai
de Rubén é advogado e a mãe professora; já o pai de Daniel era economista e a
mãe, contadora. Dos estudantes de graduação entrevistados, apenas Virgilio não
se insere nesse perfil: ele morava num bairro da periferia de Lima, sua mãe
trabalhava como comerciante e o pai administrava um restaurante.
Se considerarmos a profissão dos pais como um dos fatores que influenciam
o habitus e a posição de classe (Bourdieu, 2007) dos estudantes, os pósgraduandos apresentam um perfil mais diversificado que os alunos de graduação.
Entre os primeiros, encontramos peruanos cujos pais trabalham em atividades que
exigem qualificação de nível superior: professores universitários, como o pai de
Sofia e Enrique; farmacêuticos, como o pai e a mãe de Tomás e Leyla; militar e
assistente social, como o pai e a mãe de Augusto; outros têm pais que trabalhavam
em atividades que não exigem escolaridade, como os pais de Guadalupe e
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Solange: seus respectivos pais trabalhavam como operários e as mães como donas
de casa; o pai de Eduardo é agricultor e a mãe dona de casa. No caso de Néstor,
seu pai trabalha numa profissão qualificada, enquanto sua mãe não: ele é
engenheiro florestal e, portanto, concluiu o ensino superior e sua mãe é
comerciante, tendo concluído apenas o ensino primário.
2.4.3 Formas de acesso às universidades brasileiras
O peruano que deseja ingressar numa universidade brasileira encontra hoje
duas alternativas: ele pode se candidatar a uma vaga no Programa Estudante
Convênio nos níveis de graduação (PEC-G) ou pós-graduação (PEC-PG) ou ele
pode se candidatar ao processo amplo de admissão que cada universidade realiza
para selecionar seus novos alunos. Destinado a jovens de 18 a 25 anos de países
em desenvolvimento que mantenham acordos com o Brasil, o PEC-G foi criado
em 1965. O programa é administrado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo
Ministério das Relações Exteriores (MRE) e tem como objetivo aprofundar os
laços entre o Brasil e os países em desenvolvimento. Apesar de não mencionarem
o nome do programa que permitiram sua vinda para o Brasil, todos os estudantes
de graduação que entrevistei conseguiram a vaga na universidade brasileira
através do PEC-G, com exceção de um caso.
72
Para se candidatar a uma vaga do PEC-G, o interessado deve ir à Embaixada
do Brasil no Peru e apresentar os documentos exigidos. Depois de analisada a
documentação, se o aluno for aprovado, ele indica o curso no qual gostaria
ingressar e a Embaixada distribuiu os aprovados por diferentes universidades em
todo território brasileiro de acordo com a disponibilidade de vagas. Quando
Antonio participou do programa, em 1968, os alunos só sabiam para qual
universidade seriam enviados depois de chegar no Brasil. Ele foi enviado para a
Universidade Federal de Pelotas, apesar de já ter saído do Peru com o desejo de ir
para a UFRRJ. Depois de alguns meses em Pelotas, ele solicitou sua transferência
para a UFRRJ e conseguiu.
Todos os peruanos que vieram através do PEC-G e que participaram da
pesquisa chegaram ao Brasil até início da década de 2000, com idade entre 16
anos e 23 anos. Luis Fernando foi o que chegou mais novo no Brasil, com 16
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anos e Alejandro mais velho, com 23. Todos os estudantes de graduação ficaram
sabendo da existência do PEC-G através de seus contatos pessoais- amigos e
parentes que participaram do programa- ou através da visita que realizaram a
embaixadas estrangeiras em busca de bolsa. No primeiro caso está Daniel, que
tem dois irmãos que estudaram no Brasil através do PEC-G antes dele ou Rubén,
que tem um tio que muitos anos antes dele vir para o Brasil participou do PEC-G
e depois de formado continuou no país.
Já Enrique e Gladys, quando terminaram o ensino secundário, queriam
muito ter uma experiência fora do Peru, por isso começaram a buscar por conta
própria bolsas de estudos no exterior. E assim, na visita que fizeram à Embaixada
do Brasil, foram informados sobre o PEC-G. Ao contrário dos outros alunos PECG que escolheram o Brasil por não ter conseguido bolsa para outros países,
Alejandro e Virgilio, queriam vir para o Brasil. Depois que decidiram que
queriam estudar aqui, os dois investiram energia no aprendizado de português no
Centro de Estudos Brasileiros (CEB) onde, então, ficaram sabendo sobre as
oportunidades de bolsa para o Brasil.
Entre os requisitos que o PEC-G exige está a garantia de que a família do
aluno será capaz de arcar com suas despensas durante toda graduação. Como
portador de visto de estudante, os aceitos nas universidades brasileiras não podem
exercer nenhuma atividade remunerada oficialmente. Quando Luiz Fernando se
inscreveu no PEC-G, ele se recorda que os pais deles tiveram que comprovar que
73
poderiam enviar para ele mensalmente certa quantia entre $200 e $400 dólares. Na
época em que veio- 1996-, essa quantia era suficiente para arcar com os custos
que tinha no Rio de Janeiro.
Mesmo com a exigência do programa de que a família se responsabilizasse
pelo sustento do estudante, alguns vinham através do PEC-G mas não contavam
com o respaldo da família para se manter, o que exigia deles encontrar meios para
se sustentar sozinhos. Um desses casos eu escutei numa roda de conversa com
peruanos. Um deles comentou que tem um amigo que veio estudar na UFF, mas
não recebia nenhum apoio financeiro dos pais. Para se sustentar, o estudante
trabalhava vendendo bijuterias nas praias do Rio de Janeiro. Cristiana também não
contou com o apoio de sua família nos seus primeiros meses no Brasil. Para se
sustentar, ela costumava dar aulas de espanhol.
Os alunos do PEC-G que chegaram até final dos anos 90 não tiveram como
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parte do processo seletivo a avaliação rigorosa de conhecimentos de língua
portuguesa. Esta é uma das razões pelas quais muitos escolheram vir para o
Brasil. Para concorrer a bolsas de outros países, por exemplo, os EUA, eles teriam
que comprovar a proficiência em inglês. A grande maioria dos alunos PEC-G
chegou ao Brasil sem conhecimento prévio do português. A partir dos anos 2000,
passou a ser exigido dos candidatos aos PEC-G/PG conhecimentos prévios de
português. Atualmente, todos os candidatos aos programas devem realizar o
exame de proficiência em português, o Celpe-bras.
Para os alunos de pós-graduação, o governo brasileiro elaborou o
Programa Estudante Convênio- Pós-graduação (PEC-PG), que foi criado nos anos
80, oferecendo bolsas de mestrado e doutorado para alunos dos 54 países em
desenvolvimento que mantém acordos culturais ou educacionais com o Brasil. Na
primeira década de 2000, foram oferecidas um total de 1600 vagas em cursos de
pós-graduação brasileiros para alunos do PEC-PG. Até 2012, mais de 60000
alunos tinham participado do PEC-G. Da América Latina, os países na lista dos
que mais tiveram alunos participantes do programa foram Paraguai, com 564
alunos; Equador, com 135 e Peru com 131. Já no PEC-PG, os latino- americanos
continuam como os mais beneficiados: 75% dos participantes do convênio no
período de 2001 a 2011 eram latino-americanos. Dentre eles, os países que mais
enviaram alunos para as universidades brasileiras foram Colômbia (382 alunos),
Peru (214) e Argentina (115) (MRE- Brasil, 2011).
74
Para solicitar uma bolsa do PEC-PG, o aspirante deve primeiro já ter sido
pré-selecionado num programa de pós-graduação no Brasil, que escreverá uma
carta informando à Embaixada do Brasil no Peru que, caso o interessado passe na
seleção, ele terá sua vaga garantida. Assim, para participar do PEC-PG o futuro
aluno já deve ter entrado em contato com o programa de pós-graduação para onde
quer ir. Isto exige um planejamento anterior à sua inscrição no processo seletivo
do programa. Se selecionado, o estudante ingressa na universidade e recebe uma
bolsa, de mestrado (R$1.500,00) ou de doutorado (R$2.200,00), paga pelas
agências brasileiras de fomento CAPES e CNPq.
Além do PEC-G e PEC-PG, os estudantes peruanos podem ingressar nas
universidades brasileiras por conta própria, participando do processo seletivo que
cada universidade oferece à comunidade. Entre os alunos de graduação que
participaram da pesquisa, Renato é o único que ingressou na universidade via
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vestibular. Ele, que veio para o Brasil em 2006, recorreu ao vestibular depois de
ter o pedido da bolsa PEC-G negado. Após cursar um ano de curso pré-vestibular,
ele fez a prova de admissão e foi aprovado nos cursos de Ciências Sociais da
UFRJ e Direito da UERJ. Ele optou pelo curso de Direito.
Entre os alunos de pós-graduação são mais recorrentes os casos de
ingresso em programas de mestrado e doutorado por conta própria, principalmente
em programas onde há uma presença consolidada de peruanos, como no CBPF e a
PUC-RJ. O primeiro contato entre o candidato e o programa de pós-graduação
brasileiro geralmente é estabelecido através de algum amigo, colega de trabalho
ou professor que o candidato tenha conhecido no Peru e que deu a ele as primeiras
informações.
A partir da primeira informação, o candidato começa a buscar mais detalhes
que possam viabilizar seu ingresso num programa de pós-graduação no Brasil. O
processo seletivo varia de acordo com cada programa. Em muitos deles, a internet
é o principal meio para realizar a seleção de novos alunos estrangeiros, o que
permite que qualquer estudante em qualquer mundo se candidate a uma vaga neste
programa. Nas Engenharias da PUC-RJ, por exemplo, o processo seletivo é todo
feito virtualmente, com o envio de documentos comprobatórios da graduação e o
projeto de pesquisa por email. A resposta se o candidato está ou não aprovado é
também enviada como mensagem eletrônica.
75
Já o CBPF aplica uma prova própria, que os alunos peruanos podem realizar
em algumas universidades no Peru. Esta é a primeira etapa da seleção. Se
aprovado, o aluno passa por uma entrevista via skype. O uso dos recursos da
internet para realizar os processos de seleção de novos alunos é uma realidade em
programas que desejam atrair estrangeiros. A chance que os candidatos à PUC-RJ
e ao CBPF têm de realizar todo o processo seletivo no lugar onde moram é um
incentivo extra para que pleiteiem uma vaga numa pós-graduação no Rio de
Janeiro, dinâmica muito diferente daqueles que, como Guillermo, cursaram a pósgraduação no Brasil no início dos anos 90. Naquela época, o acesso à internet no
Peru ainda não estava tão difundido e as informações sobre bolsas estavam
concentradas em Lima. A expansão do acesso à internet e seu uso como
instrumento oficial de seleção de novos alunos amplia as oportunidades de entrada
de peruanos a determinados programas de pós-graduação.
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Além de realizar a seleção de peruanos sem que eles tenham que vir ao
Brasil, programas como o CBPF e as Engenharias da PUC-RJ não exigem dos
candidatos estrangeiros prova de proficiência de português. Alguns alunos,
quando chegam ao Brasil, se matriculam em cursos de português para aprender o
idioma. Outros aprendem a língua na convivência com os brasileiros. Há ainda
aqueles que não têm uma preocupação em aprender português além do necessário
para situações pontuais da vida cotidiana no Brasil, como fazer compras, pedir
informação sobre caminhos, pegar ônibus, etc.
Assim, entre todas as formas de acesso que os peruanos têm às
universidades no Rio de Janeiro- como estudante de graduação pelo PEC-G,
estudante de graduação por conta própria, estudante de pós-graduação pelo PECPG e estudante de pós-graduação por conta própria-, os estudantes de pósgraduação que entram nas universidades brasileiras por conta própria são os que
encontram mais facilidades para participar do processo seletivo. Ao contrário dos
participantes do PEC-G e PEC-PG, eles não precisam ir à Embaixada brasileira
para se inscrever, comprovar proficiência em português, nem ainda esperar a
resposta da Embaixada, que pode demorar muitos meses. Eles também não
precisam vir ao Brasil realizar a prova de seleção, como acontece com os
estudantes de graduação que ingressam nas universidades brasileiras por conta
própria. Isto significa que os peruanos que ingressam por conta própria em
programas de pós-graduação que já tem uma presença consolidada de estrangeiro
76
não precisa investir tantos recursos- dinheiro, tempo, energia- para se candidatar a
uma vaga no Brasil como os outros estudantes.
2.5 Tecendo redes
No deslocamento do Peru para o Rio de Janeiro, os jovens peruanos são
protagonistas desta mobilidade, mas não estão sozinhos em cena. Junto com eles
também atuam seus familiares, namorada/o, amigos, colegas de universidade,
empregadores e professores na construção de projetos que começam a ser gestado
muito antes de chegarem no Brasil, que são constantemente reavaliados de acordo
com as circunstâncias vividas no Brasil e no Peru. Esta perspectiva nos ajuda a
reconhecer o lugar dos indivíduos nos processos de mobilidade através dos laços
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que eles constroem entre localidades muitas vezes desconhecidas entre seus
conterrâneos.
2.5.1 O primeiro “empurrão”
Eduardo não tinha o interesse de sair do Peru. No final da sua graduação
na UNI, ele recebeu um convite para fazer o mestrado na China, porém recusou.
Ele queria adquirir experiência de trabalho, pois já estava cansado de estudar, e
também não queria ir para tão longe. Depois de 2 anos trabalhando, Eduardo
decidiu fazer mestrado no Brasil. Três amigos seus da UNI ingressaram na PUCRJ e estimularam Eduardo a vir também. Dessa vez, o jovem gostou da ideia. Ele
já tinha adquirido certa experiência de trabalho- já tinha descansado um pouco do
ritmo das aulas e dos estudos. Além disso, ao contrário da China, o Brasil não era
tão longe e ele já tinha amigos esperando por ele aqui. “Vai ser igual a UNI!”,
concluiu. Animado com o apoio dos amigos, em 2007 Eduardo entrou no
mestrado da PUC-RJ. Para ele, o estímulo que os amigos deram foi um dos
principais motivos para aceitar a ideia de sair do Peru. Os amigos de Eduardo
deram o primeiro “empurrão” para que ele vir.
No caso de Douglas, o primeiro “empurrão” foi dado por um ex-professor.
Depois que se formou na UNI, ele enfrentou dificuldades para encontrar um
emprego. Naquele período- final dos anos 90- as oportunidades de emprego eram
77
escassas e mal remuneradas. Ele passou um período desempregado- fazendo um
bico na lan house que a família possuía-, até que foi contrato por uma empresa de
distribuição elétrica, primeiramente como estagiário, e depois como funcionário
efetivo. O emprego, entretanto, não lhe dava perspectiva de ascender na carreira.
Um ex-professor com quem Douglas organizou um seminário internacional na
época da graduação entrou em contato para sugerir que ele tentasse uma bolsa de
mestrado no exterior. O professor explicou que ele poderia ir para os EUA se
falasse inglês. Caso contrário, havia a opção de vir para o Brasil. Em princípio,
Douglas duvidou se conseguiria passar no processo de seleção, mas mesmo assim
tentou. Aprovado, em 2003 veio fazer seu mestrado em Engenharia Mecânica na
PUC-RJ.
Ambos, Douglas e Eduardo são exemplos de jovens que tomaram a decisão
de vir para o Brasil como estudantes a partir do contato que mantinham com
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amigos e professores da UNI mesmo depois de formados. Para os jovens, fazer
mestrado era uma possibilidade de conhecer outras áreas de atuação da
Engenharia, principalmente no campo da pesquisa acadêmica, e vislumbrar outros
horizontes, diferentes daqueles que se descortinavam no Peru. Seus amigos e
professores compõem, assim, a rede que tornou a mobilidade estudantil possível.
Não é a apenas o fato de serem ex-alunos da UNI que estudaram na PUC-RJ
que aproxima as trajetórias de Douglas, Eduardo e de muitos outros jovens
peruanos no Rio de Janeiro. Os dois também têm em comum o fato de terem
nascido em pequenas cidades no norte do Peru, terem migrado para Lima e
pertencerem a famílias da classe trabalhadora. Para os dois e suas famílias, a
universidade foi o caminho que encontraram para ascender socialmente. Nela, eles
tiveram acesso a um capital social que permitiu que adquirissem qualificação
profissional, e ainda construir uma rede- de amigos e ex-professores- que deu a
eles um incentivo para ir estudar fora do país. Assim como Eduardo e Douglas,
Jeremia também estudou na UNI, é oriundo de uma família da classe trabalhadora
e por influências de amigos de graduação, decidiu fazer mestrado na PUC-RJ.
Além da rede de mobilidade estudantil consolidada entre os alunos peruanos
da PUC-RJ e alunos egressos a UNI, outras redes de relações são acionadas e
possibilitam a vinda de egressos de outras universidades peruanas para a PUC-RJ.
Solange, por exemplo. também é de origem popular, mas não se formou na UNI.
Sua ideia de vir para o Brasil surgiu quando um ex-colega de trabalho veio estudar
78
na PUC-RJ. Ele enviou um email comentando que ela poderia concorrer a uma
bolsa para estudar com ele na mesma universidade. Solange, que sempre quis
viver uma experiência internacional, mas por condições econômicas nunca pôde
realizar seu desejo, aceitou a sugestão. Este mesmo colega que convidou Solange
também convidou Agustín e Néstor.
Solange se surpreendeu quando encontrou tantos peruanos egressos da UNI
na PUC-RJ. Ela, que se formou na UNMSM, reparou que são poucos os que
também se formaram nesta universidade. Mas, ela não é a única estudante peruana
na PUC-RJ que não veio da UNI: Néstor é formado pela Universidad Nacional del
Centro del Peru, em Huancayo; Walter, pela Universidad Nacional San Agustín,
en Arequipa, assim como Osvaldo e Gabriela; Victor estudou na Universidad
Nacional de Trujillo.
Para Osvaldo, a ideia de estudar na PUC-RJ surgiu quando soube que o
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cunhado de uma amiga tinha estudado aqui. A amiga solicitou informações para o
cunhado que repassou para Osvaldo. Gabriela, por outro lado, sempre quis sair do
país, por isso, antes de terminar a graduação, ela e uma amiga começaram a
pesquisar os países que ofereciam bolsa. E assim descobriram o Brasil. Além da
PUC-RJ, Gabriela também foi aprovada no mestrado da UFMG, onde morava um
amigo peruano, mas como a universidade não concedeu bolsa, ela preferiu ficar na
PUC-RJ.
Além das redes construídas no Peru que levaram muitos peruanos para os
programas de pós-graduação da PUC-RJ, algumas motivaram outros a
ingressarem em universidades diferentes. Alejandro conta que quando era
estudante da UFRJ conheceu muitos peruanos na Matemática. Eles relataram que
havia um professor da instituição que costumava ir ao Peru dar palestras e
aproveitava para convidar os melhores alunos peruanos para estudar na UFRJ.
Alejandro explica que esse professor atuava como uma “caça talento”, trazendo
para o Brasil apenas os melhores alunos. A ideia do professor era preencher as
vagas de pós-graduação com estudantes peruanos que estivessem dispostos a fazer
carreira no Brasil. Um jovem, recém-formado, solteiro- que não tivesse grandes
laços no Peru e estivesse disposto a construir uma vida no Brasil- era, portanto, o
perfil que o professor brasileiro buscava.
Virgilio e Alejandro estudaram português no Centro de Estudos Brasileiros
(CEB) e foi lá que receberam informações sobre as bolsas do PEC-G. Antes de se
79
candidatar ao programa, Virgilio veio a São Paulo com o objetivo de prestar o
vestibular da USP, mas o período das provas já estava encerrado. No CEB, ele
comentou com os professores e secretárias da sua decepção por não ter nem
podido tentar o vestibular. Eles o aconselharam a tentar o PEC-G. Assim ele fez e
conseguiu ingressar na UniRio.
Apesar de participarem de um convênio entre que o Estado brasileiro
mantém com o Estado peruano, grande parte dos que entram nas universidades
brasileiras através do PEC-G e PEC-PG não ficaram sabendo do convênio através
de instituições oficiais. A informação sobre como participar do programa foi
conseguida principalmente com base na sua relação com amigos e parentes que já
estudaram aqui ou por iniciativa própria, de ir direto à Embaixada brasileira
buscar oportunidades de bolsa. Um estudante do PEC-G com quem conversei
uma vez no Bandejão28 da PUC-RJ comentou que não há no Peru uma divulgação
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dessas bolsas. Por isso, elas ficam restritas a um determinado círculo de pessoas
que já estudaram pelo PEC. No seu caso, ele só soube da bolsa porque tem uma
tia que participou do programa há algumas décadas atrás e que hoje mora em
Brasília.
2.5.2 Como fios que estruturam a rede
Na análise da relação entre indivíduo e sociedade, Elias (1994) sugere que
as teorias sociológicas que tomam indivíduo e sociedade como elementos
antagônicos obscurecem a compreensão da realidade social. Além de tratarem o
indivíduo e a sociedade como isolados e estáticos (Elias, 2011, p. 128), elas
desconsideram que a mudança é um elemento constitutivo dos indivíduos em
sociedade e, por isso, nenhum dos dois são algo substantivo e pronto. Ao mesmo
tempo que o individuo vai se (trans)formando como tal na convivência em
sociedade, esta, por sua vez, só existe por meio da interação dos indivíduos. Para
Elias, a relação entre indivíduo e sociedade pode ser entendida como a metáfora
dos fios numa rede. Sozinhos, isolados e fora da rede, os fios são de determinada
forma. Entrelaçados, eles vão se transformando, deixando de ser fios isolados para
28
Apelido dado ao refeitório universitário.
80
tornar-se parte indispensável da rede. Ela, por sua vez, não existe enquanto os fios
não se conectam no entrelaçado.
A metáfora de Elias sobre a relação indivíduo-sociedade como uma rede
composta por fios entrelaçados é pertinente na reflexão sobre a relação entre os
estudantes e a reprodução da mobilidade estudantil de peruanos no Rio de Janeiro.
Os casos acima nos mostram que a decisão de vir para o Brasil como estudantes
está relacionada às redes que eles integram quando ainda estão no Peru. Através
delas, os peruanos têm acesso às primeiras informações que despertaram seu
interesse em estudar no Rio de Janeiro, que servirão como "molas propulsoras" da
tomada de decisão. Isto significa que a mobilidade de estudantes do Peru para o
Brasil se desenrola num processo de formação de cadeias migratórias. A cadeia
migratória entende o indivíduo como capaz de mobilizar estrategicamente seus
vínculos sociais para viabilizar a imigração. Através dos vínculos, ele busca
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informação que o ajude a encontrar um posto no mercado de trabalho no exterior,
uma moradia, recursos para financiar sua viagem, etc29, ampliando as chance de
transformar-se de um imigrante em potencial num imigrante de fato:
... cadeia migratória refere-se à transferência de informações e materiais de apoio
que familiares, amigos ou conterrâneos oferecem aos potenciais migrantes para
decidir, ou, eventualmente, realizar a sua viagem (Pedone, 2006).
A noção de cadeia migratória contribui na compreensão dos indivíduos
como agentes que mobilizam
seus recursos relacionais para empreender o
deslocamento. Esta noção foi desenvolvida para analisar as diferentes estratégias
que os imigrantes lançam mão para sair do seu país e se inserir social e
economicamente no país de destino. Esta perspectiva analisa a imigração na sua
dimensão micro e macro, reconhecendo que os elementos estruturais que levam à
imigração são vividos e interpretados de maneira particular pelos indivíduos, de
acordo com o conjunto de relações no qual estão inseridos (Ramella, 1995). É a
partir de suas relações microssociais que os indivíduos encontram os meios para
se posicionar diante da macroestrutura.
Nas cadeias migratórias
são
compartilhadas informações e diversas formas de auxílio que potencializam a
29
cadena migratoria se refiere a la transferencia de información y apoyos materiales que
familiares, amigos o paisanos ofrecen a los potenciales migrantes para decidir,o eventualmente,
concretar su viaje (Pedone, 2006).
81
migração dos indivíduos, o que significa que as oportunidades de imigrar estão
socialmente delimitadas pela rede de relações que cada aspirante a imigrante
dispõe.
Enquanto a noção de cadeia migratória se tornou um importante instrumento
de análise dos fluxos migratórios, ela também traz importantes elementos para
analisar outras formas de mobilidades, como a vivida pelas estudantes peruanos.
Assim como para os imigrantes, o processo de decisão dos estudantes de sair do
país não acontece num vazio, de maneira aleatória, mas de acordo com os
recursos- materiais e relacionais- que possuem para se inserir no campo das
mobilidades. Os estudantes também avaliam as oportunidades que têm no país de
origem, as que acreditam que terão no exterior e buscam maneiras de empreender
o deslocamento. Para os estudantes, contudo, sair do país é uma opção- entre
outras- que eles escolhem de acordo com seu campo de possibilidades.
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Além de usar seus recursos relacionais para viabilizar sua vinda para o
Brasil como estudantes, os sujeitos da pesquisa também participam ativamente na
consolidação de uma cadeia migratória de peruanos que chegam no Rio de Janeiro
como estudantes. Eduardo, Douglas e Jeremia tiveram o Brasil inserido no seu
campo de possibilidades através do apoio de amigos e professores. Agora, eles
também assumem um lugar importante no contínuo processo de tecer redes entre
Brasil e Peru, convidando outros peruanos para também fazer mestrado aqui. Em
2011, Eduardo recebeu seu irmão, que veio cursar o mestrado na PUC-RJ; em
2008, um primo de Douglas também ingressou o mestrado na instituição; já
Jeremia está buscando meios para viabilizar a vinda do seu irmão para que ele
termine a graduação no Brasil. Ele também pensa em incentivar a irmã a vir fazer
mestrado aqui. Outro exemplo é o de Enrique, que veio para o Brasil como
estudante de graduação em 1996 e em 2011 trouxe a irmã para fazer a graduação.
Apesar de não existir nenhum convênio formal entre as duas instituições, o
fluxo de alunos egressos da UNI para a PUC-RJ é intenso e contínuo, se
reproduzindo com a constante chegada de novos alunos peruanos. Douglas lembra
que quando chegou, em 2003, havia poucos peruanos na PUC-RJ. Ao longo dos
anos ele percebeu que o número de peruanos na universidade foi aumentando. Ele
considera que o auge da chegada de peruanos na PUC-RJ esteve nos anos de 2004
e 2005. Como mostrei no subitem anterior, o fluxo de estudantes peruanos para a
PUC-RJ não se restringe aos egressos da UNI. Nesse processo de diversificação
82
do perfil dos alunos peruanos na PUC-RJ, o colega de Solange é um exemplo de
um agente que exerce um importante papel na (re)produção de uma cadeira
migratória entre seus ex-colegas de trabalho que não estudaram na UNI.
Assim como a PUC-RJ, o CBPF também recebe um significativo fluxo de
estudantes peruanos. Sofia e Ricardo eram da mesma turma no Peru e ambos
tinham o desejo de sair do Peru. Na universidade onde estudaram havia muitos
estudantes que vinham fazer pós-graduação no Brasil e voltavam lá dando
palestras e apresentando os resultados de suas pesquisas. Interessados no trabalho
realizado pelos peruanos no CBPF, Ricardo e Sofia decidiram vir para o Brasil.
Ricardo veio para o Brasil um ano antes de Sofia. Quando ela chegou, o amigo
ofereceu auxílio, principalmente nos seus primeiros meses. Além de Ricardo,
Sofia já conhecia outros peruanos também egressos da Universidad Nacional de
Trujillo, onde fez a graduação, que estavam no CBPF. Alguns deles ajudaram
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Ricardo e ela a se adaptarem à vida fora do Peru.
Enquanto Ricardo, Eduardo, Douglas, Enrique e o colega de Solange
contribuíram direta- e deliberadamente- para que outros peruanos também se
tornassem estudantes no Rio de Janeiro, se tornando fios na rede de mobilidade
estudantil, outros influenciaram a vinda de outros estudantes de maneira indireta,
como Alejandro. Quando ele decidiu que queria estudar Música no Brasil, ele se
matriculou no curso de Português do Centro de Estudos Brasileiros (CEB). No
curso, os professores comentaram sobre o PEC, mas o programa não oferecia
vagas para a graduação em Música. Alejandro foi aconselhado pelos funcionários
do CEB a ir à universidade onde ele queria estudar no Brasil e solicitar cartas que
mostrassem o interesse da instituição em abrir vagas para o PEC-G e encaminhar
essas cartas para Brasília. Em 1992, Alejandro fez isso:
Alejandro: ...o vestibular seria o caminho mais longo. Eu fui aconselhado a fazer
desse jeito... eu estudei no CEB, lá no Peru... E como tocava violão, eu virei uma
pessoa popular lá, porque organizei o coral do CEB.. Aí quando tava querendo vir
praqui, a diretora do CEB (...) me falou: “no melhor, tenta fazer como um
convênio, mandar uma carta pra Brasília, pra ver se faz a ligação”. Aí, consegui.
Camila: Então foi você que fez o convênio na Música?
Alejandro: Pois é.. nessa época, mandaram umas vagas pro Peru... E ficaram
mandando depois durante um tempo.
83
Alejandro se tornou o primeiro "fio" da rede que possibilitou a ida de
estudantes peruanos para os cursos de Música no Brasil. A partir do conselho que
recebeu da diretora do CEB e imbuído do profundo desejo de estudar aqui,
assumiu um lugar de protagonista na mediação do programa PEC-G com os
cursos de graduação em Música. No ano em que veio estudar, em 1993, além da
sua vaga na UFRJ, foram oferecidas vagas para a UnB e a USP. Com sua
iniciativa, Alejandro conseguiu não apenas solucionar seu problema, mas ainda
possibilitou que o convênio fosse estendido para mais um campo de
conhecimento. Este é um caso em que, inesperadamente, o próprio estudante,
através de sua rede, se tornou uma peça fundamental na reprodução da mobilidade
de estudantes peruanos para o Brasil, influenciando inclusive a dimensão oficial
do programa PEC.
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2.5.3 A fragilidade das redes
Se por um lado, os próprios estudantes se tornam peças importantes na
engrenagem que dá vida à mobilidade de estudantes do Peru para o Brasil, estas
cadeias migratórias sofrem de uma severa instabilidade quando se apoiam
somente em alguns poucos indivíduos. A frágil institucionalidade da relação entre
os cursos de Música e o programa PEC-G fizeram com que, anos depois de
Alejandro chegar ao Brasil, não fossem mais abertas vagas para o curso. Ele conta
que algum tempo após sua vinda, veio um peruano estudar Música no Brasil.
Porém, o rapaz não era músico, não sabia sequer tocar um instrumento. No Brasil,
os candidatos à graduação de Música, além do vestibular, precisam fazer um teste
que comprove sua habilidade na área. Porém, no Peru, os alunos contemplados
pelo PEC-G não passavam por nenhuma prova específica de conhecimentos
musicais. Por isso, esse rapaz conseguiu entrar no curso de Música, mas logo
desistiu do curso. Depois dele, as vagas do PEC-G para Música foram canceladas.
Ao contrário das vagas do PEC-G para a graduação em Música, em que,
segundo Alejandro, um caso malsucedido incentivou o cancelamento das vagas na
área, na PUC-RJ, a rede de estudantes peruanos alcançou um nível de
institucionalização que garante o constante ingresso de novos alunos. Mas,
Douglas, que está na PUC-RJ há 10 anos, lembra que houve períodos em que
chegaram mais peruanos do que agora. Em 2003, junto com ele, chegaram cerca
84
de 10 peruanos. Nos semestres subsequentes, ele percebeu que esse número
começou a crescer, a ponto de chegar à quantia de 30 peruanos novos chegando a
cada semestre. Nos anos de 2006 e 2007, esse número começou a diminuir.
Douglas analisa que esta diminuição do número de peruanos ingressando
nos programas de pós-graduação em Engenharia da PUC-RJ se deve ao fato de
que, desde 2005, o Peru ter passado por uma retomada da expansão da
mineração. Alguns peruanos que estavam estudando no Brasil viram nessa
atividade a possibilidade de voltar para o país para trabalhar e receber um salário
de profissional, muito mais alto que uma bolsa de mestrado ou doutorado. Ele
pondera que um ou dois casos de peruanos que abandonaram a pós-graduação
fizeram com que os programas da PUC-RJ realizassem uma seleção mais rigorosa
de estrangeiros, diminuíssem o número de peruanos aceitos e abrissem vagas para
estudantes latino-americanos de outros países, como a Colômbia.
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Douglas e Alejandro nos mostram como as redes que viabilizam a vinda de
estudantes peruanos para o Brasil são influenciadas por uma complexa gama de
fatores que podem garantir a consolidação do fluxo ou comprometer a sua
manutenção. No caso do curso de Música, as vagas do PEC-G poderiam ter sido
mantidas se fosse organizada uma maneira de avaliar os conhecimentos prévios
dos candidatos estrangeiros assim como acontece com os candidatos brasileiros
que concorrem à vaga de pós-graduação em Informática e Física, que realizam no
Peru um exame igual ao realizado pelos brasileiros. Tal medida garantiria que os
estudantes estrangeiros entrassem na graduação em Música com a mesma
preparação que os brasileiros. Esta medida exigiria, tanto por parte do PEC-G
quanto das universidades, um maior planejamento e controle sobre as vagas
oferecidas e sobre a seleção dos candidatos. O cancelamento das vagas em Música
para os alunos PEC-G parece indicar que não houve um interesse nesse sentido.
Por outro lado, no caso dos estudantes da PUC-RJ, se no período em que o
Peru atravessava profundas dificuldades econômicas estudar no Brasil foi uma
saída para escapar de baixos salários ou do desemprego, numa fase de crescimento
econômico no país, estudar no Brasil se torna uma alternativa dentre várias: para
alguns, vale a pena continuar no Brasil, porém para outros não. Para os últimos,
trabalhar recebendo uma alta remuneração vale mais a pena que passar anos
estudando, recebendo uma bolsa com a qual não consegue pagar senão o mínimo
para sua subsistência.
85
Assim, as novas oportunidades de trabalho no Peru fazem os estudantes
reavaliarem seus projetos e, aqueles que abandonam os programas de pósgraduação podem interferir negativamente na oferta de vagas para novos alunos
peruanos. Mesmo assim, as redes de informação e contato entre os peruanos que
estudam no Brasil e os futuros estudantes que ainda estão no Peru alcançaram um
nível de institucionalização que se consolidou a ponto de já não depender
exclusivamente de alguns poucos indivíduos. Um exemplo disso é que
atualmente, na PUC-RJ há alunos que, mesmo sem ter amigos na instituição,
entram em contato com os programas, se candidatam à seleção e são aprovados,
como Emiliano, o único estudante que eu conheci na PUC-RJ que se formou
numa universidade particular.
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2.5.4 A "Geração de 96"
A constante chegada de novos alunos peruanos ao Rio de Janeiro contribui
não apenas para a circulação de informação sobre as oportunidades de estudos no
Brasil, mas também possibilita que os recém-chegados dispõem da ajuda dos mais
antigos, seja para encontrar um lugar para morar, aprender Português ou
compreender como brasileiros se relacionam.
Quando chegam ao Brasil, os
estudantes terão nas suas redes de relações- construídas no Peru ou aqui- a
principal base de sustentação e de adaptação à vida no Rio de Janeiro. Eles
descobrirão que não há um apoio institucional que os orientem neste processo30 e,
por isso, serão os peruanos, brasileiros e estrangeiros que auxiliarão sua vida
cotidiana no Rio de Janeiro.
Quando recebeu a notícia que tinha sido selecionado para estudar no Rio,
Enrique pegou o telefone dos outros jovens também aprovados no PEC e ligou
para todos que vinham para o Rio, checando se alguém tinha interesse de viajar do
Peru ao Rio de ônibus com ele. Enrique queria aproveitar a oportunidade de sair
do Peru para conhecer outros países da região. Ninguém aceitou seu convite, a
30
A recepção dos estudantes peruanos no Brasil em muito se contrasta com a que eu recebi nos
EUA. Eu fui premiada com uma bolsa da CAPES para participar de um programa de graduação
sanduíche. A UENF assumiu a responsabilidade de solicitar à embaixada americana meu visto de
estudante. A coordenadora do programa nos EUA se encarregou de me recepcionar no aeroporto,
encontrar um lugar para morar e me ensinar a me localizar no campus da universidade, que
contava com um escritório exclusivo para atender os estudantes estrangeiros. Periodicamente, a
universidade organizava encontros para reunir os estudantes estrangeiros recém-chegados como
forma de fazermos amizade uns com os outros.
86
não ser dois aprovados: um deles era Virgilio. Ele e Enrique chegaram no Rio no
segundo semestre de 1996. Até hoje os dois moram no Rio e são amigos.
Quando Enrique e Virgilio chegaram, eles não conheciam ninguém na
cidade. O único contato que eles tinham era o de Luis Fernando. Apesar de
conhecê-lo não pessoalmente, Enrique conseguiu o contato dele porque ambos são
de Tacna, cidade no sul do Peru. Quando a mãe de Enrique soube que o filho iria
para o Rio, perguntou para a mãe de Luis Fernando se ele não poderia hospedá-lo
por alguns dias. Foi assim que Luis Fernando se tornou a primeira referência de
Enrique- e Virgilio- no Rio de Janeiro. Além deles, outros peruanos também
chegaram a morar no mesmo apartamento naquela época. O apartamento "foi uma
das primeiras colônias peruanas... primeiro consulado peruano! Era um lugar onde
viviam 5 ou 6 pessoas, mas dormiam 15", se recorda Enrique31.
Rubén se recorda que chegou um grupo de cerca de 15 peruanos em 1996,
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todos com idade entre 17 e 22 anos, para fazer graduação no Rio de Janeiro. Eles
se tornaram amigos e sempre se encontravam no apartamento de Luiz Fernando
para “beber e chorar as penas”, ao som de música criolla e huayno. Andrés, que
imigrou para o Brasil no início dos anos 90, também costumava frequentar o
apartamento dos estudantes. Ele trabalhava como vendedor ambulante de
artesanato na praia de Copacabana e no final de semana
se reunia com os
estudantes para cantar e beber. Um dos estudantes tinha um cajón, que Virgilio
tocava. Andrés acompanhava tocando as panelas como se fosse um bongô.
O grupo de estudantes vindos para o Rio de Janeiro em 1996 teve uma
importância sem precedente para a construção de uma rede de relações de
peruanos na cidade. Um número considerável de peruanos estavam na cidade,
todos com a mesma motivação: estudar. E depois de formados, muitos deles
continuaram na cidade e até hoje mantêm os laços de amizade. Apesar das
diferenças sociais, políticas, econômicas, geográficas e individuais, todos
compartilham da experiência de ter estudado no Brasil e aqui, não ter se fechado a
um círculo exclusivamente de estudantes peruanos, mas se relacionavam também
com peruanos que estavam no Rio de Janeiro como trabalhadores, brasileiros e
outros estrangeiros. Enrique, por exemplo, depois de passar seus primeiros dias no
31
"fue una de las primeras colonias peruanas… primeiro consulado peruano! Era un lugar donde
vivían 5 o 6 personas, pero dormian 15".
87
apartamento de Luis Fernando, foi morar com brasileiros que tinham vindo de
Petrópolis estudar na capital do estado.
No Rio de Janeiro, os estudantes tiveram que se adaptar a uma cidade onde
ainda não existiam espaços e eventos peruanos consolidados, como um
restaurante, campeonatos de futebol ou festas que tocassem músicas em espanhol.
A experiência de deixar o país, a família e os amigos no Peru tão jovens marcou
profundamente suas vidas e possibilitou a construção de laços de amizade e
afinidade entre eles a ponto de, até hoje, se reunirem para conversar e se divertir
juntos. Hoje, muitos deles tem filhos brasileiros, são casados com brasileiras e se
identificam concomitantemente com o Brasil e o Peru.
2.5.5 A repercussão da "Geração de 96"
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Um caso que ilustra a capacidade de articulação das redes ao redor da
mobilidade estudantil é o de Renato. Ele veio para o Rio de Janeiro
acompanhando a irmã mais velha. Ambos são de Cusco e um amigo da cidade
comentou que conhecia alguns peruanos que estudaram no Rio de Janeiro. O
amigo falou que era um muito fácil conseguir bolsa para uma universidade
brasileira e perguntou se a irmã de Renato não quero vir. Ela achou ótima a ideia
de vir para o Brasil e animou seu irmão para acompanhá-la. Como seus pais não
queriam que ela, como mulher, saísse do país sozinha, Renato veio junto, em
2005.
Os amigos que moravam no Rio de Janeiro a quem o amigo da irmã de
Renato se referiu eram Enrique e Lorenzo. Apesar de nunca terem tido nenhum
contato antes, Enrique, Lorenzo e seus amigos peruanos que participaram do
PEC-G no final dos anos 1990, foram as referências que fizeram Renato e a irmã
tomarem a decisão de estudar no Brasil.
O que Renato não imaginou é que sua participação no PEC-G seria tão
difícil. Ao contrário de como foi em 1996, em que todos os bolsistas PEC-G
comentam que o processo seletivo foi simples, para Renato o processo foi difícil
e, no final, ele foi reprovado. Quando ele tentou a seleção, já eram exigidos
conhecimentos de língua portuguesa. Por isso, em 2005, Renato veio para o Brasil
estudar português por 6 meses. Quando voltou, ele fez sua inscrição no processo
88
seletivo do PEC-G, entregou todos os documentos exigidos e fez a prova de
português, na qual teve um resultado maior do que o exigido pelo programa.
Mesmo assim, Renato teve sua candidatura recusada, sob a alegação que o
programa estava privilegiando peruanos mais velhos.
Rubén, que fez parte do que Enrique chama de “geração de 96”, comenta
com o amigo Renato que havia na sua época muitos alunos peruanos que vinham,
mas desistiam. Como os estudantes chegavam muito jovens, sem falar português e
sem nenhum respaldo no Brasil, muitos não se adaptavam à universidade ou à
vida no Rio. Rubén acha que esse é um motivo que fez com que a Embaixada
brasileira exija o exame de proficiência em português e opte agora por aprovar
alunos mais velhos, mesmo que isto não esteja claramente expresso no edital de
seleção.
Contudo, a reprovação da candidatura à bolsa PEC-G não impediu que
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Renato colocasse em prática o projeto que ele e a irmã tinham construído de sair
do Peru. Irritado com o resultado mas convicto de que ia estudar no Brasil, Renato
voltou ao Rio de Janeiro em 2006 e depois de passar um ano fazendo um curso
pré-vestibular, ingressou no curso de Direito da UERJ. Ele se recusou a ter seu
projeto boicotado pelos princípios não explícitos que a comissão de seleção do
PEC-G estabeleceu e, por isso, assumiu para si a responsabilidade de ingressar na
universidade da mesma forma que os brasileiros, através do vestibular.
Casos como os de Renato, Alejandro, Enrique e dos demais informantes
mostram a profunda relevância que os indivíduos, suas ações e relações assumem
no processo de deslocamento que fundamenta sua experiência migratória.
Entretanto, O papel que os indivíduos desempenham nos deslocamentos não é
uma novidade que emerge com a expansão de novas modalidades de
deslocamentos que a globalização possibilita. Seyferth (2011) nos lembra
magistralmente que, no século XIX, a colonização alemã no Vale do Itajaí- Santa
Catariana teve seu embrião gestado nas conversas de Hermann Blumenau com o
cônsul do Brasil na Alemanha. Blumenau confidenciava com o cônsul brasileiro
seu desejo de construir uma comunidade de alemães no exterior. Se Blumenau
não tivesse uma relação com o cônsul do Brasil que permitisse contar para a ele
seus planos de colonização, talvez ele tivesse enfrentado mais dificuldade de
implementar seu projeto experimental no Brasil. Este exemplo ilustra que mesmo
projetos e programa que se institucionalizam e se tornam parte da política oficial
89
de Estado tem a participação de indivíduos de carne e osso, que agem de acordo
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com suas expectativas, anseios e condições.
3
Peru, o ponto de partida
Poucos países podem oferecer uma variedade, uma diversidade tão complexa, seja
1
geográfica, seja humana, como o Peru... É um país de todos os sangues ... Assim como
chegaram os espanhóis, aí chegaram imigrantes de vários países, surgindo o homem
peruano, que tem raízes também africana, asiática e europeu (...) Você vai poder enxergar
essa riqueza étnica também a partir da mestiçagem dessas raças, dessas etnias todas.
(Transcrição da fala de uma professora peruana na abertura da Muestra de la Cultura
Peruana. Setembro de 2011).
O trecho acima foi extraído da apresentação realizada por uma professora
peruana na abertura de um evento dedicado à cultura peruana2, que teve como
objetivo “mostrar a realidade do Peru em suas mais diversas facetas3”. O evento
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reuniu palestras, exibição de filmes e fotografia, apresentação de dança, venda de
comida e artesanato, numa tentativa de dar aos brasileiros uma ampla visão do
Peru. A professora que organizou o evento e ministrou a palestra acima vive no
Brasil há muitos anos e chegou ao Rio de Janeiro como estudante. Nesta palestra,
ela falou sobre as características que considera mais marcantes da história, da
geografia e da composição étnico-cultural do Peru e modo de se comportar dos
peruanos.
A representação do Peru como um país tripartite- divido entre Costa, Serra e
Selva- é questionada por alguns peruanos no Rio de Janeiro porque ele
consideram esta uma forma empobrecida de se referir a um país tão diverso. A
professora peruana reproduz esta representação, mas também a desafia,
declarando que no Peru há uma “variedade, uma diversidade tão complexa, seja
geográfica, seja humana.. Há uma variedade ecológica incrível no Peru. Possui
28 tipos de climas, 84 das 103 áreas ecológicas que existem no mundo. Dividi-se
internamente em três regiões: costa, serra, selva. Mas na realidade é muito mais
complexa”. Ela faz o mesmo quando comenta a formação social do Peru.
Primeiro, a professora explica que, assim como o Brasil, o Peru se formou a partir
1
Expressão que se tornou popular no Peru, que tem como referência a obra “Todas las Sangres”,
de José Maria Arguedas.
2
Evento realizado no período de 23 a 25 de agosto de 2011 na universidade UNIGRANRIO, em
Duque de Caxias, Rio de Janeiro.
3
http://noticias.unigranrio.edu.br/informativo/2011/08/17/informativo-ano05n16/
91
da colonização, do encontro do espanhol com os nativos, mas completa
mencionado a contribuição dos africanos, asiáticos e europeus de outros países
para a construção da sociedade peruana.
Na palestra, a professora peruana apresenta sua visão de Peru, e traduz a
imagem que tem do seu país para um público brasileiro. Antes de se tornar
professora, ela foi uma estudante de pós-graduação no Rio de Janeiro. Na sua fala,
ela reforça a ideia do Peru como um país diverso e multicultural, assim como o
Brasil. Assim como o Brasil e diferente do Brasil são expressões repetidamente
empregadas por ela, mostrando que, apesar do tema da palestra ser o Peru, o país é
apresentado a partir do olhar da palestrante, que não é a de um Peru isolado e
estanque, mas daquele vivido por ela, mediado pela relação que ela tem com o
Brasil.
Este é o Peru visto e sentido pela experiência de uma peruana que está
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distante do país de origem, mas que não deixa de tê-lo como referência. De uma
peruana que também tem o Brasil como referência. E através dessa dupla
referência, a palestra apresenta um Peru em constante comparação com o Brasil.
A palestra da professora peruana é emblemática por mostrar que na experiência do
deslocamento, o país de origem não desaparece. Ele oferece um conjunto de
referências que podem ser reforçadas, ressignificadas ou confrontadas com as do
país de destino. A visão que se tem sobre o lugar de origem é posicionada, nunca
neutra ou objetiva, mas sim construída ao longo das vivências experimentadas.
Compreender o significado da mobilidade para os estudantes exige uma
reflexão mais ampla sobre como suas escolhas, decisões e projetos são
empreendidos dentro de um contexto particular. Nele estão presentes elementos
objetivos, como a situação econômica e política que o país de origem e destino
atravessam e como cada grupo é afetado; mas também elementos subjetivos,
como os indivíduos percebem os aspectos estruturais da realidade.
Toda chegada numa sociedade é também a partida de outra, ou seja, a
mobilidade internacional é um fenômeno no qual necessariamente estão
envolvidas as duas sociedades- a de origem e de destino, como afirma Sayad
(1998). Neste capítulo, analiso como os jovens (re)construíram o projeto de sair
do país como estudante no seio da sociedade peruana. O Peru é o país onde os
jovens aprenderam a ver e classificar o mundo, a si mesmos e aos outros. É no
92
seio da complexa e heterogênea sociedade peruana que ir para o exterior é
compreendido como uma estratégia para ascender econômica, social e
simbolicamente. Será no Peru que o projeto de se tornar um estudante no Brasil
será gestado e serão elaboradas as mais diversas estratégias para realizá-lo.
Portanto, será ainda no Peru que o projeto de vir para o Brasil como um estudante
universitário começará a fazer sentido.
3.1
A construção social do Peru
Na segunda viagem que fiz para Lima, em junho [de 2011], cheguei no aeroporto Jorge
Chavéz (em Lima) e, no banheiro, encontrei uma peruana que aparentava ter idade entre 30
e 40 anos. Ela olhou para mim e perguntou:
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- De onde você é?
- Do Brasil. Respondi.
-Ah.. seu cabelo é tão lindo! Totalmente natural!
A moça continuou a tecer elogios, agora à minha forma física. Ela disse que achava lindas
4
pessoas da minha cor, com o meu cabelo e com um corpo “con caderas ”. Era muito bonito,
porque, segundo ela, as mulheres que têm “cadera” não ficam com a barriga grande, ao
contrário das peruanas. As peruanas não têm “cadera” e por isso acumulam muita gordura
na barriga. A moça aproveitou a conversar para me contar que mora na Alemanha com seu
marido alemão. Lá, ela conheceu algumas mulheres portuguesas que eram assim, como eu:
con caderas e sem barriga. Ela terminou declarando, em tom de louvor: “isso é que é
5
raça!” (Diário de campo, junho de 2011).
A inusitada conversa no banheiro do aeroporto de Lima me remeteu à
minha primeira visita a Cusco, em 2007. Lá, muitos cusquenhos, sobretudo as
mulheres que vendiam artesanato nas ruas do centro da cidade, quando tinham a
oportunidade de conversar comigo, falavam que meu cabelo ‘crespito’6 era lindo.
Elas me diziam que adorariam ter o cabelo crespo como o meu. Para mim, aquela
declaração era, no mínino, surpreendente. Eu nunca tinha ouvido elogios tão
eufóricos sobre meu cabelo. Ao contrário: ao longo da minha vida sempre recebi
conselhos de que deveria alisá-lo. Menos ainda: nunca conheci uma pessoa com
4
Quadril.
Extraído das anotações de campo.
6
Diminutivo em espanhol de crespo.Entre os peruanos, é muito comum o uso de palavras no
diminutivo, sobretudo as com significado positivo.
5
93
cabelo liso que me dissesse que gostaria de trocar de cabelo comigo. Estas não
foram as únicas vezes que peruanos elogiaram meu corpo e meu cabelo. Quando
visitei Ayacucho, em maio de 2013, por exemplo, um grupo de senhoras que me
viram na rua me olharam com curiosidade, me dizendo que minha pele e meu
cabelo eram lindos. Elas me disseram que eu deveria ficar em Ayacucho para me
casar com seus filhos e dar para elas netos com o cabelo e a pele iguais aos meus.
O uso que a moça no banheiro do aeroporto fez do termo raça para se
referir à composição do corpo das peruanas, portuguesas e brasileiras me chamou
a atenção, assim como já me havia surpreendido a forma como me trataram as
artesãs cusquenhas. Embora elas não usassem o termo "raça" para comparar meu
cabelo crespo com seu cabelo liso, a cor da minha pele com a cor da pele delas,
elas demonstravam uma habilidade de comparar aspectos físicos para diferenciar
uma estrangeira negra- eu- delas, peruanas. Para elas, eu carregava no corpo as
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marcas da estrangeiridade e da diferença.
Nas viagens que fiz ao Peru em 2012 e 2013, eu percebi uma grande
diferença na minha relação com o país. A intensa convivência com peruanos no
Rio de Janeiro me permitiu dominar o espanhol ao estilo peruano, entender
algumas piadas e expressões jocosas, conhecer elementos da cultura popular,
principalmente da música e dança. Cada vez mais, eu me sentia familiarizada com
o Peru, chegando ao ponto de, em alguns momentos, esquecer que eu era
estrangeira, condição da qual eu era sempre lembrada quando ouvia comentários
sobre meu corpo, meu cabelo e meu sotaque.
Apesar de ter comprovada cientificamente sua inexistência entre os
humanos, a raça é um termo de uso corrente entre muitos peruanos, no Peru e no
Rio de Janeiro. Eles empregam a palavra para se referir às características físicas,
psicológicas ou sociais de determinado grupo. Já ouvi várias vezes de peruanos no
Rio de Janeiro que eu deveria ir para Chincha7, lugar do Peru com uma
significativa presença de população negra. Eles me dizem que lá eu encontraria
muitas pessoas assim como eu: sorridentes, simpáticas e morenas (eufemismo
para se referir às pessoas negras). Muitos deles comentam que, em Chincha, as
7
Em 2013, fui convivida por uma amiga peruana que dança comigo no grupo Sayari para ir a
Chincha. Nós fomos e aproveitamos para visitar a família Ballumbrosio, que desenvolvem a
tradição de tocar e dançar música afroperuana. Roberto Ballumbrioso nos explica que, para ele,
tocar e dança é algo que está no sangue da família.
94
pessoas gostam muito de dançar e terminam me perguntando se eu danço como as
pessoas de lá. A ideia subjacente a tais comentários é que eu, negra brasileira, e os
negros peruanos de Chincha teríamos uma identificação através de nosso tom de
pele e nosso temperamento. Tais semelhanças se estruturariam numa origem em
comum que eu e os afroperuanos teríamos.
***
A formação social do Peru esteve ancorada na reprodução de um sistema de
classificação racial que tem como extremos opostos o indígena e o branco.
Construída num período que remete ao passado colonial, a representação da
sociedade peruana como polarizada entre duas raças foi vinculada a uma
hierarquia étnico-racial que justificava ideologicamente o domínio econômico e
político do espanhol
sobre as
populações
locais,
indiscriminadamente
denominadas como índios. Nesta configuração, o índio era considerado menos
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desenvolvido, portador de uma cultura primitiva e arcaica, para quem não haveria
outro lugar na estrutura econômica, social e política do país a não ser o de
subalterno (Golte, 1995; Degregori, 2012).
A instauração da República libertou o país do domínio da Coroa espanhola,
porém não transformou a hierarquia étnico-racial que estruturou a formação social
peruana. Para Mariátegui ([1928] 2008), um dos maiores equívocos da República
foi ter construído um projeto de nação que privilegiou os criollos, ou seja, os
brancos nascidos em solo peruano, que eram uma minoria, em detrimento dos
índios, a maioria. O sistema republicano consolidou um sistema social, econômico
e político que reforçou a polarização do país entre índios e criollos, Serra e Costa,
preterindo as populações serranas na construção do Peru como nação (Cotler,
1994).
Assim como a professora peruana que deu palestra acima, outros peruanos
no Rio de Janeiro explicam a sociedade peruana segundo o encontro de duas
raças, o índio e o branco que, misturando-se, formaram os elementos
intermediários dentro do sistema étnico-racial. Segundo tal explicação, a mistura
entre as raças daria origem a outros grupos, como o mestizo e o cholo.
Classificados por reunir características de índios e brancos (Bourricaud, 1970), a
diferença entre eles está em quanto de cada raça eles teriam. Enquanto no mestizo
predominaria o componente branco, no cholo, predominaria o indígena. Ambos
95
carregam no corpo a herança do encontro- não sem conflito- dos europeus e as
populações autóctones, através da mestiçagem (Fuenzalida, 1970) que, no Peruao contrário do Brasil-, era vista com desconfiança. Determinados setores da elite
peruana acreditavam que a miscigenação provocaria uma degeneração das raças;
já os intelectuais indigenistas consideravam- na uma ameaça à cultura andina
através da aculturação e da assimilação (Degregori, 2012) Em ambos as
perspectivas, a miscigenação era considerada negativa, posição dominante nas
teorias raciais.
A vinda dos estudantes peruanos para o Brasil não apaga as categorias
raciais que eles aprenderam no Peru como forma de classificar as pessoas em seu
entorno. Quando perguntados sobre a existência de racismo no Peru, os estudantes
são unânimes na resposta: sim, há racismo no Peru. Entendendo o racismo em seu
país como um fenômeno complexo, os estudantes explicam que ele se estrutura
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numa combinação de fatores, como os traços físicos, a condição social, a região
de origem, a vestimenta, o sotaque, o nível de escolaridade. Nem sempre os
brasileiros ou outros estrangeiros conseguem perceber, mas os peruanos
conhecem muito bem e sabem negociar estas categorias. Luis Fernando elucida: é
como se, no Peru, existisse um indiômentro, uma espécie de termômetro que
calcularia não a temperatura do corpo, mas a quantidade de componente indígena
que cada pessoa carrega. "Dentro do Peru, existe uma disputa interna de quem é
mais índio do que o outro. É como se a gente tivesse um indioômetro dentro da
gente, um cholômetro", explica Luis Fernando.
