A NATUREZA JURÍDICA E CONTÁBIL DO CROSS

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A NATUREZA JURÍDICA E CONTÁBIL DO CROSS
A NATUREZA JURÍDICA E CONTÁBIL DO CROSS-CURRENCY SWAP
João Manoel de Lima Junior1
Resumo
O presente trabalho apresenta, em linhas gerais, a operação de cross-currency swap (também
denominada como swap de divisas, de moedas ou währungsswap), introduz brevemente o
estudo sobre sua natureza jurídica e contábil e apresenta algumas dificuldades na
determinação do regime jurídico e contábil aplicável a esta operação quando consideradas as
características do contrato.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo introduzir o debate sobre a natureza jurídica e
contábil da operação financeira denominada cross-currency swap. O cross-currency swap é
um instrumento financeiro derivativo que pode ser considerado “exótico” bastante utilizado
no mercado internacional na medida em que permite à duas, ou mais, companhias com
possibilidades de obtenção de taxas de juros menos onerosas em operações de empréstimo,
contratadas tendo como base uma determinada moeda funcional (estas vantagens
comparativas podem advir, por exemplo, do melhor rating de crédito ou do fato desta ser mais
conhecida dos investidores em determinado país), a obter um determinado resultado
financeiro mais favorável aos seus objetivos empresariais por meio da troca das taxas de juros
cobradas pelos empréstimos.
O estudo dos tratamentos jurídico e contábil deste tipo de operação se justifica na
medida em que, conforme ensinam os Professores Alexsandro Broedel Lopes e Roberto
Quiroga Mosquera (2010) “A nova realidade do mercado financeiro observada no Brasil nos
1
Advogado, sócio do escritório Spalding Advocacia Empresarial. Mestre em Direito Econômico pela Faculdade
de Direito da Universidade de São Paulo. Assistente de Ensino na FGV Direito Rio. Críticas, comentários e
sugestões sobre este artigo são bem vindos no e-mail [email protected].
últimos anos teve um impacto significativo nas operações com derivativos realizadas pelas
empresas e pelas instituições financeiras. De um cenário amplamente baseado em operações
tradicionais (plain vanilla) realizadas em Bolsa, o mercado começou a abrigar obrigações
cada vez mais customizadas e realizadas no mercado de balcão. As empresas comerciais e
industriais, antes ausentes do mercado de derivativos, começaram a se tornar players
importantes do mercado.”
Se mostra de relevância tanto acadêmica quanto prática empreender exercícios de
análise sobre um tipo específico de contrato de derivativo, disponível para contratação por
empresas brasileiras, especialmente àquelas que têm acesso aos mercados internacionais, na
medida em que estas podem considerar a captação de recursos por meio de empréstimos não
apenas em sua moeda funcional, o Real, mas em outras moedas e trocar os resultados
econômicos destas operações de captação com outros players dos mercados internacional ou
nacional.
Contudo, apesar dos fundamentos econômicos da captação de empréstimos e
utilização do cross-currrency swap como instrumento de gestão de tesouraria pelas empresas,
algumas dúvidas se impõem com relação ao tratamento jurídico deste contrato de derivativo
segundo os atuais ordenamentos jurídico e contábil brasileiros. Valendo, como exemplo,
mencionar: a operação de cross currrency interest rate swap é um contrato aleatório ou
comutativo? Têm natureza jurídica de valor mobiliário? É um instrumento de hedge, trading
ou de especulação? Qualquer empresa pode entrar neste tipo de contrato? É um empréstimo?
É um ativo financeiro, para efeitos de aplicação das regras previstas no Pronunciamento Nº
38, de 2 de outubro de 2009, emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC? Ou,
ainda, este contrato de derivativo é uma operação de renda fixa ou de renda variável? Pode ser
realizado por partes relacionadas? As despesas com o envio de recursos ao exterior para
realização do netting das taxas de juros trocadas entre as partes (legs) são dedutíveis? Etc.
Naturalmente, O presente trabalho, pela necessidade de concisão e objetividade não
pretende, tampouco poderia pretender, esgotar o assunto nem mesmo à responder todas as
perguntas listadas acima, mas sim servir como um breve e, espera-se, profícuo intróio ao
estudo do cross-currency swap e apresentar algumas problematizações na caracterização e
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enquadramento deste instrumento de engenharia financeira segundo as regras jurídicas e
contábeis atualmente vigentes no Brasil.
