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ISSN 1517-2422
cadernos
metrópole
sustentabilidade
e justiça socioambiental
nas metrópoles
Cadernos Metrópole
v. 15, n. 29, pp. 1-362
jan/jun 2013
Catalogação na Fonte – Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Cadernos Metrópole / Observatório das Metrópoles – n. 1 (1999) – São Paulo: EDUC, 1999–,
Semestral
ISSN 1517-2422
A partir do segundo semestre de 2009, a revista passará a ter volume e iniciará com v. 11, n. 22
1. Regiões Metropolitanas – Aspectos sociais – Periódicos. 2. Sociologia urbana – Periódicos.
I. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências
Sociais. Observatório das Metrópoles. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de
Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. Observatório das Metrópoles
CDD 300.5
Periódico indexado na Library of Congress – Washington
Cadernos Metrópole
Profa. Dra. Lucia Bógus
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais - Observatório das Metrópoles
Rua Ministro de Godói, 969 – 4° andar – sala 4E20 – Perdizes
05015-001 – São Paulo – SP – Brasil
Prof. Dr. Luiz César de Queiroz Ribeiro
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Observatório das Metrópoles
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Secretária
Raquel Cerqueira
ssustentabilidade
u s t e ntt a b i l i d a d e
e jjustiça
u s t i ç a ssocioambiental
o c i o a m b ie
ental
nas
n a s metrópoles
m e trr ó p o l e s
PUC-SP
Reitora
Anna Maria Marques Cintra
EDUC – Editora da PUC-SP
Direção
Miguel Wady Chaia
Conselho Editorial
Anna Maria Marques Cintra (Presidente), Cibele Isaac Saad Rodrigues, Ladislau Dowbor,
Mary Jane Paris Spink, Maura Pardini Bicudo Véras, Norval Baitello Junior,
Rosa Maria B. B. de Andrade Nery, Sonia Barbosa Camargo Igliori
Coordenação Editorial
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Revisão de português
Eveline Bouteiller
Revisão de inglês
Carolina Siqueira M. Ventura
Revisão de espanhol
Vivian Motta Pires
Projeto gráfico, editoração e capa
Raquel Cerqueira
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05014-901 São Paulo - SP - Brasil
Tel/Fax: (55) (11) 3670.8085
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www.pucsp.br/educ
cadernos
metrópole
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Orlando Alves dos Santos Júnior (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Sérgio de Azevedo (UENF, Campos dos Goytacazes/Rio de Janeiro/
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CONSELHO EDITORIAL
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Paulo/Brasil) Brasilmar Ferreira Nunes (UFF, Niterói/Rio de Janeiro, Brasil) Carlos Antonio de Mattos (PUC, Santiago/Chile) Carlos José Cândido
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Soares de Moura Costa (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Jesús Leal (UCM, Madri/Espanha) José Antônio F. Alonso (FEE, Porto
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(UFSC, Florianópolis/Santa Catarina/Brasil) Luciana Corrêa do Lago (UFRJ, Rio de Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Luís Antonio Machado da Silva
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Salvador/Bahia/Brasil) Maria Cristina da Silva Leme (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Maria do Livramento M. Clementino (UFRN, Natal/Rio
Grande do Norte/Brasil) Marília Steinberger (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Nadia Somekh (UPM, São Paulo/São Paulo/Brasil) Nelson
Baltrusis (UCSAL, Salvador/Bahia/Brasil) Ralfo Edmundo da Silva Matos (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Raquel Rolnik (USP, São
Paulo/São Paulo/Brasil) Ricardo Toledo Silva (USP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Roberto Luís de Melo Monte-Mór (UFMG, Belo Horizonte/
Minas Gerais/Brasil) Rosa Maria Moura da Silva (Ipardes, Curitiba/Paraná/Brasil) Rosana Baeninger (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil)
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COLABORADORES AD HOC
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Gerais/Brasil) Francisco de Assis Comaru (UFABC, Santo André/São Paulo/Brasil) Gislene Aparecida dos Santos (UFPR, Curitiba/Paraná/
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João Farias Rovati (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) João Manuel Machado Ferrão (UL, Lisboa/ Portugal) Jorge da Silva
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Janeiro/Rio de Janeiro/Brasil) Lúcia Cony Faria Cidade (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Luciane Soares da Silva (UENF, Campos dos
Goytacazes/Rio de Janeiro/Brasil) Luciano Joel Fedozzi (UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul/Brasil) Luís António Vicente Baptista
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(PUC-SP, São Paulo/São Paulo/Brasil) Márcio Moraes Valença (UFRN, Natal/Rio Grande do Norte/Brasil) Maria Augusta Justi Pisani
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São Paulo/Brasil) Milena Kanashiro (UEL, Londrina/Paraná/Brasil) Neio Lúcio de Oliveira Camps (UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil)
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(UnB, Brasília/Distrito Federal/Brasil) Ricardo Ojima (Unicamp, Campinas/São Paulo/Brasil) Rosana Denaldi (UFABC, Santo André/São
Paulo/Brasil) Sérgio Manuel Merêncio Martins (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil) Silvana Maria Pintaudi (Unicamp, Campinas/
São Paulo/Brasil) Sonia Lúcio Rodrigues de Lima (UFF, Niterói/Rio de Janeiro/Brasil) Sylvio Carlos Bandeira de Mello e Silva (UCSal,
Salvador/Bahia/Brasil) Vitor Matias Ferreira (ISCTE-UL, Lisboa, Portugal) Weber Soares (UFMG, Belo Horizonte/Minas Gerais/Brasil)
sumário
9
Apresentação
dossiê: sustentabilidade e justiça
socioambiental nas metrópoles
Effects of the urban sprawl and consequences
to social sustainability. An analysis of the
Metropolitan Region of Barcelona
Urbaniza on, migratory dynamics and sustainability
in the Brazilian Semi-Arid Region: the role of the
ci es in the environmental adapta on process
The urban evolu on of the city of Belém:
a trajectory of ambigui es and
socio-environmental conflicts
15
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias
para la sostenibilidad social. Análisis de la Región
Metropolitana de Barcelona
Gemma Vilà
Jordi Gavaldà
35 Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade
no semiárido nordes no: o papel das cidades
no processo de adaptação ambiental
Ricardo Ojima
55 A evolução urbana de Belém: trajetória
de ambiguidades e conflitos socioambientais
Ana Cláudia Duarte Cardoso
Raul da Silva Ventura Neto
Territorial segrega on, sta s cal knowledge
and urban governance. A Foucauldian approach
to the cases of France and Portugal
77 Segregação territorial, conhecimento esta s co
Lights and shadows on the territory.
Reflec ons on the planning performed
by the PAHO/WHO in La n America
99 Luces y sombras sobre el territorio. Reflexiones
e governação urbana. Leitura foucaul ana
dos casos de França e de Portugual
Isabel Pato
Margarida Pereira
en torno a los planteamientos de la OPS/OMS
en América La na
Magdalena Chiara
Ana Ariovich
The unsustainable nature of sustainability. 123 A insustentável natureza da sustentabilidade.
From the environmentaliza on
Da ambientalização do planejamento
of planning to sustainable ci es
às cidades sustentáveis
Ester Limonad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 1-362, jan/jun 2013
7
500 years in search of urban sustainability 143 500 anos em busca da sustentabilidade urbana
Klemens Laschefski
Urbaniza on, environment, risk and vulnerability:
in search of an interdisciplinary construc on
171 Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade:
em busca de uma construção interdisciplinar
Lúcia Cony Faria Cidade
Urban space, circula on and environmental 193 Espaço urbano, circulação e preservação ambiental:
impasses e perspec vas na área de influência do
preserva on: impasses and perspec ves
Rodoanel em São Bernardo do Campo, SP
in the area of influence of the Beltway
Carolina Bracco Delgado de Aguilar
in São Bernardo do Campo, SP
Angélica Tanus Bena Alvim
São Paulo, the unsustainable Metropolis – 219 São Paulo metrópole insustentável –
how can we overcome this reality?
como superar esta realidade?
Pedro Roberto Jacobi
Occupa on of urban hillsides: some 241 Ocupação de encostas urbanas: algumas
considera ons about resilience and sustainability
considerações sobre resiliência e sustentabilidade
Mônica Bahia Schlee
Urban environmental conflicts and urbaniza on 265 Conflitos ambientais urbanos e processos
de urbanização na Ressaca Lagoa dos Índios
processes at Ressaca Lagoa dos Índios, Macapá/AP
em Macapá/AP
Gloria Maria Vargas
Cecília Maria Chaves Brito Bastos
The socio-environmental recovery of urban 289 Recuperação socioambiental de fundos
valley bo oms in the city of São Paulo,
de vale urbanos na cidade de São Paulo,
between transforma on and permanence
entre transformações e permanências
Luciana Travassos
Sandra Irene Momm Schult
Regional development and sustainability: 313 Desarrollo regional y sustentabilidad:
cultural tourism in Southern Jalisco
turismo cultural en la región sur de Jalisco
José G. Vargas Hernández
Sustainability and environmental jus ce at Baixada 339 Sustentabilidade e jus ça ambiental na Baixada
Fluminense: iden fying environmental problems
Fluminense: iden ficando problemas ambientais
based on the demands to the Public Prosecutor
a par r das demandas ao Ministério Público
Ta ana Co a Gonçalves Pereira
359 Instruções aos autores
8
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 1-362, jan/jun 2013
Apresentação
A perspectiva que orientou a presente edição dos Cadernos Metrópole – Sustentabilidade
e justiça socioambiental – foi repercutir criticamente o ambiente de debates ocorridos a partir
da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20)
e do conjunto de eventos paralelos organizados pela sociedade civil em reação e de forma
complementar ao evento oficial, ocorridos em junho de 2012. A ênfase recaiu sobre o debate
em torno de possibilidades de sustentabilidade urbana e de justiça socioambiental, a partir da
compreensão das implicações dos atuais modos de produção, reprodução e consumo nas cidades
e nas áreas metropolitanas, tanto no Brasil como em outros países. Recaiu também sobre o
planejamento e as políticas públicas como potenciais articuladores da presença do Estado e dos
movimentos sociais na construção de alternativas comprometidas com a justiça socioambiental e a
eliminação das diversas formas de desigualdade.
Assim a busca pela constituição de uma área de análise e de prática social e territorial no
campo da ecologia política da urbanização é o fio condutor que alinhava o conjunto de textos aqui
apresentados. Tal perspectiva, necessariamente interdisciplinar, articula a análise dos processos de
produção do espaço em várias escalas espaciais – locais, urbanas, regionais, globais – com as
condições mais amplas de reprodução social, nas quais as relações entre sociedade e natureza
são centrais. Ao mesmo tempo, estimula o surgimento e a consolidação de formas alternativas de
organização territorial, de aprendizado social ou de resistência às tendências homogeneizadoras
de mercantilização das diferentes dimensões da vida.
Nas duas últimas décadas, o debate ambiental na sua relação com as questões urbanas
e territoriais avançou em diferentes perspectivas, ampliando-se para incorporar a urbanização, a
economia, o planejamento, as políticas públicas, as práticas cotidianas, entre outras dimensões.
Em grande medida, o discurso ambiental permeou a sociedade e, ainda que muito lentamente,
consolida a noção de limites e reforça a necessidade de mudança nas formas de uso e convivência
com os bens comuns e de fortalecimento do controle social sobre as formas de apropriação da
natureza. Diferentes perspectivas ambientais vêm sendo internalizadas na prática dos agentes
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013
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Apresentação
sociais, tendo como resultado a redefinição tanto de conteúdos e orientações no sentido de uma
modernização ecológica das decisões e ações que orientam os processos de produção, consumo e
regulação, quanto das relações de poder e lutas sociais que se constituem e organizam em torno
de questões socioambientais.
Do ponto de vista territorial, considera-se que diferentes configurações socioespaciais da
urbanização têm implicações ambientais distintas e ainda pouco conhecidas em sua diversidade.
Tais configurações espaciais podem ser identificadas por diferentes formatos de parcelamento do
solo, níveis de adensamento demográfico, diferentes padrões e processos construtivos, desiguais
níveis de renda e de acesso à habitação, à terra e a equipamentos e serviços, desiguais níveis de
educação e acesso a trabalho e renda, entre outros parâmetros. Resultam de processos também
diferenciados de atuação dos agentes sociais na produção do espaço.
Ainda que no momento atual, em particular no caso brasileiro, as condições de inserção na
divisão internacional do trabalho tenham se alterado e as condições de renda e acesso aos meios
de reprodução básica tenham tido seus patamares mínimos elevados, as condições de desigualdade
persistem e, em alguns aspectos, se aprofundam. O aparente paradoxo do crescimento com
persistência da desigualdade, encontra na cidade, na luta pelo espaço e na dinâmica imobiliária,
uma de suas mais flagrantes evidências socioespaciais. Tal crescimento vem se dando à custa de
formas renovadas de apropriação utilitarista da natureza, modernizadas como economia verde, e
legitimadas por discursos que invocam princípios de sustentabilidade ou de resiliência. A esses,
cabe sempre acrescentar o eterno corolário dos passivos socioambientais, de educação, moradia,
saúde, lazer, cultura, saneamento, entre outros tantos. A constante busca por articulação entre
questões, ideários e proposições oriundas dos campos urbano e ambiental continua como uma
questão norteadora de várias pesquisas que podem ser identificadas em várias das contribuições
deste número.
Os textos que abrem os Cadernos Metrópole 29 discutem as dimensões territoriais da
urbanização e suas implicações em termos ambientais e sociais, em diferentes contextos. O artigo
de Gemma Vilà e Jordi Gavaldà, intitulado Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la
sostenibilidad social. Análisis de la región metropolitana de Barcelona, utiliza-se das formulações
teórico-conceituais sobre cidade compacta e cidade dispersa para avaliar os limites e possibilidades
da coexistência e justaposição de ambos os casos na configuração atual de Barcelona e sua região
metropolitana. Ao fazê-lo, estabelece interessantes relações entre sustentabilidade social e forma
urbana que encontram eco em várias outras metrópoles no mundo.
De outra perspectiva, o texto Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no
semiárido nordestino: o papel das cidades no processo de adaptação ambiental de Ricardo
Ojima questiona as prevalentes visões negativas do crescimento urbano quando vistas pela ótica
ambiental, argumentando que contextos territoriais distintos produzem respostas distintas, a
exemplo da dinâmica urbana e migratória recente do semiárido nordestino brasileiro, apontando
potencialidades e limitações para pensar processo de adaptação diante do desastre natural mais
10
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013
Apresentação
significativo da região que é a seca. Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto,
com o texto Reflexos de sustentabilidade de outrora e ambiguidades contemporâneas em Belém,
analisam situações tidas como insustentáveis de práticas de mercado referentes ao uso e ocupação
da terra e à expansão urbana, em especial as transformações recentes nos ecossistemas de várzea
e outros espaços ocupados pelas populações nativas.
A segregação territorial vista a partir das estatísticas oficiais em dois países é o tema
desenvolvido por Isabel Pato e Margarida Pereira no texto Segregação territorial, conhecimento
estatístico e governação urbana. Leitura foucaultiana dos casos de França e de Portugal. As autoras
fazem uma interessante reflexão sobre o exercício de poder a partir do domínio tecnológico da
informação e as estruturas de governança que incluem o planejamento urbano. A perspectiva
comparada de análise de políticas públicas territoriais também está presente no artigo Luces y
sombras sobre el territorio. Reflexiones en torno a los planteamientos de la OPS/OMS en América
Latina de autoria de Magdalena Chiara e Ana Ariovich. Políticas de saúde são avaliadas, e
nelas são destacadas as dimensões territoriais de políticas sanitárias, bem como as dimensões
socioambientais dessas políticas, incluindo questões como mobilidade e localização. O artigo
questiona ainda a influência das instituições internacionais de saúde na definição dos setores
sociais contemplados pelas políticas nos estados latino-americanos e caribenhos.
O debate conceitual proposto neste número dos Cadernos Metrópole referenciado
na consolidação do campo analítico da ecologia política da urbanização se beneficia das
contribuições do próximo conjunto de artigos: Ester Limonad, como anunciado no título de seu
texto – A insustentável natureza da sustentabilidade: da ambientalização do planejamento às
cidades sustentáveis, critica a naturalização do discurso sobre a sustentabilidade, em particular
seu uso generalizado no sentido de legitimar os discursos e as práticas de planejamento urbano
e regional, a exemplo da proposta de cidades sustentáveis da ONU. Em contrapartida, propõe
um redirecionamento do debate rumo a práticas transformadoras de planejamento, buscando a
construção do que define como economia política do espaço. Klemens Laschefski faz um resgate
histórico do conceito de desenvolvimento sustentável, associando seu uso aos momentos de crise
dos modos de produção, em seu texto sobre 500 anos em busca da sustentabilidade urbana.
Usando o caso de Belo Horizonte, discute para o momento atual a aplicação do Estatuto da Cidade
às práticas dos agentes imobiliários que resultam em crescente elitização do espaço.
Em Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade: em busca de uma construção
interdisciplinar, Lúcia Cony Faria Cidade aborda as condições de injustiça socioambiental presentes
na forma desigual pela qual as populações em situação de precariedade social são atingidas
por desastres naturais e outras ameaças. A discussão baseia-se em uma revisão bibliográfica de
distintos enfoques sobre a vulnerabilidade. O texto reforça a importância da adoção de abordagens
interdisciplinares, integrando processos sociais e ambientais e incorporando um olhar espacial nos
estudos da vulnerabilidade.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013
11
Apresentação
O conjunto de artigos a seguir discute, a partir de estudos de caso, implicações espaciais e
ambientais de grandes intervenções urbanas/metropolitanas. O texto Espaço urbano, circulação
e preservação ambiental: impasses e perspectivas na área de influência do Rodoanel em São
Bernardo do Campo, SP, de Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
analisa o processo de produção do espaço urbano e as transformações da paisagem ao longo
do Trecho Sul do Rodoanel Mário Covas, na Região Metropolitana de São Paulo, particularmente
no município de São Bernardo do Campo, enfatizando o papel dos vários agentes sociais que
nele atuam. De forma mais abrangente, Pedro Roberto Jacobi também discute o caso de São
Paulo por meio de uma visão panorâmica das relações entre ambiente e sociedade lastreadas
no processo de urbanização paulistano. Seu texto, São Paulo Metrópole Insustentável – como
superar esta realidade?, reforça a segregação associada à informalidade urbana, as fragilidades
ambientais e os crescentes desafios em termos de planejamento e formulação de políticas
públicas que se contrapõem à pujança econômica, demográfica, social e cultural da metrópole,
num aparentemente incontornável paradoxo. O texto aponta ainda o despreparo da esfera pública
para lidar com tal complexidade.
