Camila Daniel Título da Tese: P`a crecer en la vida
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Camila Daniel Título da Tese: P`a crecer en la vida
Camila Daniel P’A CRECER EN LA VIDA: a experiência migratória de jovens peruanos no Rio de Janeiro PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de doutor em Ciências Sociais. Orientadora: Profa. Sonia Maria Giacomini Co-orientador:Prof. Helion Póvoa Neto Rio de Janeiro Setembro de 2013 Camila Daniel P'a crecer en la vida: a experiência migratória de jovens peruanos no Rio de Janeiro Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de PósGraduação em Ciências Sociais do Departamento de Ciências Sociais do Centro de Ciências Sociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Prof. Sonia Maria Giacomini Orientadora Departamento de Ciências Sociais – PUC-Rio Prof. Helion Póvoa Neto Co-Orientador UFRJ Profa. Miriam de Oliveira Santos UFRRJ Prof. Marcos Cueto Caballero FIOCRUZ Profa. Carolina Moulin PUC-Rio Prof. Valter Sinder PUC-Rio Profa. Mônica Herz Coordenadora Setorial do Centro de Ciências Sociais – PUC-Rio Rio de Janeiro, 06 de setembro de 2013 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e da orientadora. Camila Daniel PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Graduação em Ciências Sociais pela UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense) em 2006. Mestre em Ciências Sociais pela UERJ, tendo concluído o curso em 2009. Professora da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Integrante do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM), atua na área de mobilidades internacionais, com ênfase nas migrações latinoamericanas no Brasil. Ficha Catalográfica Daniel, Camila P’a crecer em La vida: a experiência migratória de jovens peruanos no Rio de Janeiro / Camila Daniel ; orientador: Sonia Maria Giacomini ; co-orientador: Helion Póvoa Neto. – 2013. 296 f. : il. (color.) ; 30 cm Tese (doutorado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Ciências Sociais, 2013. Inclui bibliografia 1. Ciências Sociais – Teses. 2. Experiência migratória. 3. Mobilidade estudantil. 4. Brasil. I. Giacomini, Sonia Maria. II. Póvoa Neto, Helion. III. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Ciências Sociais. IV. Título. CDD: 300 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA A Leandro, pela companhia na jornada e por fazer desse trabalho nosso projeto familiar. Agradecimentos Primeiramente a Deus, alfa e ômega, que no alto da sua onisciência, tem tornado meus sonhos realidade. À toda minha família, pelo carinho. À PUC-Rio, pelo auxílio concedido. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA À Profa. Sonia Giacomini e ao Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-RJ que me deram a oportunidade de desenvolver este projeto. À banca examinadora, pelas valiosas contribuições. Aos professores Edward e Anke Dew, que há 11 anos me apoiaram na jornada acadêmica e foram os primeiros a me aproximarem do Peru. Ao Prof. Enrique Mayer, por toda generosidade em me ajudar a me integrar à cultura peruana. Ao Prof. Hélion Póvoa Neto pela co-orientação e por me receber na disciplina “Políticas de imigração no Brasil”. Muito obrigada por todo carinho e pelo cuidado em me acompanhar por todo caminho desde quando a tese era ainda só um sonho distante. A todos os amigos do NIEM por me ajudar em minhas dúvidas e inquietações e me resgataram da solidão que o trabalho acadêmico impõe. Um agradecimento especial à Miriam Santos, por todo incentivo pelas reflexões e pelas preciosas sugestões de bibliografias. Aos amigos Ágatha, Dulce, Jefferson, Jader, Dulce, Sílvia, Klênio, Juliana e Carol, por fazerem parte da minha vida. Aos meus amigos da UFRRJ-ITR Andreza, Paulo, Annelise, Hernan, Zé Rodrigues e Fernanda, que acompanharam minha caminhada e com quem pude compartilhar minha admiração pelo Peru. A todos os peruanos no Rio de Janeiro que gentilmente me aceitaram como parte de suas vidas. Ao me ensinar sobre seu país e sua cultura, me levaram a refletir sobre meu país, minha cultura e em quem eu sou. Um agradecimento especial a Báslavi, Karina, Alfredo, Azucena, Daniela, Omar, Ricardo, Farith, Claudia, Nollan, Javier, Glória, Eveline, Carmem, Arnold, Edwin e Cristian, pelos grandes amigos que se tornaram e por me ensinarem a dançarsalsa, merengue, tondero, festejo-, a gostar de música "latina", a falar espanhol com sotaque peruano e a me permitir viver o Peru no Rio de Janeiro. Ao Consulado Geral do Peru no Rio de Janeiro, pelo apoio e disposição em contribuir com meu trabalho. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA A Victor e Paola, por me aceitar como parte de sua família, me acolhendo em sua casa em Lima 5 das 6 vezes que estive no país. Obrigada pelo entusiasmo em me receber e de fazer de Magdalena del Mar minha casa no Peru. Resumo Daniel, Camila; Giacomini, Sonia Maria. P'a crecer en la vida: a experiência migratória de jovens peruanos no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013. 296p. Tese de Doutorado - Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este trabalho tem como foco analisar a experiência migratória de jovens peruanos que se dirigem ao Brasil como estudantes universitários. Entendendo a experiência migratória como um conjunto de vivências proporcionadas pelo deslocamento por diferentes espaços geográficos e simbólicos concomitantemente, a tese examina os significados que preenchem de sentido a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA mobilidade estudantil internacional. Baseando-se no método etnográfico, que tem na intersubjetividade uma condição para produção de conhecimento, a presente pesquisa analisa como os estudantes se apropriam das condições oferecidas pela sociedade peruana e brasileira para a realização deste tipo particular de mobilidade. Quando ainda estão no Peru, os jovens descobrem através de suas redes as oportunidades de estudar no Brasil, um país próximo geograficamente, mas distante culturalmente. No país de destino, as redes apoiam a adaptação dos jovens à vida cotidiana no Rio de Janeiro. Se tornar um estudante no exterior é a estratégia que os jovens peruanos elaboram para se integrar ao fluxo internacional de pessoas de forma mais socialmente prestigiada, lidando com as hierarquias de poder da sociedade peruana, que atribuem um maior valor àqueles que já viveram no exterior. Negociando com as condições estruturais dentro e fora do seu país, estes jovens encontram na mobilidade estudantil uma oportunidade para almejar novos horizontes. Neste processo, os jovens peruanos encontram um terreno fértil para (re)pensar a si mesmos, seu país de origem, o destino e o mundo. Palavras-chave Experiência migratória; mobilidade estudantil; Brasil. Abstract Daniel, Camila; Giacomini, Sonia Maria (Advisor). P'a crecer en la vida: the migratory experience of Peruvian young people in Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2013. 296p. PhD thesis - Departamento de Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. This work aims to analyze the migratory experience of Peruvian young people who go to Brazil as university students. Understanding the migratory experience as a set of experiences provided by displacement towards different geographical, and symbolic space concomitantly, this thesis examines the meanings that give a sense to international student mobility. Through PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA ethnographic method, which consider intersubjectivity as inherent to knowledge production, the present study examines how peruvian students appropriate the conditions that Brazilian and Peruvian society offers to make this specific kind of mobility possible. Still in Peru, their network inform them about oportunities to study in Brazil, a country that is geographic close, but cultural distant from them. Once peruvian students arrive there, network in Brazil uphold their adaption to everyday life in Rio de Janeiro. To become an international student is a strategy that Peruvian young people ellaborate to be integrated into international people flow in a more prestigious way. In this process, they deal with power hierarchy of Peruvian society, that attribute greater valeu to those who have lived abroad. Negotiating against structural conditions in and outside their homecountry, these young people find in student mobility an opportunity to crave new horizons. In such process, they find a fruitful terrain to (re)think themselves, their homeland, the destination and the world. Keywords Migratory experience; student mobility; Brazil. Sumário 1. Introdução 16 2. A imigração peruana no Rio de Janeiro 44 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 2.1. Copa Peru-Rio: o futebol como metáfora das relações sociais 45 2.2. A dinâmica das relações na imigração peruana 51 2.3. Os estudantes e a vida social peruana 55 2.3.1. Grupos de música 58 2.3.2. Grupos de dança 61 2.3.3. Festas e eventos 63 2.3.4. Consejo de Consulta 65 2.3.5. Revista Virtual Nativos 65 2.4. Trajetórias e trânsitos: perfil dos estudantes peruanos 67 2.4.1. Os estudantes de pós-graduação 67 2.4.2. Estudantes de graduação 69 2.4.3. Formas de acesso às universidades brasileiras 71 2.5. Tecendo redes 76 2.5.1. O primeiro “empurrão” 76 2.5.2. Como fios que estruturam a rede 79 2.5.3. A fragilidade das redes 83 2.5.4. A "Geração de 96" 85 2.5.5. A repercussão da "Geração de 96" 87 3. Peru, o ponto de partida 90 3.1. A construção social do Peru 92 3.1.1. Da esteira ao tijolo: migrações internas e a urbanização 101 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA no Peru 3.1.2. Educação e migração 106 3.2. Peru, país de emigração 111 3.3. Educação Superior no Peru 119 3.3.1. Educação universitária no Peru hoje 130 3.3.2. A internacionalização da educação no Peru 134 4. Brasil: a construção de um destino 138 4.1. O Brasil no contexto das migrações internacionais 140 4.1.1. Os novos imigrantes 142 4.1.2. Os brasileiros no exterior 148 4.2 . O Brasil e a mobilidade estudantil internacional 152 4.2.1. Mobilidade estudantil e política nacional 155 4.2.2. Mobilidade estudantil internacional e imigração qualificada 159 4.3. Quando o Brasil entra no mapa 161 4.3.1. O país das novelas 164 4.3.2. O Brasil por trás das novelas 167 4.3.3. Praia, futebol e carnaval?: imagens do Rio de Janeiro 174 5. O cotidiano no Rio de Janeiro 178 5.1. Moradia 179 5.2. A comida é lembrança 182 5.2.1. Feijão é só segunda! 185 5.2.2. Do mercado ao (super)mercado 187 5.3. O Rio de Janeiro (não) é para turista 189 5.4. Na Polícia Federal 195 6. Os imponderáveis da experiência migratória 199 6.1. Identidades em jogo 201 6.1.1. Dança, música e comida: a peruanidad em (re)construção 201 6.1.2. Se posicionando no mapa dos brasileiros 204 6.1.3. Os custos emocionais da experiência migratória 208 6.1.4 . Você sempre vai ser uma estrangeira aqui 210 6.1.5. (Trans)formações 216 6.1.6. De “Peixe fora d`água” à “carioca”? 222 6.1.7. Transformações e as novas tecnologias 228 6.2. A experiência migratória e as relações de gênero 230 6.2.1. Dançando conforme a música: do tondero às relações afetivas 231 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 6.2.2. As relações de gênero como uma experiência comparativa 238 6.2.3. Velho/a pra casar?: mobilidade estudantil e gênero 243 7. Conclusão 250 8. Referências Bibliográficas 258 9. Glossário 277 10. Anexos 279 Lista de abreviaturas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA ANR Asociación Nacional de Rectores Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível CAPES Superior CBPF Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas CCBB Centro Cultural Banco do Brasil CEB Centro de Estudos Brasileiros CENAUN Censo Nacional Universitario Conselho Nacional de Desenvolvimento CNPq Científico e Tecnológico FGV Fundação Getúlio Vargas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INEI Instituto Nacional de Estadística e Informática MEC Ministério da Educação Missão das Nações Unidas para a estabilização MINUSTAH no Haiti MRE Ministério das Relações Exteriores OCI Oficina de Cooperación Internacional PEC-G Programa Estudante Convênio- Graduação PEC-PG Programa Estudante Convênio- Pós-Graduação PUC-Peru Pontifícia Universidad Católica del Perú Pontifícia Universidade Católica do Rio de PUC-RJ Janeiro UERJ Universidade do Estado do Rio de Janeiro UFF Universidade Federal Fluminense UFMG Universidade Federal de Minas Gerais UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro UNA-Puno Universidad Nacional del Altiplano- Puno UnB Universidade Nacional de Brasília UNCP Universidad Nacional del Centro del Perú Organização das Nações Unidas para a UNESCO Educação, a Ciência e a Cultura UNI Universidad Nacional de Ingeniería Universidade Federal da Integração LatinoUNILA americana Universidade da Integração Internacional da UNILAB Lusofonia Afro-Brasileira Universidade do Grande Rio Prof. José de UNIGRANRIO Souza Herdy Universidade Federal do Estado do Rio de UniRio Janeiro UNMSM Universidad Nacional de San Marcos UNSA Universidad Nacional de San Agustín UNSAAC PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA UNSCH UNT USP Universidad Nacional San Antonio Abad de Cusco Universidad Nacional San Cristóban de Huamanga Universidad Nacional de Trujillo Universidade de São Paulo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Lista de quadros e figuras Figura1 - Mapa político do Peru. 37 Quadro 1 - Perfil dos atores da pesquisa. 40 Quadro 2 - Número de peruanos residentes no Brasil. 52 Quadro 3 - Porcentagem de analfabetos em relação a população total do Peru. 106 Quadro 4 - Porcentagem da população analfabeta com 15 anos e mais de idade na América do Sul. 107 Figura 2 - Anúncio de aulas de Português em Huaraz. 172 Quadro 5 - Esquema de classifição da comida peruana e brasileira segudo a percepção dos estudantes peruanos. 188 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Mi cuate, mi socio, mi hermano Aparcero, camarado, compañero Mi pata, m´hijito, paisano… He aquí mis vecinos. He aquí mis hermanos. Las mismas caras latinoamericanas de cualquier punto de America Latina: Indoblanquinegros Blanquinegrindios Y negrindoblancos (...) Alguien pregunta de dónde soy (Yo no respondo lo siguiente): Nací cerca del Cuzco admiro a Puebla me inspira el ron de las Antillas canto con voz argentina (...) Yo no coloreé mi Continente ni pinté verde a Brasil amarillo Perú roja Bolivia. Yo no tracé líneas territoriales separando al hermano del hermano. Poso la frente sobre Río Grande me afirmo pétreo sobre el Cabo de Hornos hundo mi brazo izquierdo en el Pacífico y sumerjo mi diestra en el Atlántico. Por las costas de oriente y occidente doscientas millas entro a cada Océano sumerjo mano y mano y así me aferro a nuestro Continente en un abrazo Latinoamericano. Nicomedes Santa Cruz, América Latina 1 Introdução ...travelers move about under strong cultural, political, and economic compulsions and that certain travelers are materially privileged, others oppressed. These specific circumstances are crucial determinations of the travel at issue… Travel (…) denotes a range of material, spatial practices that produce knowledge, stories, traditions, comportments, music, books, diaries, and other cultural expressions (Clifford, 1997, p. 35). Este trabalho se propõe a compreender como os indivíduos elaboram estratégias para se inserir num mundo em que o trânsito internacional ganha crescente valor e alimenta uma complexa gama de expectativas. Inspirada na abordagem antropológica, que tem a comparação como princípio metodológico, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA analiso a maneira como jovens peruanos, que num determinado momento de suas trajetórias decidiram vir para o Rio de Janeiro como estudantes universitários, atribuem sentido ao deslocamento e ponderam sobre as repercussões que ele provoca em sua subjetividade. Neste trabalho, partimos do princípio que os jovens peruanos, ao se tornarem estudantes estrangeiros no Brasil- e não imigrantes-, encontram a possibilidade de viver uma experiência migratória, um conjunto de vivências que, propiciadas pelo deslocamento simultâneo por diferentes espaços simbólicos e geográficos, permitem que os indivíduos lancem um olhar crítico sobre si, suas práticas, o país de origem e de destino. A escolha de um tema de pesquisa nunca é feita de forma aleatória ou imparcial, mas sempre a partir da subjetividade do pesquisador, como já ressaltava Weber (2006). No meu caso, a definição do meu objeto de estudo foi construída ao longo de muitos anos, muito antes de eu imaginar me tornar cientista social e aluna de doutorado. Minha aproximação com o Peru teve início quando ainda era uma estudante graduação. Eu ingressei no curso de em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Norte Fluminense em 2002 e, logo no semestre seguinte à minha entrada na instituição soube que ela inaugurara seu primeiro programa de intercâmbio internacional. O destino eram os EUA e o programa previa a vinda de alunos americanos para o Brasil e de brasileiros para os EUA. Eu, que na adolescência sonhava sair do Brasil rumo a um país “desenvolvido”, mas nunca tive condições econômicas para tal, pensei: “esta é a 17 minha chance de sair do país!”. Quando as inscrições para os alunos brasileiros foram abertas, eu não pensei duas vezes: me candidatei a uma vaga. Eu passei na seleção e no primeiro semestre de 2003 fui estudar em Fairfield University, em Connecticut, EUA. Minha experiência como estudante de intercâmbio nos EUA me levou a refletir sobre o sentido do deslocamento que eu vivia, um deslocamento que, para além de físico, era também cultural, sentimental e cognitivo que marcou minha vida para sempre. Até hoje, me lembro de fatos que aconteceram comigo nos EUA, como, por exemplo, meu primeiro contato com os afro-americanos e a profunda amizade que tive com alunos de diferentes lugares do mundo, como China, Bielorússia, Moldávia e Bulgária. Todos nós tínhamos enfrentado dificuldades de nos relacionar com os estudantes norte-americanos. Também me PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA lembro das refeições brasileiras que eu, os dois alunos brasileiros de Manaus que participavam do mesmo programa que eu e o Mark, aluno de Fairfield University que no semestre anterior estudou comigo na UENF fazíamos regularmente. E também até hoje, o semestre que passei em Fairfiled University chama atenção minha carreira profissional. Sempre que participo de processos seletivos como concursos para professor e de seleção para cursos de mestrado e doutorado, um ponto que todos os avaliadores me perguntam é sobre o período que vivi nos EUA como bolsista da CAPES. Entre as disciplinas que eu cursei no intercâmbio, a que mais me instigou foi "Política da América Latina". O curso era composto por duas partes: uma primeira parte teórica mais geral sobre processos históricos na região e outra com estudos de caso de determinados países, entre eles, El Salvador, Brasil e Argentina. O professor que ministrava esta matéria, o Prof. Edward Dew, havia morado no Peru e no final dos anos 60, realizou um trabalho de campo em Puno, serra sul do país. Além de ter vivido no Peru, ele já desenvolveu pesquisas no Suriname. Além do contato com o Peru através do Prof. Dew, um episódio que aconteceu comigo em Fairfield university ficou registrado na minha memória. Na biblioteca da universidade, trabalhava um senhor que sempre tinha um semblante muito sisudo, muito mais do que os outros funcionários, a ponto de me chamar a atenção. Um dia, eu estava saindo da biblioteca e percebi que a pessoa que estava imediatamente atrás de mim também ia sair. Gentilmente, depois que passei, 18 segurei a porta para que a pessoa pudesse passar. Para minha surpresa, a pessoa que estava atrás de mim era o senhor sisudo. Ele ficou tão feliz com meu gesto que sua fisionomia fechada deu lugar a um entusiasmado sorriso. Eu não entendi o porquê do seu entusiasmo, pois segurar a porta para as pessoas era um hábito amplamente difundido na universidade, que eu tratei de aprender assim que cheguei. Imaginei que talvez as pessoas segurem as portas umas para as outras, mas talvez não para ele, que trabalhava na universidade como faxineiro. Ainda tomado pela alegria do meu gesto, o senhor não apenas sorriu para mim, como me cumprimentou. E, observando que eu era estrangeira, perguntou de qual país eu vinha. Quando respondi “Brasil”, o senhor expandiu ainda mais o caloroso sorriso e com muita euforia me disse: “Brasil?! Eu sou peruano! Somos vizinhos!” PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Somos vizinhos?! A exclamação do senhor peruano para mim significava mais uma pergunta do que uma afirmação categórica. Sem dúvidas, Brasil e Peru estão próximos geograficamente, mas no meu cotidiano nos EUA, eu percebi o qual distante eu estava culturalmente dos países latino-americanos. Na disciplina que eu cursava, eu me surpreendi com meu absoluto desconhecimento sobre os países latino-americanos, mesmo aqueles mais próximos, como o Peru. Isto me gerou um profundo desconforto. No dia a dia, o desconforto se aprofundava. Havia uma noção por parte dos norte-americanos e outros estrangeiros nos EUA de que eu, como brasileira, compartilharia com outros latino-americanos uma espécie ‘cultura latina’, sobretudo através da comida, da dança e da língua. A ideia que eles tinham é que eu, como brasileira e, portanto, latina, comeria comida apimentada, dançaria salsa e merengue e teria o espanhol como língua nativa. Nenhuma das três opções se enquadrava no meu caso. Eu também não correspondia às expectativas dos latinoamericanos, para quem eu era uma decepção, pois não compartilhava de nenhum código cultural com eles, como o gosto pela comida mexicana ou por cantores latino famosos em todo o continente- exceto Brasil-, como o americano com pais porto-riquenhos, Marc Anthony. Voltei ao Brasil decidida a conhecer os países do continente. Também decidi que em algum momento da minha trajetória acadêmica trabalharia com um tema de pesquisa que envolvesse outro país do continente que não o Brasil. Em 19 2007, tomei a decisão de que este país seria o Peru. Naquele ano, fiz minha primeira viagem para um país da América do Sul, o Peru, visitando as cidades de Lima e Cusco. Fiquei impressionada, primeiro, com a beleza do país e pela herança histórica pré-colonial muito bem preservada, não apenas na mundialmente conhecida Machu Picchu, mas também por toda Custo, e também com a organização de Lima. Também me impressionei com o fato de que eu não tinha a menor ideia de como seria o Peru, do que eu encontraria no país, do tipo de comida que se come lá, de qual tipo de música se ouve. Naquela viagem, eu percebi na prática o que eu já tinha descoberto na teoria, no curso de "Política da América Latina" e na convivência com norte-americanos, latino-americanos de demais estrangeiros nos EUA: a aproximação geográfica não garante por si só outras aproximações, como PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA a cultural, por exemplo. Apesar do Brasil e do Peru compartilharem quilômetros de fronteiras, eu me senti mais estrangeira no Peru do que nos EUA. O contato que eu já havia tido com os EUA antes de ir para lá tinha sido muito mais profundo do que o contato que tive com o Peru. Antes de ir para os EUA, eu já tinha estudado 5 anos inglês, ouvia muita música americana, assistia filmes e seriados, me correspondia com adolescentes dos EUA. Já com o Peru, eu não tinha nenhum contato, a não ser com dois peruanos que conheci no Fórum Social Mundial de 2005. Um deles foi ao Fórum já preparando seu retorno para Porto Alegre, onde ia cursar o mestrado. Foi ele quem me incentivou a conhecer o Peru. O contato com os dois peruanos não foi suficiente para que eu construísse uma imagem sobre o Peru. Apesar da distância geográfica entre o Brasil e os EUA ser consideravelmente maior do que entre o Brasil e o Peru, culturalmente os EUA estavam muito mais próximos de mim. E minha relação com o Peru esteve diretamente relacionada com as experiências que vivi nos EUA. A relação Sul-Sul que eu estabeleci primeiramente na minha experiência pessoal e depois na minha vida acadêmica foi diretamente influenciada pelo Norte, pelo que vivi e senti como estudante estrangeira nos EUA. Voltei do Peru imaginando como seria para os peruanos sair do Peru rumo ao Brasil e o qual o sentido, para eles, vir para um país que, além de não ocupar um lugar entre os países do capitalismo central, mantém uma significativa distância cultural do Peru. Comecei então a refletir sobre os sentidos que entram 20 em jogo na experiência migratória e que servem como fundamento e justificativa para se deslocar por diferentes países do mundo. Assim, comecei a pensar: o que leva os peruanos a virem para o Brasil? Quais são seus objetivos? Como o Brasil começou a fazer sentido como um possível destino para os peruanos? Em que medida estes sentidos são construídos pelos indivíduos e seu círculo de convivência? Como suas redes sociais influenciaram o deslocamento para o Brasil, objetiva e intersubjetivamente? Estas foram as perguntas iniciais que me levaram a campo. II. O deslocamento de jovens peruanos para o Rio de Janeiro como estudantes se difere do fluxo de saída de peruanos predominante no Peru, incentivado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA principalmente por motivos econômicos e tem como principais destinos EUA, Espanha e Itália, no hemisfério norte, e Argentina e Chile, no hemisfério sul. Vivendo num país em que a presença estrangeira é constante no cotidiano, através, por exemplo, de programas de televisão e cinema, redes de fast food, lojas de grande marcas internacionais e ainda do contato com peruanos que vivem no exterior, para os estudantes, ir para o exterior é uma realidade próxima da sua imaginação (Appadurai, 1996). Portanto, a decisão de estudar no Rio de Janeiro não se dá num vazio. Ela está inserida num contexto em que os estudantes avaliam as oportunidades e condições- econômicas, sociais, acadêmicas- dentro e fora do Peru para preencher suas expectativas mais amplas. No processo de decisão, eles levam em consideração o mercado de trabalho e de diplomas de seu país e percebem que ter um diploma brasileiro pode render mais vantagens do que um peruano. Além disso, os estudantes também analisam que não apenas o mercado de trabalho peruano, mas também a sociedade no país valoriza os indivíduos que vivem uma experiência internacional, considerados como mais cosmopolitas do que aqueles que nunca estiveram no exterior. O deslocamento dos estudantes do Peru para o Brasil tem também como pano de fundo um complexo conjunto de hierarquias e relações de poder. As oportunidades de viajar pelo mundo estão desigualmente distribuídas entre os indivíduos de acordo com uma combinação de fatores como a origem nacional, as 21 condições econômicas e a etnia, que constrangem os indivíduos na sua forma de se deslocar pelo mundo. Clifford (1997) alerta que no discurso dominante da viagem, as pessoas não brancas nunca aparecem, assim como as mulheres, que, quando aparecem, é como acompanhantes, coadjuvantes nas viagens protagonizadas pelos homens. Neste discurso, prevalece o mito da independência, ou seja, a ideia do viajante que se desloca livremente por um mundo para ele sem fronteiras. No entanto, Clifford chama atenção para o fato de que todo viajante segue determinados itinerários, segundo as condições políticas, sociais e econômicas que influenciam o deslocamento. Tais fatores atuam de forma ainda mais incisiva quando aquele que viaja é um imigrante, que se desloca em busca de melhores oportunidades de trabalho. Ou ainda, um empregado, que viaja acompanhando PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA seus patrões (Clifford, 1997, p. 35). Eles também se deslocam, porém não são considerados viajantes. Clifford analisa que, embora exista uma cultura dominante de viagem, que se desenvolveu no ocidente e influenciou inclusive a noção de etnografia- do viajante (e do antropólogo) como o homem, branco, ocidental, civilizado-, outras culturas de viagem existiram e continuam a existir, produzindo múltiplas culturas de viagem. A cultura dominante de viagem parte do princípio que enquanto certas pessoas no mundo são cosmopolitas, todo o resto está enraizado em seus locais de residência, e por isso são os "nativos" (Clifford, 1997, p.36). O trabalho de Bálsamo (2009) com transmigrantes que embarcaram sem autorização em navios saindo de diferentes países da África para a América é um exemplo de uma cultura de viagem particular, elaborada por negros africanos na atualidade que desafia a dominante. No caso dos estudantes peruanos, são eles, em tese meus "nativos", que viajam, enquanto eu, pesquisadora, continuo no meu lugar de residência. Tal característica se difere da forma tradicional como os "nativos" e antropólogos foram representados na história da Antropologia: os primeiros seriam indivíduos portadores de uma cultura, circunscrita a um determinado local; já os segundos seriam indivíduos cosmopolitas que circulariam pelo mundo (Clifford, 1998). Por outro lado, na relação entre os estudantes peruanos e eu, nenhum de nós nos encaixamos completamente no perfil de viajante associado à cultura dominante de 22 viagem: ambos somos oriundos de países em desenvolvimento, sul-americanos e na geografia simbólica (Bálsamo, 2009) mundial, não somos considerados tão ocidentais e cosmopolitas como os cidadãos das grandes potências do hemisfério norte; e ainda, muitos de nós não nos encaixamos no perfil do viajante dominante ao qual Clifford se refere, seja porque não somos brancos ou oriundos de um país desenvolvido. Os estudantes peruanos encontram com uma situação peculiar. Como cidadãos peruanos, eles encontram facilidades legais para circular pela América Sul. Desde meados da década de 2000, eles podem viajar para o Brasil, por exemplo, apenas com seu documento nacional de identidade- sem precisar de visto ou mesmo passaporte. Porém, não é para o Brasil ou para países da América do Sul que grande parte dele gostaria de ir. O desejo deles era ir para o hemisfério PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA norte. Nos países dessa região, ao contrário do que acontece no continente sulamericano, o controle da entrada de peruanos é severa, sendo solicitado visto para entrar em países como EUA, Alemanha e Itália, países para onde muitos deles gostariam de ir. Por outro lado, a predominante saída de peruanos do país por razões econômicas ganhou tamanha visibilidade no Peru e no exterior a ponto de ofuscar as outras modalidades de deslocamento, como a realizada pelos estudantes. Eles ficam assim invisíveis diante do numeroso fluxo de emigrantes que vão para exterior em busca de trabalho. Enquanto Clifford se refere a um discurso dominante sobre a cultura da viagem como algo restrito a determinadas classes, na especificidade do caso peruano, a cultura dominante da viagem, que na sua história esteve associado às elites que iam estudar no exterior e renovar seu status, hoje está amplamente relacionada aos inúmeros peruanos que, afetados pela crise política e econômica começaram a deixar o país de forma maciça nos anos 80 para se inserir principalmente em atividades não qualificadas. Acionando seu capital social, os estudantes peruanos encontram na educação superior a oportunidade de ir para o exterior de uma maneira institucionalmente protegida, socialmente prestigiada e simbolicamente valorizada. O acesso à informação sobre a obtenção de bolsas de estudos foi um grande estímulo para que eles chegassem à decisão de sair do Peru tendo o Brasil como destino. Muitos deles já tinham pensado em sair do país, como estudantes 23 ou não. Os que pensaram em sair como emigrantes desistiram da ideia por avaliála como muito arriscada. Os que já tinham imaginado sair do país como estudantes não tiveram as condições, principalmente econômicas, que tornassem este um plano viável. É neste contexto que estudar no Brasil surge então como a possibilidade de sair do Peru e viver uma experiência internacional de uma maneira mais positiva e valorizada socialmente do que outras formas de mobilidade. Nesta tese eu me coloco a compreender como jovens peruanos que chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes universitários entre 1983 e 2012, com idade entre 16 e 40 anos interpretam seu deslocamento e a si mesmos como parte de um mundo que ultrapassa as fronteiras do Estado nacional e, a partir disso, constroem uma experiência migratória que marcará sua trajetória. Para PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA realizar tamanho empreendimento, desenvolverei uma análise que leva em consideração não apenas os aspectos estruturais e macrossociológicos que motivaram o deslocamento, mas também sua dimensão subjetiva e cultural. As noções de projeto e campo de possibilidades desenvolvidas por Velho (1981;1999; 2009) serão o referencial teórico que balizarão esta análise, uma vez que permitem pensar a relação entre os indivíduos, suas ações e estrutura onde estão inseridos no processo migratório. Velho (2009) explica que as sociedades moderno-contemporâneas são caracterizadas pela coexistência de diferentes mundos e valores. Nelas, os indivíduos estão constantemente diante de uma diversidade de experiências, realidades e contextos, que possibilitam seu trânsito por diversos universos simbólicos. Os sujeitos agem de acordo com escolhas mais ou menos conscientes e são constituídos a partir do conjunto de experiências e interações que vivem ao longo de suas trajetórias. As noções de projeto e campo de possibilidades compreendem a singularidade do indivíduo e seu potencial de ação ao mesmo tempo em que reconhecem o indivíduo e suas ações como inseridos num o contexto cultural. Velho entende o projeto como uma ação com um objetivo predeterminado, se referindo a uma dimensão prospectiva, ou seja, uma ação empreendida com a expectativa de obter um resultado num tempo futuro. Por isso, o projeto é constituído por uma racionalidade canalizada para a obtenção de um 24 fim específico. Os sujeitos planejam suas condutas, as interpretam, podem explicá-las e (re)avaliá-las. Na construção de seus projetos, os jovens peruanos não estão sozinhos: participam deles outros indivíduos que direta ou indiretamente influenciam sua vida acadêmica, profissional e pessoal- pais, amigos, colegas de turmas, colegas de trabalho, empregadores, professores. Para eles, estudar fora do Peru apresenta múltiplas motivações, desde a obtenção de um diploma que se distingue daqueles obtidos no país; desenvolver projetos de pesquisa; conhecer outra realidade cultural e até se afastar da interferência da família na gerência de sua vida. Sair do país como estudantes de graduação ou pós-graduação representa, para muitos, uma estratégia para acumular recursos sociais, acadêmicos e simbólicos para se inserir tanto na sociedade peruana como para ampliar as possibilidades de viajar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA pelo mundo. Sair do Peru como estudante também representa uma possibilidade de vislumbrar alternativas de vida e trabalho mais diversificadas do que no Peru. No campo de trabalho, como um país em desenvolvimento no capitalismo mundial, o Peru apresenta um mercado de trabalho e de produção limitado; por outro lado, muitos estudantes percebem a sociedade como endógena, fechada e tradicional, que atribui aos indivíduos determinadas expectativas e exerce grande pressão sobre suas escolhas. Além disso, na sua vida cotidiana, os estudantes estão frequentemente em contato com outros países do mundo através de elementos como uma produção cultural em massa, viagens e a presença de empresas estrangeiras no Peru. Todos estes fatores compõem o pano de fundo dos projetos, o que significa que sua racionalidade é sempre relativa. Os projetos nunca são elaborados em isolamento, mas estão sempre contextualizados. Os indivíduos elaboram seus projetos a partir de suas experiências e sua relação com outros projetos e indivíduos: ... a racionalidade de um projeto é relativa desde que se alimenta de determinadas experiências culturais... O projeto, enquanto conjunto de ideias, e a conduta estão sempre referidos a outros projetos e condutas localizáveis no tempo e no espaço. Por isso é fundamental entender a natureza e o grau maior ou menor de abertura ou fechamento das redes sociais em que se movem os atores. Posso me inspirar em algum varão de Plutarco, mas tenho de levar basicamente em conta os meus contemporâneos com quem terei de lidar para procurar atingir meus objetivos, 25 Serão aliados, inimigos ou indiferentes, mas serão seus projetos e condutas que darão os limites dos meus (Velho, 1981, p. 28). Através da noção de projeto, Velho reconhece o lugar do indivíduo na vida social como agente com potencial de metamorfose. Ele não age num vazio, mas sempre se relacionando com outros indivíduos e inserido num determinado quadro sociocultural, isto é, a partir de um campo de possibilidades. Será este quadro que apresentará aos indivíduos o repertório de valores e significados reconhecidamente importantes para determinada cultura, através dos quais eles PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA construirão seus projetos. Ou seja: Os projetos individuais sempre interagem com outros dentro de um campo de possibilidades. Não operam num vácuo, mas sim a partir de premissas e paradigmas culturais compartilhados por universos específicos. Por isso mesmo são complexos e os indivíduos, em princípio, podem ser portadores de projetos diferentes, até contraditórios. Suas pertinência e relevância serão definidas contextualmente (Velho, 1999, p. 46) Partindo do princípio que o projeto se (re)constrói dentro de um campo de possibilidade, os estudantes peruanos são compreendidos como sujeitos que agem segundo determinados objetivos a partir de um projeto, cuja construção, que envolve tanto um plano subjetivo quanto um objetivo, se efetiva a partir de certas condições sociais, econômicas, afetivas, profissionais, familiares, acadêmicas e políticas, previstas ou não por eles, isto é, de seu campo de possibilidade. A chegada no Rio de Janeiro não coloca um ponto final na trajetória destes jovens. Ao contrário: será em terras estrangeiras e nas experiências vividas neste contexto que eles encontrarão um terreno fértil para reavaliar o projeto inicial; confrontá-lo com outros anteriores ou concomitantes e elaborar novos, refletindo sobre si e seu futuro. A partir do auxílio das noções de projeto e campo de possibilidades, este trabalho tratará de investigar a interpretação que os jovens estudantes fazem de seu deslocamento para o Rio de Janeiro através da análise de sua experiência migratória. Apesar não se inserirem no perfil mais tradicional de um imigrante, que é representado pela sociedade receptora como aquele que sai de seu país em busca de trabalho (Sayad, 1998), defendo a tese que o deslocamento realizado pelos interlocutores desta pesquisa se desenvolve como uma experiência 26 migratória: ela vai se construindo antes do jovem sair do Peru; estará em constante reavaliação no período de estudo no Rio de Janeiro e deixará nele marcas indeléveis mesmo depois de se formar. Em outras palavras, apesar dos não ser classificados como imigrantes jurídica e socialmente, principalmente porque não saem do país como trabalhador e sua presença no exterior é imaginada como temporária, os estudantes peruanos vivem uma experiência migratória. Para fins de análise, proponho uma definição de experiência migratória como um conjunto de vivências experimentadas por cada indivíduo num contexto de deslocamento geográfico, segundo o quadro sociocultural no qual está inserido- dentro e fora de seu país. No deslocamento geográfico, estes indivíduos encontram uma oportunidade para desenvolver práticas e valores que colocam de encontro as sociedades de origem e destino e que possibilitam rearranjos originais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA e singulares entre as experiências vividas em ambos os países e a interpretação que fazem delas. Oportuno é esclarecer que o que chamo aqui de experiência migratória não é algo dado, um fato inevitável que qualquer pessoa que sai do seu país de origem está fadada a viver. É possível ir para outro país sem que isso signifique viajar por universos simbólicos, como aqueles que viajam e se hospedam na mesma rede internacional de hotéis; comem na mesma rede internacional de restaurante; circulam por espaços muito semelhantes por todos os países por onde vão, como shoppings, aeroportos, empresas e universidades (Bauman, 1999). Para estas pessoas, o deslocamento internacional é vivido como um contínuo processo de reterritorialização, que se caracteriza como uma capacidade de se apropriar cultural, política e simbólica do território, vivido principalmente pelas elites "globalizadas" (Haesbert, 2006). A experiência migratória é um processo no qual o indivíduo, através do deslocamento geográfico, encontra a possibilidade de circular por outros universos culturais e simbólicos e de lançar um olhar distanciado tanto sobre o país de destino, como do país de origem e sobre si mesmo. Ou seja, na experiência migratória a dimensão física do deslocamento não é preterida: ela é reconhecida como importante, porém não é a única condição para que os indivíduos (re)pensem a si mesmos como sujeito entre/em dois países. 27 Por isso, não seria correto supor que todos os estudantes peruanos no Rio de Janeiro necessariamente vivam uma experiência migratória ou todos a vivam da mesma maneira. Mais do que uma posição dentro de um determinado espaço físico, a experiência migratória se configura como uma posição dentro de espaços sociais e simbólicos, posição esta caracterizada por um duplo movimento de distanciamento e proximidade, semelhante à experiência do estrangeiro em Simmel (2005). O distanciamento se remete à capacidade de questionar ou desnaturalizar o que no país de origem e de destino é vivido como natural- de ver os dois países como alguém de fora; a proximidade se refere ao sentimento de, como humanos, encontrar pontos de identificação tanto com peruanos, como com brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades, desenvolvendo uma empatia com pessoas de outros lugares do Peru, do Brasil e do mundo. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Socialmente, o estudante é entendido como um indivíduo, jovem em processo de preparação para a vida adulta e para o mercado de trabalho, por isso, o término do curso universitário representa também uma passagem da universidade para o mercado de trabalho, da juventude para a vida adulta (Elias, 1994). Como estudante no exterior, ele é então compreendido pela sociedade brasileira e peruana como um ser em formação- acadêmica e pessoal- e esta formação tem um prazo para ser concluída. Uma vez terminado este prazo, ele deixará de ser estudante- acadêmica, jurídica e socialmente para ser reconhecido como um adulto, um profissional qualificado que terá que decidir sobre seu presente e seu futuro. III. Apesar da ideia de estudar a imigração peruana no Brasil ter começado a ser moldada desde 2003, esta pesquisa e a consequente definição deste objeto só foram possíveis a partir da construção de determinadas redes que tornaram essa pesquisa uma realidade. Embora eu tivesse um antigo desejo pelo tema da imigração e quisesse relacioná-lo com o Peru, esta tese só foi possível porque ao longo da minha trajetória eu encontrei condições para desenvolvê-la. E estas condições nunca estiveram dadas e prontas, mas foram construídas ao longo das experiências que vivi ao longo do trabalho de campo, de participar de encontros acadêmicos e através do intenso diálogo com aqueles interessados em minha 28 pesquisa. Isto significa que meu projeto também esteve inscrito num determinado campo de possibilidades (Velho, 2009). Quando ingressei no doutorado em Ciências Sociais na PUC-RJ em 2010, retomei o plano que havia elaborado anos antes, de estudar um tema relacionado ao Peru. Apesar da decisão, eu continuava conhecendo pouco sobre o Peru e encontrando poucas referências bibliográficas sobre este país andino no Brasil, o que me preocupou muito. No entanto, alguns fatos me estimularam a seguir com o projeto inicial. Quando eu ainda estava nos EUA, certa vez, o Prof. Dew convidou um antropólogo peruano que ministrava aulas em Yale para dar uma palestra em Fairfieild University, o prof. Enrique Mayer. Eu me lembrava que tinha ido e lá conheci sua esposa, que é brasileira do Rio de Janeiro. Quando em 2007 decidi aprender mais sobre o Peru, pedi ajuda ao Prof. Dew, que me recomendou entrar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA em contato com o Prof. Mayer. Todos os anos, ele e sua esposa passam férias no Rio de Janeiro, por isso, desde 2008 sempre consigo encontrá-los para conversar sobre minhas ideias. Como um dos expoentes da Antropologia Peruana que é, o Prof. Enrique Mayer tem um vasto conhecimento sobre os temas peruanos explorados pelas ciências sociais no Peru e no exterior. Ele tem me ajudado muito, me colocando em contato com pesquisadores peruanistas em áreas afins ao que pretendia estudar, além de me indicar referências bibliográficas sobre o tema. Através dele, fui apresentada a outros pesquisadores- peruanos e estrangeiros-, que se dedicam a assuntos peruanos, inclusive a imigração. Com ele também travei longos diálogos sobre minha experiência de campo, os quais foram fundamentais para que compreender determinados símbolos e significados compartilhados pelos peruanos, que para mim eram como enigmas de difícil compreensão. Outro fato que contribuiu de maneira singular na definição do objeto foi o meu ingresso no doutorado em Ciências Sociais da PUC-RJ. Quando eu decidi me candidatar à universidade, eu não imaginava que nela havia tantos alunos estrangeiros, entre eles muitos peruanos, a maioria estudantes de pós-graduação nas diferentes áreas da Engenharia. Um lugar sempre privilegiado para encontrálos é o restaurante universitário, o bandejão. Nos horários de almoço e jantar, é sempre muito comum encontrar grupos de peruanos que se reúnem para comer juntos. Esses grupos variam de tamanho, mas o que eles têm em comum é que 29 raramente há neles alguém que não seja peruano e a língua de comunicação é sempre o espanhol. Em princípio, eu não consegui participar de nenhum desses grupos, o que só foi possível quando conheci peruanos que me convidavam para almoçar ou jantar com eles e seus amigos. Apesar de também estudar na PUC-RJ, foi fora dela que eu conheci os peruanos que me convidavam fazer refeições com eles e seus amigos. Em 2011, quando comecei a me inserir no campo, conheci o grupo Sayari Danzas Peruanas. Eu soube do grupo através da sua diretora geral, que mantém um blog na internet. Pelo seu blog, enviei um email para ela contando da minha pesquisa e perguntando se ela poderia me ajudar a conhecer outros peruanos. Prontamente, ela me respondeu que sim. Em maio de 2011 comecei a frequentar os ensaios, que é formado principalmente por estudantes peruanos. Eles se encontram PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA semanalmente às quintas-feiras para treinar as coreografias e manter contato uns com os outros. Quando comecei a ir aos ensaios do Sayari, dois dos seus integrantes mais assíduos eram estudantes da PUC-RJ e um deles se ofereceu para ajudar na minha pesquisa. Foi através dele que comecei a ser apresentada a outros peruanos que estudam na PUC-RJ. Se somos formados em nossas interações (Velho, 2009), assim também se formam nossos objetos de pesquisa. Este teve sua construção gestada no meu intenso convívio com os peruanos sobretudo, mas não apenas, estudantes e exestudantes. Neste processo, foram fundamentais as contribuições dos trabalhos como os de Hirsch (2007), sobre estudantes caboverdianos e de Santos (2012), sobre estudantes congoleses, ambos no Rio de Janeiro e ainda o trabalho de tese em andamento de Gisele Almeida, sobre estudantes brasileiros na França. Além das reflexões que seus trabalhos me proporcionaram, Almeida e Santos se tornaram interlocutoras privilegiadas, com as quais pude compartilhar minhas dúvidas, incertezas e inseguranças com relação à definição do que seria meu objeto de pesquisa. Almeida, por exemplo, me mostrou que, ainda que os estudantes peruanos apresentem um perfil que se diferencia do que se compreende como imigrante- e meu plano inicial era escrever um trabalho sobre imigrantes peruanos-, sua análise traz grandes contribuições para os estudos migratórios. Nas conversas com ela foi que percebi que a mobilidade estudantil é uma modalidade de trânsito que ainda 30 se tem poucas reflexões a respeito e, em muitos casos, ela é uma etapa para muitos que querem se tornar imigrantes. E isto observei na minha convivência com os peruanos. Numa parte muito significativa dos eventos públicos peruanos na cidade no Rio de Janeiro predominava a presença de estudantes ou exestudantes. Me chamou muito a atenção o protagonismo deles na construção de uma vida pública peruana no exterior. Foi neste processo de frequentar ativamente os eventos organizados por estudantes e ex-estudantes que fui percebendo a importância de se realizar uma análise da experiência vivida pelos estudantes e, aqui, reforçam sua identidade como peruanos. A partir da reflexão sobre a experiência migratória podemos ampliar nossa compreensão sobre a mobilidade estudantil, sua relação objetiva e subjetiva com outros tipos de fluxos, como as migrações internas e internacionais e seu significado para o país de origem, de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA destino e para os estudos migratórios. IV. Uma característica das Ciências Sociais que o pesquisador precisa ter em mente é que tanto ele como os sujeitos da pesquisa atribuem significados ao mundo em que vivem, por isso, a pesquisa tem como princípio epistemológico a hermenêutica dupla (Giddens, 1989). Será na interação entre o pesquisador e os pesquisados que se realizará a produção de conhecimento. Nela, a subjetividade não é preterida ou renegada, mas reconhecida como parte fundamental do trabalho de investigação (Clifford, 1998; Geertz, 2001; Da Matta, 1978; Velho, 1978), tornando possível a realização do desafio antropológico, que é a aproximação de diferentes universos de significado- o do pesquisador, o dos pesquisados e o do público leitor (Geertz, 1978). O trabalho de campo etnográfico se constitui um método de pesquisa privilegiado para realizar tamanha tarefa. Mais do que uma estratégia de coleta de dados, ele se configura como um modo de agir que abarca concomitantemente razão e emoção, intelecto e sentimento: A característica mais marcante do trabalho de campo antropológico como forma de conduta é que ele não permite qualquer separação significativa das esferas ocupacional e não ocupacional da vida. Ao contrário, ele obriga a essa fusão. Devemos encontrar amigos entre os informantes e informantes entre os amigos... No seu ambiente, o antropólogo vai comodamente ao escritório exercer um ofício, 31 como todo mundo. Em campo, ele tem que aprender a viver e pensar ao mesmo tempo (Geertz, 2001, p. 45). Na minha convivência cotidiana com peruanos de diferentes classes sociais, de diferentes locais de origem, que vieram para o Rio de Janeiro com diferentes objetivos, três elementos abriram as portas do campo para mim: falar espanhol, já ter ido ao Peru e ser negra. Quando iniciei o trabalho de campo, eu já tinha estudado espanhol- aos 13 anos de idade estudei o idioma por 2 anos-, mas ainda não era fluente. Os peruanos sempre adotaram uma postura muito positiva diante da minha vontade em melhorar meu espanhol. Eles admiram meu esforço e, pacientemente, sempre me ajudam a conjugar os verbos, eles também corrigem meus erros e me ensinam expressões tipicamente peruanas. Me tornei ainda mais fluente no idioma depois da minha entrada no Grupo Sayari, cujos integrantes se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA tornaram os amigos com quem mais mantenho contato regularmente. Hoje, eles me parabenizam por minha fluência no idioma e se orgulham quando conto para eles que já conheci pessoas cuja língua materna é o espanhol, como argentinos, chilenos e espanhóis, que me disseram que eu tenho sotaque peruano. Já ter ido ao Peru me possibilitou fazer das viagens um tema para iniciar uma conversa. Eu sou muito tímida quando estou diante de pessoas desconhecidas, por isso, antes de conversar com algum peruano pela primeira vez, eu sempre planejava o que iria falar. Em geral, contar a um/a peruano/a que eu já estive em seu país me ajuda a quebrar o gelo e despertar nele/a se o interesse em conversar comigo. Conhecer o Peru me distingue dos outros brasileiros que, em geral, nunca foram ao país e nem demonstram interesse em conhecer peruanos. Assim, o desinteresse de grande parte dos brasileiros pelo Peru e os peruanos contribuiu para que eu fosse identificada como uma brasileira diferente dos outros, despertando o desejo de alguns em conversar mais comigo. No primeiro semestre de 2011, recebemos na PUC-RJ como professora convidada a Dra. Suzanne Oboler. Ela pesquisa relações raciais na John Jay College of Criminal Justice, em Nova Iorque e, apesar de morar nos EUA, é peruana. Quando comentei com ela sobre meu tema de tese, ela me chamou para uma conversa privada e me indagou: “qual é sua estratégia para se aproximar dos peruanos?”. Em princípio, não entendi o teor da pergunta. Em seguida, ela 32 me explicou. No estudo que realizou sobre relações raciais no Peru, Suzanne identificou entre os peruanos um posicionamento hostil contra os negros, até mais que contra aos índios1. Por isso, ela acreditava que os peruanos no Rio de Janeiro poderiam ter o mesmo tipo de posicionamento comigo. Apesar da raça estar sempre presente, na minha experiência de campo nunca recebi um tratamento hostil por isso. Como eu comecei a fazer trabalho de campo ainda sem ter delimitado aqueles que seriam o problema e o objeto de pesquisa, eu queria ter um convívio com o maior número de peruanos possível com o perfil mais diversificado que eu encontrasse antes de delimitar exatamente o que eu pesquisaria. Frequentar os ensaios do grupo Sayari teve um papel central na minha inserção no campo, pois através dos seus integrantes, eu era convidada a participar das atividades públicas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA organizadas por peruanos, principalmente quando o grupo ia dançar. Nos eventos, os integrantes do Sayari me apresentavam seus amigos, que por sua vez, me apresentavam a outros amigos e, num efeito bola de neve, fui ampliando minha rede de contatos entre os peruanos no Rio de Janeiro. Grande parte dos peruanos que conheci através do Sayari e seus amigos tinha vindo para o Brasil como estudantes universitários, de graduação ou pósgraduação. Eles estudam (ou estudaram) em universidades como UFRJ, UniRio, PUC-RJ e UERJ. Alguns deles não apenas iam aos eventos, como também organizavam. O principal evento onde conheci mais peruanos foi a festa Noches de Sol. Se, por um lado, minha convivência com estudantes e ex-estudantes estava se tornando mais intensa, meu contato com outros peruanos, como os chamados artesanos (artesões)- vendedores ambulantes-, que trabalham no centro do Rio e em Copacabana ou os peruanos mais velhos e/ou das classes mais altas foi mais esparso e superficial. Parte disso se deve ao fato de eu ter passado a frequentar os mesmos espaços que os estudantes e ex-estudantes, como as festas Noches de Sol, os shows do grupo Negro Mendes e o restaurante Chicken Boom. Dois peruanos que vendiam artesanato na porta do shopping Nova América, em Del Castilho, tinham uma postura mais aberta comigo e me chamaram para frequentar os jogos de 1 Todos os estudantes peruanos entrevistados concordam que no Peru de hoje há racismo. Alguns concordam com Oboler que são os negros os que sofrem mais racismo no Peru. 33 futebol que seus amigos organizam. As partidas aconteciam regularmente, duas vezes na semana, no Aterro do Flamengo e começavam por volta das 22h. Os dois peruanos moravam na Lapa, assim como seus amigos. Eu, no entanto, moro longe do local onde ocorrem as partidas ou de onde moram os jogadores, por isso nunca me animei a ir aos jogos. Além da distância e do horário do jogo, eu também não me senti estimulada para ir aos jogos de futebol no Aterro porque este é um espaço predominantemente masculino. No meu breve contato com peruanos das classes mais baixas, eu percebi que não eram raras as vezes que, principalmente os homens, usam marcadores de gênero e raça para se referir a mim. "Morena" era a forma como alguns me chamavam, como uma espécie de eufemismo para "negra". Um desses peruanos que conheci no Shopping Nova América tinha o costume de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA só me chamar de "morena", o que me incomoda muito. Cansada de ser chamada por uma categoria racial, um dia perguntei se ele sabia meu nome. Ele me respondeu: "sim. Seu nome é Camila". E concluí: "se você sabe meu nome, me chame por ele. Não me chame de morena". "Morena bonita" era ainda a expressão que empregavam para mim quando flertavam, o que me deixava ainda mais desconcertada. Embora estes termos fossem usados em tom de elogio, para mim, eles representavam um violento demarcador de raça que geravam em mim um profundo incômodo, desconforto e constrangimento. Entre os peruanos que conheci através dos estudantes, a raça não deixava de existir, porém ela se manifestava de maneiras mais sutis. Eles nunca trocaram meu nome por nenhuma denominação racial, por exemplo. E as referências raciais que até hoje fizeram nunca me incomodaram, como os inúmeros elogios à cor da minha pele e ao meu cabelo. A raça também esteve presente na minha entrada oficial no grupo Sayari, que se deu quando fui convidada para recitar o poema "Me gritaron negra" (ver anexo 1), da artista afroperuana Victoria Santa Cruz, cujo sucesso culminou com a organização do evento I Encontro Brasil-Peru: conexões entre culturas negras, realizado em novembro de 2012 (ver cartaz no anexo 2). Como integrante do grupo, realizei algumas apresentações- do poema e de uma dança chamada tondero em eventos importantes para a comunidade peruana, como a festa do dia da independência e a celebração de Sr. de los Milagros, santo 34 padroeiro do Peru. Minha ativa presença na vida pública dos peruanos no Rio de Janeiro me rendeu o título, dado pelos peruanos com quem convivo, de “a brasileira mais peruana” que eles conhecem ou ainda de brasileira peruanizada. Além de participar de eventos e encontros presenciais, minha relação com os estudantes peruanos se tornou mais profunda através das redes sociais pela internet, principalmente o facebook. Ele foi uma importante ferramenta na manutenção de laços nós, através do envio de mensagens- em tempo real ou não-, convites para eventos e compartilhamento de informações, fotos, músicas e vídeos. Este tem sido um recurso muito profícuo para aprofundar a intimidade com aqueles que eu conhecia e ainda conhecer outras pessoas. Este meio me ajudou a me aproximar ainda mais dos estudantes, que usam a internet cotidianamente em seus laboratórios de pesquisa, no seu trabalho e em seus PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA celulares, muito mais que os peruanos das classes mais baixas que conheci. Eles também usam a internet e o facebook, porém não de forma tão constante como os estudantes. O facebook foi um instrumento crucial de interação porque assim como eu tinha mais informações sobre os peruanos que eu conhecia, eles também tinham mais informações sobre mim. Os peruanos também podiam comprovar as informações que eu lhes dera pessoalmente, que no facebook estão disponíveis para eles e todos os meus demais amigos, e ainda comentar as publicações que eu fazia na rede. Alguns peruanos, por exemplo, comentavam comigo que tinham visto as fotos do meu casamento e das viagens que fiz ao Peru. Embora o facebook ofereça ferramentas para filtrar as pessoas que podem ter acesso às informações que cada usuário publica, eu não utilizo este recurso com os peruanos. Todos os comentários e informações disponíveis para meus amigos estão também disponíveis para os peruanos- muitos agora também meus amigos. Pelo facebook, eu também posso ter acesso às redes de amizades que os peruanos compartilham e, a partir delas, buscar contato com outros. Esta experiência virtual representou para mim uma ampliação da noção de observação participante e trabalho de campo, em que surgem novas possibilidades de construir a relação antropólogo e informante e mais ainda, de informante à amigo. Através de uma dinâmica não presencial que utiliza como recurso as novas tecnologias de comunicação, eu pude lidar com minha timidez de falar com 35 pessoas que não conheço, e muitas vezes discutir temas de maneira mais aprofundada que talvez não conseguiria fazer pessoalmente. O trabalho de campo incluiu ainda a realização de entrevistas presenciais e via email com peruanos que chegaram ao Brasil como estudantes. As entrevistas seguiam um roteiro, previamente elaborado (ver anexo 3). As entrevistas presenciais duraram de 30 minutos a 2 horas e foram gravadas e transcritas. Além dos peruanos que vieram para o Brasil, entrevistei via skype um peruano que estudou nos EUA. Além do material coletado nas entrevistas, esta tese também se baseia nas anotações no diário de campo e em conversar informais com peruanos, estudantes ou não. Além de usufruir das tecnologias de comunicação para aprofundar minha relação com os estudantes peruanos, também fui grandemente beneficiada pela PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA expansão do acesso ao transporte de alta velocidade, e, principalmente pelo barateamento das passagens áreas. Quando eu construí o projeto de pesquisa, eu pensava em fazer parte do trabalho de campo no Peru. Mas, devido às restrições do financiamento de pesquisa, decidi que seria mais prudente fazer todo o trabalho de campo no Rio de Janeiro, cidade onde residimos eu e os estudantes peruanos e por onde posso me locomover sem maiores dificuldades. Desde 2011, as sucessivas promoções de passagens aéreas para o Peru me permitiram ir ao país em diferentes ocasiões. Embora imprevistas, estas viagens foram muito importantes para que eu pudesse estabelecer conexões entre os peruanos no Rio de Janeiro e os peruanos no Peru. Elas também foram fundamentais para que eu pudesse ter acesso à bibliografia de autores peruanos, que não estão à venda no Brasil. Nas cinco viagens que fiz ao Peru no período de junho de 2011 a maio de 2013, eu participei de 2 congressos acadêmicos, conversei com pesquisadores da área de migração, me encontrei com amigos e familiares dos peruanos que conheci no Rio de Janeiro. Participei ativamente do fluxo transnacional de remessas, transportando encomendas do Brasil para o Peru e vice-versa, levando desde temperos essenciais para a comida peruana, como o ají amarillo, até roupas, remédios, dinheiro e instrumentos musicais. Visitei as cidades de Lima, Huaraz, Chincha, Andahuaylas, Arequipa, Cusco, Ayacucho e Puno, tendo a chance de ver ao vivo e em cores as imensas diferenças entre a Costa e a Serra que tanto me 36 falavam os peruanos no Rio de Janeiro. Conheci família e amigos dos meus amigos peruanos no Rio de Janeiro. Tudo isso contribuiu para expandir minha capacidade de compreender o que os peruanos me diziam e me ensinavam sobre o Peru e as comparações com o Brasil. V. O Peru abriga uma população de mais de 29 milhões de habitantes em seus 25 departamentos, tendo seu território dividido em três grandes regiões, demarcadas pela cordilheira dos Andes: Costa, Serra e Selva. A Costa é a região que assumiu um lugar de destaque no desenvolvimento econômico e político do país e é nela onde está localizada a capital do país, Lima e os departamentos de Arequipa e La Libertad, importantes pontos de origem dos estudantes peruanos. A PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Serra é demarcada pela cordilheira dos Andes, pela forte presença indígena e pelo predomínio de áreas rurais. Na história pré-colonial, a região abrigou a capital do império Inca, além de outras populações pré-hispânicas. Na Serra está localizado o departamento de Cusco, que abriga a mundialmente conhecida cidade inca de Machu Picchu. Já a selva abarca a região amazônica, que, preterida no imaginário social peruano, quando lembrada é pelo exotismo e exuberância da natureza. É na Selva que está localizada província de Iquitos. Na viagens fiz ao Peru no período da pesquisa, tive a oportunidade de visitar os departamentos de Ancash, Arequipa, Apurímac, Ayacucho, Cusco e Puno, departamentos distribuídos de norte a sul da Serra Peruana e Lima e Ica, departamentos localizados na Costa Central. 37 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Figura 1- Mapa político do Peru Fonte: webinei.inei.gob.pe 38 Assim como no âmbito da sua geografia o Peru é entendido como dividido em três partes, ele também é compreendido como tripartite na sua composição étnico-racial, dividido entre o branco criollo, o índio e o mestizo (Degrogori, 2012). Enquanto o branco criollo, ou seja, os descendentes dos espanhóis, habitariam principalmente a costa do país, o índio teria como lugar de origem a serra. O mestizo representaria a miscigenação do branco com o índio, que estaria tanto na costa quanto na serra. Nesta classificação étnica das regiões do Peru, a selva raramente é lembrada, assim como os negros, questão que discutiremos no capítulo 3. Os jovens que participam deste trabalho saíram do Peru com idade entre 18 e 40 anos, são predominantemente homens. Todos os estudantes chegaram ao Brasil solteiros, sem filhos e pertenciam às classes médias/médias baixas das mais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA variadas partes do Peru. Entre os atores da pesquisa oriundos de Lima, alguns, antes de vir para o Brasil, viviam em bairros de classe média, como Barranco e San Isidro. Outros viviam em bairros periféricos nos chamados Conos- Sur e Norte-, áreas de ocupação no entorno de Lima que os estudantes comparam com as favelas brasileiras. Há ainda aqueles que são de Callao, província pertencente ao departamento de Lima, famosa por sua tradição portuária e por abrigar o aeroporto internacional Jorge Chávez. Além daqueles que nasceram em Lima e lá viveram até chegarem no Brasil, há estudantes oriundos de outras partes do Peru, incluindo departamentos na costa norte e sul, serra norte, sul e central e Selva. Da Costa norte, há um destaque para o significativo número de estudantes vindos de Trujillo, capital do departamento La Libertad. Além de Trujillo, no Rio de Janeiro há outros peruanos que vieram de Cajamarca, região da serra norte do país e de Ancash, estado localizado ao norte de Lima que se estende da serra à costa. Do sul do país, há estudantes vindos de departamentos costeiros, como Tacna e Arequipa. Outros, viviam em departamentos da serra, principalmente em Cusco, mas também Moquegua; da Serra central, encontramos o caso de um estudante de Huancayo, no departamento de Junín. Da selva, há apenas o caso de um estudante que é natural de Iquitos, Loreto. O quadro abaixo mostra o perfil dos estudantes peruanos no Brasil envolvidos da pesquisa. No esquema abaixo estão presentes os peruanos que 39 estudam ou estudaram no Rio de Janeiro e foram entrevistados pessoalmente; estudantes peruanos no Rio de Janeiro que não foram diretamente entrevistados, mas com quem convivi intensamente ao longo do trabalho de campo, assim como um caso de um ex-estudante que atualmente mora no Rio de Janeiro, mas fez sua graduação no Paraná. Entre os atores envolvidos na pesquisa há uma estudante peruana que estudou em São Paulo e continuou a residir na cidade depois de formada. Ela estudou na USP e, através da página dos estudantes peruanos da USP no yahoo groups, a estudante respondeu o roteiro de entrevista via email. Com a participação da ex-estudante da USP eu pude comparar a experiência dela PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA em São Paulo com aquela vivida pelos estudantes peruanos no Rio de Janeiro. 40 Quadro 1- Perfil dos atores da pesquisa Pseudônimo Idade Origem Agustín 30 Lima 2012 Alejandro 42 Lima 1993 Antonio 70 Cusco 1968 Augusto 32 Lima 2012 Univerdade Curso no Brasil Instituição Engenharia UNMSM Música UFRJ Mestrado PUC-RJ Agronomia UFRRJ Geologia UNI Graduação UFRRJ Ciências Universidad Biológicas Ricardo Palma Artes Cênicas UniRio Carla 41 Lima 2000 Cristiana 38 Lima 1995 35 Lima 1996 Administração UFRJ UNI 2003 Engenharia 2007 Engenharia UNI Daniel Douglas - Eduardo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Ano de Curso de Chegada Graduação Anchash 31 Anchash Emiliano 25 Lima 2011 Enrique 32 Cusco 1996 Gabriela 2009 Gladys 27 Arequipa Chincha 36 (Ica) Guadalupe 32 Lima 2011 Guillermo Isabel - Cajamarca Cajamarca 1993 UNT Física Engenharia UNI Engenharia UFPR Jeremia 29 Lima 2010 Juan 51 Lima 1983 Leonardo 30 Cusco 2009 Leyla 31 Lima 2011 Lorenzo Luis Fernando 30 Lima 2000 32 Tacna 1996 Néstor 30 Huancayo Iquitos 42 (Loreto) 2012 Oscar - - Mestrado PUC-RJ Mestrado FIOCRUZ Graduação UniRio Graduação UFRJ Universidade Engenharia Ricardo Palma Universidade Informática Gama Filho Engenharia UNSA Industrial UFRJ Economia Geologia UNMSM 1993 Administração Graduação UFRJ Engenharia UNSAAC Un. Nacional del Engenharia Callao Comunicação UFF Social UFRJ Arquitetura Engenharia UNCP Mestrado PUC-RJ Mestrado PUC-RJ Mestrado PUC-RJ Graduação Gama Filho Mestrado PUC-RJ Graduação UFU/UFRJ Mestrado PUC-RJ Mestrado FGV-RJ Mestrado PUC-RJ Mestrado PUC-RJ Graduação UFPR Mestrado PUC-RJ Mestrado UFRJ Graduação UFF Graduação UFRJ Mestrado UFRJ Gradução UFRJ Mestrado UFRJ Mestrado USP UFRJ 1988 Administração Osvaldo 32 Moquegua 2004 Piedad 45 Ancash 1999 Renato 24 Cusco 2006 Ricardo 30 Trujillo 2005 Rubén 32 Arequipa 1996 Sofia 29 Trujillo 2006 Solange 40 Lima 2011 Tomás 31 Arequipa 2005 Vania 21 Tacna 2011 Victor 32 Trujillo 2006 Virgilio 38 Lima 1996 Walter 28 Arequipa 2009 Engenharia UNSA Engenharia UNI Direito UERJ Física UNT Graduação UERJ Engenharia UFRJ Física UNT Graduação UFRJ Mestrado CBPF Engenharia UNMSM Engenharia UNSA Mestrado UNMSM Mestrado UFRJ Relações UFF Internacionais Engenharia UNT Artes Cênicas UniRio Engenharia UNSA Mestrado CBPF Graduação UFF Mestrado PUC-RJ Graduação UniRio Mestrado PUC-RJ 41 Neste trabalho, empregarei o termo "estudantes" para me referir aos sujeitos da pesquisa, que são peruanos que chegaram no Rio de Janeiro como estudantes. Alguns deles já são formados e continuaram na cidade como profissionais. Estes também serão denominados como "estudantes", remetendo à maneira como eles chegaram no Rio de Janeiro e tiveram sua primeira inserção na sociedade local. Ao longo da pesquisa, também mencionarei episódios e fala de outros peruanos que vivem no Rio de Janeiro, mas chegaram na cidade com outros objetivos que não o estudo. Estes serão denominados como "imigrantes" ou simplesmente "peruanos" e terão seu perfil explicado ao longo do texto. Todos os participantes da pesquisa tiveram seus nomes verdadeiros substituídos por nomes fictícios, para preservar sua identidade. Os nomes fictícios foram escolhidos inspirados na PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA pesquisa em sites de jornais e universidades peruanos, para se aproximar dos nomes frequentemente empregados na realidade do país de origem. VI. Esta está dividida em duas partes: a introdução e cinco capítulos. Na Introdução, apresentei como o problema de pesquisa do qual trata este trabalho foi desenvolvido, quem são e de onde vêm os indivíduos que participaram desta pesquisa e qual aparato teórico que estrutura a análise que será realizada nos próximos capítulos. O capítulo 2, A imigração peruana no Rio de Janeiro, aproxima o leitor da organização social dos peruanos na cidade no Rio de Janeiro. Inicio o capítulo explicando como comecei a compreender a dinâmica de interação dos peruanos a partir da Copa Peru-Rio, campeonato de futebol organizado anualmente por imigrantes peruanos para comemorar a independência do Peru. Após refletir sobre os elementos que entram em jogo na construção dos grupos de afinidades entre os peruanos, me concentro no caso dos estudantes analisando seu perfil, sua trajetória prévia à saída do Peru, as formas de acesso à universidade brasileira, as redes que constroem e o papel que eles assumem na consolidação de uma coletividade peruana na cidade. No capítulo 3, Peru, o ponto de partida, o foco está em compreender o contexto no qual o projeto de vir para o Brasil como estudante começa a gestado. 42 Uma vez que todo movimento de chegada pressupõe um movimento prévio, de sair de algum outro lugar (Sayad, 1998), este capítulo tem como objetivo compreender os significados do deslocamento internacional e da educação- dentro e fora do país- para a sociedade peruana. Numa sociedade em que as migrações internas colocaram em xeque as hierarquias raciais, geográficas e econômicas do país, a emigração se tornou um fenômeno presente no campo de possibilidades daqueles que buscam melhores condições de vida, sobretudo quando já viveram uma experiência migratória dentro do próprio país. Para os jovens peruanos que participam desta pesquisa, as migrações internas e internacionais são uma realidade próxima da sua vida cotidiana e, em alguns casos, servem de mola propulsora para sua saída do país como estudante. No capítulo 4, Brasil, a construção de um destino, a discussão gira em torno PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA das condições objetivas e intersubjetivas que fizeram do Brasil o lugar de destino para os jovens peruanos. Para nenhum deles, o Brasil era a primeira opção, mas se tornou uma possibilidade atraente quando souberam, através de suas redes, das bolsas que poderiam ter no país. Esta oportunidade, somada à imagem de Brasil difundida no Peru- como o país das praias, do carnaval e do futebol- , fizeram que o país se tornasse uma opção. No capítulo 5, O cotidiano no Rio de Janeiro, aborda a chegada dos estudantes peruanos o Rio de Janeiro, analisando sua inserção na cidade e a comparação que eles estabelecem entre a imagem que eles tinham do Rio de Janeiro antes de chegar e a realidade por eles aqui vivida. É na vida cotidiana na cidade de encontrar um lugar para morar, definir o que comer, se relacionar com os brasileiros, lidar com a Polícia Federal que se constrói a experiência migratória. Através dela, os estudantes se percebam como estrangeiros que estabelecem uma relação particular com o Rio de Janeiro. Diferentemente dos turistas, que apenas conhecem a cidade superficialmente, os estudantes consideram que é justamente na vida cotidiana que eles são capazes de desenvolver uma relação mais profunda com a cidade e seus habitantes e ter uma percepção mais crítica e precisa de como são os cariocas e o Rio de Janeiro. O sexto e último capítulo, Os imponderáveis da experiência migratória, trata das repercussões que a experiência de viver no Brasil como estudante provoca na subjetividade dos jovens peruanos. Neste capítulo, exploro o 43 argumento de que embora os estudantes peruanos se diferenciam dos imigrantes por inúmeros elementos, eles são atores que vivem uma experiência migratória, entendida como um conjunto de vivências que têm como pano de fundo o deslocamento no espaço que permite que os indivíduos lancem um olhar crítico sobre si mesmos, seu país de origem e a sociedade receptora. É na vida cotidiana no Rio de Janeiro que os estudantes descobrem que a experiência de estudar no exterior significa muito mais que obter uma formação profissional e acadêmica. Ela proporciona uma série de vivências que possibilitam transformações na maneira do estudante se compreender como indivíduo. As considerações finais traçam uma reflexão sobre os sentidos e significados que se colocam em jogo na relação entre os projetos e o campo de possibilidades na experiência migratória dos estudantes peruanos. Tais sentidos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA estão representados na expressão "P'a crecer en la vida", utilizada por um informante que explica por quê as famílias peruanas, marcadas por uma cultura tradicional e relativamente fechada, apoiam a saída de seus filhos do país. Apesar da mobilidade estudantil, da maneira como empreendida é pelos jovens peruanos, seja caracterizada como um deslocamento individual, no processo de (re)construção dos projetos, ela é fortemente influenciada por sua família e pela sociedade peruana que valorizam positivamente o estudar no exterior. Entretanto, a experiência de se afastar da sociedade peruana permite a eles conhecerem variadas alternativas de vidas que, muitas vezes, se confrontam com as expectativas atribuídas aos indivíduos no Peru. Nesta ambígua relação, a experiência migratória abre um novo leque de possibilidades para os jovens encontrarem novas formas de se inserir na sociedade peruana e no mundo. 