O presente trabalho está dividido em três sessões além desta introdução e de uma
singela conclusão ao final. A primeira buscará apresentar e delinear as principais
características da operação de cross-currency swap; a segunda buscará traçar algumas linhas
acerca do problema da natureza jurídica da operação financeira de cross-currency swap; por
fim, a terceira, de maneira semelhante, tentará introduzir o estudo da atual classificação
contábil do cross-currency swap.
1.
O cross-currency swap
Derivativos são instrumentos financeiros contratuais, bilaterais ou multilaterais, onde
são negociados ativos financeiros cujo valor é derivado de um ou mais ativos referência
(underlying assets), existem algumas versões mais comuns e usuais de contratos de
derivativos, os plain vanilla, normalmente negociáveis em mercados de bolsa ou de balcão
organizado (opções, futuros, à termo e swaps) e outras modalidades operacionais que não se
encaixam aos ‘moldes padrão’ e por isso são contratadas diretamente entre empresas, com ou
sem a intermediação de instituições financeiras, sendo contratadas em mercado de balcão ‘não
organizado’.
Existe grande consenso no Brasil acerca da utilização destes contratos apenas como
instrumentos de hedge (proteção). Nesta linha, segundo Marcelo Oliveira et al. (2005), estas
operações têm como sua finalidade principal de fornecer proteção contra movimentos
adversos do mercado. Porém, além desta finalidade de proteção podem os contratos
derivativos ser utilizados para obtenção de lucros com distorções momentâneas nos mercados
(arbitragem) ou com o objetivo de especulação. De tal modo que merece atenção uma visão
mais ampla sobre a utilização de contratos de derivativos como instrumentos para a gestão de
riscos por empresas financeiras, ou não, pois conforme lição de Marcelo Ferraz (2003) e
Robert M. McLaughlin (1999) a utilização de derivativos por empresas não financeiras pode
ajudar empresas à atingir objetivos tão diversos como, por exemplo: (i) reduzir os impactos de
impostos em empresas com resultados financeiros muito voláteis; (ii) reduzir custos diretos e
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indiretos de falências ou de problemas financeiros; ou (iii) reduzir o custo de capital da
companhia.
Segundo John C. Hull (2005), “swap é um acordo entre duas companhias para trocar
fluxos de caixa no futuro. O acordo define as datas em que os fluxos de caixa serão pagos e
de que forma serão calculados. Em geral o cálculo dos fluxos de caixa envolve os valores
futuros de uma ou mais variáveis de mercado”.
Na modalidade mais simples de swap (os plain vanilla mencionados acima), duas
companhias acordam em trocar entre si, em datas pré-determinadas de liquidação e por um
determinado período de tempo, as diferenças na variação de dois fluxos de caixa iguais aos
juros calculados a uma taxa fixa e os juros calculados a uma taxa de juros flutuante (fix to
floating swap).
Por outro lado, contratos derivativos exóticos, conforme definição dos Professores
Alexsandro Broedel Lopes e Roberto Quiroga Mosquera (2010) “são derivativos que alteram
uma ou mais características tradicionais dos derivativos plain vanilla”. Sendo assim, pode-se
definir um cross-currency swap como um derivativo exótico¸ pois esta operação envolve não
apenas um único valor de principal sobre o qual serão calculados fluxos de taxas de juros para
as partes (notional), mas dois valores de principal, sendo um em cada moeda adotada por cada
uma das partes, considerando-se um swap que só envolva duas partes contratantes.
Outra característica que define o ‘exotismo’ do cross-currency swap, e que será
estudada mais detidamente quando for discutida definição contábil deste contrato de
derivativo como “instrumento financeiro”, é o fato de que esta operação exige a troca, entre as
partes, do valor do principal, em dois momentos específicos durante a vida do contrato, no
início e no final da contratação, com base na taxa de câmbio verificada pelas partes em cada
um destes momentos. Este fator é importante, pois, em um plain vanilla swap não há a troca
de principal, devendo as partes trocar entre si apenas e tão somente as diferenças de
rentabilidades apuradas nas datas de liquidação, o que não exige um desembolso significativo
de recursos no momento da contratação por nenhuma das partes, diferentemente do que
ocorre nas operações de cross-currency swap.
