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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(4) 1996
TENDÊNCIAS RECENTES
NO SETOR COMERCIAL
LUIS LOPES DINIZ FILHO
Geógrafo, Analista da Fundação Seade
N
atacado e no varejo durante os últimos 15 anos, a fim de
indicar alguns eixos temáticos para a elaboração de pesquisas econômicas sintonizadas com os novos rumos do
comércio contemporâneo.
os últimos anos, as transformações vividas pelo
setor industrial vêm merecendo uma grande atenção por parte da comunidade científica, da imprensa e das entidades governamentais. O processo de
reestruturação tecnológica e organizacional das empresas industriais, aliado ao fenômeno da globalização das
relações econômicas, vem acirrando a concorrência interempresas, a “competição locacional” entre países e regiões e, por fim, o problema do desemprego estrutural.
Em virtude da dimensão desses problemas e da importância que o setor industrial apresenta dentro da economia contemporânea, pouca atenção tem sido dada aos processos de reestruturação que vêm ocorrendo no âmbito
da atividade comercial.1 Contudo, é importante iniciar uma
reflexão sobre o impacto das transformações tecnológicas e organizacionais vividas recentemente pelo comércio, a fim de compreender os papéis que esse setor poderá desempenhar no novo contexto social e econômico que
vem emergindo nos últimos anos. Em primeiro lugar, a
necessidade dessa reflexão deriva da própria importância
do setor no conjunto da economia, uma vez que participa
com cerca de 7% a 12% da população ativa em muitos
países desenvolvidos e com percentuais dentro dessa mesma faixa no que diz respeito ao valor adicionado total. O
mesmo pode ser constatado para o caso do Brasil, onde o
setor abrangia 13% de todo o pessoal ocupado em 1990.2
Em segundo lugar, e mais importante, porque o comércio
está efetivamente passando por um movimento bastante
amplo de modernização tecnológica e organizacional, cujos desdobramentos se fazem sentir tanto no âmbito estrito do setor quanto no das relações intersetoriais.
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é sintetizar as
tendências internacionais de reestruturação verificadas no
O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO
NO SEGMENTO VAREJISTA
Tradicionalmente, as empresas de varejo são bastante
sensíveis às mudanças que ocorrem no perfil dos consumidores, conseqüência óbvia da função que desempenham
na cadeia de valor adicionado, que é a de distribuir bens
de consumo para a população. Em virtude disso, as pressões do ambiente concorrencial acabam sendo condicionadas por algumas transformações socioculturais que vêm
impelindo as empresas varejistas (sobretudo aquelas que
comercializam bens não-duráveis) a investir no aumento
da qualidade e na diversificação de produtos e serviços
oferecidos.
Um dos fatores que estimularam a adoção dessa estratégia foi o crescimento da importância social e legal conferida à noção de “direitos do consumidor”, que engendrou a tendência (já antiga em países como os EUA, mas
que ainda está se expandindo em escala internacional) de
aumento do número de organizações públicas e privadas
de defesa dos consumidores. A isto vieram se somar outras transformações, como a inserção das mulheres no mercado de trabalho (reduzindo o tempo disponível para compras e afazeres domésticos) e a crescente preocupação das
classes médias urbanas com questões ambientais e qualidade de vida. Como resultado, a preocupação primordial
de produtores e distribuidores passou a ser a busca de
soluções capazes de conciliar as expectativas do merca-
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do quanto à maior comodidade e rapidez com as preocupações relativas à qualidade dos produtos e de suas formas de conservação e acondicionamento.
Algumas das respostas mais visíveis a tais demandas
foram indicadas por estudo realizado em 1990, pela
Nielsen/Europa, cujo objetivo era identificar as tendências do comércio varejista de alimentos no contexto da
unificação européia.3 Em primeiro lugar, verificou-se a
melhoria das chamadas “marcas próprias”, que adquiriram melhor qualidade e passaram a abarcar um sortimento maior de produtos – tendência verificada também no
varejo norte-americano (O’Connor, 1992:156). Em segundo lugar, declinou a oferta dos produtos enlatados ou em
pacotes relativamente à de comida preparada e produtos
frescos, tais como peixes, verduras e pães (uma inversão
da tendência em vigor até não muito tempo atrás, quando
a prioridade das empresas era aperfeiçoar a tecnologia de
congelamento de produtos). Finalmente, foram identificadas duas outras tendências não diretamente ligadas à
oferta de produtos nos pontos de vendas, que eram a diversificação das grandes empresas varejistas e a concentração do capital e das vendas (SuperHiper, 1992a).
No que diz respeito ao processo de concentração, o
estudo da Nielsen verificou que as pequenas lojas haviam
passado para segundo plano no abastecimento de produtos alimentares, já que a participação dos hipermercados
nas vendas desses produtos tornou-se predominante. O
estudo também previa que, em 1993, a participação das
redes de super e hipermercados na comercialização de bens
de consumo em geral seria da ordem de 58%, indicando
assim a dimensão do processo de concentração no varejo. Embora essa tendência tenha se verificado de fato nos
primeiros anos da década, alguns autores afirmam que a
concentração do comércio varejista europeu atingiu o
ponto de inflexão. Com efeito, países como Inglaterra, Alemanha e França já apresentam elevada participação dos
estabelecimentos de maior porte no mercado do varejo,
havendo em média um grande supermercado para cada
70.000 habitantes. Na Inglaterra, onde a concentração é
particularmente alta, a concorrência tende a se intensificar na prestação de serviços e na diversificação da oferta
de produtos, não na expansão física da rede de pontos de
venda. Mesmo o crescimento dos grandes discounters, na
França, parece não ser suficiente para indicar um novo
ciclo de concentração, já que essas lojas participam, até
agora, com apenas 2% do mercado. Finalmente, destacam
esses autores o declínio dos grandes magazines, que estão perdendo espaço para as lojas especializadas (Almeida
e Crossetti, 1995:83).