A disputa dos peruanos para calcular quem é mais ou menos índio está
relacionada com o significado que o índio, como um componente da hierarquia
racial, assume no Peru. Por exemplo, até a aprovação da reforma agrária, em
1969, os intelectuais tendiam a definir índio como aquele que morava em áreas
rurais, estava destituído da propriedade da terra, que tinha o quéchua ou o amará
como língua materna e que não dominava o espanhol (Golte, 1995; Bourricaud,
1970). Ou ainda, no senso comum, índio seria aquele que descendem dos Incas
(Fuenzalida, 1970). A complexidade das categorias raciais se aprofunda quando
consideramos a maneira como os indivíduos chamados índios, mestizos, cholos ou
criollos empregam tais categorias na sua vida cotidiana. Mayer (1970) conta o
caso do antropólogo americano John Goins, que na fronteira entre o Peru e a
96
Bolívia, começou a perguntar às pessoas: “quem é índio?”. O americano se
surpreendeu com a variedade das respostas, chegando à seguinte conclusão:
Existe una gran variedad de opiniones acerca de lo que es indio y, (…) no existe
un patrón predominante de opinión. Evidentemente los indios no forman parte de
un grupo o clase de gente rígidamente separado. Ellos pueden ser sucios o limpios;
jóvenes o viejos; de habla inca8 o de habla castellana; de status alto o bajo; (...)
todos o nadie; habitar en la ciudad o en el campo, en todas partes o en algún lugar
lejano en las montañas (Goins apud Mayer, 1970, p. 91).
A conclusão vaga e imprecisa de Goins é relevante para entendermos que,
longe de se referir a elementos essenciais, estanques e imutáveis, o índio, como
categoria classificatória, tem seu significado adaptado às circunstâncias em que
ela é reivindicada ou rejeitada. A estudante Guadalupe, por exemplo, irritada com
os brasileiros que chamam ela e seus conterrâneos de índio, declara que os
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peruanos não são índios, mas sim Inca.
Enquanto Guadalupe se recusa ser
chamada de índia, líderes locais num congresso em 1980 em Ollamtaytambo,
Custo, insistiam que eram índios, e não “camponeses”9, como o governo os
denominavam (Murra, 2009).
Assim como índio, a palavra cholo10 também pode ganhar múltiplos
sentidos. Ela pode ter um significado ofensivo, como um xingamento, mas na
forma diminutiva (cholito/a)11- é muitas vezes empregada entre casais de
namorado ou entre pais e filhos, numa demonstração de carinho. A diferença entre
um cholo ofensivo para um cholo carinhoso está no tom de voz e no contexto em
que a palavra é pronunciada. Solange acredita não ter sentido os peruanos se
ofenderem ao serem chamados de "cholos" porque no Peru "todo somos do
8
Com “habla inca”, ele se refere ao quechua.
Méndez (2000) comenta que nos anos de 1970 o termo “índio” caiu em desuso, dando lugar a
outros, como camponês, andino ou serrano.
10
No Peru, o verbo cholear se refere à forma discriminatória do emprego da palavra cholo.
Cholear significa tratar alguém como inferior baseado nas suas características físicas, como tom da
pele, tipo de cabelo, formato dos olhos, como mostra o filme Choleando (2012), disponível em
http://www.youtube.com/watch?v=QLolrnYkMVw. No dia 6 de julho de 2013, O Consejo de
Consulta, tendo Enrique como um dos conselheiros, organizou um debate com o filme para refletir
o racismo no Peru. Enrique me convidou para compor a mesa de debatedores e para apresentar o
poema de Victoria Santa Cruz, “Me gritaron negra”.
11
Um peruano no Rio de Janeiro, conversando sobre a questão da raça no Peru, comentou que seu
país costumava chamá-lo de cholito. Outro costuma chamar sua namorada brasileira
carinhosamente de cholita. No cancioneiro folclórica peruano, são várias as músicas que contém a
palavra “chola”, como o tondero San Miguel de Morropón.
9
97
mesmo, viemos do mesmo país, ou seja, somos índios.. mais que tudo, inca!"12. Ao
contrário de Guadalupe, que distingue o índio do Inca, Solange aproxima os dois
termos de cholo, usando os três como sinônimos que simbolizam a herança
indígena que todos os peruanos teriam.
Entretanto, Solange reconhece que o uso dos termos que remetem ao
indígena está geralmente associado a um conjunto de práticas que o discrimina.
Ela comenta que, se uma pessoa da Serra for a um bairro pituco13 de Lima, ela
será discriminada. Quando eu relato minha primeira visita a Custo aos estudantes
peruanos no Rio de Janeiro e digo como fiquei surpresa com os comentários sobre
meu cabelo, eles me dizem que, no Peru, cabelo liso preto liso é uma marca
indígena que muitos querem ocultar pela discriminação que sofrem. Quando
Enrique reflete sobre o racismo no Peru, ele chega à conclusão que é muito difícil
para um peruano se assumir como índio por causa da discriminação e do racismo.
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Ele comenta que, em Lima, há discotecas que impedem a entrada de determinadas
pessoas, sob a justificativa de que a entrada é restrita para sócios. As pessoas
impedidas de entrar são aquelas que, além de um fenótipo indígena, não se vestem
da mesma forma que as elites limenhas. Enrique acredita que ele mesmo seria
barrado numa discoteca assim, pela sua baixa estatura, a cor da sua pele, seu
cabelo liso, por ter nascido na Serra e por não pertencer às classes altas.
A imprecisão que Goins encontra para saber quem é índio tem a ver com a
versatilidade que a raça como categoria classificatória assume na vida cotidiana.
Ela mescla um conjunto de aspectos como biológicos, sociais, culturais e
econômicos, num complexo jogo de classificação que tem como base o quanto de
índio cada um tem e que gera o indiômetro a que Luis Fernando se referiu. Nesse
cálculo, quanto mais índio, mais negativo, explica Luis Fernando:
Camila:- E ser mais índio é mais positivo ou negativo?
Luis Fernando: - Negativíssimo! (...), uns 70% dos peruanos têm mais traços
indígenas. Uns mais do que outros. (...) E eu acho que pros brasileiros, pro pessoal
de fora, todos os peruanos são muito iguais. Só que a gente sabe diferenciar! Eu
acho que a gente faz questão de querer diferenciar. E dentro do Peru, (...) você faz
uma escala: você conhece as pessoas- teu chefe, enfim, cobrador de ônibus.. Você
vai vendo… Se você vê que ele é mais (índio) que você (...) e você vê que você
12
13
...todos somos del mismo, venidos del mismo país, o sea, somos índios.. más que todo inca!.
Gíria que remete ao estilo de vida e de comportamento das tradicionais elites peruanas.
98
tem menos traços (indígenas), você se sente no direito de ser superior, ou de falar
num tom mais alto..
Nesta dinâmica, as características físicas são avaliadas não como elementos
isolados, mas de acordo com a posição que os indivíduos ocupam em diferentes
esferas sociais, como o mercado de trabalho e o nível de escolaridade, por
exemplo.
Sofia analisa que o racismo no Peru continua vigorando
profundamente, mas também está se formando no país um processo que ela chama
de “reivindicação do índio, do cholo”: a atribuição de um sentido positivo a estes
termos, em substituição ao pejorativo. Esta nova postura pretende afirmar a
herança indígena como parte da identidade peruana. A estudante analisa: "então,
agora, se você pergunta qualquer pessoa na rua: “você é cholo?” Ele fala:
“sim!”, com orgulho, entendeu?... Antes ninguém gostava de ser (chamado de
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cholo)…
Ao mesmo tempo em que reconhece que o Peru está passando por um
processo de transformação no qual cholo é ressignificado, reivindicado com um
sentido positivo, Sofia observa que esta transformação não abrange igualmente
todos os peruanos. Não são todos que se identificam como cholos e atribuem um
sentido positivo ao termo. Sofia explica que se negar como cholo é ainda muito
comum no Peru, inclusive entre peruanos altamente escolarizados e que
apresentam fortes traços indígenas:
Tem pessoas que até agora, meus amigos, acadêmicos, que têm um nível de
educação medianamente alto que dizem que não são (cholo)... E você vê a cara
deles! É a negação de quem você é! A gente é cholo! Todo mundo! Entendeu? E eu
gosto! Eu gosto! Gosto de ser chola! É uma palavra que tá tendo um significado
agora positivo. Sofia.
Uma questão não problematizada na fala de Sofia é são justamente as
pessoas que apresentam um fenótipo indígena que sofrem cotidianamente com a
discriminação, talvez por isso eles sintam mais dificuldade de assumir-se como
índio ou cholo. Enquanto Sofia elege o termo cholo para se referir à miscigenação
que teria dado origem a todos os peruanos, incluindo ela mesma, Walter prefere
denominar-se a si mesmo e seus conterrâneos como mestizos. A construção de um
imaginário nacional polarizado entre Serra e Costa, índio e branco, tradicional e
moderno obscureceu a profunda heterogeneidade da sociedade peruana em
99
categorias que remetem à miscigenação entre o branco e o índio, como mestizo e
cholo. Entretanto, na sua formação social, o Peru conta com a participação de
índios e negros de diferentes etnias, populações amazônicas, brancos de diversos
países da Europa, chineses, japoneses.
Na minha experiência de trabalho de campo, o fato de ser negra coloca a
raça como um elemento constantemente presente na minha interação com os
peruanos no Brasil e no Peru. Apesar de presentes na costa peruana desde o século
XVII (Ivo e Paiva, 2008), os negros são sistematicamente preteridos do projeto
peruano de nação14, que se estruturou numa dualidade entre índios e brancos. Por
isso, a ideia predominante no senso comum do país é que um negro em solo
peruano é estrangeiro. Conversando com Roberto Ballumbrosio15, ele comentou
que é muito comum quando ser parado por policiais caminha pelo centro de Lima.
Certa vez, um policial, numa abordagem assertiva, pediu seu documento de
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identidade, perguntando o que ele estava fazendo naquele local e se era
dominicano. Rapidamente, Roberto mostrou o documento, esclarecendo que é
peruano de Chincha, lugar onde a presença negra é reconhecida nacionalmente.
Na vida cotidiana, grande parte dos peruanos não convivem com
afroperuanos, o que reforça a ideia de que não há negros no Peru. Assim, os
negros representam a diferença, a estrangeiridade e, para alguns, um certo
exotismo. Para muitos peruanos, será no Rio de Janeiro a primeira vez que eles
conviverão com negros. E para alguns, eu serei a primeira negra com quem eles
terão um contato mais próximo16.
A experiência de Roberto Ballumbrioso com policiais em Lima, interrogado
se é dominicano, parece indicar que, pelo menos no caso dos negros, eles não são
imaginados como parte do Peru, mas como estrangeiros. Num imaginário nacional
polarizado entre índios e brancos, são muitos os excluídos. A experiência dos
estudantes peruanos no Rio de Janeiro, no entanto, nos mostra que as categorias
de classificação racial são ressignificadas em contato com os brasileiros, que não
compreendem as nuances da dinâmica racial no Peru. Isto fica nítido quando, por
14
Um debate em torno do negro e construção da nação peruana ver Carazas, 2011.
Ver nota de rodapé n. 16.
16
Este contato mais próximo comigo é, muitas vezes, marcado por uma admiração. Sofia, por
exemplo, quase sempre quando me encontra comenta como meu cabelo e o tom da minha pele são
bonitos.
15
100
exemplo, um peruano que se considerava mestizo no Peru é denominado índio no
Brasil;
quando os peruanos se deparam com as categorias classificatórias
brasileiras e a forma como os brasileiros as manejam; ou ainda, quando aqui ele
tem a oportunidade de se relacionar com peruanos com as quais não relacionaria
no Peru, seja por causa de sua classe, origem geográfica ou raça.
O Brasil se constitui, assim, um lugar onde os estudantes podem repensar a
si mesmos e sua sociedade de origem a partir das formas brasileiras de classificar
racialmente os indivíduos. Tanto o Brasil como o Peru explicam a formação de
sua sociedade nacional a partir da existência de raças que se encontram e se
misturam. Contudo, no Peru, prevalece no senso comum a crença de que o país
tem na sua formação original a existência de duas raças, os brancos e os índios,
que, misturando-se, dão ao origem ao mestizo e o cholo. Já o mito fundador da
sociedade brasileira conta que o Brasil foi formado a partir da miscigenação de
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três raças: negros, brancos e índios. Além de omitir a presença do negro na
composição do Peru como nação17, no mito fundador peruano entende a
miscigenação das raças como um aspecto negativo, que leva à degeneração do seu
povo. Já no Brasil, numa interpretação criativa das teorias raciais do século XIX,
se desenvolveu a partir da ideia de que a mistura das raças seria o caminho para
branquear o Brasil e, assim, tirá-lo da rota de fracasso pela presença de negros e
índios na sua composição social18.
Observando os brasileiros no Rio de Janeiro, os estudantes se surpreendem
com a diversidade de fenótipos das pessoas. Eles também se surpreendem com a
dinâmica das relações entre elas, notando, por exemplo, que negros e brancos não
estão tão distantes fisicamente uns dos outros como índios e brancos no Peru.
Mesmo assim, os estudantes analisam que no Brasil também existe racismo e
discriminação, presentes em formas escamoteadas de segregação no convívio
cotidiano. Os estudantes observam que, distintamente do Brasil, o racismo e a
discriminação no Peru provocam uma segregação que mantém as pessoas
afastadas, a ponto de, muitas vezes, brancos e mestizos nem dirigirem a palavra a
17
Numa visão tradicional, a nação compreende o somatório de três elementos: um povo, uma
língua e um território (Seyferth, 1996).
18
Para empreender o projeto de branqueamento, intelectuais brasileiros acreditavam que o Brasil
deveria estimular a imigração europeia e incentivar a assimilação dos imigrantes à sociedade
brasileira (Seyferth, 2005b; 1997).
101
índios e cholos. No Brasil, brancos e negros se cumprimentam, mas os estudantes
percebem que, em geral, eles não têm as mesmas condições de vida.
Os estudantes ponderam que a discriminação e o racismo no Brasil ficam
nítidos quando se observa a desigualdade social que faz com que, por exemplo, os
negros sejam a população predominante nas favelas, mas não nas universidades
ou nos bairros nobres, como Leblon, Gávea e Ipanema, o que indica que o Brasil
também é racialmente segregado. Mesmo assim, no Rio de Janeiro, os estudantes
conseguem conviver cotidianamente com pessoas- brasileiras e peruanas- de mais
variadas origens- étnicas e socioeconômicas-, do conviviam no Peru e, a partir da
maneira como são tratados pelos brasileiros, encontram a oportunidade de
repensarem sua identidade étnico-racial.
3.1.1
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Da esteira ao tijolo: migrações internas e a urbanização no Peru
Os diferentes significados que os termos como criollo, mestizo, índio,
andino assumiram na vida cotidiana peruana estiveram intimamente ligados à
distância física e geográfica que corroborava para a reprodução da distância social
entre Serra e Costa, província e capital. As migrações internas e o crescente
processo de urbanização desafiaram esta organização dual e polarizada do Peru,
colocando em
contato os dois extremos da hierarquia étnica, racial, social,
econômica e política. Toda cidade se caracteriza como um espaço de encontros e
confrontos de diferentes estilos de vida, múltiplas visões de mundo e uma
variedade de universos simbólicos (Velho, 1999; 2009). No Peru, as cidades se
tornaram então o lócus privilegiado do confluência dos dois Perus: o oficial e o
marginalizado (Matos Mar, 1986).
Desde os anos de 1940, o Peru passou por um processo de transição quanto
à distribuição da população do campo para a cidade. A tendência à urbanização
foi se confirmando ao longo das décadas posteriores, até que em 1993, a
população urbana do país já correspondia a 70,1% do total.
No censo
populacional de 2007, esta porcentagem continuou a crescer, com a população
urbana chegando a 75,9% do total nacional (INEI, 2012). A principal rota
percorrida pelos migrantes é sair de pequenas cidades na Serra rumo às cidades
102
maiores da própria Serra ou da Costa. Na cidade, os migrantes desenvolvem
diferentes estratégias para consolidar seu lugar no espaço urbano, estabelecendo
moradias, desenvolvendo atividades econômicas, organizando clubes, associações
políticas e culturais e assim, desafiam os limites físicos, sociais, políticos e étnicos
da cidade (Altamirano, 2000b; Ávila, 2003).
Provavelmente, qualquer pessoa que for a Lima hoje vai ouvir falar de
Gamarra. Talvez, não ouça falar de Ciudad de Dios, Cono Sur ou Cono Norte,
mas se buscar comprar roupa, sapatos, artigos infantis entre outros gêneros, terá a
informação de que em Gamarra é possível comprar artigos de qualidade por um
preço baixo. Eu recebi esta recomendação de muitos peruanos que moram no Rio
de Janeiro, que comentam que as roupas no Rio de Janeiro são muito caras e de
má qualidade enquanto em Gamarra são baratas e de qualidade. O bairro é hoje
um exemplo que serve de inspiração para aqueles que pensam em migrar para a
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capital. Formado há mais de 50 anos por trabalhadores de migrantes, hoje, o polo
comercial reúne quase 20.000 empresas do ramo têxtil, se tornando o centro
comercial mais frequentado de Lima19. O bem-sucedido crescimento de Gamarra
já está sendo internacionalmente reconhecido.
Em 2012, Gamarra recebeu a
ilustre visita da primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, a secretária de Estado
dos Estados Unidos, Hillary Clinton e a diretora-executiva da ONU mulheres,
Michelle Bachelet20.
Diante da carência de moradia, alguns migrantes se inseriram na cidade
através das barriadas, que se caracteriza pela ocupações de terrenos dos quais não
eram os proprietários formais. Elas são formadas espontaneamente por grupos de
migrantes que, organizados em associações, se instalam em áreas periféricas de
Lima. Em barriadas como Villa El Salvador, antes da ocupação, os migrantes
formam uma associação que busca junto às autoridades locais a regularização dos
lotes ocupados. Em seguida, a associação inicia os projetos para construir
equipamentos e serviços básicos necessários para a comunidade, como escolas,
pavimentação das ruas, fornecimento de luz e água.
19
http://www.gamarra.com.pe/la-experiencia-de-compra-en-gamarra-libro-sobre-gamarra-condatos-estadisticos/
20
http://www.gamarra.com.pe/hillary-clinton-michelle-bachelet-y-nadine-heredia-en-gamarra/
103
A construção das casas também segue um padrão: primeiro, é erguida uma
cabana de palha, de esteira; em seguida, é levantado um muro de tijolo que define
a área do lote; o terceiro é substituir a casa de esteira pela de tijolo. Em muitos
casos, a construção da casa conta com a participação da coletividade, num sistema
de ajuda mútua entre vizinhos e paisanos21 (Collie, 1978; Matos Mar, 1986). No
processo de transformar a cabana de palha em casa de tijolo, os migrantes se
consolidam como parte da cidade, até alcançar o status de bairro legalmente
reconhecido. Se os bairros formados a partir da barriada representam o
reconhecimento do lugar de moradia do migrante na cidade, os centros comerciais
de Gamarra representam o reconhecimento dos migrantes na economia nacional.
O papel que as migrações internas exerceram na transformação da vida
social peruana faz parte do contexto em que os estudantes peruanos estão
inseridos. Alguns deles residiam em áreas da periferia de Lima como os Cono
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Norte. Outros, passaram por um processo prévio de migração interna quando
criança ou adolescente, acompanhando a família ou sozinhos. Douglas, por
exemplo, nasceu em Ancash e foi para Lima com os irmãos em busca de melhores
condições de vida. Na capital peruana, eles moravam no Cono Norte.
Os que passaram pela experiência da migração interna sozinhos tiveram o
estudo como principal motivação. Muitos dos peruanos que hoje estudam no Rio
de Janeiro saíram de suas cidades natais para ingressar na universidade em
cidades maiores como Lima, Arequipa e Trujillo: Eduardo, por exemplo, é de
Ancash e foi para Lima quando aprovado na UNI; Isabel é natural de Cajamarca,
mas cursou a universidade em Trujillo; Osvaldo nasceu e cresceu em Moquegua e
se mudou para Arequipa quando entrou na faculdade. Para eles, estudar fora do
sua cidade de origem significou uma primeira experiência de se afastar dos pais e
assumir mais responsabilidades sobre sua vida.
Para outros estudantes, a primeira vez na vida que eles saíram de seus locais
de nascimento por um período mais longo foi para estudar no Brasil. No entanto,
alguns destes já haviam tido contato com a experiência de migração vivida por
parentes próximos, como seus pais e avós. Sofia explica que a migração é uma
realidade difundida na vida dos peruanos e está relacionada com a forma de
organização política e social do país, que se mantém centralizada em Lima. Como
21
Palavra utilizada para designar pessoas do mesmo local de origem.
104
um país não federalizado, os governos locais têm poderes muito limitados e o
poder de decisão sobre o país está concentrado na Capital:
Acho que no Peru a maioria (tem familiares migrantes), porque, Peru, (...) tá tudo
muito centralizado: é tudo em Lima, tudo! ...E as outras partes são muito
esquecidas pelo governo. Então sempre tem história de migração. Pra quem você
perguntar, peruano, tem uma história de migração. Inclusive, dentro de Lima.. É
muito triste, mas é assim. O Peru é muito centralista: tudo é em Lima! Sofia.
Na
família de Sofia, tanto os pais quanto avós experimentaram uma
trajetória de migração interna. Seu pai nasceu em Cajamarca e foi para Trujillo
fazer faculdade nos anos 70, mesmo percurso realizado por Isabel muitos anos
mais tarde, na década de 2000. A avó da estudante nasceu em Cusco, mas morou
em Lima. Os pais de Lorenzo e Solange também migraram da Serra para a Costa:
dos pais de Lorenzo, de Cusco para Lima, e os de Solange, de Apurímac também
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para a capital. Já na família de Augusto, seu pai é de Trujillo, na Costa norte
peruana e sua mãe de Huancavelica, na Serra. Eles se conheceram em Lima, assim
como o pai e a mãe de Guadalupe, que são de Piura, na costa norte e da serra de
Lima, respectivamente; e os pais de Cristiana que são de Iquitos, no departamento
de Loreto, e Huaraz, no departamento de Ancash.
Alguns estudantes que têm familiares migrantes se lembram de ouvir seus
pais e/ou avós falando quéchua, principalmente quando a conversa era sobre um
assunto que não queriam que seus filhos ou netos compreendessem. Mesmo
quando não ensinavam seus filhos e netos a falar quéchua, eles mantinham o uso
cotidiano da língua, sobretudo como estratégia para manter segredos. Não são
poucos os estudantes que comentam que, mesmo depois de morar muitos anos na
cidade, seus pais mantêm costumes dos locais de origem, como organizar festas
familiares ao som de música de sua região ou participar de festas comunitárias
tradicionais. E foi assim, em família, que muitos peruanos no Rio de Janeiro
aprenderam a dançar, como Carla, do Grupo Sayari. Ela nasceu e cresceu em
Lima e com seus pais, que são da Serra sul, aprendeu a dançar huayno.
Apesar propiciar o encontro de diferentes modos de vida, a cidade é também
o espaço onde as discriminações se tornam mais nítidas, como ponderam
estudantes como Walter e Juan. Os dois explicam que há uma intensa
discriminação contra os migrantes, principalmente quando saem da Serra para os
105
centros urbanos, como Lima. A discriminação aos migrantes é asseverada pelo
racismo, que distingue negativamente aqueles que apresentam determinadas
características físicas e culturais. Douglas, por exemplo, revela que se sentia
discriminado em Lima. Quando soube da ideia do Grupo Sayari de apresentar o
poema “Me gritaron negra” de Victoria Santa Cruz, ele ficou muito entusiasmado
e explicou que sentia que o poema tratava não só do racismo contra os negros,
mas também contra aqueles que não compartilham dos mesmos códigos de
vestimenta, de linguagem e de comportamento que os limenhos das classes
médias e altas. Douglas tinha a sensação que os limenhos olhavam para ele com
repulsa ou desprezo.
Matos Mar (1986) identifica a migração das áreas rurais para áreas urbanas
da Costa como uma das maiores mudanças da história do Peru, por colocar estes
dois mundos em contato. A repercussão da migração interna para a sociedade
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peruana vai além das experiências individuais e das trajetórias familiares dos
próprios migrantes. A migração aproximou campo e cidade, província e capital,
Serra e Costa, índio e branco, abrindo a possibilidade para que, através do contato
entre aqueles que estavam geograficamente distantes, se produzisse um novo
imaginário sobre a nação peruana. No planejamento urbano, na economia, na
produção cultural e na política, os migrantes internos buscaram caminhos
alternativos e criativos para ter reconhecida sua participação na cidade e na
identidade nacional.
A migração interna se constitui um elemento chave para desafiar as
hierarquias étnico-raciais e as formas tradicionais de dominação no Peru (Golte,
1995). Ela representa muito mais que uma busca individual por melhores
condições de vida. Talvez, a migração tenha sido um dos primeiros passos
práticos e concretos- ainda que não premeditado- para que, em 2012, o governo
peruano o denominasse como um ano da "… integração nacional e do
reconhecimento de nossa diversidade22". Além disso, ela também prepara o
caminho para outras migrações internas e internacionais.
22
"integración nacional y el reconocimiento de nuestra diversidad " http://www.peru.gob.pe/
106
3.1.2
Educação e migração
Os fluxos de migração entre populações das zonas rurais para as cidades
engendraram uma série de transformações na vida social peruana. Um elemento
fundamental para analisá-las como um processo social é compreender o papel que
a educação desempenhou neste processo. Em 2005, a taxa de analfabetismo da
população peruana com 15 anos ou mais de idade foi de 9,6%. Em 2011, esse
número passou para 7,1%. Na zona rural, a taxa de analfabetismo foi de 21,7% em
2005 e de 17,4% em 2011. Já as zonas urbanas apresentaram uma taxa de 5,1%
em 2005 e 4,0% em 2011, ou seja, mais de 3% menor que a média nacional. Lima
Metropolitana apresentou a menor taxa de analfabetismo do país: 3,1% em 2005;
2,9% em 2011. Em 2010, a média de anos de estudos alcançada pelos peruanos
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foi de 9,9 anos.
Quadro 3 - Porcentagem de analfabetos em relação a população total do Peru
2005
2011
Peru total
9.60%
7,1%
Rural
21,7%
17,4%
Urbano
5,1%
4,0%
Lima Metropolitana
3,1%
2,9%
Fonte: Ministerio de la Educación- Peru
Os dados acima nos mostram uma diminuição no índice de analfabetismo na
população peruana, principalmente a urbana.
Se compararmos com períodos
anteriores, a diferença é ainda mais significativa: em 1970, entre a população de
15 anos ou mais, os analfabetos correspondiam a 28,5% do total; a taxa chegou a
20,6% em 1980; a 14,5% em 1990 e a 10,1% em 2010. Em relação à taxa de
analfabetismo de outros países da América do Sul como Argentina, Uruguai,
Chile, Paraguai e Venezuela, o Peru ainda apresenta uma elevada porcentagem.
Entretanto, a taxa de analfabetismo no Peru é menor que a do Brasil, que, em
2010, alcançou 9,6% da população de 15 anos e mais. O Brasil é o país da
107
América do Sul com a mais alta taxa de analfabetismo, como indica a tabela
abaixo:
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Quadro 4 – Porcentagem da população analfabeta com 15 anos e mais de idade na
América do Sul
Fonte: CEPAL- Anuário Estatístico da América Latina e Caribe, 2010.
Os dados referentes ao analfabetismo no Peru revelam uma profunda
desigualdade entre a zona rural e a urbana e, mais ainda, entre a zona rural e a área
de Lima Metropolitana. A reduzida taxa de analfabetismo em Lima metropolitana
pode estar relacionada a diferentes fatores como a maior oferta de instituições de
ensino na capital e a um processo de migração seletiva dos indivíduos mais
escolarizados das zonas rurais peruanas.
A saída de jovens e crianças das zonas rurais para as cidades em busca de
educação é um fenômeno recorrente no Peru que pode ter como motivação: a falta
de escola na localidade de origem; a busca por níveis mais altos de escolarização
que ainda não está disponível no local; o reconhecimento coletivo de que as
escolas rurais apresentam deficiências em relação à escola urbana (Ames, 2012;
Golte, 1995).
108
O aumento da escolaridade, a difusão dos meios de comunicação de massa e
a urbanização podem propiciar mudanças no estilo de vida e nas expectativas de
futuro, que, muitas vezes, não se adéquam às condições oferecidas em
determinadas regiões do país (Golte,1995). Bourricaud (1970) comentou, sobre a
região de Puno, que muitos jovens indígenas que frequentavam a escola não se
identificavam com o trabalho rural e imaginam outra profissão gostariam.
Médico, advogado, professor eram as opções mencionadas pelos jovens. O autor
também assinala que as pessoas da zona rural que aprendem o espanhol assumem
funções estratégicas dentro da comunidade que conectam o campo com a cidade,
como transportar produtos e pessoas. O domínio do espanhol permite, assim, a
circulação entre o campo e a cidade e pode funcionar como um estímulo extra
para a migração. O processo de migração funciona a partir de uma seletividade: os
indivíduos mais escolarizados tendem a encontrar mais oportunidades de migrar
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do que os menos escolarizados (Ames, 2012).
Na pesquisa que realizaram com 12 grupos de migrantes internos em Lima
oriundos de diferentes partes do Peru, Golte e Adams (1990) encontraram neles
um anseio de concluir os estudos primários e secundários, mesmo antes de
chegarem na cidade. Muitos migrantes que deixavam a família na zona rural
levavam pelo menos um filho para migrar com eles: ".. supõem que a educação
formal é um pré-requisito para um inserção vantajosa na cidade e se eles mesmos
não podem alcançar, pelo menos seus filhos deveriam alcançá-lo23" (p. 47). E na
formação das barriadas, a construção de escolas costuma ser um projeto coletivo,
empreendido pela comunidade logo após as primeiras ocupações (Collier, 1978;
Matos Mar, 1986). Em alguns casos, o esforço pela educação se estende até o
ensino superior, tornando comum em alguns grupos, a migração para ingressar na
universidade ou institutos de educação superior.
Entretanto, a escola no Peru se desenvolveu numa perspectiva ambígua:
pelas camadas populares, ela é vista como uma possibilidade de se desvencilhar
da dominação vivida no campo e de construir alternativas de vida; pelas elites, era
entendida como agente civilizador, que levaria o progresso e o ocidente para o
mundo rural e indígena (Ansión et al., 1987). Ainda no período colonial, o
23
Suponen que la educación formal es un prerequisito para una inserción ventajosa en la ciudad, y
si ellos mismos no pueden alcanzar este requisito, por lo menos sus hijos deberían alcanzarlo.
109
fascínio pela leitura e a escrita acompanhou as relações dos colonizadores com os
índios, que acreditavam que poder dos brancos estava em ler e escrever e, que,
portanto, ir à escola para a ler e escrever seria uma forma de se apropriar desse
poder (Ansión, 1987). Este fascínio pela escola deu origem ao que Montoya
denomina como o “mito da escola”, inspirado no mito Inkarri 24 (Ansión et al.,
1987). Para Degregori (1986), o “mito da escola” supervaloriza o papel da escola,
fomentando o “mito do progresso”, uma ideologia que engrandece a civilização e
a ocidentalização do mundo andino e menospreza tudo o que remete à cultura
local.
Ansión (1993) assinala que o “mito do progresso” tanto nas suas vertentes
mais tradicionais- como uma ascensão dentro de uma dada hierarquia -, como nas
mais progressistas- modificar a estrutura social-, serviu como combustível para a
busca por das populações rurais por inclusão social. Aliada à reforma agrária de
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1969, que liquidou o sistema de propriedade de terra que legitimava a exploração
dos camponeses andinos, a educação teve um papel preponderante na
transformação das relações sociais no campo em direção a um questionamento das
relações de dominação (Montoya, 1987).
Para muitas populações rurais, a
educação significava se apropriar dos conhecimentos e técnicas que o mundo
ocidental tinha para oferecer com o objetivo de “se abrir para o mundo” e também
“lutar contra o misti25” (Ansión, 1993, p. 13 ).
Um exemplo de tal posicionamento pode ser observado numa pesquisa
realizada em Cusco pelo Instituto de Estudios Peruanos em 1966. Na ocasião,
76% dos 465 entrevistados responderam que, se os índios tivessem a mesma
educação que o mestizo, eles teriam condições de desempenhar qualquer
ocupação; 91% dos entrevistados concordaram com a afirmação “através da
educação um homem pode chegar a ser o que quiser26” (Instituto de Estudios
Peruanos apud Cotler, 1994).
24
Segundo o mito, Inkarri, Rei Inca, é filho do Sol com uma mulher selvagem. Ele foi preso e
morto pelos espanhóis. Seu corpo foi dividido em várias partes e sua cabeça enterrada em Cusco.
No mito, apesar da morte, a cabeça de Inkarri continua viva e seu corpo está crescendo debaixo da
terra. No dia que o corpo de Inkarri estiver completo, ele voltará com triunfo (Arguedas apud
Mendizábal, 2012).
25
Traduções da autora. Misti é outra forma de se referir ao mestizo.
26
Tradução da autora.
110
Entre os imigrantes peruanos no Rio de Janeiro, não são raros os casos
daqueles que saíram ou desejaram sair de seus locais de origem por motivos
educacionais. Sandra27, por exemplo, nasceu na zona urbana de Cusco e quando
terminou o ensino secundário, nos anos 80, já tinha certeza de que ingressaria na
universidade. Seu pai tinha avisado que, caso ela não passasse no exame de
admissão da universidade pública local, ela iria estudar em Lima, como sua irmã.
Sandra se animou com a ideia, não apenas por razões acadêmicas, mas também
por acreditar que na capital ela poderia experimentar experiências que uma cidade
no interior não poderia oferecer. Entretanto, Sandra passou na prova da
universidade em Cusco e continuou na cidade onde nasceu.
Entre os estudantes, alguns viveram a experiência de deixar o local onde
havia nascido e crescido para ingressar em escolas técnicas, academias
preparatórias (pré-militar ou pré-universitária) ou para realizar os estudos
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universitários. Nestes casos, a vinda para o Brasil foi precedida por um
deslocamento interno que teve o estudo como objetivo. Em outros casos, um
deslocamento por estudo é encontrado na família, como na de Pablo, imigrante
peruano amigo de Rúben e Renato. Apesar dele ter nascido em Lima, seus pais
são migrantes que foram para a capital estudar. Sua mãe, que é de Iquitos, foi para
Lima em busca de uma educação técnica. Ela já havia terminado o ensino
secundário na escola local, mas queria continuar estudando, mesmo contra a
vontade do pai. Pablo conta: “Minha mãe estudou assim, se opondo à vontade de
seus pais. Para meu avô, ela deveria ter estudado só até o Ensino Médio e pronto:
Se casa28!".
Renato concorda com Pablo que, no passado, era muito comum que as
mulheres deixassem de seguir os estudos para se casar, o que aconteceu com sua
mãe, que concluiu apenas o ensino fundamental, enquanto seu pai chegou ao nível
superior. A mãe de Pablo teve a educação como justificativa para sair do interior
para a Capital, vislumbrando outros horizontes que escapavam dos planos de seu
pai. A avó de Sofia, por outro lado, morava em Cusco e pediu aos pais para
27
Sandra veio trabalhar no Brasil no final dos anos 90, depois de perder o emprego de bancária no
Peru.
28
Mi madre estudió asi, oponiendose a la voluntad de sus padres. Para mi abuelo, ella devería
haber estudiado solo hasta la secundária y listo: Cásate!”.
111
estudar em Lima, com o argumento de que lá teria mais chance de terminar os
estudos e trabalhar. Seu pai permitiu, mas exigiu que sua mãe a acompanhasse. E
assim, as duas partiram para Lima. No entanto, a avó de Sofia também tinha outro
projeto para ir para Lima além de estudar: se casar com quem se tornaria o avô de
Sofia, que naquele momento havia sido transferido pelo seu trabalho para a
capital. Tanto no caso da mãe de Pablo, como no da avó de Sofia, a decisão de
estudar em Lima continha mais do que uma expectativa de aumento da
escolaridade; ela também era um projeto de futuro que parecia mais possível de se
concretizar na Capital do que no interior.
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3.2
Peru, país de emigração
Enquanto nos anos 40 as migrações internas provocaram significativas
mudanças na organização social do Peru, desde a década de 80, é a emigração que
tem marcado o país a tal ponto fazer parte do cotidiano mesmo daqueles que
nunca emigraram. Mesmo sem sair do seu país, os indivíduos podem estar
envolvidos em processos de circulação de bens, dinheiro e remessas
que
influenciem seus valores e práticas cotidianas (Levitt, 2011). Raúl29, por exemplo,
nunca residiu fora do Peru, mas tem contato com a emigração no dia a dia do
trabalho. Ele, que é professor num tradicional colégio em Lima, convive com
alunos que já viveram fora do Peru e, no retorno, encontram dificuldades para
readaptar-se ao sistema de ensino peruano. Quando me hospedei em sua casa, em
2011, Raúl dava aulas de reforço fora do horário de trabalho para um aluno que
voltou para o Peru depois de morar em Miami, onde o pai tem negócios. Por ter
passado muitos anos de sua vida nos EUA, o adolescente tinha dificuldade de
escrever em espanhol.
Não é apenas na capital, Lima, que os peruanos mantêm ligações com o
exterior através da emigração. Na viagem que fiz pela Serra peruana- indo de
29
Desde de 2011, Raúl e sua esposa me hospedam em sua casa quando estou em Lima. Eu os
conheci pela internet, num site de língua espanhola de viajantes que intercambiam hospedagem,
dicas de viagem e passeios (www.viajeros.com). De 2011 a 2013, eu fiquei na casa deles as 5
vezes que estive em Lima. Na última viagem, eles disseram que, como eu já sou da família,
quando eu voltar, eles me darão a cópia da chave de sua casa.
112
Lima a Arequipa, Cusco, Andahuaylas e Ayacucho-, conheci muitas pessoas que
já tinham morado fora do país ou tinham parentes no exterior. Na visita a
Andahuaylas30- província do departamento de Apurímac com cerca de 150.000
habitantes- em 2013, me surpreendi com as conexões transnacionais estabelecidas
na localidade. Lá, fui hospedada por um casal, uma peruana e um americano, que
viveram muitos anos nos EUA e há 1 ano se mudaram para Andahuaylas, onde
trabalham como missionários na administração de abrigo para crianças. A esposa
tem como melhores amigos em Andahuaylas um casal peruano, donos de um
restaurante, aberto depois de terem vivido alguns anos na Austrália. Antes da
Austrália, o dono do restaurante já tinha morado nos EUA, onde tem parentes. A
dona, por sua vez, tem uma sobrinha que recentemente se mudou para São Paulo
com o marido, que exerce a carreira diplomática e para onde ela quer viajar a
passeio. Segui minha viagem pela Serra peruana, chegando a Ayacucho. Lá, fui
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hospedada por uma prima de Raúl. Ela me contou que tem uma sobrinha que
mora nos EUA.
Os estudantes peruanos também têm a emigração como um fenômeno
próximo de sua realidade. Em sua grande maioria, eles têm familiares, amigos e
conhecidos que saíram do país que se tornaram referência para que eles
refletissem sobre as possibilidades de sair do país. Rúben tinha um amigo que
morava nos EUA que o convidou para ir também. Animado com o convite, Rubén
foi, com o objetivo de treinar judô. Como o custo de vida nos EUA era muito alto,
ele também tinha que trabalhar. No entanto, a rotina de treino, estudo e trabalho
era muito cansativa, por isso, ele decidiu voltar para o Peru. Rubén preferiu vir
para o Brasil, país onde poderia viver apenas como estudante, sem precisar
trabalhar.
Os destinos mais populares entre amigos, parentes e conhecidos dos
estudantes são os EUA e Espanha, no hemisfério norte, e a Argentina, no sul.
Virgilio tem um irmão morando na Espanha e uma prima nos EUA; Osvaldo tem
30
Andahuaylas não está presente na lista dos turistas, nem peruanos, nem estrangeiros. Ao
contrário de outras cidades da serra que tem uma consolidada indústria do turismo, como Cusco e
Arequipa, em Andahuaylas e o turismo ainda é incipiente. Os estrangeiros que vão à cidade
geralmente estão vinculados a ONG`s. Eu fui para lá de ônibus, partindo de Cusco, fazendo uma
escala em Abancay. A estrada é extremamente sinuosa e o trecho Abancay-Andahuyalas é estreito
e em alguma partes ainda não pavimentado. O departamento de Apurímac, que abriga Abancay e
Andahuyalas. Em 2012, o departamento registrou a mais alta taxa de pobreza (INEI, 2012).
113
uma prima na Espanha e um primo nos EUA. Carla, Gladys, Luiz Fernando e
Leonardo se somam à lista daqueles que têm parentes nos EUA: no caso de Carla
e de Leonardo quem vive lá é sua irmã; já no de Gladys são suas primas que
moram lá e no de Luiz Fernando, a avó e um tio. Já Rubén, além do amigo que o
recebeu o Washington, ele tem parentes em Miami. Durante alguns anos, uma das
irmãs de Guadalupe exportava roupas peruanas para os EUA, por isso, ela
transitava intensamente entre os dois países. Já Lorenzo tem parentes na Itália,
EUA, Argentina e França.
Assim como Carla, Luis Enrique, Gladys, Rubén, Guadalupe e muitos
outros peruanos, Enrique também tem parentes no exterior. Seus familiares estão
divididos entre Itália, Espanha, EUA e Colômbia. Em 2011, ele e sua namorada
viajaram pela Europa e aproveitaram para visitar seus familiares. Enrique se
surpreendeu por encontrar tantos parentes seus por diferentes partes da Europa.
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Analisando a diferença da presença da migração na sua família e na de sua
namorada, que é brasileira, ele notou que, apesar ter ascendência italiana,
registrada inclusive no seu sobrenome, ela não tem parentes próximos morando
nem na Itália, nem em outros países da Europa. Ele, ao contrário, apesar de não ter
ascendência europeia, tem muitos parentes morando LÁ. Quando visitou a família
no exterior, Enrique se sentiu como se estivesse no Peru: "parecia que estaba en
Perú: un montón (de parientes) en Turín (Itália)!", declarou.
Até a década de 1970, ir para o exterior era um hábito compartilhado pelas
elites peruanas, que viam a experiência internacional como uma forma de renovar
seu prestígio (Altamirano, 2000a; 2006). Entre as décadas de 1910 e 1940, viajar
para o exterior, principalmente para a Europa, se constituiu como um rito de
passagem para os membros da oligarquia peruana, que tinham como principal
motivo de viagem estudar em famosas e tradicionais universidades europeias,
como Soborne, na França, Oxford, na Inglaterra e Salamanca, na Espanha
(Altamirano, 2000a, p. 23). Este foi também o período que se iniciou a emigração
dos primeiros trabalhadores peruanos para Nova Iorque e Nova Jersey. Algumas
indústrias americanas, principalmente do ramo têxtil, tinham subsidiárias no Peru.
Com o crescimento da produção nos EUA, a demanda por mão de obra cresceu e
assim, trabalhadores das subsidiárias peruanas foram convidados para trabalhar
114
nos EUA, dando os primeiros passos para a formação de uma rede entre a costa
leste americana e o Peru (Altamirano, 2000a, p. 24).
Nas décadas de 50 e 60, o perfil dos emigrantes continuou semelhante, se
somando a este fluxo peruanos das classes médias, que foram para os EUA devido
ao crescimento econômico do país. Esta emigração se caracterizou pela
participação de profissionais liberais, empresários médios e estudantes. A
oligarquia, porém, continuou a preferir a Europa. Na década de 60, alguns
peruanos também emigraram para a Venezuela, se inserindo na atividade
petroleira (Altamirano, 2006, p. 116); e para a Argentina, para realizar estudos de
nível superior. Depois de formados, muitos destes peruanos continuaram no país
(Pærregaard, 2008).
Nos anos 70, diante da política de nacionalização implementada pelos
governos de militares de Velasco e Bermúdez, um crescente número de técnicos,
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profissionais e empresários das classes médias peruanas começaram a identificar
na emigração uma forma de manter da sua posição social e econômica. Neste
período, as famílias com posses optaram por sair do Peru e investir seus bens em
outros países (Consulado do Peru no Rio de Janeiro, 2011). Neste caso se insere
Mariana, que em 1973, veio para o Brasil com o seu pai. Ele trabalhava como
engenheiro químico numa multinacional americana quando Velasco assumiu o
poder. O pai de Mariana prestava serviços à indústria açucareira no Peru e, por
isso, já tinha vindo ao Brasil conhecer a produção do norte-fluminense. Depois
que Velasco assumiu a presidência do Peru, a multinacional onde trabalhava foi
expropriada. Aproveitando os contatos já estabelecidos com usinas brasileiras, o
pai de Mariana decidiu morar no Brasil, onde foi contratado como consultor do
ramo açucareiro (Daniel, 2012b). O governo de Velasco também estabeleceu
relações diplomáticas e comerciais com países do bloco socialista, possibilitando
a formação de um novo fluxo de estudantes para a então União Soviética
(Altamirano, 2000a, p. 25), como os pais de Sofia.
Apesar do crescimento do número de peruanos que saíram do país já na
década de 70, serão nas duas décadas posteriores que a emigração se consolidará
como um fenômeno de massa, abarcando desde as classes altas até as baixas, as
populações urbanas e também rurais, com diferentes níveis de escolaridade. Nos
anos 80, o Peru enfrentou uma profunda crise econômica (Luque, 2009), que
115
casou um profundo recrudescimento das condições de vida e um progressivo
declínio do poder de compra dos peruanos. A grave crise econômica se somou à
instabilidade política, que culminou com a atuação de grupos políticos armados,
como o Sendero Luminoso. Este cenário fez da emigração uma alternativa para
muitos peruanos que buscavam escapar dos impactos da profunda crise econômica
e da violência política do Estado e dos grupos armados.
Nos anos 80, o Peru se tornou um importante emissor de imigrantes, o que
se relaciona, de um lado, com o contexto de crise vivido dentro do país e, de
outro, com as oportunidades de trabalho disponíveis no exterior. Os estudantes
peruanos no Rio de Janeiro que viveram sua infância no Peru dos anos 80
guardam memórias marcantes desse período. Ricardo, por exemplo, recorda da
sua mãe que cozinhava economizando óleo, que era muito caro e de seus irmãos
disputando os pedaços de carne da sopa; ou Susana, irmã de Renato, que lembra
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dos sucessivos aumentos dos preços dos gêneros alimentícios de um dia para o
outro. Estas memórias foram construídas no período em que o Peru teve um
aumento exponencial da inflação, que provocava constantes reajustes dos preços
dos produtos. Enrique relembra o cenário do Peru dos anos 80:
Filas enormes pra comprar leite, filas enormes pra comprar pão… Inflação (…)
Comer carne era um luxo! Eu comia carne uma vez por mês! (…) trabalho era
escasso.. Crise econômica massiva.. classe média ajustadíssima, terrorismo, clima
social, que cria uma tensão social forte… Enrique.
Este quadro de crise, desemprego e atuação de grupos armados, somados a
uma já existente experiência de migração interna, criaram as condições que
impulsionaram tantos peruanos a deixar o país. Por isso, Enripe analisa que, de
um lado, a emigração em massa está relacionada à conjuntura política e
econômica do Peru, mas também a algo que foi se consolidando nas décadas
anteriores, o que ele chama de “cultura de migração”:
…houve uma cultura da migração no Peru. Isso já vem desde a época, na
verdade da migração interna. Você vê como se esvaziou a população rural,
andina, a partir dos anos 50, 60.. Lima é um caso: 1/3 do país é Lima! Já há
um histórico de migração na família.. Você sabe, né.. Lima, Arequipa,
Tacna têm muito punenhos, cusquenhos… então, (migrar) não é uma coisa
116
estranha. Faz parte! Todo mundo migrou. Pra quem já tinha vindo de Cusco
e Puno, (emigrar é) mais um lugar na escala. Enrique.
Como Enrique esclarece, muitos dos peruanos que emigraram a partir dos
anos 80 já tinham vivido uma migração interna, do campo para a cidade, da Serra
para a Costa. Para eles, a emigração se tornou mais uma etapa na sua trajetória em
busca de melhores condições de vida e se estruturou tendo como base, em muitos
casos, os mesmos tipos de redes e estratégias de sobrevivência desenvolvidas na
migração interna (Pærregaard, 2008), como, por exemplo, a manutenção de
relações de reciprocidade entre membros de determinada comunidade rural, os
migrantes internos e os emigrantes (Altamirano, 2006; Ávila, 2003).
Apesar da estreita relação estabelecida nos anos 80 entre crise e emigração,
ela continuou aumentando mesmo quando o Peru voltou a apresentar níveis de
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crescimento econômico. Echeverría (2007), analisando a relação entre migração e
ciclos econômicos entre 1990 e 2005, observou que a emigração peruana se
elevou de forma mais significativa em inícios dos anos 2000, quando o país
apresentou um crescimento econômico. O autor formula a hipótese de que o
aumento da emigração concomitante ao crescimento da economia estaria
associado à consolidação de redes migratórias por onde circulam informações
sobre oportunidades no exterior entre emigrantes efetivos e emigrantes em
potencial. Essa dinâmica faz da emigração uma possibilidade de futuro mais
atrativa para parentes e amigos de emigrantes do que continuar no Peru. O autor
ainda sugere que o crescimento econômico, em vez de provocar uma diminuição
da emigração, pode contribuir para seu aumento, quando garante os meios
materiais para custear sua realização.
Para Luque (2007), o contínuo aumento da emigração peruana inclusive nos
períodos de crescimento econômico está relacionado com a estrutura econômica
do país e seu modelo de crescimento, que, desde os anos 90, tem como base a
liberalização da economia e a diminuição das atribuições do Estado. Tal modelo
contribuiu para o incremento da desigualdade e uma redução dos níveis de
salários, o que significa que o crescimento econômico do Peru não
necessariamente repercute positivamente na vida cotidiana dos peruanos.
117
A emigração é atualmente reconhecida como um fenômeno fundamental
para o Peru, não apenas pelo número de peruanos que vivem no exterior, mas
também pelas conexões que eles mantêm com o país mesmo quando estão fora.
Segundo estimativas (INEI et al., 2012), no período de 1990 a 2011, mais de 2
milhões de peruanos emigraram. Mesmo no exterior, muitos emigrantes
continuam a participar de esferas da vida peruana, através, por exemplo, do envio
de remessas. Elas representam a construção de vínculos transnacionais entre
aqueles que saíram do Peru, os que ficaram e os países por onde eles circulam. No
período de 1990 a 2009, estimou-se que o Peru recebeu mais de $18 bilhões de
dólares em remessas do exterior (INEI, 2010), o que contribuiu com a renda de
famílias peruanas, muitas delas em situação de pobreza (Altamirano, 2010) e
aquecendo o debate sobre impacto das remessas na economia do país.
Para Altamirano (2010), as remessas contribuem para diminuir a pobreza e
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movimentar o mercado de consumo interno. Na perspectiva dos emigrantes, as
elas são uma forma de expressar um sentimento de pertencimento, bem como uma
maneira de tentar suprir sua ausência na família ou na comunidade. Para o autor, a
remessa é o “benefício mais tangível da migração” e hoje se constitui como uma
das principais fontes de recursos da economia peruana (Altamirano, 2006). O
autor também ressalta que o impacto das remessas está além da sua dimensão
econômica e quantitativa.
Entre os emigrantes oriundos de comunidades rurais peruanas, é comum que
muitos deles continuem participando da comunidade no Peru através do envio de
remessas como dinheiro, computadores, aparelhos eletrônicos, etc, para seus
familiares e para a comunidade (Altamirano, 2010). Muitos reforçam sua presença
no local de origem financiando as festas tradicionais, garantindo-lhes um lugar de
prestígio (Altamirano, 2006). Para os que ficam, receber quantias em dinheiro ou
presentes de amigos e familiares que estão no exterior também é uma forma de se
diferenciar daqueles que não têm a acesso a produtos importados. Em algumas
comunidades, o trânsito desses produtos estrangeiros assume tamanha relevância
que muitos substituem os produtos fabricados na comunidade local pelos
importados enviados pelas emigrantes através de suas redes transnacionais
(Altamirano, 2010). Esta dinâmica pode aprofundar a desigualdade econômica e
118
social entre aqueles que recebem remessas e os que não dentro de uma mesma
comunidade (Altamirano, 2006, p. 143)31.
Em sua pesquisa com emigrantes peruanos nos EUA, Espanha, Itália, Chile
Argentina e Japão, Pærregard (2009) encontra entre eles um desejo em comum: o
de ascender socialmente. Mais do que garantir meios de sobrevivência, os
emigrantes peruanos nutrem a esperança de que, no exterior, conseguirão ter
melhores condições de vida do que as que seriam possíveis no Peru. Os
emigrantes que vivem nos EUA, Espanha e Itália acreditam que tal ascensão
social será alcançada no país onde estão. Já os que residem no Chile, Argentina ou
Japão também têm a expectativa de ascender socialmente, mas duvidam que ela
será possível no país onde estão, devido à discriminação que sofrem no país de
destino.
Além do envio de remessas, outra maneira de manter contato com o Peru
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empreendida pelos emigrantes é através do turismo. Eles se encarregam de
difundir o Peru no exterior, se tornando agentes de um processo de “globalização”
da cultura peruana (Altamirano, 2006, p. 118). No passeio que fiz pelas Ilhas de
Uros e Taquile- Puno, em 2012, pude observar a relevância dos emigrantes para o
turismo peruano. O passeio de barco foi composto por um grupo em que a maioria
era de emigrantes peruanos, acompanhado por seus cônjuges estrangeiros: dois
casais de peruanas com maridos italianos- as duas eram irmãs e estavam
acompanhadas pela mãe; uma peruana e seu marido espanhol e ainda um casal
peruano que morava em Nova Iorque. Ao longo do dia de passeio, os peruanos
conversaram sobre sua vida do exterior, do que sentiam faltam e da oportunidade
que têm de conhecer mais do próprio país.
O significativo volume de peruanos que saem do país tem despertado
também a atenção do Estado, que empreende estratégias em mantê-los apegados
ao país de origem: novos consulados foram abertos em cidades que apresentaram
um aumento expressivo de peruanos32; em 2002, foi criado Consejo de
31
No estudo sobre remessas que realiza. Altamirano (2006) decide focar no caso das remessas
enviadas por emigrantes das classes baixas e média-baixas oriundos de áreas urbanas e rurais.
Segundo o autor, apesar de terem uma renda menor que outras classes sociais, estes emigrantes
enviam as maiores quantias de remessas em períodos regulares, principalmente as mulheres
migrantes.
32
Atualmente, o Peru conta com 61 consulados gerais, 39 seções consulares e mais de 100
consulados honorários (Geldres, 2007). No Brasil, há 8 escritórios de representação consular.
119
Consulta33, associação com o objetivo servir de canal de comunicação entre a
comunidade e a representação consular (Geldres, 2007). Na política, os peruanos
inscritos nos consulados podem participar das eleições para presidente da
república, congressistas e integrantes do Parlamento Andino. As últimas eleições
aconteceram em 201134.
Outro espaço onde a emigração está sendo reconhecida é no campo das
estatísticas oficiais. O INEI tem constantemente produzido documentos sobre a
população peruana no exterior. Em 2010, o Censo Nacional do Ensino
Universitário incluiu perguntas sobre a intenção dos alunos de sair do país e
quantos deles recebem remessas. A expectativa de que os emigrantes mantenham
vínculos com o Peru ressoa na expressão “quinto suyo”. Ela tem sua origem na
palavra quéchua Tawantinsuyu, que significa “as quatro regiões unidas entre si”
(Rostworowski apud Berg e Pærregaard, 2005) que formavam o Império Inca.
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Quando se refere aos emigrantes, o “quinto suyo” seria uma forma de reconhecer
que eles continuam fazendo parte do Peru, como um novo suyu integrado aos
outros quatro. A expressão também apela para um sentido moral da ligação dos
emigrantes com a nação peruana35 (Berg & Pærregaard, 2005).
3.3
Educação Superior no Peru
Nós morávamos no Cono Norte... Na nossa casa tinha uma mesa grande. Meu pai colocava
eu e meus 8 irmãos todos sentados à mesa para fazer a lição de casa. Todo dia ele checava
nossos cadernos, nossos livros, para ver se nós estávamos estudando mesmo. Meu pai só
tinha terminado a primária, não sabia nos explicar a matéria da escola, mas sempre quis que
eu e meus irmãos estudássemos, Ele sempre nos disse que o sonho dele era ver todos nós
formados na universidade. E ele conseguiu. Todos nós somos profissionais. (Fala de
Guadalupe extraída do diário de campo, fevereiro de 2012).
33
Ver capítulo 2, subitem 2.3.4.
No primeiro turno das eleições peruanas, participei como observadora da organização
“Transparencia”, acompanhando a votação em São Paulo, que aconteceu num colégio no bairro da
Liberdade, tradicional pela presença japonesa. Ao redor do local de votação, se aglomorou um
grande número de peruanos, distribuindo panfletos de propaganda de festas, restaurantes e
associações peruanas; vendendo produtos peruanos que não são encontrados no mercado
brasileiro, como o ají amarrillo e a Inca Kola e vendendo pratos peruanos, como a causa rellena.
