Direito das Coisas II - Professor Eduardo Hoffmann

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Direito das Coisas II - Professor Eduardo Hoffmann
Direito das Coisas II
3. DIREITOS REAIS DE GARANTIA
3.1 Aspectos gerais e finalidades
Fazendo parte integrante dos direitos reais sobre coisas alheias, do qual
ainda faz parte os direitos reais de gozo e fruição, o direito real de garantia se considera
porquanto o credor, titular dos mesmos, não é dono da coisa, a qual pertence, de modo
geral, ao devedor.
O Código Civil, antes de abordar as três espécies de garantias reais, traz
um capítulo (Capítulo I, do Título X, do Livro III) que contém disposições gerais comuns
a todas elas (arts. 1.419 a 1.430). Esses dispositivos concebem uma teoria geral dos
direitos reais de garantia sobre coisa alheia e merecem prioridade no estudo.
Sua específica finalidade é a proteção do credor contra a possível
insolvência do devedor. Assim, este contrai uma obrigação, e, para assegurar seu
completo adimplemento, dá uma coisa em garantia, que fica vinculada, por direito real,
ao cumprimento da dívida.
A função objetiva é assegurar ao titular do crédito o recebimento da
dívida, em razão de preferência de que goza, por se encontrar o bem vinculado ao
pagamento. O direito do credor funda-se sobre o patrimônio, ou em parte do patrimônio
do devedor.
Pontes de Miranda asseverava que: O direito real de garantia tem dupla
função: determina qual o bem destinado à solução da dívida, antes de outros bens; e préexclui, até que se solva a dívida, a solução, com ele, ou o valor dele, de outras dívidas. Com
isso parece-se com o privilégio real que recai sobre determinado objeto, mas ao simples
privilégio, que é pessoal, a despeito da eficácia erga omnes, falta o elemento da préexclusão, que a natureza real dos direitos reais da garantia produz. (Tratado de direito
privado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1971, vol. XX, p. 32/33).
Se inadimplente o devedor no vencimento, propicia-se ao credor
executá-lo, tendo primazia na penhora sobre o bem dado em garantia, pagando-se do
montante devido, com exceção, é evidente, da anticrese, onde só cabe o direito de reter a
coisa.
Por isso, tão firme se torna a garantia que ao credor se outorga
preferência, na mora ou na insolvência, frente a todos os demais credores. O bem dado
em garantia sustentará, em primeira mão, o crédito de tal forma constituído.
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Este efeito de preferência, em direito se denomina preleção.
Ao lado das garantias reais, não se pode olvidar das garantias pessoais,
quais sejam, a fiança e o aval que, na verdade, incidem sobre todo o patrimônio, mas sem
especificação ou vinculação a uma determinada dívida, para garanti-la em primeira mão.
O credor não tem direito à coisa, mas sim ao valor devido. Não solvido o
crédito, instaura-se a execução, e a realização do crédito que recai sobre o produto da
venda.
Diante destes elementos pode-se definir os direitos reais de garantia
como aqueles direitos que conferem ao titular de um crédito o privilégio de ver feito o
respectivo pagamento com o valor do bem dado especificamente em garantia.
Três são os direitos reais de garantia.
Em primeiro lugar está o penhor, que incide ou recai necessariamente
sobre bens móveis, transferindo-se a posse dos mesmos para o credor, à exceção de
certos penhores. Depois, vem a hipoteca, concretizável em imóveis, navios e aeronaves,
que ficam em poder do próprio devedor. E por último aparece a anticrese, envolvendo
bens imóveis, que também se transferem para a posse do credor, a quem cabe o gozo ou
a fruição, até pagar-se o mesmo de valor que lhe é devido.
3.2 Elementos históricos
Historicamente considerados, os direitos reais de garantia constituem
reminiscências da vinculação física e moral das pessoas e bens ao poder de disposição
do credor.
Com efeito, ao tempo da civilização egípcia, o devedor recalcitrante
tinha sua própria pessoa adjudicada ao credor. Os hebreus adonavam-se do devedor, de
sua mulher e de seus filhos, que se transformavam em escravos. Houve uma fase do
direito romano em que se permitia o encarceramento do inadimplente, e inclusive
leiloá-lo em feiras de escravos, até que surgiu a Lei Paetelia, abolindo estas atrocidades,
e fazendo incidir nos bens do devedor a garantia de suas dívidas. A primeira garantia,
neste sentido, parece ter sido a fidúcia, pela qual, ao contrair uma dívida, transferia a
pessoa um bem àquele que se dispunha a emprestar, para, quando do pagamento,
receber de volta o mesmo bem.
Em face de muitas inconveniências práticas deste modo de garantia,
como de não permitir-se ao devedor se resguardar contra a desonestidade do credor,
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que não raramente vendia os bens, apareceu o pignus, também contra a transferência da
posse, mas estando assegurada sua proteção pelos interditos.
Posteriormente, criou-se o contrato anticrético, com a posse do imóvel
pelo credor, do qual ele retirava os frutos a fim de pagar-se dos juros, evoluindo o
instituto para servir a renda também com vistas ao abatimento do capital.
A hipoteca, no entanto, que já existia no direito grego, apareceu como a
forma mais completa, pois evitou os inconvenientes da transferência do bem e da
indisponibilidade pelo devedor.
3.3 Características
Dois atributos preponderam nos direitos reais de garantia: a seqüela e
a preferência. Pela seqüela, a garantia não se despreende da coisa, embora esta mude de
dono. Transmitindo-a o devedor a outra pessoa, é acompanhada de ônus. Não interessa
a superveniência de outras alienações. Perdura o vínculo, marcando indefinidamente o
bem, até operar-se a extinção da dívida. Infere-se, pois, que o direito de disposição não é
limitado pelo gravame. A disposição é sempre respeitada.