Ainda sobre o tema da concentração, vale a pena dizer
que a recente expansão do sistema de franquias também
contribui para preservar espaços para a operação de em-
presas comerciais de pequeno porte, ao mesmo tempo em
que amplia o poder econômico das empresas maiores.
Através desse sistema, as empresas do setor industrial
podem constituir seus próprios canais de distribuição de
mercadorias sem arcar com o ônus de montar estruturas
completas de comercialização, limitando-se ao fornecimento de mercadorias e à coordenação das atividades das
lojas franqueadas. Já para as empresas varejistas (sobretudo as que operam com estabelecimentos de pequeno
porte, como lojas de conveniência e alguns segmentos de
comércio especializado), o sistema de franquias constitui
uma fórmula eficaz para implementar a expansão descentralizada de suas redes de pontos de venda, na medida em
que cada unidade franqueada constitui uma empresa com
administração independente, mas que opera de acordo com
parâmetros estabelecidos pela franqueadora. Do lado dos
pequenos empresários, a inserção em redes de franquias
permite auferir vantagens que de outro modo só seriam
acessíveis às grandes empresas, entre as quais podem ser
citadas: ganhos de escala, já que as compras de mercadorias são centralizadas pela franqueadora que possui maior
poder de negociação; possibilidade de comercializar marcas bem conhecidas pelo público; trabalhar com linhas
de produtos planejadas a partir de pesquisas de mercado
sistemáticas; acesso barato aos veículos de comunicação
de massa, etc. Por tais motivos, alguns consultores da área
afirmam que, enquanto 95% dos pequenos negócios independentes não duram além do segundo ano de operação, 97% das empresas franqueadas atingem até dez anos
(Folha de S.Paulo, 1996).
Quanto ao processo de diversificação das empresas
varejistas, o estudo da Nielsen destaca que tal estratégia
desdobra-se na busca de novos mercados e na ampliação
dos mix de produtos oferecidos em cada loja. Com efeito,
praticamente todas as grandes redes de varejo alimentar
da Europa optaram por ampliar suas operações no exterior ou diversificar suas atividades, investindo em áreas
não alimentícias. A expansão internacional das grandes
cadeias de varejo pode ser vista como a manifestação do
atual processo de internacionalização da economia no
âmbito do comércio varejista, impulsionado, nesse caso,
pela necessidade das empresas de conquistarem posições
de mercado para fazer frente ao crescimento da concorrência. Isso é particularmente importante se for considerado que as limitadas expectativas de crescimento dos
mercados de bens de consumo dos países centrais contribuem para o acirramento da competição, constituindo assim um poderoso estímulo à expansão dos grandes supermercadistas também em países periféricos possuidores de
mercados atrativos, tais como Brasil, México e Argentina.4 Já no que tange à diversificação das atividades comerciais, deve-se notar a preocupação das grandes redes
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em investir na expansão de lojas com áreas de vendas
reservadas para produtos não alimentícios, como artigos
de moda, livros e discos.
A estas estratégias podem ainda ser acrescentadas formas mais sofisticadas de diversificação da atividade comercial, tais como a expansão das vendas a distância e
das atividades de prestação de serviços. As vendas a distância representam uma das respostas mais eficazes às demandas dos consumidores por maior comodidade, constituindo assim uma forma de comércio especializado que
tende a crescer muito nos próximos anos. Baseado nas
técnicas de telemarketing, esse tipo de comércio vem se
desenvolvendo pela incorporação de novas mídias, principalmente a telemática.5 A prestação de serviços aos clientes, por sua vez, constitui uma das estratégias mais importantes para diversificar as atividades da empresa e
preservar posições de mercado. Graças à sua intensa relação com os consumidores, necessariamente rotineira, o
varejo vem atuando cada vez mais como intermediador
na prestação de serviços pessoais, tais como fornecimento de crédito, agenciamento de viagens, venda de seguros
e produtos financeiros, etc. O primeiro passo da empresa
é, quase sempre, começar operando como intermediária
no fornecimento de crédito, freqüentemente em nome de
empresas do setor financeiro pertencentes ao mesmo grupo
econômico do próprio varejista (holdings e outras formas
de associação). Posteriormente, o fornecimento de crédito deixa de ser o principal atrativo oferecido pelo varejista, figurando em primeiro plano a intermediação na venda de outros serviços (Almeida e Crossetti, 1995:176).
Portanto, o desenvolvimento das atividades de intermediação constitui uma importante estratégia de diferenciação do produto para as empresas de varejo, além de fortalecer a posição econômica desse segmento no contexto
do processo de reestruturação da economia. Como destacam Almeida e Crossetti (1995:178), “Pode-se observar
o estabelecimento de um efetivo ‘mercado de transações’,
um mercado de controle de outros mercados, em que os
principais operadores podem ser chamados operadores de
intermediação, que obtém um amplo poder de mercado”.
Porém, a face mais visível das ações movidas pelas empresas varejistas para aumentar a qualidade e a eficiência
dos serviços que prestam é, sem dúvida, o processo de
automação do varejo. A expansão da capacidade de armazenamento, transmissão e processamento de dados, propiciada pelas novas tecnologias de informática e telecomunicações, vem permitindo a implantação de métodos
inovadores de operação e gerenciamento das atividades
de distribuição de mercadorias. O processo de automação comercial consiste basicamente na implantação de um
sistema integrado de controle das operações de venda e
do gerenciamento dos estoques, mediante uma associa-
ção das tecnologias de entrada e processamento de dados
(principalmente pontos de venda equipados com leitores
óticos) com os novos serviços de comunicação, tais como
o Eletronic Data Interchange – EDI (Diniz Filho, 1995).