35
A expressão também já foi empregada por grupos afroperuanos que reinvindicam seu
reconhecimento como parte da nação peruana e deu origem à gravação de um documentário com o
mesmo nome. http://www.youtube.com/watch?v=jbOKLRGMK68
34
120
No carnaval de 2012, eu convidei Guadalupe para ir ao Centro Cultural
Banco do Brasil assistir um filme de Almodóvar. Eu tinha visto Guadalupe num
grupo de peruanos na Noches de Sol. Eu não cheguei a falar com ela na festa,
mas, conversei com um dos rapazes que estava no mesmo grupo. Depois da festa,
eu o adicionei no facebook e, conversando virtualmente, perguntei quem era a
única moça que estava no seu grupo de amigos. Guadalupe também estava no
facebook, a adicionei e começamos a conversar. Eu expliquei para ela meu
interesse em conhecê-la e combinamos de nos encontrar. Ela ficou muito
empolgada para me conhecer, não tinha muitos amigos brasileiros que mostrasse
a cidade para ela. No dia do nosso encontro, Guadalupe se atrasou- algo muito
comum entre os peruanos- e não conseguimos mais lugar para ver o filme.
Ficamos no CCBB conversando. Foi quando ela compartilhou algumas
lembranças do seu tempo de infância.
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Guadalupe lembra, com muita emoção, que seu pai se esforçou para que ela
e seus irmãos tivessem um bom desempenho na escola até se formarem na
universidade. A prova de que o plano pai dela foi exitoso é que ela e seus 8
irmãos, apesar de serem a uma família da classe trabalhadora, filhos de migrantes
e residentes de um Cono de Lima, conseguiram se formar. Guadalupe analisa
que, se ela tivesse nascido no Brasil, fosse negra e morasse numa favela do Rio de
Janeiro, muito provavelmente não teria conseguido entrar na universidade, menos
ainda se formar e trabalhar como uma profissional qualificada.
A estudante avalia que no Peru, um jovem com poucos recursos econômicos
e não-branco, se ele quiser, consegue entrar na universidade, ao contrário do
Brasil. Comparando duas grandes universidades, uma brasileira, a UFRJ e outra
peruana, a UNMSM,
ela percebe que na UFRJ quase todos os alunos são
“blanquitos”: “não vi morenos36 lá”, ela comenta. Na PUC-RJ, universidade onde
ela estuda, menos ainda. “Os únicos morenos que eu vejo são as senhoras da
limpeza”, conclui. Em compensação, na UNMSM “tem gente de todos os tipos”.
Ela explica que há universidades no Peru onde a maioria dos estudantes é branca e
de classe alta, como “La Catolica37”, mas também há universidades mais
36
37
Ver nota de rodapé 17.
Forma como os peruanos se referem à Pontificia Universidad Catolica del Perú (PUC-Perú).
121
diversificadas, com alunos de classes médias e baixas, de todas as raças38, como a
UNMSN ou a UNI.
Quando estive na PUC-Peru, me senti como se estivesse na PUC-Rio ou em
Fairfiled University, universidade norte-americana onde estudei, nos EUA.
Apesar das suas particularidades, elas têm uma estrutura física e uma composição
social muito parecida. Os prédios que preenchem seus campi são claros, bem
iluminados, espaçosos: sem grandes ornamentações ou variações de cores. As três
um campus bem arborizados, com vistosas áreas verdes e como coabitantes,
animais da fauna local. As três universidades também são particulares, católicas,
da ordem jesuíta e têm no seu quadro discente o predomínio de alunos de classe
média alta, que são considerados brancos em suas sociedades nacionais, com todo
complexo significado que esta categoria étnico-racial assume nos sistemas
classificatórios de cada um dos três países.
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Elas também se assemelham por serem procuradas por alunos estrangeiros.
Na minha visita à PUC-Peru em 2011, tive a oportunidade de conversar com o
então chefe do departamento de Ciências Sociais, que me disse que seu
departamento tem recebido um constante número
estudantes estrangeiros
interessados em estudar no Peru. Naquele semestre, eles estavam recebendo um
aluno japonês que escrevia sobre a emigração peruana para o Japão na sua
monografia de conclusão de curso. Com orgulho, o chefe de departamento
também compartilhou a informação de que grande parte do seu corpo docente já
havia estudado na Europa ou nos EUA. Além disso, as três universidades ainda
têm em comum o fato de muitos de seus estudantes locais estudarem no exterior.
Num dos dias que estava num restaurante na PUC-Peru, conversando em
português com outra brasileira sobre como funcionava o restaurante, um aluno da
PUC-Peru se aproximou de nós e , na nossa língua materna, nos perguntou se
queríamos ajuda. Ele me disse que sabia falar português porque havia estudado no
Brasil.
Clifford (1997), discutindo o significado do deslocamento espacial para a
etnografia, coloca em questão se o deslocamento por universidades também não
pode ser considerado uma maneira de realizar o trabalho de campo.
38
Raça é o termo usado entre os peruanos para se referir ao entrelaçamento entre características
físicas, etnia e classe.
122
Tradicionalmente, a universidade, quando aparece na pesquisa, é como o lugar
onde o antropólogo se prepara teoricamente para ir à campo e é para lá que ele
volta depois de viver com os “nativos”, onde, finalmente, ele escreverá sobre o
campo (Da Matta, 1978 ). Clifford indaga: a universidade também pode ser um
local para se realizar o próprio trabalho de campo, se entendido como “um lugar
de justaposição cultural, estranhamento, rito de passagem, um lugar de trânsito e
aprendizado?39” (Clifford, 1997, p. 82).
Na minha pesquisa, a universidade é o espaço por onde transitamos eu e os
sujeitos da pesquisa e é através dela que construímos nossa relação. Talvez mais
do que em outros trabalhos, no meu, a universidade tem um papel central, pois é
através dela que os estudantes têm sua presença justificada no Brasil e
encontramos um ponto de contato. Tanto eles quanto eu precisamos seguir prazos,
qualificar nossos projetos de pesquisas, debater sobre eles com nossos
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orientadores, defender nossas monografias, dissertações e teses. Assim como
eles, eu também sou uma estudante universitária.
Apesar de estar em outro país, na PUC-Peru, me senti familiarizada com a
maneira como a universidade está organizada física e socialmente. Tanto no
Brasil, como no Peru ou nos EUA, as experiências que venho tendo em ambientes
acadêmicos sempre acontecem em espaços, como salas de aulas e auditórios que
apresentam uma disposição física muito parecida. A organização das aulas,
palestras e congressos também: enquanto uma pessoa apresenta, o público faz
anotações e, em seguida, abre-se a sessão para perguntas. Além disso, nesses
ambientes predominam pessoas brancas40. Me lembrei da experiência de Velho
(1978, p. 125) que, discutindo a diferença entre distância física e distância
psicológica, narra ter se sentido muito à vontade num círculo de acadêmicos de
diferentes nacionalidades e idiomas, que se comunicavam em inglês e conseguiam
conversar fluidamente sobre diversos temas. Mesmo nunca tendo estado na PUC39
“Can the university itself be seen as kind of fielsite- a place of cultural juxtaposition,
estrangement, rite of passagem, a place of transit and learnind?”.
40
Relembro a complexidade que o termo “branco” abarca. Como negra, me chama a atenção que
nas três universidades, predomine entre sua comunidade acadêmica pessoas que nos respectivos
países são considerados brancas. As duas únicas ocasiões em que fui a encontros acadêmicos em
que encontrei um número significativo de pessoas não-brancas foi no XI CONLAB, realizado em
2011 em Salvador, onde encontrei um número muito expressivo de negros e no IV Congreso
Nacional de Investigadores de Antropología del Perú, em 2012, em Puno, sobre o qual me refiro
adiante.
123
Peru antes, não me senti estranha. Ao contrário, senti que a academia tem muitas
semelhanças nos países que eu visitei.
Próximo às margens do exuberante lago Titicaca, está a Universidade
Nacional Del Altiplano, em Puno. Em setembro de 2012, fui à universidade
apresentar um trabalho no VI Congreso Nacional de Investigadores en
Antropologia. O campus onde aconteceu o evento está localizado num terreno
montanhoso e acidentado e o auditório que abrigava as principais atividades do
congresso se localizava no ponto mais elevado do campus. Subir as escadas que
dão acesso ao auditório é uma tarefa difícil para aqueles que, como eu, não estão
acostumados com a altitude de Puno. Enquanto alguns dos prédios da
universidade mostravam sinais de desgaste, novos prédios estavam em
construção, o que parece indicar que a universidade está em expansão. Alguns
corredores, áreas públicas e auditórios são decorados com grandes mosaicos e
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pinturas com figuras indígenas (fotos no anexo 5). Num dos auditórios onde
aconteceram algumas atividades do congresso, as paredes eram preenchidas de
mosaicos de cerâmica do rodapé ao teto, que me impressionaram.
Na hora do almoço, eu e outros colegas íamos juntos almoçar no centro da
cidade. O único restaurante que há na universidade, o que atende os alunos, estava
sempre com filas muito extensas. Além do restaurante universitário, para comer,
havia no campus alguns pequenos quiosques construídos de madeira, onde eram
vendidos bebidas, biscoitos e balas. Nos três quiosques que encontrei, quem
atendia eram senhoras vestindo polleras e com os cabelos penteados com
tranças41.
Um fato que me chamou muita atenção na UNA-Puno é que a população
universitária- alunos, professores e funcionários- apresentava um fenótipo
indígena. Nos dias que participei do congresso, não me lembro de ter visto
nenhum aluno ou professor com um fenótipo diferente, a não ser os participantes
do congresso. Sem dúvidas, a noção de quem pode ou não ser considerado índio,
branco ou negro no Brasil e no Peru é diferente, complexa e vai muito além dos
traços físicos. Mas, no que se refere ao aspecto físico, alguns elementos como
cabelo preto e liso; olhos escuros pequenos e puxados e pele amarronzada são
41
As polleras são saias rodadas, na altura da canela, composta por várias camadas. O uso da
pollera e de tranças é um costume difundido entre mulheres indígenas de grupos étnicos
particulares.
124
considerados sinais de ascendência indígena em ambos os países. Não podemos
esquecer que Puno está localizada na Serra Sul do Peru, na fronteira com a
Bolívia, região dos Andes onde predomina a presença indígena de origem
quéchua e Aimara.
Da minha breve visita à Puno, não tenho condições de fazer nenhuma
afirmação sobre a relação entre a população universitária, a classe social na qual
está inserida e a ascendência indígena. Mas, lembrando que classe e raça são
elementos profundamente entrelaçados no Peru, é muito provável que alguns
alunos da UNA-Puno não estejam inseridos nas classes mais altas peruanas ou
mesmo punenhas, já que uma tradição muito recorrente e antiga no Peru é de que
as elites provincianas enviem seus filhos para estudar na capital, como discuti
anteriormente. No congresso, alguns dos ex-alunos da UNA-Puno apresentaram
seus trabalhos e, aproveitando a presença de antropólogos da PUC-Peru,
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demonstraram seu interesse em cursar o mestrado na prestigiada instituição.
Alguns peruanos universitários no Rio de Janeiro comentam que há uma
maior presença das classes mais baixas nas universidades públicas peruanas que
nas brasileiras e, concordando com o que disse Guadalupe, muitos deles se
incluem neste grupo. Depois de visitar a UNA-Puno, comecei a pensar que talvez
a grandiosa presença de estudantes, professores e funcionários de ascendência
indígena naquela universidade não estaria só relacionada ao fato de que, em Puno,
grande parte da população é composta por quéchuas, aimarás e seus descendentes.
Ou, talvez, o fato de existir uma universidade pública em Puno não seria uma
coincidência, mas estaria inserido numa lógica mais ampla que ampara o Ensino
Superior no Peru. E, refletindo sobre o caso dos estudantes peruanos no Rio de
Janeiro, muitos deles são alunos egressos de universidades públicas, oriundos das
periferias de Lima ou de províncias.
Então, nos deparamos com o desafio de refletir sobre Ensino Superior no
Peru, o que é fundamental para compreendermos tanto a vinda de peruanos para o
Rio de Janeiro para fazer a pós-graduação que viveram a experiência de cursar a
universidade no Peru, como também daqueles que vieram fazer a graduação e,
por isso, optaram por não cursá-la no Peru. Como funciona o Ensino Superior no
Peru? Quais são as formas de ingresso? Como se estruturou a universidade
peruana? Qual é a relação que ela estabelece com a sociedade mais ampla? Qual é
125
o sentido da universidade para a realidade peruana? Estas são as perguntas que
guiarão as próximas páginas.
***
A história do ensino universitário no Peru começa ainda no século XVI,
quando em 1551 foi fundada a primeira universidade das Américas, a Universidad
Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM) em Lima, a então capital do vicereinado. Além dela, outra universidade aberta no período colonial continuou em
funcionamento ininterruptamente: a Universidad Nacional de San Abad de Cusco,
criada em 1692, em Cusco, a antiga capital do império Inca. Na região dos Andes
peruanos, em 1677, também foi fundada a que nos 60 se tornou a Universidade
Nacional de San Cristóbal de Huamanga (UNSCH), em Ayacucho. Ao contrário
das duas primeiras, a UNSCH esteve em atividades até 1885, quando, foi fechada
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devido a longa crise vivida pelo país, agravada pela Guerra do Pacífico
(Degregori, [1990] 2010). Nos anos 60, a universidade foi reaberta, em resposta à
demanda popular por educação.
Enquanto o Brasil teve suas primeiras universidades no início do século
XX (Fávero, 2006), nas primeiras décadas do século XIX já se discutia no Peru
qual tipo de universidade o país precisava para atender suas demandas internas.
Em “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque compara a formação intelectual no Brasil
e na América Espanhola: enquanto os brasileiros iam para Portugal estudar na
Universidade de Coimbra, na América Espanhola foram construídas universidades
que formavam um número muito maior de alunos do que o de brasileiros
formados na universidade portuguesa (Buarque, 2006, p. 119). No Peru, a crítica
à universidade se baseou no princípio de que, apesar dos seus longos anos de
existência, continuava incapaz de contribuir para o desenvolvimento econômico e
social do país. A crítica argumentava que as três universidades criadas no período
colonial não tinham a preocupação de difundir o conhecimento produzido,
tampouco alcançar os setores populares da sociedade (Post, 1991).
O ensino universitário peruano era duramente criticado pelo seu caráter
elitista e por preservar as mesmas características que apresentavam no Vicereinado: uma tradição literária, escolástica, voltada mais para a retórica que para o
mundo das práticas (Lusk, 1984; Burga, 2003). Aquele foi o período em que o
126
Estado realizou os primeiros esforços em direção a uma reforma universitária. Na
tentativa de formar profissionais, em 1876, o governo peruano contratou um
engenheiro polonês para desenvolver o ensino das ciências na UNMSM. Surpreso
com o estilo de ensino da universidade, ele propôs a formação da Escuela Técnica
de Calzada, Caminos y Puentes, que anos mais tarde se tornou a Universidad
Nacional de Ingeniería (UNI), de onde vem uma parte significativa dos estudantes
de pós-graduação peruanos no Rio de Janeiro. Naquele mesmo período foram
criadas a Universidad Nacional de Trujillo, em 1824, e a Universidad Nacional
de San Agustin, em Arequipa, 1827 (Burga, 2003). Apesar das novas
universidades, as críticas quanto ao seu modo de funcionamento não cessaram.
Em 1902, Joaquín Capelo discutia a falta de clareza em seus objetivos, o que era
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responsável por gerar o “ofício”de estudante:
inúmeras pessoas que vivem muito anos às custas de suas famílias, como
verdadeiros parasitas, sem produzir nada e consumindo tempo e dinheiro. Este é
um dos ofícios que mais estraga a sociedade e retarda o progresso da civilização 42
(Capelo apud Post, 1991).
Mariátegui ([1928] 2008) se soma aos críticos da universidade peruana,
reconhecendo nela um caráter de continuação em relação ao período colonial.
Segundo o autor, a universidade no Peru contribuía para a reprodução da ordem
social aristocrática e uma economia semifeudal. Em sua célebre obra “Sete
Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”, publicado pela primeira vez em
1928, o autor discute que, apesar da universidade ter sido oficialmente definida
como a “a mais alta cátedra dos princípios e ideais da república” (Mariátegui,
2008, p. 139), ela mantinha o “espírito da colônia” (p. 138). Reproduzindo a
dominação da aristocracia colonial, ela era incapaz de gerar um sistema produtivo
bem sucedido, baseado no trabalho e na sua adequação à realidade peruana:
O objetivo das universidades parecia ser, principalmente, o de prover doutores e
rábulas para a classe dominante. O desenvolvimento incipiente e o mísero alcance
da educação pública fechavam os graus superiores de ensino para as classes
pobres... As universidades, açambarcadas intelectual e materialmente por uma
42
numerous persons who live many years at the expense of their families as true parasites,
producing nothing and consuming time and money. It is one of the occupation (...) which most
damages society and retards the progress of civilization.
127
casta geralmente desprovida de impulso criador, não podiam nem mesmo aspirar a
uma função mais alta de formação e seleção de capacidades. (Mariátegui [1928],
2008, p.136)
Para Mariátegui, o problema central da universidade peruana é que ela se
desenvolveu segundo uma “orientação anticientífica e antieconômica”: “uma
metafísica de reacionários” que se consideravam superiores aos técnicos (2008,
p.158). A ideia de que o trabalho é algo que desvaloriza os indivíduos
fundamentou a colonização espanhola e a universidade peruana. A universidade
deveria deixar sua herança “escolástica, conversadora e espanhola” (p. 139) e,
inspirando-se na universidade norte-americana, desenvolver um saber prático.
Será na década de 1950 que a demanda por educação superior receberá como
resposta a abertura de novas universidades, o aumento das vagas nas
universidades já existentes e ainda a permissão para que o setor privado atue no
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ramo. Entre os anos de 1955 e 1963, o número de universidades no Peru passou
de 5 para 20. O aumento do número de universidades e a instalação de
universidades em diferentes regiões do país possibilitou às pessoas das classes
mais baixas e do interior do país ter acesso ao Ensino Superior (Lusk, 1984).
O governo Belaunde (1963-1968) formulou políticas educacionais que,
viam na universidade a possibilidade de formar um setor técnico-profissional
capaz de propiciar o crescimento econômico do país. A ampliação do acesso à
universidade foi considerado uma forma de atender a demanda dos jovens das
classes mais baixas e também evitar que suas reivindicações culminassem numa
desaprovação mais profunda ao governo. As reformas universitárias dos anos
1960 respondiam a duas pressões: de um lado, a da elite, que acreditava numa
relação direta entre desenvolvimento econômico e expansão da educação, que
formaria uma classe média para servir de mão de obra para o setor público e o
incipiente setor manufatureiro; de outro, a pressão dos alunos egressos do ensino
secundário, que acreditavam que através da educação superior poderiam ascender
socialmente, chegando a postos de trabalho até então restritos às elites peruanas
(Lusk, 1984; Sandoval, 2005).
No entanto, a expansão do ensino superior não correspondeu às
expectativas. A forma como ele foi expandido provocou uma profunda
desigualdade entre as universidades públicas e as universidades privadas.
128
Enquanto as primeiras sofriam com problemas de infraestrutura e com um
orçamento extremamente limitado, as universidades privadas acolhiam os jovens
das classes altas e, através das mensalidades, ofereciam aos seus alunos as
condições apropriadas para sua formação. Assim, se, por um lado, as classes mais
baixas tinham agora a chance de entrar na universidade, elas não dispunham dos
mesmos recursos que ofereciam as universidades para onde se dirigiam as classes
mais altas. A situação era ainda mais precária nas universidades localizadas nas
áreas mais pobres e mais distantes da capital do país43.
A situação das universidades públicas peruanas continuou a se deteriorar
durante os governos militares, de 1968 a 1980, quando a política econômica de
nacionalização colocou o país em dificuldades para manter seu orçamento
(Alvarez,1995). Na década de 1980, a universidade continuou duramente afetada
pela crise econômica. Sandra44 vivenciou esta fase quando cursou Ciências
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Contábeis na Universidad Nacional San Abad de Cusco. Ela lembra que na
universidade havia muitos mais alunos do que comportava cada sala de aula e
nunca tinha carteira suficiente para todos sentarem. Quem chegasse tarde, tinha
que assistir aula em pé:
Às vezes, você chegava na sala para assistir e te diziam: “a aula tal? Não vai ser
aqui não! Foi transferida lá pro outro prédio.” Você tinha que sair correndo pro
outro lado da faculdade. Um dia, eu e uma amiga chegamos na sala que a gente ia
ter aula. A sala já tava cheia! A gente já tinha assistido uma aula parada. A gente já
tava cansada. Então, a gente gritou: “a aula tal? Não vai ser aqui não! Foi
transferida lá pro outro prédio.” Todo mundo saiu correndo. E a gente conseguiu
sentar. (conta com riso, em tom entusiasmado) (diário de campo, julho de 2011).
Sandra.
A realidade vivida por Sandra está longe de ser um caso isolado, sobretudo
entre aqueles que cursaram a universidade pública no Peru nos anos 1980. Sandra
lembra que na universidade junto com ela estudava muita “gente sempre”, pessoas
das classes mais baixas. A peruana lembra que elas eram muito estudiosas, muitos
trabalhavam e estudavam, mas, mesmo assim, tinham melhor rendimento que ela,
que não precisava trabalhar enquanto estudava. Muitas delas tinham experiência
43
Um exemplo das precárias condições das universidades no interior do Peru, ver o caso da
Universidad Nacional San Cristóbal de Huamanga, em Ayacucho, onde se formou, anos mais tarde
o Sendero Luminoso (Degregori [1990], 2010).
44
Sandra veio para o Rio de Janeiro trabalhar, onde vive há 20 anos.
129
de trabalho e já tinham feito cursos técnicos, por isso, já sabiam muito de
Contabilidade antes de entrar na faculdade. Sandra testemunhou o paradoxo da
expansão do ensino universitário peruano que, de um lado, democratizou o acesso,
porém sem garantir as condições necessárias para seu pleno funcionamento.
Como consequência, as universidades públicas peruanas nos anos 1980 foram
marcadas por salas de aulas superlotadas, professores com baixos salários,
instalações inadequadas, o que incentivou os que podiam pagar a estudar em
universidades privadas (Lusk, 1984; Post, 1994;1991). Sandoval (2005) resume:
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... o acesso à educação superior, entendido em princípio como um dispositivo de
ascensão social para populações antes marginalizadas, acabou se transformado num
espaço que mantinha (e reproduzia) com certa nitidez a exclusão e as hierarquias
na aquisição do conhecimento e do capital cultural. Então, a distorção do efeito
democrático no acesso à educação promoveu a estratificação do próprio sistema
educativo, em circuitos de qualidade desigual45.
Douglas, por exemplo, lembra que ninguém na sua família havia cursado
nível pós-médio, nem técnico, nem universitário. Quando o primeiro primo
ingressou na universidade, toda família, orgulhosa, construiu em torno dele a
expectativa de que o ensino superior traria mudanças para ele e quiçá para o
restante da família. Para a decepção de todos, o primo desistiu da faculdade. Anos
mais tarde, outra prima ingressou no curso de Engenharia Agrícola. Ao contrário
do primeiro primo, esta conseguiu se formar. Porém, seu diploma não propiciou
nenhuma mudança significativa na sua vida. Ela não conseguiu “se dar bem”:
nunca trabalhou como engenheira e continuou a exercer atividades que não
exigiam nível superior. Os dois primos reforçaram na família o descrédito na
universidade. Estes exemplos produziram em Douglas a sensação de que a
universidade era um espaço inapropriado para ele:
... eu particularmente, nunca tive uma imagem na minha família ou de conhecidos
que falassem assim: “caraca, (...) vou estudar na universidade que depois eu vou
me dar bem”. (...) Pra mim (...) ir para universidade era uma utopia. Douglas.
45
… el acceso a la educación superior, entendida en un principio como un dispositivo de ascenso
social para poblaciones antes marginadas, terminó convertida en un espacio que mantenía (y
reproducía) con cierta nitidez la exclusión y las jerarquías en la adquisición del conocimiento y el
capital cultural. Entonces, la desvirtuación del efecto democrático en el acceso a la educación
promovió la estratificación del propio sistema educativo, en circuitos de desigual calidad.
130
As desigualdades entre as universidades onde estudam as camadas médias e
altas e as universidades para onde se dirigem as camadas populares têm sua
repercussão na inserção dos graduados no mercado de trabalho. Mesmo com
educação superior, os jovens das camadas populares não conseguem as mesmas
oportunidades de emprego, nem recebem os mesmos salários que os jovens das
classes médias e altas (Post, 1991; 1994), o que fez com que as esperanças de que
o ensino universitário acabaria com as desigualdades no Peru dessem lugar a um
descrédito na universidade e na capacidade do Estado peruano em combater as
desigualdades. O acelerado incremento do número de estudantes universitários, o
decrescente investimento do Estado na educação pública, somados à incapacidade
do mercado laboral peruano em absorver os profissionais formados no país
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contribuíram para a formação de uma percepção de exclusão entre os jovens
universitários (Sandoval, 2005).
3.3.1
Educação universitária no Peru hoje
Desde os anos 90, o Ensino Superior no Peru tem presenciado um aumento
exponencial no número de universidades privadas e uma impactante diminuição
do investimento público no Ensino Superior. Enquanto em 1970, o gasto público
médio anual por estudantes foi de U$1.455, essa cifra diminuiu para U$ 262,46
em 1990. A maior parte destes recursos foi destinada a gastos correntes, como
cobrir a folha de pagamento de professores e funcionários, sobrando pouco para
investir em manutenção, equipamentos, aquisição de livros e pesquisa
(McLauchlan e Melgan, 1993).
As universidades públicas têm buscado estratégias próprias para gerar
recursos, como a comercialização direta de produtos, prestação de serviços de
docência, execução de projetos em Pesquisa e Desenvolvimento. Ou ainda, cobrar
aos alunos taxas para serviços que antes eram gratuitos (McLauchlan e Melgan,
1993, p. 30). Por exemplo, Vicente, amigo peruano que estudou na Universidad
Nacional Agraria (La Molina) me explicou que todo semestre ele tinha que pagar
uma certa quantia para renovar sua matrícula. Essa quantia era muito inferior à
131
matrícula numa universidade particular, porém a universidade pública em que
estudava já não era mais completamente gratuita.
De acordo com o censo universitário de 201046, atualmente o Peru conta
com 100 universidades: 65 privadas e 35 públicas. Em 1996, data em que foi
realizado o primeiro censo universitário, o Peru tinha 57 universidades: 28
públicas e 29 privadas. A rápida expansão das instituições privadas
principalmente ao longo dos anos 90 fez com quem elas concentrassem a maior
parte dos estudantes de Ensino Superior no Peru. Em 1996, 40,4% dos estudantes
universitários estavam em instituições privadas. Em 2010, este número passou
para 60,5%.
O Ensino Superior peruano é gerido pela Assembleia Nacional de Reitores
(ANR), que se encarrega de definir as políticas que regerão as universidades do
país. A ANR é formada por todos os reitores de universidades peruanas, públicas
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e privadas. O ensino superior no Peru inclui a formação de bachiller, maestro e
doctor, como níveis sucessivos. Para alcançar o título de bachiller é necessário o
cumprimento de no mínimo dez semestres letivos. Para obter os títulos de maestro
e doctor, se exige a duração mínima de quatro semestres cada um. Além ser
aprovado no curso de mestrado e doutorado, o aluno terá que defender
publicamente um trabalho de pesquisa e ainda comprovar o conhecimento de um
idioma estrangeiro, no mestrado, e dois para o doutorado. Além dos cursos citados
acima, no Peru existem também cursos superiores não universitários, oferecidos
pelos institutos superiores.
Na população discente universitária não há uma diferença significativa em
relação à presença de homens e mulheres tanto no nível de graduação quanto no
de pós-graduação. Na graduação, há uma pequena predominância de homens
(51,1%) e na pós-graduação, uma predominância de mulheres (51,8%). A
discrepância mais elevada está entre os doutorandos, em que 59,9% são homens.
No Peru, desde 1908 é permitido às mulheres ingressar na universidade. Em
1960, 25,4% dos estudantes matriculados na universidade eram mulheres; em
1990, 36.4% e em 2002, as mulheres já eram 44,6% do total de alunos
universitários (Díaz, 2008).
46
Disponível em http://200.48.39.65/.
132
Uma análise mais profunda sobre a presença das mulheres, que foge do
escopo deste trabalho, deve levar em consideração as áreas de conhecimento nas
quais homens e mulheres se inserem e refletir sobre os motivos destas escolhas.
Entre os estudantes peruanos no Rio de Janeiro sujeitos desta pesquisa inseridos
em cursos de pós-graduação, observo que quase a sua totalidade está inserida em
áreas de conhecimento ligadas às ciências naturais, tecnologia e engenharia,
predominando entre eles a presença de homens. Todos os homens e mulheres que
entrevistei que estão inseridos em áreas como a Engenharia (de produção, civil,
mecânica, ambiental e elétrica), Informática e Física são unânimes em afirmar que
tanto no Brasil quanto no Peru, nestes cursos a presença de homens é muito mais
elevada que a de mulheres.
Uma característica marcante no período que o primeiro e o segundo censo
universitário abrange é a crescente demanda por cursos de pós-graduação- de
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especialização, mestrado e doutorado. Entre 1996 e 2010, o número de pósgraduandos passou de 10.818 para 56.358, ou seja, multiplicou por 5,2 vezes. Este
expressivo aumento da demanda por pós-graduação pode estar relacionada a uma
busca dos graduados de diferenciar-se dos outros profissionais num mercado de
trabalho competitivo.
A percepção de Guadalupe de que o Ensino Superior no Peru é mais
inclusivo do que no Brasil foi construída no contexto no qual os peruanos viveram
primeiramente, um processo de democratização do acesso ao Ensino Primário e
Secundário47 e, mais tarde, de expansão das vagas nas universidades públicas. Tal
processo permitiu que indivíduos anteriormente excluídos do sistema universitário
pudessem ingressar nele. No entanto, a ideia da estudante de que entrar ou não na
universidade pública no Peru é uma decisão pessoal que depende apenas da
vontade do indivíduo não se confirma nos dados analisados por Díaz (2008). O
autor analisa que entre as décadas de 1960 e 2000, a proporção de alunos que
ingressam na universidade pública em comparação ao número total de candidatos
diminuiu. Na década de 1960, 37% dos candidatos conseguiram entrar na
universidade. Em 1990, a cifra foi de 20%. Na década de 2000, a porcentagem de
47
O Ensino Primário e Secundário, no Peru, se assemelha ao Ensino Fundamental e Médio, no
Brasil.
133
candidatos aceitos nas universidades públicas foi de apenas 18% do total de
inscritos.
O II CENAUN 2010 mostra que a média de idade em que os jovens
ingressam na universidade é de 18,9 anos e eles se candidatam à universidade
cerca de 2 vezes até conseguir ser aceito. Isto significa que, depois de terminar o
Ensino Secundário, por volta dos 16 anos, muitos deles não conseguem ser
aprovado na primeira vez que correram à uma vaga no Ensino Superior. Ingressar
na universidade exige uma preparação devido à acirrada disputa pela vagas
oferecidas: há mais candidatos do que vagas disponíveis, sobretudo nas
universidades públicas. A preparação para disputar uma vaga na universidade é
realizada nas academias48ou nos centros pré-universitários, que não são gratuitos.
Assim, um estudante que se prepara nas academias mais reconhecidas terá mais
chances de entrar na universidade. Do total de estudantes das universidades
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públicas, apenas 20,2% conseguiram passar no exame de admissão se preparando
por conta própria. Nas universidades particulares, esta cifra foi de 60,4%.
Jeremia, por exemplo, terminou o Ensino Secundário com 16 anos e só
conseguiu entrar na UNI aos 21. Seu irmão mais novo está agora tentando o
processo seletivo para a mesma universidade, mas depois de 4 tentativas, ainda
não conseguiu passar. Sua família não tem condições de pagar uma boa academia
para ele. Por isso, Jeremia quer trazer seu irmão para estudar no Brasil. Ele não
quer que seu irmão invista mais tempo para entrar na mesma universidade onde
ele estudou, que é uma universidade de renome, mas de difícil acesso. Jeremia
também não quer que seu irmão termine numa universidade particular com
qualidade duvidosa, pois sua família não teria condições de pagar um boa
universidade privada.
O vertiginoso aumento das vagas em universidades particulares desde os
anos 90 tem provocado um debate sobre a qualidade de ensino oferecida por elas.
(Díaz, 2008), já que não há um sistema eficaz capaz de avaliar este crescimento
(Díaz, 2008; Risco, 2003). O risco desta expansão é que se aprofunde a
estratificação das universidades peruana, entre as universidades particulares de
excelência, que com altas mensalidades, recebe a elite peruana; as universidades
públicas, que se esforçam para oferecer uma educação de qualidade e que mantém
48
As academias se assemelham aos cursos pré-vestibulares, no Brasil.
134
o prestígio na sociedade peruana, mas sofrem com a falta de recursos e oferecem
vagas limitadas; e as universidades particulares com mensalidades mais baixas e
com qualidade duvidosa, para onde irão aqueles que não podem pagar as
primeiras e que não conseguem uma vaga nas segundas.
3.3.2
A internacionalização da educação no Peru
Apesar da expansão do ensino superior no Peru, muitos peruanos optam
por realizar sua formação de graduação ou pós-graduação no exterior. No caso da
segunda, os alunos egressos das universidades peruanas encontram um quadro de
reduzido investimento público em pós-graduação e pesquisa. Como consequência,
não há cursos gratuitos de pós-graduação no país, que são custeados pela
mensalidade que os alunos pagam. Os interessados em ingressar nos níveis de
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pós-graduação precisam encontrar meios próprios para arcar com os custos. Em
2010, 86,9% dos estudantes autofinanciava sua pós-graduação; 8,1% tinha seu
curso financiado pelos pais; para 2,9%, a pós-graduação era financiada pelo
centro de trabalho e apenas 2,0% dos pós-graduandos peruanos recebia bolsas (II
CENAUN, 2010). Além dos custos da pós-graduação no Peru, que, na área de
engenharia custa em torno de U$30.000, segundo uma entrevistada, ela carecem
de uma estrutura acadêmica e administrativa que garanta a qualidade do ensino e
da produção científica (CONAEP, 2003)49. Para muitos peruanos, encontrar uma
bolsa para estudar fora do Peru é a alternativa para elevar sua qualificação.
A internacionalização da educação está inserida na crescente expansão do
Ensino Primário e Secundário e no maior número de pessoas que chegam ao
Ensino Superior. Mazza (2009) explica que a circulação de estudantes se localiza
num contexto de desgastes das credenciais: a ampliação do acesso de níveis de
educação antes restritos a uma minoria inflaciona o mercado de diplomas,
provocando o desgaste de algumas credenciais distintivas.
49
Na dinâmica de
O Consejo de Escuelas de Postgrado del Perú (CONAEP) publicou em 2003 um artigo na
Revista Estudios en Ciencias Administrativas em que avalia o ensino de pós-graduação no Peru e
propõe diretrizes. Na sua análise, o Peru está atrasado na consolidação do ensino em nível de pósgraduação, se comparado com países como o Brasil. “En la actualidad en nuestro país funcionan
cerca de 80 universidades de las cuales existen información parcial. Se tiene conocimiento que
doce de ellas brindan Doutorados en 31 programas, y 26 universidades tienen postgrados en 31
programas de Maestría. Esta cantidad es insuficiente si comparamos con Brasil, país que (…)
actualmente cuenta con 480 programas de doctorados y 990 programas de Maestrías”.
135
competição do mercado (de trabalho, de bens simbólicos e de diplomas), estudar
no exterior é uma maneira de reforçar fronteiras entre os grupos e classes e uma
forma de lograr um lugar privilegiado nos diferentes mercados. A mobilidade
estudantil agrega valor- material e simbólico- aos diplomas. Muitas vezes, os
diplomas das universidades nacionais são desacreditados diante dos adquiridos no
exterior.
Apesar do prestígio que estudar fora do país traz, nem sempre a qualidade
da educação no exterior é realmente mais elevada que a educação dentro do país.
Heitor, amigo peruano que conheci na viagem que realizei ao país em junho de
2011, cursou metade da sua graduação em Finanças em Lima e a outra metade nos
EUA. Ele se surpreendeu quando chegou na universidade norte-americana, pois o
sistema de ensino peruano exigia muito mais dedicação do que o sistema dos
EUA. Ele considera que o ensino no Peru foi muito sólido, mas ainda assim avalia
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como positivo ter estudado nos EUA, porque sua formação é mais reconhecida e
valorizada. Heitor alcançou uma chancela para seu diploma (Mazza, 2009) que lhe
garante uma posição privilegiada diante daqueles que fizeram toda sua formação
numa universidade peruana.
Ao longo de sua história, o Peru já assinou acordos de cooperação
internacional com 51 países de 4 continentes (anexo 7). A grande lista de países
com os quais o Peru tem historicamente mantido acordos e convênios nas áreas de
educação e cultura mostram que o país não esteve isolado da dinâmica de
internacionalização da educação e da cultura, mas buscou ampliar suas relações
com outros países. Um exemplo desta diversificação das relações internacionais
do Peru foi observado no período da chamada Guerra Fria, dos anos 60 até fins
dos anos 80. Nestas décadas, o EUA se conformava como uma grande potência no
ocidente, estabelecendo o papel central de influenciar a política latino-americana.
No entanto, mesmo num período em que internacionalmente, a América Latina
estava sobre forte influência do poderio americano, o Peru não deixou de se
relacionar com países que integravam o bloco da antiga União Soviética.
Além dos acordos bilaterais, o Peru também mantém convênios com
agências de fomento estrangeiras como o Convênio Andrés Bello (CAB), a
Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação (COSUDE) e a Agência
dos Estados Unidos para a Cooperação Internacional (USAID). Esta última se
136
dedica às áreas de desenvolvimento social e rural, saúde, população, nutrição,
agricultura e ajuda humanitária. A USAID também já ofereceu bolsas de estudos
para estudantes universitários peruanos. Este foi o caso de Manuel. Ele vivia na
região de Tempo Maria, na selva peruana, e veio para o Brasil no ano de 1981,
realizar seus estudos de mestrado na Universidade Federal de Viçosa. Depois de
se formar, ele voltou para o Peru, se tornou professor universitário no seu país,
porém o agravamento do movimento terrorista no Peru o motivou a voltar para o
Brasil. Hoje, ele é brasileiro naturalizado, casado com uma brasileira e professor
da Universidade Estadual do Norte-fluminense.
Ainda que o Peru já tenha assinado acordos internacionais na área de
educação e cultura com uma longa lista de países, Butters et al. (2005), na
pesquisa que realizaram sobre internacionalização da educação na América
Latina, constataram que internacionalização da educação no Peru não faz parte de
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um planejamento institucional ou governamental. Não existe um órgão ou
instituição que coordene ou gerencie os programas internacionais de pesquisa e
intercâmbio, nem as ofertas de bolsas para peruanos saírem do Peru e estrangeiros
irem para o país. Como consequência, não há estatísticas sobre o número de
peruanos estudando no exterior, o que é necessário para uma análise do fenômeno.
Diante deste quadro, os programas de internacionalização da educação hoje
vigentes são muito mais fruto de esforços pessoais de professores e alunos do que
resultado de uma política das universidades ou mesmo do Estado. É neste
contexto que os estudantes peruanos no Rio de Janeiro se inserem.
Mesmo assim, sair do país faz parte das aspirações da maioria dos
estudantes do Ensino Superior peruano. Em 2010, 60,8% dos alunos de graduação
afirmaram que cogitam a possibilidade de sair do país ao terminar os estudos.
Desse total, 64,9% pensam em cursar a pós-graduação no exterior; 47,8%
pretendem sair do país para buscar melhores oportunidades de trabalho e 38,4%
por melhores expectativas econômicas. Entre os alunos de pós-graduação, 33,4%
pensam em sair do país: 66,7% para realizar outros estudos de pós-graduação,
36,9% por melhores oportunidades de trabalho e 28,9% em busca de melhores
condições econômicas (II CENAUN, 2010).
Assim, os sujeitos da nossa pesquisa estão inseridos num quadro de
crescente valorização da educação como meio de ascensão social e superação das
137
tradicionais formas de dominação vigentes na sociedade peruana, de um lado. Do
outro, eles puderam vivenciar a decepção de uma geração que viu parte de suas
expectativas sobre a educação frustradas por intensas crises econômicas e
políticas e pelo sucessivo empobrecimento da universidade pública. Desde os
anos 90, eles também têm presenciado uma crescente abertura do Peru para o
exterior, através da entrada de bens de consumo e do acesso a meios de
comunicação de massa (Golte, 1994) e pelas novas possibilidades viajar ao
exterior, o que esteve restrito às elites (Ávila, 2003).
Além disso, os jovens peruanos que vêm estudar no Rio de Janeiro se
deparam com um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, no qual portar
um diploma superior não parece suficiente para alcançar os melhores postos e
cargos. A exigência de outras habilidades como falar inglês e saber computação se
torna um entrave para aqueles que, apesar de terem cursado universidades de
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renome, não tiveram condições econômicas para investir no desenvolvimento das
novas habilidades exigidas pelo mercado de trabalho peruano. É neste cenário que
começa a ser gestada a ideia de sair do Peru.
4
Brasil: a construção de um destino
Na última noite que passei em Andahuaylas, Apurímac- Peru, fui convidada
por minha anfitriã para ir ao restaurante de sua amiga comemorar o aniversário de
outro amigo, um canadense que mora em Andahuaylas. Estiveram presentes na
comemoração um círculo de amigos do rapaz canadense, que incluía os donos do
restaurantes, meus anfitriões, duas moças francesas, uma venezuelana e três
peruanas. Uma das peruanas era de Lima e contou que seu irmão fez o mestrado
em Engenharia na PUC-RJ. Ela chegou a visitá-lo no Rio de Janeiro, cidade que
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achou muito bonita. Depois que se formou, seu irmão voltou para o Peru e hoje
trabalha em Arequipa. Uma das outras peruanas ouviu nossa conversa e ficou
interessada. Ela disse que gostaria que seu filho viesse para o Brasil fazer a pósgraduação e me perguntou se eu poderia ajudá-la.
Quando visitei a cidade de Lima em junho de 2011, um taxista comentou
que tinha parentes que em São Paulo. Ele mesmo chegou a pensar em morar no
Brasil, mas teve receio de que não desse certo. Não foi apenas em Lima que ouvi
relatos de peruanos que têm relações com o Brasil. Em Cusco, um garçom de um
restaurante na Plaza de Armas, um dos principais pontos turísticos da cidade, me
perguntou de onde eu era ao ouvir meu sotaque. Quando eu respondi: “Brasil”,
ele, entusiasmado, abriu um sorriso e me contou que já tinha vindo ao Brasil. Ele
fez um curso de Turismo e Hotelaria em Natal, Rio Grande do Norte, onde mora
um de seus irmãos.
Nessa mesma viagem, o atendente de uma loja de souvenires, ao me ouvir
falar Português, me disse- na minha língua materna- que tinha morado e
trabalhado no Acre. Em outra ocasião, numa loja de produtos de lã alpaca,
localizada numa comunidade quéchua próxima ao centro de Cusco, uma das
senhoras que trabalhava na loja comentou que tem alguns conhecidos no Rio de
Janeiro que a convidaram para trabalhar com eles vendendo bebidas no carnaval
carioca de 2010. Naquele ano, Cusco tinha sofrido com fortes chuvas que
provocaram uma drástica queda no fluxo de turistas, principal atividade
139
econômica da região. Ela veio, mas preferiu retornar para Cusco quando
terminaram o carnaval, no Rio, e as fortes chuvas, em Cusco.
A emigração peruana tem como peculiaridade se dispersar por diferentes
cidades e países. Desde os anos de 1990, os peruanos escolheram como principais
destinos: os Estados Unidos da América (31,5%), Espanha (16,0%), Argentina
(14,3%), Itália (10,1%), Chile (8,8%), Japão (4,1%) e Venezuela (3,8%). Estes
sete destinos somados concentram 88,6% dos emigrantes peruanos. Nos últimos 5
anos, novos países apareceram na lista de destinos de peruanos: nas primeiras
posições estão Brasil, em primeiro lugar, Holanda e Colômbia, em segundo e
terceiro lugar respectivamente, o que mostra que a emigração peruana continua a
se dispersar por diferentes países (INEI et al., 2012).
Os exemplos que contei acima de peruanos que têm uma relação com o
Brasil parecem indicar uma aproximação entre os dois países que torna o Brasil
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um destino possível. Neste capítulo, explorarei como aconteceu este processo de
aproximação no caso dos jovens peruanos, que escolheram o Brasil e o Rio de
Janeiro como lugar onde estudar. As representações sobre o Brasil, o Peru e os
outros países e o significado atribuído ao deslocamento internacional elaboradas
tanto pelos próprios estudantes, como pelas sociedades peruana e brasileira
exercem um importante papel neste processo. Tentando explicar um mundo
profundamente diverso e multifacetado, as representações se encarregam de
oferecer uma ordem e uma lógica de compreensão à tal complexidade, servindo de
parâmetro para as ações dos indivíduos. Nós veremos que, quando ainda estavam
no Peru, estes jovens tiveram contato com representações de Brasil que os fizeram
acreditar que aqui eles teriam condições de desenvolver seus projetos pessoais,
estudantis e laborais.
140
4.1
O Brasil no contexto das migrações internacionais
“O Brasil vai virar um “Estados Unidos”. (Colega de trabalho, diário de campo,
outubro de 2011)
Conversando sobre a imigração peruana no Rio de Janeiro com uma
colega de trabalho, ela se demonstrou preocupada com a presença de estrangeiros
no Brasil. Seu temor residia na possibilidade do Brasil se tornar um “Estados
Unidos”. Fiquei imaginando o que ela estava querendo dizer com aquela
afirmação: será que o Brasil receberá tantos imigrantes quanto os EUA? Ou o
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Brasil explorará a mão de obra imigrante como os EUA? Ou ainda, o Brasil
elaborará leis de imigração como as norte-americanas? Após alguns segundos
tentando compreender o significado daquela fala, a colega continuou, explicando
que temia que os imigrantes sobrecarregassem os serviços sociais e o mercado de
trabalho em detrimento da população brasileira, “como acontece nos EUA”.
Minha colega explicitou uma opinião muito recorrente no senso comum
brasileiro e internacional, que enxerga o imigrante como uma ameaça sempre
iminente, que se torna real quando o número de imigrantes cresce a ponto de
“fugir do controle”, como, em sua concepção, aconteceria nos EUA. A definição
da presença imigrante como uma “invasão” muitas vezes veiculada pela grande
mídia, corrobora para a reprodução de uma representação do imigrante como
alguém que devemos tratar com cautela e certa distância. Para acalmar minha
colega, contei que o Brasil está longe de ter uma proporção de imigrantes similar
à dos EUA.
Na história do Brasil, a imigração tem sido um fenômeno que imprimiu
relevantes características na sociedade. Entre 1819 e 1940, o Brasil recebeu cerca
de 5 milhões de imigrantes, oriundos da Europa e do Japão e entre 1550 e 1850,
recebeu cerca de 4 milhões de africanos (Alencastro e Renaux, 1997). A
diversidade das nacionalidades que chegaram ao Brasil ao longo da história
poderia levar o leitor a crer que todos os estrangeiros eram igualmente aceitos e
bem recebidos em solo brasileiro. Porém, não era assim. Os africanos, por
141
exemplo, chegavam ao Brasil como escravos, forçados a deixar sua terra natal
para se tornar mão de obra compulsória e sem remuneração do outro lado do
Atlântico. Já no caso dos imigrantes voluntários, já no século XIX, havia um
debate acerca de qual perfil de estrangeiro serviria para atender os interesses
nacionais, como suprir a demanda mão de obra livre das lavouras brasileiras.
Assim, no final do século XIX foi construído do imigrante desejado, que
seria aquele que, além de trabalhador rural, também serviria como "agente
civilizador" do Brasil através do branqueamento (Seyferth, 1996; 1997). Para
estes propósitos, ele precisaria ser europeu, branco, capaz de se assimilar à cultura
brasileira (Alencastro e Renaux, 1997; Seyferth, 1996; 1997), critérios que
inspiraram as políticas de imigração do período. Do perfil de imigrante desejado
estão, portanto, excluídos negros (Ramos, 1996), asiáticos1 (Alencastro e
Renaux,1997), árabes e judeus (Lesser, 2001). Isto significa que os imigrantes
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indesejados não atendia todas as exigências- explícitas ou não- do Estado e das
elites brasileiras. Eles poderiam servir como mão de obra, mas não como agentes
de um imaginado desenvolvimento civilizatório do Brasil, o que significava
branquear o país.
A imigração nunca deixou de fazer parte da realidade brasileira, porém,
desde a Segunda Guerra Mundial, ela sofreu uma significativa transformação,
com uma diminuição quantitativa e uma diversificação qualitativa (Baeninger,
2003), incluindo trabalhadores altamente qualificados, estudantes, refugiados,
trabalhadores manuais, executivos e profissionais liberais, oriundos de diferentes
partes do mundo. Baeninger (2003) assinala que as novas modalidades
migratórias no Brasil e no mundo já não são mais caracterizadas exclusivamente
pelo seu peso numérico, mas principalmente pelo seu significado:
As diferentes formas de mobilidade espacial da população (...) pressupõem a
diversificação dos movimentos migratórios internacionais, em que ganha
importância o significado desses fluxos no contexto da inserção de cada país de
origem e de destino no atual processo de reestruturação econômica internacional.
(Baeninger, 2003, p. 316)
1
Em entre 1854 e 1856, 2 mil chineses chegaram no Rio de Janeiro, porém, considerados
culturalmente inaptos para povoar o Brasil e compor a cultura nacional, em 1890, foi vetada a
entrada de asiáticos e africanos no Brasil. Este veto foi retirado em 1902 e em 1908 chegam os
primeiros imigrantes japoneses no Brasil (Alencastro e Renaux,1997).
142
Neste sentido, o que significa para o Brasil, um país que até a década de
1930 adotou uma política ativa de seleção e controle da imigração, privilegiando
um determinado perfil -europeu, branco, agricultor que se assimilasse à cultura
nacional- (Iotti, 2010; Seyferth, 1997), receber imigrantes que se encaixam no
perfil historicamente preterido pelo país,
como africanos e asiáticos, por
exemplo? Como os imigrantes mais recentes negociam sua integração à sociedade
brasileira? Como o Brasil e os brasileiros se posicionam diante deles? Em que
medida a presença de brasileiros no exterior e de estrangeiros de diferentes
nacionalidades no Brasil influenciam as representações de Brasil que se tem no
próprio Brasil e no exterior? Estas são as perguntas que coloco em pauta nesta
seção.
4.1.1
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Os novos imigrantes
Em abril de 2012, fui a Braga, Portugal, participar de um congresso na
Universidade do Minho. Na fila de embarque para retornar ao Brasil, conversei
com uma jovem portuguesa que estava vindo visitar os tios que moram Rio de
Janeiro. Ela nunca tinha vindo ao Brasil, mas julgou este ser o momento mais
propício: como estava desempregada em Portugal, ela visitaria os tios, conheceria
o Rio e ainda aproveitaria para procurar um emprego aqui se gostasse da cidade.
Ela terminou o ensino superior e domina outros dois idiomas além do Português,
por isso, presumia que não seria difícil encontrar um emprego na ex-colônia.
Em outubro de 2011, uma declaração do secretário português de Juventude
e Desporto, Alexandre Miguel Mestre gerou polêmica no país. Num seminário
direcionado a jovens luso-descendentes, em São Paulo, o secretário afirmou que
se Portugal sofre com o desemprego, os jovens devem sair de sua “zona de
conforto” e buscar oportunidades “além da fronteiras”2. A principal crítica era de
que, ao invés de incentivar seus jovens emigrarem, o governo português deveria
criar mecanismo para inseri-los no mercado de trabalho3. A emigração não é uma
novidade para a sociedade portuguesa: no final do século XX, alguns dos
2
http://blog.opovo.com.br/portugalsempassaporte/secretario-da-juventude-quer-incentivar-lusobrasileiros-a-investirem-em-portugal-e-aconselha-jovens-portugueses-a-emigrarem/
3
http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=2240618&page=-1;
http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=37105
143
principais destinos dos portugueses foram EUA, Venezuela, Canadá e Austrália
(Bógus, 1995; Feldman-Bianco, 1993; Trindade, 1976). A jovem portuguesa que
conheci no aeroporto está inserida, portanto, num campo de possibilidades que
inclui a longa tradição emigratória da sociedade lusitana, a valorização da
emigração no atual contexto de recessão vivido por Portugal, o crescimento
econômico do Brasil e a presença de familiares no Rio de Janeiro.
O Brasil não é apenas um possível destino para os portugueses. Na viagem
que eu fiz para Puno, em 2012, conheci uma colombiana que morava nos EUA.
Depois de uma longa conversa, ela comentou que tinha morado no Rio de Janeiro,
onde realizou seu mestrado em Psicologia na UFRJ. Na época que estudou aqui,
ela estava casada com um colombiano que também cursava mestrado. Ainda em
Puno, conheci um japonês que já tinha morado em São Paulo, onde sua família
tem negócios.
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Os casos acima nos permitem considerar que a diversificação do perfil dos
estrangeiros no Brasil se relaciona com o lugar que o mesmo tem assumido no
cenário internacional. Como uma potência regional, o Brasil é um dos principais
destinos para os sul-americanos, juntamente com Argentina e Chile (Sala, 2008;
OIM, 2012). Como país emergente que ocupa o sexto lugar na economia mundial,
o Brasil desperta o interesse de estrangeiros de outros países em desenvolvimento,
sobretudo no atual contexto de expansão das relações de cooperação Sul-Sul
(Verenhitach et AL, 2007). E ainda, o país tem chamado a atenção de estrangeiros
oriundos de países desenvolvidos que enfrentam uma crise desde final da década
de 2000. Além das condições estruturais dos países de origem e de destino, a
diversificação da mobilidade internacional não pode ser compreendida na sua
complexidade se não considerarmos os significados que permeiam os
deslocamentos.
Um movimento de estrangeiros que recentemente tem chamado a atenção
do público brasileiro é o de haitianos. A relação entre Brasil e Haiti se tornou mais
próxima a partir de 2004, quando o Brasil, comandando a missão das Nações
Unidas para estabilização do Haiti (MINUSTAH) após a derrubada do governo de
Jean-Bertrand Aristide, enviou tropas para o país4. Em 2010, o país foi atingindo
4
Em seu trabalho sobre a produção do discurso do “fracasso” haitiano, Evangelista (2010) observa
que muitos haitianos apresentam uma visão crítica sobre as intervenções- huminitárias, religiosas e
144
por um forte terremoto que provocou a morte de cerca de 300 mil haitianos e
deixou um grande número de desabrigados (Lissardy, 2013). Em 2011, uma
epidemia de cólera matou mais de 5 mil haitianos, provocando um agravamento
das condições de vida no país e motivando a saída de mais haitianos do país.
Mesmo antes destes fenômenos, a emigração já estava presente na vida dos
haitianos. Uma prova disso é que cerca de 2 milhões de haitianos vivem no
exterior, principalmente nos EUA, Canadá, Cuba, República Dominicana e
França, incluindo trabalhadores rurais, estudantes, profissionais qualificados e
refugiados. O Brasil é um destino novo para os haitianos (Télémaque, 2012).
No campo das migrações entre países sul-americanos, a vinda de bolivianos
para o Brasil recebe destaque. Ela não é um fenômeno recente: seu início data da
década de 1950, quando estudantes vieram cursar o ensino superior no Brasil e
também por trabalhadores em busca de uma alternativa de vida, tanto na dimensão
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econômica, como também política e social (Silva, 1997). Será a partir anos de
1980 que a imigração boliviana se incrementará, passando a incluir um número
significativo de pessoas no ramo da confecção, mas também no comércio e em
serviços e, em profissões qualificadas especialmente na área de saúde, como
médicos, enfermeiros e dentistas (Silva, 2007). A Bolívia assume atualmente um
importante lugar entre países emissores de imigrantes, incluindo profissionais e
técnicos qualificados (Pellegrino, 2000).
A presença sul-americana no Brasil teve como marco a década de 1970,
quando diferentes países da região sofreram golpes de Estado que estabeleceram
ditaduras. Esta é a fase que o Brasil começa a receber um número significativo de
sul-americanos, que saem de seus países para escapar da repressão dos governos
(Pizarro et al., 2008; Baeninger, 2008; Etcheverry, 2007). Parte desta migração
era composta por profissionais qualificados que, por razões políticas, temiam por
sua segurança no país de origem. O Brasil atraiu os sul-americanos pelo seu
desenvolvimento econômico e tecnológico naquele período e sua imagem como
um país acolhedor para estrangeiros, mesmo num contexto de ditadura
(Etcheverry,2007).
militares- estrangeiras, especialmente sobre as missões da ONU, inclusive a mais recente,
comandada pela Brasil.
145
Desde então, Brasil se tornou um importante polo receptor intrarregional de
migração qualificada5, assim como Venezuela e a Argentina (Pellegrino e
Martinez apud Pizarro et AL, 2008). Em 2000, Brasil, México e Chile
apresentaram as mais altas porcentagens de imigrantes profissionais, técnicos e
afins (PTA) em relação a população imigrante economicamente ativa na América
Latina e Caribe (CEPAL apud Pizarro et AL, 2008). No Censo brasileiro de 2000,
os imigrantes provenientes da Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai, por exemplo,
apresentaram níveis de escolaridade mais elevados que a população brasileira,
enquanto os paraguaios apresentavam escolaridade semelhante (Sala, 2008).