Em segundo lugar, prevalece a preferência no pagamento do crédito,
sejam quantos forem os credores, mesmo que a dívida do obrigado assuma cifras
incomensuráveis. Antes de todos os outros credores, satisfaz-se o crédito do titular da
garantia, respeitados, evidentemente, alguns créditos especiais, que decorrem da
própria constituição da garantia, ou expressamente assinaladas pela lei, como às
despesas processuais da execução e as despesas com a conservação da coisa, feitas por
terceiro, com assentimento do credor e do devedor, depois da constituição da hipoteca;
as dívidas provenientes de salários de trabalhadores; os impostos e taxas devidos à
Fazenda Pública, e outras obrigações.
A preferência ou preleção está preconizada no art. 1.419 do Código
Civil: Nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia
fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação.
Concretiza a regra o disposto no art. 1.422 do Código Civil: O credor
hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e
preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no
registro. Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste art. as dívidas que, em
virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.
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Não se estende o direito acima ao credor anticrético por se encontrar o
crédito garantido pelos frutos e rendimentos da coisa, e não por esta. Cabe-lhe reter o
bem e defendê-lo por meio de embargos de terceiro, enquanto não paga a dívida, a teor
do art. 1.423 do Código Civil: O credor anticrético tem direito a reter em seu poder o bem,
enquanto a dívida não for paga; extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de
sua constituição.
3.4 Princípios
São dois os princípios que regem a matéria: publicidade e
especialidade ou especialização. A falta de publicidade era o ponto mais fraco da
construção romana quanto aos direitos reais de garantia. Esta situação se modificou no
direito medieval, quando, para ser válida a garantia à posse da coisa, esta precisava ser
notória, ou de conhecimento público.
O princípio da publicidade, no entanto, veio a ser adotado e conhecido
no direito germânico, com a adoção da satzung, a hipoteca alemã, constituída através de
solenidade pública e, posteriormente, através dos registros imobiliários, criados nas
cidades.
A publicidade é fundamental para tornar o direito oponível a terceiros,
especialmente credores do devedor que sejam comuns ou titulares de um direito real.
A publicidade pode se dar de várias formas, sendo a principal delas o
registro no Cartório de Registro de Imóveis, conforme anota o art. 1.227 do Código Civil:
Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se
adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts.
1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código. O registro é aplicável à hipoteca, à
anticrese e a algumas espécies de penhores.
Também há publicidade na tradição da coisa móvel e nos assentos
respectivos em livros comerciais (penhor mercantil).
Quanto ao princípio da especialização, este consiste na individuação do
bem. E mais do que isso, na expressa menção ao valor do crédito, sua estimação ou valor
máximo, no prazo fixado para pagamento, e na taxa de juros estipuladas, se houver tal
estipulação, tudo para que se promova o conhecimento de terceiros que pretendam
contratar com o devedor.
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3.5 Direitos reais de garantia e privilégios
Embora tanto os direitos reais de garantia como os privilégios se
coloquem numa posição de destaque quando dos processos de insolvência, dada à
primazia na satisfação dos créditos frente a outros credores, há profundas distinções
entre uma e outra espécie. Nos primeiros, a prioridade se funda na garantia tãosomente. O crédito é satisfeito antes de outros em razão do vínculo a um bem que o
garante.
Já os privilégios significam preferências reconhecidas pela lei,
atribuídas a certos créditos, sobre todo o patrimônio do devedor.
Não se desenvolve um poder imediato sobre as coisas, requisito
indispensável nos direitos reais de garantia. A lei é que determina a preferência na
satisfação de certas dívidas, mesmo aquelas sustentadas por garantias reais, como
acontece com as custas judiciais da massa falida ou da insolvência civil, nos créditos
trabalhistas e nos originados de acidentes do trabalho. Assim, o que define o privilégio e
lhe dá razão de ser é a qualidade do crédito, aspecto esse irrelevante no direito real de
garantia.55
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem: I – os créditos derivados da
legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de
acidentes de trabalho; II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; III – créditos
tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber: a) os previstos no art. 964 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de
2002; b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta Lei; c) aqueles a
cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre a coisa dada em garantia; V – créditos com privilégio
geral, a saber: a) os previstos no art. 965 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002; b) os previstos no
parágrafo único do art. 67 desta Lei; c) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo disposição
contrária desta Lei; VI – créditos quirografários, a saber: a) aqueles não previstos nos demais incisos deste
artigo; b) os saldos dos créditos não cobertos pelo produto da alienação dos bens vinculados ao seu
pagamento; c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido
no inciso I do caput deste artigo; VII – as multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis
penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias; VIII – créditos subordinados, a saber: a) os assim
previstos em lei ou em contrato; b) os créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício. §
1o Para os fins do inciso II do caput deste artigo, será considerado como valor do bem objeto de garantia real
a importância efetivamente arrecadada com sua venda, ou, no caso de alienação em bloco, o valor de
avaliação do bem individualmente considerado. § 2o Não são oponíveis à massa os valores decorrentes de
direito de sócio ao recebimento de sua parcela do capital social na liquidação da sociedade. § 3o As cláusulas
penais dos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações neles estipuladas se vencerem em
virtude da falência. § 4o Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários. Art.
84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os mencionados no art.