No caso específico do varejo, essa associação de
tecnologias torna possível a implantação do sistema de
avaliação do lucro por item vendido (Direct Profit Product
– DPP) e não por segmentos ou linhas de alimentação.
Ao mesmo tempo, faculta às empresas comerciais
ampliarem enormemente a velocidade de comunicação
com seus clientes e fornecedores, de modo a agilizar o
processo de ressuprimento das lojas e reduzir o tempo de
estocagem das mercadorias. O aumento da velocidade de
giro dos estoques, com base num fluxo de informações
rápidas e precisas, permite ainda otimizar o processo de
definição do mix de produtos comercializados e o controle
de promoções e preços, além de oferecer condições para
o desenvolvimento de estratégias de marketing mais
sofisticadas – mesmo porque, as próprias atividades de
propaganda e marketing das empresas são informatizadas.
Com efeito, as informações oferecidas pelo sistema DPP
sobre a lucratividade obtida em cada item de produtos
aumenta a eficácia das técnicas de Space Imagine, isto é,
o planejamento do layout das lojas (distribuição dos pontos
de maior visibilidade) de acordo com a atratividade de
cada mercadoria. Igualmente importante é a montagem
de bancos de dados dos consumidores e suas preferências,
que, permitindo detectar rapidamente as mudanças nos
hábitos de consumo da população, confere maior flexibilidade às estratégias de lançamentos e de promoções
(Frúgoli Júnior, 1991).
Devido a todas essas potencialidades oferecidas pela
automação comercial, verificou-se nos últimos anos uma
difusão acelerada de novas tecnologias entre as empresas
do varejo, o que torna claro o caráter irreversível do processo de automação. Apesar disso, é preciso ressalvar que
ainda não é possível prever qual será a configuração final
do setor comercial após a consolidação plena das tecnologias de automação, e nem se pode dizer que o emprego
dessas tecnologias já tenha atingido a amplitude que muitas vezes se depreende das matérias veiculadas pela mídia – sobretudo no que diz respeito a países que se inseriram mais tarde no processo, como é o caso do Brasil.6
Em um estudo sobre modernização comercial, realizado
pelo Centro Internacional das Empresas de Comércio e
Indústria do Ramo Alimentar – Cies,7 ficou claro que já
em 1990 as redes varejistas européias utilizavam largamente a automação, mas não haviam ainda logrado extrair dessas tecnologias todos os benefícios potencialmente
oferecidos, já que a média das empresas ainda utilizava a
informática preponderantemente como fator de redução
de custos e elevação dos níveis de eficiência.8 Somente
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as empresas de maior porte mostravam-se capazes de aplicar mais efetivamente a tecnologia de automação, de modo
a não apenas melhorar seu desempenho nas operações tradicionais, mas principalmente como instrumento de apoio
aos negócios. Mas mesmo essas grandes redes encontravam-se restritas à integração de sistemas, não tendo ainda implementado a descentralização operacional e administrativa de seus recursos tecnológicos e de banco de
dados, que constitui a forma mais eficiente de gestão dos
sistemas de informática (SuperHiper, 1992b). Vale acrescentar que o caráter ainda incompleto do processo de difusão e maximização dos benefícios oferecidos pelas tecnologias de automação tem sido reiterado em estudos mais
recentes sobre o tema (Furtado, 1995:93-95).
Adicionalmente, deve-se ressalvar que o potencial
de integração das transações interempresas oferecido
pela automação comercial ainda não se traduziu na constituição de padrões tecnológicos e normativos de âmbito
universal. A importância estratégica dos sistemas de automação para o planejamento das atividades e formas de
cooperação entre empresas, aliada aos altos investimentos necessários para readequar sistemas já constituídos,
cria conflitos de interesse que dificultam a formação de
convenções mais amplas, de modo que diversos padrões
tecnológicos e normativos continuam coexistindo, sem que
nenhum deles consiga se converter em padrão universal.
Apesar dessas ressalvas, pode-se dizer que o conjunto
de estratégias implementadas pelas empresas de varejo para
ampliar sua competitividade, tal como foram descritas até
o momento, engendraram pelo menos duas grandes tendências de transformação no âmbito do comércio varejista. Em primeiro lugar, verifica-se que as atividades varejistas deixaram de se caracterizar pelo baixo conteúdo
tecnológico, passando agora a desempenhar função importante no desenvolvimento e difusão de novas tecnologias, bem como no próprio processo de informatização
da sociedade. Não por acaso, as empresas desse segmento
constituem hoje os principais clientes das empresas do tipo
Value Added Network (VAN), que são responsáveis pela
operação dos serviços de EDI. Em segundo lugar, constatase que como reflexo do uso intensivo da informática nesse
segmento, ampliaram-se as exigências de qualificação profissional, seja no que diz respeito à gerência intermediária
ou às atividades operacionais. Em virtude disso, alguns autores afirmam que têm crescido os investimentos das empresas de varejo em treinamento de pessoal, já que os requisitos de qualificação, na esteira da própria informatização
das empresas, passam a ganhar importância como fator de
vantagem competitiva (Almeida e Crossetti, 1995:177).
Por fim, é significativo destacar que as estratégias implementadas recentemente pelo varejo vêm contribuindo
para alterar o próprio padrão de concorrência vigente, o
que diz respeito tanto às formas de relacionamento entre
as empresas do comércio como às relações intersetoriais.