Apesar do Brasil abarcar diferentes modalidades migratórias, seguindo uma
tendência global (Medeiros, 2010), ainda continua a predominar no país uma
representação dos estrangeiros como desejado e indesejado segundo uma
combinação de aspectos como a origem nacional e a questão racial. Silva (1999)
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observa que, entre os imigrantes hispano-americanos, os que estão mais sujeitos à
discriminação são aqueles que conjugam três características: são oriundos de
países pobres, se inserem na sociedade brasileira através do trabalho não
qualificado e apresentam um fenótipo indígena. Esta é uma das representações
associadas ao imigrante indesejado, imaginado como não tendo nada a contribuir
com a sociedade nacional. Os bolivianos com origens indígenas das classes mais
baixas, por exemplo, estão sujeitos a uma tripla discriminação:
Menos presentes nos meios de comunicação de massa ou nas pesquisas
acadêmicas do que os bolivianos, os peruanos também sofrem com a mesma
redução de sua imagem. Quando recebem alguma visibilidade, eles estão
relacionados com o trabalho de costura ou envolvidos em atividades ilícitas. Em
recente artigo, Patarra (2012) afirmou que "(a)o analisar o perfil dos migrantes
peruanos no Brasil observa-se que poucos possuem alguma qualificação
profissional...
a maioria dos migrantes peruanos apresenta baixo nível de
estudos; são camponeses ou pertencentes a etnias indígenas peruanas" (Oliveira
apud Patarra, 2012, p. 11). Utilizando como fonte dois artigos de Oliveira (2008a;
2008b), Patarra generaliza para a população peruana em todo Brasil as
características que Oliveira observou na população peruana na Tríplice Fronteira
Norte. Este equívoco, além de ignorar a especificidade das migrações na região
5
“… alude al desplazamiento de fuerza de trabajo con habilidades y talentos clave para el
desarrollo, la innovación, la investigación y la tecnología” (Pizarro et al., 2008:273).
146
amazônica, pode contribuir para a difusão de uma imagem reduzida dos
imigrantes peruanos, que não corresponde à realidade.
Tratamento similar recebe a imigração haitiana. Apesar de ser representada
pela mídia como composta na sua totalidade por indivíduos com baixa
escolaridade e qualificação, tem no seu interior também indivíduos com níveis de
escolaridade médio e superior igualmente afetados pelo terremoto de 2010, como
esclarece em entrevista o presidente do Conselho Nacional de Imigração 6.
Télémaque (2012) esclarece que entre os haitianos que ingressam pela fronteira
norte do Brasil há trabalhadores qualificados, de nível médio e superior, alguns já
com experiência prévia em imigrar. Representada pela mídia como digna de
caridade, a imigração haitiana é interpretada como não tendo nada a oferecer ao
país receptor e, assim tudo o que ela pode conseguir, na melhor das hipóteses, é
ser alvo de ajuda humanitária; na pior, ser barrada na fronteira ou deportada. Esta
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representação da imigração haitiana também não leva em consideração os
haitianos que imigraram para o Brasil em períodos anteriores, como os estudantes
universitários (Télémaque, 2012) ou o perfil da imigração haitiana em outros
países, como nos EUA, onde há um significativo predomínio de imigrantes
qualificados (Pellegrino, 2002).
Enquanto fala-se em “diminuir o fluxo” e “controlar o número de
imigrante7” quando a questão gira em torno dos haitianos no Brasil, a vinda de
europeus para o país depois da crise de 20088, ao contrário, é representada como
essencial para suprir a demanda brasileira por mão de obra qualificada. A
6
"A gente vê alguns com nível de escolarização alto, que têm formação… A maioria das pessoas
tem nível de escolaridade de médio incompleto, médio completo, fundamental completo – cerca de
60% da migração haitiana. Superior completo e incompleto são 10%. Fundamental incompleto é
grande também. Se levar em consideração que a população brasileira que tem nível superior é de
17%, para eles 10% não é um número tão baixo. Você vê professores, pessoas que falam vários
idiomas. Há uma variedade muito grande de qualificações…” (Fala de Paulo Sérgio Almeida,
Rede Brasil Atual, 25/11/12).
7
"Nós nos deparamos com uma questão humanitária, mesmo não sendo a nossa obrigação a
política de imigração. Nos vimos diante de uma situação em que não poderíamos ficar omissos",
diz o secretário de Justiça, Nilson Mourão. Para ele, somente um acordo diplomático entre os
países que integram a "rota consolidada" poderia diminuir o fluxo de imigrantes. "(É uma questão)
que precisa ser enfrentada entre Brasil, Bolívia, Peru e Equador", afirma. Mourão avalia que o
acordo entre Brasil e Haiti para controlar o número de imigrantes não ameniza o problema. Para ele, o
tempo de espera pela concessão do visto é demorado e muitos optam pela imigração irregular” (Terra,
28/02/2012).
8
De acordo com pesquisa realidade pela OIM, no período de 2008 e 2009 107 mil europeus
deixaram o continente, rumo principalmente ao Brasil, à Argentina, à Venezuela e ao México,
oriundos da Espanha (47.701), Alemanha (20.926), Holanda (17.168) e Itália (15.701), sendo eles
sobretudo jovens, solteiros com formação superior Blog (MiguelImigrante, 06/10/12).
147
representação dos haitianos e europeus pode influenciar a maneira como eles são
tratados pelo Estado e pela sociedade brasileiros. Ambos atuam de uma maneira
caracterizada por uma ambiguidade que, apesar de não demonstrar uma rejeição
declarada aos estrangeiros, diferenciam os imigrantes de acordo com o que se
acredita que ele possa oferecer de benefício para o país (Toledo, 2012; Povoa
Neto, 2012). Como afirma Toledo (2012):
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No momento em que o governo brasileiro decide limitar a entrada de haitianos, o
número de portugueses e espanhóis migrando para o Brasil segue aumentando. A
chegada da denominada “mão de obra qualificada” – que, ressalte-se, migra
também fugindo da crise do trabalho – é incentivada pelo governo e, celebrada
pelas grandes empresas e pela mídia. De fato não há como negar a importância do
trabalho qualificado. Por outro lado, será difícil para o governo defender esta
política migratória das acusações de racismo. Afinal, por que se denomina de
“crise” (ou “invasão”) a chegada de 4 mil haitianos enquanto há 276 mil
portugueses no país? Por que aos haitianos e bolivianos não se pode oferecer nada
além do direito humanitário, isto é, a gestão biopolítica e compassiva da vida nua?
Para Télémaque (2012), a maneira como a imigração haitiana tem sido
representada pela mídia e tratada pelo governo brasileiro indica uma política de
imigração de alta seletividade, que na verdade, escamoteia uma seleção racial dos
imigrantes: aos negros estrangeiros só se abririam as portas enquanto chegassem
pelos porões do cativeiro (p. 53). Uma redução da imagem do imigrante está
presente também no que Etcheverry (2012) denomina como
“discursos
mediadores”, difundido por setores mobilizados da sociedade que se colocam
como discursos em defesa dos imigrantes. Analisando mediadores em Porto
Alegre, Madri e Buenos Aires, Etcheverry identifica entre eles uma associação
entre cultura e pobreza, a partir da qual, já não é mais o imigrante o culpado pelos
males da sociedade receptora, mas sim sua cultura. Como solução, o imigrante
deveria ser capaz de se integrar, adaptando sua cultura aos moldes aceitáveis da
sociedade receptora. Em outras palavras, “… o discurso mediador é um discurso
do controle, onde os espaços de autonomia do imigrante vêm se reduzido à uma
evocação pontual e palatável de sua cultura de origem” (Etcheverry, 2012, p. 15).
Assim, os novos imigrantes que chegam ao Brasil enfrentam as
representações que a sociedade brasileira tem deles e de suas nacionalidades.
Num país que na história teve na imigração europeia um projeto civilizatório, a
recente imigração de europeus, atualiza a representação do imigrante desejado e
148
do indesejado, reproduzindo um discurso sobre a migração que é polarizado: de
um lado, os europeus, brancos, altamente qualificados que contribuirão para o
crescimento do país; do outro, latino-americanos e africanos, negros e índios,
pouco escolarizados, que ameaçam a estabilidade econômica e social do país,
sobrecarregando os serviços públicos.
Os imigrantes são, portanto, alvo do que Appadurai (apud Clifford, 1997)
chamou de "congelamento metonímico"9: a redução de todo um grupo à uma
característica, como, por exemplo, a Índia, que é associada à hierarquia. No caso
dos imigrantes, o "congelamento metonímico" se dá com a apressada suposição de
que todos os indivíduos de uma mesma nacionalidade apresentam as mesmas
características sociais, econômicas, educacionais e étnicas. Grande parte das vezes
sem referências a dados confiáveis, esta representação se baseia mais em ideias
pré-concebidas que na realidade dos fatos, interferindo de forma vigorosa na
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maneira como os imigrantes são tratados na sociedade brasileira.
4.1.2
Os brasileiros no exterior
Desde as últimas décadas do século XX, o Brasil tem sido palco de um
duplo movimento no cenário das migrações internacionais. Enquanto até a década
de 1950 o país era representado como um “país de imigração”, ou seja, um país
em que o número de imigrantes é maior que o de emigrantes, a partir da década
de 1980, aumentou o número de brasileiros saindo do país. Para um país
acostumado a imaginar-se como receptor imigrantes, o que significa a emigração?
Quais são os sentidos e representações que entram em jogo neo fluxo de
brasileiros para o exterior?
Antes dos anos 80, a ida de brasileiros para o exterior era pouco expressiva
numericamente, quase que restrita a alguns casos de estudantes e profissionais
(Patarra, 2005). O desejo de deixar o Brasil alimentado pela crise econômica da
década de 80 se somou às oportunidades de trabalho oferecidas aos imigrantes nos
países do capitalismo central. Tais oportunidades eram fruto do processo de
reestruturação produtiva que segmentou o mercado de trabalho- em primário e
9
Metonymic freezing .
149
secundário10 (Piore apud Sales, 1995)- e flexibilizou a relação entre capital e
trabalho, tornando-a mais versátil e dinâmica para os grandes empresários, e mais
instáveis e desreguladas para os trabalhadores (Harvey, 1998). Dentre as formas
de trabalho que mais recruta imigrantes estão o trabalho em tempo parcial, com
remuneração por produção, temporário e o subcontratado. É interessante notar que
neste período que os brasileiros emigram o Brasil também começa a receber mais
hispano-americanos, como bolivianos e peruanos.
Assim como na emigração peruana (Altamirano, 2000a), o destino que mais
atraiu os emigrantes brasileiros foram os EUA: em 2002, cerca de 1,2 milhões de
brasileiros estavam no país norte-americano (MRE-Brasil apud Marcus, 2009).
De acordo com estimativas do Ministério das Relações Exteriores, entre 2 a 4
milhões de brasileiros viviam fora do Brasil (Sasaki apud Feldman-Bianco, 2010).
Além dos EUA, outros importantes destinos para os brasileiros eram a União
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Europeia, majoritariamente Reino Unido, Portugal e Espanha; Japão e ainda,
países limítrofes, como Paraguai, Bolívia, Venezuela e Colômbia 11 (Almeida,
1995; Baeninger, 2008). Entre os brasileiros que emigram para países não
limítrofes predomina o perfil de indivíduos jovens12, das camadas médias urbanas,
com nível de escolaridade de médio a alto que, na grande parte, exercem no
exterior atividades laborais abaixo da qualificação que possuem (Feldman-Bianco,
2010; Patarra, 2005; Sales, 1995).
Antes de emigrar, muitos deles estavam
empregados na sua área de formação, porém, avaliaram como vantajoso deixar o
emprego no Brasil para “tentar a vida” no exterior.
Ainda que esteja relacionada a um processo de deterioração do padrão vida
no país de origem, a emigração predominante de indivíduos das classes médias
indica que, no caso do Brasil, ela está relacionada menos com a garantia da
10
“Os empregos no mercado de trabalho secundário são aqueles que requerem pequeno ou
nenhum treino, estão na mais baixa escala de salários, oferecem pouca ou quase nenhuma
oportunidade de mobilidade e são caracterizados por uma elevação da rotatividade” (Sales, 1995,
p. 7).
11
A migração transfronteiriça apresenta um perfil particular: elas são empreendidas por
populações que identificaram no outro lado da fronteira uma oportunidade de desenvolver uma
atividade econômica, sendo as principais delas a produção agrícola (na Bolívia, Paraguai, Uruguai
e Argentina) e o garimpo (na Venezuela, Colombia, Bolívia, Guiana e Guiana Francesa). Um
exemplo emblemático de migração transfronteiriza são os brasiguaios, brasileiros que desde 1960
adquirem terras no Paraguai, onde passam a viver e produzir (Almeida, 1995).
12
No caso da emigração para o Japão, no primeiro momento ela era caracterizada por ter uma
faixa etária mais elevada e aprensentar um grande número de casados, perfil que foi se
modificando com o crescimento do número de imigrantes jovens e solteiros (Sasaki, 1995; 2006).
150
subsistência do que na busca por ascensão social (Bógus, 1995), o que inclui
receber salários mais altos que no Brasil, mesmo quando realizando atividades
menos qualificadas e prestigiadas; ter acesso a bens que no Brasil seriam de difícil
aquisição, como a casa própria; e ainda viver uma experiência internacional, tão
valorizada na expansão da globalização.
A entrada do Brasil na lista de países "exportadores de mão de obra"
provocou impactos não apenas na demografia do país- especialmente nas áreas de
onde mais partem imigrantes, como Governador Valadares (Soares, 1995; Sales,
1995; Assis, 2000) e Criciúma (Assis, 2007), mas também colocou em xeque as
representações do próprio país como um tradicional receptor de imigrantes. Por
trás do emblema de “país de emigração” subjaz a ideia de que o cidadão não teria
nenhuma razão para deixar seu país a não ser que este não seja capaz de garantir
os meios de subsistência. Por isso, o país que recebe tal alcunha é representado
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como incapaz de oferecer as condições necessárias para manter seus cidadãos em
seu território.
A sólida presença de brasileiros no exterior (Oliveira, 2006; Sales, 1995;
Sasaki, 1995; 2006); abre um espaço para que eles (re)pensem a si mesmos e ao
Brasil em relação ao mundo. Tanto a sociedade receptora, quanto a emissora
elaboram representações sobre a imigração e os imigrantes que serão
fundamentais na sua incorporação ou exclusão na sociedade local (FeldmanBianco, 2010). Analisando reportagens veiculadas em jornais brasileiros entre
2001 e 2005, Póvoa Neto (2006) observou que o número de notícias sobre
imigração havia triplicado, predominando temas como prisão e deportação de
brasileiros indocumentados, o envolvimento de brasileiros em redes de exploração
sexual e tráfico de pessoas, a imigração clandestina e ainda, as duras condições
de vida e trabalho no exterior13. Assim, a mídia impressa contribuía para a difusão
da imagem do emigrante brasileiro associado à precariedade no trabalho, na vida
ou no status legal.
Os brasileiros em Nova Iorque (Margolis,1995), por outro lado, se
autorepresentam como exitosos e bem-sucedidos enquanto se diferenciam dos
13
Póvoa Neto (2006) destaca que a crescente presença da emigração brasileira nos jornais
nacionais não está vinculada apenas com o aumento do número de brasileiros no exterior, mas
também com interesses comerciais das empresas de comunicação. Um exemplo disso foi a maior
cobertura sobre casos de deportação de brasileiros dos EUA pelas organizações Globo quando
esteve no ar a novela “América”.
151
brasileiros recém-chegados, que, segundo eles, são “semi-analfabetos, de pouca
cultura, mais pobres”, de “baixo nível social” (p. 12), mesmo quando não
conhecem nenhum brasileiro nesta condição. Esta era o que a autora denominou
como “a classe baixa invisível”: usada como parâmetro de distinção, ela encarna
tudo o que os brasileiros não querem ser. Por executarem trabalhos de baixa
qualificação, eles temem ser confundidos como pertencentes às classes mais
baixas, por isso, os brasileiros transferem os atributos negativos aos quais estão
sujeitos a outros co-nacionais, mesmo quando conhecem pessoas que encaixam no
perfil de emigrante brasileiro que eles mesmos constroem.
Um emigrante
brasileiro, enfurecido, reclamou que Margolis escreveu num jornal local que os
brasileiros em Nova Iorque trabalhavam como empregados domésticos,
engraxates e auxiliares de garçom, omitindo as “histórias de sucesso” (Margolis,
1995, p. 13). Questionando o artigo de Margolis, o brasileiro entrou na disputa
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pela difusão de imagem positiva dos brasileiros em Nova Iorque14.
Em Miami, os brasileiros alimentam um ressentimento em relação ao Brasil,
representando-o como um país “sem jeito, sem saída, sem condições de vidas”,
imagem corroborada pela imprensa brasileira nos EUA (Oliveira, 2006, p. 13).
Entretanto, eles também declaram “ter orgulho de ser brasileiro”, devido ao que
acreditam ser uma idiossincrasia do Brasil: o povo alegre, festivo, amigável,
otimista, caloroso, capaz de ser feliz mesmo na pobreza; a natureza exuberante; o
futebol e a beleza da mulher brasileira (p. 14). Estes exemplos nos mostram que
os brasileiros no exterior são personagens importantes que contribuem para a
difusão internacional de uma determinada representação do Brasil que reforça os
estereótipos, como o país do futebol, de mulheres bonitas e um povo hospitaleiro.
Como veremos mais adiante, esta é a representação de Brasil que predomina no
imaginário peruano que levará muitos dos estudantes acreditarem que o Brasil é
um bom destino para quem quer sair do Peru.
14
Para uma reflexão teórica dimensão de poder presente na escrita etnográfica ver Clifford, 1998.
Para um estudo de caso sobre o poder na construção de um discurso sobre os imigrantes ver
Etcheverry (2012).
152
4.2
O Brasil e a mobilidade estudantil internacional
Assim como os imigrantes avaliam as oportunidades fora do país e as
dificuldades dentro dele para realizar seus projetos, os estudantes que ingressam
em universidades estrangeiras também avaliam as condições que seu país oferece
para seu desenvolvimento acadêmico, pessoal e profissional em comparação a
outros países. Para os estudantes latino-americanos, ingressar em universidades
fora do país pode representar uma oportunidade para obter um diploma mais
respeitado no mercado de trabalho nacional e internacional, principalmente se o
diploma tiver sido adquirido num país desenvolvido. Entre as motivações que
levam os latino-americanos a estudar no exterior, sobretudo nos níveis de pósgraduação, estão ainda a chance de viver uma experiência internacional, a
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centralidade da produção de saber- que estabelece desigualdades na produção
acadêmica entre os países-, a expectativa de se inserir no mercado de trabalho e
receber maiores salários no país em que se formou (Pizarro et al., 2008, p. 289).
Neste quadro, o Brasil pode se tornar uma opção, como analisa a renomada
socióloga Elisa Reis, no caso das Ciências Sociais:
O interesse de certos países latino-americanos por nossos cursos de pós-graduação
é enorme e está crescendo. Não temos ainda uma visão de conjunto, e acho que a
questão está merecendo um estudo: o impacto dos programas de pós-graduação e
pesquisa no Brasil junto aos países da América Latina (Reis, 1997).
Nas últimas décadas do século XX, o número de estudantes fora do país
aumentou consideravelmente. Em 1950, 108.000 estudantes faziam cursos no
exterior; em 1960, o número passou para 238.000 e para 915.859 no início dos
anos 80; nos anos 90, o número de estudantes no exterior chegou a 1.377.216
(Latreche, 2001, p. 14). A mobilidade estudantil internacional segue três
principais rotas: a mais percorrida é a de estudantes que saem de países em
desenvolvimento rumo a países desenvolvidos (62% do total); na segunda rota, o
descolamento se dá entre países desenvolvidos (30%) e a terceira se estabelece
entre países em desenvolvimento (8%) (Ennafaa apud Nogueira et al., 2008). Esta
última é a percorrida pelos estudantes peruanos no Brasil. Em 2004, os 2.5
milhões de estudantes universitários estrangeiros no mundo tinham como
153
principais destinos EUA (23%), Reino Unido (12%), Alemanha (11%), França
(10%) , Austrália (7%) e Japão (5%) (UNESCO apud Desidério, 2006). Outros
países surgem como polos emergentes de produção científica no mundo,
conquistando um crescente espaço na esfera da internacionalização da educação
como China, Índia e Brasil (Luchilo, 2011b).
Desde a década de 1950, a preocupação do Brasil com a produção científica
como uma política nacional motivou a construção das agências de fomentos
CAPES e CNPq, que visam fortalecer o ensino de pós-graduação e a pesquisa no
país. O fim da Segunda Guerra Mundial, que culminou com a explosão da bomba
atômica, aqueceu o debate em torno da produção científica como um elemento
fundamental para a soberania e o desenvolvimento nacional, o que inspirou a
formação das duas agências nacionais de fomento (Rosa, 2008). Neste contexto, a
concessão de bolsas para alunos brasileiros cursar a pós-graduação no exterior se
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tornou uma das estratégias para consolidar uma agenda brasileira de pesquisa que
fosse capaz de, ao mesmo tempo, atender as demandas do país por um
conhecimento que compreendesse suas especificidades e seguisse os parâmetros
científicos internacionais. No período de 1986 a 2000, a CAPES e o CNPq,
juntos, concederam 1.3819 bolsas, grande parte destinada aos EUA, França e GrãBretanha (Mazza, 2009).
Recentemente, a internacionalização da educação através de iniciativas do
governo brasileiro atingiu de maneira mais ampla os estudantes de graduação. Em
2011, foi lançando o programa Ciência Sem Fronteiras, do CNPq, que, entre
outras medidas, concede bolsas de estágio no exterior a alunos de graduação de
áreas como Engenharias e Ciências Biológicas. O programa tem o objetivo de
consolidar a ciência e tecnologia brasileiras, através da mobilidade internacional.
Os estudantes de graduação selecionados têm a oportunidade de cursar até 2
semestres numa universidade estrangeira.
Até 2014, a meta do programa é
conceber um total de 75 mil bolsas. O programa também oferece bolsas de pósgraduação e incentiva a circulação de docentes. Apesar de reconhecida a
importância da iniciativa, o programa Ciência Sem Fronteiras foi criticado por
diferentes associações científicas por excluir do seu escopo alunos das áreas de
154
Ciências Sociais e Humanidades e não incluir na lista de universidades receptoras
instituições localizadas em outros países em desenvolvimento15 (ver anexo 6).
Apesar de ainda não se configurar um fenômeno numericamente expressivo,
desde as últimas décadas do ano 2000, a presença de estudantes estrangeiros em
universidades brasileiras tem sido uma realidade em diversas partes do Brasil.
Entre 2011 e 2012, o Ministério das Relações Exterior apontou um aumento no
número de emissão de visto de estudantes, especialmente para colombianos,
portugueses, franceses e espanhóis16. Os latino-americanos alcançaram o maior
número de matriculados em 2012, com 4.541 alunos, 50,16% a mais que no ano
anterior. No entanto, os europeus, foram os que apresentaram a maior taxa de
aumento no número de estudantes em instituições brasileiras, atingindo um
crescimento de 67%, com 4.472 matriculados (Cortez, 2013).
Os motivos que levaram estes últimos a optarem pelo Brasil, se
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diferenciando das três principais rotas de estudantes estrangeiros, variam entre a
chance de conviver com uma cultura diferente da europeia e de estreitar relações
com um país emergente que pode lhe oferecer oportunidades de emprego,
principalmente no atual contexto de crise no continente europeu. Luchilo (2011b)
aponta que a mobilidade estudantil está inserida numa tendência cultural entre os
jovens tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento, que
compartilham o desejo de experimentar a vida no exterior como parte de sua
formação17. Ou seja, a mobilidade estudantil internacional não se restringe apenas
à uma dimensão econômica, com vistas a um emprego no país receptor.
15
Ver carta escrita pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais
(ANPOCS), Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação Brasileira de Ciência
Política (ABCP), Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) e a Sociedade
Brasileira de Sociologia (SBS) endereçada ao CNPQ no dia 29 de setembro de 2011 (em anexo).
16
O percentual de aumento de emissão de vistos de estudantes para as nacionalidades foi de
respectivamente 24%; 25,8%; 18,6%; 18,4%.
17
Na universidade americana onde estudei durante a graduação, era muito comum que os jovens
americanos estudassem em outros países. Antes de eu ir para a universidade americana, um
estudante da universidade veio cursar um semestre na minha universidade. Em todo o campus da
universidade americana havia cartazes que programas de intercâmbio por diferentes países do
mundo. Na Europa, um importante programa de intercâmbio entre a União Europeia é o programa
Eramus (Luchilo, 2011b).
155
4.2.1
Mobilidade estudantil e política nacional
A imigração tem como inerente o fato de ser seletiva: os indivíduos que
migram são aqueles que possuem algum tipo de capital humano que os distingue
da comunidade de origem, seja pelo nível educacional, pela capacidade de assumir
riscos e viver situações novas (Pizarro et al., 2008; Pellegrino, 2000) ou estar
integrado a uma rede de relações que apoie a migração (Ramella,1995). O
estudante estrangeiro se constitui um imigrante seletivo em potencial, tendo a
chance de se inserir na sociedade receptora sem ter que assumir os custosemocionais e materiais- de ser um trabalhador- qualificado ou não- num país
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estrangeiro. O estudante pode se tornar um imigrante seletivo e qualificado
quando concluir os estudos.
Para o Canadá, por exemplo, receber estudantes estrangeiros está
intimamente ligado à sua política de imigração, que oferece facilidades aos exestudantes regularizar-se como imigrantes depois de formados. Tal política parte
do princípio que o estudante estrangeiro, antes de ser regularizado como
imigrante, já estaria mais adaptado à cultura canadense do que o imigrante que
não teve nenhum contato prévio com a cultura do país. Por isso, no processo de
regularização da imigração, o estudante estrangeiro é privilegiado (She, 2011). Na
Austrália, os estudantes estrangeiros também são vistos como os imigrantes
ideais. Visando que os estudantes estrangeiros continuem no país depois de
formados, a Austrália elaborou uma política para facilitar a mudança do visto de
estudante para permanente, que possibilite ao estudante se tornar um imigrante,
ou o que ele denominou como um student-turned-migrant- um estudante que
virou imigrante (Robertson, 2008).
A mobilidade estudantil pode se tornar um meio para suprir a demanda dos
países por mão-de-obra qualificada, sobretudo em momentos de expansão da
economia e em áreas de conhecimento altamente especializadas. Diferentemente
do Canadá e da Austrália, que desenvolvem uma política de imigração que facilita
a permanência do estudante estrangeiro no país depois de formados, no Brasil, não
há nenhuma política oficial que ofereça facilidades para os estudantes estrangeiros
156
regularizar seu status legal, mesmo nas áreas com grande demanda de
profissionais qualificados, como as engenharias.
Os estudantes peruanos, por exemplo, enfrentavam muitas dificuldades para
continuar legalmente no Brasil depois de concluir os estudos. Para evitar
permanecer no país de forma ilegal, alguns prolongaram sua estadia como
estudante, ingressando em cursos de pós-graduação; outros ainda optavam pelo
casamento com cônjuge brasileiro ou ter um filho nascido no país. Os peruanos
que tentaram obter o visto através do trabalho, como Tomás, só o conseguiu
depois de uma longa busca, pois as empresas não se mostravam dispostas a arcar
com a burocracia que a contratação de um estrangeiro exige.
Quando estava terminando o mestrado, Douglas buscou emprego em
muitas empresas, mas, ao contrário de Tomás, nunca chegou a ser contratado.
Como engenheiro, as empresas exigiam dele a inscrição no Conselho Regional de
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Engenharia e Agronomia (CREA), o que ele não conseguiu realizar devido à
insuficiente clareza dos procedimentos. Douglas então decidiu emendar o
mestrado no doutorado e ao término deste, foi contratado pela universidade onde
estudava para continuar trabalhando, agora não mais como aluno, mas como
pesquisador- o que não requer inscrição no CREA.
Desde o início de 2012, os cidadãos peruanos são beneficiados pelo acordo
de residência MERCOSUL, através do qual podem solicitar o visto permanente,
que garante, entre outras coisas, o direito a trabalhar legalmente no Brasil. No
entanto, o acordo não põe fim às dificuldades em obter a inscrição nos conselhos
profissionais, o que continua sendo um grande entrave aos estrangeiros para
exercer determinadas profissões no Brasil, entre elas, a Engenharia.
Apesar de não apresentar uma política de direta associação entre estudantes
estrangeiros e migração qualificada, o estado brasileiro tem no oferecimento de
bolsa para estudantes de países em desenvolvimento uma importante estratégia de
se posicionar internacionalmente. Logo após o terremoto que atingiu o Haiti em
2010, foi divulgada a notícia que a embaixada brasileira cadastraria os haitianos
que, impossibilitados que continuar sua formação superior no país, gostariam de
estudar no Brasil. No entanto, a iniciativa não foi concretizada na sua
integralidade, como criticam Thomaz e Nascimento (2012):
157
Em fevereiro de 2010, com grande fanfarra se anunciou que o Brasil ofereceria
pelo menos 500 bolsas a estudantes da rede universitária haitiana... Por todo o
Brasil, universidades se ofereceram para recebê-los. Era crucial que viessem
rapidamente, pois suas faculdades estavam em ruínas, seus estudos paralisados e a
continuidade de sua formação seria decisiva para a reconstrução. Numa irônica
coincidência, foram também quase 4 mil os estudantes que se candidataram no que
teria sido o maior programa de intercâmbio internacional da história da educação
brasileira. Somente mais de um ano e meio após a tragédia é que, às duras penas,
foi possível trazer, dos 500 anunciados, não mais que 80 estudantes, alguns dos
quais já tiveram sua bolsa cancelada ou limitada...
O exemplo acima deixa nítido o princípio subjacente à oferta de bolsas de
estudos por parte do governo brasileiro a cidadãos de países em desenvolvimento,
como os programas PEC`s18: as bolsas de estudos se tornam um tipo de política
externa brasileira. O PEC-G e o PEC-PG se enquadram num esforço do país em
se consolidar internacionalmente como um importante pólo de produção de
ciência e o estudantes estrangeiros são os mediadores da relação entre os dois
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países. Segundo o discurso oficial19, estes programas se enquadram numa política
de cooperação Sul-Sul, cujo objetivo seria estimular o desenvolvimento de ambos
de forma mais igualitária e participativa do que aconteceria numa cooperação
entre países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Por isso, uma das cláusulas
dos PEC-G e PEC-PG é que o aluno regresse ao seu país após a conclusão do
curso, aplicando lá o conhecimento adquirido no Brasil.
Desde o primeiro governo Lula, o país tem buscado aprofundar suas
relações com outros países além dos desenvolvidos. É justamente no início dos
anos 2000 que as bolsas PEC-G, antes amplamente compartilhadas entre cidadãos
latino-americanos, passam a contar com uma crescente participação de cidadãos
de países da África subsaariana. Este período corresponde à expansão das relações
comerciais do Brasil com os países africanos, como analisa Santos (2012) em seu
estudo sobre a trajetória de estudantes oriundos da República Democrática do
Congo (RDC) no Rio de Janeiro:
Mais especificamente sobre as relações entre RDC e Brasil (...) durante os anos do
primeiro mandato de Lula, o saldo da balança comercial entre os dois países teve
um crescimento de 2.573,63% (...). Só é possível um crescimento deste volume
quando, em comparação com o período anterior, se tem um saldo comercial ínfimo.
(...) Assim, a meu ver, 2.573,63 % indica menos um saldo comercial propriamente
dito e mais a tomada de uma determinada direção de política de Estado. (Santos,
18
19
Ver explicação do PEC-G e PEC-PG no capítulo 2.
http://www.itamaraty.gov.br/temas/difusao-cultural/educacao
158
2012, p. 42)
Reforçando a tese de Santos (2012), o Itamaraty reconheceu que os
programas educacionais para estudantes estrangeiros são uma modalidade de
cooperação que para além de ter como objetivo formar profissionais qualificados
que contribuam para o desenvolvimento dos países emissores, ela amplia a
aceitação do Brasil em países até então distantes política e economicamente:
O grande diferencial da cooperação educacional em relação às outras modalidades
de cooperação prestadas pelo País diz respeito à formação de recursos humanos
receptivos ao Brasil, formando potenciais interlocutores do Governo e de empresas
brasileiras em diversos países, fomentando o engrandecimento da projeção
brasileira no exterior20.
Publicada no balanço das políticas externas brasileiras no período de 2003PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA
2010, esta avaliação deixa claro que o governo brasileiro vê os egressos
estrangeiros de universidades brasileiras como agentes que garantirão uma maior
abertura para o Brasil em seus países de origem. Para isso, é salutar o retorno do
ex-bolsista estrangeiro para seu país não apenas para o seu próprio
desenvolvimento, mas também para que o Brasil alcance o objetivo de ampliar
seu raio de influência internacional, aproximando-se cultural, acadêmica,
econômica e politicamente de outros países em desenvolvimento.
Outra iniciativa do governo brasileiro visando ampliar seu papel no cenário
internacional da educação, mais especificamente no contexto latino-americano e
africano foi a construção de duas universidades públicas voltadas para a
integração de alunos brasileiros com latino-americanos e africanos de origem
lusófona: a UNILA e a UNILAB. Fundada em 2010, a UNILAB, Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia afro-brasileira, está localizada na cidade de
Redenção, no Ceará (CPLP). Já a Universidade Federal da Integração Latino
Americana, UNILA, se localiza na cidade de Foz do Iguaçu. No processo seletivo
da UNILA, 50% das vagas são reservadas para alunos estrangeiros, cuja seleção é
feita pelos Ministérios de Educação de seus países de origem. Em 2011, pela
20
http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/8.2.5-promocaocultural-cooperacao-educacional
159
primeira vez a UNILA recebeu um grupo de 9 alunos peruanos, de diferentes
partes do país.
No entanto, as expectativas de benefício para os países receptor e emissor,
no caso do Brasil e dos programas PEC`s não são acompanhadas de políticas que
tornem tais expectativas uma realidade. Por fim, são os estudantes, os
protagonistas no processo de sair do país, escolher o Brasil e tomar a decisão,
depois de formados, se ficarão no Brasil, retornaram para o país de origem ou
migrarão para um terceiro. Enquanto matriculados em universidades brasileiras,
os estudantes estrangeiros não contam com um apoio institucional organizado,
que o ajude a se adaptar ao Brasil. Tal cenário fica explícito na carta aberta à
comunidade escrita em 2011 pelos estudantes participantes do PEC-G na
UFRGS21 e na reclamação da Asociación de Padres Becarios de la UNILA22,
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diante da morte de um estudante equatoriano na universidade.
4.2.2
Mobilidade estudantil internacional e imigração qualificada
Por outro lado, a mobilidade estudantil internacional pode ser interpretada
de diferentes maneiras, entre elas, como um processo que pode levar à “fuga de
cérebros” (brain drain). Segundo tal perspectiva, a desigualdade entre os países
desenvolvidos e os em desenvolvimento teria relação com a capacidade que eles
têm de formar e atrair profissionais qualificados para trabalhar no mercado de
trabalho nacional. Os países desenvolvidos teriam mais condições de formar
profissionais especializados e ainda atrair os profissionais de outras partes do
mundo, provocando assim uma concorrência internacional por mão-de-obra
qualificada. Os países em desenvolvimento enfrentariam uma dupla dificuldade:
primeiro, de formar profissionais altamente qualificados e segundo, criar
21
http://www.ufrgs.br/caar/wp-content/uploads/2011/08/Carta-a-toda-comunidadeacad%C3%AAmica-da-UFRGS.pdf
22
“Édison Guerra, presidente de la Asociación de Padres de Familia becarios en la Unila, explico
que ninguna de las ofertas que incluía esta beca se han cumplido: “Nuestros hijos están alojados en
casas de citas, el rubro para alimentación solo alcanza para el almuerzo, el transporte cubre medio
mes y, lo más grave, la universidad está en proceso de institucionalización y por lo tanto no está
acreditada. ¿Cómo permitieron que enviemos a nuestros hijos con una beca en una universidad que
es proyecto en Brasil?”.http://oestrangeiro.org/2012/06/05/unila-mala-situcion-de-los-
becados-ecuatorianos/
160
mecanismos para retê-los no país (Altamirano, 2006; Luchilo, 2011; Pellegrino,
2000; Pellegrino e Calvo, 2001).
A teoria da “fuga de cérebros” parte do princípio que os recursos humanos
capacitados são um insumo central- porém escasso- no desenvolvimento
econômico e social dos países. Sua migração de país um em desenvolvimento
para um desenvolvido representaria uma perda para o país de origem e um ganho
para o país de destino, aprofundando as desigualdades entre eles (Luchilo, 2011a).
Neste panorama, os estudantes estrangeiros se tornaram fonte de preocupação,
principalmente quando eles se formam no país de origem, vão para o exterior
realizar a pós-graduação, mas não retornam depois de concluídos seus cursos
(Luchilo, 2011b; Moreno, 2012; Pellegrino 2000). Os países desenvolvidos, por
sua vez, elaboram diferentes estratégias para atrair os melhores profissionais de
outras regiões do mundo, como facilitar a concessão de vistos para o profissional
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e sua família (Pizarro et al., 2008) e oferecer bolsas de estudos de pós-graduação
para alunos estrangeiros com bom desempenho acadêmico23, como faz os EUA
(Luchilo, 2011b).
Outras abordagens sobre a imigração qualificada propõem a análise desse
tipo de mobilidade como trazendo benefícios não apenas para o país receptor, mas
também para emissor, concomitantemente. A perspectiva do brain circulation, por
exemplo, se baseia na ideia de que a circulação de profissionais por múltiplos
países possibilita uma circulação do conhecimento adquirido por eles ao longo de
sua trajetória. A partir dessa experiência, os imigrantes qualificadas se
transformariam em agentes que constroem vínculos com diferentes espaços de
pesquisa e desenvolvimento entre os países centrais e o seu país de origem
(Pizarro et al., 2008; Pellegrino, 2000). Um exemplo de iniciativa que se enquadra
no brain circulation são as redes de conhecimento da diáspora (RDC),
associações que reúnem imigrantes altamente qualificados que desejam contribuir
com seus países de origem (Meyer, 2011). Nesta perspectivava, o imigrante
qualificado deixa de ser visto como capital humano que deve retornar para o país
de origem, para ser entendido como capaz de mobilizar um capital social
transnacional que contribua para o desenvolvimento do país de origem (Barré et
al. apud Meyer, 2011).
23
Na Universidad Nacional de Ingeniería (UNI), no Peru, os melhores alunos são convidos para
cursar pós-graduação no exterior, em países como China e EUA.
161
Um elemento fundamental para que os emigrantes continuem a participar da
vida cotidiana do país emissor a ponto de investir nele, seja através de remessas
ou participando de redes de conhecimento, são os laços que eles mantêm com o
mesmo. Por isso, muitos estados marcados pela emigração investem em
estratégias para aproximar-se de suas populações no exterior, incentivando a
manutenção de vínculos entre eles que sejam revertidos em remessas e outras
formas de investimentos. A visita do secretário português de Juventude e
Desporto ao Brasil com o objetivo de estimular jovens luso-brasileiros a
investirem em Portugal é um exemplo desse tipo de estratégia.
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4.3
Quando o Brasil entra no mapa
Para grande parte dos estudantes peruanos, o Brasil não era um país onde
eles planejavam morar, nem mesmo visitar. Entre aqueles que tinham o desejo de
sair do Peru, os países mais presentes em seus planos e mapas mentais eram os
localizados na Europa e na América do Norte. Na América do Sul, Argentina e
Chile chegaram a figurar como destinos possíveis para alguns deles. Entretanto,
nenhum dos jovens peruanos tinham o Brasil como primeira opção, assim como
acontece com estudantes estrangeiros de outras nacionalidades que vêm estudar
no Brasil.
Os estudantes moçambicanos que participaram da pesquisa de Subuhana
(2005) tinham preferência pelos país de língua inglesa, como EUA, Inglaterra,
Austrália e África do Sul. Portugal também era um destino imaginado,
principalmente pela língua em comum e pela histórica colonização. No entanto, os
altos custos de vida dos outros países e o fato do Brasil também ser um país
lusófono despertou o interesse dos moçambicanos por este novo destino. Eles
optaram pelo Brasil motivados por suas redes de relação, das quais participavam
moçambicanos ex-estudantes de universidades brasileiras que compartilham com
os amigos suas experiências no exterior. Os moçambicanos egressos de
universidades brasileiras inspiram outros jovens a escolherem o Brasil como país
para realizar o Ensino Superior.
162
Assim como no caso dos estudantes moçambicanos, o Brasil nunca ocupou
um lugar de destaque na geografia simbólica (Bálsamo, 2009) dos estudantes
caboverdianos (Hirsch, 2008) e congoleses (Santos, 2012). Os cabo-verdianos
optam tradicionalmente por Portugal, pelo valor simbólico que obter um diploma
no país europeu tem para eles
desde os tempos coloniais. Contudo, a
possibilidade de conseguir bolsa e o menor custo de vida no Brasil tornaram o
país latino-americano comparativamente mais atrativo, apesar de, para os caboverdianos, estudar no Brasil apresentar um status inferior que estudar em Portugal
(Hirsch, 2008, p.123). Para os congoleses, a oferta de bolsas também pesou na
decisão pelo Brasil. Outro fator que contou para esta decisão foi a fato de não
haver no Brasil uma consolidada imigração congolesa que restringisse os
estudantes a circular por uma rede de parentes. Os estudantes congoleses
preferiram vir para o Brasil do que para outros destinos populares entre seus
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conterrâneos, onde têm familiares. No Brasil, os estudantes congoloses contam
com uma rede de amigos, que, ao contrário das redes de parentesco, lhes dão mais
espaço para viver de maneira mais autônoma (Santos, 2012).
Gladys também nunca havia pensado em estudar no Brasil até descobri as
oportunidades de bolsa. O contato que ela tinha com o país no período em que
começou a planejar a saída do Peru era escasso. Ela tinha o ardente desejo de sair
do Peru, por isso, quando estava prestes a terminar o ensino médio, em meados
dos anos 90, começou a visitar as embaixadas estrangeiras no Peru em busca de
uma bolsa de estudos. Ela gostaria de ter ido para os EUA, porém não encontrou
bolsa e sua família não podia arcar com os custos de uma graduação norteamericana. Gladys reflete o porquê de nunca ter pensando em estudar no Brasil:
Eu acho que a gente tem mais informação da Rússia que do Brasil. Agora eu não
sei como está, mas na época que eu vim, apesar de ficar perto do Brasil, a gente
não tinha muita informação, a não ser um pouco das novelas brasileiras que
começavam a passar. Mas a gente não sabia o que vocês pensavam… A gente não
tem… não chegava música brasileira… Português era muito mais desconhecido
que inglês.. Então, tipo assim, apesar da proximidade, a gente não tinha muito
proximidade… Não tinha muito conhecimento sobre a cultura daqui (do Brasil).
Gladys.
Gladys expressa a sensação que muitos outros estudantes também sentiram
quando se viram diante da possibilidade de vir para o Brasil. A oportunidade
pareceu boa, porém, eles refletiam que, mesmo o Brasil estando mais próximo
163
geograficamente do Peru que outros países, o português era mais desconhecido
que o inglês e eles sabiam menos do Brasil do que da Rússia, Espanha ou
Alemanha, importantes destinos para jovens estudantes peruanos. Entre os jovens
peruanos que alimentavam o anseio de sair do país, estes são os quatro países
mais mencionados como lugares para onde gostariam de morar. Enrique se
recorda que desde pequeno, seu pai dizia que ele deveria sair do Peru. Ele gostaria
que o filho fosse para a Rússia para viver uma experiência internacional e
conviver com o socialismo de perto. O pai de Sofia também a incentivava a ir para
Rússia, país onde ele e sua esposa, a mãe de Sofia, fizeram sua formação superior.
Sofia gostava da ideia, mas quando decidiu sair do Peru para estudar, a Rússia
estava numa condição econômica difícil e as bolsas que oferecia eram
insuficientes para arcar com o custo de vida no país.
Importante país na atração de imigrantes, os EUA eram a opção mais
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popular entre os jovens peruanos. Alguns queriam ir para o país pelo contato
prévio que já tinham com a cultura de massa americana, como os filmes, a moda,
a comida e a música. Leyla, por exemplo, lembra que quando era pequena,
enquanto seu pai escutava música clássica, seus irmãos escutavam rock em língua
inglesa. Eles estudaram inglês desde criança e uma de suas irmãs gosta muito de
vestir roupas de grandes marcas americanas, como Nike e Adidas. Além do
contato com os EUA através da cultura de massa, alguns jovens pensaram em
estudar lá porque já tinham parentes residindo em diferentes partes do país, como
Gladys e Luis Fernando.
Já a Alemanha era uma opção principalmente para os jovens das carreiras
de Engenharia, que se impressionam com o nível de desenvolvimento do
conhecimento que o país tem nessa área. Se tivesse que sair do Peru, Victor iria
para a Alemanha. Como ele nunca chegou a ter um projeto concreto de ir para o
exterior, nunca buscou oportunidades reais para ir para lá. Tomás também pensou
em ir para a Alemanha, onde já tinha feito um intercâmbio de três meses quando
estava no Ensino Secundário. Entretanto, quando decidiu fazer mestrado no
exterior, preferiu ir para um país mais próximo do Peru. A Espanha também
ocupava um lugar no mapa dos jovens peruanos que queriam sair do país,
principalmente pelo idioma, por estar localizado na Europa e, em alguns casos,
por já ter parentes ou amigos morando no país.
164
O Brasil passou a figurar no mapa dos jovens peruanos como um possível
destino de duas maneiras: quando conheceram outros jovens que percorreram a
mesma rota ou depois que conseguiram uma bolsa para o Brasil e não para os
lugares preferidos. Guillermo, por exemplo, queria fazer mestrado na Rússia,
porém, depois de esperar meses uma resposta do seu pedido de bolsa, desistiu da
Rússia e aproveitou a bolsa que tinha recebido do Brasil. Victor, por outro lado,
nunca tinha imaginado seriamente sair do país, mas foi convencido por um amigo
com quem cursou a graduação que valia a pena ingressar no mestrado em
Engenharia da PUC-RJ, assim como aconteceu com Eduardo24. Já Leyla se
interessou em vir para o Brasil depois que teve um amigo brasileiro pela internet,
que compartilhava com ela músicas brasileiras e a incentivou a visitar o país.
Depois de uma viagem de passeio para o Rio de Janeiro e São Paulo, Leyla, que já
tinha vontade de sair do Peru, começou a estudar português e decidiu solicitar
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uma bolsa pelo PEC-PG.
Estes exemplos nos mostram que a escolha do destino é permeada por uma
complexa gama de reflexões, em que entra em jogo a representação dos jovens
sobre os países que consideram mais apropriado para empreender seus projetos.
As opções de destinos têm como base o contato prévio que o futuro estudante tem
com o país, seja visitando-o pessoalmente, seja através das representações
difundidas pelos amigos, familiares, meios de comunicação e pelo universo
acadêmico, quando ele ainda está no Peru. No caso de um destino ainda pouco
conhecido entre os peruanos, como o Brasil, sua escolha foi construída
principalmente através da rede de relações. Raros são os casos de jovens que
escolhem o destino sem saber quase nada dele ou sem ter relação com pessoas
conectadas com o país- como Gladys e o Enrique. Nestes dois casos, o que
permitiu que a ideia de estudar no Brasil fizesse sentido foi o projeto de sair do
Peru.
4.3.1
O país das novelas
As novelas desempenharam um importante papel na construção de uma
ideia de Brasil antes dos estudantes chegarem aqui. Elas começaram a ser
transmitidas no Peru nos anos 1980 e conquistaram a audiência do público
24
Ver subitem 2.5.
165
peruano, já familiarizado com as novelas mexicanas. As novelas brasileiras
surpreenderam os peruanos, primeiro por aproximá-los do Brasil, um país pouco
conhecido pelo peruanos. Os arranha-céus de São Paulo, as belas praias do Rio de
Janeiro, as largas avenidas das duas cidades mostravam aos peruanos um Brasil
desenvolvido, próspero e moderno que valia a pena ser visitado. As novelas
também surpreendiam por sua descontração, pelo senso de humor e pelas tramas
que contavam. Para os peruanos, o estilo brasileiro de fazer novelas se diferencia
do modelo mexicano, muito popular entre os países latino-americanos, pelo seu
enredo mais leve e mais bem-humorado.
As novelas se tornaram a "porta de entrada" do Peru para o Brasil. Elas
foram o primeiro contato que muitos peruanos tiveram com o país, assumindo um
relevante espaço na construção de uma representação de Brasil quando estes
jovens ainda estavam no Peru. E esta representação de Brasil serviu como pano de
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fundo para a inserção dos jovens na vida cotidiana do Rio de Janeiro. Através das
novelas, os peruanos entraram em contato com certas paisagens e determinados
traços da cultura brasileira. Pensando na sua área de atuação, a música, Alejandro
explica que foi no período de difusão das novelas que os peruanos começaram a
ter mais contato com a música brasileira produzida no próprio país. Quando veio
estudar Música na UFRJ, em 1993, ele descobriu uma gama de estilos e cantores
brasileiros que ele não conhecia do Peru. Em compensação, ele conhecia cantores
brasileiros que eram muito famosos no Peru e no exterior que os brasileiros
desconheciam. Isto acontecia porque os elementos brasileiros com os quais
Alejandro tinha contato chegava ao Peru através dos EUA:
O pessoal (no Peru) conhecia muito mais Bossa Nova que outra coisa do Brasil. E
acho que a Bossa Nova é o standard do Brasil no mundo (...); é como se fosse os
EUA um espelho.. Ah, porque o Sinatra gravou Tom Jobim, então pronto: Todo
mundo vai (conhecer bossa nova). E... tanto é que no Peru, quando eu cheguei aqui
eu conhecia alguns brasileiros que não conheciam aqui. Me lembro de músicos,
Tania Maria, uma pianista que morou na Europa, morou nos EUA também.. Era
muuuuiiito famosa no Peru, mas entre os músicos (peruanos, mas não entre os
brasileiros).
As novelas desafiaram a mediação do Peru com o Brasil através dos EUA,
estabelecendo um elo direto entre os dois países do Sul, sem interferência de um
país do Norte. A presença dos EUA na relação Peru-Brasil restringia o acesso dos
peruanos a diferentes elementos da cultura brasileira, que foi ampliado pela
166
difusão das novelas. Elas permitiram, por exemplo, que os peruanos tivessem
acesso à produção musical brasileira que não estava antes disponível através dos
EUA. Alejandro acredita que a abertura do mercado televisivo peruano para as
novelas brasileira contribiu para despertar nos peruanos um maior interesse pelo
Brasil:
E uma coisa que abriu caminho para outras músicas foram as novelas lá. Porque as
novelas foram, nessa época, dos anos 80, talvez, assim, melhor que qualquer rádio
lá. Porque teve aquela novela, Vale Tudo25, por exemplo, todo mundo via!!!! ... até
hoje, todo mundo pergunta: “que música é essa que era da Sucessora?”, que era
Odeon (tan tan tantan).. Todo mundo adorava a música!
As novelas se tornaram, assim, o "cartão de visitas" do Brasil no Peru,
apresentando uma determinada representação do país. Douglas explica que antes
de vir para o Brasil, as únicas imagens que ele tinha sobre o país era do carnaval,
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das praias e do futebol. Quando perguntado como ele construiu essa ideia,
Douglas responde:
Pela TV! E as novelas brasileiras.. A minha família adorava! A família toda
assistia.. meus tios também.. Xica da Silva foi foda! Espetacular! (....) As novelas
em Peru são que nem a novela das 8 daqui (...) e todo mundo tá em casa. Então, a
família inteira jantava assistindo novela. ...hoje em dia, eu não assisto nada de
novela. Mas, naquela época, quando a gente tava em família, tavam os irmãos (...),
chegávamos em casa e conversávamos vendo novela.. Era legal!
Apesar de não acompanhar mais novelas, Douglas reconhece que elas são
importantes na sua história de vida, pois ele recorda como sua família se reunia
diariamente para assisti-las. Mais do que um instrumento de diversão, as novelas
se transformaram num momento de reunião de diversas famílias peruanas, não
apenas a de Douglas. Assim como a dele, a família de Cristóban também tem nas
novelas brasileiras um marco diário, momento em que todos param e se juntam
em torno da televisão. Cristóban é um peruano que veio para o Brasil depois que
se casou com uma brasileira - ele não chegou ao Rio de Janeiro como estudante.
Das vezes que foi ao Peru, sua esposa ficou impressionada com a rotina da sua
sogra. Ela, que é uma senhora com idade avançada, tem todo seu dia ocupado
com tarefas domésticas: ela cozinha, arruma a casa, lava a louça. O único
25
O sucesso da novela "Vale Tudo" nos países hispânicos foi tão grande que foi gravada uma
versão em espanhol da novela. Luis Fernando, que é ator, participou de Vale Todo, versão em
espanhol de Vale Tudo.
167
momento do dia em que ela para de trabalhar é à noite, na hora da novela
brasileira. Ela não perde nenhum capítulo de novela brasileira transmitida no
horário noturno.
Apesar das novelas continuarem a desempenhar um papel estratégico de
aproximação do grande público peruano do Brasil, a ampliação do acesso a outros
meios de comunicação possibilita que os interessados em saber mais sobre o
Brasil possam realizar pesquisas em diferentes canais, sobretudo na internet. Nos
anos 90, o contato entre o Brasil e o Peru ainda era extramente reduzido e a
internet não era um meio de comunicação tão acessível como se tornou nos anos
2000. Gladys lembra que quando descobriu a possibilidade de conseguir uma
bolsa para o Brasil, ela começou a se interessar em aprender mais sobre o país.
Apesar do contato com as novelas, Gladys não sentia que este contato era
suficiente para ter uma noção mais exata de como seria sua vida no Brasil. Por
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isso, ela buscou mais informações na Embaixada e lá ela leia revistas, livros e
jornais com a esperança de conhecer mais o Brasil antes de chegar.
4.3.2
O Brasil por trás das novelas
Apesar de todo seu esforço prévio em saber mais do Brasil antes de vir,
quando chegou no seu destino, Gladys sentiu que o Brasil que viu nas novelas e
sobre o qual leu nos livros e revistas era muito diferente do Brasil que ela viveria.
Assistindo as novelas, ela tinha a sensação de que o Brasil não era tão diferente
assim do Peru. Porém, na sua experiência como estudante em universidades
brasileiras constatou que o Brasil mostrado na novela não é exatamente o Brasil
real, vivido por ela e pelos brasileiros:
Gladys: (…) E como tava entrando aquele negócio das novelas, a gente vê que não
uma cultura tão diferente. Mas depois eu vi que não era bem assim.
Camila: As novelas te enganaram?
Gladys: Não..não.. Assim.. é.. é porque é diferente! A novela é uma irrealidade.
Quando chega aqui, a gente vê que é outra coisa. Não é questão de enganar não…
Não fui enganada, mas acho que não te dá todo o suficiente pra você ter uma visão
realmente. (…)Eu achava (o Brasil) assim: (o Brasil era) tal qual você vê na
novela..
168
Assim como os estudantes moçambicanos e guineenses têm nas novelas seu
primeiro contato com o Brasil (Subuhana, 2005; 2006), os estudantes peruanos
encontram nelas um meio privilegiado para imaginar como era o país onde
morariam. O dia a dia no Rio de Janeiro fez com que eles percebessem uma
grande distância entre o Brasil vivido e o Brasil assistido nas novelas, como
analisou Gladys. Enquanto nas novelas o Brasil mostrado é quase exclusivamente
o Rio de Janeiro e, somente suas áreas mais nobres, quando desembarcam no Rio,
tanto os peruanos quanto moçambicanos e guineenses descobrem uma cidade que
não aparece na novela, composta não apenas pela da Zona Sul, mas também pelas
favelas, pela desigualdade entre a Zona Sul e a Zona Norte e entre as classes
sociais. Ao contrário das novelas, no Brasil também há pessoas pobres que vivem
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em bairros carentes, como no Peru, explica Eduardo:
... (o Rio de Janeiro) tem lugares bons, como a zona sul (...) mas também tem zonas
como no Peru, que tem as zonas.. as vilas... Lá no Peru são o pólos pobres.. Antes
eu achava que, pelas novelas (...) que no Rio só tem gente de muito dinheiro.. Na
verdade, não é assim. Tem gente da classe b e tem gente da classe A... Eduardo.
Eduardo nota que as novelas apresentam uma imagem seletiva do Brasil e
do Rio de Janeiro, em que a pobreza não aparece. É esta a imagem que serve
como pano de fundo para a construção de uma representação coletiva de Brasil
pelos estudantes, sua família e amigos no Peru. Se, por um lado, as novelas
oferecem uma aproximação do Brasil para os peruanos sem a mediação dos EUA,
elas apresentam de uma imagem limitada do país, reduzido às zonas mais
privilegiadas de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. À pergunta
“qual era a ideia de Rio de Janeiro que você tinha antes de chegar?”, Tomás
pondera:
A imagem que a TV passa: uma cidade sem defeito, que tem de tudo, que é
verdade. Quando você vem, você vê a realidade (...) É uma imagem mais
cosmopolita. (...) uma imagem mais plástica. Não é como você morar esmo na
cidade, conhecer as pessoas. Tipo, a imagem que a TV te vende é só a orla de
Copacabana, Zona Sul e só isso que existe. Todo mundo é rico, todo mundo é
gostoso, todo mundo é bonito.. Mas acho que isso acontece em tudo quanto é canto
também. No meu país, se você vê a TV, algumas vezes você acha que todo mundo
é branco lá.
