Algumas Considerações Sobre a Interpretação Forense no
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Algumas Considerações Sobre a Interpretação Forense no
CENTRO UNIVERSITÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO CURSOS DE LETRAS E TRADUTOR E INTÉRPRETE EVELIN REBECA GAZETA DOS REIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO FORENSE NO BRASIL ENGENHEIRO COELHO - SP 2013 EVELIN REBECA GAZETA DOS REIS ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INTERPRETAÇÃO FORENSE NO BRASIL Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo dos cursos de Letras e Tradutor e Intérprete, sob orientação da Profa. Dra. Ana Maria de Moura Schäffer. ENGENHEIRO COELHO - SP 2013 Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo, dos cursos de Letras e Tradutor e Intérprete apresentado e aprovado 24 de novembro de 2013. _________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Ana Maria de Moura Schäffer _________________________________________________ Segundo Leitor: Prof. Ms. Neumar de Lima AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, em primeiro lugar, por nos conceder o dom da vida, sabedoria e inteligência para que pudéssemos nos desenvolver intelectualmente; Agradeço ao UNASP que nos proporcionou um ambiente acadêmico gratificante em meio à natureza, com professores excelentes; Agradeço à minha querida orientadora prof. Dr. Ana Schaffer que, a despeito da mudança de tema, foi paciente, acreditou e contribuiu para a confecção deste trabalho; e ao prof. Neumar de Lima, que fez suas considerações como segundo leitor, auxiliando no aprimoramento do trabalho; Agradeço ao Dr. Lourival Novais e a Prof. Jaqueline Nordin pela disponibilidade do material e auxílio bibliográfico para este trabalho; Agradeço à minha família, amigos e professores, que nos apoiaram durante toda a jornada, e ajudaram a nos preparar para nos tornarmos profissionais de sucesso. If language differentiates the animal from the human, then denying the utterances of others the status of language-that-can-be-translated is to reduce them to the condition of animals. Michael Cronin (2002) RESUMO Esse trabalho tem por objetivo lançar algumas propostas e questionamentos sobre o trabalho do intérprete forense, especialmente o que atua em audiência, a partir do ponto de vista jurídico e da interpretação. A literatura é escassa, portanto, utilizamos autores da Teoria da Tradução, da Teoria da Interpretação e também do Direito. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e alguns estudos de campo realizados por Novais Neto (2009) e Deusa Passos (2010). Inicialmente, abordaremos o conceito e classificação da interpretação forense e sua importância para o estrangeiro, segundo os ditames pátrios e internacionais, ao considerar como o intérprete forense se enquadra na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira. Nesta mesma linha de pensamento, problematizamos o estatuto da profissão, o que a lei fala sobre isso e se, de fato, há necessidade de profissionalização da área. Também falaremos sobre como se dá a relação entre intérprete e advogado, bem como outros operadores do Direito, tais como se os juízes e advogados têm conhecimento do trabalho do intérprete forense. Um dos assuntos mais importantes deste trabalho se encontra na propositura de características e habilidades necessárias ao intérprete forense, seguindo os moldes do Poder Judiciário brasileiro, ao destacar algumas questões pertinentes à interpretação forense na prática; entre elas, buscamos identificar que tipo de relação há entre juiz-intérprete-acusado, qual deve ser o posicionamento do intérprete, como ele deve lidar com os erros, seja na pergunta feita seja na resposta. Para complementar, discutimos algumas modalidades tradutórias e recursos utilizados em audiência, questões relativas à (in)fidelidade e (im)parcialidade do intérprete, conforme exigência da lei, além da multiplicidade de papeis desempenhados pelo intérprete, sua visibilidade e seu trabalho não apenas como mediador, mas tendo um papel ativo na audiência. Aliadas às questões propostas, emerge o questionamento se há ou não algum Código de Ética que reja a postura ética e comportamental do intérprete forense. Como resultado, abordamos as implicações jurídicas resultantes dos pontos aqui levantados, por ter ampla influência na decisão do juiz e responsabilidade no destino do estrangeiro. Palavras chave: Interpretação Forense; Ética da Profissão; Intérprete Judicial; Intérprete de Tribunal. ABSTRACT This paper treats and aims to launch some suggestions and questions about the work of the court interpreter, especially the one who works in hearings, from legal and interpretation point of view. The literature is sparse, so we used authors of the Translation Theory, Interpretation Theory and also Law. The methodology used was the literature research and some field studies by Novais Neto (2009) and Deusa Passos (2010). Initially, we will discuss the concept and classification of judiciary interpretation and its importance to the foreigner, according to national and international law, considering how is the court interpreter framed in doctrine, jurisprudence and Brazilian legislation. In this same line of thought, we question the status of the profession, what the law says about it, and if there is a real need to professionalize the field. We'll also talk about the relationship between the interpreter and the lawyer, as well as other law professionals, and if they know about the work of the court interpreter. One of the most important issues of this work lies in bringing some characteristics and skills which are necessary for the court interpreter following the mold of Brazilian Judiciary System, highlighting some issues relating to interpretation in forensic practice; among them, we tried to identify what kind of relationship exists between the judge-interpreter-defendant, what should be the positioning of the interpreter, how should he deal with errors. Complementing that, we’ll discuss some translation modalities and some features used in the hearing, problems concerning the (in)fidelity and (im)partiality of the interpreter, as required by law, beyond the multiplicity of roles played by the interpreter, his visibility and his work not only as a mediator, but taking an active role in the hearing. Allied to the questions posed here, the question arises whether there is a Code of Ethics governing the ethical and behavioral posture of forensic interpreter. As a result, we address the legal implications arising from this work, due to its wide influence on the judge's decision and responsibility of the foreigner’s destination. Key words: Interpreter in Court; Court Interpreting; Court Interpreter; Legal Interpreter; Judiciary Interpretation. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9 2 LINHAS GERAIS SOBRE INTERPRETAÇÃO FORENSE ................................................................ 12 2.1 Conceito e classificação de interpretação forense ................................................................. 12 2.4 A questão do estrangeiro e a interpretação forense ............................................................. 18 3 O INTÉRPRETE FORENSE, A LEGISLAÇÃO, A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA BRASILEIRA ...... 22 3.1 Breve histórico sobre a interpretação no Brasil .................................................................... 22 3.2 O ofício de intérprete forense no Brasil ................................................................................ 24 4 AS CARACTERÍSTICAS E HABILIDADES DO INTÉRPRETE FORENSE ........................................... 37 4.1 Diretrizes para a interpretação forense .................................................................................. 46 4.2 O discurso (in)direto, a (in)visibilidade e a multiplicidade de papeis do intérprete ................. 49 4.3 Modalidades de interpretação utilizadas pelo intérprete forense ......................................... 56 4.4 Considerações especiais sobre recursos tradutórios ............................................................. 59 4.5 O elemento discursivo e a (in)fidelidade e a (im)parcialidade do intérprete .......................... 63 4.6 A ética do intérprete forense e algumas questões comportamentais .................................... 72 4.7 As implicações jurídicas da interpretação forense ................................................................ 78 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................... 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................................... 86 ANEXO 1..................................................................................................................................... 90 1 INTRODUÇÃO A interpretação forense, embora ocorra desde a época do Império, surgiu timidamente como tema de pesquisa no Brasil apenas a partir do ano de 2008. Em virtude dos raros trabalhos encontrados, surgiu o interesse em pesquisar a matéria em questão, especialmente por eu ter formação nas duas áreas. Assim, procurei conciliar a visão da interpretação e do Direito num mesmo trabalho. Conquanto a interpretação forense possa ocorrer em diversos contextos, como veremos adiante, o maior foco desse trabalho é o intérprete forense que atua em juízo. Não obstante, o que é dito aqui pode ser aplicado e adaptado aos outros locais. O intérprete que atua em audiência pode ser o tradutor público, também chamado de tradutor juramentado, o intérprete comercial ou algum outro profissional convocado pelo juiz que tem conhecimento na área, mas que não é concursado (ad-hoc). A demanda de profissionais especializados na área de interpretação forense é notória, não só pelos processos já existentes. O Brasil tem recebido a cada ano um número maior de estrangeiros, o que provavelmente causará uma demanda maior de profissionais. Dados do Ministério da Justiça (2013) apontam que segundo o CONARE (Comitê Nacional para Refugiados), o número de estrangeiros que solicitam refúgio no Brasil mais que triplicou em 2012 em comparação com 2010. E que o ano de 2013 deverá bater o recorde de pedidos para concessão de permanência e prorrogações de vistos a estrangeiros. Só no primeiro semestre, o Ministério da Justiça já recebeu mais de 28 mil pedidos, sendo que em 2012 o número total foi de 40.291 pedidos. Além disso, o número de estrangeiros presos aumentou cerca de 6% ao ano, nos últimos três anos, segundo reportagem publicada em fevereiro desse ano, pela Gazeta do Povo. No Brasil, a pesquisa nessa área ainda é limitada em termos de bibliografia e carece de aprofundamento. Por isso, utilizando a pesquisa bibliográfica, por vezes recorreremos aos trabalhos no campo da tradução, a saber, Aubert (1993) e Ronái (1981), da interpretação, Pagura (2003, 2010), Lederer (1990) e Seleskovitch (1978), e do Direito, Prado (2013), e Damásio de Jesus (2002). Podemos citar como principais artigos e teses na área de interpretação forense, e que também foram a base para este trabalho, as pesquisas de Novais Neto (2009, 2011), Deusa Passos (2010), Luciana Ginezi (2012) e Jaqueline Nordin (2013). Em termos de bibliografia internacional, podemos conferir alguns estudos importantes apresentados por Novais Neto (2009, p. 24-28), que traz os trabalhos de BerkSeligson (1990), González et all (1991), Shuy (1993), Morris (1995), Krouglov (1999), Chang (2004), Hale (2004) e Heydon (2005). Entendemos, a partir dessa limitação de bibliografias sobre o tema, que é necessária a publicação de mais pesquisas na área da interpretação forense, não só sobre a interpretação feita em audiência, mas em outros contextos fora dessa, o que auxiliaria na solução de problemas práticos, uma análise aprofundada do papel do intérprete e sua imagem, elaboração de propostas em como lidar com questões éticas, entre outras. Isso também implicaria num maior reconhecimento e na criação de uma identidade do intérprete forense. O próprio sistema jurídico precisa entender melhor a atuação desse profissional, suas atribuições e limitações, que são diferentes das de um professor de língua estrangeira ou de um tradutor jurídico. Além disso, o Brasil já está atrasado na criação de cursos de especialização na área para que haja uma melhor preparação, profissionalização e prestação jurisdicional. O estrangeiro tem o direito de ser bem atendido e interpretado; daí se justifica a necessidade de mais profissionais com qualificação, pois devido ao despreparo, muitas vezes o intérprete, em vez de ajudar no acesso dos estrangeiros à justiça, torna-se uma barreira por falta de capacitação profissional. Diante dessas considerações, temos como objetivo geral lançar as bases sobre a interpretação forense, bem como evidenciar o trabalho do intérprete, a partir do ponto de vista jurídico e da interpretação; quanto aos objetivos específicos, são: abordar o conceito e classificação da interpretação forense e sua importância para o estrangeiro, segundo os ditames pátrios e internacionais; discutir como o intérprete forense está enquadrado na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira, ou seja, se a profissão já está regulamentada e o que a lei fala a respeito; e, identificar qual é a relação entre intérprete e advogado e outros operadores do Direito. Em especial daremos atenção à propositura de características e habilidades necessárias ao intérprete forense, seguindo os moldes do Poder Judiciário brasileiro e destacando algumas questões pertinentes à interpretação forense na prática, além de apontar a multiplicidade de papeis do intérprete, sua visibilidade e seu trabalho, não apenas enquanto mediador, mas como conciliador, com um papel ativo na audiência. O intérprete deve ser invisível como é declarado pelas teorias de interpretação? Como deve ser feita a interpretação, em primeira ou terceira pessoa? Ainda falaremos sobre as modalidades tradutórias e alguns recursos utilizados em audiência. Está no escopo da pesquisa, problematizar a (in)fidelidade e a (im)parcialidade do intérprete, questões de caráter ético e comportamental. Esse trabalho se justifica pelo fato de haver muito a ser pesquisado, pois o assunto começou a ser levantado recentemente no Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, onde a profissão tem grande prestígio e tem sido alvo de estudos há tempo. No contexto brasileiro, por exemplo, percebemos pelas pesquisas que o intérprete forense não tem uma identidade, não entende bem o seu papel, não compreende a necessidade de se qualificar na área, além de desconhecer o valor de sua função como intermediador da justiça para o estrangeiro. Tais desencontros são consequência de muitos fatores dos quais falaremos adiante. A divisão da pesquisa está assim organizada: no primeiro capítulo, apresentamos os fundamentos teóricos do que seja interpretação forense e qual o papel do intérprete, a partir do ponto de vista jurídico e da interpretação; no segundo, propomos uma discussão sobre como o intérprete forense se enquadra na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira; no último, além de buscar identificar a relação entre intérprete e advogado e outros operadores do Direito, lançamos algumas propostas para que a profissão seja encarada com mais seriedade e profissionalismo, no contexto brasileiro. 2 LINHAS GERAIS SOBRE INTERPRETAÇÃO FORENSE Neste capítulo discutiremos o que é interpretação forense e como ela é classificada, juntamente com considerações sobre o papel do intérprete, a partir do ponto de vista jurídico e da interpretação. 2.1 Conceito e classificação de interpretação forense Segundo Hale (apud PASSOS, 2010, p. 119), o termo “interpretação forense” é usado “para referir todo e qualquer tipo de interpretação em contexto legal, sendo o tribunal somente um dos vários contextos em que a interpretação forense pode ocorrer”. Isso porque a interpretação forense pode se dar em diversos lugares, tais como juizados, setores de imigração, órgão prisional, cartório, delegacia de polícia, departamento de alfândega, entre outros. Ainda, no campo do direito privado, em reuniões para determinar cláusulas de contratos jurídicos entre empresas (GINEZI, 2012, p. 30) e em casos de mediação e arbitragem; contudo esses não fazem parte do escopo do trabalho. Para González Et All (apud NOVAIS NETO, 2009, p. 30), interpretação forense é a “interpretação que se realiza em um ambiente legal, tais como um tribunal ou um escritório de um advogado, onde alguns procedimentos ou atividades relacionados com a lei são conduzidos”. Neste trabalho, utilizaremos o termo “interpretação forense”1, denominação também utilizada por Passos (2010, p. 117) e Nordin (2013), que embora não seja o mais técnico e específico, acreditamos ser o mais apropriado em vista das opções disponíveis. Preferimos não utilizar os termos “interpretação jurídica”2 (PAGURA, 2010) ou “interpretação legal”, pois estes constantemente remetem à interpretação feita pelos operadores do Direito da lei. E o termo “interpretação de tribunal” (GINEZI, 2012, p. 29-30; NOVAIS NETO, 2009) nos traz a falsa impressão de que esse tipo de interpretação só é realizado em tribunais (aqui no Brasil essa palavra geralmente se remete à segunda 1 2 Segundo o Dicionário Michaelis, “adj (lat forense) 1 Que se refere ao foro judicial. 2 Relativo aos tribunais”. Objeto de interpretação jurídica é toda norma, lei, costume, tratado ou decisão judicial (PEREIRA, 2013). instância), o que não é verdade. Por fim, o termo “interpretação judicial” não seria correto, visto que esta é a interpretação feita pelo juiz ao aplicar a norma ao caso concreto. A National Association of Judiciary Interpreters & Translators (NAJIT) [Associação Nacional dos Intérpretes e Tradutores Forenses], dos Estados Unidos e Mikkelson (apud NOVAIS NETO, 2009, p. 30) classificam a “interpretação legal”3 em duas partes: (a) Interpretação quase-judicial – aquela realizada fora do perímetro judicial, como as conversas entre advogado e parte ou testemunha. Questões judiciais que ocorrem em órgãos municipais, estaduais ou federais envolvendo estrangeiros, como setores de imigração, delegacias de polícia, departamentos de alfândega, etc. Entretanto, aqui ainda podemos fazer uma subdivisão, visto que as conversas entre advogado e parte/testemunha não estão sujeitas à formalidade e não representam responsabilidade legal, embora envolvam questões de fato e de direito; (b) Interpretação judicial: aquela realizada no âmbito judicial, propriamente na audiência, seja em primeira, segunda ou terceira instância, e que ocorre sob juramento. O principal objetivo da interpretação forense é proporcionar a comunicação e o entendimento mútuo das partes, isto é, entre estrangeiro e brasileiro4, traduzindo palavras (e, consequentemente, cultura5) da forma mais objetiva e literal possível, sem desconsiderar o sentido – o fator mais importante de todos. Como declara Arrojo (apud PAGURA, 2003, p. 223), “traduzir (...) é transformar”. Nordin (2013) complementa que: há duas razões principais para que haja intérpretes atuando nos fóruns em audiência: permitir que o não falante da língua portuguesa esteja no mesmo nível de entendimento dos procedimentos legais que os demais envolvidos e assegurar que a gravação oficial do procedimento em português reflita precisamente o que foi declarado em língua estrangeira pelo interrogado, qualquer que seja seu envolvimento com o caso. A National Association of Judiciary Interpreters & Translators tem semelhante visão do intérprete: intérpretes forenses são profissionais altamente qualificados que têm um papel essencial na administração da justiça, ao fazer uma interpretação completa, imparcial e fiel entre falantes da língua inglesa e aqueles que não falam inglês ou têm uma proficiência limitada de inglês (PLI), os litigantes, as vítimas ou testemunhas. Eles são agentes imparciais do tribunal com o 3 Novais Neto não emprega o termo “interpretação forense”, mas “interpretação legal”. Obviamente o termo “brasileiro” tem significado genérico, podendo abranger pessoas e órgãos. 5 Segundo Aubert (2006, p. 26), “a operação que busca a dizibilidade de um texto em uma língua/cultura de recepção diversa daquela que deu origem ao texto subdivide-se em duas operações: uma terminológicolinguística (tradução senso estrito) e outra cultural (antropológica)”. 4 dever de servir o processo judicial. O papel do intérprete forense é ajudar a remover as barreiras linguísticas que impedem um indivíduo PLI a obter acesso pleno e igual à justiça nos termos da lei (nossa tradução)6. Este intérprete forense é “um profissional falante de uma língua estrangeira que, dentro dos seus limites e especificidades linguísticas e culturais, atua de forma ativa para a realização efetiva da conversação entre juiz e acusado estrangeiro, no sistema judiciário” (NOVAIS NETO, 2009, p. 6). O intérprete irá interpretar estrangeiros, mesmo aqueles provenientes de países que têm como língua oficial o português, por exemplo, Portugal, Timor Leste, Angola e Moçambique, porque há uma possibilidade de o juiz ou o acusado/testemunha não entender as variações linguísticas e sotaque (NOVAIS NETO, 2009, p. 70). O acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem a mesma opinião: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE. TERMO DE COMPROMISSO. FORMALIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. OITIVA DO OFENDIDO. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Por cautela nomeou-se intérprete para atuar por ocasião do interrogatório do réu, ora paciente, não obstante a sua fluência na língua portuguesa, fato este que dispensaria a intervenção de intérprete. Aplicação do art. 193, do Código de Processo Penal7. O intérprete também pode atuar no caso de índios que não falam português: HABEAS CORPUS. ESTUPRO. ART. 213 DO CÓDIGO PENAL. ÍNDIO. NULIDADE. COMPETÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DE EXAME ANTROPOLÓGICO. NOMEAÇÃO DE UM SÓ DEFENSOR PARA OS DOIS RÉUS, COM DEFESAS COLIDENTES. IMPEDIMENTO DE ASSISTÊNCIA DA FUNAI. FALTA DE INTÉRPRETE NO INTERROGATÓRIO. PREVALÊNCIA DA DEFESA PRÉVIA FORMULADA PELO ADVOGADO INDICADO PELO PACIENTE ANTES, POR IMPLÍCITA REVOGAÇÃO DO MANDATO. INADMISSÃO DE DEFENSOR CONSTITUÍDO. Só se faz necessária a presença de intérprete no interrogatório, se o acusado não falar ou não entender a nossa língua (art. 193 do CPP), o que 6 Judiciary interpreters are highly skilled professionals who fulfill an essential role in the administration of justice by providing complete, unbiased, and accurate interpretation between English speakers and non-English or limited-English-proficient (LEP) defendants, litigants, victims, or witnesses. They are impartial officers of the court, with a duty to serve the judicial process. The judiciary interpreter's role is to help remove the linguistic barriers that impede an LEP individual from full and equal access to justice under the law (National Association of Judiciary Interpreters & Translators, EUA). 7 Acórdão nº 2001.01.00.012069-1 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Quarta Turma, 03 de Abril de 2001. HABEAS-CORPUS 2001.01.00.012069-1/PA. não ocorre no presente caso por tratar-se de índio alfabetizado, eleitor e integrado à nossa civilização, falando fluentemente a língua portuguesa8. No caso de estrangeiros que dominam a língua portuguesa, o intérprete pode ser dispensado: Recurso em Habeas Corpus – Tráfico de drogas – Flagrante preparado não configurado – Oitiva de pessoa de nacionalidade holandesa com domínio da língua portuguesa – Ausência de nulidade – Ausência de desobediência ao devido processo legal (...) Se pessoa de outra nacionalidade tem domínio da língua portuguesa, não há necessidade de intérprete para que se possa ouvi-la. Não se configura nulidade por desobediência ao devido processo legal se os dispositivos procedimentais estão sendo obedecidos à medida em que os atos ocorrem9. A questão da literalidade é muito importante, pois é através da linguagem que se depreendem muitos julgamentos e conclusões sobre as partes envolvidas. Devemos entender literalidade, entretanto, não como uma tradução/interpretação exata de palavras, já que a ideia de equivalência perfeita é muito relativa, mas sim os efeitos de sentidos gerados a partir dessa tradução/interpretação. A National Association of Judiciary Interpreters & Translators corrobora esta questão, ao declarar que: Alguns juízes e advogados têm a crença equivocada de que um intérprete interpreta os procedimentos judiciais palavra por palavra, mas isso é impossível, já que não há uma correspondência exata entre as palavras ou conceitos em diferentes idiomas. Por exemplo, às vezes uma palavra em inglês exige mais do que uma palavra em outro idioma para obter a mesma ideia, e vice-versa. Ao invés de interpretar palavra por palavra, os intérpretes transmitem o significado reproduzindo o conteúdo completo das ideias expressas. Os intérpretes não interpretam as palavras, eles interpretam conceitos (nossa tradução)10. Embora saibamos que isso é um pouco difícil de ser transmitido, o juiz precisaria saber, em tese, o nível cultural do acusado estrangeiro, se este está sendo sarcástico ou se está com medo, se o linguajar demonstra conhecimento de alguém envolvido com o crime 8 STJ - HC: 9403 PA 1999/0040887-0, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 15/09/1999, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 18.10.1999 p. 242JBC vol. 46 p. 158JSTJ vol. 11 p. 354REVFOR vol. 352 p. 445RT vol. 773 p. 539. 9 STJ - RHC: 17442 RN 2005/0042874-0, Relator: Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), Data de Julgamento: 06/09/2007, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 08/10/2007 p. 317. 10 Some judges and attorneys have a mistaken belief that an interpreter renders court proceedings word for word, but this is impossible since there is not a one-to-one correspondence between words or concepts in different languages. For example, sometimes one word in English requires more than one word in another language to get the same idea across, and vice versa. Rather than word for word, then, interpreters render meaning by reproducing the full content of the ideas being expressed. Interpreters do not interpret words; they interpret concepts. (ex. jargões, gírias), entre outros, pois isso facilitaria seu julgamento. Entretanto, esta ideia encontra limites dependendo da modalidade de interpretação utilizada (consecutiva, intermitente, simultânea) e o modo de interpretação (primeira ou terceira pessoa). 