Tradicionalmente, o comércio varejista constituía um segmento relativamente frágil em relação aos outros, já que
as empresas industriais e atacadistas operavam com volumes de vendas muito maiores. Hoje, as grandes cadeias
supermercadistas da Europa e dos EUA realizam vendas
em escalas bastante superiores às de qualquer fornecedor, fato este que, somado à grande concentração do capital varejista, assegurou-lhes um significativo poder oligopsônico (sobretudo em relação à indústria de alimentos
e de produtos de uso doméstico).9 Como resultado, as empresas de supermercados ampliaram seu poder econômico dentro da cadeia de produção e distribuição de bens de
consumo corrente, o que lhes permite determinar, até certo
ponto, o perfil dos processos de reestruturação e modernização que vêm ocorrendo nas empresas que operam
dentro dessa cadeia.10
O PROCESSO DE REESTRUTURAÇÃO
NO SEGMENTO ATACADISTA
Pelo fato de o atacado atuar principalmente como intermediário entre empresas, as transformações pelas quais esse
segmento vem passando terminam por receber menor atenção por parte da mídia, tornando-se assim menos perceptíveis para o público em geral. Apesar disso, é importante
destacar a forma como esse segmento vem se engajando no
corrente processo de reestruturação da economia dos países
capitalistas avançados, o que tem atraído o interesse de alguns importantes centros de pesquisas econômicas.
De acordo com estudo da Oficina Estadistica de Las
Comunidades Europeas (1991), podem ser identificadas
várias tendências econômicas que, direta ou indiretamente,
incidem sobre a estrutura de comercialização atacadista. A
concentração de capital, com eliminação de pequenas empresas, é uma das tendências verificadas no atacado europeu ainda em princípios da década de 90, o que parece ser
uma conseqüência do aumento do nível de competição nesse segmento. Outra tendência é a elevação do volume de
negócios e do pessoal ocupado no segmento atacadista, revelando sua capacidade de se inserir dinamicamente nos
movimentos de transformação da economia. Entre os vários fatores que podem estar contribuindo para esse crescimento, o processo de unificação do mercado europeu
parece ser um dos mais significativos, especialmente quando se considera que o aumento da participação do atacado no comércio de importação e exportação é outra tendência verificada no início desta década.
Porém, existem outros aspectos do atual processo de reestruturação da economia que influenciam o segmento atacadista de formas nem sempre convergentes. Segundo a
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Oficina Estadistica (1991:17), podia-se identificar, no início dos anos 90, a tendência de externalização das atividades de distribuição de mercadorias por parte das empresas
do setor produtivo, em correspondência com o movimento
geral de terceirização que, segundo a bibliografia especializada, constitui uma das características mais marcantes da onda
de reestruturação em curso. Todavia, se esse movimento abre
potencialmente novos espaços para a atuação do atacado,
por outro lado já se notava uma tendência (ainda que não
tão forte) de estreitamento dos vínculos entre empresas industriais e varejistas, com a transferência para estas últimas,
da distribuição e do armazenamento de mercadorias.
Em uma visão geral, porém, pode-se dizer que não há
perspectivas de retraimento da atividade de distribuição
em virtude dos recentes movimentos de transformação da
economia, já que a funcionalidade desse segmento na
cadeia de valor agregado não chega a ser questionada pelo
desenvolvimento de parcerias entre produtores e varejistas. De fato, uma das funções primordiais do atacado é
cobrir as lacunas existentes na capacidade de abastecimento do varejo por parte das empresas industriais, visto
que, enquanto estas últimas atuam como produtoras especializadas de bens em larga escala, os varejistas trabalham quase sempre na comercialização de uma gama muito
variada de mercadorias. Somente um setor especializado
na logística de distribuição poderia livrar as indústrias do
ônus de suprir diretamente as lojas do varejo não especializado, fazendo o armazenamento e a posterior distribuição fracionada de produtos. É graças a essa especialização que o atacado tem logrado inserir-se de forma
dinâmica nas mudanças mais recentes da economia, tirando proveito do próprio movimento de modernização
do varejo. É o caso do estímulo que a expansão das lojas
de conveniência oferece para o crescimento do atacado:
por trabalharem com volumes de mercadorias relativamente pequenos, mix diversificado e giro muito rápido, tais
lojas representam um importante nicho de mercado para
esse segmento. Exemplo menos comum, mas que merece
ser citado, é o dos atacadistas que passaram a realizar
vendas a varejo para mercados exclusivistas, tais como
condomínios residenciais de alto padrão, através da aplicação da telemática ao sistema de vendas a distância.11
Entretanto, a capacidade do atacado de incorporar dinamicamente os estímulos do modelo econômico emergente (e de perfil ainda em definição) já não depende somente do desempenho alcançado na execução das funções
de distribuição. Isto reflete na forma como as empresas
atacadistas vêm investindo no desenvolvimento de estratégias de competitividade mais sofisticadas, que não se
restringem à busca do menor preço e enfatizam a concorrência via diversificação e melhoria da qualidade dos serviços prestados aos clientes.
Entre os grandes atacadistas norte-americanos, bastante
avançados na implementação dessas estratégias, o objetivo primordial da prestação de serviços é ampliar o grau
de “fidelidade” dos clientes, ou seja, estabelecer vínculos mais constantes de relacionamento com as empresas
de varejo, principalmente através de contratos de fornecimento exclusivo. O atacadista Richfood, por exemplo,
possui um departamento de projetos somente para orientar seus clientes em atividades tais como planejamento
de instalação e reforma de lojas, desenvolvimento de
layouts e projeto arquitetônico, entre outros serviços que
oferece.12 Já o atacadista Super Valu, maior empresa do
setor nos EUA, criou a divisão Sweet Life, especializada
em assessorar clientes no planejamento de elementoschave do varejo, tais como a composição do mix de produtos (diferenciado por loja), planos de promoções e
merchandising. Como resultado, essa divisão conseguiu
formar um corpo de 327 clientes cativos, responsáveis por
um volume de entregas da ordem de 430 mil caixas por
semana, que são assistidos por um grupo de 12 consultores de negócios. A ênfase na prestação de serviços atua
também no sentido de estreitar as relações do atacado com
as empresas do setor de serviços pessoais e sociais, como
demonstram as recentes experiências do Virginia Food
Service. Essa empresa criou uma divisão institucional, a
“Pocahontas”, especializada no atendimento a restaurantes, hospitais e rotisserias, entre outros tipos de estabelecimento. Bem treinados e munidos de lap tops com
modems, os vendedores dessa divisão oferecem aos clientes, no momento mesmo de fechar negócios, um verdadeiro serviço de consultoria para a montagem de cardápios, fornecendo informações que incluem até o cálculo do
preço por tipo de refeição servida e dos valores nutritivos
de cada tipo (Yazbek, 1995).