83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a: I – remunerações devidas ao administrador judicial e seus
auxiliares, e créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho relativos a
serviços prestados após a decretação da falência; II – quantias fornecidas à massa pelos credores; III –
despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como
custas do processo de falência; IV – custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida
tenha sido vencida;V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação
55
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3.6 Pressupostos objetivos do contrato de garantia real
Determina o art. 1.424 do Código Civil: Os contratos de penhor, anticrese
ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia: I - o valor do crédito, sua
estimação, ou valor máximo; II - o prazo fixado para pagamento; III - a taxa dos juros, se
houver; IV - o bem dado em garantia com as suas especificações.
Pontes de Miranda, voltando ao então art. 761 do Código Civil/1916,
equivalente ao acima citado, explica que o mesmo tem de ser lido como se dissesse: Os
acordos de constituição de penhor, anticrese e hipoteca têm de declarar, sob pena de serem
ineficazes contra terceiros: I – o total do que se há de se prestar, ou sua estimação. II – o
prazo fixado para a satisfação. III – a taxa dos juros, se houver. IV – a coisa dada em
garantia com suas especificações56.
O dispositivo atual é mais técnico, pois a codificação anterior previa
como consequência a invalidade do negócio celebrado, ao trazer a expressão ‘sob pena
de não valerem contra terceiros’.
Realmente, a ausência dos elementos exigidos nos comandos legais não
gera a nulidade da garantia, nem sua ineficácia quanto às partes contratantes. Em
realidade, ausentes esses requisitos, a garantia não produzirá efeitos quanto a terceiros,
havendo uma limitação da eficácia real da garantia. Em suma, a garantia existe e é válida,
mas de eficácia reduzida, conforme já decidiu o STJ: (...) 2. Os requisitos elencados no
art. 761 do código revogado (art. 1.424 do Código Civil/2002) não constituem
elementos nucleares do penhor, sem os quais inexistiria o próprio contrato; sequer
se ligam à validade mesma do acordo, que está a depender da capacidade do
agente, da licitude do objeto e de forma prevista ou não defesa em lei. Constituem,
ao revés, verdadeiras condições de sua plena eficácia no mundo jurídico, isto é, da
validade de sua oponibilidade a terceiros. Assim, devem ser mantidas, porque
válidas, as disposições firmadas entre as partes originárias. 3. Entende esta Corte, de
há muito, que a tradição simbólica da coisa dada em depósito não desnatura o contrato de
penhor. 4. Recurso parcialmente conhecido e, no ponto, provido.57
judicial, nos termos do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos
geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei.
56 Tratado de direito privado, vol. V, p. 22.
57 REsp 226041/MG, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 12/06/2007,
DJ 29/06/2007 p. 629.
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Decorrência
do
princípio
da
especialização,
que
consiste na
individuação do bem, e, mais que isso, na expressa menção ao valor do crédito, sua
estimação ou valor máximo, no prazo fixado para pagamento e na taxa dos juros, se
houver.
Como os direitos reais de garantia, em regra, são direitos acessórios, é
imprescindível a perfeita identificação da obrigação principal.
Elenca a lei civil os requisitos formais do princípio da especialização,
sem os quais o contrato não produz efeitos perante terceiros, ou, por outras palavras,
não ganha o status de direito real. Não se torna o contrato de garantia eficaz, valendo
somente entre as partes, no terreno dos direitos pessoais.
Tais requisitos impõem uma total transparência do negócio, de tal
forma que a publicidade obtida com os registros e a tradição, conforme o caso seja
alcançada totalmente.
3.7 Capacidade para a constituição dos direitos reais de garantia
Pelo disposto no art. 1.420 do Código Civil, conclui-se que, quem tem
capacidade de instituir ônus reais, é quem, de modo geral, é capaz para a prática dos
atos da vida civil, confira-se: Só aquele que pode alienar poderá empenhar, hipotecar ou
dar em anticrese; só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese
ou hipoteca. § 1o A propriedade superveniente torna eficaz, desde o registro, as garantias
reais estabelecidas por quem não era dono. § 2o A coisa comum a dois ou mais
proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento
de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver.
Repete a cabeça deste art., com pequena troca de palavras e alteração
na enumeração dos direitos reais de garantia, a disposição contida no caput do art. 756
do Código Civil/1916. Dito isto, por mais uma vez, se traz a baila, a lição de Pontes de
Miranda que a este respeito explicava: Quem não pode alienar não pode hipotecar, porque
a hipoteca pode levar à execução. Passa-se o mesmo quanto ao penhor e à anticrese. Não
pode alienar quem é absolutamente incapaz, ou, sem assistência do titular do pátrio poder,
tutor ou curador, o relativamente incapaz. O cônjuge não pode hipotecar sem o
assentimento do outro cônjuge, se particular o imóvel, ou sem o consentimento, se comum
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o imóvel. Para alienar a parte que tem, como bem particular, em algum imóvel, precisa de
assentimento do outro cônjuge.58
Assim, além da capacidade genérica para os atos da vida civil, exige a lei
um requisito subjetivo para a constituição do ônus real: a legitimidade para alienar.
Como já citado, justifica a doutrina tal exigência porque a ideia de se
criar um direito real de garantia constitui um começo de alienação. Clóvis Beviláqua a
este respeito explicava: Somente aquele que pode alienar pode constituir direito real de
garantia sobre os seus bens, porque o bem que, assim, garante uma dívida fica sujeito ao
pagamento dela, pela venda amigável ou judicial, ou pela percepção dos frutos, desde que,
por outro modo, não for solvida. (v. 3. p. 317).