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Um outro ponto importante para o correto entendimento do funcionamento do crosscurrency swap é mencionar que o interesse negocial das partes nesta contratação é
transacionar vantagens comparativas obtidas por cada uma na obtenção de financiamento em
mercados com moedas diferentes (usando como referência para as trocas do contrato de swap
as taxas de juros conseguidas nos empréstimos), e não propriamente o risco cambial (o que
aconteceria se alguma das partes se utilizasse como referência taxas de câmbio, contudo
naturalmente existe risco cambial envolvido e transacionado nesta operação, já que envolve
obrigações de pagamento e recebimentos em moedas diferentes, o qual pode ser mitigado
pelas empresas contratantes por meio de sua transferência para instituição financeira
intermediária da operação, da utilização de taxas de câmbio fixas e/ou por meio da
contratação de outras operações específicas com a finalidade de fornecer hedge para esta
exposição ao risco de taxas de câmbio).
A operação de cross-currency swap, conforme explica John C. Hull (2005) pode ser
usada para transformar uma ou mais características de um empréstimo tomado pela empresa
em uma determinada moeda e com uma determinada taxa de juros por outra(s). Ou seja, por
meio do cross-currency swap as empresas conseguem expor-se aos riscos de um contrato de
empréstimo mais adequados às suas vantagens comparativas e não ao que efetivamente
contrataram em determinado mercado e moeda.
Neste ponto, é importante estabelecer a diferença entre o cross-currency swap, objeto
do presente trabalho, e o currency interest swap, os quais se diferenciam exclusivamente pela
necessidade de contratação, pelas partes, da troca dos valores de principal em moedas
diferentes no início no fim do contrato, que está presente no cross-currency swap, mas não no
currency swap, conforme apontam os Professores Ari Cordeiro Filho (2000) e José A.
Engrácia Antunes (2009).
Por fim, no intuito de esclarecer o funcionamento do cross-currency swap, segue
abaixo dois quadros esquemáticos mostrando os fluxos de pagamentos no início e no final da
vigência de um contrato de cross-currency swap contrato:
No início do Contrato:
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Fonte: Fernando Szterling (2009) “OTC Derivatives: The ISDA System and Regulatory Developments”
Conforme demonstrado no exemplo acima, a companhia tomou recursos emprestados
(por meio da emissão de títulos) em uma determinada moeda, contraindo assim, obrigações de
pagamento de juros e principal em dólares americanos, e contratou um cross-currency swap
com uma instituição financeira no Brasil para receber valores de juros e principal (no início
do contrato) em Reais.
No final do Contrato:
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Fonte: Fernando Szterling (2009) “OTC Derivatives: The ISDA System and Regulatory Developments”
Para caracterização do cross-currency swap deve ser acordado pelas partes no
momento da contratação, a “retroca” dos valores de principal em datas futuras. Ou seja,
conforme lição de Ari Cordeiro Filho (2000), “as moedas trocam de mão inicialmente, mas se
acerta a reversão da operação em data futura. Na troca de moedas, ao se contratar o
pagamento de juros na moeda do seu detentor, durante a vida do swap, pode-se dizer que os
juros são “trocados” em definitivo, mas não o principal. A operação reversiva do principal
pode ocorrer de um só vez no vencimento, em data futura, ou mediante um cronograma de
amortização.”(aspas no original)
2.
A Natureza Jurídica do cross-currency swap
Uma vez apresentado o funcionamento da operação de cross-currency swap, importa
para os propósitos do presente trabalho tentar avançar no debate sobre a natureza jurídica e
contábil desta operação financeira.
Inicialmente é importante destacar que a tarefa de encontrar uma “natureza” própria de
operações realizadas nos mercados de derivativos é bastante controversa, na medida em que
este mercado, caracterizado por inovações financeiras constantes representa um enorme
7
desafio para o jurista acostumado que está a analisar operações e tipos negociais do presente
com critérios, requisitos e elementos de institutos desenvolvidos no passado. Esta,
principalmente quando se trata da análise de operações financeiras, talvez seja uma limitação
do método que se utiliza a ciência do direito para “reconhecer” situações da realidade do
mundo negocial e definir-lhes o regime jurídico aplicável.