Uma discussão sobre as ocupações de encostas e áreas de risco em geral e suas implicações
em termos de resiliência e do que chama de sustentabilidade da paisagem é apresentada por
Mônica Bahia Schlee no texto intitulado Ocupação de encostas urbanas: algumas considerações
sobre resiliência e sustentabilidade. A autora identifica padrões morfológicos, processos e
lógicas que originaram as situações estudadas. Além disso, argumenta a favor do importante
papel dos espaços livres no fortalecimento da proteção das florestas, da capacidade de suporte
e de amortecimento de impactos nas encostas urbanas, e, consequentemente da resiliência e
sustentabilidade desses sistemas paisagísticos. Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito
Bastos, no texto Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização na Ressaca Lagoa dos
Índios em Macapá/AP, discutem os conflitos ambientais resultantes de visões e usos diferenciados
na ocupação do território. O trabalho contribui para a compreensão dos embates em torno da
apropriação de recursos, ao expor as formas e estratégias pelas quais cada agente social busca
impor sua visão de mundo e assim legitimar representações e práticas estabelecidas.
Ainda no que se refere ao debate sobre práticas de intervenção, a necessidade de articulação
entre políticas públicas, especialmente no nível local, já apontada no texto de Jacobi, é retomada
e reforçada no artigo de Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult intitulado Recuperação
socioambiental de fundos de vale urbanos na cidade de São Paulo, entre transformações e
permanências. Focando na urbanização e ocupações de fundos de vale na cidade de São Paulo,
por meio da implantação de parques lineares e de infraestrutura de saneamento, o texto aponta
o descompasso entre o discurso e as práticas no tratamento das questões urbano-ambientais,
principalmente pela falta de coordenação intersetorial e territorial, resultando em intervenções
incompletas e desiguais, a exemplo da criação de áreas verdes sem as correspondentes ações de
saneamento e urbanização dos assentamentos informais.
12
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013
Apresentação
O artigo seguinte, Desarrollo regional y sustentabilidad: turismo cultural en la región sur
de Jalisco, de autoria de José G. Vargas Hernández, discute o potencial turístico de uma região
em Jalisco, México. Com base no argumento central de que o patrimônio cultural de uma região
constitui um forte elemento motivador para deslocamentos de grande distância, aponta as virtudes
de realização de diagnósticos estratégicos e elabora propostas para o desenvolvimento do turismo
cultural na região.
Fechando o conjunto de artigos, Tatiana Cotta Gonçalves Pereira, em seu texto
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense: identificando problemas ambientais
a partir das demandas ao Ministério Público, retoma a temática da injustiça ambiental como um
acúmulo de condições adversas e profundamente desiguais a que estão sujeitos os grupos sociais
mais pobres e residentes em áreas em que as desigualdades se manifestam de forma contundente,
as zonas de sacrifício da metrópole do Rio de Janeiro, conforme a expressão utilizada no artigo. A
discussão é respaldada em interessante pesquisa feita junto ao Ministério Público, reforçando seu
papel dessa esfera de poder na atuação em prol de melhores condições de justiça socioambiental.
Os textos aqui reunidos mostram que muitos avanços ocorreram em termos do debate
teórico e da incorporação do mesmo às pesquisas. Por outro lado, expõem de forma contundente
a captura e aparente naturalização do discurso ambiental pelo estado e pelas empresas, sem
alterações significativas nos processos de produção e consumo ou na adoção de políticas e
práticas que resultem em maior justiça socioambiental. As experiências analisadas dificilmente
apontam para perspectivas de transformação social ou radicalização nos embates associados a
situações de conflitos. Desta forma, os elementos que motivaram a chamada de trabalho deste
número temático continuam presentes, e esperamos que os artigos aqui reunidos constituam um
estímulo para novas pesquisas e para a continuidade do debate.
Heloísa Soares de Moura Costa
Organizadora
Cadernos Metrópole 29
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 9-13, jan/jun 2013
13
Efectos del urbanismo disperso
y consecuencias para la sostenibilidad
social. Análisis de la Región
Metropolitana de Barcelona
Effects of the urban sprawl and consequences
to social sustainability. An analysis of the
Metropolitan Region of Barcelona
Gemma Vilà
Jordi Gavaldà
Resumen
La crisis del sistema fordista de producción y la
aplicación de las nuevas tecnologías han inducido
a un cambio de la estructura del territorio: se
han ampliado los límites de la ciudad real y
ha aumentado la segmentación del espacio.
Actualmente, en la Región Metropolitana de
Barcelona – RMB –, el modelo de ciudad compacta
coexiste con el de la ciudad dispersa, que se
yuxtapone al primero creando un nuevo paradigma
global. Este artículo intenta dar respuesta a
diversas cuestiones en relación a los límites y las
posibilidades de este nuevo modelo analizando
la situación actual de las áreas de urbanismo
disperso de la RMB a partir de la perspectiva de la
sostenibilidad poniendo el énfasis en su dimensión
social, contribuyendo a avanzar en la sustentación
teórica de la relación entre la sostenibilidad social y
las formas urbanas.
Abstract
The breakdown of the Ford production system
and the application of new technologies have
led to a change in the structure of the territory:
the city’s boundaries have been extended
and space segmentation has increased. In the
Metropolitan Region of Barcelona – MRB –,
the compact city model coexists today with
the urban sprawl, which is juxtaposed to the
first one, creating a new global paradigm. This
paper tries to answer several questions about
the limits and possibilities of this new model
in order to analyze the current situation of
the urban sprawl areas of the MRB from the
perspective of sustainability, with emphasis on
its social dimension, thus contributing to the
theoretical framework about the relationship
between social sustainability and urban forms.
Palabras clave: sostenibilidad social; sostenibilidad
ambiental; dispersión urbana; relaciones sociales;
Región Metropolitana de Barcelona.
Keywords: social sustainability; environmental
sustainability; urban sprawl; social relationships;
Metropolitan Region of Barcelona.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
En la Región Metropolitana de Barcelona
la dimensión social ha resultado ser la gran
conviven actualmente dos modelos urbanos
olvidada. Los cambios ocurridos en los últimos
diferentes: a las ciudades tradicionales
años sugieren la necesidad de reconsiderar
compactas, propias del modelo mediterráneo,
esta dimensión específica de la sostenibilidad
se yuxtapone el modelo de urbanismo disperso,
para valorar los efectos del nuevo modelo
mucho más reciente. La crisis del sistema
urbano y territorial. En segundo lugar, analizar
fordista de producción y distribución y la
la realidad actual de las áreas de baja densidad
aplicación de las nuevas tecnologías indujeron
de la RMB a partir de un prisma más amplio
a un cambio de la estructura del territorio:
como es el de la sostenibilidad poniendo
se ampliaron los límites de la ciudad real,
énfasis en la dimensión social.1
aumentó la segmentación y la especialización
f u n c i o n a l d e l e s p a c i o, y l a c o n t i n u a
relocalización de las actividades y la ocupación
de nuevos territorios se convirtió en la pauta
característica del crecimiento urbano. Todo ello
La sostenibilidad social
según las formas urbanas
ha contribuido a la expansión del urbanismo
disperso y ha tenido importantes efectos a
diversos niveles. La crisis actual plantea nuevas
El debate sobre la sostenibilidad:
más allá del concepto
cuestiones sobre los límites y posibilidades
de este modelo. Por ello, en este artículo
Hoy, la creciente problemática ambiental,
pretendemos dar respuesta a varias cuestiones.
económica y social ha hecho revivir las
¿En qué medida estas nuevas dinámicas han
preocupaciones planteadas en los años
exacerbado – o incluso generado – nuevas
setenta y que fueron olvidadas en las décadas
formas de desigualdad social en el territorio?
siguientes. El neoliberalismo dominante ha
¿Qué límites, posibilidades y retos plantea esta
impregnado todos los aspectos de la vida
realidad para conseguir un modelo urbano
económica provocando funestas consecuencias
sostenible? Pensamos, y esta es nuestra
en varios ámbitos. Entre ellas destacan –
hipótesis, que la morfología urbana y la forma
porque han sido las primeras que se han
de organizar el territorio es una variable
impuesto a nuestra observación – las que
fundamental para la sostenibilidad.
tienen que ver con el deterioro del medio
Nuestro objetivo es doble: en primer
ambiente y, en especial, con el agotamiento de
lugar, avanzar en la sustentación teórica
los recursos no reproducibles. El diagnóstico
del concepto de sostenibilidad social y su
actual que se impone es contundente: el
concreción empírica. El concepto sostenibilidad
modelo de crecimiento de los últimos años es
aparece en los años setenta del siglo pasado
claramente insostenible.
muy ligado al de desarrollo sostenible
La cuestión es, pues, de crucial
(Meadows, 1972) y definido a partir de tres
importancia. No en vano, la política y la
dimensiones: la ecológica, la económica y la
academia han contribuido a dotar de contenido
social. En la posterior evolución del concepto,
y argumentos a este concepto y, también, a
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
aplicarlo en la práctica. Aún así, a menudo
y el planeta. En marzo de 1972, auspiciada
el término aparece ligado a inconcreciones –
por el Club de Roma, aparece The Limits
especialmente en el ámbito académico – ante el
to Growth , uno de los antecedentes del
concepto de sostenibilidad. Este conocido
documento plantea como problema central
el medioambiental, pero incluye – aunque sin
profundizar – aspectos ligados a los valores, las
relaciones sociales y el bienestar. El diagnóstico
de la situación mundial que se realiza en este
trabajo augura que el resultado último de un
intento sostenido de crecer conforme al patrón
actual será un colapso desastroso. La filosofía
del documento queda claramente expresada
en una de sus conclusiones: “Tal vez el mejor
resumen de nuestra posición sea […] no una
oposición ciega al progreso, sino una oposición
al progreso ciego”.
The Limits to Growth abrió el camino
para que en 1987 apareciera formalmente
el término sostenibilidad, por ello no es
de extrañar que desde sus inicios fuera
estrechamente vinculado – como se ha dicho
anteriormente – a la idea de desarrollo. El
término tiene su origen en el texto de la
Comisión Mundial del Medio Ambiente y
Desarrollo de las Naciones Unidas conocido
como Informe Brundtland 2 (United Nations
World Commission on Environment and
D e v e l o p m e n t , 19 8 7 ) . El t é r m i n o f u e
introducido en un informe cuyo objetivo era
diseñar “un programa global para el cambio
global”. Se refiere al desarrollo sostenible
como aquél que satisface las necesidades de
la generación presente sin comprometer las
posibilidades de las generaciones futuras para
atender sus propias necesidades. Después, en
1992, la Conferencia de Río dio publicidad a la
expresión desarrollo sostenible e introdujo la
idea de los tres pilares que deben conciliarse:
esfuerzo que supone concretarlo en diferentes
esferas como pueden ser la social y la urbana.
El concepto de sostenibilidad apareció
muy unido al de desarrollo (Meadows, 1972).
Ha tendido a identificarse, primero, con la
esfera medioambiental y, posteriormente, con la
económica. Hoy el concepto se hace extensible
también a la dimensión social, que ha sido la
más olvidada en los discursos académicos y
políticos. Con este trasfondo, añadimos a la
ciudad en el debate para plantearnos hasta qué
punto nuestras ciudades son sostenibles y si hay
condiciones que hacen que unas ciudades sean
más o menos sostenibles que otras. La pregunta
es relevante, no sólo porque hoy la mitad de
la población mundial vive en ciudades y todo
hace pensar que la población urbana seguirá
aumentando en el futuro (United Nations, 2009)
sino también, y sobre todo, porque la ciudad
cumple el rol de ser nexo entre lo global y lo
local (Borja y Castells, 1998).
Para responder a esta cuestión, primero
nos detendremos a explorar el concepto de
sostenibilidad social, su significado y los
aspectos que quedan por desarrollar en su
aplicación a la ciudad y al mundo urbano.
Hagamos, pues, una breve referencia a los
orígenes del concepto. Aun con la importancia
que ha tomado esta idea en la actualidad,
el concepto no es nuevo, ni tampoco la
problemática a la que se refiere. Ya en los
años sesenta los economistas – aunque no
sólo ellos – se percataron de que el modelo
de crecimiento económico a toda costa, al
fomentar un crecimiento sin límites, no podía
mantenerse sin riesgos para la humanidad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
17
Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
el económico, el social y el medioambiental
(United Nations, 1992).
La sostenibilidad social:
los problemas de su concreción
Efectivamente, el desarrollo
sostenible se entiende como el resultado
Basado en la idea de desarrollo sostenible,
de la combinación de estas tres esferas. No
el estado de equilibrio global, que requiere
obstante, la interrelación entre ellas introduce
estabilidad económica y ecológica durante
otras condiciones necesarias para que se
largo tiempo, “debe diseñarse de tal modo
produzca un desarrollo sostenible que van más
que cada ser humano pueda satisfacer sus
allá de los matices terminológicos. De esta
necesidades básicas y gozar de igualdad de
forma, la confluencia entre los planteamientos
oportunidades para desarrollar su potencial
e c o l ó g ic o s y e c o n ó mic o s ha n d e s e r
particular” (Meadows, 1972). Aunque desde
necesariamente viables para tener sentido:
su inicio las tres dimensiones mencionadas
no todas las medidas que permiten mejorar el
aparecían como parte constituyente del
medio ambiente son viables económicamente,
concepto, en la posterior evolución la esfera
ni todo tipo de crecimiento económico es viable
social ha resultado ser la gran olvidada. Todavía
si se desea minimizar la huella ecológica. Igual
hoy su fundamentación teórica y su concreción
ocurre con la organización social: ha de ser
empírica son muy débiles.
equitativa desde el punto de vista económico
Al considerar el desarrollo como mejora
y soportable para el medio ambiente. El
cualitativa se están introduciendo cuestiones
adjetivo ‘sostenible’ se reserva para indicar
sólo compatibles con una sociedad que, siendo
todo aquello que, a la vez, resulta soportable,
diversa, evolucione hacia la cohesión interna,
equitativo y viable en la combinación de las
eliminando situaciones de desigualdad y
esferas medioambiental, económica y social
discriminación: “[…] sostenibilidad social
(Sadler y Jacobs, 1990; Le Berre, 2004).
como desarrollo (y/o crecimiento) compatible
Todo este recorrido ha desembocado en
con la evolución armoniosa de la sociedad
el hecho de que hoy, la idea de sostenibilidad
civil, fomento de un entorno propicio para la
se ha convertido en una panacea. Existen
convivencia compatible de grupos cultural y
dos factores principales que han contribuido
socialmente diversos, y aliento de la integración
a la aceptación y éxito de la expresión
social, con mejoras en la calidad de vida para
‘sostenibilidad’. El primero es haber ganado la
todos los segmentos de la población” (Polèse
batalla de lo políticamente correcto hasta el
y Stren, 2000).
punto de haber adquirido poder legitimador.
E s d e c i r, e l á m b i t o s o c i a l e s t á
El segundo es su ambigüedad, puesto que
estrechamente asociado a la inexistencia de
las interpretaciones del término pueden
desigualdades y requiere importantes esfuerzos
ser múltiples e incluso contradictorias. La
para reducirlas. Para conseguir la sostenibilidad
falta de acuerdo terminológico, en realidad,
social es necesario controlar, hasta hacerlas
esconde visiones del mundo distintas y con
desaparecer, las situaciones de exclusión
frecuencia opuestas.
social y segregación territorial, atendiendo
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Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
especialmente a las condiciones de les grupos
común con el que se vincula es el de cohesión
marginales: “La sostenibilidad social, en este
social, seguido de mezcla social. Diversidad
sentido, puede ser vista como el polo opuesto
social y/o cultural se asocia repetidamente
a la exclusión, tanto en términos territoriales
a sostenibilidad social, casi siempre a raíz
como sociales” (Polèse y Stren, 2000).
de la creciente especialización funcional de
las ciudades, la falta de mixtura de usos y el
advenimiento de la nueva inmigración como un
La sostenibilidad social
en el ámbito urbano
fenómeno social que puede acarrear conflictos
de convivencia asociados a su concentración
en algunas zonas urbanas (Bayona, Domingo
Aunque el desarrollo inicial del concepto de
y Gil, 2009). En la bibliografía norteamericana
sostenibilidad se produjera al margen de las
es frecuente asociar sostenibilidad social
ciudades, la importancia de lo urbano en el
con desarrollo inteligente (Smart Growth
mundo actual ha impuesto la necesidad de
Network, 2006). Es una estrategia global de
mirar críticamente las ciudades a través de este
sostenibilidad regional que sugiere que los tres
prisma como un elemento que puede contribuir
pilares – eficiencia económica, protección del
o arriesgar la consecución de un mundo
medio ambiente y elevada calidad de vida y
sostenible. De todas formas, si el concepto
equidad social – puedan conseguirse mediante
de sostenibilidad plantea algunos problemas
una política de uso del suelo concertada y
importantes de definición, estos se acentúan
negociada entre todos los agentes implicados.
cuando nos referimos a la sostenibilidad social
Finalmente, los conceptos de equidad
en el ámbito urbano.
social, convivencia colectiva o coexistencia
No es fácil generalizar sobre cuál es
multiétnica también aparecen vinculados a
el tratamiento que dan estos estudios al
menudo, aunque siempre se ofrecen de forma
concepto de sostenibilidad social. Los motivos
muy poco desarrollada siendo elementos
son de diversa índole, aunque el principal es
tangenciales a la perspectiva global que guía
que existe una gran disparidad de perspectivas
el análisis de los trabajos.
y marcos analíticos inherente a la diversidad
La pregunta, ahora, deviene evidente:
de prismas con que se trata lo urbano. Esto
¿qué condiciones debe cumplir una ciudad
es así fruto de la propia multidisciplinariedad
para que sea sostenible socialmente? Nosotros
de los estudios urbanos. Asimismo, dificulta
entendemos que una ciudad es sostenible
el trabajo su recurrente identificación con
socialmente cuando tiene la capacidad de
otros conceptos que, aunque parecidos e
satisfacer las necesidades básicas de su
informativos, aportan luz solamente de
población en el ámbito urbano y garantiza
manera parcial. De hecho, son pocos los
determinadas condiciones en el contexto de
trabajos que ahondan de manera integral en el
una serie de principios orientadores. Como
concepto. De todas formas, las características
necesidades recuperamos la propuesta de la
de lo que es sostenible socialmente parecen
Carta de Atenas3 sobre las funciones básicas
tener un alto nivel de quórum. El concepto más
que debe cumplir una ciudad, que son habitar,
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Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
trabajar, desplazarse y cultivar el espíritu, 4
un espacio sostenible en insostenible: de la
además de incorporar otras necesidades como
ciudad compacta a la dispersión territorial de
la seguridad, la interacción social, la identidad/
las actividades urbanas, de la mixtura urbana
simbolismo y la participación democrática.
a la especialización funcional del espacio, y de
Los principios orientadores a los que nos
la ciudad integrada socialmente a una mayor
referimos son la calidad de vida, la equidad,
segregación potencial de los grupos sociales
la interrelación social, la diversidad social, la
en el territorio.
democracia y la cohesión social.