2 A imigração peruana no Rio de Janeiro Neste capítulo, os estudantes peruanos são apresentados, contextualizados na dinâmica da população peruana no Rio de Janeiro. Marcada por uma profunda heterogeneidade, esta população abarca peruanos com diferentes perfis, que chegaram na cidade com diferentes objetivos. Uma característica que predomina entre os peruanos que vivem no Rio de Janeiro é sua alta qualificação e o fato de uma parte significativa deles terem chegado à cidade primeiramente como estudantes universitários e quando formados, não regressaram para o Peru. Isso PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA faz com que a população peruana no Rio de Janeiro apresente características muito diferentes de, por exemplo, a população peruana em São Paulo, cidade com maior presença de peruanos no Brasil. Assim como o Rio de Janeiro, São Paulo também recebe um importante fluxo de estudantes peruanos, mas também se destaca por receber peruanos que emigram por razões econômicas. Os peruanos que chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes chamam a atenção pelo papel que desempenham na construção de espaços de interação e convivência entre peruanos e latino-americanos, por sua ativa participação na sociedade civil peruana e no protagonismo que desempenham na disputa pela construção de uma imagem positiva do Peru e no Brasil. Longe de se fecharem nas salas de aula e laboratórios, muitos estudantes usam o lugar privilegiado que ocupam, como universitários, para consolidar sua presença na cidade. O capítulo segue dando ênfase à trajetória percorrida pelos jovens peruanos até sua vinda para o Brasil. Discutiremos o caminho percorrido desde quando por eles desde quando souberam das oportunidades de estudo no Rio de Janeiro até ingressar em universidades brasileiras. Neste processo, as redes de relações e a ação dos indivíduos em busca de informações são os principais meios de viabilização do projeto de sair do país como estudante. 45 2.1 Copa Peru-Rio: o futebol como metáfora das relações sociais Na minha iniciação ao trabalho de campo, frequentar os diferentes eventos públicos organizados pelos peruanos foi crucial para conversar diretamente com eles e observar as formas de interação que eles estabeleciam entre si. Os eventos públicos se tornaram espaços ainda mais privilegiados para desenvolver o trabalho de campo quando os primeiros peruanos que conheci aproveitavam estes momentos para me apresentar os amigos que eles acreditavam que poderiam ajudar na minha pesquisa. E estes amigos me apresentavam para outros amigos e, num efeito bola de neve, fui aos poucos sendo inserida em diferentes redes de relações. Delas participam majoritariamente peruanos, mas também brasileirosdo Rio e de outras partes do Brasil- e também estrangeiros de outros países como PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Itália, Colômbia, Argentina, Chile e Irã. Compartilhar com os peruanos o plano de escrever minha tese de doutorado sobre a imigração peruana no Rio de Janeiro despertou neles o desejo de contribuir com o trabalho, falando sobre suas vivências no exterior, explicando a história política e social do Peru, compartilhando receitas1, me ensinando a dançar e ainda, me apresentando a peruanos que eles consideram fundamentais para que eu aprendesse mais sobre o Peru e a presença de peruanos no Brasil. Entre os eventos públicos que frequentei estiveram algumas partidas da Copa Peru Rio 2011 e 2012, campeonato de futebol que ocorre todos os anos, desde 2006, no Aterro do Flamengo. O campeonato se inicia sempre no mês de julho, quando no dia 28, o Peru celebra sua independência. Geralmente, a Copa Peru Rio termina na primeira quinzena de agosto. As partidas são disputadas aos domingos, a partir de 13h e se estendem até às 19h. A organização da Copa Peru Rio é uma iniciativa de um grupo de amigos peruanos que joga futebol no Aterro do Flamengo às quintas-feiras à noite, depois que saem do trabalho. Muitos deles trabalham no comércio ambulante e moram próximos uns dos outros, na Lapa, região do centro do Rio do Janeiro. A Copa Peru Rio, no entanto, não está restrita a este grupo de amigos e nem a peruanos. Dela participam diferentes equipes. No ano de 2011, 9 times competiram pela taça de campeão, uma delas formada por 1 Sobre o papel da comida no processo de construção de relações de pertencimento e identidade ver capítulo 5. 46 equatorianos; em 2012, foram 8 as equipes que lutaram pelo título. Segundo o regulamento, todas as equipes poderiam ter de até 2 jogadores brasileiros. A Copa Peru Rio atrai um público composto pelos jogadores, alguns amigos e suas companheiras. Enquanto os maridos e namorados se preparavam para entrar em quadra, elas conversavam entre si. No momento da partida, elas se concentram para torcer pela vitória do time de seus companheiros. Além do público envolvido com os jogadores, a Copa também é frequentada por peruano/as que não têm nenhum interesse direto no futebol. Uma tradição durante os domingos do campeonato é que senhoras peruanas com experiência em cozinhar vendam pratos tradicionais do país no entorno da quadra onde acontecem as partidas. Por isso, muitas pessoas vão para o campeonato apenas para comer. Para os peruanos, a comida se constitui um elemento central na sua noção de pertencimento, o que faz com que os eventos onde são servidos pratos peruanos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA sejam geralmente os mais amplamente frequentados (Daniel, 2012c). Assim, a Copa Peru Rio se tornou um importante ponto de encontro para os peruanos que vivem no Rio de Janeiro, deixando registrada sua presença no espaço da cidade. Na primeira edição da Copa Peru Rio que assisti, em 2011, eu observei que as equipes estavam circunscritas a determinados grupos de afinidades. Meses antes do campeonato começar, conheci dois irmãos oriundos de Custo vendendo bijuterias na passarela do shopping Nova América, em Del Castilho, Zona Norte. Sempre que eu passava pelo shopping, que fica próximo da minha casa, eu conversava um pouco com os dois. Numa das conversas, eles me contaram que moravam na Lapa e me convidaram para ir às partidas de futebol às quintas-feiras, no Aterro. Eu agradeci o convite, mas nunca fui ao jogo deles. Na Copa Peru Rio 2011, eu os reencontrei. Eles compunham uma equipe com outros dois irmãos de Cusco que trabalham com confecção e venda de roupa. Os quatro comentaram que costumam trabalhar juntos, viajando por diferentes partes do Brasil vendendo seus artigos em feiras de exposição agropecuária. Os outros integrantes do time também eram de Cusco e trabalhavam como vendedores ambulantes. Além de conhecer alguns integrantes desta equipe, eu já tinha amizade com alguns dos integrantes de um time formado por peruanos que chegaram no Rio como estudantes. Todos os jogadores deste time moram em áreas de classe média do Rio- Copacabana, Laranjeiras, Vila Isabel- e da região metropolitana- Niterói, e exercem atividades profissionais qualificadas como dentista, administrador, 47 publicitário, engenheiro. Grande parte chegou no Rio de Janeiro entre final dos anos 90 e início de 2000. Estes dois times despertaram a minha atenção. Primeiro, porque eu conhecia os jogadores- e naquele momento fui apresentada a suas namoradas- dos dois times. Segundo, porque eles não se relacionavam entre si. Durante as partidas, os times se dividem pelo entorno da quadra em pequenos grupos que agregavam os próprios jogadores, as namoradas e esposas, os filhos e, às vezes, alguns amigos. Na final da Copa Peru Rio 2011, a equipe formada pelos cusquenhos se concentrou numa ponta da quadra. A equipe dos ex-estudantes, na outra. Como eu conhecia pessoas dos dois times e, as namoradas dos jogadores esperavam que eu fizesse companhia para elas, eu passei a tarde inteira me deslocando de uma ponta a outra da quadra, o que, no fim da tarde, me deixou exausta. Num determinado momento, a namorada do Fernando, um dos jogadores PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA cusquenhos, ficou sozinha. Ela reclamou que “sumi”: eu saí de perto dela e demorei a voltar. Incomodada pela cobrança e ansiosa para acompanhar o máximo possível tudo o que acontecia na tarde da final do campeonato, eu perguntei porque ela não se juntava às outras mulheres que também foram acompanhar seus namorados e maridos. Imediatamente Fernando respondeu que as mulheres dos jogadores dos diferentes times não se misturam. Assim como dentro de quadra o campeonato é regido por regras- a do futebol-, do lado de fora dela, há também um conjunto de códigos que organizam a dinâmica de interação dos grupos. Cada peruano que participa da Copa Peru Rio tem seu grupo e com suas namoradas e amigos, definem um local específico no entorno da quadra onde vão ficar esperando sua vez de jogar. O contato com outros grupos é mais ou menos esporádico e superficial. Fernando deixou claro para mim que fora da quadra também haviam regras a serem respeitadas. Tempo depois, a namorada de outro jogador do time de Fernando chegou e assim fez companhia para a namorada de Fernando, o que me permitiu circular sem que ela reclamasse minha presença2. 2 Uma característica da dinâmica das relações tanto entre o time de Fernando como no time de exestudantes é que os homens conversam e interagem entre si, muitos vezes formando um círculo em que as namoradas e esposas não entram. A namorada de um ex-estudante reclamou que é “sempre assim”, apontando para o círculo que seu namorado formou com os amigos peruanos. No círculo, eles conversavam com muito entusiasmo, em espanhol. Esta dinâmica parece marcar o espaço do futebol como um espaço preferencialmente masculino, no qual a mulher deve ocupar um lugar de discrição. 48 Assim, participar do mesmo campeonato de futebol e dividir o espaço dentro de quadra não garantem, por si só, uma integração mais profunda entre os peruanos. Embora compartilhem do entusiasmo pelo futebol, eles formam equipes adversárias dentro das quadras. Fora delas, os competidores se reúnem em pequenos grupos de acordo com time em que jogam, que, por sua vez, simboliza o grupo de afinidade no qual eles estão inseridos. Dentro destes grupos menores, os peruanos se preparam para a partida, se concentram, conversam e comem juntos. Estes grupos não são completamente fechados: eventualmente, pessoas de diferentes grupos conversavam, mas, em seguida, voltavam para aquele com o qual tinha mais intimidade. A Copa Peru Rio 2011 foi muito emblemática ao me dar as primeiras pistas que meses mais tarde me levariam à construção do objeto desta pesquisa. No primeiro momento, o que me saltou aos olhos na relação entre os times que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA disputavam o campeonato era a questão de classe. Desde meus primeiros contatos com peruanos, sempre ouvi deles que é muito comum que os peruanos não se relacionem com outros compatriotas por variados motivos, como a origem geográfica, étnica, ou o trabalho que desenvolvem. A distância entre o time dos vendedores ambulantes cusquenhos e o dos ex-estudantes universitários parecia comprovar tal diagnóstico. Esta observação me fez suspeitar que a relação entre os times de futebol e a classe dos participantes não deixam de entrar em cena em momentos lúdicos. Na edição de 2012 da Copa Peru Rio, confirmei que a questão de classe não desaparece no contexto de imigração: ser um trabalhador ambulante ou um estudante de pós-graduação faz com que o indivíduo ingresse num time de trabalhadores ambulantes ou num de estudantes de pós-graduação. No entanto, a dinâmica de sociabilidade dos peruanos no Rio de Janeiro não se reduz à dimensão da classe. Um exemplo disso é que em 2011, 3 equipes que disputaram o campeonato eram formadas por estudantes e ex-estudantes: uma de estudantes do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), outra de alunos da PUC-RJ e a terceira, que já mencionamos, de ex-estudantes universitários que chegaram no Rio de Janeiro no mesmo período- cujo nome é Peruchos. Das três equipes, eu conhecia jogadores das equipes PUC-RJ e dos Peruchos e percebi que entre eles não é estabelecido um contato mais íntimo, assim como não havia uma interação 49 mais profunda entre os últimos e o time de Fernando- que eu tinha percebido em 2011. Antes do campeonato anual, grande parte dos times costuma se encontrar periodicamente para jogar futebol, como Fernando e seus amigos e os estudantes da PUC-RJ, que se encontram às segundas e quartas na quadra da universidade. Nestes encontros, os jogadores têm a oportunidade de construir e aprofundar os laços de afinidade. Destes jogos participam outros peruanos que circulam pela mesma rede de relacionamento. Isto significa que um estudante da PUC-RJ que quer jogar futebol provavelmente irá aos jogos organizados pelos estudantes da PUC-RJ, que acontecem no campus da universidade. Muito possivelmente, ele nem será informado das partidas que são organizadas pelos alunos do CBPF, pelos Peruchos ou pelos amigos do Fernando, por exemplo. A Copa Peru Rio se mostrou para mim como uma metáfora das relações PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA sociais entre os peruanos no Rio de Janeiro. A formação das equipes de futebol se estrutura nas redes de relações, que são estabelecidas através de múltiplos elementos: os lugares do Rio de Janeiro que frequentam, o motivo por que saíram do Peru e vieram para o Rio, o bairro onde moram hoje, o bairro ou cidade onde moravam no Peru, a principal atividade que exercem aqui, entre outros. Em outras palavras, a classe se constitui um elemento importante na constituição das equipes. Ela é vivida na trajetória e se manifesta na realidade de forma complexa, distinguindo os indivíduos na sua forma de vestir, falar, pensar, se comportar e compreender o mundo (Bourdieu, 2007), assim como sair do Peru e viver no Brasil. Por isso, um estudante que estuda na PUC-RJ, mora na Gávea, tem como colegas de PUC-RJ outros peruanos que conheceu antes de vir para o Brasil dificilmente participará dos jogos de futebol às quintas-feiras à noite no Aterro do Flamengo organizados pelos peruanos vendedores ambulantes que moram na Lapa, ou os que acontecem na Urca, organizado pelos dos alunos do CBPF, mesmo sendo estes últimos estudantes de pós-graduação como ele. Quando perguntei se existia algum tipo de discriminação entre os peruanos que vivem no Rio de Janeiro, Renato me respondeu: É qual é teu círculo .. Um estudante, por exemplo, ou alguém que trabalha, vai ficar com os peruanos que estão estudando ou trabalhando. E os artesões, porque há 50 muitos peruanos artesãos, que inclusive jogam futebol no Aterro- dificilmente vão frequentar os mesmos lugares, por exemplo, este festival gastronômico no Sheraton3,, de comida peruana. Poucos peruanos vão lá para comer. Um artesão nunca vai lá ou ao Inti Wasi4... Eu não sei se seria discriminação: são círculos sociais, econômicos5. A explicação de Renato sobre os círculos onde se inserem os peruanos no Rio de Janeiro complementa minhas reflexões sobre a Copa Peru Rio. Elas foram primordiais para que eu refinasse meu olhar e minha escuta sobre a complexidade das relações sociais construídas pelos peruanos com outros peruanos, brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades. Sayad (1998) nos alerta que é um equívoco imaginar que os imigrantes formam uma comunidade coesa e unitária. Esta ideia parte da representação que se faz dos imigrantes como unidos aprioristicamente como um grupo homogêneo. Esta representação desconhecimento sobre os imigrantes: se baseia no nosso “... a percepção ingênua e deveras PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA etnocêntrica que se tem dos imigrantes como sendo todos semelhantes encontrase no princípio dessa comunidade ilusória” (p. 85). No caso dos peruanos, o mito de que no Brasil ou no Rio de Janeiro eles compõem uma comunidade homogênea ignora toda diversidade da sociedade peruana, suas contradições e sua complexidade. Um exemplo desta complexidade se manifesta nas diferenças que marcam os peruanos a partir de sua origem regional, baseada na divisão oficialmente do Peru entre costa, serra e selva, que será discutida no próximo capítulo. Ou ainda, as diferenças raciais, que distinguem índios, mestiços e brancos e estabelece uma hierarquia entre eles. Sem contar as diferenças de classe que marcam a população peruana no Peru e também no Rio de Janeiro. Por isso, nesse trabalho evito o uso de expressões como “comunidade peruana”6 que, além de não ser uma maneira através da qual os peruanos se referem a si mesmos e aos conacionais que também vivem fora do 3 Festival de comida latino-americana que aconteceu anualmente e que sempre tem um fim de semana exclusivo de comida peruana. 4 Primeiro restaurante peruano no Rio de Janeiro, localizado no Flamengo. 5 Es cual es tu circulo. Un estudiante, por ejemplo, o alguien que trabaja, va estar con peruanos que estan estudiando o trabajando. Y los artesanos- porque hay muchos peruanos artesanos que incluso juegan futbol en Aterro- dificil van a frecuentar los mismo lugares que, por ejemplo, este festival gastronomico en el Sheraton de la comida peruana. Pocos peruanos van a ir ahi a comer. Un artesano nunca va a ir ahi o al Inti wasi... No sé si seria discriminación: son círculos sociales, económicos. 6 Alguns sujeitos da pesquisa usam a expressão “colônia peruana” para se referir ao conjunto de peruanos que vivem no Rio de Janeiro. 51 país- ou seja, essa não é uma categoria nativa-, ainda traz o risco de ignorar a profunda diversidade que caracteriza a população peruana no Rio de Janeiro. Os estudantes também não conformam um grupo homogêneo. Entre eles há uma multiplicidade de condições sociais, origens regionais, classe, gênero. Precisamos ter em mente que os peruanos que hoje vivem no Rio de Janeiro não conformam um todo fechado, opaco, com fronteiras bem definidas entre “imigrantes”, “estudantes”, “peruanos” e “brasileiros”. Ao contrário: os peruanos no Rio, sejam eles imigrantes ou estudantes, participam de diferentes processos de interação, no qual encontram a oportunidade de (re)pensar o significado de ser peruano- no exterior e no Peru. Nessa dinâmica, há peruanos que preferem se relacionar apenas com peruanos; outros que privilegiam a convivência com brasileiros ou ainda aqueles que apreciam a chance que o Rio oferece de conviver com estrangeiros de muitos países. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Entre os estudantes, a diversidade também é imensa, por isso, imaginar que eles conformam um grupo uniforme é um total equívoco. Os estudantes percorrem diferentes trajetos, elaboram diferentes projetos dentro de seu campo de possibilidades, influenciados por suas famílias, pela conjuntura política e social do Brasil e do Peru no momento que partiram, suas expectativas de futuro, as surpresas que encontraram nesse caminho. O que há de comum entre eles é o fato de lançarem mão da educação como recurso para sair do país, tendo a chance de viver uma experiência migratória. 2.2 A dinâmica das relações na imigração peruana Embora a imigração de peruanos não seja um fenômeno novo no Brasil, até hoje ela recebeu pouca atenção da academia e da mídia. Um esforço de preencher esta lacuna vem sendo realizado por pesquisadores vinculados a universidades da região da Amazônia brasileira, como Silva (2008; 2011a; 2011b), Rufino (2011; 2013) e Oliveira (2006; 2008a; 2008b), que reconhecem a vitalidade da dinâmica das migrações internacionais naquela região e a participação de peruanos nesse processo. Nas grandes cidades brasileiras, como São Paulo e Rio de Janeiro, a imigração peruana permanece pouco visível no 52 debate público ou, quando aparece, assume o lugar de coadjuvante diante da imigração de outros grupos de latino-americanos, como no caso de São Paulo em que há peruanos que trabalham com os bolivianos. Apesar disso, a imigração peruana tem apresentado um significativo aumento nas últimas décadas: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Quadro 2- Número de peruanos residentes no Brasil Ano Número de peruanos 1960 2.500 1990 5.831 2000 10.814 Fonte: CELADE (dados do Censo Demográfico do IBGE) Como nota Dutra (2012), que analisa na sua tese de doutorado a imigração de empregadas domésticas peruanas para Brasília, os dados acima levam em consideração apenas os peruanos que estão no país de forma regular, que registram domicilio no Brasil e forma incluídos na amostragem definida para a pesquisa domiciliar do Censo do IBGE. Ou seja, estas cifras não incluem os peruanos que não possuem um visto que regularize sua presença no Brasil e mesmo se considerada a população estrangeira em situação regular, é muito provável que o Censo apresente um número subestimado. Entre os latinoamericanos residentes no Brasil, os peruanos estão em sexto lugar, atrás dos paraguaios, argentinos, uruguaios, bolivianos e chilenos7. No caso do Rio de Janeiro, a imigração peruana permanece invisibilizada. Ainda não existem pesquisas acadêmicas sobre o tema, apesar de existir peruanos que residem na cidade há mais 30 anos. Diante de tamanha escassez de dados e 7 Número de latino-americanos residentes no Brasil por nacionalidade: 1) paraguaios : 28.822; 2) argentinos: 27.531; 3) uruguaios: 24.740; 4) bolivianos: 20.388 e 5) chilenos (17.131), segundo dados do Censo do IBGE disponibilizados pela CELADE (http://www.eclac.cl/celade/migracion/imila/. Acesso em 15 de abril de 2012) 53 referências bibliográficas sobre a imigração peruana no Rio de Janeiro, essa seção será baseada nos dados construídos a partir do trabalho de campo, tendo como principal fonte o relato dos sujeitos da pesquisa. A vinda de peruanos para o Rio de Janeiro tem assumido ao longo das últimas décadas duas tendências: de um lado, a cidade recebe peruanos cujo principal objetivo é o trabalho- qualificado ou não-; de outro, ela recebe peruanos atraídos pelas oportunidades de estudo e pesquisa. A opção de vir para o Rio de Janeiro se diferencia do fluxo de peruanos para o Brasil, que tem como destinos principais a cidade de São Paulo ou as maiores cidades da região amazônica, como Manaus e Rio Branco ou cidades pequenas localizadas na área de fronteira, como Tabatinga, no Amazonas. A possibilidade de acesso ao Brasil foi recentemente facilitada com a inauguração em 2010 da rodovia Interoceânica, que liga o norte do Brasil com o litoral sul do Peru, o que pode estimular mais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA peruanos a vir para o Brasil. Em São Paulo, há peruanos que se juntam a bolivianos no ramo da costura (Silva, 1997). Além da costura, os peruanos em São Paulo trabalham na venda ambulante de artigos variados como brincos, pulseiras, lenços, chapéus. No centro da cidade de São Paulo, a praça da República se constitui um local estratégico, escolhida por muitos peruanos se dedicam à venda ambulante e decidem morar próximo às zonas centrais da cidade. Nesta região, residem muitos daqueles que trabalham no seu entorno, conferindo à região uma dinâmica particular, com, por exemplo, restaurantes especializados em comida peruana. Por outro lado, São Paulo também é o destino escolhido por peruanos ligados à produção artística. Como uma das principais metrópoles da América do Sul, São Paulo desperta a atenção pela sua grandiosidade e pela diversidade que abarca. A vida cultural de São Paulo, com seus diversos museus, casas de cultura, teatros e parques atraem artistas de outros países latino-americanos, entre eles peruanos, que anseiam desenvolver uma produção cultural. Estes foram os casos de Cristiana e Virgilio, que queriam estudar Teatro e Alejandro, Música, em São Paulo. São Paulo ainda recebe estudantes peruanos, alunos de graduação e pósgraduação, com o objetivo de concluírem sua formação no país. Silva (2003) observou que os peruanos compunham o grupo mais numeroso de hispanoamericanos em cursos de pós-graduação da USP, somando 193 estudantes. Muitos 54 deles continuam no Brasil depois de concluírem seus cursos e aqui encontram um emprego, ingressam no matrimônio e têm filhos brasileiros. Eles primeiramente se integram à sociedade brasileira através da educação superior e, posteriormente, ingressam em postos qualificados no mercado de trabalho e no mercado matrimonial. Piedad, por exemplo, é engenheira química e há 13 anos veio para a USP cursar a pós-graduação. Apesar de ser casada com um peruano, ela decidiu continuar em São Paulo, pois conseguiu mais reconhecimento profissional no campo da pesquisa acadêmica do que teria no Peru. A imigração peruana em São Paulo é bastante diversificada, em termos de classe social, objetivos que motivaram a saída do Peru e a região de origem. Apesar de abrigar um número consideravelmente menor de peruanos- de acordo com o Consulado Geral do Peru no Rio de Janeiro, há cerca de 5.000 peruanos registrados nos estados de Rio de Janeiro e Espírito Santo-, a imigração peruana no Rio de Janeiro também tem PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA como uma de suas principais características a heterogeneidade. Ainda na década de 60, alguns peruanos vieram para a região metropolitana do Rio de Janeiro estudar ou trabalhar. Um exemplo desse primeiro movimento é Antonio. Em meados da década de 60, ele saiu do Peru para terminar sua graduação em Agronomia na UFRRJ. Ele pertencia a uma grande família, cuja esperança era formar alguns filhos para que eles pudessem encontrar logo um emprego para ajudá-la economicamente. No entanto, o plano familiar foi interceptado pelos movimentos políticos que comprometiam a formação dos estudantes universitários. Depois de passar por variadas universidades públicas sem conseguir concluir os estudos, Antonio foi incentivado pelo irmão mais velho a terminar os estudos no Brasil, na UFRRJ. Seu irmão do meio também foi aconselhado a vir, mas ao contrário de Antonio, não quis sair do Peru e não conseguiu terminar seus estudos universitários. Ele terminou sua graduação e optou por continuar no Brasil, onde se casou com uma brasileira e teve filhos. O peruano se lembra que havia muitos outros estudantes hispano-americanos na UFRRJ, inclusive peruanos, que continuaram a morar no Brasil depois de formados. A imigração peruana ganhou certa visibilidade entre a população carioca a partir da presença dos trabalhadores ambulantes e dos músicos de instrumentos andinos no centro da cidade. Os músicos, principalmente, ocupam um lugar folclórico no imaginário carioca: muitos deles costumavam usar trajes que 55 remetiam a uma idealização do indígena, o que às vezes incluía vestimentas decoradas e adornos penas coloridas. O repertório apresentado era geralmente canções- brasileiras e estrangeiras- de grande sucesso no Brasil, como, por exemplo, a música trilha do filme Titanic. Os cariocas, de uma maneira geral, têm uma percepção negativa destes músicos e dos vendedores ambulantes, imaginando que eles e todos os demais peruanos são imigrantes ilegais e pouco escolarizados. É muito comum que, quando digo, resumidamente que meu tema de pesquisa é a imigração peruana no Rio de Janeiro, as pessoas- acadêmicas ou não- me perguntem se eu trabalho com camelôs ou músicos de instrumentos andinos. Quando digo que meu foco é a experiência migratória de estudantes universitários, todos reagem com grande surpresa. Minha resposta contraria a imagem de “peruano” que se consolidou no imaginário carioca, como aquele que veste trajes típicos indígenas e toca instrumentos de sopro tradicionais da região PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA dos Andes, como a zapoña8. Embora alguns peruanos sejam trabalhadores ambulantes ou músicos de instrumentos tradicionais, eles não representam a totalidade da presença peruana no Rio de Janeiro. 2.3 Os estudantes e a vida social peruana Um dado interessante sobre o fluxo de peruanos para os Estados Unidos e a Espanha, destinos tradicionais de recepção de peruanos no hemisfério norte, e Argentina, principal receptor de peruanos no hemisfério sul, é que os primeiros peruanos que ali chegaram principalmente estudantes universitários dos níveis de graduação e pós-graduação (Altamirano, 2000a; Pærregaard, 2008). Outro fenômeno interessante, agora do lado brasileiro, é que o grupo latino-americano que mais imigra para o Brasil na atualidade, os bolivianos, começou sua vinda para o país também primeiramente como estudantes universitários nas décadas de 60 e 70, através de convênios universitários (Nóbrega, 2009). Embora apareça no espaço público pela sua inserção no mercado de confecção de roupas, muitas vezes exercendo um trabalho em condições precárias, 8 É interessante notar que atualmente o ramo está sendo ocupado por muitos imigrantes equatorianos. 56 a imigração boliviana tem como pioneiros os estudantes universitários. Muitos deles optaram por continuar no Brasil quando depois que terminaram seus cursos, se inserindo no mercado de trabalho brasileiro e muitas vezes casando e tendo filhos no Brasil. Não posso afirmar que a chegada de estudantes bolivianos no Brasil e de estudantes peruanos na Argentina, EUA e Espanha tenha influenciado diretamente a posterior imigração massiva de peruanos e bolivianos para estes países, afirmativa esta que escaparia do escopo do presente trabalho e exige uma pesquisa rigorosa. O que este dado nos revela é que o deslocamento de estudantes estrangeiros exige uma maior reflexão sobre seu significado no contexto de expansão da globalização e da intensa diversificação das maneiras de se locomover pelo mundo (Canclini, 2007). Apesar dos estudantes universitários ter uma condição diferenciada dos imigrantes- com um visto temporário, inseridos no sistema de ensino superior PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA brasileiro e tendo seu primeiro contato com a sociedade brasileira através das classes médias universitárias-, eles não dos imigrantes na vida cotidiana no Rio de Janeiro. Ambos, imigrantes e estudantes, se relacionam com o contexto social, político e econômico nacional e internacional para tomar a decisão de imigrar e para onde ir; precisam lidar com os estereótipos que o brasileiro tem do Peru no seu processo de adaptação à sociedade brasileira; se chocam com as diferenças culturais entre os dois países. Entretanto, a relação entre estudantes, ex-estudantes, imigrantes qualificados e não-qualificados costuma ser pontual e esporádica, circunscrita a determinados grupos de afinidades que se encontram em locais e eventos que tem como principal público alvo os peruanos no Rio de Janeiro. Os principais eventos dos quais participam peruanos com um perfil mais diversificado são a já mencionada Copa Peru-Rio, a festa de celebração do Dia de la Patria- dia da independência do Peru, no dia 28 de julho- e a celebração do Señor de los Milagros, santo padroeiro do Peru. Além desses três eventos que, por se vincular a símbolos nacionais, desempenham uma função de agregar peruanos de diferentes redes, outros eventos são organizados por peruanos que, nem sempre com a declarada pretensão de reivindicar símbolos pátrios, conseguem reuni-los em torno da música, da dança e da comida do país de origem que sentem falta. Para eles, a cidade carece de mais eventos e festas como no Peru, onde podem encontrar os amigos para ouvir e 57 dançar ritmos como a salsa, o merengue, a cumbia, o reggaeton. Na opinião dos peruanos, também falta ao Rio mais opções de lugares onde podem saborear comida peruana9, que, como veremos adiante, é o que eles mais sentem falta do seu país. Para muitos estudantes e ex-estudantes, cultivar as formas de diversão e socialização que remetem ao Peru é uma maneira de lidar com a distância que o deslocamento impõe e a partir das referências peruanas, cultivarem um sentimento de pertencimento com outros peruanos no Rio de Janeiro - na construção cotidiana de uma comunidade imaginada (Anderson, 1989). Sair a noite para escutar e dançar as mesmas músicas que se costumavam ouvir e dançar no Peru representa um alívio para aqueles que sentem falta do país de origem. Isto não significa que os estudantes peruanos não se integrem à sociedade carioca e não desfrutem das formas cariocas de se divertir. Ir para um bar beber e conversar, sair para dançar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA samba ou forró é também apreciado por muitos. No entanto, eles também querem ter a possibilidade de se divertir como faziam no Peru. Alguns peruanos que chegaram no Rio de Janeiro como estudantes participam ativamente na construção de um espaço público onde peruanos possam se reunir e cultivar hábitos em comum, reforçar uma procedência em comum que servem de base para a (re)construção de uma peruanidad10 longe do Peru e ainda, divulgar o Peru para a sociedade receptora. A participação dos estudantes e exestudantes na construção de uma espaço público se dá através de diferentes formas: dois grupos de música, dois grupos de dança, organizações de festas “latinas11”. 9 No Rio de Janeiro, atualmente há três restaurantes peruanos: o mais antigo, aberto em meados de 2005, localizado no Flamengo; o segundo, aberto em 2011, localizado em Copacabana e o mais recente, aberto no final de 2012, em Botafogo. Este último é uma filial de um restaurante cuja sede fica em São Paulo. 10 Ver capítulo 5. 11 Assim são chamadas as festas que tocam ritmos como salsa, merengue e cumbia, ou seja, ritmos latino-americanos, e ritmos estrangeiros cantados em espanhol, como rock pop. 58 2.3.1 Grupos de música No Rio de Janeiro, há dois grupos de música peruana que têm estudantes na sua composição: o grupo Negro Mendes e o grupo Kuntur. Iniciado em 2002, o Negro Mendes é um grupo profissional que se dedica a tocar música do litoral peruano, principalmente afroperuana e criolla. Composto por uma uruguaia, um brasileiro e três peruanos- um deles, ex-estudante-, o grupo se formou no Rio de Janeiro, com a proposta de fazer uma releitura destes ritmos, incluindo no repertório tanto peças tradicionais do cancioneiro peruano, como canções do artista afroperuano Nicomedes Santa Cruz e da expoente da música criolla Chabuca Granda. Uma particularidade do grupo é que, na releitura de que fazem da música peruana, eles misturam diferentes ritmos numa mesma canção, numa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA criativa fusão entre originalidade e tradição, incluindo composições próprias. Na sua comunidade na rede social orkut, o Grupo se apresenta: É ainda desconhecida no Brasil a riqueza musical do litoral peruano; produto de uma síntese das tradições espanhola, andina e africana, que desde o século XVI misturaram suas raízes originando ritmos e estilos que hoje em dia estão ganhando reconhecimento internacional. Quem já assistiu ao espetáculo da banda Negro Mendes tem vibrado com a cadência contagiante do Festejo e se envolvido na atmosfera cativante do Landó; gêneros estes que sintetizam a tradição afro-peruana e que o grupo peruano-brasileiro vem divulgando no Rio de Janeiro desde 2003, havendo participado de importantes eventos culturais12. O grupo Negro Mendes se formou a partir do encontro de dois de seus integrantes peruanos, que, por um acaso, descobriram que tocavam música afroperuana. Os três peruanos foram os primeiros a se reunir, tendo os três desenvolvido a habilidade de tocar música ainda no Peru. Quando moravam no país de origem, nenhum deles nunca tinha tido a experiência de tocar música peruana profissionalmente. A ideia de se juntar para tocar exclusivamente estilos musicais do litoral peruano surgiu no contexto migratório, numa descoberta inesperada de Ricardo Bartra e Edison Mego- que depois de terminar sua formação universitária no Rio de Janeiro, foi convidado para trabalhar no consulado peruano: 12 http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=6771601&hl=pt-BR 59 O grupo surgiu em 2002, quando eu fui fazer um trâmite no consulado peruano, e o Edison trabalhava lá. Perguntaram minha profissão e eu disse que era músico. O Edison contou que tocava cajón13 e perguntou se eu tocava música peruana. Nós tínhamos um amigo em comum, o Zé Maria, então foi rápido, começamos a nos juntar para fazer música, naturalmente. Durante um ano foi um trio de peruanos: eu, Edison e Zé Maria – conta Ricardo Bartra14. O quarto integrante do Grupo foi o brasileiro que se interessou pelo projeto desenvolvido pelo Negro Mendes. Quando perguntam a ele qual é sua ligação com o Peru, ele sempre responde que nasceu e cresceu na Rua República do Peru, no bairro de Copacabana. Já a integrante uruguaia ingressou no grupo anos mais tarde. Seu interesse em entrar no Grupo está ligado à admiração que tinha por ele e pelo fato das músicas afroperuanas ativar sua lembrança do candombe, ritmo afro-uruguaio. Quando comecei a frequentar os eventos organizados por peruanos, o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Grupo Negro Mendes estava realizando shows periódicos às quintas-feiras. Como em 2011 este era um dia que eu trabalhava, eu não podia ir aos shows. Mesmo antes de estar presente nos shows, eu busquei informações sobre o Grupo na internet: adicionei o perfil do Grupo ao meu no facebook e ouvi suas canções pelo myspace. Durante alguns meses, o Grupo Negro Mendes foi a única trilha sonora que eu escutava, não só porque eles tocam música peruana, mas, principalmente, porque eu gostei bastante do estilo, que me lembrava muito a peña15 que conheci na minha segunda visita ao Peru, em junho de 2011. O Grupo Negro Mendes representava, então, a oportunidade que eu tinha para me aproximar de uma cultura peruana muito diferente dos estereótipos brasileiros- que imagina o Peru como exclusivamente indígena16- e que me remetia à experiência de Peru que eu vivi quando estive lá. O Grupo Negro Mendes desempenha o notável papel de aproximar o público no Brasil da produção cultural do litoral peruano, principalmente das músicas criolla e afroperuana. E seu público é diversificado, incluindo peruanos, 13 Instrumento de percussão que tem a forma de um retângulo, como uma caixa, feito de madeira. http://www.anovademocracia.com.br/no-100/4401-negro-mendes-uma-viagem-a-africa-ao-perue-ao-brasil-. Dezembro de 2012. 15 Locais onde se apresentam grupos de música afroperuana e criolla, são servidos pratos de comida criolla e às vezes também se apresentam concomitantemente grupos de dança. Os espaços das peñas são muito populares em Lima. Nas Fiestas Patrias de 2012, foi organizada uma festa no estilo das peñas peruanas. 16 Ver debate sobre a formação social do Peru no capítulo 3. 14 60 brasileiros, latino-americanos- uruguaios, colombianos, argentinos, chilenos, mexicanos- e estrangeiros de outras nacionalidades, principalmente os que apreciam uma produção musical mais autoral e menos comercial. Entre o público peruano que comparece aos shows, prevalece a presença daqueles que chegaram ao Rio de Janeiro como estudante. Alguns chegaram à cidade no mesmo período que os integrantes do Grupo e, assim, acompanharam seu processo de formação até seu momento atual. Outros ainda são estudantes e apreciam a oportunidade que o Grupo oferece de desfrutar de ritmos peruanos mesmo vivendo no Rio de Janeiro. Ambos costumam ir aos shows acompanhados por amigos- peruanos e de outras nacionalidades-, contribuindo para a divulgação da música do litoral peruano no Brasil. Para mim, frequentar os shows era uma ótima oportunidade para me divertir e também aprofundar o contato com os estudantes que vinha conhecendo. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA O grupo Kuntur é formado por músicos amadores, todos eles estudantes de pós-graduação. A ideia de reunir músicos amadores para compartilhar e tocar música peruana teve seu início com a abertura de um grupo no facebook, em 2012. Denominado Apasionados pela música, o grupo na internet tinha como descrição: Esta é uma tentativa de reunir todos os amantes da música peruana amadores ou profissionais, a fim de trocar ideias e experiências. O segundo objetivo é aumentar a nossa capacidade de organização para representar o Peru quando o Rio de Janeiro e o mundo queiram ver os peruanos em apresentações públicas . Este será também um espaço para músicos diferentes poder coordenar e se agrupar como julgarem conveniente17. Da iniciativa via facebook, o grupo começou a tomar forma, realizando suas primeiras reuniões, com o objetivo de construir um repertório de canções peruanas que pudessem ser apresentadas em público. O grupo é composto predominantemente por estudantes da UFRJ. Os ensaios acontecem semanalmente na Ilha do Governador, bairro próximo ao campus do Fundão, onde a maioria estuda. Em outubro de 2012, o grupo fez uma de suas primeiras apresentações 17 "Este es un intento de reunir a todos los aficionados o profesionales de la música peruana con el objetivo de intercambiar ideas y experiencias. El segundo objetivo es aumentar nuestra capacidad de organización para poder representar al Peru cuando Rio de Janeiro y el mundo quieran ver a los peruanos en presentaciones públicas. Este también será un espacio para que diferentes músicos puedan coordinar y agruparse según lo crean conveniente". 61 públicas, no Dia da Hispanidade18, na Casa de España, tocando ao vivo para o grupo Sayari de Danzas peruanas dançar. No evento, o grupo tocou uma valicha19- em espanhol e em quéchua- e uma marinera. Em novembro de 2012, alguns dos integrantes do grupo fizeram outra apresentação com o grupo Sayari: um número de Valentina20. Até muito recentemente, o grupo ainda não tinha um nome definido e costumávamos chamá-los de Los Apasionados, em referência ao grupo no facebook. Em 2013, eles apresentaram um espetáculo na festa pela Independência do Peru. 2.3.2 Grupos de dança O grupo Sayari Danzas Peruanas21 é um grupo amador de danças folclóricas formado em 2009, reunindo principalmente jovens universitários. O PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA grupo surgiu do anseio de uma peruana de preparar uma bonita apresentação para o Dia da Hispanidade de 2009. Naquele ano, o Peru havia sido convidado para dançar no evento, mas não havia mais um grupo de dança organizado. Uma peruana soube disso e, preocupada com o desempenho que o Peru teria frente aos outros países e com a imagem de seu país que seria transmitida, ela resolveu encabeçar o movimento de formação de um grupo de dança. Primeiramente, ela procurou o Consulado, que ajudou enviando um email para todos os peruanos registrados, informando sobre a iniciativa daquela que se tornou a diretora do grupo. A entrada de novos membros é constante, porém há uma exigência coletiva de que os participantes assumam as responsabilidades do grupo: frequentar os ensaios- toda quinta-feira, às 19h, no ginásio da PUC-RJ, treinar em casa os novos passos aprendidos, estar presente nas reuniões e nas apresentações públicas. Apesar da maioria de seus membros ser peruana, o grupo está aberto a qualquer interessado, sem nenhum tipo de restrição. Na sua 18 Festa organizada pela Casa de Espanha do Rio de Janeiro, no mês de Outubro, que convida representantes das comunidades hispânicas no Rio de Janeiro para apresentarem danças folclóricas de seus países e oferecer a venda de comidas típicas. 19 Canção do estilo huayno (ver glossário), que conta uma história de amor de um casal- um espanhol e uma índia. 20 Tipo de festejo- estilo de música afroperuano- instrumental, muito vibrante, dançado exclusivamente por mulheres. A dança se desenrola como uma competição entre os músicos e as dançarinas, que tem que coordernar o movimento do corpo- principalmente quadris e ombros- ao ritmo da canção. 21 http://sayari-dancasperuanas.blogspot.com.br/ 62 formação, o Sayari sempre contou com a participação de estrangeiros- brasileiros ou não-, geralmente filhos/as de pais peruanos, amigo/a ou namorado/a de peruano/a22. O grupo Sayari tem como objetivo apresentar danças folclóricas que caracterizem a diversidade cultural do Peru. Atualmente, o repertório do grupo inclui ritmos tradicionais do litoral peruano, como a vals, a marinera, o festejo e o tondero, e a valicha, canção originária da serra do país. Como danças folclóricas, as apresentações são realizadas em diferentes eventos, num ritual em que, enquanto o grupo dança há um público que assiste. Esta dinâmica é diferente de outras danças em que todos dançam ao mesmo tempo. No público do grupo Sayari estão incluídos peruanos, brasileiros e estrangeiros de outras nacionalidades, de acordo com o evento onde se apresenta. Anualmente, o grupo participa das celebrações das Fiestas Patrias, do Sr. de los Milagros e do Dia da Hispanidade. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Além desses eventos, o grupo também já se apresentou nos campeonatos de futebol no Aterro do Flamengo, em mostras da cultura peruana, em escolas e universidades no Rio de Janeiro. Uma especificidade do grupo é que por ser composto majoritariamente por estudantes de pós-graduação, o ritmo de encontros e ensaios varia de acordo com o ritmo das provas, exames, apresentação de trabalhos e participação em congressos. O momento mais crítico é quando os estudantes estão prestes a passar pelo exame de qualificação e pela defesa da tese/dissertação. Este é o momento em que o estudante se afasta do grupo para poder concretizar as demandas de seu programa de pós-graduação. Neste ano, dois integrantes do grupo deverão defender a tese de doutorado e ainda não sabem se continuarão no grupo- e no Brasil- depois de concluído o curso. Além do grupo Sayari, no Rio de Janeiro há ainda o grupo de dança Hijos del Sol. Este é o grupo mais antigo na cidade, porém ele não mantém suas atividades continuamente. Ele também é composto majoritariamente por peruanos que chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes. Quando ativo, o grupo ensaia no Consulado aos sábados a tarde. Antes de formar o Sayari, a peruana que se tornou diretora dele buscou informações sobre o Hijos del Sol, mas o grupo não estava ativo naquele período. Em 2011, alguns dos membros do Sayari 22 Atualmente, além de duas brasileiros, o grupo tem uma integrante italiana. 63 começaram a participar também do Hijos de Sol, o que no início provocou um mal-estar entre as diretoras dos dois grupos. Em 2012, os grupos chegaram a pensar na possibilidade de se unir pelo objetivo em comum de representar o Peru no Rio de Janeiro. No entanto, dificuldades de entendimento sobre a questão fizeram com que eles continuassem separados. 2.3.3 Festas e eventos A Noches de Sol é uma festa organizada pelo Dj Rayado23, peruano que há cerca de 8 anos começou a agrupar amigos ao som de ritmos latino-americanos. A iniciativa surgiu quando um grupo de amigos peruanos decidiu se reunir e pediu para Rayado se encarregar da trilha sonora. Os amigos gostaram da reunião e resolveram repetir outras vezes. Diante do sucesso que teve com os amigos, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Rayado decidiu organizar festas abertas ao público. Quando eu comecei a frequentar a Noches de Sol- a primeira vez que eu fui foi em Agosto de 2011-, a festa acontecia quinzenalmente num local no final da rua do Ouvidor, no centro do Rio. Do início a meados de 2012, a festa passou a ocorrer num bar na Lapa- na rua Mem de Sá. Desde de meados de 2012, a festa já não tem um local fixo, mas tenta manter certa periodicidade e sua realização agora acontece em diferentes espaços do Centro e da Zona Sul carioca. Também no ano de 2012, a festa passou a contar com a organização do DVj Ratón, que é boliviano. No perfil do evento no facebook, a Noches de Sol é definida como: Evento inspirado em nosso maravilhoso e harmonioso passado latino, com o intuito de transcender o espaço e o tempo. (...) Queremos que a nossa música seja uma sensação universal que conecte todos os seres, transpondo todas as barreiras. Valorizamos nossa cultura e nosso passado, que nos ensina o quão grandioso somos. Noches de Sol é referência em música latina no Rio de Janeiro, e é realizada semanalmente pelo DJ Rayado (Peru) e pelo DVJ Ratón (Bolívia). Nossa festa do Sol é cheia de calor, amor, alegria e muito reggaetón misturado com o reggae jamaicano, cúmbia, latin pop, merengue, salsa, bachata e os vários ritmos latinos atuais numa conexão de som e imagem da cultura latino24 americana . Na lista de participantes da Noches de Sol estão peruanos, colombianos, venezuelanos, chilenos, argentinos, brasileiros e estrangeiros de outras 23 24 Vive há 13 anos no Brasil, onde fez a graduação. https://www.facebook.com/nochesdesol/info 64 nacionalidades. Como uma festa pública e comercial, sua divulgação é ampla e o objetivo é que cada mais pessoas estejam presentes. Na sua realização, são tocados diversos estilos latino-americanos populares, como reggaeton, salsa, merengue, rock latino e bachata interpretados por cantores e bandas famosos de toda América Latina, como Shakira, Juan Luis Guerra, Marc Anthony e Luis Enrique. Enquanto soam as músicas, os participantes conversam com seus amigos, bebem drinks e, principalmente, dançam. A proposta do Dj Rayado é consolidar um espaço de festa que se diferencie das opções de lazer oferecidas pelos DJs brasileiros, fazendo da sua origem peruana e dos ritmos latinos uma marca para se destacar no mercado do entretenimento no Rio de Janeiro. Antes da Noches de Sol se tornar mais frequente, os peruanos costumavam se encontrar para dançar salsa na Lapa, onde funcionava o Punto Latino, local onde tocava Cigano, um DJ mexicano muito PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA popular entre os hispano-americanos. Este era o local onde os peruanos de diferentes classes sociais se reuniam para dançar salsa. Quando eu frequentava a Lapa, entre os anos de 2006 e 2007, sempre tive curiosidade de ir ao Punto Latino, mas meus amigos, todos brasileiros, nunca quiseram me acompanhar e eu nunca me animei para ir sozinha. Em 2011, quando comecei o trabalho de campo, decidi ir ao Punto Latino, mesmo que sozinha. Para minha surpresa, o local já não existia mais. Quando comecei a frequentar a Noches de Sol, as festas costumavam a reunir majoritariamente amigos do DJ. Quando a festa se mudou para a Lapa, ela passou a ter uma visibilidade maior, atraindo um público muito mais diversificado: muitos brasileiros que não têm nenhuma conexão com o universo latino no Rio de Janeiro, turistas estrangeiros que frequentam a Lapa, alunos de escolas de dança de salão, etc. A festa continua atraindo um público eclético, mas ainda conta com a presença dos amigos do Dj Rayado. Por exemplo, um hábito comum entre os integrantes do Sayari é comemorar datas importantes, como aniversário, na Noches de Sol. Há um ano, além da Noches de Sol, há outra festa latina organizada por estudantes- de origem colombiana: a Rumba Tipo-Colombia. 65 2.3.4 Consejo de Consulta O Consejo de Consulta foi criado em 2002 pelo Ministério das Relações Exteriores do Peru para funcionar como uma instância associativa e participativa dos peruanos no exterior, que permita estabelecer um diálogo entre a comunidade peruana e os escritórios consulares. Os representantes da comunidade que integram o Consejo de Consulta assumem a tarefa de transmitir aos representantes consulares as demandas da comunidade peruana, exercendo uma ponte entre o consulado e os peruanos no exterior. O Consejo de Consulta e seus representantes não estão ligados ao Estado peruano ou ao consulado, mas sim à sociedade civil peruana no exterior, que através dele encontraria um espaço de participação na política consular que diz PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA respeito à sua vida no exterior. Todos os membros do consejo de consulta chegam ao posto através de eleições abertas que acontece anualmente em cada seção consular. Podem votar e se candidatar todos os peruanos registrados no consulado. No Brasil, em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, os consejos de consulta já tiveram gestões cujos membros são ou foram estudantes universitários. No caso do Rio de Janeiro, mais especificamente, todas as gestões desde que entrou em funcionamento, o Consejo de Consulta conta com a participação de estudantes, tanto como conselheiros quanto como apoiadores dos conselheiros em exercício. Na sua atual gestão, dos 3 conselheiros eleitos para ocupar o Consejo de Consulta, 2 são estudantes. 2.3.5 Revista Virtual Nativos Tendo como idealizador o ex-estudante peruano Arnold Zárate, a revista começou a ser publicada em 2010, com o objetivo de criar um espaço de comunicação para comunidade peruana e latino-americana no Rio de Janeiro. As edições da revista são lançadas trimestralmente, abordando diferentes temas, principalmente aqueles relacionados com a produção cultural de peruanos e latino-americanos no Brasil e no mundo. A revista está aberta para receber artigos de interessados em temas latino-americanos, sobretudo aqueles pouco explorados 66 pela mídia brasileira. Em todas as edições da revista são publicados artigos de um convidado, geralmente um amigo do diretor da Revista; uma agenda cultural e anúncios de empresas parceiras, como cursos de espanhol e agências de viagens. A revista tem ainda um público limitado, composto, sobretudo por pessoas- de origem peruana ou não- que conhecem pessoalmente o editor da revista. Ela ainda encontra dificuldades para alcançar um público que escape da rede de relações direta do editor e os artigos por ela publicados também não conseguem representar a comunidade peruana no Rio de Janeiro de uma forma mais ampla. Quando eu o conheci o editor da revista, em julho de 2011, ele me pediu para pensar num tema e escrever um artigo para a próxima edição, que sairia em setembro. No mesmo período que nos conhecemos, estava acontecendo a Copa Peru-Rio 2011, no Aterro do Flamengo. Por isso, eu propus a ele escrever um artigo sobre o campeonato e foi sobre ele que escrevi (ver anexo 4). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Estes exemplos nos mostram que os estudantes e ex-estudantes peruanos que vivem no Rio de Janeiro ocupam posições estratégicas dentro da comunidade peruana. Longe de se preocuparem apenas com sua formação, eles participam do processo de construção de redes entre peruanos- estudantes e não-estudantes-, brasileiros e outros estrangeiros no Rio de Janeiro e também entre peruanos no Peru. Eles aproximam o Brasil e o Peru, ao tornar sua experiência de sair de um país para outro conhecida a peruanos no Peru e brasileiros no Brasil e ao construir redes entre os dois países. Eles também participam ativamente no processo de construção de uma imagem do Peru no Brasil, nem sempre em total acordo entre si e outros peruanos. 67 2.4 Trajetórias e trânsitos: o perfil dos estudantes peruanos 2.4.1 Os estudantes de pós-graduação Os estudantes de pós-graduação no Rio de Janeiro ingressaram em cursos de mestrado e realizaram a graduação no Peru. Entre as universidades de onde vêm, há predomínio das universidades públicas, que, no Peru, são denominadas como “universidad nacional”: de todos os mestrandos que entrevistei, apenas dois estudaram em universidades privadas. Todos os outros realizaram seus cursos em universidades públicas, como a Universidad Nacional de Ingeniería (UNI), Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM) e Universidad Nacional de Callao, em Lima; a Universidad Nacional de Trujillo, em Trujillo; a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Universidad Nacional de San Agustín, en Arequipa e a Universidad Nacional San Antonio Abad de Cusco, em Cusco. Uma característica interessante das universidades públicas peruanas, que discutiremos mais detalhadamente no capítulo 3, é o fato delas atraírem estudantes das classes médias e baixas. Apesar das dificuldades econômicas e políticas que as universidades nacionais têm enfrentado, sobretudo após a emergência do movimento terrorista e a crise econômica da década de 80, elas ainda são reconhecidas pela qualidade de ensino e mantêm certo prestígio dentro e fora do Peru. No Rio de Janeiro, os estudantes oriundos das universidades nacionais apresentam um perfil diversificado, incluído aqueles pertencentes às classes médias, como, por exemplo, filhos de professores universitários e de profissionais liberais, como também da classe trabalhadora peruana cujos pais valorizam a educação como meio de ascensão social. Quanto à área de conhecimento em que fazem o mestrado, há um predomínio de estudantes em campos relacionados às ciências naturais, exatas e tecnológicas. Entre elas estão as Engenharias- mecânica, elétrica, civil, de produção e ambiental; Física, Matemática, Ciências Biológicas e Informática. Ao longo do trabalho de campo, eu não conheci nenhum estudante de pós-graduação inserido em outras áreas além das mencionadas acima. No entanto, uma mestranda da UFRJ comentou que tem uma amiga peruana que terminou o 68 mestrado em Antropologia Social, também na UFRJ e outra mencionou ter uma amiga cursando o mestrado em Economia da PUC-RJ. A PUC-RJ e a UFRJ são duas universidades que se destacam na recepção de peruanos estudantes de pós-graduação. No caso da PUC-RJ, apesar da universidade ser composta por cursos em diferentes áreas de conhecimento, são as diferentes especialidades da Engenharia que mais recebem peruanos, mas também há peruanos na Informática. Na UFRJ, no entanto, há maior diversidade com relação às especialidades que seguem os estudantes peruanos, incluindo áreas da Engenharia, Ciências Biológicas, Matemática e ainda, o caso que uma peruana comentou, de sua amiga que terminou o mestrado em Antropologia Social. Entre os sujeitos entrevistados, há também quem estude no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e ainda, um peruano que fez mestrado em Administração na Fundação Getúlio Vargas (FGV). PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA A escolha do curso pelos alunos de pós-graduação é realizada de acordo com sua formação na graduação e/ ou sua experiência de trabalho. Os que não tinham uma experiência de trabalho prévia ao mestrado seguiram o mesmo campo de estudo no qual se formaram, como Sofia, Ricardo e Walter. Entre aqueles que estavam inseridos no mercado de trabalho peruano antes de entrar no mestrado no Brasil há casos de mudança de área de formação ou pesquisa. Neste caso estão Guadalupe e Augusto, que se formaram em Geologia no Peru, mas no Rio de Janeiro fazem mestrado em Engenharia Civil. Guadalupe fez tal escolha porque no Peru ela trabalhava na área de mineração e era impedida de fazer algumas tarefas por não ser engenharia. A decisão de fazer mestrado em Engenharia Civil é uma tentativa de ampliar seu raio atuação no campo de trabalho. Todos os formados em Engenharia e em Geologia estavam inseridos no mercado de trabalho peruano antes de vir para o Brasil. A grande maioria deles veio para o Brasil com idade entre 25 e 32 anos25, com experiência de trabalho de 2 anos ou mais. A decisão de deixar o emprego para fazer o mestrado foi analisada tendo como referência as expectativas de retorno que um diploma de pós-graduação no exterior poderia trazer para eles no mercado de trabalhoperuano ou de outro lugar do mundo. Para muitos egressos dos cursos de 25 Eu entrevistei uma peruana que veio realizar o mestrado no Rio de Janeiro aos 40 anos de idade. Solange reconhece que ela é uma exceção entre os estudantes. Ela observa que os orientadores brasileiros preferem receber alunos peruanos mais jovens, que eles imaginam que têm menos laços com o Peru e, por isso, mais chances de concluir o curso sem nenhuma interrupção. 69 Engenharia de universidades peruanas, desenvolver uma pesquisa de mestrado é a chance que encontram para fazer o trabalho de conclusão de curso para obter o título de engenheiro26. Os estudantes de pós-graduação que nunca trabalharam antes de vir para o Brasil optaram pelo mestrado por um dos três fatores- ou por combinação entre eles: o desejo de desenvolver um projeto de pesquisa; o anseio de conhecer outros países e a incerteza sobre o que fazer quando terminaram a graduação. 2.4.2 Estudantes de graduação Entre os peruanos que vêm para o Rio de Janeiro cursar a graduação, alguns nunca tinham tido uma experiência prévia de universidade ou trabalho. Ao PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA sair do ensino secundário, eles buscaram meios para cursar a graduação no exterior. Aqueles que tiveram uma experiência prévia de universidade, estudaram em universidades privadas. Na graduação, encontramos peruanos que ingressaram nos cursos de Administração, Arquitetura, Artes Cênicas, Agronomia, Comunicação Social, Direito, Economia, Informática, Engenharia e Música nas seguintes universidades: UFF, UFRJ, UFRRJ, UERJ, Universidade Gama Filho e UniRio. A maioria ingressou na universidade com idade entre 16 e 19 anos e não tinha uma ideia muito clara sobre qual curso fazer. A escolha do curso foi feita tendo como referência principal os pais, seja através da profissão que eles exercem, por sua sugestão ou por suas expectativas. Enrique, por exemplo, reconhece a influência de seu pai na escolha do curso de graduação em Informática. Ele lembra que, quando criança, seu pai trabalhou em pesquisas com computadores quando ainda eram uma novidade, Ele era físicomatemático e trabalhava como professor universitário. Daniel teve a profissão da mãe e dos irmãos como referência do que não fazer. Ele queria seguir uma carreira que não reproduzisse o caminho já percorrido pela família- a mãe é contadora, o irmão, economista e a irmã pedagoga. Daniel entrou primeiro no 26 O aluno egresso do curso de Engenharia das universidades peruanas recebem o tĩtulo de bacharel em Engenharia. Como bacharel, ele pode trabalhar na área, mas para ter o título de engenheiro ele deve apresentar um trabalho de pesquisa, ao estilo de uma monografia de conclusão de curso. Muitos bacharéis em engenharia, logo que terminam a universidade, começam a trabalhar e não fazem o trabalho final para ter o título de engenheiro- tanto por falta de tempo, como por falta de recursos para fazer pesquisa no Peru. 70 curso de Ciências Contábeis e, depois trocou para Informática. Sua terceira e definitiva opção foi Administração. Luis Fernando se formou em Arquitetura, curso tradicional no Peru que os pais tinham sugerido, mas hoje trabalha como ator27. Diferentemente de Enrique, Daniel e Luis Fernando, Virgilio, Cristiana e Alejandro escolheram o curso de graduação a partir da experiência de trabalho. Os três já trabalhavam com Teatro, no caso de Cristiana e Virgilio, e com Música, no caso de Alejandro, mas queriam também ter uma formação técnica e teórica no campo das artes, o que não existia no Peru naquele momento. Os três chegaram no Brasil com mais de 20 anos de idade, mais velhos que a média de idade entre os alunos de graduação. Antes de vir para o Brasil, Cristiana e Alejandro tentaram estudar Direito e Virgilio Ciência da Comunicação, mas perceberam que não eram essas as carreiras que desejavam seguir. A experiência laboral e universitária que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA tiveram no Peru deu a eles a certeza de qual curso queriam realmente fazer: Eu tinha 23 anos. Eu era o mais velho , né, da turma. Todo mundo garoto, 17 anos.. E eu.. Mas, eu comecei a tocar aos 17 anos, lá no Peru. (...) Tinha curso como Harmonia Funcional que tive lá (na UFRJ), que para mim era como entender a Teoria do que você já fez. Eu lembro que era muito mais fácil (para mim) e para outros não. Outros tinham muita habilidade na hora de tocar, mas pouco entendimento na hora de ver, de analisar a coisa. Eu acho que isso era uma vantagem de quem faz uma faculdade depois de já ter prática. Alejandro. ... O teatro entrou meio assim forte quando eu tinha eu acho que 15 anos…, quando fiz um curso de teatro. Então, mas aí acabei por uma questão de panorama entrando na ciência da comunicação, mas não era algo muito forte. O teatro já tava aí… Fiz um ano da faculdade.. Na metade desse ano comecei a fazer teatro, entrei num grupo, começamos a montar peças… Peça vai, peça vem.. “Ah não, gente.. É isso que eu quero fazer!” Deixei a faculdade e comecei a fazer teatro, (...) comecei a me empolgar por esse mundo, conheci uns artistas muito legais lá.. Mas ao mesmo tempo também havia um quê que.. cheguei um ponto que estava estagnado… Virgilio. Enquanto entre os estudantes de graduação há uma diversidade maior de áreas de conhecimento em que se inserem se comparado com os alunos de pósgraduação, eles apresentam um perfil socioeconômico mais similar, como oriundos das classes médias limenhas ou provincianas e a família trabalhando em profissões qualificadas: o pai de Luiz Fernando, por exemplo, é psicólogo e a mãe assistente social; os pais de Gladys são professores e os irmãos advogado e 27 Ver detalhes no capítulo 5. 71 administrador; o pai de Lorenzo é contador e a mãe professora universitária; o pai de Rubén é advogado e a mãe professora; já o pai de Daniel era economista e a mãe, contadora. Dos estudantes de graduação entrevistados, apenas Virgilio não se insere nesse perfil: ele morava num bairro da periferia de Lima, sua mãe trabalhava como comerciante e o pai administrava um restaurante. Se considerarmos a profissão dos pais como um dos fatores que influenciam o habitus e a posição de classe (Bourdieu, 2007) dos estudantes, os pósgraduandos apresentam um perfil mais diversificado que os alunos de graduação. Entre os primeiros, encontramos peruanos cujos pais trabalham em atividades que exigem qualificação de nível superior: professores universitários, como o pai de Sofia e Enrique; farmacêuticos, como o pai e a mãe de Tomás e Leyla; militar e assistente social, como o pai e a mãe de Augusto; outros têm pais que trabalhavam em atividades que não exigem escolaridade, como os pais de Guadalupe e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Solange: seus respectivos pais trabalhavam como operários e as mães como donas de casa; o pai de Eduardo é agricultor e a mãe dona de casa. No caso de Néstor, seu pai trabalha numa profissão qualificada, enquanto sua mãe não: ele é engenheiro florestal e, portanto, concluiu o ensino superior e sua mãe é comerciante, tendo concluído apenas o ensino primário. 2.4.3 Formas de acesso às universidades brasileiras O peruano que deseja ingressar numa universidade brasileira encontra hoje duas alternativas: ele pode se candidatar a uma vaga no Programa Estudante Convênio nos níveis de graduação (PEC-G) ou pós-graduação (PEC-PG) ou ele pode se candidatar ao processo amplo de admissão que cada universidade realiza para selecionar seus novos alunos. Destinado a jovens de 18 a 25 anos de países em desenvolvimento que mantenham acordos com o Brasil, o PEC-G foi criado em 1965. O programa é administrado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) e tem como objetivo aprofundar os laços entre o Brasil e os países em desenvolvimento. Apesar de não mencionarem o nome do programa que permitiram sua vinda para o Brasil, todos os estudantes de graduação que entrevistei conseguiram a vaga na universidade brasileira através do PEC-G, com exceção de um caso. 72 Para se candidatar a uma vaga do PEC-G, o interessado deve ir à Embaixada do Brasil no Peru e apresentar os documentos exigidos. Depois de analisada a documentação, se o aluno for aprovado, ele indica o curso no qual gostaria ingressar e a Embaixada distribuiu os aprovados por diferentes universidades em todo território brasileiro de acordo com a disponibilidade de vagas. Quando Antonio participou do programa, em 1968, os alunos só sabiam para qual universidade seriam enviados depois de chegar no Brasil. Ele foi enviado para a Universidade Federal de Pelotas, apesar de já ter saído do Peru com o desejo de ir para a UFRRJ. Depois de alguns meses em Pelotas, ele solicitou sua transferência para a UFRRJ e conseguiu. Todos os peruanos que vieram através do PEC-G e que participaram da pesquisa chegaram ao Brasil até início da década de 2000, com idade entre 16 anos e 23 anos. Luis Fernando foi o que chegou mais novo no Brasil, com 16 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA anos e Alejandro mais velho, com 23. Todos os estudantes de graduação ficaram sabendo da existência do PEC-G através de seus contatos pessoais- amigos e parentes que participaram do programa- ou através da visita que realizaram a embaixadas estrangeiras em busca de bolsa. No primeiro caso está Daniel, que tem dois irmãos que estudaram no Brasil através do PEC-G antes dele ou Rubén, que tem um tio que muitos anos antes dele vir para o Brasil participou do PEC-G e depois de formado continuou no país. Já Enrique e Gladys, quando terminaram o ensino secundário, queriam muito ter uma experiência fora do Peru, por isso começaram a buscar por conta própria bolsas de estudos no exterior. E assim, na visita que fizeram à Embaixada do Brasil, foram informados sobre o PEC-G. Ao contrário dos outros alunos PECG que escolheram o Brasil por não ter conseguido bolsa para outros países, Alejandro e Virgilio, queriam vir para o Brasil. Depois que decidiram que queriam estudar aqui, os dois investiram energia no aprendizado de português no Centro de Estudos Brasileiros (CEB) onde, então, ficaram sabendo sobre as oportunidades de bolsa para o Brasil. Entre os requisitos que o PEC-G exige está a garantia de que a família do aluno será capaz de arcar com suas despensas durante toda graduação. Como portador de visto de estudante, os aceitos nas universidades brasileiras não podem exercer nenhuma atividade remunerada oficialmente. Quando Luiz Fernando se inscreveu no PEC-G, ele se recorda que os pais deles tiveram que comprovar que 73 poderiam enviar para ele mensalmente certa quantia entre $200 e $400 dólares. Na época em que veio- 1996-, essa quantia era suficiente para arcar com os custos que tinha no Rio de Janeiro. Mesmo com a exigência do programa de que a família se responsabilizasse pelo sustento do estudante, alguns vinham através do PEC-G mas não contavam com o respaldo da família para se manter, o que exigia deles encontrar meios para se sustentar sozinhos. Um desses casos eu escutei numa roda de conversa com peruanos. Um deles comentou que tem um amigo que veio estudar na UFF, mas não recebia nenhum apoio financeiro dos pais. Para se sustentar, o estudante trabalhava vendendo bijuterias nas praias do Rio de Janeiro. Cristiana também não contou com o apoio de sua família nos seus primeiros meses no Brasil. Para se sustentar, ela costumava dar aulas de espanhol. Os alunos do PEC-G que chegaram até final dos anos 90 não tiveram como PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA parte do processo seletivo a avaliação rigorosa de conhecimentos de língua portuguesa. Esta é uma das razões pelas quais muitos escolheram vir para o Brasil. Para concorrer a bolsas de outros países, por exemplo, os EUA, eles teriam que comprovar a proficiência em inglês. A grande maioria dos alunos PEC-G chegou ao Brasil sem conhecimento prévio do português. A partir dos anos 2000, passou a ser exigido dos candidatos aos PEC-G/PG conhecimentos prévios de português. Atualmente, todos os candidatos aos programas devem realizar o exame de proficiência em português, o Celpe-bras. Para os alunos de pós-graduação, o governo brasileiro elaborou o Programa Estudante Convênio- Pós-graduação (PEC-PG), que foi criado nos anos 80, oferecendo bolsas de mestrado e doutorado para alunos dos 54 países em desenvolvimento que mantém acordos culturais ou educacionais com o Brasil. Na primeira década de 2000, foram oferecidas um total de 1600 vagas em cursos de pós-graduação brasileiros para alunos do PEC-PG. Até 2012, mais de 60000 alunos tinham participado do PEC-G. Da América Latina, os países na lista dos que mais tiveram alunos participantes do programa foram Paraguai, com 564 alunos; Equador, com 135 e Peru com 131. Já no PEC-PG, os latino- americanos continuam como os mais beneficiados: 75% dos participantes do convênio no período de 2001 a 2011 eram latino-americanos. Dentre eles, os países que mais enviaram alunos para as universidades brasileiras foram Colômbia (382 alunos), Peru (214) e Argentina (115) (MRE- Brasil, 2011). 74 Para solicitar uma bolsa do PEC-PG, o aspirante deve primeiro já ter sido pré-selecionado num programa de pós-graduação no Brasil, que escreverá uma carta informando à Embaixada do Brasil no Peru que, caso o interessado passe na seleção, ele terá sua vaga garantida. Assim, para participar do PEC-PG o futuro aluno já deve ter entrado em contato com o programa de pós-graduação para onde quer ir. Isto exige um planejamento anterior à sua inscrição no processo seletivo do programa. Se selecionado, o estudante ingressa na universidade e recebe uma bolsa, de mestrado (R$1.500,00) ou de doutorado (R$2.200,00), paga pelas agências brasileiras de fomento CAPES e CNPq. Além do PEC-G e PEC-PG, os estudantes peruanos podem ingressar nas universidades brasileiras por conta própria, participando do processo seletivo que cada universidade oferece à comunidade. Entre os alunos de graduação que participaram da pesquisa, Renato é o único que ingressou na universidade via PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA vestibular. Ele, que veio para o Brasil em 2006, recorreu ao vestibular depois de ter o pedido da bolsa PEC-G negado. Após cursar um ano de curso pré-vestibular, ele fez a prova de admissão e foi aprovado nos cursos de Ciências Sociais da UFRJ e Direito da UERJ. Ele optou pelo curso de Direito. Entre os alunos de pós-graduação são mais recorrentes os casos de ingresso em programas de mestrado e doutorado por conta própria, principalmente em programas onde há uma presença consolidada de peruanos, como no CBPF e a PUC-RJ. O primeiro contato entre o candidato e o programa de pós-graduação brasileiro geralmente é estabelecido através de algum amigo, colega de trabalho ou professor que o candidato tenha conhecido no Peru e que deu a ele as primeiras informações. A partir da primeira informação, o candidato começa a buscar mais detalhes que possam viabilizar seu ingresso num programa de pós-graduação no Brasil. O processo seletivo varia de acordo com cada programa. Em muitos deles, a internet é o principal meio para realizar a seleção de novos alunos estrangeiros, o que permite que qualquer estudante em qualquer mundo se candidate a uma vaga neste programa. Nas Engenharias da PUC-RJ, por exemplo, o processo seletivo é todo feito virtualmente, com o envio de documentos comprobatórios da graduação e o projeto de pesquisa por email. A resposta se o candidato está ou não aprovado é também enviada como mensagem eletrônica. 75 Já o CBPF aplica uma prova própria, que os alunos peruanos podem realizar em algumas universidades no Peru. Esta é a primeira etapa da seleção. Se aprovado, o aluno passa por uma entrevista via skype. O uso dos recursos da internet para realizar os processos de seleção de novos alunos é uma realidade em programas que desejam atrair estrangeiros. A chance que os candidatos à PUC-RJ e ao CBPF têm de realizar todo o processo seletivo no lugar onde moram é um incentivo extra para que pleiteiem uma vaga numa pós-graduação no Rio de Janeiro, dinâmica muito diferente daqueles que, como Guillermo, cursaram a pósgraduação no Brasil no início dos anos 90. Naquela época, o acesso à internet no Peru ainda não estava tão difundido e as informações sobre bolsas estavam concentradas em Lima. A expansão do acesso à internet e seu uso como instrumento oficial de seleção de novos alunos amplia as oportunidades de entrada de peruanos a determinados programas de pós-graduação. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Além de realizar a seleção de peruanos sem que eles tenham que vir ao Brasil, programas como o CBPF e as Engenharias da PUC-RJ não exigem dos candidatos estrangeiros prova de proficiência de português. Alguns alunos, quando chegam ao Brasil, se matriculam em cursos de português para aprender o idioma. Outros aprendem a língua na convivência com os brasileiros. Há ainda aqueles que não têm uma preocupação em aprender português além do necessário para situações pontuais da vida cotidiana no Brasil, como fazer compras, pedir informação sobre caminhos, pegar ônibus, etc. Assim, entre todas as formas de acesso que os peruanos têm às universidades no Rio de Janeiro- como estudante de graduação pelo PEC-G, estudante de graduação por conta própria, estudante de pós-graduação pelo PECPG e estudante de pós-graduação por conta própria-, os estudantes de pósgraduação que entram nas universidades brasileiras por conta própria são os que encontram mais facilidades para participar do processo seletivo. Ao contrário dos participantes do PEC-G e PEC-PG, eles não precisam ir à Embaixada brasileira para se inscrever, comprovar proficiência em português, nem ainda esperar a resposta da Embaixada, que pode demorar muitos meses. Eles também não precisam vir ao Brasil realizar a prova de seleção, como acontece com os estudantes de graduação que ingressam nas universidades brasileiras por conta própria. Isto significa que os peruanos que ingressam por conta própria em programas de pós-graduação que já tem uma presença consolidada de estrangeiro 76 não precisa investir tantos recursos- dinheiro, tempo, energia- para se candidatar a uma vaga no Brasil como os outros estudantes. 2.5 Tecendo redes No deslocamento do Peru para o Rio de Janeiro, os jovens peruanos são protagonistas desta mobilidade, mas não estão sozinhos em cena. Junto com eles também atuam seus familiares, namorada/o, amigos, colegas de universidade, empregadores e professores na construção de projetos que começam a ser gestado muito antes de chegarem no Brasil, que são constantemente reavaliados de acordo com as circunstâncias vividas no Brasil e no Peru. Esta perspectiva nos ajuda a reconhecer o lugar dos indivíduos nos processos de mobilidade através dos laços PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA que eles constroem entre localidades muitas vezes desconhecidas entre seus conterrâneos. 2.5.1 O primeiro “empurrão” Eduardo não tinha o interesse de sair do Peru. No final da sua graduação na UNI, ele recebeu um convite para fazer o mestrado na China, porém recusou. Ele queria adquirir experiência de trabalho, pois já estava cansado de estudar, e também não queria ir para tão longe. Depois de 2 anos trabalhando, Eduardo decidiu fazer mestrado no Brasil. Três amigos seus da UNI ingressaram na PUCRJ e estimularam Eduardo a vir também. Dessa vez, o jovem gostou da ideia. Ele já tinha adquirido certa experiência de trabalho- já tinha descansado um pouco do ritmo das aulas e dos estudos. Além disso, ao contrário da China, o Brasil não era tão longe e ele já tinha amigos esperando por ele aqui. “Vai ser igual a UNI!”, concluiu. Animado com o apoio dos amigos, em 2007 Eduardo entrou no mestrado da PUC-RJ. Para ele, o estímulo que os amigos deram foi um dos principais motivos para aceitar a ideia de sair do Peru. Os amigos de Eduardo deram o primeiro “empurrão” para que ele vir. No caso de Douglas, o primeiro “empurrão” foi dado por um ex-professor. Depois que se formou na UNI, ele enfrentou dificuldades para encontrar um emprego. Naquele período- final dos anos 90- as oportunidades de emprego eram 77 escassas e mal remuneradas. Ele passou um período desempregado- fazendo um bico na lan house que a família possuía-, até que foi contrato por uma empresa de distribuição elétrica, primeiramente como estagiário, e depois como funcionário efetivo. O emprego, entretanto, não lhe dava perspectiva de ascender na carreira. Um ex-professor com quem Douglas organizou um seminário internacional na época da graduação entrou em contato para sugerir que ele tentasse uma bolsa de mestrado no exterior. O professor explicou que ele poderia ir para os EUA se falasse inglês. Caso contrário, havia a opção de vir para o Brasil. Em princípio, Douglas duvidou se conseguiria passar no processo de seleção, mas mesmo assim tentou. Aprovado, em 2003 veio fazer seu mestrado em Engenharia Mecânica na PUC-RJ. Ambos, Douglas e Eduardo são exemplos de jovens que tomaram a decisão de vir para o Brasil como estudantes a partir do contato que mantinham com PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA amigos e professores da UNI mesmo depois de formados. Para os jovens, fazer mestrado era uma possibilidade de conhecer outras áreas de atuação da Engenharia, principalmente no campo da pesquisa acadêmica, e vislumbrar outros horizontes, diferentes daqueles que se descortinavam no Peru. Seus amigos e professores compõem, assim, a rede que tornou a mobilidade estudantil possível. Não é a apenas o fato de serem ex-alunos da UNI que estudaram na PUC-RJ que aproxima as trajetórias de Douglas, Eduardo e de muitos outros jovens peruanos no Rio de Janeiro. Os dois também têm em comum o fato de terem nascido em pequenas cidades no norte do Peru, terem migrado para Lima e pertencerem a famílias da classe trabalhadora. Para os dois e suas famílias, a universidade foi o caminho que encontraram para ascender socialmente. Nela, eles tiveram acesso a um capital social que permitiu que adquirissem qualificação profissional, e ainda construir uma rede- de amigos e ex-professores- que deu a eles um incentivo para ir estudar fora do país. Assim como Eduardo e Douglas, Jeremia também estudou na UNI, é oriundo de uma família da classe trabalhadora e por influências de amigos de graduação, decidiu fazer mestrado na PUC-RJ. Além da rede de mobilidade estudantil consolidada entre os alunos peruanos da PUC-RJ e alunos egressos a UNI, outras redes de relações são acionadas e possibilitam a vinda de egressos de outras universidades peruanas para a PUC-RJ. Solange, por exemplo. também é de origem popular, mas não se formou na UNI. Sua ideia de vir para o Brasil surgiu quando um ex-colega de trabalho veio estudar 78 na PUC-RJ. Ele enviou um email comentando que ela poderia concorrer a uma bolsa para estudar com ele na mesma universidade. Solange, que sempre quis viver uma experiência internacional, mas por condições econômicas nunca pôde realizar seu desejo, aceitou a sugestão. Este mesmo colega que convidou Solange também convidou Agustín e Néstor. Solange se surpreendeu quando encontrou tantos peruanos egressos da UNI na PUC-RJ. Ela, que se formou na UNMSM, reparou que são poucos os que também se formaram nesta universidade. Mas, ela não é a única estudante peruana na PUC-RJ que não veio da UNI: Néstor é formado pela Universidad Nacional del Centro del Peru, em Huancayo; Walter, pela Universidad Nacional San Agustín, en Arequipa, assim como Osvaldo e Gabriela; Victor estudou na Universidad Nacional de Trujillo. Para Osvaldo, a ideia de estudar na PUC-RJ surgiu quando soube que o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA cunhado de uma amiga tinha estudado aqui. A amiga solicitou informações para o cunhado que repassou para Osvaldo. Gabriela, por outro lado, sempre quis sair do país, por isso, antes de terminar a graduação, ela e uma amiga começaram a pesquisar os países que ofereciam bolsa. E assim descobriram o Brasil. Além da PUC-RJ, Gabriela também foi aprovada no mestrado da UFMG, onde morava um amigo peruano, mas como a universidade não concedeu bolsa, ela preferiu ficar na PUC-RJ. Além das redes construídas no Peru que levaram muitos peruanos para os programas de pós-graduação da PUC-RJ, algumas motivaram outros a ingressarem em universidades diferentes. Alejandro conta que quando era estudante da UFRJ conheceu muitos peruanos na Matemática. Eles relataram que havia um professor da instituição que costumava ir ao Peru dar palestras e aproveitava para convidar os melhores alunos peruanos para estudar na UFRJ. Alejandro explica que esse professor atuava como uma “caça talento”, trazendo para o Brasil apenas os melhores alunos. A ideia do professor era preencher as vagas de pós-graduação com estudantes peruanos que estivessem dispostos a fazer carreira no Brasil. Um jovem, recém-formado, solteiro- que não tivesse grandes laços no Peru e estivesse disposto a construir uma vida no Brasil- era, portanto, o perfil que o professor brasileiro buscava. Virgilio e Alejandro estudaram português no Centro de Estudos Brasileiros (CEB) e foi lá que receberam informações sobre as bolsas do PEC-G. Antes de se 79 candidatar ao programa, Virgilio veio a São Paulo com o objetivo de prestar o vestibular da USP, mas o período das provas já estava encerrado. No CEB, ele comentou com os professores e secretárias da sua decepção por não ter nem podido tentar o vestibular. Eles o aconselharam a tentar o PEC-G. Assim ele fez e conseguiu ingressar na UniRio. Apesar de participarem de um convênio entre que o Estado brasileiro mantém com o Estado peruano, grande parte dos que entram nas universidades brasileiras através do PEC-G e PEC-PG não ficaram sabendo do convênio através de instituições oficiais. A informação sobre como participar do programa foi conseguida principalmente com base na sua relação com amigos e parentes que já estudaram aqui ou por iniciativa própria, de ir direto à Embaixada brasileira buscar oportunidades de bolsa. Um estudante do PEC-G com quem conversei uma vez no Bandejão28 da PUC-RJ comentou que não há no Peru uma divulgação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA dessas bolsas. Por isso, elas ficam restritas a um determinado círculo de pessoas que já estudaram pelo PEC. No seu caso, ele só soube da bolsa porque tem uma tia que participou do programa há algumas décadas atrás e que hoje mora em Brasília. 2.5.2 Como fios que estruturam a rede Na análise da relação entre indivíduo e sociedade, Elias (1994) sugere que as teorias sociológicas que tomam indivíduo e sociedade como elementos antagônicos obscurecem a compreensão da realidade social. Além de tratarem o indivíduo e a sociedade como isolados e estáticos (Elias, 2011, p. 128), elas desconsideram que a mudança é um elemento constitutivo dos indivíduos em sociedade e, por isso, nenhum dos dois são algo substantivo e pronto. Ao mesmo tempo que o individuo vai se (trans)formando como tal na convivência em sociedade, esta, por sua vez, só existe por meio da interação dos indivíduos. Para Elias, a relação entre indivíduo e sociedade pode ser entendida como a metáfora dos fios numa rede. Sozinhos, isolados e fora da rede, os fios são de determinada forma. Entrelaçados, eles vão se transformando, deixando de ser fios isolados para 28 Apelido dado ao refeitório universitário. 80 tornar-se parte indispensável da rede. Ela, por sua vez, não existe enquanto os fios não se conectam no entrelaçado. A metáfora de Elias sobre a relação indivíduo-sociedade como uma rede composta por fios entrelaçados é pertinente na reflexão sobre a relação entre os estudantes e a reprodução da mobilidade estudantil de peruanos no Rio de Janeiro. Os casos acima nos mostram que a decisão de vir para o Brasil como estudantes está relacionada às redes que eles integram quando ainda estão no Peru. Através delas, os peruanos têm acesso às primeiras informações que despertaram seu interesse em estudar no Rio de Janeiro, que servirão como "molas propulsoras" da tomada de decisão. Isto significa que a mobilidade de estudantes do Peru para o Brasil se desenrola num processo de formação de cadeias migratórias. A cadeia migratória entende o indivíduo como capaz de mobilizar estrategicamente seus vínculos sociais para viabilizar a imigração. Através dos vínculos, ele busca PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA informação que o ajude a encontrar um posto no mercado de trabalho no exterior, uma moradia, recursos para financiar sua viagem, etc29, ampliando as chance de transformar-se de um imigrante em potencial num imigrante de fato: ... cadeia migratória refere-se à transferência de informações e materiais de apoio que familiares, amigos ou conterrâneos oferecem aos potenciais migrantes para decidir, ou, eventualmente, realizar a sua viagem (Pedone, 2006). A noção de cadeia migratória contribui na compreensão dos indivíduos como agentes que mobilizam seus recursos relacionais para empreender o deslocamento. Esta noção foi desenvolvida para analisar as diferentes estratégias que os imigrantes lançam mão para sair do seu país e se inserir social e economicamente no país de destino. Esta perspectiva analisa a imigração na sua dimensão micro e macro, reconhecendo que os elementos estruturais que levam à imigração são vividos e interpretados de maneira particular pelos indivíduos, de acordo com o conjunto de relações no qual estão inseridos (Ramella, 1995). É a partir de suas relações microssociais que os indivíduos encontram os meios para se posicionar diante da macroestrutura. Nas cadeias migratórias são compartilhadas informações e diversas formas de auxílio que potencializam a 29 cadena migratoria se refiere a la transferencia de información y apoyos materiales que familiares, amigos o paisanos ofrecen a los potenciales migrantes para decidir,o eventualmente, concretar su viaje (Pedone, 2006). 81 migração dos indivíduos, o que significa que as oportunidades de imigrar estão socialmente delimitadas pela rede de relações que cada aspirante a imigrante dispõe. Enquanto a noção de cadeia migratória se tornou um importante instrumento de análise dos fluxos migratórios, ela também traz importantes elementos para analisar outras formas de mobilidades, como a vivida pelas estudantes peruanos. Assim como para os imigrantes, o processo de decisão dos estudantes de sair do país não acontece num vazio, de maneira aleatória, mas de acordo com os recursos- materiais e relacionais- que possuem para se inserir no campo das mobilidades. Os estudantes também avaliam as oportunidades que têm no país de origem, as que acreditam que terão no exterior e buscam maneiras de empreender o deslocamento. Para os estudantes, contudo, sair do país é uma opção- entre outras- que eles escolhem de acordo com seu campo de possibilidades. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Além de usar seus recursos relacionais para viabilizar sua vinda para o Brasil como estudantes, os sujeitos da pesquisa também participam ativamente na consolidação de uma cadeia migratória de peruanos que chegam no Rio de Janeiro como estudantes. Eduardo, Douglas e Jeremia tiveram o Brasil inserido no seu campo de possibilidades através do apoio de amigos e professores. Agora, eles também assumem um lugar importante no contínuo processo de tecer redes entre Brasil e Peru, convidando outros peruanos para também fazer mestrado aqui. Em 2011, Eduardo recebeu seu irmão, que veio cursar o mestrado na PUC-RJ; em 2008, um primo de Douglas também ingressou o mestrado na instituição; já Jeremia está buscando meios para viabilizar a vinda do seu irmão para que ele termine a graduação no Brasil. Ele também pensa em incentivar a irmã a vir fazer mestrado aqui. Outro exemplo é o de Enrique, que veio para o Brasil como estudante de graduação em 1996 e em 2011 trouxe a irmã para fazer a graduação. Apesar de não existir nenhum convênio formal entre as duas instituições, o fluxo de alunos egressos da UNI para a PUC-RJ é intenso e contínuo, se reproduzindo com a constante chegada de novos alunos peruanos. Douglas lembra que quando chegou, em 2003, havia poucos peruanos na PUC-RJ. Ao longo dos anos ele percebeu que o número de peruanos na universidade foi aumentando. Ele considera que o auge da chegada de peruanos na PUC-RJ esteve nos anos de 2004 e 2005. Como mostrei no subitem anterior, o fluxo de estudantes peruanos para a PUC-RJ não se restringe aos egressos da UNI. Nesse processo de diversificação 82 do perfil dos alunos peruanos na PUC-RJ, o colega de Solange é um exemplo de um agente que exerce um importante papel na (re)produção de uma cadeira migratória entre seus ex-colegas de trabalho que não estudaram na UNI. Assim como a PUC-RJ, o CBPF também recebe um significativo fluxo de estudantes peruanos. Sofia e Ricardo eram da mesma turma no Peru e ambos tinham o desejo de sair do Peru. Na universidade onde estudaram havia muitos estudantes que vinham fazer pós-graduação no Brasil e voltavam lá dando palestras e apresentando os resultados de suas pesquisas. Interessados no trabalho realizado pelos peruanos no CBPF, Ricardo e Sofia decidiram vir para o Brasil. Ricardo veio para o Brasil um ano antes de Sofia. Quando ela chegou, o amigo ofereceu auxílio, principalmente nos seus primeiros meses. Além de Ricardo, Sofia já conhecia outros peruanos também egressos da Universidad Nacional de Trujillo, onde fez a graduação, que estavam no CBPF. Alguns deles ajudaram PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Ricardo e ela a se adaptarem à vida fora do Peru. Enquanto Ricardo, Eduardo, Douglas, Enrique e o colega de Solange contribuíram direta- e deliberadamente- para que outros peruanos também se tornassem estudantes no Rio de Janeiro, se tornando fios na rede de mobilidade estudantil, outros influenciaram a vinda de outros estudantes de maneira indireta, como Alejandro. Quando ele decidiu que queria estudar Música no Brasil, ele se matriculou no curso de Português do Centro de Estudos Brasileiros (CEB). No curso, os professores comentaram sobre o PEC, mas o programa não oferecia vagas para a graduação em Música. Alejandro foi aconselhado pelos funcionários do CEB a ir à universidade onde ele queria estudar no Brasil e solicitar cartas que mostrassem o interesse da instituição em abrir vagas para o PEC-G e encaminhar essas cartas para Brasília. Em 1992, Alejandro fez isso: Alejandro: ...o vestibular seria o caminho mais longo. Eu fui aconselhado a fazer desse jeito... eu estudei no CEB, lá no Peru... E como tocava violão, eu virei uma pessoa popular lá, porque organizei o coral do CEB.. Aí quando tava querendo vir praqui, a diretora do CEB (...) me falou: “no melhor, tenta fazer como um convênio, mandar uma carta pra Brasília, pra ver se faz a ligação”. Aí, consegui. Camila: Então foi você que fez o convênio na Música? Alejandro: Pois é.. nessa época, mandaram umas vagas pro Peru... E ficaram mandando depois durante um tempo. 83 Alejandro se tornou o primeiro "fio" da rede que possibilitou a ida de estudantes peruanos para os cursos de Música no Brasil. A partir do conselho que recebeu da diretora do CEB e imbuído do profundo desejo de estudar aqui, assumiu um lugar de protagonista na mediação do programa PEC-G com os cursos de graduação em Música. No ano em que veio estudar, em 1993, além da sua vaga na UFRJ, foram oferecidas vagas para a UnB e a USP. Com sua iniciativa, Alejandro conseguiu não apenas solucionar seu problema, mas ainda possibilitou que o convênio fosse estendido para mais um campo de conhecimento. Este é um caso em que, inesperadamente, o próprio estudante, através de sua rede, se tornou uma peça fundamental na reprodução da mobilidade de estudantes peruanos para o Brasil, influenciando inclusive a dimensão oficial do programa PEC. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 2.5.3 A fragilidade das redes Se por um lado, os próprios estudantes se tornam peças importantes na engrenagem que dá vida à mobilidade de estudantes do Peru para o Brasil, estas cadeias migratórias sofrem de uma severa instabilidade quando se apoiam somente em alguns poucos indivíduos. A frágil institucionalidade da relação entre os cursos de Música e o programa PEC-G fizeram com que, anos depois de Alejandro chegar ao Brasil, não fossem mais abertas vagas para o curso. Ele conta que algum tempo após sua vinda, veio um peruano estudar Música no Brasil. Porém, o rapaz não era músico, não sabia sequer tocar um instrumento. No Brasil, os candidatos à graduação de Música, além do vestibular, precisam fazer um teste que comprove sua habilidade na área. Porém, no Peru, os alunos contemplados pelo PEC-G não passavam por nenhuma prova específica de conhecimentos musicais. Por isso, esse rapaz conseguiu entrar no curso de Música, mas logo desistiu do curso. Depois dele, as vagas do PEC-G para Música foram canceladas. Ao contrário das vagas do PEC-G para a graduação em Música, em que, segundo Alejandro, um caso malsucedido incentivou o cancelamento das vagas na área, na PUC-RJ, a rede de estudantes peruanos alcançou um nível de institucionalização que garante o constante ingresso de novos alunos. Mas, Douglas, que está na PUC-RJ há 10 anos, lembra que houve períodos em que chegaram mais peruanos do que agora. Em 2003, junto com ele, chegaram cerca 84 de 10 peruanos. Nos semestres subsequentes, ele percebeu que esse número começou a crescer, a ponto de chegar à quantia de 30 peruanos novos chegando a cada semestre. Nos anos de 2006 e 2007, esse número começou a diminuir. Douglas analisa que esta diminuição do número de peruanos ingressando nos programas de pós-graduação em Engenharia da PUC-RJ se deve ao fato de que, desde 2005, o Peru ter passado por uma retomada da expansão da mineração. Alguns peruanos que estavam estudando no Brasil viram nessa atividade a possibilidade de voltar para o país para trabalhar e receber um salário de profissional, muito mais alto que uma bolsa de mestrado ou doutorado. Ele pondera que um ou dois casos de peruanos que abandonaram a pós-graduação fizeram com que os programas da PUC-RJ realizassem uma seleção mais rigorosa de estrangeiros, diminuíssem o número de peruanos aceitos e abrissem vagas para estudantes latino-americanos de outros países, como a Colômbia. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Douglas e Alejandro nos mostram como as redes que viabilizam a vinda de estudantes peruanos para o Brasil são influenciadas por uma complexa gama de fatores que podem garantir a consolidação do fluxo ou comprometer a sua manutenção. No caso do curso de Música, as vagas do PEC-G poderiam ter sido mantidas se fosse organizada uma maneira de avaliar os conhecimentos prévios dos candidatos estrangeiros assim como acontece com os candidatos brasileiros que concorrem à vaga de pós-graduação em Informática e Física, que realizam no Peru um exame igual ao realizado pelos brasileiros. Tal medida garantiria que os estudantes estrangeiros entrassem na graduação em Música com a mesma preparação que os brasileiros. Esta medida exigiria, tanto por parte do PEC-G quanto das universidades, um maior planejamento e controle sobre as vagas oferecidas e sobre a seleção dos candidatos. O cancelamento das vagas em Música para os alunos PEC-G parece indicar que não houve um interesse nesse sentido. Por outro lado, no caso dos estudantes da PUC-RJ, se no período em que o Peru atravessava profundas dificuldades econômicas estudar no Brasil foi uma saída para escapar de baixos salários ou do desemprego, numa fase de crescimento econômico no país, estudar no Brasil se torna uma alternativa dentre várias: para alguns, vale a pena continuar no Brasil, porém para outros não. Para os últimos, trabalhar recebendo uma alta remuneração vale mais a pena que passar anos estudando, recebendo uma bolsa com a qual não consegue pagar senão o mínimo para sua subsistência. 85 Assim, as novas oportunidades de trabalho no Peru fazem os estudantes reavaliarem seus projetos e, aqueles que abandonam os programas de pósgraduação podem interferir negativamente na oferta de vagas para novos alunos peruanos. Mesmo assim, as redes de informação e contato entre os peruanos que estudam no Brasil e os futuros estudantes que ainda estão no Peru alcançaram um nível de institucionalização que se consolidou a ponto de já não depender exclusivamente de alguns poucos indivíduos. Um exemplo disso é que atualmente, na PUC-RJ há alunos que, mesmo sem ter amigos na instituição, entram em contato com os programas, se candidatam à seleção e são aprovados, como Emiliano, o único estudante que eu conheci na PUC-RJ que se formou numa universidade particular. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 2.5.4 A "Geração de 96" A constante chegada de novos alunos peruanos ao Rio de Janeiro contribui não apenas para a circulação de informação sobre as oportunidades de estudos no Brasil, mas também possibilita que os recém-chegados dispõem da ajuda dos mais antigos, seja para encontrar um lugar para morar, aprender Português ou compreender como brasileiros se relacionam. Quando chegam ao Brasil, os estudantes terão nas suas redes de relações- construídas no Peru ou aqui- a principal base de sustentação e de adaptação à vida no Rio de Janeiro. Eles descobrirão que não há um apoio institucional que os orientem neste processo30 e, por isso, serão os peruanos, brasileiros e estrangeiros que auxiliarão sua vida cotidiana no Rio de Janeiro. Quando recebeu a notícia que tinha sido selecionado para estudar no Rio, Enrique pegou o telefone dos outros jovens também aprovados no PEC e ligou para todos que vinham para o Rio, checando se alguém tinha interesse de viajar do Peru ao Rio de ônibus com ele. Enrique queria aproveitar a oportunidade de sair do Peru para conhecer outros países da região. Ninguém aceitou seu convite, a 30 A recepção dos estudantes peruanos no Brasil em muito se contrasta com a que eu recebi nos EUA. Eu fui premiada com uma bolsa da CAPES para participar de um programa de graduação sanduíche. A UENF assumiu a responsabilidade de solicitar à embaixada americana meu visto de estudante. A coordenadora do programa nos EUA se encarregou de me recepcionar no aeroporto, encontrar um lugar para morar e me ensinar a me localizar no campus da universidade, que contava com um escritório exclusivo para atender os estudantes estrangeiros. Periodicamente, a universidade organizava encontros para reunir os estudantes estrangeiros recém-chegados como forma de fazermos amizade uns com os outros. 86 não ser dois aprovados: um deles era Virgilio. Ele e Enrique chegaram no Rio no segundo semestre de 1996. Até hoje os dois moram no Rio e são amigos. Quando Enrique e Virgilio chegaram, eles não conheciam ninguém na cidade. O único contato que eles tinham era o de Luis Fernando. Apesar de conhecê-lo não pessoalmente, Enrique conseguiu o contato dele porque ambos são de Tacna, cidade no sul do Peru. Quando a mãe de Enrique soube que o filho iria para o Rio, perguntou para a mãe de Luis Fernando se ele não poderia hospedá-lo por alguns dias. Foi assim que Luis Fernando se tornou a primeira referência de Enrique- e Virgilio- no Rio de Janeiro. Além deles, outros peruanos também chegaram a morar no mesmo apartamento naquela época. O apartamento "foi uma das primeiras colônias peruanas... primeiro consulado peruano! Era um lugar onde viviam 5 ou 6 pessoas, mas dormiam 15", se recorda Enrique31. Rubén se recorda que chegou um grupo de cerca de 15 peruanos em 1996, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA todos com idade entre 17 e 22 anos, para fazer graduação no Rio de Janeiro. Eles se tornaram amigos e sempre se encontravam no apartamento de Luiz Fernando para “beber e chorar as penas”, ao som de música criolla e huayno. Andrés, que imigrou para o Brasil no início dos anos 90, também costumava frequentar o apartamento dos estudantes. Ele trabalhava como vendedor ambulante de artesanato na praia de Copacabana e no final de semana se reunia com os estudantes para cantar e beber. Um dos estudantes tinha um cajón, que Virgilio tocava. Andrés acompanhava tocando as panelas como se fosse um bongô. O grupo de estudantes vindos para o Rio de Janeiro em 1996 teve uma importância sem precedente para a construção de uma rede de relações de peruanos na cidade. Um número considerável de peruanos estavam na cidade, todos com a mesma motivação: estudar. E depois de formados, muitos deles continuaram na cidade e até hoje mantêm os laços de amizade. Apesar das diferenças sociais, políticas, econômicas, geográficas e individuais, todos compartilham da experiência de ter estudado no Brasil e aqui, não ter se fechado a um círculo exclusivamente de estudantes peruanos, mas se relacionavam também com peruanos que estavam no Rio de Janeiro como trabalhadores, brasileiros e outros estrangeiros. Enrique, por exemplo, depois de passar seus primeiros dias no 31 "fue una de las primeras colonias peruanas… primeiro consulado peruano! Era un lugar donde vivían 5 o 6 personas, pero dormian 15". 87 apartamento de Luis Fernando, foi morar com brasileiros que tinham vindo de Petrópolis estudar na capital do estado. No Rio de Janeiro, os estudantes tiveram que se adaptar a uma cidade onde ainda não existiam espaços e eventos peruanos consolidados, como um restaurante, campeonatos de futebol ou festas que tocassem músicas em espanhol. A experiência de deixar o país, a família e os amigos no Peru tão jovens marcou profundamente suas vidas e possibilitou a construção de laços de amizade e afinidade entre eles a ponto de, até hoje, se reunirem para conversar e se divertir juntos. Hoje, muitos deles tem filhos brasileiros, são casados com brasileiras e se identificam concomitantemente com o Brasil e o Peru. 2.5.5 A repercussão da "Geração de 96" PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Um caso que ilustra a capacidade de articulação das redes ao redor da mobilidade estudantil é o de Renato. Ele veio para o Rio de Janeiro acompanhando a irmã mais velha. Ambos são de Cusco e um amigo da cidade comentou que conhecia alguns peruanos que estudaram no Rio de Janeiro. O amigo falou que era um muito fácil conseguir bolsa para uma universidade brasileira e perguntou se a irmã de Renato não quero vir. Ela achou ótima a ideia de vir para o Brasil e animou seu irmão para acompanhá-la. Como seus pais não queriam que ela, como mulher, saísse do país sozinha, Renato veio junto, em 2005. Os amigos que moravam no Rio de Janeiro a quem o amigo da irmã de Renato se referiu eram Enrique e Lorenzo. Apesar de nunca terem tido nenhum contato antes, Enrique, Lorenzo e seus amigos peruanos que participaram do PEC-G no final dos anos 1990, foram as referências que fizeram Renato e a irmã tomarem a decisão de estudar no Brasil. O que Renato não imaginou é que sua participação no PEC-G seria tão difícil. Ao contrário de como foi em 1996, em que todos os bolsistas PEC-G comentam que o processo seletivo foi simples, para Renato o processo foi difícil e, no final, ele foi reprovado. Quando ele tentou a seleção, já eram exigidos conhecimentos de língua portuguesa. Por isso, em 2005, Renato veio para o Brasil estudar português por 6 meses. Quando voltou, ele fez sua inscrição no processo 88 seletivo do PEC-G, entregou todos os documentos exigidos e fez a prova de português, na qual teve um resultado maior do que o exigido pelo programa. Mesmo assim, Renato teve sua candidatura recusada, sob a alegação que o programa estava privilegiando peruanos mais velhos. Rubén, que fez parte do que Enrique chama de “geração de 96”, comenta com o amigo Renato que havia na sua época muitos alunos peruanos que vinham, mas desistiam. Como os estudantes chegavam muito jovens, sem falar português e sem nenhum respaldo no Brasil, muitos não se adaptavam à universidade ou à vida no Rio. Rubén acha que esse é um motivo que fez com que a Embaixada brasileira exija o exame de proficiência em português e opte agora por aprovar alunos mais velhos, mesmo que isto não esteja claramente expresso no edital de seleção. Contudo, a reprovação da candidatura à bolsa PEC-G não impediu que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Renato colocasse em prática o projeto que ele e a irmã tinham construído de sair do Peru. Irritado com o resultado mas convicto de que ia estudar no Brasil, Renato voltou ao Rio de Janeiro em 2006 e depois de passar um ano fazendo um curso pré-vestibular, ingressou no curso de Direito da UERJ. Ele se recusou a ter seu projeto boicotado pelos princípios não explícitos que a comissão de seleção do PEC-G estabeleceu e, por isso, assumiu para si a responsabilidade de ingressar na universidade da mesma forma que os brasileiros, através do vestibular. Casos como os de Renato, Alejandro, Enrique e dos demais informantes mostram a profunda relevância que os indivíduos, suas ações e relações assumem no processo de deslocamento que fundamenta sua experiência migratória. Entretanto, O papel que os indivíduos desempenham nos deslocamentos não é uma novidade que emerge com a expansão de novas modalidades de deslocamentos que a globalização possibilita. Seyferth (2011) nos lembra magistralmente que, no século XIX, a colonização alemã no Vale do Itajaí- Santa Catariana teve seu embrião gestado nas conversas de Hermann Blumenau com o cônsul do Brasil na Alemanha. Blumenau confidenciava com o cônsul brasileiro seu desejo de construir uma comunidade de alemães no exterior. Se Blumenau não tivesse uma relação com o cônsul do Brasil que permitisse contar para a ele seus planos de colonização, talvez ele tivesse enfrentado mais dificuldade de implementar seu projeto experimental no Brasil. Este exemplo ilustra que mesmo projetos e programa que se institucionalizam e se tornam parte da política oficial 89 de Estado tem a participação de indivíduos de carne e osso, que agem de acordo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA com suas expectativas, anseios e condições. 3 Peru, o ponto de partida Poucos países podem oferecer uma variedade, uma diversidade tão complexa, seja 1 geográfica, seja humana, como o Peru... É um país de todos os sangues ... Assim como chegaram os espanhóis, aí chegaram imigrantes de vários países, surgindo o homem peruano, que tem raízes também africana, asiática e europeu (...) Você vai poder enxergar essa riqueza étnica também a partir da mestiçagem dessas raças, dessas etnias todas. (Transcrição da fala de uma professora peruana na abertura da Muestra de la Cultura Peruana. Setembro de 2011). O trecho acima foi extraído da apresentação realizada por uma professora peruana na abertura de um evento dedicado à cultura peruana2, que teve como objetivo “mostrar a realidade do Peru em suas mais diversas facetas3”. O evento PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA reuniu palestras, exibição de filmes e fotografia, apresentação de dança, venda de comida e artesanato, numa tentativa de dar aos brasileiros uma ampla visão do Peru. A professora que organizou o evento e ministrou a palestra acima vive no Brasil há muitos anos e chegou ao Rio de Janeiro como estudante. Nesta palestra, ela falou sobre as características que considera mais marcantes da história, da geografia e da composição étnico-cultural do Peru e modo de se comportar dos peruanos. A representação do Peru como um país tripartite- divido entre Costa, Serra e Selva- é questionada por alguns peruanos no Rio de Janeiro porque ele consideram esta uma forma empobrecida de se referir a um país tão diverso. A professora peruana reproduz esta representação, mas também a desafia, declarando que no Peru há uma “variedade, uma diversidade tão complexa, seja geográfica, seja humana.. Há uma variedade ecológica incrível no Peru. Possui 28 tipos de climas, 84 das 103 áreas ecológicas que existem no mundo. Dividi-se internamente em três regiões: costa, serra, selva. Mas na realidade é muito mais complexa”. Ela faz o mesmo quando comenta a formação social do Peru. Primeiro, a professora explica que, assim como o Brasil, o Peru se formou a partir 1 Expressão que se tornou popular no Peru, que tem como referência a obra “Todas las Sangres”, de José Maria Arguedas. 2 Evento realizado no período de 23 a 25 de agosto de 2011 na universidade UNIGRANRIO, em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. 3 http://noticias.unigranrio.edu.br/informativo/2011/08/17/informativo-ano05n16/ 91 da colonização, do encontro do espanhol com os nativos, mas completa mencionado a contribuição dos africanos, asiáticos e europeus de outros países para a construção da sociedade peruana. Na palestra, a professora peruana apresenta sua visão de Peru, e traduz a imagem que tem do seu país para um público brasileiro. Antes de se tornar professora, ela foi uma estudante de pós-graduação no Rio de Janeiro. Na sua fala, ela reforça a ideia do Peru como um país diverso e multicultural, assim como o Brasil. Assim como o Brasil e diferente do Brasil são expressões repetidamente empregadas por ela, mostrando que, apesar do tema da palestra ser o Peru, o país é apresentado a partir do olhar da palestrante, que não é a de um Peru isolado e estanque, mas daquele vivido por ela, mediado pela relação que ela tem com o Brasil. Este é o Peru visto e sentido pela experiência de uma peruana que está PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA distante do país de origem, mas que não deixa de tê-lo como referência. De uma peruana que também tem o Brasil como referência. E através dessa dupla referência, a palestra apresenta um Peru em constante comparação com o Brasil. A palestra da professora peruana é emblemática por mostrar que na experiência do deslocamento, o país de origem não desaparece. Ele oferece um conjunto de referências que podem ser reforçadas, ressignificadas ou confrontadas com as do país de destino. A visão que se tem sobre o lugar de origem é posicionada, nunca neutra ou objetiva, mas sim construída ao longo das vivências experimentadas. Compreender o significado da mobilidade para os estudantes exige uma reflexão mais ampla sobre como suas escolhas, decisões e projetos são empreendidos dentro de um contexto particular. Nele estão presentes elementos objetivos, como a situação econômica e política que o país de origem e destino atravessam e como cada grupo é afetado; mas também elementos subjetivos, como os indivíduos percebem os aspectos estruturais da realidade. Toda chegada numa sociedade é também a partida de outra, ou seja, a mobilidade internacional é um fenômeno no qual necessariamente estão envolvidas as duas sociedades- a de origem e de destino, como afirma Sayad (1998). Neste capítulo, analiso como os jovens (re)construíram o projeto de sair do país como estudante no seio da sociedade peruana. O Peru é o país onde os jovens aprenderam a ver e classificar o mundo, a si mesmos e aos outros. É no 92 seio da complexa e heterogênea sociedade peruana que ir para o exterior é compreendido como uma estratégia para ascender econômica, social e simbolicamente. Será no Peru que o projeto de se tornar um estudante no Brasil será gestado e serão elaboradas as mais diversas estratégias para realizá-lo. Portanto, será ainda no Peru que o projeto de vir para o Brasil como um estudante universitário começará a fazer sentido. 3.1 A construção social do Peru Na segunda viagem que fiz para Lima, em junho [de 2011], cheguei no aeroporto Jorge Chavéz (em Lima) e, no banheiro, encontrei uma peruana que aparentava ter idade entre 30 e 40 anos. Ela olhou para mim e perguntou: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA - De onde você é? - Do Brasil. Respondi. -Ah.. seu cabelo é tão lindo! Totalmente natural! A moça continuou a tecer elogios, agora à minha forma física. Ela disse que achava lindas 4 pessoas da minha cor, com o meu cabelo e com um corpo “con caderas ”. Era muito bonito, porque, segundo ela, as mulheres que têm “cadera” não ficam com a barriga grande, ao contrário das peruanas. As peruanas não têm “cadera” e por isso acumulam muita gordura na barriga. A moça aproveitou a conversar para me contar que mora na Alemanha com seu marido alemão. Lá, ela conheceu algumas mulheres portuguesas que eram assim, como eu: con caderas e sem barriga. Ela terminou declarando, em tom de louvor: “isso é que é 5 raça!” (Diário de campo, junho de 2011). A inusitada conversa no banheiro do aeroporto de Lima me remeteu à minha primeira visita a Cusco, em 2007. Lá, muitos cusquenhos, sobretudo as mulheres que vendiam artesanato nas ruas do centro da cidade, quando tinham a oportunidade de conversar comigo, falavam que meu cabelo ‘crespito’6 era lindo. Elas me diziam que adorariam ter o cabelo crespo como o meu. Para mim, aquela declaração era, no mínino, surpreendente. Eu nunca tinha ouvido elogios tão eufóricos sobre meu cabelo. Ao contrário: ao longo da minha vida sempre recebi conselhos de que deveria alisá-lo. Menos ainda: nunca conheci uma pessoa com 4 Quadril. Extraído das anotações de campo. 6 Diminutivo em espanhol de crespo.Entre os peruanos, é muito comum o uso de palavras no diminutivo, sobretudo as com significado positivo. 5 93 cabelo liso que me dissesse que gostaria de trocar de cabelo comigo. Estas não foram as únicas vezes que peruanos elogiaram meu corpo e meu cabelo. Quando visitei Ayacucho, em maio de 2013, por exemplo, um grupo de senhoras que me viram na rua me olharam com curiosidade, me dizendo que minha pele e meu cabelo eram lindos. Elas me disseram que eu deveria ficar em Ayacucho para me casar com seus filhos e dar para elas netos com o cabelo e a pele iguais aos meus. O uso que a moça no banheiro do aeroporto fez do termo raça para se referir à composição do corpo das peruanas, portuguesas e brasileiras me chamou a atenção, assim como já me havia surpreendido a forma como me trataram as artesãs cusquenhas. Embora elas não usassem o termo "raça" para comparar meu cabelo crespo com seu cabelo liso, a cor da minha pele com a cor da pele delas, elas demonstravam uma habilidade de comparar aspectos físicos para diferenciar uma estrangeira negra- eu- delas, peruanas. Para elas, eu carregava no corpo as PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA marcas da estrangeiridade e da diferença. Nas viagens que fiz ao Peru em 2012 e 2013, eu percebi uma grande diferença na minha relação com o país. A intensa convivência com peruanos no Rio de Janeiro me permitiu dominar o espanhol ao estilo peruano, entender algumas piadas e expressões jocosas, conhecer elementos da cultura popular, principalmente da música e dança. Cada vez mais, eu me sentia familiarizada com o Peru, chegando ao ponto de, em alguns momentos, esquecer que eu era estrangeira, condição da qual eu era sempre lembrada quando ouvia comentários sobre meu corpo, meu cabelo e meu sotaque. Apesar de ter comprovada cientificamente sua inexistência entre os humanos, a raça é um termo de uso corrente entre muitos peruanos, no Peru e no Rio de Janeiro. Eles empregam a palavra para se referir às características físicas, psicológicas ou sociais de determinado grupo. Já ouvi várias vezes de peruanos no Rio de Janeiro que eu deveria ir para Chincha7, lugar do Peru com uma significativa presença de população negra. Eles me dizem que lá eu encontraria muitas pessoas assim como eu: sorridentes, simpáticas e morenas (eufemismo para se referir às pessoas negras). Muitos deles comentam que, em Chincha, as 7 Em 2013, fui convivida por uma amiga peruana que dança comigo no grupo Sayari para ir a Chincha. Nós fomos e aproveitamos para visitar a família Ballumbrosio, que desenvolvem a tradição de tocar e dançar música afroperuana. Roberto Ballumbrioso nos explica que, para ele, tocar e dança é algo que está no sangue da família. 94 pessoas gostam muito de dançar e terminam me perguntando se eu danço como as pessoas de lá. A ideia subjacente a tais comentários é que eu, negra brasileira, e os negros peruanos de Chincha teríamos uma identificação através de nosso tom de pele e nosso temperamento. Tais semelhanças se estruturariam numa origem em comum que eu e os afroperuanos teríamos. *** A formação social do Peru esteve ancorada na reprodução de um sistema de classificação racial que tem como extremos opostos o indígena e o branco. Construída num período que remete ao passado colonial, a representação da sociedade peruana como polarizada entre duas raças foi vinculada a uma hierarquia étnico-racial que justificava ideologicamente o domínio econômico e político do espanhol sobre as populações locais, indiscriminadamente denominadas como índios. Nesta configuração, o índio era considerado menos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA desenvolvido, portador de uma cultura primitiva e arcaica, para quem não haveria outro lugar na estrutura econômica, social e política do país a não ser o de subalterno (Golte, 1995; Degregori, 2012). A instauração da República libertou o país do domínio da Coroa espanhola, porém não transformou a hierarquia étnico-racial que estruturou a formação social peruana. Para Mariátegui ([1928] 2008), um dos maiores equívocos da República foi ter construído um projeto de nação que privilegiou os criollos, ou seja, os brancos nascidos em solo peruano, que eram uma minoria, em detrimento dos índios, a maioria. O sistema republicano consolidou um sistema social, econômico e político que reforçou a polarização do país entre índios e criollos, Serra e Costa, preterindo as populações serranas na construção do Peru como nação (Cotler, 1994). Assim como a professora peruana que deu palestra acima, outros peruanos no Rio de Janeiro explicam a sociedade peruana segundo o encontro de duas raças, o índio e o branco que, misturando-se, formaram os elementos intermediários dentro do sistema étnico-racial. Segundo tal explicação, a mistura entre as raças daria origem a outros grupos, como o mestizo e o cholo. Classificados por reunir características de índios e brancos (Bourricaud, 1970), a diferença entre eles está em quanto de cada raça eles teriam. Enquanto no mestizo predominaria o componente branco, no cholo, predominaria o indígena. Ambos 95 carregam no corpo a herança do encontro- não sem conflito- dos europeus e as populações autóctones, através da mestiçagem (Fuenzalida, 1970) que, no Peruao contrário do Brasil-, era vista com desconfiança. Determinados setores da elite peruana acreditavam que a miscigenação provocaria uma degeneração das raças; já os intelectuais indigenistas consideravam- na uma ameaça à cultura andina através da aculturação e da assimilação (Degregori, 2012) Em ambos as perspectivas, a miscigenação era considerada negativa, posição dominante nas teorias raciais. A vinda dos estudantes peruanos para o Brasil não apaga as categorias raciais que eles aprenderam no Peru como forma de classificar as pessoas em seu entorno. Quando perguntados sobre a existência de racismo no Peru, os estudantes são unânimes na resposta: sim, há racismo no Peru. Entendendo o racismo em seu país como um fenômeno complexo, os estudantes explicam que ele se estrutura PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA numa combinação de fatores, como os traços físicos, a condição social, a região de origem, a vestimenta, o sotaque, o nível de escolaridade. Nem sempre os brasileiros ou outros estrangeiros conseguem perceber, mas os peruanos conhecem muito bem e sabem negociar estas categorias. Luis Fernando elucida: é como se, no Peru, existisse um indiômentro, uma espécie de termômetro que calcularia não a temperatura do corpo, mas a quantidade de componente indígena que cada pessoa carrega. "Dentro do Peru, existe uma disputa interna de quem é mais índio do que o outro. É como se a gente tivesse um indioômetro dentro da gente, um cholômetro", explica Luis Fernando. A disputa dos peruanos para calcular quem é mais ou menos índio está relacionada com o significado que o índio, como um componente da hierarquia racial, assume no Peru. Por exemplo, até a aprovação da reforma agrária, em 1969, os intelectuais tendiam a definir índio como aquele que morava em áreas rurais, estava destituído da propriedade da terra, que tinha o quéchua ou o amará como língua materna e que não dominava o espanhol (Golte, 1995; Bourricaud, 1970). Ou ainda, no senso comum, índio seria aquele que descendem dos Incas (Fuenzalida, 1970). A complexidade das categorias raciais se aprofunda quando consideramos a maneira como os indivíduos chamados índios, mestizos, cholos ou criollos empregam tais categorias na sua vida cotidiana. Mayer (1970) conta o caso do antropólogo americano John Goins, que na fronteira entre o Peru e a 96 Bolívia, começou a perguntar às pessoas: “quem é índio?”. O americano se surpreendeu com a variedade das respostas, chegando à seguinte conclusão: Existe una gran variedad de opiniones acerca de lo que es indio y, (…) no existe un patrón predominante de opinión. Evidentemente los indios no forman parte de un grupo o clase de gente rígidamente separado. Ellos pueden ser sucios o limpios; jóvenes o viejos; de habla inca8 o de habla castellana; de status alto o bajo; (...) todos o nadie; habitar en la ciudad o en el campo, en todas partes o en algún lugar lejano en las montañas (Goins apud Mayer, 1970, p. 91). A conclusão vaga e imprecisa de Goins é relevante para entendermos que, longe de se referir a elementos essenciais, estanques e imutáveis, o índio, como categoria classificatória, tem seu significado adaptado às circunstâncias em que ela é reivindicada ou rejeitada. A estudante Guadalupe, por exemplo, irritada com os brasileiros que chamam ela e seus conterrâneos de índio, declara que os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA peruanos não são índios, mas sim Inca. Enquanto Guadalupe se recusa ser chamada de índia, líderes locais num congresso em 1980 em Ollamtaytambo, Custo, insistiam que eram índios, e não “camponeses”9, como o governo os denominavam (Murra, 2009). Assim como índio, a palavra cholo10 também pode ganhar múltiplos sentidos. Ela pode ter um significado ofensivo, como um xingamento, mas na forma diminutiva (cholito/a)11- é muitas vezes empregada entre casais de namorado ou entre pais e filhos, numa demonstração de carinho. A diferença entre um cholo ofensivo para um cholo carinhoso está no tom de voz e no contexto em que a palavra é pronunciada. Solange acredita não ter sentido os peruanos se ofenderem ao serem chamados de "cholos" porque no Peru "todo somos do 8 Com “habla inca”, ele se refere ao quechua. Méndez (2000) comenta que nos anos de 1970 o termo “índio” caiu em desuso, dando lugar a outros, como camponês, andino ou serrano. 10 No Peru, o verbo cholear se refere à forma discriminatória do emprego da palavra cholo. Cholear significa tratar alguém como inferior baseado nas suas características físicas, como tom da pele, tipo de cabelo, formato dos olhos, como mostra o filme Choleando (2012), disponível em http://www.youtube.com/watch?v=QLolrnYkMVw. No dia 6 de julho de 2013, O Consejo de Consulta, tendo Enrique como um dos conselheiros, organizou um debate com o filme para refletir o racismo no Peru. Enrique me convidou para compor a mesa de debatedores e para apresentar o poema de Victoria Santa Cruz, “Me gritaron negra”. 11 Um peruano no Rio de Janeiro, conversando sobre a questão da raça no Peru, comentou que seu país costumava chamá-lo de cholito. Outro costuma chamar sua namorada brasileira carinhosamente de cholita. No cancioneiro folclórica peruano, são várias as músicas que contém a palavra “chola”, como o tondero San Miguel de Morropón. 9 97 mesmo, viemos do mesmo país, ou seja, somos índios.. mais que tudo, inca!"12. Ao contrário de Guadalupe, que distingue o índio do Inca, Solange aproxima os dois termos de cholo, usando os três como sinônimos que simbolizam a herança indígena que todos os peruanos teriam. Entretanto, Solange reconhece que o uso dos termos que remetem ao indígena está geralmente associado a um conjunto de práticas que o discrimina. Ela comenta que, se uma pessoa da Serra for a um bairro pituco13 de Lima, ela será discriminada. Quando eu relato minha primeira visita a Custo aos estudantes peruanos no Rio de Janeiro e digo como fiquei surpresa com os comentários sobre meu cabelo, eles me dizem que, no Peru, cabelo liso preto liso é uma marca indígena que muitos querem ocultar pela discriminação que sofrem. Quando Enrique reflete sobre o racismo no Peru, ele chega à conclusão que é muito difícil para um peruano se assumir como índio por causa da discriminação e do racismo. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Ele comenta que, em Lima, há discotecas que impedem a entrada de determinadas pessoas, sob a justificativa de que a entrada é restrita para sócios. As pessoas impedidas de entrar são aquelas que, além de um fenótipo indígena, não se vestem da mesma forma que as elites limenhas. Enrique acredita que ele mesmo seria barrado numa discoteca assim, pela sua baixa estatura, a cor da sua pele, seu cabelo liso, por ter nascido na Serra e por não pertencer às classes altas. A imprecisão que Goins encontra para saber quem é índio tem a ver com a versatilidade que a raça como categoria classificatória assume na vida cotidiana. Ela mescla um conjunto de aspectos como biológicos, sociais, culturais e econômicos, num complexo jogo de classificação que tem como base o quanto de índio cada um tem e que gera o indiômetro a que Luis Fernando se referiu. Nesse cálculo, quanto mais índio, mais negativo, explica Luis Fernando: Camila:- E ser mais índio é mais positivo ou negativo? Luis Fernando: - Negativíssimo! (...), uns 70% dos peruanos têm mais traços indígenas. Uns mais do que outros. (...) E eu acho que pros brasileiros, pro pessoal de fora, todos os peruanos são muito iguais. Só que a gente sabe diferenciar! Eu acho que a gente faz questão de querer diferenciar. E dentro do Peru, (...) você faz uma escala: você conhece as pessoas- teu chefe, enfim, cobrador de ônibus.. Você vai vendo… Se você vê que ele é mais (índio) que você (...) e você vê que você 12 13 ...todos somos del mismo, venidos del mismo país, o sea, somos índios.. más que todo inca!. Gíria que remete ao estilo de vida e de comportamento das tradicionais elites peruanas. 98 tem menos traços (indígenas), você se sente no direito de ser superior, ou de falar num tom mais alto.. Nesta dinâmica, as características físicas são avaliadas não como elementos isolados, mas de acordo com a posição que os indivíduos ocupam em diferentes esferas sociais, como o mercado de trabalho e o nível de escolaridade, por exemplo. Sofia analisa que o racismo no Peru continua vigorando profundamente, mas também está se formando no país um processo que ela chama de “reivindicação do índio, do cholo”: a atribuição de um sentido positivo a estes termos, em substituição ao pejorativo. Esta nova postura pretende afirmar a herança indígena como parte da identidade peruana. A estudante analisa: "então, agora, se você pergunta qualquer pessoa na rua: “você é cholo?” Ele fala: “sim!”, com orgulho, entendeu?... Antes ninguém gostava de ser (chamado de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA cholo)… Ao mesmo tempo em que reconhece que o Peru está passando por um processo de transformação no qual cholo é ressignificado, reivindicado com um sentido positivo, Sofia observa que esta transformação não abrange igualmente todos os peruanos. Não são todos que se identificam como cholos e atribuem um sentido positivo ao termo. Sofia explica que se negar como cholo é ainda muito comum no Peru, inclusive entre peruanos altamente escolarizados e que apresentam fortes traços indígenas: Tem pessoas que até agora, meus amigos, acadêmicos, que têm um nível de educação medianamente alto que dizem que não são (cholo)... E você vê a cara deles! É a negação de quem você é! A gente é cholo! Todo mundo! Entendeu? E eu gosto! Eu gosto! Gosto de ser chola! É uma palavra que tá tendo um significado agora positivo. Sofia. Uma questão não problematizada na fala de Sofia é são justamente as pessoas que apresentam um fenótipo indígena que sofrem cotidianamente com a discriminação, talvez por isso eles sintam mais dificuldade de assumir-se como índio ou cholo. Enquanto Sofia elege o termo cholo para se referir à miscigenação que teria dado origem a todos os peruanos, incluindo ela mesma, Walter prefere denominar-se a si mesmo e seus conterrâneos como mestizos. A construção de um imaginário nacional polarizado entre Serra e Costa, índio e branco, tradicional e moderno obscureceu a profunda heterogeneidade da sociedade peruana em 99 categorias que remetem à miscigenação entre o branco e o índio, como mestizo e cholo. Entretanto, na sua formação social, o Peru conta com a participação de índios e negros de diferentes etnias, populações amazônicas, brancos de diversos países da Europa, chineses, japoneses. Na minha experiência de trabalho de campo, o fato de ser negra coloca a raça como um elemento constantemente presente na minha interação com os peruanos no Brasil e no Peru. Apesar de presentes na costa peruana desde o século XVII (Ivo e Paiva, 2008), os negros são sistematicamente preteridos do projeto peruano de nação14, que se estruturou numa dualidade entre índios e brancos. Por isso, a ideia predominante no senso comum do país é que um negro em solo peruano é estrangeiro. Conversando com Roberto Ballumbrosio15, ele comentou que é muito comum quando ser parado por policiais caminha pelo centro de Lima. Certa vez, um policial, numa abordagem assertiva, pediu seu documento de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA identidade, perguntando o que ele estava fazendo naquele local e se era dominicano. Rapidamente, Roberto mostrou o documento, esclarecendo que é peruano de Chincha, lugar onde a presença negra é reconhecida nacionalmente. Na vida cotidiana, grande parte dos peruanos não convivem com afroperuanos, o que reforça a ideia de que não há negros no Peru. Assim, os negros representam a diferença, a estrangeiridade e, para alguns, um certo exotismo. Para muitos peruanos, será no Rio de Janeiro a primeira vez que eles conviverão com negros. E para alguns, eu serei a primeira negra com quem eles terão um contato mais próximo16. A experiência de Roberto Ballumbrioso com policiais em Lima, interrogado se é dominicano, parece indicar que, pelo menos no caso dos negros, eles não são imaginados como parte do Peru, mas como estrangeiros. Num imaginário nacional polarizado entre índios e brancos, são muitos os excluídos. A experiência dos estudantes peruanos no Rio de Janeiro, no entanto, nos mostra que as categorias de classificação racial são ressignificadas em contato com os brasileiros, que não compreendem as nuances da dinâmica racial no Peru. Isto fica nítido quando, por 14 Um debate em torno do negro e construção da nação peruana ver Carazas, 2011. Ver nota de rodapé n. 16. 16 Este contato mais próximo comigo é, muitas vezes, marcado por uma admiração. Sofia, por exemplo, quase sempre quando me encontra comenta como meu cabelo e o tom da minha pele são bonitos. 15 100 exemplo, um peruano que se considerava mestizo no Peru é denominado índio no Brasil; quando os peruanos se deparam com as categorias classificatórias brasileiras e a forma como os brasileiros as manejam; ou ainda, quando aqui ele tem a oportunidade de se relacionar com peruanos com as quais não relacionaria no Peru, seja por causa de sua classe, origem geográfica ou raça. O Brasil se constitui, assim, um lugar onde os estudantes podem repensar a si mesmos e sua sociedade de origem a partir das formas brasileiras de classificar racialmente os indivíduos. Tanto o Brasil como o Peru explicam a formação de sua sociedade nacional a partir da existência de raças que se encontram e se misturam. Contudo, no Peru, prevalece no senso comum a crença de que o país tem na sua formação original a existência de duas raças, os brancos e os índios, que, misturando-se, dão ao origem ao mestizo e o cholo. Já o mito fundador da sociedade brasileira conta que o Brasil foi formado a partir da miscigenação de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA três raças: negros, brancos e índios. Além de omitir a presença do negro na composição do Peru como nação17, no mito fundador peruano entende a miscigenação das raças como um aspecto negativo, que leva à degeneração do seu povo. Já no Brasil, numa interpretação criativa das teorias raciais do século XIX, se desenvolveu a partir da ideia de que a mistura das raças seria o caminho para branquear o Brasil e, assim, tirá-lo da rota de fracasso pela presença de negros e índios na sua composição social18. Observando os brasileiros no Rio de Janeiro, os estudantes se surpreendem com a diversidade de fenótipos das pessoas. Eles também se surpreendem com a dinâmica das relações entre elas, notando, por exemplo, que negros e brancos não estão tão distantes fisicamente uns dos outros como índios e brancos no Peru. Mesmo assim, os estudantes analisam que no Brasil também existe racismo e discriminação, presentes em formas escamoteadas de segregação no convívio cotidiano. Os estudantes observam que, distintamente do Brasil, o racismo e a discriminação no Peru provocam uma segregação que mantém as pessoas afastadas, a ponto de, muitas vezes, brancos e mestizos nem dirigirem a palavra a 17 Numa visão tradicional, a nação compreende o somatório de três elementos: um povo, uma língua e um território (Seyferth, 1996). 18 Para empreender o projeto de branqueamento, intelectuais brasileiros acreditavam que o Brasil deveria estimular a imigração europeia e incentivar a assimilação dos imigrantes à sociedade brasileira (Seyferth, 2005b; 1997). 101 índios e cholos. No Brasil, brancos e negros se cumprimentam, mas os estudantes percebem que, em geral, eles não têm as mesmas condições de vida. Os estudantes ponderam que a discriminação e o racismo no Brasil ficam nítidos quando se observa a desigualdade social que faz com que, por exemplo, os negros sejam a população predominante nas favelas, mas não nas universidades ou nos bairros nobres, como Leblon, Gávea e Ipanema, o que indica que o Brasil também é racialmente segregado. Mesmo assim, no Rio de Janeiro, os estudantes conseguem conviver cotidianamente com pessoas- brasileiras e peruanas- de mais variadas origens- étnicas e socioeconômicas-, do conviviam no Peru e, a partir da maneira como são tratados pelos brasileiros, encontram a oportunidade de repensarem sua identidade étnico-racial. 3.1.1 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Da esteira ao tijolo: migrações internas e a urbanização no Peru Os diferentes significados que os termos como criollo, mestizo, índio, andino assumiram na vida cotidiana peruana estiveram intimamente ligados à distância física e geográfica que corroborava para a reprodução da distância social entre Serra e Costa, província e capital. As migrações internas e o crescente processo de urbanização desafiaram esta organização dual e polarizada do Peru, colocando em contato os dois extremos da hierarquia étnica, racial, social, econômica e política. Toda cidade se caracteriza como um espaço de encontros e confrontos de diferentes estilos de vida, múltiplas visões de mundo e uma variedade de universos simbólicos (Velho, 1999; 2009). No Peru, as cidades se tornaram então o lócus privilegiado do confluência dos dois Perus: o oficial e o marginalizado (Matos Mar, 1986). Desde os anos de 1940, o Peru passou por um processo de transição quanto à distribuição da população do campo para a cidade. A tendência à urbanização foi se confirmando ao longo das décadas posteriores, até que em 1993, a população urbana do país já correspondia a 70,1% do total. No censo populacional de 2007, esta porcentagem continuou a crescer, com a população urbana chegando a 75,9% do total nacional (INEI, 2012). A principal rota percorrida pelos migrantes é sair de pequenas cidades na Serra rumo às cidades 102 maiores da própria Serra ou da Costa. Na cidade, os migrantes desenvolvem diferentes estratégias para consolidar seu lugar no espaço urbano, estabelecendo moradias, desenvolvendo atividades econômicas, organizando clubes, associações políticas e culturais e assim, desafiam os limites físicos, sociais, políticos e étnicos da cidade (Altamirano, 2000b; Ávila, 2003). Provavelmente, qualquer pessoa que for a Lima hoje vai ouvir falar de Gamarra. Talvez, não ouça falar de Ciudad de Dios, Cono Sur ou Cono Norte, mas se buscar comprar roupa, sapatos, artigos infantis entre outros gêneros, terá a informação de que em Gamarra é possível comprar artigos de qualidade por um preço baixo. Eu recebi esta recomendação de muitos peruanos que moram no Rio de Janeiro, que comentam que as roupas no Rio de Janeiro são muito caras e de má qualidade enquanto em Gamarra são baratas e de qualidade. O bairro é hoje um exemplo que serve de inspiração para aqueles que pensam em migrar para a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA capital. Formado há mais de 50 anos por trabalhadores de migrantes, hoje, o polo comercial reúne quase 20.000 empresas do ramo têxtil, se tornando o centro comercial mais frequentado de Lima19. O bem-sucedido crescimento de Gamarra já está sendo internacionalmente reconhecido. Em 2012, Gamarra recebeu a ilustre visita da primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton e a diretora-executiva da ONU mulheres, Michelle Bachelet20. Diante da carência de moradia, alguns migrantes se inseriram na cidade através das barriadas, que se caracteriza pela ocupações de terrenos dos quais não eram os proprietários formais. Elas são formadas espontaneamente por grupos de migrantes que, organizados em associações, se instalam em áreas periféricas de Lima. Em barriadas como Villa El Salvador, antes da ocupação, os migrantes formam uma associação que busca junto às autoridades locais a regularização dos lotes ocupados. Em seguida, a associação inicia os projetos para construir equipamentos e serviços básicos necessários para a comunidade, como escolas, pavimentação das ruas, fornecimento de luz e água. 19 http://www.gamarra.com.pe/la-experiencia-de-compra-en-gamarra-libro-sobre-gamarra-condatos-estadisticos/ 20 http://www.gamarra.com.pe/hillary-clinton-michelle-bachelet-y-nadine-heredia-en-gamarra/ 103 A construção das casas também segue um padrão: primeiro, é erguida uma cabana de palha, de esteira; em seguida, é levantado um muro de tijolo que define a área do lote; o terceiro é substituir a casa de esteira pela de tijolo. Em muitos casos, a construção da casa conta com a participação da coletividade, num sistema de ajuda mútua entre vizinhos e paisanos21 (Collie, 1978; Matos Mar, 1986). No processo de transformar a cabana de palha em casa de tijolo, os migrantes se consolidam como parte da cidade, até alcançar o status de bairro legalmente reconhecido. Se os bairros formados a partir da barriada representam o reconhecimento do lugar de moradia do migrante na cidade, os centros comerciais de Gamarra representam o reconhecimento dos migrantes na economia nacional. O papel que as migrações internas exerceram na transformação da vida social peruana faz parte do contexto em que os estudantes peruanos estão inseridos. Alguns deles residiam em áreas da periferia de Lima como os Cono PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Norte. Outros, passaram por um processo prévio de migração interna quando criança ou adolescente, acompanhando a família ou sozinhos. Douglas, por exemplo, nasceu em Ancash e foi para Lima com os irmãos em busca de melhores condições de vida. Na capital peruana, eles moravam no Cono Norte. Os que passaram pela experiência da migração interna sozinhos tiveram o estudo como principal motivação. Muitos dos peruanos que hoje estudam no Rio de Janeiro saíram de suas cidades natais para ingressar na universidade em cidades maiores como Lima, Arequipa e Trujillo: Eduardo, por exemplo, é de Ancash e foi para Lima quando aprovado na UNI; Isabel é natural de Cajamarca, mas cursou a universidade em Trujillo; Osvaldo nasceu e cresceu em Moquegua e se mudou para Arequipa quando entrou na faculdade. Para eles, estudar fora do sua cidade de origem significou uma primeira experiência de se afastar dos pais e assumir mais responsabilidades sobre sua vida. Para outros estudantes, a primeira vez na vida que eles saíram de seus locais de nascimento por um período mais longo foi para estudar no Brasil. No entanto, alguns destes já haviam tido contato com a experiência de migração vivida por parentes próximos, como seus pais e avós. Sofia explica que a migração é uma realidade difundida na vida dos peruanos e está relacionada com a forma de organização política e social do país, que se mantém centralizada em Lima. Como 21 Palavra utilizada para designar pessoas do mesmo local de origem. 104 um país não federalizado, os governos locais têm poderes muito limitados e o poder de decisão sobre o país está concentrado na Capital: Acho que no Peru a maioria (tem familiares migrantes), porque, Peru, (...) tá tudo muito centralizado: é tudo em Lima, tudo! ...E as outras partes são muito esquecidas pelo governo. Então sempre tem história de migração. Pra quem você perguntar, peruano, tem uma história de migração. Inclusive, dentro de Lima.. É muito triste, mas é assim. O Peru é muito centralista: tudo é em Lima! Sofia. Na família de Sofia, tanto os pais quanto avós experimentaram uma trajetória de migração interna. Seu pai nasceu em Cajamarca e foi para Trujillo fazer faculdade nos anos 70, mesmo percurso realizado por Isabel muitos anos mais tarde, na década de 2000. A avó da estudante nasceu em Cusco, mas morou em Lima. Os pais de Lorenzo e Solange também migraram da Serra para a Costa: dos pais de Lorenzo, de Cusco para Lima, e os de Solange, de Apurímac também PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA para a capital. Já na família de Augusto, seu pai é de Trujillo, na Costa norte peruana e sua mãe de Huancavelica, na Serra. Eles se conheceram em Lima, assim como o pai e a mãe de Guadalupe, que são de Piura, na costa norte e da serra de Lima, respectivamente; e os pais de Cristiana que são de Iquitos, no departamento de Loreto, e Huaraz, no departamento de Ancash. Alguns estudantes que têm familiares migrantes se lembram de ouvir seus pais e/ou avós falando quéchua, principalmente quando a conversa era sobre um assunto que não queriam que seus filhos ou netos compreendessem. Mesmo quando não ensinavam seus filhos e netos a falar quéchua, eles mantinham o uso cotidiano da língua, sobretudo como estratégia para manter segredos. Não são poucos os estudantes que comentam que, mesmo depois de morar muitos anos na cidade, seus pais mantêm costumes dos locais de origem, como organizar festas familiares ao som de música de sua região ou participar de festas comunitárias tradicionais. E foi assim, em família, que muitos peruanos no Rio de Janeiro aprenderam a dançar, como Carla, do Grupo Sayari. Ela nasceu e cresceu em Lima e com seus pais, que são da Serra sul, aprendeu a dançar huayno. Apesar propiciar o encontro de diferentes modos de vida, a cidade é também o espaço onde as discriminações se tornam mais nítidas, como ponderam estudantes como Walter e Juan. Os dois explicam que há uma intensa discriminação contra os migrantes, principalmente quando saem da Serra para os 105 centros urbanos, como Lima. A discriminação aos migrantes é asseverada pelo racismo, que distingue negativamente aqueles que apresentam determinadas características físicas e culturais. Douglas, por exemplo, revela que se sentia discriminado em Lima. Quando soube da ideia do Grupo Sayari de apresentar o poema “Me gritaron negra” de Victoria Santa Cruz, ele ficou muito entusiasmado e explicou que sentia que o poema tratava não só do racismo contra os negros, mas também contra aqueles que não compartilham dos mesmos códigos de vestimenta, de linguagem e de comportamento que os limenhos das classes médias e altas. Douglas tinha a sensação que os limenhos olhavam para ele com repulsa ou desprezo. Matos Mar (1986) identifica a migração das áreas rurais para áreas urbanas da Costa como uma das maiores mudanças da história do Peru, por colocar estes dois mundos em contato. A repercussão da migração interna para a sociedade PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA peruana vai além das experiências individuais e das trajetórias familiares dos próprios migrantes. A migração aproximou campo e cidade, província e capital, Serra e Costa, índio e branco, abrindo a possibilidade para que, através do contato entre aqueles que estavam geograficamente distantes, se produzisse um novo imaginário sobre a nação peruana. No planejamento urbano, na economia, na produção cultural e na política, os migrantes internos buscaram caminhos alternativos e criativos para ter reconhecida sua participação na cidade e na identidade nacional. A migração interna se constitui um elemento chave para desafiar as hierarquias étnico-raciais e as formas tradicionais de dominação no Peru (Golte, 1995). Ela representa muito mais que uma busca individual por melhores condições de vida. Talvez, a migração tenha sido um dos primeiros passos práticos e concretos- ainda que não premeditado- para que, em 2012, o governo peruano o denominasse como um ano da "… integração nacional e do reconhecimento de nossa diversidade22". Além disso, ela também prepara o caminho para outras migrações internas e internacionais. 22 "integración nacional y el reconocimiento de nuestra diversidad " http://www.peru.gob.pe/ 106 3.1.2 Educação e migração Os fluxos de migração entre populações das zonas rurais para as cidades engendraram uma série de transformações na vida social peruana. Um elemento fundamental para analisá-las como um processo social é compreender o papel que a educação desempenhou neste processo. Em 2005, a taxa de analfabetismo da população peruana com 15 anos ou mais de idade foi de 9,6%. Em 2011, esse número passou para 7,1%. Na zona rural, a taxa de analfabetismo foi de 21,7% em 2005 e de 17,4% em 2011. Já as zonas urbanas apresentaram uma taxa de 5,1% em 2005 e 4,0% em 2011, ou seja, mais de 3% menor que a média nacional. Lima Metropolitana apresentou a menor taxa de analfabetismo do país: 3,1% em 2005; 2,9% em 2011. Em 2010, a média de anos de estudos alcançada pelos peruanos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA foi de 9,9 anos. Quadro 3 - Porcentagem de analfabetos em relação a população total do Peru 2005 2011 Peru total 9.60% 7,1% Rural 21,7% 17,4% Urbano 5,1% 4,0% Lima Metropolitana 3,1% 2,9% Fonte: Ministerio de la Educación- Peru Os dados acima nos mostram uma diminuição no índice de analfabetismo na população peruana, principalmente a urbana. Se compararmos com períodos anteriores, a diferença é ainda mais significativa: em 1970, entre a população de 15 anos ou mais, os analfabetos correspondiam a 28,5% do total; a taxa chegou a 20,6% em 1980; a 14,5% em 1990 e a 10,1% em 2010. Em relação à taxa de analfabetismo de outros países da América do Sul como Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e Venezuela, o Peru ainda apresenta uma elevada porcentagem. Entretanto, a taxa de analfabetismo no Peru é menor que a do Brasil, que, em 2010, alcançou 9,6% da população de 15 anos e mais. O Brasil é o país da 107 América do Sul com a mais alta taxa de analfabetismo, como indica a tabela abaixo: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Quadro 4 – Porcentagem da população analfabeta com 15 anos e mais de idade na América do Sul Fonte: CEPAL- Anuário Estatístico da América Latina e Caribe, 2010. Os dados referentes ao analfabetismo no Peru revelam uma profunda desigualdade entre a zona rural e a urbana e, mais ainda, entre a zona rural e a área de Lima Metropolitana. A reduzida taxa de analfabetismo em Lima metropolitana pode estar relacionada a diferentes fatores como a maior oferta de instituições de ensino na capital e a um processo de migração seletiva dos indivíduos mais escolarizados das zonas rurais peruanas. A saída de jovens e crianças das zonas rurais para as cidades em busca de educação é um fenômeno recorrente no Peru que pode ter como motivação: a falta de escola na localidade de origem; a busca por níveis mais altos de escolarização que ainda não está disponível no local; o reconhecimento coletivo de que as escolas rurais apresentam deficiências em relação à escola urbana (Ames, 2012; Golte, 1995). 