Do ponto de vista do direito civil, o cross-currency swap tem, conforme entendimento
de Érica Gorga (1998) clara natureza jurídica contratual. Devendo, por isso, ser analisado
inicialmente com base nos critérios de classificação dos contratos, de modo que o crosscurrency swap, tal como apresentado acima, é um contrato bilateral, oneroso, de trato
sucessivo, atípico, aleatório, principal, coligado, pessoal, paritário e não solene. Naturalmente,
esta concepção ignora uma série de dificuldades para análise jurídica de uma operação de
swap, posto que a análise pormenorizada de cada um destes problemas fugiria
substancialmente do escopo e objetividade almejados pelo presente trabalho, tais como: é uma
operação de jogo ou aposta?; tem natureza jurídica de seguro? é um contrato aleatório ou
comutativo de álea infinita (conforme defende BANDEIRA (2010))? Quem pode ser parte de
um contrato com estas características? etc.
Adicionalmente, é importante destacar que o cross-currency swap, também poderá vir
a ser considerado como uma operação de hedge (proteção), trading ou de especulação
dependendo das causas objetivas e da finalidade de sua contratação. Ou seja, qual foi a
intenção da empresa contratante com a instituição financeira, levando em consideração não
apenas a sua exposição à riscos financeiros, mas também seus riscos operacionais como um
todo. Esta distinção é relevante na identificação da natureza jurídica do contrato de crosscurrency swap pois configura um importante “elemento de fim” da operação, o que se
coaduna com a visão de que devem-se buscar os elementos de fim e de meio para a correta
determinação da natureza jurídica de determinada operação estudada. Principalmente se
considerarmos como pano de fundo um contexto de funcionalização do exercício dos direitos
subjetivos que ganhou força depois da constituição Federal de 1988 e dos institutos do direito
privado que viriam a entrar em vigor com a edição do Código Civil de 2002, conforme ensina
a Professora. Judith Martins-Costa (1999).
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Merece atenção o fato de que, se por um lado, a caracterização da operação como
sendo de “hedge” ou não provocará efeitos contábeis (conforme se verá abaixo) diversos, por
outros influenciará também na sua classificação do ponto de vista contratual e tributário. Pois,
confirma ensina o Professor Alexsandro Broedel Lopes (2009) “derivativos com finalidade de
hedge não possuem existência independente do item que está protegendo de forma que o
reconhecimento em resultado deve ser feito de forma concomitante” assim, caso a operação
de cross-currency swap seja contrata para fins de hedge ela não será um contrato principal,
conforme mencionado acima, mas um contrato acessório e, como tal, seguirá o principal (o
empréstimo “hedgeado”) e por ele será afetado.
Adicionalmente, merece destaque que o cross-currency swap tem natureza jurídica de
valor mobiliário, conforme determina o atual texto do artigo 2º da Lei 6.385, de 7 de
dezembro de 1.976, onde constam os incisos, VII, VIII e IX, incluídos pela lei 10.303/01, cujo
texto, transcrito abaixo, é hábil para incluir os contratos derivativos no rol de valores
mobiliários independentemente dos ativos subjacentes:
“Art. 2° São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
(Omissis)
VII - os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes
sejam valores mobiliários;
VIII - outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e
IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de
investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de
remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm
do esforço do empreendedor ou de terceiros.” (grifou-se)
Esta definição é importante, pois é a partir dela que se define o tratamento jurídico que
o cross-currency swap receberá, dado que a conceituação de determinado título e/ou operação
como valor mobiliário, conforme aponta Nelson Eizirik (2008), tem caráter basicamente
instrumental, demarcando o âmbito de abrangência da regulação estatal especifica sobre
valores mobiliários. Conferindo, desta feita, as competências regulatória, executiva e
judicante sobre o instrumento, contrato ou operação que for considerado um valor mobiliário
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ao órgão regulador de mercado, ou seja, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, no caso
brasileiro.