La recuperación del concepto de
sostenibilidad social por parte de quienes se
dedican al estudio y análisis de la realidad
urbana no parece espuria: la segmentación
El urbanismo disperso:
nota conceptual
y especialización creciente y acelerada del
espacio ha dado lugar, junto a la existencia
El análisis del urbanismo disperso ha sido
de las ciudades tradicionales, a la aparición
objeto de trabajo teórico de varios autores,
de áreas residenciales dispersas, grandes
entre los cuales Indovina – città diffusa –
zonas comerciales, polígonos industriales,
(1990), Dematteis – reticular city – (1998),
áreas pensadas para el ocio que constituyen
Garreau – edge city – (1991), Corboz –
partes indisociables de un mismo sistema
ipercittà – (1994), Ascher – metapolis – (1995),
Harvey – the end of the city – (1996) y Capel
– exurbanización – (2003). Estos autores han
proporcionado definiciones y aportaciones
varias en relación a sus características y
estructura urbana. Recuperamos el trabajo
de López de Lucio (1998) sobre el caso de
Madrid como base desde la que analizar las
características de las urbanizaciones,5 ya que
las características mencionadas por este autor
son directamente aplicables a la RMB:
1) descentralización progresiva de la actividad
residencial e industrial y, de forma más reciente,
de amplios sectores terciarios;
2) suburbanización residencial con un claro
predominio de la baja densidad y de la vivienda
unifamiliar.
3) fragmentación del territorio y
especialización de las piezas – urbanizaciones
residenciales, polígonos de viviendas, centros
comerciales y de ocio, etc. El territorio
urbano expansivo que rebasa continuamente
sus propios límites. Las ciudades se extienden,
invaden nuevos territorios, consumiendo un
recurso no renovable – el suelo – y cubriéndolo
de nuevas y costosas infraestructuras. Y
al final, más que una realidad urbana
donde el ciudadano pueda desarrollar
sus capacidades y cubrir sus necesidades,
encontramos un espacio amorfo por el
que es necesario desplazarse recorriendo
cada vez mayores distancias, consumiendo
energía y tiempo, y donde la buena calidad
de vida parece haber desaparecido.
Por ello, defendemos la hipótesis que la
morfología urbana contribuye a crear límites
así como condiciones de sostenibilidad social.
Esta morfología y la forma de organizar el
suelo es, pues, una variable fundamental para
la sostenibilidad. En este sentido, creemos
que hay tres dinámicas que pueden convertir
20
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
disperso es discontinuo, los fragmentos que lo
conforman están encapsulados y son distantes
físicamente unos de otros. La zonificación no
Dinámicas urbanas
en la RMB
tiene un modelo explícito global, sino que
quien la realiza es el mercado en conexión
La RMB es la unidad de análisis de este
directa con los agentes administrativos
artículo. Constituye la ciudad real de Barcelona,
teniendo en cuenta oportunidades de
ya que proyecta la realidad urbana y funcional
accesibilidad, localización y características de
de este municipio y de su área de influencia
la propiedad del suelo urbanizable;
más directa. Su población es de 4.777.042
4) segregación social a escalas espaciales
habitantes (2011), ocupa una superficie de
inéditas originadas por la distancia entre zonas
3.242,2 km2 y comprende 164 municipios.
y actividades, por la expansión exponencial del
La evolución reciente de las dinámicas
territorio urbano y por la aparición cada vez más
urbanas ocurridas en la RMB ha derivado en
frecuente de restricciones explícitas de acceso;
una compleja situación en la que la ciudad
5) disminución de las relaciones de proximidad
compacta y la urbanización de baja densidad
y aumento de la importancia de la casa
se yuxtaponen y se influyen recíprocamente.
individual como centro de un reducido universo
Su coexistencia refuerza la segmentación
social. Es, a la vez, la base para una serie de
social del espacio y plantea nuevos retos a la
movimientos radiales motorizados por motivos
política urbanística.
de trabajo, estudio, compras, ocio, etc.;
El proceso se inicia claramente en la
6 ) creación de centralidades periféricas
década de los ochenta. A partir de 1981 se
alternativas, ya que el nuevo territorio
comprueba que Barcelona registra un saldo
ur bano requiere un lugar que integre
migratorio negativo y que el crecimiento
antiguos centros urbanos para los contactos
natural se ha estancado, porque también
interpersonales, las relaciones comerciales,
el modelo reproductivo ha dado un vuelco.
el entretenimiento o el ocio. El gran centro
Y al tiempo, las migraciones residenciales,
comercial regional cubre progresivamente
e sp e cialmente d e nt ro d e la RM B, s e
esta necesidad. Su centralidad no es tanto
multiplican. Esta dinámica poblacional no
física como temporal porque se basa en una
es distinta de la de otras regiones españolas
localización estratégica en relación a los
y europeas. Lo sorprendente en el caso de
nudos de la red de transporte privado.
Cataluña es la subitaneidad del cambio, el
7) empobrecimiento, especialización y
paso de una situación de crecimiento explosivo
privatización del espacio público.
a una de estancamiento.
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Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
Después, especialmente a partir de 1985,
por una calidad de vida superior a la de las
el proceso se acelera y acentúa. La Barcelona
grandes ciudades y su deseo de viviendas
densificada, rodeada de barrios periféricos con
unifamiliares más amplias que los pisos de
problemas de vivienda, de equipamientos y
las ciudades. Todo ello les condujo a buscar
de servicios, que se extiende más allá de sus
un cambio de residencia. En cambio, para el
fronteras administrativas – situando fábricas
colectivo de jóvenes, el factor más importante
en los municipios colindantes –, se convierte
fue la necesidad de contar con una vivienda
en una heteróclita realidad urbana que se
propia. Llegados a la edad de independizarse
dispersa por un ámbito territorial cada vez
de sus progenitores, pudieron, en algunos
más extenso. Las grandes ciudades de la RMB
casos, utilizar residencias secundarias
pierden población y crecen los municipios
convirtiéndolas en primeras. El fenómeno
pequeños, se propaga la tipología del hábitat
cruzó categorías sociales. La expansión de
unifamiliar – adosado o aislado – y se
la ciudad empezó a tomar un rumbo más
multiplican las urbanizaciones.
extensivo, más disperso.
Se pueden distinguir cuatro etapas
El segundo momento corresponde a los
claramente diferenciadas en esta evolución
años 1986-1995. La incidencia del modelo
(Alabart, 2007). Cada una de ellas tiene su
de producción flexible se manifiesta por lo
propia dinámica y responde a necesidades
menos en dos aspectos: el incremento de los
6
y a intereses diferentes. La primera abarca
precios de los inmuebles – especialmente
los años 1975-1985. Se caracteriza por un
en Barcelona – y la expansión del ámbito
estancamiento del crecimiento de la ciudad
ter ritorial met ro p olit ano. A par tir d e
central. Los factores que contribuyeron fueron
1986, cuando la crisis económica estaba
básicamente cuatro: la hiperdensidad de las
remitiendo, los precios de las viviendas se
grandes ciudades, influyendo negativamente
dispararon alejándose progresivamente de
en la calidad de vida; la tipología de la
las posibilidades de las rentas medias.7 No
vivienda, demasiado homogénea para una
podían adquirir una vivienda en Barcelona, ni
realidad familiar cada vez más diversificada;
siquiera con ayudas de la administración o de
la llegada a la edad de emancipación de una
la familia. 8 Aparece así un nuevo mercado: el
generación que se enfrentaba a una crisis
de las urbanizaciones.
económica sin precedentes, y la existencia
L as migraciones residenciales del
de segundas residencias susceptibles de ser
período anterior, en especial las de la clase
convertidas en viviendas principales.
alta, actuaron como grupo de referencia y,
Los colectivos que protagonizaron el
además, crearon economías de urbanización:
cambio fueron, por una parte, población
nuevos e quipamientos – realizados o
con nivel socioeconómico alto y medio-alto;
reclamados –, mayor seguridad en lugares que
y por otra, jóvenes. Para la población de las
hasta entonces eran inhóspitos, etc. Además,
categorías socioeconómicas alta y media-
la división del proceso productivo y la
alta cobraron sentido, sobre todo, el primer
dispersión espacial de la actividad económica
y el segundo factor, es decir, sus preferencias
generaron expec t ativas de ocupación
22
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
en territorios que antes resultaban poco
La crisis financiera y económica global
accesibles y, a la vez, nuevas necesidades
empezó a golpear a Cataluña y a España en
de conexión. Se afianzaba y se extendía el
2008, momento en que se inicia el último
modelo de urbanización dispersa.
periodo. La crisis llevó al colapso del sector de
El nuevo mercado de las urbanizaciones
la construcción, al descenso de los precios y a
va dirigido a las categorías sociales medias
la pérdida de peso relativo de las viviendas
y a parejas relativamente jóvenes con
unifamiliares en relación a tipologías
hijos pequeños. La polarización propia del
más compactas ( Vilà y Alabar t, 2011) .
momento anterior se reduce porque así lo
Asimismo, varias promociones inmobiliarias
hacen los dos extremos. Además, la mayoría
se detuvieron dejando varios procesos
de las construcciones están pensadas para ser
de urbanización inacabados y generando
residencias principales y su ubicación geográfica
nuevos déficits de servicios. Aún hoy, con la
es, por exigencias del espacio y del margen de
derecha aupada en el poder,12 hay una fuerte
beneficio, cada vez más alejada de las grandes
incertidumbre en relación a cuándo y cómo
ciudades y, en especial, de Barcelona.
acabará esta etapa.
En el tercer periodo, que corresponde
a los años 1996-2007, aun manteniéndose
las tendencias anteriores parecen emerger
las primeras reacciones de los municipios
grandes destinadas a contrarrestar estas
Vida cotidiana
en la ciudad dispersa
dinámicas a partir de políticas de vivienda más
incisivas. Concretamente, mediante políticas de
En esta sección analizaremos las dinámicas
rehabilitación de viviendas y construcción de
sociales que se desarrollan en este marco
alquiler para jóvenes y mayores.
urbano. Analizaremos las relaciones sociales
9
de los residentes en urbanizaciones, su
en el gobierno de Cataluña desde 2003 y con
participación cívica, los espacios de vida y
el PSOE 10 en el gobierno de España desde
la gestión del tiempo. El objetivo es evaluar
2004, se promovieron varios estudios, leyes
en qué medida este modelo presenta retos
y políticas con el objetivo de limitar – e
para la consecución de un entorno urbano
incluso detener – el fuerte crecimiento urbano
socialmente sostenible.13
Con la coalición tripartita de izquierdas
disperso, así como para incrementar los
nodos territoriales y organizar un transporte
Relaciones sociales
intermodal. La ley más importante aprobada
en Cataluña se centró en la regularización y
Las relaciones sociales que se producen entre
la mejora de las urbanizaciones con mayores
la población que vive en el ámbito disperso no
déficits,11 y tenía dos objetivos principales:
solo se explican por esta morfología urbana.
mejorar las condiciones de las urbanizaciones
Influyen el capital social previo de los individuos,
construidas antes de 1981 y dignificar sus
las motivaciones individuales, la disposición
servicios y equipamientos.
de tiempo para dedicar a actividades sociales,
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Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
el momento del ciclo familiar en el que se
con el lugar. Ahora haces una comida, que
encuentren, las características culturales y
montas una vez al año, una barbacoa con
socioeconómicas y sus dinámicas relacionales
padres de los amigos, o vas a casa de alguien.
específicas. Dado que a través del mercado los
Pero quiero decir [que] son tres o cuatro veces
residentes se han segregado en urbanizaciones
al año que hacemos cosas” (mujer de 43 años
de categorías socioeconómicas distintas, las
residente en Corbera de Llobregat).
pautas relacionales son globalmente diferentes
El momento del ciclo vital, por tanto,
según las urbanizaciones. La configuración
actúa como un elemento esencial que se
urbana es el elemento marco que puede
entrecruza con la mayor tendencia de la
favorecer o constreñir tanto las relaciones
población que tiene hijos pequeños – o que
sociales como el desarrollo de la ciudadanía.
quiere tenerlos en el futuro próximo – a
La fragmentación del espacio urbano, el
desplazarse a las urbanizaciones. La dinámica
incremento de las distancias físicas, la falta
social que se produce en las urbanizaciones
de espacios de encuentro de uso público y, en
viene en parte filtrada por este elemento,
definitiva, la configuración de la ciudad como
aunque, por supuesto, el hecho de conocer
espacio orientado al ámbito privado son las
personas que ya viviesen en la urbanización
características territoriales que inciden en
actúa como capital social, multiplicando y
mayor medida (Gavaldà y Vilà, 2008).
facilitando las relaciones.
El cambio de residencia al ámbito
Con las relaciones familiares sucede algo
disperso supone variaciones importantes en
similar a las relaciones sociales: el 67,8% de
las relaciones sociales; así lo señalan un tercio
nuevos residentes afirma ver a sus familiares
de los nuevos residentes. Se puede afirmar que
con la misma frecuencia, y la proporción que
el hecho de vivir en una urbanización tiende
indica una disminución de ese tipo de contactos
a reducir la frecuencia de encuentro con los
desde que se han trasladado a la urbanización
amigos: el 61,3% de los nuevos residentes en
dobla la de aquéllos que declaran la dinámica
disperso dicen relacionarse con igual frecuencia
opuesta – 20,5% y 11,7%, respectivamente.
que antes, el 26,8% lo hace con menor
La práctica totalidad de los nuevos
frecuencia y el 11,5% considera que lo hacen
residentes afirman conocer a sus vecinos,
con mayor frecuencia: “Se ha perdido mucho el
aunque casi un tercio señala que conoce a
contacto [con los amigos que tenían en el lugar
pocos vecinos. El conocimiento del vecindario
de procedencia] y a ella también le sucede.
es proporcional, en gran medida, al tiempo
Hemos hecho amistades con los padres de los
que los entrevistados llevan viviendo en la
amigos de nuestros hijos” (hombre de 41 años
urbanización. Las relaciones que se establecen
residente en Begues). Es un fenómeno habitual
con el vecindario presenta una gran gama
que buena parte de estas relaciones sociales
de intensidad, desde el saludo cordial a las
nazcan y se estructuren a partir de los hijos:
celebraciones colectivas. Sin embargo, la
“En el lugar donde estamos hemos estrechado
mayoría de las relaciones que se establecen con
algunas relaciones vía hijos, con padres de
el vecindario son esporádicas y ocasionales:
amigos de los niños. […] Cosas relacionadas
“En sentido estricto de vecinos hay alguna
24
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
relación pero no es intensa […], la cuestión
Más de la mitad de los residentes
es que te los cruzas pero vas enlatado en un
(57,7%) dedica tiempo a las asociaciones – 8,3
coche, entonces les puedes saludar y ya está.
horas de media por residente. Las que gozan de
[…] Yo creo que es más difícil hacer vida social
mayor implicación por parte de sus miembros
en el pueblo porque no te cruzas con nadie y
son los centros de encuentro para mayores, los
fuera de la escuela es complicado” (mujer de
partidos políticos, los centros excursionistas,
36 años residente en Matadepera).
los clubes deportivos y las comunidades de
El anonimato es un elemento
propietarios, todas ellas entre el 70 y el 80%.
fundamental que caracteriza las relaciones
No es extraño al consistir, la mayoría de ellas,
entre vecinos en las urbanizaciones: “Cuando
en entidades que solo adquieren significación
vamos a casa de alguien es para alguna cena,
mediante una participación activa de sus
pero también a mi mujer no le gusta demasiado
miembros. Por su parte, los equipamientos más
relacionarse. Como ha estado tanto tiempo
utilizados son los lugares de ocio (30%), los
aquí dice que hay demasiado marujeo. […] Es
deportivos (22%) y los sociales (17%).
uno de los inconvenientes. De todas formas,
En las urbanizaciones se registra una
aquí si no quieres salir no sales y no te conoce
menor actividad lúdica y social que en el núcleo
nadie. […] Hay gente que vive aquí que, vamos,
del municipio – 65% y 95,3%, respectivamente.
ni idea de quienes son” (hombre de 52 años
Los niveles de participación y de asistencia son
residente en Lliçà de Munt).
generalmente bajos en ambos casos. Entre los
que señalan haber asistido alguna vez, siete de
cada diez reconocen haber participado tan solo
Participación cívica
de forma ocasional. Estar asociado predispone
en mayor medida a participar en estas
La participación cívica en las urbanizaciones
actividades, sean miembros de las asociaciones
es, en general, baja, especialmente si se
que las organizan o no.
compara con las áreas compactas de la RMB.
Como indicador de este ámbito se ha se
Tres de cada diez residentes son miembros
analizado también la asistencia, en el último
de alguna entidad – 1,2 entidades de media
año, a un pleno municipal, a una reunión de
por residente –, mientras que en el conjunto
vecinos o a actos movilizadores sobre aspectos
de la RMB esta ratio aumenta a cinco
internos o externos de la urbanización.
sobre diez. El tipo de entidades a las que se
Mediante una tipología que integra cinco
asocian en mayor medida son clubes deportivos
categorías siguiendo una gradación de mayor
y asociaciones de vecinos. En las zonas de
a menor participación – asistencia plena,
autoconstrucción, las malas condiciones de
alta, media, baja y nula –, se detecta que la
urbanización y la falta de infraestructuras
mitad de los residentes registra un nivel de
propician una mayor tendencia a la
asistencia nulo (47,5%). A medida que éste
reivindicación de demandas a la administración
aumenta, más reducidos son los porcentajes
a través de asociaciones de vecinos.
que conforman las diversas categorías
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Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
hasta alcanzar un 2,5% en la de asistencia
los 44 minutos de media cuando se viaja en
plena. La condición de asociado también
transporte público, lo que es más habitual
aumenta significativamente la asistencia, con
entre las mujeres que entre los hombres.
porcentajes unos diez puntos superiores a la
media en todos los actos analizados.