2.2 Os objetivos do intérprete forense A partir do que foi visto, podemos estabelecer alguns objetivos do intérprete forense, o seu papel na audiência. Nos Estados Unidos, segundo The Judicial Council of California (2012, p. 3), (...) intérpretes forenses atuam em processos judiciais civis ou criminais (por exemplo, denúncias, petições, audiências de instrução, audiências preliminares, depoimentos, julgamentos) interpretando testemunhas ou acusados que falam ou entendem pouco ou nenhum inglês. (...) Os intérpretes forenses devem interpretar com precisão para os indivíduos com um alto nível de escolarização e um vocabulário rico, bem como para as pessoas com competências linguísticas muito limitadas, sem alterar o registro linguístico do falante. Por vezes, os intérpretes são também responsáveis pela tradução de documentos, frequentemente de cunho jurídico, do inglês para a língua-alvo e da língua-alvo para o inglês (nossa tradução)11. A Corte de Minesotta (1998, p. 12) define quatro finalidades do intérprete forense que poderiam ser aplicadas ao panorama brasileiro (material adaptado): (1) O dever do intérprete forense é o de servir como um canal entre falantes que não falam português e serventuários da Justiça que falam português em juízo. Ao traduzir uma língua para outra, os intérpretes desempenham um papel crítico na administração de justiça e possibilitam a aplicação dos direitos do devido processo legal e a participação na audiência para todos os envolvidos; (2) O objetivo do intérprete forense é fazer com que o juiz e o júri possam ter a mesma atitude em relação a uma testemunha que não fala português. Não obstante, o limitado réu que não fala português deve ter a oportunidade de ouvir tudo o que um falante de língua portuguesa teria o privilégio de ouvir; (3) O papel do intérprete é colocar o 11 (...) court interpreters interpret in civil or criminal court proceedings (e.g., arraignments, motions, pretrial conferences, preliminary hearings, depositions, trials) for witnesses or defendants who speak or understand little or no English. (…) Court interpreters must accurately interpret for individuals with a high level of education and an extensive vocabulary, as well as for persons with very limited language skills without changing the language register of the speaker. Interpreters are also sometimes responsible for translating written documents, often of a legal nature, from English into the target language and from the target language into English. estrangeiro o mais próximo possível, em termos linguísticos, da situação que um falante de língua portuguesa teria no contexto legal. Ao fazer isso, o intérprete não deve proporcionar qualquer vantagem ou desvantagem para a testemunha ou réu que não fala português; e (4) O objetivo de um intérprete forense é o de produzir um equivalente jurídico, uma interpretação fiel linguisticamente e adequada juridicamente. 2.3 O intérprete forense na audiência Inicialmente, discordando de Nordin (2013), e adotando a posição de Novais Neto (2009, p. 57-58), podemos observar que a interação que ocorre numa sala de audiência (ou outro contexto legal) forma um trílogo: juiz12-intérprete-acusado13, conforme o gráfico abaixo. Segundo Novais Neto (2009, p. 58), o fluxo de conversação no tribunal bilíngue é implicitamente predeterminado: o juiz fala com o intérprete e vice versa. O intérprete com o acusado e vice versa. Nesse sentido, podemos afirmar que a conversação no tribunal é constituída de duas díades. A linha pontilhada representa exatamente a não comunicação verbal entre os dois participantes: o juiz e o acusado. O juiz não deve se dirigir ao acusado diretamente, e sim ao intérprete. Isso também vale para o acusado, que deve se dirigir diretamente ao juiz. O autor mais tarde explicita que na realidade a conversa tríade não ocorre como se supostamente imagina onde há três ou mais integrantes, mas se estabelece a partir de alternâncias de pares conversacionais de falantes e ouvintes, ou seja, Juiz-Intérprete e Acusado-Intérprete, onde, provisoriamente, um par põe-se de lado sem que isso ameace seriamente o desenrolar da conversa. Trata-se, portanto 12 13 Ou ainda, promotor, perito, ou outro serventuário da Justiça. Ou ainda, testemunha. de uma interação direta entre Juiz-Intérprete e Acusado-Intérprete e interação indireta ou mediada, entre juiz-acusado (NOVAIS NETO, 2009, p. 59). É o intérprete que deve entender o que cada um fala, e, se necessário, fazer perguntas para passar a informação mais correta possível. É por isso que as falas devem ser dirigidas a ele. Ele é a pessoa que vai proporcionar a comunicação. Isso não exclui, obviamente, que todos os participantes possam observar a linguagem não-verbal de cada um. Embora essa seja a “regra” (escrivão/juiz faz a pergunta em português, o intérprete traduz, o acusado/testemunha responde, e por fim, o intérprete traduz a reposta ao escrivão/juiz), os estudos de Novais Neto (2009, p. 79-99) comprovam que essa ordem nem sempre acontece, o que caracteriza o diálogo assimétrico. Vejamos um exemplo: Escrivão: profissão Acusado: I am seaman seaman my profession Intérprete: é marinheiro (NOVAIS NETO, 2009, p. 87) Algumas vezes, o acusado responde a pergunta diretamente ao juiz/escrivão; em outras, juiz e intérprete ou acusado e intérprete conversam entre si para se certificar das informações e esclarecer dúvidas; por fim, podem surgir intervenções espontâneas de qualquer um deles ao longo da audiência. 2.4 A questão do estrangeiro e a interpretação forense Qual a grande importância da interpretação forense? Ela é a ponte entre dois universos distintos. Ela dá voz ao estrangeiro, garantindo que este seja ouvido. Juridicamente, é uma tentativa de proporcionar o equilíbrio entre as partes em face da hipossuficiência do estrangeiro, e, possivelmente, auxiliar para que seus direitos sejam respeitados. Não obstante, também apresenta os interesses nacionais, as normas brasileiras, para boa convivência e harmonia entre todos. É um ato de cidadania. Ginezi (2012, p. 38) relata que o réu/acusado sente uma empatia muito grande pelo intérprete, por ser este o único que o entende, o único que pode auxiliá-lo (embora não juridicamente) naquela situação. Muitas vezes, levado pelo desespero, o acusado, mesmo depois de finda a audiência, insiste em obter mais informações sobre o processo e a dar mais explicações sobre a versão dos fatos, procurando, de alguma forma, melhorar a sua situação. Isso porque geralmente só tem contato com o advogado no dia da audiência. Infelizmente, no Brasil, contradizendo os parâmetros constitucionais, muitos acusados estrangeiros são presos e não têm acesso a advogado nem a alguém que fale a sua língua, até o dia do julgamento. Isso significa um grande desrespeito a sua pessoa, ferindo a sua dignidade. Dessa forma, o intérprete terá a importante tarefa de permitir que o estrangeiro tenha acesso à justiça por meio da comunicação. Para Mikkelson (apud GINEZI, 2012, p. 38-39), policiais não devem agir como intérpretes, pois além de não terem a qualificação necessária, podem ser extremamente tendenciosos. A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região não considera nula a falta de nomeação de intérprete no auto de prisão em flagrante: HABEAS CORPUS. PACIENTE ESTRANGEIRO. DOMÍNIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. DEFICIÊNCIA VISUAL DO PRESO. TESTEMUNHAS DE LEITURA. EXCESSO DE PRAZO. ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO E PROCESSO EM FASE DE SENTENÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. 1. A falta de nomeação de intérprete no auto de prisão em flagrante não configura nulidade se o conduzido, apesar de ser estrangeiro, demonstra conhecer o idioma português14. Em outras palavras, o estrangeiro pode ir preso sem saber o porquê. Obviamente, isso é relativo, porque se a prisão é em flagrante, em tese, ele saberia que estaria praticando algum crime ou delito. No caso de prisão, geralmente o juiz tem cerca de 24h para ser notificado, mantendo-a ou não. Pergunta-se: como o estrangeiro será notificado de seus direitos, ainda que tenha praticado delito ou crime, se não há intérprete para fazê-lo? Como poderá ter acesso a um advogado e avisar sua família? A lei simplesmente garante este direito, mas não diz como ele deve ser cumprido, conforme prevê o acórdão: PENAL. APELAÇÃO. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. CERCEAMENTO DE DEFESA, DEMORA NA EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS, AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE NA FASE INQUISITORIAL. ALEGAÇÕES IMPROCEDENTES. DOLO DEMONSTRADO. DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO DA DEFESA NÃO PROVIDO E RECURSO MINISTERIAL PROVIDO PARA DIMINUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. I - Não macula o interrogatório a ausência de intérprete do idioma do interrogado, se o ato se desenrola em língua a ele acessível, que lhe permite entender os fatos, ter ciência da acusação e fornecer repostas. II - Ainda que se cogite a 14 TRF-3 - HC: 251 SP 2003.03.00.000251-2, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, Data de Julgamento: 05/08/2003, PRIMEIRA TURMA. ausência de nomeação de intérprete na fase inquisitorial ou impossibilidade da ré de se comunicar no idioma inglês, não resta demonstrado prejuízo à defesa neste momento processual, visto que, em juízo, lhe foi dado oportunidade para se manifestar, estando auxiliada por intérprete da língua árabe15. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECORRENTE DENUNCIADO PELOS CRIMES ENTÃO PREVISTOS NOS ARTS. 12 e 18, INCISO I, DA LEI N.º 6.368/76. DENUNCIA OFERECIDA CONTRA ACUSADO DE NACIONALIDADE ESPANHOLA. TESE DE NULIDADE DA PEÇA, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE DEVERIA TER SIDO TRADUZIDA PARA A LÍNGUA ESPANHOLA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ART. 193 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL: EXIGÊNCIA SOMENTE DE QUE O RÉU ESTRANGEIRO SEJA INTERROGADO POR INTERMÉDIO DE INTÉRPRETE, O QUE OCORREU TANTO NA FASE DO INQUÉRITO POLICIAL QUANTO NA FASE JUDICIAL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA: PREVISÃO APENAS DE O RÉU SER ASSISTIDO EM JUÍZO POR INTÉRPRETE, SEM QUE HAJA O DEVER DE O PODER JUDICIÁRIO FORNECER CÓPIA TRADUZIDA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE TERATOLOGIA. RECURSO DESPROVIDO. (...) 2. Não há, sequer no Código de Processo Penal, quanto na Declaração Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) ratificado pelo Brasil pelo Decreto n.º 678/92, determinação para que se traduza a denúncia oferecida contra réu de nacionalidade estrangeira para a sua língua. Da combinação do art. 193 do Código de Processo Penal com o art. 8.º, item 2, a, b e c do Pacto de São José da Costa Rica, tem-se que se exige, somente, a assistência do acusado em juízo por intérprete, o que por si só se mostra suficiente para a comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada e para que este tenha o tempo e os meios adequados para a preparação de sua defesa. Não há, portanto, teratologia no acórdão que não reconheceu o direito líquido e certo do recorrente. 3. Recurso desprovido. Damásio de Jesus (2002, p. 187) e Rosa (1999, p. 317) dizem que o defensor do réu [que obviamente procura garantir seus direitos] não pode servir de intérprete, quanto mais os policiais que não têm nenhum interesse em defender o réu. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, proclama em seu artigo 2º: “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, (...) origem nacional ou social, (...) nascimento (...)”. Ou seja, ninguém pode ser ignorado em virtude de sua origem. No Brasil, a Constituição Federal declara em seu artigo 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos 15 TRF-3 - ACR: 1501 SP 2006.61.19.001501-1, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL BAPTISTA PEREIRA, Data de Julgamento: 15/06/2009, QUINTA TURMA. estrangeiros residentes16 no País a inviolabilidade do direito (...) à igualdade (...)”17, e ainda no inciso XXXIII que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular (...) que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade (...)”. O Código de Processo Penal Brasileiro garante ao estrangeiro o direito a um intérprete: “quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete” (art. 193); “quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas” (art. 223). Em outras palavras, o estrangeiro tem o direito de ser citado/intimado de forma própria, de ter acesso aos autos (por meio de seu advogado), de ter conhecimento do que se passa na audiência (especialmente se ele for réu) por meio do intérprete forense. Devemos ainda lembrar que no caso de crimes, o estrangeiro é inocente até prova em contrário18. Passos (2010, p. 119) traz um fato interessante, isto é, que a maioria dos processos que envolvem estrangeiros relaciona-se ao tráfico de drogas. 16 “(...) o fato de o paciente ostentar a condição jurídica de estrangeiro e de não possuir domicílio no Brasil não lhe inibe, só por si, o acesso aos instrumentos processuais de tutela da liberdade nem lhe subtrai, por tais razões, o direito de ver respeitadas, pelo Poder Público, as prerrogativas de ordem jurídica e as garantias de índole constitucional que o ordenamento positivo brasileiro confere e assegura a qualquer pessoa que sofra persecução penal instaurada pelo Estado” (STF, HC 94016 MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 7/4/2008). 17 Art. 95 do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/80): O estrangeiro residente no Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da Constituição e das leis. 18 Art. 5º, LVII, CF - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 3 O INTÉRPRETE FORENSE, A LEGISLAÇÃO, A JURISPRUDÊNCIA E A DOUTRINA BRASILEIRA Neste capítulo, apresentaremos um breve histórico sobre a interpretação no Brasil, depois situaremos o intérprete forense na legislação, jurisprudência e doutrina brasileira. 3.1 Breve histórico sobre a interpretação no Brasil Lia Wyler (2003, p. 29) declara que “em termos documentais a tradução oral teve início com o achamento do Brasil”, ou seja, o contato dos portugueses com os nativos. Posteriormente, na época do Império, os intérpretes trabalhavam especialmente na área de comércio exterior, já que o Brasil estava abrindo seus portos a outros países. “Essa medida aumentou a necessidade prática do uso do inglês, o que fez crescer sua importância no sistema de ensino, levando o príncipe a produzir o Decreto de 22 de junho de 1809, criando as cadeiras de inglês e francês no ensino oficial brasileiro” (OLIVEIRA apud DAROS, 2012). O primeiro registro19 da criação do cargo de intérprete é um Decreto do Império datado de 06.11.1812, assinado por Dom João, Príncipe e Regente. A ementa diz: “cria um interprete de língua com exercicio na Fortaleza de Santa Cruz”20. O segundo registro que temos em termos oficiais diz respeito ao pagamento do intérprete e data de 13.01.1820. Também assinado por Dom João VI: DECRETO - DE 13 DE JANEIRO DE 1820 Marca o ordenado do Interprete da Commissão Mixta estabelecida nesta Côrte. Havendo nomeado, por decreto da data de hoje, a Carlos Mathias Pereira, para servir de Interprete quando fôr necessário no expediente dos papeis e negócios que hão de ser tratados e julgados pela Commissão Mixta estabelecida nesta Capital: Hei por bem conceder-lhe no exercício deste emprego o ordenado annual de 300$00021, que lhe será pago a quartéis pela folha das despezas da mesma Commissão. Thomaz Antonio de Villanova Portugal, do Meu Conselho, Ministro e Secretario de Estado dos Negócios do Reino, encarregado interinamente da Repartição dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, assim o tenha entendido, e faça executar com os despachos necessários. Palácio do Rio de Janeiro em 13 de Janeiro de 1820. Com a rubrica de Sua Magestade. 19 De acordo com os sites do Senado e do Planalto. Não tivemos acesso ao teor do Decreto, pois estava indisponível no site do Planalto e do Senado. 21 A título de curiosidade, “um professor de primeiras letras em Campinas, no ano de 1825, tinha uma renda média anual inferior a de carpinteiros (65$000), barbeiros (62$000), músicos (100$000) e caldeireiros (200$000) (Martins, 1996, p. 99-100)” (MARTINS, 2005, p. 185). 20 O terceiro registro que temos é de 22.08.1820 e institui o ofício de intérprete no porto: DECRETO - DE 22 DE AGOSTO DE 1820 Marca o ordenado do officio de Interprete da Vista da Saúde, no porto desta Corte. Por justos motivos, que me foram presentes, e se fizeram dignos da minha Real consideração; Hei por bem estabelecer para o officio de Interprete da Visita da Saúde no porto desta Côrte o ordenado de 200$000 pagos a quartéis na fórma do estylo pelo cofre da Provedoria da Saúde. O Barão d'Alvaiazere, do meu Conselho, Provedor-Mór da Saúde, o tenha assim entendido, e faça executar por este Decreto sómente sem embargo de quaesquer leis, ou ordens em contrario. Palácio do Rio de Janeiro em 22 de Agosto de 1820. Com a rubrica de Sua Magestade. O trabalho do intérprete era muitas vezes exercido por tradutores ou apenas pessoas que conheciam a língua. Vejamos um breve relato da vida de um intérprete que atuava em japonês-português: Em 1890, D. Augusto Leopoldo, sobrinho de D. Pedro II, visitou o Império Meiji e retornou ao Brasil acompanhado por seu intérprete, Otake Wasaburo, que ingressou na escola naval brasileira. Retornando ao Japão, foi o autor do primeiro dicionário Português-Japonês e Japonês-Português. Com a instalação da Legação do Brasil no Japão, ele passou a trabalhar como tradutor e intérprete (Mayekawa). O próprio Imperador Dom Pedro II fazia traduções, como mostra o trabalho de Romeu Porto Daros (2012), em que analisa a tradução de parte da obra Divina Comédia (de Dante) por este. Isso mostra que ele se preocupava com as questões da língua. A respeito de Dom Pedro II, ele diz: Lia muito, sobre vários temas e estudou idiomas. Traduziu poemas e textos religiosos da tradição judaica e católica e fez traduções entre vários pares de línguas, clássicas e modernas. Entretanto, o seu trabalho como tradutor é pouco conhecido, tanto pela população quanto pelo mundo acadêmico, onde são exíguas as pesquisas a respeito do tema Dom Pedro II e a tradução. (...) Dom Pedro II traduziu de diversas línguas, trabalhou a partir de textos em prosa e poesia e também era poeta. (...). Dom Pedro II dedicou-se à leitura e estudou idiomas, entre os quais grego, latim, inglês, francês, italiano, provençal, alemão, hebraico, sânscrito, além do tupiguarani. Os netos do Imperador publicaram, em 1889, um livro de poesias e traduções do Imperador (DAROS, 2012, p. 29-30; 57). No período da República constam cinco decretos que elevavam o número de intérpretes comerciais da praça do Rio de Janeiro, antiga capital do Brasil. São estes: Decreto n. 400 (20.06.1891) – eleva a dez o número de intérpretes do Rio de Janeiro para cada uma das línguas inglês, francês, alemão, italiano e espanhol; Decreto 11.009 (22.07.1914) – eleva a doze o número de intérpretes do Rio de Janeiro; Decreto n. 13.172 (06.09.1918) - eleva a quatorze o número de intérpretes do Rio de Janeiro; Decreto n. 13.774 (24.09.1919) - eleva a dezesseis o número de intérpretes do Rio de Janeiro para cada uma das línguas inglês e francês; Decreto n. 14.478 (18.11.1920) - eleva o número de intérpretes do Rio de Janeiro da seguinte forma: francês – 18; inglês – 18; alemão – 14; italiano – 15; espanhol – 15. Todos foram revogados, mas podemos notar que a necessidade de intérpretes aumentava com o passar do tempo. Na há relatos próprios sobre o cargo de intérprete forense na legislação desta época tão somente. Entretanto, poderia ser feita uma pesquisa sobre a vida e o papel desses poucos intérpretes, e se porventura atuavam na área jurídica. É apenas em 21.10.1943 que os ofícios de tradutor público e intérprete comercial foram novamente regulamentados, pelo Presidente Getúlio Vargas, por meio do Decreto nº 13.609. Em 14.07.1945, o presidente cria a série funcional de tradutor-auxiliar por meio do Decreto nº 19.191, que acabou sendo revogado. Em 28.11.1979, o Presidente João Figueiredo assina o Decreto nº 84.248 que regulamenta a inclusão do cargo de Tradutor, que era de nível médio e agora passa a ser de nível superior. Era necessário estar de acordo com alguns requisitos, sendo, por exemplo, formado em Letras. O cargo de Tradutor e Intérprete já existia a essa época e já era de nível superior. O Decreto nº 13.609/43 acabou sendo revogado pelo Presidente Fernando Collor por meio do Decreto de 5 de setembro de 1991, que posteriormente também acabou sendo revogado pelo Presidente Itamar Franco, por meio do Decreto de 22 de junho de 1993, que revalidava o Decreto 13.609. Confusões à parte, o primeiro decreto continuou valendo. 3.2 O ofício de intérprete forense no Brasil Como podemos perceber, é urgente a necessidade de nova lei que discorra, pormenorizadamente, sobre o ofício de Tradutor e Intérprete. Podemos notar, por exemplo, que esse Decreto de 1943 ainda utiliza a idade mínima de 21 anos para poder realizar o pedido de inscrição para intérprete. Ora, essa era a idade que correspondia à maioridade civil no antigo Código Civil de 191622. Infelizmente, essa área carece de regulamentação profissional no Brasil, o que faz com que ela não seja tão valorizada nem reconhecida legalmente. Entretanto, não devemos acreditar que a regulamentação atuará como uma varinha mágica no país, mas seria apenas um primeiro passo para a organização da profissão e o estabelecimento de direitos básicos. Há muitas profissões que, embora regulamentadas, não melhoram as condições de trabalho do profissional, e, neste caso em específico, um dos problemas é que a maioria dos profissionais é autônoma, então seria difícil fiscalizar o cumprimento da lei. Devemos lembrar que a valorização da área depende de fatores extralegislativos, como por exemplo, o impacto social que a profissão causa e como a sociedade vê o intérprete forense, mas notamos que este é quase invisível no cenário brasileiro. Heloísa Barbosa, ex-presidente do SINTRA, disse, em conversa informal, em palestra no UNASP, por ocasião da Semana de Tradutor e Intérprete (04 a 07/11/2013) que o Sindicato já procurou regulamentar a profissão, mas não obteve sucesso. Assim, é o mercado que vai acabar definindo o salário e as condições de trabalho. O que surtiria um efeito positivo é a criação de uma associação nacional com bases locais de tradutores e/ou intérpretes, semelhante à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A ABRATES (Associação Brasileira de Tradutores) tenta realizar este papel no campo da tradução, entretanto, como tem apenas a sede no Rio de Janeiro, acaba distanciando-se do restante do Brasil. Já a ABRAPT (Associação Brasileira de Pesquisadores em Tradução) está voltada para a área da pesquisa, a APIC (Associação Profissional de Intérpretes de Conferência) agrega intérpretes de conferência e o SINTRA (Sindicato Nacional dos Tradutores) busca os direitos dos tradutores e intérpretes. Há, ainda, as Associações Profissionais de Tradutores Públicos e Intérpretes Comerciais, que geralmente são estaduais, como a Atpiesp em São Paulo, em que os tradutores públicos e intérpretes comerciais poderiam fazer parte, no entanto, não cabe aos intérpretes forenses ad-hoc, e não considera questões específicas do trabalho do intérprete forense, que diferem das de um tradutor juramentado. 22 Art. 9. Aos vinte e um anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil. A criação de uma associação para intérpretes forenses seria positiva no sentido de manter a “categoria” unida, promover cursos e palestras que auxiliem na capacitação profissional, promover reflexões sobre o trabalho do intérprete, entre outras. Ela também poderia trazer os mesmos benefícios que a APIC (Associação Paulista de Intérpretes de Conferência) outrora trouxera. Conforme Pagura (2010, p. 85): A criação da APIC, em julho de 1971, foi fator primordial para a profissionalização do intérprete brasileiro. A Associação criou um código de ética profissional para os intérpretes, estabeleceu condições de trabalho para o seu bom desempenho, criou um modelo de contrato para ser adotado pelos seus associados e determinou critérios específicos para a admissão de seus novos membros. De modo geral, tudo isso foi feito segundo os padrões da sua congênere internacional (...), conhecida pela sigla AIIC, a partir de seu nome francês. As condições de trabalho estabelecidas pela APIC acabaram beneficiando todos os intérpretes brasileiros, membros ou não da Associação, que as adotaram no todo ou em grande parte. Entretanto, no atual contexto brasileiro, isso é praticamente impossível, não apenas pela legislação atual, mas também pelo número relativamente pequeno de profissionais que atuam na área, o que promove certo desinteresse. O Ministério do Trabalho e Emprego elaborou a Classificação Brasileira das Profissões, colocando o intérprete na mesma família dos filólogos, linguistas, tradutores, intérpretes de línguas de sinais e audiodescritores. Consta apenas uma descrição sumária da profissão, válida para todos eles: traduzem, na forma escrita e/ou oral, textos e imagens de qualquer natureza, de um idioma para outro, considerando as variáveis culturais, bem como os aspectos terminológicos e estilísticos, tendo em vista um público-alvo específico. Interpretam oralmente e/ou na língua de sinais, de forma simultânea ou consecutiva, de um idioma para outro, discursos, debates, textos, formas de comunicação eletrônica, respeitando o respectivo contexto e as características culturais das partes. Tratam das características e do desenvolvimento de uma cultura, representados por sua linguagem; fazem a crítica dos textos. Prestam assessoria a clientes. A categoria “intérprete” engloba o intérprete comercial, o intérprete de comunicação eletrônica, o intérprete de conferência, o intérprete simultâneo, e o tradutor simultâneo23. Podemos notar a ausência de especificação do trabalho do intérprete forense, além do que o legislador faz uma confusão na categorização dos ofícios, ora classificando-os do ponto de 23 Assim, ainda há muitas confusões acerca dessa nova área de estudos, talvez pelo pouco tempo da área como parte de estudos acadêmicos, ou mesmo porque há poucos registros históricos sobre a interpretação (...). Uma das confusões, por exemplo, é que no Brasil a interpretação é normalmente chamada de tradução simultânea (GINEZI, 2012, p. 29). vista técnico (intérprete simultâneo), ora do ponto de vista situacional (intérprete comercial, o intérprete de comunicação eletrônica, o intérprete de conferência). Diferentemente do Brasil, a National Association of Judiciary Interpreters & Translators dos Estados Unidos apresenta vários ramos diferentes de interpretação: “(1) forense; (2) de conferência; (3) médica; (4) de acompanhamento; (5) de pequenos eventos24 e; (6) de negócios” (nossa tradução)25. No Brasil, há apenas um Projeto de Lei que diz respeito ao trabalho do intérprete, que é o PL 5323/2009. Ele altera o §2º e cria o §3º do artigo 819 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para disciplinar a atividade do intérprete de testemunha perante a Justiça do Trabalho: §2º. O intérprete convocado pelo Juiz presta serviço obrigatório e gratuito, de extrema relevância para o funcionamento e administração da Justiça. §3º. O comparecimento do intérprete em Juízo devidamente atestado pela Secretaria da Vara do Trabalho é considerado como hipótese de falta justificada ao serviço. Atualmente, este Projeto de Lei aguarda retorno na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (MESA). A redação original do §2º do artigo 819 da CLT diz: “§ 2º - Em ambos os casos de que este artigo trata, as despesas correrão por conta da parte a que interessar o depoimento”. Podemos notar que o legislador pretende deslocar as custas do intérprete para o Estado, bem como regulamentar sobre a situação de falta justificada no trabalho. No caso brasileiro, a interpretação forense deveria ser feita por tradutores públicos ou intérpretes comerciais26 (PASSOS, 2010, p. 117). Segundo a JUCESP (2013), “Tradutor Público27 e Intérprete Comercial são agentes auxiliares do comércio, dando fé pública às traduções ou versões por eles feitas de documentações empresariais, certidões, contratos sociais e procurações”. Podemos notar que as designações “tradutor público” e “intérprete 24 Seminar interpreting: a term used by the U.S. Department of State to designate the interpreting that takes place in meetings and small conferences. Gonzalez, et al (1991: 28) assert that the basic difference between conference interpreting and seminar interpreting is the size of the meeting. 25 There are several different branches of interpretation: (1) legal, (2) conference, (3) medical/mental health, (4) escort, (5) seminar, and (6) business (NAJIT, 2013). 