Com o crescimento da importância estratégica da prestação de serviços, ampliou-se também a necessidade de
investir nas atividades de pesquisa e planejamento de
médio e longo prazos. Isto significa que, para desempenhar eficientemente sua função de prestar assessoria às
atividades de varejo (importantes sobretudo para as pequenas empresas), os atacadistas precisam ser capazes de
antecipar as demandas do seu cliente imediato13 e, ao
mesmo tempo, detectar as tendências do próprio mercado consumidor. Não por acaso, os grandes atacadistas
norte-americanos possuem equipes de pesquisa e desenvolvimento especializadas no acompanhamento das mudanças nos hábitos de consumo da população, levantando assim as informações necessárias para planejar o
tipo de atendimento mais adequado ao perfil dos consumidores.14 Pode-se dizer que a orientação geral das atividades do atacado americano é estabelecida a partir das
demandas do mercado de consumo final, com efeitos im-
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portantes sobre o próprio planejamento das empresas
varejistas.
Talvez o ápice desse sistema de cooperação e planejamento integrado das grandes redes de atacado e varejo
possa ser identificado nas chamadas “cadeias de associação voluntária”, modalidade de associação entre empresas em que os grandes atacadistas atuam como responsáveis pelo abastecimento e coordenação das atividades de
um grande número de lojas de varejo. Tomando-se novamente o exemplo da Richfood, verifica-se que essa empresa opera atualmente com um conjunto de 128 lojas independentes que, identificadas publicamente pelo selo
IGA, recebem catálogos de produtos e revendem as mercadorias sob o compromisso de utilizar displays padronizados, o que assegura a unidade do conjunto. A coordenação das atividades da rede é ainda reforçada por
workshops trimestrais em que os lojistas são informados
sobre as estratégias de promoção a serem adotadas.
Estas novas formas de associação entre atacado e varejo suscitam a questão de saber até que ponto a participação de pequenos varejistas nessas cadeias não seria, para
muitos deles, mais uma questão de sobrevivência frente
ao avanço das grandes redes super e hipermercadistas do
que uma adesão entusiástica às novas formas de parceria.
Ainda que o nível de exigência dos atacadistas para a
participação de pequenas empresas nessas cadeias possa
ser elevado, o suporte logístico oferecido e o apoio mercadológico prestado pelas empresas atacadistas podem ser
um fator de segurança para muitos varejistas independentes, que de outra forma teriam dificuldades para competir
com o poderio de mercado das grandes redes. Além do
mais, se o vínculo estabelecido com grandes atacadistas
constitui uma forma de parceria muito assimétrica, por
outro lado evita que as lojas independentes tenham de
negociar diretamente com grandes fornecedores industriais, o que também iria colocá-las em situação de desvantagem, dado que teriam que negociar pequenos volumes de mercadorias. Se a incorporação do varejo
independente às cadeias voluntárias continuar se generalizando, pode-se levantar a hipótese de que esse mecanismo poderá vir a ser mais um elemento limitador da concentração de capital no segmento varejista, mantendo
assim uma margem considerável para a participação de
pequenas empresas independentes no mercado, ainda que,
para isso, tais empresas tenham que se organizar virtualmente da mesma forma que nas redes de franquias.
Outro ponto que merece ser realçado é a possibilidade
de que a diversificação das atividades exercidas pelas
empresas de atacado atinja um nível tal que acabe por
alterar a própria natureza desse segmento. Com efeito, a
ênfase dada ao “marketing de serviços” pelos empresários atacadistas é de tal ordem que já tem levado alguns
representantes desse segmento a defini-lo como a atividade principal do atacado, superior à própria compra e
venda de mercadorias.15 Esta última passaria a ser apenas
o resultado obtido com o trabalho de marketing direcionado para a conquista e preservação de clientes.
Apesar da contundência dessa assertiva, não se deve
pensar que a ênfase atual na prestação de serviços tenha
transformado a competição baseada em preços numa preocupação irrelevante para as empresas desse segmento. Pelo
contrário, é preciso frisar que a eficiência dos atacadistas
no fornecimento de produtos, segundo critérios de rapidez e preços baixos, constitui um fator essencial nas negociações que envolvem a formação dos vários tipos
de parcerias, desde contratos de fornecimento exclusivo
até cadeias voluntárias. Em função disso, as empresas
atacadistas vêm produzindo sucessivos aprimoramentos
nos métodos de planejamento e execução integrada das
atividades de armazenamento e distribuição, designados
mais precisamente pelo termo “logística”.
Segundo consultores especializados, os últimos anos
trouxeram uma mudança significativa no conceito de logística, que deixou de ser definida apenas como o estudo
e planejamento das atividades imediatamente ligadas à
distribuição física, passando a enfocar o conjunto de atividades que compõem o “fluxo total da mercadoria”, ou
seja, todo o ciclo de produção, distribuição e consumo.16
Nesse contexto, as mais recentes inovações organizacionais do atacado podem ser definidas da seguinte maneira: “A palavra de ordem dos anos 90 é o ECR – Efficient
Consumer Response (...). A sua base de sustentação está
na logística, a única forma de se conseguir eficiência e
agilidade nas operações. A aplicação do ECR aumenta o
valor agregado dos produtos – por exemplo, preços mais
baixos, produtos mais frescos ou adequados – analisando
os processos de cadeias de negócios do setor, desde o
fornecedor de embalagens até o varejo e, finalmente, o
consumidor” (Tanabe, 1996:30).