A capacidade do agente para alienar é, pois, condição de validade dos
direitos reais de garantia. Em razão de tal regra, os incapazes não podem dar bens em
garantias de dívidas suas ou de terceiros, por não terem capacidade para alienar.
Pela regra do art. 1.691 do Código Civil, sem autorização judicial, os pais
não poderão gravar os bens imóveis dos filhos, confira-se: Não podem os pais alienar, ou
gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que
ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente
interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz. Parágrafo único. Podem pleitear a
declaração de nulidade dos atos previstos neste art.: I - os filhos; II - os herdeiros; III - o
representante legal.
A capacidade das pessoas casadas para a constituição de ônus real
depende do regime de casamento e da natureza da coisa. Com efeito, dispõe o art. 1.647
do Código Civil: Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem
autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de
ônus real os bens imóveis; (...).
Obviamente que, a ausência de outorga pode ser suprida mediante
autorização judicial, conforme dispõe o art. 1.648 do Código Civil, confira-se: Cabe ao
juiz, nos casos do art. antecedente, suprir a outorga, quando um dos cônjuges a denegue
sem motivo justo, ou lhe seja impossível concedê-la.
Do acima exposto, verifica-se não haver necessidade da anuência do
outro cônjuge quando se tratar de bens móveis, ficando a restrição apenas para as
hipóteses de hipoteca e anticrese.
58
Tratado de direito privado, vol. XX, p. 26.
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Entende-se que essa incapacidade relativa alcança os casos de união
estável, pois, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber o regime da comunhão parcial de bens, o que não exclui a
necessidade de outorga do outro parceiro, conforme é a dicção do art. 1.725 do Código
Civil: Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações
patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Uma outra situação bastante comentada diz respeito à garantia de bem
de ascendente em favor de descendente, sem o consentimento dos demais descendentes.
Diz-se que a outorga de garantia real não poderia ser concedida em face do disposto no
art. 496 do Código Civil: É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os
outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.
Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime
de bens for o da separação obrigatória.
A discussão aqui surgiu em face de que o antigo art. 1.132 do Código
Civil/1916, dizia que os ascendentes não podem vender aos descendentes, contudo o atual
dispositivo informa ser anulável.
A questão no STF não era pacífica, pois que primeiro se editou a Súmula
152, proclamando o prazo prescricional de 04 anos para anular a venda. Posteriormente
surgiu à Súmula 494, revelando que o entendimento de que a prescrição era de 20 anos,
em face da nulidade do ato.
No STJ a 4ª Turma no julgamento do REsp 977/PB, por votação
majoritária, decidiu tratar-se de ato anulável. Todavia, posteriormente, unanimemente,
manifestou o entendimento de que a venda sem que os outros descendentes
expressamente consintam é nula (REsp 208.521/RS).
Daí, cuidando-se de constituição de garantia real, devem ser
investigadas as condições do negócio, pois, em princípio, não é nulo o negócio, mas
simplesmente anulável, em benefício da meação ou da herança.
Também não nos parece que a lei vede a constituição de uma garantia
de pai para garantir divida do filho. Ocorrendo a excussão do bem, entretanto, parecenos que os filhos prejudicados, em tempo, oportuno, poderão reivindicar a igualdade das
legitimas.
Os falidos, naturalmente, com a perda da administração dos bens que
passam a integrar a massa, não podem constituir garantias reais sobre aqueles bens.
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O mandatário, por outro lado, somente poderá onerar bens do
mandante se tiver, para tanto, poderes expressos.
Por fim, é reconhecido que o herdeiro poderá hipotecar sua parte ideal
da herança, mas o inventariante somente poderá hipotecar bens do acervo hereditário,
com autorização do juízo do inventário, em vista de se tratar de bem imóvel a teor do
art. 80 do Código Civil.59
No que pertine ao § 1º do citado art., que prevê a propriedade
superveniente que se torna eficaz, desde o registro, das garantias estabelecidas por
quem não era dono. Trata-se de regra análoga à venda a non domino (venda por quem
não era dono). Melhor explicando, se após dar o bem em garantia, a pessoa que não era
proprietária se torna dona do bem, o vício que inquinava a garantia estará sanado
aproveitando-se o negócio jurídico. A regra garante a conservação do negócio jurídico e
a manutenção da autonomia privada.
Quanto § 2º que trata de coisa comum a dois ou mais proprietários,
tem-se que a coisa não pode ser dada em garantia real em sua totalidade, sem o
consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a
parte que tiver. Curiosamente o Código Civil não exige a anuência do condômino em caso
de alienação de bem comum, ainda que o bem seja indivisível. Sendo assim, enquanto
para a venda de bem comum indivisível o Código Civil exige que se observe a preferência
do condômino (Código Civil, art. 504), para que o bem seja dado em garantia não há tal
exigência. Neste sentido, confira-se: RECURSO ESPECIAL. CONTA POUPANÇA CONJUNTA.
PENHOR EM FAVOR DE TERCEIRO. TOTALIDADE DO SALDO DA POUPANÇA.
SOLIDARIEDADE INEXISTENTE. 1. Os titulares de conta poupança mantida em conjunto
são credores solidários do banco. A recíproca não é verdadeira: penhor constituído por um
dos titulares com o banco, não faz o outro devedor solidário. 2. O saldo mantido na conta
conjunta é propriedade condominial dos titulares. Por isso, a existência de condomínio
sobre o saldo, que é bem divisível, impõe-se que cada titular só pode empenhar, licitamente,
sua parte ideal em garantia de dívida (Arts. 757 do Código Beviláqua e 1.420, § 2º, do novo
Código Civil). 3. O Banco credor que, para se pagar por dívida contraída por um dos
titulares da conta conjunta de poupança, levanta o saldo integral nela existente, tem o
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais: I - os direitos reais sobre imóveis e as ações que os
asseguram; II - o direito à sucessão aberta.
