Desafios do Partido Democrata Ariel Finguerut Sim, nós

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Desafios do Partido Democrata Ariel Finguerut Sim, nós
Desafios do Partido Democrata
Ariel Finguerut
Sim, nós podemos (vencer sem precisar dos votos no Colégio Eleitoral dos Estados do
Sul).
“A primeira lição que se deve aprender na política eleitoral é consolidar sua base”
George W. Bush
É difícil sermos categóricos em afirmar que Hillary Clinton, escrevendo em setembro de
2014, é a favorita para a sucessão de Barack H. Obama.
Os desafios começam pelo desgaste de dois mandatos. Historicamente são raros os casos de
uma presidência com oito anos de mandato e que ainda conseguiu fazer seu sucessor. Ainda
mais que Obama não é um presidente popular, como mostra pesquisa tanto da Gallup como
da Fox News, Obama é uma figura polarizadora. Tem muito apoio entre simpatizantes do
partido democrata (84% de aprovação, 12% de rejeição), mas em compensação é reprovado
por independentes (32% de aprovação e 60% de rejeição) e por simpatizantes do partido
republicano (8% de aprovação com 86% de reprovação), ficando no geral com 46% de
aprovação e 47% de reprovação. Se compararmos com outros presidentes, o atual momento
de Obama em termos de popularidade está mais próximo de George W. Bush do que de Bill
Clinton, embora as vésperas de uma intervenção militar na Síria a situação pode mudar
bastante até o final do mandato.
De qualquer forma, Hillary Clinton não poderá se apresentar apenas como uma
continuidade natural de Obama tal como George H. W. Bush pôde fazer em 1989 diante de
Ronald Reagan ou como Lyndon Johnson após o assassinato de Kennedy em 1963. Mas tão
pouco ela teria condições de se apresentar como uma “novidade” ou como uma voz crítica à
administração. Primeiro porque Hillary não é “nova na política”, além de primeira dama de
Bill Clinton, foi senadora por Nova Iorque durante o governo George W. Bush, e não
esconde seu sonho de ser presidente, tendo disputado de forma competitiva as primárias de
2008 nas quais era a favorita. E segundo porque ela foi uma figura central do gabinete de
Obama entre 2008 e 2012 como secretária de Estado, respondendo, por exemplo, pela
intervenção na Líbia e pelo ataque à embaixada americana em Benghazi (Líbia).
E também é uma incógnita como Hillary irá lidar com o “legado Obama”. Ela pode tentar se
colocar como mais “progressista” e prometer avançar nas reformas e sugerir novas
iniciativas (como, por exemplo, uma reforma trabalhista ou educacional) ou poderá se
apresentar como mais “conservadora” prometendo manter um pé em políticas liberais, mas
com mudanças de direcionamento que agradem o eleitorado mais conservador. Ou também,
diante de um eventual fracasso na Síria, Hillary poderá se colocar como próintervencionista e pró - mudança de regime (e pagar o ônus de defender uma guerra
impopular) ou, tal como outros liberais do passado, retomará bandeiras isolacionistas, tese
que considero a menos provável.
Hillary terá ainda pelo menos um ano e meio para moldar suas posturas e lapidar suas
propostas. Nesse sentido, o tempo corre a seu favor.
Outro desafio para Hillary Clinton será apresentar seu próprio legado como secretária de
Estado durante o primeiro mandato de Obama (2009 - 2012). Por um lado, pensando em
2016, estar fora do governo permite um distanciamento do desgaste da opinião pública,
mas, por outro lado, coloca-a distante do debate e, mesmo estando fora do governo, pesará
sobre ela a acusação quanto às políticas que fracassaram. E como se trata de dois governos
“Obama”, não será possível colocar no debate novamente o governo George W. Bush.
Hillary terá que lidar com a contradição de saber defender e, ao mesmo tempo, “atacar” e
criticar o governo do qual fez parte e que pretende suceder.
Tal como aconselha Bush, Hillary precisar antes de tudo se esforçar para consolidar sua
base de apoio e de alguma forma buscar revigorá-la. Pela perspectiva dos democratas é
preocupante a queda de votos que Obama teve comparando 2008 com 2012 (de uma eleição
para outra Obama perdeu 3.582.720 de votos além de ganhar, como nos mostra estudo do
Washington Post, com margem inferior a 10% em 13 estados (em 2008 foram em 6
estados) além de ter perdido a Carolina do Norte, uma vitória mais do que simbólica para a
eleição do então primeiro presidente declaradamente negro dos EUA.