Las compras diarias prácticamente
nunca se adquieren en la misma urbanización,
La variable que se apunta como la más
puesto que en casi ninguna existe una
explicativa de las actitudes relacionales y
oferta suficientemente amplia y variada de
participativas es el momento del ciclo vital.
equipamientos comerciales. Este es, pues, otro
En este sentido, es muy común el perfil de
factor afectado por la morfología urbana. Los
personas que estructuran sus relaciones a partir
residentes de urbanización tienden a comprar
del entorno social de sus hijos menores y que
menos cerca de donde viven que las personas
sólo participan de los eventos dirigidos a éstos.
que viven en las ciudades compactas. La
mayoría de los residentes en urbanizaciones
declaran comprar en grandes superficies –
Espacio de vida y gestión del tiempo
46,1% de ellos en los supermercados y el
10% en los centros comerciales, que también
El espacio de vida, aquel que cotidianamente
ofrecen otros servicios y ocio. Asimismo,
utiliza la población, se desparrama por una
cuando se les pregunta por los productos
área mucho más amplia que la utilizada
no perecederos, los porcentajes aumentan
habitualmente por los residentes de zonas
a 72,5% y 14,6% , respectivamente. Estas
urbana compactas.
grandes superficies están situadas en puntos
La ciudad de Barcelona estructura una
nodales que solo son accesibles mediante
parte importante del espacio de vida de los
vehículos privados – el 9 4,3 % de los
ciudadanos a nivel laboral en tanto que uno de
entrevistados declara llegar en coche. Este
cada cuatro trabaja allí. La tendencia a trabajar
hecho contribuye a que el tiempo invertido
remuneradamente en el propio municipio es
en desplazamientos sea mayor. Con el tiempo
muy inferior a la de hacerlo en otros municipios
estas grandes superficies han ido adquiriendo
de la RMB diferentes al de residencia habitual.
la función de lugar de encuentro y de relación
Sin embargo, los datos muestran una tendencia
sustituyendo a los espacios públicos cívicos de
particular: a mayor antigüedad residencial,
la ciudad tradicional, cosa que repercute en un
mayor proximidad al trabajo.
empobrecimiento de la función tradicional de
Por lo que respecta a los
d e splaz amie ntos , el uso d el vehículo
vertebración social del comercio de cercanía
(Vilà, 2011).
particular – principalmente el coche – es
La mayoría de tiempo libre de los
prácticamente unánime entre las personas
residentes se gasta en el hogar, pauta que
principales del hogar. La duración temporal del
también es común en la RMB en su conjunto.
desplazamiento es de entre 22 y 26 minutos
Barcelona ha dejado de ser el lugar que
para quienes se sirven de una motocicleta o
concentra las actividades de ocio, aunque sigue
un turismo, mientras que se incrementa hasta
siendo importante para todos ellos.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Conclusiones
transferencia de ayuda y, específicamente, en
La imagen idílica que a menudo se tiene de
por parte de los abuelos, atención en caso de
las urbanizaciones no es una realidad para
emergencia, etc. –, aspecto fundamental del
todas las personas que allí viven. Son los
sistema de bienestar social sobre el que se
grupos sociales con menos recursos, aquéllos
sustentan las sociedades mediterráneas.
la solidaridad familiar – cuidado de los hijos
más desfavorecidos, los que sufren en mayor
En segundo lugar, las urbanizaciones
medida los efectos negativos del modelo.
también tienen efectos sobre la participación,
Algunos los han sufrido desde el principio,
el civismo y el ejercicio de la ciudadanía de sus
otros lo han hecho posteriormente cuando
residentes. Si bien las personas que viven en
sus circunstancias personales han empeorado.
ellas declaran tener una menor implicación y
Todo ello ha repercutido negativamente en
participación en entidades que las que viven en
su calidad de vida y bienestar aumentando
las ciudades, esto no es atribuible únicamente
las situaciones de desigualdad, dependencia,
a la incidencia del entorno de urbanización.
vulnerabilidad y exclusión social. Además,
Sí lo es, en cambio, la baja identidad colectiva
ciertas características de la ciudad dispersa la
y la escasa identificación con el lugar de
alejan del ideal de una ciudad sostenible tal y
residencia. La falta de elementos simbólicos
como se ha planteado en este artículo, tanto
que actúen dando identidad y cohesionando
en términos sociales como medioambientales
la población tiene como efecto principal un
y económicos.
proceso de identificación débil con el territorio,
En primer lugar, el urbanismo disperso
lo que termina por generar demandas políticas
contribuye a la disminución y debilitamiento
demasiado especializadas tales como el arreglo
de las relaciones sociales. Aunque su frecuencia
de una calle, la iluminación de un tramo, etc.
e intensidad depende de muchos factores, la
Una tercera problemática de las
morfología urbana también tiene impacto.
urbanizaciones viene dada por el déficit
Intervienen dos factores: por un lado, el diseño
de servicios, equipamientos básicos e
de una ciudad sin espacio público que actúe
infraestructuras. La importancia otorgada a la
como lugar de encuentro. Las calles están
residencia en detrimento de otras funciones
vacías porque la gente no hace vida en ellas,
urbanas ha consolidado un déficit histórico en
sólo se desplaza haciendo que los encuentros
estas áreas. Las carencias no son iguales en
sean casi inexistentes. Por otro lado – y eso
todas las urbanizaciones ni afectan por igual
afecta especialmente a los residentes que han
a todos sus residentes, sino que son las de
llegado recientemente a las urbanizaciones –,
autoconstrucción las que acumulan a día de
la distancia y la menor comunicación con el
hoy los déficits fundamentales y las condiciones
lugar de origen. En la mayoría de los casos el
más precarias: a una localización aislada hay
cambio de residencia supone una disminución
que sumar la falta de infraestructuras básicas
de la frecuencia de las relaciones sociales
y de suministro, la dificultad de los accesos, las
con los amigos cercanos y la familia. Esto
construcciones deficitarias y la mala calidad
tiene efectos directos sobre los procesos de
general de la urbanización. La dinámica del
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Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
mercado ha actuado como filtro provocando
especializaciones geriátricas, etc. Éste
que éstas estén ocupadas por población
será uno de los principales retos de futuro
con pocos recursos y en riesgo de exclusión
inmediato de los municipios.
social, aumentando aún más su segregación
Esta realidad se agrava con la situación
y perjudicando su calidad de vida. Las
de crisis económica mundial actual : los
personas mayores y las familias con hijos
ayuntamientos, otrora receptores de grandes
pequeños se convierten en colectivos
ingresos generados por el auge de la
especialmente vulnerables.
construcción, actualmente rayan la bancarrota.
Los déficits, sin embargo, van más allá
Esta situación ha provocado que muchas
de las propias urbanizaciones y plantean
infraestructuras, necesarias debido al aumento
retos también a nivel municipal. El rápido
de la población en las urbanizaciones en
crecimiento de la población de los municipios
expansión, no se han puesto en marcha o, si
receptores y del número de viviendas ha
se han iniciado, se han quedado en suspenso.
generado nuevas necesidades y ha hecho
En estos municipios, los servicios básicos como
insuficientes las infraestructuras existentes
escuelas, bibliotecas y centros de salud han
en los municipios. Por un lado, la llegada de
colapsado al enfrentarse con el crecimiento
parejas en edad de constituir una familia ha
de la población. Esta fragmentación y
supuesto el rejuvenecimiento de las estructuras
especialización del territorio sigue siendo una
de edad de los municipios receptores y ha
fuente de la desigualdad social.
producido un incremento de la natalidad. Este
En cuarto lugar, el incremento de las
hecho ha implicado una mayor demanda y la
distancias y la dependencia del vehículo
necesidad de equipamientos educativos que,
privado. La falta de equipamientos y servicios
además, se ven reforzados por la disminución
en las urbanizaciones provoca que la práctica
de la solidaridad intergeneracional. Por otra
totalidad de sus residentes tengan que salir de
parte, las personas mayores representan
ellas para realizar las actividades cotidianas,
un colec tivo numeroso que aumentará
desde comprar el pan hasta ir a la escuela, al
considerablemente en los próximos años.
médico, al teatro o a trabajar. La distancia a
Especialmente preocupante es la situación de
los núcleos urbanos y su comunicación por
la parte que cuenta con unos recursos más
carretera provoca, al mismo tiempo, que estos
precarios, con una menor solidaridad familiar
desplazamientos rara vez se puedan hacer
o con problemas de movilidad. La falta de
a pie o en bicicleta. En la medida en que el
servicios de proximidad de todo tipo y la
transporte público es también casi inexistente
imposibilidad de desplazarse con normalidad
e, incluso, inviable, el vehículo privado se
consolidan su situación de exclusión. Este
consolida como el medio fundamental de
hecho está suponiendo el aumento de las
movilidad. Facilitar la movilidad de estos
necesidades y la demanda de equipamientos
residentes es – y sigue siendo – una asignatura
y servicios de cuidado específicos orientados a
pendiente para las administraciones que,
la calidad de vida de este colectivo – hogares
frente a la actual falta de financiación,
de jubilados, centros de asistencia primaria,
posponen este problema.
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Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
Aparte de los efectos medioambientales
se consume más agua – un bien preciado en la
de la dependencia del transporte privado, este
zona mediterránea, especialmente durante los
hecho provoca, de nuevo, el establecimiento
meses de verano – que en la ciudad compacta
de grupos dependientes en términos
por la existencia de más zonas ajardinadas
de movilidad y de acceso a los recursos
con piscina.
básicos que reafirma una nueva forma de
Finalmente, la seguridad como derecho
discriminación y exclusión. Las personas que
fundamental no siempre queda garantizado en
pueden desarrollarse plenamente en este
las urbanizaciones. Numerosas olas de robos y
entorno son aquéllas que tienen libre acceso al
agresiones se han producido recientemente en
vehículo privado, lo que relega a una situación
varias urbanizaciones de la RMB. La distancia
de dependencia a aquellas personas que, por
al núcleo principal del municipio, la tipología
diversas razones, no pueden acceder a éste:
de vivienda unifamiliar, las calles inhóspitas y
mayores con poca movilidad o que ya no
deshabitadas por falta de servicios y la poca
están en condiciones para conducir, familias
iluminación hacen a las urbanizaciones y sus
con pocos recursos que no cuentan con
residentes muy vulnerables en términos de
suficientes vehículos para todos los miembros
seguridad. La gente mayor o la que vive sola
del hogar, jóvenes que todavía no tienen
se encuentra en una situación especialmente
edad para conducir y población que no puede
desfavorecida.
obtener la licencia por razones económicas o
En conclusión, el modelo resultante
culturales. Todos estos colectivos dependen de
es desequilibrado y poco sostenible: tiene
otras personas para realizar sus actividades
costes medioambientales inasumibles,
cotidianas. En el mejor de los casos, las
costes económicos comparativamente
familias adoptan estrategias para paliar esta
elevadísimos y costes sociales que perjudican
realidad incrementando el coste y el tiempo
a los colectivos más débiles socialmente
de desplazamiento y, a menudo, limitando
y que hacen necesarias nuevas políticas
las actividades posibles. Este hecho plantea
públicas. Todo ello se plasma, como se ha
retos importantes para la conciliación familiar
visto, a través de la segregación territorial
y supone una sobrecarga del trabajo familiar
y social que lleva implícito el modelo de
doméstico. Nuevamente, los colectivos con
urbanización dispersa: la monofuncionalidad,
menos recursos para contratar servicios y con
los problemas de acceso a los recursos y la
una menor flexibilidad laboral son los más
consiguiente exclusión social que supone, el
afectados. En el peor de los casos, cuando no
alto coste público por la demanda de servicios
se pueden encontrar soluciones dentro del
públicos e infraestructuras desconcentrados,
núcleo familiar, se convierte en un elemento
la escasa mixtura social y demográfica, la
de aislamiento, exclusión y vulnerabilidad
fragmentación de las relaciones sociales y
social muy acusado.
de la solidaridad familiar, la inexistencia de
Debido al uso intensivo del vehículo
lugares públicos, el déficit de planificación y
privado, vivir en una urbanización genera
escaso control público de las transformaciones
mayores niveles de contaminación. Además,
territoriales, la baja identificación con el
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Gemma Vilà e Jordi Gavaldà
lugar e incluso la pérdida de conciencia de
con una realidad viable desde un punto de
lo urbano como un bien público colectivo. En
vista económico y medioambiental, equitativa
definitiva, supone la máxima expresión entre
socioeconómicamente y soportable a nivel
la disociación entre la urbs y la civitas, hecho
social y medioambiental. Se trata de un modelo
que ha llevado a algunos autores a plantearse
definitivamente alejado del objetivo de alcanzar
esta forma urbana como la muerte de la ciudad
una sociedad justa, pacífica y equitativa; en
(Choay, 2004). Así pues, lo que se ha establecido
definitiva, sostenible. En este sentido, es más
como una ciudad ideal se ha convertido, en
aplicable que nunca la expresión de José
la práctica, en un modelo que ha contribuido
Manuel Naredo: “puede ser que no sepamos
no sólo a consolidar las desigualdades sino,
cómo tiene que ser, pero podemos saber qué no
incluso, a aumentarlas. Poco tiene que ver, pues,
debe ser” (Naredo, 2004).
Gemma Vilà
Licenciada en Sociología. Profesora en el Departament de Teoria Sociològica, Filosofia del Dret i
Metodologia de les Ciències Socials, Universitat de Barcelona. Barcelona/Cataluña, España.
[email protected]
Jordi Gavaldà
Licenciado en Sociología. Investigador en el Internet Interdisciplinary Institute (IN3), Universitat
Oberta de Catalunya. Barcelona/Cataluña, España.
[email protected]
Notas
(1) Para llevar a cabo estos obje vos, presentamos algunos de los resultados obtenidos en las dos
últimas investigaciones desarrolladas: Movilidad, solidaridad familiar y ciudadanía en las
regiones metropolitanas y Sostenibilidad social según las formas urbanas: movilidad residencial,
espacios de vida y uso del empo en las regiones metropolitanas. Ambas inves gaciones están
financiadas por el Ministerio de Ciencia y Tecnología y los Fondos Europeos de Desarrollo
Regional – FEDER.
(2) Originalmente el título del informe era Our Common Future, pero pronto se conoció con el
nombre de la doctora Gro Harlem Brundtland, que era quien encabezaba la Comisión.
(3) La Carta de Atenas – La Charte d’Athénes –, escrita en el marco del IV Congrès Interna onal
d’Architecture Moderne – CIAM – de 1933, se estableció como el nuevo manifiesto urbanís co.
Basada en la racionalización de la ciudad, proclamó la zonificación espacial en el sustrato de las
cuatro funciones urbanas principales: vivienda, trabajo, ocio y transporte.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
Efectos del urbanismo disperso y consecuencias para la sostenibilidad social
(4) Emprender relaciones sociales, participar como ciudadano en los asuntos públicos, usar los
espacios públicos y tener una iden dad ligada al territorio.
(5) U lizamos la expresión “urbanización” como traducción del término catalán urbanització. Este
po de morfología urbana es común en la RMB y se caracteriza por una pología construc va
de baja densidad y elevada especialización funcional con un claro predominio de la función
residencial.
(6) Aunque solo nos referimos a los ciudadanos, los agentes urbanos también modificaron sus
intereses y estrategias con el empo. Siguiendo a Capel (1975), consideramos agentes urbanos
a aquellos que enen el poder de modificar el territorio a favor de sus intereses. Nos referimos
a propietarios del suelo, promotores, constructores, empresas industriales y de servicios y la
propia administración.
(7) Los precios de las viviendas prác camente se doblaron entre 1986 y 1995. El mecanismo era el
propio de los mercados oligopolís cos con escasa o nula transparencia y con elevadas barreras
de entrada. La oferta elevada coexis a con la subida de precios: el valor expectante superaba
con creces el monto de los precios.
(8) Sería lógico pensar que el alquiler era la solución, pero este mercado tenía una oferta escasísima.
Tampoco las viviendas de segunda mano eran una posibilidad: a diferencia del resto de Europa,
sus precios eran casi tan prohibi vos como los de la construcción nueva.
(9) Par t dels Socialistes de Catalunya – PSC –, Esquerra Republicana de Catalunya – ERC – e Inicia va
per Catalunya Verds –ICV.
(10) Par do Socialista Obrero Español.
(11) Llei 3/2009, del 10 de març, de regularització i millora d’urbanitzacions amb dèficits urbanís cs.
(12) Convergència i Unió – CiU – en Cataluña y Par do Popular – PP – en España.
(13) Presentamos datos primarios de las dos inves gaciones mencionadas en la nota al pie 2. Usamos
1.200 encuestas: 600 se pasaron en 21 urbanizaciones de la RMB – clasificadas de acuerdo con
sus caracterís cas demográficas y socioeconómicas –, y las otras 600, en diferentes áreas de la
ciudad de Barcelona. Además, se hicieron 25 entrevistas en profundidad. Las citas presentadas
están transcritas literalmente a par r de las intervenciones de los entrevistados, cuyos nombres
no se muestran para respetar su anonimato.
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Texto recebido em 12/ago/2012
Texto aprovado em 8/out/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 15-33, jan/jun 2013
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Urbanização, dinâmica migratória
e sustentabilidade no semiárido
nordestino: o papel das cidades
no processo de adaptação ambiental*
Urbanization, migratory dynamics and sustainability
in the Brazilian Semi-Arid Region: the role of the
cities in the environmental adaptation process
Ricardo Ojima
Resumo
A problemática ambiental urbana costuma dar
atenção aos centros metropolitanos, deixando às
regiões de emigração tradicionais no Brasil o estigma de áreas rurais estagnadas. Entretanto, a transição urbana no país já é generalizada e tais regiões
hoje se consolidando como urbanas exercem um
papel decisivo na retenção da população. Do ponto
de vista da sustentabilidade, o crescimento urbano
não deve ser visto como uma questão negativa em
si mesma, pois as transições urbanas refletem resultados distintos em contextos e momentos distintos. O artigo busca apresentar elementos que problematizem essa discussão dentro do processo de
urbanização recente do semiárido nordestino apontando as potencialidades e limitações para pensar
a adaptação diante do desastre natural mais recorrente na região: as secas.
Abstract
The urban environment issue usually focuses on
metropolitan areas, leaving the traditional regions
of emigration in Brazil stigmatized as stagnant
rural areas. However, the urban transition in the
country is already widespread and such regions,
which have been consolidating as urban areas,
play a decisive role in the retention of population.
From the standpoint of sustainability, urban
growth should not be seen as a negative issue in
itself, because urban transitions reflect distinct
results in different contexts and moments.
Therefore, the article aims to introduce elements
that problematize this discussion in the context of
the recent urbanization of the Brazilian Semi-Arid
Region, located in the Northeast of the country,
showing the potentials and limitations to think
about adaptation regarding the most common
natural disaster in the region: droughts.
Palavras-chave: urbanização; migração; adaptação; meio ambiente; sustentabilidade.