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dever de restituir as partes ideais dos demais condôminos que não se obrigaram pelo
débito.60
3.8 Objeto
Como é sabido, o objeto do penhor é a coisa móvel; da anticrese, os
frutos e rendimentos do bem, sendo que este permanece na posse do credor, para
viabilizar aqueles direitos; e na hipoteca, é o imóvel, sem que passe para a posse do
credor, ainda é possível a hipoteca sobre os navios e as aeronaves.
A segunda parte do art. 1.420 diz quais os bens sujeitam-se aos
gravames: só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese e
garantia.... Assim, apenas as coisas in commercium constituirão objeto de direitos reais
de garantia, ou seja, objeto lícito e possível. Caso isso não se verifique, a garantia será
nula, por ilicitude do objeto (Código Civil, 166, II).
Assim, não podem ser dados em garantia os bens fora do comércio, os
bens inalienáveis por força de lei, convenção ou testamento, e, ainda, os que, nos termos
da lei processual, sejam impenhoráveis. Ressalva se faz quanto ao bem de família
hipotecado (Lei nº 8.009/90, art. 3º, inc. V), porque, sendo o imóvel oferecido como
garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, a sua impenhorabilidade não é
oponível ao credor.
Contudo, tal regra tem sido mitigada no STJ. Tem entendido este
Tribunal que a lei só permite a hipoteca do bem de família se a dívida garantida for
contraída no interesse da entidade familiar, o que representa uma interpretação
restritiva da exceção legal. Exemplificando, se o marido dá em hipoteca a casa em que
reside para garantir dívida da pessoa jurídica da qual é sócia, a hipoteca tem sido
considerada nula. Concluindo, cumpre transcrever as seguintes ementas:
AGRAVO
REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CARIMBO DE PROTOCOLO LEGÍVEL. BEM DE
FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. DÍVIDA CONTRAÍDA PELA EMPRESA FAMILIAR. 1. A
data de interposição do recurso especial, conforme se depreende da leitura do carimbo de
protocolo, foi 22 de setembro de 2003, sendo, portanto, tempestivo. Não há, por outro lado,
qualquer manifestação nos autos que leve a crer estar incorreta essa conclusão. 2. A
exceção do inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90 deve se restringir às hipóteses em que a
60
REsp 819327/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em
14/03/2006, DJ 08/05/2006 p. 214
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hipoteca é instituída como garantia da própria dívida, constituindo-se os devedores em
beneficiários diretos, situação diferente do caso sob apreço, no qual a dívida foi contraída
pela empresa familiar, ente que não se confunde com a pessoa dos sócios. 3. Agravo
regimental improvido.61 No mesmo sentido: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO MOVIDA
CONTRA PESSOA JURÍDICA. IMÓVEL DE SÓCIO DADO EM GARANTIA HIPOTECÁRIA DA
EMPRESA. IMPENHORABILIDADE. LEI N. 8.009/90, ART. 3º, V. EXEGESE. I. Ainda que dado
em garantia de empréstimo concedido a pessoa jurídica, é impenhorável o imóvel de sócio
se ele constitui bem de família, porquanto a regra protetiva, de ordem pública, aliada à
personalidade jurídica própria da empresa, não admite presumir que o mútuo tenha sido
concedido em benefício da pessoa física, situação diversa da hipoteca prevista na exceção
consignada no inciso V, do art. 3º, da Lei n. 8.009/90.II. Recurso especial não conhecido.62
A proteção da família e o direito de moradia são questões de ordem
pública que devem prevalecer sobre a vontade dos particulares, daí o acerto das
decisões, pois que, em um sistema de personalização do direito civil em que a pessoa
humana passa a ser o centro das atenções, o patrimônio assume apenas o papel de
coadjuvante, há verdadeira despatrimonialização do Código Civil.
3.9 Pagamento parcial do débito e indivisibilidade das garantias
Consta do art. 1.421 do Código Civil: O pagamento de uma ou mais
prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta
compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação.
A garantia instituída perdura até o pagamento da última parcela da
obrigação. É que o vínculo estabelecido pela garantia real adere por inteiro à coisa que
serve de garantia. Para ilustrar: Se a dívida for de R$ 100.000,00 e o imóvel dado em
hipoteca valer R$ 100.000,00, ainda que o devedor pague R$ 90.000,00, que corresponde à
90% da dívida, a garantia persiste una e indivisível. Não haverá redução automática em
90%. Claro que, nessa hipótese, sendo a garantia executada e apurado o valor de R$
100.000,00, a quantia de R$ 10.000,00 correspondente ao crédito não pago irá para o
credor e o saldo (R$ 90.000,00) para o proprietário do bem. Se a garantia fosse divisível, só
seria executado 10% do bem correspondente à dívida não paga.
61
AgRg no Ag 597243/GO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em
03/02/2005, DJ 07/03/2005 p. 265.
62 REsp 302186/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR,
QUARTA TURMA, julgado em 11/12/2001, DJ 21/02/2005 p. 182
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Direito das Coisas II
Da mesma forma: se dois carros no valor de R$ 50.000,00 cada um forem
dados em penhor para garantir uma dívida de R$ 100.000,00. Ainda que o devedor pague
R$ 50.000,00 (50% da dívida), ambos os carros continuam empenhados em favor do
credor, não podendo o devedor exigir a redução correspondente da garantia.