Destaque-se que o cross-currency swap reúne algumas caraterísticas típicas de “plain
vanilla swap” (trocas das diferenças entre os fluxos de taxas de juros nas datas de liquidação)
com uma característica essencial das operações de mútuo (transferência dos montantes de
principal de/para cada uma das partes no início e no final do contrato), o que porá algumas
dúvidas em relação à sua caracterização como uma operação de crédito ou não. Esta
diferenciação impactará não apenas na definição do regime jurídico aplicável ao contrato, mas
terá efeitos operacionais, uma vez que sendo considerada como uma operação de crédito pelo
banco que ingressa no contrato estará sujeita à diferentes limites em relação ao patrimônio de
referência do banco ao que estaria se fosse considerada como um derivativo e, ainda, estará
sujeita, às regras de contingenciamento de crédito ao setor público, o que restringirá, por
exemplo, a possibilidade de contratação dos cross-currency swaps por empresas públicas
atuantes no mercado internacional.
Conforme previsto no inciso I do parágrafo 1º do artigo 1º da Resolução 2.873, de 26
de julho de 2001, conforme alterada, que dispõe sobre a realização de operações de swap, a
termo e com opções no mercado de balcão, bem como sobre contratos negociados em
bolsas de mercadorias e de futuros e entidades autorizadas pelo Banco Central do Brasil –
Bacen ou pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, expedida pelo Conselho Monetário
Nacional – CMN a operação de “swap” é definida como:
“I
-
são
definidas
como
operações
de
swap
aquelas
realizadas
para liquidação em data futura que impliquem na troca de resultados
financeiros decorrentes da aplicação, sobre valores ativos e passivos, de taxas ou
índices utilizados como referenciais;”
Conforme visto acima, a definição jurídica atual de operação de swap apenas faz
menção à troca dos resultados financeiros futuros, ou seja, das diferenças apuradas entre as
rentabilidades nas datas de liquidação. De modo, que, neste caso, parece razoável entender o
acordo para troca dos principais como contratação de empréstimos entre as partes, sendo este
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pacificamente entendido, tanto do ponto de vista jurídico quanto econômico e contábil, como
uma operação em que uma das partes recebe recursos da outra com o compromisso de
devolvê-los no futuro; que pode ou não acontecer mediante a cobrança de juros (caso dos
empréstimos bancários), caso em que será caracterizado como mútuo feneratício.
3.
A classificação contábil do cross-currency swap
Uma vez apresentadas algumas linhas sobre a possível natureza jurídica do contrato de
cross-currency swap o presente trabalho buscará definir a sua classificação contábil, com base
no ordenamento contábil atualmente vigente no Brasil e à luz das regras internacionais de
contabilidade às quais a contabilidade brasileira está em processo final de convergência.
Contudo, é importante destacar que para os propósitos do presente trabalho apenas uma
característica do cross-currency swap será tratada mais detalhadamente: a troca dos
principais. Uma vez que é esta a característica que põe em cheque a classificação desta
operação como um instrumento financeiro derivativo. Sendo assim, em primeiro lugar
observar-se-á algumas definições contábeis de instrumento financeiro e de instrumento
financeiro derivativo.