Keywords: urbanization; migration; adaptation;
environment; sustainability.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Ricardo Ojima
Introdução
ambientais. Do ponto de vista ambiental, foco
central deste artigo, a dinâmica da urbanização apresenta situações não apenas distintas,
Quando se discute a problemática ambien-
mas que podem ser consideradas praticamen-
tal urbana no Brasil, surge imediatamente a
te antagônicas, pois os desastres naturais ora
imagem de uma grande cidade localizada no
afetam a população nordestina com eventos
contexto de uma região metropolitana cercada
de extrema precipitação pluviométrica (chuvas)
de poluição, áreas contaminadas, congestio-
concentradas na porção litorânea, enquanto
namentos, etc. De fato, essa é uma realidade
recorrentemente na região do Semiárido o prin-
de praticamente metade da população urbana
cipal desastre natural está associado às estia-
brasileira e, por essa razão, justifica-se todo o
gens severas e prolongadas. Característica essa
investimento e preocupação tanto dos estudos
que costuma ser generalizada para toda região
quanto das políticas públicas específicas. En-
Nordeste no imaginário social.
tretanto, poucas vezes nos preocupamos com
Quando analisamos a distribuição da
as questões ambientais urbanas de algumas
população nordestina a partir do recorte am-
regiões do país, tornando tais “problemas”
biental, a população residente na região do
muitas vezes invisíveis. Assim, muitas vezes
Semiárido correspondia a 40% do total da Re-
relegamos a população dessas regiões à polí-
gião Nordeste no ano de 2010. Fato que não
ticas públicas desarticuladas de acordo com as
deve ser considerado irrelevante em termos
prioridades setoriais e arriscamos aprofundar
de população afetada, pois são cerca de 21,3
injustiças sociais regionais.
milhões de habitantes vivendo em um contexto
A região nordeste é uma dessas regiões.
ambiental complexo e de extrema fragilidade
Segundo os dados do Censo Demográfico
social e econômica. Tais fatores teriam moti-
2010, é morada de 27,8% da população bra-
vado a emigração de grandes contingentes
sileira (53 milhões de pessoas) e é a segunda
populacionais ao longo dos últimos 50 anos;
região em termos populacionais. Proporção
entretanto, poucas vezes tais fatores puderam
que pouco se alterou desde o Censo Demo-
ser devidamente comprovados, pois a existên-
gráfico de 1980, quando os 34,8 milhões de
cia de fatores de atração migratória na região
habitantes da região representavam 29,3% do
Sudeste do país sempre tornavam complexa a
total do país. É ainda a região brasileira me-
análise dos fatores de expulsão da população
nos urbanizada (73,1%, em 2010), com uma
dessas regiões do Semiárido.
proporção da população vivendo em áreas
Nesse sentido, o objetivo deste arti-
urbanas um pouco menor do que na Região
go é analisar o processo de transição urbana
Norte do país, mas que nos últimos anos tem
(passagem de uma população predominan-
se urbanizado rapidamente, trazendo com isso
temente urbana) da Região Nordeste a partir
algumas preocupações.
deste recorte ambiental de modo comparativo
Mas a análise da Região Nordeste não
para melhor compreender a relação dinâmica
pode ser homogênea, pois possui contex-
dos fatores ambientais com aspectos migra-
tos muito distintos, desde econômicos até
tórios, especialmente os fluxos rural-urbano.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Com isso, pretende-se argumentar a respeito
A transição urbana tradicionalmente tem
do potencial positivo que as cidades exercem
sido tratada como o ponto de inflexão no qual
no sentido de favorecer a capacidade adap-
a população passa a ser predominantemente
tativa dos habitantes da Região Nordeste e
urbana. Entretanto, essa definição baseada nos
especificamente no Semiárido. Inicialmente,
dados empíricos não deve ser a única e reduzir
será desenvolvido um panorama dos fluxos
o debate a números. A urbanização da popula-
migratórios recentes privilegiando o processo
ção não se restringe a seu aspecto formal de
de urbanização; em um segundo momento, a
localização, mas principalmente deve ser enten-
partir das características sociodemográficas da
dido em seu contexto sociocultural, no qual o
população e das cidades, levantaremos hipóte-
modo de vida urbano passa a ser mais abran-
ses sobre o processo de adaptação aos fatores
gente do que a mera descrição formal de uma
ambientais na região do Semiárido. Por fim,
localidade urbana (UNFPA, 2007; Ojima, 2006;
avaliaremos esse papel e a capacidade das ci-
Martine et al., 2008; Silva e Monte-Mor, 2010).
dades diante dos cenários de agravamento das
Entre outros argumentos, a definição do que é
condições ambientais.
urbano varia entre os diversos países do mundo,
portanto, a estimativa de que vivemos em uma
sociedade predominantemente urbana pode ser
Migração e urbanização
nordestina
motivo de controvérsias metodológicas.1
Trata-se de uma abordagem promissora
no sentido de incorporar uma reflexão crítica
e substantiva sobre o potencial positivo do fe-
A Região Nordeste tradicionalmente é carac-
nômeno urbano, sobretudo pela incorporação
terizada como o principal centro expulsor da
da dimensão demográfica isenta de seu viés
população brasileira. As explicações para essa
catastrofista e malthusiano sobre a explosão
condição são variadas e vão desde os fatores
demográfica e da simplificação do debate
ambientais (estiagens, desertificação, etc.) até
acerca das mazelas urbanas baseadas na mar-
os baixos indicadores de desenvolvimento eco-
ginalização do migrante nas grandes cidades.
nômico como mortalidade infantil, esperança
Assim, uma teoria da transição urbana poderia
de vida, dinamismo econômico, entre outros
incluir um aspecto prospectivo aos desafios fu-
(Ab’Saber, 1999; Martine, 1994; Camarano,
turos (sociais, políticos, econômicos e ambien-
1997; Oliveira, 2008; Diniz, 1988; Santos e
tais) pelos quais passarão algumas regiões do
Moura, 1990; Santos, Moreira e Moura, 1990;
mundo (África e Ásia) onde a população passa
Teixeira, 1998; Ribeiro e Barbosa, 2006; Fusco;
tardiamente a viver concentrada em cidades
Duarte, 2010). Essa dinâmica das migrações
(MacGranahan et al., 2009; Silva e Monte-Mor,
nordestinas teve impacto no processo de urba-
2010). A experiência brasileira de transição
nização da região, mas trata-se de um aspec-
urbana precoce pode, portanto, ser de grande
to inserido em um contexto mais amplo: uma
valia se for bem compreendida em seus mais
transição urbana. Essa associação é que desen-
amplos aspectos até os dias contemporâneos
volveremos brevemente.
(Martine e Ojima, 2013).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
37
Ricardo Ojima
Sendo assim, considerando que a con-
das cidades é de 40%, e no caso da América
centração da população em grandes municí-
Latina, entre 1975 e 2000, essa contribuição
pios na Região Nordeste é muito mais lenta
foi de cerca de 30%. Realizando a mesma
do que no conjunto do país como um todo,
análise para o Brasil, considerando as gran-
como poderíamos pensar na relação migra-
des regiões, a contribuição da migração para
ção rural-urbana e os dilemas da sustenta-
o crescimento urbano do Nordeste teria sido
bilidade urbana? Como apontado por Ojima
algo em torno de 46% entre 1970 e 2010.
e Marandola Jr. (2012), são inúmeros os ar-
Um dos aspectos dos fluxos migratórios
gumentos para rotular as grandes cidades
nordestinos é o processo de concentração da
como ponto de tensão na busca pela susten-
população em algumas localidades, mas que
tabilidade urbana. Entretanto, seriam nos
se comparado com o país é bem menos pola-
menores municípios do Brasil que as con-
rizado. Podemos ver a partir da Tabela 1 que
dições de enfrentamento e adaptação aos
a Região Nordeste ainda concentra sua popu-
fatores ambientais associados, por exemplo,
lação em municípios de menor porte popula-
ao saneamento básico, planejamento urba-
cional. Quase 40% da população residia em
no e infraestrutura de serviços, apresentam
municípios com mais de 100 mil habitantes,
maiores desafios.
enquanto que no Brasil como um todo essa
Mas a migração não é o único nem o
proporção é praticamente invertida, com 55%
principal responsável pelo crescimento po-
nos municípios maiores. Essa informação adi-
pulacional nas cidades. Um exercício de
cionada ao aumento no grau de urbanização
análise a partir das taxas de crescimento da
da Região Nordeste nos leva ao fato de que,
população urbana e da taxa de evolução do
se há 50 anos atrás o Nordeste abrigava sua
grau de urbanização elaborado por Tacoli,
população em pequenos municípios rurais,
McGranahan e Satterthwaite (2008) mostra
hoje ele ainda tem grande parte de sua po-
que, na média mundial, a contribuição da
pulação em municípios pequenos, mas agora
migração rural-urbana para o crescimento
com uma população urbana.
Tabela 1 – Distibuição da população no Nordeste
segundo classes de tamanho da população nos municípios, 1950-2010
Classes de tamanho da
população
Até 5.000
De 5.001 a 10.000
De 10.001 a 20.000
De 20.001 a 50.000
De 50.001 a 100.000
Mais de 100.000
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
(NE)
2010
(BR)
0,09
2,56
14,04
52,76
16,36
14,18
1,22
5,88
18,05
43,31
11,58
19,96
2,28
9,01
22,60
32,97
11,73
21,41
1,56
6,97
17,70
31,03
12,97
29,77
1,06
5,52
17,75
27,88
14,67
33,11
1,97
6,06
17,67
24,50
13,43
36,36
1,66
4,87
15,81
23,69
14,05
39,92
2,29
4,48
10,35
16,43
11,70
54,75
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1950 a 2010.
38
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Uma análise do grau de urbanização
de 1991, enquanto na Região Nordeste isso
por classes de tamanho do município con-
ocorre apenas no Censo 2010, como pode-
firma essa hipótese, pois podemos verificar
mos ver na Figura 1.
que nos municípios nordestinos maiores,
Nesse aspecto, a transição urbana bra-
com mais de 100 mil habitantes, a popula-
sileira, embora possa ser entendida como
ção já era predominantemente urbana des-
avançada, ainda é distribuida de maneira
de a década de 1970, pelo menos. Assim,
desigual. Considerando então essa etapa co-
mesmo com uma distribuição relativa de
mo uma segunda transição urbana, momen-
pequenos municípios equivalente com ou-
to em que há acomodação da população nas
tras regiões, o processo de transição urba-
áreas já urbanizadas e os fluxos migratórios
na é relativamente atrasado em relação ao
passam a ser predominantemente urbano-
país, pois para o Brasil como um todo os
-urbano, ainda há elementos importantes a
municípios menores já atingiam a marca de
serem analisados para pensar o ciclo com-
50% de sua população urbana em meados
pleto dessa transição precoce brasileira.
Figura 1 – Grau de urbanização por classes de tamanho de população
nos municípios, Nordeste, 1970 a 2010
100
90
80
70
60
50
40
30
20
1970
1980
1991
2000
2010
Até 5.000
De 5.001 a 10.000
De 10.001 a 20.000
De 20.001 a 50.000
De 50.001 a 100.000
Mais de 100.000
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970 a 2010.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
39
Ricardo Ojima
Do total de pessoas que emigraram das
no processo de urbanização, mas algumas das
áreas rurais nordestinas na década de 1970,
características mais marcantes desse grande
segundo os dados do Censo 1980, 66% foram
contingente de pessoas em movimento pelo
residir em áreas urbanas da própria região nor-
país têm apresentado mudanças importantes
deste. Ilustrando-se, então, a hipótese de migra-
nos últimos anos. Uma dessas mudanças é a
ções por etapas (Martine, 1980; Harris; Todaro,
direção predominante desses fluxos. Por um
1970; Sjaastad, 1962) nas quais o migrante de
lado, os fluxos de emigração nas Unidades da
origem rural passaria por estágios intermediá-
Federação (UF) nordestinas se mantêm majo-
rios de modernização através de localidades
ritariamente interregionais, ou seja, a maior
urbanas menores para migrar novamente para
parte das pessoas emigram para estados fora
regiões mais distantes e mais dinâmicas em um
da Região Nordeste. Mas por outro, é impor-
segundo momento. Conforme esses mesmos
tante perceber que, entre os imigrantes, os
dados, do total dessas pessoas que migraram
últimos anos marcaram uma inflexão, pois, se
de áreas rurais do Nordeste para áreas urbanas
na década de 1970 poucos dos que chegavam
na mesma região, um pouco mais da metade
à Região Nordeste eram de outras regiões do
delas se dirigiu para os municípios de mais de
país, nos anos mais recentes já são a maior
100 mil habitantes (55%).
parte dos imigrantes, superando inclusive o
A dinâmica migratória da Região Nordeste
desempenha, portanto, um papel fundamental
volume das migrações entre os estados da própria Região Nordeste.
Figura 2 – Percentual de imigrantes interregionais, 1970 a 2010
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
1970-1980
1981-1991
1990-2000
2000-2010
imigrantes interregionais
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970, 1991, 2000 e 2010.
40
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Embora o Nordeste ainda apresente saldos migratórios negativos nas trocas com as
Vidas secas e urbanas
UFs de outras regiões do país e ainda seja a
A literatura tem apontado que, diante dos
região brasileira menos urbanizada, novas di-
cenários de mudanças climáticas globais, im-
nâmicas migratórias e urbanas parecem surgir.
portantes mudanças nos fluxos migratórios
Com uma população mais urbana, mesmo em
poderiam ocorrer, contribuindo para reiterar
municípios de menor porte, novas possibili-
processos e intensificar os fluxos migratórios
dades de atração e, principalmente, retenção
de regiões tradicionalmente expulsoras da po-
da população potencialmente surgem. Não
pulação para as grandes cidades (Bates, 2002;
estamos aqui nos referindo apenas aos polos
Adamo, 2001; Myers, 1993; 1997; Barbieri et
de desenvolvimento mais evidentes como Pe-
al., 2010; Barbieri, 2011). Mas, embora a re-
trolina/Jauzeiro ou Caruaru, entre outros; mas
lação entre estiagens e emigrações na Região
principalmente dos pequenos e médios muni-
Nordeste do Brasil seja praticamente um con-
cípios, agora mais urbanizados e que, com um
senso, há ainda lacunas de análise que deixam
conjunto de políticas sociais não específicas
margem para desarcordos nessa associação
para o enfrentamento da estiagem (Araujo,
(Martine, 1980; Hogan, 2005). Assim, vale a pe-
2012), aparentemente sentiram mais efeitos
na problematizar uma leitura que não seja me-
positivos do que as políticas de combate às se-
tropolecentrada – onde se analizam os fluxos
cas de outrora.
migratórios a partir da perspectiva das regiões
Com esse breve percurso da relação en-
metropolitanas –, mas através de uma análi-
tre migrações e urbanização no Nordeste, po-
se da dinâmica demográfica a partir de suas
demos concluir que, a despeito da pouca aten-
regiões de origem: o Nordeste seco.
ção dada à relação urbanização e ambiente
Segundo o banco de dados do Internatio-
nessa região, a sustentabilidade urbana nesse
nal Disaster Database (EM-Dat), no Brasil o de-
contexto se torna um elemento central a ser
sastre natural com o maior número de pessoas
melhor analisado. Enquanto se fala em grandes
atingidas são as estiagens. E, embora não se
projetos de reuso de água, fontes de energia
constitua como o principal desastre em termos
limpa, redução de emissões de gases de efeito
de vítimas fatais, é aquele que historicamente
estufa, temos cerca de 39 milhões de pessoas
atinge o maior número de pessoas, comprome-
vivendo em áreas urbanas de uma região que,
tendo as atividades econômicas e a qualidade
se não por completo (como veremos no item a
de vida. Claro que entender e avançar sobre a
seguir), ainda carecem de políticas públicas de
vulnerabilidade das grandes cidades é funda-
acesso a saneamento básico e precisam enfren-
mental, afinal, as consequências econômicas e
tar estiagens regulares com poucos recursos.
sociais nesses contextos atingem diretamente e
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
41
Ricardo Ojima
indiretamente muito mais pessoas. Mas a des-
desenvolvidos no âmbito deste Ministério e –
peito do volume relativamente maior de atingi-
com base em cinco propostas apresentadas –
dos nas grandes cidades, as consequências das
além de incluir os municípios com precipitações
secas prolongadas em municípios pequenos
médias anuais iguais ou inferiores a 800 mm,
podem ser devastadoras (Ojima e Marandola
também passariam a ser incluídos aqueles que
Jr., 2012; Ojima e Martine, 2012).
apresentassem índice de aridez de até 0,504 e
Mas, antes de mais nada, para que uma
risco de seca superior a 60%5 (Pereira, 2007).
leitura do que poderiamos chamar de “demo-
A delimitação, portanto, além de contar com le-
grafia da seca” seja realizada de maneira ade-
gislação específica que confere a esses municí-
quada é preciso fazer um recorte espacial que
pios acesso a recursos financeiros para o com-
vai além da mera arbitrariedade do recorte das
bate às secas, tem uma delimitação claramente
grandes regiões brasileiras. Como discutir uma
ambiental por contar com critérios técnicos e
região tão extensa quanto o Nordeste sem se
não apenas políticos.
valer de um recorte intimamente vinculado aos
Para Furtado (1959), a densidade demo-
aspectos ambientais, mas que também seja
gráfica dessa região seria incompatível com
político? Ojima (2012) realiza uma análise pre-
uma economia competitiva e assim seriam
liminar do perfil demográfico nordestino con-
necessárias políticas de incentivo que mobili-
siderando um recorte ambiental-climático-po-
zaram importantes contingentes populacionais
lítico utilizando a definição oficial definida pelo
em fluxos migratórios de modo a polarizar o
governo federal dos municípios que compõem
desenvolvimento econômico em torno de al-
2
o Semiárido nordestino. A partir desse recorte
gumas localidades específicas. Mas, mesmo
seria possível distinguir os municípios nordesti-
assim, Ab’Saber (1999) salienta que de todas
nos entre aqueles que são atingidos diretamen-
as regiões com tais características no mundo,
te pelas estiagens e aqueles que enfrentam de-
o Semiárido nordestino seria uma das mais
safios de sustentabilidade urbana semelhantes
povoada de todas. A exploração da seca como
àqueles de outras regiões metropolitanas bra-
elemento constituinte da miséria, desigualda-
sileiras na região da Zona da Mata, no litoral
de e pobreza na Região Nordeste já foi alvo
oriental nordestino.
de importantes discussões teóricas (Ab’Saber,
A definição dos municípios que compõem
1999; Araújo, 1997; Castro, 2001; Furtado,
o Semiárido foi estabelecida pelo Ministério
1959; 1974; 1981) e, consequentemente, pa-
da Integração Nacional em 2005 ampliando
rece ter sido suficiente para explicar o êxodo
a relação de municípios anterior de 1.031 pa-
maciço de contingentes da população para os
ra 1.133. Abrangendo inclusive 85 municípios
grandes centros urbanos, especialmente para
3
da região norte de Minas Gerais. Os critérios
o Sudeste. Sendo, para muitos, justificativa
utilizados para a inclusão dos municípios nessa
ainda das mazelas ambientais urbanas das
listagem partiram de um conjunto de estudos
grandes metrópoles.