169
Contudo, as novelas não encerram as possibilidades de imaginação que os
jovens peruanos encontram para fazer do Brasil seu país de destino. Appadurai
(1996; 2002) discute que a mídia de massa e a migração se configuram como
espaços onde os indivíduos e grupos inserem o global em suas práticas e no seu
modo de viver a modernidade. Ambas provocam a circulação de imagens que
ligam a vida cotidiana a outros ‘mundos’. Enquanto a migração provoca
mudanças territoriais, sociais e culturais na reprodução da identidade de grupo, a
mídia, produz imagens e narrativas do mundo para um grande público,
contribuindo para a construção de um “mundo imaginado”26 e uma visão sobre o
outro. Enquanto as novelas transmitem determinadas imagens do Brasil para o
Peru, tais imagens são confrontadas com aquelas difundidas por outros meios de
imaginação e comunicação que os peruanos hoje têm acesso, desde internet até o
convívio com outros peruanos que já estiveram no Brasil.
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Appadurai analisa que, na sua fase globalizada, a modernidade presencia
novas formas de organização social do tempo, do espaço, das finanças e das
tecnologias, que estão intimamente associadas à maneira como as pessoas
imaginam a elas mesmas e o mundo. De um lado, a imaginação se desvinculou do
espaço da nação, através da ampliação global dos horizontes de possibilidades. Do
outro, o local passa a ser permeado por novos significados, fundamental para a
socialização do tempo e do espaço, categorias cruciais na construção de
identificações entre pessoas e grupos. A imaginação conjuga pensamento e ação,
indivíduo e coletividade e ocupa um lugar de extrema importância na relação
entre o local e o global. Mais do que uma capacidade individual de pensar e
refletir, Appadurai (1996) entende a imaginação como:
"... um campo organizado de práticas sociais, uma forma de trabalho (...), e uma
forma de negociação entre locais de agência (individual) e campos de possibilidade
globalmente definidos.. A imaginação é agora central para todos as formas de
26
Appadurai (1996) discute que a imaginação tem a capacidade de criar uma “comunity of
sentiment”. Os fluxos de pessoas e de imagens que caracterizam a globalização permitiram que
pessoas espalhadas pelo mundo se identificassem umas com as outras na maneira de sentir e
pensar. Portanto, elas já não se imaginam mais restritas a uma “comunidade imaginada”
(Anderson, 1989), mas vivem hoje em “mundos imaginados”. Enquanto a “comunidade
imaginada” esteve associada à construção de um sentimento nacional, os “mundos imaginados”
possibilitam que uma mesma pessoa se sinta parte de diferentes “comunidades imaginadas”, sem
que haja necessariamente uma associação com o Estado-nação. Os mundos imaginados são
constituídos por imaginações historicamente situadas de pessoas e grupos espalhados pelo globo
(p.33).
170
agência, é ela mesma um fato social, e um componente chave para a ordem social
de agora27" (p.31).
Portanto, a imaginação é um ato coletivo se materializa nas experiências
cotidianas. Isto significa que a imaginação é o prelúdio de uma forma de
expressão que pode se tornar o combustível da ação. No caso dos estudantes
peruanos, a imaginação de como é o Brasil integrou o processo que culminou com
a vinda deles para cá. Neste processo, as novelas não detêm o monopólio total
sobre a construção de uma representação de Brasil, mas compartilham o espaço na
imaginação com outros programas de TV, telejornais e filmes, e também com a
internet e as informações transmitidas através das redes de relacionamentos.
Nas viagens que fiz ao Peru desde que iniciei o projeto de doutorado, pude
observar uma variação na reação dos peruanos que eu conhecia ao longo da
viagem sobre o Brasil. No ano de 2011, o tema mais mencionado pelos peruanos
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quando descobriam que eu sou brasileira do Rio de Janeiro eram as favelas
cariocas, cenário do filme americano “Velozes e Furiosos”. Uma pergunta
recorrente era se as favelas eram muito perigosas e violentas.
Outra pergunta que repetidas vezes me fizeram em 2011 foi como estava a
situação econômica do Brasil depois no Lula. Naquele ano, eu cheguei ao Peru no
dia do segundo turno das eleições presidenciais, em que venceu o candidato de
esquerda Ollanta Humala. Os peruanos em geral tinham uma boa avaliação do
Lula e esperavam que Humala optasse por um governo de negociação como o
dele, e não de enfrentamento, como o de Chávez. Uma pergunta mais pragmática
que também me faziam em 2011 era se o salário no Brasil eram alto e se os
brasileiros “ganhavam bem”.
Em 2012, quando participei de um congresso de antropologia em Puno,
estive no Peru poucos dias e tive limitadas oportunidades de ter contato com a
população local. Nesses raros momentos, fui abordada por um professor de
Antropologia da Universidade Del Altiplano, que me contou que tinha o desejo de
fazer doutorado no Brasil e pediu que eu o ajudasse. Numa loja de souvenires e
instrumentos musicais no centro da cidade, um dos senhores que trabalhava lá me
27
“…an organized field of social practices, a form of work (…), and a form of negotiation
between sites of agency (individual) and globally defined fields of possibility… The imagination
is now central to all forms of agency, is itself a social fact, and is the key component of the now
global order”.
171
disse que gostava muito de música brasileira, principalmente de Chico Buarque.
Já nas viagens de 2013, o principal tema de conversa sobre o Brasil foi a Copa do
mundo de 2014 e qual é o preço médio da hospedagem e da alimentação nas
cidades-sede.
Estes exemplos demonstram que a representação de Brasil no Peru tem se
transformado ao longo dos últimos anos. O crescente destaque que o Brasil tem
recebido no cenário internacional sendo, por exemplo, sede da Copa da Mundo e
cenário de um famoso filme americano, amplia a curiosidade de muitos peruanos
sobre o Brasil. Neste caso, o Norte continua fortemente presente na relação BrasilPeru. Além disso, a intensa presença de turistas brasileiros no Peru também tem
colaborado para uma aproximação de brasileiros e peruanos 28. No campo da
mobilidade estudantil internacional, muitos peruanos que estudaram no Brasil,
quando voltam, compartilham da sua experiência com outros jovens,
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incentivando-os a também estudarem no país vizinho29. Com a expansão do
acesso aos meios de comunicação de alta velocidade, este incentivo muitas vezes
acontece quando o estudante ainda está no Brasil. Através das redes sociais, sites
de relacionamento e emails, eles enviam informações, mensagens e fotos que
incentivam seus amigos a estudar com eles.
O despertar para o Brasil como um destino para estudar parece já não estar
mais restrito às redes de amizade construídas através das universidades peruanas.
Na visita que fiz a Huaraz, província com cerca de 117 mil habitantes30,
localizado na Serra Norte do Peru, vi um cartaz que me chamou a atenção:
28
A peruana Sandra, sobre quem falamos no capítulo 3, veio para o Brasil nos anos 1990 a convite
de uma brasileira que conheceu em Cusco, sua terra natal. Sandra e sua mãe tinham uma loja de
souvenirs no centro de cidade e um dia, uma turista brasileira, admirada com a beleza dos
produtos, convidou a duas para vir ao Brasil. O caso de Sandra é emblemático pois a turista
brasileira exerceu um papel fundamental na sua decisão de vir para o Brasil, oferecendo-lhe
moradia nos primeiros dias no país e ajudando-lhe a vender o produtos trazidos de Cusco. Mesmo
a turismo sendo uma tipo de mobilidade diferente da imigração, neste caso, ele foi o primeiro
contato que tornou a imigração de Sandra possível.
29
Pelo facebook, conheci um peruano que estudou na Universidade Federal do Mato Grosso e,
quando terminou sua graduação, abriu um curso de português em Tacna, sua cidade natal. Agora,
ele oferece cursos preparatórios para a realização do exame CELPE-Bras, exame de proficiência
de português para estrangeiros exigido para se candidatar aos PEC`s.
30
Segundo estimativa do INEI (2012), Huaraz está em vigéssimo primeiro lugar na lista de
províncias com maior população.
http://www.inei.gob.pe/biblioineipub/bancopub/Est/Lib1032/libro.pdf
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172
Figura 2
Anúncio de curso de Português no mural de classificados localizado no centro de Huaraz,
Ancash. Abril de 2012. Arcevo pessoal.
173
No cartaz, a maioria dos argumentos para estimular os peruanos de Huaraz
a aprender Português gira em torno do estudo. Aprendendo português, eles
poderão aproveitar as oportunidades de estudo no Brasil, que oferece 140 opções
de carreiras em 65 universidades. Além da diversidade de carreiras disponíveis, o
cartaz também anuncia que o Brasil oferece bolsas, citando o caso dos alunos de
graduação da UNILA. Segundo o cartaz, 60 pessoas foram contempladas com
bolsa para estudar na instituição em 2012. Douglas, que nasceu e cresceu na
região de Huaraz, se surpreendeu quando eu contei que encontrei este anúncio no
mural de classificados do centro da cidade. Ele disse que em cidade grandes,
como Lima e Arequipa, há vários cursos de português, mas ele nunca imaginou
que em Huaraz já existissem pessoas interessadas em aprender o idioma. Este
cartaz pode ser um sinal de que o Brasil já não é país tão simbolicamente distante
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dos peruanos como no período em que muitos estudantes, como Douglas, vieram
para cá.
Não podemos deixar de considerar a importância do governo Lula na
construção de uma representação de Brasil para além das novelas. Durante seu
governo, o país ampliou sua atuação nos países do hemisfério sul. Mais que isso, a
própria origem do ex-presidente, um ex-sindicalista, pertencente a um partido de
origem trabalhadora serviu de inspiração para peruanos como Guadalupe vir para
o Brasil. Ela nunca quis sair do Peru, mas gostou da ideia de vir para o Brasil, um
país que ela acreditava que era governando segundo um regime socialista. Estes
sinais indicam que, para além da novela, cada vez mais novos espaços de
construção de múltiplas imagens de Brasil estão sendo construídos no Peru. Cada
vez mais, os peruanos podem avaliar de uma maneira mais complexa e profunda
os prós e contras de estudar no Brasil quando ainda estão no Peru.
174
4.3.3
Praia, futebol e carnaval?: imagens do Rio de Janeiro
Assim como as experiências vividas pelos jovens no Peru foram
fundamentais para que decidissem sair do país para estudar, ter o Brasil como
destino esteve alicerçado em diversos elementos, entre eles a ideia de Brasil que
eles tinham. Como vimos no ponto anterior, os meios de comunicação de massa
exerceram um papel de suma importância neste processo, pois foi através deles
que muitos dos jovens peruanos tiveram seu primeiro contato com o Brasil. Nesta
construção de uma imagem de Brasil, as novelas foram fundamentais ao
aproximar o público peruano de paisagens cariocas, como as praias de
Copacabana, Ipanema e Leblon, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e os belos
dias de sol da Zona Sul carioca. Além da praia e do sol, o Brasil é associado ao
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carnaval, ao samba e ao futebol. Sofia explica que é esta a imagem de Brasil que a
mídia oferece: um estereótipo que não representa a realidade. Antes de chegar
aqui, ela mesma tinha essa ideia:
A minha imagem do Brasil era a que todo mundo tem infelizmente, o estereótipo:
samba, futebol e mulheres… e carnaval... É a mídia que… a mesma mídia daqui do
Brasil, que eles dão essa imagem: futebol e carnaval. Sofia.
A estudante esclarece que os estereótipos são uma tentativa de
compreender o que não se conhece, desenvolvida principalmente através das
informações fornecidas pela mídia. Sua explanação se aproxima da de Mcdonald
(apud Rezende, 2009) que explica que o estereótipo é uma construção social
elaborada a partir do contato entre diferentes sistemas de classificação. Como
forma de atribuir uma ordem à imprevisibilidade do encontro entre categorias
desses diferentes sistemas de classificação, os estereótipos atribuem um lugar para
aquilo que não se sabe como classificar. Da Mata (apud Velho, 1978) afirma que,
nas sociedades complexas, a diversidade que ela abarca está organizada segundo
uma hierarquização das categorias sociais. Através dos estereótipos, cada
categoria tem seu lugar definido na hierarquia social que organiza e mapeia a
realidade.
No caso da imagem de Brasil que os jovens peruanos tinham antes de
chegar, o estereótipo se configura como uma visão limitada e parcial do Brasil,
175
mas que se supõe geral e imparcial. As informações e imagens veiculadas pelos
meios de comunicação são incapazes de apresentar e representar toda realidade
brasileira, mas apenas uma pequena parte dela. Determinadas imagens se tornam
estereótipos quando, ao mostrar apenas uma parte realidade, se supõe que ela é o
todo, a realidade por completo. Osvaldo e Eduardo reconhecem que não sabiam
muito sobre o Brasil antes de chegar. Assim como Sofia, a principal ideia que eles
tinham era do Brasil como o país do futebol e do carnaval, sem ter uma noção
exata sobre as diferenças regionais que o país abarca:
Brasil é carnaval, Brasil é praia (…) mas, não tinha uma ideia clara de que: Rio é
praia e São Paulo… Não: pra mim era tudo essa ideia. Eu vim quase sem saber
muito bem das características particulares do Rio de Janeiro. Osvaldo.
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Carnaval! Brasil, a gente tem a ideia de um país que sempre ganha as copas do
mundo.. Um país melhor nos esportes. (...) A gente acha que todo mundo jogo
futebol.. (...) Tem a ideia do futebol, do carnaval... Eu estava muito contente de vir
para o Rio, porque o Rio exporta o carnaval.. Eduardo.
Carnaval, futebol e praia são as palavras mais repetidas pelos estudantes
peruanos quando explicam a ideia de Brasil tinham antes de chegar. Uma
característica de extrema relevância nesta imagem do país no exterior é a relação
entre praia, carnaval e um elemento que está implícito nesta relação: a mulher.
Ambos, a praia e o carnaval, carregam uma conotação de sensualidade associada
ao um estereótipo de mulher brasileira: aquela que dança de maneira voluptuosa
no carnaval, vestindo pouca- ou nenhuma- roupa, desfilando de biquíni na beira
da praia. A partir desta ideia, a mulher brasileira é imaginada como mais aberta,
liberal e, em última instância mais "fácil"31 e mais disponível para relações
amorosos e sexuais efêmeras que as peruanas.
O Rio de Janeiro é, portanto, a cidade que mais se aproxima da ideia de
Brasil que os estudantes peruanos tinham antes de chegar. A escolha da cidade
esteve permeada tanto por fatores objetivos, como ter conquistado uma bolsa de
estudos numa universidade na cidade, como por fatores intersubjetivos, como a
imagem do Rio de Janeiro como cidade mais representativa do Brasil. Luis
Fernando tinha o plano de ir para a USP, mas não tinha vaga para lá. A vaga que
31
Um exemplo disso é o imaginário construído em torno da mulata. Sobre este debate ver
Giacomini (1994; 2006).
176
conseguiu foi para o Rio de Janeiro. Quando soube do resultado, ficou feliz de ir
para uma cidade conhecida:
Eu tinha escolhido USP! …Mas aí, quando eu vi que outras pessoas eram
mandadas pro Acre, pra… sei lá, Sergipe.. Que eu nunca tinha ouvido falar!!!! Eu
preferi o Rio de Janeiro!!! Inclusive, a moça (da embaixada) disse: "quem quiser
trocar pode chegar aqui na mesa pra ver se a gente consegue remanejar as vagas".
Eu fiquei quieto, (…) porque eu tava sendo mandado pro Rio de Janeiro! Não um
lugar desconhecido! Luis Fernando.
Um caso interessante é o de Antonio32 que veio estudar no Brasil nos anos
60. Ao ser enviado para a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, solicitou a
mudança de universidade para uma no Rio de Janeiro. A cidade gaúcha era muito
fria e muito distante da ideia de Brasil que ele tinha: um país tropical, ensolarado
e praiano. Antonio conseguiu ser transferido para a UFRRJ, em Seropédica.
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A difusão da ideia do Brasil como um país tropical e do Rio de Janeiro
como seu "cartão postal" não está restrita às novelas e aos meios de comunicação
de massa. Em 2011, quando tentei contato telefônico Embaixada do Brasil no
Peru, fui surpreendida com as canções de espera: um dia, aguardei o atendimento
ao som de “Garota de Ipanema”; noutro, ao som de “País Tropical” (ver a letra
das canção anexo 8). As duas canções retratam o Brasil e o Rio de Janeiro pela
beleza da mulher, a praia e o futebol, elementos que
corroboram com os
tradicionais estereótipos de Brasil.
Uma percepção recorrente entre os estudantes peruanos é de que o Rio de
Janeiro é uma cidade de grandes belezas naturais. Esta ideia que eles tinham antes
de chegar, se confirmam quando vivem na cidade. A orla, o encontro da montanha
com o mar e a vegetação são elementos que somados aos grandes prédios e
avenidas marcam a cidade de maneira peculiar, numa junção de natureza e
urbanização. Muitos peruanos, como Virgilio e Douglas, ressaltam que um
aspecto que dá ao Rio uma beleza especial é a vegetação, espalhada por todas as
partes da cidade. Renato e Rúben concordam que a paisagem do Rio tem uma
graça que eles nunca tinham visto antes.
O peruano Victor Mory, em entrevista ao programa de televisão Passagem
33
Para
32
33
explica que as paisagens em cidades costeiras peruanas, como Lima, são
Ver capítulo 3.
Produção do Canal Futura: http://www.youtube.com/watch?v=W2gJFQqAU-E.
177
muito áridas. Lima é uma cidade construída num deserto, por isso, nenhuma
vegetação cresce naturalmente na cidade. Todos os jardins que existem lá são
regados regularmente, caso contrário, terão uma vida breve. Além disso, em Lima,
os dias são quase sempre nublados. Raros são os dias ensolarados. Em outras
partes do Peru, como a Serra, há paisagens muito bonitas e intenso sol durante o
dia, porém muito diferentes das paisagens do Rio de Janeiro. Por isso, tanto os
peruanos da Costa quanto os da Serra, se encantam com as paisagens cariocas,
que Rúben e Renato resumem em duas palavras: “un paraíso”. Néstor concorda:
"Rio tem bastante vegetação, tem mar... Ao contrario de Lima, que é cinzenta. Rio
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é um paraíso! Rio é o melhor que me poderia ter acontecido".
5
O cotidiano no Rio de Janeiro
A cidade do Rio de Janeiro fascina os estudantes por sua exuberante beleza
natural. Mas a cidade também oferece grandes desafios. Antes de chegar, os
estudantes construíram uma série de expectativas de como seria sua vida no Rio
de Janeiro, a partir das representações de Brasil que tiveram acesso através das
novelas, da internet e de amigos. Tais expectativas serviram como base para sua
primeira inserção na cidade. Quando chegam aqui, eles precisam lidar com todos
os aspectos que entram em jogo quando se vive no exterior: aprender um novo
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idioma, se adaptar ao sistema de ensino brasileiro, compreender as formas de
sociabilidade de brasileiros e cariocas, aprender a se locomover pela cidade.
Na sua experiência de vida no exterior, os jovens peruanos encontrarão a
oportunidade de comparar o Brasil imaginado com o Brasil vivido no cotidiano e
assim, como atores que agem reflexivamente (Giddens, 1989), poderão avaliar as
proximidades e distâncias entre os dois Brasis. Os brasileiros participam
ativamente deste processo. Será na interação entre eles e os peruanos, a partir das
representações que cada um elabora sobre si e o outro, que estudar no Brasil será
vivido como uma experiência migratória.
Neste capítulo, analisaremos a maneiras como os estudantes no Rio de
Janeiro lidam com alguns aspectos da vida prática, mais especificamente como
eles encontram um lugar para morar, escolhem o que comer e como se alimentar,
se relacionam com os brasileiros e com a Polícia Federal, órgão responsável por
tratar de assuntos relacionados aos estrangeiros no Brasil. Combinando uma
descrição das práticas dos estudantes com a opinião que eles declaram sobre as
mesmas, este capítulo se propõe a mostrar que é na vida cotidiana, lidando com
questões de ordem prática que os peruanos percebem que determinados costumes
que eles viviam como naturais no Peru, não são compreendidas pelos brasileiros
que, por sua vez, têm outros costumes. É no encontro entre os seus "costumes
naturalizados" e os dos brasileiros que os estudantes se deparam com a
possibilidade de viver uma experiência migratória.
179
5.1
Moradia
A escolha do lugar de moradia tem como tendência estar próximo à
universidade onde o estudante terá aulas. Esta decisão é tomada visando diminuir
o tempo de deslocamento e os custos com transporte. Para grande parte dos
peruanos que ainda são estudantes, a universidade é o local onde passam a maior
parte do tempo- onde assistem aulas, fazem pesquisas, realizam suas refeições e
também onde muitos passam o tempo livre-, por isso, eles preferem estar perto
dela. Apenas os estudantes da UFRJ que têm aula e fazem pesquisa no campus
Fundão não seguem esta tendência, uma vez que este campus numa região pouco
povoada, afastada de áreas residenciais e/ou comerciais. Entre os estudantes, há
um predomínio de pessoas que residem em bairros da Zona Sul carioca ou no
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bairro da Ilha do Governador, na zona norte.
Os estudantes da UFRJ que participaram da pesquisa preferem morar na
Zona Sul para estar mais próximos das opções de lazer que a cidade oferece.
Leyla chegou a morar na Ilha do Governador, bairro próximo ao Fundão, assim
que chegou ao Rio de Janeiro, mas se sentia isolada, principalmente nos fins de
semana, pois o bairro fica distante das áreas mais turísticas da cidade, por onde ela
gostaria de passear. Logo nos seus primeiros meses no Rio, ela se mudou para a
Zona Sul, de onde não tem planos de sair. Apesar da locomoção até o local de
estudo e pesquisa ser um ponto importante na escolha da moradia, outras questões
também são levadas em conta, como a distância da moradia da praia e de locais de
lazer, supermercados, o acesso ao transporte público, etc.
A maioria dos estudantes de pós-graduação da PUC-RJ, por exemplo,
moram na Gávea e se dividem principalmente entre dois locais de moradia: o
Minhocão e o Parque da Cidade. O Minhocão é um conjunto habitacional
localizado ao lado da universidade. Nele moram muitos estudantes da PUC-RJ,
não apenas peruanos. Eles geralmente alugam uma vaga nos apartamentos do
conjunto, dividindo a moradia com outros. Atualmente, uma vaga no Minhocão
custa em torno de R$ 500 e cada quarto é dividido entre dois ou três estudantes.
O Parque da Cidade é uma favela localizada nas proximidades da PUC-RJ.
Entre os que moram lá, há os que dividem a moradia, quase sempre com outros
peruanos, e também os que optam por morar sozinhos. Muitos estudantes
180
peruanos consideram mais vantajoso morar no Parque da Cidade por ter mais
autonomia sobre a moradia. Enquanto no Minhocão o estudante aluga apenas uma
vaga dentro de um apartamento compartilhado com outras pessoas e administrado
por um terceiro, no Parque da Cidade são eles os locatários e, como tais, podem
escolher com quem dividirão a casa. Atualmente, o aluguel de uma casa com 3
cômodos (cozinha, banheiro e quarto) está em torno de R$600.
Uma peculiaridade no Parque da Cidade é que o sistema de locação de
imóveis é informal, o que isenta os estudantes de assumir as regras de um contrato
formal, como ter um fiador. Encontrar o proprietário de um imóvel no Rio de
Janeiro disposto a ser fiador de um estudante estrangeiro recém-chegado pode ser
uma tarefa complicada, sobretudo quando ele ainda não tem conhecidos na cidade
ou
está inserido numa rede composta quase que exclusivamente de outros
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estudantes peruanos, como é o caso da grande maioria estudantes peruanos da
PUC-RJ.
Morar numa favela carioca não estava nos planos de nenhum dos estudantes
da PUC-RJ. Alguns deles cresceram nos conos ou villas1, mas eles percebem uma
grande diferença deles para as favelas: o tamanho das casas. Mesmo aqueles que
moravam nos conos antes de vir para o Rio de Janeiro se surpreendem com o tipo
de moradia onde se veem obrigados a residir no Parque da Cidade. Solange
comenta que todas as casas nos conos são muito espaçosas. Todas têm quartos
amplos, uma sala grande e um quintal muito extenso, onde, às vezes, se cria
alguns animais para consumo próprio. Guadalupe também cresceu num cono. Ela
se recorda que no grande quintal que tinha a casa, seu pai construiu vários
brinquedos para que ela e seus irmãos não precisassem sair de casa para de
divertir. Ela lembra que o quintal era tão grande que ela nem sentia vontade de
brincar na rua.
Assim que chegou ao Rio, Solange morou numa casa no Parque da Cidade,
composta de três cômodos pequenos: um banheiro, uma cozinha e um quarto, que
dividia com mais três peruanos. O amigo que a convidou para estudar na PUC-RJ
já havia alertado sobre as condições de vida dos estudantes de pós-graduação, mas
Solange sentiu que a situação era mais precária do que ela imaginou:
1
Ver capítulo 3.
181
Ele (meu amigo) me dizia que a vida aqui, para os peruanos pelo menos, é um
pouco difícil, porque tinha que viver em casa assim, com várias pessoas, dividindo
os gastos... Imaginei que seria assim: viver num quarto, numa casa com várias
pessoas. Nunca pensei que seria tão pequeno! Mas tem outros que moram com 6,
5... Inclusive dizem que tem repúblicas onde vivem até 10 (pessoas)2. Solange.
Hoje, Solange mora sozinha, mas ainda com pouco espaço, o que, lhe dá a
sensação de que não tem qualidade de vida no Brasil. Além da falta de espaço em
comparação com as casas peruanas, os peruanos que moram no Parque da Cidade
enfrentam ainda alguns inconvenientes, como as frequentes faltas d'água. Quando
tal acontece, uma opção é passar o máximo de tempo possível usufruindo das
instalações da universidade e do laboratório de pesquisa. Em caso de falta d'água
para tomar banho, a solução encontrada por alguns é tomar banho no vestiário do
ginásio da PUC-RJ.
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A maioria dos estudantes que mora no Minhocão e no Parque da Cidade
tem em comum o fato de terem a bolsa sua única fonte de renda. Grande parte
deles são oriundos das classes populares peruanas e decidiram ingressar no
mestrado e no doutorado depois de terminar a universidade pública no Peru.
Alguns já tiveram experiência prévia de trabalho e voltar a ser um estudante
significa uma queda brusca em seus rendimentos. Tal situação é agravada pelo
altíssimo custo de vida do Rio de Janeiro, principalmente se comparado com o
custo de vida das cidades peruanas. Os estudantes se deparam com uma difícil
realidade: eles têm uma renda menor e um custo de vida muito mais elevado do
que antes. Assim, a experiência de ser um estudante no Rio de Janeiro é
acompanhada pela percepção de que estão sofrendo uma deterioração da sua
qualidade de vida. O que alivia tal percepção é a expectativa de que um diploma
brasileiro abrirá novas oportunidades no Peru, no Brasil e no mundo.
A dificuldade de pagar uma moradia com o que recebe de bolsa não é uma
dificuldade apenas para os estudantes da PUC-RJ. Os peruanos que estudam em
outras universidades também se deparam
com a mesma dificuldade,
principalmente quando não contam com uma poupança ou outra renda- oriunda de
2
Él (mi amigo) me decía que la vida acá para los peruanos, al menos, es un poco dificil porque
tenía que vivir en casas asi con várias personas, compartiendo los gastos.. Imaginé que seria asi,
vivir en un cuarto, en una casa con várias personas. Jamais pensé que seria tan pequeño! Mas hay
otros que moram entre 6, 5... Incluso dicen que hay republicas donde viven hasta 10 (personas).
182
projetos, por exemplo-, além da bolsa. A solução para diminuir os custos é a
mesma empreendida pelos estudantes da PUC-RJ: dividir a moradia.
O Parque da Cidade não é a única favela onde moram estudantes
estrangeiros, incluindo peruanos. Recentemente, uma das entrevistadas se mudou
para a favela Tavares Bastos, no Catete, a convite de uma amiga alemã, que já
mora no local há mais tempo. Outra peruana estava pensando em morar no Pavão
Pavãozinho com suas amigas mexicanas que vieram cursar pós-doutorado no Rio
de Janeiro. Ela tem outras amigas estrangeiras que moram nas favelas Chácara do
Céu e na Pereira e Silva.
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5.2
A comida é lembrança
Para os peruanos, a comida é parte fundamental de sua vida social. Mais do
que um meio para suprir as necessidades físicas do corpo, a comida se configura
como um importante elemento na socialização dos peruanos. O reconhecimento
internacional que a culinária peruana alcançou tem permitido que cada vez mais
pessoas de diferentes países apreciem a diversidade que ela tem para oferecer, o
que deixa os peruanos muito orgulhosos. Um indício de tamanha notoriedade da
culinária peruana eu tenho percebido quando comento em determinados círculos
sociais sobre o meu tema de doutorado. Entre as camadas médias intelectualizadas
do Rio de Janeiro, quando menciono que minha pesquisa é sobre a experiência
migratória de estudantes peruanos no Rio de Janeiro, é muito comum as pessoas
tecerem elogios à culinária peruana, especialmente ao ceviche. Este prato peruano
se tornou muito popular no Rio Janeiro, sendo incluído nos cardápios de muitos
restaurantes, principalmente os de comida japonesa.
Apesar da popularidade do ceviche, a culinária peruana não se limita a ele. E
os estudantes peruanos lembram disso no seu dia a dia. A comida é um dos pontos
centrais de contraste entre o Peru e o Brasil de mais difícil adaptação para os
estudantes. Eles são categóricas em reclamar da comida brasileira por ter não a
variedade de sabores que a peruana tem. Enquanto no Peru, eles tinham o hábito
de comer um tipo de prato diferente a cada dia da semana, aqui no Brasil, eles se
183
veem obrigados a comer arroz e feijão todos os dias. A sensação de obrigação está
presente especialmente entre aqueles que fazem suas refeições nos restaurantes
universitários. Neles, as refeições geralmente são mais baratas que em outros
restaurantes, porém as opções do que comer costumam ser mais limitadas.
No bandejão3 da PUC-RJ, quando o tema de conversa é comida, as
reclamações são constantes. Os peruanos reclamam da qualidade da comida, das
opções restritas e, principalmente, da insistente presença do feijão. Douglas
lembra que quando era estudante, o bandejão era bem pior: as opções eram ainda
mais limitadas, não havia saladas e a comida tinha um sabor menos agradável.
Para Douglas, que tem uma visão retrospectiva do bandejão, atualmente ele está
muito melhor do que antes, transparecendo sua percepção de que os peruanos que
chegaram mais recentemente exageram nas críticas.
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Guadalupe sempre reclama da comida do bandejão para suas colegas
brasileiras, que respondem que a comida de lá não pode ser de parâmetro de como
é a “verdadeira” comida brasileira. Elas afirmam que a culinária brasileira é
composta por uma variedade de pratos muito saborosos e que o bandejão oferece
apenas pratos mais simples. Elas reforçam que, para Guadalupe conhecer a
comida brasileira "de verdade", ela tem que comer na casa de um brasileiro, que
prepare um prato mais elaborado, com mais refinamento. Guadalupe gosta da
ideia, porém completa: “elas me dizem que eu tenho que comer na casa de
alguém, mas ninguém me chama para comer na sua casa!”.
Uma característica dos almoços e jantares no Peru é que eles são
comumente compostos por uma entrada, o prato principal, uma sobremesa e uma
bebida. A entrada pode ser uma sopa ou uma pequena porção de algum prato à
base de batata ou similares. O prato principal é geralmente algum prato à base de
carne, servido em generosas quantidades. A bebida que acompanha a refeição
pode ser fria, como um refresco ou uma chicha morada4, ou quente, como chá.
Mesmo nos restaurantes mais populares, é muito usual eles servirem o menu
completo, que é a combinação dos itens citados acima. A sopa é um dos itens que
os estudantes mais reclamam a ausência cotidiana.
3
4
Bandejão é o apelido que recebe o restaurante universitário da PUC-RJ.
Bebida feita a partir do milho roxo.
184
A preferência dos estudantes pela comida peruana não se deve
exclusivamente à maneira como ela é preparada, pela qualidade dos ingredientes,
pela combinação de temperos ou pelo tamanho das porções. Todos estes aspectos
são diferentes na comida peruana e na brasileira. Entretanto, para além de suas
características objetivas, a comida peruana é a preferida pelos estudantes por sua
capacidade de ativar uma memória afetiva através do paladar. Mais do que um
alimento, a comida peruana representa um conjunto de relações interpessoais das
quais os estudantes estão privados quando no exterior. Como um costume que se
ancora na emoção, a comida peruana remete às reuniões em família, aos
tradicionais almoços de domingo e à um estilo de sociabilidade em que ela ocupa
o papel central, como explica Alejandro. Ele conta que, no Peru, qualquer tipo de
encontro entre amigos e familiares tem que ser acompanhado de generosas
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porções de comida.
A comida também foi um importante elemento no meu processo de
envolvimento com os estudantes. O fato de gostar da comida peruana me garantiu
muitos convites para participar de refeições, principalmente no restaurante
peruano em Copacabana. Nas viagens que fiz ao Peru, Argentina e Chile, sempre
trouxe comigo temperos peruanos que não são vendidos no Rio de Janeiro para
presentear alguns amigos mais próximos. Agradecidos, alguns deles me
convidavam para comer os pratos que eles preparavam com o tempero com o qual
foram presenteados.
Os estudantes sentem muita falta da comida peruana, por isso, muitos se
esforçam para aprender a cozinhar seus pratos favoritos. Também é muito comum
eles terem guardados em casa os temperos necessários para preparar comida
peruana que não são vendidos no Rio de Janeiro. Todas as vezes que viajam, eles
trazem os temperos em grandes quantidades, para armazenar até sua próxima
viagem ao Peru. Se os temperos terminarem antes, os estudantes costumam pedir
aos amigos para trazer mais. Por mais que se esforcem para cozinhar comida
peruana no Rio de Janeiro, os estudantes conservam certa nostalgia por ela. Uma
prova da relevância que a comida ocupa na experiência de vida dos estudantes
peruanos é que todos eles falam dela quando perguntados “Você sente falta do
Peru? De quê?”:
185
...família e comida. Os duas coisas se misturam. A comida é lembrança. O cheiro
da comida, do mercado de algumas frutas... Juan.
Cara, eu vejo um prato de comida peruana, eu volto pra minha infância! Eu volto
pra algum momento que eu tive lá, entendeu? Eu me lembro.. o ceviche eu me
lembro comendo com meus tios que.. meus tios sempre levavam.. Eu me lembro
assim! Parece que eu to vivendo aquele momento! Cada comida assim me lembra
algum momento lá… alguma coisa.. A mesma coisa a música! Então, as duas me
trazem uma lembrança.. É muito mais do que comida, do que prazer: “ah que
gostoso”! É lembrança mesmo! Sabe, assim.. pra mim é muito profundo isso..
muito forte! Gladys
O significado que a comida assume para os estudantes está na sua
capacidade de fazê-los relembrar um passado vivido no país de origem, em
especial, aquele compartilhado com a família. Mais do que oferecer prazer aos
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paladares, a comida peruana reativa lembranças e mobiliza sentimentos que, em
muitos casos, levam à autorreflexão. Guadalupe, por exemplo, reflete que ela só
começou a valorizar a comida peruana, especialmente a feita por sua mãe, no Rio
de Janeiro. Ela vai ao Peru pelo menos duas vezes ao ano, porque não aguenta
passar muito tempo sem comer a comida que sua mãe prepara. Ela lembra que,
antes de vir ao Brasil, às vezes sua mãe preparava o jantar e ela, com descaso,
dizia que não queria comer. Ela hoje percebe o quanto a sua mãe se esforçava para
agradá-la e lamenta não ter valorizado a comida e a dedicação de sua mãe antes.
Mas, Guadalupe se alegra de ter vindo para o Brasil e, através do afastamento e da
falta que sente de sua família, ter aprendido a dar mais valor e à sua mãe à comida
que ela prepara.
5.2.1
Feijão é só segunda!
Sofia se lembra que, quando chegou ao Rio, costumava comprar refeições
para almoçar na universidade quando estava no seu laboratório de pesquisa. Todos
os dias, o feijão compunha seu prato, o que provocou nela uma inicial repulsa.
..eu odiava feijão! Eu ODIAVA! Ainda porque, quando eu comecei tinha um
refeitório (…) que o prato mais barato era o PF, que era o prato feito. E era arroz,
186
feijão, carne; carne, feijão, arroz; feijão, carne, arroz… Uma coisa assim.. Todo
dia!
O feijão é um alimento indigesto para muitos peruanos. O seu consumo
rotineiro não é um hábito no Peru, ao contrário do arroz, que faz parte de muitos
pratos tradicionais. Não são apenas os peruanos que estranham a presença diária
do feijão nos pratos brasileiros. Em sua pesquisa com sul-americanos em São
Paulo, Young (2007) também encontrou entre eles um estranhamento diante do
hábito brasileiro de comer feijão todos os dias. Para alguns deles, o feijão não
apenas é um alimento que não se costuma comer cotidianamente no país de
origem, como ainda está associado à pobreza. Por isso, comer feijão todo dia no
Brasil tem uma conotação pejorativa, que remete a seu próprio empobrecimento.
Eduardo explica que seu estranhamento com os hábitos alimentares
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brasileiros não vem do fato do feijão fazer parte da dieta do país, mas dele ser
consumido diariamente. Ele conta que é costume no Peru que em cada dia da
semana se coma um tipo de prato diferente. Lá também se come feijão, mas não
todos os dias:
.. A comida no Peru é bem diferente. No Peru, ninguém vai almoçar todo dia feijão.
Um dia, a segunda, é sempre feijão. Segunda é tradição(comer) feijão. Eduardo.
O estudante esclarece que o feijão que se tem o hábito de comer às
segundas-feiras no Peru não é o mesmo que aqui, mas é a lentilha5. Apesar de
Eduardo afirmar que os feijão- na verdade, a lentilha- é o alimento que se come
nas casas peruanas às segundas-feiras, nem todos peruanos compartilham ou
mesmo conhecem esse hábito. Certa vez, conversando com um amigo peruano de
Lima, perguntei sobre o costume peruano de comer feijão às segundas-feiras. Ele me
disse que nunca tinha ouvido falar nisso. Talvez, este não seja um hábito em Ancash,
onde Eduardo nasceu e crescer. Ou então, meu amigo não entendeu que o feijão que
Eduardo se referia era, na verdade, lentilha.
Quando chegou ao Brasil, Ricardo também achava estranho o hábito de
comer feijão cotidianamente. Mas, depois de 7 anos no país, ele não apenas se
5
Certa vez, conversando com um amigo peruano de Lima, perguntei sobre o hábito peruano de
comer feijão às segundas-feiras. Ele me disse que esse hábito é completamente desconhecido para
ele. Talvez, este não seja um hábito compartilhado por todas as regiões do Peru ou ele não
entendeu que o feijão, na verdade, era lentilha.
187
acostumou, mas aprendeu a gostar do feijão. Seu gosto pelo feijão brasileiro é
tamanho que quando passa muito tempo no Peru sente falta do alimento. Uma
vez, o convidei para almoçar na minha casa e ele elogiou muito o feijão que
preparei, com o caldo grosso. Apesar do seu choque inicial com o feijão, Sofia
também se acostumou com ele. Hoje, ela se diz "viciada em feijão".
5.2.2 Do mercado ao (super)mercado
O estranhamento que os estudantes peruanos sentem em relação à comida
brasileira não se restringe ao hábito de comer feijão diariamente. Um aspecto da
cultura alimentar brasileira que incomoda os peruanos é o fato de não existir no
Rio de Janeiro tantos mercados como no Peru. Os mercados peruanos são espaços
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onde são vendidos principalmente gêneros alimentícios principalmente legumes,
verduras e carnes. Eles se assemelham às feiras livres do Rio de Janeiro pelo tipo
de comida que comercializam. No entanto, enquanto as feiras são temporárias,
com um dia e horário marcado para acontecer, os mercados funcionam
regularmente, todos os dias da semana, num local fixo. Dentro dele, cada
comerciante tem um stand onde vende seus artigos.
Para os estudantes peruanos, é estranho não encontrarem mercados nas
áreas do Rio de Janeiro por onde circulam, mas apenas supermercados. Para eles,
o mercado é onde se pode comprar comida mais fresca, principalmente as carnes.
Nos
supermercados,
ao
contrário,
predominam
artigos
alimentícios
industrializados, conservados à base de produtos químicos ou por resfriamento.
Teresa, brasileira que se casou um ex-colega de mestrado peruano e mora no Peru
há mais de 10 anos, lembra como era incômodo para ela fazer as compras no
mercado. Ela, que sempre residiu em bairros de classe média de Lima, explica que
era um hábito para seu marido e sua família fazer compras no mercado. Ela,
entretanto, prefere ir ao supermercado que lhe parece mais organizado e salubre.
Sofia concorda que muitos mercados peruanos carecem de higiene, por isso, ela
prefere as feiras livres cariocas, onde pode saborear o pastel com caldo de cana
sem temer ser contaminada.
Solange, por outro lado, se surpreendeu quando percebeu que no Rio de
Janeiro o principal local onde as pessoas compram comida é o supermercado. “É
188
tudo congelado”, ela analisa. Ela imaginava que comprar comida em
supermercado era um hábito comum apenas na Zona Sul, onde ela mora, pois é
uma área da cidade onde predomina pessoas “acomodadas”, aquelas com alto
poder aquisitivo. Quando contei para ela que eu sempre morei em bairros de
classe média baixa da Zona Norte carioca e que lá também o costume é comprar
comida nos supermercados, ela se assustou, lamentando que os brasileiros não
comam a comida fresca dos mercados peruanos.
Além da surpresa por não encontrar mercados como os peruanos, os
estudantes peruanos se assustam com o preço da comida no Rio de Janeiro. Na
sua percepção, os supermercados além de não venderem comida fresca, ainda
cobram muito caro pelo que vendem. As feiras são uma opção mais semelhante
aos mercados, mas também são caras, muitas vezes mais que os supermercados.
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Assim, para os estudantes, a comida brasileira se opõe à peruana por ser menos
fresca, mais cara e ainda menos variada:
Quadro 5 -Esquema de classificação da comida peruana e brasileira
segundo a percepção dos estudantes peruanos
COMIDA PERUANA
COMIDA BRASILEIRA
Variada
Repetitiva
Fresca
Congelada
Mercado
Supermercado
Barata
Cara
Mesmo os que gostam da comida brasileira, quando a comparam com a
peruana, concordam que a comida do seu país de origem é mais saborosa e que no
Peru a qualidade dos alimentos é melhor do que a do Brasil. Ainda que grande
parte dos estudantes peruanos tenha uma visão negativa da comida brasileira,
alguns apreciam pratos locais, como Ricardo. Ou ainda, reconhecem que alguns
pratos peruanos ficam ainda mais saborosas quando feitos com ingredientes
brasileiros, como concluiu Sofia em relação ao lomo saltado6 preparado com
6
Picadinho de carne com cebola e tomate, temperados com cebolinha e molho shoyo. O lomo
saltado é servido acompanhado por arroz e batata frita.
189
carne brasileira. Enquanto os estudantes peruanos avaliam positivamente a comida
peruana, principalmente quando comparada com a brasileira, alguns chegam a
gostar da comida brasileira - o que não termina com sua preferência pela comida
do seu país. Além da gama de lembranças que a comida peruana ativa, ela é
também valorizada pelo forma como os alimentos são produzidos, vendidos e
armazenados: nos mercados. Para muitos estudantes, a comida dos mercados é
mais saudável, fresca e simboliza mais um item da qualidade de vida que se vê
deteriorada no Brasil, juntamente com as apertadas moradias.
5.3
O Rio de Janeiro (não) é pra turista
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De uma maneira geral, os estudantes compartilham da percepção que os
brasileiros e cariocas tratam bem os estrangeiros, independente de sua
nacionalidade. Alguns dão como exemplo casos de que, quando precisam de
alguma informação na rua, as pessoas se esforçam para ajudá-los e se preocupam
para que não fiquem perdidos. Os estudantes concordam que, no Rio de Janeiro,
os estrangeiros não são alvo de discriminações: eles são bem recebidos e bem
tratados. Enquanto reconhecem nos cariocas uma disposição em tratar bem os
estrangeiros, os estudantes também percebem neles uma peculiaridade. Ainda que
sejam geralmente muito simpáticos e corteses, não é uma tarefa fácil ter amigos
cariocas. Ao mesmo tempo em que são amigáveis, os cariocas se fecham em seus
grupos de afinidades e relutam em convidar estrangeiros a participar deles.
Walter reflete que esta é uma característica dos brasileiros das classes mais
altas, que têm mais resistência em se aproximar dos estrangeiros. Tal avaliação se
coaduna com a percepção que Guadalupe tem das suas colegas brasileiras, que
apesar de sempre dizer que ela precisa provar a comida brasileira feita pelas
famílias em suas casas, nunca tomam a iniciativa de convidá-la para ir às suas
próprias casas. Guadalupe chega à conclusão que os brasileiros são simpáticos e
alegres, mas seletivos quando a questão é fazer amizades mais íntimas. Para ela,
está óbvio que suas colegas de universidade não querem ter uma relação mais
profunda com ela.
190
Ele (o brasileiro) não se mistura. Ele faz faculdade, faz mestrado com você (...),
mas ele não chega a se misturar muito- os brasileiros que eu tô conhecendo, de
classe alta; brasileiros de classe baixa, eu não sei muito... Guadalupe
Daniel, que fez seu mestrado no Rio Grande do Sul, percebe que a
resistência em ter uma relação mais íntima com os estrangeiros é uma
característica dos cariocas. Comparando com os gaúchos, os cariocas são muito
simpáticos e receptivos “da porta para fora”: eles são simpáticos com os
estrangeiros, mas evitam ter um contato mais íntimo, como convidá-los para ir à
sua casa ou conhecer sua família. Já os gaúchos não são tão receptivos quanto os
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cariocas à primeira vista, mas estão dispostos a fazer amizades mais duradouras.
Agora, posso ver uma diferença (...) de estado para estado. Aqui são super
receptivos, mas da porta da fora. Mas no Rio Grande do Sul, não são tão
receptivos quanto aqui. Mas se você conhece a pessoa, ela te apresenta o pai, a
mãe, te leva pra almoçar, pra jantar.. a intimidade é maior... No Rio (de Janeiro)
tem menos intimidade. Você tem que conhecer muito a pessoa! Eu conheci quase a
mesma quantidade de pessoas e suas famílias no Rio e no Rio Grande do Sul em 2
anos e eu moro aqui há mais de 15 anos... Daniel
A dificuldade de construir uma relação mais profunda com os cariocas é
agravada quando o estudante ainda não fala português. Não dominar o idioma
intimida muitos peruanos tentar uma aproximação dos brasileiros. Além disso,
como grande parte dos estudantes decidem vir para o Rio de Janeiro a convite de
um amigo, quando chegam, eles se integram às redes de relações desse amigo, que
é composta quase que exclusivamente por conterrâneos. Por isso, alguns
estudantes, mesmo depois de muitos anos morando no Rio de Janeiro, conhecem
poucos brasileiros ou mantém uma relação de pouca intimidade com os que
conhecem.
Alguns estudantes julgam que, muitas vezes, esta distância entre brasileiros
e peruanos tem uma contribuição também por parte dos últimos. Os que
compartilham desta percepção concluem que muitos peruanos se mantêm
fechados: com uma postura de desconfiança, preferem estar com os amigos
peruanos, principalmente se eles já se conhecem do Peru. Muitos deles não se
esforçam para aprender português ou interagir com os brasileiros, criando uma
barreira. Adquirir o domínio da língua portuguesa é um elemento fundamental no
processo de interação dos estudantes peruanos com os brasileiros. E, como um
191
ciclo que se autoalimenta, os estudantes que conseguem se comunicar em
português têm mais possibilidades de interagir com brasileiros e nesta interação,
eles adquirem mais fluência na língua. Por isso, os estudantes que ao longo dos
anos convivem mais com brasileiros se sentem mais seguros em falar português,
desenvolvendo a habilidade de usar o idioma sem ou com poucas interferências da
sua língua nativa.
Na pesquisa que realizou com estudantes brasileiros de doutorado nos
EUA e na Europa, Rezende (2009) observou que entre os estereótipos que as
sociedades locais atribuem aos brasileiros está o de que o brasileiro é um ‘povo
afetivo’: avesso a formalismo e afeito à espontaneidade. Esta afetividade
‘tipicamente’ brasileira faria dele uma pessoa aberta, calorosa e propensa a fazer
amigos. Por isso, os estudantes brasileiros acreditam que uma parte fundamental
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no seu processo de integração à sociedade local onde foram estudar é fazer amigos
nativos. Os peruanos estão de acordo que os brasileiros, em geral, são amigáveis.
Contudo, eles se surpreendem com o paradoxo dos cariocas: ao mesmo tempo em
que são muito comunicativos, porém evitam o estabelecimento de relações mais
íntimas.
Mesmo valorizando o Rio de Janeiro pela diversidade da sua cultura, pelo
seu cosmopolitismo e pela descontração dos cariocas, os estudantes reconhecem
que têm uma visão particular da cidade, diferente da que os turistas têm. Ao
contrário dos que vão para o Rio de Janeiro a passeio, os estudantes vivem na
cidade, o que, para eles, significa estabelecer uma relação com a cidade e os
brasileiros que permite conhecê-los para além das aparências. Os cariocas são
vistos pelos estudantes como muito mais tranquilos, bem-humorados e menos
formais que os peruanos.
A informalidade dos cariocas surpreende: acostumados a chamar as pessoas
mais velhas de “senhor” e “senhora”, seus professores pelo sobrenome e vestir
roupa social para assistir aula, os peruanos estranham que no Rio quase todos se
tratam como “você”, inclusive alunos e professores, que os alunos chamem
professores e pessoas mais velhas pelo primeiro nome, e não pelo sobrenome
como acontece no seu país, e que muitos alunos assistam aula de bermuda e
chinelo. Tomás explica que as hierarquias na sociedade peruana são muito
importantes e respeitadas publicamente. Por isso, as pessoas mais velhas são
192
sempre chamadas de “senhor/a” e é mantida uma distância do professor, que, na
universidade, é hierarquicamente superior ao aluno.
Entretanto, a simpatia e a descontração dos cariocas escamoteiam formas
de discriminações sutis aos estrangeiros. Apesar de quase todos os estudantes
responderem “não” à pergunta “no Brasil, o estrangeiro é discriminado?”, muitos
relatam casos em que um estrangeiro recebeu um tratamento depreciativo de um
brasileiro. Este tipo de tratamento é disfarçado e geralmente se torna mais
explícito em ambientes de disputa, como o mercado de trabalho, quando o
estrangeiro acessa serviços públicos como a universidade, ou ainda quando o
estrangeiro reclama de algum aspecto do Brasil. Rubén explica que, em geral, os
cariocas tratam bem os estrangeiros, porém não todos:
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Tem um ou outro ignorantón que solta essas frases, tipo: "que o estrangeiro, que
está roubando nosso trabalho, que se aproveitam"... Por exemplo, se você reclama
por algo, e alguém corta sua onda, por exemplo "volta pro seu país7!" Rúben.
Renato completa a fala de Rubén, explicando que este posicionamento que
alguns cariocas assumem não é algo casual e sem fundamento, mas uma
característica da sociedade brasileira reforçada inclusive nas suas leis:
E ISSO ESTÁ NAS LEIS! Porque os estrangeiros que vêm aqui, até os
estrangeiros que têm visto permanente para poder trabalhar, qualquer estrangeiro
que não está nacionalizado só goza de direitos civis. Não gozam de direitos
políticos: você não pode votar e ser votado. Então, também por isso falam que você
não pode reclamar... não pode se meter com isso... "Você tem direitos civis, mas
não critique o governo". Esta é uma ideia que vem das leis8. Renato.
Renato aponta para uma questão fundamental na inserção do estrangeiro
na sociedade brasileira. Por mais simpáticos e receptivos que sejam os cariocas,
em momentos de confronto eles acionam a lógica que estrutura as leis brasileiras,
que é a de que os estrangeiros têm direitos limitados: eles têm direitos civis, mas
7
Hay uno o otro ignorantón que sueltan esas frases… tipo, que lo extranjero, que nos está
quitandonos trabajo, que se aprovechan… por ejemplo, si tu reclama algo, y alguien te corte la
onda, por ejemplo: “regresa a tu país!” Rúben
8
- ...ESTO ESTÁ EN LAS LEYES. Porque los extranjeros que vienen aqui, los extranjeros que
tienen visa permanente, incluso, para poder trabajar, cualquier extranjero que no está
nacionalizado solo goza de derechos civiles. No gozan de derechos políticos: tu no puedes votar ni
ser votado. Entonces, tambien por eso: como que te dicen que no puedes reclamar.. no puedes
meterse en eso.. Tienes otros derechos, civiles, pero no critiques al gobierno.. Esta es una idea
desde la leyes.. Renato.
193
não direitos políticos. Por isso, a sociedade brasileira entende que os estrangeiros
não podem reclamar ou expressar uma visão crítica do Brasil e dos brasileiros,
mesmo se vivem no país há muitos anos e adquiriu o visto permanente ou mesmo
a naturalização (Blanchette, 2001).
A ideia de que o estrangeiro não deve reclamar de nenhum aspecto da
sociedade receptora não é exclusividade do Brasil, mas, segundo Sayad (1998;
1999), esta é a lógica que estrutura os Estados nacionais. Do não-nacional é
exigido polidez e obediência às regras estabelecidas. Como uma visita na casa de
um estranho, ele deve se portar com discrição e ser grato pela disposição do
anfitrião- o cidadão nacional- em recebê-lo. Por isso, o não-nacional nunca é
pensando como um ser político, mas como um indivíduo que, pela generosidade
do anfitrião, recebeu dele o favor de morar no país estrangeiro. A polidez exigida
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do não-nacional o reduz a uma posição de neutralidade que o torna moralmente
obrigado a portar-se como um ser apolítico, como um bom convidado que não se
envolve nos assuntos dos ‘donos da casa’ (Sayad, 1998, p.67).
Como convidados, os estrangeiros são repreendidos quando acessam
recursos que os brasileiros entendem como exclusivos aos nacionais. Neste caso,
o estrangeiro deixa de ser visto como o convidado generosamente recebido para se
tornar aquele que ameaça o bem-estar da sociedade nacional. Blanchette (2001)
comenta que o tratamento do estrangeiro como uma ameaça é comum mesmo
entre as camadas intelectualizadas brasileiras, lembrando casos em que seus
colegas brasileiros de pós-graduação questionaram por quê ele, um americano,
tinha direito a receber uma bolsa das agências de fomento brasileiras. Renato
conta que tem um colega de trabalho também via o estrangeiro como uma ameaça,
mas que começou a mudar sua maneira de ver os estrangeiros depois de conviver
com ele:
Eu tenho um amigo que mudou sua maneira de pensar, porque antes ele era muito
nacionalista e ele pensava que os estrangeiros vinham roubar o trabalho dos
brasileiros. Tinha uma aversão a estrangeiros. E quando eu ingressei na faculdade,
e ele, começamos a conversar e ele se deu conta que eu sou uma pessoa normal,
que também estava como ele: trabalhando e estudava de noite. E quando eu entrei
na faculdade, depois ele me disse que eu estava roubando, porque (a faculdade) era
pública. Porque o dinheiro era dos brasileiros.. e que eu estava estudando com o
dinheiro dos brasileiros. Mas, eu dizia para ele: eu também pago imposto. Eu
194
também pago! Eu trabalho, pago minhas contas... tudo o que um brasileiro paga. Só
não nasci aqui. Eu acho absurda essa crítica9! Renato
Se o colega de Renato deixou de vê-lo como uma ameaça para entender que
ele é uma pessoa normal, e não como um inimigo astuto que rouba a chance de
um brasileiro estudar no seu próprio país, nem sempre o convívio com
estrangeiros transforma completamente a maneira dos brasileiros percebê-los.
Sílvia, brasileira que tem muitos amigos peruanos que estudaram no Brasil,
confessa que se preocupa com o grande número de estrangeiros que usufruem das
oportunidades de estudos que o Brasil oferece. Na sua fala, Sílvia deixa implícito
que tais oportunidades deveriam ser reservadas aos brasileiros.
Depois de entrar na universidade, muitos estrangeiros ainda têm sua
capacidade intelectual colocada em cheque pelos seus colegas brasileiros,
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principalmente se eles são participantes de programas com acesso diferenciado,
como os PEC`s. Daniel conta:
Os caras no trabalho, por eu ser estrangeiro, acham que eu não tenho o mesmo
nível. Não sei se é implícito ou com inveja porque tem um estrangeiro lá dentro. Já
ouvi um comentário: “ah!! Ele, como entrou (no mestrado/ doutorado)???”. Por
exemplo, no meu caso, eu entrei pelo sistema normal... Mas já escutei um cara se
queixando porque um cara entrou só pelo convênio... E depois, esse estrangeiro foi
melhor em todas as disciplinas.. Só tirava A.. Daí, eu falei isso pra ele: você ficou
falando dele, mas ele foi melhor que você! (...). Você catalogou ele como
estrangeiro10.