26 Art. 1º, Decreto n. 13.609/43 - O Ofício de Tradutor Público e Intérprete Comercial será exercido, no país, mediante concurso de provas e nomeação concedida pelas Juntas Comerciais ou órgãos encarregados do registro do comércio. 27 Os tradutores públicos também são chamados de tradutores juramentados. Esse termo provavelmente teve início no Decreto 57.651, de 19 de Janeiro de 1966, art. 32, IV: Ao Plenário das Juntas incumbe: (...) a expedição de carteira de exercício profissional de comerciante, industrial, fiel de depositário de armazém geral, corretor oficial de mercadorias e de navios, leiloeiro, intérprete comercial e de tradutor público juramentado. comercial” talvez não sejam as nomenclaturas mais precisas, além desses agentes auxiliares do comércio não prestarem serviço apenas ao comércio. Os requisitos do candidato ao cargo de tradutor público e intérprete comercial foram estabelecidos pelo art. 3º do Decreto n. 13.609/43, mas foi a Instrução Normativa nº 84/2000 que regulamentou novamente a questão. Art. 4º – O pedido de inscrição será instruído com documentos que comprovem: I – ter a idade mínima de 21 anos; II – ser cidadão brasileiro; III – não ser empresário falido não reabilitado; IV – não ter sido condenado por crime, cuja pena importe em demissão de cargo público ou inabilitação para o exercer; V – não ter sido anteriormente destituído do ofício de Tradutor Público e Intérprete Comercial; VI – ser residente por mais de um ano na unidade federativa onde pretenda exercer o ofício; VII – estar quites com o serviço militar e eleitoral; VIII – a identidade. A lei não dá explicações sobre a diferença entre tradutor público e intérprete comercial, mas inferimos que o primeiro trabalhe com a língua escrita e o segundo com a língua oral. Essas definições precisam ser redigidas. Devemos, contudo, lembrar que o tradutor público e o intérprete comercial não são funcionários propriamente ditos do Estado. Eles têm a autorização legal de traduzir documentos com fé pública, mas deverão angariar sua própria clientela. Mas nem sempre a interpretação é feita por tradutores ou intérpretes concursados, e os motivos são diversos: por vezes, não há a quantidade necessária de profissionais concursados, além de ser uma classe bastante elitizada28; os tradutores juramentados são caros29, e ao mesmo tempo não podem cobrar um preço abaixo da tabela 30 – enfim, o governo não quer pagar o preço da tabela, convencionado por ele próprio; o salário que o governo paga para um intérprete forense é baixo, especialmente em vista de sua 28 O último concurso para tradutor juramentado no Estado de São Paulo foi em 2000. Vide Deliberação da JUCESP n. 5, de 19 de junho de 2012 (tabela de emolumentos) http://www.jucesp.fazenda.sp.gov.br/downloads/05_2012.pdf. 30 Artigo 17 - O tradutor público e intérprete comercial não poderão cobrar emolumentos fora da tabela aprovada pela Junta Comercial (Deliberação da JUCESP n. 4, de 1 de novembro de 2000). 29 responsabilidade legal. Desta forma, surgem os chamados “intérpretes ou tradutores adhoc”31 para suprir a carência de profissionais na área. Somente na falta ou impedimento de todos os tradutores e intérpretes de determinado idioma ou de seus prepostos, poderá a Junta Comercial nomear tradutor e intérprete “ad hoc”. Ocorrendo esta hipótese, em seguida ao despacho da Junta Comercial e no mesmo instrumento, prestará o tradutor e intérprete “ad hoc” o compromisso legal, lavrando aí o seu ato (JUCESP, 2013). Os intérpretes ad-hoc não são proibidos por lei: PENAL E PROCESSUAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES (ARTS. 12, I, 14 E 18, I, DA LEI NO 6.368, DE 21 DE OUTUBRO DE 1976). ACUSADO QUE NÃO FALA A LÍNGUA NACIONAL. INTERROGATÓRIO. INTÉRPRETE. NOMEAÇÃO. TRADUTOR JURAMENTADO. DESNECESSIDADE. CÔNJUGE DE DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL. IMPEDIMENTO NÃOCONFIGURADO. 1. A LEI PROCESSUAL PENAL NÃO EXIGE QUE O INTÉRPRETE NOMEADO PARA O INTERROGATÓRIO DO ACUSADO QUE NÃO FALA A LÍNGUA NACIONAL DEVA SER JURAMENTADO (CPP, ART. 193). 2. NÃO DÁ CAUSA À DECLARAÇÃO DE IMPEDIMENTO DA INTÉRPRETE JUDICIAL O FATO DE ELA SER CASADA COM UM DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL, QUE, ALIÁS SEQUER PRESIDIU O INQUÉRITO POLICIAL. INTERROGATÓRIO. ASSINATURA DO RÉU. AUSÊNCIA. NULIDADE RELATIVA. PREJUÍZO NÃO-DEMONSTRADO. PRECLUSÃO. 3. A FALTA DE ASSINATURA DO TERMO DE INTERROGATÓRIO É NULIDADE RELATIVA, QUE DEVE SER ARGÜIDA NA FASE DO ART. 500 DO CPP, OU SEJA, NAS ALEGAÇÕES FINAIS (CPP, ART. 571, II)32. A falta de intérprete num caso envolvendo estrangeiro pode causar a nulidade do processo: O PERDIMENTO, EM FAVOR DA UNIÃO, DE DINHEIRO QUE FOI CONSIDERADO, NA SENTENÇA CONDENATÓRIA, COMO PROVEITO AUFERIDO PELO AGENTE COM A PRATICA DE TRAFICO DE SUBSTANCIA ENTORPECENTE, E EFEITO DA CONDENAÇÃO (ART. 74, II, B, DO CP) NÃO SE CONFUNDINDO COM PENA DE CONFISCO. INOCORRE NULIDADE, NA FALTA DE INTERPRETE PARA RÉU DE LINGUA ESPANHOLA, QUE TUDO ENTENDEU E EM TUDO SE FEZ ENTENDIDO. HC INDEFERIDO33. Para realizar a interpretação, o intérprete deve assinar o termo de compromisso. Segundo Novais Neto (2009, p. 41), o Termo de Compromisso é um documento oficial, que tem como característica fundamental a nomeação do intérprete feito pelo titular da vara, o juiz, para a audiência que será realizada. O termo, lavrado pelo 31 De acordo com o Sindicato Nacional dos Tradutores (Sintra), “um tradutor "ad hoc", é um tradutor com proficiência comprovada no idioma, mas que não seja um tradutor juramentado concursado e empossado”. 32 TRF-5 - ACR: 2858 RN 0000895-05.2000.4.05.8400, Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti, Data de Julgamento: 17/06/2003, Quarta Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 21/07/2003 - Página: 314. 33 STF - HC: 59375 RJ , Relator: CORDEIRO GUERRA, Data de Julgamento: 11/12/1981, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 05-03-1982 PP-01549 EMENT VOL-01244-01 PP-00087 RTJ VOL-00100-03 PP-01067. técnico judiciário da audiência, contém no cabeçalho o nome do Estado, comarca e instância em que a ação tramita, assim como a respectiva vara e o número do processo. No corpo do texto é descrita a data por extenso, a cidade e Estado da Federação, os nomes completos do juiz, do intérprete, com seu número de identidade, do acusado e sua procedência, e por fim o nome do escrivão que redigiu tal termo. No final do documento consta espaço próprio reservado para as assinaturas do juiz e do intérprete, respectivamente, conferindo o acordo com os termos do documento. Contudo, a ausência do termo de compromisso é mera irregularidade formal e não invalida o julgamento. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE. TERMO DE COMPROMISSO. FORMALIDADE. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. OITIVA DO OFENDIDO. EXCESSO DE PRAZO NÃO CONFIGURADO. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA. CONCESSÃO DA ORDEM. (...) 2. A ausência de termo de compromisso assinado pelo intérprete é mera irregularidade formal, não constituindo causa suficiente a ensejar a nulidade do interrogatório, mormente em face da circunstância de não ter sido demonstrado de que modo a falta dessa formalidade implicou prejuízo à defesa do réu, ora paciente. Aplicação do art. 563, do Código de Processo Penal34. O Supremo Tribunal de Justiça nem mesmo considera nulo o ato em que o intérprete não havia assinado o termo de compromisso: 3. As testemunhas indígenas prestaram depoimentos na presença de curador especial, na forma da lei, não havendo que se falar em qualquer irregularidade. 4. O Código de Processo Civil, em seus artigos 151 e 153, determina que o intérprete, oficial ou não, será nomeado para verter para língua portuguesa as declarações das partes e testemunhas que não conhecerem o idioma nacional. 5. Tendo o curador especial solicitado e indicado determinado intérprete da língua indígena, que exerceu o seu mister sem prestar compromisso por não ser tradutor oficial, não há que se falar em nulidade35. É comum que os intérpretes sejam professores de língua estrangeira despreparados, não qualificados, e talvez sem o domínio do conhecimento linguístico satisfatório (PASSOS, 2010, p. 117-118; GINEZI, 2012, p. 33). Conhecer a gramática de uma língua não significa ter o conhecimento e as habilidades necessárias para ser um intérprete forense. Seria mais ou menos como aquela falsa ideia: “eu sei inglês, posso traduzir”. Ser intérprete envolve tradução oral, o que vai além da competência bilíngue. “A competência linguística per se não 34 Acórdão nº 2001.01.00.012069-1 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Quarta Turma, 03 de Abril de 2001. HABEAS-CORPUS 2001.01.00.012069-1/PA. 35 STJ, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Julgamento: 25/05/2010, T2 - SEGUNDA TURMA. garante a competência tradutória” (PRESAS apud GINEZI, 2012, p. 33). Esse também é o pensamento de Seleskovitch (apud PAGURA, 2003, p. 219) ao tratar da teoria interpretativa da tradução: o estudo da tradução exige que se levem em consideração não apenas a competência lingüística do indivíduo que compreende e fala, mas também sua bagagem cognitiva e suas capacidades lógicas. (...) Compreender um texto ou discurso não consiste apenas em identificar os conteúdos semânticos permanentes dos signos lingüísticos e a eles atribuir a significação que se depreende de sua combinação sintática em frases, mas também discernir os demais elementos cognitivos não-lingüísticos que, em uma dada situação, estão ligados ao enunciado. O juiz nomeará o tradutor/intérprete ad-hoc, provavelmente profissional de sua confiança, ou que pensa ter as qualidades linguísticas necessárias para exercer a função. Mas ele não é capaz de avaliar a competência do profissional, o que só poderia ser feito por outro intérprete/tradutor. Dessa maneira, o estrangeiro pode ser prejudicado. Os intérpretes forenses, independentemente de serem concursados ou não, não têm o treinamento necessário para exercer essa função que exige tanta técnica. Muitos países como Suécia, Austrália, Canadá, Reino Unido e Estados Unidos (GINEZI, 2012, p. 31) disponibilizam treinamentos e certificações para seus intérpretes por meio de associações profissionais, o que no nosso país auxiliaria na profissionalização da área, e consequentemente, numa melhor prestação jurisdicional. Para Nordin (2013), “essa situação inapropriada [falta de capacitação profissional] reflete a ineficiência do Sistema; o que, muitas vezes, leva o processo à nulidade pelo tribunal, penalizando o magistrado a fazer o mesmo trabalho duas vezes e levando uma nação toda ao descrédito”. A penalização não seria, inclusive, apenas do magistrado, mas de todos aqueles envolvidos no sistema judiciário. O próprio Estado é onerado com este fato, visto que deverá disponibilizar todo o seu aparato físico e profissional para que o ato ou a audiência seja refeita, o que acaba atrasando outros processos, e no final, é o cidadão que arca com todas essas despesas. Em outras palavras, a falta de capacitação profissional é mais prejudicial e custa mais dinheiro do que se houvessem profissionais qualificados. Até o momento, nenhuma instituição brasileira oferece cursos especializados na área de interpretação forense. O mesmo acontece com a Associação Alumni, que também não oferece formação específica de intérprete forense. Moeketsi (apud NORDIN, 2013) relata que na África do Sul, por exemplo, muitos interpretes atuam em mais de seis línguas diferentes em uma mesma audiência. Os candidatos são avaliados ao traduzirem documentos escritos e ao responderem várias perguntas sobre o sistema judiciário. Os candidatos aprovados passam por dois dias de orientação e treinamento, atuando em pequenas partes de uma audiência real, e diminuindo a supervisão paulatinamente. Após todo esse processo e já com alguma experiência, continua Moeketsi: Eles [os intérpretes] são enviados à Faculdade de Direito de Pretoria, onde ficam em treinamento por seis semanas em procedimento civil e criminal, terminologia jurídica, teoria da tradução e técnicas de interpretação. Não há efetivamente um exame para determinar se eles estão aptos a trabalhar, tampouco uma avaliação para checagem da retenção das habilidades aprendidas em treinamento: os indivíduos são simplesmente alocados novamente nos fóruns, onde continuam a atuar como intérpretes. Já no Canadá, Nordin (2013) aponta algumas diferenças, como por exemplo, que o exame de certificação para intérpretes de audiência, ou forense está sob a tutela do Canadian Translators and Interpreters Council (CTTIC), onde os candidatos são avaliados na proficiência linguística, terminologia e procedimentos legais, interpretação consecutiva, além de passarem por um teste em simulação real de audiência. Tais realidades estrangeiras confirmam a necessidade de criação de cursos especializados na área que abordassem aspectos práticos e teóricos da profissão. Para isso, deveria conter matérias voltadas para a área técnica (Direito Penal, Direito Civil, etc.) para que o intérprete se familiarize com os termos jurídicos; matéria voltada para a organização judiciária no Brasil e questões gerais do Direito; outra voltada para questões éticas e penais que envolvem o trabalho do intérprete; outra de cunho teórico-prático para técnicas e modalidades utilizadas em audiência; outras para a prática efetiva de interpretação; e, finalmente, estágio de observação em audiências e estágio prático, utilizando-se gravações de audiências ou simulações. Percebemos pela nossa pesquisa que o problema não está só na quantidade de intérpretes comerciais e tradutores públicos, mas na falta de interesse em exercer a profissão por causa do baixo pagamento do governo. Por isso seria também uma sugestão a criação de um cargo específico para a função de intérprete forense que, diferentemente do tradutor público e intérprete comercial, seria um funcionário do Estado. Assim, o profissional poderia se focar e se preparar melhor nesta área. Neste caso, estaria dispensada a certificação do profissional, que ocorreria no próprio concurso público. De qualquer forma, a seleção dos intérpretes não deve ser da alçada de juiz algum. Além disso, muitos intérpretes nunca entraram numa sala de audiência, não sabem como funciona o rito, desconhecem o “juridiquês”, tanto em português, como na língua estrangeira e as questões éticas e jurídicas que envolvem a profissão. Enfim, não têm preparo nem qualificação para uma função que afeta diretamente a vida de tantas pessoas. Enquanto não há cursos de especialização no Brasil, podemos nos valer das sugestões da National Association of Judiciary Interpreters & Translators, dos Estados Unidos, que propõe autotreinamentos como: (...) assistir uma audiência e observar os procedimentos. Interpretar mentalmente para si mesmo. Anotar os termos que você não está familiarizado, e, em seguida, procurar soluções em dicionários. Você também pode praticar a interpretação enquanto assiste televisão ou ouve rádio. Em geral, um bom exercício é gravar suas práticas de interpretação e então ouvir o replay buscando aperfeiçoar a clareza, vocabulário, escolha de palavras e coerência (nossa tradução)36. Em relação à legislação, além do que já foi citado, tanto o Código de Processo Penal quanto o Código de Processo Civil dispõem sobre quando o intérprete forense será necessário: Art. 193. Quando o interrogando não falar a língua nacional, o interrogatório será feito por meio de intérprete. Art. 223. Quando a testemunha não conhecer a língua nacional, será nomeado intérprete para traduzir as perguntas e respostas. Art. 236. Os documentos em língua estrangeira, sem prejuízo de sua juntada imediata, serão, se necessário, traduzidos por tradutor público, ou, na falta, por pessoa idônea nomeada pela autoridade (Código de Processo Penal). Mirabete (2001, p. 530), ao comentar sobre o tema, diz que o intérprete é o profissional que irá interpretar aqueles que não falam a língua nacional, sendo que essa interpretação é obrigatória, mesmo quando o juiz entende a falado acusado. Isso se deve ao fato de que o juiz não é o único que precisa entendê-lo, mas também o Ministério Público, querelante, defensor e assistente. Ele complementa que não ocorrerá nulidade se as 36 (…) to go to court and observe proceedings. Mentally interpret to yourself. Write down the terms that you are not familiar with, and then look for solutions in dictionaries. You can also practice interpreting while watching television or listening to the radio. In general, a good practice is to tape your practice interpretations, and then to listen to the replay with a critical ear for clarity, vocabulary, word choice, and coherence. respostas são entendidas por todos, ainda que não em português. Alguns tribunais reiteram este entendimento. O Supremo Tribunal Federal diz que “inocorre nulidade na falta de intérprete para réu de língua espanhola que tudo entendeu e em tudo se fez entendido” (RT 559/416). O Tribunal de Justiça de São Paulo diz: o indeferimento do pedido para novo interrogatório por não observado o disposto no art. 193 do CPP, não importa em constrangimento ilegal, vez que trata-se de réu boliviano radicado no Brasil onde já trabalhou e na polícia reservou o direito de responder em juízo, prestou as informações necessárias e no interrogatório criticado, negou a imputação, e, em vista disso não sentiu o magistrado a necessidade de intérprete, não tendo dificuldade em entendê-lo e este a responder o que lhe foi perguntado, não se podendo esquecer que o espanhol falado por boliviano, é língua bem compreensível (RT 709/322). O Tribunal de Justiça do Paraná tem a mesma visão: “se o julgador fala e entende a língua do interrogado estrangeiro e este também entende o juiz, dispensável é a nomeação de intérprete, na forma do art. 193 do CPP, pois não há prejuízo à defesa”, bem como o Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul: “se o juiz consegue entender suficientemente o relato da testemunha com dificuldade de se expressar em português, não precisa valer-se de intérprete para transcrever o depoimento, mormente se a defesa no ato da inquirição nada impugnar a esse relato” (RT 679/370). Discordamos, entretanto, dessas posições, visto que o juiz pode acreditar que está entendendo o que o acusado fala, mas é provável que haja confusão por ele não saber os termos precisos, especialmente no caso de falsos cognatos. O juiz não tem o poder de definir se conhece ou não a língua suficientemente, já que não é técnico. Aliás, o que seria entender “suficientemente”? Há uma grande diferença entre saber e achar que sabe. Já o Código de Processo Civil: Art. 151. O juiz nomeará intérprete toda vez que o repute necessário para: I - analisar documento de entendimento duvidoso, redigido em língua estrangeira; II - verter em português as declarações das partes e das testemunhas que não conhecerem o idioma nacional; (...) No que tange ao inciso II, devemos interpretar extensivamente em relação às partes e testemunhas que não conhecem o idioma nacional. Isto porque muitas vezes o indivíduo tem conhecimento da língua portuguesa apenas nas habilidades de ouvir e ler, mas não de falar e escrever. Nesse caso, poderá requisitar o intérprete forense. Por fim, o Código de Processo Civil (art. 152) impõe algumas limitações ao perito em interpretação. Conforme defende o § 34, artigo 281, CPP: “Os intérpretes são, para todos os efeitos, equiparados aos peritos”. Assim, não pode ser intérprete quem: não tiver a livre administração dos seus bens; for arrolado como testemunha ou servir como perito no processo; estiver inabilitado ao exercício da profissão por sentença penal condenatória, enquanto durar o seu efeito. Já para o Código de Processo Penal (art. 279), não poderão ser peritos: os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos ns. I e IV do art. 69 do Código Penal; os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto da perícia; os analfabetos e os menores de 21 anos. Por outro lado, “todos os procedimentos judiciais, para terem validade legal, devem ser realizados na presença de um oficial de justiça. Não há autoridade legal nenhuma atribuída ao intérprete, embora isso não o isente de suas responsabilidades linguísticas (...)” (NORDIN, 2013). A qualificação não se destina apenas ao intérprete forense, mas também aos juízes, advogados e todos os operadores do Direito e outros órgãos que atendem estrangeiros, pois estes geralmente não sabem como proceder com relação ao intérprete forense e seu trabalho. Podemos notar esse desconhecimento num relato apresentado por Passos (2010, p. 126), em que um dos juízes demonstra total falta de conhecimento de seu papel e do papel do intérprete forense na audiência. Esse conhecimento poderia ser adquirido na faculdade, no caso de alunos, ou em cursos de atualização, no caso de profissionais; ou ainda, cada fórum poderia dispor de um guia básico para processos que envolvem estrangeiros. A grande dificuldade é que com a falta de regulamentação profissional e do código de ética do intérprete forense, a questão não pode ser resolvida de forma simples. Dessa forma, indicaremos algumas práticas adotadas pela Corte de Delaware, EUA, que podem ser utilizadas por advogados em auxílio ao intérprete (material adaptado): Procedimento geral: 1. Ajude o intérprete a se familiarizar com o caso fornecendo materiais como: Palavras-chave, gírias, terminologia especializada; Nomes ou apelidos; Números: valores, contas, endereços; Cópia da denúncia, da acusação ou qualquer documento relevante; Depoimento anterior; Evidências físicas que serão mostradas à testemunha. 2. O intérprete deve ficar em pé ou sentar-se num local onde possa ouvir e ser ouvido sem dificuldade, tendo uma visão clara de toda a sala de audiência e das partes, além de espaço para utilizar seus materiais. 3. Relembre que as partes devem falar alto e em bom som no microfone, e uma de cada vez. 4. A tradução de documentos ou transcrição/tradução das gravações deve ser feita bem antes de ser apresentada como prova. O trabalho de tradução é complexo e requer pesquisa. A tradução de última hora será imprecisa e pouco confiável. Procedimentos para o depoimento da testemunha: O depoimento de uma testemunha que não fala português será interpretado de modo consecutivo, isto é, o intérprete vai ouvir toda a pergunta antes de interpretá-la para a testemunha. O intérprete, então, irá aguardar a resposta completa antes fazer a interpretação em português, em voz alta, para ser registrada pelo escrivão. Um intérprete experiente irá permitir um ritmo natural de perguntas e respostas, salvaguardando a personalidade da testemunha. 1. Dê ao intérprete todas as informações possíveis sobre a testemunha que poderão afetar a comunicação, tais como problemas na dicção, de saúde mental, stress emocional, nível de escolaridade, etc. 2. Explique à testemunha o papel do intérprete como um oficial imparcial do tribunal, responsável apenas por interpretar com precisão procedimentos ou depoimentos. 3. Informe a testemunha de que o intérprete irá interpretar tudo o que ela diz, portanto, se ela não quer que saibam alguma coisa, ela não deve dizer ao intérprete. 4. Aconselhe a testemunha para não se envolver em conversas particulares com o intérprete. 5. Informe à testemunha para que ouça toda a pergunta feita pelo intérprete antes de responder, mesmo que ela entenda um pouco de português. 6. Posicione o intérprete próximo à testemunha e certifique-se de o júri possa ver a testemunha. 7. Não peça ao intérprete para explicar ou reafirmar qualquer coisa dita por uma das partes. 8. Faça suas perguntas de forma clara e, sempre que possível, evite ambiguidades. 9. Faça pausas para descanso, conforme necessário, uma vez que a precisão do intérprete diminui significativamente após 30 minutos de interpretação contínua. Considere o uso de dois intérpretes para julgamentos e processos mais longos. 4 AS CARACTERÍSTICAS E HABILIDADES DO INTÉRPRETE FORENSE Neste capítulo, procuraremos fazer uma intersecção do que é exigido na prática do intérprete forense e do que é exigido por lei, bem como as recomendações profissionais das organizações de intérpretes. Estamos apenas fazendo propostas iniciais, sem termos condições de exaurir a questão. Segundo a National Association of Judiciary Interpreters & Translators dos Estados Unidos, intérprete forense tem muitos desafios, porque: Exerce sua atuação em duas línguas, ouvindo e falando ao mesmo tempo, esforçando-se para manter um alto nível de precisão do discurso num ritmo desafiador. Além disso, o intérprete deve manter a confidencialidade e padrões éticos. É uma profissão que exige muito mentalmente, emocionalmente e eticamente. A interpretação forense é amplamente considerada como a mais desafiadora e exigente no âmbito do tribunal (nossa tradução)37. As características e habilidades que um intérprete forense deve ter são: Imparcialidade Essa é uma das principais características que o intérprete deve ter. Podemos compará-la à imparcialidade do juiz (NOVAIS NETO, 2009, p. 36). É importante que o intérprete não tenha relações com o estrangeiro, para que não haja comprometimento do processo. O tipo de relação é detalhado pelo Código de Processo Penal (CPP) e pelo Código de Processo Civil (CPC): O artigo 112 do CPP prevê que o juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição. O CPC explicita mais o assunto. Vejamos: 37 (...)because the practitioner is multi-tasking in two languages, listening and speaking at the same time, striving to maintain a high level of accuracy at challenging rates of speech. Additionally, the interpreter must maintain confidentiality and uphold ethical standards. It can be difficult mentally, emotionally, and ethically. Interpreting in court is widely considered to be the most challenging and demanding of all legal settings. Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário: I - de que for parte; II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha; (...) IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau; V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; (...) Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. (...) Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição: (...) IV - ao intérprete. § 1o A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido. Assim como o juiz, o intérprete deveria poder declarar-se impedido ou suspeito de atuar, estando a critério do juiz definir a questão. Se o intérprete tomar ciência de que há um conflito de interesse real ou aparente somente depois de ter aceitado uma designação, de informar imediatamente ao responsável para os assuntos da audiência no gabinete do juiz ou ao defensor público antes mesmo de a audiência começar, para que haja tempo suficiente para sua substituição. O juiz vai determinar se um conflito de interesse existe e se o profissional deve, de fato, ser substituído (NORDIN, 2013). Além da imparcialidade prescrita por lei, o intérprete deve ser imparcial no momento da sua atuação. Deve ter em mente que o acusado estrangeiro é apenas um acusado, e não alguém que efetivamente cometeu algum delito ou crime. Pode ocorrer de o juiz ou outra pessoa perceber parcialidade na interpretação do intérprete. Neste caso, o juiz poderá interromper o julgamento e tomar as devidas providências. O intérprete não pode interpretar de maneira tendenciosa, com duplo sentido, não pode modificar ou inventar frases, omiti-las, mentir, ou fazer qualquer coisa que prejudique o verdadeiro sentido do falante, sendo ele juiz, promotor, acusado, testemunha, etc. É importante ser preciso, objetivo e claro. Por certo, muitas perguntas feitas pelo advogado, por exemplo, são intencionalmente ambíguas. Nesse caso, o intérprete deverá manter o sentido (NORDIN, 2013). Um exemplo prático seria o caso de um estrangeiro falante da língua inglesa utilizar o pronome you (você) para se referir ao juiz. Ao tentar descobrir as intenções do falante, o intérprete se coloca num papel perigoso e subjetivo. Por que o acusado/testemunha não utilizou o pronome de tratamento adequado Your Honor ou Judge? Por desconhecimento? Por desrespeito ao juiz? Por acreditar estar sendo discriminado? Por falta de atenção? Obviamente, há alguns casos em que é possível fazer inferências, pois essas são bastante claras. No caso de uma audiência, quando o juiz vai ouvir o acusado ou a testemunha, ele deve observar a comunicação verbal e não-verbal, ver se há coerência entre elas, observar expressões, gestos, suspiros, silêncios, enfim, o que Novais Neto (2009, p. 58) define como “marcadores lingüísticos verbais não lexicalizados (uhum) e prosódicos (pausas, alongamentos) como também de marcadores não lingüísticos ou paralingüísticos (olhares, risos etc)”. Isso pode servir como auxílio ao intérprete no momento de sua interpretação, a fim de fazer uma interpretação mais coesa e precisa possível. Os intérpretes “dependem das expressões faciais e outros movimentos corporais tanto quanto das próprias palavras sendo proferidas, para terem uma compreensão global do sentido da mensagem” (PAGURA, 2003, p. 214). Entretanto, discordando parcialmente de Nordin (2013), o intérprete não precisará imitar todos esses elementos, porque o juiz já os terá observado anteriormente. O intérprete ainda deve tomar outras atitudes para evitar a ideia de parcialidade. Não deve “comentar o caso, dar conselhos, tocar o réu em gesto de consolo ou se engajar em conversa na sala de audiência em uma língua que os outros não entendam” (NORDIN, 2013). Adequação O intérprete deve não apenas levar em consideração o sentido da mensagem, mas também como essa mensagem será recebida e entendida de acordo com as peculiaridades de cada um. As informações devem ser transmitidas de modo claro, confiável e eficaz; sendo o texto de origem destinado a um público X determinado, sua transferência lingüística (sic) deve adaptá-lo a um novo público X, ele próprio determinado; tendo o texto de origem uma estrutura discursiva determinada, até certo ponto, pela “gramática cultural” (Gouadec) de seu local de produção, sua tradução tem a obrigação de remanejar, até certo ponto, esta estrutura discursiva, de modo a adaptá-lo à “gramática cultural” de seu local de destino, a fim de ele seja stricto sensu receptível (BERMAN apud CHANUT, 2012, p. 54-55). O intérprete não deve, por exemplo, usar uma linguagem extremamente formal com uma pessoa sem escolarização, ainda que o juiz a utilize. Já com o juiz, isso seria possível, e até requerido. Devemos lembrar que o objetivo da interpretação forense não é a literalidade, e sim a comunicação. Embora Aubert (1993, p. 27) proponha este pensamento voltado para a área da tradução, podemos aplicá-lo à interpretação: Consciente ou subconscientemente, [o tradutor] tenderá a levar em conta que as condições de recepção dos destinatários da tradução são ao menos parcialmente distintas das condições de recepção vivenciadas por ele, tradutor. Negocia significados e sentidos não mais apenas com o texto original e com o constructo mental que corresponde à sua visão do autor original do texto, mas com outro constructo mental, o de sua visão, unitária ou multifacetada, do conjunto de receptores da tradução que empreenderá do texto (...). Assim, vemos que o intérprete se desloca no discurso para atender e se adequar as demandas sociolinguísticas, além do que, esse deslocamento é necessário para causar certa equiparação entre as partes – juiz e acusado – pois o primeiro é detentor de um saber muito superior ao segundo. Vejamos um exemplo em que isso acontece: Escrivão: estado civil? Intérprete: marital status? Acusado: what? Intérprete: are you married? Acusado: I am married.. with two kids Intérprete: ok ele é casado.. com duas crianças (NOVAIS NETO, 2009, p. 118) Neste exemplo, observamos que a linguagem correta e formal utilizada pelo intérprete não foi compreendida pelo acusado. Deste modo, ele faz uso de uma pergunta mais simples para proporcionar a compreensão daquele, escapando à literalidade. Assim, a estratégia da equivalência dinâmica ou funcional (NIDA, 1964) está presente quando “o tradutor deixa à mostra a sua preocupação com a receptividade do texto na cultura de chegada”, conforme discute Chanut (2012, p. 57). Clareza, precisão e objetividade A clareza, precisão e objetividade no momento da interpretação, se faz extremamente importante. “Para que isso aconteça, o intérprete tem de manter cada elemento da informação contida na mensagem original o mais próximo possível do contexto em português, ou seja, sintaxe (estrutura da língua) e semântica (seu significado)” (NORDIN, 2013). Isso porque: Tanto o juiz quanto o procurador da República acreditarão inteiramente na interpretação do testemunho para tirar conclusões sobre credibilidade do interrogado e calcular o peso relativo de suas declarações. Da mesma forma, o advogado de defesa tomará decisões em relação ao réu e procederá em audiência para elaborar a melhor defesa confiando na interpretação que está sendo realizada (NORDIN, 2013). Vejamos um caso prático (de estupro) de parte de uma audiência relatada por Novais Neto (2009, p. 62): Juiz: ((aos intérpretes)) a denúncia para o acusado.. entretanto irei resumir a denúncia para que os senhores possam... transmitir ao acusado.. os termos da acusação... o acusado aqui presente.. K. .. D. ... gostaria que perguntasse a ele... antes de perguntar/ pergunto a ele/ não informe a ele por obséquios que ele tem o direito CONSTITUCIONAL a permanecer em silêncio Intérprete: you don’t need to answer the questions.. but.. your silence will be understood to the detriment of your defense Acusado: I have the right to remain in silence.. that’s what are you saying ? Intérprete: no you don’t need to you don’t HAVE to Acusado: [[answer Intérprete: [[answer Acusado: ok Intérprete: [[but your silence Acusado: [[could be understood Intérprete: yeah to the detriment of your defence Acusado: ok Intérprete: but it’s a cons/ it’s a constitutional right to be.. in silence… did you understand? Acusado: yes Intérprete: you don’t have to but Acusado: ok I understand Juiz: a primeira pergunta é o seguinte... se é verdadeiro o fato narrado na denúncia.. que.. o acusado.. matou a vítima.. estuprou e MATOU a vítima S. P. A. ... ou seja teve conjunção CARNAL mediante violência com esta vítima.. S. P. A. e após a matou em companhia de outros acusados Intérprete: is it true that firstly you raped the victim and then violently you killed? Acusado: no Intérprete: no? Acusado: no Intérprete: não Neste exemplo, podemos notar, além da falta de precisão do intérprete, que este provavelmente não compreendeu a fala do juiz (ainda que essa não tenha sido muito clara) no que diz respeito que o acusado tem o direito constitucional de permanecer em silêncio, sem que isso possa lhe prejudicar de qualquer forma, ou que isso signifique que esteja consentindo com o que é dito. Observamos, adaptando a teoria de Aubert (1993, p. 26) que a mensagem efetiva (mensagem que o receptor-tradutor, o intérprete, compreendeu) distancia-se muito da mensagem pretendida (a mensagem que o emissor, o juiz, intencionava expor). O intérprete transmitiu uma mensagem totalmente equivocada ao acusado, até mesmo inventando partes a partir de sua própria interpretação (de algo não dito), o que poderia invalidar todo o julgamento. Não ficou claro para o acusado que ele tem o direito de permanecer em silêncio sem que isso implique confissão, pelo contrário, foi exatamente o oposto que ele entendeu. Mesmo que o intérprete não tivesse nenhum conhecimento sobre o Direito, se ele tivesse se detido a fazer uma interpretação literal e objetiva, esse erro poderia ter sido eliminado. Essa também é a posição de Ginezi (2012, p. 38): a posição do intérprete no tribunal lhe garante um ganho de poder em relação ao conhecimento linguístico de todos os sujeitos envolvidos (EDWARDS 1995), quando se nomeia um mau intérprete, ele determinará, em grande parte, os caminhos da justiça; mesmo que ele cometa erros, pouco será compreendido por todos, e o processo jurídico será julgado de acordo com seus erros, tomados como verdades. Sobre a questão envolvida no caso prático, a Constituição em seu art. 5º, LXIII, diz: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. O CPP declara: Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. Art. 198. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz. Conhecimento técnico do Direito Ter noções básicas sobre o Direito Brasileiro e o Direito do país do estrangeiro que será interpretado pode ter grande valia no momento da interpretação. Esse artifício poderia contribuir para questões discursivas, torando-as mais precisas e proporcionando maior segurança para o intérprete utilizar o discurso jurídico. No que concerne à forma escrita da língua, as traduções de documentos e contratos, por exemplo, são realizadas no Brasil por tradutores juramentados que não são, necessariamente, advogados. É por isso que as pessoas envolvidas profissionalmente nas atividades de tradução e de interpretação devem manter-se atualizadas no desenvolvimento constante das áreas de conhecimento com as quais trabalhem e consultar especialistas da área, quando necessário. Via de regra, o tradutor ou o intérprete escreve ou fala a respeito de um assunto que não domina plenamente, tendo como audiência especialistas desse assunto, que o conhecem muito mais a fundo (PAGURA, 2003, p. 225). Conhecimento de variantes linguísticas e cultura geral É importante que o intérprete tenha uma vasta cultura geral e linguística. Ele irá interpretar sujeitos provenientes dos mais diferentes contextos culturais e socioeconômicos, em que as escolhas linguísticas e o sotaque poderão variar amplamente, considerando o nível de escolarização. Muitos utilizarão uma linguagem formal; outros recorrerão a jargões, expressões idiomáticas, provérbios, gírias, palavrões, coloquialismos, figuras de linguagem, etc. Alguns estrangeiros optarão por falar inglês, mesmo não sendo sua língua materna, porque muitas vezes não há intérpretes habilitados para interpretar sua língua materna. Assim, “os intérpretes acabam se vendo na situação de interpretar intervenções feitas num inglês de difícil compreensão, seja pela escolha lexical, pela sintaxe e, principalmente, por uma pronúncia quase incompreensível” (PAGURA, 2010, p. 68). Conhecimento linguístico do Direito (“juridiquês”) Além de ter noções sobre o Direito, é importante que o intérprete conheça os jargões utilizados na área jurídica nas duas línguas, para que sua interpretação ocorra de forma mais fluida, clara e natural. O intérprete deve buscar palavras equivalentes preferencialmente antes do momento da audiência. “Harvey afirma que há três tipos de termos cujas diferenças interculturais constituem um perigo para o tradutor jurídico: os conceitos (ex: habeas corpus); as instituições (ex: Tribunal Superior Eleitoral); os atores jurídicos (ex: tabelião, juiz etc.)” (CHANUT, 2012, p. 58). Um bom intérprete nunca para de estudar. Por meio de educação continuada, o intérprete deve manter e melhorar suas habilidades de interpretação e conhecimento dos procedimentos utilizados pelos tribunais. Deve procurar, ainda, elevar os padrões de desempenho da profissão e continuamente aperfeiçoar as habilidades que dele se exigem durante as audiências (NORDIN, 2013). Boa interpretação O intérprete deve lembrar que antes de ser um intérprete forense, ele é um intérprete. Portanto, todas as habilidades e características já mencionadas pela Teoria da Interpretação e outras regulamentações de associações de intérpretes também são válidas para ele. Veja algumas sugestões de habilidades e exercícios no anexo 1. Bom senso e tato O intérprete deve ter em mente que deve se comportar de forma razoável frente as mais diversas situações, escolhendo sempre a melhor opção, aquela que causa menos prejuízo possível. Ele é um “estranho”38 em juízo; deve, portanto, adequar-se às regras e padrões ali estabelecidos. Polidez O intérprete deve ser cortês e educado com as pessoas que se relacionar, bem como com seus eventuais colegas de trabalho. Ele vai depender da ajudar de muitas pessoas, advogados que podem passar o caso para ele antes da audiência, funcionários do fórum que vão informá-lo e mostrar documentos sobre o caso, etc. 38 “A presença de um intérprete não se configura nesse contexto somente como exceção aos trabalhos do tribunal, mas também como símbolo do “novo” (embora esporádico), merecedor de observação. É comum a presença de “curiosos” (funcionários do Fórum, advogados estagiários etc) em audiências com Intérpretes. Da observação de um elemento “novo” que compõe um “quase show”, passa-se ao monitoramento do desempenho do intérprete” (PASSOS, 2010, p. 127). Esse é um quesito importante porque muitas vezes os intérpretes não são bem vistos nas audiências já que, obviamente, elas levam mais tempo do que o normal, o que pode ser estressante. Neste caso, o intérprete deve se lembrar que qualquer atitude dos envolvidos, como não aguardar a leitura dos termos de interrogatório para só então o estrangeiro assiná-los, ou a impaciência do juiz quando o estrangeiro responde suas perguntas com evasivas, não são voltadas ao intérprete (mesmo que pareçam), mas à situação em seu macrocontexto (GINEZI, 2012, p. 39-40). Preparo Além da bagagem cognitiva39 que o intérprete adquiriu ao longo da vida, é essencial que haja um preparo antes de sua atuação. O Direito é uma área muito ampla, tornando a exigência vocabular muito mais complexa. É preciso que o intérprete tenha conhecimento específico da área que fará a interpretação. Ginezi (2012, p. 35-36) aponta ainda alguns cuidados práticos especiais que o intérprete deve ter: a nomeação do intérprete é feita pelo juiz e encaminhada ao intérprete por meio de Oficial de Justiça. No documento de intimação consta apenas o nome do réu, e não o crime do qual é acusado. Dessa forma, o intérprete deverá entrar em contato com a Vara Criminal em que ocorrerá o julgamento, a fim de tomar conhecimento do tipo de crime e também dos dados de todos os participantes do interrogatório. Após a leitura de todas as informações nos autos do processo, o intérprete deve anotar dados que lhe serão necessários no momento da audiência, tais como nomes de pessoas envolvidas, datas dos fatos, tipo de crime cometido e, de acordo com esse, outras informações imprescindíveis. Tudo isso deve ser feito no próprio Cartório Criminal, com acompanhamento de funcionários locais, uma vez que os autos do processo são sigilosos e devem ser assim mantidos. Munido de todas as informações, o intérprete deverá elaborar pesquisas sobre o tipo de crime, bem como sobre o país de origem do estrangeiro, a fim de ampliar o vocabulário necessário para a interpretação e ter o conhecimento cultural necessário para uma boa atuação. Com a disponibilidade de vídeos on-line atualmente, também é possível fazer uma busca de textos orais na internet, a fim de familiarizar-se com o sotaque do estrangeiro, considerando seu país de origem. 39 “Conhecimento de mundo que existe independentemente dos atos da fala. É o todo daquilo que conhecemos, quer seja por experiência, quer seja por meio do aprendizado. Partes relevantes desse conhecimento são mobilizadas pela cadeia enunciativa e contribuem para a compreensão [do que foi dito]” (LEDERER, 1990, p. 58). Discrição No que tange à interpretação forense, o intérprete não é um ator. Não deve tomar atitudes que chamem atenção para si mesmo, ou demonstrar emoções alteradas. Deve agir com discrição. Embora seja importante estabelecer um relacionamento agradável com as pessoas, deve-se manter um distanciamento profissional. Uma maneira de transmitir essa formalidade é chamar as pessoas pelo seu sobrenome (Senhor Smith, Senhora Smith) ou, ainda, pelo primeiro nome, mas de maneira respeitosa, dirigindo-se a eles com títulos: Mr. Joseph, Ms. Emma. (NORDIN, 2013). Proficiência bilíngue O intérprete deve ter um excelente conhecimento não apenas na língua estrangeira, mas também em português. “Sempre se exige que os intérpretes trabalhem nas duas direções. No nosso caso, do inglês para o português e do português para o inglês, o que se chama interpretação em retour” (PAGURA, 2010, p. 68). 4.1 Diretrizes para a interpretação forense Nesta seção, observaremos alguns pontos que devem ser considerados no momento da interpretação. No Brasil, apenas o manual de Jaqueline Nordin (2013) lança orientações mais práticas sobre o trabalho do intérprete forense. Posicionamento Seria bom que o intérprete estivesse numa posição em que pudesse enxergar todos os participantes envolvidos que serão interpretados, bem como ouvir bem o que cada um fala, sem maiores dificuldades. Mesmo que o intérprete peça repetidamente às partes para falarem mais alto ou com mais clareza, jamais deve simplesmente ignorar as frases que não consegue ouvir por não querer interromper o processo com muita frequência (NORDIN, 2013). Dúvidas Caso haja dúvidas sobre o que o juiz ou o acusado disse, é melhor errar pelo excesso de zelo do que pela falta dele. Pode parecer insignificante, mas uma palavra mal interpretada pode contribuir grandemente para que o acusado seja considerado culpado. Ainda, o intérprete poderá levar dicionários, glossários ou computador para averiguar as informações. Se o intérprete não conseguir compreender o termo ou ideia depois de ter perguntado ao acusado e consultado dicionários, deverá reportar o fato ao juiz, para que conste nos autos. Isso poderá ser averiguado posteriormente. Conversão de medidas e unidades O intérprete tem a função de transmitir a mensagem, não fazer cálculos. Assim sendo, não deve se aventurar a fazer transformações mentais, porque teria uma grande probabilidade de errar. Se o dado for extremamente necessário, o juiz poderá requerer que o próprio advogado ou algum outro perito faça os devidos cálculos (NORDIN, 2013). Erros impróprios É comum que advogado, promotor ou juiz cometam erros na hora de fazer alguma pergunta, como por exemplo, trocar nomes, datas, etc. O intérprete não deve corrigi-los, pois estaria extrapolando seus limites de atuação (NORDIN, 2013). O máximo que este poderia fazer é esclarecer o fato antes de fazer a interpretação. Erros próprios Quando o intérprete cometer algum erro, deverá corrigi-lo ou fazer constar na ata da audiência, cientificando o juiz. “Meritíssimo, por causa do testemunho posterior, o intérprete tem consciência de que o ‘irmão’ usado na resposta anterior pelo interrogado deveria ter sido interpretado como ‘compatriota’, e não como ‘irmão consanguíneo’, como posso ter dado a impressão” (NORDIN, 2013). Aubert (1993, p. 82-83) aponta que o erro pode ter duas origens possíveis: (1) Falhas no estabelecimento apropriado de relações de equivalência linguística e referencial entre o universo textual de partida e o de chegada, e (2) Impropriedade de ordem comunicativa, atribuíveis menos à competência linguística e/ou referencial (factual) e mais a uma falta de sintonia entre a intenção comunicativa do tradutor e a correspondente intenção comunicativa do(s) seu(s) receptor(es). É bem verdade que o intérprete poderá não encontrar palavras exatas, ideias, equivalências entre uma língua e outra. Neste caso, deverá reportar ao juiz este fato, para se mostrar consciente de tal situação, justificando sua escolha linguística e eximindo-se de eventuais responsabilidades. Falas Pode ocorrer que o juiz ou acusado fale de forma muito rápida ou baixa. Assim, o intérprete deverá solicitar ao mesmo que diminua a velocidade ou fale mais alto. “Deve-se combinar com o juiz um gesto para alertá-lo quanto à velocidade do discurso e, assim, não perder parte do testemunho. Dessa forma, o juiz desacelerará o interrogatório da testemunha” (NORDIN, 2013). Audiência por videoconferência Deve-se tomar um cuidado especial em audiências por videoconferência. Elas são um pouco mais difíceis de serem realizadas, porque, além do fato de alguns participantes não estarem fisicamente presentes, pode ocorrer o delay entre som e imagem (NORDIN, 2013). Intervalos para descanso O intérprete deve solicitar intervalos para descanso, especialmente porque “esse trabalho demanda alto nível de concentração e é imperativo que se permaneça mentalmente alerta em todos os momentos” (NORDIN, 2013). Isso que pode ser combinado com o juiz previamente. Segundo Pagura (2003, p. 229), “a concentração tem de ser total, e por essa razão os intérpretes trabalham em duplas e se revezam a intervalos entre 20 e 30 minutos”. Vários intérpretes É importante que o intérprete não trabalhe sozinho, especialmente quando há diversos réus e testemunhas estrangeiras. Isso ele deverá verificar antes da audiência, e se necessário, avisar o juízo que precisará de outro intérprete. A APIC, inclusive, tem uma regra para essa situação em seu Regulamento: Art. 2º. A fim de garantir a prestação de serviços profissionais de alto nível, o intérprete: (...) c) não trabalhará sozinho e sem possibilidade de substituição, sendo que a interpretação sempre será feita por um mínimo de dois intérpretes, exceto: i) quando a interpretação simultânea não exceder uma hora, ii) quando a interpretação consecutiva não exceder duas horas; Condições de trabalho É essencial que as condições mínimas de trabalho sejam atendidas para que o intérprete possa ter um bom desempenho. Fatores básicos como iluminação, acesso à água, cabines ventiladas, devem ser observados. Desqualificação Em alguma das hipóteses de impedimento ou suspeição definidas em lei, o intérprete deve pedir para ser substituído. Isso também vale para situações em que o intérprete não acredite ser suficientemente competente para atuar em um caso. Esse procedimento é essencial para que o intérprete evite não ser mais chamado na vara em questão por ter cometido erros pontuais de interpretação ou, mais grave ainda, levar um réu a ser julgado culpado por ter cometido desvios na interpretação de seu testemunho (NORDIN, 2013). 4.2 O discurso (in)direto, a (in)visibilidade e a multiplicidade de papeis do intérprete A maioria dos autores (NORDIN, 2013; GINEZI, 2012, p. 35) defendem que a interpretação forense deve ser feita em primeira pessoa (discurso direto), almejando “minimizar a interferência do intérprete como outro sujeito do tribunal”, proporcionando, assim, a invisibilidade do intérprete. Segundo Torres (2013, p. 1), Roat, Putsch e Lucero (1997) sugerem que as vantagens da interpretação em primeira pessoa incluem o encurtamento da comunicação, a dissipação da confusão acerca de quem está, de fato, falando, e o reforço do relacionamento entre o provedor de serviços e o paciente, uma vez que, ao usar a primeira pessoa, o intérprete se posiciona como uma não-pessoa. A não-pessoa, na visão de Hsieh (apud TORRES, 2013, p. 1), é quando “o intérprete cria a ilusão de uma comunicação diádica entre paciente e médico”, e, no caso da interpretação forense, essa ilusão de comunicação seria entre juiz e acusado/testemunha. Por que ilusão diádica? Pois, como bem explica Aubert (1983, p. 26), e aplicando isso à Teoria da Interpretação, (...) os participantes mais diretos da relação tradutória são o ReceptorTradutor, o Emissor-Tradutor e o Receptor-Intermediário. Aqui, novamente, ocorre um desdobramento de papeis, apesar de o tradutor constituir, em ambos os papeis, a mesma entidade psicofísica. Como Receptor, o tradutor pode ser entendido, num primeiro momento, como mais um dos destinatários da mensagem original. E, efetivamente, o tradutor pode ter sido, em algum momento anterior do passado imediato, próximo ou remoto, exatamente isso. Observamos então que, na realidade, o intérprete é o primeiro efetivo receptor da mensagem original, e, como não é, de fato, o destinatário final, acaba se tornando uma nãopessoa. Em outras palavras, ele está ali, mas é como se ele não estivesse. Para Passos (2010, p. 121), o intérprete é visto como uma voz neutra, uma presença transparente. Na teoria da tradução, percebemos processo semelhante chamado de “apagamento”40, ou mesmo invisibilidade. Entretanto, segundo Aubert (1993, p. 80-81), até mesmo quando o intérprete pretende e se esforça ser invisível, isso não se faz possível. Mesmo a tentativa de apagamento – que, de fato, nada mais pode pretender do que ser uma tentativa, através do persistente esforço de colocar-se “no lugar do outro” – constitui, além de um objeto inalcançável na sua plenitude, uma opção pessoal do tradutor, e, portanto, em última análise, o texto traduzido portará as marcas dessa opção pessoa. Mas aqui apresentamos um questionamento: por que há tanta necessidade de que o intérprete seja invisível? O intérprete não estará realizando bem seu ofício se for parte ativa em uma audiência? Sua visibilidade prejudicará o andamento da audiência? Porventura não há situações que justificam o emprego da terceira pessoa na interpretação forense? Precisamos desmistificar a ideia de que o intérprete sempre deve estar numa posição invisível e sempre deve utilizar a primeira pessoa. Isso pode variar de acordo com a situação e a necessidade. Não significa que o intérprete irá interferir inoportunamente, dar sua opinião ou prejudicar a comunicação de qualquer forma. A intervenção que existir deverá ter como objetivo promover o melhor entendimento entre as partes. Mittmann (1998, p. 227) faz uma boa proposta sobre o tema no campo da tradução, e que podemos aplicá-lo ao da interpretação: 40 “tanto Hermans como Hattnher constestam na concepção tradicional sobretudo a negação da voz do tradutor, a exigência do apagamento desta voz e a ilusão de que a “boa” tradução é aquela em que se ouve nitidamente a voz do autor, sem a interferência da voz não autorizada do tradutor” (MITTMANN, 1998, p. 226227). se na perspectiva tradicional tínhamos o autor como o senhor que dita o texto, e o tradutor como mero reprodutor; na perspectiva discursiva, não se trata de o tradutor ocupar o lugar de senhor, capaz de produzir sozinho um texto seu com base no texto do outro. Na perspectiva discursiva, o tradutor é um lugar no discurso, ou ainda, é uma posição enunciativa, que se divide em várias posições-sujeito no discurso e, portanto, no texto da tradução. Desta forma, o intérprete encontra-se nesse lugar intermediário, nem como mero reprodutor, nem como senhor do discurso, promovendo o interdiscurso – o sentido do que o intérprete ouviu e o que do intérprete interpretou. Voltando à questão do uso da primeira pessoa na interpretação, há situações em que esse uso “causa confusão ou pode ser culturalmente inaceitável”41 (nossa tradução) por causar constrangimentos (OKAHARA, 2012, p. 34), que é o caso da interpretação forense. Podemos imaginar, por exemplo, um réu que confessa o estupro de uma criança, ou um acusado que confessa transportar entorpecentes nas partes íntimas. Essas situações implicariam, caso fosse utilizada a primeira pessoa, numa identificação inadequada e desnecessária entre intérprete e acusado. Novais Neto (2209, p. 124) aponta que muitas vezes, esse distanciamento é proposital: Escrivão: filiação Intérprete: your parents’ name? Acusado: abdallah ayoub my father Intérprete: abdallah ayoub o pai Acusado: rukia ramaddhan my mother Intérprete: could you repeat that? Acusado: ramaddhan Intérprete: Rukia Ramaddhan a mãe (NOVAIS NETO, 2009, p. 122) Destarte, essa constatação revela questões bem peculiares da atuação ativa do intérprete: o distanciamento proposital entre o discurso