108 O aumento da escolaridade, a difusão dos meios de comunicação de massa e a urbanização podem propiciar mudanças no estilo de vida e nas expectativas de futuro, que, muitas vezes, não se adéquam às condições oferecidas em determinadas regiões do país (Golte,1995). Bourricaud (1970) comentou, sobre a região de Puno, que muitos jovens indígenas que frequentavam a escola não se identificavam com o trabalho rural e imaginam outra profissão gostariam. Médico, advogado, professor eram as opções mencionadas pelos jovens. O autor também assinala que as pessoas da zona rural que aprendem o espanhol assumem funções estratégicas dentro da comunidade que conectam o campo com a cidade, como transportar produtos e pessoas. O domínio do espanhol permite, assim, a circulação entre o campo e a cidade e pode funcionar como um estímulo extra para a migração. O processo de migração funciona a partir de uma seletividade: os indivíduos mais escolarizados tendem a encontrar mais oportunidades de migrar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA do que os menos escolarizados (Ames, 2012). Na pesquisa que realizaram com 12 grupos de migrantes internos em Lima oriundos de diferentes partes do Peru, Golte e Adams (1990) encontraram neles um anseio de concluir os estudos primários e secundários, mesmo antes de chegarem na cidade. Muitos migrantes que deixavam a família na zona rural levavam pelo menos um filho para migrar com eles: ".. supõem que a educação formal é um pré-requisito para um inserção vantajosa na cidade e se eles mesmos não podem alcançar, pelo menos seus filhos deveriam alcançá-lo23" (p. 47). E na formação das barriadas, a construção de escolas costuma ser um projeto coletivo, empreendido pela comunidade logo após as primeiras ocupações (Collier, 1978; Matos Mar, 1986). Em alguns casos, o esforço pela educação se estende até o ensino superior, tornando comum em alguns grupos, a migração para ingressar na universidade ou institutos de educação superior. Entretanto, a escola no Peru se desenvolveu numa perspectiva ambígua: pelas camadas populares, ela é vista como uma possibilidade de se desvencilhar da dominação vivida no campo e de construir alternativas de vida; pelas elites, era entendida como agente civilizador, que levaria o progresso e o ocidente para o mundo rural e indígena (Ansión et al., 1987). Ainda no período colonial, o 23 Suponen que la educación formal es un prerequisito para una inserción ventajosa en la ciudad, y si ellos mismos no pueden alcanzar este requisito, por lo menos sus hijos deberían alcanzarlo. 109 fascínio pela leitura e a escrita acompanhou as relações dos colonizadores com os índios, que acreditavam que poder dos brancos estava em ler e escrever e, que, portanto, ir à escola para a ler e escrever seria uma forma de se apropriar desse poder (Ansión, 1987). Este fascínio pela escola deu origem ao que Montoya denomina como o “mito da escola”, inspirado no mito Inkarri 24 (Ansión et al., 1987). Para Degregori (1986), o “mito da escola” supervaloriza o papel da escola, fomentando o “mito do progresso”, uma ideologia que engrandece a civilização e a ocidentalização do mundo andino e menospreza tudo o que remete à cultura local. Ansión (1993) assinala que o “mito do progresso” tanto nas suas vertentes mais tradicionais- como uma ascensão dentro de uma dada hierarquia -, como nas mais progressistas- modificar a estrutura social-, serviu como combustível para a busca por das populações rurais por inclusão social. Aliada à reforma agrária de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 1969, que liquidou o sistema de propriedade de terra que legitimava a exploração dos camponeses andinos, a educação teve um papel preponderante na transformação das relações sociais no campo em direção a um questionamento das relações de dominação (Montoya, 1987). Para muitas populações rurais, a educação significava se apropriar dos conhecimentos e técnicas que o mundo ocidental tinha para oferecer com o objetivo de “se abrir para o mundo” e também “lutar contra o misti25” (Ansión, 1993, p. 13 ). Um exemplo de tal posicionamento pode ser observado numa pesquisa realizada em Cusco pelo Instituto de Estudios Peruanos em 1966. Na ocasião, 76% dos 465 entrevistados responderam que, se os índios tivessem a mesma educação que o mestizo, eles teriam condições de desempenhar qualquer ocupação; 91% dos entrevistados concordaram com a afirmação “através da educação um homem pode chegar a ser o que quiser26” (Instituto de Estudios Peruanos apud Cotler, 1994). 24 Segundo o mito, Inkarri, Rei Inca, é filho do Sol com uma mulher selvagem. Ele foi preso e morto pelos espanhóis. Seu corpo foi dividido em várias partes e sua cabeça enterrada em Cusco. No mito, apesar da morte, a cabeça de Inkarri continua viva e seu corpo está crescendo debaixo da terra. No dia que o corpo de Inkarri estiver completo, ele voltará com triunfo (Arguedas apud Mendizábal, 2012). 25 Traduções da autora. Misti é outra forma de se referir ao mestizo. 26 Tradução da autora. 110 Entre os imigrantes peruanos no Rio de Janeiro, não são raros os casos daqueles que saíram ou desejaram sair de seus locais de origem por motivos educacionais. Sandra27, por exemplo, nasceu na zona urbana de Cusco e quando terminou o ensino secundário, nos anos 80, já tinha certeza de que ingressaria na universidade. Seu pai tinha avisado que, caso ela não passasse no exame de admissão da universidade pública local, ela iria estudar em Lima, como sua irmã. Sandra se animou com a ideia, não apenas por razões acadêmicas, mas também por acreditar que na capital ela poderia experimentar experiências que uma cidade no interior não poderia oferecer. Entretanto, Sandra passou na prova da universidade em Cusco e continuou na cidade onde nasceu. Entre os estudantes, alguns viveram a experiência de deixar o local onde havia nascido e crescido para ingressar em escolas técnicas, academias preparatórias (pré-militar ou pré-universitária) ou para realizar os estudos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA universitários. Nestes casos, a vinda para o Brasil foi precedida por um deslocamento interno que teve o estudo como objetivo. Em outros casos, um deslocamento por estudo é encontrado na família, como na de Pablo, imigrante peruano amigo de Rúben e Renato. Apesar dele ter nascido em Lima, seus pais são migrantes que foram para a capital estudar. Sua mãe, que é de Iquitos, foi para Lima em busca de uma educação técnica. Ela já havia terminado o ensino secundário na escola local, mas queria continuar estudando, mesmo contra a vontade do pai. Pablo conta: “Minha mãe estudou assim, se opondo à vontade de seus pais. Para meu avô, ela deveria ter estudado só até o Ensino Médio e pronto: Se casa28!". Renato concorda com Pablo que, no passado, era muito comum que as mulheres deixassem de seguir os estudos para se casar, o que aconteceu com sua mãe, que concluiu apenas o ensino fundamental, enquanto seu pai chegou ao nível superior. A mãe de Pablo teve a educação como justificativa para sair do interior para a Capital, vislumbrando outros horizontes que escapavam dos planos de seu pai. A avó de Sofia, por outro lado, morava em Cusco e pediu aos pais para 27 Sandra veio trabalhar no Brasil no final dos anos 90, depois de perder o emprego de bancária no Peru. 28 Mi madre estudió asi, oponiendose a la voluntad de sus padres. Para mi abuelo, ella devería haber estudiado solo hasta la secundária y listo: Cásate!”. 111 estudar em Lima, com o argumento de que lá teria mais chance de terminar os estudos e trabalhar. Seu pai permitiu, mas exigiu que sua mãe a acompanhasse. E assim, as duas partiram para Lima. No entanto, a avó de Sofia também tinha outro projeto para ir para Lima além de estudar: se casar com quem se tornaria o avô de Sofia, que naquele momento havia sido transferido pelo seu trabalho para a capital. Tanto no caso da mãe de Pablo, como no da avó de Sofia, a decisão de estudar em Lima continha mais do que uma expectativa de aumento da escolaridade; ela também era um projeto de futuro que parecia mais possível de se concretizar na Capital do que no interior. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 3.2 Peru, país de emigração Enquanto nos anos 40 as migrações internas provocaram significativas mudanças na organização social do Peru, desde a década de 80, é a emigração que tem marcado o país a tal ponto fazer parte do cotidiano mesmo daqueles que nunca emigraram. Mesmo sem sair do seu país, os indivíduos podem estar envolvidos em processos de circulação de bens, dinheiro e remessas que influenciem seus valores e práticas cotidianas (Levitt, 2011). Raúl29, por exemplo, nunca residiu fora do Peru, mas tem contato com a emigração no dia a dia do trabalho. Ele, que é professor num tradicional colégio em Lima, convive com alunos que já viveram fora do Peru e, no retorno, encontram dificuldades para readaptar-se ao sistema de ensino peruano. Quando me hospedei em sua casa, em 2011, Raúl dava aulas de reforço fora do horário de trabalho para um aluno que voltou para o Peru depois de morar em Miami, onde o pai tem negócios. Por ter passado muitos anos de sua vida nos EUA, o adolescente tinha dificuldade de escrever em espanhol. Não é apenas na capital, Lima, que os peruanos mantêm ligações com o exterior através da emigração. Na viagem que fiz pela Serra peruana- indo de 29 Desde de 2011, Raúl e sua esposa me hospedam em sua casa quando estou em Lima. Eu os conheci pela internet, num site de língua espanhola de viajantes que intercambiam hospedagem, dicas de viagem e passeios (www.viajeros.com). De 2011 a 2013, eu fiquei na casa deles as 5 vezes que estive em Lima. Na última viagem, eles disseram que, como eu já sou da família, quando eu voltar, eles me darão a cópia da chave de sua casa. 112 Lima a Arequipa, Cusco, Andahuaylas e Ayacucho-, conheci muitas pessoas que já tinham morado fora do país ou tinham parentes no exterior. Na visita a Andahuaylas30- província do departamento de Apurímac com cerca de 150.000 habitantes- em 2013, me surpreendi com as conexões transnacionais estabelecidas na localidade. Lá, fui hospedada por um casal, uma peruana e um americano, que viveram muitos anos nos EUA e há 1 ano se mudaram para Andahuaylas, onde trabalham como missionários na administração de abrigo para crianças. A esposa tem como melhores amigos em Andahuaylas um casal peruano, donos de um restaurante, aberto depois de terem vivido alguns anos na Austrália. Antes da Austrália, o dono do restaurante já tinha morado nos EUA, onde tem parentes. A dona, por sua vez, tem uma sobrinha que recentemente se mudou para São Paulo com o marido, que exerce a carreira diplomática e para onde ela quer viajar a passeio. Segui minha viagem pela Serra peruana, chegando a Ayacucho. Lá, fui PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA hospedada por uma prima de Raúl. Ela me contou que tem uma sobrinha que mora nos EUA. Os estudantes peruanos também têm a emigração como um fenômeno próximo de sua realidade. Em sua grande maioria, eles têm familiares, amigos e conhecidos que saíram do país que se tornaram referência para que eles refletissem sobre as possibilidades de sair do país. Rúben tinha um amigo que morava nos EUA que o convidou para ir também. Animado com o convite, Rubén foi, com o objetivo de treinar judô. Como o custo de vida nos EUA era muito alto, ele também tinha que trabalhar. No entanto, a rotina de treino, estudo e trabalho era muito cansativa, por isso, ele decidiu voltar para o Peru. Rubén preferiu vir para o Brasil, país onde poderia viver apenas como estudante, sem precisar trabalhar. Os destinos mais populares entre amigos, parentes e conhecidos dos estudantes são os EUA e Espanha, no hemisfério norte, e a Argentina, no sul. Virgilio tem um irmão morando na Espanha e uma prima nos EUA; Osvaldo tem 30 Andahuaylas não está presente na lista dos turistas, nem peruanos, nem estrangeiros. Ao contrário de outras cidades da serra que tem uma consolidada indústria do turismo, como Cusco e Arequipa, em Andahuaylas e o turismo ainda é incipiente. Os estrangeiros que vão à cidade geralmente estão vinculados a ONG`s. Eu fui para lá de ônibus, partindo de Cusco, fazendo uma escala em Abancay. A estrada é extremamente sinuosa e o trecho Abancay-Andahuyalas é estreito e em alguma partes ainda não pavimentado. O departamento de Apurímac, que abriga Abancay e Andahuyalas. Em 2012, o departamento registrou a mais alta taxa de pobreza (INEI, 2012). 113 uma prima na Espanha e um primo nos EUA. Carla, Gladys, Luiz Fernando e Leonardo se somam à lista daqueles que têm parentes nos EUA: no caso de Carla e de Leonardo quem vive lá é sua irmã; já no de Gladys são suas primas que moram lá e no de Luiz Fernando, a avó e um tio. Já Rubén, além do amigo que o recebeu o Washington, ele tem parentes em Miami. Durante alguns anos, uma das irmãs de Guadalupe exportava roupas peruanas para os EUA, por isso, ela transitava intensamente entre os dois países. Já Lorenzo tem parentes na Itália, EUA, Argentina e França. Assim como Carla, Luis Enrique, Gladys, Rubén, Guadalupe e muitos outros peruanos, Enrique também tem parentes no exterior. Seus familiares estão divididos entre Itália, Espanha, EUA e Colômbia. Em 2011, ele e sua namorada viajaram pela Europa e aproveitaram para visitar seus familiares. Enrique se surpreendeu por encontrar tantos parentes seus por diferentes partes da Europa. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Analisando a diferença da presença da migração na sua família e na de sua namorada, que é brasileira, ele notou que, apesar ter ascendência italiana, registrada inclusive no seu sobrenome, ela não tem parentes próximos morando nem na Itália, nem em outros países da Europa. Ele, ao contrário, apesar de não ter ascendência europeia, tem muitos parentes morando LÁ. Quando visitou a família no exterior, Enrique se sentiu como se estivesse no Peru: "parecia que estaba en Perú: un montón (de parientes) en Turín (Itália)!", declarou. Até a década de 1970, ir para o exterior era um hábito compartilhado pelas elites peruanas, que viam a experiência internacional como uma forma de renovar seu prestígio (Altamirano, 2000a; 2006). Entre as décadas de 1910 e 1940, viajar para o exterior, principalmente para a Europa, se constituiu como um rito de passagem para os membros da oligarquia peruana, que tinham como principal motivo de viagem estudar em famosas e tradicionais universidades europeias, como Soborne, na França, Oxford, na Inglaterra e Salamanca, na Espanha (Altamirano, 2000a, p. 23). Este foi também o período que se iniciou a emigração dos primeiros trabalhadores peruanos para Nova Iorque e Nova Jersey. Algumas indústrias americanas, principalmente do ramo têxtil, tinham subsidiárias no Peru. Com o crescimento da produção nos EUA, a demanda por mão de obra cresceu e assim, trabalhadores das subsidiárias peruanas foram convidados para trabalhar 114 nos EUA, dando os primeiros passos para a formação de uma rede entre a costa leste americana e o Peru (Altamirano, 2000a, p. 24). Nas décadas de 50 e 60, o perfil dos emigrantes continuou semelhante, se somando a este fluxo peruanos das classes médias, que foram para os EUA devido ao crescimento econômico do país. Esta emigração se caracterizou pela participação de profissionais liberais, empresários médios e estudantes. A oligarquia, porém, continuou a preferir a Europa. Na década de 60, alguns peruanos também emigraram para a Venezuela, se inserindo na atividade petroleira (Altamirano, 2006, p. 116); e para a Argentina, para realizar estudos de nível superior. Depois de formados, muitos destes peruanos continuaram no país (Pærregaard, 2008). Nos anos 70, diante da política de nacionalização implementada pelos governos de militares de Velasco e Bermúdez, um crescente número de técnicos, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA profissionais e empresários das classes médias peruanas começaram a identificar na emigração uma forma de manter da sua posição social e econômica. Neste período, as famílias com posses optaram por sair do Peru e investir seus bens em outros países (Consulado do Peru no Rio de Janeiro, 2011). Neste caso se insere Mariana, que em 1973, veio para o Brasil com o seu pai. Ele trabalhava como engenheiro químico numa multinacional americana quando Velasco assumiu o poder. O pai de Mariana prestava serviços à indústria açucareira no Peru e, por isso, já tinha vindo ao Brasil conhecer a produção do norte-fluminense. Depois que Velasco assumiu a presidência do Peru, a multinacional onde trabalhava foi expropriada. Aproveitando os contatos já estabelecidos com usinas brasileiras, o pai de Mariana decidiu morar no Brasil, onde foi contratado como consultor do ramo açucareiro (Daniel, 2012b). O governo de Velasco também estabeleceu relações diplomáticas e comerciais com países do bloco socialista, possibilitando a formação de um novo fluxo de estudantes para a então União Soviética (Altamirano, 2000a, p. 25), como os pais de Sofia. Apesar do crescimento do número de peruanos que saíram do país já na década de 70, serão nas duas décadas posteriores que a emigração se consolidará como um fenômeno de massa, abarcando desde as classes altas até as baixas, as populações urbanas e também rurais, com diferentes níveis de escolaridade. Nos anos 80, o Peru enfrentou uma profunda crise econômica (Luque, 2009), que 115 casou um profundo recrudescimento das condições de vida e um progressivo declínio do poder de compra dos peruanos. A grave crise econômica se somou à instabilidade política, que culminou com a atuação de grupos políticos armados, como o Sendero Luminoso. Este cenário fez da emigração uma alternativa para muitos peruanos que buscavam escapar dos impactos da profunda crise econômica e da violência política do Estado e dos grupos armados. Nos anos 80, o Peru se tornou um importante emissor de imigrantes, o que se relaciona, de um lado, com o contexto de crise vivido dentro do país e, de outro, com as oportunidades de trabalho disponíveis no exterior. Os estudantes peruanos no Rio de Janeiro que viveram sua infância no Peru dos anos 80 guardam memórias marcantes desse período. Ricardo, por exemplo, recorda da sua mãe que cozinhava economizando óleo, que era muito caro e de seus irmãos disputando os pedaços de carne da sopa; ou Susana, irmã de Renato, que lembra PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA dos sucessivos aumentos dos preços dos gêneros alimentícios de um dia para o outro. Estas memórias foram construídas no período em que o Peru teve um aumento exponencial da inflação, que provocava constantes reajustes dos preços dos produtos. Enrique relembra o cenário do Peru dos anos 80: Filas enormes pra comprar leite, filas enormes pra comprar pão… Inflação (…) Comer carne era um luxo! Eu comia carne uma vez por mês! (…) trabalho era escasso.. Crise econômica massiva.. classe média ajustadíssima, terrorismo, clima social, que cria uma tensão social forte… Enrique. Este quadro de crise, desemprego e atuação de grupos armados, somados a uma já existente experiência de migração interna, criaram as condições que impulsionaram tantos peruanos a deixar o país. Por isso, Enripe analisa que, de um lado, a emigração em massa está relacionada à conjuntura política e econômica do Peru, mas também a algo que foi se consolidando nas décadas anteriores, o que ele chama de “cultura de migração”: …houve uma cultura da migração no Peru. Isso já vem desde a época, na verdade da migração interna. Você vê como se esvaziou a população rural, andina, a partir dos anos 50, 60.. Lima é um caso: 1/3 do país é Lima! Já há um histórico de migração na família.. Você sabe, né.. Lima, Arequipa, Tacna têm muito punenhos, cusquenhos… então, (migrar) não é uma coisa 116 estranha. Faz parte! Todo mundo migrou. Pra quem já tinha vindo de Cusco e Puno, (emigrar é) mais um lugar na escala. Enrique. Como Enrique esclarece, muitos dos peruanos que emigraram a partir dos anos 80 já tinham vivido uma migração interna, do campo para a cidade, da Serra para a Costa. Para eles, a emigração se tornou mais uma etapa na sua trajetória em busca de melhores condições de vida e se estruturou tendo como base, em muitos casos, os mesmos tipos de redes e estratégias de sobrevivência desenvolvidas na migração interna (Pærregaard, 2008), como, por exemplo, a manutenção de relações de reciprocidade entre membros de determinada comunidade rural, os migrantes internos e os emigrantes (Altamirano, 2006; Ávila, 2003). Apesar da estreita relação estabelecida nos anos 80 entre crise e emigração, ela continuou aumentando mesmo quando o Peru voltou a apresentar níveis de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA crescimento econômico. Echeverría (2007), analisando a relação entre migração e ciclos econômicos entre 1990 e 2005, observou que a emigração peruana se elevou de forma mais significativa em inícios dos anos 2000, quando o país apresentou um crescimento econômico. O autor formula a hipótese de que o aumento da emigração concomitante ao crescimento da economia estaria associado à consolidação de redes migratórias por onde circulam informações sobre oportunidades no exterior entre emigrantes efetivos e emigrantes em potencial. Essa dinâmica faz da emigração uma possibilidade de futuro mais atrativa para parentes e amigos de emigrantes do que continuar no Peru. O autor ainda sugere que o crescimento econômico, em vez de provocar uma diminuição da emigração, pode contribuir para seu aumento, quando garante os meios materiais para custear sua realização. Para Luque (2007), o contínuo aumento da emigração peruana inclusive nos períodos de crescimento econômico está relacionado com a estrutura econômica do país e seu modelo de crescimento, que, desde os anos 90, tem como base a liberalização da economia e a diminuição das atribuições do Estado. Tal modelo contribuiu para o incremento da desigualdade e uma redução dos níveis de salários, o que significa que o crescimento econômico do Peru não necessariamente repercute positivamente na vida cotidiana dos peruanos. 117 A emigração é atualmente reconhecida como um fenômeno fundamental para o Peru, não apenas pelo número de peruanos que vivem no exterior, mas também pelas conexões que eles mantêm com o país mesmo quando estão fora. Segundo estimativas (INEI et al., 2012), no período de 1990 a 2011, mais de 2 milhões de peruanos emigraram. Mesmo no exterior, muitos emigrantes continuam a participar de esferas da vida peruana, através, por exemplo, do envio de remessas. Elas representam a construção de vínculos transnacionais entre aqueles que saíram do Peru, os que ficaram e os países por onde eles circulam. No período de 1990 a 2009, estimou-se que o Peru recebeu mais de $18 bilhões de dólares em remessas do exterior (INEI, 2010), o que contribuiu com a renda de famílias peruanas, muitas delas em situação de pobreza (Altamirano, 2010) e aquecendo o debate sobre impacto das remessas na economia do país. Para Altamirano (2010), as remessas contribuem para diminuir a pobreza e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA movimentar o mercado de consumo interno. Na perspectiva dos emigrantes, as elas são uma forma de expressar um sentimento de pertencimento, bem como uma maneira de tentar suprir sua ausência na família ou na comunidade. Para o autor, a remessa é o “benefício mais tangível da migração” e hoje se constitui como uma das principais fontes de recursos da economia peruana (Altamirano, 2006). O autor também ressalta que o impacto das remessas está além da sua dimensão econômica e quantitativa. Entre os emigrantes oriundos de comunidades rurais peruanas, é comum que muitos deles continuem participando da comunidade no Peru através do envio de remessas como dinheiro, computadores, aparelhos eletrônicos, etc, para seus familiares e para a comunidade (Altamirano, 2010). Muitos reforçam sua presença no local de origem financiando as festas tradicionais, garantindo-lhes um lugar de prestígio (Altamirano, 2006). Para os que ficam, receber quantias em dinheiro ou presentes de amigos e familiares que estão no exterior também é uma forma de se diferenciar daqueles que não têm a acesso a produtos importados. Em algumas comunidades, o trânsito desses produtos estrangeiros assume tamanha relevância que muitos substituem os produtos fabricados na comunidade local pelos importados enviados pelas emigrantes através de suas redes transnacionais (Altamirano, 2010). Esta dinâmica pode aprofundar a desigualdade econômica e 118 social entre aqueles que recebem remessas e os que não dentro de uma mesma comunidade (Altamirano, 2006, p. 143)31. Em sua pesquisa com emigrantes peruanos nos EUA, Espanha, Itália, Chile Argentina e Japão, Pærregard (2009) encontra entre eles um desejo em comum: o de ascender socialmente. Mais do que garantir meios de sobrevivência, os emigrantes peruanos nutrem a esperança de que, no exterior, conseguirão ter melhores condições de vida do que as que seriam possíveis no Peru. Os emigrantes que vivem nos EUA, Espanha e Itália acreditam que tal ascensão social será alcançada no país onde estão. Já os que residem no Chile, Argentina ou Japão também têm a expectativa de ascender socialmente, mas duvidam que ela será possível no país onde estão, devido à discriminação que sofrem no país de destino. Além do envio de remessas, outra maneira de manter contato com o Peru PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA empreendida pelos emigrantes é através do turismo. Eles se encarregam de difundir o Peru no exterior, se tornando agentes de um processo de “globalização” da cultura peruana (Altamirano, 2006, p. 118). No passeio que fiz pelas Ilhas de Uros e Taquile- Puno, em 2012, pude observar a relevância dos emigrantes para o turismo peruano. O passeio de barco foi composto por um grupo em que a maioria era de emigrantes peruanos, acompanhado por seus cônjuges estrangeiros: dois casais de peruanas com maridos italianos- as duas eram irmãs e estavam acompanhadas pela mãe; uma peruana e seu marido espanhol e ainda um casal peruano que morava em Nova Iorque. Ao longo do dia de passeio, os peruanos conversaram sobre sua vida do exterior, do que sentiam faltam e da oportunidade que têm de conhecer mais do próprio país. O significativo volume de peruanos que saem do país tem despertado também a atenção do Estado, que empreende estratégias em mantê-los apegados ao país de origem: novos consulados foram abertos em cidades que apresentaram um aumento expressivo de peruanos32; em 2002, foi criado Consejo de 31 No estudo sobre remessas que realiza. Altamirano (2006) decide focar no caso das remessas enviadas por emigrantes das classes baixas e média-baixas oriundos de áreas urbanas e rurais. Segundo o autor, apesar de terem uma renda menor que outras classes sociais, estes emigrantes enviam as maiores quantias de remessas em períodos regulares, principalmente as mulheres migrantes. 32 Atualmente, o Peru conta com 61 consulados gerais, 39 seções consulares e mais de 100 consulados honorários (Geldres, 2007). No Brasil, há 8 escritórios de representação consular. 119 Consulta33, associação com o objetivo servir de canal de comunicação entre a comunidade e a representação consular (Geldres, 2007). Na política, os peruanos inscritos nos consulados podem participar das eleições para presidente da república, congressistas e integrantes do Parlamento Andino. As últimas eleições aconteceram em 201134. Outro espaço onde a emigração está sendo reconhecida é no campo das estatísticas oficiais. O INEI tem constantemente produzido documentos sobre a população peruana no exterior. Em 2010, o Censo Nacional do Ensino Universitário incluiu perguntas sobre a intenção dos alunos de sair do país e quantos deles recebem remessas. A expectativa de que os emigrantes mantenham vínculos com o Peru ressoa na expressão “quinto suyo”. Ela tem sua origem na palavra quéchua Tawantinsuyu, que significa “as quatro regiões unidas entre si” (Rostworowski apud Berg e Pærregaard, 2005) que formavam o Império Inca. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Quando se refere aos emigrantes, o “quinto suyo” seria uma forma de reconhecer que eles continuam fazendo parte do Peru, como um novo suyu integrado aos outros quatro. A expressão também apela para um sentido moral da ligação dos emigrantes com a nação peruana35 (Berg & Pærregaard, 2005). 3.3 Educação Superior no Peru Nós morávamos no Cono Norte... Na nossa casa tinha uma mesa grande. Meu pai colocava eu e meus 8 irmãos todos sentados à mesa para fazer a lição de casa. Todo dia ele checava nossos cadernos, nossos livros, para ver se nós estávamos estudando mesmo. Meu pai só tinha terminado a primária, não sabia nos explicar a matéria da escola, mas sempre quis que eu e meus irmãos estudássemos, Ele sempre nos disse que o sonho dele era ver todos nós formados na universidade. E ele conseguiu. Todos nós somos profissionais. (Fala de Guadalupe extraída do diário de campo, fevereiro de 2012). 33 Ver capítulo 2, subitem 2.3.4. No primeiro turno das eleições peruanas, participei como observadora da organização “Transparencia”, acompanhando a votação em São Paulo, que aconteceu num colégio no bairro da Liberdade, tradicional pela presença japonesa. Ao redor do local de votação, se aglomorou um grande número de peruanos, distribuindo panfletos de propaganda de festas, restaurantes e associações peruanas; vendendo produtos peruanos que não são encontrados no mercado brasileiro, como o ají amarrillo e a Inca Kola e vendendo pratos peruanos, como a causa rellena. 35 A expressão também já foi empregada por grupos afroperuanos que reinvindicam seu reconhecimento como parte da nação peruana e deu origem à gravação de um documentário com o mesmo nome. http://www.youtube.com/watch?v=jbOKLRGMK68 34 120 No carnaval de 2012, eu convidei Guadalupe para ir ao Centro Cultural Banco do Brasil assistir um filme de Almodóvar. Eu tinha visto Guadalupe num grupo de peruanos na Noches de Sol. Eu não cheguei a falar com ela na festa, mas, conversei com um dos rapazes que estava no mesmo grupo. Depois da festa, eu o adicionei no facebook e, conversando virtualmente, perguntei quem era a única moça que estava no seu grupo de amigos. Guadalupe também estava no facebook, a adicionei e começamos a conversar. Eu expliquei para ela meu interesse em conhecê-la e combinamos de nos encontrar. Ela ficou muito empolgada para me conhecer, não tinha muitos amigos brasileiros que mostrasse a cidade para ela. No dia do nosso encontro, Guadalupe se atrasou- algo muito comum entre os peruanos- e não conseguimos mais lugar para ver o filme. Ficamos no CCBB conversando. Foi quando ela compartilhou algumas lembranças do seu tempo de infância. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Guadalupe lembra, com muita emoção, que seu pai se esforçou para que ela e seus irmãos tivessem um bom desempenho na escola até se formarem na universidade. A prova de que o plano pai dela foi exitoso é que ela e seus 8 irmãos, apesar de serem a uma família da classe trabalhadora, filhos de migrantes e residentes de um Cono de Lima, conseguiram se formar. Guadalupe analisa que, se ela tivesse nascido no Brasil, fosse negra e morasse numa favela do Rio de Janeiro, muito provavelmente não teria conseguido entrar na universidade, menos ainda se formar e trabalhar como uma profissional qualificada. A estudante avalia que no Peru, um jovem com poucos recursos econômicos e não-branco, se ele quiser, consegue entrar na universidade, ao contrário do Brasil. Comparando duas grandes universidades, uma brasileira, a UFRJ e outra peruana, a UNMSM, ela percebe que na UFRJ quase todos os alunos são “blanquitos”: “não vi morenos36 lá”, ela comenta. Na PUC-RJ, universidade onde ela estuda, menos ainda. “Os únicos morenos que eu vejo são as senhoras da limpeza”, conclui. Em compensação, na UNMSM “tem gente de todos os tipos”. Ela explica que há universidades no Peru onde a maioria dos estudantes é branca e de classe alta, como “La Catolica37”, mas também há universidades mais 36 37 Ver nota de rodapé 17. Forma como os peruanos se referem à Pontificia Universidad Catolica del Perú (PUC-Perú). 121 diversificadas, com alunos de classes médias e baixas, de todas as raças38, como a UNMSN ou a UNI. Quando estive na PUC-Peru, me senti como se estivesse na PUC-Rio ou em Fairfiled University, universidade norte-americana onde estudei, nos EUA. Apesar das suas particularidades, elas têm uma estrutura física e uma composição social muito parecida. Os prédios que preenchem seus campi são claros, bem iluminados, espaçosos: sem grandes ornamentações ou variações de cores. As três um campus bem arborizados, com vistosas áreas verdes e como coabitantes, animais da fauna local. As três universidades também são particulares, católicas, da ordem jesuíta e têm no seu quadro discente o predomínio de alunos de classe média alta, que são considerados brancos em suas sociedades nacionais, com todo complexo significado que esta categoria étnico-racial assume nos sistemas classificatórios de cada um dos três países. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Elas também se assemelham por serem procuradas por alunos estrangeiros. Na minha visita à PUC-Peru em 2011, tive a oportunidade de conversar com o então chefe do departamento de Ciências Sociais, que me disse que seu departamento tem recebido um constante número estudantes estrangeiros interessados em estudar no Peru. Naquele semestre, eles estavam recebendo um aluno japonês que escrevia sobre a emigração peruana para o Japão na sua monografia de conclusão de curso. Com orgulho, o chefe de departamento também compartilhou a informação de que grande parte do seu corpo docente já havia estudado na Europa ou nos EUA. Além disso, as três universidades ainda têm em comum o fato de muitos de seus estudantes locais estudarem no exterior. Num dos dias que estava num restaurante na PUC-Peru, conversando em português com outra brasileira sobre como funcionava o restaurante, um aluno da PUC-Peru se aproximou de nós e , na nossa língua materna, nos perguntou se queríamos ajuda. Ele me disse que sabia falar português porque havia estudado no Brasil. Clifford (1997), discutindo o significado do deslocamento espacial para a etnografia, coloca em questão se o deslocamento por universidades também não pode ser considerado uma maneira de realizar o trabalho de campo. 38 Raça é o termo usado entre os peruanos para se referir ao entrelaçamento entre características físicas, etnia e classe. 122 Tradicionalmente, a universidade, quando aparece na pesquisa, é como o lugar onde o antropólogo se prepara teoricamente para ir à campo e é para lá que ele volta depois de viver com os “nativos”, onde, finalmente, ele escreverá sobre o campo (Da Matta, 1978 ). Clifford indaga: a universidade também pode ser um local para se realizar o próprio trabalho de campo, se entendido como “um lugar de justaposição cultural, estranhamento, rito de passagem, um lugar de trânsito e aprendizado?39” (Clifford, 1997, p. 82). Na minha pesquisa, a universidade é o espaço por onde transitamos eu e os sujeitos da pesquisa e é através dela que construímos nossa relação. Talvez mais do que em outros trabalhos, no meu, a universidade tem um papel central, pois é através dela que os estudantes têm sua presença justificada no Brasil e encontramos um ponto de contato. Tanto eles quanto eu precisamos seguir prazos, qualificar nossos projetos de pesquisas, debater sobre eles com nossos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA orientadores, defender nossas monografias, dissertações e teses. Assim como eles, eu também sou uma estudante universitária. Apesar de estar em outro país, na PUC-Peru, me senti familiarizada com a maneira como a universidade está organizada física e socialmente. Tanto no Brasil, como no Peru ou nos EUA, as experiências que venho tendo em ambientes acadêmicos sempre acontecem em espaços, como salas de aulas e auditórios que apresentam uma disposição física muito parecida. A organização das aulas, palestras e congressos também: enquanto uma pessoa apresenta, o público faz anotações e, em seguida, abre-se a sessão para perguntas. Além disso, nesses ambientes predominam pessoas brancas40. Me lembrei da experiência de Velho (1978, p. 125) que, discutindo a diferença entre distância física e distância psicológica, narra ter se sentido muito à vontade num círculo de acadêmicos de diferentes nacionalidades e idiomas, que se comunicavam em inglês e conseguiam conversar fluidamente sobre diversos temas. Mesmo nunca tendo estado na PUC39 “Can the university itself be seen as kind of fielsite- a place of cultural juxtaposition, estrangement, rite of passagem, a place of transit and learnind?”. 40 Relembro a complexidade que o termo “branco” abarca. Como negra, me chama a atenção que nas três universidades, predomine entre sua comunidade acadêmica pessoas que nos respectivos países são considerados brancas. As duas únicas ocasiões em que fui a encontros acadêmicos em que encontrei um número significativo de pessoas não-brancas foi no XI CONLAB, realizado em 2011 em Salvador, onde encontrei um número muito expressivo de negros e no IV Congreso Nacional de Investigadores de Antropología del Perú, em 2012, em Puno, sobre o qual me refiro adiante. 123 Peru antes, não me senti estranha. Ao contrário, senti que a academia tem muitas semelhanças nos países que eu visitei. Próximo às margens do exuberante lago Titicaca, está a Universidade Nacional Del Altiplano, em Puno. Em setembro de 2012, fui à universidade apresentar um trabalho no VI Congreso Nacional de Investigadores en Antropologia. O campus onde aconteceu o evento está localizado num terreno montanhoso e acidentado e o auditório que abrigava as principais atividades do congresso se localizava no ponto mais elevado do campus. Subir as escadas que dão acesso ao auditório é uma tarefa difícil para aqueles que, como eu, não estão acostumados com a altitude de Puno. Enquanto alguns dos prédios da universidade mostravam sinais de desgaste, novos prédios estavam em construção, o que parece indicar que a universidade está em expansão. Alguns corredores, áreas públicas e auditórios são decorados com grandes mosaicos e PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA pinturas com figuras indígenas (fotos no anexo 5). Num dos auditórios onde aconteceram algumas atividades do congresso, as paredes eram preenchidas de mosaicos de cerâmica do rodapé ao teto, que me impressionaram. Na hora do almoço, eu e outros colegas íamos juntos almoçar no centro da cidade. O único restaurante que há na universidade, o que atende os alunos, estava sempre com filas muito extensas. Além do restaurante universitário, para comer, havia no campus alguns pequenos quiosques construídos de madeira, onde eram vendidos bebidas, biscoitos e balas. Nos três quiosques que encontrei, quem atendia eram senhoras vestindo polleras e com os cabelos penteados com tranças41. Um fato que me chamou muita atenção na UNA-Puno é que a população universitária- alunos, professores e funcionários- apresentava um fenótipo indígena. Nos dias que participei do congresso, não me lembro de ter visto nenhum aluno ou professor com um fenótipo diferente, a não ser os participantes do congresso. Sem dúvidas, a noção de quem pode ou não ser considerado índio, branco ou negro no Brasil e no Peru é diferente, complexa e vai muito além dos traços físicos. Mas, no que se refere ao aspecto físico, alguns elementos como cabelo preto e liso; olhos escuros pequenos e puxados e pele amarronzada são 41 As polleras são saias rodadas, na altura da canela, composta por várias camadas. O uso da pollera e de tranças é um costume difundido entre mulheres indígenas de grupos étnicos particulares. 124 considerados sinais de ascendência indígena em ambos os países. Não podemos esquecer que Puno está localizada na Serra Sul do Peru, na fronteira com a Bolívia, região dos Andes onde predomina a presença indígena de origem quéchua e Aimara. Da minha breve visita à Puno, não tenho condições de fazer nenhuma afirmação sobre a relação entre a população universitária, a classe social na qual está inserida e a ascendência indígena. Mas, lembrando que classe e raça são elementos profundamente entrelaçados no Peru, é muito provável que alguns alunos da UNA-Puno não estejam inseridos nas classes mais altas peruanas ou mesmo punenhas, já que uma tradição muito recorrente e antiga no Peru é de que as elites provincianas enviem seus filhos para estudar na capital, como discuti anteriormente. No congresso, alguns dos ex-alunos da UNA-Puno apresentaram seus trabalhos e, aproveitando a presença de antropólogos da PUC-Peru, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA demonstraram seu interesse em cursar o mestrado na prestigiada instituição. Alguns peruanos universitários no Rio de Janeiro comentam que há uma maior presença das classes mais baixas nas universidades públicas peruanas que nas brasileiras e, concordando com o que disse Guadalupe, muitos deles se incluem neste grupo. Depois de visitar a UNA-Puno, comecei a pensar que talvez a grandiosa presença de estudantes, professores e funcionários de ascendência indígena naquela universidade não estaria só relacionada ao fato de que, em Puno, grande parte da população é composta por quéchuas, aimarás e seus descendentes. Ou, talvez, o fato de existir uma universidade pública em Puno não seria uma coincidência, mas estaria inserido numa lógica mais ampla que ampara o Ensino Superior no Peru. E, refletindo sobre o caso dos estudantes peruanos no Rio de Janeiro, muitos deles são alunos egressos de universidades públicas, oriundos das periferias de Lima ou de províncias. Então, nos deparamos com o desafio de refletir sobre Ensino Superior no Peru, o que é fundamental para compreendermos tanto a vinda de peruanos para o Rio de Janeiro para fazer a pós-graduação que viveram a experiência de cursar a universidade no Peru, como também daqueles que vieram fazer a graduação e, por isso, optaram por não cursá-la no Peru. Como funciona o Ensino Superior no Peru? Quais são as formas de ingresso? Como se estruturou a universidade peruana? Qual é a relação que ela estabelece com a sociedade mais ampla? Qual é 125 o sentido da universidade para a realidade peruana? Estas são as perguntas que guiarão as próximas páginas. *** A história do ensino universitário no Peru começa ainda no século XVI, quando em 1551 foi fundada a primeira universidade das Américas, a Universidad Nacional Mayor de San Marcos (UNMSM) em Lima, a então capital do vicereinado. Além dela, outra universidade aberta no período colonial continuou em funcionamento ininterruptamente: a Universidad Nacional de San Abad de Cusco, criada em 1692, em Cusco, a antiga capital do império Inca. Na região dos Andes peruanos, em 1677, também foi fundada a que nos 60 se tornou a Universidade Nacional de San Cristóbal de Huamanga (UNSCH), em Ayacucho. Ao contrário das duas primeiras, a UNSCH esteve em atividades até 1885, quando, foi fechada PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA devido a longa crise vivida pelo país, agravada pela Guerra do Pacífico (Degregori, [1990] 2010). Nos anos 60, a universidade foi reaberta, em resposta à demanda popular por educação. Enquanto o Brasil teve suas primeiras universidades no início do século XX (Fávero, 2006), nas primeiras décadas do século XIX já se discutia no Peru qual tipo de universidade o país precisava para atender suas demandas internas. Em “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque compara a formação intelectual no Brasil e na América Espanhola: enquanto os brasileiros iam para Portugal estudar na Universidade de Coimbra, na América Espanhola foram construídas universidades que formavam um número muito maior de alunos do que o de brasileiros formados na universidade portuguesa (Buarque, 2006, p. 119). No Peru, a crítica à universidade se baseou no princípio de que, apesar dos seus longos anos de existência, continuava incapaz de contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país. A crítica argumentava que as três universidades criadas no período colonial não tinham a preocupação de difundir o conhecimento produzido, tampouco alcançar os setores populares da sociedade (Post, 1991). O ensino universitário peruano era duramente criticado pelo seu caráter elitista e por preservar as mesmas características que apresentavam no Vicereinado: uma tradição literária, escolástica, voltada mais para a retórica que para o mundo das práticas (Lusk, 1984; Burga, 2003). Aquele foi o período em que o 126 Estado realizou os primeiros esforços em direção a uma reforma universitária. Na tentativa de formar profissionais, em 1876, o governo peruano contratou um engenheiro polonês para desenvolver o ensino das ciências na UNMSM. Surpreso com o estilo de ensino da universidade, ele propôs a formação da Escuela Técnica de Calzada, Caminos y Puentes, que anos mais tarde se tornou a Universidad Nacional de Ingeniería (UNI), de onde vem uma parte significativa dos estudantes de pós-graduação peruanos no Rio de Janeiro. Naquele mesmo período foram criadas a Universidad Nacional de Trujillo, em 1824, e a Universidad Nacional de San Agustin, em Arequipa, 1827 (Burga, 2003). Apesar das novas universidades, as críticas quanto ao seu modo de funcionamento não cessaram. Em 1902, Joaquín Capelo discutia a falta de clareza em seus objetivos, o que era PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA responsável por gerar o “ofício”de estudante: inúmeras pessoas que vivem muito anos às custas de suas famílias, como verdadeiros parasitas, sem produzir nada e consumindo tempo e dinheiro. Este é um dos ofícios que mais estraga a sociedade e retarda o progresso da civilização 42 (Capelo apud Post, 1991). Mariátegui ([1928] 2008) se soma aos críticos da universidade peruana, reconhecendo nela um caráter de continuação em relação ao período colonial. Segundo o autor, a universidade no Peru contribuía para a reprodução da ordem social aristocrática e uma economia semifeudal. Em sua célebre obra “Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana”, publicado pela primeira vez em 1928, o autor discute que, apesar da universidade ter sido oficialmente definida como a “a mais alta cátedra dos princípios e ideais da república” (Mariátegui, 2008, p. 139), ela mantinha o “espírito da colônia” (p. 138). Reproduzindo a dominação da aristocracia colonial, ela era incapaz de gerar um sistema produtivo bem sucedido, baseado no trabalho e na sua adequação à realidade peruana: O objetivo das universidades parecia ser, principalmente, o de prover doutores e rábulas para a classe dominante. O desenvolvimento incipiente e o mísero alcance da educação pública fechavam os graus superiores de ensino para as classes pobres... As universidades, açambarcadas intelectual e materialmente por uma 42 numerous persons who live many years at the expense of their families as true parasites, producing nothing and consuming time and money. It is one of the occupation (...) which most damages society and retards the progress of civilization. 127 casta geralmente desprovida de impulso criador, não podiam nem mesmo aspirar a uma função mais alta de formação e seleção de capacidades. (Mariátegui [1928], 2008, p.136) Para Mariátegui, o problema central da universidade peruana é que ela se desenvolveu segundo uma “orientação anticientífica e antieconômica”: “uma metafísica de reacionários” que se consideravam superiores aos técnicos (2008, p.158). A ideia de que o trabalho é algo que desvaloriza os indivíduos fundamentou a colonização espanhola e a universidade peruana. A universidade deveria deixar sua herança “escolástica, conversadora e espanhola” (p. 139) e, inspirando-se na universidade norte-americana, desenvolver um saber prático. Será na década de 1950 que a demanda por educação superior receberá como resposta a abertura de novas universidades, o aumento das vagas nas universidades já existentes e ainda a permissão para que o setor privado atue no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA ramo. Entre os anos de 1955 e 1963, o número de universidades no Peru passou de 5 para 20. O aumento do número de universidades e a instalação de universidades em diferentes regiões do país possibilitou às pessoas das classes mais baixas e do interior do país ter acesso ao Ensino Superior (Lusk, 1984). O governo Belaunde (1963-1968) formulou políticas educacionais que, viam na universidade a possibilidade de formar um setor técnico-profissional capaz de propiciar o crescimento econômico do país. A ampliação do acesso à universidade foi considerado uma forma de atender a demanda dos jovens das classes mais baixas e também evitar que suas reivindicações culminassem numa desaprovação mais profunda ao governo. As reformas universitárias dos anos 1960 respondiam a duas pressões: de um lado, a da elite, que acreditava numa relação direta entre desenvolvimento econômico e expansão da educação, que formaria uma classe média para servir de mão de obra para o setor público e o incipiente setor manufatureiro; de outro, a pressão dos alunos egressos do ensino secundário, que acreditavam que através da educação superior poderiam ascender socialmente, chegando a postos de trabalho até então restritos às elites peruanas (Lusk, 1984; Sandoval, 2005). No entanto, a expansão do ensino superior não correspondeu às expectativas. A forma como ele foi expandido provocou uma profunda desigualdade entre as universidades públicas e as universidades privadas. 128 Enquanto as primeiras sofriam com problemas de infraestrutura e com um orçamento extremamente limitado, as universidades privadas acolhiam os jovens das classes altas e, através das mensalidades, ofereciam aos seus alunos as condições apropriadas para sua formação. Assim, se, por um lado, as classes mais baixas tinham agora a chance de entrar na universidade, elas não dispunham dos mesmos recursos que ofereciam as universidades para onde se dirigiam as classes mais altas. A situação era ainda mais precária nas universidades localizadas nas áreas mais pobres e mais distantes da capital do país43. A situação das universidades públicas peruanas continuou a se deteriorar durante os governos militares, de 1968 a 1980, quando a política econômica de nacionalização colocou o país em dificuldades para manter seu orçamento (Alvarez,1995). Na década de 1980, a universidade continuou duramente afetada pela crise econômica. Sandra44 vivenciou esta fase quando cursou Ciências PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Contábeis na Universidad Nacional San Abad de Cusco. Ela lembra que na universidade havia muitos mais alunos do que comportava cada sala de aula e nunca tinha carteira suficiente para todos sentarem. Quem chegasse tarde, tinha que assistir aula em pé: Às vezes, você chegava na sala para assistir e te diziam: “a aula tal? Não vai ser aqui não! Foi transferida lá pro outro prédio.” Você tinha que sair correndo pro outro lado da faculdade. Um dia, eu e uma amiga chegamos na sala que a gente ia ter aula. A sala já tava cheia! A gente já tinha assistido uma aula parada. A gente já tava cansada. Então, a gente gritou: “a aula tal? Não vai ser aqui não! Foi transferida lá pro outro prédio.” Todo mundo saiu correndo. E a gente conseguiu sentar. (conta com riso, em tom entusiasmado) (diário de campo, julho de 2011). Sandra. A realidade vivida por Sandra está longe de ser um caso isolado, sobretudo entre aqueles que cursaram a universidade pública no Peru nos anos 1980. Sandra lembra que na universidade junto com ela estudava muita “gente sempre”, pessoas das classes mais baixas. A peruana lembra que elas eram muito estudiosas, muitos trabalhavam e estudavam, mas, mesmo assim, tinham melhor rendimento que ela, que não precisava trabalhar enquanto estudava. Muitas delas tinham experiência 43 Um exemplo das precárias condições das universidades no interior do Peru, ver o caso da Universidad Nacional San Cristóbal de Huamanga, em Ayacucho, onde se formou, anos mais tarde o Sendero Luminoso (Degregori [1990], 2010). 44 Sandra veio para o Rio de Janeiro trabalhar, onde vive há 20 anos. 129 de trabalho e já tinham feito cursos técnicos, por isso, já sabiam muito de Contabilidade antes de entrar na faculdade. Sandra testemunhou o paradoxo da expansão do ensino universitário peruano que, de um lado, democratizou o acesso, porém sem garantir as condições necessárias para seu pleno funcionamento. Como consequência, as universidades públicas peruanas nos anos 1980 foram marcadas por salas de aulas superlotadas, professores com baixos salários, instalações inadequadas, o que incentivou os que podiam pagar a estudar em universidades privadas (Lusk, 1984; Post, 1994;1991). Sandoval (2005) resume: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA ... o acesso à educação superior, entendido em princípio como um dispositivo de ascensão social para populações antes marginalizadas, acabou se transformado num espaço que mantinha (e reproduzia) com certa nitidez a exclusão e as hierarquias na aquisição do conhecimento e do capital cultural. Então, a distorção do efeito democrático no acesso à educação promoveu a estratificação do próprio sistema educativo, em circuitos de qualidade desigual45. Douglas, por exemplo, lembra que ninguém na sua família havia cursado nível pós-médio, nem técnico, nem universitário. Quando o primeiro primo ingressou na universidade, toda família, orgulhosa, construiu em torno dele a expectativa de que o ensino superior traria mudanças para ele e quiçá para o restante da família. Para a decepção de todos, o primo desistiu da faculdade. Anos mais tarde, outra prima ingressou no curso de Engenharia Agrícola. Ao contrário do primeiro primo, esta conseguiu se formar. Porém, seu diploma não propiciou nenhuma mudança significativa na sua vida. Ela não conseguiu “se dar bem”: nunca trabalhou como engenheira e continuou a exercer atividades que não exigiam nível superior. Os dois primos reforçaram na família o descrédito na universidade. Estes exemplos produziram em Douglas a sensação de que a universidade era um espaço inapropriado para ele: ... eu particularmente, nunca tive uma imagem na minha família ou de conhecidos que falassem assim: “caraca, (...) vou estudar na universidade que depois eu vou me dar bem”. (...) Pra mim (...) ir para universidade era uma utopia. Douglas. 45 … el acceso a la educación superior, entendida en un principio como un dispositivo de ascenso social para poblaciones antes marginadas, terminó convertida en un espacio que mantenía (y reproducía) con cierta nitidez la exclusión y las jerarquías en la adquisición del conocimiento y el capital cultural. Entonces, la desvirtuación del efecto democrático en el acceso a la educación promovió la estratificación del propio sistema educativo, en circuitos de desigual calidad. 130 As desigualdades entre as universidades onde estudam as camadas médias e altas e as universidades para onde se dirigem as camadas populares têm sua repercussão na inserção dos graduados no mercado de trabalho. Mesmo com educação superior, os jovens das camadas populares não conseguem as mesmas oportunidades de emprego, nem recebem os mesmos salários que os jovens das classes médias e altas (Post, 1991; 1994), o que fez com que as esperanças de que o ensino universitário acabaria com as desigualdades no Peru dessem lugar a um descrédito na universidade e na capacidade do Estado peruano em combater as desigualdades. O acelerado incremento do número de estudantes universitários, o decrescente investimento do Estado na educação pública, somados à incapacidade do mercado laboral peruano em absorver os profissionais formados no país PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA contribuíram para a formação de uma percepção de exclusão entre os jovens universitários (Sandoval, 2005). 3.3.1 Educação universitária no Peru hoje Desde os anos 90, o Ensino Superior no Peru tem presenciado um aumento exponencial no número de universidades privadas e uma impactante diminuição do investimento público no Ensino Superior. Enquanto em 1970, o gasto público médio anual por estudantes foi de U$1.455, essa cifra diminuiu para U$ 262,46 em 1990. A maior parte destes recursos foi destinada a gastos correntes, como cobrir a folha de pagamento de professores e funcionários, sobrando pouco para investir em manutenção, equipamentos, aquisição de livros e pesquisa (McLauchlan e Melgan, 1993). As universidades públicas têm buscado estratégias próprias para gerar recursos, como a comercialização direta de produtos, prestação de serviços de docência, execução de projetos em Pesquisa e Desenvolvimento. Ou ainda, cobrar aos alunos taxas para serviços que antes eram gratuitos (McLauchlan e Melgan, 1993, p. 30). Por exemplo, Vicente, amigo peruano que estudou na Universidad Nacional Agraria (La Molina) me explicou que todo semestre ele tinha que pagar uma certa quantia para renovar sua matrícula. Essa quantia era muito inferior à 131 matrícula numa universidade particular, porém a universidade pública em que estudava já não era mais completamente gratuita. De acordo com o censo universitário de 201046, atualmente o Peru conta com 100 universidades: 65 privadas e 35 públicas. Em 1996, data em que foi realizado o primeiro censo universitário, o Peru tinha 57 universidades: 28 públicas e 29 privadas. A rápida expansão das instituições privadas principalmente ao longo dos anos 90 fez com quem elas concentrassem a maior parte dos estudantes de Ensino Superior no Peru. Em 1996, 40,4% dos estudantes universitários estavam em instituições privadas. Em 2010, este número passou para 60,5%. O Ensino Superior peruano é gerido pela Assembleia Nacional de Reitores (ANR), que se encarrega de definir as políticas que regerão as universidades do país. A ANR é formada por todos os reitores de universidades peruanas, públicas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA e privadas. O ensino superior no Peru inclui a formação de bachiller, maestro e doctor, como níveis sucessivos. Para alcançar o título de bachiller é necessário o cumprimento de no mínimo dez semestres letivos. Para obter os títulos de maestro e doctor, se exige a duração mínima de quatro semestres cada um. Além ser aprovado no curso de mestrado e doutorado, o aluno terá que defender publicamente um trabalho de pesquisa e ainda comprovar o conhecimento de um idioma estrangeiro, no mestrado, e dois para o doutorado. Além dos cursos citados acima, no Peru existem também cursos superiores não universitários, oferecidos pelos institutos superiores. Na população discente universitária não há uma diferença significativa em relação à presença de homens e mulheres tanto no nível de graduação quanto no de pós-graduação. Na graduação, há uma pequena predominância de homens (51,1%) e na pós-graduação, uma predominância de mulheres (51,8%). A discrepância mais elevada está entre os doutorandos, em que 59,9% são homens. No Peru, desde 1908 é permitido às mulheres ingressar na universidade. Em 1960, 25,4% dos estudantes matriculados na universidade eram mulheres; em 1990, 36.4% e em 2002, as mulheres já eram 44,6% do total de alunos universitários (Díaz, 2008). 46 Disponível em http://200.48.39.65/. 132 Uma análise mais profunda sobre a presença das mulheres, que foge do escopo deste trabalho, deve levar em consideração as áreas de conhecimento nas quais homens e mulheres se inserem e refletir sobre os motivos destas escolhas. Entre os estudantes peruanos no Rio de Janeiro sujeitos desta pesquisa inseridos em cursos de pós-graduação, observo que quase a sua totalidade está inserida em áreas de conhecimento ligadas às ciências naturais, tecnologia e engenharia, predominando entre eles a presença de homens. Todos os homens e mulheres que entrevistei que estão inseridos em áreas como a Engenharia (de produção, civil, mecânica, ambiental e elétrica), Informática e Física são unânimes em afirmar que tanto no Brasil quanto no Peru, nestes cursos a presença de homens é muito mais elevada que a de mulheres. Uma característica marcante no período que o primeiro e o segundo censo universitário abrange é a crescente demanda por cursos de pós-graduação- de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA especialização, mestrado e doutorado. Entre 1996 e 2010, o número de pósgraduandos passou de 10.818 para 56.358, ou seja, multiplicou por 5,2 vezes. Este expressivo aumento da demanda por pós-graduação pode estar relacionada a uma busca dos graduados de diferenciar-se dos outros profissionais num mercado de trabalho competitivo. A percepção de Guadalupe de que o Ensino Superior no Peru é mais inclusivo do que no Brasil foi construída no contexto no qual os peruanos viveram primeiramente, um processo de democratização do acesso ao Ensino Primário e Secundário47 e, mais tarde, de expansão das vagas nas universidades públicas. Tal processo permitiu que indivíduos anteriormente excluídos do sistema universitário pudessem ingressar nele. No entanto, a ideia da estudante de que entrar ou não na universidade pública no Peru é uma decisão pessoal que depende apenas da vontade do indivíduo não se confirma nos dados analisados por Díaz (2008). O autor analisa que entre as décadas de 1960 e 2000, a proporção de alunos que ingressam na universidade pública em comparação ao número total de candidatos diminuiu. Na década de 1960, 37% dos candidatos conseguiram entrar na universidade. Em 1990, a cifra foi de 20%. Na década de 2000, a porcentagem de 47 O Ensino Primário e Secundário, no Peru, se assemelha ao Ensino Fundamental e Médio, no Brasil. 133 candidatos aceitos nas universidades públicas foi de apenas 18% do total de inscritos. O II CENAUN 2010 mostra que a média de idade em que os jovens ingressam na universidade é de 18,9 anos e eles se candidatam à universidade cerca de 2 vezes até conseguir ser aceito. Isto significa que, depois de terminar o Ensino Secundário, por volta dos 16 anos, muitos deles não conseguem ser aprovado na primeira vez que correram à uma vaga no Ensino Superior. Ingressar na universidade exige uma preparação devido à acirrada disputa pela vagas oferecidas: há mais candidatos do que vagas disponíveis, sobretudo nas universidades públicas. A preparação para disputar uma vaga na universidade é realizada nas academias48ou nos centros pré-universitários, que não são gratuitos. Assim, um estudante que se prepara nas academias mais reconhecidas terá mais chances de entrar na universidade. Do total de estudantes das universidades PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA públicas, apenas 20,2% conseguiram passar no exame de admissão se preparando por conta própria. Nas universidades particulares, esta cifra foi de 60,4%. Jeremia, por exemplo, terminou o Ensino Secundário com 16 anos e só conseguiu entrar na UNI aos 21. Seu irmão mais novo está agora tentando o processo seletivo para a mesma universidade, mas depois de 4 tentativas, ainda não conseguiu passar. Sua família não tem condições de pagar uma boa academia para ele. Por isso, Jeremia quer trazer seu irmão para estudar no Brasil. Ele não quer que seu irmão invista mais tempo para entrar na mesma universidade onde ele estudou, que é uma universidade de renome, mas de difícil acesso. Jeremia também não quer que seu irmão termine numa universidade particular com qualidade duvidosa, pois sua família não teria condições de pagar um boa universidade privada. O vertiginoso aumento das vagas em universidades particulares desde os anos 90 tem provocado um debate sobre a qualidade de ensino oferecida por elas. (Díaz, 2008), já que não há um sistema eficaz capaz de avaliar este crescimento (Díaz, 2008; Risco, 2003). O risco desta expansão é que se aprofunde a estratificação das universidades peruana, entre as universidades particulares de excelência, que com altas mensalidades, recebe a elite peruana; as universidades públicas, que se esforçam para oferecer uma educação de qualidade e que mantém 48 As academias se assemelham aos cursos pré-vestibulares, no Brasil. 134 o prestígio na sociedade peruana, mas sofrem com a falta de recursos e oferecem vagas limitadas; e as universidades particulares com mensalidades mais baixas e com qualidade duvidosa, para onde irão aqueles que não podem pagar as primeiras e que não conseguem uma vaga nas segundas. 3.3.2 A internacionalização da educação no Peru Apesar da expansão do ensino superior no Peru, muitos peruanos optam por realizar sua formação de graduação ou pós-graduação no exterior. No caso da segunda, os alunos egressos das universidades peruanas encontram um quadro de reduzido investimento público em pós-graduação e pesquisa. Como consequência, não há cursos gratuitos de pós-graduação no país, que são custeados pela mensalidade que os alunos pagam. Os interessados em ingressar nos níveis de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA pós-graduação precisam encontrar meios próprios para arcar com os custos. Em 2010, 86,9% dos estudantes autofinanciava sua pós-graduação; 8,1% tinha seu curso financiado pelos pais; para 2,9%, a pós-graduação era financiada pelo centro de trabalho e apenas 2,0% dos pós-graduandos peruanos recebia bolsas (II CENAUN, 2010). Além dos custos da pós-graduação no Peru, que, na área de engenharia custa em torno de U$30.000, segundo uma entrevistada, ela carecem de uma estrutura acadêmica e administrativa que garanta a qualidade do ensino e da produção científica (CONAEP, 2003)49. Para muitos peruanos, encontrar uma bolsa para estudar fora do Peru é a alternativa para elevar sua qualificação. A internacionalização da educação está inserida na crescente expansão do Ensino Primário e Secundário e no maior número de pessoas que chegam ao Ensino Superior. Mazza (2009) explica que a circulação de estudantes se localiza num contexto de desgastes das credenciais: a ampliação do acesso de níveis de educação antes restritos a uma minoria inflaciona o mercado de diplomas, provocando o desgaste de algumas credenciais distintivas. 49 Na dinâmica de O Consejo de Escuelas de Postgrado del Perú (CONAEP) publicou em 2003 um artigo na Revista Estudios en Ciencias Administrativas em que avalia o ensino de pós-graduação no Peru e propõe diretrizes. Na sua análise, o Peru está atrasado na consolidação do ensino em nível de pósgraduação, se comparado com países como o Brasil. “En la actualidad en nuestro país funcionan cerca de 80 universidades de las cuales existen información parcial. Se tiene conocimiento que doce de ellas brindan Doutorados en 31 programas, y 26 universidades tienen postgrados en 31 programas de Maestría. Esta cantidad es insuficiente si comparamos con Brasil, país que (…) actualmente cuenta con 480 programas de doctorados y 990 programas de Maestrías”. 135 competição do mercado (de trabalho, de bens simbólicos e de diplomas), estudar no exterior é uma maneira de reforçar fronteiras entre os grupos e classes e uma forma de lograr um lugar privilegiado nos diferentes mercados. A mobilidade estudantil agrega valor- material e simbólico- aos diplomas. Muitas vezes, os diplomas das universidades nacionais são desacreditados diante dos adquiridos no exterior. Apesar do prestígio que estudar fora do país traz, nem sempre a qualidade da educação no exterior é realmente mais elevada que a educação dentro do país. Heitor, amigo peruano que conheci na viagem que realizei ao país em junho de 2011, cursou metade da sua graduação em Finanças em Lima e a outra metade nos EUA. Ele se surpreendeu quando chegou na universidade norte-americana, pois o sistema de ensino peruano exigia muito mais dedicação do que o sistema dos EUA. Ele considera que o ensino no Peru foi muito sólido, mas ainda assim avalia PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA como positivo ter estudado nos EUA, porque sua formação é mais reconhecida e valorizada. Heitor alcançou uma chancela para seu diploma (Mazza, 2009) que lhe garante uma posição privilegiada diante daqueles que fizeram toda sua formação numa universidade peruana. Ao longo de sua história, o Peru já assinou acordos de cooperação internacional com 51 países de 4 continentes (anexo 7). A grande lista de países com os quais o Peru tem historicamente mantido acordos e convênios nas áreas de educação e cultura mostram que o país não esteve isolado da dinâmica de internacionalização da educação e da cultura, mas buscou ampliar suas relações com outros países. Um exemplo desta diversificação das relações internacionais do Peru foi observado no período da chamada Guerra Fria, dos anos 60 até fins dos anos 80. Nestas décadas, o EUA se conformava como uma grande potência no ocidente, estabelecendo o papel central de influenciar a política latino-americana. No entanto, mesmo num período em que internacionalmente, a América Latina estava sobre forte influência do poderio americano, o Peru não deixou de se relacionar com países que integravam o bloco da antiga União Soviética. Além dos acordos bilaterais, o Peru também mantém convênios com agências de fomento estrangeiras como o Convênio Andrés Bello (CAB), a Agência Suíça para o Desenvolvimento e a Cooperação (COSUDE) e a Agência dos Estados Unidos para a Cooperação Internacional (USAID). Esta última se 136 dedica às áreas de desenvolvimento social e rural, saúde, população, nutrição, agricultura e ajuda humanitária. A USAID também já ofereceu bolsas de estudos para estudantes universitários peruanos. Este foi o caso de Manuel. Ele vivia na região de Tempo Maria, na selva peruana, e veio para o Brasil no ano de 1981, realizar seus estudos de mestrado na Universidade Federal de Viçosa. Depois de se formar, ele voltou para o Peru, se tornou professor universitário no seu país, porém o agravamento do movimento terrorista no Peru o motivou a voltar para o Brasil. Hoje, ele é brasileiro naturalizado, casado com uma brasileira e professor da Universidade Estadual do Norte-fluminense. Ainda que o Peru já tenha assinado acordos internacionais na área de educação e cultura com uma longa lista de países, Butters et al. (2005), na pesquisa que realizaram sobre internacionalização da educação na América Latina, constataram que internacionalização da educação no Peru não faz parte de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA um planejamento institucional ou governamental. Não existe um órgão ou instituição que coordene ou gerencie os programas internacionais de pesquisa e intercâmbio, nem as ofertas de bolsas para peruanos saírem do Peru e estrangeiros irem para o país. Como consequência, não há estatísticas sobre o número de peruanos estudando no exterior, o que é necessário para uma análise do fenômeno. Diante deste quadro, os programas de internacionalização da educação hoje vigentes são muito mais fruto de esforços pessoais de professores e alunos do que resultado de uma política das universidades ou mesmo do Estado. É neste contexto que os estudantes peruanos no Rio de Janeiro se inserem. Mesmo assim, sair do país faz parte das aspirações da maioria dos estudantes do Ensino Superior peruano. Em 2010, 60,8% dos alunos de graduação afirmaram que cogitam a possibilidade de sair do país ao terminar os estudos. Desse total, 64,9% pensam em cursar a pós-graduação no exterior; 47,8% pretendem sair do país para buscar melhores oportunidades de trabalho e 38,4% por melhores expectativas econômicas. Entre os alunos de pós-graduação, 33,4% pensam em sair do país: 66,7% para realizar outros estudos de pós-graduação, 36,9% por melhores oportunidades de trabalho e 28,9% em busca de melhores condições econômicas (II CENAUN, 2010). Assim, os sujeitos da nossa pesquisa estão inseridos num quadro de crescente valorização da educação como meio de ascensão social e superação das 137 tradicionais formas de dominação vigentes na sociedade peruana, de um lado. Do outro, eles puderam vivenciar a decepção de uma geração que viu parte de suas expectativas sobre a educação frustradas por intensas crises econômicas e políticas e pelo sucessivo empobrecimento da universidade pública. Desde os anos 90, eles também têm presenciado uma crescente abertura do Peru para o exterior, através da entrada de bens de consumo e do acesso a meios de comunicação de massa (Golte, 1994) e pelas novas possibilidades viajar ao exterior, o que esteve restrito às elites (Ávila, 2003). Além disso, os jovens peruanos que vêm estudar no Rio de Janeiro se deparam com um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, no qual portar um diploma superior não parece suficiente para alcançar os melhores postos e cargos. A exigência de outras habilidades como falar inglês e saber computação se torna um entrave para aqueles que, apesar de terem cursado universidades de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA renome, não tiveram condições econômicas para investir no desenvolvimento das novas habilidades exigidas pelo mercado de trabalho peruano. É neste cenário que começa a ser gestada a ideia de sair do Peru. 4 Brasil: a construção de um destino Na última noite que passei em Andahuaylas, Apurímac- Peru, fui convidada por minha anfitriã para ir ao restaurante de sua amiga comemorar o aniversário de outro amigo, um canadense que mora em Andahuaylas. Estiveram presentes na comemoração um círculo de amigos do rapaz canadense, que incluía os donos do restaurantes, meus anfitriões, duas moças francesas, uma venezuelana e três peruanas. Uma das peruanas era de Lima e contou que seu irmão fez o mestrado em Engenharia na PUC-RJ. Ela chegou a visitá-lo no Rio de Janeiro, cidade que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA achou muito bonita. Depois que se formou, seu irmão voltou para o Peru e hoje trabalha em Arequipa. Uma das outras peruanas ouviu nossa conversa e ficou interessada. Ela disse que gostaria que seu filho viesse para o Brasil fazer a pósgraduação e me perguntou se eu poderia ajudá-la. Quando visitei a cidade de Lima em junho de 2011, um taxista comentou que tinha parentes que em São Paulo. Ele mesmo chegou a pensar em morar no Brasil, mas teve receio de que não desse certo. Não foi apenas em Lima que ouvi relatos de peruanos que têm relações com o Brasil. Em Cusco, um garçom de um restaurante na Plaza de Armas, um dos principais pontos turísticos da cidade, me perguntou de onde eu era ao ouvir meu sotaque. Quando eu respondi: “Brasil”, ele, entusiasmado, abriu um sorriso e me contou que já tinha vindo ao Brasil. Ele fez um curso de Turismo e Hotelaria em Natal, Rio Grande do Norte, onde mora um de seus irmãos. Nessa mesma viagem, o atendente de uma loja de souvenires, ao me ouvir falar Português, me disse- na minha língua materna- que tinha morado e trabalhado no Acre. Em outra ocasião, numa loja de produtos de lã alpaca, localizada numa comunidade quéchua próxima ao centro de Cusco, uma das senhoras que trabalhava na loja comentou que tem alguns conhecidos no Rio de Janeiro que a convidaram para trabalhar com eles vendendo bebidas no carnaval carioca de 2010. Naquele ano, Cusco tinha sofrido com fortes chuvas que provocaram uma drástica queda no fluxo de turistas, principal atividade 139 econômica da região. Ela veio, mas preferiu retornar para Cusco quando terminaram o carnaval, no Rio, e as fortes chuvas, em Cusco. A emigração peruana tem como peculiaridade se dispersar por diferentes cidades e países. Desde os anos de 1990, os peruanos escolheram como principais destinos: os Estados Unidos da América (31,5%), Espanha (16,0%), Argentina (14,3%), Itália (10,1%), Chile (8,8%), Japão (4,1%) e Venezuela (3,8%). Estes sete destinos somados concentram 88,6% dos emigrantes peruanos. Nos últimos 5 anos, novos países apareceram na lista de destinos de peruanos: nas primeiras posições estão Brasil, em primeiro lugar, Holanda e Colômbia, em segundo e terceiro lugar respectivamente, o que mostra que a emigração peruana continua a se dispersar por diferentes países (INEI et al., 2012). Os exemplos que contei acima de peruanos que têm uma relação com o Brasil parecem indicar uma aproximação entre os dois países que torna o Brasil PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA um destino possível. Neste capítulo, explorarei como aconteceu este processo de aproximação no caso dos jovens peruanos, que escolheram o Brasil e o Rio de Janeiro como lugar onde estudar. As representações sobre o Brasil, o Peru e os outros países e o significado atribuído ao deslocamento internacional elaboradas tanto pelos próprios estudantes, como pelas sociedades peruana e brasileira exercem um importante papel neste processo. Tentando explicar um mundo profundamente diverso e multifacetado, as representações se encarregam de oferecer uma ordem e uma lógica de compreensão à tal complexidade, servindo de parâmetro para as ações dos indivíduos. Nós veremos que, quando ainda estavam no Peru, estes jovens tiveram contato com representações de Brasil que os fizeram acreditar que aqui eles teriam condições de desenvolver seus projetos pessoais, estudantis e laborais. 