A sutileza dessas formas de discriminação reside na dificuldade em observálas na vida cotidiana carioca, já que os brasileiros tratam os estrangeiros de
maneira cordial e receptiva. Reconhecer as formas de discriminações às quais os
estrangeiros estão sujeitos no Rio de Janeiro exige dos estudantes a perspicácia de
9
Yo tengo un amigo que él cambió su manera de pensar, porque antes él era muy nacionalista y él
pensaba que los extranjeros venían a robar el trabajo de los brasileños... Tenía una aversión a los
extranjeros.. … Y cuando yo ingresé en la universidad… Y él, comenzamos a conversar y él se dio
cuenta que soy una persona normal. Que tambien estaba como él trabajando y estudiaba por la
noche.. Y cuando ingresé en la universidad, despues él me dijo.. que yo estaba robando, porque era
pública.. Porque el dinero de los brasileños.. y que yo estava estudiando con el dinero de los
brasileños. Pero, yo le decía siempre: yo tambien pago impuestos. Yo tambien pago! Yo trabajo,
pago mis cuentas.. Todo que un brasileño paga. Solo no he nacido aqui. Me parece absurda esta
crítica! Renato
10
O estrangeiro em questão era do Gabão e tinha entrado no programa de pós-graduação onde
Daniel estuda através de um convênio.
195
compreender os brasileiros para além do trato superficial cotidiano, ou seja, além
do que um turista pode ver. Ao contrário de um turista, que fica na cidade pouco
tempo e está a passeio, os estudantes vivem na cidade e é ao longo desse período
que eles acreditam que conseguem desenvolver um olhar mais crítico sobre a
cidade e as relações dos brasileiros com os estrangeiros. Ou seja, a capacidade de
crítica exigiria tempo para ser desenvolvida. Na entrevista que fiz com Guadalupe
e Augusto, ela fazia duras críticas ao Rio de Janeiro, principalmente à
discriminação aos pobres, enquanto Augusto, que havia chegado no Rio há 4
meses, não percebia as críticas que fazia sua amiga. Guadalupe explicou que com
o tempo, Augusto entenderá sua opinião, pois ela mesma só começou a entender o
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Rio de Janeiro mais profundamente depois de passados alguns meses na cidade.
5.4
Na Polícia Federal
Enquanto os estudantes compartilham da opinião que os cariocas são
receptivos e concordam que, apesar de ser uma cidade muita cara, o Rio de
Janeiro é um lugar agradável para se viver, esta percepção não se estende à
avaliação do tratamento que os estrangeiros recebem na Polícia Federal. Todos os
entrevistados afirmam que o atendimento da instituição é ineficiente, demorado e
exaustivo. Os estrangeiros são tratados com descaso, não há agentes que falam
outros idiomas e, por isso, os estrangeiros que não falam português não
conseguem se comunicar. Além disso, são rotineiros episódios em que os agentes
não dão o devido atendimento, fornecendo, inclusive, informações equivocadas
que colocam em risco o trâmite solicitado. Jeremia desabafa que, no Brasil, não é
apenas a Polícia Federal que atende mal o estrangeiro, mas em todos os locais
regidos por uma burocracia. Para ser bem atendido “tem que ter sorte”:
O único que eu não gosto do Brasil é que seus bancos, sua polícia, tudo que tem a
ver com burocracia, é muito ruim. Tem que ter sorte. Por exemplo, quando eu vou
fazer alguma coisa no banco, tenho que ter sorte que a pessoa que me vai atender
esteja de bom humor, esteja alegre. Se está chateada, vai me fazer voltar
novamente. Porque, tive um caso que pedi a documentação. Eu levava a
documentação e me faziam voltar. Eu levava a outra documentação, e me faziam
voltar de novo. Me fizeram ir e voltar 5 vezes. Até que uma vez eu cansei e disse:
196
você não é profissional! Você me diz uma coisa e falta outra… E ainda me falta
uma coisa mais!” … A burocracia aqui é muito ruim. Não é assim no Peru. Jeremia
Jeremia observa que quando se trata de serviços burocráticos, há uma
inconstância na forma de aplicar os procedimentos aos clientes atendidos, o que
compromete a celeridade dos processos e levam os usuários à exaustão. O que
aconteceu com Jeremia no banco se repetiu na Polícia Federal, quando só
conseguiu receber seu visto permanente por casamento com brasileira depois de 9
meses. Para receber atendimento, os estudantes precisavam acordar de
madrugada, fazer fila e pegar uma senha. Entretanto, mesmo quando conseguiam
pegar uma senha, não tinham a garantia de que seriam atendidos, porque o
número de atendidos variava de acordo com a decisão dos agentes e com o
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número de trâmites encaminhados por despachantes- e não com o número de
senhas distribuídas. Quando lembra, Osvaldo se revolta:
eles te tratam assim… Que se você tem que ir lá quase que a pedir por favor! Eles
se acham assim... o rei! Tinha vezes que eu tinha que ir cedo, duas da manhã, três
da manhã e fazer fila. A moça me dá minha senha e depois dizer que essa senha
não existe, que eu que inventei.. e que tinha que voltar outro dia.. Eles só atendem
um número assim, específico por dia. Digamos: “…Hoje acordei com vontade de
atender 10 pessoas.. O resto que se dane..” …eles vão atender 10. Desses 10, 7 vão
ser com o esquema (por despachante) e os outros 3 serão os que chegaram de
madrugada e ainda com sorte.
Os peruanos que ainda possuem visto de estudante e, portanto, precisam ir à
Polícia Federal pelo menos uma vez ao ano solicitar a prorrogação do visto,
percebem uma melhora no atendimento. Agora, a Polícia Federal conta com um
sistema de agendamento virtual que substitui as senhas. Todos aqueles que
agendaram previamente seu horário pela internet têm a garantia de que serão
atendidos, e por isso, não correm o risco de passar pelo que Osvaldo e outros
peruanos já passaram. Os peruanos mais antigos na cidade percebem uma melhora
muito significativa na estrutura física do atendimento a estrangeiros da Polícia
Federal. Antes, ela funcionava na Praça Mauá, num local estreito e sem arcondicionado e atualmente está no aeroporto internacional Tom Jobim. Os
estudantes que se estabeleceram no Rio de Janeiro também perceberam uma
melhora no tratamento depois que deixaram o visto de estudante pelo visto de
residente- seja por trabalho, casamento com cônjuge brasileiro ou por ter tido
197
filho no Brasil, questão que merece um reflexão, mas que foge do escopo deste
trabalho.
Apesar de perceberem algumas mudanças positivas na Polícia Federal, os
estudantes continuam críticos ao seu atendimento. A burocracia continua
complicada e grande parte dos agentes não tem paciência para explicar os
procedimentos. Por isso, o fator “sorte” mencionado por Osvaldo e Jeremia
continua sendo necessário para que um estrangeiro consiga resolver todas as suas
pendências na Polícia Federal. Tal sorte está relaciona principalmente à maneira
como cada agente atende os estrangeiros. Quando o agente está disposto, ele
explica detalhadamente os procedimentos que o estrangeiro tem seguir. Quando
não, o estrangeiro tem que buscar informações sozinho ou voltar várias vezes à
Polícia Federal até ter seu caso resolvido. Como existe uma regularidade nos
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agentes que trabalham com estrangeiros, os estudantes peruanos já conhecem o
temperamento de cada um deles e tratam de forma mais assertiva os agentes que
têm uma postura mais hostil.
Quando Eduardo foi dar entrada ao seu pedido de permanência pelo
Acordo MERCOSUL, a agente que o atendeu assumiu uma postura de bastante
rejeição aos estrangeiros: “você estão nos invadindo! Por que vocês vêm praqui?
Como que o governo permite isso daí? Agora vão nos invadir?!’, disse a agente
para ele. Eduardo ficou surpreso com esta reação, primeira vez em que viu atitude
desse tipo de um brasileiro, que é geralmente muito amigável. Em princípio, a
agente disse a Eduardo que não sabia nada sobre esse tratado e, portanto, não
poderia receber o pedido. Astutamente, Eduardo havia levado uma cópia da
publicação do acordo no Diário Oficial que comprovava sua existência.
Firmemente, o estudante falou que caso ela continuasse a negar-lhe atendimento,
ele iria se reportar a seu superior. Indignada, a agente recebeu a demanda de
Eduardo:
Eduardo: Dei entrada no pedido, só que a menina que me atendeu, ela ficou muito
zangada...
Camila: Ela te atendeu? Fez seu pedido?
Eduardo: Ela fez. Fez meu pedido porque eu falei: “aqui: tenho este”. E levei uma
xerox do tratado e dos requisitos. Eu falei com ela: “se você não me quiser atender,
então vou falar com seu chefe, porque ele deve saber do tratado...”. Ela, toda
198
zangada falou: “ah.. eu vou consultar isso aí”... (...) Me atendeu, mas ela foi a
consultar a seu chefe.
Eduardo assumiu tal postura alertado por seus amigos. Dois deles já
tinham ido à Polícia Federal solicitar o visto de permanência através do Acordo
MERCOSUL, porém a mesma agente se recusou a realizar o trâmite, alegando
desconhecer a existência do acordo.
Eduardo então se municiou caso fosse
atendido pela agente que negou o pedido de seus amigos. Depois de atendido,
Eduardo contou para eles o que aconteceu, que voltaram à Polícia Federal e
exigiram que a mesma agente recebesse suas solicitações sem que tivessem
agendar o atendimento novamente.
As informações transmitidas entre amigos são fundamentais para os
estudantes lidarem com a burocracia brasileira, sobretudo a da Polícia Federal. A
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partir delas, eles se preparam para ter seus direitos garantidos, mesmo quando os
agentes burocráticos fornecem uma informação equivocada ou se recusa a atendêlos por algum motivo. Na sua experiência como estrangeiros no Rio, os estudantes
aprendem que assumir uma postura firme e estar sempre bem informados é a
garantia que têm de que serão respeitados como sujeitos de direitos.
6
Os imponderáveis da experiência migratória
"... uma pessoa está em constante movimento: ela não só atravessa um processo, ela é um
processo" (Elias, 1994, p. 129).
No Rio de Janeiro é construção, você tá mudando. Juan.
Para grande maioria dos estudantes, será no Brasil a primeira vez que ficarão
distantes de sua família. Num país onde a família tem um lugar central nas relações
sociais, como no Peru, estar longe dela pode produzir um sentimento ambíguo, de mais
liberdade e poder de decisão, mas também de solidão e desenraizamento. Distantes dos
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tradicionais almoços de domingo, das celebrações de aniversários e das rotineiras festas
familiares, a vida no Brasil pode ser percebida em alguns momentos como sacrificante e
penosa, mas também como mais independente e autônoma. Não por um acaso, Rubén se
lembra dos frequentes encontros com seus amigos peruanos assim que chegou ao Rio de
Janeiro. Todos, recém-chegados e com saudades do Peru, se reuniam para tocar música
peruana, beber cachaça e chorar a tristeza de estar longe do Peru1. A sensação de
sofrimento é reforçada quando, além da distância do Peru, os estudantes ainda
enfrentam dificuldades econômicas. A soma desses fatores provoca uma profunda
reflexão sobre se realmente valeu a pena ter vindo para o Brasil.
Na base que estrutura tal reflexão está o fato da iniciativa de estudar no Brasil
envolver muito mais que a expectativa de adquirir um diploma que se destaque no
mercado de trabalho peruano. Para os estudantes, estudar no Brasil é uma estratégia
para distinguir-se numa sociedade como a peruana, marcada por hierarquias- racial,
social e econômica-, onde a experiência internacional é amplamente valorizada. Como
vimos no capítulo três, sair do país sempre foi um hábito entre os membros da elite, que
tinham na experiência internacional uma maneira de renovar seu prestígio e seu status
perante as outras classes. Com as diversas possibilidades de se deslocar
internacionalmente que a globalização oferece, outros atores, que não apenas as elites,
também podem se apropriar desta estratégia visando acessar prestígio e reconhecimento.
Sem ter os mesmos recursos econômicos e relacionais das elites para estudar num país
1
Como mencionamos no capítulo 2.
200
potência no capitalismo global, o jovens que participam dessa pesquisa decidem vir para
o Brasil.
Como estudantes, os jovens peruanos chegam ao Rio de Janeiro com uma
complexa gama de dúvidas: como vai ser ficar longe do Peru?; como conviver com o/as
brasileiro/as?; como será a vida no “país tropical” e na cidade da “praia, futebol e
carnaval”?; como um diploma brasileiro repercutirá na carreira?; que oportunidades ele
abrirá? As expectativas são muitas e não se limitam ao campo da educação e da
formação acadêmica. Elas englobam aspectos mais amplos da vida cotidiana de um
jovem num país estrangeiro. Nenhuma expectativa, entretanto, consegue abarcar a total
dimensão do que é viver uma experiência migratória.
Ainda que os estudantes tenham sua condição legal no Brasil associada ao prazo
de duração do curso que fará- ou seja, para o Estado brasileiro o estudante estrangeiro é
aquele que porta o visto temporário IV-, a experiência migratória vivida por estes jovens
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ultrapassa os limites legais e deixa marcas indeléveis nos estudantes, mesmo depois de
concluírem seus cursos. E é com esta expectativa que os jovens chegam no Rio de
Janeiro: todos esperam que esta experiência marquem suas vidas para sempre. Todos
têm a expectativa de que com um diploma brasileiro eles recebam um reconhecimento a
mais na sua trajetória profissional, e que, portanto, a experiência de estudar no Brasil
não caia no esquecimento- dele e dos outros.
Como Juan analisa na frase que abre este capítulo, a experiência dos estudantes
peruanos no Rio de Janeiro é marcada pela construção, uma mudança que todos os
indivíduos que saem do país viveriam. Juan faz questão de reforçar que viver no Brasil é
a chance que os peruanos têm de escapar das amarras que a cultura peruana impõe,
principalmente aos jovens2. Ele explica que é no exterior que os jovens, que têm como
principal característica a curiosidade, vão poder experimentar novas experiências longe
da ação repressora da conservadora sociedade peruana. Ele avalia que estudar no
exterior é a desculpa que muitos jovens, principalmente as mulheres e os homossexuais,
dão para sair do país sem que sua família reclame sua presença. E é justamente a
liberdade que encontram no Rio de Janeiro que impulsiona a transformação dos
peruanos que deixam o país. O que Juan quer esclarecer é que, na sua opinião, os jovens
peruanos que estudam no exterior tem outros motivos para tomar essa decisão que não
se limitam a questões educacionais ou econômicas.
2
Ver capítulo 4.
201
Nem todos os estudantes compartilham da mesma opinião que Juan. Muitos não
interpretam seu deslocamento como uma tentativa de fugir de uma opressão da
sociedade peruana. Para alguns deles, estudar no exterior é uma oportunidade de ter
acesso a um nível de conhecimento numa área ainda não desenvolvida no Peru. Outros
nem queriam sair do país: eles só assim fizeram porque se decepcionaram com o
trabalho que tinham ou reconheceram uma exigência do mercado de trabalho peruano
por mais qualificação. Estes últimos, impossibilitados de conciliar o trabalho, a pósgraduação e ainda com dificuldades de pagar os altos custos da pós-graduação no Peru,
consideraram proveitoso vir para o Brasil. Para outros ainda, o mais importante é viver
no exterior: ter contato com a alteridade, com outros modos de viver e pensar.
Seja por curiosidade, pelo desejo de aventura, seja por insatisfação com a
sociedade, cultura ou o mercado de trabalho, o que há em comum entre os estudantes é
que todos esperam que esperam que a experiência de viver no Brasil marque sua vida
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para sempre. Ao longo desse processo, os estudantes encontram a oportunidade de
avaliar seus projetos, refletindo sobre a sociedade de origem e a receptora. E muitos
percebem que passam por um conjunto de transformações que influencia seu modo de
pensar, de ver seu país de origem, o mundo e a si mesmos. A interpretação dos
estudantes sobre as transformações que percebem em si mesmos como indivíduos em
deslocamento será o tema discutido neste capítulo.
6.1
Identidades em jogo
6.1.1
Dança, música e comida: a peruanidad em (re)construção
No dia 24 de julho de 2011, estive presente pela primeira vez num evento
público da comunidade peruana no Rio de Janeiro. Eu considero esta data como um
marco na minha relação com o meu campo de pesquisa. Foi nela que conheci alguns dos
peruanos que se tornaram os principais atores desta pesquisa e também, tive minha
primeira aproximação com a maneira como os peruanos constroem um sentimento de
pertencimento nacional no contexto migratório. Nesta data, aconteceu a festa em
comemoração ao Día de la Patria, que oficialmente é o dia 28 de julho, data em que o
Peru conquistou sua Independência.
202
Naquela ocasião, tive contato com três elementos fundamentais que fazem com
que os peruanos no Rio de Janeiro se sintam parte de uma mesma comunidade de
origem: a dança, a música e a comida. Os estudantes reconhecem que a sociedade
peruana tem como uma de suas características uma profunda segregação, baseada numa
combinação de raça, classe, etnia e região de origem. No Rio de Janeiro, as clivagens
entre os peruanos não desaparecem, porém não são reproduzidas de maneira automática
ou irrefletida. No contexto migratório, elas passam por um processo de ressignificação
que abre um espaço para sua relativização, em alguns momentos, e seu reforço, em
outros.
A celebração da Independência é um desses momentos em que peruanos de
diferentes classes e regiões se encontram sob a insígnia de uma pátria em comum, que
os unem em suas diferenças- ainda que momentaneamente. Todos os anos, uma família
de imigrantes organiza uma festa para celebrar a Independência do Peru. Entre o seu
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público estão peruanos, imigrantes e também estudantes, brasileiros e estrangeiros
relacionados com peruanos. Nas festas, a presença dos estudantes é assídua, expressiva
e entusiasmada.
Uma vez que a comida mobiliza os mais profundos sentimentos de saudade do
Peru, os eventos públicos em que são vendidos pratos do país são os que mais
mobilizam os peruanos de diferentes grupos de afinidades. A festa do dia da
Independência é um deles. No Rio de Janeiro, a culinária peruana é uma importante
esfera de interação: é através dela que os peruanos de diferentes perfis se aproximam e
assim, percebem que todos eles têm na comida um importante componente de sua
identidade. Esta interação através da comida se estabelece em oposição a comida de
outros grupos nacionais. Primeiramente, a comida peruana serve como referência para
analisar a comida brasileira que, como discuti no capítulo 5, é considerada repetitiva e
menos saborosa que a peruana.
A música e a dança peruanas também são dois elementos importantes na
construção de uma identidade peruana entre os estudantes no Rio de Janeiro. Muitos
deles não apreciavam ou não tinham o hábito de escutar e dançar ritmos tradicionais
peruanos quando viviam no Peru. E será na distância de seu país e na sua vivência no
Brasil que desenvolverão o gosto e o prazer pela música e a dança peruanas. Virgilio se
lembra que começou a escutar música afroperuana e criolla quando criança. Ele gostava
muito dos ritmos, mas era um dos poucos da sua geração que se interessava por eles.
Entre seus colegas de escola e de bairro, o ritmo mais escutado era o rock. Virgilio se
203
surpreendeu quando chegou no Rio e encontrou peruanos que também apreciavam os
ritmos tradicionais do país: por incrível que parece, os peruanos aqui ouvem mais
música criolla do que no Peru!, completa. Quando saiu do Peru, Virgilio se lembra que
a música afroperuana e criolla estava praticamente esquecida. Apenas duas rádios ainda
tocavam esses estilos musicais, mas apenas em certos horários, como a hora do almoço.
Na contramão dos jovens da sua época, Virgilio desenvolveu o gosto pela música
criolla e aprendeu a tocar cajón. Mas, foi apenas no Rio de Janeiro que ele conseguiu
encontrar parceiros que o acompanhassem no ritmo. Um dos seus primeiros parceiros
foi Alejandro, que toca violão profissionalmente. Assim como Virgilio, Alejandro
sempre teve dificuldades em encontrar parceiros para tocar o ritmo peruano que tanto
aprecia. A parceria de Virgilio e Alejandro durou por muitos anos, até que Alejandro
voltou para o Peru, onde se tornou parte da banda de Susana Baca3. Virgilio continuou
no Rio de Janeiro e em 2002 fez parte da criação do Grupo Negro Mendes4.
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O Grupo Negro Mendes tem entre seus seguidores assíduos muitos estudantes que
valorizam os estilos musicais da costa peruana. Eles reconhecem que estes ritmos
ocupam um lugar de coadjuvante no cenário musical peruano e muitos deles se sentem
privilegiados em ter um grupo de músicos profissionais no Rio de Janeiro que toca tais
estilos. Os estudantes se sentem profundamente prestigiados quando o público brasileiro
e estrangeiro de outras nacionalidades frequenta os shows e dança ao som do grupo.
Muitos estudantes, no entanto, preferem outros ritmos latinos que não especificamente
peruanos, como a salsa e o merengue.
É interessante notar que para muitos peruanos é no Rio de Janeiro que eles têm
seu primeiro contato com alguns estilos de música e dança peruanas. Diante do restrito
espaço que alguns ritmos tradicionais peruanos têm dentro do próprio país, muitos
estudantes nunca tiveram acesso a determinados ritmos ou nunca se interessaram por
eles. No Rio de Janeiro, a valorização dos ritmos e danças especificamente peruanos
ganhará uma dimensão mais profunda de reforçar o sentimento de que os peruanos têm
uma cultura particular e específica, diferente da brasileira e também da de outros grupos
latino-americanos. Este é o sentimento construído cotidianamente pelo grupo Sayari
Danzas Peruanas, por exemplo.
Em determinados momentos, não são apenas as músicas e danças peruanas que se
tornam elementos centrais na construção de um sentimento de pertencer a uma cultura
3
4
Artista afroperuana que difundiu a música afroperuana no exterior.
Ver capítulo 2, subitem 2.3.1.
204
diferente da brasileira. Em diversos casos, se sentir peruano no Brasil está associado ao
se sentir latino5, em oposição ao ser brasileiro. No campo da música e da dança, esta
relação se dá através de dois importantes ritmos latinos: os já mencionados salsa e
merengue. Alguns estudantes, quando estavam no Peru não costumavam ouvir nenhum
ritmo latino-americano. No Brasil, eles começaram a se envolver com outros peruanos e
latinos, percebendo que tinham uma relação afetiva com estes ritmos. Mais do que uma
música para dançar, estes ritmos remetem à infância, a momentos alegres passados em
família6.
Neste caso está Daniel. Enrique, amigo de Daniel desde que chegaram em 1996,
conta que o amigo não escutava nada de salsa, merengue, cumbia ou qualquer outro
ritmo latino-americano. Daniel não gostava desses ritmos e preferia escutar rock, assim
como os colegas de escola de Virgilio. A rádio que ele mais escutava no Peru era uma
que tinha como slogan ‘puro rock, nada de salsa’. No entanto, no Brasil, “Daniel virou
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um verdadeiro salsero7”, analisa Enrique. Ele é frequentador assíduo da Noches de Sol8,
para onde sempre vai acompanhado de seus amigos peruanos. Seu grupo de amigos não
costuma dançar muito, mas em todas as festas eles sempre arriscam alguns passos.
6.1.2
Se posicionando no mapa dos brasileiros
Certa vez, Vania foi a um jantar onde conheceu três moças brasileiras. As quatro
começaram a conversar com entusiasmo, até que as brasileiras, percebendo seu suave
sotaque, perguntaram de onde era Vania. Ela respondeu que era do Peru e começou a
falar como era seu país. Vania e as brasileiras passaram muito tempo conversando, e a
estudante fez questão de falar sobre o Peru boa parte das três horas de conversa. No
final da noite, Vania estava se despedindo, quando uma das moças comentou:
-Gostei muito de conversar com você! Você é de onde mesmo? Do México?
Vania ficou muito chateada com a moça. Ela sentiu que as três horas de conversa
com as brasileiras não foram suficientes para que elas percebessem que cada país latinoamericano tem suas especificidades e, portanto, seria pelo menos uma indelicadeza
5
Categoria nativa para se referir aos hispano-americanos.
Ver capítulo 4.
7
Pessoa que gosta muito de salsa.
8
Ver capítulo 2, subitem 2.3.3.
6
205
confundir uma peruana com uma mexicana. Vania terminou sua noite irritada com o
ocorrido:
- Puxa, fiquei três horas conversando com elas! Me irrita muito isso, porque os brasileiros
acham que é tudo igual9: incas, astecas...
Para Vania, o problema não era ter sido confundida como mexicana. Para ela, esta
aparente confusão na verdade demonstra, primeiramente, a falta de conhecimento dos
brasileiros sobre as especificidades dos países latino-americanos e, segundo,
um
desinteresse em reconhecer tal deficiência. Quando Vania contou este episódio, nós
estávamos na presença Lorenzo. Ele concordou com a amiga por ela ter se chateado ao
ser chamada de ‘mexicana’, depois de tantas horas explicando que era ‘peruana’. Ele
disse que também fica muito chateado quando percebe que os brasileiros acham que
todos os países hispanofalantes e seus cidadãos são iguais.
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Assim como Vania e Lorenzo analisam o comportamento dos brasileiros, uma
peruana que cursa o doutorado na UFRJ percebe um desinteresse em reconhecer as
especificidades dos diferentes países latino-americanos por parte de sua orientadora,
que, desde o mestrado, já a confundiu como chilena por diversas vezes. A peruana
observa que sua orientadora tem muitos contatos internacionais, principalmente na
Europa, para onde sempre viaja. No entanto, ela não tem nenhum interesse pelos países
vizinhos: para ela, é como se esses países não existissem no seu mapa. Por isso, a
orientadora confunde a nacionalidade de sua orientanda, não se dando conta do grave
equívoco que significa chamar uma peruana de chilena10.
9
No dia 20 de novembro de 2011, foi realizado um show na praia de Icaraí, na cidade de Niterói, em
comemoração ao Dia da Consciência Negra, com a presença do cantor brasileiro Nilton Nascimento e da
cantora afroperuana Susana Baca. Na praia, se aglomerou uma multidão, a maioria de brasileiros,
interessados em assistir o show do Milton. A Susana foi a primeira a entrar no palco. Durante sua
apresentação, muitos brasileiros reclamavam que não queriam vê-la e aclamavam pelo término do seu
show. Entre os que reclamava estava um grupo de senhoras, localizadas bem próximas ao palco, ao lado
de Caroline e sua filha. Caroline é filha de peruano. Durante o show, as senhoras falam em alto tom:
“Essa paraguaia não vai embora!”. A filha de Caroline, neta de um peruano, ficou revoltada. A
adolescente se voltou para as senhoras e respondeu: “Ela não é paraguaia não! Ela é peruana! E eu
também sou peruana”. Uma das senhoras disse à adolescente: “Ah… paraguaia e peruana é tudo igual.
Tudo fica na América Central!”. A filha de Caroline contou este episódio para os amigos peruanos de sua
mãe. Eles ficaram surpresos com a reação da menina, em exigir que as senhoras não reclamasses da show
da Susana Baca. Alguns deles falaram que se estivesse no lugar da menina não teria coragem de
repreender aquelas senhoras. Eles também se surpreenderam com o total equívoco da senhora sobre a
geografia latino-americana e pelo descaso ao dizer que um peruano e um paraguaio são iguais.
10
No final do século XIX, Peru e Chile travaram a chamada Guerra do Pacífico, que gerou grandes
ressentimentos entre ambos países que ainda hoje disputam judicialmente na corte de Haya suas fronteiras
marítmas.
206
Para Douglas, a falta de interesse dos cariocas pelo Peru pode ser escamoteada
pela gentileza que caracteriza sua forma de tratar o estrangeiro:
... do jeito que me falavam: “ah, você é peruano? Legal, né” (...), eu comecei a perceber
que é mais uma questão assim, de gentileza.. (...)Mas, eu acho que o Brasil, o brasileiros,
o carioca mesmo, ele sempre tenta ser gentil. Ele nunca é grosso... (...) Mesmo que ele
não esteja interessado em teu país. De uma forma bem, natural pra ele, vai ser desse jeito,
gentil.. Mas não necessariamente significa que ele é fã do teu país. Douglas.
Os peruanos que, assim como Douglas, chegaram ao Rio de Janeiro como
estudantes comentam que a maioria dos brasileiros que conheceram ao longo dos anos
estão entre não saber nada sobre o Peru ou ter uma ideia superficial do país. Os
primeiros nem têm a noção de que o Peru é um país vizinho do Brasil, que tem como
língua oficial o espanhol: nos anos que vive no Rio, Enrique já se viu questionado por
brasileiros no meio universitário sobre qual idioma se fala no Peru. Entre os segundos
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estão os brasileiros que já visitaram o Peru e por isso, têm uma visão do Peru turístico:
de Machu Picchu, da comida, das ondas ideais para o surfe. Há ainda aqueles que têm
uma ideia do Peru, apesar de nunca terem estado lá. Entre estes predominam imagens
superficiais e folclóricas do Peru como um país completamente indígena, dos Incas e
que hoje é habitado por uma população assolada por uma profunda pobreza. Estes
estereótipos sobre o Peru incomodam os peruanos- principalmente a dimensão racial do
estereótipo-, que ressaltam o caráter multifacetado e heterogêneo da população peruana
e o crescente desenvolvimento econômico do país.
Como vimos no capítulo 3, a ideia dos brasileiros de que todos os peruanos são
índios provoca um desconforto nos estudantes devido à conotação pejorativa que o
termo recebe no Peru. Muitos deles não se viam como índio no Peru, porque, mesmo
aqueles que possuem traços indígenas, são oriundos de camadas populares, do interior
do país ou filhos de migrantes,
encontraram no Ensino Superior uma chance de
ascender socialmente e assim ter acesso a um conjunto de redes restritas às classes
médias. Para eles, saber que os brasileiros os veem como índios gera um profundo
incômodo, já que a palavra no Peru remete a uma posição de inferioridade na escala
social, que eles consideravam já superadas por sua elevada escolaridade11.
Tomás explica que, como os brasileiros não sabem como a questão racial no Peru
é um assunto delicado, eles usam o termo índio indiscriminadamente para se referir aos
11
Ver discussão sobre os significados da raça para a sociedade peruana no capítulo 3.
207
peruanos. Mesmo sem a intenção de ofender, estes brasileiros deixam os peruanos
constrangidos, uma vez que o uso deste termo no Brasil ativa a memória do significado
que a categoria tem no Peru.
Luis Fernando esclarece que, no Peru, ser classificado como índio se fundamenta
numa escala composta por uma complexa gama de critérios, que inclui aspecto físico,
local de origem, profissão, nível de escolaridade, entre outros12. Apesar de complexo, os
peruanos manejam cotidianamente estes critérios com muita habilidade. Eles descobrem
que alguns aspectos físicos considerados negativos no Peru por se aproximar da
representação dominante de índio no Brasil são avaliados positivamente no Brasil,
como o cabelo liso:
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Camila : E as pessoas compartilham desse código? Elas conseguem identificar quem é
mais ou menos índio?
Luis Fernando: Claro! Isso, todo mundo sabe! Por exemplo, assim: Eu. Eu tenho 1,80cm:
já tenho um ponto a meu favor, porque eu sou alto. Já o Enrique é baixinho. Eu tenho a
pele um pouquinho mais clara- (...) a pessoa que tem ascendentes dos Andes é um
pouquinho mais escura: é um marrom, (...) é um outro tom! Eu tenho cabelo preto; ele
também tem cabelo preto, tá. Mas o meu tem um pouquinho de ondas. O dele é mais
assim (liso). Então, ele tá perdendo pra mim!
Camila- E no Brasil, cabelo liso é o máximo!
Luis .Fernando: Mas, Cabelo liso é de índio! Agora, da cidade de onde você veio, se for
dos Andes, perdeu! Eu sou do litoral: ganhei! Se for de Lima, melhor ainda! Eu sou do
sul: “ah, pode ser”. Se eu sou do norte: “ah, pode ser”.
Os estudantes peruanos não são os únicos que descobrem os limites do mapa
imaginário que os brasileiros constroem como forma de compreender o mundo. Os
estudantes moçambicanos, por exemplo, reclamam que os brasileiros se referem à
África como se fosse um só país. E quando são alertados pelos moçambicanos que a
África é um continente composto por muitos países, cada um deles muito diferente do
outro, os brasileiros respondem: “ é tudo a mesma coisa lá na África” (Subuhana, 2005,
p. 105). Descuidadamente, os brasileiros ainda chamam os moçambicanos de
“angolanos”, ignorando as diferenças entre os dois países. Um dos informantes de
Subuhana responde aos brasileiros que chamam-no de angolano que, se moçambicano e
angolano é tudo igual, então, brasileiro e argentino também o são (p. 108).
Os
brasileiros ficam desconcertados diante desta afirmação, acionada pelo moçambicano
12
Assunto que discutimos no capítulo 3.
208
numa tentativa de sensibilizá-los para as particularidades de cada país e para o
incômodo gerado no indivíduo que tem sua nacionalidade confundida.
A desinformação ou desinteresse dos brasileiros em reconhecer as especificidades
dos diferentes países de onde os estudantes estrangeiros são oriundos incomoda tantos
os estudantes moçambicanos (Subuhana, 2005; 2006) como os peruanos. Uma parte
expressiva dos estudantes peruanos reclama que os brasileiros sabem pouco- ou nadasobre o Peru e que consideram todos os países latino-americanos iguais. O
descontentamento dos peruanos com os brasileiros não se deve apenas pelos últimos
não conhecerem o Peru, mas também pela expectativa que os estudantes tinham sobre
os brasileiros. Os estudantes esperavam que os brasileiros, principalmente seus colegas
de universidade, fossem mais bem informados sobre o continente americano do que
demonstram no dia a dia. A decepção reside no fato do Brasil, país que se destaca no
cenário latino-americano na produção acadêmica, ter uma camada intelectualizada
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incapaz de reconhecer as especificidades dos países vizinhos.
6.1.3
Os custos emocionais da experiência migratória
Para os estudantes que prolongaram sua estadia no Rio de Janeiro, os anos fora do
Peru deixaram marcas tão profundas a ponto de transformar a maneira como se sentem
em relação ao país de origem e o de destino. Quando saíram do Peru, o Rio de Janeiro
era uma cidade estranha, onde não compreendiam as formas de interação dos que aqui
viviam. Os estudantes que depois de formados estabeleceram residência no Rio de
Janeiro se lembram que foi um grande choque sair do Peru, principalmente para os que
percorreram esse trajeto logo depois de sair do Ensino Secundário. Eles chegaram no
Rio de Janeiro com idade entre 16 e 23 anos, e esta foi a primeira vez que ficaram um
longo período longe de seus pais, assumindo as responsabilidades com a vida cotidiana.
Lembrando dos seus primeiros anos no Brasil, Gladys se lembra que sentia
muita dificuldade de compreender a maneira como os brasileiros se comportavam, por
isso levou muitos anos até se sentir adaptada ao Brasil. O fato dela ter vindo para o
Brasil impulsionada pelo desejo antigo de sair do país não evitou que o processo de
deslocamento fosse vivido como uma experiência difícil e dolorosa. Quando perguntei
se ela achava que havia diferença entre homens e mulher sair do Peru, ela respondeu
que a maior diferença não é a de gênero, mas de idade:
209
Gladys: É muito diferente vir depois do colégio e você vir depois da faculdade.. É bem
diferente…
Camila: O que tem de diferente?
Gladys- .a gente nunca deixou a casa. Entendeu? A maioria, por exemplo, quando você
está na faculdade, você continua morando com os pais, mas você tem sua independência:
você dorme fora, você viaja... Quando você tá no colégio, você não faz isso! …você
depende pra tudo dos teus pais. E aí de repente você vem e tem que se virar sozinho pra
tudo! Entendeu? De repente, (…) você com 17 anos, fica doente, não tem ninguém que
cuida de você..(…) Enquanto você em casa, sua mãe…
Não ter os pais por perto para dar apoio em momentos difíceis, como nos casos
de doença e ainda estar longe do país onde cresceu foi, para Gladys, uma realidade
difícil para se adaptar a ponto de se sentir à vontade no Brasil. Mesmo depois de muitos
anos no país, Gladys sempre teve a sensação de que não entendia os brasileiros. A
sensação de não se sentir integrada à sociedade brasileira se agravou nos anos em que
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esteve casada com um brasileiro. No casamento, ela sentia que nem o marido, nem a
família dele eram capaz de entender suas carências e necessidades. Oscar compartilha
da opinião que para um jovem recém-egresso do Ensino Secundário, a experiência de
morar sozinho em outro país é um fenômeno radical que provoca nele um profundo
desgaste emocional:
...é um custo muito alto emocionalmente. Eu tinha 18 anos. Não tinha um pai pra
decidir... uma decisão profissional, pessoal... Nas minhas dores de amor, não tive uma
mãe, um pai pra ter um colo, assim, pra chorar. Então, isso é duro! É duro! Não é fácil!
Talvez seja uma das coisas mais duras de quem viaja, de quem migra, de ser imigrante...
Oscar
Tanto Gladys como Oscar percebem que uma das grandes dificuldades de sair do
Peru tão jovem é ficar longe da família e não ter o apoio dos pais em momentos
importantes de suas vidas, como no caso de doença, dores emocionais ou quando
tiveram que tomar decisões significativas. É interessante notar na fala de Oscar é que
ela aproxima a dificuldade emocional vivida por dos estudantes no exterior a de outras
pessoas que se deslocam para fora do país, como viajantes e imigrantes. Para o peruano,
todos os indivíduos que deixam seu país por outro estão sujeitos a sentir a dor de estar
num país estrangeiro, longe da família.
Conversando no Peru com uma amiga de Rubén, ela comentou que sua filha
também quer estudar no Brasil, mas ela achou prematuro que sua filha, seguindo os
passos de Rubén, fizesse o curso de graduação no Brasil. Ela analisa que para um jovem
210
que sai do país tão jovem como Rubén saiu, é muito difícil ter que fazer tudo sozinho. A
amiga percebe que foi a solidão que levou Rubén a se casar- precipitadamente, na sua
avaliação-, com uma brasileira, que, anos mais tarde, culminou com a separação. Sua
filha quer estudar fora do Peru para fazer a pós-graduação. Sua mãe reflete que será
difícil para ela deixar sua filha caçula partir, mas compreende que depois da graduação,
sua filha terá mais maturidade para viver sozinha e tomar suas próprias decisões.
Mourão (2011), revisitando seus trabalhos anteriores sobre estudantes de
graduação cabo-verdianos e guineenses e ex-estudantes retornados para os dois países,
discute como o trânsito provocado pela migração por estudo, é dotado de uma dimensão
simbólica e emocional. Analisando a dimensão subjetiva dos deslocamentos, Mourão
mostra que a saudade é um sentimento que para os guineenses e cabo-verdianos
fundamenta a (re)construção de sua identidade no Brasil e a solidão impulsiona a
formação de redes de solidariedade entre eles. A autora nos traz como grande
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contribuição uma reflexão sobre como a mobilidade estudantil está submersa numa
dimensão subjetiva, mediada pelas emoções. Estas emoções não são naturais, mas
construídas socialmente. Elas ocupam um lugar de suma importância no processo de
deslocamento, desde o momento que os projetos migratórios começam a ser gestados,
ainda no país de origem, até o momento de retorno. Os sentimentos, como a solidão, o
estranhamento e a saudade acompanham os estudantes e podem, até mesmo, levá-los a
desistir de continuar no Brasil, como aconteceu com duas estudantes cabo-verdianas.
6.1.4
Você sempre vai ser uma estrangeira(o) aqui
Os estudantes compartilham da percepção de que os peruanos, em geral, são
pessoas fechadas e reservadas, principalmente quando estão entre desconhecidos.
Quando comparam com os cariocas, os estudantes analisam os peruanos como pessoas
que falam menos, falam mais baixo, são mais tímidos e discretos. Por isso, eles
acreditam que muitos peruanos encontram dificuldade para compreender e se adaptar à
cultura carioca. Rubén reflete que os peruanos que interagem com os cariocas,
aprendem português e são mais comunicativos conseguem ter uma relação próxima com
os brasileiros. Renato concorda com o amigo e reforça que quanto mais aberto aos
brasileiros, quanto mais domínio de português o peruano tiver, menos os brasileiros
211
perceberão que ele é um estrangeiro. À pergunta: “você se sente um estrangeiro?”,
Rúben e Renato responderam:
Rúben: Depende... depende.. Digo que depende do seu nível...
Renato: de sociabilidade...
Rúben: de aclimatação ou de alienação (...) à cultura: quanto mais brasileiro pareça, mais
brasileiro vão te tratar. No meu trabalho, por exemplo, como eu sou um peruano um
pouco mais comunicativo com os outros, (...) consigo me relacionar assim mais
tranquilamente com os outros brasileiros. Vejo que o tratamento é diferente, por exemplo,
com os outros peruanos que também trabalham na empresa, mas que são um pouco
diferentes: que não falam muito, são mais tímidos, mais calados...
Renato: Sim.. as gírias... quando começam a se comunicar como eles (brasileiros), já não
se dão conta que é um estrangeiro13.
Rúben e Renato esclarecem que o domínio do Português, incluindo o uso de
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gírias, tem um papel fundamental no processo de adaptação dos peruanos à sociedade
local, permitindo que eles pareçam o mais brasileiro possível. E como analisa Rúben,
quanto mais brasileiro o peruano parecer, mais brasileiro ele será tratado.
Consequentemente, menos estrangeiro ele se sentirá. Ao longo dos mais de 20 anos que
mora no Brasil, Oscar sempre se esforçou para falar Português corretamente. Ele
acredita que o sotaque é uma marca que, como um estigma14, distingue os estrangeiros
dos brasileiros. Nessa distinção, o estrangeiro sempre recebe um tratamento
diferenciado- melhor ou pior- de um brasileiro. Para evitar que isso acontecesse com
ele, Oscar percebeu que precisaria parecer brasileiro, e, para isso, falar Português
fluentemente e com pouco sotaque era fundamental. Oscar chegou a fazer tratamento
fonoaudiológico para suavizar o sotaque e não ser denunciado como estrangeiro pela
sua forma de falar.
13
Rúben: Depende… depende.. Digo que depende de tu nivel…
Renato: de sociabilidad…
Rúben: de aclimatación o de alienación (…) a la cultura: cuanto más brasileño parezca, más brasileño te
van a tratar. En mi trabajo, por ejemplo, como yo soy un peruano un poco más comunicativo con los
otros, y (…) consigo relacionarme asi más tranquilamente con los otros brasileños. Veo que el trato es
diferente, por ejemplo, a otros peruanos que también trabajan en la empresa, pero que son un poco
diferente: que no hablan mucho, son más timidos, mas callados…
Renato: Si.. las jergas.. Las gírias… cuando empiezas a comunicarse como ellos, ya no se dan cuenta que
eres un extranjero.
14
Sobre estigma como forma de distinguir e classificar os indivíduos, ver Goffman (1988).
212
Assim como Oscar, os demais estudantes peruanos também percebem no seu
cotidiano as implicações de ser um estrangeiro no Brasil. Tendo como característica não
fazer parte do grupo atualmente onde está, o estrangeiro é considerado um estranho
(Simmel, 2005). No contexto do Estado-nação, ele tem sua definição contraposta à
nacionalidade, que exclui os estrangeiros dos direitos da cidadania. A oposição entre
nacionais e estrangeiros não é natural, mas naturalizada; arbitrária e convencional, ela se
pretende irrevogável ao ser deshistoricizada no seio do Estado (Sayad, 1998; 1999). Tal
oposição entende o nacional como aquele que segue a ordem “natural” das coisas: ele
permanece no lugar onde nasceu e que lhe garante a nacionalidade. O estrangeiro, ao
contrário, escapa dessa ordem lógica: ele deixou o lugar onde nasceu para viver em
outro onde não possui a nacionalidade (Sayad, 1998, p. 57).
É na sua relação com o estrangeiro que o Estado revela a função diacrítica de
discriminar e definir os critérios de discriminação dos nacionais e dos não-nacionais.
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Esta discriminação de direito se transforma em discriminações- sociais, econômicas,
culturais, políticas- de fato, legitimadas pelo direito à nacionalidade e à consequente
ausência- ou restrição- de direitos aos estrangeiros (Sayad, 1998, p. 58). A expressão
máxima da discriminação entre os nacionais e os estrangeiros reside na constante
possibilidade que o Estado tem de, baseado no princípio da soberania, expulsar do seu
território os ‘não-nacionais’. Esta função diacrítica do Estado é exercida de maneira
mais efetiva no Estado nacional republicano, que se pretende homogêneo em todos os
planos (político, social, econômico e cultural). No caso brasileiro, no período
republicano o termo “estrangeiro” se difundiu para se referir aos não-brasileiros,
substituindo os termos “imigrante” ou “colono” empregados no Império. Na República,
o estrangeiro se tornou o símbolo da alteridade, servindo como referência para a
definição da nacionalidade brasileira então em construção. Portanto, o “nacional” era
entendido como o “não-estrangeiro” (Medeiros, 2010).
Por mais que o estudante esteja integrado à sociedade brasileira, por mais fluente
que seja em Português, por menos sotaque transmita, sempre existirá uma distância
entre ser e parecer brasileiro. Esta distância é estabelecida pela estrangeiridade, que
envolve se sentir parte do Brasil como uma comunidade nacional e, concomitantemente,
ser reconhecido como tal. Como Anderson (1989) afirma, e autores como Stuart Hall
(2002) reforçam, a nação não é apenas uma entidade política. Muito mais que isso, ela é
“algo que produz sentido” (Hall, 2002). Ela é um produto da imaginação que se constrói
na ideia de que é ancestral e que tem como base uma unidade territorial, linguística e
213
cultural (Anderson, 1989). Por isso, o binômio Estado-nação não diz respeito apenas a
uma unidade jurídico-política, mas também a uma forma de imaginar-se como parte de
uma comunidade, através de uma determinada cultura.
A nação é uma comunidade, porque, apesar de toda desigualdade que possa existir
no seu interior, é sempre concebida como uma camaradagem horizontal, uma
fraternidade. A nação é também limitada, porque é definida por fronteiras: nenhuma
nação engloba toda humanidade (Anderson, 1989, p. 33).
E estas fronteiras são
construídas tendo como noção a proteção dos “nossos” contra os “outros”. Esse limite é
definido em oposição àqueles que não fazem parte da nação- ou fazem parte de outra
nação que não a nossa. Hall (2002) enfatiza que a idéia de nação está alicerçada numa
unidade- uma cultura, um território, uma língua, um povo, uma história-, que justificaria
a existência de uma identidade nacional.
No entanto, esta unidade esconde o fato de que toda nação é composta por
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diferenças culturais. Ao contrário do discurso nacional oficial, que louva a unidade em
detrimento das diferenças, “as identidades nacionais não subordinam todas as outras
formas de diferença e não estão livres do jogo do poder, de divisões e contradições
internas...” (Hall, 2002).
Spivak (2009) alerta que nenhum Estado-nação conseguiu
alcançar a homogeneidade cultural que tanto almejou e que, por algumas décadas,
acreditou-se que ele teria. A suposição de que um Estado, uma unidade administrativa e
política, corresponde a uma nação (uma cultura, uma língua e um povo) é uma fórmula
falaciosa, que esconde as diferenças das sociedades que são levadas a conviver sob a
mesma unidade territorial, política e administrativa.
Na sua experiência migratória, os estudantes percebem que o estrangeiro é aquele
que, ainda que se sinta parte da comunidade nacional, não é sempre aceito como tal.
Mesmo se reconhecendo como bem integrado à comunidade brasileira, depois de já ter
sido casado com uma brasileira e ter filhos nascidos aqui, Rubén analisa que não está
isento de receber um tratamento diferenciado por ser estrangeiro15. Sofia não teve
dificuldades para se adaptar à sociedade brasileira e se sentir à vontade, mas se
incomoda de sempre ser lembrada de que é estrangeira, mesmo já morando aqui há
quase sete anos:
...de qualquer jeito, por mais que você se adapte, você não é, você nunca chegará a ser
brasileira. Então você sempre vai ser uma estrangeira aqui. Isso é o dificil. Por exemplo,
15
Ver subitem 6.1.
214
às vezes, quando eu saio prum lugar e pergunto ou entro num táxi pra ir pra um lugar, já
me perguntam: “de onde você é?” Porque eles pegam pelo sotaque. Aí que eu me sinto
estrangeira. Eles conseguem perceber. Isso é um pouco difícil, porque, quando você vai
pro Peru, você não sente. Você é peruana. Não tem essa coisa de ser sempre uma
estranha. Sofia.
Sofia fala português fluentemente e seu sotaque é bem discreto, mas, ainda
assim, ela é reconhecida com estrangeira no dia a dia da cidade. Nos momentos em que
é perguntada sobre seu país de origem, Sofia é lembrada de que não é brasileira, o que,
para ela, significa sempre ser uma estranha. É esta sensação que caracteriza e reproduz a
distância entre “ser brasileiro”e “parecer brasileiro”. Neste contexto, “ser brasileiro”
tem como conotação ter o mesmo tratamento de um brasileiro, sem ser constantemente
lembrado de que é um estrangeiro. Muito provavelmente, quando um brasileiro embarca
num táxi, o motorista não pergunta de onde ele é. E era esse tipo de tratamento que
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Sofia também gostaria de receber.
Apesar dos esforços que fez para falar Português sem sotaque, hoje Oscar não
considera isso fundamental na sua relação com a sociedade brasileira. Para ele, a atitude
em se assimilar foi importante para se sentir integrado e obter êxito na sua carreira
profissional. No seu processo de adaptação à sociedade brasileira, Oscar optou por se
afastar dos peruanos, por não se identificar com alguns eles 16 e também por considerar
importante conhecer o Brasil da maneira mais profunda possível. Apenas nos últimos 3
anos, Oscar começou a se envolver mais frequentemente com outros peruanos no Rio de
Janeiro, participando ativamente de festas e eventos públicos. Hoje, ele preza por
cultivar hábitos peruanos e não se incomoda em deixar seu sotaque florescer. Depois de
tantos anos no Brasil, Oscar se considera parte do país e, por isso, se sente no direito de
falar português com sotaque:
Eu me forcei a vida inteira pra falar fluentemente português... assim, o mesmo direito que
o baiano tem de falar com o sotaque dele (eu também tenho).. Chegou o momento de
assumir isso daí... Oscar
Agora que Oscar está estabelecido, construiu uma família e uma carreira no
Brasil, ele sente que pode “assumir o lado peruano”:
16
Oscar, que é de Iquitos, não se sentia à vontade na companhia dos peruanos de Lima, percebendo neles
uma postura de desdém em relação aos peruanos de outras regiões que não a capital. Este sentimento
também contribuiu para que ele não se interessasse em conviver com peruanos no Rio de Janeiro.
215
Hoje em dia eu me permito ser peruano. Não porque antes eu não me permitia isso. Mas
antes eu tinha primeiro que provar que eu era capaz de tudo, podia fazer tudo e não podia
ter questionada a minha qualidade, a minha eficiência por ser estrangeiro. Hoje em dia eu
não preciso provar pra mais ninguém! Hoje em dia, eu falo português com fluência,
porque eu quero. (...) Se eu quiser, eu falo do meu jeito. Oscar
A percepção de Oscar sobre a importância de ter sido capaz de se assimilar à
sociedade brasileira a ponto de falar o idioma local sem sotaque para ter suas
habilidades reconhecidas está intimamente relacionada com a avaliação que Daniel,
Rubén e Renato fazem sobre o tratamento diferenciado que estrangeiros recebem em
situações de disputa, como no mercado de trabalho17. Todos eles percebem que os
brasileiros olham com temeridade o sucesso de estrangeiros no mercado de trabalho
nacional, sendo acusados de roubarem o emprego de um brasileiro. Portanto, a
estratégia de Oscar de não ser identificado como estrangeiro deve ser entendida no
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contexto brasileiro, em que a população local se mostra resistente ao estrangeiro quando
em situações de disputa, como no mercado de trabalho ou no acesso a serviços públicos,
como bolsas de estudos fornecidas pelo Estado. O temor de Oscar em ser discriminado
por ser estrangeiro, não é, portanto, infundado.
Além do sotaque, os peruanos também se sentem como estranhos em relação aos
brasileiros quando os últimos conversam sobre assuntos do passado, como brincadeiras
de infância, música famosas da adolescência, programas de TV que ficaram na
memória. Simmel (2005), quando analisa sociologicamente o estrangeiro, observa que
ele tem sua posição no grupo onde está definida por não ter pertencido ao mesmo desde
o começo. Em outras palavras, o estrangeiro não compartilha de um passado com as
pessoas do grupo. Douglas não se incomoda de ter sotaque. Ele reconhece que, pelo
sotaque, ele sempre será reconhecido como estrangeiro, o que para ele não um
problema. Ao contrário: ele considera que o sotaque faz parte de sua identidade, que
tem como uma característica o fato de não ser brasileiro. Por isso, ele não pretende se
esforçar para falar como brasileiro:
O sotaque, não faço questão de mudar. Sempre eu vou ser chamado de estrangeiro. Eu
quero manter minha identidade. Eu quero falar do meu jeito! Esse é meu jeito mesmo.
Tem que aceitar do jeito que eu sou. (...) Eu também não me esforço pra me tornar assim
tão brasileiro. Douglas.
17
Ver capítulo 5, subitem 5.3.
216
Douglas não se importa em ser reconhecido como estrangeiro pelo sotaque. O
que realmente o incomoda em ser estrangeiro é se sentir deslocado quando está num
grupo de brasileiros e eles começam a falar sobre acontecimentos passados que todos
dominam e ele não. Quando sua esposa- brasileira- e os amigos estão conversando sobre
programas de TV antigos que as crianças brasileiras costumavam assistir, quando falam
das músicas que ouviam na adolescência, Douglas, que é muito comunicativo, fica sem
sabe o que falar:
Esposa-: de vez em quando a gente tá com uns amigos, o pessoal começa a falar de coisas
velhas, programas velhos.. Programa antigo.. Esses programas de televisão.. Ou de alguns
produtos daquela época...
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Douglas: Todo mundo começa a rir.. e eu... eu fico por fora. Aí eu me sinto imigrante
mesmo. Me sinto fora, entendeu. Você fica deslocado. Eu acho que nunca, uma pessoa
que cresceu pelo menos até os 20 anos e viaja (...) eu acho que nunca ela vai se considerar
não-imigrante. Porque você tá imigrando de um lugar pra outro, são culturas diferentes,
mundos diferentes...
Para Douglas, esse desconforto em se deparar com situações em que não sabe o
dizer por não ter um passado em comum compartilhado com os brasileiros se deve à sua
condição do imigrante. Tendo crescido e vivido em outra sociedade, ele não consegue
aprender tudo o que foi a vida dos brasileiros no passado. Douglas gosta de aprender
sobre o Brasil, mas reconhece sua incapacidade de fazer parte dessa memória
compartilhada, sentimento que considera inerente à sua condição de não ter nascido e
crescido no Brasil. Mesmo que passe o resto da sua vida no Brasil e sempre aprenda
sobre como foi a vida dos brasileiros no passado, ele acredita que nunca se sentirá
completamente pertencente à sociedade brasileira.
6.1.5
(Trans)formações
Quando refletem sobre a experiência de viver no Brasil, os estudantes
entrevistados concordam que ela provoca repercussões na sua subjetividade, na maneira
como se percebem como indivíduos e na forma de lidar com a realidade. Para muito
além da formação acadêmico-universitária, eles entendem que sua saída do Peru foi um
momento marcante em suas trajetórias de vida. Renato avalia positivamente sua decisão
de vir para o Brasil e percebe que tal deslocamento foi fundamental na sua formação
217
como indivíduo com mais autonomia e poder de decisão individual. Para ele, viver no
Brasil tem se configurado como um importante processo para madurar (amadurecer):
Renato: ... no meu caso, o fato de me afastar da família... Eu vim com 17 anos. Depois,
voltei (para o Brasil) já maior de idade, aos 18, para ficar. Então, estava numa etapa que o
fato de que ter me afastado da minha família e adquirir aqui responsabilidades e tal... me
fez mudar completamente minha personalidade...
Rubén: amadurecer, né?
Renato: amadurecer... completamente18.
Renato pondera que ter saído do Peru teve um peso significativo no seu processo
de amadurecimento que, por sua vez, provocou uma transformação de sua
personalidade. Este processo está associado não apenas com sair do país e de se afastar
da sua família, mas também de assumir responsabilidades que ele não tinha no Peru.
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Entre elas está arcar com os custos da vida no Brasil. Ele percebe uma grande diferente
entre viver no Brasil com recursos dos pais e com recursos próprios. No segundo caso, a
preocupação que o estudante tem ultrapassa a dimensão educacional e atinge a esfera de
garantir meios para sobreviver no Brasil, de ser capaz “se valer por si mesmo19”:
através do trabalho, se manter no Brasil sem ajuda dos pais, numa condição próxima à
do imigrante.
Assim como Renato, Luis Fernando chegou ao Rio de Janeiro com menos de 20
anos de idade para cursar a graduação. Ao longo de toda graduação, seus pais enviavam
para ele uma determinada quantia para custear sua vida no Brasil, o que diferencia sua
condição da de Renato. Mesmo tendo o apoio econômico dos pais, Luis Fernando
percebe que a experiência de viver no Brasil e estar longe de sua família foi um marco
na sua trajetória de vida, transformando radicalmente seu planos profissionais e sua
autopercepção como indivíduo.
O amadurecimento ao qual Renato se refere não se limita à dimensão econômica
da vida fora do Peru. Além de assumir novas responsabilidades, o que envolve trabalhar
18
Renato: ...En mi caso, el hecho de alejarse de la familia… Yo vine con 17 años, despues volvi ya
mayor de edad a los 18 para quedarme, entonces estaba en una etapa que el hecho que me alejé de mi
familia y adquiri aqui responsabilidades y tal, me hizo cambiar completamente, no, mi personalidad…
Rúben: madurar, no?