Do ponto de vista estratégico, o eixo básico do conceito de ECR é o enfoque orientado para o consumidor
final, o que constitui uma importante inovação trazida pelo
atacado norte-americano. Para implementar esse novo
modelo logístico, porém, é necessário percorrer um longo caminho, que envolve pelo menos quatro movimentos
bastante amplos de reestruturação das empresas: realização de um trabalho de reengenharia voltado para a redefinição da estrutura organizacional da empresa, cargos,
funções, recursos humanos, atividades principais, etc.;
pesquisa de métodos desenvolvidos pelas empresas mais
avançadas no intuito de incorporar suas experiências
(benchmarking); utilização intensa dos recursos de EDI,
tecnologia indispensável para a integração e coordenação de atividades; e implementação do Activity Based
133
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Costing (ABC), conjunto de técnicas que permitem identificar e calcular os custos de distribuição em todos os
canais, contabilizando assim todos os custos envolvidos
em cada uma das atividades necessárias à comercialização de mercadorias. O resultado a ser perseguido com esses
movimentos é a eliminação da burocracia que permeia as
transações internas e externas das grandes empresas atacadistas, de modo a remover os obstáculos que possam
prejudicar o fluxo de informações entre diferentes departamentos de uma mesma empresa e/ou entre os atacadistas e seus vários parceiros. Nesse sentido, o ECR constitui um sistema de parcerias voltado para a integração dos
canais de distribuição de mercadorias, a qual só se realiza plenamente quando as decisões passam a ser tomadas
a partir da sondagem do consumidor final e do compartilhamento de informações entre parceiros atacadistas, distribuidores, varejistas e industriais (Tanabe, 1996).
Um ponto que merece ser destacado refere-se ao fato
de que esse conjunto de inovações organizacionais não
poderia ter acontecido sem o suporte tecnológico desenvolvido nos últimos anos. À semelhança do que vem ocorrendo no varejo, o atacado deixou de se caracterizar como
um segmento de baixo conteúdo tecnológico, uma vez que
foi capaz de adaptar os recentes avanços nas áreas de comunicações e informática às suas próprias necessidades.
Para aumentar a eficiência da administração dos estoques,
as convencionais empilhadeiras passaram a ser equipadas com um conjunto integrado de coletor de dados,
scanner e transmissor de radiofreqüência, permitindo assim um melhor monitoramento das tarefas executadas
pelos operadores dos veículos e, sobretudo, o acompanhamento do fluxo de mercadorias em tempo real, de modo
a calcular a velocidade de giro de cada item. Além de
aumentar a eficiência dessas operações rotineiras, tal sistema cria novas possibilidades de controle e mensuração
dos níveis de produtividade da empresa, tais como os indicadores de produtividade por funcionário, por máquina, ou por seção. De modo análogo ao que ocorre com as
empilhadeiras, os caminhões passaram a contar com computadores de bordo e transmissores, produzindo ganhos
de eficiência em todos os aspectos que envolvem as operações de transporte de mercadorias, a saber: fiscalização
do trabalho dos motoristas, coibindo práticas nocivas à
conservação dos veículos ou que impliquem desperdício
de tempo; roteirização mais eficiente das entregas, que
passam a ser planejadas com base em informações rápidas e precisas sobre os níveis de estoque dos clientes e os
prazos de entrega dos fornecedores; maior economia de
combustível, peças e acessórios, derivada da racionalização dos roteiros e dos serviços internos de manutenção
(propiciada pela informatização integrada também das
oficinas),17 etc. Por fim, a aplicação de tecnologia às ati-
vidades de armazenamento e distribuição torna possível
reduzir a burocracia nas transações internas e externas das
empresas, já que a troca de informações entre centros de
distribuição, matriz, fornecedores e clientes torna-se muito
mais ágil e tende a eliminar o preenchimento de requisições, notas fiscais e outros documentos em forma impressa
(Revista Distribuição, 1995).
Em suma, pode-se perceber que as recentes transformações vividas pelo atacado vêm conduzindo esse segmento a níveis elevados de sofisticação tecnológica e organizacional, resultante da diversificação das atividades
das empresas e do maior estreitamento das relações com
setores comerciais e não-comerciais. Refletindo a tendência de diversificação, as empresas atacadistas passaram a
investir na formação de grupos de funcionários mais qualificados, responsáveis pelas atividades de pesquisa de
mercado, marketing, consultoria de negócios, planejamento logístico e outras. Os efeitos disso são bastante interessantes, como demonstra o caso da divisão Sweet Life,
que substituiu a figura do vendedor pela do consultor de
negócios, responsável por prestar serviços aos parceiros
varejistas. Mesmo quando os vendedores não são propriamente substituídos, verifica-se o crescimento da autonomia e a ampliação das funções que exercem, já que eles
passam a ser negociadores, capazes de formular propostas, tomar decisões e fornecer informações aos clientes.
Com esse novo perfil de vendedores, equipamentos como
lap tops e modems passaram a ser ferramentas de trabalho indispensáveis para agilizar o fornecimento de informações aos clientes, reforçando ainda mais a necessidade de investimentos em qualificação e treinamento por
parte das empresas atacadistas.