140 4.1 O Brasil no contexto das migrações internacionais “O Brasil vai virar um “Estados Unidos”. (Colega de trabalho, diário de campo, outubro de 2011) Conversando sobre a imigração peruana no Rio de Janeiro com uma colega de trabalho, ela se demonstrou preocupada com a presença de estrangeiros no Brasil. Seu temor residia na possibilidade do Brasil se tornar um “Estados Unidos”. Fiquei imaginando o que ela estava querendo dizer com aquela afirmação: será que o Brasil receberá tantos imigrantes quanto os EUA? Ou o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Brasil explorará a mão de obra imigrante como os EUA? Ou ainda, o Brasil elaborará leis de imigração como as norte-americanas? Após alguns segundos tentando compreender o significado daquela fala, a colega continuou, explicando que temia que os imigrantes sobrecarregassem os serviços sociais e o mercado de trabalho em detrimento da população brasileira, “como acontece nos EUA”. Minha colega explicitou uma opinião muito recorrente no senso comum brasileiro e internacional, que enxerga o imigrante como uma ameaça sempre iminente, que se torna real quando o número de imigrantes cresce a ponto de “fugir do controle”, como, em sua concepção, aconteceria nos EUA. A definição da presença imigrante como uma “invasão” muitas vezes veiculada pela grande mídia, corrobora para a reprodução de uma representação do imigrante como alguém que devemos tratar com cautela e certa distância. Para acalmar minha colega, contei que o Brasil está longe de ter uma proporção de imigrantes similar à dos EUA. Na história do Brasil, a imigração tem sido um fenômeno que imprimiu relevantes características na sociedade. Entre 1819 e 1940, o Brasil recebeu cerca de 5 milhões de imigrantes, oriundos da Europa e do Japão e entre 1550 e 1850, recebeu cerca de 4 milhões de africanos (Alencastro e Renaux, 1997). A diversidade das nacionalidades que chegaram ao Brasil ao longo da história poderia levar o leitor a crer que todos os estrangeiros eram igualmente aceitos e bem recebidos em solo brasileiro. Porém, não era assim. Os africanos, por 141 exemplo, chegavam ao Brasil como escravos, forçados a deixar sua terra natal para se tornar mão de obra compulsória e sem remuneração do outro lado do Atlântico. Já no caso dos imigrantes voluntários, já no século XIX, havia um debate acerca de qual perfil de estrangeiro serviria para atender os interesses nacionais, como suprir a demanda mão de obra livre das lavouras brasileiras. Assim, no final do século XIX foi construído do imigrante desejado, que seria aquele que, além de trabalhador rural, também serviria como "agente civilizador" do Brasil através do branqueamento (Seyferth, 1996; 1997). Para estes propósitos, ele precisaria ser europeu, branco, capaz de se assimilar à cultura brasileira (Alencastro e Renaux, 1997; Seyferth, 1996; 1997), critérios que inspiraram as políticas de imigração do período. Do perfil de imigrante desejado estão, portanto, excluídos negros (Ramos, 1996), asiáticos1 (Alencastro e Renaux,1997), árabes e judeus (Lesser, 2001). Isto significa que os imigrantes PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA indesejados não atendia todas as exigências- explícitas ou não- do Estado e das elites brasileiras. Eles poderiam servir como mão de obra, mas não como agentes de um imaginado desenvolvimento civilizatório do Brasil, o que significava branquear o país. A imigração nunca deixou de fazer parte da realidade brasileira, porém, desde a Segunda Guerra Mundial, ela sofreu uma significativa transformação, com uma diminuição quantitativa e uma diversificação qualitativa (Baeninger, 2003), incluindo trabalhadores altamente qualificados, estudantes, refugiados, trabalhadores manuais, executivos e profissionais liberais, oriundos de diferentes partes do mundo. Baeninger (2003) assinala que as novas modalidades migratórias no Brasil e no mundo já não são mais caracterizadas exclusivamente pelo seu peso numérico, mas principalmente pelo seu significado: As diferentes formas de mobilidade espacial da população (...) pressupõem a diversificação dos movimentos migratórios internacionais, em que ganha importância o significado desses fluxos no contexto da inserção de cada país de origem e de destino no atual processo de reestruturação econômica internacional. (Baeninger, 2003, p. 316) 1 Em entre 1854 e 1856, 2 mil chineses chegaram no Rio de Janeiro, porém, considerados culturalmente inaptos para povoar o Brasil e compor a cultura nacional, em 1890, foi vetada a entrada de asiáticos e africanos no Brasil. Este veto foi retirado em 1902 e em 1908 chegam os primeiros imigrantes japoneses no Brasil (Alencastro e Renaux,1997). 142 Neste sentido, o que significa para o Brasil, um país que até a década de 1930 adotou uma política ativa de seleção e controle da imigração, privilegiando um determinado perfil -europeu, branco, agricultor que se assimilasse à cultura nacional- (Iotti, 2010; Seyferth, 1997), receber imigrantes que se encaixam no perfil historicamente preterido pelo país, como africanos e asiáticos, por exemplo? Como os imigrantes mais recentes negociam sua integração à sociedade brasileira? Como o Brasil e os brasileiros se posicionam diante deles? Em que medida a presença de brasileiros no exterior e de estrangeiros de diferentes nacionalidades no Brasil influenciam as representações de Brasil que se tem no próprio Brasil e no exterior? Estas são as perguntas que coloco em pauta nesta seção. 4.1.1 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Os novos imigrantes Em abril de 2012, fui a Braga, Portugal, participar de um congresso na Universidade do Minho. Na fila de embarque para retornar ao Brasil, conversei com uma jovem portuguesa que estava vindo visitar os tios que moram Rio de Janeiro. Ela nunca tinha vindo ao Brasil, mas julgou este ser o momento mais propício: como estava desempregada em Portugal, ela visitaria os tios, conheceria o Rio e ainda aproveitaria para procurar um emprego aqui se gostasse da cidade. Ela terminou o ensino superior e domina outros dois idiomas além do Português, por isso, presumia que não seria difícil encontrar um emprego na ex-colônia. Em outubro de 2011, uma declaração do secretário português de Juventude e Desporto, Alexandre Miguel Mestre gerou polêmica no país. Num seminário direcionado a jovens luso-descendentes, em São Paulo, o secretário afirmou que se Portugal sofre com o desemprego, os jovens devem sair de sua “zona de conforto” e buscar oportunidades “além da fronteiras”2. A principal crítica era de que, ao invés de incentivar seus jovens emigrarem, o governo português deveria criar mecanismo para inseri-los no mercado de trabalho3. A emigração não é uma novidade para a sociedade portuguesa: no final do século XX, alguns dos 2 http://blog.opovo.com.br/portugalsempassaporte/secretario-da-juventude-quer-incentivar-lusobrasileiros-a-investirem-em-portugal-e-aconselha-jovens-portugueses-a-emigrarem/ 3 http://www.dn.pt/politica/interior.aspx?content_id=2240618&page=-1; http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=25&did=37105 143 principais destinos dos portugueses foram EUA, Venezuela, Canadá e Austrália (Bógus, 1995; Feldman-Bianco, 1993; Trindade, 1976). A jovem portuguesa que conheci no aeroporto está inserida, portanto, num campo de possibilidades que inclui a longa tradição emigratória da sociedade lusitana, a valorização da emigração no atual contexto de recessão vivido por Portugal, o crescimento econômico do Brasil e a presença de familiares no Rio de Janeiro. O Brasil não é apenas um possível destino para os portugueses. Na viagem que eu fiz para Puno, em 2012, conheci uma colombiana que morava nos EUA. Depois de uma longa conversa, ela comentou que tinha morado no Rio de Janeiro, onde realizou seu mestrado em Psicologia na UFRJ. Na época que estudou aqui, ela estava casada com um colombiano que também cursava mestrado. Ainda em Puno, conheci um japonês que já tinha morado em São Paulo, onde sua família tem negócios. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Os casos acima nos permitem considerar que a diversificação do perfil dos estrangeiros no Brasil se relaciona com o lugar que o mesmo tem assumido no cenário internacional. Como uma potência regional, o Brasil é um dos principais destinos para os sul-americanos, juntamente com Argentina e Chile (Sala, 2008; OIM, 2012). Como país emergente que ocupa o sexto lugar na economia mundial, o Brasil desperta o interesse de estrangeiros de outros países em desenvolvimento, sobretudo no atual contexto de expansão das relações de cooperação Sul-Sul (Verenhitach et AL, 2007). E ainda, o país tem chamado a atenção de estrangeiros oriundos de países desenvolvidos que enfrentam uma crise desde final da década de 2000. Além das condições estruturais dos países de origem e de destino, a diversificação da mobilidade internacional não pode ser compreendida na sua complexidade se não considerarmos os significados que permeiam os deslocamentos. Um movimento de estrangeiros que recentemente tem chamado a atenção do público brasileiro é o de haitianos. A relação entre Brasil e Haiti se tornou mais próxima a partir de 2004, quando o Brasil, comandando a missão das Nações Unidas para estabilização do Haiti (MINUSTAH) após a derrubada do governo de Jean-Bertrand Aristide, enviou tropas para o país4. Em 2010, o país foi atingindo 4 Em seu trabalho sobre a produção do discurso do “fracasso” haitiano, Evangelista (2010) observa que muitos haitianos apresentam uma visão crítica sobre as intervenções- huminitárias, religiosas e 144 por um forte terremoto que provocou a morte de cerca de 300 mil haitianos e deixou um grande número de desabrigados (Lissardy, 2013). Em 2011, uma epidemia de cólera matou mais de 5 mil haitianos, provocando um agravamento das condições de vida no país e motivando a saída de mais haitianos do país. Mesmo antes destes fenômenos, a emigração já estava presente na vida dos haitianos. Uma prova disso é que cerca de 2 milhões de haitianos vivem no exterior, principalmente nos EUA, Canadá, Cuba, República Dominicana e França, incluindo trabalhadores rurais, estudantes, profissionais qualificados e refugiados. O Brasil é um destino novo para os haitianos (Télémaque, 2012). No campo das migrações entre países sul-americanos, a vinda de bolivianos para o Brasil recebe destaque. Ela não é um fenômeno recente: seu início data da década de 1950, quando estudantes vieram cursar o ensino superior no Brasil e também por trabalhadores em busca de uma alternativa de vida, tanto na dimensão PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA econômica, como também política e social (Silva, 1997). Será a partir anos de 1980 que a imigração boliviana se incrementará, passando a incluir um número significativo de pessoas no ramo da confecção, mas também no comércio e em serviços e, em profissões qualificadas especialmente na área de saúde, como médicos, enfermeiros e dentistas (Silva, 2007). A Bolívia assume atualmente um importante lugar entre países emissores de imigrantes, incluindo profissionais e técnicos qualificados (Pellegrino, 2000). A presença sul-americana no Brasil teve como marco a década de 1970, quando diferentes países da região sofreram golpes de Estado que estabeleceram ditaduras. Esta é a fase que o Brasil começa a receber um número significativo de sul-americanos, que saem de seus países para escapar da repressão dos governos (Pizarro et al., 2008; Baeninger, 2008; Etcheverry, 2007). Parte desta migração era composta por profissionais qualificados que, por razões políticas, temiam por sua segurança no país de origem. O Brasil atraiu os sul-americanos pelo seu desenvolvimento econômico e tecnológico naquele período e sua imagem como um país acolhedor para estrangeiros, mesmo num contexto de ditadura (Etcheverry,2007). militares- estrangeiras, especialmente sobre as missões da ONU, inclusive a mais recente, comandada pela Brasil. 145 Desde então, Brasil se tornou um importante polo receptor intrarregional de migração qualificada5, assim como Venezuela e a Argentina (Pellegrino e Martinez apud Pizarro et AL, 2008). Em 2000, Brasil, México e Chile apresentaram as mais altas porcentagens de imigrantes profissionais, técnicos e afins (PTA) em relação a população imigrante economicamente ativa na América Latina e Caribe (CEPAL apud Pizarro et AL, 2008). No Censo brasileiro de 2000, os imigrantes provenientes da Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai, por exemplo, apresentaram níveis de escolaridade mais elevados que a população brasileira, enquanto os paraguaios apresentavam escolaridade semelhante (Sala, 2008). Apesar do Brasil abarcar diferentes modalidades migratórias, seguindo uma tendência global (Medeiros, 2010), ainda continua a predominar no país uma representação dos estrangeiros como desejado e indesejado segundo uma combinação de aspectos como a origem nacional e a questão racial. Silva (1999) PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA observa que, entre os imigrantes hispano-americanos, os que estão mais sujeitos à discriminação são aqueles que conjugam três características: são oriundos de países pobres, se inserem na sociedade brasileira através do trabalho não qualificado e apresentam um fenótipo indígena. Esta é uma das representações associadas ao imigrante indesejado, imaginado como não tendo nada a contribuir com a sociedade nacional. Os bolivianos com origens indígenas das classes mais baixas, por exemplo, estão sujeitos a uma tripla discriminação: Menos presentes nos meios de comunicação de massa ou nas pesquisas acadêmicas do que os bolivianos, os peruanos também sofrem com a mesma redução de sua imagem. Quando recebem alguma visibilidade, eles estão relacionados com o trabalho de costura ou envolvidos em atividades ilícitas. Em recente artigo, Patarra (2012) afirmou que "(a)o analisar o perfil dos migrantes peruanos no Brasil observa-se que poucos possuem alguma qualificação profissional... a maioria dos migrantes peruanos apresenta baixo nível de estudos; são camponeses ou pertencentes a etnias indígenas peruanas" (Oliveira apud Patarra, 2012, p. 11). Utilizando como fonte dois artigos de Oliveira (2008a; 2008b), Patarra generaliza para a população peruana em todo Brasil as características que Oliveira observou na população peruana na Tríplice Fronteira Norte. Este equívoco, além de ignorar a especificidade das migrações na região 5 “… alude al desplazamiento de fuerza de trabajo con habilidades y talentos clave para el desarrollo, la innovación, la investigación y la tecnología” (Pizarro et al., 2008:273). 146 amazônica, pode contribuir para a difusão de uma imagem reduzida dos imigrantes peruanos, que não corresponde à realidade. Tratamento similar recebe a imigração haitiana. Apesar de ser representada pela mídia como composta na sua totalidade por indivíduos com baixa escolaridade e qualificação, tem no seu interior também indivíduos com níveis de escolaridade médio e superior igualmente afetados pelo terremoto de 2010, como esclarece em entrevista o presidente do Conselho Nacional de Imigração 6. Télémaque (2012) esclarece que entre os haitianos que ingressam pela fronteira norte do Brasil há trabalhadores qualificados, de nível médio e superior, alguns já com experiência prévia em imigrar. Representada pela mídia como digna de caridade, a imigração haitiana é interpretada como não tendo nada a oferecer ao país receptor e, assim tudo o que ela pode conseguir, na melhor das hipóteses, é ser alvo de ajuda humanitária; na pior, ser barrada na fronteira ou deportada. Esta PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA representação da imigração haitiana também não leva em consideração os haitianos que imigraram para o Brasil em períodos anteriores, como os estudantes universitários (Télémaque, 2012) ou o perfil da imigração haitiana em outros países, como nos EUA, onde há um significativo predomínio de imigrantes qualificados (Pellegrino, 2002). Enquanto fala-se em “diminuir o fluxo” e “controlar o número de imigrante7” quando a questão gira em torno dos haitianos no Brasil, a vinda de europeus para o país depois da crise de 20088, ao contrário, é representada como essencial para suprir a demanda brasileira por mão de obra qualificada. A 6 "A gente vê alguns com nível de escolarização alto, que têm formação… A maioria das pessoas tem nível de escolaridade de médio incompleto, médio completo, fundamental completo – cerca de 60% da migração haitiana. Superior completo e incompleto são 10%. Fundamental incompleto é grande também. Se levar em consideração que a população brasileira que tem nível superior é de 17%, para eles 10% não é um número tão baixo. Você vê professores, pessoas que falam vários idiomas. Há uma variedade muito grande de qualificações…” (Fala de Paulo Sérgio Almeida, Rede Brasil Atual, 25/11/12). 7 "Nós nos deparamos com uma questão humanitária, mesmo não sendo a nossa obrigação a política de imigração. Nos vimos diante de uma situação em que não poderíamos ficar omissos", diz o secretário de Justiça, Nilson Mourão. Para ele, somente um acordo diplomático entre os países que integram a "rota consolidada" poderia diminuir o fluxo de imigrantes. "(É uma questão) que precisa ser enfrentada entre Brasil, Bolívia, Peru e Equador", afirma. Mourão avalia que o acordo entre Brasil e Haiti para controlar o número de imigrantes não ameniza o problema. Para ele, o tempo de espera pela concessão do visto é demorado e muitos optam pela imigração irregular” (Terra, 28/02/2012). 8 De acordo com pesquisa realidade pela OIM, no período de 2008 e 2009 107 mil europeus deixaram o continente, rumo principalmente ao Brasil, à Argentina, à Venezuela e ao México, oriundos da Espanha (47.701), Alemanha (20.926), Holanda (17.168) e Itália (15.701), sendo eles sobretudo jovens, solteiros com formação superior Blog (MiguelImigrante, 06/10/12). 147 representação dos haitianos e europeus pode influenciar a maneira como eles são tratados pelo Estado e pela sociedade brasileiros. Ambos atuam de uma maneira caracterizada por uma ambiguidade que, apesar de não demonstrar uma rejeição declarada aos estrangeiros, diferenciam os imigrantes de acordo com o que se acredita que ele possa oferecer de benefício para o país (Toledo, 2012; Povoa Neto, 2012). Como afirma Toledo (2012): PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA No momento em que o governo brasileiro decide limitar a entrada de haitianos, o número de portugueses e espanhóis migrando para o Brasil segue aumentando. A chegada da denominada “mão de obra qualificada” – que, ressalte-se, migra também fugindo da crise do trabalho – é incentivada pelo governo e, celebrada pelas grandes empresas e pela mídia. De fato não há como negar a importância do trabalho qualificado. Por outro lado, será difícil para o governo defender esta política migratória das acusações de racismo. Afinal, por que se denomina de “crise” (ou “invasão”) a chegada de 4 mil haitianos enquanto há 276 mil portugueses no país? Por que aos haitianos e bolivianos não se pode oferecer nada além do direito humanitário, isto é, a gestão biopolítica e compassiva da vida nua? Para Télémaque (2012), a maneira como a imigração haitiana tem sido representada pela mídia e tratada pelo governo brasileiro indica uma política de imigração de alta seletividade, que na verdade, escamoteia uma seleção racial dos imigrantes: aos negros estrangeiros só se abririam as portas enquanto chegassem pelos porões do cativeiro (p. 53). Uma redução da imagem do imigrante está presente também no que Etcheverry (2012) denomina como “discursos mediadores”, difundido por setores mobilizados da sociedade que se colocam como discursos em defesa dos imigrantes. Analisando mediadores em Porto Alegre, Madri e Buenos Aires, Etcheverry identifica entre eles uma associação entre cultura e pobreza, a partir da qual, já não é mais o imigrante o culpado pelos males da sociedade receptora, mas sim sua cultura. Como solução, o imigrante deveria ser capaz de se integrar, adaptando sua cultura aos moldes aceitáveis da sociedade receptora. Em outras palavras, “… o discurso mediador é um discurso do controle, onde os espaços de autonomia do imigrante vêm se reduzido à uma evocação pontual e palatável de sua cultura de origem” (Etcheverry, 2012, p. 15). Assim, os novos imigrantes que chegam ao Brasil enfrentam as representações que a sociedade brasileira tem deles e de suas nacionalidades. Num país que na história teve na imigração europeia um projeto civilizatório, a recente imigração de europeus, atualiza a representação do imigrante desejado e 148 do indesejado, reproduzindo um discurso sobre a migração que é polarizado: de um lado, os europeus, brancos, altamente qualificados que contribuirão para o crescimento do país; do outro, latino-americanos e africanos, negros e índios, pouco escolarizados, que ameaçam a estabilidade econômica e social do país, sobrecarregando os serviços públicos. Os imigrantes são, portanto, alvo do que Appadurai (apud Clifford, 1997) chamou de "congelamento metonímico"9: a redução de todo um grupo à uma característica, como, por exemplo, a Índia, que é associada à hierarquia. No caso dos imigrantes, o "congelamento metonímico" se dá com a apressada suposição de que todos os indivíduos de uma mesma nacionalidade apresentam as mesmas características sociais, econômicas, educacionais e étnicas. Grande parte das vezes sem referências a dados confiáveis, esta representação se baseia mais em ideias pré-concebidas que na realidade dos fatos, interferindo de forma vigorosa na PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA maneira como os imigrantes são tratados na sociedade brasileira. 4.1.2 Os brasileiros no exterior Desde as últimas décadas do século XX, o Brasil tem sido palco de um duplo movimento no cenário das migrações internacionais. Enquanto até a década de 1950 o país era representado como um “país de imigração”, ou seja, um país em que o número de imigrantes é maior que o de emigrantes, a partir da década de 1980, aumentou o número de brasileiros saindo do país. Para um país acostumado a imaginar-se como receptor imigrantes, o que significa a emigração? Quais são os sentidos e representações que entram em jogo neo fluxo de brasileiros para o exterior? Antes dos anos 80, a ida de brasileiros para o exterior era pouco expressiva numericamente, quase que restrita a alguns casos de estudantes e profissionais (Patarra, 2005). O desejo de deixar o Brasil alimentado pela crise econômica da década de 80 se somou às oportunidades de trabalho oferecidas aos imigrantes nos países do capitalismo central. Tais oportunidades eram fruto do processo de reestruturação produtiva que segmentou o mercado de trabalho- em primário e 9 Metonymic freezing . 149 secundário10 (Piore apud Sales, 1995)- e flexibilizou a relação entre capital e trabalho, tornando-a mais versátil e dinâmica para os grandes empresários, e mais instáveis e desreguladas para os trabalhadores (Harvey, 1998). Dentre as formas de trabalho que mais recruta imigrantes estão o trabalho em tempo parcial, com remuneração por produção, temporário e o subcontratado. É interessante notar que neste período que os brasileiros emigram o Brasil também começa a receber mais hispano-americanos, como bolivianos e peruanos. Assim como na emigração peruana (Altamirano, 2000a), o destino que mais atraiu os emigrantes brasileiros foram os EUA: em 2002, cerca de 1,2 milhões de brasileiros estavam no país norte-americano (MRE-Brasil apud Marcus, 2009). De acordo com estimativas do Ministério das Relações Exteriores, entre 2 a 4 milhões de brasileiros viviam fora do Brasil (Sasaki apud Feldman-Bianco, 2010). Além dos EUA, outros importantes destinos para os brasileiros eram a União PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Europeia, majoritariamente Reino Unido, Portugal e Espanha; Japão e ainda, países limítrofes, como Paraguai, Bolívia, Venezuela e Colômbia 11 (Almeida, 1995; Baeninger, 2008). Entre os brasileiros que emigram para países não limítrofes predomina o perfil de indivíduos jovens12, das camadas médias urbanas, com nível de escolaridade de médio a alto que, na grande parte, exercem no exterior atividades laborais abaixo da qualificação que possuem (Feldman-Bianco, 2010; Patarra, 2005; Sales, 1995). Antes de emigrar, muitos deles estavam empregados na sua área de formação, porém, avaliaram como vantajoso deixar o emprego no Brasil para “tentar a vida” no exterior. Ainda que esteja relacionada a um processo de deterioração do padrão vida no país de origem, a emigração predominante de indivíduos das classes médias indica que, no caso do Brasil, ela está relacionada menos com a garantia da 10 “Os empregos no mercado de trabalho secundário são aqueles que requerem pequeno ou nenhum treino, estão na mais baixa escala de salários, oferecem pouca ou quase nenhuma oportunidade de mobilidade e são caracterizados por uma elevação da rotatividade” (Sales, 1995, p. 7). 11 A migração transfronteiriça apresenta um perfil particular: elas são empreendidas por populações que identificaram no outro lado da fronteira uma oportunidade de desenvolver uma atividade econômica, sendo as principais delas a produção agrícola (na Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina) e o garimpo (na Venezuela, Colombia, Bolívia, Guiana e Guiana Francesa). Um exemplo emblemático de migração transfronteiriza são os brasiguaios, brasileiros que desde 1960 adquirem terras no Paraguai, onde passam a viver e produzir (Almeida, 1995). 12 No caso da emigração para o Japão, no primeiro momento ela era caracterizada por ter uma faixa etária mais elevada e aprensentar um grande número de casados, perfil que foi se modificando com o crescimento do número de imigrantes jovens e solteiros (Sasaki, 1995; 2006). 150 subsistência do que na busca por ascensão social (Bógus, 1995), o que inclui receber salários mais altos que no Brasil, mesmo quando realizando atividades menos qualificadas e prestigiadas; ter acesso a bens que no Brasil seriam de difícil aquisição, como a casa própria; e ainda viver uma experiência internacional, tão valorizada na expansão da globalização. A entrada do Brasil na lista de países "exportadores de mão de obra" provocou impactos não apenas na demografia do país- especialmente nas áreas de onde mais partem imigrantes, como Governador Valadares (Soares, 1995; Sales, 1995; Assis, 2000) e Criciúma (Assis, 2007), mas também colocou em xeque as representações do próprio país como um tradicional receptor de imigrantes. Por trás do emblema de “país de emigração” subjaz a ideia de que o cidadão não teria nenhuma razão para deixar seu país a não ser que este não seja capaz de garantir os meios de subsistência. Por isso, o país que recebe tal alcunha é representado PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA como incapaz de oferecer as condições necessárias para manter seus cidadãos em seu território. A sólida presença de brasileiros no exterior (Oliveira, 2006; Sales, 1995; Sasaki, 1995; 2006); abre um espaço para que eles (re)pensem a si mesmos e ao Brasil em relação ao mundo. Tanto a sociedade receptora, quanto a emissora elaboram representações sobre a imigração e os imigrantes que serão fundamentais na sua incorporação ou exclusão na sociedade local (FeldmanBianco, 2010). Analisando reportagens veiculadas em jornais brasileiros entre 2001 e 2005, Póvoa Neto (2006) observou que o número de notícias sobre imigração havia triplicado, predominando temas como prisão e deportação de brasileiros indocumentados, o envolvimento de brasileiros em redes de exploração sexual e tráfico de pessoas, a imigração clandestina e ainda, as duras condições de vida e trabalho no exterior13. Assim, a mídia impressa contribuía para a difusão da imagem do emigrante brasileiro associado à precariedade no trabalho, na vida ou no status legal. Os brasileiros em Nova Iorque (Margolis,1995), por outro lado, se autorepresentam como exitosos e bem-sucedidos enquanto se diferenciam dos 13 Póvoa Neto (2006) destaca que a crescente presença da emigração brasileira nos jornais nacionais não está vinculada apenas com o aumento do número de brasileiros no exterior, mas também com interesses comerciais das empresas de comunicação. Um exemplo disso foi a maior cobertura sobre casos de deportação de brasileiros dos EUA pelas organizações Globo quando esteve no ar a novela “América”. 151 brasileiros recém-chegados, que, segundo eles, são “semi-analfabetos, de pouca cultura, mais pobres”, de “baixo nível social” (p. 12), mesmo quando não conhecem nenhum brasileiro nesta condição. Esta era o que a autora denominou como “a classe baixa invisível”: usada como parâmetro de distinção, ela encarna tudo o que os brasileiros não querem ser. Por executarem trabalhos de baixa qualificação, eles temem ser confundidos como pertencentes às classes mais baixas, por isso, os brasileiros transferem os atributos negativos aos quais estão sujeitos a outros co-nacionais, mesmo quando conhecem pessoas que encaixam no perfil de emigrante brasileiro que eles mesmos constroem. Um emigrante brasileiro, enfurecido, reclamou que Margolis escreveu num jornal local que os brasileiros em Nova Iorque trabalhavam como empregados domésticos, engraxates e auxiliares de garçom, omitindo as “histórias de sucesso” (Margolis, 1995, p. 13). Questionando o artigo de Margolis, o brasileiro entrou na disputa PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA pela difusão de imagem positiva dos brasileiros em Nova Iorque14. Em Miami, os brasileiros alimentam um ressentimento em relação ao Brasil, representando-o como um país “sem jeito, sem saída, sem condições de vidas”, imagem corroborada pela imprensa brasileira nos EUA (Oliveira, 2006, p. 13). Entretanto, eles também declaram “ter orgulho de ser brasileiro”, devido ao que acreditam ser uma idiossincrasia do Brasil: o povo alegre, festivo, amigável, otimista, caloroso, capaz de ser feliz mesmo na pobreza; a natureza exuberante; o futebol e a beleza da mulher brasileira (p. 14). Estes exemplos nos mostram que os brasileiros no exterior são personagens importantes que contribuem para a difusão internacional de uma determinada representação do Brasil que reforça os estereótipos, como o país do futebol, de mulheres bonitas e um povo hospitaleiro. Como veremos mais adiante, esta é a representação de Brasil que predomina no imaginário peruano que levará muitos dos estudantes acreditarem que o Brasil é um bom destino para quem quer sair do Peru. 14 Para uma reflexão teórica dimensão de poder presente na escrita etnográfica ver Clifford, 1998. Para um estudo de caso sobre o poder na construção de um discurso sobre os imigrantes ver Etcheverry (2012). 152 4.2 O Brasil e a mobilidade estudantil internacional Assim como os imigrantes avaliam as oportunidades fora do país e as dificuldades dentro dele para realizar seus projetos, os estudantes que ingressam em universidades estrangeiras também avaliam as condições que seu país oferece para seu desenvolvimento acadêmico, pessoal e profissional em comparação a outros países. Para os estudantes latino-americanos, ingressar em universidades fora do país pode representar uma oportunidade para obter um diploma mais respeitado no mercado de trabalho nacional e internacional, principalmente se o diploma tiver sido adquirido num país desenvolvido. Entre as motivações que levam os latino-americanos a estudar no exterior, sobretudo nos níveis de pósgraduação, estão ainda a chance de viver uma experiência internacional, a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA centralidade da produção de saber- que estabelece desigualdades na produção acadêmica entre os países-, a expectativa de se inserir no mercado de trabalho e receber maiores salários no país em que se formou (Pizarro et al., 2008, p. 289). Neste quadro, o Brasil pode se tornar uma opção, como analisa a renomada socióloga Elisa Reis, no caso das Ciências Sociais: O interesse de certos países latino-americanos por nossos cursos de pós-graduação é enorme e está crescendo. Não temos ainda uma visão de conjunto, e acho que a questão está merecendo um estudo: o impacto dos programas de pós-graduação e pesquisa no Brasil junto aos países da América Latina (Reis, 1997). Nas últimas décadas do século XX, o número de estudantes fora do país aumentou consideravelmente. Em 1950, 108.000 estudantes faziam cursos no exterior; em 1960, o número passou para 238.000 e para 915.859 no início dos anos 80; nos anos 90, o número de estudantes no exterior chegou a 1.377.216 (Latreche, 2001, p. 14). A mobilidade estudantil internacional segue três principais rotas: a mais percorrida é a de estudantes que saem de países em desenvolvimento rumo a países desenvolvidos (62% do total); na segunda rota, o descolamento se dá entre países desenvolvidos (30%) e a terceira se estabelece entre países em desenvolvimento (8%) (Ennafaa apud Nogueira et al., 2008). Esta última é a percorrida pelos estudantes peruanos no Brasil. Em 2004, os 2.5 milhões de estudantes universitários estrangeiros no mundo tinham como 153 principais destinos EUA (23%), Reino Unido (12%), Alemanha (11%), França (10%) , Austrália (7%) e Japão (5%) (UNESCO apud Desidério, 2006). Outros países surgem como polos emergentes de produção científica no mundo, conquistando um crescente espaço na esfera da internacionalização da educação como China, Índia e Brasil (Luchilo, 2011b). Desde a década de 1950, a preocupação do Brasil com a produção científica como uma política nacional motivou a construção das agências de fomentos CAPES e CNPq, que visam fortalecer o ensino de pós-graduação e a pesquisa no país. O fim da Segunda Guerra Mundial, que culminou com a explosão da bomba atômica, aqueceu o debate em torno da produção científica como um elemento fundamental para a soberania e o desenvolvimento nacional, o que inspirou a formação das duas agências nacionais de fomento (Rosa, 2008). Neste contexto, a concessão de bolsas para alunos brasileiros cursar a pós-graduação no exterior se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA tornou uma das estratégias para consolidar uma agenda brasileira de pesquisa que fosse capaz de, ao mesmo tempo, atender as demandas do país por um conhecimento que compreendesse suas especificidades e seguisse os parâmetros científicos internacionais. No período de 1986 a 2000, a CAPES e o CNPq, juntos, concederam 1.3819 bolsas, grande parte destinada aos EUA, França e GrãBretanha (Mazza, 2009). Recentemente, a internacionalização da educação através de iniciativas do governo brasileiro atingiu de maneira mais ampla os estudantes de graduação. Em 2011, foi lançando o programa Ciência Sem Fronteiras, do CNPq, que, entre outras medidas, concede bolsas de estágio no exterior a alunos de graduação de áreas como Engenharias e Ciências Biológicas. O programa tem o objetivo de consolidar a ciência e tecnologia brasileiras, através da mobilidade internacional. Os estudantes de graduação selecionados têm a oportunidade de cursar até 2 semestres numa universidade estrangeira. Até 2014, a meta do programa é conceber um total de 75 mil bolsas. O programa também oferece bolsas de pósgraduação e incentiva a circulação de docentes. Apesar de reconhecida a importância da iniciativa, o programa Ciência Sem Fronteiras foi criticado por diferentes associações científicas por excluir do seu escopo alunos das áreas de 154 Ciências Sociais e Humanidades e não incluir na lista de universidades receptoras instituições localizadas em outros países em desenvolvimento15 (ver anexo 6). Apesar de ainda não se configurar um fenômeno numericamente expressivo, desde as últimas décadas do ano 2000, a presença de estudantes estrangeiros em universidades brasileiras tem sido uma realidade em diversas partes do Brasil. Entre 2011 e 2012, o Ministério das Relações Exterior apontou um aumento no número de emissão de visto de estudantes, especialmente para colombianos, portugueses, franceses e espanhóis16. Os latino-americanos alcançaram o maior número de matriculados em 2012, com 4.541 alunos, 50,16% a mais que no ano anterior. No entanto, os europeus, foram os que apresentaram a maior taxa de aumento no número de estudantes em instituições brasileiras, atingindo um crescimento de 67%, com 4.472 matriculados (Cortez, 2013). Os motivos que levaram estes últimos a optarem pelo Brasil, se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA diferenciando das três principais rotas de estudantes estrangeiros, variam entre a chance de conviver com uma cultura diferente da europeia e de estreitar relações com um país emergente que pode lhe oferecer oportunidades de emprego, principalmente no atual contexto de crise no continente europeu. Luchilo (2011b) aponta que a mobilidade estudantil está inserida numa tendência cultural entre os jovens tanto de países desenvolvidos quanto de países em desenvolvimento, que compartilham o desejo de experimentar a vida no exterior como parte de sua formação17. Ou seja, a mobilidade estudantil internacional não se restringe apenas à uma dimensão econômica, com vistas a um emprego no país receptor. 15 Ver carta escrita pela Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), Associação Brasileira de Antropologia (ABA), Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) e a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) endereçada ao CNPQ no dia 29 de setembro de 2011 (em anexo). 16 O percentual de aumento de emissão de vistos de estudantes para as nacionalidades foi de respectivamente 24%; 25,8%; 18,6%; 18,4%. 17 Na universidade americana onde estudei durante a graduação, era muito comum que os jovens americanos estudassem em outros países. Antes de eu ir para a universidade americana, um estudante da universidade veio cursar um semestre na minha universidade. Em todo o campus da universidade americana havia cartazes que programas de intercâmbio por diferentes países do mundo. Na Europa, um importante programa de intercâmbio entre a União Europeia é o programa Eramus (Luchilo, 2011b). 155 4.2.1 Mobilidade estudantil e política nacional A imigração tem como inerente o fato de ser seletiva: os indivíduos que migram são aqueles que possuem algum tipo de capital humano que os distingue da comunidade de origem, seja pelo nível educacional, pela capacidade de assumir riscos e viver situações novas (Pizarro et al., 2008; Pellegrino, 2000) ou estar integrado a uma rede de relações que apoie a migração (Ramella,1995). O estudante estrangeiro se constitui um imigrante seletivo em potencial, tendo a chance de se inserir na sociedade receptora sem ter que assumir os custosemocionais e materiais- de ser um trabalhador- qualificado ou não- num país PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA estrangeiro. O estudante pode se tornar um imigrante seletivo e qualificado quando concluir os estudos. Para o Canadá, por exemplo, receber estudantes estrangeiros está intimamente ligado à sua política de imigração, que oferece facilidades aos exestudantes regularizar-se como imigrantes depois de formados. Tal política parte do princípio que o estudante estrangeiro, antes de ser regularizado como imigrante, já estaria mais adaptado à cultura canadense do que o imigrante que não teve nenhum contato prévio com a cultura do país. Por isso, no processo de regularização da imigração, o estudante estrangeiro é privilegiado (She, 2011). Na Austrália, os estudantes estrangeiros também são vistos como os imigrantes ideais. Visando que os estudantes estrangeiros continuem no país depois de formados, a Austrália elaborou uma política para facilitar a mudança do visto de estudante para permanente, que possibilite ao estudante se tornar um imigrante, ou o que ele denominou como um student-turned-migrant- um estudante que virou imigrante (Robertson, 2008). A mobilidade estudantil pode se tornar um meio para suprir a demanda dos países por mão-de-obra qualificada, sobretudo em momentos de expansão da economia e em áreas de conhecimento altamente especializadas. Diferentemente do Canadá e da Austrália, que desenvolvem uma política de imigração que facilita a permanência do estudante estrangeiro no país depois de formados, no Brasil, não há nenhuma política oficial que ofereça facilidades para os estudantes estrangeiros 156 regularizar seu status legal, mesmo nas áreas com grande demanda de profissionais qualificados, como as engenharias. Os estudantes peruanos, por exemplo, enfrentavam muitas dificuldades para continuar legalmente no Brasil depois de concluir os estudos. Para evitar permanecer no país de forma ilegal, alguns prolongaram sua estadia como estudante, ingressando em cursos de pós-graduação; outros ainda optavam pelo casamento com cônjuge brasileiro ou ter um filho nascido no país. Os peruanos que tentaram obter o visto através do trabalho, como Tomás, só o conseguiu depois de uma longa busca, pois as empresas não se mostravam dispostas a arcar com a burocracia que a contratação de um estrangeiro exige. Quando estava terminando o mestrado, Douglas buscou emprego em muitas empresas, mas, ao contrário de Tomás, nunca chegou a ser contratado. Como engenheiro, as empresas exigiam dele a inscrição no Conselho Regional de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Engenharia e Agronomia (CREA), o que ele não conseguiu realizar devido à insuficiente clareza dos procedimentos. Douglas então decidiu emendar o mestrado no doutorado e ao término deste, foi contratado pela universidade onde estudava para continuar trabalhando, agora não mais como aluno, mas como pesquisador- o que não requer inscrição no CREA. Desde o início de 2012, os cidadãos peruanos são beneficiados pelo acordo de residência MERCOSUL, através do qual podem solicitar o visto permanente, que garante, entre outras coisas, o direito a trabalhar legalmente no Brasil. No entanto, o acordo não põe fim às dificuldades em obter a inscrição nos conselhos profissionais, o que continua sendo um grande entrave aos estrangeiros para exercer determinadas profissões no Brasil, entre elas, a Engenharia. Apesar de não apresentar uma política de direta associação entre estudantes estrangeiros e migração qualificada, o estado brasileiro tem no oferecimento de bolsa para estudantes de países em desenvolvimento uma importante estratégia de se posicionar internacionalmente. Logo após o terremoto que atingiu o Haiti em 2010, foi divulgada a notícia que a embaixada brasileira cadastraria os haitianos que, impossibilitados que continuar sua formação superior no país, gostariam de estudar no Brasil. No entanto, a iniciativa não foi concretizada na sua integralidade, como criticam Thomaz e Nascimento (2012): 157 Em fevereiro de 2010, com grande fanfarra se anunciou que o Brasil ofereceria pelo menos 500 bolsas a estudantes da rede universitária haitiana... Por todo o Brasil, universidades se ofereceram para recebê-los. Era crucial que viessem rapidamente, pois suas faculdades estavam em ruínas, seus estudos paralisados e a continuidade de sua formação seria decisiva para a reconstrução. Numa irônica coincidência, foram também quase 4 mil os estudantes que se candidataram no que teria sido o maior programa de intercâmbio internacional da história da educação brasileira. Somente mais de um ano e meio após a tragédia é que, às duras penas, foi possível trazer, dos 500 anunciados, não mais que 80 estudantes, alguns dos quais já tiveram sua bolsa cancelada ou limitada... O exemplo acima deixa nítido o princípio subjacente à oferta de bolsas de estudos por parte do governo brasileiro a cidadãos de países em desenvolvimento, como os programas PEC`s18: as bolsas de estudos se tornam um tipo de política externa brasileira. O PEC-G e o PEC-PG se enquadram num esforço do país em se consolidar internacionalmente como um importante pólo de produção de ciência e o estudantes estrangeiros são os mediadores da relação entre os dois PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA países. Segundo o discurso oficial19, estes programas se enquadram numa política de cooperação Sul-Sul, cujo objetivo seria estimular o desenvolvimento de ambos de forma mais igualitária e participativa do que aconteceria numa cooperação entre países desenvolvidos e os em desenvolvimento. Por isso, uma das cláusulas dos PEC-G e PEC-PG é que o aluno regresse ao seu país após a conclusão do curso, aplicando lá o conhecimento adquirido no Brasil. Desde o primeiro governo Lula, o país tem buscado aprofundar suas relações com outros países além dos desenvolvidos. É justamente no início dos anos 2000 que as bolsas PEC-G, antes amplamente compartilhadas entre cidadãos latino-americanos, passam a contar com uma crescente participação de cidadãos de países da África subsaariana. Este período corresponde à expansão das relações comerciais do Brasil com os países africanos, como analisa Santos (2012) em seu estudo sobre a trajetória de estudantes oriundos da República Democrática do Congo (RDC) no Rio de Janeiro: Mais especificamente sobre as relações entre RDC e Brasil (...) durante os anos do primeiro mandato de Lula, o saldo da balança comercial entre os dois países teve um crescimento de 2.573,63% (...). Só é possível um crescimento deste volume quando, em comparação com o período anterior, se tem um saldo comercial ínfimo. (...) Assim, a meu ver, 2.573,63 % indica menos um saldo comercial propriamente dito e mais a tomada de uma determinada direção de política de Estado. (Santos, 18 19 Ver explicação do PEC-G e PEC-PG no capítulo 2. http://www.itamaraty.gov.br/temas/difusao-cultural/educacao 158 2012, p. 42) Reforçando a tese de Santos (2012), o Itamaraty reconheceu que os programas educacionais para estudantes estrangeiros são uma modalidade de cooperação que para além de ter como objetivo formar profissionais qualificados que contribuam para o desenvolvimento dos países emissores, ela amplia a aceitação do Brasil em países até então distantes política e economicamente: O grande diferencial da cooperação educacional em relação às outras modalidades de cooperação prestadas pelo País diz respeito à formação de recursos humanos receptivos ao Brasil, formando potenciais interlocutores do Governo e de empresas brasileiras em diversos países, fomentando o engrandecimento da projeção brasileira no exterior20. Publicada no balanço das políticas externas brasileiras no período de 2003PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 2010, esta avaliação deixa claro que o governo brasileiro vê os egressos estrangeiros de universidades brasileiras como agentes que garantirão uma maior abertura para o Brasil em seus países de origem. Para isso, é salutar o retorno do ex-bolsista estrangeiro para seu país não apenas para o seu próprio desenvolvimento, mas também para que o Brasil alcance o objetivo de ampliar seu raio de influência internacional, aproximando-se cultural, acadêmica, econômica e politicamente de outros países em desenvolvimento. Outra iniciativa do governo brasileiro visando ampliar seu papel no cenário internacional da educação, mais especificamente no contexto latino-americano e africano foi a construção de duas universidades públicas voltadas para a integração de alunos brasileiros com latino-americanos e africanos de origem lusófona: a UNILA e a UNILAB. Fundada em 2010, a UNILAB, Universidade da Integração Internacional da Lusofonia afro-brasileira, está localizada na cidade de Redenção, no Ceará (CPLP). Já a Universidade Federal da Integração Latino Americana, UNILA, se localiza na cidade de Foz do Iguaçu. No processo seletivo da UNILA, 50% das vagas são reservadas para alunos estrangeiros, cuja seleção é feita pelos Ministérios de Educação de seus países de origem. Em 2011, pela 20 http://www.itamaraty.gov.br/temas/balanco-de-politica-externa-2003-2010/8.2.5-promocaocultural-cooperacao-educacional 159 primeira vez a UNILA recebeu um grupo de 9 alunos peruanos, de diferentes partes do país. No entanto, as expectativas de benefício para os países receptor e emissor, no caso do Brasil e dos programas PEC`s não são acompanhadas de políticas que tornem tais expectativas uma realidade. Por fim, são os estudantes, os protagonistas no processo de sair do país, escolher o Brasil e tomar a decisão, depois de formados, se ficarão no Brasil, retornaram para o país de origem ou migrarão para um terceiro. Enquanto matriculados em universidades brasileiras, os estudantes estrangeiros não contam com um apoio institucional organizado, que o ajude a se adaptar ao Brasil. Tal cenário fica explícito na carta aberta à comunidade escrita em 2011 pelos estudantes participantes do PEC-G na UFRGS21 e na reclamação da Asociación de Padres Becarios de la UNILA22, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA diante da morte de um estudante equatoriano na universidade. 4.2.2 Mobilidade estudantil internacional e imigração qualificada Por outro lado, a mobilidade estudantil internacional pode ser interpretada de diferentes maneiras, entre elas, como um processo que pode levar à “fuga de cérebros” (brain drain). Segundo tal perspectiva, a desigualdade entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento teria relação com a capacidade que eles têm de formar e atrair profissionais qualificados para trabalhar no mercado de trabalho nacional. Os países desenvolvidos teriam mais condições de formar profissionais especializados e ainda atrair os profissionais de outras partes do mundo, provocando assim uma concorrência internacional por mão-de-obra qualificada. Os países em desenvolvimento enfrentariam uma dupla dificuldade: primeiro, de formar profissionais altamente qualificados e segundo, criar 21 http://www.ufrgs.br/caar/wp-content/uploads/2011/08/Carta-a-toda-comunidadeacad%C3%AAmica-da-UFRGS.pdf 22 “Édison Guerra, presidente de la Asociación de Padres de Familia becarios en la Unila, explico que ninguna de las ofertas que incluía esta beca se han cumplido: “Nuestros hijos están alojados en casas de citas, el rubro para alimentación solo alcanza para el almuerzo, el transporte cubre medio mes y, lo más grave, la universidad está en proceso de institucionalización y por lo tanto no está acreditada. ¿Cómo permitieron que enviemos a nuestros hijos con una beca en una universidad que es proyecto en Brasil?”.http://oestrangeiro.org/2012/06/05/unila-mala-situcion-de-los- becados-ecuatorianos/ 160 mecanismos para retê-los no país (Altamirano, 2006; Luchilo, 2011; Pellegrino, 2000; Pellegrino e Calvo, 2001). A teoria da “fuga de cérebros” parte do princípio que os recursos humanos capacitados são um insumo central- porém escasso- no desenvolvimento econômico e social dos países. Sua migração de país um em desenvolvimento para um desenvolvido representaria uma perda para o país de origem e um ganho para o país de destino, aprofundando as desigualdades entre eles (Luchilo, 2011a). Neste panorama, os estudantes estrangeiros se tornaram fonte de preocupação, principalmente quando eles se formam no país de origem, vão para o exterior realizar a pós-graduação, mas não retornam depois de concluídos seus cursos (Luchilo, 2011b; Moreno, 2012; Pellegrino 2000). Os países desenvolvidos, por sua vez, elaboram diferentes estratégias para atrair os melhores profissionais de outras regiões do mundo, como facilitar a concessão de vistos para o profissional PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA e sua família (Pizarro et al., 2008) e oferecer bolsas de estudos de pós-graduação para alunos estrangeiros com bom desempenho acadêmico23, como faz os EUA (Luchilo, 2011b). Outras abordagens sobre a imigração qualificada propõem a análise desse tipo de mobilidade como trazendo benefícios não apenas para o país receptor, mas também para emissor, concomitantemente. A perspectiva do brain circulation, por exemplo, se baseia na ideia de que a circulação de profissionais por múltiplos países possibilita uma circulação do conhecimento adquirido por eles ao longo de sua trajetória. A partir dessa experiência, os imigrantes qualificadas se transformariam em agentes que constroem vínculos com diferentes espaços de pesquisa e desenvolvimento entre os países centrais e o seu país de origem (Pizarro et al., 2008; Pellegrino, 2000). Um exemplo de iniciativa que se enquadra no brain circulation são as redes de conhecimento da diáspora (RDC), associações que reúnem imigrantes altamente qualificados que desejam contribuir com seus países de origem (Meyer, 2011). Nesta perspectivava, o imigrante qualificado deixa de ser visto como capital humano que deve retornar para o país de origem, para ser entendido como capaz de mobilizar um capital social transnacional que contribua para o desenvolvimento do país de origem (Barré et al. apud Meyer, 2011). 23 Na Universidad Nacional de Ingeniería (UNI), no Peru, os melhores alunos são convidos para cursar pós-graduação no exterior, em países como China e EUA. 161 Um elemento fundamental para que os emigrantes continuem a participar da vida cotidiana do país emissor a ponto de investir nele, seja através de remessas ou participando de redes de conhecimento, são os laços que eles mantêm com o mesmo. Por isso, muitos estados marcados pela emigração investem em estratégias para aproximar-se de suas populações no exterior, incentivando a manutenção de vínculos entre eles que sejam revertidos em remessas e outras formas de investimentos. A visita do secretário português de Juventude e Desporto ao Brasil com o objetivo de estimular jovens luso-brasileiros a investirem em Portugal é um exemplo desse tipo de estratégia. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 4.3 Quando o Brasil entra no mapa Para grande parte dos estudantes peruanos, o Brasil não era um país onde eles planejavam morar, nem mesmo visitar. Entre aqueles que tinham o desejo de sair do Peru, os países mais presentes em seus planos e mapas mentais eram os localizados na Europa e na América do Norte. Na América do Sul, Argentina e Chile chegaram a figurar como destinos possíveis para alguns deles. Entretanto, nenhum dos jovens peruanos tinham o Brasil como primeira opção, assim como acontece com estudantes estrangeiros de outras nacionalidades que vêm estudar no Brasil. Os estudantes moçambicanos que participaram da pesquisa de Subuhana (2005) tinham preferência pelos país de língua inglesa, como EUA, Inglaterra, Austrália e África do Sul. Portugal também era um destino imaginado, principalmente pela língua em comum e pela histórica colonização. No entanto, os altos custos de vida dos outros países e o fato do Brasil também ser um país lusófono despertou o interesse dos moçambicanos por este novo destino. Eles optaram pelo Brasil motivados por suas redes de relação, das quais participavam moçambicanos ex-estudantes de universidades brasileiras que compartilham com os amigos suas experiências no exterior. Os moçambicanos egressos de universidades brasileiras inspiram outros jovens a escolherem o Brasil como país para realizar o Ensino Superior. 162 Assim como no caso dos estudantes moçambicanos, o Brasil nunca ocupou um lugar de destaque na geografia simbólica (Bálsamo, 2009) dos estudantes caboverdianos (Hirsch, 2008) e congoleses (Santos, 2012). Os cabo-verdianos optam tradicionalmente por Portugal, pelo valor simbólico que obter um diploma no país europeu tem para eles desde os tempos coloniais. Contudo, a possibilidade de conseguir bolsa e o menor custo de vida no Brasil tornaram o país latino-americano comparativamente mais atrativo, apesar de, para os caboverdianos, estudar no Brasil apresentar um status inferior que estudar em Portugal (Hirsch, 2008, p.123). Para os congoleses, a oferta de bolsas também pesou na decisão pelo Brasil. Outro fator que contou para esta decisão foi a fato de não haver no Brasil uma consolidada imigração congolesa que restringisse os estudantes a circular por uma rede de parentes. Os estudantes congoleses preferiram vir para o Brasil do que para outros destinos populares entre seus PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA conterrâneos, onde têm familiares. No Brasil, os estudantes congoloses contam com uma rede de amigos, que, ao contrário das redes de parentesco, lhes dão mais espaço para viver de maneira mais autônoma (Santos, 2012). Gladys também nunca havia pensado em estudar no Brasil até descobri as oportunidades de bolsa. O contato que ela tinha com o país no período em que começou a planejar a saída do Peru era escasso. Ela tinha o ardente desejo de sair do Peru, por isso, quando estava prestes a terminar o ensino médio, em meados dos anos 90, começou a visitar as embaixadas estrangeiras no Peru em busca de uma bolsa de estudos. Ela gostaria de ter ido para os EUA, porém não encontrou bolsa e sua família não podia arcar com os custos de uma graduação norteamericana. Gladys reflete o porquê de nunca ter pensando em estudar no Brasil: Eu acho que a gente tem mais informação da Rússia que do Brasil. Agora eu não sei como está, mas na época que eu vim, apesar de ficar perto do Brasil, a gente não tinha muita informação, a não ser um pouco das novelas brasileiras que começavam a passar. Mas a gente não sabia o que vocês pensavam… A gente não tem… não chegava música brasileira… Português era muito mais desconhecido que inglês.. Então, tipo assim, apesar da proximidade, a gente não tinha muito proximidade… Não tinha muito conhecimento sobre a cultura daqui (do Brasil). Gladys. Gladys expressa a sensação que muitos outros estudantes também sentiram quando se viram diante da possibilidade de vir para o Brasil. A oportunidade pareceu boa, porém, eles refletiam que, mesmo o Brasil estando mais próximo 163 geograficamente do Peru que outros países, o português era mais desconhecido que o inglês e eles sabiam menos do Brasil do que da Rússia, Espanha ou Alemanha, importantes destinos para jovens estudantes peruanos. Entre os jovens peruanos que alimentavam o anseio de sair do país, estes são os quatro países mais mencionados como lugares para onde gostariam de morar. Enrique se recorda que desde pequeno, seu pai dizia que ele deveria sair do Peru. Ele gostaria que o filho fosse para a Rússia para viver uma experiência internacional e conviver com o socialismo de perto. O pai de Sofia também a incentivava a ir para Rússia, país onde ele e sua esposa, a mãe de Sofia, fizeram sua formação superior. Sofia gostava da ideia, mas quando decidiu sair do Peru para estudar, a Rússia estava numa condição econômica difícil e as bolsas que oferecia eram insuficientes para arcar com o custo de vida no país. Importante país na atração de imigrantes, os EUA eram a opção mais PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA popular entre os jovens peruanos. Alguns queriam ir para o país pelo contato prévio que já tinham com a cultura de massa americana, como os filmes, a moda, a comida e a música. Leyla, por exemplo, lembra que quando era pequena, enquanto seu pai escutava música clássica, seus irmãos escutavam rock em língua inglesa. Eles estudaram inglês desde criança e uma de suas irmãs gosta muito de vestir roupas de grandes marcas americanas, como Nike e Adidas. Além do contato com os EUA através da cultura de massa, alguns jovens pensaram em estudar lá porque já tinham parentes residindo em diferentes partes do país, como Gladys e Luis Fernando. Já a Alemanha era uma opção principalmente para os jovens das carreiras de Engenharia, que se impressionam com o nível de desenvolvimento do conhecimento que o país tem nessa área. Se tivesse que sair do Peru, Victor iria para a Alemanha. Como ele nunca chegou a ter um projeto concreto de ir para o exterior, nunca buscou oportunidades reais para ir para lá. Tomás também pensou em ir para a Alemanha, onde já tinha feito um intercâmbio de três meses quando estava no Ensino Secundário. Entretanto, quando decidiu fazer mestrado no exterior, preferiu ir para um país mais próximo do Peru. A Espanha também ocupava um lugar no mapa dos jovens peruanos que queriam sair do país, principalmente pelo idioma, por estar localizado na Europa e, em alguns casos, por já ter parentes ou amigos morando no país. 164 O Brasil passou a figurar no mapa dos jovens peruanos como um possível destino de duas maneiras: quando conheceram outros jovens que percorreram a mesma rota ou depois que conseguiram uma bolsa para o Brasil e não para os lugares preferidos. Guillermo, por exemplo, queria fazer mestrado na Rússia, porém, depois de esperar meses uma resposta do seu pedido de bolsa, desistiu da Rússia e aproveitou a bolsa que tinha recebido do Brasil. Victor, por outro lado, nunca tinha imaginado seriamente sair do país, mas foi convencido por um amigo com quem cursou a graduação que valia a pena ingressar no mestrado em Engenharia da PUC-RJ, assim como aconteceu com Eduardo24. Já Leyla se interessou em vir para o Brasil depois que teve um amigo brasileiro pela internet, que compartilhava com ela músicas brasileiras e a incentivou a visitar o país. Depois de uma viagem de passeio para o Rio de Janeiro e São Paulo, Leyla, que já tinha vontade de sair do Peru, começou a estudar português e decidiu solicitar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA uma bolsa pelo PEC-PG. Estes exemplos nos mostram que a escolha do destino é permeada por uma complexa gama de reflexões, em que entra em jogo a representação dos jovens sobre os países que consideram mais apropriado para empreender seus projetos. As opções de destinos têm como base o contato prévio que o futuro estudante tem com o país, seja visitando-o pessoalmente, seja através das representações difundidas pelos amigos, familiares, meios de comunicação e pelo universo acadêmico, quando ele ainda está no Peru. No caso de um destino ainda pouco conhecido entre os peruanos, como o Brasil, sua escolha foi construída principalmente através da rede de relações. Raros são os casos de jovens que escolhem o destino sem saber quase nada dele ou sem ter relação com pessoas conectadas com o país- como Gladys e o Enrique. Nestes dois casos, o que permitiu que a ideia de estudar no Brasil fizesse sentido foi o projeto de sair do Peru. 4.3.1 O país das novelas As novelas desempenharam um importante papel na construção de uma ideia de Brasil antes dos estudantes chegarem aqui. Elas começaram a ser transmitidas no Peru nos anos 1980 e conquistaram a audiência do público 24 Ver subitem 2.5. 165 peruano, já familiarizado com as novelas mexicanas. As novelas brasileiras surpreenderam os peruanos, primeiro por aproximá-los do Brasil, um país pouco conhecido pelo peruanos. Os arranha-céus de São Paulo, as belas praias do Rio de Janeiro, as largas avenidas das duas cidades mostravam aos peruanos um Brasil desenvolvido, próspero e moderno que valia a pena ser visitado. As novelas também surpreendiam por sua descontração, pelo senso de humor e pelas tramas que contavam. Para os peruanos, o estilo brasileiro de fazer novelas se diferencia do modelo mexicano, muito popular entre os países latino-americanos, pelo seu enredo mais leve e mais bem-humorado. As novelas se tornaram a "porta de entrada" do Peru para o Brasil. Elas foram o primeiro contato que muitos peruanos tiveram com o país, assumindo um relevante espaço na construção de uma representação de Brasil quando estes jovens ainda estavam no Peru. E esta representação de Brasil serviu como pano de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA fundo para a inserção dos jovens na vida cotidiana do Rio de Janeiro. Através das novelas, os peruanos entraram em contato com certas paisagens e determinados traços da cultura brasileira. Pensando na sua área de atuação, a música, Alejandro explica que foi no período de difusão das novelas que os peruanos começaram a ter mais contato com a música brasileira produzida no próprio país. Quando veio estudar Música na UFRJ, em 1993, ele descobriu uma gama de estilos e cantores brasileiros que ele não conhecia do Peru. Em compensação, ele conhecia cantores brasileiros que eram muito famosos no Peru e no exterior que os brasileiros desconheciam. Isto acontecia porque os elementos brasileiros com os quais Alejandro tinha contato chegava ao Peru através dos EUA: O pessoal (no Peru) conhecia muito mais Bossa Nova que outra coisa do Brasil. E acho que a Bossa Nova é o standard do Brasil no mundo (...); é como se fosse os EUA um espelho.. Ah, porque o Sinatra gravou Tom Jobim, então pronto: Todo mundo vai (conhecer bossa nova). E... tanto é que no Peru, quando eu cheguei aqui eu conhecia alguns brasileiros que não conheciam aqui. Me lembro de músicos, Tania Maria, uma pianista que morou na Europa, morou nos EUA também.. Era muuuuiiito famosa no Peru, mas entre os músicos (peruanos, mas não entre os brasileiros). As novelas desafiaram a mediação do Peru com o Brasil através dos EUA, estabelecendo um elo direto entre os dois países do Sul, sem interferência de um país do Norte. A presença dos EUA na relação Peru-Brasil restringia o acesso dos peruanos a diferentes elementos da cultura brasileira, que foi ampliado pela 166 difusão das novelas. Elas permitiram, por exemplo, que os peruanos tivessem acesso à produção musical brasileira que não estava antes disponível através dos EUA. Alejandro acredita que a abertura do mercado televisivo peruano para as novelas brasileira contribiu para despertar nos peruanos um maior interesse pelo Brasil: E uma coisa que abriu caminho para outras músicas foram as novelas lá. Porque as novelas foram, nessa época, dos anos 80, talvez, assim, melhor que qualquer rádio lá. Porque teve aquela novela, Vale Tudo25, por exemplo, todo mundo via!!!! ... até hoje, todo mundo pergunta: “que música é essa que era da Sucessora?”, que era Odeon (tan tan tantan).. Todo mundo adorava a música! As novelas se tornaram, assim, o "cartão de visitas" do Brasil no Peru, apresentando uma determinada representação do país. Douglas explica que antes de vir para o Brasil, as únicas imagens que ele tinha sobre o país era do carnaval, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA das praias e do futebol. Quando perguntado como ele construiu essa ideia, Douglas responde: Pela TV! E as novelas brasileiras.. A minha família adorava! A família toda assistia.. meus tios também.. Xica da Silva foi foda! Espetacular! (....) As novelas em Peru são que nem a novela das 8 daqui (...) e todo mundo tá em casa. Então, a família inteira jantava assistindo novela. ...hoje em dia, eu não assisto nada de novela. Mas, naquela época, quando a gente tava em família, tavam os irmãos (...), chegávamos em casa e conversávamos vendo novela.. Era legal! Apesar de não acompanhar mais novelas, Douglas reconhece que elas são importantes na sua história de vida, pois ele recorda como sua família se reunia diariamente para assisti-las. Mais do que um instrumento de diversão, as novelas se transformaram num momento de reunião de diversas famílias peruanas, não apenas a de Douglas. Assim como a dele, a família de Cristóban também tem nas novelas brasileiras um marco diário, momento em que todos param e se juntam em torno da televisão. Cristóban é um peruano que veio para o Brasil depois que se casou com uma brasileira - ele não chegou ao Rio de Janeiro como estudante. Das vezes que foi ao Peru, sua esposa ficou impressionada com a rotina da sua sogra. Ela, que é uma senhora com idade avançada, tem todo seu dia ocupado com tarefas domésticas: ela cozinha, arruma a casa, lava a louça. O único 25 O sucesso da novela "Vale Tudo" nos países hispânicos foi tão grande que foi gravada uma versão em espanhol da novela. Luis Fernando, que é ator, participou de Vale Todo, versão em espanhol de Vale Tudo. 167 momento do dia em que ela para de trabalhar é à noite, na hora da novela brasileira. Ela não perde nenhum capítulo de novela brasileira transmitida no horário noturno. Apesar das novelas continuarem a desempenhar um papel estratégico de aproximação do grande público peruano do Brasil, a ampliação do acesso a outros meios de comunicação possibilita que os interessados em saber mais sobre o Brasil possam realizar pesquisas em diferentes canais, sobretudo na internet. Nos anos 90, o contato entre o Brasil e o Peru ainda era extramente reduzido e a internet não era um meio de comunicação tão acessível como se tornou nos anos 2000. Gladys lembra que quando descobriu a possibilidade de conseguir uma bolsa para o Brasil, ela começou a se interessar em aprender mais sobre o país. Apesar do contato com as novelas, Gladys não sentia que este contato era suficiente para ter uma noção mais exata de como seria sua vida no Brasil. Por PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA isso, ela buscou mais informações na Embaixada e lá ela leia revistas, livros e jornais com a esperança de conhecer mais o Brasil antes de chegar. 4.3.2 O Brasil por trás das novelas Apesar de todo seu esforço prévio em saber mais do Brasil antes de vir, quando chegou no seu destino, Gladys sentiu que o Brasil que viu nas novelas e sobre o qual leu nos livros e revistas era muito diferente do Brasil que ela viveria. Assistindo as novelas, ela tinha a sensação de que o Brasil não era tão diferente assim do Peru. Porém, na sua experiência como estudante em universidades brasileiras constatou que o Brasil mostrado na novela não é exatamente o Brasil real, vivido por ela e pelos brasileiros: Gladys: (…) E como tava entrando aquele negócio das novelas, a gente vê que não uma cultura tão diferente. Mas depois eu vi que não era bem assim. Camila: As novelas te enganaram? Gladys: Não..não.. Assim.. é.. é porque é diferente! A novela é uma irrealidade. Quando chega aqui, a gente vê que é outra coisa. Não é questão de enganar não… Não fui enganada, mas acho que não te dá todo o suficiente pra você ter uma visão realmente. (…)Eu achava (o Brasil) assim: (o Brasil era) tal qual você vê na novela.. 168 Assim como os estudantes moçambicanos e guineenses têm nas novelas seu primeiro contato com o Brasil (Subuhana, 2005; 2006), os estudantes peruanos encontram nelas um meio privilegiado para imaginar como era o país onde morariam. O dia a dia no Rio de Janeiro fez com que eles percebessem uma grande distância entre o Brasil vivido e o Brasil assistido nas novelas, como analisou Gladys. Enquanto nas novelas o Brasil mostrado é quase exclusivamente o Rio de Janeiro e, somente suas áreas mais nobres, quando desembarcam no Rio, tanto os peruanos quanto moçambicanos e guineenses descobrem uma cidade que não aparece na novela, composta não apenas pela da Zona Sul, mas também pelas favelas, pela desigualdade entre a Zona Sul e a Zona Norte e entre as classes sociais. Ao contrário das novelas, no Brasil também há pessoas pobres que vivem PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA em bairros carentes, como no Peru, explica Eduardo: ... (o Rio de Janeiro) tem lugares bons, como a zona sul (...) mas também tem zonas como no Peru, que tem as zonas.. as vilas... Lá no Peru são o pólos pobres.. Antes eu achava que, pelas novelas (...) que no Rio só tem gente de muito dinheiro.. Na verdade, não é assim. Tem gente da classe b e tem gente da classe A... Eduardo. Eduardo nota que as novelas apresentam uma imagem seletiva do Brasil e do Rio de Janeiro, em que a pobreza não aparece. É esta a imagem que serve como pano de fundo para a construção de uma representação coletiva de Brasil pelos estudantes, sua família e amigos no Peru. Se, por um lado, as novelas oferecem uma aproximação do Brasil para os peruanos sem a mediação dos EUA, elas apresentam de uma imagem limitada do país, reduzido às zonas mais privilegiadas de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. À pergunta “qual era a ideia de Rio de Janeiro que você tinha antes de chegar?”, Tomás pondera: A imagem que a TV passa: uma cidade sem defeito, que tem de tudo, que é verdade. Quando você vem, você vê a realidade (...) É uma imagem mais cosmopolita. (...) uma imagem mais plástica. Não é como você morar esmo na cidade, conhecer as pessoas. Tipo, a imagem que a TV te vende é só a orla de Copacabana, Zona Sul e só isso que existe. Todo mundo é rico, todo mundo é gostoso, todo mundo é bonito.. Mas acho que isso acontece em tudo quanto é canto também. No meu país, se você vê a TV, algumas vezes você acha que todo mundo é branco lá. 169 Contudo, as novelas não encerram as possibilidades de imaginação que os jovens peruanos encontram para fazer do Brasil seu país de destino. Appadurai (1996; 2002) discute que a mídia de massa e a migração se configuram como espaços onde os indivíduos e grupos inserem o global em suas práticas e no seu modo de viver a modernidade. Ambas provocam a circulação de imagens que ligam a vida cotidiana a outros ‘mundos’. Enquanto a migração provoca mudanças territoriais, sociais e culturais na reprodução da identidade de grupo, a mídia, produz imagens e narrativas do mundo para um grande público, contribuindo para a construção de um “mundo imaginado”26 e uma visão sobre o outro. Enquanto as novelas transmitem determinadas imagens do Brasil para o Peru, tais imagens são confrontadas com aquelas difundidas por outros meios de imaginação e comunicação que os peruanos hoje têm acesso, desde internet até o convívio com outros peruanos que já estiveram no Brasil. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Appadurai analisa que, na sua fase globalizada, a modernidade presencia novas formas de organização social do tempo, do espaço, das finanças e das tecnologias, que estão intimamente associadas à maneira como as pessoas imaginam a elas mesmas e o mundo. De um lado, a imaginação se desvinculou do espaço da nação, através da ampliação global dos horizontes de possibilidades. Do outro, o local passa a ser permeado por novos significados, fundamental para a socialização do tempo e do espaço, categorias cruciais na construção de identificações entre pessoas e grupos. A imaginação conjuga pensamento e ação, indivíduo e coletividade e ocupa um lugar de extrema importância na relação entre o local e o global. Mais do que uma capacidade individual de pensar e refletir, Appadurai (1996) entende a imaginação como: "... um campo organizado de práticas sociais, uma forma de trabalho (...), e uma forma de negociação entre locais de agência (individual) e campos de possibilidade globalmente definidos.. A imaginação é agora central para todos as formas de 26 Appadurai (1996) discute que a imaginação tem a capacidade de criar uma “comunity of sentiment”. Os fluxos de pessoas e de imagens que caracterizam a globalização permitiram que pessoas espalhadas pelo mundo se identificassem umas com as outras na maneira de sentir e pensar. Portanto, elas já não se imaginam mais restritas a uma “comunidade imaginada” (Anderson, 1989), mas vivem hoje em “mundos imaginados”. Enquanto a “comunidade imaginada” esteve associada à construção de um sentimento nacional, os “mundos imaginados” possibilitam que uma mesma pessoa se sinta parte de diferentes “comunidades imaginadas”, sem que haja necessariamente uma associação com o Estado-nação. Os mundos imaginados são constituídos por imaginações historicamente situadas de pessoas e grupos espalhados pelo globo (p.33). 