do acusado e o seu. Ora, a fala do intérprete marca de forma acentuada que o “pai” é do acusado. Assim, fica evidente que a mediação do intérprete foge do paradigma da fidelidade postulado pelos discursos de que o tradutor diz em outra língua exatamente o que seu interlocutor fala (NOVAIS NETO, 2009, p. 124). Além disso, alguns autores dizem que a interpretação feita em primeira pessoa deve imitar tudo o que emissor faz: tom de voz, gestos, tipo de linguagem, etc. Ora, isso pode causar situações extremamente jocosas, não cabíveis a um tribunal, primeiramente por 41 switching to the third-person voice (…) when the first person form causes confusion or is culturally inappropriate for either or both parties. envolver aspectos inerentes a cada pessoa. Algumas gostam de gesticular, têm emoções fortes, choram, gritam. O intérprete não é um ator, embora também não seja um robô. Em segundo lugar, por questões culturais. Algo aceito formalmente em um país pode não ser aceito em outro. Assim, o intérprete não tem a necessidade de imitar literalmente o discurso (e outras questões extralinguísticas), especialmente no que tange as variantes linguísticas. A proposta de Gile (1995, p. 31) é a seguinte: Enquanto o intérprete fala em primeira pessoa, isto é, tanto quanto ele(a) formalmente se identifique com o falante, e, enquanto o tradutor escreve um texto que será tomado pelo receptor como uma versão fiel na línguaalvo do texto no idioma original, há uma obrigação ética de adotar o princípio da fidelidade do falante. Se o tradutor atua de outra forma, ele(a) deve deixar claro para o receptor, por exemplo, falando na terceira pessoa ("Sr. Fulano de Tal diz que..."), ou deixando claro de outra forma que a tradução é um relato do texto do remetente ao invés de uma versão na língua-alvo deste texto42. Há autores que dizem que se o emissor utilizar uma linguagem “caipira”, o intérprete deve fazer o mesmo. Pergunta-se: qual a linguagem “caipira” que intérprete deve usar? É algo extremamente subjetivo, e qualquer uma dessas linguagens não causará o mesmo efeito da linguagem do emissor, já que os referentes são diferentes. Nordin (2013) defende esta ideia, por exemplo, quando o interrogado usa “gramática incorreta ou discurso vulgar”. Segundo ela, “a interpretação deve ser tão fiel quanto seria com qualquer outra testemunha”. Questionamos: que tipo de gramática incorreta o intérprete deve usar a fim de ser fiel? Além disso, se o objetivo da comunicação é entender e fazer-se entender, como esta questão, que pode ser uma barreira, vai ajudar na comunicação? Embora o intérprete não deva melhorar o discurso de ninguém, este é um ponto que vai além da vontade do próprio emissor. Aqui o objetivo do intérprete não é o de embelezar a fala do emissor, e sim tão somente transmitir a mensagem. Ora, se uma pessoa não conhece a norma padrão da língua ela não terá direito a ser interpretada? Ginezi (2012, p. 35) ainda defende que “para que essa regra [interpretação em primeira pessoa] seja utilizada, o intérprete deverá, logo de início, informar esse detalhe a todos os participantes da atividade do tribunal, visto que gera confusões para quem não a 42 My own view is that as long as the interpreter speaks in the first person, that is, as long as he or she formally identifies with the speaker, and as long as the translator writes a text that will be taken by the Receiver as a faithful target-language version of the source-language text, there is an ethical obligation to adopt the Senderloyalty principle. If the translator acts otherwise, he or she should make it clear to the receiver, for instance by speaking in the third person (“Mr. So-and-So says that…”), or by making clear in another way that the translation is an account of the Sender’s text rather than a target-language version of this text. conhece”. Aqui verificamos que o intérprete, provavelmente, é o único que conhece a regra. Não seria mais fácil ele se adequar à audiência ao invés do contrário? Se essa atitude poderá causar confusão para as pessoas ali presentes, por que é tão necessária utilizá-la? Iria comprometer o seu trabalho? A confusão será maior ainda quando o intérprete interpretar como primeira pessoa ora o juiz, ora o acusado, ora a testemunha, ora ele mesmo como mediador ou conciliador, fazendo intervenções. Causaria uma situação estranha, mesmo para quem conhece a regra, visto que ele estaria interpretando, na mesma interação, duas ou mais pessoas distintas, inclusive, ele mesmo. Assim, os envolvidos poderiam confundir o discurso do próprio intérprete com o que ele está representando. A solução apontada por Nordin (2013) é extremamente abstrusa: em audiência, a prática mais comum é o intérprete referir-se si mesmo na terceira pessoa do singular, para que fique registrado nos autos que não está interpretando um testemunho, mas falando como profissional. Em situações menos formais, ainda que a prática se torne natural fora de audiência (como em uma entrevista reservada entre defensor público e réu, bem como em depoimentos da testemunha), o intérprete pode simplesmente parar e mudar o seu tom de voz, e depois falar na primeira pessoa – talvez apontando para si mesmo e dizendo “Eu acredito que a testemunha estava se referindo...”. Essa técnica talvez fira o princípio da consistência na interpretação. Outra questão é como se daria seu deslocamento, já que a cada momento estaria interpretando uma pessoa diferente. Não há como o intérprete ficar se movendo na audiência; ele ficaria num lugar fixo, geralmente, ao lado do acusado. Por isso a dificuldade em estabelecer o discurso pertinente a cada um. É bem verdade que no caso de dois intérpretes essa situação seria mais simples. Para Okahara (2012, p. 38), o objetivo do uso da terceira pessoa é o de facilitar a comunicação. Não seria esse o objetivo da interpretação forense? Por fim, acrescenta que “se isso não estiver ocorrendo, os intérpretes devem ser flexíveis e considerar o emprego da terceira pessoa” (nossa tradução)43. Torres (2013, p. 3) conclui que o tema é complexo, e apesar de a teoria ter “solidamente estabelecido que a interpretação consecutiva deve ocorrer em primeira pessoa, a prática revela que há exceções a essa regra e que, mesmo em situações não excepcionais, muitos intérpretes experientes preferem o emprego da terceira pessoa”. No 43 Keep in mind that the purpose of using first-person voice is to facilitate communication. If it is not effective in doing so, interpreters should be flexible and consider switching to third-person voice. Brasil, o que ocorre na prática é o uso da terceira pessoa na interpretação consecutiva e intermitente, conforme os estudos de Novais Neto (2009) apontam. Esse é o ideal. Ao se anunciar, ele [acusado] direciona sua fala ao intérprete, o que torna esse ato bastante significativo neste evento social: a visibilidade do intérprete de tribunal. Essa é uma das características mais notáveis atribuídas a esse profissional, cuja função é de ser mediador na tomada de depoimentos de estrangeiros no Brasil. Ao se dirigir ao intérprete, o acusado reforça uma considerável peculiaridade do papel do seu interlocutor, o que mostra aos outros participantes da audiência, a identidade social e lingüística do profissional bilíngüe. A característica da visibilidade do intérprete parece ser peculiar dos tribunais de justiça brasileiro porque, segundo constam em Berk-Seligson (1990:239-270) e Hale (2004:196), a fala do depoente não é direcionada ao intérprete conforme demonstradas nas transcrições das audiências feitas a partir da tomada de depoimentos de estrangeiros falantes do idioma espanhol em alguns tribunais americanos (NOVAIS NETO, 2009, p. 156). Podemos vislumbrar apenas uma exceção para essa regra, que é no caso da interpretação simultânea, em que seria difícil o intérprete utilizar a terceira pessoa, embora não impossível, já que as falas são muito rápidas e não há espaço para perguntas e pausas. Mas, nessa situação, o discurso de cada interlocutor ficaria bem marcado, e o intérprete, ao estar numa cabine, distanciar-se-ia ainda mais desses discursos, causando relativamente menos confusão do que se estivesse ali presente. Ainda assim, o intérprete deverá explicar ao acusado que irá incorporar o papel do falante. Mas o intérprete, embora utilize a terceira pessoa, não deixa de ter um papel ativo na audiência. Segundo Venuti (1995, p. 13), “tradução é uma produção ativa de um texto que se assemelha ao texto original, mas que mesmo assim transforma”. Considerando que a interpretação também é chamada de tradução oral, podemos perceber o papel ativo do intérprete no momento da escolha subjetiva das palavras (atrelada ao discurso), nas intervenções que faz durante o processo interpretativo (ex. perguntas, esclarecimentos), nas equivalências utilizadas, entre outros. Segundo Aubert (apud CHANUT, 2012, p. 57), “as modalidades de equivalência são aquelas em que a atuação, interferência e coautoria do tradutor tornam-se mais visíveis”. Não acreditamos que o uso da terceira pessoa provoque a invisibilidade do intérprete, já que, utilizando a primeira ou terceira pessoa, a interferência e as escolhas linguísticas serão as mesmas, e a opinião pessoal, nos dois casos, são desconsideradas. Vejamos um exemplo nos diálogos abaixo, considerando que no primeiro foi utilizado o processo de invisibilidade, e no segundo o intérprete foi visível, tendo um papel ativo: Diálogo 1 Promotor: Sir, would you state your name, please? Intérprete: Señor, dé su nombre por favor. Testemunha: Roberto Quesada Murillo. Intérprete: Roberto Quesada Murillo. Promotor: Where were you born? Intérprete: ¿En dónde nació? Testemunha: En Saltillo. Intérprete: In Saltillo. Promotor: And of what country are you a citizen? Intérprete: ¿De qué país es usted ciudadano? Testemunha: ¿Cómo? Intérprete: Uh, what´s that? Promotor: And of what country are you a citizen? Intérprete: ¿De qué país es usted ciudadano? Testemunha: De México, señor. Intérprete: Of México, sir. (BERK-SELIGSON apud NOVAIS NETO, 2009, p. 131-132) Diálogo 2 Escrivão: estado civil? Intérprete: marital status? Acusado: what? Intérprete: are you married? Acusado: I am married.. with two kids Intérprete: ok ele é casado.. com duas crianças (NOVAIS NETO, 2009, p. 118) Ao fazermos uma breve comparação, podemos notar que quando o intérprete tem um papel ativo (diálogo 2), coloca-se não só como mediador entre as partes, mas busca solucionar conflitos linguísticos e interpretativos, ou seja, também tem o papel de conciliador, resultando numa maior eficiência e rapidez no processo comunicativo. O intérprete tem essa autonomia (vinculada à necessidade), visto que é o único capaz de entender as duas línguas e proporcionar a devida comunicação entre as partes. Ele é o perito. Podemos, assim, comparar a figura do intérprete ao mediador e ao conciliador. Utilizamos, em termos de definição, o Anteprojeto do Código de Processo Civil, que está em processo de aprovação44: Art. 145. (...) § 1º O conciliador poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. § 2º O mediador auxiliará as pessoas interessadas a compreenderem as questões e os interesses envolvidos no conflito e posteriormente identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo. Percebemos, então, que o intérprete tem o papel não só de mediador, pois auxilia o juiz e o acusado a resolverem questões de comunicação, mas também de conciliador, pois faz intervenções a fim de propor soluções para os impasses linguísticos e culturais. 44 Até o momento, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou o texto-base da parte geral do novo Código de Processo Civil (PL 8046/10, apensado ao PL 6025/05). Ainda devemos lembrar que muitas vezes o estrangeiro não compreende a mensagem não por culpa do emissor, mas porque ao intérprete utilizar algum artifício – a literalidade ou uma linguagem muito formal, por exemplo – pode ter havido algum ruído na comunicação entre este e o destinatário, não sendo necessário expor essa deficiência ao emissor, apenas devendo-se procurar saná-la. Vejamos o depoimento de um intérprete forense sobre a questão: (...) o papel complexo do intérprete dos tribunais não se restringe a dificuldades inerentes ao próprio processo de interpretação, mas manifesta-se também na contradição fundamental entre a definição do seu próprio papel como intérprete, a maneira como os participantes do Tribunal o percebem e o seu real papel na prática. Em tese, a atividade de interpretação supõe que o intérprete ocupe um lugar à parte, neutro, porém, o exercício desta atividade tem me mostrado, como intérprete, que esse lugar não é tão neutro como se supõe. Pelo contrário, na prática, a idéia de invisibilidade do intérprete é que parece estar em xeque (NOVAIS NETO, 2009, p. 9). Uma outra questão interessante é trazida por Hattnher (apud MITTMANN, 1998, p. 229-229) quanto à heterogeneidade do tradutor (também chamado de transmorfo), ou seja, a pluralidade de identidades que o tradutor assume ao tomar a forma dos autores que traduz, sem perder sua identidade. Esse processo se torna claro na audiência, pois o intérprete interpreta diferentes personalidades: o juiz, o promotor, o escrivão, a testemunha, o acusado, entre outros. O tradutor não pode ser a primeira ou a segunda pessoa, ou mesmo a terceira "pessoa" sem incômodos. Inevitavelmente, a tradução introduz uma instabilidade nas relações pessoais hipotéticas entre os agentes do discurso, quer se esteja escrevendo, ouvindo ou lendo. O tradutor fica internamente dividido e múltiplo, destituído de uma posição estável, sendo, no máximo, um sujeito em trânsito (ABUARAB apud TORRES, 2013, p. 2). Desta forma, apreendemos que essa multiplicidade de papeis do intérprete pode gerar certa confusão ao utilizar a primeira pessoa. Por fim, é justamente pelo fato de o intérprete ter todo o conhecimento técnico necessário para realizar a interpretação, diferentemente, inclusive, do juiz, e não ter, em tese, nenhum superior para avaliar sua execução, que Novais Neto (2009) o considera peritus peritorum, ou seja, o perito dos peritos. 4.3 Modalidades de interpretação utilizadas pelo intérprete forense De acordo com Ginezi (2012, p. 34), as modalidades de interpretação mais utilizadas pelo intérprete forense são a consecutiva e a sight translation. No trabalho apresentado por Novais Neto (2009), podemos observar que na maior parte das interpretações foi utilizada a interpretação intermitente e consecutiva. Ginezi (2012, p. 34) ainda acrescenta que a modalidade de interpretação deve ser selecionada pelo juiz, que escolhe conforme a disponibilidade dos aparatos profissionais que o Estado dispõe. Acreditamos que a modalidade pode ser escolhida por um acordo entre juiz e intérprete, pois o juiz não entende das questões técnicas necessárias para a interpretação. No caso de haver cabine para simultânea, é imprescindível que todas as falas sejam gravadas para eventual posterior contestação; mas as salas de audiência no Brasil sequer estão preparadas para atender este tipo de situação. Não são projetadas com equipamentos de interpretação nem cabine. Por interpretação consecutiva entendemos que é “aquela em que o intérprete escuta um longo trecho de discurso, toma notas e, após a conclusão de um trecho significativo ou do discurso inteiro, assume a palavra e repete todo o discurso na língua-alvo, normalmente a sua língua materna” (PAGURA, 2003, p. 211). Ginezi (2012, p. 35) complementa que “há outras técnicas de memória que podem ser utilizadas na interpretação consecutiva como, por exemplo, a associação de imagens para relatos de fatos, dentre outras”. A interpretação consecutiva é utilizada, por exemplo, no momento em que o juiz está fazendo a abertura da audiência, chamando o acusado e explicando os seus direitos e deveres para aquela circunstância de julgamento. O exemplo abaixo foi retirado da pesquisa de Novais Neto (2009, p. 62): Juiz: ((aos intérpretes)) a denúncia para o acusado.. entretanto irei resumir a denúncia para que os senhores possam... transmitir ao acusado.. os termos da acusação... o acusado aqui presente.. K. .. D. ... gostaria que perguntasse a ele... antes de perguntar/ pergunto a ele/ não informe a ele por obséquios que ele tem o direito CONSTITUCIONAL a permanecer em silêncio Intérprete: you don’t need to answer the questions.. but.. your silence will be understood to the detriment of your defense Segundo Ginezi (2012, p. 34), “durante uma audiência (...) em que o estrangeiro está sendo interrogado, o intérprete utilizará o modo consecutivo, ouvindo todo o discurso do estrangeiro, e só interpretando após a conclusão, para não causar interferência”. Não obstante, a interpretação consecutiva traz consigo um problema: as interrupções feitas para o intérprete interpretar acabam diminuindo a carga emocional das palavras do falante, interrompendo sua linha de raciocínio e minimizando seu impacto. Outra crítica que se faz é que ela permite que haja uma mudança no depoimento, ou seja, criações e omissões de frases interpretadas. Na interpretação simultânea, os intérpretes – sempre em duplas – trabalham isolados numa cabine com vidro, de forma a permitir a visão do orador e recebem o discurso por meio de fones de ouvido. Ao processar a mensagem, re-expressam-na na língua de chegada por meio de um microfone ligado a um sistema de som que leva sua fala até os ouvintes, por meio de fones de ouvido ou receptores semelhantes a rádios portáteis (PAGURA, 2003, p. 211). Algumas vezes ela é utilizada no decorrer da audiência, quando o intérprete faz a interpretação dos procedimentos legais para o acusado, ou para interpretar testemunhas. Deve-se ter o cuidado de se o intérprete realmente é capaz de fazer esse tipo de interpretação, pois boa parte do discurso pode se perder no caminho. Já na interpretação intermitente, “o palestrante fala uma ou duas frases curtas e faz uma pausa para que as suas sentenças sejam traduzidas para o idioma da platéia” (PAGURA, 2003, p. 212). A interpretação intermitente é muito utilizada nos momentos de interrogatório, em que as falas são curtas: Juiz: estado civil? Intérprete: marital status? Acusado: what? Intérprete: are you married? Acusado: I am married with two kids Intérprete: ok ele é casado com duas crianças Juiz: data de nascimento? Intérprete: your birth date the date of your birth Acusado: eleven june nineteen sixty eight Intérprete: onze de junho de mil novecentos e sessenta e oito (NOVAIS NETO, 2009, p. 192) A sight translation, que á a tradução à prima vista, é utilizada na leitura de documentos essenciais para o processo, como por exemplo: leitura dos termos de interrogatório (GINEZI, 2012, p. 34), leitura de intimações e citações, denúncia, entre outras (NORDIN, 2013). Sempre que houver um documento a ser traduzido simultaneamente no decorrer da audiência, o intérprete deve aguardar instruções para lê-lo em voz alta na língua-alvo, pois, na maioria das vezes, o magistrado, ciente da dificuldade em fazê-lo durante a audiência e de que o intérprete pode pedir um breve recesso para uma leitura prévia do documento, poderá querer saber se esse documento realmente trata do assunto abordado na audiência, podendo ou não ser anexado aos autos do processo como material probatório (NORDIN, 2013). Aqui cabe citar um cuidado. O intérprete “deve, no entanto, respeitar o registro do texto, para que o réu ou testemunha não tenham privilégios de informação, caso o intérprete resolva “explicar” melhor o texto escrito” (GINEZI, 2012, p. 35), sem esquecer, sobretudo, de considerar as diferenças peculiares de cada cultura, observando o direito à informação. Pode ocorrer de o juiz solicitar ao intérprete que traduza algum documento, mas o intérprete não tem obrigação de fazer a tradução. Só deve aceitar a tarefa se se sentir habilitado para tal, e se o documento for curto (NORDIN, 2013). Rosado (2013) ainda apresenta que nos Estados Unidos é comumente utilizada a interpretação “consecutânea”. A pergunta do advogado é interpretada simultaneamente por um intérprete sentado (ou em pé) ao lado da testemunha, e a resposta é interpretada de forma consecutiva pelo mesmo intérprete. Outros tribunais estão usando um intérprete para a interpretação da pergunta de forma simultânea, com a ajuda de equipamentos de interpretação, e um segundo intérprete, sentado (ou em pé) ao lado da testemunha, que interpreta as respostas de forma consecutiva. (...) Pelo que eu tenho ouvido, os juízes e os serventuários da Justiça gostam da interpretação consecutânea porque economiza muito tempo de julgamento, já que o tempo da interpretação consecutiva é completamente eliminado (nossa tradução)45. Entretanto, uma crítica que o mesmo autor faz sobre esse tipo de interpretação é que ele acredita que as testemunhas merecem ter o melhor acesso possível à língua de origem por meio da interpretação simultânea. 4.4 Considerações especiais sobre recursos tradutórios Padronização46 “O intérprete adapta o discurso do acusado ao padrão culto da língua inglesa, ao utilizar uma forma/estrutura lingüística própria da língua inglesa” (NOVAIS NETO, 2009, p. 5- 45 The attorney’s question is interpreted simultaneously by an interpreter sitting (or standing) next to the witness and the answer is rendered consecutively by the same interpreter. Other courthouses are using one interpreter for the simultaneous interpretation of the question, with the help of interpretation equipment, and a second interpreter, sitting (or standing) next to the witness, who renders the answers consecutively. 46 Já falamos sobre este tema no tópico “adequação”, do capítulo sobre as habilidades e características do tradutor. 6). Essa adaptação não é aplicada ao discurso do acusado, mas ao discurso do juiz/escrivão que será transformado para o padrão culto da língua inglesa. Vejamos um exemplo: Escrivão: a residência Intérprete: where do you live? (NOVAIS NETO, 2009, p. 126). Aqui houve a “a transformação de uma pergunta imperativa em uma frase de uso formal em língua inglesa” (NOVAIS NETO, 2009, p. 126). Embelezamento O intérprete não deve “florear” a mensagem de nenhum dos interlocutores, nem melhorá-la, utilizando eufemismos, ocultando erros, etc. Vejamos um exemplo: Juiz: (acusados) Vocês estão no Brasil, traficando drogas, então eu sei que vocês entendem português. You speak Portuguese. (Intérprete) Doutora, agora a senhora pode traduzir isso a eles em inglês, para que não reste nenhuma dúvida. Diga-lhes, também, que eu sou a juíza aqui e que eles devem se manter em silêncio a menos que eu lhes peça para falar. Intérprete: As you live in Brazil, you probably understand Portuguese. You should remain silent unless I ask you to speak. (PASSOS, 2010, p. 128) Neste exemplo, percebemos que a atitude da juíza foi muito antiética. Primeiro, porque ela já dá o veredito antes mesmos de ouvir os acusados: “vocês estão no Brasil traficando drogas”. Em segundo lugar, porque ela diz saber que os “traficantes” sabem português. Como é possível que ela saiba disso? Os acusados participaram de alguma avaliação? Ela não tem competência para determinar esse fato. Se eles sabem português, por que precisam de intérprete? Em terceiro lugar, ela se utiliza de um pressuposto errado: não é porque alguém está no Brasil, ainda que traficando drogas, que essa pessoa sabe português. Por fim, a juíza quer enfatizar algo que já está evidente: “eu sou a juíza aqui”, provavelmente porque muitos juízes pensam viver no Olimpo, e querem mostrar a todos onde eles moram. Como Passos (2010, p. 129) declara, “há muitas evidências num tribunal que não deixam dúvidas quanto a quem ocupa o lugar de juiz”. Sem adentrar nos possíveis erros que o intérprete possa ter tido, observamos que ele estava numa situação imbrincada, pois a mesma regra que diz que o intérprete não deve “permitir que sua opinião influencie sua atuação” também diz que este deve “melhorar toda e qualquer falha da parte do juiz” (PASSOS, 2010, p. 128). Desta forma, o intérprete provavelmente se sentiu no dever de corrigir todas essas falhas, mas ele não tem competência ou conhecimento técnico necessário para melhorar as falas de juízes e advogados. Ele poderia ter sido, inclusive, processado pelo advogado de defesa. Notamos, sobremaneira, que essas falácias47 que permeiam o mundo da interpretação forense acabam por prestar um desserviço à justiça e ao país. Portanto, a regra do embelezamento também é válida para a interpretação do juiz e advogado. O intérprete não deve omitir os erros cometidos por este, nem sua eventual falta de ética, pois assim como o intérprete não deve agir como advogado do réu, este também não deve agir como advogado do juiz. A imparcialidade é válida para todas as partes. Deve haver muita cautela na escolha dos termos apropriados em sala de audiência. Se o interrogado responder algo inapropriadamente na sala de audiência (por exemplo, “arrã” em vez de “sim”), o intérprete deve absterse de converter a resposta ao que parece ser o pretendido pela pessoa. Da mesma forma, não se devem adicionar formas educadas (como dizer “Você pode, por favor, dizer ao juiz?” quando, na verdade, a frase era somente: “Diga ao juiz”). Também não se devem acrescentar palavras, como “Bem” ou “É”, no início da resposta do interrogado, assim como é inadequada a adição de frases qualificativas, como “Eu acho”, “Provavelmente” etc., caso elas não existam na língua de partida (NORDIN, 2013). É claro que a literalidade é importante, mas não é o mais importante. A comunicação se sobressai à primeira. O intérprete também deve cuidar para não atribuir sentidos que não existem no discurso do emissor, tal qual fez a juíza fez pressuposições. Vejamos um exemplo: Juiz: o senhor conhece os outros dois acusados o John Peter e o Paul Shabani .. já conhecia antes do fato ? Intérprete: do you or have you met the other two accused men Paul Shabani and.. Juiz: John Peter Intérprete: John Peter.. before the incident.. before..the CRIME let’s say..have you met them? were your friends ? were you acquainted with them ? Acusado: they are not my friends they are not my friends we met at the airport Intérprete: ele disse que eles não são amigos dele e que eles se conheceram no aeroporto Juiz: ((à escrivã)) que os outros dois acusados não são amigos do interrogando.. e que se conheceram no aeroporto (NOVAIS NETO, 2009, p. 147) 47 Passos (2010, p. 123) apresenta várias “regras” que moldam o imaginário do intérprete forense: “intérpretes devem traduzir “literalmente”, sem omitir, sem acrescentar ou fazer qualquer modificação de estilo ou conteúdo; intérpretes não devem interromper quem fala; intérpretes não devem pedir esclarecimentos quando juízes e advogados estão falando; espera-se que intérpretes preencham lacunas, melhorem falhas ou erros da parte de juízes/advogados a fim de preservar a legitimidade e confiabilidade dos rituais e atividades do sistema judiciário; espera-se que intérpretes traduzam e não interpretem, já que essa tarefa cabe a juízes e advogados”. Neste exemplo, o intérprete atribuiu o fato como crime. Isso não pode ser feito, pois fato e crime tem implicações totalmente diferentes no campo do Direito. Esclarecimento Não é adequado que o intérprete faça muitos esclarecimentos ao longo da audiência, a não ser aqueles realmente necessários, no caso, por exemplo, de um conceito ser muito diferente entre duas culturas distintas. Caso haja dúvidas em relação a algum termo, o intérprete deve perguntar diretamente ao emissor da mensagem. Discordando de Nordin (2013), não vemos a necessidade de pedir ao juiz para fazer esclarecimentos, visto que o intérprete tem a autonomia necessária para isso; ele é o perito, é quem determina o que é ou não é indispensável fazer para que a comunicação seja eficiente. Além disso, tomaria um tempo desnecessário. Esta técnica também é utilizada no processo inverso, quando o intérprete precisa explicar mais detidamente algum termo ou ideia que o interlocutor não tenha entendido. Para Novais Neto (2209, p. 6), é chamada de explicitação: “o intérprete adiciona palavras ou enunciados para obter informação do acusado ou até mesmo para explicar melhor o que se pretende que ele responda”. Contudo, se o discurso do acusado for completamente sem sentido, de modo que o intérprete nada consiga absorver, reportará o fato ao juiz, já que a interpretação pressupõe a compreensão da mensagem. Não deve, portanto, “se empenhar para declarar exatamente o que o interrogado pronunciou, independentemente de quão ilógica, irrelevante, ambígua ou incompleta a afirmação possa parecer” (NORDIN, 2013). Omissão O intérprete não deve omitir nenhuma parte do discurso, mesmo quando este for antiético ou desrespeitoso. Novamente discordando de Nordin (2013), a única exceção é o caso de linguajar não adequado, utilizando palavras de baixo calão. O intérprete, a fim de preservar a formalidade e o respeito na audiência, poderá reportar este fato ao juiz se não quiser fazer a tradução literal dos termos, a menos que seja solicitado. Ou ainda, utilizar abreviaturas, como por exemplo: “ele disse que o senhor é um fdp”. A questão da formalidade é algo institucionalizado, superior à vontade do juiz e do intérprete. No entanto, a omissão, para mais ou menos, ou seja, omite um número menor ou maior de palavras, indica que o intérprete tenta facilitar a sua atividade enquanto profissional, o que reforça a sua figura ativa, no sentido de que se espera dele objetividade e exatidão naquele contexto, no entanto, ao usar essa estratégia, ele rompe essas expectativas e constrói, sucintamente, uma forma breve de comunicação na interação com o juiz e acusado (NOVAIS NETO, 2009, p. 6). Repetição de palavras Muitas vezes a repetição de palavras gera um novo sentido ao discurso. Ex. eu... eu... não sei (dúvida). Nesse caso, o intérprete deverá interpretar cada palavra, ou de alguma forma exprimir essa dúvida na interpretação. Aqui novamente discordamos de Nordin (2013), pois no caso de ser uma redundância que não afeta nenhum elemento do discurso, o intérprete não precisará repeti-la, até porque sabemos que uma das modalidades de interpretação mais utilizadas é a consecutiva. Sendo assim, seria impossível repetir exatamente cada palavra. Obviamente, se o acusado tiver alguma patologia fisiológica ou psicológica, por exemplo, gagueira, o intérprete não precisa reproduzi-la (NORDIN, 2013). Ratificação “O intérprete confirma, certifica-se da resposta do acusado ou do juiz no intuito de efetivar seu trabalho com mais propriedade” (NOVAIS NETO, 2009, p. 6). Simplificação “É utilizada para adaptar enunciados complexos, peculiares ao discurso jurídico” (NOVAIS NETO, 2009, p. 6). Esta técnica adapta enunciados complexos, que já fazem parte do discurso jurídico (normalmente), a uma linguagem menos formal. Síntese É o que resume o discurso, muito utilizado na interpretação consecutiva. 