O Pronunciamento Número 38 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis - CPC
define como instrumento derivativo:
“Definição de derivativo
Derivativo é um instrumento financeiro ou outro contrato dentro do alcance deste
Pronunciamento Técnico com todas as três características seguintes:
(a) o seu valor altera-se em resposta à alteração na taxa de juros especificada, preço
de instrumento financeiro, preço de mercadoria, taxa de câmbio, índice de preços ou
de taxas, avaliação ou índice de crédito, ou outra variável, desde que, no caso de
variável não financeira, a variável não seja específica de uma parte do contrato (às
vezes denominada ―subjacente);
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(b) não é necessário qualquer investimento líquido inicial ou investimento líquido
inicial que seja inferior ao que seria exigido para outros tipos de contratos que se
esperaria que tivessem resposta semelhante às alterações nos fatores de mercado; e
(c) é liquidado em data futura.” (negrito no original, sublinhou-se)
O Professor Alexsandro Broedel Lopes (2009) ensina que a FASB (Financial
Accounting Standards Board) caracteriza de forma mais precisa os derivativos, pois “segundo
a FASB, instrumentos financeiros derivativos devem possuir três características
concomitantes, a saber: (i) investimento inicial nulo ou muito pequeno, (ii) presença de um
ou mais ativos subjacentes e (iii) liquidação em uma data futura.” (grifou-se)
Adicionalmente, Antônio Maria Henri Beyle de Araújo (2002), menciona que o IASB
(International Accounting Standards Board), por meio do IAS 39, considera como
“instrumento financeiro qualquer contrato que origine um ativo financeiro para uma empresa
e um passivo financeiro ou um instrumento de patrimônio líquido para outra empresa” e,
especificamente como instrumentos financeiros derivativos, que são uma espécie do gênero
instrumento financeiro, as operações em que “a) o valor do instrumento muda em resposta a
mudanças nos valores de preços, taxas ou índices, geralmente denominados “subjacentes; b)
não requerem investimento inicial líquido ou demandam um investimento inicial líquido
pequeno se comparado a outros tipos de contrato que respondem de forma similar a
mudanças nas condições de mercado; [e] c) são liquidados em data futura.” (grifou-se)
Conforme visto acima, em todas as definições contábeis relevantes a ausência de
desembolso financeiro no início do contrato é um critério significativo para a definição de um
determinado instrumento financeiro como sendo um instrumento financeiro “derivativo” o
que, de plano, cria óbices ao enquadramento da operação de cross-currency swap dentro desta
espécie do gênero instrumento financeiro. O que cria a necessidade de buscar tratamento
contábil diverso para o contrato.
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Sendo assim, é razoável defender que no momento da contratação da operação de
cross-currency swap pela empresa ela deverá contabilizar em seus registros contábeis dois
passivos (um empréstimo em uma moeda e outro em moeda diversa (sendo este segundo
empréstimo assumido na contratação do cross-currency swap) e um ativo (o empréstimo que
a empresa fará na mesma moeda do empréstimo tomado inicialmente) pelo seus valores
justos, devendo “segregar” a contabilização destes passivos e ativo da contabilização das
trocas de diferenciais, as quais, por se enquadrarem na definição de derivativos mencionada
acima devem ser marcadas à mercado.
Conclusão
Diante do exposto acima, entendemos que a operação de cross-curency swap consiste
em uma operação de empréstimos cruzados (trocas de principal em moedas diferentes), com
um swap de taxas embutido (trocas das diferenças entre as taxas), portanto, de natureza
híbrida, e se enquadra na categoria de ativo financeiro para efeitos contábeis (a troca do
principal recebe o tratamento contábil das operações de empréstimos e recebíveis e a troca das
diferenças como instrumento derivativo), podendo ou não vir a ser definida como uma
operação de hedge (o que vai depender da análise da motivação da empresa contratante),
devendo a troca de principais ser caracterizada como operações de mútuo entre as partes e as
trocas de diferencias ser considerada como um instrumento financeiro derivativo.
Naturalmente, dada a complexidade da operação esta é uma dentre outras
possibilidades igualmente defensáveis de classificação desta operação, a qual poderia ser
considerada, por exemplo, como uma combinação de operações no mercado de câmbio,
sendo, para cada uma das partes, uma operação no mercado de câmbio à vista (spot); um
contrato de câmbio para liquidação futura (a termo) e um currency-swap que poderia ser fix to
fix, circus ou floating to floating swap dependo das taxas que foram adotadas pelas partes na
contratação. Com a ressalva, feita por José A. Engrácia Antunes (2009) de que estas taxas
estão referenciadas à diferentes valores de nocional especificados em moedas diferentes o que
diferenciaria esta operação de um mero swap de taxas de juros padrão.
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Esta conclusão decorre de constatação de que tanto para efeitos jurídicos quanto para
efeitos contábeis, a necessidade de desembolso de valor significativo (os nocionais) pelas
partes no início e no final do contrato contraria tanto a definição contábil, conforme definidas
pelo CPC 38, IAS 39 e SFAS 133, quanto jurídica, conforme estabelecida pelo Conselho
Monetário Nacional – CMN, de swap. Esta constatação demonstra a dinamicidade das
inovações financeiras, uma vez que a sedimentação da prática negocial corrente excluiu da
definição de instrumento financeiro derivativo a “forma historicamente primogênita”
(Antunes 2009) da operação de swap (o famoso swap contratado entre a IBM e o Banco
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