A única exceção consta na parte final do art. 1.421 do Código Civil, ou
seja, se as partes convieram no contrário e admitirem a redução no instrumento da
garantia. Não é raro, no curso do tempo, avençarem os contraentes a exoneração de
certos bens, dada a superioridade do valor da garantia frente ao restante do débito a
solver.
Nesse sentido, confira julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
no agravo de instrumento n° 5.149/97 de 06.04.98: Sendo indivisível a hipoteca,
enquanto não solvida integralmente a dívida, por ela garantida, persiste o gravame por
inteiro, sobre a totalidade dos bens hipotecados, ainda que divisível a obrigação – somente
por ato voluntário do credor, poderá desfalcar-se a garantia, não podendo ser ele impedido
de excuti-la, se o desejar, por inadimplida a obrigação da devedora hipotecaria.
Provimento do recurso.
A indivisibilidade se estende à sucessão, impedindo-se aos sucessores
remir parcialmente o gravame, conforme preconiza o art. 1.429 do Código Civil: Os
sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na
proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo. Parágrafo
único. O herdeiro ou sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor
pelas quotas que houver satisfeito.
3.10 Direito de seqüela
Constitui-se este no vínculo de natureza real que confere ao credor o
direito de seguir a coisa, esteja ela em poder de quem quer que seja. Em razão da
seqüela (de seguir o bem), o direito real adere sobre o bem que fica gravado.
A metáfora da seqüela no reino animal se dá com o tubarão e um peixe
marinho chamado rêmora. A rêmora adere ao abdômen do tubarão para se alimentar
dos restos de comida que escapam da boca do animal. Onde quer que o tubarão vá, a
rêmora, estará presa em seu abdômen.
Em razão da seqüela, o direito de garantia acompanha o bem, ainda que
este seja alienado por ato inter vivos (venda, doação, permuta) ou por ato mortis causa
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Direito das Coisas II
(sucessão legitima ou testamentária). Também pela seqüela, a indivisibilidade do direito
de garantia persiste não só com a morte do proprietário do bem, mas também em caso
de alienação inter vivos. Exemplifica-se: Se o bem hipotecado é vendido para duas pessoas
e cada uma delas é proprietário de 50% da coisa, qualquer uma responde pela totalidade
da dívida, pois a hipoteca é indivisível.
A questão da seqüela e da oponibilidade erga omnes dos efeitos do
direito real de garantia sofreu um mudança de perspectiva em razão da Súmula 308 do
STJ, a qual dispõe: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior
ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os
adquirentes do imóvel.
Seu surgimento é decorrência dos problemas da construtora Encol. O
caso é o seguinte: o banco, normalmente credor hipotecário, financiava a construção do
edifício recebendo o terreno em garantia. Com a finalização das obras, as unidades
autônomas, na qualidade de acessórias, acabavam também gravadas com a hipoteca que
incidia sobre o terreno, porque o acessório segue o destino do principal. Problema é que,
nestas operações o compromissário comprador da unidade, acabava pagando o valor
devido pelo imóvel diretamente à construtora que nada (ou muito pouco) repassava aos
bancos. Em razão da seqüela e da oponibilidade erga omnes da hipoteca, o banco
executava os imóveis que já estavam compromissados e os adquirentes sofriam os
prejuízos decorrentes do inadimplemento pela construtora.
Com a Súmula 308 do STJ, a eficácia e a seqüela não são mais as
mesmas, já que o adquirente não sofrerá seus efeitos. Em outras palavras, com relação
ao adquirente do imóvel, não há seqüela, que somente atinge a construtora. A eficácia da
hipoteca nas operações de financiamento passou a ser apenas entre os contratantes
(inter partes) e não mais erga omnes. Confira-se: Agravo regimental. Recurso especial não
admitido. Hipoteca. Construtora. Agente financeiro. Precedentes.1. A Segunda Seção desta
Corte, no julgamento do EREsp nº 415.667/SP, Relator o Ministro Castro Filho, DJ de
21/6/04, consolidou o entendimento de que a garantia hipotecária firmada pela
construtora com a instituição bancária não atinge o terceiro adquirente da unidade
autônoma. 2. A alegada ausência de oportuno registro do instrumento de permuta não
afasta o direito do terceiro adquirente, baseado na aquisição de boa-fé, conforme
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Direito das Coisas II
entendimento consolidado na Súmula nº 84/STJ. 3. Agravo regimental desprovido.63 No
mesmo sentido: Sistema Financeiro de Habitação. Imóveis alienados. Hipoteca pela
construtora. Promissário comprador de unidade habitacional. Garantia que não o alcança.
I - O promissário comprador de unidade habitacional pelo S.F.H. somente é responsável
pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer
constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o
financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda,
a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato
individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864/65. Precedentes. II - Embargos de
divergência conhecidos, mas rejeitados.64 No mesmo sentido: CIVIL E CONSUMIDOR.
IMÓVEL. INCORPORAÇÃO. FINANCIAMENTO. SFH. HIPOTECA. TERCEIRO ADQUIRENTE.