4.5 O elemento discursivo e a (in)fidelidade e a (im)parcialidade do intérprete Sabemos que o intérprete não deve dar a sua opinião durante a interpretação. Esse princípio já é válido para qualquer modalidade de interpretação. Vejamos um exemplo em que o intérprete dá sua opinião de forma indevida, podendo comprometer de certa forma o julgamento: Escrivão: a residência Intérprete: where do you live? Acusado: I give the address? Intérprete: yes please Acusado: box five four five nine Intérprete: box seria caixa quatro cinco quatro nove Acusado: five four five nine Intérprete: oh sorry ok cinco quatro cinco nove Acusado: Tanga Tanzania Intérprete: em Tanga Tanzânia Escrivão: seria é Intérprete: tipo caixa postal Escrivão: caixa postal Intérprete: cinco quatro cinco nove caixa postal cinco quatro cinco nove em Tanga Tanzânia Neste exemplo, o intérprete, ao exercer um papel ativo, procurou resolver as dúvidas de comunicação, por exemplo, ao confirmar que o que o escrivão estava requerendo quando perguntou “residência” poderia ser interpretado como “endereço” pelo acusado. Em seguida, notamos um erro de interpretação que foi posteriormente retificado. O problema encontra-se na interpretação do intérprete para o termo “box five four five nine”, que embora pudesse ser inferido como “caixa postal”, o contexto estava um pouco confuso, e não é de sua competência avaliar se o termo “box” realmente se refere à caixa postal por não ter ficado explícito. Essa dúvida poderia ser dirimida com uma simples pergunta: “what do you mean by box?” ou “do you mean box by P. O. box?”. Isso porque se esses números não equivalerem à caixa postal propriamente dita, o intérprete poderá ser responsabilizado. Na visão de Passos (2010, p. 117), “a ilusão48 do domínio sobre os conteúdos interpretados a partir do contato entre duas línguas produz efeitos, de modo particular, na Interpretação Forense”. Segundo Morris (apud PASSOS, 2010, p. 120) “a lei pressupõe não haver desvios no processo de interpretação. Tal crença permite ao tribunal funcionar efetivamente como um cenário monolingue, onde o que se declara na língua estrangeira, 48 A autora entende essa ilusão como sendo necessária (PASSOS, 2010, p. 125). quando traduzido para a língua-alvo, torna-se o texto original”49. É exatamente isso que ocorre no contexto brasileiro. O termo [de compromisso] dita textualmente que o intérprete “[...] aceitou com zelo e probidade o compromisso de bem e fielmente traduzir dos idiomas inglês para o português, vice-versa, perguntas e respostas [...]”; “[...] foi deferido o compromisso legal, que aceitou, de bem e fielmente, sem dolo nem malícia, servir como intérprete na presente ação penal” ou “[...] foi nomeado para traduzir para o idioma português as perguntas da autoridade e as respostas de (nome do acusado) [...], a autoridade lhe deferiu o compromisso legal de bem e fielmente desempenhas as funções [...]. E, como tudo prometeu cumprir, sem dolo nem malícia” (NOVAIS NETO, 2009, p. 41)50. O Código de Processo Civil brasileiro, em seu art. 147, diz: “o perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, responderá pelos prejuízos que causar à parte (...)”. Aqui podemos evidenciar o elemento culpa, ou seja, o erro do intérprete (“informações inverídicas”) realizado de forma não intencional pode ser penalizado. Apreendemos, assim, a existência, por um lado, de uma visão de língua como entidade transparente, sem equívocos ou desvios e, por outro, de uma concepção de significado como algo passível de ser plenamente alcançado entre os textos de saída e de chegada e, nesse caso, a tradução palavra por palavra não só é possível como desejável. O “produto” do processo de interpretação é quase sempre tomado em relação de equivalência com o enunciado original e, portanto, válido legalmente. Dessa forma, a língua alvo iguala-se (precisa igualar-se) à língua original, pela própria razão de ser do sistema judicial. Dito de outra forma, a Interpretação que se dá num tribunal não pode se constituir em forma de equívoco; não são permitidos ruídos, ou desvios. O sistema judicial não pode tolerar a presença de um “corpo estranho” à sua prática. Ele deve funcionar, para sua própria sobrevivência, como um “cenário monolíngue” (PASSOS, 2010, p. 120). Assim, podemos verificar que se exige do intérprete uma precisão total, como se toda e qualquer equivalência fosse totalmente compatível e possível. Mas o que seria essa equivalência? Dubuc (apud CHANUT, 2012, p. 57) explicita: há equivalência “quando o termo na língua de chegada exibe uma identidade completa de sentidos e de usos com o termo da língua de partida, no interior de um mesmo domínio de aplicação”. Segundo este 49 the law assumes that no deviation is taking place in the interpreting process. This belief enables the court to function effectively as a monolingual setting, and what is stated in the foreign language when translated in the target language, becomes the original text (tradução de Deusa Passos). 50 Observamos que a fidelidade também é elemento de termos de compromisso (oath) nos EUA: “You do swear that you will truly and impartially interpret to this witness [defendant] the oath about to be administered to the witness [defendant], and the testimony the witness [defendant] shall give relative to the cause now under consideration. So help you God” (MINNESOTA SUPREME COURT, 1999, p. F-2). autor [Dubuc], essa equivalência perfeita só seria possível se fossem observados três critérios entre os termos: identidade de sentido, de nível sociolinguístico e de uso. Como já dissemos antes, o intérprete é equiparado ao perito judicial. Por conseguinte, não pode cometer erros, e caso isso ocorra, serão de sua responsabilidade, somente. Interessante notar que a visão de fidelidade é compartilhada pelo próprio intérprete. Passos (2010, p. 122) apresenta um estudo sobre o tema a partir de entrevistas feitas com diversos intérpretes: A imagem que o intérprete tem de si mesmo: alguém capaz (e com o dever) de compreender e traduzir tudo literalmente, com fidelidade. Somente ele e outros intérpretes podem avaliar as dificuldades da profissão. A imagem que o intérprete tem de seu ouvinte: alguém que depende dele (pois não conhece a língua) e confia em seu profissionalismo e eficiência. A imagem que o intérprete pensa que o ouvinte tem dele (intérprete): Alguém extremamente articulado, conhecedor profundo das duas línguas, possuidor de mente e memória privilegiadas, além de muito inteligente. A imagem que o intérprete tem da atividade de interpretação: atividade que requer alto grau de especialização e habilidades técnicas, que não pode ser exercida por qualquer pessoa; requer dom. A imagem que o intérprete pensa que o ouvinte tem da atividade de interpretação: atividade que requer alto grau de especialização e habilidades técnicas, que não pode ser exercida por qualquer pessoa; requer dom. Vejamos um exemplo: Intérprete: ok everything is going to be ah.. written.. put into the computer.. and if you think that for example I am not for such/ some reason I’m not ah.. saying exactly what you wanted me to say so you just interrupt me and you make it CLEAR and then we can put all the information there in the computer ok? because our intention is to.. make a faithful reproduction of what you say Acusado: thank you (NOVAIS NETO, 2009, p. 219) Apesar de não termos a fala anterior do juiz, pelo discurso do intérprete podemos inferir que este acredita ser possível a interpretação fiel. É importante salientar que tanto o juiz quanto o procurador da República acreditarão inteiramente na interpretação do testemunho para tirar conclusões sobre credibilidade do interrogado e calcular o peso relativo de suas declarações. Da mesma forma, o advogado de defesa tomará decisões em relação ao réu e procederá em audiência para elaborar a melhor defesa confiando na interpretação que está sendo realizada (NORDIN, 2013). Os advogados também detêm essa visão do intérprete, exigindo que este “traduza, não interprete”, como se fosse possível traduzir palavra por palavra, encontrando sempre uma forma linguística adequada para a língua de partida, expressando o original de forma completa, sem nenhuma perda (COLLIN apud PASSOS, 2010, p. 123-124). O jurista Rosa (1999, p. 317) declara que “a tradução deverá ser feita palavra por palavra, e não através de resumo” (podemos inferir que ele descarta a interpretação consecutiva). Obviamente, os advogados tomam por traduzir o ato de verter uma língua em outra, e o ato de interpretar como extrair significado de algo, colocando suas próprias impressões. Em outras palavras, não compreendem a visão técnica sob o ponto de vista da tradução e interpretação. Imaginariamente concebido para atuar como mero condutor de palavras, o intérprete é levado a encaixar-se no papel de agente objetivo e neutro. Toda escolha linguística está sob escrutínio dos interlocutores, podendo, por vezes, ser classificada como erro, sinal de negligência, ou ainda, ousadia. O princípio de neutralidade e desprendimento talvez esteja pressuposto na interpretação forense (Baker, 1998:34). O esforço do intérprete ao procurar “traduzir e não interpretar” é “interpretado” pelas autoridades que habitam o tribunal como sinal de “profissionalismo”. A crença em sentidos fornecidos a priori (o já-lá) alimenta a prática de certa “domesticação”51 de sentidos no contexto jurídico. As autoridades do sistema judicial (juízes, advogados, promotores), ao acreditarem ser o papel do intérprete de natureza meramente técnica (transferir sentidos, palavras de uma língua à outra), buscam exercer controle sobre a interpretação (tradução oral). Essas autoridades (e não os Intérpretes) estariam, assim, legitimadas a interpretar (atribuir sentidos) (PASSOS, 2010, p. 124-125). Embora a teoria enfatize a importância da fidelidade e imparcialidade do intérprete, e ele mesmo acredite que isso é possível, será que é isso o que realmente acontece? É possível ser totalmente fiel e imparcial? Geralmente é essa a ideia a que somos levados a crer: “somos condicionados a tomar a voz do intérprete como um “portador” sem substância própria, um veículo virtualmente transparente. Qualquer coisa que fuja a essa transparência é considerado ruído”52 (HERMANS apud PASSOS, 2010, p. 114). Estudos no campo da tradução, preconizados por Aubert, demonstram que a total fidelidade e imparcialidade é impossível em sua totalidade. Segundo o autor, a interação comunicativa envolve três tipos de mensagens: a mensagem pretendida constitui aqui que o emissor ‘quis dizer’, ou seja, a sua intenção comunicativa. A mensagem virtual compõe-se do conjunto de leituras possíveis a partir da expressão linguística efetivamente gerada. A mensagem efetiva é aquela que se realiza na recepção, no destinatário, condicionada em parte pela expressão linguística, em parte pelo saber e pela interação receptiva do interlocutor (AUBERT, 1993, p. 73). 51 “a domesticação visa à facilitação da leitura, ou seja, privilegia os valores culturais da língua-alvo em detrimento do texto estrangeiro, enquanto a estrangeirização privilegia o contexto fonte, ou seja, mantém as características linguístico-culturais do texto de partida” (DAROS, 2012, p. 84). 52 we have been conditioned to regard the interpreter’s voice as a carrier without substance of its own, a virtually transparent vehicle. Anything that takes away from this transparency is unwelcome ‘noise’ (tradução de Deusa Passos). Devemos lembrar que “mensagem” deve ser entendida no sentido atribuído por Pêcheux (1993, p. 82), que prefere “o termo discurso, que implica que não se trata necessariamente de uma transmissão de informação entre A e B, mas, de modo mais geral, de um ‘efeito de sentidos’ entre os pontos A e B”. Orlandi (1999, p. 21) também adota a mesma visão: (...) diremos que não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de informação. Assim, o que ocorre está muito além da transmissão do texto, da mensagem: o que há não é transmissão de mensagem, ou reprodução da mensagem em outro código, mas produção de discurso, quer dizer, produção de um efeito de sentidos entre os interlocutores. Não há uma via de mão única do autor para o leitor, com o tradutor servindo de instrumento neutro intermediário, capaz de apagar os obstáculos de comunicação, eliminando as diferenças entre os códigos, mas há produção de sentidos pelo autor, pelo tradutor, pelos leitores, ou ainda entre todos os participantes do processo (MITTMANN, 1999, p. 223). Dessa forma, não se pode exigir fidelidade da mensagem pretendida do emissor original, pois esta é inacessível; isso também ocorre com a mensagem virtual, que é parcialmente acessível pela intermediação do processo de decodificação. Por conseguinte, a fidelidade estará restrita à mensagem efetiva que o tradutor (ou intérprete) pôde apreender, sendo esta uma experiência não-repetível. Mas a questão da fidelidade vai mais além. O tradutor (ou intérprete) também tem um compromisso de fidelidade com o receptor final da mensagem, ao levar em consideração suas expectativas, necessidades e possibilidades. São exatamente essas duas fidelidades, que geram a diversidade, a razão de ser da tradução (ou interpretação) (AUBERT, 1993, p. 75-76). Arrojo (1993, p. 81) também adota este pensamento, ao dizer que “o tradutor, implícita ou explicitamente, impõe ao texto que traduz os significados inevitavelmente forjados a partir de seus próprios interesses e circunstâncias”. Assim, é impossível tanto tradutor quanto intérprete não deixarem suas marcas no discurso e se tornarem completamente invisíveis, ao menos discursivamente. Piucco (2008, p. 179) define a questão: “nenhuma tradução será, portanto, neutra ou literal; será, sempre e de qualquer forma, uma leitura”. Devemos lembrar, ainda, dos marcadores culturais53, que nem sempre são percebidos, neutralizáveis ou anuláveis mesmo nas terminologias das linguagens de especialidade (ex. Direito), como dizem alguns estudos terminológicos (AUBERT, 2006, p. 25). Um exemplo simples seria o caso dos pronomes e formas de tratamento: (...) a distinção tu / você produzida em um universo discursivo gaúcho ou lusitano exerce uma determinada função ao interior do subsistema lingüístico em consideração (marcação de grau de intimidade ou de relação hierárquica entre os interlocutores), mas não será percebida como contendo marcadores culturais; a distinção somente se torna marca cultural (no caso, dialetal), se um ou mais dos interlocutores / receptores identificar-se sócio-lingüisticamente como pertencente a outro subsistema lingüístico (paulista ou carioca, por exemplo), ou se o próprio texto incorporar tais interlocutores distintos (caso em que a diferenciação surge por efeito metalingüístico) (AUBERT, 2006, p. 32-33). Como vemos, a linguagem tem questões muito subjetivas, que podem passar pelo intérprete despercebidamente, ou seja, a fidelidade pode ser questionada. Se a fidelidade e imparcialidade total não são possíveis no campo da tradução, quanto mais no da interpretação, que, apesar de ser feita com preparo, não dá ensejo para que haja revisão e pesquisa dos termos que serão transmitidos momentaneamente, já que o processo de percepção-desverbalização-reverbalização54 ou transcodificação- reverbalização55 ocorre de forma muito rápida. Na interpretação, (...) todo o conhecimento necessário e o vocabulário específico terá de ter sido adquirido antes do ato tradutório em si. Durante o processo de interpretação (...) tendo que tomar decisões em questão de segundos, não há tempo para o intérprete realizar consultas de qualquer natureza. (...) Seleskovitch acrescenta ainda que a interpretação acontece numa velocidade “30 vezes maior” (1978:2) do que o processo de tradução. (PAGURA, 2003, p. 226-227). 53 “(...) o marcador cultural não é perceptível na expressão lingüística tomada em isolamento, nem se encontra confinado dentro do seu universo discursivo original. O marcador cultural somente se torna visível (e, portanto, se atualiza) se esse discurso original (a) incorporar em si uma diferenciação ou (b) for colocado em uma situação que faça sobressair a diferenciação” (AUBERT, 2006, p. 32-33). 54 O processo interpretativo ocorre da seguinte forma, conforme Seleskovitch (1978, p. 9): 1. Percepção auditiva de um enunciado linguístico que é portador de significado. Apreensão da língua e compreensão da mensagem por meio de um processo de análise e exegese; 2. Abandono imediato e intencional das palavras e retenção da representação mental da mensagem (conceitos, ideias, etc.); 3. Produção de um novo enunciado na língua-alvo, que deve atender a dois requisitos: expressar a mensagem original completa e ser voltado para o destinatário. 55 “(...) passar de uma língua para outra convertendo os signos de uma nos signos da outra. (...) Segundo a Teoria do Sentido, constituem exceção à desverbalização do sentido os números e termos técnicos, p. ex., ou seja, elementos do discurso cuja mera conversão dos signos de uma língua nos signos da outra língua reconstitui o sentido de modo contextualizado durante a interpretação” (LEDERER apud FREIRE, 2009, p. 158). Na opinião de Paulo Ronái (1981, p. 126), ao se referir sobre o trabalho do tradutor, mas que pode ser aplicado ao trabalho do intérprete, diz que o tradutor mais fiel (...) seria aquele que, graças a uma capacidade excepcional, estivesse em condições de esquecer as palavras da mensagem original e, logo depois, de lembrar-se de seu conteúdo, para reformulá-la na própria língua, de maneira mais completa. Dessa forma, podemos notar que a questão do sentido é muito mais importante que o da literalidade. É procurando transmitir o sentido que surgem as diversas teorias de equivalência, em que muitos teóricos dão denominações diferentes para termos muito similares. Alguns teóricos, SNELL-HORNBY (1995), por exemplo, assumem ter identificado mais de 57 equivalências, entre outras, linguísticas, paradigmáticas, estilísticas, semânticas, formais, referenciais, pragmáticas, dinâmicas e, seguramente, a equivalência funcional. Esses são os tipos de equivalências mais frequentemente analisados, porém, é necessário perceber que esses equivalentes situam-se em planos diferentes. A equivalência linguística, por exemplo, situa-se no plano da semântica, a equivalência paradigmática situa-se no plano gramatical e a equivalência pragmática situa-se no plano extralinguístico (CHANUT, 2012, p. 56). Para Piucco (2008, p. 178-179), a visão de que a tradução é algo meramente mecânico está totalmente ultrapassada. É o tradutor que deve transpor os significados do texto de partida para o texto de chegada, em que é possível ocorrer a neutralidade [do tradutor] mesmo na tradução de textos literários e o aparecimento da voz do autor do original. Sobre o tema, estudos comprovam, “com um elevado grau de segurança, que, na relação entre o português brasileiro e as demais línguas neolatinas, os índices de literalidade variam entre 60 e 80%, enquanto que entre o português brasileiro e as línguas anglogermânicas, os índices variam entre 40 e 55%” (AUBERT, 2006, p. 25). Portanto, embora a lei considere de forma diferente, interpretar e traduzir, nesse sentido, é um processo que vai além da simples substituição dos elementos lexicais e gramaticais de uma língua por aqueles de outra língua. O êxito da equivalência pode, de fato, compreender “a perda” de elementos linguísticos de base presentes no texto de partida, os quais são substituídos por elementos linguísticos da língua de chegada que tenham uma função equivalente. Isso quer dizer que, nessa busca de uma equivalência funcional, o tradutor se distancia da equivalência linguística, ou seja, aquela que ele obtém traduzindo palavra por palavra. Traduzir segundo o procedimento da equivalência funcional significa aceitar que a tradução não é uma ciência que comporta termos precisos e unívocos, mas antes, termos aproximativos e desiguais na maior parte do tempo (CHANUT, 2012, p. 59). Por fim, Chanut (2012, p. 56) acredita que o debate “tradução literal X tradução livre”, que poderíamos apropriar para “interpretação literal X interpretação livre” está no passado. “Hoje as noções de fidelidade e de literalidade na tradução foram substituídas por outras noções menos radicais, como os “graus ou níveis da equivalência” entre o original e sua tradução”. Ora, se na tradução essa visão seria ultrapassada, por que na interpretação forense ela parece estar tão arraigada? Por desconhecimento? Por tradicionalismo? A partir dessas considerações, percebemos que o papel do intérprete forense deve ser repensando sob o ponto de vista jurídico e da interpretação, e melhor explicado aos profissionais do Direito. É necessário que os termos de compromisso assinados pelos intérpretes sejam reformulados levando em conta o cognitivismo, e não apenas os aspectos linguísticos, a fim de que não deem uma impressão errônea de que a interpretação será totalmente fiel e imparcial, embora esse seja seu objetivo. Sabemos que esse é um assunto de difícil abordagem, especialmente porque é um tema polêmico e complexo na própria área da interpretação. O que dizer então de juízes e advogados que não tiveram formação técnica sobre o assunto em questão? Aliás, se o legislador estivesse tão preocupado com a literalidade e fidelidade no sentido que atribui, talvez devesse proibir a interpretação na modalidade consecutiva, pois nesta há mais riscos de o intérprete se desprender do original e/ou esquecer algo que foi dito e porventura não tenha anotado, ainda que “indiferente”. Observamos que a lei está pronta a exigir um excelente e utópico trabalho do intérprete, mas não distinguimos um esforço do legislador para garantir os direitos deste ou sequer uma preparação. Talvez o legislador acredite que o processo da tradução e da interpretação se dá exatamente da mesma forma, podendo demandar de ambos a mesma precisão em seu trabalho. Terminamos este capítulo com um pensamento de Aubert (1993, p. 77). Se é impossível ser totalmente fiel e imparcial, qual a importância de levar em consideração estas características? (...) não houvesse a tentativa da fidelidade, a busca sistemática e obstinada de atinar – ainda que em vão – com o que o autor original “quis dizer” e de encontrar meios de expressão para essa intenção comunicativa suposta, também não haveria tradução, diálogo, intertextualidade, intersubjetividade, mas, tão-somente, discursos diversos, cruzados, desconexos, mutuamente incompatíveis. A fidelidade na tradução caracteriza-se, pois, pela conjuminação de um certo grau de diversidade com um certo grau de identidade; ela será, não por deficiência intrínseca ou fortuita, mas por definição, por essencialidade, um compromisso (instável) entre essas duas tendências aparentemente antagônicas, atingindo a sua plenitude nesse compromisso e nessa instabilidade. 4.6 A ética do intérprete forense e algumas questões comportamentais Segundo GINEZI (2012, p. 36-37), o Comitê para Tradutores Juramentados e Intérpretes de Tribunal da Federatión Internationale de Traducteurs adotaram dois documentos específicos sobre a ética do intérprete forense: o Best Practice in Court Interpreting e o Code of Conduct for Court Interpreters. Edwards (apud PASSOS, 2010, p. 123) acrescenta que na literatura sobre interpretação forense há um código de ética geral a ser observado pelo intérprete forense: (i) confidencialidade: manter sigilo sobre fatos ou assuntos revelados no tribunal; (ii) imparcialidade: não expressar sua opinião em hipótese alguma; (iii) isenção: manter-se fora do caso e restringir-se ao tempo de permanência no tribunal; (iv) mostrar-se disponível para admitir algum erro que por ventura possa cometer; (v) disponibilidade para lidar com constrangimentos. Mikkelson (apud KERATSA, 2005) é de opinião semelhante: a interpretação em tais contextos [forense] está sujeita a normas e considerações éticas que os intérpretes têm de defender, a fim de atuar de forma eficaz e não comprometer o resultado de um caso. Tais princípios éticos envolvem fidelidade, confidencialidade, imparcialidade e conduta profissional (Mikkelson 2000:49-55) (nossa tradução)56. Como já dito anteriormente, no Brasil não há nenhum documento similar, mas poderia ser feita uma adaptação desses documentos de acordo com o panorama brasileiro. Isso só deve acontecer depois de haver uma regulamentação da profissão, e quem sabe a criação de uma associação específica para os intérpretes forenses. No Brasil há apenas os Códigos de Ética da APIC (Associação Profissional de Intérpretes de Conferência) e da AIIC (Associação Internacional de Intérpretes de Conferência), mas estes não são específicos da área de interpretação forense, que teria exigências particulares. O SINTRA não dispõe de Código de Ética, tampouco a ABRATES. O Código da Atpiesp, como já comentado anteriormente, é insuficiente para englobar todas as questões pertinentes aos intérpretes forenses. 