170 agência, é ela mesma um fato social, e um componente chave para a ordem social de agora27" (p.31). Portanto, a imaginação é um ato coletivo se materializa nas experiências cotidianas. Isto significa que a imaginação é o prelúdio de uma forma de expressão que pode se tornar o combustível da ação. No caso dos estudantes peruanos, a imaginação de como é o Brasil integrou o processo que culminou com a vinda deles para cá. Neste processo, as novelas não detêm o monopólio total sobre a construção de uma representação de Brasil, mas compartilham o espaço na imaginação com outros programas de TV, telejornais e filmes, e também com a internet e as informações transmitidas através das redes de relacionamentos. Nas viagens que fiz ao Peru desde que iniciei o projeto de doutorado, pude observar uma variação na reação dos peruanos que eu conhecia ao longo da viagem sobre o Brasil. No ano de 2011, o tema mais mencionado pelos peruanos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA quando descobriam que eu sou brasileira do Rio de Janeiro eram as favelas cariocas, cenário do filme americano “Velozes e Furiosos”. Uma pergunta recorrente era se as favelas eram muito perigosas e violentas. Outra pergunta que repetidas vezes me fizeram em 2011 foi como estava a situação econômica do Brasil depois no Lula. Naquele ano, eu cheguei ao Peru no dia do segundo turno das eleições presidenciais, em que venceu o candidato de esquerda Ollanta Humala. Os peruanos em geral tinham uma boa avaliação do Lula e esperavam que Humala optasse por um governo de negociação como o dele, e não de enfrentamento, como o de Chávez. Uma pergunta mais pragmática que também me faziam em 2011 era se o salário no Brasil eram alto e se os brasileiros “ganhavam bem”. Em 2012, quando participei de um congresso de antropologia em Puno, estive no Peru poucos dias e tive limitadas oportunidades de ter contato com a população local. Nesses raros momentos, fui abordada por um professor de Antropologia da Universidade Del Altiplano, que me contou que tinha o desejo de fazer doutorado no Brasil e pediu que eu o ajudasse. Numa loja de souvenires e instrumentos musicais no centro da cidade, um dos senhores que trabalhava lá me 27 “…an organized field of social practices, a form of work (…), and a form of negotiation between sites of agency (individual) and globally defined fields of possibility… The imagination is now central to all forms of agency, is itself a social fact, and is the key component of the now global order”. 171 disse que gostava muito de música brasileira, principalmente de Chico Buarque. Já nas viagens de 2013, o principal tema de conversa sobre o Brasil foi a Copa do mundo de 2014 e qual é o preço médio da hospedagem e da alimentação nas cidades-sede. Estes exemplos demonstram que a representação de Brasil no Peru tem se transformado ao longo dos últimos anos. O crescente destaque que o Brasil tem recebido no cenário internacional sendo, por exemplo, sede da Copa da Mundo e cenário de um famoso filme americano, amplia a curiosidade de muitos peruanos sobre o Brasil. Neste caso, o Norte continua fortemente presente na relação BrasilPeru. Além disso, a intensa presença de turistas brasileiros no Peru também tem colaborado para uma aproximação de brasileiros e peruanos 28. No campo da mobilidade estudantil internacional, muitos peruanos que estudaram no Brasil, quando voltam, compartilham da sua experiência com outros jovens, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA incentivando-os a também estudarem no país vizinho29. Com a expansão do acesso aos meios de comunicação de alta velocidade, este incentivo muitas vezes acontece quando o estudante ainda está no Brasil. Através das redes sociais, sites de relacionamento e emails, eles enviam informações, mensagens e fotos que incentivam seus amigos a estudar com eles. O despertar para o Brasil como um destino para estudar parece já não estar mais restrito às redes de amizade construídas através das universidades peruanas. Na visita que fiz a Huaraz, província com cerca de 117 mil habitantes30, localizado na Serra Norte do Peru, vi um cartaz que me chamou a atenção: 28 A peruana Sandra, sobre quem falamos no capítulo 3, veio para o Brasil nos anos 1990 a convite de uma brasileira que conheceu em Cusco, sua terra natal. Sandra e sua mãe tinham uma loja de souvenirs no centro de cidade e um dia, uma turista brasileira, admirada com a beleza dos produtos, convidou a duas para vir ao Brasil. O caso de Sandra é emblemático pois a turista brasileira exerceu um papel fundamental na sua decisão de vir para o Brasil, oferecendo-lhe moradia nos primeiros dias no país e ajudando-lhe a vender o produtos trazidos de Cusco. Mesmo a turismo sendo uma tipo de mobilidade diferente da imigração, neste caso, ele foi o primeiro contato que tornou a imigração de Sandra possível. 29 Pelo facebook, conheci um peruano que estudou na Universidade Federal do Mato Grosso e, quando terminou sua graduação, abriu um curso de português em Tacna, sua cidade natal. Agora, ele oferece cursos preparatórios para a realização do exame CELPE-Bras, exame de proficiência de português para estrangeiros exigido para se candidatar aos PEC`s. 30 Segundo estimativa do INEI (2012), Huaraz está em vigéssimo primeiro lugar na lista de províncias com maior população. http://www.inei.gob.pe/biblioineipub/bancopub/Est/Lib1032/libro.pdf PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 172 Figura 2 Anúncio de curso de Português no mural de classificados localizado no centro de Huaraz, Ancash. Abril de 2012. Arcevo pessoal. 173 No cartaz, a maioria dos argumentos para estimular os peruanos de Huaraz a aprender Português gira em torno do estudo. Aprendendo português, eles poderão aproveitar as oportunidades de estudo no Brasil, que oferece 140 opções de carreiras em 65 universidades. Além da diversidade de carreiras disponíveis, o cartaz também anuncia que o Brasil oferece bolsas, citando o caso dos alunos de graduação da UNILA. Segundo o cartaz, 60 pessoas foram contempladas com bolsa para estudar na instituição em 2012. Douglas, que nasceu e cresceu na região de Huaraz, se surpreendeu quando eu contei que encontrei este anúncio no mural de classificados do centro da cidade. Ele disse que em cidade grandes, como Lima e Arequipa, há vários cursos de português, mas ele nunca imaginou que em Huaraz já existissem pessoas interessadas em aprender o idioma. Este cartaz pode ser um sinal de que o Brasil já não é país tão simbolicamente distante PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA dos peruanos como no período em que muitos estudantes, como Douglas, vieram para cá. Não podemos deixar de considerar a importância do governo Lula na construção de uma representação de Brasil para além das novelas. Durante seu governo, o país ampliou sua atuação nos países do hemisfério sul. Mais que isso, a própria origem do ex-presidente, um ex-sindicalista, pertencente a um partido de origem trabalhadora serviu de inspiração para peruanos como Guadalupe vir para o Brasil. Ela nunca quis sair do Peru, mas gostou da ideia de vir para o Brasil, um país que ela acreditava que era governando segundo um regime socialista. Estes sinais indicam que, para além da novela, cada vez mais novos espaços de construção de múltiplas imagens de Brasil estão sendo construídos no Peru. Cada vez mais, os peruanos podem avaliar de uma maneira mais complexa e profunda os prós e contras de estudar no Brasil quando ainda estão no Peru. 174 4.3.3 Praia, futebol e carnaval?: imagens do Rio de Janeiro Assim como as experiências vividas pelos jovens no Peru foram fundamentais para que decidissem sair do país para estudar, ter o Brasil como destino esteve alicerçado em diversos elementos, entre eles a ideia de Brasil que eles tinham. Como vimos no ponto anterior, os meios de comunicação de massa exerceram um papel de suma importância neste processo, pois foi através deles que muitos dos jovens peruanos tiveram seu primeiro contato com o Brasil. Nesta construção de uma imagem de Brasil, as novelas foram fundamentais ao aproximar o público peruano de paisagens cariocas, como as praias de Copacabana, Ipanema e Leblon, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar e os belos dias de sol da Zona Sul carioca. Além da praia e do sol, o Brasil é associado ao PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA carnaval, ao samba e ao futebol. Sofia explica que é esta a imagem de Brasil que a mídia oferece: um estereótipo que não representa a realidade. Antes de chegar aqui, ela mesma tinha essa ideia: A minha imagem do Brasil era a que todo mundo tem infelizmente, o estereótipo: samba, futebol e mulheres… e carnaval... É a mídia que… a mesma mídia daqui do Brasil, que eles dão essa imagem: futebol e carnaval. Sofia. A estudante esclarece que os estereótipos são uma tentativa de compreender o que não se conhece, desenvolvida principalmente através das informações fornecidas pela mídia. Sua explanação se aproxima da de Mcdonald (apud Rezende, 2009) que explica que o estereótipo é uma construção social elaborada a partir do contato entre diferentes sistemas de classificação. Como forma de atribuir uma ordem à imprevisibilidade do encontro entre categorias desses diferentes sistemas de classificação, os estereótipos atribuem um lugar para aquilo que não se sabe como classificar. Da Mata (apud Velho, 1978) afirma que, nas sociedades complexas, a diversidade que ela abarca está organizada segundo uma hierarquização das categorias sociais. Através dos estereótipos, cada categoria tem seu lugar definido na hierarquia social que organiza e mapeia a realidade. No caso da imagem de Brasil que os jovens peruanos tinham antes de chegar, o estereótipo se configura como uma visão limitada e parcial do Brasil, 175 mas que se supõe geral e imparcial. As informações e imagens veiculadas pelos meios de comunicação são incapazes de apresentar e representar toda realidade brasileira, mas apenas uma pequena parte dela. Determinadas imagens se tornam estereótipos quando, ao mostrar apenas uma parte realidade, se supõe que ela é o todo, a realidade por completo. Osvaldo e Eduardo reconhecem que não sabiam muito sobre o Brasil antes de chegar. Assim como Sofia, a principal ideia que eles tinham era do Brasil como o país do futebol e do carnaval, sem ter uma noção exata sobre as diferenças regionais que o país abarca: Brasil é carnaval, Brasil é praia (…) mas, não tinha uma ideia clara de que: Rio é praia e São Paulo… Não: pra mim era tudo essa ideia. Eu vim quase sem saber muito bem das características particulares do Rio de Janeiro. Osvaldo. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Carnaval! Brasil, a gente tem a ideia de um país que sempre ganha as copas do mundo.. Um país melhor nos esportes. (...) A gente acha que todo mundo jogo futebol.. (...) Tem a ideia do futebol, do carnaval... Eu estava muito contente de vir para o Rio, porque o Rio exporta o carnaval.. Eduardo. Carnaval, futebol e praia são as palavras mais repetidas pelos estudantes peruanos quando explicam a ideia de Brasil tinham antes de chegar. Uma característica de extrema relevância nesta imagem do país no exterior é a relação entre praia, carnaval e um elemento que está implícito nesta relação: a mulher. Ambos, a praia e o carnaval, carregam uma conotação de sensualidade associada ao um estereótipo de mulher brasileira: aquela que dança de maneira voluptuosa no carnaval, vestindo pouca- ou nenhuma- roupa, desfilando de biquíni na beira da praia. A partir desta ideia, a mulher brasileira é imaginada como mais aberta, liberal e, em última instância mais "fácil"31 e mais disponível para relações amorosos e sexuais efêmeras que as peruanas. O Rio de Janeiro é, portanto, a cidade que mais se aproxima da ideia de Brasil que os estudantes peruanos tinham antes de chegar. A escolha da cidade esteve permeada tanto por fatores objetivos, como ter conquistado uma bolsa de estudos numa universidade na cidade, como por fatores intersubjetivos, como a imagem do Rio de Janeiro como cidade mais representativa do Brasil. Luis Fernando tinha o plano de ir para a USP, mas não tinha vaga para lá. A vaga que 31 Um exemplo disso é o imaginário construído em torno da mulata. Sobre este debate ver Giacomini (1994; 2006). 176 conseguiu foi para o Rio de Janeiro. Quando soube do resultado, ficou feliz de ir para uma cidade conhecida: Eu tinha escolhido USP! …Mas aí, quando eu vi que outras pessoas eram mandadas pro Acre, pra… sei lá, Sergipe.. Que eu nunca tinha ouvido falar!!!! Eu preferi o Rio de Janeiro!!! Inclusive, a moça (da embaixada) disse: "quem quiser trocar pode chegar aqui na mesa pra ver se a gente consegue remanejar as vagas". Eu fiquei quieto, (…) porque eu tava sendo mandado pro Rio de Janeiro! Não um lugar desconhecido! Luis Fernando. Um caso interessante é o de Antonio32 que veio estudar no Brasil nos anos 60. Ao ser enviado para a cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul, solicitou a mudança de universidade para uma no Rio de Janeiro. A cidade gaúcha era muito fria e muito distante da ideia de Brasil que ele tinha: um país tropical, ensolarado e praiano. Antonio conseguiu ser transferido para a UFRRJ, em Seropédica. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA A difusão da ideia do Brasil como um país tropical e do Rio de Janeiro como seu "cartão postal" não está restrita às novelas e aos meios de comunicação de massa. Em 2011, quando tentei contato telefônico Embaixada do Brasil no Peru, fui surpreendida com as canções de espera: um dia, aguardei o atendimento ao som de “Garota de Ipanema”; noutro, ao som de “País Tropical” (ver a letra das canção anexo 8). As duas canções retratam o Brasil e o Rio de Janeiro pela beleza da mulher, a praia e o futebol, elementos que corroboram com os tradicionais estereótipos de Brasil. Uma percepção recorrente entre os estudantes peruanos é de que o Rio de Janeiro é uma cidade de grandes belezas naturais. Esta ideia que eles tinham antes de chegar, se confirmam quando vivem na cidade. A orla, o encontro da montanha com o mar e a vegetação são elementos que somados aos grandes prédios e avenidas marcam a cidade de maneira peculiar, numa junção de natureza e urbanização. Muitos peruanos, como Virgilio e Douglas, ressaltam que um aspecto que dá ao Rio uma beleza especial é a vegetação, espalhada por todas as partes da cidade. Renato e Rúben concordam que a paisagem do Rio tem uma graça que eles nunca tinham visto antes. O peruano Victor Mory, em entrevista ao programa de televisão Passagem 33 Para 32 33 explica que as paisagens em cidades costeiras peruanas, como Lima, são Ver capítulo 3. Produção do Canal Futura: http://www.youtube.com/watch?v=W2gJFQqAU-E. 177 muito áridas. Lima é uma cidade construída num deserto, por isso, nenhuma vegetação cresce naturalmente na cidade. Todos os jardins que existem lá são regados regularmente, caso contrário, terão uma vida breve. Além disso, em Lima, os dias são quase sempre nublados. Raros são os dias ensolarados. Em outras partes do Peru, como a Serra, há paisagens muito bonitas e intenso sol durante o dia, porém muito diferentes das paisagens do Rio de Janeiro. Por isso, tanto os peruanos da Costa quanto os da Serra, se encantam com as paisagens cariocas, que Rúben e Renato resumem em duas palavras: “un paraíso”. Néstor concorda: "Rio tem bastante vegetação, tem mar... Ao contrario de Lima, que é cinzenta. Rio PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA é um paraíso! Rio é o melhor que me poderia ter acontecido". 5 O cotidiano no Rio de Janeiro A cidade do Rio de Janeiro fascina os estudantes por sua exuberante beleza natural. Mas a cidade também oferece grandes desafios. Antes de chegar, os estudantes construíram uma série de expectativas de como seria sua vida no Rio de Janeiro, a partir das representações de Brasil que tiveram acesso através das novelas, da internet e de amigos. Tais expectativas serviram como base para sua primeira inserção na cidade. Quando chegam aqui, eles precisam lidar com todos os aspectos que entram em jogo quando se vive no exterior: aprender um novo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA idioma, se adaptar ao sistema de ensino brasileiro, compreender as formas de sociabilidade de brasileiros e cariocas, aprender a se locomover pela cidade. Na sua experiência de vida no exterior, os jovens peruanos encontrarão a oportunidade de comparar o Brasil imaginado com o Brasil vivido no cotidiano e assim, como atores que agem reflexivamente (Giddens, 1989), poderão avaliar as proximidades e distâncias entre os dois Brasis. Os brasileiros participam ativamente deste processo. Será na interação entre eles e os peruanos, a partir das representações que cada um elabora sobre si e o outro, que estudar no Brasil será vivido como uma experiência migratória. Neste capítulo, analisaremos a maneiras como os estudantes no Rio de Janeiro lidam com alguns aspectos da vida prática, mais especificamente como eles encontram um lugar para morar, escolhem o que comer e como se alimentar, se relacionam com os brasileiros e com a Polícia Federal, órgão responsável por tratar de assuntos relacionados aos estrangeiros no Brasil. Combinando uma descrição das práticas dos estudantes com a opinião que eles declaram sobre as mesmas, este capítulo se propõe a mostrar que é na vida cotidiana, lidando com questões de ordem prática que os peruanos percebem que determinados costumes que eles viviam como naturais no Peru, não são compreendidas pelos brasileiros que, por sua vez, têm outros costumes. É no encontro entre os seus "costumes naturalizados" e os dos brasileiros que os estudantes se deparam com a possibilidade de viver uma experiência migratória. 179 5.1 Moradia A escolha do lugar de moradia tem como tendência estar próximo à universidade onde o estudante terá aulas. Esta decisão é tomada visando diminuir o tempo de deslocamento e os custos com transporte. Para grande parte dos peruanos que ainda são estudantes, a universidade é o local onde passam a maior parte do tempo- onde assistem aulas, fazem pesquisas, realizam suas refeições e também onde muitos passam o tempo livre-, por isso, eles preferem estar perto dela. Apenas os estudantes da UFRJ que têm aula e fazem pesquisa no campus Fundão não seguem esta tendência, uma vez que este campus numa região pouco povoada, afastada de áreas residenciais e/ou comerciais. Entre os estudantes, há um predomínio de pessoas que residem em bairros da Zona Sul carioca ou no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA bairro da Ilha do Governador, na zona norte. Os estudantes da UFRJ que participaram da pesquisa preferem morar na Zona Sul para estar mais próximos das opções de lazer que a cidade oferece. Leyla chegou a morar na Ilha do Governador, bairro próximo ao Fundão, assim que chegou ao Rio de Janeiro, mas se sentia isolada, principalmente nos fins de semana, pois o bairro fica distante das áreas mais turísticas da cidade, por onde ela gostaria de passear. Logo nos seus primeiros meses no Rio, ela se mudou para a Zona Sul, de onde não tem planos de sair. Apesar da locomoção até o local de estudo e pesquisa ser um ponto importante na escolha da moradia, outras questões também são levadas em conta, como a distância da moradia da praia e de locais de lazer, supermercados, o acesso ao transporte público, etc. A maioria dos estudantes de pós-graduação da PUC-RJ, por exemplo, moram na Gávea e se dividem principalmente entre dois locais de moradia: o Minhocão e o Parque da Cidade. O Minhocão é um conjunto habitacional localizado ao lado da universidade. Nele moram muitos estudantes da PUC-RJ, não apenas peruanos. Eles geralmente alugam uma vaga nos apartamentos do conjunto, dividindo a moradia com outros. Atualmente, uma vaga no Minhocão custa em torno de R$ 500 e cada quarto é dividido entre dois ou três estudantes. O Parque da Cidade é uma favela localizada nas proximidades da PUC-RJ. Entre os que moram lá, há os que dividem a moradia, quase sempre com outros peruanos, e também os que optam por morar sozinhos. Muitos estudantes 180 peruanos consideram mais vantajoso morar no Parque da Cidade por ter mais autonomia sobre a moradia. Enquanto no Minhocão o estudante aluga apenas uma vaga dentro de um apartamento compartilhado com outras pessoas e administrado por um terceiro, no Parque da Cidade são eles os locatários e, como tais, podem escolher com quem dividirão a casa. Atualmente, o aluguel de uma casa com 3 cômodos (cozinha, banheiro e quarto) está em torno de R$600. Uma peculiaridade no Parque da Cidade é que o sistema de locação de imóveis é informal, o que isenta os estudantes de assumir as regras de um contrato formal, como ter um fiador. Encontrar o proprietário de um imóvel no Rio de Janeiro disposto a ser fiador de um estudante estrangeiro recém-chegado pode ser uma tarefa complicada, sobretudo quando ele ainda não tem conhecidos na cidade ou está inserido numa rede composta quase que exclusivamente de outros PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA estudantes peruanos, como é o caso da grande maioria estudantes peruanos da PUC-RJ. Morar numa favela carioca não estava nos planos de nenhum dos estudantes da PUC-RJ. Alguns deles cresceram nos conos ou villas1, mas eles percebem uma grande diferença deles para as favelas: o tamanho das casas. Mesmo aqueles que moravam nos conos antes de vir para o Rio de Janeiro se surpreendem com o tipo de moradia onde se veem obrigados a residir no Parque da Cidade. Solange comenta que todas as casas nos conos são muito espaçosas. Todas têm quartos amplos, uma sala grande e um quintal muito extenso, onde, às vezes, se cria alguns animais para consumo próprio. Guadalupe também cresceu num cono. Ela se recorda que no grande quintal que tinha a casa, seu pai construiu vários brinquedos para que ela e seus irmãos não precisassem sair de casa para de divertir. Ela lembra que o quintal era tão grande que ela nem sentia vontade de brincar na rua. Assim que chegou ao Rio, Solange morou numa casa no Parque da Cidade, composta de três cômodos pequenos: um banheiro, uma cozinha e um quarto, que dividia com mais três peruanos. O amigo que a convidou para estudar na PUC-RJ já havia alertado sobre as condições de vida dos estudantes de pós-graduação, mas Solange sentiu que a situação era mais precária do que ela imaginou: 1 Ver capítulo 3. 181 Ele (meu amigo) me dizia que a vida aqui, para os peruanos pelo menos, é um pouco difícil, porque tinha que viver em casa assim, com várias pessoas, dividindo os gastos... Imaginei que seria assim: viver num quarto, numa casa com várias pessoas. Nunca pensei que seria tão pequeno! Mas tem outros que moram com 6, 5... Inclusive dizem que tem repúblicas onde vivem até 10 (pessoas)2. Solange. Hoje, Solange mora sozinha, mas ainda com pouco espaço, o que, lhe dá a sensação de que não tem qualidade de vida no Brasil. Além da falta de espaço em comparação com as casas peruanas, os peruanos que moram no Parque da Cidade enfrentam ainda alguns inconvenientes, como as frequentes faltas d'água. Quando tal acontece, uma opção é passar o máximo de tempo possível usufruindo das instalações da universidade e do laboratório de pesquisa. Em caso de falta d'água para tomar banho, a solução encontrada por alguns é tomar banho no vestiário do ginásio da PUC-RJ. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA A maioria dos estudantes que mora no Minhocão e no Parque da Cidade tem em comum o fato de terem a bolsa sua única fonte de renda. Grande parte deles são oriundos das classes populares peruanas e decidiram ingressar no mestrado e no doutorado depois de terminar a universidade pública no Peru. Alguns já tiveram experiência prévia de trabalho e voltar a ser um estudante significa uma queda brusca em seus rendimentos. Tal situação é agravada pelo altíssimo custo de vida do Rio de Janeiro, principalmente se comparado com o custo de vida das cidades peruanas. Os estudantes se deparam com uma difícil realidade: eles têm uma renda menor e um custo de vida muito mais elevado do que antes. Assim, a experiência de ser um estudante no Rio de Janeiro é acompanhada pela percepção de que estão sofrendo uma deterioração da sua qualidade de vida. O que alivia tal percepção é a expectativa de que um diploma brasileiro abrirá novas oportunidades no Peru, no Brasil e no mundo. A dificuldade de pagar uma moradia com o que recebe de bolsa não é uma dificuldade apenas para os estudantes da PUC-RJ. Os peruanos que estudam em outras universidades também se deparam com a mesma dificuldade, principalmente quando não contam com uma poupança ou outra renda- oriunda de 2 Él (mi amigo) me decía que la vida acá para los peruanos, al menos, es un poco dificil porque tenía que vivir en casas asi con várias personas, compartiendo los gastos.. Imaginé que seria asi, vivir en un cuarto, en una casa con várias personas. Jamais pensé que seria tan pequeño! Mas hay otros que moram entre 6, 5... Incluso dicen que hay republicas donde viven hasta 10 (personas). 182 projetos, por exemplo-, além da bolsa. A solução para diminuir os custos é a mesma empreendida pelos estudantes da PUC-RJ: dividir a moradia. O Parque da Cidade não é a única favela onde moram estudantes estrangeiros, incluindo peruanos. Recentemente, uma das entrevistadas se mudou para a favela Tavares Bastos, no Catete, a convite de uma amiga alemã, que já mora no local há mais tempo. Outra peruana estava pensando em morar no Pavão Pavãozinho com suas amigas mexicanas que vieram cursar pós-doutorado no Rio de Janeiro. Ela tem outras amigas estrangeiras que moram nas favelas Chácara do Céu e na Pereira e Silva. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 5.2 A comida é lembrança Para os peruanos, a comida é parte fundamental de sua vida social. Mais do que um meio para suprir as necessidades físicas do corpo, a comida se configura como um importante elemento na socialização dos peruanos. O reconhecimento internacional que a culinária peruana alcançou tem permitido que cada vez mais pessoas de diferentes países apreciem a diversidade que ela tem para oferecer, o que deixa os peruanos muito orgulhosos. Um indício de tamanha notoriedade da culinária peruana eu tenho percebido quando comento em determinados círculos sociais sobre o meu tema de doutorado. Entre as camadas médias intelectualizadas do Rio de Janeiro, quando menciono que minha pesquisa é sobre a experiência migratória de estudantes peruanos no Rio de Janeiro, é muito comum as pessoas tecerem elogios à culinária peruana, especialmente ao ceviche. Este prato peruano se tornou muito popular no Rio Janeiro, sendo incluído nos cardápios de muitos restaurantes, principalmente os de comida japonesa. Apesar da popularidade do ceviche, a culinária peruana não se limita a ele. E os estudantes peruanos lembram disso no seu dia a dia. A comida é um dos pontos centrais de contraste entre o Peru e o Brasil de mais difícil adaptação para os estudantes. Eles são categóricas em reclamar da comida brasileira por ter não a variedade de sabores que a peruana tem. Enquanto no Peru, eles tinham o hábito de comer um tipo de prato diferente a cada dia da semana, aqui no Brasil, eles se 183 veem obrigados a comer arroz e feijão todos os dias. A sensação de obrigação está presente especialmente entre aqueles que fazem suas refeições nos restaurantes universitários. Neles, as refeições geralmente são mais baratas que em outros restaurantes, porém as opções do que comer costumam ser mais limitadas. No bandejão3 da PUC-RJ, quando o tema de conversa é comida, as reclamações são constantes. Os peruanos reclamam da qualidade da comida, das opções restritas e, principalmente, da insistente presença do feijão. Douglas lembra que quando era estudante, o bandejão era bem pior: as opções eram ainda mais limitadas, não havia saladas e a comida tinha um sabor menos agradável. Para Douglas, que tem uma visão retrospectiva do bandejão, atualmente ele está muito melhor do que antes, transparecendo sua percepção de que os peruanos que chegaram mais recentemente exageram nas críticas. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Guadalupe sempre reclama da comida do bandejão para suas colegas brasileiras, que respondem que a comida de lá não pode ser de parâmetro de como é a “verdadeira” comida brasileira. Elas afirmam que a culinária brasileira é composta por uma variedade de pratos muito saborosos e que o bandejão oferece apenas pratos mais simples. Elas reforçam que, para Guadalupe conhecer a comida brasileira "de verdade", ela tem que comer na casa de um brasileiro, que prepare um prato mais elaborado, com mais refinamento. Guadalupe gosta da ideia, porém completa: “elas me dizem que eu tenho que comer na casa de alguém, mas ninguém me chama para comer na sua casa!”. Uma característica dos almoços e jantares no Peru é que eles são comumente compostos por uma entrada, o prato principal, uma sobremesa e uma bebida. A entrada pode ser uma sopa ou uma pequena porção de algum prato à base de batata ou similares. O prato principal é geralmente algum prato à base de carne, servido em generosas quantidades. A bebida que acompanha a refeição pode ser fria, como um refresco ou uma chicha morada4, ou quente, como chá. Mesmo nos restaurantes mais populares, é muito usual eles servirem o menu completo, que é a combinação dos itens citados acima. A sopa é um dos itens que os estudantes mais reclamam a ausência cotidiana. 3 4 Bandejão é o apelido que recebe o restaurante universitário da PUC-RJ. Bebida feita a partir do milho roxo. 184 A preferência dos estudantes pela comida peruana não se deve exclusivamente à maneira como ela é preparada, pela qualidade dos ingredientes, pela combinação de temperos ou pelo tamanho das porções. Todos estes aspectos são diferentes na comida peruana e na brasileira. Entretanto, para além de suas características objetivas, a comida peruana é a preferida pelos estudantes por sua capacidade de ativar uma memória afetiva através do paladar. Mais do que um alimento, a comida peruana representa um conjunto de relações interpessoais das quais os estudantes estão privados quando no exterior. Como um costume que se ancora na emoção, a comida peruana remete às reuniões em família, aos tradicionais almoços de domingo e à um estilo de sociabilidade em que ela ocupa o papel central, como explica Alejandro. Ele conta que, no Peru, qualquer tipo de encontro entre amigos e familiares tem que ser acompanhado de generosas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA porções de comida. A comida também foi um importante elemento no meu processo de envolvimento com os estudantes. O fato de gostar da comida peruana me garantiu muitos convites para participar de refeições, principalmente no restaurante peruano em Copacabana. Nas viagens que fiz ao Peru, Argentina e Chile, sempre trouxe comigo temperos peruanos que não são vendidos no Rio de Janeiro para presentear alguns amigos mais próximos. Agradecidos, alguns deles me convidavam para comer os pratos que eles preparavam com o tempero com o qual foram presenteados. Os estudantes sentem muita falta da comida peruana, por isso, muitos se esforçam para aprender a cozinhar seus pratos favoritos. Também é muito comum eles terem guardados em casa os temperos necessários para preparar comida peruana que não são vendidos no Rio de Janeiro. Todas as vezes que viajam, eles trazem os temperos em grandes quantidades, para armazenar até sua próxima viagem ao Peru. Se os temperos terminarem antes, os estudantes costumam pedir aos amigos para trazer mais. Por mais que se esforcem para cozinhar comida peruana no Rio de Janeiro, os estudantes conservam certa nostalgia por ela. Uma prova da relevância que a comida ocupa na experiência de vida dos estudantes peruanos é que todos eles falam dela quando perguntados “Você sente falta do Peru? De quê?”: 185 ...família e comida. Os duas coisas se misturam. A comida é lembrança. O cheiro da comida, do mercado de algumas frutas... Juan. Cara, eu vejo um prato de comida peruana, eu volto pra minha infância! Eu volto pra algum momento que eu tive lá, entendeu? Eu me lembro.. o ceviche eu me lembro comendo com meus tios que.. meus tios sempre levavam.. Eu me lembro assim! Parece que eu to vivendo aquele momento! Cada comida assim me lembra algum momento lá… alguma coisa.. A mesma coisa a música! Então, as duas me trazem uma lembrança.. É muito mais do que comida, do que prazer: “ah que gostoso”! É lembrança mesmo! Sabe, assim.. pra mim é muito profundo isso.. muito forte! Gladys O significado que a comida assume para os estudantes está na sua capacidade de fazê-los relembrar um passado vivido no país de origem, em especial, aquele compartilhado com a família. Mais do que oferecer prazer aos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA paladares, a comida peruana reativa lembranças e mobiliza sentimentos que, em muitos casos, levam à autorreflexão. Guadalupe, por exemplo, reflete que ela só começou a valorizar a comida peruana, especialmente a feita por sua mãe, no Rio de Janeiro. Ela vai ao Peru pelo menos duas vezes ao ano, porque não aguenta passar muito tempo sem comer a comida que sua mãe prepara. Ela lembra que, antes de vir ao Brasil, às vezes sua mãe preparava o jantar e ela, com descaso, dizia que não queria comer. Ela hoje percebe o quanto a sua mãe se esforçava para agradá-la e lamenta não ter valorizado a comida e a dedicação de sua mãe antes. Mas, Guadalupe se alegra de ter vindo para o Brasil e, através do afastamento e da falta que sente de sua família, ter aprendido a dar mais valor e à sua mãe à comida que ela prepara. 5.2.1 Feijão é só segunda! Sofia se lembra que, quando chegou ao Rio, costumava comprar refeições para almoçar na universidade quando estava no seu laboratório de pesquisa. Todos os dias, o feijão compunha seu prato, o que provocou nela uma inicial repulsa. ..eu odiava feijão! Eu ODIAVA! Ainda porque, quando eu comecei tinha um refeitório (…) que o prato mais barato era o PF, que era o prato feito. E era arroz, 186 feijão, carne; carne, feijão, arroz; feijão, carne, arroz… Uma coisa assim.. Todo dia! O feijão é um alimento indigesto para muitos peruanos. O seu consumo rotineiro não é um hábito no Peru, ao contrário do arroz, que faz parte de muitos pratos tradicionais. Não são apenas os peruanos que estranham a presença diária do feijão nos pratos brasileiros. Em sua pesquisa com sul-americanos em São Paulo, Young (2007) também encontrou entre eles um estranhamento diante do hábito brasileiro de comer feijão todos os dias. Para alguns deles, o feijão não apenas é um alimento que não se costuma comer cotidianamente no país de origem, como ainda está associado à pobreza. Por isso, comer feijão todo dia no Brasil tem uma conotação pejorativa, que remete a seu próprio empobrecimento. Eduardo explica que seu estranhamento com os hábitos alimentares PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA brasileiros não vem do fato do feijão fazer parte da dieta do país, mas dele ser consumido diariamente. Ele conta que é costume no Peru que em cada dia da semana se coma um tipo de prato diferente. Lá também se come feijão, mas não todos os dias: .. A comida no Peru é bem diferente. No Peru, ninguém vai almoçar todo dia feijão. Um dia, a segunda, é sempre feijão. Segunda é tradição(comer) feijão. Eduardo. O estudante esclarece que o feijão que se tem o hábito de comer às segundas-feiras no Peru não é o mesmo que aqui, mas é a lentilha5. Apesar de Eduardo afirmar que os feijão- na verdade, a lentilha- é o alimento que se come nas casas peruanas às segundas-feiras, nem todos peruanos compartilham ou mesmo conhecem esse hábito. Certa vez, conversando com um amigo peruano de Lima, perguntei sobre o costume peruano de comer feijão às segundas-feiras. Ele me disse que nunca tinha ouvido falar nisso. Talvez, este não seja um hábito em Ancash, onde Eduardo nasceu e crescer. Ou então, meu amigo não entendeu que o feijão que Eduardo se referia era, na verdade, lentilha. Quando chegou ao Brasil, Ricardo também achava estranho o hábito de comer feijão cotidianamente. Mas, depois de 7 anos no país, ele não apenas se 5 Certa vez, conversando com um amigo peruano de Lima, perguntei sobre o hábito peruano de comer feijão às segundas-feiras. Ele me disse que esse hábito é completamente desconhecido para ele. Talvez, este não seja um hábito compartilhado por todas as regiões do Peru ou ele não entendeu que o feijão, na verdade, era lentilha. 187 acostumou, mas aprendeu a gostar do feijão. Seu gosto pelo feijão brasileiro é tamanho que quando passa muito tempo no Peru sente falta do alimento. Uma vez, o convidei para almoçar na minha casa e ele elogiou muito o feijão que preparei, com o caldo grosso. Apesar do seu choque inicial com o feijão, Sofia também se acostumou com ele. Hoje, ela se diz "viciada em feijão". 5.2.2 Do mercado ao (super)mercado O estranhamento que os estudantes peruanos sentem em relação à comida brasileira não se restringe ao hábito de comer feijão diariamente. Um aspecto da cultura alimentar brasileira que incomoda os peruanos é o fato de não existir no Rio de Janeiro tantos mercados como no Peru. Os mercados peruanos são espaços PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA onde são vendidos principalmente gêneros alimentícios principalmente legumes, verduras e carnes. Eles se assemelham às feiras livres do Rio de Janeiro pelo tipo de comida que comercializam. No entanto, enquanto as feiras são temporárias, com um dia e horário marcado para acontecer, os mercados funcionam regularmente, todos os dias da semana, num local fixo. Dentro dele, cada comerciante tem um stand onde vende seus artigos. Para os estudantes peruanos, é estranho não encontrarem mercados nas áreas do Rio de Janeiro por onde circulam, mas apenas supermercados. Para eles, o mercado é onde se pode comprar comida mais fresca, principalmente as carnes. Nos supermercados, ao contrário, predominam artigos alimentícios industrializados, conservados à base de produtos químicos ou por resfriamento. Teresa, brasileira que se casou um ex-colega de mestrado peruano e mora no Peru há mais de 10 anos, lembra como era incômodo para ela fazer as compras no mercado. Ela, que sempre residiu em bairros de classe média de Lima, explica que era um hábito para seu marido e sua família fazer compras no mercado. Ela, entretanto, prefere ir ao supermercado que lhe parece mais organizado e salubre. Sofia concorda que muitos mercados peruanos carecem de higiene, por isso, ela prefere as feiras livres cariocas, onde pode saborear o pastel com caldo de cana sem temer ser contaminada. Solange, por outro lado, se surpreendeu quando percebeu que no Rio de Janeiro o principal local onde as pessoas compram comida é o supermercado. “É 188 tudo congelado”, ela analisa. Ela imaginava que comprar comida em supermercado era um hábito comum apenas na Zona Sul, onde ela mora, pois é uma área da cidade onde predomina pessoas “acomodadas”, aquelas com alto poder aquisitivo. Quando contei para ela que eu sempre morei em bairros de classe média baixa da Zona Norte carioca e que lá também o costume é comprar comida nos supermercados, ela se assustou, lamentando que os brasileiros não comam a comida fresca dos mercados peruanos. Além da surpresa por não encontrar mercados como os peruanos, os estudantes peruanos se assustam com o preço da comida no Rio de Janeiro. Na sua percepção, os supermercados além de não venderem comida fresca, ainda cobram muito caro pelo que vendem. As feiras são uma opção mais semelhante aos mercados, mas também são caras, muitas vezes mais que os supermercados. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Assim, para os estudantes, a comida brasileira se opõe à peruana por ser menos fresca, mais cara e ainda menos variada: Quadro 5 -Esquema de classificação da comida peruana e brasileira segundo a percepção dos estudantes peruanos COMIDA PERUANA COMIDA BRASILEIRA Variada Repetitiva Fresca Congelada Mercado Supermercado Barata Cara Mesmo os que gostam da comida brasileira, quando a comparam com a peruana, concordam que a comida do seu país de origem é mais saborosa e que no Peru a qualidade dos alimentos é melhor do que a do Brasil. Ainda que grande parte dos estudantes peruanos tenha uma visão negativa da comida brasileira, alguns apreciam pratos locais, como Ricardo. Ou ainda, reconhecem que alguns pratos peruanos ficam ainda mais saborosas quando feitos com ingredientes brasileiros, como concluiu Sofia em relação ao lomo saltado6 preparado com 6 Picadinho de carne com cebola e tomate, temperados com cebolinha e molho shoyo. O lomo saltado é servido acompanhado por arroz e batata frita. 189 carne brasileira. Enquanto os estudantes peruanos avaliam positivamente a comida peruana, principalmente quando comparada com a brasileira, alguns chegam a gostar da comida brasileira - o que não termina com sua preferência pela comida do seu país. Além da gama de lembranças que a comida peruana ativa, ela é também valorizada pelo forma como os alimentos são produzidos, vendidos e armazenados: nos mercados. Para muitos estudantes, a comida dos mercados é mais saudável, fresca e simboliza mais um item da qualidade de vida que se vê deteriorada no Brasil, juntamente com as apertadas moradias. 5.3 O Rio de Janeiro (não) é pra turista PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA De uma maneira geral, os estudantes compartilham da percepção que os brasileiros e cariocas tratam bem os estrangeiros, independente de sua nacionalidade. Alguns dão como exemplo casos de que, quando precisam de alguma informação na rua, as pessoas se esforçam para ajudá-los e se preocupam para que não fiquem perdidos. Os estudantes concordam que, no Rio de Janeiro, os estrangeiros não são alvo de discriminações: eles são bem recebidos e bem tratados. Enquanto reconhecem nos cariocas uma disposição em tratar bem os estrangeiros, os estudantes também percebem neles uma peculiaridade. Ainda que sejam geralmente muito simpáticos e corteses, não é uma tarefa fácil ter amigos cariocas. Ao mesmo tempo em que são amigáveis, os cariocas se fecham em seus grupos de afinidades e relutam em convidar estrangeiros a participar deles. Walter reflete que esta é uma característica dos brasileiros das classes mais altas, que têm mais resistência em se aproximar dos estrangeiros. Tal avaliação se coaduna com a percepção que Guadalupe tem das suas colegas brasileiras, que apesar de sempre dizer que ela precisa provar a comida brasileira feita pelas famílias em suas casas, nunca tomam a iniciativa de convidá-la para ir às suas próprias casas. Guadalupe chega à conclusão que os brasileiros são simpáticos e alegres, mas seletivos quando a questão é fazer amizades mais íntimas. Para ela, está óbvio que suas colegas de universidade não querem ter uma relação mais profunda com ela. 190 Ele (o brasileiro) não se mistura. Ele faz faculdade, faz mestrado com você (...), mas ele não chega a se misturar muito- os brasileiros que eu tô conhecendo, de classe alta; brasileiros de classe baixa, eu não sei muito... Guadalupe Daniel, que fez seu mestrado no Rio Grande do Sul, percebe que a resistência em ter uma relação mais íntima com os estrangeiros é uma característica dos cariocas. Comparando com os gaúchos, os cariocas são muito simpáticos e receptivos “da porta para fora”: eles são simpáticos com os estrangeiros, mas evitam ter um contato mais íntimo, como convidá-los para ir à sua casa ou conhecer sua família. Já os gaúchos não são tão receptivos quanto os PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA cariocas à primeira vista, mas estão dispostos a fazer amizades mais duradouras. Agora, posso ver uma diferença (...) de estado para estado. Aqui são super receptivos, mas da porta da fora. Mas no Rio Grande do Sul, não são tão receptivos quanto aqui. Mas se você conhece a pessoa, ela te apresenta o pai, a mãe, te leva pra almoçar, pra jantar.. a intimidade é maior... No Rio (de Janeiro) tem menos intimidade. Você tem que conhecer muito a pessoa! Eu conheci quase a mesma quantidade de pessoas e suas famílias no Rio e no Rio Grande do Sul em 2 anos e eu moro aqui há mais de 15 anos... Daniel A dificuldade de construir uma relação mais profunda com os cariocas é agravada quando o estudante ainda não fala português. Não dominar o idioma intimida muitos peruanos tentar uma aproximação dos brasileiros. Além disso, como grande parte dos estudantes decidem vir para o Rio de Janeiro a convite de um amigo, quando chegam, eles se integram às redes de relações desse amigo, que é composta quase que exclusivamente por conterrâneos. Por isso, alguns estudantes, mesmo depois de muitos anos morando no Rio de Janeiro, conhecem poucos brasileiros ou mantém uma relação de pouca intimidade com os que conhecem. Alguns estudantes julgam que, muitas vezes, esta distância entre brasileiros e peruanos tem uma contribuição também por parte dos últimos. Os que compartilham desta percepção concluem que muitos peruanos se mantêm fechados: com uma postura de desconfiança, preferem estar com os amigos peruanos, principalmente se eles já se conhecem do Peru. Muitos deles não se esforçam para aprender português ou interagir com os brasileiros, criando uma barreira. Adquirir o domínio da língua portuguesa é um elemento fundamental no processo de interação dos estudantes peruanos com os brasileiros. E, como um 191 ciclo que se autoalimenta, os estudantes que conseguem se comunicar em português têm mais possibilidades de interagir com brasileiros e nesta interação, eles adquirem mais fluência na língua. Por isso, os estudantes que ao longo dos anos convivem mais com brasileiros se sentem mais seguros em falar português, desenvolvendo a habilidade de usar o idioma sem ou com poucas interferências da sua língua nativa. Na pesquisa que realizou com estudantes brasileiros de doutorado nos EUA e na Europa, Rezende (2009) observou que entre os estereótipos que as sociedades locais atribuem aos brasileiros está o de que o brasileiro é um ‘povo afetivo’: avesso a formalismo e afeito à espontaneidade. Esta afetividade ‘tipicamente’ brasileira faria dele uma pessoa aberta, calorosa e propensa a fazer amigos. Por isso, os estudantes brasileiros acreditam que uma parte fundamental PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA no seu processo de integração à sociedade local onde foram estudar é fazer amigos nativos. Os peruanos estão de acordo que os brasileiros, em geral, são amigáveis. Contudo, eles se surpreendem com o paradoxo dos cariocas: ao mesmo tempo em que são muito comunicativos, porém evitam o estabelecimento de relações mais íntimas. Mesmo valorizando o Rio de Janeiro pela diversidade da sua cultura, pelo seu cosmopolitismo e pela descontração dos cariocas, os estudantes reconhecem que têm uma visão particular da cidade, diferente da que os turistas têm. Ao contrário dos que vão para o Rio de Janeiro a passeio, os estudantes vivem na cidade, o que, para eles, significa estabelecer uma relação com a cidade e os brasileiros que permite conhecê-los para além das aparências. Os cariocas são vistos pelos estudantes como muito mais tranquilos, bem-humorados e menos formais que os peruanos. A informalidade dos cariocas surpreende: acostumados a chamar as pessoas mais velhas de “senhor” e “senhora”, seus professores pelo sobrenome e vestir roupa social para assistir aula, os peruanos estranham que no Rio quase todos se tratam como “você”, inclusive alunos e professores, que os alunos chamem professores e pessoas mais velhas pelo primeiro nome, e não pelo sobrenome como acontece no seu país, e que muitos alunos assistam aula de bermuda e chinelo. Tomás explica que as hierarquias na sociedade peruana são muito importantes e respeitadas publicamente. Por isso, as pessoas mais velhas são 192 sempre chamadas de “senhor/a” e é mantida uma distância do professor, que, na universidade, é hierarquicamente superior ao aluno. Entretanto, a simpatia e a descontração dos cariocas escamoteiam formas de discriminações sutis aos estrangeiros. Apesar de quase todos os estudantes responderem “não” à pergunta “no Brasil, o estrangeiro é discriminado?”, muitos relatam casos em que um estrangeiro recebeu um tratamento depreciativo de um brasileiro. Este tipo de tratamento é disfarçado e geralmente se torna mais explícito em ambientes de disputa, como o mercado de trabalho, quando o estrangeiro acessa serviços públicos como a universidade, ou ainda quando o estrangeiro reclama de algum aspecto do Brasil. Rubén explica que, em geral, os cariocas tratam bem os estrangeiros, porém não todos: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Tem um ou outro ignorantón que solta essas frases, tipo: "que o estrangeiro, que está roubando nosso trabalho, que se aproveitam"... Por exemplo, se você reclama por algo, e alguém corta sua onda, por exemplo "volta pro seu país7!" Rúben. Renato completa a fala de Rubén, explicando que este posicionamento que alguns cariocas assumem não é algo casual e sem fundamento, mas uma característica da sociedade brasileira reforçada inclusive nas suas leis: E ISSO ESTÁ NAS LEIS! Porque os estrangeiros que vêm aqui, até os estrangeiros que têm visto permanente para poder trabalhar, qualquer estrangeiro que não está nacionalizado só goza de direitos civis. Não gozam de direitos políticos: você não pode votar e ser votado. Então, também por isso falam que você não pode reclamar... não pode se meter com isso... "Você tem direitos civis, mas não critique o governo". Esta é uma ideia que vem das leis8. Renato. Renato aponta para uma questão fundamental na inserção do estrangeiro na sociedade brasileira. Por mais simpáticos e receptivos que sejam os cariocas, em momentos de confronto eles acionam a lógica que estrutura as leis brasileiras, que é a de que os estrangeiros têm direitos limitados: eles têm direitos civis, mas 7 Hay uno o otro ignorantón que sueltan esas frases… tipo, que lo extranjero, que nos está quitandonos trabajo, que se aprovechan… por ejemplo, si tu reclama algo, y alguien te corte la onda, por ejemplo: “regresa a tu país!” Rúben 8 - ...ESTO ESTÁ EN LAS LEYES. Porque los extranjeros que vienen aqui, los extranjeros que tienen visa permanente, incluso, para poder trabajar, cualquier extranjero que no está nacionalizado solo goza de derechos civiles. No gozan de derechos políticos: tu no puedes votar ni ser votado. Entonces, tambien por eso: como que te dicen que no puedes reclamar.. no puedes meterse en eso.. Tienes otros derechos, civiles, pero no critiques al gobierno.. Esta es una idea desde la leyes.. Renato. 193 não direitos políticos. Por isso, a sociedade brasileira entende que os estrangeiros não podem reclamar ou expressar uma visão crítica do Brasil e dos brasileiros, mesmo se vivem no país há muitos anos e adquiriu o visto permanente ou mesmo a naturalização (Blanchette, 2001). A ideia de que o estrangeiro não deve reclamar de nenhum aspecto da sociedade receptora não é exclusividade do Brasil, mas, segundo Sayad (1998; 1999), esta é a lógica que estrutura os Estados nacionais. Do não-nacional é exigido polidez e obediência às regras estabelecidas. Como uma visita na casa de um estranho, ele deve se portar com discrição e ser grato pela disposição do anfitrião- o cidadão nacional- em recebê-lo. Por isso, o não-nacional nunca é pensando como um ser político, mas como um indivíduo que, pela generosidade do anfitrião, recebeu dele o favor de morar no país estrangeiro. A polidez exigida PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA do não-nacional o reduz a uma posição de neutralidade que o torna moralmente obrigado a portar-se como um ser apolítico, como um bom convidado que não se envolve nos assuntos dos ‘donos da casa’ (Sayad, 1998, p.67). Como convidados, os estrangeiros são repreendidos quando acessam recursos que os brasileiros entendem como exclusivos aos nacionais. Neste caso, o estrangeiro deixa de ser visto como o convidado generosamente recebido para se tornar aquele que ameaça o bem-estar da sociedade nacional. Blanchette (2001) comenta que o tratamento do estrangeiro como uma ameaça é comum mesmo entre as camadas intelectualizadas brasileiras, lembrando casos em que seus colegas brasileiros de pós-graduação questionaram por quê ele, um americano, tinha direito a receber uma bolsa das agências de fomento brasileiras. Renato conta que tem um colega de trabalho também via o estrangeiro como uma ameaça, mas que começou a mudar sua maneira de ver os estrangeiros depois de conviver com ele: Eu tenho um amigo que mudou sua maneira de pensar, porque antes ele era muito nacionalista e ele pensava que os estrangeiros vinham roubar o trabalho dos brasileiros. Tinha uma aversão a estrangeiros. E quando eu ingressei na faculdade, e ele, começamos a conversar e ele se deu conta que eu sou uma pessoa normal, que também estava como ele: trabalhando e estudava de noite. E quando eu entrei na faculdade, depois ele me disse que eu estava roubando, porque (a faculdade) era pública. Porque o dinheiro era dos brasileiros.. e que eu estava estudando com o dinheiro dos brasileiros. Mas, eu dizia para ele: eu também pago imposto. Eu 194 também pago! Eu trabalho, pago minhas contas... tudo o que um brasileiro paga. Só não nasci aqui. Eu acho absurda essa crítica9! Renato Se o colega de Renato deixou de vê-lo como uma ameaça para entender que ele é uma pessoa normal, e não como um inimigo astuto que rouba a chance de um brasileiro estudar no seu próprio país, nem sempre o convívio com estrangeiros transforma completamente a maneira dos brasileiros percebê-los. Sílvia, brasileira que tem muitos amigos peruanos que estudaram no Brasil, confessa que se preocupa com o grande número de estrangeiros que usufruem das oportunidades de estudos que o Brasil oferece. Na sua fala, Sílvia deixa implícito que tais oportunidades deveriam ser reservadas aos brasileiros. Depois de entrar na universidade, muitos estrangeiros ainda têm sua capacidade intelectual colocada em cheque pelos seus colegas brasileiros, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA principalmente se eles são participantes de programas com acesso diferenciado, como os PEC`s. Daniel conta: Os caras no trabalho, por eu ser estrangeiro, acham que eu não tenho o mesmo nível. Não sei se é implícito ou com inveja porque tem um estrangeiro lá dentro. Já ouvi um comentário: “ah!! Ele, como entrou (no mestrado/ doutorado)???”. Por exemplo, no meu caso, eu entrei pelo sistema normal... Mas já escutei um cara se queixando porque um cara entrou só pelo convênio... E depois, esse estrangeiro foi melhor em todas as disciplinas.. Só tirava A.. Daí, eu falei isso pra ele: você ficou falando dele, mas ele foi melhor que você! (...). Você catalogou ele como estrangeiro10. A sutileza dessas formas de discriminação reside na dificuldade em observálas na vida cotidiana carioca, já que os brasileiros tratam os estrangeiros de maneira cordial e receptiva. Reconhecer as formas de discriminações às quais os estrangeiros estão sujeitos no Rio de Janeiro exige dos estudantes a perspicácia de 9 Yo tengo un amigo que él cambió su manera de pensar, porque antes él era muy nacionalista y él pensaba que los extranjeros venían a robar el trabajo de los brasileños... Tenía una aversión a los extranjeros.. … Y cuando yo ingresé en la universidad… Y él, comenzamos a conversar y él se dio cuenta que soy una persona normal. Que tambien estaba como él trabajando y estudiaba por la noche.. Y cuando ingresé en la universidad, despues él me dijo.. que yo estaba robando, porque era pública.. Porque el dinero de los brasileños.. y que yo estava estudiando con el dinero de los brasileños. Pero, yo le decía siempre: yo tambien pago impuestos. Yo tambien pago! Yo trabajo, pago mis cuentas.. Todo que un brasileño paga. Solo no he nacido aqui. Me parece absurda esta crítica! Renato 10 O estrangeiro em questão era do Gabão e tinha entrado no programa de pós-graduação onde Daniel estuda através de um convênio. 195 compreender os brasileiros para além do trato superficial cotidiano, ou seja, além do que um turista pode ver. Ao contrário de um turista, que fica na cidade pouco tempo e está a passeio, os estudantes vivem na cidade e é ao longo desse período que eles acreditam que conseguem desenvolver um olhar mais crítico sobre a cidade e as relações dos brasileiros com os estrangeiros. Ou seja, a capacidade de crítica exigiria tempo para ser desenvolvida. Na entrevista que fiz com Guadalupe e Augusto, ela fazia duras críticas ao Rio de Janeiro, principalmente à discriminação aos pobres, enquanto Augusto, que havia chegado no Rio há 4 meses, não percebia as críticas que fazia sua amiga. Guadalupe explicou que com o tempo, Augusto entenderá sua opinião, pois ela mesma só começou a entender o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Rio de Janeiro mais profundamente depois de passados alguns meses na cidade. 5.4 Na Polícia Federal Enquanto os estudantes compartilham da opinião que os cariocas são receptivos e concordam que, apesar de ser uma cidade muita cara, o Rio de Janeiro é um lugar agradável para se viver, esta percepção não se estende à avaliação do tratamento que os estrangeiros recebem na Polícia Federal. Todos os entrevistados afirmam que o atendimento da instituição é ineficiente, demorado e exaustivo. Os estrangeiros são tratados com descaso, não há agentes que falam outros idiomas e, por isso, os estrangeiros que não falam português não conseguem se comunicar. Além disso, são rotineiros episódios em que os agentes não dão o devido atendimento, fornecendo, inclusive, informações equivocadas que colocam em risco o trâmite solicitado. Jeremia desabafa que, no Brasil, não é apenas a Polícia Federal que atende mal o estrangeiro, mas em todos os locais regidos por uma burocracia. Para ser bem atendido “tem que ter sorte”: O único que eu não gosto do Brasil é que seus bancos, sua polícia, tudo que tem a ver com burocracia, é muito ruim. Tem que ter sorte. Por exemplo, quando eu vou fazer alguma coisa no banco, tenho que ter sorte que a pessoa que me vai atender esteja de bom humor, esteja alegre. Se está chateada, vai me fazer voltar novamente. Porque, tive um caso que pedi a documentação. Eu levava a documentação e me faziam voltar. Eu levava a outra documentação, e me faziam voltar de novo. Me fizeram ir e voltar 5 vezes. Até que uma vez eu cansei e disse: 196 você não é profissional! Você me diz uma coisa e falta outra… E ainda me falta uma coisa mais!” … A burocracia aqui é muito ruim. Não é assim no Peru. Jeremia Jeremia observa que quando se trata de serviços burocráticos, há uma inconstância na forma de aplicar os procedimentos aos clientes atendidos, o que compromete a celeridade dos processos e levam os usuários à exaustão. O que aconteceu com Jeremia no banco se repetiu na Polícia Federal, quando só conseguiu receber seu visto permanente por casamento com brasileira depois de 9 meses. Para receber atendimento, os estudantes precisavam acordar de madrugada, fazer fila e pegar uma senha. Entretanto, mesmo quando conseguiam pegar uma senha, não tinham a garantia de que seriam atendidos, porque o número de atendidos variava de acordo com a decisão dos agentes e com o PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA número de trâmites encaminhados por despachantes- e não com o número de senhas distribuídas. Quando lembra, Osvaldo se revolta: eles te tratam assim… Que se você tem que ir lá quase que a pedir por favor! Eles se acham assim... o rei! Tinha vezes que eu tinha que ir cedo, duas da manhã, três da manhã e fazer fila. A moça me dá minha senha e depois dizer que essa senha não existe, que eu que inventei.. e que tinha que voltar outro dia.. Eles só atendem um número assim, específico por dia. Digamos: “…Hoje acordei com vontade de atender 10 pessoas.. O resto que se dane..” …eles vão atender 10. Desses 10, 7 vão ser com o esquema (por despachante) e os outros 3 serão os que chegaram de madrugada e ainda com sorte. Os peruanos que ainda possuem visto de estudante e, portanto, precisam ir à Polícia Federal pelo menos uma vez ao ano solicitar a prorrogação do visto, percebem uma melhora no atendimento. Agora, a Polícia Federal conta com um sistema de agendamento virtual que substitui as senhas. Todos aqueles que agendaram previamente seu horário pela internet têm a garantia de que serão atendidos, e por isso, não correm o risco de passar pelo que Osvaldo e outros peruanos já passaram. Os peruanos mais antigos na cidade percebem uma melhora muito significativa na estrutura física do atendimento a estrangeiros da Polícia Federal. Antes, ela funcionava na Praça Mauá, num local estreito e sem arcondicionado e atualmente está no aeroporto internacional Tom Jobim. Os estudantes que se estabeleceram no Rio de Janeiro também perceberam uma melhora no tratamento depois que deixaram o visto de estudante pelo visto de residente- seja por trabalho, casamento com cônjuge brasileiro ou por ter tido 197 filho no Brasil, questão que merece um reflexão, mas que foge do escopo deste trabalho. Apesar de perceberem algumas mudanças positivas na Polícia Federal, os estudantes continuam críticos ao seu atendimento. A burocracia continua complicada e grande parte dos agentes não tem paciência para explicar os procedimentos. Por isso, o fator “sorte” mencionado por Osvaldo e Jeremia continua sendo necessário para que um estrangeiro consiga resolver todas as suas pendências na Polícia Federal. Tal sorte está relaciona principalmente à maneira como cada agente atende os estrangeiros. Quando o agente está disposto, ele explica detalhadamente os procedimentos que o estrangeiro tem seguir. Quando não, o estrangeiro tem que buscar informações sozinho ou voltar várias vezes à Polícia Federal até ter seu caso resolvido. Como existe uma regularidade nos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA agentes que trabalham com estrangeiros, os estudantes peruanos já conhecem o temperamento de cada um deles e tratam de forma mais assertiva os agentes que têm uma postura mais hostil. Quando Eduardo foi dar entrada ao seu pedido de permanência pelo Acordo MERCOSUL, a agente que o atendeu assumiu uma postura de bastante rejeição aos estrangeiros: “você estão nos invadindo! Por que vocês vêm praqui? Como que o governo permite isso daí? Agora vão nos invadir?!’, disse a agente para ele. Eduardo ficou surpreso com esta reação, primeira vez em que viu atitude desse tipo de um brasileiro, que é geralmente muito amigável. Em princípio, a agente disse a Eduardo que não sabia nada sobre esse tratado e, portanto, não poderia receber o pedido. Astutamente, Eduardo havia levado uma cópia da publicação do acordo no Diário Oficial que comprovava sua existência. Firmemente, o estudante falou que caso ela continuasse a negar-lhe atendimento, ele iria se reportar a seu superior. Indignada, a agente recebeu a demanda de Eduardo: Eduardo: Dei entrada no pedido, só que a menina que me atendeu, ela ficou muito zangada... Camila: Ela te atendeu? Fez seu pedido? Eduardo: Ela fez. Fez meu pedido porque eu falei: “aqui: tenho este”. E levei uma xerox do tratado e dos requisitos. Eu falei com ela: “se você não me quiser atender, então vou falar com seu chefe, porque ele deve saber do tratado...”. Ela, toda 198 zangada falou: “ah.. eu vou consultar isso aí”... (...) Me atendeu, mas ela foi a consultar a seu chefe. Eduardo assumiu tal postura alertado por seus amigos. Dois deles já tinham ido à Polícia Federal solicitar o visto de permanência através do Acordo MERCOSUL, porém a mesma agente se recusou a realizar o trâmite, alegando desconhecer a existência do acordo. Eduardo então se municiou caso fosse atendido pela agente que negou o pedido de seus amigos. Depois de atendido, Eduardo contou para eles o que aconteceu, que voltaram à Polícia Federal e exigiram que a mesma agente recebesse suas solicitações sem que tivessem agendar o atendimento novamente. As informações transmitidas entre amigos são fundamentais para os estudantes lidarem com a burocracia brasileira, sobretudo a da Polícia Federal. A PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA partir delas, eles se preparam para ter seus direitos garantidos, mesmo quando os agentes burocráticos fornecem uma informação equivocada ou se recusa a atendêlos por algum motivo. Na sua experiência como estrangeiros no Rio, os estudantes aprendem que assumir uma postura firme e estar sempre bem informados é a garantia que têm de que serão respeitados como sujeitos de direitos. 6 Os imponderáveis da experiência migratória "... uma pessoa está em constante movimento: ela não só atravessa um processo, ela é um processo" (Elias, 1994, p. 129). No Rio de Janeiro é construção, você tá mudando. Juan. Para grande maioria dos estudantes, será no Brasil a primeira vez que ficarão distantes de sua família. Num país onde a família tem um lugar central nas relações sociais, como no Peru, estar longe dela pode produzir um sentimento ambíguo, de mais liberdade e poder de decisão, mas também de solidão e desenraizamento. Distantes dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA tradicionais almoços de domingo, das celebrações de aniversários e das rotineiras festas familiares, a vida no Brasil pode ser percebida em alguns momentos como sacrificante e penosa, mas também como mais independente e autônoma. Não por um acaso, Rubén se lembra dos frequentes encontros com seus amigos peruanos assim que chegou ao Rio de Janeiro. Todos, recém-chegados e com saudades do Peru, se reuniam para tocar música peruana, beber cachaça e chorar a tristeza de estar longe do Peru1. A sensação de sofrimento é reforçada quando, além da distância do Peru, os estudantes ainda enfrentam dificuldades econômicas. A soma desses fatores provoca uma profunda reflexão sobre se realmente valeu a pena ter vindo para o Brasil. Na base que estrutura tal reflexão está o fato da iniciativa de estudar no Brasil envolver muito mais que a expectativa de adquirir um diploma que se destaque no mercado de trabalho peruano. Para os estudantes, estudar no Brasil é uma estratégia para distinguir-se numa sociedade como a peruana, marcada por hierarquias- racial, social e econômica-, onde a experiência internacional é amplamente valorizada. Como vimos no capítulo três, sair do país sempre foi um hábito entre os membros da elite, que tinham na experiência internacional uma maneira de renovar seu prestígio e seu status perante as outras classes. Com as diversas possibilidades de se deslocar internacionalmente que a globalização oferece, outros atores, que não apenas as elites, também podem se apropriar desta estratégia visando acessar prestígio e reconhecimento. Sem ter os mesmos recursos econômicos e relacionais das elites para estudar num país 1 Como mencionamos no capítulo 2. 200 potência no capitalismo global, o jovens que participam dessa pesquisa decidem vir para o Brasil. Como estudantes, os jovens peruanos chegam ao Rio de Janeiro com uma complexa gama de dúvidas: como vai ser ficar longe do Peru?; como conviver com o/as brasileiro/as?; como será a vida no “país tropical” e na cidade da “praia, futebol e carnaval”?; como um diploma brasileiro repercutirá na carreira?; que oportunidades ele abrirá? As expectativas são muitas e não se limitam ao campo da educação e da formação acadêmica. Elas englobam aspectos mais amplos da vida cotidiana de um jovem num país estrangeiro. Nenhuma expectativa, entretanto, consegue abarcar a total dimensão do que é viver uma experiência migratória. Ainda que os estudantes tenham sua condição legal no Brasil associada ao prazo de duração do curso que fará- ou seja, para o Estado brasileiro o estudante estrangeiro é aquele que porta o visto temporário IV-, a experiência migratória vivida por estes jovens PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA ultrapassa os limites legais e deixa marcas indeléveis nos estudantes, mesmo depois de concluírem seus cursos. E é com esta expectativa que os jovens chegam no Rio de Janeiro: todos esperam que esta experiência marquem suas vidas para sempre. Todos têm a expectativa de que com um diploma brasileiro eles recebam um reconhecimento a mais na sua trajetória profissional, e que, portanto, a experiência de estudar no Brasil não caia no esquecimento- dele e dos outros. Como Juan analisa na frase que abre este capítulo, a experiência dos estudantes peruanos no Rio de Janeiro é marcada pela construção, uma mudança que todos os indivíduos que saem do país viveriam. Juan faz questão de reforçar que viver no Brasil é a chance que os peruanos têm de escapar das amarras que a cultura peruana impõe, principalmente aos jovens2. Ele explica que é no exterior que os jovens, que têm como principal característica a curiosidade, vão poder experimentar novas experiências longe da ação repressora da conservadora sociedade peruana. Ele avalia que estudar no exterior é a desculpa que muitos jovens, principalmente as mulheres e os homossexuais, dão para sair do país sem que sua família reclame sua presença. E é justamente a liberdade que encontram no Rio de Janeiro que impulsiona a transformação dos peruanos que deixam o país. O que Juan quer esclarecer é que, na sua opinião, os jovens peruanos que estudam no exterior tem outros motivos para tomar essa decisão que não se limitam a questões educacionais ou econômicas. 2 Ver capítulo 4. 201 Nem todos os estudantes compartilham da mesma opinião que Juan. Muitos não interpretam seu deslocamento como uma tentativa de fugir de uma opressão da sociedade peruana. Para alguns deles, estudar no exterior é uma oportunidade de ter acesso a um nível de conhecimento numa área ainda não desenvolvida no Peru. Outros nem queriam sair do país: eles só assim fizeram porque se decepcionaram com o trabalho que tinham ou reconheceram uma exigência do mercado de trabalho peruano por mais qualificação. Estes últimos, impossibilitados de conciliar o trabalho, a pósgraduação e ainda com dificuldades de pagar os altos custos da pós-graduação no Peru, consideraram proveitoso vir para o Brasil. Para outros ainda, o mais importante é viver no exterior: ter contato com a alteridade, com outros modos de viver e pensar. Seja por curiosidade, pelo desejo de aventura, seja por insatisfação com a sociedade, cultura ou o mercado de trabalho, o que há em comum entre os estudantes é que todos esperam que esperam que a experiência de viver no Brasil marque sua vida PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA para sempre. Ao longo desse processo, os estudantes encontram a oportunidade de avaliar seus projetos, refletindo sobre a sociedade de origem e a receptora. E muitos percebem que passam por um conjunto de transformações que influencia seu modo de pensar, de ver seu país de origem, o mundo e a si mesmos. A interpretação dos estudantes sobre as transformações que percebem em si mesmos como indivíduos em deslocamento será o tema discutido neste capítulo. 6.1 Identidades em jogo 6.1.1 Dança, música e comida: a peruanidad em (re)construção No dia 24 de julho de 2011, estive presente pela primeira vez num evento público da comunidade peruana no Rio de Janeiro. Eu considero esta data como um marco na minha relação com o meu campo de pesquisa. Foi nela que conheci alguns dos peruanos que se tornaram os principais atores desta pesquisa e também, tive minha primeira aproximação com a maneira como os peruanos constroem um sentimento de pertencimento nacional no contexto migratório. Nesta data, aconteceu a festa em comemoração ao Día de la Patria, que oficialmente é o dia 28 de julho, data em que o Peru conquistou sua Independência. 202 Naquela ocasião, tive contato com três elementos fundamentais que fazem com que os peruanos no Rio de Janeiro se sintam parte de uma mesma comunidade de origem: a dança, a música e a comida. Os estudantes reconhecem que a sociedade peruana tem como uma de suas características uma profunda segregação, baseada numa combinação de raça, classe, etnia e região de origem. No Rio de Janeiro, as clivagens entre os peruanos não desaparecem, porém não são reproduzidas de maneira automática ou irrefletida. No contexto migratório, elas passam por um processo de ressignificação que abre um espaço para sua relativização, em alguns momentos, e seu reforço, em outros. A celebração da Independência é um desses momentos em que peruanos de diferentes classes e regiões se encontram sob a insígnia de uma pátria em comum, que os unem em suas diferenças- ainda que momentaneamente. Todos os anos, uma família de imigrantes organiza uma festa para celebrar a Independência do Peru. Entre o seu PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA público estão peruanos, imigrantes e também estudantes, brasileiros e estrangeiros relacionados com peruanos. Nas festas, a presença dos estudantes é assídua, expressiva e entusiasmada. Uma vez que a comida mobiliza os mais profundos sentimentos de saudade do Peru, os eventos públicos em que são vendidos pratos do país são os que mais mobilizam os peruanos de diferentes grupos de afinidades. A festa do dia da Independência é um deles. No Rio de Janeiro, a culinária peruana é uma importante esfera de interação: é através dela que os peruanos de diferentes perfis se aproximam e assim, percebem que todos eles têm na comida um importante componente de sua identidade. Esta interação através da comida se estabelece em oposição a comida de outros grupos nacionais. Primeiramente, a comida peruana serve como referência para analisar a comida brasileira que, como discuti no capítulo 5, é considerada repetitiva e menos saborosa que a peruana. A música e a dança peruanas também são dois elementos importantes na construção de uma identidade peruana entre os estudantes no Rio de Janeiro. Muitos deles não apreciavam ou não tinham o hábito de escutar e dançar ritmos tradicionais peruanos quando viviam no Peru. E será na distância de seu país e na sua vivência no Brasil que desenvolverão o gosto e o prazer pela música e a dança peruanas. Virgilio se lembra que começou a escutar música afroperuana e criolla quando criança. Ele gostava muito dos ritmos, mas era um dos poucos da sua geração que se interessava por eles. Entre seus colegas de escola e de bairro, o ritmo mais escutado era o rock. Virgilio se 203 surpreendeu quando chegou no Rio e encontrou peruanos que também apreciavam os ritmos tradicionais do país: por incrível que parece, os peruanos aqui ouvem mais música criolla do que no Peru!, completa. Quando saiu do Peru, Virgilio se lembra que a música afroperuana e criolla estava praticamente esquecida. Apenas duas rádios ainda tocavam esses estilos musicais, mas apenas em certos horários, como a hora do almoço. Na contramão dos jovens da sua época, Virgilio desenvolveu o gosto pela música criolla e aprendeu a tocar cajón. Mas, foi apenas no Rio de Janeiro que ele conseguiu encontrar parceiros que o acompanhassem no ritmo. Um dos seus primeiros parceiros foi Alejandro, que toca violão profissionalmente. Assim como Virgilio, Alejandro sempre teve dificuldades em encontrar parceiros para tocar o ritmo peruano que tanto aprecia. A parceria de Virgilio e Alejandro durou por muitos anos, até que Alejandro voltou para o Peru, onde se tornou parte da banda de Susana Baca3. Virgilio continuou no Rio de Janeiro e em 2002 fez parte da criação do Grupo Negro Mendes4. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA O Grupo Negro Mendes tem entre seus seguidores assíduos muitos estudantes que valorizam os estilos musicais da costa peruana. Eles reconhecem que estes ritmos ocupam um lugar de coadjuvante no cenário musical peruano e muitos deles se sentem privilegiados em ter um grupo de músicos profissionais no Rio de Janeiro que toca tais estilos. Os estudantes se sentem profundamente prestigiados quando o público brasileiro e estrangeiro de outras nacionalidades frequenta os shows e dança ao som do grupo. Muitos estudantes, no entanto, preferem outros ritmos latinos que não especificamente peruanos, como a salsa e o merengue. É interessante notar que para muitos peruanos é no Rio de Janeiro que eles têm seu primeiro contato com alguns estilos de música e dança peruanas. Diante do restrito espaço que alguns ritmos tradicionais peruanos têm dentro do próprio país, muitos estudantes nunca tiveram acesso a determinados ritmos ou nunca se interessaram por eles. No Rio de Janeiro, a valorização dos ritmos e danças especificamente peruanos ganhará uma dimensão mais profunda de reforçar o sentimento de que os peruanos têm uma cultura particular e específica, diferente da brasileira e também da de outros grupos latino-americanos. Este é o sentimento construído cotidianamente pelo grupo Sayari Danzas Peruanas, por exemplo. Em determinados momentos, não são apenas as músicas e danças peruanas que se tornam elementos centrais na construção de um sentimento de pertencer a uma cultura 3 4 Artista afroperuana que difundiu a música afroperuana no exterior. Ver capítulo 2, subitem 2.3.1. 