BOA-FÉ. NÃO PREVALÊNCIA DO GRAVAME. 1 - O entendimento pacificado no âmbito da
Segunda Seção deste STJ é no sentido de que, em contratos de financiamento para
construção de imóveis pelo SFH, a hipoteca concedida pela incorporadora em favor do
Banco credor, ainda que anterior, não prevalece sobre a boa-fé do terceiro que adquire, em
momento posterior, a unidade imobiliária. 2 - Recurso especial conhecido, mas não
provido.65
3.11 Direito de excussão
Insolvida a obrigação, processa-se a execução no próprio bem que se
denomina ‘excussão’66. Neste sentido é a redação do art. 1.422 do Código Civil: O credor
hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e
preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no
registro. Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste art. as dívidas que, em
virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.
63 AgRg no Ag 522731/GO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 14/09/2004, DJ 17/12/2004 p. 519
64 EREsp 187940/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
22/09/2004, DJ 29/11/2004 p. 220.
65 REsp 557369/GO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 07/10/2004, DJ
08/11/2004 p. 241.
66 No dicionário de Silveira Bueno (Grande Dicionário etimológico da língua portuguesa) encontram-se
para o verbete excussão os significados de ‘inventário, penhora, apreensão dos bens do principal devedor.
Lat. Excussinem, de excutere, sacudir, abalar’, e para excutir os significados de ‘examinar, interrogar
testemunhas, citar, intimar a pagar. Lat excutere’. Os demais dicionaristas, antigos e modernos,
contentam-se em dar ao verbo excutir o significado de executar judicialmente bens do devedor principal.
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Direito das Coisas II
Talvez seja esta a principal prerrogativa outorgada ao credor. Prefere
ele a outros credores, exceto certos créditos especiais ou privilegiados. Preferenciais em
virtude de normas expressas. Estruturalmente, a diferença entre a preferência
decorrente do direito real de garantia e o privilégio é que a primeira recai apenas sobre
o bem específico dado em garantia, enquanto que, o segundo recai sobre todo o
patrimônio do devedor.
Se duas ou mais hipotecas se oferecerem, preponderará a satisfação da
dívida cuja garantia teve prioridade no Registro de Imóveis.
Caso o valor apurado na excussão do bem não satisfizer o montante da
dívida, continua o devedor responsável pelo remanescente, cobrável também via
executiva, segundo o comando do art. 1.430 do Código Civil: Quando, excutido o penhor,
ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas
judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.
Assim, pela redação acima, depreende-se que a insuficiência de garantia
real não exime o devedor de pagar o restante a descoberto. Prosseguirá a execução nos
próprios autos, mas sem qualquer privilégio ao credor. Ficará ele na posição de mero
credor quirografário.
Pertinentemente à anticrese, diverso é o tratamento. Por não constituirse em imóveis ou móveis, e sim nos frutos naturais ou civis que aqueles produzem, a
excussão não tem lugar, segundo enfatiza o art. 1.423 do Código Civil: O credor
anticrético tem direito a reter em seu poder o bem, enquanto a dívida não for paga;
extingue-se esse direito decorridos quinze anos da data de sua constituição. O credor
anticrético tem direito a reter em seu poder a coisa, enquanto a coisa não for paga.
Extingue-se, porém, esse direito decorridos 15 anos da data de sua constituição.
3.12 Remição das garantias reais
Remir significa liberação da coisa gravada em face da satisfação do
montante devido, embora o termo se use comumente para expressar perdão da dívida e
sua conseqüente extinção sem pagamento.
Clara é a lição de Pontes de Miranda: Remir é recompor, readquirir,
afastar pagando. Apaga-se, com algo que equivalha, a mancha que o direito real limitado
deixou sobre o domínio, embora sem o atingir na substância conforme o termo romano.
Redimem-se pecados; redimem-se gravames. (Tratado de direito privado, vol. XX, p. 41).
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Direito das Coisas II
Sobre o assunto, confira-se a redação do art. 1.429 do Código Civil: Os
sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na
proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo. Parágrafo
único. O herdeiro ou sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor
pelas quotas que houver satisfeito.
Quanto à legitimação para a remição, embora venha no preceito
regulada apenas a remição pelos sucessores do devedor, não se infere que em outras
hipóteses não seja permitida. O próprio devedor está autorizado a saldar a dívida, e
remir a hipoteca, que se concretiza com o cancelamento de seu registro.
3.13 Vencimento antecipado da dívida
A dívida vence, ordinariamente, no seu termo previsto. É requisito do
contrato a previsão do prazo do vencimento, como se lê no art. 1.424, II do Código Civil.
Mas alguns fatores determinam o vencimento antecipado. Estes estão elencados no art.
1.425 do Código Civil, na seguinte ordem: A dívida considera-se vencida: I - se,
deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o
devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;
Dois são os motivos da insuficiência: a deterioração e a depreciação da
coisa, como os desgastes naturais de um prédio, ou de um vínculo. Com o uso, as peças e
componentes perdem o funcionamento normal e esperado. Então o credor procede a
intimação para que o devedor, em um determinado prazo, que pode ser de 30 dias,
ofereça o reforço necessário ou providencie a substituição.
Se, no entanto, a degradação ou desvalorização imputar-se ao credor,
por encontrar-se em seu poder a coisa, como no penhor e na anticrese, então ao devedor
se reconhece o direito de indenizar-se.
Nos termos do inc. II, se o devedor cair em insolvência ou falir, tendo este
por razão, que aberta a falência, ao devedor nenhuma vantagem traz o benefício do
prazo das dívidas que não se acharem vencidas, pois a quebra induz à convicção de que
estas também não seriam pagas no vencimento. Os credores se fossem sujeitos à espera
do termo, ficariam expostos a prejuízos irreparáveis. A falência opera, então, sem
gravame do devedor e em beneficio dos credores a extinção geral dos prazos, de modo
que todos poderem intervir no seu processo e, como partes diretamente interessadas,
cuidarem de seus interesses e direitos.