56 interpretation in such contexts is bound with ethical standards and considerations that interpreters have to uphold in order to operate effectively and avoid jeopardizing a case's outcome. Such ethical principles involve fidelity, confidentiality, impartiality and professional conduct. Para Mikkelson (apud GINEZI, 2012, p. 37), os Códigos de Ética ao redor do mundo se baseiam em quatro características: fidelidade, confidencialidade, imparcialidade e conduta profissional. Resumidamente, as questões de fidelidade envolvem o uso de primeira pessoa e a transmissão da mensagem original, sem acréscimos ou omissões, mesmo que sejam erros. Já no quesito confidencialidade, o intérprete não deve divulgar quaisquer informações do tribunal, a não ser que representem perigo eminente. Sobre a imparcialidade, como o próprio nome diz, manter-se distante de qualquer vínculo emocional com os sujeitos do tribunal e, ainda, não representar parentes. Por fim, a conduta profissional envolve os protocolos do tribunal: integridade, quer dizer, estar preparado para o trabalho, além da formação com participação em oficinas, congressos da área, leituras e outros. Podemos perceber que o CPP e o CPC tratam de algumas questões expostas pelo autor, como é o caso de quando o intérprete não poderá fazer a interpretação. Mas a maioria dos assuntos não são tratados nem codificados no Brasil. Este capítulo tem o objetivo de propor e esclarecer alguns assuntos éticos referentes ao trabalho do intérprete. Inicialmente, podemos abordar a relação do intérprete com o estrangeiro: no momento da interpretação de tribunal, cabe ao intérprete posicionar-se apenas como intérprete, explicando ao réu qual é seu papel e que as demais informações ou orientações devem ser feitas diretamente ao seu advogado de defesa ou ao defensor público. Caso contrário, o intérprete estará ferindo as regras éticas básicas de sua profissão (GINEZI, 2012, p. 39). É comum que o estrangeiro queira conversar com o intérprete durante a audiência, especialmente porque está sem conversar com alguém que fale sua língua há algum tempo, além de fatores como carência, medo, etc. O intérprete não deverá permitir essa situação. Além disso, o intérprete não deverá fazer comentários a respeito de juízes, advogados, réus, acusados, testemunhas, colegas de trabalho, a despeito de sua opinião. Também não deverá comentar sobre o caso em que atuou, mesmo depois de finda a audiência (NORDIN, 2013). O intérprete deve ter em mente que qualquer informação obtida no decurso do seu trabalho com interpretação em audiência é confidencial. Se ele participa na preparação de um caso, quer seja na defesa ou na acusação (tais como entrevistas com réus ou até mesmo testemunhas estrangeiras), de maneira alguma deve revelar a natureza da comunicação interpretada, embora o escopo de confidencialidade seja um pouco diferente para cada um deles (NORDIN, 2013). No processo da interpretação, o intérprete não deverá expressar emoções na medida do possível. Pode ocorrer que o acusado chore, grite, faça piadas, etc., mas o intérprete deve permanecer neutro (NORDIN, 2013). Além disso, o intérprete não deverá ficar se movimentando, fazendo gestos ou nada que possa comprometer sua imparcialidade. Às vezes, alguma pessoa na sala da audiência que também conhece a língua estrangeira poderá vir a questionar o intérprete sobre algum termo utilizado, embora não devesse fazê-lo. Isso também pode ocorrer caso o acusado entenda um pouco da língua portuguesa. Neste caso, o intérprete deve responder educada e profissionalmente, sem considerar esse tipo de atitude uma afronta pessoal. Se concordar com a correção, deve corrigir o registro dos autos. Contudo, se a proposta para a correção for inaceitável, deve manter sua versão original. Sem se justificar ou racionalizar, o intérprete pode explicar seu raciocínio, se necessário. Por exemplo, pode dizer: “Em outro contexto, essa correção seria cabível, mas não neste caso” (NORDIN, 2013). Alguns autores dizem, como por exemplo Ângela Levy, que o intérprete não deve fazer interpretações que vão contra a sua filosofia, moral e crenças, pois isso desrespeitaria a sua consciência e comprometeria a sua imparcialidade. Por exemplo, um intérprete ferrenho defensor do comunismo não deve interpretar uma palestra que defenda valores capitalistas. Posto isso, imaginemos a seguinte situação: Conversa entre acusado e advogado Advogado: me conte como foi que aconteceu. Acusado: eu estava na minha casa quando a vi passar pela janela. Gritei pra ela: ei, vem aqui, vamos tomar um chá. Advogado: então foi você que chamou ela? Acusado: sim. Ela entrou e fui fazer o chá. De repente começou a acontecer algo dentro de mim. Aí você sabe né. Só me lembro quando tudo já havia acabado. Puxei a calça e fui para o quarto, não sei o que aconteceu com ela. Advogado: ela gritou, você sabe se alguém ouviu, coisa parecida? Acusado: ela tentou no início, mas eu a ameacei com uma faca. Acho que ninguém ouviu porque não tinha ninguém passando por ali. Minha casa fica num lugar meio afastado. Interrogatório entre juiz e acusado Juiz: o senhor conhece F. G. O? Acusado: sim, ela é filha da minha prima. Juiz: que tipo de relacionamento o senhor tinha com a vítima? Acusado: nada, só parente. Juiz: o que o senhor estava fazendo no dia 8 de agosto de 2011? Acusado: eu trabalhei de dia e no fim da tarde fui ao mercado. Juiz: o senhor nega que manteve conjunção carnal com a vítima no dia 8 de agosto de 2011? Acusado: sim! Eu não fiz nada não! Juiz: o senhor nunca tocou a vítima de forma inapropriada? Acusado: não. Juiz: o senhor tem alguma ideia por que a vítima está acusando o senhor? Acusado: não. Suponhamos que este tenha sido um crime de estupro de vulnerável (menor de quatorze anos), com uma criança de seis anos. O intérprete teria de interpretar tanto a conversa entre acusado e advogado quanto entre acusado e juiz. Obviamente, o intérprete estaria numa condição conflitante: “saberia” que o acusado é o autor do crime, mas nada poderia fazer frente a negação do crime pelo acusado no interrogatório com o juiz. Como ele poderia interpretar uma pessoa que acabou de confessar um crime contra uma criança indefesa para seu advogado e agora nega despretensiosamente ser o autor do fato? Esta situação causaria uma revolta interior, que poderia ser exteriorizada com uma interpretação muito parcial. O caso contrário também pode ser verdadeiro, em que tenha ocorrido uma grande injustiça com o estrangeiro. O intérprete, em nenhuma hipótese poderá agir como defensor do réu (NORDIN, 2013). Portanto, aqui expomos a necessidade de dois intérpretes: um para mediar as conversas entre acusado e advogado, e outro para mediar entre o juiz/promotor e o acusado. Sabemos, contudo, que isso não é algo simples de ser implantado, e configura mais custos. Entretanto, faz-se necessário para que a interpretação realmente possa ser a mais imparcial possível, e a justiça possa ser alcançada. Dois intérpretes seriam, inclusive, mais benéficos para a audiência, conforme explicamos anteriormente. Se um deles cometer algum deslize, o outro poderá interrompêlo; um resguardando a imparcialidade no discurso do acusado/advogado, e o outro no discurso do juiz/promotor. O Código de Processo Penal prescreve sobre essa situação: Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos. O intérprete forense deve estar atento a alguns cuidados que extrapolam as questões estritamente técnicas da sua atuação. Deve utilizar roupas adequadas para cada situação. No caso de uma audiência, roupas formais e discretas. Mulheres devem se abster de decotes, saias curtas, excesso de maquiagem, roupas muito apertadas. O intérprete deve lembrar que embora sua função seja de extrema importância para o ato, seja um inquérito, um julgamento, ele não é o protagonista do evento. Agir com discrição, educação e decoro, ser pontual, e adequar-se as regras de cada local é essencial, como já dito anteriormente. O intérprete também tem o dever de reportar violações éticas. “Se o intérprete foi induzido ou encorajado a violar qualquer lei, regra, regulamento ou política relativa à interpretação de audiência, deve reportar a situação ao juiz ou às autoridades responsáveis” (NORDIN, 2013). Assim, Nordin (2013) estabelece 15 pontos que o intérprete deve considerar para exercer bem o seu papel, aos quais adaptaremos de acordo com os pressupostos apresentados neste trabalho: 1. Não discutir as pendências do processo com as partes. 2. Não revelar informações sobre a entrevista reservada entre defensor e réu. 3. Não dar conselhos legais a nenhuma das partes. As perguntas devem ser direcionadas ao defensor ou ao juízo. 4. Informar ao juízo caso não haja conhecimento acerca de uma palavra, expressão, terminologia, dialeto etc., ou se ainda houver dúvidas quanto à própria habilidade linguística de desempenhar a função adequadamente para casos específicos. 5. Ser o mais preciso e fiel possível. 6. Empregar a terceira pessoa do singular para interpretar declarações feitas nesse tempo verbal. 7. Direcionar todos os questionamentos ou problemas ao juízo caso não tenha sido possível resolver por conta própria com o interrogado. Se necessário, pedir permissão para trazer o problema ao conhecimento de todos. 8. Posicionar-se o mais próximo possível do interrogado, mas sem bloquear a visão do juiz e do procurador da República. 9. Informar ao juízo situações de fadiga causada pela longa duração do procedimento. 10. Quando o áudio do microfone estiver aberto, falar alto e claro o suficiente para que a voz seja ouvida posteriormente, sem que cause dano às pregas vocais. 11. Interpretar absolutamente tudo, inclusive falas que não componham diretamente o testemunho. 12. Se o juízo determinar que o intérprete está autorizado a ter informações em boa-fé sobre casos confidenciais, a fim de se familiarizar com a terminologia, deverá haver uma conversa reservada com o juiz. 13. Durante a entrevista reservada com um réu estrangeiro, dar-lhe as seguintes instruções para quando ele estiver em depoimento: a) Falar em volume alto e com clareza para que todas as pessoas na sala de audiência, e não somente o intérprete, possam ouvi-lo. b) Direcionar a resposta ao intérprete e manter contato visual com a pessoa que está falando e com o intérprete. c) Encaminhar todos os questionamentos durante a audiência ao juízo e/ou ao advogado de defesa, e não ao intérprete. O interrogado não pode pedir ajuda ao intérprete, nem iniciar uma conversa paralela para discutir sobre as perguntas. 14. Durante a entrevista reservada com o advogado de defesa do réu, ou ainda antes do interrogatório da testemunha, o réu deve receber as seguintes instruções: o intérprete fará a interpretação de tudo o que o procurador da República perguntar à testemunha; em seguida, a testemunha responderá às perguntas do advogado de defesa do réu; depois, a testemunha responderá às perguntas do juiz, caso ele julgue necessário esclarecer algum fato com a testemunha. Ademais, salientar que o réu, em hipótese alguma, pode falar ou discordar do testemunho da testemunha durante a oitiva da testemunha, caso ele tenha algo a dizer sobre o testemunho da testemunha, o réu terá a oportunidade de falar ao juiz na hora de seu interrogatório, momento no qual ele será perguntado se tem algo contra a(s) testemunha(s) que testemunharam em seu caso. 15. Chegar sempre 30 minutos antes do início da audiência. Poderíamos também utilizar parte do Código de Ética da APIC para a criação de um Código de Ética do Intérprete Forense. Vejamos que artigos poderiam ser utilizados e adaptados: Artigo 2º O intérprete obriga-se à estrita observância do segredo profissional, não podendo divulgar a quem quer que seja qualquer informação obtida no decorrer de sua atividade profissional, salvo no caso de reuniões abertas ao público em geral. Artigo 3º O intérprete não utilizará em proveito pessoal informações confidenciais porventura obtidas no exercício da profissão. Artigo 4º O intérprete aceitará somente aqueles trabalhos para os quais se julgar suficientemente qualificado. Sua assinatura em um contrato vale como penhor da alta qualidade profissional de seu trabalho, bem como do desempenho profissional dos outros intérpretes da equipe contratada por seu intermédio, membros ou não da APIC. Artigo 5º O intérprete abster-se-á de qualquer emprego ou atividade que possa prejudicar a dignidade e o conceito da profissão, ou impedir a observância do segredo profissional. Artigo 6º O intérprete observará decoro compatível com sua atividade profissional e, em particular, abster-se-á de qualquer propaganda pessoal, podendo, entretanto, tornar manifesta sua condição de intérprete de conferências e membros da Associação, para fins profissionais. Artigo 7º O intérprete prestará a seus colegas apoio moral e solidariedade. Artigo 8º O intérprete observará as condições de trabalho estabelecidas pela APIC. Em relação ao artigo 2º, podemos salientar que o intérprete não deverá comentar sobre as informações obtidas durante a sua atuação em nenhuma hipótese, visto que poderá frequentemente ter informações privilegiadas, especialmente quando o processo corre em segredo de justiça. Para Pagura (2010, p. 86), “o segredo profissional é absolutamente fundamental para que o intérprete tenha a confiança de seus usuários”. A quebra do sigilo profissional poderia, inclusive, ser penalizada. Em relação ao artigo 8º, as condições de trabalho do tradutor juramentado e do intérprete comercial poderiam ser estabelecidas pelo próprio governo. Entretanto, devemos lembrar que o intérprete forense não atua só em audiência, assim sendo, uma associação poderia elaborar tal documento. A APIC detalha as condições de trabalho por meio de seu regulamento. Isso também poderia ser feito para os intérpretes forenses, visto que isso envolve outros fatores além da ética. Já o Código da Atpiesp diz: 1. O principal dever do tradutor público e intérprete comercial é atender com total dedicação e honestidade a coletividade em que atua. 1.1. No exercício de suas atividades profissionais, deve zelar pelo prestígio da classe e pela dignidade da profissão, contribuindo de todas as formas para o seu constante aperfeiçoamento. 2. Tendo em mente tais propósitos, cumpre ao tradutor público e intérprete comercial: 2.1. Respeitar a lei e os regulamentos que disciplinam a profissão. 2.2. Observar sigilo absoluto sobre fatos de que tenha tido conhecimento em razão do seu ofício. 2.3. Quando chamado a opinar sobre trabalhos executados por colega de profissão, deverá limitar-se a tecer considerações exclusivamente sobre o aspecto técnico do trabalho, eximindo-se de quaisquer outros comentários ou críticas que venham a desfavorecer a posição profissional do colega. 2.4. Deverá se portar com lealdade e solidariedade no relacionamento com os colegas tradutores públicos e intérpretes comerciais, evitando práticas de concorrência desleal quando estiver sendo consultado para a realização de trabalhos profissionais juntamente com outros colegas de profissão. 2.5. Deverá pagar pontualmente as contribuições associativas da ATPIESP. 3. Não é lícito ao tradutor público e intérprete comercial: 3.1. Aproveitar-se da atividade própria de sua profissão para favorecer ou prejudicar quem quer que seja. 3.2. Estabelecer condições para a prestação de serviços que possam causar prejuízo material ou moral a clientes ou colegas de profissão. 3.3. Fazer publicidade com indicação de títulos, idiomas ou atribuir-se capacidade para a qual não esteja legalmente habilitado. 3.4. Associar-se passivamente, sob qualquer forma, ou ceder seu nome e/ou a sua assinatura a pessoas ou escritórios e a agências angariadoras de serviços, sendo vedado sob qualquer pretexto atuar em favor daqueles que estejam exercendo ilegalmente a profissão. Remuneração 4. A remuneração do tradutor público e intérprete comercial não deve ser nem superior nem inferior àquela estabelecida pelo Poder Público, nos casos em que compete a este editar Tabela de Emolumentos para o público em geral. 4.1. O profissional deverá realizar consulta à ATPIESP sempre que estiver em dúvida com relação ao critério que deverá nortear a confecção de um orçamento para um cliente, sendo lícito cobrar parte do serviço antecipadamente. 4.2. É vedado ao tradutor público e intérprete comercial ser remunerado de outra forma que não aquela estabelecida pela Tabela de Emolumentos editada pelo Poder Público ou, nos casos omissos, mediante orientação escrita da ATPIESP, sendo-lhe vedado exercer a profissão de tradutor público e intérprete comercial sob relação empregatícia, ou seja, na qualidade de assalariado de outrem, mesmo que seja um colega. 4.3. É vedado ao tradutor público e intérprete comercial atuar em traduções ou interpretações em que esteja impedido por lei ou por este Código de Ética Profissional. 4.4. O tradutor público e intérprete comercial que violar a Tabela de Emolumentos emitida pelo órgão regulador da categoria ou afrontar orientação expressa consubstanciada em resoluções, atas e Assembléias Gerais da ATPIESP estará sujeito às penalidades da legislação que regulamenta a profissão, sem prejuízo das sanções previstas nos Estatutos Sociais, no Regimento Interno, além de ficar sujeito a arcar com as perdas e danos eventualmente causados a colegas ou a terceiros. Disposições Gerais 5. Deve o tradutor público e intérprete comercial levar ao conhecimento da ATPIESP, com discrição e fundamentadamente, as transgressões das normas deste Código e de dispositivos legais de que venha a tomar conhecimento. 5.1. Qualquer alteração do presente Código de Ética Profissional somente poderá ser feita por deliberação de Assembléia Geral Extraordinária da ATPIESP, obedecido o quorum de instalação e de deliberação ali previsto. 5.2. Este Código de Ética Profissional substitui o anterior, passando a vigorar a partir da Assembléia Geral Extraordinária de 15 de agosto de 2007. Por fim, destacamos que o Código de Ética do Intérprete Forense deveria discorrer sobre todas as questões discutidas aqui e outras provenientes de estudos posteriores, pois como vimos, nenhum dos Códigos apresentados aqui abordam questões tão específicas e complexas. 4.7 As implicações jurídicas da interpretação forense O intérprete é um profissional que está a serviço da Justiça. Assim, ele deve se adequar aos parâmetros legais. O Código de Processo Civil declara: Art. 146. O perito tem o dever de cumprir o ofício, no prazo que Ihe assina a lei, empregando toda a sua diligência; pode, todavia, escusar-se do encargo alegando motivo legítimo. Parágrafo único. A escusa será apresentada dentro de 5 (cinco) dias, contados da intimação ou do impedimento superveniente, sob pena de se reputar renunciado o direito a alegá-la (art. 423). Art. 147. O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficará inabilitado, por 2 (dois) anos, a funcionar em outras perícias e incorrerá na sanção que a lei penal estabelecer. Art. 153. O intérprete, oficial ou não, é obrigado a prestar o seu ofício, aplicando-se-lhe o disposto nos arts. 146 e 147. O Código Penal proíbe o falso testemunho, a falsa perícia e a exploração de prestígio: Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral: Pena: reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação. Art. 357 - Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha. Como visto, o intérprete poderá ser processado civil e penalmente caso comprometa o julgamento, tanto por culpa57 (não intencional) quanto por dolo58 (intencional). Por questões éticas, e para de eximir-se de possíveis responsabilidades, o intérprete deverá relatar eventuais erros e palavras que ele não sabe ao juiz. Sobre a questão da culpa, podemos fazer algumas reflexões. É possível que surja a dúvida: até que ponto o intérprete poderá ser processado por culpa por uma palavra ou frase mal interpretada, considerando que a interpretação não é uma ciência exata, e que escolha do intérprete muitas vezes é feita pelo juiz, sendo que não há especialização ou 57 “decorre da inobservância do cuidado objetivo devido ou exigível que produz um resultado material externo (ou um perigo concreto) para o bem jurídico não querido pelo autor” (PRADO, 2013, p. 417). 58 “entende-se por dolo a consciência e a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo de injusto doloso (tipo objetivo). Dolo, como resolução delitiva é ‘saber e querer a realização do tipo objetivo de um delito’” (PRADO, 2013, p. 404). capacitação disponível pelo governo ou pelo mercado? Há um limiar muito subjetivo na responsabilização do intérprete. A priori, devemos lembrar que embora o intérprete tenha sido convocado pelo juízo, este não tem a obrigação de aceitar o encargo. Assim, não pode se eximir da culpa utilizado o argumento de que foi escolhido pelo juiz e não foi capacitado pelo governo. O intérprete, acima de tudo, deve ter a consciência de sua capacidade, a despeito de sua qualificação. Em segundo lugar, devemos observar se a culpa foi realmente do intérprete ou do acusado. Muitas vezes, o acusado fica nervoso ou não sabe se expressar de maneira própria. Esse fato não pode ser transferido ao intérprete, e deverá ser comprovado pela perícia. Em terceiro lugar, a culpa só poderá ocorrer caso não haja má fé, ou seja, intenção de praticar aquela conduta errada por motivos inidôneos, que não seja a falta de capacitação, como por exemplo, é o caso do preconceito. O intérprete não pode se aproveitar do fato de que apenas ele conhece ambas as línguas para fraudar o julgamento. Em quarto lugar, precisamos verificar se não há alguma causa de exclusão da culpabilidade. Por exemplo: quais foram as condições de trabalho do intérprete? Ele foi respeitado pelo juiz? Qual é a importância desse julgamento? Havia muita pressão? Foi respeitado o seu momento de intervalo? Se a audiência envolveu vários acusados estrangeiros, havia vários intérpretes para que não fosse exigido um esforço acima de sua capacidade? Ainda deve-se levar em conta a modalidade de interpretação utilizada. Por exemplo, não se pode exigir que na interpretação consecutiva o intérprete repita inteiramente o discurso do falante, mot-à-mot. Por fim, podemos observar que há “níveis” de culpa de acordo com os seus efeitos. A frase ou palavra que o intérprete interpretou errado foi algo isolado ou comprometeu todo o julgamento? O quanto isso afetou o sentido e prejudicou o acusado? Qual foi a frequência deste evento? É isso o que o advogado deverá demonstrar, preferencialmente por meio de outra perícia, embora subjetivamente, e o juiz irá verificar e formar o seu consentimento. No que diz respeito ao dever do juiz de examinar a interpretação do intérprete, Novais Neto (2009, p. 42-43) faz uma indagação interessante sobre o assunto: o juiz, na qualidade de magistrado que determina a execução da lei, tem que ter elementos que sustentem a violabilidade do intérprete ao “fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade”. Esse argumento fica comprometido quando se examina pelo ângulo da interpretação interlingual: como o juiz pode atestar tal desvio de conduta do intérprete uma vez que, no ambiente de tribunal, ele é o único perito em língua estrangeira qualificado presente na audiência? Bem, aqui apresentamos uma proposta para a solução deste impasse. Primeiramente, não é pressuposto do juiz verificar se o intérprete está realizando a interpretação corretamente no seu mais alto grau de tecnicidade. Isso poderia no máximo ser percebido por elementos extralinguísticos (ex. o intérprete fica em silêncio, ao invés de fazer a interpretação). Geralmente, quando se pensa na língua estrangeira – inglês – isso pode parecer relativamente fácil, mas e outros tipos de línguas difíceis e desconhecidas? Como dissemos, essa não é atribuição do juiz. Apenas outro perito, seja da defesa, ou até mesmo outro convocado pelo juiz, é que poderia comprovar o “desvio de conduta”. Em segundo lugar, é a parte que deve arguir que não foi bem representada, o que deve ser feito por meio de advogado. O pressuposto é que o perito fará uma interpretação fiel. “Mas como o advogado vai saber se ele também não fala a língua?”. Neste caso, o advogado terá conversado com o estrangeiro, seja testemunha ou acusado, de alguma forma (por meio de intérprete profissional, de terceiro ou de uma segunda língua), e irá perceber na audiência que o que o estrangeiro disse (e foi interpretado) não corresponde ao conversado anteriormente. Poderá fazer constatações posteriores à audiência e confirmar o que o erro foi do intérprete, e não que o acusado esqueceu o que tinham combinado de falar. Então, poderá tomar providências pedindo para que o ato seja refeito ou invalidado, provando que o intérprete não interpretou da maneira correta, ou prejudicou o estrangeiro sendo parcial, entre outras coisas. Se por acaso o advogado tiver contatado algum intérprete profissional ou ainda alguém que conheça a língua estrangeira, seria importante que este comparecesse à audiência para facilitar a defesa do advogado. Entretanto, isso quase nunca ocorre, visto que a maioria dos estrangeiros são representados por advogados dativos, isso é, advogados designados e pagos pelo Estado para atender pessoas de baixa renda que não podem arcar com as custas do processo ou honorários advocatícios. Geralmente, só encontram os acusados momentos antes da audiência. Passos (2010, p. 120) relata que o que é traduzido para a língua do país durante uma audiência raramente é registrado, tampouco são realizadas transcrições do trabalho do Intérprete. Não há revisão dos autos para que os conteúdos interpretados sejam cotejados com sua transposição para a forma escrita. Tudo o que é dito no tribunal, na língua estrangeira, é transferido para os autos por meio da voz do juiz, na língua do país. É por isso que é de vital importância que a audiência seja gravada, para que uma posterior defesa possa ser feita eventualmente, e que ambas as partes do processo tenham acesso a ela. Pagura (2003, p. 228) afirma que uma das vantagens do intérprete em relação ao tradutor “é que o seu trabalho desaparece quando o evento termina, enquanto o trabalho do tradutor, impresso e publicado, permanecerá indefinidamente”. Entretanto, isso não ocorre na interpretação forense, pelos motivos acima explicados. Nesse caso, a chuchotage59, ou interpretação sussurrada, estaria descartada para ser feita para o acusado, a não ser que pudesse aparecer numa gravação. Juntamente com a gravação, deveriam constar os documentos em que foi feita a sight translation, caso este tenha sido utilizada. Ginezi (2012, p. 38) também adota este pensamento: “o mau trabalho do intérprete (...) só poderá ser julgado se houver gravação e posterior transcrição do material de áudio, ou se a defensoria, seja pública ou particular, juiz ou promotoria, contestarem a atuação do intérprete”. O intérprete ainda está impedido de receber quaisquer presentes ou benefícios por parte do estrangeiro, como já visto no art. 135, inciso IV, CPP. O Código Penal também proíbe este tipo de atitude, aplicando pena e multa. Outra sanção penal está prevista no caso de o intérprete deixar de cumprir alguma diligência. Por isso, é imprescindível que este advirta o juízo sobre o não comparecimento (Código de Processo Penal): Art. 277. O perito nomeado pela autoridade será obrigado a aceitar o encargo, sob pena de multa de cem a quinhentos mil-réis, salvo escusa atendível. Parágrafo único. Incorrerá na mesma multa o perito que, sem justa causa, provada imediatamente: a) deixar de acudir à intimação ou ao chamado da autoridade; b) não comparecer no dia e local designados para o exame; c) não der o laudo, ou concorrer para que a perícia não seja feita, nos prazos estabelecidos. Art. 278. No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determinar a sua condução60. 