204 diferente da brasileira. Em diversos casos, se sentir peruano no Brasil está associado ao se sentir latino5, em oposição ao ser brasileiro. No campo da música e da dança, esta relação se dá através de dois importantes ritmos latinos: os já mencionados salsa e merengue. Alguns estudantes, quando estavam no Peru não costumavam ouvir nenhum ritmo latino-americano. No Brasil, eles começaram a se envolver com outros peruanos e latinos, percebendo que tinham uma relação afetiva com estes ritmos. Mais do que uma música para dançar, estes ritmos remetem à infância, a momentos alegres passados em família6. Neste caso está Daniel. Enrique, amigo de Daniel desde que chegaram em 1996, conta que o amigo não escutava nada de salsa, merengue, cumbia ou qualquer outro ritmo latino-americano. Daniel não gostava desses ritmos e preferia escutar rock, assim como os colegas de escola de Virgilio. A rádio que ele mais escutava no Peru era uma que tinha como slogan ‘puro rock, nada de salsa’. No entanto, no Brasil, “Daniel virou PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA um verdadeiro salsero7”, analisa Enrique. Ele é frequentador assíduo da Noches de Sol8, para onde sempre vai acompanhado de seus amigos peruanos. Seu grupo de amigos não costuma dançar muito, mas em todas as festas eles sempre arriscam alguns passos. 6.1.2 Se posicionando no mapa dos brasileiros Certa vez, Vania foi a um jantar onde conheceu três moças brasileiras. As quatro começaram a conversar com entusiasmo, até que as brasileiras, percebendo seu suave sotaque, perguntaram de onde era Vania. Ela respondeu que era do Peru e começou a falar como era seu país. Vania e as brasileiras passaram muito tempo conversando, e a estudante fez questão de falar sobre o Peru boa parte das três horas de conversa. No final da noite, Vania estava se despedindo, quando uma das moças comentou: -Gostei muito de conversar com você! Você é de onde mesmo? Do México? Vania ficou muito chateada com a moça. Ela sentiu que as três horas de conversa com as brasileiras não foram suficientes para que elas percebessem que cada país latinoamericano tem suas especificidades e, portanto, seria pelo menos uma indelicadeza 5 Categoria nativa para se referir aos hispano-americanos. Ver capítulo 4. 7 Pessoa que gosta muito de salsa. 8 Ver capítulo 2, subitem 2.3.3. 6 205 confundir uma peruana com uma mexicana. Vania terminou sua noite irritada com o ocorrido: - Puxa, fiquei três horas conversando com elas! Me irrita muito isso, porque os brasileiros acham que é tudo igual9: incas, astecas... Para Vania, o problema não era ter sido confundida como mexicana. Para ela, esta aparente confusão na verdade demonstra, primeiramente, a falta de conhecimento dos brasileiros sobre as especificidades dos países latino-americanos e, segundo, um desinteresse em reconhecer tal deficiência. Quando Vania contou este episódio, nós estávamos na presença Lorenzo. Ele concordou com a amiga por ela ter se chateado ao ser chamada de ‘mexicana’, depois de tantas horas explicando que era ‘peruana’. Ele disse que também fica muito chateado quando percebe que os brasileiros acham que todos os países hispanofalantes e seus cidadãos são iguais. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Assim como Vania e Lorenzo analisam o comportamento dos brasileiros, uma peruana que cursa o doutorado na UFRJ percebe um desinteresse em reconhecer as especificidades dos diferentes países latino-americanos por parte de sua orientadora, que, desde o mestrado, já a confundiu como chilena por diversas vezes. A peruana observa que sua orientadora tem muitos contatos internacionais, principalmente na Europa, para onde sempre viaja. No entanto, ela não tem nenhum interesse pelos países vizinhos: para ela, é como se esses países não existissem no seu mapa. Por isso, a orientadora confunde a nacionalidade de sua orientanda, não se dando conta do grave equívoco que significa chamar uma peruana de chilena10. 9 No dia 20 de novembro de 2011, foi realizado um show na praia de Icaraí, na cidade de Niterói, em comemoração ao Dia da Consciência Negra, com a presença do cantor brasileiro Nilton Nascimento e da cantora afroperuana Susana Baca. Na praia, se aglomerou uma multidão, a maioria de brasileiros, interessados em assistir o show do Milton. A Susana foi a primeira a entrar no palco. Durante sua apresentação, muitos brasileiros reclamavam que não queriam vê-la e aclamavam pelo término do seu show. Entre os que reclamava estava um grupo de senhoras, localizadas bem próximas ao palco, ao lado de Caroline e sua filha. Caroline é filha de peruano. Durante o show, as senhoras falam em alto tom: “Essa paraguaia não vai embora!”. A filha de Caroline, neta de um peruano, ficou revoltada. A adolescente se voltou para as senhoras e respondeu: “Ela não é paraguaia não! Ela é peruana! E eu também sou peruana”. Uma das senhoras disse à adolescente: “Ah… paraguaia e peruana é tudo igual. Tudo fica na América Central!”. A filha de Caroline contou este episódio para os amigos peruanos de sua mãe. Eles ficaram surpresos com a reação da menina, em exigir que as senhoras não reclamasses da show da Susana Baca. Alguns deles falaram que se estivesse no lugar da menina não teria coragem de repreender aquelas senhoras. Eles também se surpreenderam com o total equívoco da senhora sobre a geografia latino-americana e pelo descaso ao dizer que um peruano e um paraguaio são iguais. 10 No final do século XIX, Peru e Chile travaram a chamada Guerra do Pacífico, que gerou grandes ressentimentos entre ambos países que ainda hoje disputam judicialmente na corte de Haya suas fronteiras marítmas. 206 Para Douglas, a falta de interesse dos cariocas pelo Peru pode ser escamoteada pela gentileza que caracteriza sua forma de tratar o estrangeiro: ... do jeito que me falavam: “ah, você é peruano? Legal, né” (...), eu comecei a perceber que é mais uma questão assim, de gentileza.. (...)Mas, eu acho que o Brasil, o brasileiros, o carioca mesmo, ele sempre tenta ser gentil. Ele nunca é grosso... (...) Mesmo que ele não esteja interessado em teu país. De uma forma bem, natural pra ele, vai ser desse jeito, gentil.. Mas não necessariamente significa que ele é fã do teu país. Douglas. Os peruanos que, assim como Douglas, chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes comentam que a maioria dos brasileiros que conheceram ao longo dos anos estão entre não saber nada sobre o Peru ou ter uma ideia superficial do país. Os primeiros nem têm a noção de que o Peru é um país vizinho do Brasil, que tem como língua oficial o espanhol: nos anos que vive no Rio, Enrique já se viu questionado por brasileiros no meio universitário sobre qual idioma se fala no Peru. Entre os segundos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA estão os brasileiros que já visitaram o Peru e por isso, têm uma visão do Peru turístico: de Machu Picchu, da comida, das ondas ideais para o surfe. Há ainda aqueles que têm uma ideia do Peru, apesar de nunca terem estado lá. Entre estes predominam imagens superficiais e folclóricas do Peru como um país completamente indígena, dos Incas e que hoje é habitado por uma população assolada por uma profunda pobreza. Estes estereótipos sobre o Peru incomodam os peruanos- principalmente a dimensão racial do estereótipo-, que ressaltam o caráter multifacetado e heterogêneo da população peruana e o crescente desenvolvimento econômico do país. Como vimos no capítulo 3, a ideia dos brasileiros de que todos os peruanos são índios provoca um desconforto nos estudantes devido à conotação pejorativa que o termo recebe no Peru. Muitos deles não se viam como índio no Peru, porque, mesmo aqueles que possuem traços indígenas, são oriundos de camadas populares, do interior do país ou filhos de migrantes, encontraram no Ensino Superior uma chance de ascender socialmente e assim ter acesso a um conjunto de redes restritas às classes médias. Para eles, saber que os brasileiros os veem como índios gera um profundo incômodo, já que a palavra no Peru remete a uma posição de inferioridade na escala social, que eles consideravam já superadas por sua elevada escolaridade11. Tomás explica que, como os brasileiros não sabem como a questão racial no Peru é um assunto delicado, eles usam o termo índio indiscriminadamente para se referir aos 11 Ver discussão sobre os significados da raça para a sociedade peruana no capítulo 3. 207 peruanos. Mesmo sem a intenção de ofender, estes brasileiros deixam os peruanos constrangidos, uma vez que o uso deste termo no Brasil ativa a memória do significado que a categoria tem no Peru. Luis Fernando esclarece que, no Peru, ser classificado como índio se fundamenta numa escala composta por uma complexa gama de critérios, que inclui aspecto físico, local de origem, profissão, nível de escolaridade, entre outros12. Apesar de complexo, os peruanos manejam cotidianamente estes critérios com muita habilidade. Eles descobrem que alguns aspectos físicos considerados negativos no Peru por se aproximar da representação dominante de índio no Brasil são avaliados positivamente no Brasil, como o cabelo liso: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Camila : E as pessoas compartilham desse código? Elas conseguem identificar quem é mais ou menos índio? Luis Fernando: Claro! Isso, todo mundo sabe! Por exemplo, assim: Eu. Eu tenho 1,80cm: já tenho um ponto a meu favor, porque eu sou alto. Já o Enrique é baixinho. Eu tenho a pele um pouquinho mais clara- (...) a pessoa que tem ascendentes dos Andes é um pouquinho mais escura: é um marrom, (...) é um outro tom! Eu tenho cabelo preto; ele também tem cabelo preto, tá. Mas o meu tem um pouquinho de ondas. O dele é mais assim (liso). Então, ele tá perdendo pra mim! Camila- E no Brasil, cabelo liso é o máximo! Luis .Fernando: Mas, Cabelo liso é de índio! Agora, da cidade de onde você veio, se for dos Andes, perdeu! Eu sou do litoral: ganhei! Se for de Lima, melhor ainda! Eu sou do sul: “ah, pode ser”. Se eu sou do norte: “ah, pode ser”. Os estudantes peruanos não são os únicos que descobrem os limites do mapa imaginário que os brasileiros constroem como forma de compreender o mundo. Os estudantes moçambicanos, por exemplo, reclamam que os brasileiros se referem à África como se fosse um só país. E quando são alertados pelos moçambicanos que a África é um continente composto por muitos países, cada um deles muito diferente do outro, os brasileiros respondem: “ é tudo a mesma coisa lá na África” (Subuhana, 2005, p. 105). Descuidadamente, os brasileiros ainda chamam os moçambicanos de “angolanos”, ignorando as diferenças entre os dois países. Um dos informantes de Subuhana responde aos brasileiros que chamam-no de angolano que, se moçambicano e angolano é tudo igual, então, brasileiro e argentino também o são (p. 108). Os brasileiros ficam desconcertados diante desta afirmação, acionada pelo moçambicano 12 Assunto que discutimos no capítulo 3. 208 numa tentativa de sensibilizá-los para as particularidades de cada país e para o incômodo gerado no indivíduo que tem sua nacionalidade confundida. A desinformação ou desinteresse dos brasileiros em reconhecer as especificidades dos diferentes países de onde os estudantes estrangeiros são oriundos incomoda tantos os estudantes moçambicanos (Subuhana, 2005; 2006) como os peruanos. Uma parte expressiva dos estudantes peruanos reclama que os brasileiros sabem pouco- ou nadasobre o Peru e que consideram todos os países latino-americanos iguais. O descontentamento dos peruanos com os brasileiros não se deve apenas pelos últimos não conhecerem o Peru, mas também pela expectativa que os estudantes tinham sobre os brasileiros. Os estudantes esperavam que os brasileiros, principalmente seus colegas de universidade, fossem mais bem informados sobre o continente americano do que demonstram no dia a dia. A decepção reside no fato do Brasil, país que se destaca no cenário latino-americano na produção acadêmica, ter uma camada intelectualizada PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA incapaz de reconhecer as especificidades dos países vizinhos. 6.1.3 Os custos emocionais da experiência migratória Para os estudantes que prolongaram sua estadia no Rio de Janeiro, os anos fora do Peru deixaram marcas tão profundas a ponto de transformar a maneira como se sentem em relação ao país de origem e o de destino. Quando saíram do Peru, o Rio de Janeiro era uma cidade estranha, onde não compreendiam as formas de interação dos que aqui viviam. Os estudantes que depois de formados estabeleceram residência no Rio de Janeiro se lembram que foi um grande choque sair do Peru, principalmente para os que percorreram esse trajeto logo depois de sair do Ensino Secundário. Eles chegaram no Rio de Janeiro com idade entre 16 e 23 anos, e esta foi a primeira vez que ficaram um longo período longe de seus pais, assumindo as responsabilidades com a vida cotidiana. Lembrando dos seus primeiros anos no Brasil, Gladys se lembra que sentia muita dificuldade de compreender a maneira como os brasileiros se comportavam, por isso levou muitos anos até se sentir adaptada ao Brasil. O fato dela ter vindo para o Brasil impulsionada pelo desejo antigo de sair do país não evitou que o processo de deslocamento fosse vivido como uma experiência difícil e dolorosa. Quando perguntei se ela achava que havia diferença entre homens e mulher sair do Peru, ela respondeu que a maior diferença não é a de gênero, mas de idade: 209 Gladys: É muito diferente vir depois do colégio e você vir depois da faculdade.. É bem diferente… Camila: O que tem de diferente? Gladys- .a gente nunca deixou a casa. Entendeu? A maioria, por exemplo, quando você está na faculdade, você continua morando com os pais, mas você tem sua independência: você dorme fora, você viaja... Quando você tá no colégio, você não faz isso! …você depende pra tudo dos teus pais. E aí de repente você vem e tem que se virar sozinho pra tudo! Entendeu? De repente, (…) você com 17 anos, fica doente, não tem ninguém que cuida de você..(…) Enquanto você em casa, sua mãe… Não ter os pais por perto para dar apoio em momentos difíceis, como nos casos de doença e ainda estar longe do país onde cresceu foi, para Gladys, uma realidade difícil para se adaptar a ponto de se sentir à vontade no Brasil. Mesmo depois de muitos anos no país, Gladys sempre teve a sensação de que não entendia os brasileiros. A sensação de não se sentir integrada à sociedade brasileira se agravou nos anos em que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA esteve casada com um brasileiro. No casamento, ela sentia que nem o marido, nem a família dele eram capaz de entender suas carências e necessidades. Oscar compartilha da opinião que para um jovem recém-egresso do Ensino Secundário, a experiência de morar sozinho em outro país é um fenômeno radical que provoca nele um profundo desgaste emocional: ...é um custo muito alto emocionalmente. Eu tinha 18 anos. Não tinha um pai pra decidir... uma decisão profissional, pessoal... Nas minhas dores de amor, não tive uma mãe, um pai pra ter um colo, assim, pra chorar. Então, isso é duro! É duro! Não é fácil! Talvez seja uma das coisas mais duras de quem viaja, de quem migra, de ser imigrante... Oscar Tanto Gladys como Oscar percebem que uma das grandes dificuldades de sair do Peru tão jovem é ficar longe da família e não ter o apoio dos pais em momentos importantes de suas vidas, como no caso de doença, dores emocionais ou quando tiveram que tomar decisões significativas. É interessante notar na fala de Oscar é que ela aproxima a dificuldade emocional vivida por dos estudantes no exterior a de outras pessoas que se deslocam para fora do país, como viajantes e imigrantes. Para o peruano, todos os indivíduos que deixam seu país por outro estão sujeitos a sentir a dor de estar num país estrangeiro, longe da família. Conversando no Peru com uma amiga de Rubén, ela comentou que sua filha também quer estudar no Brasil, mas ela achou prematuro que sua filha, seguindo os passos de Rubén, fizesse o curso de graduação no Brasil. Ela analisa que para um jovem 210 que sai do país tão jovem como Rubén saiu, é muito difícil ter que fazer tudo sozinho. A amiga percebe que foi a solidão que levou Rubén a se casar- precipitadamente, na sua avaliação-, com uma brasileira, que, anos mais tarde, culminou com a separação. Sua filha quer estudar fora do Peru para fazer a pós-graduação. Sua mãe reflete que será difícil para ela deixar sua filha caçula partir, mas compreende que depois da graduação, sua filha terá mais maturidade para viver sozinha e tomar suas próprias decisões. Mourão (2011), revisitando seus trabalhos anteriores sobre estudantes de graduação cabo-verdianos e guineenses e ex-estudantes retornados para os dois países, discute como o trânsito provocado pela migração por estudo, é dotado de uma dimensão simbólica e emocional. Analisando a dimensão subjetiva dos deslocamentos, Mourão mostra que a saudade é um sentimento que para os guineenses e cabo-verdianos fundamenta a (re)construção de sua identidade no Brasil e a solidão impulsiona a formação de redes de solidariedade entre eles. A autora nos traz como grande PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA contribuição uma reflexão sobre como a mobilidade estudantil está submersa numa dimensão subjetiva, mediada pelas emoções. Estas emoções não são naturais, mas construídas socialmente. Elas ocupam um lugar de suma importância no processo de deslocamento, desde o momento que os projetos migratórios começam a ser gestados, ainda no país de origem, até o momento de retorno. Os sentimentos, como a solidão, o estranhamento e a saudade acompanham os estudantes e podem, até mesmo, levá-los a desistir de continuar no Brasil, como aconteceu com duas estudantes cabo-verdianas. 6.1.4 Você sempre vai ser uma estrangeira(o) aqui Os estudantes compartilham da percepção de que os peruanos, em geral, são pessoas fechadas e reservadas, principalmente quando estão entre desconhecidos. Quando comparam com os cariocas, os estudantes analisam os peruanos como pessoas que falam menos, falam mais baixo, são mais tímidos e discretos. Por isso, eles acreditam que muitos peruanos encontram dificuldade para compreender e se adaptar à cultura carioca. Rubén reflete que os peruanos que interagem com os cariocas, aprendem português e são mais comunicativos conseguem ter uma relação próxima com os brasileiros. Renato concorda com o amigo e reforça que quanto mais aberto aos brasileiros, quanto mais domínio de português o peruano tiver, menos os brasileiros 211 perceberão que ele é um estrangeiro. À pergunta: “você se sente um estrangeiro?”, Rúben e Renato responderam: Rúben: Depende... depende.. Digo que depende do seu nível... Renato: de sociabilidade... Rúben: de aclimatação ou de alienação (...) à cultura: quanto mais brasileiro pareça, mais brasileiro vão te tratar. No meu trabalho, por exemplo, como eu sou um peruano um pouco mais comunicativo com os outros, (...) consigo me relacionar assim mais tranquilamente com os outros brasileiros. Vejo que o tratamento é diferente, por exemplo, com os outros peruanos que também trabalham na empresa, mas que são um pouco diferentes: que não falam muito, são mais tímidos, mais calados... Renato: Sim.. as gírias... quando começam a se comunicar como eles (brasileiros), já não se dão conta que é um estrangeiro13. Rúben e Renato esclarecem que o domínio do Português, incluindo o uso de PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA gírias, tem um papel fundamental no processo de adaptação dos peruanos à sociedade local, permitindo que eles pareçam o mais brasileiro possível. E como analisa Rúben, quanto mais brasileiro o peruano parecer, mais brasileiro ele será tratado. Consequentemente, menos estrangeiro ele se sentirá. Ao longo dos mais de 20 anos que mora no Brasil, Oscar sempre se esforçou para falar Português corretamente. Ele acredita que o sotaque é uma marca que, como um estigma14, distingue os estrangeiros dos brasileiros. Nessa distinção, o estrangeiro sempre recebe um tratamento diferenciado- melhor ou pior- de um brasileiro. Para evitar que isso acontecesse com ele, Oscar percebeu que precisaria parecer brasileiro, e, para isso, falar Português fluentemente e com pouco sotaque era fundamental. Oscar chegou a fazer tratamento fonoaudiológico para suavizar o sotaque e não ser denunciado como estrangeiro pela sua forma de falar. 13 Rúben: Depende… depende.. Digo que depende de tu nivel… Renato: de sociabilidad… Rúben: de aclimatación o de alienación (…) a la cultura: cuanto más brasileño parezca, más brasileño te van a tratar. En mi trabajo, por ejemplo, como yo soy un peruano un poco más comunicativo con los otros, y (…) consigo relacionarme asi más tranquilamente con los otros brasileños. Veo que el trato es diferente, por ejemplo, a otros peruanos que también trabajan en la empresa, pero que son un poco diferente: que no hablan mucho, son más timidos, mas callados… Renato: Si.. las jergas.. Las gírias… cuando empiezas a comunicarse como ellos, ya no se dan cuenta que eres un extranjero. 14 Sobre estigma como forma de distinguir e classificar os indivíduos, ver Goffman (1988). 212 Assim como Oscar, os demais estudantes peruanos também percebem no seu cotidiano as implicações de ser um estrangeiro no Brasil. Tendo como característica não fazer parte do grupo atualmente onde está, o estrangeiro é considerado um estranho (Simmel, 2005). No contexto do Estado-nação, ele tem sua definição contraposta à nacionalidade, que exclui os estrangeiros dos direitos da cidadania. A oposição entre nacionais e estrangeiros não é natural, mas naturalizada; arbitrária e convencional, ela se pretende irrevogável ao ser deshistoricizada no seio do Estado (Sayad, 1998; 1999). Tal oposição entende o nacional como aquele que segue a ordem “natural” das coisas: ele permanece no lugar onde nasceu e que lhe garante a nacionalidade. O estrangeiro, ao contrário, escapa dessa ordem lógica: ele deixou o lugar onde nasceu para viver em outro onde não possui a nacionalidade (Sayad, 1998, p. 57). É na sua relação com o estrangeiro que o Estado revela a função diacrítica de discriminar e definir os critérios de discriminação dos nacionais e dos não-nacionais. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Esta discriminação de direito se transforma em discriminações- sociais, econômicas, culturais, políticas- de fato, legitimadas pelo direito à nacionalidade e à consequente ausência- ou restrição- de direitos aos estrangeiros (Sayad, 1998, p. 58). A expressão máxima da discriminação entre os nacionais e os estrangeiros reside na constante possibilidade que o Estado tem de, baseado no princípio da soberania, expulsar do seu território os ‘não-nacionais’. Esta função diacrítica do Estado é exercida de maneira mais efetiva no Estado nacional republicano, que se pretende homogêneo em todos os planos (político, social, econômico e cultural). No caso brasileiro, no período republicano o termo “estrangeiro” se difundiu para se referir aos não-brasileiros, substituindo os termos “imigrante” ou “colono” empregados no Império. Na República, o estrangeiro se tornou o símbolo da alteridade, servindo como referência para a definição da nacionalidade brasileira então em construção. Portanto, o “nacional” era entendido como o “não-estrangeiro” (Medeiros, 2010). Por mais que o estudante esteja integrado à sociedade brasileira, por mais fluente que seja em Português, por menos sotaque transmita, sempre existirá uma distância entre ser e parecer brasileiro. Esta distância é estabelecida pela estrangeiridade, que envolve se sentir parte do Brasil como uma comunidade nacional e, concomitantemente, ser reconhecido como tal. Como Anderson (1989) afirma, e autores como Stuart Hall (2002) reforçam, a nação não é apenas uma entidade política. Muito mais que isso, ela é “algo que produz sentido” (Hall, 2002). Ela é um produto da imaginação que se constrói na ideia de que é ancestral e que tem como base uma unidade territorial, linguística e 213 cultural (Anderson, 1989). Por isso, o binômio Estado-nação não diz respeito apenas a uma unidade jurídico-política, mas também a uma forma de imaginar-se como parte de uma comunidade, através de uma determinada cultura. A nação é uma comunidade, porque, apesar de toda desigualdade que possa existir no seu interior, é sempre concebida como uma camaradagem horizontal, uma fraternidade. A nação é também limitada, porque é definida por fronteiras: nenhuma nação engloba toda humanidade (Anderson, 1989, p. 33). E estas fronteiras são construídas tendo como noção a proteção dos “nossos” contra os “outros”. Esse limite é definido em oposição àqueles que não fazem parte da nação- ou fazem parte de outra nação que não a nossa. Hall (2002) enfatiza que a idéia de nação está alicerçada numa unidade- uma cultura, um território, uma língua, um povo, uma história-, que justificaria a existência de uma identidade nacional. No entanto, esta unidade esconde o fato de que toda nação é composta por PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA diferenças culturais. Ao contrário do discurso nacional oficial, que louva a unidade em detrimento das diferenças, “as identidades nacionais não subordinam todas as outras formas de diferença e não estão livres do jogo do poder, de divisões e contradições internas...” (Hall, 2002). Spivak (2009) alerta que nenhum Estado-nação conseguiu alcançar a homogeneidade cultural que tanto almejou e que, por algumas décadas, acreditou-se que ele teria. A suposição de que um Estado, uma unidade administrativa e política, corresponde a uma nação (uma cultura, uma língua e um povo) é uma fórmula falaciosa, que esconde as diferenças das sociedades que são levadas a conviver sob a mesma unidade territorial, política e administrativa. Na sua experiência migratória, os estudantes percebem que o estrangeiro é aquele que, ainda que se sinta parte da comunidade nacional, não é sempre aceito como tal. Mesmo se reconhecendo como bem integrado à comunidade brasileira, depois de já ter sido casado com uma brasileira e ter filhos nascidos aqui, Rubén analisa que não está isento de receber um tratamento diferenciado por ser estrangeiro15. Sofia não teve dificuldades para se adaptar à sociedade brasileira e se sentir à vontade, mas se incomoda de sempre ser lembrada de que é estrangeira, mesmo já morando aqui há quase sete anos: ...de qualquer jeito, por mais que você se adapte, você não é, você nunca chegará a ser brasileira. Então você sempre vai ser uma estrangeira aqui. Isso é o dificil. Por exemplo, 15 Ver subitem 6.1. 214 às vezes, quando eu saio prum lugar e pergunto ou entro num táxi pra ir pra um lugar, já me perguntam: “de onde você é?” Porque eles pegam pelo sotaque. Aí que eu me sinto estrangeira. Eles conseguem perceber. Isso é um pouco difícil, porque, quando você vai pro Peru, você não sente. Você é peruana. Não tem essa coisa de ser sempre uma estranha. Sofia. Sofia fala português fluentemente e seu sotaque é bem discreto, mas, ainda assim, ela é reconhecida com estrangeira no dia a dia da cidade. Nos momentos em que é perguntada sobre seu país de origem, Sofia é lembrada de que não é brasileira, o que, para ela, significa sempre ser uma estranha. É esta sensação que caracteriza e reproduz a distância entre “ser brasileiro”e “parecer brasileiro”. Neste contexto, “ser brasileiro” tem como conotação ter o mesmo tratamento de um brasileiro, sem ser constantemente lembrado de que é um estrangeiro. Muito provavelmente, quando um brasileiro embarca num táxi, o motorista não pergunta de onde ele é. E era esse tipo de tratamento que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Sofia também gostaria de receber. Apesar dos esforços que fez para falar Português sem sotaque, hoje Oscar não considera isso fundamental na sua relação com a sociedade brasileira. Para ele, a atitude em se assimilar foi importante para se sentir integrado e obter êxito na sua carreira profissional. No seu processo de adaptação à sociedade brasileira, Oscar optou por se afastar dos peruanos, por não se identificar com alguns eles 16 e também por considerar importante conhecer o Brasil da maneira mais profunda possível. Apenas nos últimos 3 anos, Oscar começou a se envolver mais frequentemente com outros peruanos no Rio de Janeiro, participando ativamente de festas e eventos públicos. Hoje, ele preza por cultivar hábitos peruanos e não se incomoda em deixar seu sotaque florescer. Depois de tantos anos no Brasil, Oscar se considera parte do país e, por isso, se sente no direito de falar português com sotaque: Eu me forcei a vida inteira pra falar fluentemente português... assim, o mesmo direito que o baiano tem de falar com o sotaque dele (eu também tenho).. Chegou o momento de assumir isso daí... Oscar Agora que Oscar está estabelecido, construiu uma família e uma carreira no Brasil, ele sente que pode “assumir o lado peruano”: 16 Oscar, que é de Iquitos, não se sentia à vontade na companhia dos peruanos de Lima, percebendo neles uma postura de desdém em relação aos peruanos de outras regiões que não a capital. Este sentimento também contribuiu para que ele não se interessasse em conviver com peruanos no Rio de Janeiro. 215 Hoje em dia eu me permito ser peruano. Não porque antes eu não me permitia isso. Mas antes eu tinha primeiro que provar que eu era capaz de tudo, podia fazer tudo e não podia ter questionada a minha qualidade, a minha eficiência por ser estrangeiro. Hoje em dia eu não preciso provar pra mais ninguém! Hoje em dia, eu falo português com fluência, porque eu quero. (...) Se eu quiser, eu falo do meu jeito. Oscar A percepção de Oscar sobre a importância de ter sido capaz de se assimilar à sociedade brasileira a ponto de falar o idioma local sem sotaque para ter suas habilidades reconhecidas está intimamente relacionada com a avaliação que Daniel, Rubén e Renato fazem sobre o tratamento diferenciado que estrangeiros recebem em situações de disputa, como no mercado de trabalho17. Todos eles percebem que os brasileiros olham com temeridade o sucesso de estrangeiros no mercado de trabalho nacional, sendo acusados de roubarem o emprego de um brasileiro. Portanto, a estratégia de Oscar de não ser identificado como estrangeiro deve ser entendida no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA contexto brasileiro, em que a população local se mostra resistente ao estrangeiro quando em situações de disputa, como no mercado de trabalho ou no acesso a serviços públicos, como bolsas de estudos fornecidas pelo Estado. O temor de Oscar em ser discriminado por ser estrangeiro, não é, portanto, infundado. Além do sotaque, os peruanos também se sentem como estranhos em relação aos brasileiros quando os últimos conversam sobre assuntos do passado, como brincadeiras de infância, música famosas da adolescência, programas de TV que ficaram na memória. Simmel (2005), quando analisa sociologicamente o estrangeiro, observa que ele tem sua posição no grupo onde está definida por não ter pertencido ao mesmo desde o começo. Em outras palavras, o estrangeiro não compartilha de um passado com as pessoas do grupo. Douglas não se incomoda de ter sotaque. Ele reconhece que, pelo sotaque, ele sempre será reconhecido como estrangeiro, o que para ele não um problema. Ao contrário: ele considera que o sotaque faz parte de sua identidade, que tem como uma característica o fato de não ser brasileiro. Por isso, ele não pretende se esforçar para falar como brasileiro: O sotaque, não faço questão de mudar. Sempre eu vou ser chamado de estrangeiro. Eu quero manter minha identidade. Eu quero falar do meu jeito! Esse é meu jeito mesmo. Tem que aceitar do jeito que eu sou. (...) Eu também não me esforço pra me tornar assim tão brasileiro. Douglas. 17 Ver capítulo 5, subitem 5.3. 216 Douglas não se importa em ser reconhecido como estrangeiro pelo sotaque. O que realmente o incomoda em ser estrangeiro é se sentir deslocado quando está num grupo de brasileiros e eles começam a falar sobre acontecimentos passados que todos dominam e ele não. Quando sua esposa- brasileira- e os amigos estão conversando sobre programas de TV antigos que as crianças brasileiras costumavam assistir, quando falam das músicas que ouviam na adolescência, Douglas, que é muito comunicativo, fica sem sabe o que falar: Esposa-: de vez em quando a gente tá com uns amigos, o pessoal começa a falar de coisas velhas, programas velhos.. Programa antigo.. Esses programas de televisão.. Ou de alguns produtos daquela época... PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Douglas: Todo mundo começa a rir.. e eu... eu fico por fora. Aí eu me sinto imigrante mesmo. Me sinto fora, entendeu. Você fica deslocado. Eu acho que nunca, uma pessoa que cresceu pelo menos até os 20 anos e viaja (...) eu acho que nunca ela vai se considerar não-imigrante. Porque você tá imigrando de um lugar pra outro, são culturas diferentes, mundos diferentes... Para Douglas, esse desconforto em se deparar com situações em que não sabe o dizer por não ter um passado em comum compartilhado com os brasileiros se deve à sua condição do imigrante. Tendo crescido e vivido em outra sociedade, ele não consegue aprender tudo o que foi a vida dos brasileiros no passado. Douglas gosta de aprender sobre o Brasil, mas reconhece sua incapacidade de fazer parte dessa memória compartilhada, sentimento que considera inerente à sua condição de não ter nascido e crescido no Brasil. Mesmo que passe o resto da sua vida no Brasil e sempre aprenda sobre como foi a vida dos brasileiros no passado, ele acredita que nunca se sentirá completamente pertencente à sociedade brasileira. 6.1.5 (Trans)formações Quando refletem sobre a experiência de viver no Brasil, os estudantes entrevistados concordam que ela provoca repercussões na sua subjetividade, na maneira como se percebem como indivíduos e na forma de lidar com a realidade. Para muito além da formação acadêmico-universitária, eles entendem que sua saída do Peru foi um momento marcante em suas trajetórias de vida. Renato avalia positivamente sua decisão de vir para o Brasil e percebe que tal deslocamento foi fundamental na sua formação 217 como indivíduo com mais autonomia e poder de decisão individual. Para ele, viver no Brasil tem se configurado como um importante processo para madurar (amadurecer): Renato: ... no meu caso, o fato de me afastar da família... Eu vim com 17 anos. Depois, voltei (para o Brasil) já maior de idade, aos 18, para ficar. Então, estava numa etapa que o fato de que ter me afastado da minha família e adquirir aqui responsabilidades e tal... me fez mudar completamente minha personalidade... Rubén: amadurecer, né? Renato: amadurecer... completamente18. Renato pondera que ter saído do Peru teve um peso significativo no seu processo de amadurecimento que, por sua vez, provocou uma transformação de sua personalidade. Este processo está associado não apenas com sair do país e de se afastar da sua família, mas também de assumir responsabilidades que ele não tinha no Peru. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Entre elas está arcar com os custos da vida no Brasil. Ele percebe uma grande diferente entre viver no Brasil com recursos dos pais e com recursos próprios. No segundo caso, a preocupação que o estudante tem ultrapassa a dimensão educacional e atinge a esfera de garantir meios para sobreviver no Brasil, de ser capaz “se valer por si mesmo19”: através do trabalho, se manter no Brasil sem ajuda dos pais, numa condição próxima à do imigrante. Assim como Renato, Luis Fernando chegou ao Rio de Janeiro com menos de 20 anos de idade para cursar a graduação. Ao longo de toda graduação, seus pais enviavam para ele uma determinada quantia para custear sua vida no Brasil, o que diferencia sua condição da de Renato. Mesmo tendo o apoio econômico dos pais, Luis Fernando percebe que a experiência de viver no Brasil e estar longe de sua família foi um marco na sua trajetória de vida, transformando radicalmente seu planos profissionais e sua autopercepção como indivíduo. O amadurecimento ao qual Renato se refere não se limita à dimensão econômica da vida fora do Peru. Além de assumir novas responsabilidades, o que envolve trabalhar 18 Renato: ...En mi caso, el hecho de alejarse de la familia… Yo vine con 17 años, despues volvi ya mayor de edad a los 18 para quedarme, entonces estaba en una etapa que el hecho que me alejé de mi familia y adquiri aqui responsabilidades y tal, me hizo cambiar completamente, no, mi personalidad… Rúben: madurar, no? Renato: madurar… completamente! 19 Valerse por si mismo. 218 e se sustentar no Brasil sem ajuda da família, Renato também reconhece que o amadurecimento está também estritamente relacionado com a chance de ter no Brasil um maior leque de opções de vida daquelas disponíveis no Peru. E é neste ponto que as opiniões de Renato e Luiz Fernando se aproximam. Para mim está sendo uma experiência muito boa isso, porque, o fato de se afastar da família e do seu círculo social e ver outras realidades... faz com que você conheça mais coisa, que possa pensar coisas novas, fazer coisas novas também... claro... que talvez se eu nunca tivesse saído de Cusco... Ou mesmo Lima... tem coisas muito limitadas para fazer, para estudar, para pensar como possibilidade de futuro. É muito limitado20! Renato. Assim como Renato, Luis Fernando admite que passou por profundas transformações em sua personalidade, na sua forma de lidar com as pessoas e nos seus projetos de vida ao longo dos anos em que vive no Brasil. No campo profissional, ele, que se formou em Arquitetura, hoje trabalha na área das artes cênicas. Ele se lembra que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA já gostava de atuar antes de vir para o Brasil, mas, influenciado pela sua família, nunca cogitou a possibilidade de seguir tal carreira no Peru. Ele se sentia na obrigação de seguir uma carreira mais tradicional, que tanto sua família quanto a sociedade aceitassem e que lhe desse mais garantias de encontrar um emprego: Eu sempre quis ser ator. Sempre quis ser ator! Só que, assim, eu nunca ia chegar pros meus pais e dizer assim: “olha só: eu quero ser ator!” Não! Essa possibilidade não se cogitava! Porque, eu cresci num ambiente onde eu tinha que ter um diploma, eu tinha que ser alguém que a sociedade aceite: médico, advogado, arquiteto, engenheiro… Ator não! Então eu disse: ‘ah, gente, eu vou ficar discutindo?”. Eu também queria ter uma outra opção, porque eu sei que era difícil. E como eu já tinha pensando em Arquitetura, então eu pensei: vou fazer arquitetura e depois eu vejo. Aí, vou muito engraçado, porque quando eu vim pro Brasil, foi como se essa possibilidade tivesse se congelado na minha cabeça. Nunca falava no assunto, nunca pesquisei… Eu tinha esquecido. (...) Quando eu me formei, tudo veio à tona de novo! (... )Mas, depois que eu me formei, tava com meu diplominha, meio que cumpri minha missão, comecei a procurar faculdade de Teatro, alguma coisa… E aí, todo mundo ficou de boca aberta! Que ninguém sabia desse lado meu, porque eu nunca comentei com ninguém! Depois de cumprir a expectativa da família de se formar numa carreira reconhecida socialmente, Luis Fernando se sentiu livre para investir na carreira que 20 Para mi está siendo una experiência muy buena por eso, porque, el hecho de alejarse de la familia y de tu circulo social y ver otras realidades … Te hace con que conozcas más cosa, que pueda pensar nuevas cosas, hacer nuevas cosas tambien… claro.. que tal vez si yo nunca hubiera salido de Cusco, ni siquiera Lima.. tienes cosas muy limitadas, para hacer, para estudiar, para pensar como posibilidade de futuro. Es muy limitado! Renato 219 sempre quis seguir. Tanto para seus familiares e amigos no Peru quanto para os amigos no Rio de Janeiro, foi uma surpresa quando Luis Fernando deixou a Arquitetura pelo Teatro. Apesar de já ter feito atividades como ator amador quando ainda estava no Peru, ele nunca tinha explicitado seu desejo de seguir a carreira artística. A mudança de carreira profissional que viveu Luis Fernando se assemelha com o tema da canção de festejo "Caramba", composta por Ricardo Bartra, peruano que mora no Brasil há mais de 10 anos e que é um dos integrantes do Grupo Negro Mendes 21. Na canção, a mãe tenta convencer o filho a deixar de ser artista para trabalhar de "terno e gravata", pois só assim ele se tornaria rico. O filho tenta seguir o conselho da mãe: veste terno e gravata e vai trabalhar. Porém, sua tentativa é em vão, porque o rapaz não consegue deixar de pensar em tocar o cajón enquanto está no trabalho. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA CARAMBA Ricardo Bartra eso no da dinero, negro de la mama eso de ser artista, caramba es pa quien ya tiene estudie alguna cosa que siempre requieran en los clasificados, caramba pa' tener con qué ande de corbata pa volverse rico racatuque su cajón después del trabajo pa volverse rico, ande de corbata, caramba ande de corbata, caramba pa volverse rico, caramba pa volverse rico, caramba, ande de cor... me ahorca la corbata y el reloj 'ta lento racatuque es lo que quiero pa sentirme bien tiro la corbata, no nací pa' esto, caramba no nací pa esto, caramba tiro la corbata, caramba tiro la corbata, caramba no nací pa'esto, caramba22 21 Ver capítulo 2. Caramba Isso não dá dinheiro, negro da mamãe Isso de ser artista, caramba, é pra quem já tem 22 Estude alguma coisa que sempre se pedir Nos classificados, caramba Pra ter com quê Ande de gravata para ficar rico 220 Na música, a mãe aconselha o filho a estudar alguma carreira que os classificados solicitem e desencoraja-o a ser músico. Entre o "terno e gravata" e o cajón, a mãe prefere que seu filho opte pelos primeiros e deixe o segundo para os fins de semana. A canção, composta por um peruano que também vive no Rio de Janeiro, é muito representativa do poder de coerção que a família exerce nos jovens, do prestígio que determinadas formas de trabalho têm para as famílias e o seu desprezo por outras, o que restringe as possibilidades de trabalho que o filho poderia seguir. No entanto, esta coerção encontra seu limite no poder de ação dos jovens de decidir sobre sua carreira. Ainda que a mãe dê conselhos, no final, quem decide é o jovem. E ele opta pelo cajón. Enquanto na sua trajetória profissional, Luis Fernando primeiro se formou numa carreira que seus pais e a sociedade peruana aprovavam para depois se dedicar à atuação, Alejandro e Cristiana também tentaram um curso de graduação numa carreira PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA tradicional no Peru antes de se entregar completamente à carreira artísitca: o Direito. Este é o mesmo curso iniciado pelo protagonista do filme "No se lo digas a nadie" sob pressão dos pais, que querem que ele seja um profissional de sucesso. Antes de vir para o Brasil, Cristiana realizou metade do curso de Direito, inclusive na mesma universidade em que estuda o personagem do filme, a PUC-Perú. Quando ela veio estudar Artes Cênicas, ela enfrentou grandes dificuldades para receber a aceitação da sua família, o que aconteceu só depois de alguns anos em que estava no Brasil. Quando Alejandro terminou o Ensino Médio, seu pai sugeriu que ele ingressasse na universidade. Como não havia graduação em Música no Peru, o estudante buscou outra carreira que pudesse atender às expectativas do pai. Alejandro tocava numa peña na Universidad de Lima, e, por isso, resolveu se candidatar à uma vaga no curso de Batuque seu cajón depois do trabalho Ande de gravata, caramba Pra ficar rico, caramba Pra ficar rico, caramba, ande de gra... Me enforca a gravata e o relógio tá lento Batucar é o que eu quero Pra me sentir bem Arranco a gravato, não nasci pra isso, caramba Não nasci pra isso, caramba Arranco a gravata, caramba Arranco a gravata, caramba Arranco a gravata, caramba Não nasci pra isso, caramba 221 Direito na mesma instituição onde tocava. Alejandro tentou a prova de admissão por duas vezes, mas não foi aprovado. Ele se lembra que deixar de tocar para estudar para exame de admissão já foi muito sacrificante e o fez ter absoluta certeza de que não queria estudar outro curso a não ser Música. E assim, conseguiu convencer seu pai a apoiar seu projeto de se tornar um músico profissional com formação acadêmica na área. Alejandro: ... quando eu tinha 17, saí da escola aí foi que meu pai falou comigo: "vamos fazer alguma coisa?" –"Tá legal, vamos tentar". Eu tentei, mas não consegui. - PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Camila: O quê você tentou? Alejandro: Tentei Direito.... Foi completamente errado... Eu tocava na peña da Universidade de Lima. Então, todos os amigos que eu tinha na peña eram advogados, estudavam Direito. Então, só por causa disso, eu postulei pra Direito pra estar na peña de Direito. Eu só me lembro que passei seis meses sem tocar violão, pra poder fazer o vestibular. E era horrível. Assim, eu sentia falta, perdi os calos do dedo.. Aí, fiz o exame, não entrei. Fiz o segundo vestibular... Aí estudei menos ainda... Já tocava violão.. de vez em quando fazia show. Aí, também não entrei pra nenhuma universidade.. Aí eu falei: "deixa esse ano eu tentar fazer música, ser músico". Aí que eu combinei com ele (meu pai) que ia estudar no Conservatório, pelo menos para parecer sério (risos).... Aí, comecei a trabalhar com música... e a música foi me tomando. Alejandro tentou seguir o conselho do pai de fazer faculdade numa carreira socialmente valorizada, como o Direito. No entanto, ele não conseguiu controlar seu intenso desejo de seguir a carreira da Música. Com a seriedade como se dedicava à arte, Alejandro conseguiu convencer seu pai a apoiá-lo na decisão de ser músico. Como a canção de Ricardo Bartra, Alejandro deixou um futuro de "terno e gravata", para se dedicar- não ao cajón-, mas ao violão. As transformações que Luis Fernando percebeu em si mesmo ao longo dos anos que vive no Rio de Janeiro não se limitam à mudança de carreira. Na esfera do comportamento, Luis Fernando se lembra que estranhava muito a maneira expansiva dos cariocas se comportar, principalmente na presença de pessoas que acabaram de conhecer. Sua primeira impressão era que os cariocas demonstravam um excesso de confianza23, muito diferente da dinâmica de sociabilidade dos peruanos no Peru. 23 Confianza, em castelhano, tem o sentido que intimidade assume me português, de já ter uma proximidade que permita que as pessoas se sintam à vontade umas com as outras. 222 6.1.6 De “Peixe fora d'Água” a “carioca”? Quando se lembra dos seus primeiros anos no Brasil, Luis Fernando percebe grandes mudanças no seu comportamento. Ele, que era mais reservado, percebe que se tornou mais extrovertido e falante, mais parecido com os cariocas. Sua transformação fica mais evidente para ele quando está no Peru. No seu país natal, ele constata que as pessoas estranham sua maneira de falar, de gesticular e de se comportar. Este estranhamento dos peruanos ao lidar com ele deixa claro a incorporação de hábitos brasileiros na sua forma de agir e de ser. Tal incorporação é tamanha que, muitas vezes, ele se sente como um estrangeiro no seu próprio país. Luis Fernando não é o único que, quando está no Peru, percebe que já não é um peruano igual aos que vivem no Peru. Gladys também reconhece que passou por grandes mudanças ao longo dos mais de 10 anos que vive no Brasil. Ela continua PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA mantendo uma relação de profundo carinho pelo seu país de origem, mas muitas vezes também se sente uma estranha no Peru. Gladys analisa que existem grandes diferenças entre os peruanos que moram no Brasil e os que moram no Peru. Enquanto os primeiros tiveram na experiência migratória a chance de se abrir e conhecer outras culturas, os peruanos no Peru se mantém fechados: Primeiro, os peruanos que moram lá são mais fechados… não têm essa abertura mental que a gente já tem, por ter convivido com outras culturas.. Eles são mais fechados, mais conservadores... eu até sinto, às vezes, quando eu vou pra lá, as pessoas como olham… Acho que são mais preconceituosas com os peruanos que estão fora… Gladys No caso de Gladys, o estranhamento dos peruanos com seu comportamento está também ligado à dinâmica das relações de gênero. No Peru, as expectativas de gênero prescrevem uma determinada gramática social que exige das mulheres um tipo de postura que Gladys percebe que já não compartilha por completo. Entre as exigências da gramática social das relações de gênero no Peru estaria a expectativa de que as mulheres ajam com discrição, que no espaço público sejam recatadas e reservadas. Por isso, ela sente que muitos peruanos se surpreendem quando, por exemplo, ela convida um amigo para sentar num bar para conversar com ela. Sobre como os peruanos no Peru reagem ao seu comportamento, Gladys continua: Nossa.. eu sinto direto, direto.. Assim, por exemplo, eu chego lá, se eu encontro um amigo, eu chamo, eu converso e lá não. As meninas, por exemplo, nunca chamam 223 alguém… se vejo um menino que não falo há tempo, (...) eu chamo... : “senta aqui”, “vamos conversar”, entendeu? sem segundas, terceiras intenções. Então lá, eu sinto aquela diferença: e eu faço isso.. todo mundo: “nossa!!” Parece que eu sou “a maluca”, entendeu? Gladys examina que a diferença entre sua forma de agir e a forma de agir dos peruanos no Peru se remete à forma de ser dos brasileiros. Como os brasileiros são mais liberais e mais abertos, ao longo dos anos no Brasil, ela também aprendeu a ser mais aberta, mas sem deixar de ter como referência a cultura peruana. Entre o conservadorismo da cultura peruana e a liberdade da cultura brasileira, Gladys sente que hoje ela é composta por um pouco das duas, como se estivesse no meio delas, sem pertencer completamente a nenhuma. Para Gladys, foi muito difícil se adaptar ao modo de vida dos brasileiros. Ela considera que a grande transformação na sua relação com o Brasil e o Rio de Janeiro PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA aconteceu quando sua filha nasceu. Ter uma filha nascida no Rio de Janeiro transformou sua percepção sobre os brasileiros, permitindo que ela compreendesse a maneira deles pensar e, assim, se sentir também parte da sociedade onde nasceu sua filha. É através da filha que Gladys percebeu a transição: de um peixe fora d’água, uma estranha que observa o Brasil de fora, para carioca, alguém que se tornou parte da cultura brasileira: …Agora que eu vejo a cultura de vocês.. Porque agora é a minha também.. Agora eu entendo o que vocês sentem… Porque, antigamente, eu via meio que de fora.. Eu me sentia como um peixe fora d água. Eu acho que essa é a palavra! Eu me sentia muuiiiitoooo peixe fora d'água! Não conseguia me divertir… Me divertia, mas não completamente. Não conseguia… entender o que vocês pensavam…. parece que eu amadureci. Engraçado.. Passou tanto tempo pra eu conseguir amadurecer… eu agora sinto o Rio de Janeiro minha cidade, mais que qualquer outra. Eu já me sinto carioca.. Mas faz pouco tempo! Acho que, assim, foi por causa da minha filha, porque a minha filha agora é carioca… Então, já vem uma coisa de dentro. Não é uma coisa assim: “ah, agora eu me sinto uma carioca porque eu bebi umas caipirinhas e agora estou feliz da vida”.. Não! É no dia-a-dia… Gladys. A maternidade foi um divisor de águas na relação de Gladys com o Brasil, provocando um amadurecimento que tornou possível sua adaptação ao país. Antes da filha nascer, Gladys percebia que não tinha nenhuma ligação com o Brasil e sempre se sentiu como um peixe fora d'água. Sua filha se tornou então o elo que a conecta ao Brasil. Se antes, a estudante se sentia como uma espectadora que assistia a vida social brasileira de fora, distante, o nascimento da filha brasileira despertou nela o sentimento 224 de estar incluída na sociedade brasileira e de agora, ser capaz de compreender a cultura "de vocês", ou seja, a cultura brasileira com a qual eu também estaria identificada. Como sua filha nasceu no Brasil, ela seria portadora de uma cultura brasileira que Gladys percebe que é também a sua. Gladys deixou de ser sentir como "peixe fora d'água" e hoje se sente como uma carioca. Entre os peruanos que chegaram ao Rio de Janeiro como estudantes que decidiram continuar no Brasil depois de formados, alguns não têm nenhuma intenção de voltar a morar no Peru. Lorenzo, por exemplo, reflete que mesmo sendo peruano, sua casa agora é o Rio de Janeiro e não tem nenhum plano de deixar a cidade. Luis Fernando também sente que sua casa agora é o Rio de Janeiro e, por isso, não quer sair da cidade onde construiu sua nova vida. Para os dois jovens, o termo "casa" significa mais que o local de moradia, mas inclui a percepção de que o Rio de Janeiro é um lugar onde se sentem à vontade, familiarizados, acolhidos, integrados. Luiz Fernando pondera PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA que ter vindo para o Rio de Janeiro com 16 anos provocou mudanças tão profundas na sua maneira de ser que ele não conseguiria voltar para o Peru, onde se sente estranho. Para ele, o país estrangeiro agora na sua vida é o Peru e não o Brasil: Luis Fernando: Eu não conseguiria voltar! Eu não conseguiria viver lá nunca mais! Eu acho! Nunca mais! Porque, acho que eu vim tão pequeno, tão novo, tão cru, que tudo eu conheci aqui. Tudo! Tudo! Pra mim, a primeira vez foi tudo aqui. Como se eu tivesse me reeducado sozinho. Eu só trouxe a bagagem, a moral que meus pais me deram. O resto, eu fiz tudo aqui, sozinho. Então, é como se eu tivesse me criado aqui, entendeu? Camila: Você veio criança e agora você é um adulto brasileiro… Luis Fernando: Exatamente! Eu me criei aqui, sozinho. E eu me vejo totalmente inserido nessa sociedade. Totalmente inserido! E lá, eu me sinto estranho. Me sinto muuiiitoo estranho! Já aconteceram coisas assim: da gente viajar ano passado e a gente foi roubado. Eu queria voltar pra minha casa! Eu queria voltar pro Rio. Eu não queria ficar lá, sem dinheiro, e quem vai me emprestar?, pra onde eu vou?, eu não tenho conta de banco… Tudo bem, meu pais tão lá, meus tios, meus avós… Mas, sabe, aqui, eu me sentia seguro. Aqui, eu podia conversar com o gerente (do banco), eu podia remanejar minha vida. Doente, se eu ficar doente, eu não posso ficar doente lá nunca! Imagina! Meu hospital tá aqui, meus médicos estão aqui! Entendeu? É muito louco isso, assim. Grandes foram as mudanças que marcaram a transição de Luis Fernando da adolescência- no Peru- para a vida adulta- no Brasil. O estudante se sente tão integrado à sociedade brasileira a ponto de comparar este processo como ao de uma criança sendo socializada numa determinada cultura. Ele era tão novo quando veio para o Rio de Janeiro e as transformações que percebe em si são tão profundas que se sente como se 225 estivesse sido socializado na cultura brasileira como uma criança. Elias (1994) alerta que a mudança é uma característica inerente à relação indivíduo e sociedade. Apesar disso, a teoria sociológica tende a analisar o indivíduo como um adulto ‘pronto’, que já fala, anda, pensa e é capaz de se cuidar sozinho. No processo de socialização, a criança incorpora a sociedade, passa a integrá-la e se torna um dos muitos fios que se entrelaçam na rede que faz a sociedade possível. Na criança, as transformações ficam nítidas, porém os adultos continuam a passar por mudanças ao longo de toda sua vida na sua relação cotidiana com a sociedade. Tanto Gladys como Luis Fernando narram sua experiência no Brasil como uma transformação. Assim que chegaram ao Rio de Janeiro, eles sentiam que não conseguiam entender a maneira dos brasileiros pensar e se comportar. Luis Fernando, por exemplo, chegou à cidade com a certeza de que voltaria para o Peru assim que se formasse. Ele era um exemplo de estudante que, ao contrário da grande maioria, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA percebia a experiência de estudar no exterior como restrita à dimensão educacional. Esta percepção fundamentou seu projeto inicial, que era ter o mínimo de contato possível com a vida fora do universidade para não criar nenhum tipo de vínculo com a cidade. Depois de se formar, logo ele voltaria para o Peru: quando eu tava aqui no primeiro semestre, eu pensava assim: "eu não quero (..)viver nada. Eu não quero ter vivências, lembranças… Eu não quero viver nada! Eu só quero que os anos passem, estudar logo, ter o diploma, pronto! Não quero deixar amigos, Não quero ter amigo, não quero ter nada, não quero viver nada! Só quero estudar rápido e tá..." Mas isso é impossível, né! Eu não queria ter nenhum registro, nada! Nada!!! Nenhuma ligação! Eu queria botar um pause lá, fazer tudo rápido aqui... Mas quando eu voltar (ao Peru) , encontrar tudo igual. Luis Fernando. Ao mesmo tempo em que queria voltar ao Peru o mais rápido possível, sem construir nenhuma relação mais profunda com o Brasil, Luis Fernando dizia a si mesmo que isso era impossível. Era impossível viver em outro país e reduzir esta experiência à obtenção de um diploma universitário. Mesmo enfrentando dificuldades para aceitar este fato a ponto de começar a se adaptar ao Brasil, Luis Fernando falava para si mesmo: Eu me dizia: Isso é uma loucura! Isso é impossível! Eu sei que muito água vai correr nesse rio, daqui há 6 anos, muita coisa eu vou viver, vai ter muito água (pra rolar)... E foi! Eu demorei um pouquinho pra me acostumar. Mas depois, eu não lembro como foi... Mas, foi! Já foi! 226 Essa sensação de estranhamento que Luis Fernando e Gladys tinham diante do Brasil e dos brasileiros sofreu uma brusca mudança, a ponto dos dois se considerarem hoje como cariocas. Para Gladys, a transformação de um "peixe fora d'água" para uma carioca aconteceu quando sua filha nasceu no Brasil. Luis Fernando também percebe que passou por uma transformação na sua maneira como se sentir em relação ao Brasil, mas, ao contrário de Gladys, ele não atribui esta transformação a um evento específico. Luis Fernando dar a entender que, no seu caso, essa transformação aconteceu aos poucos, ao longo dos anos vividos no Brasil e, por isso, ele não consegue se lembrar exatamente como esse processo aconteceu. Apesar de ter enfrentado muita dificuldade para se adaptar ao Rio de Janeiro assim que chegou à cidade, Luis Fernando, num determinado momento de sua trajetória, percebeu que já estava acostumado com a cidade, a ponto de se sentir mais à vontade no Brasil do que no próprio Peru. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA A explicação de Gladys de como deixou de se sentir estranha para se tornar parte da sociedade brasileira me fez pensar que esta poderia ser considerada uma versão nativa da "fábula do contato" que fundamenta a autoridade etnográfica e dá credibilidade ao trabalho antropológico (Clifford, 1998:42). Enquanto o antropólogo narra a produção do conhecimento antropológico a partir da sua entrada no campo como um processo em que chegou como um estranho, mas devido a um evento particular foi aceito como parte do grupo- como aconteceu com Geertz quando ele, sua esposa e os balineses fugiram juntos da polícia na briga de galos (Geertz, 1978, p. 281)-, Gladys só se sentiu integrada à sociedade brasileira depois que sua filha nasceu. Já a comparação que Luis Fernando faz da sua adaptação à vida no Rio de Janeiro como a de uma criança que é socializada em determinada sociedade se assemelha a de muitos antropólogos, que comparam sua inserção no campo como a experiência de uma criança que, aos poucos, é ensinada a viver naquela sociedade, até o ponto de se tornar uma adulta capaz de compreender o modo de viver e pensar daquele grupo (Seeger, 1980; Da Matta, 1978). É desta mesma forma- como uma criança que cresce e se torna um adulto- que Luis Fernando se sente em relação ao Brasil. Tendo chegado ao Rio de Janeiro com 16 anos, ele considera que foi aqui que aprendeu a ser adulto, um adulto que nasceu no Peru, mas tem no Brasil seus amigos, uma nova família, seu trabalho e a sua casa. A diferença da experiência do contato com outra sociedade ou grupos sociais para os antropólogos e para os estudantes peruanos é que, enquanto os primeiros têm um 227 objetivo para além de serem aceitos como parte do grupo, que é a produção de um conhecimento antropológico, os estudantes têm na sua adaptação à sociedade receptora a possibilidade de construção de um arsenal de sentimentos, emoções, projetos e expectativas que lhes permitem elaborar outras formas de pertencimento e de se perceberem como sujeitos no mundo. Além de perceberem transformações em si mesmos, no seu comportamento e personalidade, muitos estudantes também veem em seus amigos peruanos no Brasil as mudanças ocorridas a partir da experiência migratória. As transformações são percebidas principalmente entre amigos que se conhecem desde o Peru. Sofia, por exemplo, conhece Ricardo desde a graduação, quando foram colegas de turma. Sofia comenta que, no Peru, Ricardo não tinha muitos amigos, era bem tímido e calado: "um verdadeiro nerd", ela o define. Hoje, quem conhece Ricardo não acredita que ele tenha sido como Sofia o descreveu. Ele se tornou muito mais extrovertido e muito popular PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA entre os peruanos no Rio de Janeiro, bem diferente de como era no Peru. Ela mesma se surpreende com a transformação pela qual o amigo passou. Entre os estudantes entrevistados é comum refletirem sobre a sua vinda para o Brasil como um processo que transformou sua maneira de ser. Essa transformação é geralmente comentada como uma gradativa abertura da personalidade- ser mais expansivo, mais falante, mais comunicativo- a partir do contato com a sociedade carioca, marcada pela contínua interação, pela valorização da conversa e de conhecer novas pessoas. A transformação também é percebida como atingindo a dimensão do campo das possibilidades: neste caso, o Brasil é interpretado como um país que apresenta uma gama mais extensa e complexa de alternativas de vida. Esta dupla abertura se contrapõe tanto à cultura peruana, entendida como mais fechada e mais conversadora, como às possibilidades de vida disponíveis no país, analisadas como mais limitadas e menos diversas daquelas disponíveis no Brasil. Para muitos estudantes, a dupla abertura brasileira- no jeito de se comportar e no campo de possibilidades- imprime neles marcadas tão profundas que os fazem se sentir estranhos quando voltam ao Peru e, assim, eles começam a analisar que continuar no Brasil depois de formados é a decisão que mais lhe convém. Ricardo, por exemplo, quer continuar no Brasil, pois aqui ele pode se dedicar à área de pesquisa científica. No Peru, ele tem uma proposta de emprego para trabalhar numa universidade, porém, ele sabe que terá que ocupar toda sua carga horária com as aulas e não terão condições de fazer 228 pesquisas. Além disso, quando passa uma temporada mais prolongada no Peru, Ricardo sente saudades do Rio de Janeiro e do feijão brasileiro. 6.1.7 Transformações e as novas tecnologias Um sentimento que os entrevistados que continuaram a morar no Rio de Janeiro depois de formados, como Luis Fernando, compartilham é o de que, enquanto são peruanos, também são parte da sociedade brasileira. Concomitantemente, eles não se sentem como iguais aos peruanos que não saíram do Peru e nem exatamente iguais aos brasileiros. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o sentimento de pertencimento ao Peru e ao Brasil coabita, os estudantes também se percebem diferentes tanto dos peruanos quanto dos brasileiros No entanto, isto não significa que eles deixaram de se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA vê como peruanos. Eles continuam se vendo e se sentindo como tais, porém transformados pela experiência migratória. Como peruanos transformados, eles se envolveram com a sociedade brasileira a ponto de se sentir integrados à ela através da experiência migratória, como acontece com Luis Fernando, Enrique, Lorenzo, Rúben e Daniel, por exemplo. Entretanto, ser um peruano integrado à sociedade brasileira não significa se tornar um brasileiro por completo, mas manter uma visão crítica- de relativa distância- do Brasil que tem o Peru como referência. Um aspecto importante que deve ser levado em consideração quando analisamos o caso dos estudantes que chegaram ao Rio de Janeiro até inícios da década de 2000 é a dificuldade que eles enfrentavam para se comunicar com o Peru. Os estudantes que integram a "geração de 96", por exemplo, não mantinham um frequente contato com o Peru, o que aprofundava neles da sensação de que a mobilidade estudantil significava uma espécie de ruptura com o país de origem. Guillermo, que chegou ao Rio em 1993, se comunicava com sua família e amigos no Peru por carta. Seus pais moravam na zona rural de Cajamarca e não tinham telefone. As chamadas telefônicas internacionais eram caras. O acesso à internet ainda não estava tão difundido nem no Brasil, nem no Peru. As cartas levavam cerca de um mês para chegar de um país a outro e esta era a principal maneira que ele tinha de se conectar com o Peru. Esta é uma realidade muito diferente daqueles que vieram para o Rio de Janeiro quando o acesso à internet já está popularizado. A internet oferece um imensa gama de recursos para se comunicar com o exterior: redes sociais, emails, programas de 229 chamadas telefônicas a baixa custo, chamadas de vídeo. Todos eles contribuem para que os estudantes continuem mantendo contato com a família e os amigos no Peru e também os que estão em outros países do mundo, reforçando os laços de afinidade mesmo na distância. E ainda, alivia o sofrimento dos entes queridos que a distância física pode provocar. Hoje, Guillermo pode se comunicar com seus pais com mais regularidade. Eles continuam a residir no mesmo local e não tem acesso à internet. Mas agora, eles têm um celular e assim, podem se comunicar com o filho no Brasil a qualquer hora do dia. Outro aspecto que contribui para que os peruanos mantenham o contato com seu país é a crescente oferta de vôos para o Peru com passagens baratas. A disponibilidade de vôos baratos é um elemento que encurta as distâncias entre os dois países, possibilitando que os estudantes vão ao Peru com mais frequência e que seus parentes e amigos do Peru venham visitá-los no Brasil. Guadalupe, por exemplo, menos vivendo PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA com um orçamento limitado, economiza sua bolsa para ir ao Peru pelo menos 2 vezes ao ano. Sempre que tem férias ou um feriado mais prolongado, Rubén costuma visitar sua família em Arequipa. Assim, ele pode participar da vida social tanto dos seus amigos no Brasil quanto da sua família no Peru. Assim, os peruanos que chegaram ao Brasil num contexto em que tinham menos recursos em manter contato com o país relatam que seus primeiros anos no Brasil como uma experiência penosa, como se estivessem passando por um ruptura que provoca profundas mudanças. Os peruanos que chegaram em meados dos anos 2000 também percebem mudanças em si na experiência de viver fora do Peru, no entanto, esta experiência não é vivida como um processo menos abrupto do que o vivido, por exemplo, pela "geração de 96". Além de virem para o Brasil mais velhos, como alunos de pós-graduação, os informantes que se enquadram neste caso tinham nos recursos de comunicação uma importante ferramenta para reforçar o sentimento de que continuam participando da vida cotidiana peruana, mesmo estando distantes. Numa das vezes que visitei a família de Leyla no Peru, ela realizou uma chamada de vídeo via skype para sua irmã exatamente na hora em que eu estava em sua casa. Através do celular do seu cunhado, eu e Leyla conversamos por vídeo, eu, na casa da sua irmã em Lima e ela, no seu apartamento no Rio de Janeiro24. 24 A internet é também um importante recurso para compartilhar elementos da cultura peruana. Entre o grupo Sayari, por exemplo, é muito comum que assistamos vídeos no youtube para elaborarmos novas coreografias. Pela internet, também compartilhamos arquivos de música e pesquisamos figurinos. 230 6.2 A experiência migratória e as relações de gênero Logo nos meus primeiros encontros com peruano/as no Rio de Janeiro, era muito comum eles repetirem duas frases: “os peruanos são muito conservadores” e “os peruanos são muito machistas”. As duas afirmações eram geralmente proferidas quando o assunto girava em torno das relações afetivas e amorosas. O/as peruano/as comentam que, no seu país, existe a expectativa de que as pessoas não namorem muitos parceiros diferentes ao longo de sua vida, principalmente as mulheres. E é muito comum que um casal comece a namorar quando jovens e depois de muitos anos de namoro, fiquem noivos e se casem. Em compensação, eles analisam que no Brasil, as pessoas namoram mais e nem sempre se casam. Quando eu ouvia os peruanos e peruanas me dizendo que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA no Peru as pessoas são mais conservadoras, eu imaginava: as mulheres não se formam, nem trabalham; elas se casam, cuidam dos filhos e nunca se divorciam. Para minha surpresa, muito/as peruano/as, quando me contavam sua história de vida, comentavam que sua mãe sempre trabalhou fora, às vezes tendo um salário maior do que o do pai; muitas mães e pais tinham tido filhos de outros relacionamentos e em alguns casos, não chegaram a casar com o pai ou mãe do filho anterior; muito/as dele/as têm mães com Ensino Superior que atuam na sua área de formação. Entre os estudantes, também há casos de quem têm mães que casaram cedo, deixaram de estudar e o pai ocupa o papel de provedor da família. Como vimos no capítulo 3, a sociedade peruana é entendida como conservadora e tradicional, tendo a família como núcleo da vida social. O/as estudantes também percebem a sociedade peruana como machista ao analisar o lugar que a mulher ocupa no imaginário do país. Nele, as mulheres devem assumir o total controle do cuidado da casa e dos filhos e, por isso, é socialmente esperado que as jovens peruanas aprendam a ser boas mães e esposas. Os homens, por sua vez, assumem o papel de provedor, aquele garante a sustento econômico da família e se exime das atividades domésticas. No Brasil, o/as estudantes percebem diferenças na maneira como homens e mulheres se relacionam, tanto no espaço público como no privado. Esta percepção abrirá a possibilidade para que ele/as repensem as expectativas de gênero construídas na sociedade peruana e, em muitos casos, construam novas possibilidades de se sentir homem ou mulher. Partindo da definição de gênero como “qualquer construção social 231 que tenha a ver com a distinção masculino/feminino” (Nicholson, 2000, p. 9), os deslocamentos internacionais e a experiência migratória não estão neutros diante das representações de gênero, que atribuem a homens e mulheres diferentes papéis, habilidades e comportamentos. O debate sobre gênero e migração tem ressaltado a participação das mulheres nos processos migratórios (Medeiros, 2004; 2010; Pereira, 2010; Blay, 2009; Courtis e Pacecca, 2010), muitas vezes esquecidas atrás da figura do homem migrante ou da mulher como mera acompanhante dos homem. Para este trabalho, considero fundamental incluir o gênero no campo de análise, pensando como ele atua na percepção do/as estudantes sobre as diferenças entre o Brasil e o Peru e a repercussão que sentem em sua identidade. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA 6.2.1 Dançando conforme a música: do tondero às relações afetivas A primeira festa peruana em que eu estive presente foi a de celebração das Fietas Patrias do ano de 2011. A festa aconteceu na Lapa, centro da cidade, e teve entre suas atrações a apresentação de danças folclóricas pelo grupo Sayari Danzas Peruanas. Entre as danças apresentadas pelo grupo esteve o Tondero. O tondero é um estilo de dança e música que tem suas raízes na região de Piura, na costa norte do Peru. Com influências ciganas, africanas e andinas, ele é dançado em casal, que simula o processo de sedução do galo e da galinha. Considerado um ritmo mestizo, o tondero muitas vezes é incluído no repertório de grupos que tocam música criolla e afroperuana, como o grupo Negro Mendes. O tondero tem origens camponesas. Ele é dançado sem sapatos e durante toda dança, os dançarinos mantém os joelhos flexionados e a parte dorsal do corpo ligeiramente inclinada para frente, simulando a proximidade que os camponeses mantêm da terra, o solo de onde tiram o sustento. A dança é composta por uma série de passos e vigorosos sapateados, combinados com um incessante movimentar do quadril, principalmente da dama. Na execução da dança, dama e cavalheiro carregam um lenço na mão direita, com o qual tocam o solo em alguns momentos da dança e que, movimentando delicadamente o punho, a dama usa para chamar a atenção do cavalheiro. Uma característica marcante da dança é que ela segue uma estrutura: o casal sempre realiza movimentos que os aproximam, mas, logo em seguida, se afasta. A dança é portanto marcada por duas dinâmicas centrais: o coqueteo, ou seja, a paquera, a 232 sedução- momento em que o casal se aproxima; e a fuga, quando os dançarinos se afastam, impedindo que a paquera se concretize na união de fato do casal. Nesta trama, será apenas no final da dança que, finalmente, os dois permanecerão juntos, demonstrando que o galo foi bem-sucedido e, finalmente, conquista a galinha (foto no anexo 9). O tondero foi uma das primeiras danças folclóricas peruanas que eu vi ao vivo. Quando o vi pela primeira vez, me impressionei pela sua beleza, que agrega elementos rústicos-, como os pés descalços e a postura dos dançarinos, sempre agachados, e os intensos sapeteados e movimentos dos quadris-, com a leveza do movimento do lenço, da saia da dama e do chapéu do cavalheiro25. Mais do que representar a vida no campo e o processo de sedução entre o galo e a galinha, o tondero26 traz elementos importantes para uma análise das relações de gênero entre os peruanos. *** PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Para muitos estudantes, compreender a maneira como homens e mulheres brasileiros se relacionam na dimensão amorosa e sexual é um desafio cotidiano, que exige grande esforço e uma capacidade de perceber as nuances entre os casais no Peru e no Brasil. A imagem do Rio de Janeiro como cidade do carnaval e da praia está associada à ideia de que as pessoas no Brasil são mais liberais, principalmente as mulheres. Em geral, elas são imaginadas como mais "fáceis" e mais disponíveis para ter relações afetivas e/ou sexuais sem exigir do parceiro um compromisso mais duradouro do que as peruanas. Rubén se lembra que, quando veio para o Brasil, imaginava que, além do futebol, da praia e do carnaval, o Rio de Janeiro era uma cidade em que as mulheres seriam “fáceis”. Apesar de não utilizarem o mesmo termo para se referir ao comportamento das mulheres brasileiras, outros estudantes mencionam que percebem as mulheres 25 O tondero foi a dança que mais me estimulou a entrar no grupo Sayari Danzas Peruanas. A oportunidade que o grupo me ofereceu para aprender a dança que tanto tinha me emocionado me fez seguir os ensaios do grupo até que me tornar uma integrante. Até a presente data, apresentei o tondero em eventos como as duas festas em comemoração ao dia Independência do Peru que aconteceram em 2012, na celebração do Sr. de los Milagros e em shows do grupo Negro Mendes. No ano de 2013, realizei aulas de tondero com professores da dança no Peru, que confirmaram que o grupo Sayari me ensinou bem a dançar o tondero, dança que no Peru não é muito popular ou conhecida. 26 Apesar do tondero ter sido fundamental na minha experiência de campo, ele não está entre as danças folclóricas mais famosas no Peru. Desde a década de 1960, a marinera é a dança folclórica que ganhou status de “dança nacional”, remetendo à retomada do orgulho peruano após a derrota do Peru para o Chile na Guerra do Pacífico (Busse, 2008). Usando a dança como objeto de estudo, Ccopa (2011) realiza uma interessante análise das transformações nas relações afetivas e sexuais através do reggaeton e das festas de perreo, que ao contrário de danças tradicionais como a salsa e o merengue que tem o homem como o condutor da dança, são as mulheres que assumem a liderança do ritmo. 