A bicicleta de senhora

Transcrição

A bicicleta de senhora
Apontamentos pelos trilhos da Igualdade…
Bicicleta de Senhora
Certo dia, vi um episódio dos Simpson em que Bart e Milhouse precisando de se deslocar
rapidamente, recorrem às bicicletas dos irmãos Simpson, usando Milhouse a bicicleta da Lisa.
Começada a viagem, Bart pergunta ao amigo “ Então, que tal é usar uma bicicleta de rapariga?”,
ao que Milhouse responde, “É assustadoramente confortável!”.
Este diálogo fez-me questionar dois fenómenos distintos. Em primeiro lugar, os níveis de conforto
socialmente aceitáveis, em diferentes circunstâncias, consoante o papel de género. Por exemplo:
a indústria da moda tem vindo a construir um padrão de conforto a nível do vestuário e calçado
bastante mais elevado para homem do que para mulher, já no desporto, tende a ser expetável
que o homem seja capaz de despender maior esforço e portanto necessita de menor nível de
conforto do que a mulher. Assim se justifica a expressão de Milhouse, “é assustadoramente
confortável”, porque ao fazer esforço físico, coisa que lhe é ‘natural’, a necessidade de conforto
não deveria ser sentida por um indivíduo do sexo masculino. E em segundo lugar, esta ilustração
fez-me a refletir os motivos sócio-históricos relacionados com a persistência de um modelo
feminino de bicicleta, levando-me a descobrir a importância do uso da bicicleta no longo
processo de emancipação da mulher. É particularmente sobre este último fenómeno que quero
aqui partilhar alguns dados e considerações.
As mulheres começaram a fazer uso da bicicleta na época vitoriana, quando a sua causa se
prendia ainda com questões básicas de restrição de liberdade e de mobilidade, estando a mulher
restringida ao espaço do lar. Assim, o uso da bicicleta causou grande polémica, pois não só
contrariava o perfil de fragilidade feminina, como permitiria às mulheres uma mobilidade
potencialmente perigosa.
Susan B. Anthony1, defensora da igualdade de género, chegou a afirmar “a bicicleta fez mais
pelas mulheres do que qualquer coisa neste mundo”, a bicicleta permitiu uma nova expressão da
feminilidade: “livre e desimpedida” (Autoclassic, 2012).
1
Wikipedia, 2012. Acedido em 25 de Março, em: http://en.wikipedia.org/wiki/Susan_B._Anthony
O motivo pelo qual o modelo de bicicleta feminino é distinto prende-se com o vestuário utilizado
pelas mulheres. As mulheres que aderiram ao meio de transporte, completamente popularizado
no final do séc. XIX, sentiram necessidade de adaptar o seu vestuário, criando os bloomers, uma
espécie de saia-calça afunilada. Particularmente entre as classes mais favorecidas, esta alteração
de comportamentos foi alvo de severo controlo social, chegando a ser criados mecanismos como
o serviço de acompanhamento de senhoras em passeios de bicicleta por outras senhoras “de boa
posição social”2. A bicicleta foi nitidamente associada ao desvio face aos padrões socialmente
aceitáveis de comportamento feminino, por facilitar a realização de actividades não relacionadas
com o cuidado do lar, como clubes de leitura ou negócios.
A bicicleta permanece uma prova da perseverante luta das mulheres pela igualdade de direitos,
afirmando os Censos americanos de 1900 que “poucos objetos utilizados pelos seres humanos
originaram uma revolução tão grande nas convenções sociais como a bicicleta”3.
Vale a pena pensar nisto!
Por Vera Diogo, 2012
2
Autoclassic, 2012. Acedido em 25 Fevereiro, em: http://www.autoclassic.com.br/autoclassic2/?p=5648
3
Autoclassic, 2012. Acedido em 25 Fevereiro, em: http://www.autoclassic.com.br/autoclassic2/?p=5648.

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