Renato: madurar… completamente!
19
Valerse por si mismo.
218
e se sustentar no Brasil sem ajuda da família, Renato também reconhece que o
amadurecimento está também estritamente relacionado com a chance de ter no Brasil
um maior leque de opções de vida daquelas disponíveis no Peru. E é neste ponto que as
opiniões de Renato e Luiz Fernando se aproximam.
Para mim está sendo uma experiência muito boa isso, porque, o fato de se afastar da
família e do seu círculo social e ver outras realidades... faz com que você conheça mais
coisa, que possa pensar coisas novas, fazer coisas novas também... claro... que talvez se
eu nunca tivesse saído de Cusco... Ou mesmo Lima... tem coisas muito limitadas para
fazer, para estudar, para pensar como possibilidade de futuro. É muito limitado20! Renato.
Assim como Renato, Luis Fernando admite que passou por profundas
transformações em sua personalidade, na sua forma de lidar com as pessoas e nos seus
projetos de vida ao longo dos anos em que vive no Brasil. No campo profissional, ele,
que se formou em Arquitetura, hoje trabalha na área das artes cênicas. Ele se lembra que
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já gostava de atuar antes de vir para o Brasil, mas, influenciado pela sua família, nunca
cogitou a possibilidade de seguir tal carreira no Peru. Ele se sentia na obrigação de
seguir uma carreira mais tradicional, que tanto sua família quanto a sociedade
aceitassem e que lhe desse mais garantias de encontrar um emprego:
Eu sempre quis ser ator. Sempre quis ser ator! Só que, assim, eu nunca ia chegar pros
meus pais e dizer assim: “olha só: eu quero ser ator!” Não! Essa possibilidade não se
cogitava! Porque, eu cresci num ambiente onde eu tinha que ter um diploma, eu tinha que
ser alguém que a sociedade aceite: médico, advogado, arquiteto, engenheiro… Ator não!
Então eu disse: ‘ah, gente, eu vou ficar discutindo?”. Eu também queria ter uma outra
opção, porque eu sei que era difícil. E como eu já tinha pensando em Arquitetura, então
eu pensei: vou fazer arquitetura e depois eu vejo. Aí, vou muito engraçado, porque
quando eu vim pro Brasil, foi como se essa possibilidade tivesse se congelado na minha
cabeça. Nunca falava no assunto, nunca pesquisei… Eu tinha esquecido. (...) Quando eu
me formei, tudo veio à tona de novo! (... )Mas, depois que eu me formei, tava com meu
diplominha, meio que cumpri minha missão, comecei a procurar faculdade de Teatro,
alguma coisa… E aí, todo mundo ficou de boca aberta! Que ninguém sabia desse lado
meu, porque eu nunca comentei com ninguém!
Depois de cumprir a expectativa da família de se formar numa carreira
reconhecida socialmente, Luis Fernando se sentiu livre para investir na carreira que
20
Para mi está siendo una experiência muy buena por eso, porque, el hecho de alejarse de la familia y de
tu circulo social y ver otras realidades … Te hace con que conozcas más cosa, que pueda pensar nuevas
cosas, hacer nuevas cosas tambien… claro.. que tal vez si yo nunca hubiera salido de Cusco, ni siquiera
Lima.. tienes cosas muy limitadas, para hacer, para estudiar, para pensar como posibilidade de futuro. Es
muy limitado! Renato
219
sempre quis seguir. Tanto para seus familiares e amigos no Peru quanto para os amigos
no Rio de Janeiro, foi uma surpresa quando Luis Fernando deixou a Arquitetura pelo
Teatro. Apesar de já ter feito atividades como ator amador quando ainda estava no Peru,
ele nunca tinha explicitado seu desejo de seguir a carreira artística. A mudança de
carreira profissional que viveu Luis Fernando se assemelha com o tema da canção de
festejo "Caramba", composta por Ricardo Bartra, peruano que mora no Brasil há mais
de 10 anos e que é um dos integrantes do Grupo Negro Mendes 21. Na canção, a mãe
tenta convencer o filho a deixar de ser artista para trabalhar de "terno e gravata", pois só
assim ele se tornaria rico. O filho tenta seguir o conselho da mãe: veste terno e gravata e
vai trabalhar. Porém, sua tentativa é em vão, porque o rapaz não consegue deixar de
pensar em tocar o cajón enquanto está no trabalho.
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CARAMBA
Ricardo Bartra
eso no da dinero, negro de la mama
eso de ser artista, caramba
es pa quien ya tiene
estudie alguna cosa que siempre requieran
en los clasificados, caramba
pa' tener con qué
ande de corbata pa volverse rico
racatuque su cajón después del trabajo
pa volverse rico, ande de corbata, caramba
ande de corbata, caramba
pa volverse rico, caramba
pa volverse rico, caramba, ande de cor...
me ahorca la corbata y el reloj 'ta lento
racatuque es lo que quiero
pa sentirme bien
tiro la corbata, no nací pa' esto, caramba
no nací pa esto, caramba
tiro la corbata, caramba
tiro la corbata, caramba
no nací pa'esto, caramba22
21
Ver capítulo 2.
Caramba
Isso não dá dinheiro, negro da mamãe
Isso de ser artista, caramba, é pra quem já tem
22
Estude alguma coisa que sempre se pedir
Nos classificados, caramba
Pra ter com quê
Ande de gravata para ficar rico
220
Na música, a mãe aconselha o filho a estudar alguma carreira que os classificados
solicitem e desencoraja-o a ser músico. Entre o "terno e gravata" e o cajón, a mãe
prefere que seu filho opte pelos primeiros e deixe o segundo para os fins de semana. A
canção, composta por um peruano que também vive no Rio de Janeiro, é muito
representativa do poder de coerção que a família exerce nos jovens, do prestígio que
determinadas formas de trabalho têm para as famílias e o seu desprezo por outras, o que
restringe as possibilidades de trabalho que o filho poderia seguir. No entanto, esta
coerção encontra seu limite no poder de ação dos jovens de decidir sobre sua carreira.
Ainda que a mãe dê conselhos, no final, quem decide é o jovem. E ele opta pelo cajón.
Enquanto na sua trajetória profissional, Luis Fernando primeiro se formou numa
carreira que seus pais e a sociedade peruana aprovavam para depois se dedicar à
atuação, Alejandro e Cristiana também tentaram um curso de graduação numa carreira
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tradicional no Peru antes de se entregar completamente à carreira artísitca: o Direito.
Este é o mesmo curso iniciado pelo protagonista do filme "No se lo digas a nadie" sob
pressão dos pais, que querem que ele seja um profissional de sucesso. Antes de vir para
o Brasil, Cristiana realizou
metade do curso de Direito, inclusive na mesma
universidade em que estuda o personagem do filme, a PUC-Perú. Quando ela veio
estudar Artes Cênicas, ela enfrentou grandes dificuldades para receber a aceitação da
sua família, o que aconteceu só depois de alguns anos em que estava no Brasil.
Quando Alejandro terminou o Ensino Médio, seu pai sugeriu que ele ingressasse
na universidade. Como não havia graduação em Música no Peru, o estudante buscou
outra carreira que pudesse atender às expectativas do pai. Alejandro tocava numa peña
na Universidad de Lima, e, por isso, resolveu se candidatar à uma vaga no curso de
Batuque seu cajón depois do trabalho
Ande de gravata, caramba
Pra ficar rico, caramba
Pra ficar rico, caramba, ande de gra...
Me enforca a gravata e o relógio tá lento
Batucar é o que eu quero
Pra me sentir bem
Arranco a gravato, não nasci pra isso, caramba
Não nasci pra isso, caramba
Arranco a gravata, caramba
Arranco a gravata, caramba
Arranco a gravata, caramba
Não nasci pra isso, caramba
221
Direito na mesma instituição onde tocava. Alejandro tentou a prova de admissão por
duas vezes, mas não foi aprovado. Ele se lembra que deixar de tocar para estudar para
exame de admissão já foi muito sacrificante e o fez ter absoluta certeza de que não
queria estudar outro curso a não ser Música. E assim, conseguiu convencer seu pai a
apoiar seu projeto de se tornar um músico profissional com formação acadêmica na
área.
Alejandro: ... quando eu tinha 17, saí da escola aí foi que meu pai falou comigo:
"vamos fazer alguma coisa?" –"Tá legal, vamos tentar". Eu tentei, mas não consegui.
-
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Camila: O quê você tentou?
Alejandro: Tentei Direito.... Foi completamente errado... Eu tocava na peña da
Universidade de Lima. Então, todos os amigos que eu tinha na peña eram advogados,
estudavam Direito. Então, só por causa disso, eu postulei pra Direito pra estar na peña de
Direito. Eu só me lembro que passei seis meses sem tocar violão, pra poder fazer o
vestibular. E era horrível. Assim, eu sentia falta, perdi os calos do dedo.. Aí, fiz o exame,
não entrei. Fiz o segundo vestibular... Aí estudei menos ainda... Já tocava violão.. de vez
em quando fazia show. Aí, também não entrei pra nenhuma universidade.. Aí eu falei:
"deixa esse ano eu tentar fazer música, ser músico". Aí que eu combinei com ele (meu
pai) que ia estudar no Conservatório, pelo menos para parecer sério (risos).... Aí, comecei
a trabalhar com música... e a música foi me tomando.
Alejandro tentou seguir o conselho do pai de fazer faculdade numa carreira
socialmente valorizada, como o Direito. No entanto, ele não conseguiu controlar seu
intenso desejo de seguir a carreira da Música. Com a seriedade como se dedicava à arte,
Alejandro conseguiu convencer seu pai a apoiá-lo na decisão de ser músico. Como a
canção de Ricardo Bartra, Alejandro deixou um futuro de "terno e gravata", para se
dedicar- não ao cajón-, mas ao violão.
As transformações que Luis Fernando percebeu em si mesmo ao longo dos anos
que vive no Rio de Janeiro não se limitam à mudança de carreira. Na esfera do
comportamento, Luis Fernando se lembra que estranhava muito a maneira expansiva
dos cariocas se comportar, principalmente na presença de pessoas que acabaram de
conhecer. Sua primeira impressão era que os cariocas demonstravam um excesso de
confianza23, muito diferente da dinâmica de sociabilidade dos peruanos no Peru.
23
Confianza, em castelhano, tem o sentido que intimidade assume me português, de já ter uma
proximidade que permita que as pessoas se sintam à vontade umas com as outras.
222
6.1.6
De “Peixe fora d'Água” a “carioca”?
Quando se lembra dos seus primeiros anos no Brasil, Luis Fernando percebe
grandes mudanças no seu comportamento. Ele, que era mais reservado, percebe que se
tornou mais extrovertido e falante, mais parecido com os cariocas. Sua transformação
fica mais evidente para ele quando está no Peru. No seu país natal, ele constata que as
pessoas estranham sua maneira de falar, de gesticular e de se comportar. Este
estranhamento dos peruanos ao lidar com ele deixa claro a incorporação de hábitos
brasileiros na sua forma de agir e de ser. Tal incorporação é tamanha que, muitas vezes,
ele se sente como um estrangeiro no seu próprio país.
Luis Fernando não é o único que, quando está no Peru, percebe que já não é um
peruano igual aos que vivem no Peru. Gladys também reconhece que passou por
grandes mudanças ao longo dos mais de 10 anos que vive no Brasil. Ela continua
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mantendo uma relação de profundo carinho pelo seu país de origem, mas muitas vezes
também se sente uma estranha no Peru. Gladys analisa que existem grandes diferenças
entre os peruanos que moram no Brasil e os que moram no Peru. Enquanto os primeiros
tiveram na experiência migratória a chance de se abrir e conhecer outras culturas, os
peruanos no Peru se mantém fechados:
Primeiro, os peruanos que moram lá são mais fechados… não têm essa abertura mental
que a gente já tem, por ter convivido com outras culturas.. Eles são mais fechados, mais
conservadores... eu até sinto, às vezes, quando eu vou pra lá, as pessoas como olham…
Acho que são mais preconceituosas com os peruanos que estão fora… Gladys
No caso de Gladys, o estranhamento dos peruanos com seu comportamento está
também ligado à dinâmica das relações de gênero. No Peru, as expectativas de gênero
prescrevem uma determinada gramática social que exige das mulheres um tipo de
postura que Gladys percebe que já não compartilha por completo. Entre as exigências da
gramática social das relações de gênero no Peru estaria a expectativa de que as mulheres
ajam com discrição, que no espaço público sejam recatadas e reservadas. Por isso, ela
sente que muitos peruanos se surpreendem quando, por exemplo, ela convida um amigo
para sentar num bar para conversar com ela. Sobre como os peruanos no Peru reagem
ao seu comportamento, Gladys continua:
Nossa.. eu sinto direto, direto.. Assim, por exemplo, eu chego lá, se eu encontro um
amigo, eu chamo, eu converso e lá não. As meninas, por exemplo, nunca chamam
223
alguém… se vejo um menino que não falo há tempo, (...) eu chamo... : “senta aqui”,
“vamos conversar”, entendeu? sem segundas, terceiras intenções. Então lá, eu sinto
aquela diferença: e eu faço isso.. todo mundo: “nossa!!” Parece que eu sou “a maluca”,
entendeu?
Gladys examina que a diferença entre sua forma de agir e a forma de agir dos
peruanos no Peru se remete à forma de ser dos brasileiros. Como os brasileiros são mais
liberais e mais abertos, ao longo dos anos no Brasil, ela também aprendeu a ser mais
aberta, mas sem deixar de ter como referência a cultura peruana. Entre o
conservadorismo da cultura peruana e a liberdade da cultura brasileira, Gladys sente que
hoje ela é composta por um pouco das duas, como se estivesse no meio delas, sem
pertencer completamente a nenhuma.
Para Gladys, foi muito difícil se adaptar ao modo de vida dos brasileiros. Ela
considera que a grande transformação na sua relação com o Brasil e o Rio de Janeiro
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aconteceu quando sua filha nasceu.
Ter uma filha nascida no Rio de Janeiro
transformou sua percepção sobre os brasileiros, permitindo que ela compreendesse a
maneira deles pensar e, assim, se sentir também parte da sociedade onde nasceu sua
filha. É através da filha que Gladys percebeu a transição: de um peixe fora d’água, uma
estranha que observa o Brasil de fora, para carioca, alguém que se tornou parte da
cultura brasileira:
…Agora que eu vejo a cultura de vocês.. Porque agora é a minha também.. Agora eu
entendo o que vocês sentem… Porque, antigamente, eu via meio que de fora.. Eu me
sentia como um peixe fora d água. Eu acho que essa é a palavra! Eu me sentia
muuiiiitoooo peixe fora d'água! Não conseguia me divertir… Me divertia, mas não
completamente. Não conseguia… entender o que vocês pensavam…. parece que eu
amadureci. Engraçado.. Passou tanto tempo pra eu conseguir amadurecer… eu agora
sinto o Rio de Janeiro minha cidade, mais que qualquer outra. Eu já me sinto carioca..
Mas faz pouco tempo! Acho que, assim, foi por causa da minha filha, porque a minha
filha agora é carioca… Então, já vem uma coisa de dentro. Não é uma coisa assim: “ah,
agora eu me sinto uma carioca porque eu bebi umas caipirinhas e agora estou feliz da
vida”.. Não! É no dia-a-dia… Gladys.
A maternidade foi um divisor de águas na relação de Gladys com o Brasil,
provocando um amadurecimento que tornou possível sua adaptação ao país. Antes da
filha nascer, Gladys percebia que não tinha nenhuma ligação com o Brasil e sempre se
sentiu como um peixe fora d'água. Sua filha se tornou então o elo que a conecta ao
Brasil. Se antes, a estudante se sentia como uma espectadora que assistia a vida social
brasileira de fora, distante, o nascimento da filha brasileira despertou nela o sentimento
224
de estar incluída na sociedade brasileira e de agora, ser capaz de compreender a cultura
"de vocês", ou seja, a cultura brasileira com a qual eu também estaria identificada.
Como sua filha nasceu no Brasil, ela seria portadora de uma cultura brasileira que
Gladys percebe que é também a sua. Gladys deixou de ser sentir como "peixe fora
d'água" e hoje se sente como uma carioca.
Entre os peruanos que chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes que
decidiram continuar no Brasil depois de formados, alguns não têm nenhuma intenção de
voltar a morar no Peru. Lorenzo, por exemplo, reflete que mesmo sendo peruano, sua
casa agora é o Rio de Janeiro e não tem nenhum plano de deixar a cidade. Luis
Fernando também sente que sua casa agora é o Rio de Janeiro e, por isso, não quer sair
da cidade onde construiu sua nova vida. Para os dois jovens, o termo "casa" significa
mais que o local de moradia, mas inclui a percepção de que o Rio de Janeiro é um lugar
onde se sentem à vontade, familiarizados, acolhidos, integrados. Luiz Fernando pondera
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que ter vindo para o Rio de Janeiro com 16 anos provocou mudanças tão profundas na
sua maneira de ser que ele não conseguiria voltar para o Peru, onde se sente estranho.
Para ele, o país estrangeiro agora na sua vida é o Peru e não o Brasil:
Luis Fernando: Eu não conseguiria voltar! Eu não conseguiria viver lá nunca mais! Eu
acho! Nunca mais! Porque, acho que eu vim tão pequeno, tão novo, tão cru, que tudo eu
conheci aqui. Tudo! Tudo! Pra mim, a primeira vez foi tudo aqui. Como se eu tivesse me
reeducado sozinho. Eu só trouxe a bagagem, a moral que meus pais me deram. O resto,
eu fiz tudo aqui, sozinho. Então, é como se eu tivesse me criado aqui, entendeu?
Camila: Você veio criança e agora você é um adulto brasileiro…
Luis Fernando: Exatamente! Eu me criei aqui, sozinho. E eu me vejo totalmente inserido
nessa sociedade. Totalmente inserido! E lá, eu me sinto estranho. Me sinto muuiiitoo
estranho! Já aconteceram coisas assim: da gente viajar ano passado e a gente foi roubado.
Eu queria voltar pra minha casa! Eu queria voltar pro Rio. Eu não queria ficar lá, sem
dinheiro, e quem vai me emprestar?, pra onde eu vou?, eu não tenho conta de banco…
Tudo bem, meu pais tão lá, meus tios, meus avós… Mas, sabe, aqui, eu me sentia seguro.
Aqui, eu podia conversar com o gerente (do banco), eu podia remanejar minha vida.
Doente, se eu ficar doente, eu não posso ficar doente lá nunca! Imagina! Meu hospital tá
aqui, meus médicos estão aqui! Entendeu? É muito louco isso, assim.
Grandes foram as mudanças que marcaram a transição de Luis Fernando da
adolescência- no Peru- para a vida adulta- no Brasil. O estudante se sente tão integrado
à sociedade brasileira a ponto de comparar este processo como ao de uma criança sendo
socializada numa determinada cultura. Ele era tão novo quando veio para o Rio de
Janeiro e as transformações que percebe em si são tão profundas que se sente como se
225
estivesse sido socializado na cultura brasileira como uma criança. Elias (1994) alerta
que a mudança é uma característica inerente à relação indivíduo e sociedade. Apesar
disso, a teoria sociológica tende a analisar o indivíduo como um adulto ‘pronto’, que já
fala, anda, pensa e é capaz de se cuidar sozinho. No processo de socialização, a criança
incorpora a sociedade, passa a integrá-la e se torna um dos muitos fios que se
entrelaçam na rede que faz a sociedade possível. Na criança, as transformações ficam
nítidas, porém os adultos continuam a passar por mudanças ao longo de toda sua vida na
sua relação cotidiana com a sociedade.
Tanto Gladys como Luis Fernando narram sua experiência no Brasil como uma
transformação. Assim que chegaram ao Rio de Janeiro, eles sentiam que não
conseguiam entender a maneira dos brasileiros pensar e se comportar. Luis Fernando,
por exemplo, chegou à cidade com a certeza de que voltaria para o Peru assim que se
formasse. Ele era um exemplo de estudante que, ao contrário da grande maioria,
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percebia a experiência de estudar no exterior como restrita à dimensão educacional. Esta
percepção fundamentou seu projeto inicial, que era ter o mínimo de contato possível
com a vida fora do universidade para não criar nenhum tipo de vínculo com a cidade.
Depois de se formar, logo ele voltaria para o Peru:
quando eu tava aqui no primeiro semestre, eu pensava assim: "eu não quero (..)viver
nada. Eu não quero ter vivências, lembranças… Eu não quero viver nada! Eu só quero
que os anos passem, estudar logo, ter o diploma, pronto! Não quero deixar amigos, Não
quero ter amigo, não quero ter nada, não quero viver nada! Só quero estudar rápido e
tá..." Mas isso é impossível, né! Eu não queria ter nenhum registro, nada! Nada!!!
Nenhuma ligação! Eu queria botar um pause lá, fazer tudo rápido aqui... Mas quando eu
voltar (ao Peru) , encontrar tudo igual. Luis Fernando.
Ao mesmo tempo em que queria voltar ao Peru o mais rápido possível, sem
construir nenhuma relação mais profunda com o Brasil, Luis Fernando dizia a si mesmo
que isso era impossível. Era impossível viver em outro país e reduzir esta experiência à
obtenção de um diploma universitário. Mesmo enfrentando dificuldades para aceitar
este fato a ponto de começar a se adaptar ao Brasil, Luis Fernando falava para si
mesmo:
Eu me dizia: Isso é uma loucura! Isso é impossível! Eu sei que muito água vai correr
nesse rio, daqui há 6 anos, muita coisa eu vou viver, vai ter muito água (pra rolar)... E foi!
Eu demorei um pouquinho pra me acostumar. Mas depois, eu não lembro como foi...
Mas, foi! Já foi!
226
Essa sensação de estranhamento que Luis Fernando e Gladys tinham diante do
Brasil e dos brasileiros sofreu uma brusca mudança, a ponto dos dois se considerarem
hoje como cariocas. Para Gladys, a transformação de um "peixe fora d'água" para uma
carioca aconteceu quando sua filha nasceu no Brasil. Luis Fernando também percebe
que passou por uma transformação na sua maneira como se sentir em relação ao Brasil,
mas, ao contrário de Gladys, ele não atribui esta transformação a um evento específico.
Luis Fernando dar a entender que, no seu caso, essa transformação aconteceu aos
poucos, ao longo dos anos vividos no Brasil e, por isso, ele não consegue se lembrar
exatamente como esse processo aconteceu. Apesar de ter enfrentado muita dificuldade
para se adaptar ao Rio de Janeiro assim que chegou à cidade, Luis Fernando, num
determinado momento de sua trajetória, percebeu que já estava acostumado com a
cidade, a ponto de se sentir mais à vontade no Brasil do que no próprio Peru.
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A explicação de Gladys de como deixou de se sentir estranha para se tornar parte
da sociedade brasileira me fez pensar que esta poderia ser considerada uma versão
nativa da "fábula do contato" que fundamenta a autoridade etnográfica e dá
credibilidade ao trabalho antropológico (Clifford, 1998:42). Enquanto o antropólogo
narra a produção do conhecimento antropológico a partir da sua entrada no campo como
um processo em que chegou como um estranho, mas devido a um evento particular foi
aceito como parte do grupo- como aconteceu com Geertz quando ele, sua esposa e os
balineses fugiram juntos da polícia na briga de galos (Geertz, 1978, p. 281)-, Gladys só
se sentiu integrada à sociedade brasileira depois que sua filha nasceu.
Já a comparação que Luis Fernando faz da sua adaptação à vida no Rio de Janeiro
como a de uma criança que é socializada em determinada sociedade se assemelha a de
muitos antropólogos, que comparam sua inserção no campo como a experiência de uma
criança que, aos poucos, é ensinada a viver naquela sociedade, até o ponto de se tornar
uma adulta capaz de compreender o modo de viver e pensar daquele grupo (Seeger,
1980; Da Matta, 1978). É desta mesma forma- como uma criança que cresce e se torna
um adulto- que Luis Fernando se sente em relação ao Brasil. Tendo chegado ao Rio de
Janeiro com 16 anos, ele considera que foi aqui que aprendeu a ser adulto, um adulto
que nasceu no Peru, mas tem no Brasil seus amigos, uma nova família, seu trabalho e a
sua casa.
A diferença da experiência do contato com outra sociedade ou grupos sociais para
os antropólogos e para os estudantes peruanos é que, enquanto os primeiros têm um
227
objetivo para além de serem aceitos como parte do grupo, que é a produção de um
conhecimento antropológico, os estudantes têm na sua adaptação à sociedade receptora
a possibilidade de construção de um arsenal de sentimentos, emoções, projetos e
expectativas que lhes permitem elaborar outras formas de pertencimento e de se
perceberem como sujeitos no mundo.
Além de perceberem transformações em si mesmos, no seu comportamento e
personalidade, muitos estudantes também veem em seus amigos peruanos no Brasil as
mudanças ocorridas a partir da experiência migratória. As transformações são
percebidas principalmente entre amigos que se conhecem desde o Peru. Sofia, por
exemplo, conhece Ricardo desde a graduação, quando foram colegas de turma. Sofia
comenta que, no Peru, Ricardo não tinha muitos amigos, era bem tímido e calado: "um
verdadeiro nerd", ela o define. Hoje, quem conhece Ricardo não acredita que ele tenha
sido como Sofia o descreveu. Ele se tornou muito mais extrovertido e muito popular
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entre os peruanos no Rio de Janeiro, bem diferente de como era no Peru. Ela mesma se
surpreende com a transformação pela qual o amigo passou.
Entre os estudantes entrevistados é comum refletirem sobre a sua vinda para o
Brasil como um processo que transformou sua maneira de ser. Essa transformação é
geralmente comentada como uma gradativa abertura da personalidade- ser mais
expansivo, mais falante, mais comunicativo- a partir do contato com a sociedade
carioca, marcada pela contínua interação, pela valorização da conversa e de conhecer
novas pessoas. A transformação também é percebida como atingindo a dimensão do
campo das possibilidades: neste caso, o Brasil é interpretado como um país que
apresenta uma gama mais extensa e complexa de alternativas de vida. Esta dupla
abertura se contrapõe tanto à cultura peruana, entendida como mais fechada e mais
conversadora, como às possibilidades de vida disponíveis no país, analisadas como mais
limitadas e menos diversas daquelas disponíveis no Brasil.
Para muitos estudantes, a dupla abertura brasileira- no jeito de se comportar e no
campo de possibilidades- imprime neles marcadas tão profundas que os fazem se sentir
estranhos quando voltam ao Peru e, assim, eles começam a analisar que continuar no
Brasil depois de formados é a decisão que mais lhe convém. Ricardo, por exemplo, quer
continuar no Brasil, pois aqui ele pode se dedicar à área de pesquisa científica. No Peru,
ele tem uma proposta de emprego para trabalhar numa universidade, porém, ele sabe
que terá que ocupar toda sua carga horária com as aulas e não terão condições de fazer
228
pesquisas. Além disso, quando passa uma temporada mais prolongada no Peru, Ricardo
sente saudades do Rio de Janeiro e do feijão brasileiro.
6.1.7
Transformações e as novas tecnologias
Um sentimento que os entrevistados que continuaram a morar no Rio de Janeiro
depois de formados, como Luis Fernando, compartilham é o de que, enquanto são
peruanos, também são parte da sociedade brasileira. Concomitantemente, eles não se
sentem como iguais aos peruanos que não saíram do Peru e nem exatamente iguais aos
brasileiros. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o sentimento de pertencimento
ao Peru e ao Brasil coabita, os estudantes também se percebem diferentes tanto dos
peruanos quanto dos brasileiros No entanto, isto não significa que eles deixaram de se
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vê como peruanos. Eles continuam se vendo e se sentindo como tais, porém
transformados pela experiência migratória. Como peruanos transformados, eles se
envolveram com a sociedade brasileira a ponto de se sentir integrados à ela através da
experiência migratória, como acontece com Luis Fernando, Enrique, Lorenzo, Rúben e
Daniel, por exemplo. Entretanto, ser um peruano integrado à sociedade brasileira não
significa se tornar um brasileiro por completo, mas manter uma visão crítica- de relativa
distância- do Brasil que tem o Peru como referência.
Um aspecto importante que deve ser levado em consideração quando
analisamos o caso dos estudantes que chegaram ao Rio de Janeiro até inícios da década
de 2000 é a dificuldade que eles enfrentavam para se comunicar com o Peru. Os
estudantes que integram a "geração de 96", por exemplo, não mantinham um frequente
contato com o Peru, o que aprofundava neles da sensação de que a mobilidade
estudantil significava uma espécie de ruptura com o país de origem. Guillermo, que
chegou ao Rio em 1993, se comunicava com sua família e amigos no Peru por carta.
Seus pais moravam na zona rural de Cajamarca e não tinham telefone. As chamadas
telefônicas internacionais eram caras. O acesso à internet ainda não estava tão difundido
nem no Brasil, nem no Peru. As cartas levavam cerca de um mês para chegar de um país
a outro e esta era a principal maneira que ele tinha de se conectar com o Peru.
Esta é uma realidade muito diferente daqueles que vieram para o Rio de Janeiro
quando o acesso à internet já está popularizado. A internet oferece um imensa gama de
recursos para se comunicar com o exterior: redes sociais, emails, programas de
229
chamadas telefônicas a baixa custo, chamadas de vídeo. Todos eles contribuem para que
os estudantes continuem mantendo contato com a família e os amigos no Peru e também
os que estão em outros países do mundo, reforçando os laços de afinidade mesmo na
distância. E ainda, alivia o sofrimento dos entes queridos que a distância física pode
provocar. Hoje, Guillermo pode se comunicar com seus pais com mais regularidade.
Eles continuam a residir no mesmo local e não tem acesso à internet. Mas agora, eles
têm um celular e assim, podem se comunicar com o filho no Brasil a qualquer hora do
dia.
Outro aspecto que contribui para que os peruanos mantenham o contato com seu
país é a crescente oferta de vôos para o Peru com passagens baratas. A disponibilidade
de vôos baratos é um elemento que encurta as distâncias entre os dois países,
possibilitando que os estudantes vão ao Peru com mais frequência e que seus parentes e
amigos do Peru venham visitá-los no Brasil. Guadalupe, por exemplo, menos vivendo
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com um orçamento limitado, economiza sua bolsa para ir ao Peru pelo menos 2 vezes ao
ano. Sempre que tem férias ou um feriado mais prolongado, Rubén costuma visitar sua
família em Arequipa. Assim, ele pode participar da vida social tanto dos seus amigos no
Brasil quanto da sua família no Peru.
Assim, os peruanos que chegaram ao Brasil num contexto em que tinham menos
recursos em manter contato com o país relatam que seus primeiros anos no Brasil como
uma experiência penosa, como se estivessem passando por um ruptura que provoca
profundas mudanças. Os peruanos que chegaram em meados dos anos 2000 também
percebem mudanças em si na experiência de viver fora do Peru, no entanto, esta
experiência não é vivida como um processo menos abrupto do que o vivido, por
exemplo, pela "geração de 96". Além de virem para o Brasil mais velhos, como alunos
de pós-graduação, os informantes que se enquadram neste caso tinham nos recursos de
comunicação uma importante ferramenta para reforçar o sentimento de que continuam
participando da vida cotidiana peruana, mesmo estando distantes. Numa das vezes que
visitei a família de Leyla no Peru, ela realizou uma chamada de vídeo via skype para sua
irmã exatamente na hora em que eu estava em sua casa. Através do celular do seu
cunhado, eu e Leyla conversamos por vídeo, eu, na casa da sua irmã em Lima e ela, no
seu apartamento no Rio de Janeiro24.
24
A internet é também um importante recurso para compartilhar elementos da cultura peruana. Entre o
grupo Sayari, por exemplo, é muito comum que assistamos vídeos no youtube para elaborarmos novas
coreografias. Pela internet, também compartilhamos arquivos de música e pesquisamos figurinos.
230
6.2
A experiência migratória e as relações de gênero
Logo nos meus primeiros encontros com peruano/as no Rio de Janeiro, era muito
comum eles repetirem duas frases: “os peruanos são muito conservadores” e “os
peruanos são muito machistas”. As duas afirmações eram geralmente proferidas quando
o assunto girava em torno das relações afetivas e amorosas. O/as peruano/as comentam
que, no seu país, existe a expectativa de que as pessoas não namorem muitos parceiros
diferentes ao longo de sua vida, principalmente as mulheres. E é muito comum que um
casal comece a namorar quando jovens e depois de muitos anos de namoro, fiquem
noivos e se casem. Em compensação, eles analisam que no Brasil, as pessoas namoram
mais e nem sempre se casam. Quando eu ouvia os peruanos e peruanas me dizendo que
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no Peru as pessoas são mais conservadoras, eu imaginava: as mulheres não se formam,
nem trabalham; elas se casam, cuidam dos filhos e nunca se divorciam.
Para minha surpresa, muito/as peruano/as, quando me contavam sua história de
vida, comentavam que sua mãe sempre trabalhou fora, às vezes tendo um salário maior
do que o do pai; muitas mães e pais tinham tido filhos de outros relacionamentos e em
alguns casos, não chegaram a casar com o pai ou mãe do filho anterior; muito/as dele/as
têm mães com Ensino Superior que atuam na sua área de formação. Entre os estudantes,
também há casos de quem têm mães que casaram cedo, deixaram de estudar e o pai
ocupa o papel de provedor da família.
Como vimos no capítulo 3, a sociedade peruana é entendida como conservadora
e tradicional, tendo a família como núcleo da vida social. O/as estudantes também
percebem a sociedade peruana como machista ao analisar o lugar que a mulher ocupa no
imaginário do país. Nele, as mulheres devem assumir o total controle do cuidado da
casa e dos filhos e, por isso, é socialmente esperado que as jovens peruanas aprendam a
ser boas mães e esposas. Os homens, por sua vez, assumem o papel de provedor, aquele
garante a sustento econômico da família e se exime das atividades domésticas.
No Brasil, o/as estudantes percebem diferenças na maneira como homens e
mulheres se relacionam, tanto no espaço público como no privado. Esta percepção
abrirá a possibilidade para que ele/as repensem as expectativas de gênero construídas na
sociedade peruana e, em muitos casos, construam novas possibilidades de se sentir
homem ou mulher. Partindo da definição de gênero como “qualquer construção social
231
que tenha a ver com a distinção masculino/feminino” (Nicholson, 2000, p. 9), os
deslocamentos internacionais e a experiência migratória não estão neutros diante das
representações de gênero, que atribuem a homens e mulheres diferentes papéis,
habilidades e comportamentos. O debate sobre gênero e migração tem ressaltado a
participação das mulheres nos processos migratórios (Medeiros, 2004; 2010; Pereira,
2010; Blay, 2009; Courtis e Pacecca, 2010), muitas vezes esquecidas atrás da figura do
homem migrante ou da mulher como mera acompanhante dos homem. Para este
trabalho, considero fundamental incluir o gênero no campo de análise, pensando como
ele atua na percepção do/as estudantes sobre as diferenças entre o Brasil e o Peru e a
repercussão que sentem em sua identidade.
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6.2.1
Dançando conforme a música: do tondero às relações afetivas
A primeira festa peruana em que eu estive presente foi a de celebração das Fietas
Patrias do ano de 2011. A festa aconteceu na Lapa, centro da cidade, e teve entre suas
atrações a apresentação de danças folclóricas pelo grupo Sayari Danzas Peruanas. Entre
as danças apresentadas pelo grupo esteve o Tondero. O tondero é um estilo de dança e
música que tem suas raízes na região de Piura, na costa norte do Peru. Com influências
ciganas, africanas e andinas, ele é dançado em casal, que simula o processo de sedução
do galo e da galinha. Considerado um ritmo mestizo, o tondero muitas vezes é incluído
no repertório de grupos que tocam música criolla e afroperuana, como o grupo Negro
Mendes.
O tondero tem origens camponesas. Ele é dançado sem sapatos e durante toda
dança, os dançarinos mantém os joelhos flexionados e a parte dorsal do corpo
ligeiramente inclinada para frente, simulando a proximidade que os camponeses
mantêm da terra, o solo de onde tiram o sustento. A dança é composta por uma série de
passos e vigorosos sapateados, combinados com um incessante movimentar do quadril,
principalmente da dama. Na execução da dança, dama e cavalheiro carregam um lenço
na mão direita, com o qual tocam o solo em alguns momentos da dança e que,
movimentando delicadamente o punho, a dama usa para chamar a atenção do
cavalheiro. Uma característica marcante da dança é que ela segue uma estrutura: o casal
sempre realiza movimentos que os aproximam, mas, logo em seguida, se afasta. A
dança é portanto marcada por duas dinâmicas centrais: o coqueteo, ou seja, a paquera, a
232
sedução- momento em que o casal se aproxima; e a fuga, quando os dançarinos se
afastam, impedindo que a paquera se concretize na união de fato do casal. Nesta trama,
será apenas no final da dança que, finalmente, os dois permanecerão juntos,
demonstrando que o galo foi bem-sucedido e, finalmente, conquista a galinha (foto no
anexo 9).
O tondero foi uma das primeiras danças folclóricas peruanas que eu vi ao vivo.
Quando o vi pela primeira vez, me impressionei pela sua beleza, que agrega elementos
rústicos-, como os pés descalços e a postura dos dançarinos, sempre agachados, e os
intensos sapeteados e movimentos dos quadris-, com a leveza do movimento do lenço,
da saia da dama e do chapéu do cavalheiro25. Mais do que representar a vida no campo e
o processo de sedução entre o galo e a galinha, o tondero26 traz elementos importantes
para uma análise das relações de gênero entre os peruanos.
***
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Para muitos estudantes, compreender a maneira como homens e mulheres
brasileiros se relacionam na dimensão amorosa e sexual é um desafio cotidiano, que
exige grande esforço e uma capacidade de perceber as nuances entre os casais no Peru e
no Brasil. A imagem do Rio de Janeiro como cidade do carnaval e da praia está
associada à ideia de que as pessoas no Brasil são mais liberais, principalmente as
mulheres. Em geral, elas são imaginadas como mais "fáceis" e mais disponíveis para ter
relações afetivas e/ou sexuais sem exigir do parceiro um compromisso mais duradouro
do que as peruanas.
Rubén se lembra que, quando veio para o Brasil, imaginava que, além do futebol,
da praia e do carnaval, o Rio de Janeiro era uma cidade em que as mulheres seriam
“fáceis”. Apesar de não utilizarem o mesmo termo para se referir ao comportamento
das mulheres brasileiras, outros estudantes mencionam que percebem as mulheres
25
O tondero foi a dança que mais me estimulou a entrar no grupo Sayari Danzas Peruanas. A
oportunidade que o grupo me ofereceu para aprender a dança que tanto tinha me emocionado me fez
seguir os ensaios do grupo até que me tornar uma integrante. Até a presente data, apresentei o tondero em
eventos como as duas festas em comemoração ao dia Independência do Peru que aconteceram em 2012,
na celebração do Sr. de los Milagros e em shows do grupo Negro Mendes. No ano de 2013, realizei aulas
de tondero com professores da dança no Peru, que confirmaram que o grupo Sayari me ensinou bem a
dançar o tondero, dança que no Peru não é muito popular ou conhecida.
26
Apesar do tondero ter sido fundamental na minha experiência de campo, ele não está entre as danças
folclóricas mais famosas no Peru. Desde a década de 1960, a marinera é a dança folclórica que ganhou
status de “dança nacional”, remetendo à retomada do orgulho peruano após a derrota do Peru para o Chile
na Guerra do Pacífico (Busse, 2008). Usando a dança como objeto de estudo, Ccopa (2011) realiza uma
interessante análise das transformações nas relações afetivas e sexuais através do reggaeton e das festas
de perreo, que ao contrário de danças tradicionais como a salsa e o merengue que tem o homem como o
condutor da dança, são as mulheres que assumem a liderança do ritmo.
233
brasileiras são mais “abertas” que as peruanas: elas conversam mais, são mais
simpáticas, o que facilitaria o flerte. Associada à ideia de que as mulheres brasileiras são
bonitas, e que exibem seus belos corpos na praia e no carnaval, a imaginação de que as
brasileiras são mais acessíveis que as peruanas alimenta em muitos estudantes a
esperança de que no Rio de Janeiro eles terão mais sucesso na sua vida afetiva e sexual
do que no Peru.
No entanto, no Rio de Janeiro, os estudantes percebem que se relacionar com uma
brasileira apresenta uma série de desafios não-previstos anteriormente. Além do idioma,
que se constitui uma barreira inicial para a comunicação com as brasileiras para aqueles
que não falam Português, muitos só aqui se dão conta que homens e mulheres
brasileiros apresentam formas de se relacionar diferentes das de homens e mulheres
peruanos. O/as estudantes analisam que um homem e uma mulher peruanos investem
mais tempo antes de decidirem se relacionar amorosa e/ou sexualmente.
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No Peru, o casal se encontra algumas vezes para conversar antes de ter sua
primeira relação sexual ou iniciar um namoro. Ele/as percebem que, no Brasil, o lapso
de tempo entre o primeiro encontro e o primeiro beijo e/ou primeira relação sexual é
exageradamente reduzido. Alguns comentam que, muitas vezes, um casal no Brasil se
beija antes mesmo de saber o nome um do outro, o que ilustra um caso extremo do
ficar. Uma amiga peruana que estuda no Rio de Janeiro relatou que se surpreendeu
muito com a forma como os brasileiros abordam as mulheres. Certa noite, ela saiu para
dançar e um rapaz a convidou para dançar. Durante a dança, ele tentou beijá-la, sem
pedir seu consentimento. Outro rapaz veio ajudá-la, separando os dois. Este rapaz
começou a dançar com ele e, igualmente ao primeiro, tentou beijá-la a todo custo.
O ficar é uma prática comum entre homens e mulheres brasileiros e se caracteriza
pelo estabelecimento de uma relação afetiva e/ou sexual efêmera, que não ganha a
formalidade de um namoro. No ficar, o casal se isenta das responsabilidades de um
namoro, entre elas, o compromisso de manter a fidelidade ao parceiro. Na pesquisa que
realizaram com estudantes latino-americanos27, Alencar-Rodrigues e Strey (2010)
observam entre eles uma grande surpresa ao conhecer o ficar. Eles comentam que em
seus países o ficar não é uma prática rotineira. O estudante paraguaio, por exemplo,
conta que ficou “apavorado” com esta prática (p.52). A entrevistada peruana, por sua
27
A pesquisa se baseou em entrevistas realizadas com seis estudantes do Chile, Equador, Nicarágua,
Paraguai, Peru, matriculados em cursos de graduação e pós-graduação no Rio Grande do Sul. Dentre os
entrevistados, estão um homem e uma mulher peruanos.
234
vez,
explica que as mulheres no Peru preferem namorar do que ter uma relação
passageira.
Uma questão que não pode ser preterida no debate sobre o gênero é como os
atores envolvidos compreendem e analisam as relações de gênero no seu país de origem
e no receptor. Para os latino-americanos entrevistados pelas autoras, o ficar, da forma
como é praticado no Brasil, é algo estranho. Alguns, principalmente os homens, se
adéquam a esta prática e valorizam o fato de não ter que investir muito tempo para se
relacionar com um/a parceiro/a. Entretanto, para outros estudantes- alguns poucos
homens e a maioria das mulheres-, o ficar é uma prática negativa, em que a relação
entre homem e mulher se banaliza. Mesmo quando se adaptam a esta prática, alguns
homens e mulheres estrangeiros continuam a ter uma visão negativa do ficar,
considerando as brasileiras mais "fáceis", menos confiáveis e mais volúveis que as
mulheres de seus países de origem,. Augusto e Gladys descrevem a reação que tiveram
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quando conheceram o ficar: um choque. Para Augusto, o ficar representa um excesso de
liberdade que homens e mulheres têm no campo das relações sexuais que compromete a
construção de relacionamentos mais profundos, sólidos e duradouros. Por prezar por
valores católicos, ele reprova esta prática.
Meus amigos peruanos28 me explicam que a diferença entre o Brasil e o Peru não
é que no Peru não exista a figura do ficar, ou seja, uma relação amorosa/sexual sem
compromisso. A diferença entre os dois países é que mesmo uma relação aberta e mais
fluída como o ficar leva mais tempo para se concretizar do que no Brasil. E, no Peru, as
pessoas ficam escondidas, para que o caso não se torne público. O tipo de relação no
Peru que se assemelha ao ficar brasileiro é o choque y fuga: tipo de relação afetiva e/ou
sexual sem maiores compromissos. Para chegar ao choque y fuga, o homem toma a
iniciativa de convidar a mulher para sair como tentativa de seduzi-la. Caso esteja
interessada, ela aceita o convite.
Ccopa (2011) explica que a expressão choque y fuga remete a um tipo de acidente
automobilístico em que o motorista atropela um pedestre e, ao invés de socorrer a
vítima, ele foge do local do acidente. Quando se refere à relações afetivas, o choque y
fuga significa um tipo de vínculo amoroso e sexual passageiro, que não implica que os
envolvidos assumam
qualquer compromisso. Ele é "é um encontro afetivo-sexual
efêmero, fugaz, momentâneo, não contínuo, que surge de maneira fortuita, casual. E
28
O tema das relações afetivas e sexuais no Brasil e no Peru não aparece a não com peruano/as com
quem estabeleci uma relação de mais proximidade e confianza.
235
assim como surge, de maneira rápida, assim também se vai" (p.66)29. O pressuposto
deste encontro é que o casal não se envolva além da própria relação sexual e que não
tenha nenhuma expectativa prospectiva. Enquanto Ccopa enfatiza o caráter efêmero do
choque y fuga, a/os estudantes ponderam que mesmo este tipo de relação só chega
acontecer depois que o casal se encontrou algumas vezes e, por isso, se conhecemainda que superficialmente. Raramente, o choque y fuga acontece entre desconhecidos,
pessoas que acabaram de se conhecer. O choque y fuga é precedido pela sedução,
quando o homem precisa usar do floro (p. 160): habilidade de falar coisas bonitas
capazes de conquistar a mulher, que muito se aproxima lábia, na gíria carioca.
Outra característica das relações amorosas e/ou sexuais entre brasileiros que causa
estranhamento em algun/mas os/as estudantes é a maneira como eles se aproximam
quando interessados uns nos outros. Osvaldo comenta que, no Peru, o homem é sempre
quem toma a iniciativa, através do floro. Ele reconhece que a estratégia que usava no
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Peru para conhecer mulheres não funcionava com as brasileiras, acostumadas com outro
ritmo de aproximação. Osvaldo percebeu que, se quisesse namorar uma brasileira, ele
teria que adaptar sua estratégia de paquera à cadência mais acelerada das relações
brasileiras. Muitos estudantes gostariam de ter uma namorada brasileira, mas encontram
uma série dificuldades para se relacionar com elas. No caso de Osvaldo, sua tentativa de
adaptação ao modo de se relacionar de brasileiros e brasileiras teve o resultado que ele
esperava: ela conheceu uma brasileira com quem namorou e com quem hoje está
casado.
Carolina, brasileira que tem ascendência peruana por parte de pai, numa conversa
entre nós e alguns amigos peruanos em que eles ressaltavam as vantagens de se
relacionar com um peruano, comentou que ela já tinha namorado um peruano. O rapaz
era muito doce, carinhoso e tinha uma habilidade que despertou sua atenção: ele falava
tudo o que ela queria ouvir. Porém, ele sempre fazia o que ele queria. Carolina insinuou
que nem tudo o que o rapaz dizia era realmente o que ele sentia, mas sim uma forma de
mantê-la seduzida para ele ter mais espaço de agir segundo suas próprias preferências.
O floro se desenvolve no contexto peruano, pois, mesmo quando o homem e a mulher
estão interessados no choque y fuga, o costume no Peru é que a mulher não aceite ter
um contato mais íntimo com o homem no primeiro encontro, ainda que assim o queira.
29
"(El choque y fuga) es un encuentro afectivo-sexual efímero, fugaz, momentáneo, no-continuo, que
surge de manera fortuita, casual. Y así como surge, de manera rápida, así también se va". (Ccopa, 2011,
p.66)
236
O/as estudantes explicam que, caso uma mulher no Peru aceite ter relações
íntimas com um rapaz na primeira vez que eles se encontram, ela será alvo de severas
críticas: será malvista e difamada no seu círculo de amizades e terá sua reputação
comprometida. Temendo tais retaliações, as mulheres peruanas se previnem,
disfarçando seu desejo e analisando com cuidado seus pretendentes até encontrar
alguém em quem confie que manterá o caso em segredo e não irá difamá-la. Ccopa
(2011) observa uma mudança nas relações sexuais na sociedade peruana nos últimos 20
anos, em direção à um maior liberdade. Porém, o autor reconhece que a sexualidade
feminina é rigidamente controlada por instituições que reprimir o prazer e o sexofemininos, sobretudo. Como consequência, as mulheres reagem através da vergonha e
apresentam uma extrema discrição diante das relações sexuais. Para os homens, ao
contrário, as aventuras amorosas e sexuais são consideradas pontos positivos que
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reforçam sua masculinidade:
É conhecido que o homem, ter aventuras amorosas e sexuais não é um problema, mais sim um
ponto a favor. Por outro lado, a mulher, sobretudo a de antes, por mais que tivesse essas
aventurais, tinha que ser discreta. Tinha que calar, ocultar para evitar a reprovação social (Ccopa,
2011, p.87)30.
Para Sofia, as relações afetivas e sexuais entre o/as brasileiro/as são mais livres,
sinceras e menos sujeitas ao controle da sociedade que no Peru, onde o poder de coerção
social atua de maneira atroz sobre a mulher. Ela pondera que homens e mulheres no seu
país têm seu comportamento amoroso e sexual fortemente influenciado pela opinião dos
que estão em volta, que exercem uma ativa vigilância, sobretudo sobre a sexualidade
feminina. Sofia conclui que, no Brasil, as pessoas não se preocupam tanto com o que os
outros vão pensar sobre suas relações amorosas, por isso as mulheres têm mais
autonomia sobre seus sentimentos e relacionamentos. Como no Peru todos se
preocupam com a avaliação que a sociedade fará de suas decisões no campo das
relações amorosas e sexuais, as pessoas dissimulam suas reais intenções.
No entanto, ao mesmo tempo em que reconhecem que no Brasil há mais liberdade
na esfera da afetividade e da sexualidade e que isso é positivo, algun/mas estudantes
analisam que tamanha liberdade faz com que os relacionamentos amorosos com
30
Es conocido que para el hombre tener aventuras amorosas y sexuales no es un problema, más
bien es un punto a favor. En cambio, la mujer, sobre todo la de antes, por más que tuviera esas
aventuras, tenía que ser discreta. Tenía que callar, ocultar para evitar la condena social (Ccopa,
2011, p.87).
237
brasileiros tendam a ser mais efêmeros, se aproximando da percepção de Augusto.
Como, no Brasil, a qualquer momento um homem ou uma mulher pode se interessar
por outra pessoa e ela corresponder publicamente, a sensação que algun/mas estudantes
têm é que uma traição é sempre iminente num relacionamento com um/a brasileiro/a.
Sendo mais livres e sofrendo menos vigilância da sociedade, os/as brasileiras/os
poderiam dar vazão aos impulsos sexuais de maneira mais irrefletida que o/as
peruano/as. Em outras palavras, a pressão que a sociedade peruana exerce sobre o
comportamento sexual dos indivíduos faria com que eles controlassem seus impulsos, o
que teria uma consequência que alguns avaliam como positiva: temendo a sanção
social, os indivíduos se manteriam mais fiéis ao compromisso que assumiu com o/a
namorado/a.
***
Assim como o futebol foi importante para que eu compreendesse a dinâmica dos
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diferentes grupos que compõem a comunidade peruana no Rio de Janeiro, o tondero
trouxe elementos preciosos que me ajudaram a compreender as relações de gênero no
campo da afetividade e da sexualidade entre os/as estudantes peruano/as. Composto por
uma sucessiva sequência de passos em que os dançarinos se afastam e se aproximam, o
tondero demonstra o processo de sedução que culmina com a conquista da galinha pelo
galo, concretizado apenas no final da dança. Como metáfora das relações de gênero, o
tondero ilustra a maneira como homens e mulheres peruanos se comportam até chegar a
estabelecer uma relação afetiva e/ou sexual.
A partir da representação das relações afetivas e sexuais entre peruanos, o/as
estudantes analisam que o processo de sedução no Peru, mesmo quando ambos estão
interessados, não se concretiza até que o homem convença a mulher de que é confiável e
que não vai difamá-la. É a mulher quem toma a decisão final na dinâmica do coqueteo,
que, segundo Ccopa (2011), "é um jogo de poder feminino, cujo atrativo está na sua
ambivalência, em que o sim e o não estão presentes no mesmo movimento" (p.55)31.
Assim como no tondero, a sedução - o coqueteo- só tem seu desfecho depois de
uma sequência- não de passos-, mas de encontros e conversas. Antes da sedução
culminar na conquista, a mulher se reveza entre corresponder à paquera, participando do
processo de sedução, e manter uma distância que garanta a preservação de sua
reputação. No entanto, nas relações afetivas, nem sempre o desfecho do coqueteo e a
31
La coquetería es un juego de poder femenino, cuyo atractivo está en su ambivalencia, en donde el sí y
el no están presentes en el mismo movimiento (Ccopa, 2011, p.55).
238
fuga é a conquista. Na realidade, muitas vezes, mesmo quando não está interessada, a
mulher não deixa sua posição clara para o homem: ela alimenta a paquera até um dia
que se recusa a continuar se encontrando com o pretendente. Guadalupe observa que é
comum que as mulheres peruanas não deixem claro como se sentem numa relação,
muito diferente das brasileiras, que falam diretamente para seus parceiros seus
interesses e intenções.
Assim como o tondero não é uma dança praticada entre os brasileiros, o/as
estudantes peruano/as descobrem no Brasil que a dinâmica das relações afetivas e
sexuais não segue a mesma cadência que no seu país de origem. Aqui, eles encontram
um cenário no qual a mulher muitas vezes inicia o processo de sedução e as pessoas
investem menos tempo até decidirem se relacionar afetiva e/ou sexualmente umas com
outras. Ao mesmo tempo em que estar longe do Peru significa encontrar uma
oportunidade para se afastar das pressões que a sociedade peruana exerce sobre a
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sexualidade e a afetividade dos jovens, estar no Brasil exige deles uma capacidade de se
adaptar a maneira como homens e mulheres brasileiros interagem e se relacionam,
principalmente para aquele/as que gostariam de ter um relacionamento com alguém da
sociedade local. E é neste processo de adaptação que os/as estudantes poderão encontrar
meios para dançar conforme a música que rege as relações afetivas e sexuais no Brasil.
6.2.2
As relações de gênero como uma experiência comparativa
Para peruanos e peruanas, homens e mulheres no Brasil são mais liberais nos seus
relacionamentos afetivos. As mulheres brasileiras são representadas como mais bonitas,
simpáticas e abertas que as peruanas por muitos estudantes. Estes preferem se relacionar
com brasileiras, por considerá-las mais atraentes e também mais acessíveis que suas
compatriotas. Além da simpatia e da beleza, a mulher brasileira também é representada
como mais sensual e sedutora, imagem comum não apenas no Peru, mas também em
outros países.
Rezende (2009) mostra que a brasileira é representada em diferentes países da
Europa e da América do Norte como uma mulher sensual. Esta representação repercute
na maneira como as estudantes brasileiras de doutorado são vistas e tratadas no exterior,
gerando nelas um grande desconforto. Elas não se veem assim, por isso, se surpreendem
que a sociedade receptora as vejam e as tratem como mulheres sensuais. Em conversa
239
com o namorado de uma estudante peruana que é de origem italiana, ele comentou que
seus amigos da Itália imaginam que o Rio de Janeiro é um verdadeiro paraíso, com sol o
ano inteiro, praias deslumbrantes e lindas mulheres. Essa é a vida que eles imaginam
que o amigo tem, agora que deixou sua pequena cidade na Itália para morar no Rio de
Janeiro: que ele passa o dia inteiro na praia, cercado por lindas mulheres de biquíni.
Assim como os estudantes peruanos, os estudantes moçambicanos também
preferem namorar brasileiras por considerá-las mais bonitas, abertas, simpáticas e
receptivas- elas aceitam mais facilmente ficar ou namorar- que as moçambicanas ou as
africanas de outras nacionalidades. As estudantes moçambicanas, ao contrário, preferem
namorar um moçambicano ou um homem de outro país africano, evitando os
brasileiros. Para elas, os brasileiros são “malandros”, não levam o relacionamento a
sério e também são agressivos. Elas criticam a prática do ficar e optam por
relacionamentos mais duradouros e estáveis, construídos a partir de uma amizade
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(Subuhana, 2005).
Assim como as moçambicanas, as estudantes cabo-verdianas também preferem se
relacionar com seus compatriotas (Hirsch, 2007). Elas consideram mais fácil se
relacionar com alguém que compartilha da mesma cultura. Uma delas conta que prefere
os cabo-verdianos porque os brasileiros “não prestam”, “o brasileiro é muito chiclete” e
quer “passar 24 horas juntos” (Hirsch, 2007, p. 127). Já os cabo-verdianos não
restringem seus relacionamentos às mulheres da mesma nacionalidade. Eles repreendem
as cabo-verdianas quando elas assumem relacionamentos com homens de outras
nacionalidades, porém o mesmo não acontece quando são eles os que se envolvem com
mulheres não-caboverdianas. As cabo-verdianas, entretanto, não gostam que seus
conterrâneos namorem mulheres brasileiras. Uma estudante reclama que os caboverdianos são roubados pelas brasileiras (p. 126). Hirsch pontua que a estudante
entende os relacionamentos de homens cabo-verdianos com mulheres brasileiras como
um problema da mulher brasileira, que astutamente rouba os homens da comunidade, e
não como uma opção dos cabo-verdianos, que preferem as brasileiras (p.127).