42
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Figura 3 – Volume e taxa de crescimento da população,
Nordeste (exclusive semiárido) e Semiárido entre 1970 e 2010
35
30
milhões de habitantes
25
20
15
10
5
0
1970
1980
1991
2000
 Semi-árido
2010
resto do Nordeste
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1970 a 2010.
Mas se na década de 1970 a taxa de
crescimento da população nordestina era re-
valores muito próximos nas duas subáreas nos
anos futuros.
lativamente alta (2,6% ao ano), apesar do
Além disso, apesar da média do cres-
saldo migratório negativo nas trocas com ou-
cimento para toda a região do Semiárido ser
tras regiões do país, podemos explicar o des-
relativamente baixa no período 2000-2010
compasso entre as taxas de crescimento do
(abaixo de 1% ao ano), em alguns municípios
Semiárido em relação ao resto do Nordeste
as taxas de crescimento da população urbana
pelas migrações intrarregionais que eram pre-
(Figura 4) são muito elevadas, apresentando
dominantes até a década de 1980. Hoje, ao
taxas maiores do que 4% ao ano. Essa con-
contrário do que ocorria há algumas décadas, o
centração da população em áreas urbanas tem
ritmo de crescimento populacional não é mais
duas leituras importantes no que se refere aos
tão desigual do que as taxas de crescimento
desafios para a sustentabilidade. A primeira
dos municípios de fora do Semiárido. A Figura 3
delas diz respeito ao enfrentamento das con-
mostra que não apenas as taxas de crescimen-
dições ambientais adversas, pois em áreas ur-
to estão em ritmo declinante, mas também que
banizadas há um maior potencial para oferecer
o ritmo de crescimento tende a convergir para
serviços como educação, saúde e saneamento
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
43
Ricardo Ojima
básico para a população, sobretudo devido
Outro aspecto recente que ainda não
aos ganhos de economia de escala (Martine
pôde ser confirmado é o impacto que as polí-
et al., 2008). Nesse sentido, a urbanização
ticas de transferência de renda, iniciadas pela
da população nos municípios do Semiárido
criação da previdência rural e culminando no
poderia proporcionar avanços significativos
Bolsa Família, tiveram nesse processo. Ou seja,
na qualidade de vida e nas possibilidades de
a dinamização de um mercado consumidor ur-
enfrentar os desafios da estiagem. Por outro
bano local, embora em pequena escala, através
lado, a concentração urbana em municípios
dos programas de transferência de renda, tem
de pequeno porte populacional traz desafios
sido apontada como elemento importante na
em termos da capacidade orçamentária e de
manutenção de parte da população na região
infraestrutura, pois esses municípios apresen-
(Araujo, 2012). Nesse sentido, reduz-se o ím-
tam, em grande maioria, uma grande depen-
peto dos fluxos migratórios de longa distância,
dência econômica de transferências de recur-
mas mantém-se uma tendência de uma mobili-
sos federais e estaduais.
dade para áreas urbanas próximas.
Há um relativo desacordo em relação aos
Em paralelo, restam ainda elementos
motivos dessa concentração urbana nos muni-
controversos em relação ao processo de urba-
cípios do Semiárido. Assim, apesar de um rela-
nização e o impacto ambiental, especialmen-
tivo consenso em torno da crise do complexo
te sobre o conflito no uso da água, pois para
pecuária-algodão-policultura de alimentos co-
Carvalho e Egler (2003), a urbanização no Se-
mo um dos principais fatores explicativos para
miárido causaria um aumento no consumo e
o êxodo rural da região (Araujo, 2012; Carva-
demanda de água, o que agravaria a situação
lho; Egler, 2003), outros fatores merecem uma
de escassez. Entretanto, o principal setor con-
análise mais detalhada. Uma parte importante
sumidor de água no Brasil é a agricultura (Car-
dos fluxos migratórios para áreas urbanas no
mo et al., 2007), com uma participação média
Semiárido está relacionada, por exemplo, à
de mais de 60% de todo o consumo de água
migração de retorno. Migrantes que outrora
do país. Como a participação do consumo do-
foram em busca de oportunidades econômicas
méstico é de apenas 10%, podemos supor que
em grandes cidades, especialmente no Sudes-
a vida nas cidades, ao contrário, otimizaria o
te do país, têm retornado para suas regiões de
uso de água, principalmente se considerarmos
origem, embora majoritariamente com destino
o uso de técnicas de irrigação pouco eficazes
em áreas urbanas.
em uma região de elevada evapotranspiração.
44
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
Figura 4 – Região do Semiárido na Região Nordeste e taxa de crescimento
da população urbana entre 2000 e 2010
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 2000 e 2010.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
45
Ricardo Ojima
Portanto, ao contrário do que encontramos nas grandes cidades e regiões metropo-
reproduz a pobreza e, portanto, os desafios
ambientais no local de destino.
litanas, a concentração de pessoas em áreas
Mas se observarmos a Figura 5, pode-
urbanas de municípios atingidos pela seca
mos confirmar que há uma associação positi-
poderia significar uma menor vulnerabilida-
va entre o grau de urbanização e a oferta de
de diante dos fatores ambientais extremos.
atendimento de domicílios com rede geral de
Isso ocorre devido ao fato de que quando a
abastecimento de água. Tal associação é mais
população está concentrada nas áreas urba-
evidente para o ano de 1991, quando ainda
nas a possibilidade de oferecer serviços pú-
grande parte dos municípios do Semiárido era
blicos e otimizar o uso de recursos se torna
pouco urbanizada, e 68% dos municípios apre-
mais viável, tanto do ponto de vista de ações
sentavam baixo grau de urbanização e baixa
emergenciais para o enfrentamento das secas,
proporção de domicílios com rede geral de
como a distribuição de água potável em car-
abastecimento de água, simultaneamente. Esse
ros-pipa, mas também para investimentos de
cenário muda completamente em 2010, quan-
médio e longo prazo. O principal argumento
do a maior parte dos municípios passa a ter
é que parte significativa da literatura sobre o
predominância de pessoas vivendo em áreas
Semiárido associa a emigração das áreas ru-
urbanas. Nesse aspecto, confirma-se a hipótese
rais apenas em direção aos grandes centros
mencionada por Martine et al (2008) de que as
metropolitanos e dessa maneira tratam es-
transições urbanas ocorrem de maneira distinta
se processo como um aspecto negativo que
em cada região.
% população urbana
% população urbana
Figura 5 – Percentual da população urbana versus percentual de domicílios
com rede geral de abastecimento de água por município
do Semiárido nordestino, 1991 e 2010
% domicílios com rede geral de abastecimento de água
% domicílios com rede geral de abastecimento de água
Fonte: IBGE, Censos Demográficos 1991 e 2010.
46
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
A análise elaborada pelos autores se
central na estratégia de busca de serviços e
refere ao processo global de transição urba-
infraestrutura, valendo-se ainda de respostas
na, mas pode ser considerada aqui em um
multifásicas como a migração de membros
contexto social e econômico distinto, pois o
do domicílio para áreas urbanas e integrando
argumento central é válido: os grandes fluxos
atividades agrícolas e não-agrícolas (VanWey,
rural-urbano para grandes cidades não devem
Guedes e D’Antona, 2008). Essa estratégia de
se repetir no Brasil do presente devido às im-
complementariedade de uma lógica urbana-
portantes mudanças tecnológicas e culturais
-agrícola é uma das características da urbani-
nos quais o modo de vida urbano se expan-
zação extensiva também explorada por Monte-
de para além das metrópoles (Monte-Mor,
-Mor (2006) e acena para um novo aspecto
2006; Hogan, Marandola Jr. e Ojima, 2010;
social que extrapola a tradicional dicotomia
Baeninger, 2008).
rural-agrícola e urbano-industrial. Assim, a ur-
Enfim, é impossível discutir a sustentabi-
banização do Semiárido nordestino poderia
lidade das cidades sem considerar essa parcela
seguir a mesma tendência de complementari-
significativa da população brasileira, exposta a
dade já identificada na Amazônia, mas devido
vulnerabilidades crônicas e que reiteradamente
aos aspectos sociais e políticos intervenientes,
compromentem todo um sistema social. Enten-
merecem uma investigação específica.
der a sustentabilidade, portanto, é entender a
Nesse sentido, a urbanização do Se-
vulnerabilidade e suas múltiplas dimensões
miárido contemporâneo não proporcionaria
sociais (Ojima e Marandola Jr., 2012; Maran-
movimentos migratórios nos moldes do desen-
dola Jr. e Hogan, 2006; Marandola Jr., 2009). O
volvimento industrial do Sudeste de outrora,
mundo urbano é inevitável, pois as tendências
pois nem mesmo nessa região essa relação
históricas indicam que a população mundial
se sustentaria diante de uma nova lógica da
desde 2008 é predominantemente urbana e
produção industrial flexível (Harvey, 1992;
não há previsões de uma reversão nessas ten-
Baeninger, 2008). As mudanças no mercado
dências (UNFPA, 2007). Portanto, impedir que
de trabalho, fluxos econômicos e conjuntura
as pessoas continuem a migrar para as áreas
de infraestrura do país trouxe consigo transfor-
urbanas é tão improdutivo quanto inócuo. Isso
mações estruturais que demandam uma adap-
não significa dizer que não há que se ter espa-
tação para a realidade política e institucional
ço e incentivo para a agricultura, especialmen-
do Semiárido, pois se considerarmos o desen-
te a de subsistência, mas trata-se aqui de evitar
volvimento urbano tardio da região a partir da
abordagens que dicotomizem as ações políti-
mesma lógica de produção fordista, corremos
cas em torno de uma ou outra opção.
o risco de reproduzir equívocos na forma de
Há uma situação de simbiose urbano-
planejar (ou não planejar) essa urbanização,
-rural saudável e que pode se tornar mais efeti-
mas, nesse caso, com consequências negativas
va se adequadamente gerenciada. Identificada
maiores ainda devido à sobreposição de dile-
por D’Antona e VanWey (2009) em algumas
mas sociais seculares, especialmente, a pobre-
regiões amazônicas, trata-se de uma questão
za da região (Arruda, 2011).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
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Ricardo Ojima
A cidade como espaço
de adaptação
sociais, adaptação, entre outros, seriam fatores
relevantes para entender a migração recente
no Semiárido.
A maior parte dos municípios do Semi-
Poucas vezes pensamos na sustentabilidade
árido apresenta saldos migratórios negativos,
urbana como aquela que garante a manuten-
mas, apesar disso, em alguns municípios o
ção da qualidade de vida da população, talvez
impacto dos saldos positivos é significativo.
por essa perspectiva pouco se diferenciar dos
Assim, mesmo nas localidades com volumes
problemas já existentes (Hogan, 1995; Ojima
modestos, como o contingente populacional
e Marandola Jr., 2012). Portanto, pensar no
no município de destino é pequeno, a migração
agravamento da intensidade e frequência da
causa maior impacto. Isso nos abre pelo menos
estiagem na Região Nordeste imediatamente
uma questão importante no que se refere aos
nos leva a pensar no agravamento dos confli-
fluxos migratórios e o crescimento populacio-
tos ambientais nas principais metrópoles do
nal nos municípios do Semiárido: os pequenos
Brasil decorrentes de novas ondas de migran-
municípios, com maiores taxas de migração lí-
tes, refugiados das secas. Assim, considerando
quida, possuem infraestrutura e capacidade pa-
as mudanças significativas dos principais fluxos
ra absorver com bons indicadores de qualidade
migratórios, sobretudo os de origem rural-ur-
de vida os migrantes?
bana e de longa distância (Oliveira e Oliveira,
A população que reside nesses municípios
2011), identificadas desde a década de 1990
do Semiárido nordestino e aqueles que chegam
(Baeninger, 2000; 2008; Brito, 2009; Martine,
deverão sofrer com os impactos das mudanças
1994), uma nova abordagem para as políti-
climáticas proporcionados, em grande parte, pe-
cas públicas poderiam ampliar o potencial de
lo padrão de consumo das grandes cidades do
adaptação aos fatores ambientais nas cidades
Sudeste e Sul do país. Os efeitos do processo
do Semiárido.
de desertificação podem agravar os impactos
A perspectiva de análise dos fluxos mi-
já injustos em termos ambientais para o que
gratórios adotada por Lee (1966) coloca a ên-
a literatura tem chamado de justiça climática.
fase sobre a decisão individual de migrar como
Segundo Acselrad et al. (2009), a distribuição
um cálculo racional ou semirracional que passa
desigual da responsabilidade do consumo de
por fatores associados ao local de origem ou
recursos naturais tende a desbalancear os riscos
do destino. Assim, em uma situação de ausên-
ambientais entre grupos sociais. Mas a seca não
cia de obstáculos intervenientes, os indivíduos
é um problema novo, pois a população já con-
seriam livres para decidir as melhores alternati-
vive com ela. Cabe ao poder público levar em
vas para o seu bem-estar e, consequentemente,
conta as especificidades da urbanização dessa
o equilíbrio social e econômico seria atingido
região para propor políticas que viabilizem a re-
mais facilmente. Portanto, a complexidade de
dução de injustiças socioambientais.
análises a partir de fatores externos na decisão
Assim, embora o crescimento urbano não
individual de migrar como as características do
seja em si mesmo o problema a ser enfrentado,
ambiente (locais de origem e destino), redes
necessitamos um olhar atento para não deixar
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Urbanização, dinâmica migratória e sustentabilidade no semiárido nordestino
que se reproduzam formas de expansão urbana
sobretudo nos aspectos sociais que poderão
excludentes em contextos de maior vulnerabili-
alterar ou proteger os modos de vida da popu-
dade ambiental e social como é o caso do Se-
lação (Buttel et al., 2002; Giddens, 2010; Ojima,
miárido nordestino. Ou seja, se os indicadores
2009; 2011). As medidas de adaptação devem
sociais, sobretudo de acesso a serviços básicos
ser, portanto, ações pró-ativas que antecipem
como abastecimento de água, saneamento,
os desafios a serem enfrentados, pois só assim
educação, saúde, são melhores nas áreas ur-
poderão ser respeitados os interesses da justiça
banas, esse potencial positivo da urbanização
socioambiental.
precisa estar de acordo com o potencial impac-
As cidades são os espaços privilegiados
to dos saldos migratórios sobre a população lo-
dessas transformações, pois nelas é que pode-
cal, pois precisamos estar atentos à capacidade
remos encontrar as melhores condições para
de gestão e planejamento dos municípios.
dar acesso aos serviços sociais e de cidadania
De acordo com os dados da Pesquisa de
que garantam a negociação política. Construir
Informações Básicas Municipais (IBGE, 2010),
cidades resilientes passará pela compreensão
73% dos municípios do Semiárido nordestinos
das especificidades de cada contexto e, do pon-
não possuíam plano diretor e, desses, apenas
to de vista do papel das mudanças demográfi-
27% estavam em processo de elaboração em
cas nas cidades, é necessário entender como as
2009. Vale destacar ainda que, dentre aque-
tendências da mobilidade espacial, do processo
les municípios com taxas de migração líquida
de envelhecimento, dos arranjos domiciliares,
acima de 10% no período 2000-2010 (30 mu-
etc., contribuem ou não para este desafio que
nicípios), 19 deles não tinham plano diretor.
só tende a se tornar mais complexo.
Além disso, apenas 64% dos municípios do Se-
Enfim, o desenvolvimento deve ser sus-
miárido possuem Conselho Municipal de Meio
tentável para todos, em quaisquer contextos
Ambiente. Enfim, o engajamento das instâncias
urbanos. Não podemos reiterar injustiças so-
locais de poder são fundamentais para que
ciais seculares sob a forma de preocupações de
as políticas de adaptação sejam levadas a ca-
desenvolvimento regional a partir das premis-
bo pelas localidades afetadas (Moser e Luers,
sas estigmatizadas na sociedade. Assim, enten-
2008). Afinal, é extremamente necessário que
der detalhadamente a dinâmica demográfica
haja capacidade institucional de planejar o
e, sobretudo, migratória e urbana da região
crescimento e o desenvolvimento urbano nos
do Semiárido nordestino nos permite refletir
pequenos e médios municípios do Semiárido
sobre a sustentabilidade de um urbano pouco
para que os aspectos ambientais não sejam
lembrado, mas que corresponde a mais de 35
novamente deixados em segundo plano e se
milhões de pessoas. Onde os desafios da sus-
tornando um problema futuro.
tentabilidade passam longe do discurso hege-
Como já é consenso para diversos au-
mônico de economia verde para o crescimento
tores, a busca pela sustentabilidade e a adap-
sustentado, mas que se não forem planejados
tação às mudanças ambientais não deve ser
da maneira adequada pagarão a conta, sem ao
entendida apenas pela dimensão geofísica,
menos terem sido convidados a se sentar à me-
pois as questões ambientais se fundamentam
sa para o almoço.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
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Ricardo Ojima
Ricardo Ojima
Sociólogo e Doutor em Demografia, professor adjunto da do Centro de Ciências Exatas e da Terra da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal/RN, Brasil.
[email protected]
Notas
(*) Este trabalho foi desenvolvido no âmbito do projeto “Urbanização, condições de vida e mobilidade
espacial da população no contexto dos biomas nordes nos: repensando as heterogeneidades
intra-regionais” (Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES n. 18/2012 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais
Aplicadas, processo: 403853/2012-5). Observatório das Migrações Nordes nas (UFRN/Fundaj).
(1) No caso brasileiro, a definição de área urbana é dada por lei municipal específica que define o
perímetro urbano. Os dados oficiais publicados pelo IBGE respeitam o critério oficial definido
por cada município, sendo que toda sede de município deve ser considerada parte de uma
área urbana.
(2) Portaria nº 89 do Ministério da Integração Nacional, de 16 de março de 2005.
(3) Para fins deste estudo, não serão considerados os municípios mineiros, pois o recorte é específico
para a Região Nordeste do país.
(4) O grau de aridez de uma região depende da quantidade de água advinda da chuva (P) e da
perda máxima possível de água através da evaporação e transpiração, ou a Evapotranspiração
Potencial (ETP).
(5) Apresentou defict hídrico diário em mais de 60% do período de 1970 a 1990.