SÍNTESE DAS TENDÊNCIAS DE
REESTRUTURAÇÃO E SUGESTÕES
PARA O ESTUDO DO SETOR COMERCIAL
A comparação das trajetórias do varejo e atacado, nos
últimos anos, permite identificar algumas tendências gerais de reestruturação do setor comercial, que podem ser
esquematizadas da seguinte maneira:
- internacionalização das empresas comerciais, manifesta na expansão das cadeias varejistas em mercados nacionais atrativos e no aumento da participação dos atacadistas nas operações de importação e exportação;
- desenvolvimento de estratégias de competição baseadas na melhoria e diversificação de produtos e serviços,
não apenas na redução de preços;
- aumento da importância conferida ao planejamento estratégico, realizado com base na sondagem sistemática do
mercado consumidor e na análise integrada do “fluxo total da mercadoria” (produção, distribuição e consumo);
134
TENDÊNCIAS RECENTES NO SETOR COMERCIAL
- desenvolvimento e generalização de tecnologias de automação comercial, com vistas a ampliar a eficiência das
operações logísticas e sofisticar as técnicas de marketing
e de gerenciamento;
- aumento das exigências relativas à qualificação profissional, refletindo-se na maior preocupação das empresas
com treinamento;
- crescimento da participação das empresas comerciais
como intermediárias nas transações entre os agentes da
cadeia de valor agregado, através da venda de serviços
aos consumidores e da orientação prestada aos fornecedores em relação às tendências do mercado consumidor;
- aprofundamento e diversificação das formas de parceria
entre empresas comerciais e também entre comércio e indústria (franquias, cadeias de associação voluntária, etc.);
- alteração das formas de relacionamento entre indústria
e comércio, com aumento do poder econômico das empresas comerciais;
À luz das discussões realizadas até o momento, podese concluir que as tendências de reestruturação ensaiadas
pelo comércio vêm sendo impulsionadas e definidas pela
exacerbação da concorrência, característica própria dos
grandes ciclos de reestruturação econômica que se mostra particularmente acentuada no período atual (Furtado, 1995:83), mas que muitas vezes é deixada de lado pelos
analistas mais diretamente ligados às empresas do setor.
A rápida difusão dos equipamentos de automação, por
exemplo, indica claramente a existência de uma corrida
de atualização tecnológica dentro do comércio. Por outro
lado, a universalização de convenções tecnológicas e normativas, que poderia maximizar o potencial de integração dessas tecnologias (seja no âmbito da logística, seja
no das transações entre empresas), vem sendo obstaculizada pelos conflitos entre as grandes empresas, cada qual
interessada em transformar seus próprios sistemas em
padrão hegemônico. Assim também ocorre com a expansão e o aprofundamento das formas de parceria (como
franquias e cadeias voluntárias), que, embora contribuindo para preservar espaços de atuação para as pequenas
empresas, reduzem as chances de sobrevivência daquelas que não forem capazes de se associar aos grandes capitais. Na outra ponta do processo, o estreitamento das
relações entre as grandes empresas dos setores produtivos e comerciais sugere que há um esforço mais ou menos generalizado para consolidar posições de mercado e
deslocar a competição do âmbito das relações entre empresas para o das relações entre grupos de empresas associadas. Tudo isso serve para demonstrar o modo como o
acirramento da concorrência, intrínseco ao atual processo de reestruturação da economia, vem exigindo estratégias ativas de adaptação por parte das empresas do setor
comercial.
Todavia, existem grandes dificuldades para avançar na
análise das causas e conseqüências do processo de reestruturação do comércio, ou mesmo para traçar um cenário sobre o futuro desse setor, em virtude da falta de pesquisas
sistemáticas que permitam analisar e quantificar o processo
de reestruturação em curso, principalmente no que diz respeito ao caso brasileiro. Somente através da aplicação de
pesquisas especificamente planejadas para esse fim será
possível avaliar até que ponto as tendências de reestruturação delineadas anteriormente estariam transformando efetivamente o perfil da atividade comercial, bem como os impactos sociais e econômicos que estariam produzindo.
Do ponto de vista do mercado de trabalho, por exemplo, é preciso constituir indicadores que possibilitem aferir
até que ponto o aumento da importância atribuída ao treinamento de pessoal poderia estar alterando o nível médio
de qualificação do pessoal ocupado no comércio (tradicionalmente, um dos setores que utiliza mais intensamente
mão-de-obra de baixa qualificação profissional e regimes
de trabalho flexíveis). Igualmente importante seria pesquisar os efeitos do aumento de produtividade e das novas formas de comercialização (tais como as vendas a
distância) sobre o nível de emprego no comércio, principalmente considerando-se a grande participação desse
setor na PEA total. Faltam também pesquisas que captem
as formas de aplicação e gestão dos recursos de informática e telecomunicações, bem como o grau de “cobertura” das novas tecnologias segundo as áreas de operação
das empresas ou as funções administrativas e operacionais que já são executadas através dessas tecnologias.
Como último exemplo, seria importante construir pesquisas capazes de indicar quais estratégias de competitividade estão sendo adotadas pelas empresas comerciais. Isto
permitiria averiguar, entre outras hipóteses, se o desenvolvimento das técnicas de pesquisa de mercado (propiciado pela formação de bancos de dados sobre os consumidores) não poderia repercutir positivamente na
competitividade das próprias indústrias de bens de consumo, na esteira de parcerias bem articuladas entre as
empresas de comércio e seus fornecedores.
Evidentemente, a abordagem desses temas através de indicadores econômicos é bastante complexa, fato que talvez
explique por que as pesquisas de comércio realizadas pelos
mais conhecidos órgãos oficiais de estatística do mundo não
estão instrumentalizadas para a produção desse tipo de indicadores. Além disso, o estudo aprofundado do processo de
automação comercial e das novas estratégias das empresas
exigiria provavelmente a montagem de questionários extensos e complexos, contrariando assim a tendência de simplificação das pesquisas econômicas verificada atualmente. No
caso específico do Brasil, é preciso considerar também que
a produção de indicadores voltados para o estudo das inova-
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SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(4) 1996
posição central dentro da cadeia produtiva, ganhando assim maior capacidade
de impor seus interesses dentro do processo de reestruturação das atividades
(Furtado, 1995:84).