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Direito das Coisas II
Pelo inc. III: se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez
que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da
prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata. Em
geral, todos os contratos estipulam o vencimento antecipado da dívida total, embora
exigível apenas uma prestação. Isto mesmo que a mora envolva apenas os juros ou
outros consectários.
No inc. IV, tem-se, a extinção: se perecer o bem dado em garantia, e não
for substituído. É o que ocorre quando do incêndio de um prédio sobre o qual instituiu
ônus real, ou no desaparecimento de um imóvel por alargamento das margens de um
rio, sem que o devedor faça a substituição.
Por último, no inc. V: se se desapropriar o bem dado em garantia,
hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento
integral do credor. Por fim regulam os parágrafos 1° e 2º do citado art.: § 1o Nos casos de
perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou
no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência
até seu completo reembolso. § 2o Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca
antes do prazo estipulado, se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado
em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida,
com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos.
O art. 1.426 do Código Civil apresenta uma norma quanto aos juros, no
vencimento antecipado: Nas hipóteses do art. anterior, de vencimento antecipado da
dívida, não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido.
Não se pense que outras causas inexistem. O art. 333 do Código Civil
enumera mais razões de vencimento antecipado, extensíveis aos créditos garantidos
com ônus reais, confira-se: Art. 333. Ao credor assistirá o direito de cobrar a dívida antes
de vencido o prazo estipulado no contrato ou marcado neste Código: I - no caso de falência
do devedor, ou de concurso de credores; II - se os bens, hipotecados ou empenhados, forem
penhorados em execução por outro credor; III - se cessarem, ou se se tornarem
insuficientes, as garantias do débito, fidejussórias, ou reais, e o devedor, intimado, se negar
a reforçá-las. Parágrafo único. Nos casos deste art., se houver, no débito, solidariedade
passiva, não se reputará vencido quanto aos outros devedores solventes.
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Direito das Coisas II
3.14 Garantia assumida por terceiro
É consabido que a garantia real pode ser prestada por terceiro. A
legislação de alguns paises expressa diretamente essa faculdade (Código Civil italiano,
arts. 2.784 e 2.808; Código Civil espanhol, art. 1.857). Outras o fazem de modo indireto
como o nosso. Nenhuma proíbe a constituição de garantia por terceiro, isto é, por pessoa
que não seja parte na relação principal.
Decorre essa possibilidade da autonomia da vontade, ou da liberdade
das pessoas no campo do direito privado, e da faculdade reconhecida em quase todos os
sistemas jurídicos do mundo da prestação da garantia por outrem, que não o devedor.
Regra importante é a do art. 1.427 do Código Civil: Salvo cláusula
expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a
substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.
Tal regra como explica Washington de Barros Monteiro vige pois que, o
terceiro prestador de garantia não se transforma em co-devedor ou fiador, não fica
obrigado a substituir, ou reforçar a garantia, se a coisa gravada se deteriora, ou se
desvaloriza. Só a própria coisa responde pela obrigação. Essa responsabilidade não se
amplia aos demais bens componentes do patrimônio do terceiro. (Curso de direito civil –
direito das coisas. p. 333).
3.15 Possibilidade de o credor ficar com coisa – cláusula comissória
Não se autoriza a inserção de cláusula comissória no contrato de
empréstimo com garantia real. Neste sentido o preceito do art. 1.428 do Código Civil:
Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário
a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento. Parágrafo único.
Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.
Sem dúvida, a regra, denominada lex comissoria no direito romano, que
a admitiu até certa época, visa a proteção ao devedor, que se coloca numa posição de
inferioridade frente ao credor, bem como evitar a prepotência facilmente possível do
poder econômico.
Tem origem a palavra em um pacto adjeto ao contrato de compra e
venda, previsto na lex comissoria do direito romano, expresso na seguinte formula: si ad
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Direito das Coisas II
diem pecúnia soluta non sit, ut fundus inemptus sit (se no prazo, não for pago o preço, que
o imóvel seja tido como não comprado).
O pacto comissório é a convenção autorizando o credor da divida
garantida por penhor, anticrese ou hipoteca a ficar com a coisa dada em garantia, se a
prestação não for cumprida no vencimento.
Se insolvida a dívida, em se tratando de penhor ou hipoteca, cabe ao
credor executar o devedor, praceando o bem após a regular execução, como vem
externado no art. 1.422 do Código Civil. Mas no momento da praça, autoriza-se ao titular
do crédito, na qualidade de exequente, adjudicar o bem pelo preço da arrematação,
desde que o valor se mostre insuficiente para a satisfação de seu crédito, ou não alcance
o preço justo e real que tem a coisa.
Há a exceção do parágrafo único do art. 1.428 do Código Civil,
autorizando a entrega do bem pelo montante da dívida, após o vencimento. A norma
revela-se de utilidade, se bem aplicada, já sendo colocada em prática em contratos
semelhantes ao com garantia pignoratícia, como na alienação fiduciária e no
arrendamento mercantil.
A doutrina e a jurisprudência reconhecem como válida a dação em
pagamento posterior ao vencimento da dívida garantida pelo bem onerado. A 3ª Turma
do STJ, em julgado que apreciou e declarou a nulidade de cláusula de promessa de dação,
deixou, porém, explícito: Admissível a dação em pagamento, não o é, entretanto, a
promessa de fazê-la, mediante avença no mesmo ato em que contratado o mútuo e
constituída a garantia hipotecária.67
67
REsp 10.952, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 25.11.1991.
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