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Texto recebido em 19/ago/2012
Texto aprovado em 18/out/2012
54
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 35-54, jan/jun 2013
A evolução urbana de Belém:
trajetória de ambiguidades
e conflitos socioambientais
The urban evolution of the city of Belém: a trajectory
of ambiguities and socio-environmental conflicts
Ana Cláudia Duarte Cardoso
Raul da Silva Ventura Neto
Resumo
Como compreensão sobre o conceito de sustentabilidade urbana evolui no Brasil, as práticas de
mercado referentes ao uso e ocupação da terra e
expansão urbana introduzem em Belém situações
insustentáveis para o contexto amazônico. Até
a integração econômica e logística da região ao
restante do país, predominavam relacionamentos
entre população e território que hoje seriam considerados sustentáveis. Contudo na escala metropolitana, a falta de políticas para o atendimento
das demandas sociais geraram situações de ambiguidade, em que ecossistemas de várzea foram
ocupados, e após décadas tornaram-se espaços de
resistência, de trabalhadores e nativos da região,
aos novos processos de expansão urbana conduzidos pelo setor imobiliário, pautados pela fragmentação, espraiamento e transformação das orlas dos
rios em espaços de consumo.
Abstract
While the understanding about the meaning of
urban sustainability evolves in Brazil, market
practices related to land use and occupation,
as well as urban expansion, have introduced in
the city of Belém unsustainable circumstances
from the perspective of the Amazonian context.
Before the economic and logistic integration
of that region into the country, sustainable
relationships between people and territory were
prevailing. However, at the metropolitan scale,
the lack of policies to meet social demands have
generated ambiguous situations, in which flood
plain ecosystems have been occupied, and after
decades have become spaces of resistance for
workers and natives, against the new urban
expansion processes led by the real estate
market, which are guided by fragmentation,
sprawl, and transformation of river margins into
consumption spaces.
Palavras-chave: sustentabilidade urbana; Belém;
Amazônia; Baixadas; setor imobiliário.
Keywords: urban sustainability; Belém; Amazon;
flood plains; real estate.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
Discussão sobre
sustentabilidade: trajetória
do debate sobre o meio
ambiente urbano
A partir do final da década de 60, nos países
desenvolvidos, a crescente preocupação da opinião pública acerca das implicações ambientais
das atividades humanas sobre o meio ambiente contribuiu para consolidar a discussão a respeito da necessidade de se incorporar elementos de sustentabilidade ao desenvolvimento
econômico. Daquele momento em diante, passaram a ser confrontadas duas trajetórias diametralmente opostas e naturalmente conflitantes: o desenvolvimento econômico, entendido
como o uso indiscriminado de recursos naturais
e a consequente geração de resíduos; e o meio
ambiente, sob a perspectiva da existência de
recursos naturais limitados, e da capacidade de
a natureza absorver, reduzir ou tornar inofensivos os resíduos gerados pelo desenvolvimento
(Hardoy et al., 2001, p. 337).
As primeiras considerações detalhadas
que evidenciam esse conflito emergiram no relatório Limits to Growth, publicado pelo Clube
de Roma em 1974. Esse relatório dedicou-se a
evidenciar a pressão exercida sobre os recursos
naturais decorrente do padrão de crescimento
dos países ricos, além de apresentar importantes contribuições sobre a possibilidade de
se estabelecer uma condição de estabilidade
econômica e ecológica que pudesse ser sustentável a longo prazo. Em grande parte, o material apresentado pelo Clube de Roma em Limits
to Growth, em conjunto com outros trabalhos
publicados entre os anos de 1970 e 1980, foram incorporados ao relatório Our Common
56
Future publicado em 1987 pela Brundtland
Commission, que, apesar de não apresentar
ideias originais, consolida a necessidade de
o Estado mediar o conflito entre desenvolvimento econômico e meio ambiente por meio
da formulação de políticas públicas. A partir
desse ponto, a expressão “desenvolvimento
sustentável” foi legitimada no âmbito de governos e agências internacionais, forçando-os
a partir para sua aplicação prática (Hardoy et
al., 2001, p. 343). Apesar de o relatório elaborado pela Brundtland Commission em 1987 já
incluir um capítulo dedicado à sustentabilidade urbana, somente em 1996, na conferência
de Istambul, o tema efetivamente foi incorporado ao âmago das discussões sobre o desenvolvimento sustentável.
Segundo Hardoy, Midlin e Satterthwaite
(2001, p. 339), é surpreendente que a temática urbana tenha passado ao largo das
discussões sobre sustentabilidade por pelo
menos 20 anos, na medida em que: a) é nas
cidades que passou a se concentrar grande
parte da crescente população mundial; b) é
dentro das áreas urbanas que é consumida e
desperdiçada a maior parte dos recursos naturais do mundo; c) as políticas definidas para as
áreas urbanas são de grande implicação para
o consumo de recursos naturais, na medida
em que esse consumo está diretamente relacionado à forma dos seus edifícios e mesmo à
forma urbana dessas cidades. Especificamente
ao que se refere às políticas urbanas, os autores argumentam que essas deveriam ter um
papel central dentro das estratégias nacionais
de sustentabilidade, destacando a escala local
(urbana) como fundamental para o sucesso do
conceito de desenvolvimento sustentável na
escala global.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
A evolução urbana de Belém
Contudo, como mostram A scelrad
relacionadas ao mesmo – habitação, sanea-
(1999, p. 79) e Costa (1999, p. 55), tratar de
mento básico, controle do uso da terra, trans-
sustentabilidade urbana, ou mesmo buscar de-
porte coletivo, etc., pulverizando a discussão
finições sobre o que representa o conceito de
sobre o urbano a partir da década 1980. Além
sustentabilidade, apresenta-se como uma ta-
disso, a condição urbana tornou-se um ele-
refa complexa e, por vezes, contraditória. Em
mento difusor de novos movimentos sociais
parte, essa dificuldade se deve à banalização
que passaram a reivindicar acesso aos meios
do termo em razão de seu emprego contínuo
de consumo coletivos, em que a dimensão
como mote publicitário de grandes empresas
ambiental também estava incluída, ainda que
multinacionais, ou então por agências inter-
de uma forma mais técnica.
nacionais que o incluem no bojo de interesses
Av a n ç a n d o n e s s a s o b s e r v a ç õ e s ,
particulares e que pouco tem a ver com a con-
Steinberger (2001) aponta a distinção existen-
ciliação entre preservação do meio ambiente e
te entre as pesquisas que buscam uma defini-
objetivos de desenvolvimento; percebe-se que
ção mais precisa de sustentabilidade urbana,
outro segmento tem se concentrado em usar
com algumas partindo das manifestações de
o termo focando unicamente na sua dimensão
insustentabilidade da cidade e buscando es-
ecológica e sem se preocupar em contemplar
tratégias para torná-la sustentável, enquanto
as necessidades humanas (Hardoy et al., 2001,
outras defendem a sustentabilidade da cidade
pp. 345-346). Por outro lado, a aplicação do
de per se, observando o lado positivo da aglo-
conceito à dimensão urbana traz consigo
meração para a otimização do uso de recursos.
conflitos teóricos de difícil conciliação. Esses
Não existiria dessa forma o “ser sustentável”,
conflitos tendem a se concentrar em duas
mas sim o “estar sustentável” (Steinberger,
grandes frentes: uma que envolve a trajetó-
2001, p. 10), o que se coaduna com o defini-
ria da análise ambiental e da análise urbana,
do nas instâncias internacionais e apontado
que se originaram de áreas do conhecimento
por Costa (1999, p. 62). Nesse caso, a alter-
diferentes, mas convergem na proposta de um
nativa apontada por Steinberger (2001, p. 10)
desenvolvimento urbano sustentável; e outra
é compreender que a expressão “desenvolvi-
mais restrita à dimensão prática, em que se
mento urbano sustentável” é composta por
verifica um distanciamento entre formulações
três elementos-chave: desenvolvimento como
teóricas e propostas de intervenção (Costa,
objetivo macro, finalístico e permanente; sus-
1999, p. 56)
tentável como objetivo meio, adjetivo de um
Costa (1999, p. 57), ao analisar as tra-
estado temporário; e espaço urbano (conteúdo
jetórias distintas de construção de conceitos
e continente do meio ambiente) como objeto
relativos às questões urbana e ambiental,
de gestão. A ideia do espaço urbano, como
demonstra que o fato de os estudos sobre o
objeto de gestão para viabilizar a sustentabili-
urbano da década de 1970 terem se consti-
dade ambiental, tem suscitado discussões que
tuído de forma hermética favoreceu a subs-
envolvem questões mais específicas à prática
tituição do debate sobre o espaço urbano no
de gerir a cidade, incidindo em alguns casos
sentido amplo, pela discussão sobre aspectos
sobre sua forma urbana.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
57
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
Acselrad (1999, p. 79) organiza analiti-
“crescentemente impregnaria os habitantes
camente o discurso da “sustentabilidade urba-
das cidades com substâncias nocivas e tóxi-
na” em três matrizes discursivas. Numa primei-
cas por sua artificialidade” (Acselrad, 1999,
ra perspectiva, teríamos o grupo que defende
p. 84) e cujo resultado seriam inevitavelmen-
uma representação tecno-material da cidade,
te implicações sanitárias (emissões líquidas e
em que a eficiência energética dos processos
gasosas) resultantes de uma sociedade fun-
passa a ser o princípio norteador da gestão ur-
damentada no consumo desenfreado de mer-
bana. Nessa caso, a cidade é entendida como
cadorias, especialmente veículo automotores;
um sistema termodinâmico aberto, em que a
b) políticas de preservação do patrimônio, co-
ideia básica para viabilizar a sustentabilidade
mo forma de fortalecimento do sentimento de
é a de que, para uma mesma oferta de ser-
pertencimento dos habitantes a suas cidades,
viços, haja uma minimização do consumo de
mas também como estratégia de promoção
energia fóssil e de outros recursos materiais,
de uma imagem que marque a cidade como
explorando o máximo os fluxos locais e satis-
forma de atrair capitais na competição glo-
fazendo critérios de conservação de estoque
bal; c) políticas que viabilizem arranjos entre
e de redução de volume de rejeitos (Acselrad,
a ideia de eficiência energética e qualidade
1999, p. 82). Contudo, a analogia a um sistema
de vida, pautando-se em diretrizes nas quais
termodinâmico aberto serve também para as-
a forma urbana é um fator determinante para
sociar o espaço urbano como um locus privile-
a sustentabilidade, persegue-se nesse caso a
giado de uma produção crescente de entropia,
noção de cidade compacta nos moldes de ci-
o que eminentemente levaria a um quadro de
dades tradicionais europeias, em que a alta
insustentabilidade que só poderia ser revertido
densidade e o uso misto tendem a apresentar
por ações de planejamento urbano, pautando-
elevado desempenho energético por reduzir
-se em estratégias ou tecnologias poupadoras
as distâncias dos trajetos.
de espaço, matéria e energia, e voltados para a
reciclagem de material.
Por último, haveria uma matriz da sustentabilidade urbana que enxergaria a cidade
Uma segunda matriz técnica que o au-
como espaço de legitimação das políticas ur-
tor define é pautada na ideia da cidade co-
banas; nesse caso inclui-se prioritariamente
mo espaço da “Qualidade de Vida”, na qual
na discussão uma dimensão política inerente à
planejamento urbano busca intervir na mi-
cidade, e essa passa a orientar as estratégias
croescala da cidade e na sua forma urbana,
de planejamento voltadas para sustentabilida-
articulando algumas estratégias específicas,
de urbana. Nesse caso, entende-se a insusten-
tais como: a) componentes mercantis da exis-
tabilidade como resultado de uma incapacida-
tência cotidiana e cidadã da população urba-
de das políticas urbanas adaptarem a oferta
na, pensado por razões de qualidade de vida.
de serviços urbanos à quantidade e qualidade
Nesse caso, existiria uma imposição mais ra-
das demandas sociais, resultando no que o
dical das ideias de planejamento e gestão da
autor classifica como uma queda de produti-
cidade, quando questionam-se algumas ba-
vidade política dos investimentos urbanos. O
ses técnicas do urbano, visto como algo que
papel do planejamento nesse caso, seria o de
58
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
A evolução urbana de Belém
viabilizar mecanismos distributivos de acesso
ineficiência de políticas que, a partir da tentati-
aos serviços urbanos disponíveis na cidade.
va de controlar o uso da terra urbana, poderiam
Complementarmente, Hardoy, Midlin e
viabilizar um ganho de desempenho no quadro
Satterthwaite (2001, p. 371) entendem que
de sustentabilidade urbana em nossas cidades.
uma governança local pautada por diretrizes
Como mostra Villaça (2011), em grande parte
de sustentabilidade deva conciliar desenvol-
os planos diretores municipais não conseguem
vimento com preservação do meio ambiente,
dar conta de questões que vão além das leis
articulando o atendimento de demandas dos
de zoneamento, fortemente influenciadas pelos
habitantes de uma dada cidade com padrões
interesses do setor imobiliário. Maricato (2011)
de consumo de seus habitantes e a produção
por sua vez, atribui o fracasso generalizado das
das empresas locais geridos para causar o
tentativas de controle do uso da terra urbana a
menor impacto possível para o meio ambien-
uma questão estrutural de formação da socie-
te, seja no entorno da cidade seja para outros
dade brasileira, que nos dias de hoje converteu
ecossistemas que estariam para além da escala
a terra urbana em um nó que, caso não seja so-
local. Dessa forma, estaria incorporada a noção
lucionado a tempo, tende a agravar rapidamen-
de que cada cidade também gera impactos nas
te o processo de insustentabilidade urbana em
escalas regional e global.
nossas cidades, tornando-as cada vez mais ci-
Em se tratando das cidades brasileiras,
dades inviáveis (Maricato, 2011, pp. 185-191).
Steinberger (2001, p. 11) cita a constituição de
A segunda parte desse texto apresenta uma
1988 como marco da inserção de questões re-
leitura da trajetória de Belém, uma grande ci-
lacionadas ao meio ambiente urbano, incluídas
dade localizada na Amazônia, e das ambigui-
principalmente na matriz discursiva que enxer-
dades e indefinições associadas à leitura de
ga o espaço como legitimação das políticas
suas perspectivas de sustentabilidade.
urbanas apontadas por Acselrad (1999). Trata-se da inserção no texto da Constituição de
Normativas que contemplavam a função social
da propriedade, entre os princípios gerais da
A Belém Amazônica
ordem econômica, junto com a possibilidade
instituída de qualquer cidadão fiscalizar bens
A inserção de Belém no contexto amazôni-
ambientais, históricos e culturais. Em ambos os
co está associada a séculos de história e a
casos, as diretrizes poderiam fortalecer estra-
circunstâncias socioeconômicas, territoriais
tégias de planejamento e desenho urbano que
e culturais, que merecem ser brevemente
buscassem a sustentabilidade urbana, especial-
recuperadas como pano de fundo para a dis-
mente no combate à especulação imobiliária
cussão de processos e transformações ora
nas áreas centrais, mas também no controle do
em curso na Região Metropolitana de Belém.
uso da terra.
O papel da natureza na ocupação do territó-
Contudo, 25 anos após a promulgação
rio amazônico foi marcante. Os grandes rios
da Constituição de 88, e quase 11 anos da
desempenharam papel logístico importante,
aprovação do Estatuto da Cidade, constata-se a
tanto para mobilidade de pessoas quanto de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
59
Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
mercadorias. A região historicamente foi con-
prática de macrodrenagem de áreas de várzea
siderada como de difícil ocupação, devido à
que serviu de exemplo para os séculos seguin-
barreira que o rio e a floresta constituíam à
tes, em uma racionalidade do domínio humano
aglomeração urbana (Corrêa, 1987).
sobre a natureza (Trindade Jr.,1997).
A distribuição de núcleos urbanos adota-
Na escala regional, a viabilidade de pro-
da no período colonial seguia a acessibilidade
visão de serviços e infraestrutura em uma capi-
dos grandes rios, priorizando a defesa e con-
tal dependia de sua capacidade de aglutinar e
quista do território, ainda disputado por por-
aglomerar, além de sua importância econômi-
tugueses e espanhóis. Belém foi fundada na
ca. A exuberância da natureza tornava impen-
entrada da bacia Amazônica, o que por séculos
sável a ideia de pressão sobre o meio físico e
lhe garantiu o controle do litoral e do acesso
sistemas ecológicos, e a drenagem de várzeas
aos grandes rios continentais. Desde o século
para incorporação de áreas outrora alagadas
XVII, a economia da região baseou-se na explo-
ao traçado da cidade, no século XVIII, expres-
ração de produtos através de ciclos extrativis-
sava a vitória econômica e técnica do homem
tas (temperos, artigos alimentícios) que cons-
sobre a natureza amazônica (Cruz, 1973). A
tituíram uma rede de pequenas localidades de
primeira área drenada em Belém, o alagado
apoio à armazenagem dos produtos escoados
do Piri, deu lugar à praça D. Pedro II, espaço
pelo porto de Belém. Tais características forma-
monumental em frente aos palácios dedicados
ram uma rede dendrítica, com várias pequenas
ao poder político, que nasceu articulada com
cidades portuárias distribuídas nas margens
outras áreas abertas.1 Tal operação permitiu a
dos rios, que dispunham de conexão direta com
articulação entre as duas freguesias em forma-
a metrópole Belém (Corrêa, 1987).
ção da Cidade e da Campina.