11. A entrada de empresas atacadistas no negócio de vendas a distância, com a
utilização de modernos recursos de telemática e multimídia, já vem sendo ensaiada inclusive no Brasil, como demonstra o projeto “Supermercado Eletrônico”, desenvolvido pelo Atacado Vila Nova (Revista Distribuição, 1995a).
ções ocorridas no comércio terá que se dar em paralelo com
um movimento mais amplo de reestruturação do Sistema
Estatístico Nacional, que abrange o remodelamento das
próprias pesquisas econômicas estruturais. Isto significa
que, inicialmente, as pesquisas de comércio terão de se concentrar na construção de indicadores voltados para a caracterização econômica das empresas comerciais e de suas
estruturas de comercialização, avançando apenas alguns indicadores básicos para o acompanhamento dos processos de
difusão de novas tecnologias e de diversificação das atividades econômicas dessas empresas.
Seja como for, é possível concluir que o amplo processo
de reestruturação econômica em curso não poderá ser compreendido por completo através de pesquisas focadas exclusivamente na dinâmica industrial, já que as inovações tecnológicas e organizacionais ocorridas no comércio tendem
a transformar as estratégias de competitividade das empresas desse setor num elemento importante para a definição
do novo modelo econômico emergente. Espera-se que este
artigo tenha servido para demonstrar a relevância dos fenômenos que vêm ocorrendo no comércio, além de apontar
alguns eixos temáticos para a montagem de pesquisas econômicas sintonizadas com a dinâmica recente desse setor.
12. A Richfood chega mesmo a utilizar a capacidade ociosa de seus computadores para fazer a contabilidade de 150 das 1.200 lojas que atende (Yazbek, 1995:48).
13. Segundo o consultor de empresas Alberto Martins Callegaro, “o serviço (...)
é um bem abstrato, que só é percebido pelo benefício que presta ao consumidor.
Para isso, a empresa precisa estar à frente do cliente, para se antecipar a ele nas
suas demandas” (Revista Distribuição, 1995c).
14. Altamiro Carlos Borges Júnior (1995:48), diretor da empresa de consultoria
ABPL, fornece um bom exemplo de como isso funciona: “(...) quando se detecta
uma tendência para o consumo de produtos frescos, eles [os atacadistas norte-americanos] preparam armazéns para trabalhar com 5, 10 temperaturas diferentes”.
15. O presidente da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores, Luiz
Antonio Tonin, tem divulgado essa idéia entre os empresários brasileiros, relativamente atrasados em relação aos modernos métodos e conceitos do atacado norteamericano (Tanabe, 1996:28).
16. Alguns especialistas emprestam um significado ainda mais abrangente a esse
conceito, incluindo também a produção da matéria-prima e a destinação do lixo
como etapas que interessam ao enfoque da logística (Tanabe, 1996).
17. Vale notar que a incorporação dos equipamentos de informática aos veículos
levou à criação de softwares modulares específicos para as atividades de roteirização de entregas e, de forma mais ampla, para a administração integrada de
oficinas, depósitos, escritório central e demais divisões das empresas atacadistas (Revista Distribuição, 1995b).
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NOTAS
Agradecemos os comentários e sugestões de Paula Montagner e Armando Barros de Castro.
1. A menor atenção dispensada ao comércio pode ser atribuída também à pequena produção teórica acumulada sobre esse setor, tanto na literatura econômica
nacional como na internacional (Zimmermann, 1992 e Oi, s.d.).
2. Os dados relativos aos países desenvolvidos foram citados por Almeida e Crossetti
(1995:171). Já os dados referentes ao comércio brasileiro foram produzidos pela PNAD
e citados na Pesquisa Anual de Comércio – PAC, para o ano de 1990.
3. Trata-se da pesquisa “Passaporte Europeu Nielsen”, primeiro diagnóstico do
varejo alimentar a abranger de forma padronizada os 16 principais mercados da
Europa (SuperHiper, 1992a).
4. O mercado norte-americano, por exemplo, apresenta crescimento de apenas 2%
ao ano, o que explica em grande parte a expansão de importantes redes supermercadistas, como a Wal-Mart, em mercados estrangeiros (Almeida e Crossetti, 1995:180).
5. Vale dizer que esse tipo de atividade tem estimulado a disseminação dos cartões de crédito, que tendem a se tornar a forma predominante de pagamento nas
operações de venda a distância (Almeida e Crossetti, 1995:178).
6. A difusão desses equipamentos vem se acelerando Brasil e, principalmente,
no Estado de São Paulo, conforme indicado em estudo recente (Diniz Filho, 1995).
Apesar disso, não se dispõe de informações mais refinadas sobre o processo de
automação do comércio brasileiro, que permitam identificar quais funções das
empresas já estariam automatizadas ou a forma de gestão dos recursos de informática e telecomunicações.
7. O Cies é uma associação que reúne as 250 maiores redes varejistas de alimentos
do mundo (movimentando vendas da ordem de 600 bilhões de dólares anuais) e
seus fornecedores (SuperHiper, 1992b).
8. Segundo o diagnóstico do Cies, as tecnologias de informática eram utilizadas de
maneira mais intensa nas atividades de retaguarda, apoiando cerca de 70% das áreas
de administração e finanças. Nas áreas de compras e logística o grau de cobertura
dessas tecnologias girava em torno de 48% e 38%, respectivamente. A informática
era menos empregada nas áreas de propaganda e marketing, com 30%, e de “loja/
escritório frente”, com apenas 20% de cobertura (SuperHiper, 1992b).
9. Segundo Almeida e Crossetti (1995:173), a própria ênfase das redes de super
e hipermercados no desenvolvimento de marcas próprias constitui uma importante “fonte de aumento de poder a expensas da indústria, possibilitando ainda
uma sensível ampliação das margens de lucro do varejo”.
10. Em outros setores, como no automobilístico, são as indústrias que ocupam a
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