Apesar da questão de gênero e sua atuação no campo da afetividade não ser o
tema central desta pesquisa, ela tangencia a experiência migratória do/as estudantes e,
por isso, se tornou um importante tema de conversa durante o trabalho de campo. No
roteiro de entrevista, não há questões sobre como o/as estudantes percebem a maneira
de agir e pensar de homens e mulheres no Brasil e no Peru, porém, este era um assunto
recorrente na vida cotidiana. Algun/mas estudantes com quem desenvolvi uma relação
240
de mais confianza me pediam conselhos sobre como se comportar com o/as
pretendentes brasileiro/as. Além disso, o fato de eu ser uma jovem casada contribuiu
para que muito/as peruano/as me identificassem como mais próxima da representação
de mulher peruana- como uma mulher mais reservada, que casa na juventude- do que de
brasileira- uma mulher liberal, que adia o casamento para viver livremente sua
sexualidade.
De uma maneira geral, o/as estudantes concordam que o/as brasileiro/as são mais
diretos nas suas relações afetivas: eles deixam claro quando estão interessados e quando
não. Para muitos, esta é uma qualidade que pesa na hora de escolher um/a parceiro/a.
Gabriela se difere muito da representação de peruana que o/as estudantes afirmam ser a
difundida no Peru. Ela tem sempre posições firmes, ela é segura de si e sempre muito
franca. Sem rodeios, ela sempre deixa explícito o que ela pensa. Quando conversamos
sobre o comportamento de um amigo peruano nosso, que não revelava publicamente seu
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namoro, ela comentou que chegou a namorar um peruano no Rio de Janeiro. Entretanto,
ela achou estranho que mesmo depois de estarem juntos há alguns meses, ele não
assumia o relacionamento. Cansada de esperar, ela desistiu do rapaz. Assim como
Gabriela se cansou do namorado peruano, Matias, peruano que cursa o doutorado na
PUC-RJ, de maneira mais radical, se diz cansado do modo de ser das peruanas e das
hispano-americanas, em geral. Ele explica que elas fazem o rapaz esperar meses- só
saindo e conversando-, até darem uma resposta se querem ou não namorá-lo. Ele diz
preferir mais “o jeito” das brasileiras, principalmente a beleza, a simpatia e a
sinceridade. Por isso, ele só quer namorar brasileiras e nem cogita a possibilidade de
namorar uma peruana no Rio de Janeiro.
Enquanto muitos estudantes demonstram grande entusiasmo com a ideia de
namorar uma brasileira, entre as mulheres, namorar um brasileiro é uma possibilidade
que elas não descartam, mas também não se constitui uma meta a ser alcançada. Para as
estudantes que participaram da pesquisa que hoje têm namorados brasileiros, o
relacionamento surgiu de uma maneira gradativa, inesperada e não deliberada. Os
estudantes peruanos se demonstram muito mais dispostos a se esforçarem para namorar
uma mulher brasileira que as peruanas em namorar um homem brasileiro. Entre os
estudantes, o interesse pelas brasileira é reforçado pela curiosidade que muitos têm em
se relacionar com uma estrangeira.
O maior interesse dos peruanos em namorar uma brasileira do que as peruanas em
namorar um brasileiro pode se relacionar a outro fator, de ordem objetiva. Entre os
241
estudantes no Rio de Janeiro há uma predominância de homens. Na minha assídua
participação nos eventos peruanos, a presença de estudantes peruanas era sempre
significativamente menor que a de peruanos. Enquanto Matias têm as brasileiras como
suas únicas pretendentes, outros estudantes não têm preferência de nacionalidade
quando escolhem suas parceiras. Renato, por exemplo, comenta que não tem preferência
por brasileiras ou peruanas, mas como conhece poucas peruanas no Rio de Janeiro que
estejam na sua faixa etária, ele reconhece ter mais chances de se relacionar com
brasileiras. Rubén concorda com o amigo. Para os dois, namorar uma brasileira é mais
um fenômeno contingente do que deliberado. Brasileiras e peruanas não são as únicas
mulheres com quem os estudantes se relacionam. Alguns estudantes que conheci já se
namoraram outras hispano-americanas, como argentinas, panamenhas e colombianas.
Ricardo é o único estudante que tem uma declarada preferência por se relacionar com
peruanas.
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A beleza atribuída à mulher brasileira está associada a determinados atributos
físicos valorizados na sociedade peruana como marcas de feminilidade, como um corpo
com quadril largo, pouca gordura acumulada na região abdominal e com curvas
sinuosas32 delimitadas por uma cintura fina. Entre os aspectos físicos que pesam na
opção pela mulher brasileira em detrimento da peruana está a questão da raça.
Guadalupe afirma que, como o Peru é um país ainda segregado racialmente33, as
mulheres brancas34 no Peru das classes altas não se relacionam com homens mestizos
das classes médias e baixas.
A estudante explica que a segregação no Peru é tamanha que lá, uma menina
branca nem cumprimenta um rapaz mestizo. Quando ela vê seus colegas da PUC-RJ, ela
percebe neles uma grande empolgação quando as brasileiras brancas, suas colegas de
universidade, conversam com eles. No Peru, uma moça com as mesma características
físicas nunca dirigia a palavra a grande parte deles, analisa. Guadalupe nota que, como a
PUC-RJ é uma universidade de elite, as brasileiras que estudam lá são patricinhas: elas
são brancas, pertencentes à classe média alta carioca. Apesar da convivência na
universidade, as patricinhas evitam relacionar-se com os peruanos fora do espaço
32
Ver capítulo 3.
Ver capítulo 3.
34
Douglas já namorou uma brasileira negra e teve receio que sua família a discriminasse. Eles nunca
chegaram a ir ao Peru juntos, mas quando sua irmã veio ao Brasil visitá-lo, eles se deram bem. Ele conta
que se surpreendeu com sua irmã, que no Peru demonstrava ter atitudes racistas. O único comentário que
Douglas mencionando a questão da raça foi de uma tia, que disse para ele, em tom jocoso: “cuidado con
la negrita!”
33
242
universitário. Por isso, Guadalupe observa que são raros os casais formados entre
estudantes peruanos e suas colegas brasileiras, mesmo esse sendo o desejo de seus
conterrâneos. O que ela observa é que os muitos peruanos namoram brasileiras que,
mesmo quando brancas, são de classe mais baixas, como as moradoras do Parque da
Cidade.
As brasileiras cujos namorados ou maridos são do Peru comentam que os
peruanos são muito mais carinhosos que os brasileiros. Eles dão mais atenção à mulher,
são mais românticos e corteses. Felizes com seus namorados peruanos, as brasileiras
inclusive recomendam às suas amigas que experimentem namorar um peruano. A
reputação do homem peruano como mais afetuoso e envolvente que o brasileiro não está
restrita aos círculos de relações das brasileiras, suas amigas e namorados, mas também
ecoa na internet. Na rede social orkut, são inúmeros os comentários de brasileiras que
declaram
seu
interesse
por
peruanos.
Um
exemplo
é
a
comunidade
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“BRASILEIRAS(OS) & PERUANOS(AS)”, aberta por um peruano interessado em
conhecer histórias de brasileiras que se interessam por peruanos e vice-versa. Num dos
fóruns de discussão, o moderador do grupo lança a pergunta: “o que vocês pensam dos
peruanos em geral?”., As brasileiras respondem35:
Os peruanos são muitos amáveis, muito carinhosos, atenciosos, educados, são muito
diferentes da maioria do homens brasileiros, pois sabem dar valor a uma mulher!!!
Internauta 1.
os peruanos são tdo d booooommmmmm!!!!!!!e mais um pouco!!! nada a ver com
brasileiros,os peruanos sim sabem ser homens d verdade!! Internauta 2.
PERUANOS..........
AMOOOOOOOOOOOOOOOOOO...............
A melhor experiência da minha vida, estar a cada dia do lado de um Peruano!!!
Internauta 3.
Apesar das repostas positivas, uma brasileira entra na discussão e diz que ao
contrário das outras, ela não teve uma experiência bem sucedida com um peruano.
Algumas brasileiras, antes de se relacionarem com seus atuais companheiros peruanos,
já haviam namorado outro peruano. Mesmo o relacionamento anterior não tendo
perdurado, elas avaliaram positivamente a experiência de ter namorado um peruano.
35
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?tid=5337099084158505514&cmm=62530437&hl=pt-BR
243
Satisfeitas com sua atual situação afetiva, elas recomendam que às suas amigas solteiras
que sigam seu exemplo e namorem peruanos.
6.2.3
Velho/a pra casar?: mobilidade estudantil e gênero
Outro aspecto em que o gênero tangencia a experiência migratória do/as
estudantes peruano/as no Rio de Janeiro, dentre muitos, é a sua relação com a vida
conjugal. Como já afirmamos anteriormente, o perfil que predomina entre os estudantes
é de jovens, homens e solteiros. Em conversa com um grupo de estudantes de pósgraduação da PUC-RJ- três homens e duas mulheres-, quando eles souberam que eu era
casada, me perguntaram com quantos anos as pessoas no Brasil costumam casar.
Aproveitei a pergunta para devolvê-la, interrogando como era no Peru. Eles me
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disseram que lá é comum as pessoas casarem por volta dos 25 anos. Quem passa desta
idade é considerado velho/a para casar. Eu então atendia às expectativas peruanas, pois
me casei exatamente aos 25 anos!
A fala dos jovens explicita que o casamento é uma expectativa que a sociedade
peruana inclui no campo de possibilidades dos indivíduos, que devem se casar antes que
completem 30 anos. Todos os cinco jovens eram solteiros e com mais de 30 anos, ou
seja, já estariam velhos pra casar. Assim como eles, a grande maioria do/as estudantes
de pós-graduação também se enquadra neste perfil. A decisão de sair do Peru para
estudar pode, então, estar relacionada não apenas com questões educacionais e
profissionais, mas também com o estado civil do/as estudantes e sua inserção na vida
familiar. Como solteiro/as, com idade superior à idade média em que se espera casar e
sem filhos, ele/as seriam mais autônomos para deixar o mercado de trabalho peruano
com o objetivo de estudar no exterior. Por não s casados ou ter filhos, eles não estariam
sujeitos às responsabilidades socialmente atribuídas aos maridos e esposas, pais e mães.
E também, no exterior, eles poderiam viver numa sociedade em que não são cobrados a
casar e ter filhos.
Solange chegou ao Rio de Janeiro com 40 anos, é solteira, nunca casou e não
tem filhos. Ela diz que os homens peruanos são muito machistas e muitas de suas
amigas peruanas estudaram, terminaram a faculdade, mas acabaram casando, tendo
filhos e renunciando a carreira em nome da família. Ela conta que é isto que se espera
de uma mulher do Peru. Como ela não concorda com esta expectativa, ela tem planos de
244
se dedicar à carreira, não casar e não ter filhos. Para ela, sair do Peru é uma alternativa
para se afastar das expectativas de gênero que poderiam colocar em risco os planos que
fez para si mesma e sua carreira.
Assim como Solange, Lorenzo reconhece que na sociedade peruana há a
expectativa de que as pessoas se casem, com reconhecimento civil e religioso. Ele
comenta que, como uma sociedade que valoriza os laços familiares, no Peru são muito
malvistos os casais que vivem juntos sem casar. E geralmente, um casal começa a
namorar, namora por voltar de 5 anos, noiva por 2 e só depois se casa. Assim era
quando ele saiu do Peru, há mais de 10 anos. Lorenzo reconhece que tais expectativas
podem ter mudado ao longo da década que vive no Brasil. O/as estudantes que saíram
do Peru anos mais tarde que Lorenzo indicam que as expectativas em torno do
casamento formalmente reconhecido continuam a ter um peso na vida e nas decisões
do/as jovens peruano/as. Sofia, por exemplo, se incomoda quando reencontra suas
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amigas de graduação e, a grande maioria já casadas e com filhos, olha para ela com
pena por ela continuar solteira, como se isso fosse uma infelicidade.
Além de influenciar a maneira como os indivíduos compreendem as relações
afetivas, as representações de gênero também influenciam a relação entre estudo,
trabalho e o significado da mobilidade para homens e mulheres. Os estudantes latinoamericanos entrevistados por Alencar-Rodrigues e Strey (2010), por exemplo,
consideram que a mulher brasileira se interessa mais pela carreira, pelo trabalho e pela
formação que a mulher peruana, por exemplo. O entrevistado peruano conta que mesmo
quando as peruanas fazem faculdade, elas terminam se tornando donas de casa,
assumindo o cuidado da casa e dos filhos (p.51), como pontuou Solange. Subuhana
(2005) observa que as mulheres moçambicanas são as que mais expressam como um
dos motivos que pesou na decisão de estudar no exterior foi adquirir autonomia e
liberdade em relação aos pais e à família. No Brasil, elas preferem morar sozinhas,
valorizando a privacidade e o poder de decisão sobre como gerir a casa. Provavelmente,
no país de origem, elas são as que sentem mais o controle da sociedade sobre seu
comportamento.
Se por um lado, morar sem os pais é valorizado, assumir todas as
responsabilidades domésticas é considerado penoso e desgastante. Uma das estudantes
entrevistadas por Subuhana afirma que o que ela mais sente falta de Moçambique é o
conforto que tinha na casa dos pais. No Brasil, ela precisa estudar e ainda lavar sua
roupa, cozinhar e limpar a casa. Esta mesma estudante conta que quando está em
245
Moçambique se sente presa, porque não pode sair sem a permissão dos pais. Os
estudantes guineenses e cabo-verdianos egressos de universidades brasileiras e que
voltaram para seus países também estranham quando precisam voltar a viver sob a
tutela dos pais (Mourão, 2011a).
Uma vez que o gênero é uma categoria elementar para todas as sociedades- não há
sociedades que não estabeleçam definições de masculino e feminino, homem e mulher-,
seu poder não está circunscrito às fronteiras nacionais e, em muitos casos, ele atua
impulsionando ou limitando as alternativas de cruzar as fronteiras e de se mover pelo
mundo. Pessar e Mahler (2001) defendem que os estudos gênero associado ao estudos
dos movimentos migratórios têm muito a contribuir para uma reavaliação da circulação
de pessoas pelo globo, ao examinar como as relações de gênero facilitam ou
constrangem a imigração de homens e mulheres. As autoras explicam que o gênero
opera simultaneamente em múltiplas escalas espaciais e sociais, como o corpo, a família
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e o Estado, através de domínios transnacionais. Além disso, o gênero está fundamentado
numa hierarquia entre os sexos, dando significado às relações de poder (Scott, 1991).
No caso do/as estudantes peruano/as, estamos nos referindo a um tipo de
deslocamento específico: qualificado, ele é amparado por mecanismos jurídicos. A
participação de mulheres peruanas na mobilidade estudantil se dá num contexto de
crescente aumento do número de mulheres peruanas que vão para o exterior. Segundo
estimativas, entre 1994 a 2010, dos 1 milhão e 558 mil peruanos que emigraram, 50,6%
eram mulheres e 49,4% homens. No ano de 2010, estimava-se que 53,4% dos
emigrantes eram mulheres e (INEI et al., 2012). A expressiva ampliação das mulheres
peruanas nos fluxos de emigração tem ocorrido principalmente através de sua inserção
em redes de trabalho doméstico em países do hemisfério norte, na Argentina, no Chile e
mais recentemente no Brasil (Alman, 2009; Courtis e Pacecca, 2010; Escrivá, 2000;
Holper e Nuñez, 2005, Dutra, 2012), assumindo a posição de protagonistas no
movimento migratório. Em muitos casos, elas são as primeiras a migrar para, mais
tarde, trazer outros membros da família e da comunidade (Alvites, 2011).
As estudantes peruanas não apenas se diferem deste fluxo pela sua qualificação,
mas também porque o tipo de mobilidade de empreende tem como foco principal a
experiência individual, como estudante e profissional, e não familiar, como no caso das
emigrantes. Um número significativo das emigrantes são mulheres casadas e com
filhos que identificaram na emigração uma alternativa de prover o sustento e o cuidado
da família, estendendo os laços familiares para além das fronteiras nacionais (Busse,
246
2011). Já as jovens peruanas vêm para o Rio de Janeiro solteira e sem filho, imbuídas de
um projeto individual.
Elas estão inseridas em áreas de conhecimento nas quais
predominam homens, como as Engenharias e a Física36 e sair do país é a chance que
identificaram para desbravar novos campos de atuação dentro da sua formação.
Mesmo quando compartilham da mesma nacionalidade, homens e mulheres
podem ter percepções diferentes sobre a experiência migratória, encontrarem chances
distintas para se deslocar internacionalmente ou se inserir na sociedade receptora, como
mostra a pesquisa de Kitahara (2005) com casais imigrantes nipo-brasileiros no Japão.
As mulheres, muito mais que os homens, avaliam positivamente a decisão de imigrar
para o Japão. No Brasil, elas viviam em comunidades rurais sob valores tradicionais,
onde a mulher assume toda a responsabilidade com o trabalho doméstico; no Japão elas
ingressam no mercado de trabalho remunerado, o que consideram uma liberação diante
da vida que possuíam na colônia japonesa no Brasil. Para elas, trabalhar como
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dekasseguis é uma oportunidade de ter uma renda própria e se afastar das cobranças do
marido, do sogro e da sogra. Já os homens se sentem incomodados com a flexibilização
dos valores cultivados nas colônias japonesas no Brasil no contexto migratório.
Enquanto os homens demonstram o desejo de retornar ao Brasil por sentirem-me
menosprezados no país de seus antepassados, as mulheres não querem, porque no Japão
elas podem participar de esferas da vida pública, como o trabalho.
Pessar e Mahler (2001) mostram que o gênero atua não apenas no nível das
relações intersubjetivas, mas também no nível das instituições que lidam com a
migração e a mobilidade dos indivíduos. Um exemplo disso é o caso dos solicitantes de
asilo da Indonésia nos EUA. Enquanto as mulheres conseguem ter seu pedido de asilo
aprovado sob a justificativa de ter sofrido violência sexual, os homens indonésios que
apresentam a mesma justificativa têm seu pedido negado. Neste caso, a ideia que subjaz
à aprovação do pedido de asilo das mulheres e não e dos homens é de que as mulheres
são as únicas sujeitas a se tornarem vítimas desse tipo de violência, possivelmente
porque seriam mais frágeis e vulneráveis que os homens.
Ao longo do trabalho de campo, observei que sempre havia uma grande maioria
de homens nos eventos públicos que o/as estudantes costumam frequentar. Seria
precipitado afirmar que esta observação se deve ao fato de haver mais homens que
mulheres peruanas estudando no Rio de Janeiro. A única afirmação que posso fazer
36
Uma reflexão sobre a feminização da matrícula no Ensino Superior e a distribuição de homens e
mulheres entre as áreas de conhecimento ver Garavito (2005).
247
sobre esta observação é que há mais homens que mulheres ocupando os espaços
públicos de sociabilidade organizado pelos próprios peruanos. De todas as maneiras,
o/as estudantes avaliam que, na sociedade peruana, as pessoas tratam igual um homem e
uma mulher que saem do país para estudar. Leonardo, por exemplo, pondera que as
mulheres que saem do país são vistas como “corajosas” e “aventureiras”:
(As mulheres) não são malvistas não.. Para nada! Mas, se tem essa ideia de que se um homem vai
para fora, não vai ter muito problema. Mas, se uma mulher vai para estudar ou trabalhar fora, vai
ter muito problema porque não... porque o homem pode se virar de qualquer forma e a mulher não.
Mais ou menos temos essa ideia. Mas, não é malvista não. É vista corajosa. Aventureira...
Leonardo
Se, por um lado, “corajosa” e “aventureira” carregam uma conotação positiva,
nestes adjetivos subjaz a ideia de que sair do país é uma atividade arriscada. Uma
mulher que sai do país não tem sua reputação ameaçada, porém alguns estudantes creem
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que para uma mulher é mais difícil estar longe do Peru que para um homem. Eduardo,
por exemplo, avalia que esta dificuldade é devido às necessidades que a mulher tem de
se preocupar com sua proteção. Os homens podem “dormir em qualquer lugar, em
barraca”, por exemplo, mas as mulheres não. Elas, então, encontrariam mais
dificuldades para “se virar”, se adaptar a uma nova realidade. Walter concorda com
Eduardo e considera que as peruanas têm mais dificuldade de se adaptar à cultura
brasileira: do que ele observa entre as peruanas que conhece no Rio de Janeiro, elas
quase não interagem com brasileiros, são mais reservadas e sentem muita saudade de
casa.
Uma experiência marcante que deixou clara uma representação coletiva da mulher
como alguém que precisa de proteção quando se desloca vivi na viagem mais recente
que fiz ao Peru, em maio de 2013. Desta vez, passei 16 dias no Peru, sete deles viajando
sozinha pelas Serras Sul e Central do país. Por todos os lugares que passei, as pessoashomens e mulheres-, se surpreendiam com o fato de eu viajar sozinha. A surpresa era
maior ainda quando eu comentava que seguiria viagem por uma área ainda pouco
explorada turisticamente, como Andahuaylas e Ayacucho (local onde nasceu o
movimento Sendero Luminoso) e quando eu mencionava as viagens que fiz ao Peru
com meu marido. “Você está viajando sozinha? É casada? Seu marido deixou?” ou
“você não tem medo de viajar sozinha?” foram as perguntas que mais ouvi durante as
longas horas que passei nas estradas peruanas.
248
Se a sociedade peruana reconhece como positiva a experiência migratória das
mulheres, elas não devem ir a qualquer lugar, de qualquer jeito. O que Eduardo fala e
minha experiência no Peru reforçou é que as mulheres podem sim viajar, mas devem se
preocupar com uma gama maior de questões: sua viagem deve ser mais planejada e
calculada para que seja o menos arriscada possível. A ideia por trás dessa lógica é de
que as mulheres seriam mais vulneráveis, e por isso precisariam de uma maior estrutura
de acolhida por onde ela passa. Entretanto, esta não é uma representação unânime entre
os peruanos. Luis Fernando, por exemplo, não percebe nenhuma diferença entre o
homem e a mulher que saem do Peru. Para ele, ambos encontrarão dificuldades que
precisarão superar, opinião compartilhada por Gladys.
Assim, compreendendo a identidade como construída na relação entre sujeito e
sociedade, numa conexão entre o “interior” e o “exterior” (Hall, 2002), a experiência de
sair do Peru para estudar no Brasil permite que os estudantes elaborem formas de sentirPUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA
se peruano/a que associem elementos peruanos, mas também brasileiros. Na
aproximação com a sociedade receptora, o/as estudantes encontram um terreno fértil no
qual podem desenvolver mais autonomia da família e assumir responsabilidades.
Enquanto o estudante se forma- academicamente-, ele se transforma como indivíduo
que, a partir de determinadas condições, tomam decisões sobre seu presente e planejam
o futuro. Uma vez que “... a identidade é um lugar que se assume, uma costura de
posição e contexto, e não uma essência ou substância a ser examinada” (Hall, 2002, p.
16), o/as estudantes têm no trânsito propiciado pela mobilidade estudantil e pela
internacionalização da educação o lugar privilegiado através do qual se inserem no
mundo como indivíduos, profissionais, homens e mulheres que rejeitam prescrição de
um destino limitado e buscam alternativas mais amplas de vida.
A saída dos estudantes de um país e a entrada em outro deixa latente que
diferentes sociedades desenvolvem diferentes maneiras de dar sentido aos indivíduos.
Quando saem do Peru para o Brasil, os estudantes se deparam com o fato de que
precisam aprender a se posicionar na sociedade brasileira e, assim, integrar-se a ela.
Como um principiante, ele terá que aprender as regras do jogo que regem as relações
sociais no Brasil, para então, poder participar dela. Este processo de aprender as regras e
participar do jogo, através da socialização, exige necessariamente a capacidade de
adaptar-se e mudar- de um peruano no Peru, para um peruano no Brasil. Sem dúvidas,
não existe apenas uma maneira de considerar-se peruano, seja no Peru ou no Brasil. No
entanto, todas as mais distintas formas de sê-lo são permeadas pela inevitável e
249
irreversível capacidade humana de estar em constante mudança, se fazendo indivíduo a
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partir da relação com a sociedade, neste caso, brasileira e peruana.
7
Conclusão
A saída de peruanos de sua terra natal rumo ao Brasil se insere num
contexto em que o deslocamento internacional, em diferentes modalidades, ganha
um crescente valor. Cada vez mais, vivemos num mundo em que turistas,
empresários, trabalhadores, artistas, missionários e estudantes circulam pelo
mundo. Além das pessoas, capitais, informações e imagens também circulam. A
interconexão dos mercados para além das fronteiras nacionais, o fluxo de capitais,
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a internacionalização do processo produtivo (Sassen, 1998) são elementos que
caracterizam a dimensão econômica da globalização (Canclini, 2007). No entanto,
esta não é sua única face. A globalização é composta por múltiplas dimensões
(Beck, 1999), entre elas a cultural (Canclini, 2007), que se caracteriza pela
ampliação das possibilidades de intercâmbio internacionais entre as pessoas, suas
culturas e valores, através das migrações, da circulação mundial de informação, da
expansão do acesso às novas tecnologias de comunicação e ao transporte de alta
velocidade (Appadurai, 1996). É na sua fase globalizada que a modernidade
observa uma crescente diversificação dos descolamentos internacionais na sua
duração e periodicidade, assim como nas motivações, no local de origem e na
escolha do destino.
Contudo, as oportunidades que os indivíduos encontram para se inserir no
fluxo internacional de pessoas não estão igualmente distribuídas pela sociedade.
Bauman (1999), por exemplo, comenta que, no que ele chama de pósmodernidade, a mobilidade se tornou um valor, porém ela não é vivida da mesma
forma por todos. Tal fenômeno ocorre pois, enquanto para alguns a mobilidade é
uma decisão, uma escolha dentro de um leque de possibilidades, para outros ela é
uma obrigação, como única alternativa diante das precárias condições de vida que
enfrentam. Para os últimos, a mobilidade internacional é vivida como um
processo de desterritorialização, ou seja, uma negação de seu poder de se
apropriar cultural, política e simbolicamente do território (Haesbert, 2006).
251
Dentro da dinâmica da mobilidade internacional de pessoas, os estudantes
peruanos são um exemplo da diversificação das modalidades de deslocamento que
se expande com a globalização. Embora a saída de pessoas de países no
hemisfério sul rumo ao hemisfério norte seja a rota ainda predominante na
mobilidade internacional, os estudantes peruanos se deslocam dentro de seu
próprio continente, tendo como destino outro país do hemisfério sul, o Brasil.
Além de tomar uma rota ainda pouco percorrida tanto pelos imigrantes, em geral,
como pelos imigrantes peruanos, mais especificamente, os estudantes também se
diferem dos grandes fluxos de imigração por sua motivação. Enquanto grande
parte das pessoas deixa seus países por questões econômicas - em busca de
melhores condições e/ou oportunidades de trabalho dentro do capitalismo globalos jovens peruanos que participaram desta pesquisa têm o estudo como motivação
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principal para sair do país. Alguns deles, inclusive, já estavam empregados no
Peru antes de vir para o Brasil, mas consideraram positiva a ideia de deixar o
trabalho para adquirir uma formação acadêmica no exterior.
Estes jovens desenvolvem, através da mobilidade estudantil, um tipo de
viagem particular, que se distingue daquela realizada e vivida por aqueles que
saem do Peru em busca de trabalho. Apesar de alguns jovens nesta pesquisa terem
visto em estudar no Brasil a chance de escapar do desemprego ou de um trabalho
mal remunerado, sair do Peru e entrar no Brasil como estudante lhes proporciona
a oportunidade de viver no exterior sem assumir as responsabilidades e as
cobranças que um trabalhador imigrante enfrenta, tanto diante da sociedade de
origem, como de destino. Além disso, como estudante, os jovens peruanos
chegam ao Brasil com um visto temporário, que legaliza sua estadia no país, e
com uma vaga numa universidade de renome, onde têm a oportunidade de
conviver com as camadas médias brasileiras. Os estudantes vivenciam uma
cultura de viagem particular (Clifford, 1997), em que predomina a noção de que
sua presença no Brasil- e sua ausência no Peru- é passageira, temporária,
delimitada pelo duração do curso. Como estudantes, eles têm a chance de
experimentar uma experiência migratória sem ter que arcar com os custosemocionais, materiais e subjetivos- de ser um imigrante.
A saída dos jovens peruanos como estudantes tem como ponto central os
vínculos sociais que conseguem acionar dentro de suas redes de relações que,
252
entremeadas com o campo de possibilidades em que (re)elaboram e (re)avaliam
seus projetos, tornam a vinda para o Brasil uma realidade. Longe de ser uma
decisão aleatória e isolada, a mobilidade estudantil desses jovens acontece de
acordo elementos objetivos e subjetivos, envolvendo assim tanto aspectos
estruturais quanto a agência individual. Na sua vida, os jovens peruanos
encontram no seu campo de possibilidades (Velho, 1999), uma sociedade que
valoriza o ensino superior e que, ao longo da sua história, depositou nele a
esperança de uma ascensão social, para as camadas mais baixas, e uma estratégia
para reproduzir ou renovar certo capital cultural, para as camadas médias e altas.
As motivações para sair do país como estudante universitário variam, mas
em todos os casos, o estudo é, senão o principal motivo, é uma maneira que
encontraram para viabilizar a saída do país. Para alguns, ir para o exterior tem
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como principal combustível a curiosidade, a inquietação de conhecer realidades
diferentes. Para outros, principalmente os que já estavam inseridos no mercado de
trabalho, sair do Peru é uma oportunidade de vislumbrar novos horizontes no
campo profissional ou lidar com as demandas do mercado de trabalho por mais
qualificação. Estes jovens perceberam, diante das exigências do mercado de
trabalho nacional, que um diploma estrangeiro tem mais prestígio que um
peruano. Outros estavam insatisfeitos com a dinâmica do emprego que tinham.
Em quase todos estes casos, a insatisfação não era com a remuneração, mas com
as condições de trabalho, sua intensidade e sua duração. Há ainda aqueles que se
formaram em carreiras de difícil inserção no mercado de trabalho nacional e
decidiram ingressar numa pós-graduação no exterior visando encontrar
oportunidades de trabalho na sua área de formação, seja no Brasil ou em outro
país estrangeiro.
Estes jovens têm em comum o fato de identificarem na saída do país de
origem uma oportunidade para trilhar novos caminhos, não apenas geográficos,
mas também profissionais, pessoais, sentimentais e subjetivos. A saída do Peru é
permeada por múltiplos elementos que se mesclam enquanto os jovens elaboram
seus projetos e agem segundo eles. No Peru, todos eles tinham tido contato com o
exterior, principalmente através da relação com parentes e amigos que estão fora
do país e pelo acesso a produtos da indústria cultural internacional, como filmes e
música norte-americanos. O movimento de pessoas e de imagens abre um espaço
253
privilegiado para o trabalho de imaginação (Appadurai, 1996), impactando a
maneira como os jovens percebem a si mesmos, como parte de uma comunidade
que ultrapassa as fronteiras nacionais, e o mundo. Para eles, a mobilidade
internacional representa uma chance de preencher as múltiplas expectativas que a
sociedade peruana sozinha foi incapaz de corresponder. Baseada na esperança de
mudança, ela representa a busca dos jovens peruanos por novos horizontes e por
uma gama mais ampla de possibilidades.
Sayad (1998) nos alerta que todo movimento de imigração é também uma
emigração, ou seja, a chegada num lugar pressupõe a saída de outro. O
deslocamento dos jovens peruanos não seria completo se não houvesse um
destino. Para nenhum deles, o Brasil era o país no topo da lista de destinos
internacionais para onde gostariam de ir. Entre os que já tinham um desejo de sair
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do Peru, o destino sonhado incluía países do hemisfério norte, predominantemente
os EUA, mas também Alemanha, Espanha e Rússia. Para eles, o Brasil era um
país desconhecido e distante no mapa imaginário dos peruanos.
A escolha do Brasil foi, assim, uma construção que teve como principal eixo
as redes nas quais os jovens estavam inseridos. Através delas, eles souberam de
casos de peruanos que estudaram no Brasil ou se comunicaram com professores,
colegas de trabalho e familiares que sugeriram o destino. Os jovens que não
contavam com tais redes, buscaram diretamente na Embaixada do Brasil no Peru
informações sobre as oportunidades de bolsa para ingressar numa universidade
brasileira. Neste processo de escolha, os jovens e suas redes assumiram o papel
central na concretização de uma mobilidade estudantil, como mostramos no
capítulo 2, muito mais que instituições e organizações oficiais peruanas e
brasileiras, como vimos nos capítulos 3 e 4.
Enquanto as redes foram fundamentais por despertar nos jovens peruanos o
interesse em saber mais sobre o Brasil, as novelas brasileiras transmitidas no Peru
desempenharam o papel estratégico de convencê-los de que o Brasil era um
destino atraente não apenas para adquirir um diploma de graduação ou pósgraduação, mas também para se viver, para estabelecer uma nova sociabilidade e
se relacionar amorosamente. E dentro do Brasil, o Rio de Janeiro se destaca como
"cartão postal" e "porta de entrada" do país. As paisagens das novelas, que têm
como principal cenário a área mais nobre da cidade do Rio de Janeiro, se somam à
254
fama do futebol e do carnaval brasileiros na elaboração de uma imagem
internacional do Brasil como um verdadeiro paraíso. Um lugar com belas praias,
um povo descontraído e mulheres deslumbrantes. Como analisamos no capítulo 4,
as novelas se encarregam de apresentar o Brasil ao Peru, aproximando o país
vizinho do imaginário peruano e criando uma conexão entre os dois países sem a
mediação de países do norte, como os EUA. Foi através delas que os jovens
peruanos construíram suas primeiras ideias de como seria sua vida no Brasil. No
entanto, a imagem de Brasil que as novelas oferecem é limitada, estereotipada e
não apresenta toda diversidade do país.
Ainda no capítulo 4, analisamos que a imagem de Brasil que os jovens
tinham antes de chegar no Rio de Janeiro se confronta com a realidade que vivem
na cidade. Os estudantes descobrem aqui uma cidade que, diferente das novelas, é
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composta por uma grande diversidade, com, áreas nobres, mas também bairros de
classe média, média baixa e pobres, como as favelas que muitos comparam com
os Conos, onde alguns deles viviam. Os estudantes se deparam com um Rio de
Janeiro que, na sua percepção, se distingue daquele vivido pelo turista. Enquanto
o turista tem uma experiência superficial com a cidade, vendo só o que ela tem de
belo, os estudantes acreditam que conhecem o Rio de Janeiro de maneira mais
profunda, o que foi possível devido à sua vivência cotidiana na cidade que
envolve, entre outros elementos, aprender português, lidar com um sistema de
ensino diferente do peruano, administrar suas finanças, cuidar de sua saúde,
manter regularizado seu status legal, ter um bom desempenho acadêmico,
interagir com os cariocas e, além de tudo, lidar com a saudade do Peru, dos
amigos, da família, e, sobretudo, da comida, como acompanhamos no capítulo 5.
Na experiência migratória- conjunto de vivências experimentadas por
indivíduo num contexto de deslocamento territorial - os estudantes peruanos
repensam seu lugar na sociedade peruana, na brasileira e no mundo, como homens
e mulheres que agem prospectivamente. Enquanto se remetem ao futuro, eles
vivem profundas transformações no seu presente no Rio de Janeiro, que
ultrapassam a dimensão física do deslocamento e alcançam a subjetividade.
Como acompanhamos no capítulo 6, no encontro entre as maneiras peruanas e
brasileiras de estudar, trabalhar, se relacionar e namorar, os estudantes alcançam a
oportunidade de lançar um olhar crítico sobre as duas realidades a ponto de, em
255
muitos casos, serem capazes de desnaturalizar aspectos do modo de ser peruano e
brasileiro que eram vistos por muitos deles como inatos e inevitáveis. É assim que
a experiência migratória deixa nos jovens profundas marcas, não apenas em seus
currículos, mas também em sua forma de pensar, de agir e de se perceber como
indivíduo no mundo.
Estes jovens deixam claro que a experiência que vivem no Rio de Janeiro
não se limita ao espaço da universidade e da sala de aula; suas consequências e
implicações ultrapassam a esfera da vida acadêmica, do currículo e da profissão.
Enquanto estudam, eles vivem a cidade e suas transformações. Percebem, por
exemplo, o aumento do custo de itens, como a comida e a moradia. No Rio de
Janeiro, os jovens peruanos também precisam lidar com as imagens e os
estereótipos que cariocas e brasileiros têm do Peru e dos peruanos, descobrindo,
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assim, a limitada visão da sociedade receptora em geral sobre o seu país de
origem e os países latino-americanos. É neste cenário que muitos estudantes se
encarregam de (re)afirmar uma identidade nacional, construindo no Rio de Janeiro
espaços onde podem (re)viver formas de sociabilidade semelhantes às que viviam
no Peru, principalmente em torno da comida e da dança.
Movidos por diferentes projetos, os jovens peruanos fazem da mobilidade
estudantil uma maneira de experimentar no exterior outras possibilidades de vida.
Apesar dos projetos terem na sua constituição um aspecto de racionalidade, a
realização deles ultrapassa os limites do planejamento e é permeada pela
imprevisibilidade. Um dos elementos menos previsíveis nesta mobilidade é o
retorno. Como um tipo de deslocamento jurídico e socialmente representado como
temporário, a expectativa de retorno ao Peru é, portanto, um elemento constitutivo
da condição do estudante estrangeiro. Entretanto, os jovens peruanos percebem
que, enquanto estudam e vivem no Rio de Janeiro, a capacidade que têm de prever
o futuro e garantir o retorno é limitada e constantemente colocada em xeque pelas
oportunidades encontradas no exterior. Alguns deles, por exemplo, chegaram ao
Rio de Janeiro decididos que voltariam para o Peru. Porém, muito/as mudam de
planos quando encontram um emprego no Brasil, percebem que já não se adaptam
à realidade peruana ou se apaixonam por um/a brasileiro/a.
Neste sentido, os projetos são constantemente (re)avaliados de acordo a
experiência migratória e (re)construídos diante do nível de imprevisibilidade que
256
a vida no exterior, entre o Brasil e o Peru, apresenta. Apesar da ênfase que demos
neste trabalho aos jovens como sujeitos que protagonizam o deslocamento, a
família desempenha um papel fundamental neste processo. Mais do que uma
estratégia individual, a mobilidade estudantil se fundamenta em princípios e
valores que têm na família o seu lugar de desenvolvimento.
Como vimos nos capítulos 3 e 6, a sociedade peruana tem na família seu
centro de sustentação e é nela que os jovens aprenderam suas principais
referências como indivíduos. É nas festas em família que os jovens aprendem a
dançar e a ouvir ritmos peruanos e latinos. São nos tradicionais almoços de
domingo que as famílias reforçam seus laços afetivos, tendo a comida como
mediadora. E é também em família que os jovens se deparam com as expectativas
da sociedade peruanas em relação à qual profissão seguir, em que idade casar,
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quando ter filhos. Assim, os jovens nutrem um sentimento ambíguo em relação à
família, pois, ao mesmo tempo em que ela acolhe, ela também cobra e pressiona.
Ao mesmo tempo em que sentem saudade dela, eles também reconhecem as
vantagens de estar distantes dela.
P'a crecer en la vida é uma expressão que resume os múltiplos sentidos
atribuídos à experiência de sair do país como um estudante. Diferentemente
daqueles que saem do país como trabalhadores não-qualificados, fenômeno
difundido na realidade peruana, os estudantes são vistos pela família e pela
sociedade peruanas como indivíduos que saem do país em busca de algo melhor,
de um futuro que o Peru não poderia oferecer e que, assim, encontram a chance de
"crecer". Neste caso, crecer tem como principal conotação encontrar
oportunidades que permitam uma ascensão social, para aqueles oriundos das
classes baixas, ou a manutenção de sua posição social, para as classes médias
empobrecidas pelas crises.
Para os jovens peruanos, sair do país como estudante também nutre uma
expectativa de "crecer en la vida". Para eles, entretanto, esta expressão ganha
significados e contornos particulares, envolvendo aspectos mais amplos da vida e
tendo como principal objetivo não a conservação de determinada posição social,
mas sim a construção de novos horizontes que lhes permitam se inserir no Peru,
no Brasil e no mundo de forma socialmente mais valorizada e autônoma, ou seja,
com menos influência da família e da sociedade. Em outras palavras, "crecer en la
257
vida" para os jovens peruanos significa negociar com as hierarquias nacionaisperuanas e brasileiras- e internacionais através da mobilidade estudantil,
reivindicando o seu reconhecimento com indivíduos qualificados para ocupar um
posto de trabalho, como cidadãos de direitos, atores que elaboram culturas e
também capazes de tomar decisões sobre a própria vida.
Apesar de ainda preteridos nos estudos sobre a mobilidade internacional, os
estudantes desenvolvem um tipo de deslocamento que deixa profundas marcas na
sua trajetória acadêmica e pessoal. Distantes do Peru e inseridos como estudantes
no Rio de Janeiro, eles encontram uma oportunidade de se repensarem como
estudantes, profissionais em formação e também indivíduos em busca de novas
alternativas de vida, como por exemplo, escapar da pressão da sociedade peruana
para casar e ter filhos para então serem reconhecidos como adultos completos. Se
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tornar um estudante no Brasil coloca em suspenso para estes jovens as
expectativas socialmente compartilhadas no Peru.
Enquanto estudam, eles
descobrem outras possibilidades de futuro, mais diversas do que aquelas que
vislumbravam no seu país de origem. E a partir destas novas possibilidades, os
jovens encontram um espaço para se reconhecerem como sujeitos com mais
autonomia.
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277
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Glossário
Barriada
ocupações de terrenos não-habitados da periferia de Lima.
Cajón
instrumento musical afroperuano de percussão.
Ceviche
prato peruano feito com peixe marinado em limão, pimenta e cebola roxa.
Chicha morada
bebida feita de milho roxo.
Cholo
termo referente à miscigenação entre branco e índio em que prevalece marcas
indígenas.
Choque y fuga
relação amorosa efêmera que se assemelha ao ficar.
Confianza
relação de intimidade e profunda familiaridade que serve de base
para a amizade.
Cono
Bairros populares da região metropolitana de Lima formados por ocupações.
Consejo de Consulta
representação da sociedade civil peruana no exterior em cada Consulado .
Criollo
tem como significado original os descendentes dos colonizadores espanhóis
nascidos na colônia.
Cumbia
estilo musical de origem afro-colombiana que se popularizou no Peru.
Festejo
estilo de música e dança afroperuano carecterizado por uma cadência
agitada e efusiva.
Huayno
Gênero musical típico dos Andes de origens indígenas.
Lomo saltado
Picadinho de carne com cebola e tomate, temperados com cebolinha e
molho shoyo.
Marinera
Música e dança peruanas imponentes cujo nome é uma homenagem aos
marinherosque luturam contra o Chile a guerra do Pacífico. Nos anos 60,
ela se tornou o símbolo nacional. A dança é elegante, com passos firmes
e acentuados. Ela é a dança mais aclamada nos festas peruanas no Rio
de Janeiro.
Merengue
estilo musical de origem caribenha popular no Peru
Mestizo
se refere à miscigenação entre diferentes raças.
Música Criolla
Gama de ritmos típico do litoral peruana que reune influências espanholas,
negras, ciganas e indigenas incluindo ritmos como o vals (valsa peruana)
e a marinera.
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278
Noches de Sol
Noites de Sol. Festa latina organizada no Rio de Janeiro por um estudante
Peruano
Peña
Locais onde se apresentam grupos que tocam estilos musicais típicos do
litoral peruano, às vezes acompanhados por pratos e danças da região.
Os espaços das peñas são muito populares em Lima.
Pituco
se refere às elites peruanas e seu estilo de vida e remente à tensão
entre elas e as classes mais baixas.
Reggaeton
estilo de música e dança popular entre os jovens que simula a prática sexual.
Tondero
estilo de música e dança de origem camponesa que simula a sedução entre
o galo e galinha.
Valentina
Tipo de festejo instrumental muito vibrante, dançado exclusivamente por
mulheres.A dança se desenrola como uma competição entre os
percussionistas e as dançarinas,
Valicha
Canção do estilo huayno, que conta uma história de amor de um casalum espanhol e Valeriana, índia cusquenha.
279
Anexos
Anexo 1
Me Gritaron Negra
Victoria Santa Cruz
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Tenia siete años apenas, apenas siete años…
Qué siete años?
No llegaba a cinco siquiera
APLAUSOS
De pronto unas vozes en la calle me gritaron negra
NEGRA
Soy acaso negra me dije?
SI
Qué cosa es ser negra?
NEGRA
Y yo no sabia la triste verdad que aquello escondía
NEGRA
Y me sentí negra
NEGRA
Como ellos decían
NEGRA
Y retrocedí
NEGRA
Como ellos querían
NEGRA
Y odié mis cabellos y mis labios gruesos
Y miré apenada mi carne tostada y retrocedí
NEGRA
Y retrocedí
NEGRA
Y pasaba el tiempo … y siempre amargada …
seguía llevando a mi espalda mi pesada carga…
Y como pesaaa.aaba
APLAUSOS
Me alacié el cabello
Me polvie la cara
Y entre mis entrañas siempre resonaba la misma palabra
NEGRA
Hasta que un dia que retrocedía retrocedía
280
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Y que iba a caer …
NEGRA
Y qué ?
Y qué ?
*NEGRA
Si
NEGRA
soy
NEGRA
Negra
NEGRA
Negra soy
Y hoy en adelante no quiero … laciar mi cabello
NO QUIERO
Y voy a reirme de aquellos que por evitar según ellos
Que por evitarnos algún sin sabor
Llaman a los negros gente de color
Y de qué color ?
NEGRO
Y que lindo suena
NEGRO
Y que ritmo tiene
Al fin
Al fin comprendí
AL FIN
Ya no retrocedo
AL FIN
Y avanzo segura
AL FIN
Avanzo y espero
AL FIN
Y bendigo al cielo porque quiso Dios
Que negro azabache fuese mi color
Y ya comprendí
AL FIN
Ya tengo la llave
NEGRO
¡ NEGRA SOY !!!
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Anneo 2
I Encontro Brasil-Peru: conexões entre as culturas negras. Evento organizado pelo Grupo Sayari Danzas Peruanas discutindo a presença negra
nas culturas brasileiras e peruanas. 2012. Arcevo Pessoal
282
Anexo 3
Roteiro de Entrevista
(entrevista presencial)
Dados Pessoais
1. Nome:
2. Idade:
3. Profissão:
4. Escolaridade:
5. Local de nascimento:
6. Local onde viveu antes de vir para o Brasil
7. Estado civil:
8. Se casado, qual é a nacionalidade do cônjuge?
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9. Tem filhos? Quantos anos eles têm? qual nacionalidade
10. Há quanto tempo você está no Brasil? E no Rio de Janeiro?
11. Antes de vir ao Brasil, você já morou em outro país estrangeiro? Qual?
Antes de vir para o Brasil
12. Com quantos anos você entrou na universidade?
13. Na sua família, havia outras pessoas já formadas em universidades?
14. Você já tinha pensando em sair do Peru para estudar? Por que? Para onde pensou ir?
15. Como você escolheu a carreira que estudaria no Peru?
16. Você chegou imaginar a não fazer faculdade? Por que?
17. Qual era a proporção de homens e mulheres na sua turma da faculdade? Eles
se dão bem?
18. Como foi o processo de entrar na faculdade?
19. Sua universidade era pública ou privada? (Se privada), quem custeou seu curso?
20. O que você pretendia fazer depois que se formasse?
21. Você já trabalhou no Peru na sua área de formação? Como conseguiu o emprego?
283
22. Como surgiu a idéia de vir para o Brasil? Por que o Rio de Janeiro?
23. Como você veio (PEC’s, conta própria, bolsa)?
24. O que sua família e amigos acharam da sua decisão de vir para o Brasil?
25. Seus pais e irmãos fizeram faculdade? De quê?
26. Você recebeu alguma ajuda financeira da sua família para vir para o Brasil?
27. Em algum momento, você sentiu medo de sair do Peru? De que?
28. Conseguiu superar o medo? Como?
29. Qual era sua maior preocupação em sair do Peru para vir ao Brasil?
Fase de estudo no Rio de Janeiro
30. Você teve alguma ajuda para se instalar na cidade? De quem?
31. O que você achou do Rio de Janeiro nos seus primeiros meses na cidade?
32. O que o Rio tem de mais diferente do Peru? Você conseguiu se adaptar às diPUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB
ferenças?
33. E a universidade onde você veio estudar, ela se difere da universidade onde
você estudou no Peru? Em que? Teve dificuldade?
34. Qual é a proporção de homens e mulheres no seu curso no Rio de Janeiro?
35. Homens e mulheres se dão bem?
36. Quando você chegou ao Rio, você sentia falta do Peru? De que?
37. Como você lida com isso?
38. Em algum momento, você pensou em desistir de estudar no Rio e voltar para o
Peru? Por quê?
39. Quais são as maiores dificuldades em estar longe do Peru e estudar no Rio de
Janeiro?
40. Você acha que vale a pena estudar no Brasil? Por quê?
41. Como você imaginava sua vida no Rio de Janeiro? E com sua vida é de fato?
42. Do que você gosta do Rio? Do que você menos gosta?
43. Você estudaria em outro lugar do Brasil? Qual? Por quê?
44. Seus familiares e amigos do Peru já vieram te visitar no Rio? O que eles acharam da cidade?
45. Como eles imaginam sua vida no Rio de Janeiro?
46. Você costuma manter contato com eles? Como?
Fase de decisão entre ficar no Brasil, voltar para o Peru
284
(Para quem ainda está estudando e ainda não decidiu)
47. Quando você terminar seu curso, o que você pretende fazer?
48. Você prefere voltar para o Peru, ficar no Brasil ou ir para um terceiro país?
Por quê?
49. Em qual país você acredita que poderia se desenvolver mais na sua carreira?
Por quê?
50. Em qual país você acredita que poderia ser mais feliz? Por quê?
51. O que você imagina que sua família e amigos achariam se você decidisse não
voltar para o Peru depois de se formar?
52. Dos peruanos que você já conheceu no Rio, eles voltaram para o Peru ou ficaram no Brasil? O que eles fazem hoje?
53. Quais foram os pontos positivos de ter vindo estudar no Brasil?E os negati-
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vos?
Para quem já reside no Rio de Janeiro:
54. Quando você veio estudar no Rio, já planejavam não voltar para o Peru?
55. Depois que terminou o curso, o que você fez para continuar no Rio? Você
conseguiu visto para permanecer no país?
56. Por que não voltou para o Peru?
57. Você acha que foi uma boa decisão ficar no Brasil? Por quê?
58. Você trabalha hoje? Em que?
59. Você encontrou dificuldades em trabalhar no Brasil? Por quê?
60. Quais são os pontos positivos de morar no Brasil? E os negativos?
Percepção sobre as relações de gênero
61. Você acha existe diferença entre um peruano e uma peruana vir morar no Brasil? Qual?
62. Você acha que é mais difícil para um peruano ou uma peruana sair do Peru?
Por quê?
63. Você percebe diferenças entre uma peruana e uma brasileira:
a) na universidade
b) no trabalho
c) na família
d) no namoro
285
64. Você percebe diferenças entre um peruano e um brasileiro:
e) na universidade
f) no trabalho
g) na família
h) no namoro
***
Roteiro de Entrevista (internet)
Pesquisa de doutorado sobre estudantes e ex-estudantes universitários peruanos no
Brasil
1. Nome:
Idade:
2. Nacionalidade:
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3. Estado de origem:
Cidade de Origem:
4. Profissão:
5. Estado Civil:
Nacionalidade do cônjuge, se houver:
6. Há quanto tempo você mora no Brasil? Em que cidade mora?
7. Como você veio estudar no Brasil? Veio por conta própria ou através de
convênio? Se veio por convênio, qual?
8. Como foi o processo de seleção para ingressar na universidade brasileira?
Em que universidade estudou? Que curso fez?
9. Você já conhecia alguém que morava ou estudava no Brasil? Essa pessoa
te ajudou a vir para cá?
10. Por que você decidiu sair do Peru?
11. Por que você escolheu o Brasil?
12. Antes de vir ao Brasil, você já havia pensado ou morado em outro país?
Qual? Por que não foi estudar lá?
13. Você pensou em voltar ao Peru quando terminou os estudos no Brasil? Por
que decidiu continuar aqui?
14. Você acha que foi uma boa decisão vir para o Brasil estudar/morar? Por
que?
286
15. Hoje, você voltaria a morar no Peru? Por que?
16. Quais são os pontos positivos de morar no Brasil? E os negativos?
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17. Você se considera um imigrante? Por que?
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Anexo 4
Revista Virtual Nativos. Reportagem que escrevi sobre a Copa Peru-Rio 2011 Edição Ago/dez 2011.
288
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Anexo 5
Universidad Nacional del Altiplano- Puno. Aluno caminhando pelo
campus da universidade. Setembro de 2012. Acervo pessoal.
Universidad Nacional del Altiplano- Puno . Paredes dos corredores
abertos da Universidade. Setembro de 2012. Arcevo pessoal.
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289
Pontificia Universidad Catolica del Perú. Gramado na área de entrada da. Junho de 2011. Acervo pessoal.
Pontificia Universidad Catolica del Perú. Pátio que dá acesso ao Departamento
de Ciências Sociais. Junho de 2011. Acervo Pessoal.
290
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Anexo 6
Carta enviada pelas sociedades científicas da área em ciências sociais (ANPOCS,
ABA, ABCP, SBS e ABRI) ao CNPq sobre a ausência de vagas do programa Ciência Sem Fronteiras aos estudantes das áreas de ciências sociais.
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291
Resposta do CNPq à carta enviada pelas sociedades científicas em ciências sociais
sobre o programa Ciência sem Fronteiras.
292
Anexo 7
Ano de assinatura de convênios em educaçãoe cultura entre o Peru e países da
Europa Oriental na década de 1970
País
Ano
Bulgária
1975
Checoslováquia
1974
Hungria
1978
Polônia
1970
Rússia
1978
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Fonte: OCI, 2011
Ano de assinatura de convênios em educação e cultura entre o Peru e países
da América Latina na década de 1970
País
Bolívia
1975
Colômbia
1974
Cuba
1973
Chile
1978
Costa Rica
1977
El Salvador
1977
Guatemala
1978
Hondura
1977
México
1978
Nicarágua
1978
Venezuela
1977
Fonte: OCI, 2011
Ano
293
Anexo 8
País Tropical
Jorge Ben Jor
Moro num país tropical, abençoado por Deus
E bonito por natureza, mas que beleza
Em fevereiro (em fevereiro)
Tem carnaval (tem carnaval)
Tenho um fusca e um violão
Sou Flamengo
Tenho uma nêga
Chamada Tereza
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Sambaby
Sambaby
Sou um menino de mentalidade mediana
Pois é, mas assim mesmo sou feliz da vida
Pois eu não devo nada a ninguém
Pois é, pois eu sou feliz
Muito feliz comigo mesmo
Moro num país tropical, abençoado por Deus
E bonito por natureza, mas que beleza
Em fevereiro (em fevereiro)
Tem carnaval (tem carnaval)
Tenho um fusca e um violão
Sou Flamengo
Tenho uma nêga
Chamada Tereza
Sambaby
Sambaby
Eu posso não ser um band leader
Pois é, mas assim mesmo lá em casa
Todos meus amigos, meus camaradinhas me respeitam
Pois é, essa é a razão da simpatia
Do poder, do algo mais e da alegria
Sou Flamê
Tê uma nê
Chamá Terê
Sou Flamê
Tê uma nê
Chamá Terê
Do meu Brasil
Sou Flamengo
E tenho uma nêga
Chamada Tereza
Sou Flamengo
294
E tenho uma nêga
Chamada Tereza
Garota de Ipanema
Tom Jobim
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
No doce balanço, a caminho do mar
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Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar
Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
Que também passa sozinha
Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor
295
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Anexo 9
Grupo Sayari Danzas Peruanas. Diana e Cristian e Evelyn e Alfredo em trajes de Tondero. 2011. Foto: Grupo Sayari Danzas Peruanas.
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296
Grupo Sayari Danzas Peruana e Grupo Negro Mendes. Tondero dançado por Camila e
Tondero "San MIguel de Morro[on" tocado pelo Grupo Negro Mendes e dançado por
Alfredo (grupo Sayari Danzas Peruanas) no show de comemoração dos 10 anos do
Camila
e Alfredo
(grupo
Sayari
Danzas
no show
de comemoração dos 10
Grupo Negro
Mendes.
2012.
Foto:
GrupoPeruanas)
Sayari Danzas
Peruanas.
anos do Grupo Negro Mendes. 2012. Foto: Grupo Sayari Danzas Peruanas.
Grupo Sayari Danzas Peruanas. Tondero apresentado por Cristian e Evelyn na festa do
Señor de los MIlagros de 2011. Foto: Grupo Sayari Danzas Peruanas.

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