233 brasileiras são mais “abertas” que as peruanas: elas conversam mais, são mais simpáticas, o que facilitaria o flerte. Associada à ideia de que as mulheres brasileiras são bonitas, e que exibem seus belos corpos na praia e no carnaval, a imaginação de que as brasileiras são mais acessíveis que as peruanas alimenta em muitos estudantes a esperança de que no Rio de Janeiro eles terão mais sucesso na sua vida afetiva e sexual do que no Peru. No entanto, no Rio de Janeiro, os estudantes percebem que se relacionar com uma brasileira apresenta uma série de desafios não-previstos anteriormente. Além do idioma, que se constitui uma barreira inicial para a comunicação com as brasileiras para aqueles que não falam Português, muitos só aqui se dão conta que homens e mulheres brasileiros apresentam formas de se relacionar diferentes das de homens e mulheres peruanos. O/as estudantes analisam que um homem e uma mulher peruanos investem mais tempo antes de decidirem se relacionar amorosa e/ou sexualmente. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA No Peru, o casal se encontra algumas vezes para conversar antes de ter sua primeira relação sexual ou iniciar um namoro. Ele/as percebem que, no Brasil, o lapso de tempo entre o primeiro encontro e o primeiro beijo e/ou primeira relação sexual é exageradamente reduzido. Alguns comentam que, muitas vezes, um casal no Brasil se beija antes mesmo de saber o nome um do outro, o que ilustra um caso extremo do ficar. Uma amiga peruana que estuda no Rio de Janeiro relatou que se surpreendeu muito com a forma como os brasileiros abordam as mulheres. Certa noite, ela saiu para dançar e um rapaz a convidou para dançar. Durante a dança, ele tentou beijá-la, sem pedir seu consentimento. Outro rapaz veio ajudá-la, separando os dois. Este rapaz começou a dançar com ele e, igualmente ao primeiro, tentou beijá-la a todo custo. O ficar é uma prática comum entre homens e mulheres brasileiros e se caracteriza pelo estabelecimento de uma relação afetiva e/ou sexual efêmera, que não ganha a formalidade de um namoro. No ficar, o casal se isenta das responsabilidades de um namoro, entre elas, o compromisso de manter a fidelidade ao parceiro. Na pesquisa que realizaram com estudantes latino-americanos27, Alencar-Rodrigues e Strey (2010) observam entre eles uma grande surpresa ao conhecer o ficar. Eles comentam que em seus países o ficar não é uma prática rotineira. O estudante paraguaio, por exemplo, conta que ficou “apavorado” com esta prática (p.52). A entrevistada peruana, por sua 27 A pesquisa se baseou em entrevistas realizadas com seis estudantes do Chile, Equador, Nicarágua, Paraguai, Peru, matriculados em cursos de graduação e pós-graduação no Rio Grande do Sul. Dentre os entrevistados, estão um homem e uma mulher peruanos. 234 vez, explica que as mulheres no Peru preferem namorar do que ter uma relação passageira. Uma questão que não pode ser preterida no debate sobre o gênero é como os atores envolvidos compreendem e analisam as relações de gênero no seu país de origem e no receptor. Para os latino-americanos entrevistados pelas autoras, o ficar, da forma como é praticado no Brasil, é algo estranho. Alguns, principalmente os homens, se adéquam a esta prática e valorizam o fato de não ter que investir muito tempo para se relacionar com um/a parceiro/a. Entretanto, para outros estudantes- alguns poucos homens e a maioria das mulheres-, o ficar é uma prática negativa, em que a relação entre homem e mulher se banaliza. Mesmo quando se adaptam a esta prática, alguns homens e mulheres estrangeiros continuam a ter uma visão negativa do ficar, considerando as brasileiras mais "fáceis", menos confiáveis e mais volúveis que as mulheres de seus países de origem,. Augusto e Gladys descrevem a reação que tiveram PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA quando conheceram o ficar: um choque. Para Augusto, o ficar representa um excesso de liberdade que homens e mulheres têm no campo das relações sexuais que compromete a construção de relacionamentos mais profundos, sólidos e duradouros. Por prezar por valores católicos, ele reprova esta prática. Meus amigos peruanos28 me explicam que a diferença entre o Brasil e o Peru não é que no Peru não exista a figura do ficar, ou seja, uma relação amorosa/sexual sem compromisso. A diferença entre os dois países é que mesmo uma relação aberta e mais fluída como o ficar leva mais tempo para se concretizar do que no Brasil. E, no Peru, as pessoas ficam escondidas, para que o caso não se torne público. O tipo de relação no Peru que se assemelha ao ficar brasileiro é o choque y fuga: tipo de relação afetiva e/ou sexual sem maiores compromissos. Para chegar ao choque y fuga, o homem toma a iniciativa de convidar a mulher para sair como tentativa de seduzi-la. Caso esteja interessada, ela aceita o convite. Ccopa (2011) explica que a expressão choque y fuga remete a um tipo de acidente automobilístico em que o motorista atropela um pedestre e, ao invés de socorrer a vítima, ele foge do local do acidente. Quando se refere à relações afetivas, o choque y fuga significa um tipo de vínculo amoroso e sexual passageiro, que não implica que os envolvidos assumam qualquer compromisso. Ele é "é um encontro afetivo-sexual efêmero, fugaz, momentâneo, não contínuo, que surge de maneira fortuita, casual. E 28 O tema das relações afetivas e sexuais no Brasil e no Peru não aparece a não com peruano/as com quem estabeleci uma relação de mais proximidade e confianza. 235 assim como surge, de maneira rápida, assim também se vai" (p.66)29. O pressuposto deste encontro é que o casal não se envolva além da própria relação sexual e que não tenha nenhuma expectativa prospectiva. Enquanto Ccopa enfatiza o caráter efêmero do choque y fuga, a/os estudantes ponderam que mesmo este tipo de relação só chega acontecer depois que o casal se encontrou algumas vezes e, por isso, se conhecemainda que superficialmente. Raramente, o choque y fuga acontece entre desconhecidos, pessoas que acabaram de se conhecer. O choque y fuga é precedido pela sedução, quando o homem precisa usar do floro (p. 160): habilidade de falar coisas bonitas capazes de conquistar a mulher, que muito se aproxima lábia, na gíria carioca. Outra característica das relações amorosas e/ou sexuais entre brasileiros que causa estranhamento em algun/mas os/as estudantes é a maneira como eles se aproximam quando interessados uns nos outros. Osvaldo comenta que, no Peru, o homem é sempre quem toma a iniciativa, através do floro. Ele reconhece que a estratégia que usava no PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA Peru para conhecer mulheres não funcionava com as brasileiras, acostumadas com outro ritmo de aproximação. Osvaldo percebeu que, se quisesse namorar uma brasileira, ele teria que adaptar sua estratégia de paquera à cadência mais acelerada das relações brasileiras. Muitos estudantes gostariam de ter uma namorada brasileira, mas encontram uma série dificuldades para se relacionar com elas. No caso de Osvaldo, sua tentativa de adaptação ao modo de se relacionar de brasileiros e brasileiras teve o resultado que ele esperava: ela conheceu uma brasileira com quem namorou e com quem hoje está casado. Carolina, brasileira que tem ascendência peruana por parte de pai, numa conversa entre nós e alguns amigos peruanos em que eles ressaltavam as vantagens de se relacionar com um peruano, comentou que ela já tinha namorado um peruano. O rapaz era muito doce, carinhoso e tinha uma habilidade que despertou sua atenção: ele falava tudo o que ela queria ouvir. Porém, ele sempre fazia o que ele queria. Carolina insinuou que nem tudo o que o rapaz dizia era realmente o que ele sentia, mas sim uma forma de mantê-la seduzida para ele ter mais espaço de agir segundo suas próprias preferências. O floro se desenvolve no contexto peruano, pois, mesmo quando o homem e a mulher estão interessados no choque y fuga, o costume no Peru é que a mulher não aceite ter um contato mais íntimo com o homem no primeiro encontro, ainda que assim o queira. 29 "(El choque y fuga) es un encuentro afectivo-sexual efímero, fugaz, momentáneo, no-continuo, que surge de manera fortuita, casual. Y así como surge, de manera rápida, así también se va". (Ccopa, 2011, p.66) 236 O/as estudantes explicam que, caso uma mulher no Peru aceite ter relações íntimas com um rapaz na primeira vez que eles se encontram, ela será alvo de severas críticas: será malvista e difamada no seu círculo de amizades e terá sua reputação comprometida. Temendo tais retaliações, as mulheres peruanas se previnem, disfarçando seu desejo e analisando com cuidado seus pretendentes até encontrar alguém em quem confie que manterá o caso em segredo e não irá difamá-la. Ccopa (2011) observa uma mudança nas relações sexuais na sociedade peruana nos últimos 20 anos, em direção à um maior liberdade. Porém, o autor reconhece que a sexualidade feminina é rigidamente controlada por instituições que reprimir o prazer e o sexofemininos, sobretudo. Como consequência, as mulheres reagem através da vergonha e apresentam uma extrema discrição diante das relações sexuais. Para os homens, ao contrário, as aventuras amorosas e sexuais são consideradas pontos positivos que PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA reforçam sua masculinidade: É conhecido que o homem, ter aventuras amorosas e sexuais não é um problema, mais sim um ponto a favor. Por outro lado, a mulher, sobretudo a de antes, por mais que tivesse essas aventurais, tinha que ser discreta. Tinha que calar, ocultar para evitar a reprovação social (Ccopa, 2011, p.87)30. Para Sofia, as relações afetivas e sexuais entre o/as brasileiro/as são mais livres, sinceras e menos sujeitas ao controle da sociedade que no Peru, onde o poder de coerção social atua de maneira atroz sobre a mulher. Ela pondera que homens e mulheres no seu país têm seu comportamento amoroso e sexual fortemente influenciado pela opinião dos que estão em volta, que exercem uma ativa vigilância, sobretudo sobre a sexualidade feminina. Sofia conclui que, no Brasil, as pessoas não se preocupam tanto com o que os outros vão pensar sobre suas relações amorosas, por isso as mulheres têm mais autonomia sobre seus sentimentos e relacionamentos. Como no Peru todos se preocupam com a avaliação que a sociedade fará de suas decisões no campo das relações amorosas e sexuais, as pessoas dissimulam suas reais intenções. No entanto, ao mesmo tempo em que reconhecem que no Brasil há mais liberdade na esfera da afetividade e da sexualidade e que isso é positivo, algun/mas estudantes analisam que tamanha liberdade faz com que os relacionamentos amorosos com 30 Es conocido que para el hombre tener aventuras amorosas y sexuales no es un problema, más bien es un punto a favor. En cambio, la mujer, sobre todo la de antes, por más que tuviera esas aventuras, tenía que ser discreta. Tenía que callar, ocultar para evitar la condena social (Ccopa, 2011, p.87). 237 brasileiros tendam a ser mais efêmeros, se aproximando da percepção de Augusto. Como, no Brasil, a qualquer momento um homem ou uma mulher pode se interessar por outra pessoa e ela corresponder publicamente, a sensação que algun/mas estudantes têm é que uma traição é sempre iminente num relacionamento com um/a brasileiro/a. Sendo mais livres e sofrendo menos vigilância da sociedade, os/as brasileiras/os poderiam dar vazão aos impulsos sexuais de maneira mais irrefletida que o/as peruano/as. Em outras palavras, a pressão que a sociedade peruana exerce sobre o comportamento sexual dos indivíduos faria com que eles controlassem seus impulsos, o que teria uma consequência que alguns avaliam como positiva: temendo a sanção social, os indivíduos se manteriam mais fiéis ao compromisso que assumiu com o/a namorado/a. *** Assim como o futebol foi importante para que eu compreendesse a dinâmica dos PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA diferentes grupos que compõem a comunidade peruana no Rio de Janeiro, o tondero trouxe elementos preciosos que me ajudaram a compreender as relações de gênero no campo da afetividade e da sexualidade entre os/as estudantes peruano/as. Composto por uma sucessiva sequência de passos em que os dançarinos se afastam e se aproximam, o tondero demonstra o processo de sedução que culmina com a conquista da galinha pelo galo, concretizado apenas no final da dança. Como metáfora das relações de gênero, o tondero ilustra a maneira como homens e mulheres peruanos se comportam até chegar a estabelecer uma relação afetiva e/ou sexual. A partir da representação das relações afetivas e sexuais entre peruanos, o/as estudantes analisam que o processo de sedução no Peru, mesmo quando ambos estão interessados, não se concretiza até que o homem convença a mulher de que é confiável e que não vai difamá-la. É a mulher quem toma a decisão final na dinâmica do coqueteo, que, segundo Ccopa (2011), "é um jogo de poder feminino, cujo atrativo está na sua ambivalência, em que o sim e o não estão presentes no mesmo movimento" (p.55)31. Assim como no tondero, a sedução - o coqueteo- só tem seu desfecho depois de uma sequência- não de passos-, mas de encontros e conversas. Antes da sedução culminar na conquista, a mulher se reveza entre corresponder à paquera, participando do processo de sedução, e manter uma distância que garanta a preservação de sua reputação. No entanto, nas relações afetivas, nem sempre o desfecho do coqueteo e a 31 La coquetería es un juego de poder femenino, cuyo atractivo está en su ambivalencia, en donde el sí y el no están presentes en el mismo movimiento (Ccopa, 2011, p.55). 238 fuga é a conquista. Na realidade, muitas vezes, mesmo quando não está interessada, a mulher não deixa sua posição clara para o homem: ela alimenta a paquera até um dia que se recusa a continuar se encontrando com o pretendente. Guadalupe observa que é comum que as mulheres peruanas não deixem claro como se sentem numa relação, muito diferente das brasileiras, que falam diretamente para seus parceiros seus interesses e intenções. Assim como o tondero não é uma dança praticada entre os brasileiros, o/as estudantes peruano/as descobrem no Brasil que a dinâmica das relações afetivas e sexuais não segue a mesma cadência que no seu país de origem. Aqui, eles encontram um cenário no qual a mulher muitas vezes inicia o processo de sedução e as pessoas investem menos tempo até decidirem se relacionar afetiva e/ou sexualmente umas com outras. Ao mesmo tempo em que estar longe do Peru significa encontrar uma oportunidade para se afastar das pressões que a sociedade peruana exerce sobre a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA sexualidade e a afetividade dos jovens, estar no Brasil exige deles uma capacidade de se adaptar a maneira como homens e mulheres brasileiros interagem e se relacionam, principalmente para aquele/as que gostariam de ter um relacionamento com alguém da sociedade local. E é neste processo de adaptação que os/as estudantes poderão encontrar meios para dançar conforme a música que rege as relações afetivas e sexuais no Brasil. 6.2.2 As relações de gênero como uma experiência comparativa Para peruanos e peruanas, homens e mulheres no Brasil são mais liberais nos seus relacionamentos afetivos. As mulheres brasileiras são representadas como mais bonitas, simpáticas e abertas que as peruanas por muitos estudantes. Estes preferem se relacionar com brasileiras, por considerá-las mais atraentes e também mais acessíveis que suas compatriotas. Além da simpatia e da beleza, a mulher brasileira também é representada como mais sensual e sedutora, imagem comum não apenas no Peru, mas também em outros países. Rezende (2009) mostra que a brasileira é representada em diferentes países da Europa e da América do Norte como uma mulher sensual. Esta representação repercute na maneira como as estudantes brasileiras de doutorado são vistas e tratadas no exterior, gerando nelas um grande desconforto. Elas não se veem assim, por isso, se surpreendem que a sociedade receptora as vejam e as tratem como mulheres sensuais. Em conversa 239 com o namorado de uma estudante peruana que é de origem italiana, ele comentou que seus amigos da Itália imaginam que o Rio de Janeiro é um verdadeiro paraíso, com sol o ano inteiro, praias deslumbrantes e lindas mulheres. Essa é a vida que eles imaginam que o amigo tem, agora que deixou sua pequena cidade na Itália para morar no Rio de Janeiro: que ele passa o dia inteiro na praia, cercado por lindas mulheres de biquíni. Assim como os estudantes peruanos, os estudantes moçambicanos também preferem namorar brasileiras por considerá-las mais bonitas, abertas, simpáticas e receptivas- elas aceitam mais facilmente ficar ou namorar- que as moçambicanas ou as africanas de outras nacionalidades. As estudantes moçambicanas, ao contrário, preferem namorar um moçambicano ou um homem de outro país africano, evitando os brasileiros. Para elas, os brasileiros são “malandros”, não levam o relacionamento a sério e também são agressivos. Elas criticam a prática do ficar e optam por relacionamentos mais duradouros e estáveis, construídos a partir de uma amizade PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA (Subuhana, 2005). Assim como as moçambicanas, as estudantes cabo-verdianas também preferem se relacionar com seus compatriotas (Hirsch, 2007). Elas consideram mais fácil se relacionar com alguém que compartilha da mesma cultura. Uma delas conta que prefere os cabo-verdianos porque os brasileiros “não prestam”, “o brasileiro é muito chiclete” e quer “passar 24 horas juntos” (Hirsch, 2007, p. 127). Já os cabo-verdianos não restringem seus relacionamentos às mulheres da mesma nacionalidade. Eles repreendem as cabo-verdianas quando elas assumem relacionamentos com homens de outras nacionalidades, porém o mesmo não acontece quando são eles os que se envolvem com mulheres não-caboverdianas. As cabo-verdianas, entretanto, não gostam que seus conterrâneos namorem mulheres brasileiras. Uma estudante reclama que os caboverdianos são roubados pelas brasileiras (p. 126). Hirsch pontua que a estudante entende os relacionamentos de homens cabo-verdianos com mulheres brasileiras como um problema da mulher brasileira, que astutamente rouba os homens da comunidade, e não como uma opção dos cabo-verdianos, que preferem as brasileiras (p.127). Apesar da questão de gênero e sua atuação no campo da afetividade não ser o tema central desta pesquisa, ela tangencia a experiência migratória do/as estudantes e, por isso, se tornou um importante tema de conversa durante o trabalho de campo. No roteiro de entrevista, não há questões sobre como o/as estudantes percebem a maneira de agir e pensar de homens e mulheres no Brasil e no Peru, porém, este era um assunto recorrente na vida cotidiana. Algun/mas estudantes com quem desenvolvi uma relação 240 de mais confianza me pediam conselhos sobre como se comportar com o/as pretendentes brasileiro/as. Além disso, o fato de eu ser uma jovem casada contribuiu para que muito/as peruano/as me identificassem como mais próxima da representação de mulher peruana- como uma mulher mais reservada, que casa na juventude- do que de brasileira- uma mulher liberal, que adia o casamento para viver livremente sua sexualidade. De uma maneira geral, o/as estudantes concordam que o/as brasileiro/as são mais diretos nas suas relações afetivas: eles deixam claro quando estão interessados e quando não. Para muitos, esta é uma qualidade que pesa na hora de escolher um/a parceiro/a. Gabriela se difere muito da representação de peruana que o/as estudantes afirmam ser a difundida no Peru. Ela tem sempre posições firmes, ela é segura de si e sempre muito franca. Sem rodeios, ela sempre deixa explícito o que ela pensa. Quando conversamos sobre o comportamento de um amigo peruano nosso, que não revelava publicamente seu PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA namoro, ela comentou que chegou a namorar um peruano no Rio de Janeiro. Entretanto, ela achou estranho que mesmo depois de estarem juntos há alguns meses, ele não assumia o relacionamento. Cansada de esperar, ela desistiu do rapaz. Assim como Gabriela se cansou do namorado peruano, Matias, peruano que cursa o doutorado na PUC-RJ, de maneira mais radical, se diz cansado do modo de ser das peruanas e das hispano-americanas, em geral. Ele explica que elas fazem o rapaz esperar meses- só saindo e conversando-, até darem uma resposta se querem ou não namorá-lo. Ele diz preferir mais “o jeito” das brasileiras, principalmente a beleza, a simpatia e a sinceridade. Por isso, ele só quer namorar brasileiras e nem cogita a possibilidade de namorar uma peruana no Rio de Janeiro. Enquanto muitos estudantes demonstram grande entusiasmo com a ideia de namorar uma brasileira, entre as mulheres, namorar um brasileiro é uma possibilidade que elas não descartam, mas também não se constitui uma meta a ser alcançada. Para as estudantes que participaram da pesquisa que hoje têm namorados brasileiros, o relacionamento surgiu de uma maneira gradativa, inesperada e não deliberada. Os estudantes peruanos se demonstram muito mais dispostos a se esforçarem para namorar uma mulher brasileira que as peruanas em namorar um homem brasileiro. Entre os estudantes, o interesse pelas brasileira é reforçado pela curiosidade que muitos têm em se relacionar com uma estrangeira. O maior interesse dos peruanos em namorar uma brasileira do que as peruanas em namorar um brasileiro pode se relacionar a outro fator, de ordem objetiva. Entre os 241 estudantes no Rio de Janeiro há uma predominância de homens. Na minha assídua participação nos eventos peruanos, a presença de estudantes peruanas era sempre significativamente menor que a de peruanos. Enquanto Matias têm as brasileiras como suas únicas pretendentes, outros estudantes não têm preferência de nacionalidade quando escolhem suas parceiras. Renato, por exemplo, comenta que não tem preferência por brasileiras ou peruanas, mas como conhece poucas peruanas no Rio de Janeiro que estejam na sua faixa etária, ele reconhece ter mais chances de se relacionar com brasileiras. Rubén concorda com o amigo. Para os dois, namorar uma brasileira é mais um fenômeno contingente do que deliberado. Brasileiras e peruanas não são as únicas mulheres com quem os estudantes se relacionam. Alguns estudantes que conheci já se namoraram outras hispano-americanas, como argentinas, panamenhas e colombianas. Ricardo é o único estudante que tem uma declarada preferência por se relacionar com peruanas. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA A beleza atribuída à mulher brasileira está associada a determinados atributos físicos valorizados na sociedade peruana como marcas de feminilidade, como um corpo com quadril largo, pouca gordura acumulada na região abdominal e com curvas sinuosas32 delimitadas por uma cintura fina. Entre os aspectos físicos que pesam na opção pela mulher brasileira em detrimento da peruana está a questão da raça. Guadalupe afirma que, como o Peru é um país ainda segregado racialmente33, as mulheres brancas34 no Peru das classes altas não se relacionam com homens mestizos das classes médias e baixas. A estudante explica que a segregação no Peru é tamanha que lá, uma menina branca nem cumprimenta um rapaz mestizo. Quando ela vê seus colegas da PUC-RJ, ela percebe neles uma grande empolgação quando as brasileiras brancas, suas colegas de universidade, conversam com eles. No Peru, uma moça com as mesma características físicas nunca dirigia a palavra a grande parte deles, analisa. Guadalupe nota que, como a PUC-RJ é uma universidade de elite, as brasileiras que estudam lá são patricinhas: elas são brancas, pertencentes à classe média alta carioca. Apesar da convivência na universidade, as patricinhas evitam relacionar-se com os peruanos fora do espaço 32 Ver capítulo 3. Ver capítulo 3. 34 Douglas já namorou uma brasileira negra e teve receio que sua família a discriminasse. Eles nunca chegaram a ir ao Peru juntos, mas quando sua irmã veio ao Brasil visitá-lo, eles se deram bem. Ele conta que se surpreendeu com sua irmã, que no Peru demonstrava ter atitudes racistas. O único comentário que Douglas mencionando a questão da raça foi de uma tia, que disse para ele, em tom jocoso: “cuidado con la negrita!” 33 242 universitário. Por isso, Guadalupe observa que são raros os casais formados entre estudantes peruanos e suas colegas brasileiras, mesmo esse sendo o desejo de seus conterrâneos. O que ela observa é que os muitos peruanos namoram brasileiras que, mesmo quando brancas, são de classe mais baixas, como as moradoras do Parque da Cidade. As brasileiras cujos namorados ou maridos são do Peru comentam que os peruanos são muito mais carinhosos que os brasileiros. Eles dão mais atenção à mulher, são mais românticos e corteses. Felizes com seus namorados peruanos, as brasileiras inclusive recomendam às suas amigas que experimentem namorar um peruano. A reputação do homem peruano como mais afetuoso e envolvente que o brasileiro não está restrita aos círculos de relações das brasileiras, suas amigas e namorados, mas também ecoa na internet. Na rede social orkut, são inúmeros os comentários de brasileiras que declaram seu interesse por peruanos. Um exemplo é a comunidade PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA “BRASILEIRAS(OS) & PERUANOS(AS)”, aberta por um peruano interessado em conhecer histórias de brasileiras que se interessam por peruanos e vice-versa. Num dos fóruns de discussão, o moderador do grupo lança a pergunta: “o que vocês pensam dos peruanos em geral?”., As brasileiras respondem35: Os peruanos são muitos amáveis, muito carinhosos, atenciosos, educados, são muito diferentes da maioria do homens brasileiros, pois sabem dar valor a uma mulher!!! Internauta 1. os peruanos são tdo d booooommmmmm!!!!!!!e mais um pouco!!! nada a ver com brasileiros,os peruanos sim sabem ser homens d verdade!! Internauta 2. PERUANOS.......... AMOOOOOOOOOOOOOOOOOO............... A melhor experiência da minha vida, estar a cada dia do lado de um Peruano!!! Internauta 3. Apesar das repostas positivas, uma brasileira entra na discussão e diz que ao contrário das outras, ela não teve uma experiência bem sucedida com um peruano. Algumas brasileiras, antes de se relacionarem com seus atuais companheiros peruanos, já haviam namorado outro peruano. Mesmo o relacionamento anterior não tendo perdurado, elas avaliaram positivamente a experiência de ter namorado um peruano. 35 http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?tid=5337099084158505514&cmm=62530437&hl=pt-BR 243 Satisfeitas com sua atual situação afetiva, elas recomendam que às suas amigas solteiras que sigam seu exemplo e namorem peruanos. 6.2.3 Velho/a pra casar?: mobilidade estudantil e gênero Outro aspecto em que o gênero tangencia a experiência migratória do/as estudantes peruano/as no Rio de Janeiro, dentre muitos, é a sua relação com a vida conjugal. Como já afirmamos anteriormente, o perfil que predomina entre os estudantes é de jovens, homens e solteiros. Em conversa com um grupo de estudantes de pósgraduação da PUC-RJ- três homens e duas mulheres-, quando eles souberam que eu era casada, me perguntaram com quantos anos as pessoas no Brasil costumam casar. Aproveitei a pergunta para devolvê-la, interrogando como era no Peru. Eles me PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA disseram que lá é comum as pessoas casarem por volta dos 25 anos. Quem passa desta idade é considerado velho/a para casar. Eu então atendia às expectativas peruanas, pois me casei exatamente aos 25 anos! A fala dos jovens explicita que o casamento é uma expectativa que a sociedade peruana inclui no campo de possibilidades dos indivíduos, que devem se casar antes que completem 30 anos. Todos os cinco jovens eram solteiros e com mais de 30 anos, ou seja, já estariam velhos pra casar. Assim como eles, a grande maioria do/as estudantes de pós-graduação também se enquadra neste perfil. A decisão de sair do Peru para estudar pode, então, estar relacionada não apenas com questões educacionais e profissionais, mas também com o estado civil do/as estudantes e sua inserção na vida familiar. Como solteiro/as, com idade superior à idade média em que se espera casar e sem filhos, ele/as seriam mais autônomos para deixar o mercado de trabalho peruano com o objetivo de estudar no exterior. Por não s casados ou ter filhos, eles não estariam sujeitos às responsabilidades socialmente atribuídas aos maridos e esposas, pais e mães. E também, no exterior, eles poderiam viver numa sociedade em que não são cobrados a casar e ter filhos. Solange chegou ao Rio de Janeiro com 40 anos, é solteira, nunca casou e não tem filhos. Ela diz que os homens peruanos são muito machistas e muitas de suas amigas peruanas estudaram, terminaram a faculdade, mas acabaram casando, tendo filhos e renunciando a carreira em nome da família. Ela conta que é isto que se espera de uma mulher do Peru. Como ela não concorda com esta expectativa, ela tem planos de 244 se dedicar à carreira, não casar e não ter filhos. Para ela, sair do Peru é uma alternativa para se afastar das expectativas de gênero que poderiam colocar em risco os planos que fez para si mesma e sua carreira. Assim como Solange, Lorenzo reconhece que na sociedade peruana há a expectativa de que as pessoas se casem, com reconhecimento civil e religioso. Ele comenta que, como uma sociedade que valoriza os laços familiares, no Peru são muito malvistos os casais que vivem juntos sem casar. E geralmente, um casal começa a namorar, namora por voltar de 5 anos, noiva por 2 e só depois se casa. Assim era quando ele saiu do Peru, há mais de 10 anos. Lorenzo reconhece que tais expectativas podem ter mudado ao longo da década que vive no Brasil. O/as estudantes que saíram do Peru anos mais tarde que Lorenzo indicam que as expectativas em torno do casamento formalmente reconhecido continuam a ter um peso na vida e nas decisões do/as jovens peruano/as. Sofia, por exemplo, se incomoda quando reencontra suas PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA amigas de graduação e, a grande maioria já casadas e com filhos, olha para ela com pena por ela continuar solteira, como se isso fosse uma infelicidade. Além de influenciar a maneira como os indivíduos compreendem as relações afetivas, as representações de gênero também influenciam a relação entre estudo, trabalho e o significado da mobilidade para homens e mulheres. Os estudantes latinoamericanos entrevistados por Alencar-Rodrigues e Strey (2010), por exemplo, consideram que a mulher brasileira se interessa mais pela carreira, pelo trabalho e pela formação que a mulher peruana, por exemplo. O entrevistado peruano conta que mesmo quando as peruanas fazem faculdade, elas terminam se tornando donas de casa, assumindo o cuidado da casa e dos filhos (p.51), como pontuou Solange. Subuhana (2005) observa que as mulheres moçambicanas são as que mais expressam como um dos motivos que pesou na decisão de estudar no exterior foi adquirir autonomia e liberdade em relação aos pais e à família. No Brasil, elas preferem morar sozinhas, valorizando a privacidade e o poder de decisão sobre como gerir a casa. Provavelmente, no país de origem, elas são as que sentem mais o controle da sociedade sobre seu comportamento. Se por um lado, morar sem os pais é valorizado, assumir todas as responsabilidades domésticas é considerado penoso e desgastante. Uma das estudantes entrevistadas por Subuhana afirma que o que ela mais sente falta de Moçambique é o conforto que tinha na casa dos pais. No Brasil, ela precisa estudar e ainda lavar sua roupa, cozinhar e limpar a casa. Esta mesma estudante conta que quando está em 245 Moçambique se sente presa, porque não pode sair sem a permissão dos pais. Os estudantes guineenses e cabo-verdianos egressos de universidades brasileiras e que voltaram para seus países também estranham quando precisam voltar a viver sob a tutela dos pais (Mourão, 2011a). Uma vez que o gênero é uma categoria elementar para todas as sociedades- não há sociedades que não estabeleçam definições de masculino e feminino, homem e mulher-, seu poder não está circunscrito às fronteiras nacionais e, em muitos casos, ele atua impulsionando ou limitando as alternativas de cruzar as fronteiras e de se mover pelo mundo. Pessar e Mahler (2001) defendem que os estudos gênero associado ao estudos dos movimentos migratórios têm muito a contribuir para uma reavaliação da circulação de pessoas pelo globo, ao examinar como as relações de gênero facilitam ou constrangem a imigração de homens e mulheres. As autoras explicam que o gênero opera simultaneamente em múltiplas escalas espaciais e sociais, como o corpo, a família PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA e o Estado, através de domínios transnacionais. Além disso, o gênero está fundamentado numa hierarquia entre os sexos, dando significado às relações de poder (Scott, 1991). No caso do/as estudantes peruano/as, estamos nos referindo a um tipo de deslocamento específico: qualificado, ele é amparado por mecanismos jurídicos. A participação de mulheres peruanas na mobilidade estudantil se dá num contexto de crescente aumento do número de mulheres peruanas que vão para o exterior. Segundo estimativas, entre 1994 a 2010, dos 1 milhão e 558 mil peruanos que emigraram, 50,6% eram mulheres e 49,4% homens. No ano de 2010, estimava-se que 53,4% dos emigrantes eram mulheres e (INEI et al., 2012). A expressiva ampliação das mulheres peruanas nos fluxos de emigração tem ocorrido principalmente através de sua inserção em redes de trabalho doméstico em países do hemisfério norte, na Argentina, no Chile e mais recentemente no Brasil (Alman, 2009; Courtis e Pacecca, 2010; Escrivá, 2000; Holper e Nuñez, 2005, Dutra, 2012), assumindo a posição de protagonistas no movimento migratório. Em muitos casos, elas são as primeiras a migrar para, mais tarde, trazer outros membros da família e da comunidade (Alvites, 2011). As estudantes peruanas não apenas se diferem deste fluxo pela sua qualificação, mas também porque o tipo de mobilidade de empreende tem como foco principal a experiência individual, como estudante e profissional, e não familiar, como no caso das emigrantes. Um número significativo das emigrantes são mulheres casadas e com filhos que identificaram na emigração uma alternativa de prover o sustento e o cuidado da família, estendendo os laços familiares para além das fronteiras nacionais (Busse, 246 2011). Já as jovens peruanas vêm para o Rio de Janeiro solteira e sem filho, imbuídas de um projeto individual. Elas estão inseridas em áreas de conhecimento nas quais predominam homens, como as Engenharias e a Física36 e sair do país é a chance que identificaram para desbravar novos campos de atuação dentro da sua formação. Mesmo quando compartilham da mesma nacionalidade, homens e mulheres podem ter percepções diferentes sobre a experiência migratória, encontrarem chances distintas para se deslocar internacionalmente ou se inserir na sociedade receptora, como mostra a pesquisa de Kitahara (2005) com casais imigrantes nipo-brasileiros no Japão. As mulheres, muito mais que os homens, avaliam positivamente a decisão de imigrar para o Japão. No Brasil, elas viviam em comunidades rurais sob valores tradicionais, onde a mulher assume toda a responsabilidade com o trabalho doméstico; no Japão elas ingressam no mercado de trabalho remunerado, o que consideram uma liberação diante da vida que possuíam na colônia japonesa no Brasil. Para elas, trabalhar como PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA dekasseguis é uma oportunidade de ter uma renda própria e se afastar das cobranças do marido, do sogro e da sogra. Já os homens se sentem incomodados com a flexibilização dos valores cultivados nas colônias japonesas no Brasil no contexto migratório. Enquanto os homens demonstram o desejo de retornar ao Brasil por sentirem-me menosprezados no país de seus antepassados, as mulheres não querem, porque no Japão elas podem participar de esferas da vida pública, como o trabalho. Pessar e Mahler (2001) mostram que o gênero atua não apenas no nível das relações intersubjetivas, mas também no nível das instituições que lidam com a migração e a mobilidade dos indivíduos. Um exemplo disso é o caso dos solicitantes de asilo da Indonésia nos EUA. Enquanto as mulheres conseguem ter seu pedido de asilo aprovado sob a justificativa de ter sofrido violência sexual, os homens indonésios que apresentam a mesma justificativa têm seu pedido negado. Neste caso, a ideia que subjaz à aprovação do pedido de asilo das mulheres e não e dos homens é de que as mulheres são as únicas sujeitas a se tornarem vítimas desse tipo de violência, possivelmente porque seriam mais frágeis e vulneráveis que os homens. Ao longo do trabalho de campo, observei que sempre havia uma grande maioria de homens nos eventos públicos que o/as estudantes costumam frequentar. Seria precipitado afirmar que esta observação se deve ao fato de haver mais homens que mulheres peruanas estudando no Rio de Janeiro. A única afirmação que posso fazer 36 Uma reflexão sobre a feminização da matrícula no Ensino Superior e a distribuição de homens e mulheres entre as áreas de conhecimento ver Garavito (2005). 247 sobre esta observação é que há mais homens que mulheres ocupando os espaços públicos de sociabilidade organizado pelos próprios peruanos. De todas as maneiras, o/as estudantes avaliam que, na sociedade peruana, as pessoas tratam igual um homem e uma mulher que saem do país para estudar. Leonardo, por exemplo, pondera que as mulheres que saem do país são vistas como “corajosas” e “aventureiras”: (As mulheres) não são malvistas não.. Para nada! Mas, se tem essa ideia de que se um homem vai para fora, não vai ter muito problema. Mas, se uma mulher vai para estudar ou trabalhar fora, vai ter muito problema porque não... porque o homem pode se virar de qualquer forma e a mulher não. Mais ou menos temos essa ideia. Mas, não é malvista não. É vista corajosa. Aventureira... Leonardo Se, por um lado, “corajosa” e “aventureira” carregam uma conotação positiva, nestes adjetivos subjaz a ideia de que sair do país é uma atividade arriscada. Uma mulher que sai do país não tem sua reputação ameaçada, porém alguns estudantes creem PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA que para uma mulher é mais difícil estar longe do Peru que para um homem. Eduardo, por exemplo, avalia que esta dificuldade é devido às necessidades que a mulher tem de se preocupar com sua proteção. Os homens podem “dormir em qualquer lugar, em barraca”, por exemplo, mas as mulheres não. Elas, então, encontrariam mais dificuldades para “se virar”, se adaptar a uma nova realidade. Walter concorda com Eduardo e considera que as peruanas têm mais dificuldade de se adaptar à cultura brasileira: do que ele observa entre as peruanas que conhece no Rio de Janeiro, elas quase não interagem com brasileiros, são mais reservadas e sentem muita saudade de casa. Uma experiência marcante que deixou clara uma representação coletiva da mulher como alguém que precisa de proteção quando se desloca vivi na viagem mais recente que fiz ao Peru, em maio de 2013. Desta vez, passei 16 dias no Peru, sete deles viajando sozinha pelas Serras Sul e Central do país. Por todos os lugares que passei, as pessoashomens e mulheres-, se surpreendiam com o fato de eu viajar sozinha. A surpresa era maior ainda quando eu comentava que seguiria viagem por uma área ainda pouco explorada turisticamente, como Andahuaylas e Ayacucho (local onde nasceu o movimento Sendero Luminoso) e quando eu mencionava as viagens que fiz ao Peru com meu marido. “Você está viajando sozinha? É casada? Seu marido deixou?” ou “você não tem medo de viajar sozinha?” foram as perguntas que mais ouvi durante as longas horas que passei nas estradas peruanas. 248 Se a sociedade peruana reconhece como positiva a experiência migratória das mulheres, elas não devem ir a qualquer lugar, de qualquer jeito. O que Eduardo fala e minha experiência no Peru reforçou é que as mulheres podem sim viajar, mas devem se preocupar com uma gama maior de questões: sua viagem deve ser mais planejada e calculada para que seja o menos arriscada possível. A ideia por trás dessa lógica é de que as mulheres seriam mais vulneráveis, e por isso precisariam de uma maior estrutura de acolhida por onde ela passa. Entretanto, esta não é uma representação unânime entre os peruanos. Luis Fernando, por exemplo, não percebe nenhuma diferença entre o homem e a mulher que saem do Peru. Para ele, ambos encontrarão dificuldades que precisarão superar, opinião compartilhada por Gladys. Assim, compreendendo a identidade como construída na relação entre sujeito e sociedade, numa conexão entre o “interior” e o “exterior” (Hall, 2002), a experiência de sair do Peru para estudar no Brasil permite que os estudantes elaborem formas de sentirPUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA se peruano/a que associem elementos peruanos, mas também brasileiros. Na aproximação com a sociedade receptora, o/as estudantes encontram um terreno fértil no qual podem desenvolver mais autonomia da família e assumir responsabilidades. Enquanto o estudante se forma- academicamente-, ele se transforma como indivíduo que, a partir de determinadas condições, tomam decisões sobre seu presente e planejam o futuro. Uma vez que “... a identidade é um lugar que se assume, uma costura de posição e contexto, e não uma essência ou substância a ser examinada” (Hall, 2002, p. 16), o/as estudantes têm no trânsito propiciado pela mobilidade estudantil e pela internacionalização da educação o lugar privilegiado através do qual se inserem no mundo como indivíduos, profissionais, homens e mulheres que rejeitam prescrição de um destino limitado e buscam alternativas mais amplas de vida. A saída dos estudantes de um país e a entrada em outro deixa latente que diferentes sociedades desenvolvem diferentes maneiras de dar sentido aos indivíduos. Quando saem do Peru para o Brasil, os estudantes se deparam com o fato de que precisam aprender a se posicionar na sociedade brasileira e, assim, integrar-se a ela. Como um principiante, ele terá que aprender as regras do jogo que regem as relações sociais no Brasil, para então, poder participar dela. Este processo de aprender as regras e participar do jogo, através da socialização, exige necessariamente a capacidade de adaptar-se e mudar- de um peruano no Peru, para um peruano no Brasil. Sem dúvidas, não existe apenas uma maneira de considerar-se peruano, seja no Peru ou no Brasil. No entanto, todas as mais distintas formas de sê-lo são permeadas pela inevitável e 249 irreversível capacidade humana de estar em constante mudança, se fazendo indivíduo a PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA partir da relação com a sociedade, neste caso, brasileira e peruana. 7 Conclusão A saída de peruanos de sua terra natal rumo ao Brasil se insere num contexto em que o deslocamento internacional, em diferentes modalidades, ganha um crescente valor. Cada vez mais, vivemos num mundo em que turistas, empresários, trabalhadores, artistas, missionários e estudantes circulam pelo mundo. Além das pessoas, capitais, informações e imagens também circulam. A interconexão dos mercados para além das fronteiras nacionais, o fluxo de capitais, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA a internacionalização do processo produtivo (Sassen, 1998) são elementos que caracterizam a dimensão econômica da globalização (Canclini, 2007). No entanto, esta não é sua única face. A globalização é composta por múltiplas dimensões (Beck, 1999), entre elas a cultural (Canclini, 2007), que se caracteriza pela ampliação das possibilidades de intercâmbio internacionais entre as pessoas, suas culturas e valores, através das migrações, da circulação mundial de informação, da expansão do acesso às novas tecnologias de comunicação e ao transporte de alta velocidade (Appadurai, 1996). É na sua fase globalizada que a modernidade observa uma crescente diversificação dos descolamentos internacionais na sua duração e periodicidade, assim como nas motivações, no local de origem e na escolha do destino. Contudo, as oportunidades que os indivíduos encontram para se inserir no fluxo internacional de pessoas não estão igualmente distribuídas pela sociedade. Bauman (1999), por exemplo, comenta que, no que ele chama de pósmodernidade, a mobilidade se tornou um valor, porém ela não é vivida da mesma forma por todos. Tal fenômeno ocorre pois, enquanto para alguns a mobilidade é uma decisão, uma escolha dentro de um leque de possibilidades, para outros ela é uma obrigação, como única alternativa diante das precárias condições de vida que enfrentam. Para os últimos, a mobilidade internacional é vivida como um processo de desterritorialização, ou seja, uma negação de seu poder de se apropriar cultural, política e simbolicamente do território (Haesbert, 2006). 251 Dentro da dinâmica da mobilidade internacional de pessoas, os estudantes peruanos são um exemplo da diversificação das modalidades de deslocamento que se expande com a globalização. Embora a saída de pessoas de países no hemisfério sul rumo ao hemisfério norte seja a rota ainda predominante na mobilidade internacional, os estudantes peruanos se deslocam dentro de seu próprio continente, tendo como destino outro país do hemisfério sul, o Brasil. Além de tomar uma rota ainda pouco percorrida tanto pelos imigrantes, em geral, como pelos imigrantes peruanos, mais especificamente, os estudantes também se diferem dos grandes fluxos de imigração por sua motivação. Enquanto grande parte das pessoas deixa seus países por questões econômicas - em busca de melhores condições e/ou oportunidades de trabalho dentro do capitalismo globalos jovens peruanos que participaram desta pesquisa têm o estudo como motivação PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA principal para sair do país. Alguns deles, inclusive, já estavam empregados no Peru antes de vir para o Brasil, mas consideraram positiva a ideia de deixar o trabalho para adquirir uma formação acadêmica no exterior. Estes jovens desenvolvem, através da mobilidade estudantil, um tipo de viagem particular, que se distingue daquela realizada e vivida por aqueles que saem do Peru em busca de trabalho. Apesar de alguns jovens nesta pesquisa terem visto em estudar no Brasil a chance de escapar do desemprego ou de um trabalho mal remunerado, sair do Peru e entrar no Brasil como estudante lhes proporciona a oportunidade de viver no exterior sem assumir as responsabilidades e as cobranças que um trabalhador imigrante enfrenta, tanto diante da sociedade de origem, como de destino. Além disso, como estudante, os jovens peruanos chegam ao Brasil com um visto temporário, que legaliza sua estadia no país, e com uma vaga numa universidade de renome, onde têm a oportunidade de conviver com as camadas médias brasileiras. Os estudantes vivenciam uma cultura de viagem particular (Clifford, 1997), em que predomina a noção de que sua presença no Brasil- e sua ausência no Peru- é passageira, temporária, delimitada pelo duração do curso. Como estudantes, eles têm a chance de experimentar uma experiência migratória sem ter que arcar com os custosemocionais, materiais e subjetivos- de ser um imigrante. A saída dos jovens peruanos como estudantes tem como ponto central os vínculos sociais que conseguem acionar dentro de suas redes de relações que, 252 entremeadas com o campo de possibilidades em que (re)elaboram e (re)avaliam seus projetos, tornam a vinda para o Brasil uma realidade. Longe de ser uma decisão aleatória e isolada, a mobilidade estudantil desses jovens acontece de acordo elementos objetivos e subjetivos, envolvendo assim tanto aspectos estruturais quanto a agência individual. Na sua vida, os jovens peruanos encontram no seu campo de possibilidades (Velho, 1999), uma sociedade que valoriza o ensino superior e que, ao longo da sua história, depositou nele a esperança de uma ascensão social, para as camadas mais baixas, e uma estratégia para reproduzir ou renovar certo capital cultural, para as camadas médias e altas. As motivações para sair do país como estudante universitário variam, mas em todos os casos, o estudo é, senão o principal motivo, é uma maneira que encontraram para viabilizar a saída do país. Para alguns, ir para o exterior tem PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA como principal combustível a curiosidade, a inquietação de conhecer realidades diferentes. Para outros, principalmente os que já estavam inseridos no mercado de trabalho, sair do Peru é uma oportunidade de vislumbrar novos horizontes no campo profissional ou lidar com as demandas do mercado de trabalho por mais qualificação. Estes jovens perceberam, diante das exigências do mercado de trabalho nacional, que um diploma estrangeiro tem mais prestígio que um peruano. Outros estavam insatisfeitos com a dinâmica do emprego que tinham. Em quase todos estes casos, a insatisfação não era com a remuneração, mas com as condições de trabalho, sua intensidade e sua duração. Há ainda aqueles que se formaram em carreiras de difícil inserção no mercado de trabalho nacional e decidiram ingressar numa pós-graduação no exterior visando encontrar oportunidades de trabalho na sua área de formação, seja no Brasil ou em outro país estrangeiro. Estes jovens têm em comum o fato de identificarem na saída do país de origem uma oportunidade para trilhar novos caminhos, não apenas geográficos, mas também profissionais, pessoais, sentimentais e subjetivos. A saída do Peru é permeada por múltiplos elementos que se mesclam enquanto os jovens elaboram seus projetos e agem segundo eles. No Peru, todos eles tinham tido contato com o exterior, principalmente através da relação com parentes e amigos que estão fora do país e pelo acesso a produtos da indústria cultural internacional, como filmes e música norte-americanos. O movimento de pessoas e de imagens abre um espaço 253 privilegiado para o trabalho de imaginação (Appadurai, 1996), impactando a maneira como os jovens percebem a si mesmos, como parte de uma comunidade que ultrapassa as fronteiras nacionais, e o mundo. Para eles, a mobilidade internacional representa uma chance de preencher as múltiplas expectativas que a sociedade peruana sozinha foi incapaz de corresponder. Baseada na esperança de mudança, ela representa a busca dos jovens peruanos por novos horizontes e por uma gama mais ampla de possibilidades. Sayad (1998) nos alerta que todo movimento de imigração é também uma emigração, ou seja, a chegada num lugar pressupõe a saída de outro. O deslocamento dos jovens peruanos não seria completo se não houvesse um destino. Para nenhum deles, o Brasil era o país no topo da lista de destinos internacionais para onde gostariam de ir. Entre os que já tinham um desejo de sair PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA do Peru, o destino sonhado incluía países do hemisfério norte, predominantemente os EUA, mas também Alemanha, Espanha e Rússia. Para eles, o Brasil era um país desconhecido e distante no mapa imaginário dos peruanos. A escolha do Brasil foi, assim, uma construção que teve como principal eixo as redes nas quais os jovens estavam inseridos. Através delas, eles souberam de casos de peruanos que estudaram no Brasil ou se comunicaram com professores, colegas de trabalho e familiares que sugeriram o destino. Os jovens que não contavam com tais redes, buscaram diretamente na Embaixada do Brasil no Peru informações sobre as oportunidades de bolsa para ingressar numa universidade brasileira. Neste processo de escolha, os jovens e suas redes assumiram o papel central na concretização de uma mobilidade estudantil, como mostramos no capítulo 2, muito mais que instituições e organizações oficiais peruanas e brasileiras, como vimos nos capítulos 3 e 4. Enquanto as redes foram fundamentais por despertar nos jovens peruanos o interesse em saber mais sobre o Brasil, as novelas brasileiras transmitidas no Peru desempenharam o papel estratégico de convencê-los de que o Brasil era um destino atraente não apenas para adquirir um diploma de graduação ou pósgraduação, mas também para se viver, para estabelecer uma nova sociabilidade e se relacionar amorosamente. E dentro do Brasil, o Rio de Janeiro se destaca como "cartão postal" e "porta de entrada" do país. As paisagens das novelas, que têm como principal cenário a área mais nobre da cidade do Rio de Janeiro, se somam à 254 fama do futebol e do carnaval brasileiros na elaboração de uma imagem internacional do Brasil como um verdadeiro paraíso. Um lugar com belas praias, um povo descontraído e mulheres deslumbrantes. Como analisamos no capítulo 4, as novelas se encarregam de apresentar o Brasil ao Peru, aproximando o país vizinho do imaginário peruano e criando uma conexão entre os dois países sem a mediação de países do norte, como os EUA. Foi através delas que os jovens peruanos construíram suas primeiras ideias de como seria sua vida no Brasil. No entanto, a imagem de Brasil que as novelas oferecem é limitada, estereotipada e não apresenta toda diversidade do país. Ainda no capítulo 4, analisamos que a imagem de Brasil que os jovens tinham antes de chegar no Rio de Janeiro se confronta com a realidade que vivem na cidade. Os estudantes descobrem aqui uma cidade que, diferente das novelas, é PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA composta por uma grande diversidade, com, áreas nobres, mas também bairros de classe média, média baixa e pobres, como as favelas que muitos comparam com os Conos, onde alguns deles viviam. Os estudantes se deparam com um Rio de Janeiro que, na sua percepção, se distingue daquele vivido pelo turista. Enquanto o turista tem uma experiência superficial com a cidade, vendo só o que ela tem de belo, os estudantes acreditam que conhecem o Rio de Janeiro de maneira mais profunda, o que foi possível devido à sua vivência cotidiana na cidade que envolve, entre outros elementos, aprender português, lidar com um sistema de ensino diferente do peruano, administrar suas finanças, cuidar de sua saúde, manter regularizado seu status legal, ter um bom desempenho acadêmico, interagir com os cariocas e, além de tudo, lidar com a saudade do Peru, dos amigos, da família, e, sobretudo, da comida, como acompanhamos no capítulo 5. Na experiência migratória- conjunto de vivências experimentadas por indivíduo num contexto de deslocamento territorial - os estudantes peruanos repensam seu lugar na sociedade peruana, na brasileira e no mundo, como homens e mulheres que agem prospectivamente. Enquanto se remetem ao futuro, eles vivem profundas transformações no seu presente no Rio de Janeiro, que ultrapassam a dimensão física do deslocamento e alcançam a subjetividade. Como acompanhamos no capítulo 6, no encontro entre as maneiras peruanas e brasileiras de estudar, trabalhar, se relacionar e namorar, os estudantes alcançam a oportunidade de lançar um olhar crítico sobre as duas realidades a ponto de, em 255 muitos casos, serem capazes de desnaturalizar aspectos do modo de ser peruano e brasileiro que eram vistos por muitos deles como inatos e inevitáveis. É assim que a experiência migratória deixa nos jovens profundas marcas, não apenas em seus currículos, mas também em sua forma de pensar, de agir e de se perceber como indivíduo no mundo. Estes jovens deixam claro que a experiência que vivem no Rio de Janeiro não se limita ao espaço da universidade e da sala de aula; suas consequências e implicações ultrapassam a esfera da vida acadêmica, do currículo e da profissão. Enquanto estudam, eles vivem a cidade e suas transformações. Percebem, por exemplo, o aumento do custo de itens, como a comida e a moradia. No Rio de Janeiro, os jovens peruanos também precisam lidar com as imagens e os estereótipos que cariocas e brasileiros têm do Peru e dos peruanos, descobrindo, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA assim, a limitada visão da sociedade receptora em geral sobre o seu país de origem e os países latino-americanos. É neste cenário que muitos estudantes se encarregam de (re)afirmar uma identidade nacional, construindo no Rio de Janeiro espaços onde podem (re)viver formas de sociabilidade semelhantes às que viviam no Peru, principalmente em torno da comida e da dança. Movidos por diferentes projetos, os jovens peruanos fazem da mobilidade estudantil uma maneira de experimentar no exterior outras possibilidades de vida. Apesar dos projetos terem na sua constituição um aspecto de racionalidade, a realização deles ultrapassa os limites do planejamento e é permeada pela imprevisibilidade. Um dos elementos menos previsíveis nesta mobilidade é o retorno. Como um tipo de deslocamento jurídico e socialmente representado como temporário, a expectativa de retorno ao Peru é, portanto, um elemento constitutivo da condição do estudante estrangeiro. Entretanto, os jovens peruanos percebem que, enquanto estudam e vivem no Rio de Janeiro, a capacidade que têm de prever o futuro e garantir o retorno é limitada e constantemente colocada em xeque pelas oportunidades encontradas no exterior. Alguns deles, por exemplo, chegaram ao Rio de Janeiro decididos que voltariam para o Peru. Porém, muito/as mudam de planos quando encontram um emprego no Brasil, percebem que já não se adaptam à realidade peruana ou se apaixonam por um/a brasileiro/a. Neste sentido, os projetos são constantemente (re)avaliados de acordo a experiência migratória e (re)construídos diante do nível de imprevisibilidade que 256 a vida no exterior, entre o Brasil e o Peru, apresenta. Apesar da ênfase que demos neste trabalho aos jovens como sujeitos que protagonizam o deslocamento, a família desempenha um papel fundamental neste processo. Mais do que uma estratégia individual, a mobilidade estudantil se fundamenta em princípios e valores que têm na família o seu lugar de desenvolvimento. Como vimos nos capítulos 3 e 6, a sociedade peruana tem na família seu centro de sustentação e é nela que os jovens aprenderam suas principais referências como indivíduos. É nas festas em família que os jovens aprendem a dançar e a ouvir ritmos peruanos e latinos. São nos tradicionais almoços de domingo que as famílias reforçam seus laços afetivos, tendo a comida como mediadora. E é também em família que os jovens se deparam com as expectativas da sociedade peruanas em relação à qual profissão seguir, em que idade casar, PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA quando ter filhos. Assim, os jovens nutrem um sentimento ambíguo em relação à família, pois, ao mesmo tempo em que ela acolhe, ela também cobra e pressiona. Ao mesmo tempo em que sentem saudade dela, eles também reconhecem as vantagens de estar distantes dela. P'a crecer en la vida é uma expressão que resume os múltiplos sentidos atribuídos à experiência de sair do país como um estudante. Diferentemente daqueles que saem do país como trabalhadores não-qualificados, fenômeno difundido na realidade peruana, os estudantes são vistos pela família e pela sociedade peruanas como indivíduos que saem do país em busca de algo melhor, de um futuro que o Peru não poderia oferecer e que, assim, encontram a chance de "crecer". Neste caso, crecer tem como principal conotação encontrar oportunidades que permitam uma ascensão social, para aqueles oriundos das classes baixas, ou a manutenção de sua posição social, para as classes médias empobrecidas pelas crises. Para os jovens peruanos, sair do país como estudante também nutre uma expectativa de "crecer en la vida". Para eles, entretanto, esta expressão ganha significados e contornos particulares, envolvendo aspectos mais amplos da vida e tendo como principal objetivo não a conservação de determinada posição social, mas sim a construção de novos horizontes que lhes permitam se inserir no Peru, no Brasil e no mundo de forma socialmente mais valorizada e autônoma, ou seja, com menos influência da família e da sociedade. Em outras palavras, "crecer en la 257 vida" para os jovens peruanos significa negociar com as hierarquias nacionaisperuanas e brasileiras- e internacionais através da mobilidade estudantil, reivindicando o seu reconhecimento com indivíduos qualificados para ocupar um posto de trabalho, como cidadãos de direitos, atores que elaboram culturas e também capazes de tomar decisões sobre a própria vida. Apesar de ainda preteridos nos estudos sobre a mobilidade internacional, os estudantes desenvolvem um tipo de deslocamento que deixa profundas marcas na sua trajetória acadêmica e pessoal. Distantes do Peru e inseridos como estudantes no Rio de Janeiro, eles encontram uma oportunidade de se repensarem como estudantes, profissionais em formação e também indivíduos em busca de novas alternativas de vida, como por exemplo, escapar da pressão da sociedade peruana para casar e ter filhos para então serem reconhecidos como adultos completos. Se PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CA tornar um estudante no Brasil coloca em suspenso para estes jovens as expectativas socialmente compartilhadas no Peru. Enquanto estudam, eles descobrem outras possibilidades de futuro, mais diversas do que aquelas que vislumbravam no seu país de origem. E a partir destas novas possibilidades, os jovens encontram um espaço para se reconhecerem como sujeitos com mais autonomia. 8 Referências Bibliográficas ADAMS, N.; GOLTE, J. Los caballos de troya de los invasores: estrategias campesinas en la conquista de la Gran Lima. 2. ed. Lima: IEP, 1990. AMES, P. ¿La escuela es progreso? Antropología y educación en el Perú. In: DEGREGORI, C. I. (ed.). No hay país más diverso: compendio de Antropología Peruana. 2. ed. Lima: IEP, 2012. p. 356-391. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB ALMEIDA, A. Exportação de tensões sociais na Amazônia: brasivianos, brasuelanos e brajolas: identidades construídas no conflito. 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Choque y fuga relação amorosa efêmera que se assemelha ao ficar. Confianza relação de intimidade e profunda familiaridade que serve de base para a amizade. Cono Bairros populares da região metropolitana de Lima formados por ocupações. Consejo de Consulta representação da sociedade civil peruana no exterior em cada Consulado . Criollo tem como significado original os descendentes dos colonizadores espanhóis nascidos na colônia. Cumbia estilo musical de origem afro-colombiana que se popularizou no Peru. Festejo estilo de música e dança afroperuano carecterizado por uma cadência agitada e efusiva. Huayno Gênero musical típico dos Andes de origens indígenas. Lomo saltado Picadinho de carne com cebola e tomate, temperados com cebolinha e molho shoyo. Marinera Música e dança peruanas imponentes cujo nome é uma homenagem aos marinherosque luturam contra o Chile a guerra do Pacífico. Nos anos 60, ela se tornou o símbolo nacional. A dança é elegante, com passos firmes e acentuados. Ela é a dança mais aclamada nos festas peruanas no Rio de Janeiro. Merengue estilo musical de origem caribenha popular no Peru Mestizo se refere à miscigenação entre diferentes raças. Música Criolla Gama de ritmos típico do litoral peruana que reune influências espanholas, negras, ciganas e indigenas incluindo ritmos como o vals (valsa peruana) e a marinera. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB 278 Noches de Sol Noites de Sol. Festa latina organizada no Rio de Janeiro por um estudante Peruano Peña Locais onde se apresentam grupos que tocam estilos musicais típicos do litoral peruano, às vezes acompanhados por pratos e danças da região. Os espaços das peñas são muito populares em Lima. Pituco se refere às elites peruanas e seu estilo de vida e remente à tensão entre elas e as classes mais baixas. Reggaeton estilo de música e dança popular entre os jovens que simula a prática sexual. Tondero estilo de música e dança de origem camponesa que simula a sedução entre o galo e galinha. Valentina Tipo de festejo instrumental muito vibrante, dançado exclusivamente por mulheres.A dança se desenrola como uma competição entre os percussionistas e as dançarinas, Valicha Canção do estilo huayno, que conta uma história de amor de um casalum espanhol e Valeriana, índia cusquenha. 279 Anexos Anexo 1 Me Gritaron Negra Victoria Santa Cruz PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Tenia siete años apenas, apenas siete años… Qué siete años? No llegaba a cinco siquiera APLAUSOS De pronto unas vozes en la calle me gritaron negra NEGRA Soy acaso negra me dije? SI Qué cosa es ser negra? NEGRA Y yo no sabia la triste verdad que aquello escondía NEGRA Y me sentí negra NEGRA Como ellos decían NEGRA Y retrocedí NEGRA Como ellos querían NEGRA Y odié mis cabellos y mis labios gruesos Y miré apenada mi carne tostada y retrocedí NEGRA Y retrocedí NEGRA Y pasaba el tiempo … y siempre amargada … seguía llevando a mi espalda mi pesada carga… Y como pesaaa.aaba APLAUSOS Me alacié el cabello Me polvie la cara Y entre mis entrañas siempre resonaba la misma palabra NEGRA Hasta que un dia que retrocedía retrocedía 280 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Y que iba a caer … NEGRA Y qué ? Y qué ? *NEGRA Si NEGRA soy NEGRA Negra NEGRA Negra soy Y hoy en adelante no quiero … laciar mi cabello NO QUIERO Y voy a reirme de aquellos que por evitar según ellos Que por evitarnos algún sin sabor Llaman a los negros gente de color Y de qué color ? NEGRO Y que lindo suena NEGRO Y que ritmo tiene Al fin Al fin comprendí AL FIN Ya no retrocedo AL FIN Y avanzo segura AL FIN Avanzo y espero AL FIN Y bendigo al cielo porque quiso Dios Que negro azabache fuese mi color Y ya comprendí AL FIN Ya tengo la llave NEGRO ¡ NEGRA SOY !!! PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Anneo 2 I Encontro Brasil-Peru: conexões entre as culturas negras. Evento organizado pelo Grupo Sayari Danzas Peruanas discutindo a presença negra nas culturas brasileiras e peruanas. 2012. Arcevo Pessoal 282 Anexo 3 Roteiro de Entrevista (entrevista presencial) Dados Pessoais 1. Nome: 2. Idade: 3. Profissão: 4. Escolaridade: 5. Local de nascimento: 6. Local onde viveu antes de vir para o Brasil 7. Estado civil: 8. Se casado, qual é a nacionalidade do cônjuge? PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB 9. Tem filhos? Quantos anos eles têm? qual nacionalidade 10. Há quanto tempo você está no Brasil? E no Rio de Janeiro? 11. Antes de vir ao Brasil, você já morou em outro país estrangeiro? Qual? Antes de vir para o Brasil 12. Com quantos anos você entrou na universidade? 13. Na sua família, havia outras pessoas já formadas em universidades? 14. Você já tinha pensando em sair do Peru para estudar? Por que? Para onde pensou ir? 15. Como você escolheu a carreira que estudaria no Peru? 16. Você chegou imaginar a não fazer faculdade? Por que? 17. Qual era a proporção de homens e mulheres na sua turma da faculdade? Eles se dão bem? 18. Como foi o processo de entrar na faculdade? 19. Sua universidade era pública ou privada? (Se privada), quem custeou seu curso? 20. O que você pretendia fazer depois que se formasse? 21. Você já trabalhou no Peru na sua área de formação? Como conseguiu o emprego? 283 22. Como surgiu a idéia de vir para o Brasil? Por que o Rio de Janeiro? 23. Como você veio (PEC’s, conta própria, bolsa)? 24. O que sua família e amigos acharam da sua decisão de vir para o Brasil? 25. Seus pais e irmãos fizeram faculdade? De quê? 26. Você recebeu alguma ajuda financeira da sua família para vir para o Brasil? 27. Em algum momento, você sentiu medo de sair do Peru? De que? 28. Conseguiu superar o medo? Como? 29. Qual era sua maior preocupação em sair do Peru para vir ao Brasil? Fase de estudo no Rio de Janeiro 30. Você teve alguma ajuda para se instalar na cidade? De quem? 31. O que você achou do Rio de Janeiro nos seus primeiros meses na cidade? 32. O que o Rio tem de mais diferente do Peru? Você conseguiu se adaptar às diPUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB ferenças? 33. E a universidade onde você veio estudar, ela se difere da universidade onde você estudou no Peru? Em que? Teve dificuldade? 34. Qual é a proporção de homens e mulheres no seu curso no Rio de Janeiro? 35. Homens e mulheres se dão bem? 36. Quando você chegou ao Rio, você sentia falta do Peru? De que? 37. Como você lida com isso? 38. Em algum momento, você pensou em desistir de estudar no Rio e voltar para o Peru? Por quê? 39. Quais são as maiores dificuldades em estar longe do Peru e estudar no Rio de Janeiro? 40. Você acha que vale a pena estudar no Brasil? Por quê? 41. Como você imaginava sua vida no Rio de Janeiro? E com sua vida é de fato? 42. Do que você gosta do Rio? Do que você menos gosta? 43. Você estudaria em outro lugar do Brasil? Qual? Por quê? 44. Seus familiares e amigos do Peru já vieram te visitar no Rio? O que eles acharam da cidade? 45. Como eles imaginam sua vida no Rio de Janeiro? 46. Você costuma manter contato com eles? Como? Fase de decisão entre ficar no Brasil, voltar para o Peru 284 (Para quem ainda está estudando e ainda não decidiu) 47. Quando você terminar seu curso, o que você pretende fazer? 48. Você prefere voltar para o Peru, ficar no Brasil ou ir para um terceiro país? Por quê? 49. Em qual país você acredita que poderia se desenvolver mais na sua carreira? Por quê? 50. Em qual país você acredita que poderia ser mais feliz? Por quê? 51. O que você imagina que sua família e amigos achariam se você decidisse não voltar para o Peru depois de se formar? 52. Dos peruanos que você já conheceu no Rio, eles voltaram para o Peru ou ficaram no Brasil? O que eles fazem hoje? 53. Quais foram os pontos positivos de ter vindo estudar no Brasil?E os negati- PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB vos? Para quem já reside no Rio de Janeiro: 54. Quando você veio estudar no Rio, já planejavam não voltar para o Peru? 55. Depois que terminou o curso, o que você fez para continuar no Rio? Você conseguiu visto para permanecer no país? 56. Por que não voltou para o Peru? 57. Você acha que foi uma boa decisão ficar no Brasil? Por quê? 58. Você trabalha hoje? Em que? 59. Você encontrou dificuldades em trabalhar no Brasil? Por quê? 60. Quais são os pontos positivos de morar no Brasil? E os negativos? Percepção sobre as relações de gênero 61. Você acha existe diferença entre um peruano e uma peruana vir morar no Brasil? Qual? 62. Você acha que é mais difícil para um peruano ou uma peruana sair do Peru? Por quê? 63. Você percebe diferenças entre uma peruana e uma brasileira: a) na universidade b) no trabalho c) na família d) no namoro 285 64. Você percebe diferenças entre um peruano e um brasileiro: e) na universidade f) no trabalho g) na família h) no namoro *** Roteiro de Entrevista (internet) Pesquisa de doutorado sobre estudantes e ex-estudantes universitários peruanos no Brasil 1. Nome: Idade: 2. Nacionalidade: PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB 3. Estado de origem: Cidade de Origem: 4. Profissão: 5. Estado Civil: Nacionalidade do cônjuge, se houver: 6. Há quanto tempo você mora no Brasil? Em que cidade mora? 7. Como você veio estudar no Brasil? Veio por conta própria ou através de convênio? Se veio por convênio, qual? 8. Como foi o processo de seleção para ingressar na universidade brasileira? Em que universidade estudou? Que curso fez? 9. Você já conhecia alguém que morava ou estudava no Brasil? Essa pessoa te ajudou a vir para cá? 10. Por que você decidiu sair do Peru? 11. Por que você escolheu o Brasil? 12. Antes de vir ao Brasil, você já havia pensado ou morado em outro país? Qual? Por que não foi estudar lá? 13. Você pensou em voltar ao Peru quando terminou os estudos no Brasil? Por que decidiu continuar aqui? 14. Você acha que foi uma boa decisão vir para o Brasil estudar/morar? Por que? 286 15. Hoje, você voltaria a morar no Peru? Por que? 16. Quais são os pontos positivos de morar no Brasil? E os negativos? PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB 17. Você se considera um imigrante? Por que? PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Anexo 4 Revista Virtual Nativos. Reportagem que escrevi sobre a Copa Peru-Rio 2011 Edição Ago/dez 2011. 288 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Anexo 5 Universidad Nacional del Altiplano- Puno. Aluno caminhando pelo campus da universidade. Setembro de 2012. Acervo pessoal. Universidad Nacional del Altiplano- Puno . Paredes dos corredores abertos da Universidade. Setembro de 2012. Arcevo pessoal. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB 289 Pontificia Universidad Catolica del Perú. Gramado na área de entrada da. Junho de 2011. Acervo pessoal. Pontificia Universidad Catolica del Perú. Pátio que dá acesso ao Departamento de Ciências Sociais. Junho de 2011. Acervo Pessoal. 290 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Anexo 6 Carta enviada pelas sociedades científicas da área em ciências sociais (ANPOCS, ABA, ABCP, SBS e ABRI) ao CNPq sobre a ausência de vagas do programa Ciência Sem Fronteiras aos estudantes das áreas de ciências sociais. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB 291 Resposta do CNPq à carta enviada pelas sociedades científicas em ciências sociais sobre o programa Ciência sem Fronteiras. 292 Anexo 7 Ano de assinatura de convênios em educaçãoe cultura entre o Peru e países da Europa Oriental na década de 1970 País Ano Bulgária 1975 Checoslováquia 1974 Hungria 1978 Polônia 1970 Rússia 1978 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Fonte: OCI, 2011 Ano de assinatura de convênios em educação e cultura entre o Peru e países da América Latina na década de 1970 País Bolívia 1975 Colômbia 1974 Cuba 1973 Chile 1978 Costa Rica 1977 El Salvador 1977 Guatemala 1978 Hondura 1977 México 1978 Nicarágua 1978 Venezuela 1977 Fonte: OCI, 2011 Ano 293 Anexo 8 País Tropical Jorge Ben Jor Moro num país tropical, abençoado por Deus E bonito por natureza, mas que beleza Em fevereiro (em fevereiro) Tem carnaval (tem carnaval) Tenho um fusca e um violão Sou Flamengo Tenho uma nêga Chamada Tereza PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Sambaby Sambaby Sou um menino de mentalidade mediana Pois é, mas assim mesmo sou feliz da vida Pois eu não devo nada a ninguém Pois é, pois eu sou feliz Muito feliz comigo mesmo Moro num país tropical, abençoado por Deus E bonito por natureza, mas que beleza Em fevereiro (em fevereiro) Tem carnaval (tem carnaval) Tenho um fusca e um violão Sou Flamengo Tenho uma nêga Chamada Tereza Sambaby Sambaby Eu posso não ser um band leader Pois é, mas assim mesmo lá em casa Todos meus amigos, meus camaradinhas me respeitam Pois é, essa é a razão da simpatia Do poder, do algo mais e da alegria Sou Flamê Tê uma nê Chamá Terê Sou Flamê Tê uma nê Chamá Terê Do meu Brasil Sou Flamengo E tenho uma nêga Chamada Tereza Sou Flamengo 294 E tenho uma nêga Chamada Tereza Garota de Ipanema Tom Jobim Olha que coisa mais linda Mais cheia de graça É ela menina Que vem e que passa No doce balanço, a caminho do mar PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Moça do corpo dourado Do sol de Ipanema O seu balançado é mais que um poema É a coisa mais linda que eu já vi passar Ah, porque estou tão sozinho Ah, porque tudo é tão triste Ah, a beleza que existe A beleza que não é só minha Que também passa sozinha Ah, se ela soubesse Que quando ela passa O mundo inteirinho se enche de graça E fica mais lindo Por causa do amor 295 PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB Anexo 9 Grupo Sayari Danzas Peruanas. Diana e Cristian e Evelyn e Alfredo em trajes de Tondero. 2011. Foto: Grupo Sayari Danzas Peruanas. PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1011781/CB 296 Grupo Sayari Danzas Peruana e Grupo Negro Mendes. Tondero dançado por Camila e Tondero "San MIguel de Morro[on" tocado pelo Grupo Negro Mendes e dançado por Alfredo (grupo Sayari Danzas Peruanas) no show de comemoração dos 10 anos do Camila e Alfredo (grupo Sayari Danzas no show de comemoração dos 10 Grupo Negro Mendes. 2012. Foto: GrupoPeruanas) Sayari Danzas Peruanas. anos do Grupo Negro Mendes. 2012. Foto: Grupo Sayari Danzas Peruanas. Grupo Sayari Danzas Peruanas. Tondero apresentado por Cristian e Evelyn na festa do Señor de los MIlagros de 2011. Foto: Grupo Sayari Danzas Peruanas.