59 “interpretação cochichada” ou “chuchotage”– outro termo em francês usado por intérpretes de todo o mundo –, em que o intérprete se senta próximo a um ou dois ouvintes e interpreta simultaneamente a mensagem apresentada em outro idioma (PAGURA, 2003, p. 212). 60 É o caso de o intérprete ser levado à audiência por força policial. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir deste trabalho, pudemos depreender que a interpretação forense ocorre em espaços diversificados, não apenas em audiência, e não é classificada pelo local em que ocorre, mas pelo tipo de discurso interpretado. O intérprete forense interpreta tanto estrangeiros, que não conhecem a língua ou que não podem se expressar de forma adequada, como nacionais, que não falam o português (ex. índios). Observamos que o intérprete forense tem um papel estimável na administração da justiça e na garantia de direitos ao estrangeiro. O intérprete tem em suas mãos um grande poder. Tem acesso direto aos ouvidos do juiz, escrivão e do acusado, bem como dos demais participantes da audiência. Tem o potencial de enfatizar ou suavizar a importância ou o tom de determinada informação feita pelos seus interactantes. Tem em suas mãos a chave de indução ao riso ou a outra emoção. Tem o potencial, caso lhe falte ética, de atribuir ao acusado ou juiz uma hesitação ou falta de clareza, além de garantir para si foro privilegiado, uma vez que não há ninguém, naquele evento de fala, que conteste o seu desempenho no processo de interpretação (NOVAIS NETO, p. 174-175). Discordamos da jurisprudência quando diz que o intérprete não será necessário na fase investigativa (inquérito policial), apenas na fase judicial (processo penal), pois o estrangeiro tem o direito de defesa em qualquer procedimento. Com o advento da constitucionalização da fase administrativa, é possível que esse entendimento mude. A legislação que regulamenta o ofício do intérprete é precária e confusa no Brasil, e precisa ser atualizada. Entretanto, isso não vai gerar um milagre em termos de obtenção de direitos e do reconhecimento do intérprete, mas será um primeiro passo para a obtenção destes. Seria positiva a criação de uma associação específica para intérpretes forenses, já que essa profissão tem suas peculiaridades. Ela poderia unir a categoria e proporcionar cursos, eventos, reflexões, etc. A interpretação forense geralmente é feita por tradutores públicos ou intérpretes comerciais, entretanto, com a falta de profissionais, o desinteresse pelo salário baixo ou pelo governo nem sempre querer pagar o preço da tabela, muitas vezes esse tipo de interpretação é feito por pessoas totalmente despreparadas, muitas vezes escolhidas por um juiz. Nem mesmo os próprios intérpretes concursados têm preparação, o que demonstra um desinteresse por parte do próprio governo e uma lacuna educacional por meio das instituições privadas. O preparo e uma certificação seriam essenciais para a exigência e manutenção de um padrão mínimo de qualidade. O despreparo, muitas vezes, leva à nulidade do processo, onerando os cofres públicos e prejudicando a sociedade. Uma sugestão seria a criação de um cargo específico de intérprete forense, a fim de que este pudesse se preparar melhor para exercer sua função. Aí seria desnecessária a certificação, já que a avaliação ocorreria por mio de concurso público. A qualificação também deve estar voltada para os profissionais do Direito, Direito e outros órgãos que atendem estrangeiros, pois estes geralmente não sabem como proceder com relação ao intérprete forense e seu trabalho. Conforme vimos, o intérprete forense deve ser imparcial; deve adequar seu discurso ao ouvinte; ser claro, preciso e objetivo; ter conhecimentos básicos do Direito; conhecer as variantes linguísticas e ter cultura geral; ter conhecimento do linguajar jurídico; fazer uma boa interpretação; ter bom senso e tato; ser educado; se preparar para a interpretação de forma específica; ser discreto; ser proficiente bilíngue. A interação em audiência ocorre em forma de trílogo: o juiz fala com o intérprete, este fala com o acusado, que fala com o intérprete, e ele fala com o juiz. Assim, fica evidente a utilização do discurso indireto, e isso é benéfico, já que o intérprete é quem vai transmitir a informação para ambas as partes. É importante que sempre que o intérprete cometer um erro deverá corrigi-lo, e fazer constar na ata da audiência. A respeito da (in)visibilidade do intérprete, precisamos desmistificar a ideia de que este sempre deve estar numa posição invisível e sempre deve utilizar a primeira pessoa. Isso pode variar de acordo com a situação e a necessidade, que é o caso da interpretação forense. O uso da primeira pessoa poderá causar uma confusão de discursos, e poderá ser constrangedor. O intérprete, além de ser um mediador entre as partes, isso é, auxilia para que elas se entendam, também age como conciliador, oferecendo soluções para os conflitos linguísticos. Ele também assume múltiplos papeis ao interpretar uma variedade de discursos. As modalidades de interpretação mais utilizadas são as tradicionais: simultânea, consecutiva, intermitente e sight translation. O intérprete deverá escolher qual irá usar conjuntamente com o juiz, verificando os aparatos disponíveis e possíveis limitações. A lei, os advogados, os juízes, enfim, todo o sistema da Justiça acredita que o intérprete faz interpretações literais e completamente imparciais, entretanto, essa visão precisa ser revista, pois a literalidade é praticamente impossível, tanto na tradução quanto na interpretação. Como se pode exigir a total precisão se a interpretação não é uma ciência exata? Nem sempre há equivalências, nem sempre há uma idêntica transmissão de ideias de significado e significante entre duas línguas distintas. Assim, o sentido deve ser mais valorizado do que a literalidade. Ainda, é necessária a criação de um Código de Ética para o intérprete forense, a fim de que este saiba de maneira mais precisa como deve se comportar. Os códigos de ética existentes não abrangem as peculiaridades que envolvem a interpretação forense. Seria importante que toda a interpretação houvesse ao menos dois intérpretes a fim de que não comprometa sua imparcialidade e não fira sua moral. Não obstante, o intérprete poderá ser processado por algo que comprometa o julgamento, ainda que por culpa. Entretanto, isso envolve questões extremamente subjetivas que deverão ser provadas em juízo. Há uma organização internacional de nome Fair Trials, que promove um movimento para que os julgamentos de estrangeiros sejam justos no mundo todo. Concluímos que a literalidade é importante, mas o sentido está acima dela, e a recepção do sentido pelo destinatário está acima de todos, visto que o objetivo primordial é a comunicação. Há diversos campos que ainda podem ser pesquisados na área da interpretação forense. Podemos destacar a necessidade de estudos sobre linguística forense, ética do intérprete forense, domesticação e estrangeirização do intérprete forense, salário e condições de trabalho, regulamentação profissional, o intérprete forense e as tecnologias, histórico detalhado do intérprete forense no Brasil, pagamento do intérprete, considerando não só a língua inglesa, embora seja uma das mais comuns. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APIC. Regulamento. Disponível em: <http://www.apic.org.br/website/regulamento/>. Acesso em: 16 de out. 2013. ARROJO, Rosemary. Tradução, Desconstrução e Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1993. ATPIESP. Código de Ética. <http://www.atpiesp.org.br/associacao/tabelas-eregulamentos/codigo-de-etica/>. Acesso em: 16 de out. 2013. AUBERT, Francis. Indagações acerca dos marcadores culturais na tradução. In: Revista de Estudos Orientais, n. 5, pp. 23-36, 2006. AUBERT, Francis. 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ANEXO 1 O documento abaixo foi retirado do Court Intepreters Program do Judicial Council of California, Administrative Office of the Courts, e configuram um guia prático para o intérprete forense: SUGGESTED SKILLS-ENHANCING EXERCISES FOR INTERPRETERS OF ALL LANGUAGES With so few interpreter training classes available it is often difficult to obtain feedback on interpreting performance. The exercises described below will provide both the novice and the experienced interpreter with methods to improve skills in consecutive and simultaneous interpreting and in sight translation. Effective Listening 1) Observe conversations conducted outside of earshot, (e.g., across a room, with the volume turned down on the television, or in a crowded area, such as a shopping center or an airport). Note how facial expressions, gestures, body movements, posture, and eye contact (or lack of it) reveal what the speakers may be saying. What are they talking about? Which, nonverbal cues suggest the nature of a conversation? What language are the participants speaking? How do you know? Do this exercise in all your working languages. How do the cues differ in each language? 2) Listen closely to someone you cannot see, such as a telephone caller or radio broadcaster, and analyze the person's manner of speaking: voice pitch, tone, and volume as well as other sounds, such as sighs, hesitations, stutters, and tongue clicking. Do this exercise in all your working languages and compare the differences among them. 3) Analyze words and their meanings by asking others what they mean when they use a particular word or phrase. How does their word usage differ from yours? 4) Ask someone for directions to a place you know how to get to, then ask for directions to an unfamiliar place. What happens in your mind in each situation? Do you lose your train of thought or do you jump ahead? 5) The next time you have a conversation with someone and miss part of what was said, analyze what went wrong. How did you lose your concentration? Were you daydreaming? Were you distracted by an unfamiliar word or a physical interference? Did a previous, unresolved conversation or thought intervene? 6) While listening to a speaker, try to determine the speaker's point early in the presentation. At the conclusion of the speech make another evaluation. Were your evaluations the same? Why or why not? 7) How and why are ―linkage‖ words (―however‖, ―but‖, ―unless‖, ―therefore‖, etc.) used? How do they establish the relationships of ideas? Make a list of these words and analyze their usage. Do this in all your working languages. Memorization Techniques for Consecutive Interpreting 1) How do you remember? Are you a visual or a verbal learner, neither or both? If you forget something you have heard, try to understand what prevented you from storing or retrieving the information. 2) Your short-term memory capacity is normally limited to between five and nine bits of information (units of memory), and your ability to recall depends on how well you can organize what you have heard by finding patterns. Have someone read a series of seven unrelated numbers to you. As soon as you are able to repeat the series accurately, try to repeat it backwards. To do this, you must be able to retain the series in your short-term memory. 3) Increase your analytical skills by reading a newspaper or magazine. After finishing each story, try to summarize what you read in a single sentence. Do this in all your working languages. 4) Try exercise 3 after listening to a news report or a radio or television talk show. Summarize the main idea in a single sentence. 5) For the exercises below, have someone read a newspaper or magazine article into a recorder, or record talk or interview programs from the radio or television. 6) Limit yourself to non-technical material. Do not record the news, because the newscaster reads from a prepared script. Record increasingly longer texts as your skills improve. You will only repeat the information you hear in the same language, and will not interpret it. a. Listen to the passage without taking notes and try to repeat as much as possible. b. Listen to the passage and write down key words to help you remember the content. Then repeat as much information as possible. Compare the results you achieved with and without notes. Which worked best for you? c. As you listen to the passage, try to condense it into a few meaningful units. Organize the information into groups. For example, if a person were to list the schools she had attended and the subjects she studied, you could group the schools by location and the subjects studied by topic. Numbers can be grouped the way people recite phone or social security numbers, in groups of two, three, or four numbers, rather than as a string of unrelated numbers. Please note that when interpreting testimony you should maintain the speaker's word sequence as spoken, except to accommodate the syntax of the target language. d. Do not allow your opinions to color your rendition of a speaker's words, even if you have strong opinions about the subject matter. Pay close attention to your reaction to the text while listening, and maintain the same level of language (register) as the speaker. Note that improving your listening and memory skills is an ongoing and lifelong endeavor. As you gain experience and confidence your skills will improve. EXERCISES FOR SIGHT TRANSLATION The exercises outlined below will help you develop skills in Sight Translation. Practice them in all your working languages. Exercises in Public Speaking 1) Reading Aloud: Stand in front of a mirror and read passages aloud from any book, newspaper, or magazine. A legal textbook, code book, or other legal text is useful for familiarizing yourself with legal language. Record or videotape yourself and analyze the outcome critically. Pay attention to your voice, pitch, tone, hesitations, signs, projection, enunciation, and posture. 2) Controlling Emotions: Practice controlling your emotions while reading aloud texts with high emotional content, such as fear, anger, humor, etc. Make sure you convey the author’s intended emotions and not your personal reaction to the subject matter. 3) Public Speaking: Practice speaking before a group of people at every opportunity. People you know will constitute a less threatening audience and will allow you to ease your way into public speaking and build your confidence. Court interpreting is an ongoing exercise in public speaking. Reading Ahead in Text 1) Extensive Reading: Build up your reading speed and, as a bonus, your vocabulary by reading as much as possible in many different fields. 2) Analyzing: Analyze the content of each text and practice picking out the subject and verb to determine the core meaning. Example: Although less influential than in Argentina, migration from Europe in the late nineteenth and early twentieth centuries affected the development of Chilean political culture. Subject: migration; Verb: affected. 3) Identifying Sentences and Embedded Sentences: While reading a text aloud, break up long sentences into smaller, more manageable units. Example: Juvenile delinquency, which is seen most often among minority youths in urban ghettoes, cannot be attributed to the urban environment alone, as it plagues the suburbs as well. Three separate sentences are embedded in this complex sentence: a. Juvenile delinquency is seen most often among minority youths in urban ghettoes. b. It cannot be attributed to the urban environment alone. c. It plagues the suburbs as well. 4) Deciphering Handwriting: Obtain texts written by hand (e.g., letters) and practice deciphering the handwriting on the first oral reading. Analytical Skills 1) Reading for Content: Read a text aloud to a friend and then have the person ask you questions about its content. 2) Chunking: Choose a text and mark off the units of meaning in it. Example: I was getting ready/ to go out to lunch with/ my mother-in-law/ when/ all of a sudden/ I felt sick to my stomach./ It occurred to me that/ it might be/ something psychosomatic,/ but I later found out that/ I was simply allergic to/ the perfume she always wore. 3) Using Transcripts: Perform chunking with transcripts of court proceedings (or any document with a question-and-answer format). Try to establish a hierarchy of importance of the units of meaning. Example: Now, Mr. Jones, in your earlier testimony you mentioned that you had seen the defendant in that bar prior to the date of the incident. Can you tell us or give us an approximation of how long before the incident it was that you first saw the defendant in the El Camino bar? Hierarchy of importance: a. How long before the incident b. You first saw the defendant c. In the El Camino bar d. Tell us, or give approximation e. Had seen defendant prior to date of incident f. Mentioned in earlier testimony g. Mr. Jones h. Now 4) Completing Phrases: Have a friend write a series of incomplete phrases. Complete the phrases and determine whether the resulting sentences convey the same idea the friend originally had in mind. Examples: a. After being reprimanded unfairly by her boss in front of her coworker, the secretary tendered b. The judge determined that the defendant had strong ties to the community and therefore released him As you do this exercise, note the errors you make and be aware of how susceptible we are to reaching false conclusions based on partial information. 5) Paraphrasing: Read a text aloud and rephrase it as you go along, taking care not to change the meaning. Example: Since political parties are found almost everywhere in Latin America, they would seem to be a common denominator in the region's political life. Yet this is not the case. Cultural, environmental, and historical influences on party development are so varied, they challenge conventional notions. Most nations hold periodic elections, but, like parties, the implications of elections may differ profoundly from those of our own culture. Rephrased: Because political parties can be found in just about every Latin American country, one might conclude that they are a common thread in the political life of this region. This is not so, however. There is such a great variety of cultural, environmental, and historical influences on the development of parties that commonly held ideas are contradicted. Elections are held periodically in the majority of countries, but the implications of these proceedings, like those of parties, are very different from the assumptions we can make in our own culture. 6) Expanding: Read a text aloud and expand it (i.e., say the same thing in more words) as you are going along, again taking care not to change the meaning. Example: In spite of what you may have heard, scientists are just like other people. A scientist walking down the street may look just like an insurance agent or a car salesman: no wild mane of hair, no white lab coat. Expanded: Although you may have heard assertions to the contrary, there are no differences between scientists and people who are not in that profession. As a matter of fact, if you saw a scientist out for a stroll on the sidewalk, you might mistake him for a person who sells insurance, or an automobile dealer. Scientists don't all have wild manes of hair and they don't always wear white laboratory coats. 7) Condensing: Read a text aloud and condense it (i.e., say the same thing in fewer words) as you go along, retaining the same meaning. Example: The multiplicity of cues which are utilized in the categorizing and sorting of the environment into significant classes are reconstructed from the strategies and modes of coping with the problems presented to the subjects. In many situations, no certainty can be achieved; the varying trustworthiness and merely statistical validity of the cues frequently make inferences only probable. Condensed: Many cues are used to classify the environment. They are reconstructed from the subject problem-solving strategies. Often, because the cues are not uniformly reliable and are valid only statistically, the results are not certain. 8) Manipulating the Register: Read a text aloud and alter the register or language level as you go along, being careful not to stray from the original meaning. Example: As I was driving to work in the morning, I noticed that the stop sign which used to be on the corner of Main and 1st had been removed. Higher level: Upon transporting myself to my place of employment in a motor vehicle at some point in time prior to noon, I observed that the insignia to cause motorists to bring their vehicles to a stationary position, which had formerly been stationed at the intersection of the thoroughfares known as Main and 1st, had been displaced. Lower level: On my way to work in the morning, I saw that they took out the stop sign that used to be at Main and 1st. Note: These are learning exercises designed to build mental agility, linguistic flexibility, and analytical skills and to heighten awareness of language usage. In actual sight translation, the interpreter does not paraphrase, summarize, or change the register of the original text. EXERCISES TO DEVELOP AND IMPROVE SIMULTANEOUS INTERPRETING SKILLS The suggested exercises listed here are based on experiences gained in the training of both conference and court interpreters. Since the various modes of interpretation involve many of the same mental tasks, the exercises recommended in the sight translation and consecutive interpreting sections will contribute to the development of simultaneous interpreting (SI) skills as well. The exercises in the sight translation section that are designed to develop analytical techniques are particularly applicable to SI, as are the memory-building exercises outlined in the consecutive interpreting section. The following exercises, designed specifically to build the skills involved in SI, are divided into those that emphasize dual-tasking and those that emphasize input analysis. These exercises should be done in all of the interpreter's working languages, beginning with the native or more dominant language. They should be practiced daily for about a half hour at a time, as SI skills must be acquired over time to allow for maximum routinization. Dual-Tasking Exercises 1) Have someone record passages from magazines or newspapers on tape, or record radio or television talk shows or interview programs (news broadcasts are not suitable for these exercises because the pace is too fast and the content is too dense). The subject matter of these passages is irrelevant, but it should not be too technical or contain too many statistics and proper names. Essays and opinion columns are good sources of texts for recording. As you play back the tape, "shadow" the speaker: repeat everything the speaker says verbatim. Try to stay further and further behind the speaker, until you are lagging at least one unit of meaning behind. 2) Once you feel comfortable talking and listening at the same time and are not leaving out too much, begin performing other tasks while shadowing. First, write the numerals 1 to 100 on a piece of paper as you repeat what the speaker says (make sure you are writing and speaking at the same time, not just writing during pauses). When you are able to do that, write the numerals in reverse order, from 100 to 1. Then write them counting by 5's, by 3's, and so on. Note what happens whenever numbers are mentioned in the text you are shadowing. 3) When you are able to do exercise 2 with minimal errors, begin writing out words while shadowing. Begin with your name and address, written repeatedly. Then move on to a favorite poem or a passage such as the preamble to the US Constitution (always choose a passage in the same language as that which you are shadowing). When writing this text, you should copy from a piece of paper placed in front of you. Do not try to write the passage from memory while shadowing the tape. 4) While shadowing the tape as in the previous exercises, write down all the numbers and proper names you hear. Then play the tape back and check to see if you wrote them correctly. The purpose of the above exercises is to accustom your mind to working on two "channels" at once, and to force you to lag behind the speaker. If you find yourself breezing through the exercise with no problem, move on to the next one. You should be taxing your mental capacities to the fullest at all times. On the other hand, if you are having difficulty keeping up with the speaker and are barely able to mumble a few words at a time, move back to the previous exercise until you are comfortable doing it. These exercises should be repeated as many times as necessary over a long period of time. Analysis Exercises 1) Using the same tapes you prepared for the above exercises (or new ones, if you have grown tired of those), rephrase what the speaker says rather than simply repeating it (see the paraphrasing exercise in the sight translation section). Stating a message in different words forces you to lag behind the speaker, waiting until he or she has said something meaningful for you to work with. To change the wording of the message without altering the meaning, you must thoroughly analyze and understand the original message. This exercise also develops your vocabulary because you are constantly searching for synonyms and alternative phrasing. It is perfectly acceptable, and even advisable, to look up words and phrases in a dictionary or thesaurus before attempting to rephrase a passage. It does not matter how many times you go over the tape. Even if you have memorized the passages, you are still deriving benefit from the exercise. Rephrasing simulates mental processes required in SI in that you must abandon the original wording and put the message into a different external form while retaining all of its meaning. 2) To develop your ability to predict the outcome of a message based on your knowledge of the source language syntax and style and on your common sense and experience, do the following exercises with written passages from a magazine or newspaper: a. Cover up the latter half of a sentence and try to predict what it says. Do certain key words in the first half provide important clues? b. Read the title of an entire article or essay and try to predict the content. Confirm or reject your conclusion as you read the article. c. Read the article, paragraph by paragraph, predicting what will come next. Again, pick out key words that contain hints about the direction in which the author is heading. d. Repeat exercises a and b with oral input, having someone read the passages to you. e. As you increase your awareness of key words, learn to look for pitfalls that can lead you astray, such as embedded clauses and dangling participles. Develop your ability to skip over those distractions and get to the heart of a sentence or passage. 3) Using all the techniques you have developed in the preceding exercises, begin interpreting from the source language to the target language. At first, use the tapes you have already recorded and worked on in the other exercises, then make new tapes specifically for interpreting practice. You may want to choose texts related to law and the courts for this purpose, but do not make them too technical at first. When you feel you are ready, record some actual court proceedings for practice. Court reporting schools are a good source of professionally recorded tapes of law-related texts. Textos deslocados