A base mais sólida de Obama é formada pelo eleitorado com menos de 45 anos em grandes
cidades e com “minorias” tais como afro-americanos, gays, judeus, asiáticos, latinos e
pessoas sem religião. Quanto às “minorias” que em muitos casos formam a “maioria” dos
votos para os democratas muitas vezes eles são mobilizados primeiramente contra o
adversário republicano e nesse sentido quanto mais “conservador” ou “tea party” for a
escolha dos Republicanos, menos trabalho terá Hillary para contar com esses votos. E
Hillary portanto terá o desafio de saber dosar um tom “propositivo” para suas propostas
com um tom mais enérgico e agressivo com ataques que consigam “assustar” o eleitorado
tradicional do democratas. Essa dosagem entre propostas e ataques é central para o êxito de
uma candidatura; sem equilíbrio, facilmente Hillary poderá ser retratada como “agressiva”,
“prepotente” ou “desequilibrada” prejudicando sua campanha. Nesse sentido, Hillary tem
plenas condições se de sair bem uma vez que tem ampla experiência tanto em campanhas
como em “escândalos” (da infidelidade de seu marido a explicações desencontradas sobre
os ataques em Benghazi).
Quanto ao eleitorado feminino ou de jovens e que estão nas grandes cidades é preciso de
alguma forma encontrar um fator que suscite certa motivação para que entrem na campanha
ou para simplesmente irem votar no dia das eleições. Obama já tem dado pistas de como
será a “batalha” por esses eleitores quando fala em “guerra contra as mulheres” ou quando
credencia aos republicanos as dificuldades para “avançar” na agenda doméstica. E o próprio
Obama poderá ter papel decisivo na campanha para tentar mobilizar ao máximo esse
eleitorado.
Nesse sentido, a ideia seria mobilizar as mulheres contra uma agenda conservadora que
poderia proibir o aborto, dificultar o acesso a contraceptivos, além de proibir o casamento
gay, tema que conta com grande apoio entre eleitores jovens. Por outro lado, é interessante
notarmos que ainda existe uma rejeição de partida a ideia de uma “mulher” como presidente
dos EUA. Em 2008, segundo pesquisa Gallup, as maiores rejeições seriam para um
presidente ateu (rejeição de 53%) ou homossexual (43%) e as menores rejeições seriam
para um presidente católico (3% de rejeição) ou negro (5%). Uma mulher presidente teria a
rejeição de 11%, o que não é desconsiderável. Ainda mais que Hillary Clinton somará a
esses 11% de rejeição a rejeição de ser uma “Clinton” e também uma possível rejeição por
ser uma candidata mais velha (terá 68 para 69 quando disputar a eleição em 2015) além da
própria rejeição de Obama.
Apesar dessas dificuldades quando pensamos nas rejeições do eleitorado, basta olhar o
mapa eleitoral para encontramos mais otimismo para uma nova vitória dos democratas. Em
2012, Obama teve 332 votos no colégio eleitoral, foram 62 votos a mais que o necessário
para vencer e 126 votos a mais do que teve seu adversário. A margem de “62 votos”
equivale aos votos que têm a Califórnia e Nevada juntos e os 126 votos de diferença em
relação aos republicanos são mais do que todos os votos somados dos estados sulistas.
Analistas do partido democrata podem alegremente celebrar e proclamar “Sim, nos
podemos (ganhar sem o sul)”. E se trata de um motivo para comemorar, pois historicamente
o cenário era bem diferente, basta lembrarmos que muitos candidatos democratas vieram do
sul, Jimmy Carter (da Georgia), Bill Clinton (Arkansas) e Al Gore (Tennessee).
A questão se resume a ganhar nos “swing states” (estados que oscilam historicamente entre
apoiar candidatos democratas e republicanos), como Colorado, Nevada, Flórida, Ohio,
Virginia, West Virginia, New Hampeshire e Carolina do Norte. Os republicanos teriam que
ganhar em todos esses estados para conseguir virar a eleição e passar dos 300 votos no
colégio eleitoral (Romney teve 206). A batalha por esses estados passará principalmente
pelas alianças (escolha do vice, formação da chapa republicana etc.) assim como a
capacidade dos candidatos de mobilizarem suas bases. O Tea Party tem sido forte e muito
combativo no Colorado, Nevada, Flórida e Virginia, estados que por muito pouco Romney
não ganhou em 2012. Em Ohio, por exemplo, Obama ganhou com margem de 1,9% e no
Colorado a margem foi de 4,6% . Mas, por outro lado, o domínio do Tea Party pode acabar
mais assustando o eleitorado do que atraindo novos votos para a base republicana, o que
favoreceria Hillary. E New Hampshire e West Virginia são historicamente mais próximos
dos democratas.
Se Obama é - com razão - acusado de “prometer mais do que poderia cumprir”, ele
certamente soube conduzir suas duas campanhas de tal forma que ele ainda poderá ser um
mobilizador e líder político decisivo para ajudar Hillary assim como seu marido Bill
Clinton poderá ser decisivo para atingir um eleitorado mais urbano e do meio oeste e sua
filha Chelsea Clinton poderá desempenhar um papel decisivo mobilizando os jovens e se
apresentando como um nome novo; da mesma forma, podemos especular o que ocorrerá se
a primeira dama, Michelle Obama, decidir entrar com vigor na campanha por Hillary (vale
lembrar que a primeira dama é muito mais popular que Obama). Com “novos nomes”
mesmo que diante de velhos temas, talvez o partido democrata consiga romper de uma vez
por todas seu declínio e estancar a perda de votos que os democratas estão sofrendo desde o
pico de votos de 2008 e se manterem na Casa Branca.