A administração pombalina do século
Nas aglomerações menores, nas comuni-
XVIII e a criação da Companhia Geral de Co-
dades menos importantes política e economi-
mércio do Grão-Pará e Maranhão em 1755,
camente, houve uma miscigenação entre índios
deslancharam uma segunda fase na estrutura-
e portugueses que gerou a cultura ribeirinha
ção desse território, com o objetivo de integrar
extrativista e contava com sua produção pau-
a região aos novos paradigmas comerciais in-
tada pelo paradigma da abundância, uma vez
ternacionais, e de fazer a transição do capita-
que sua mão de obra era familiar e negava o
lismo mercantil para o capitalismo industrial
sentido na acumulação baseada na explora-
(Vicentini, 2004). Essa fase de dinamismo ge-
ção exaustiva dos recursos humanos e naturais
rou a diferenciação de funções urbanas, segui-
disponíveis. O ribeirinho não podia sacrificar a
da pela ampliação de funções comerciais e de
própria família para ampliar a produção, nem
serviços, que confirmaram Belém como capital
pensava em ampliar a exploração da natureza
econômica da região e ponto de controle do
além do necessário para sua vivência e susten-
comércio e do monopólio dessa Companhia na
to no território (Costa, 2009).
região (Corrêa, 1987). Essa condição garantiu
A relação com a natureza assegura para
a Belém melhorias na sua infraestrutura física,
as cidades e vilas ribeirinhas da região o que
expansão de sua malha viária e início de uma
Jacobs (2001) classifica como “estoque inicial
60
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A evolução urbana de Belém
de energia” (bônus da água, terra, madeira e
capitais, resultantes de um complexo sistema
alimento fartos), elemento primordial para o
de crédito, o sistema de aviamento, através do
surgimento de uma nucleação urbana em um
qual o Barão da Borracha viabilizava moradia,
determinado ponto do espaço. Esse estoque
alimento e transporte da produção do serin-
inicial é o que permite, segundo a autora, que
gueiro, que produzia o látex na floresta, para
se estabeleçam as primeiras trocas entre co-
a cidade.
munidades ou núcleos urbanos vizinhos, e in-
Se, por um lado, o Aviamento pode ser
fluenciaria também a configuração dessas co-
entendido como um sistema econômico pró-
munidades. Construir palafitas de madeira em
prio da região, redesenhado a partir do con-
pequenas comunidades de famílias que viviam
tato da sociedade amazônica com um sistema
da pesca e da extração de produtos da floresta,
altamente monetizado, como o capitalismo
e usavam a água dos rios para abastecimen-
industrial europeu, por outro, desempenhava
to, transporte, etc., foi estratégia exitosa para
o papel de elemento sustentador e articulador
ocupação das várzeas e estabelecimento de
de toda a estrutura social da região, servindo
vilas e comunidades ribeirinhas (Wagley, 1957).
como elo entre duas extremidades representa-
Por outro lado, ao final do século XVIII,
das pelo “macro-núcleo” urbano e o “micro-
cidade e vilas ribeirinhas tinham a importância
-núcleo extrativista” (Santos, 1980). Entre-
proporcional à largura dos rios onde as mes-
tanto, era um dos mais severos mecanismo
mas se localizavam, crescendo segundo um pa-
de concentração de riqueza a médio prazo já
drão monocêntrico, organizadas ao longo das
vivenciados no país, ao possibilitar a drena-
margens dos rios, com limitada penetração no
gem da riqueza produzida no interior para as
território. A feira era o principal equipamento
duas principais capitais da região amazônica, à
urbano, localizado na margem do rio, e extra-
época Belém e Manaus (Santos, 1980, p. 155).
polava sua condição técnica, atuando também
Do ponto de vista ambiental, o sistema não
como espaço articulador dos ribeirinhos da
impactava a floresta, mesmo sendo extrema-
área de influência do núcleo urbano em ques-
mente perverso do ponto de vista social, devi-
tão. Ainda hoje a matriz, a rua comercial, o tra-
do à forte hegemonia das oligarquias regionais
piche e a feira em frente ao rio marcam a pai-
(Sartre e Taravella, 2009).
sagem urbana tradicional da região (Cardoso e
Lima, 2006).
Por outro lado, as capitais da região, e
especialmente Belém, receberam um forte re-
Ao fim da Companhia Geral de Comércio
direcionamento de excedentes do circuito pro-
do Grão Pará e Maranhão houve um período
dutivo pelas elites econômicas da exploração
de estagnação econômica que só foi superado
gomífera para a aquisição de imóveis urbanos,
com a instalação do ciclo da borracha (Corrêa,
o que, ao coincidir com os desdobramentos da
1987). Houve a divisão do estado do Grão Pará
aplicação da Lei de Terras de 1850 na cidade,
e Maranhão, em Pará, com capital em Belém,
viabilizou as primeiras formas de produção
e Amazonas, e criação de uma nova capital,
rentista na cidade e a configuração do circuito
Manaus. A economia da borracha gerou novos
imobiliário local. Em grande parte, esse movi-
povoamentos e concentrou excedentes nas
mento se fortalece pela necessidade de lastrear
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
os empréstimos do Sistema de Aviamento em
grande parte dessas áreas desde o século XVIII
ativos fixos, principalmente imóveis e navios
(Mourão, 1987), arrendam parte dessas terras
(Weinstein, 1993).
para a produção agropastoril por meio de pe-
A constituição de um patrimônio imobi-
quenas propriedades conhecidas localmente
liário na cidade servia de lastro para as ope-
como “vacarias”; nelas produziam-se leite, hor-
rações financeiras que viabilizavam o sistema
taliças, mas ocorria a criação de pequenos ani-
de aviamento que, somados à diligência do
mais para abastecimento da população. Na es-
governo local e aos desdobramentos da apli-
cala regional, o abastecimento da capital com
cação da Lei de Terras de 1850 na cidade, per-
gêneros alimentícios de primeira necessidade
mitiram a configuração do circuito imobiliário
era garantido pelos municípios localizados ao
local (Ventura Neto, 2012). Paralelamente a
longo da estrada de Ferro Belém-Bragança
esse processo, era praticada uma política de
(EFB), que ligava a capital ao litoral entre os
concessões de serviços públicos de infraestru-
anos de 1908 até 1957 (Andrade, 2010). Pro-
tura urbana para grupos da iniciativa privada,
dutos manufaturados também passaram a ser
ligados politicamente à intendência municipal,
produzidos localmente, num processo de subs-
e em parceria com sócios estrangeiros (Sarges,
tituição de importações iniciado após a quebra
2004), viabilizando a implantação de um plano
da economia gomífera em 1912, devido ao
de alinhamento pensado para a Primeira Légua
isolamento da região e inviabilizado a partir da
2
patrimonial de Belém que permitiu a estrutu-
integração rodoviária do país (Santos, 1980).
ração global da primeira légua patrimonial da
Nesse período, entre o declínio da bor-
cidade (Ventura Neto, 2012). Se, por um lado,
racha e os anos 1960, a cidade de Belém te-
essa sistemática atendia interesses específicos
ve seu crescimento populacional estagnado,
da elite urbana de Belém, beneficiária do Siste-
e outras cidades ribeirinhas apoiaram-se em
ma de Aviamento, por outro permitiu que uma
ciclos próprios, como o da juta em Santarém,
quadrícula de ruas (Figura 1) fosse implantada
ou o do caucho e da castanha-do-pará em Ma-
por toda a porção de terra firme da cidade que,
rabá. Contudo, apesar da crise econômica da
mesmo tendo sido ocupada completamente só
região, Belém manteve sua proeminência na
em 1960, favoreceu a distribuição de usos e
rede urbana da região, ainda em função da sua
tipologias segundo a hierarquia viária, e a for-
posição estratégica de último ponto de conta-
mação de grandes quintais nos miolos de qua-
to entre os produtos extraídos da floresta e o
dra, a arborização de ruas, a criação de praças
mercado externo, mas também em função da
e parques urbanos, sob inspiração do plano de
estrutura portuária construído no período de
expansão de Barcelona (Duarte, 1997).
auge da exploração gomífera. Além disso, a
Nessa expansão, as áreas alagadas da
cidade permanecia como o locus preferencial
cidade, típicas várzeas amazônicas, que para
da elite regional em função da infraestrutura
serem ocupadas requeriam grande volume de
urbana e de serviços especializados (bancos,
recursos para macrodrenagens, foram evitadas
teatros, cinemas, energia elétrica, transporte
por décadas. Em função disso, outros grupos da
urbano, etc.), também heranças deixadas pelo
elite urbana local, que eram proprietárias de
ciclo econômico anterior.
62
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A evolução urbana de Belém
Figura 1 – Plano de alinhamento executado na Primeira Légua patrimonial
da cidade, contornando áreas baixas e alagáveis
Fonte: Muniz (1904).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
Pode-se dizer que até a década de 1950,
penetração natural ao território amazônico, de-
quando ocorreram as alterações nas estruturas
terminava que as distâncias entre as comunida-
produtivas e mercantis da periferia nacional
des obedecessem à dinâmica de deslocamento
(Cano, 2008), Belém estava mais próxima das
a remo do ribeirinho pelos rios da região, o que
práticas associadas atualmente à sustentabili-
contribuiu para a formação de muitos peque-
dade urbana, tanto pela sua relação com a re-
nos núcleos (vilas e comunidades) separados
gião, quanto pela forma urbana resultante do
pela distância determinada pela exaustão física
processo descrito. As considerações de Rees e
do ribeirinho e de sua família durante a luz do
Wackernagel (1996) sobre sustentabilidade
dia. As centenas de comunidades existentes ao
preconizam que uma sociedade só se torna efe-
longo dos rios Tocantins e Tapajós ainda teste-
tivamente sustentável ao adotar a diretriz de
munham essa formação (Pinho, 2012; UFPA/
que cada geração deveria herdar uma quanti-
FUNPEA/ELN, 2006).
dade adequada de acessos a recursos naturais
Vilas e cidades tinham sua configuração
per capita, nunca inferior ao que foi deixada
por gerações anteriores. Nesse aspecto, o uso
do rio como modal principal para o transporte, tanto de mercadorias quanto da população, ao mesmo tempo que viabilizava uma via
definida ao longo do rio, com as atividades comerciais, produtivas, simbólicas e institucionais
localizadas e penetração restrita no continente
a poucas ruas habitacionais (Figura 2) (Cardoso
e Lima, 2006).
Figura 2 – Imagens de cidades ribeirinhas tradicionais
que utilizam o rio com modal principal para o transporte de pessoas e mercadorias
Fonte: foto de Luciano Thormazelli, em 2006 (reprodução autorizada).
64
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A evolução urbana de Belém
Fonte: foto DAU/UFPA, em 2006 (reprodução autorizada).
Na escala regional, a penetração no
Em 2012, autoridades locais estão lon-
território foi viabilizada com a implantação da
ge de estabelecer parâmetros máximos de
malha ferroviária do Estado, que introduziu
consumo de recursos aos habitantes urbanos,
um novo paradigma e um novo referencial de
ou de reduzir o desperdício de recursos natu-
consumo de energia. A existência das “Vaca-
rais e consequentemente as human footprints.
rias” nas baixadas, de indústrias locais e das
Essas políticas são essenciais, na medida em
colônias agrícolas nos arredores de Belém,
que a população das áreas industrializadas tem
comunham um cenário inspirador para quem
apresentado níveis de consumo de recursos na-
busca sustentabilidade nas cidades em tem-
turais muito além do disponível na região em
pos atuais. Como defendido por Hardoy et al.
que suas cidades estão inseridas, drenando os
(2001, p. 365), o estímulo à produção local
recursos de países pobres e impondo seu modo
para o atendimento de demandas da popula-
de vida e padrão de consumo a populações que
ção urbana, o estreitamento das relações entre
antes conviviam mais harmonicamente com o
área rural e área urbana, e também a limitação
meio ambiente, ocasionando mudanças rele-
ao uso de recursos naturais disponibilizados
vantes à escala global.
nas redondezas da cidade têm sido apontados
Contudo, tampouco o isolamento é op-
como alternativas para assegurar um desen-
ção desejável, pois de nada adianta o equilíbrio
volvimento urbano sustentável.
do balanço energético sem atendimento das
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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
demandas sociais. O sistema ribeirinho aten-
a integração do mercado nacional depois da
dia o abastecimento, transporte, moradia, mas
execução da malha rodoviária incluída no bojo
não tinha como obter educação e saúde; isso
do Plano de Metas do governo JK. Os produtos
não era notado enquanto as políticas sociais
industrializados que entraram no mercado lo-
não estavam estruturadas, mas na medida em
cal, provenientes do parque industrial do cen-
que as cidades se tornaram os únicos locais
tro-sul do país, inviabilizaram a produção de
de acesso a esses benefícios, no decorrer do
manufatureira local e o abastecimento através
século XX, o mundo rural tornou-se progressi-
das vacarias (Trindade Jr., 1997). Em paralelo,
vamente lugar do atraso, e exportador da ru-
a região assistiu à desestruturação de parte
ralidade atrasada para as periferias urbanas
de sua estrutura produtiva regional na época
(Borzacchiello, 2008).
de declínio econômico, o que contribui para
um forte processo de migração rural-urbana
da população rural (Cano, 2011), processo in-
A Belém contemporânea
tensificado com os projetos federais. Houve
adensamento da Primeira Légua patrimonial
A integração econômica da Amazônia ao resto
de Belém, com ocupação dos miolos de quadra
do país, com foco na exploração de matéria-
por vilas de casas, e ocupação das baixadas por
-prima e produção de energia, foi pautada por
assentamentos informais (Cal, 1987), que após
uma visão desenvolvimentista e de clara explo-
30 anos de aterro progressivo pela própria po-
ração da natureza por processos técnico-quí-
pulação foram incorporados à cidade (Mourão,
micos, e impôs uma racionalidade concorrente
1987) (Figura 3A).
àquela que já orientava a produção de cidades
As referências para a organização do es-
na região (Bacelar, 2000). As rodovias se im-
paço urbano de Belém tornaram-se cada vez
puseram como nova forma de relacionamento
mais externas à região, fortalecendo a percep-
entre cidades, na escala regional, e se constituí-
ção de que rios e várzeas eram obstáculos à
ram em eixos de expansão urbana, na escala
expansão das cidades, que requeriam grandes
local, instituindo uma nova dinâmica que tende
volumes de recursos devido a pujança da natu-
a se distanciar do paradigma da floresta e se
reza na região. Os planos oficiais para a recupe-
aproximar da racionalidade industrial, também
ração das áreas de baixada da cidade (40%
associada à ocupação de terra firme (Cardoso,
da Primeira Légua patrimonial) estabeleceram,
2012; Homma, 1993).
num primeiro momento, que a viabilidade da
A relação prioritária entre as capitais
obra dependeria da possibilidade de essas áreas
do Norte passou, do ponto de vista político, a
serem incorporadas ao mercado imobiliá rio
ser mediada por Brasília, e do ponto de vista
(Sudam, 1976). Cabe destacar, que o que o Esta-
econômico pelas capitais da Região Sudeste
do classificava como "recuperação da baixada"
(IPEA; IBGE; Unicamp, 2002). Os processos
tinha uma conotação de limpeza social, eviden-
de industrialização iniciados em Belém no iní-
ciado no relatório produzido para subsidiar as
cio do século XX e posteriormente, durante a
intervenções de macrodrenagem naquele mo-
Segunda Guerra Mundial, se modificaram com
mento; de caráter fortemente sanitarista, sem
66
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
A evolução urbana de Belém
incorporar diretrizes de sustentabilidade urbana
de aterro e adensamento, que permitiu que
para aquelas áreas (Figuras 3B e 3C).
uma população pobre se estabelecesse próxi-
Coincidentemente, o caso da ocupação
ma ao centro da cidade, mantivesse o contato
das áreas de várzea é muito interessante e ins-
como rio e gradativamente integrasse seu local
pirador do ponto de vista da sustentabilidade.
de moradia à cidade, em uma combinação de
Essa ocupação urbana pode ser encarada co-
exploração do meio natural, sacrifício da saúde
mo uma estratégia de subsistência da popula-
das famílias, e ação política clientelista (Cardo-
ção tradicional da região na sua adaptação às
so, 2007). Curiosamente o que se iniciou como
áreas urbanas. A ocupação da orla da Baía do
uma agressão ambiental, tornou-se efetiva so-
Guajará evoluiu de usos regionais, para o porto
lução do ponto de vista social.
da cidade, e os primeiros foram transferidos pa-
Concomitantemente à consolidação da
ra a orla do Guamá, onde os usos ribeirinhos tí-
ocupação das várzeas, ocorria a produção de
picos foram acompanhados pela ocupação das
conjuntos habitacionais pelo BNH muito afas-
baixadas com moradias em um processo lento
tadas do centro, como parte da estruturação
Figura 3 – Fotografias em diversos momentos mostrando as mudanças
em uma das primeiras baixadas saneadas em Belém
3A – Tipologia tradicional das baixadas existentes nos bairros antes das obras
3B – Início das obras de retificação do canal e construção da Avenida Visconde de Souza Franco
3C – Conclusão das obras e inauguração da Avenida Visconde de Souza Franco em 1972
3D – Fotografia panorâmica do ano de 2010 evidenciando a verticalização na área
Fonte: http://fauufpa.wordpress.com/2012/05/02/doca-de-souza-franco-decada-de-1970/; Ventura Neto (2012).
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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
Figura 4 – Remanejamento da população de baixada na área central
para conjunto habitacional localizado na periferia da cidade à época,
distando 9 quilômetros em relação à moradia original
Fonte: mapa feito a partir de Shapes de GIS cedidos pela Celpa e pela Cohab.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
A evolução urbana de Belém
da ocupação da segunda légua patrimonial de
serviços e equipamentos urbanos) (Acselrad,
Belém e do que viria a ser posteriormente a ci-
1999; Hardoy et al., 2001)
dade de Ananindeua. Naquela oportunidade a
Ainda que o espaço produzido informal-
produção de habitação para as classes popu-
mente tenha limitações e precariedades (ruas
lares esteve articulada ao remanejamento exi-
estreitas, carência de infraestrutura, adensa-
gido pela macrodrenagem da bacia das Armas,
mento excessivo), o mesmo garante aos seus
realizada nos anos 1960 em área localizada
moradores efetiva mobilidade a partir de trans-
nas proximidades do porto de Belém, entre os
porte público, a pé ou de bicicleta; diversida-
bairros de Reduto, Nazaré e Umarizal, deslo-
de de usos, boa conexão com a cidade formal
cando a população por 9 quilômetros em rela-
e oportunidades de geração de renda, todos
ção à moradia original (Figura 4). Essa ação de
aspectos positivos se considerarmos que o es-
drenagem não só promoveu uma intensa valo-
praiamento e o consumo energético sejam fa-
rização imobiliária na região (Figura 3D), que
tores de insustentabilidade. O fato de não ter
tanto liberou terra, como saneou socialmente
havido planejamento prévio foi compensado
a área, incorporando-a completamente para
pela natureza gradual da ocupação e das me-
o setor imobiliário de mercado (Ventura Neto;
lhorias realizadas, o que permitiu que sua po-
Cardoso, 2011).
pulação original pudesse permanecer na área
A ocupação das várzeas garantiu o direi-
(Cardoso, 2007).
to à cidade às populações oriundas do interior
Bastante diversa desse processo foi a
do estado, com forte relação econômica, téc-
ocupação da segunda légua patrimonial de
nica e cultural com as águas. Se resgatarmos
Belém, que não contou com a implantação de
a discussão sobre sustentabilidade ampliada
um plano de alinhamento a exemplo do que
exposta por Steinberger (2001) verificamos
aconteceu com a primeira légua, nem tampou-
que com apoio de planejamento e políticas
co com o controle urbanístico da ocupação das
urbanas corretamente dirigidas seria possível
terras pelo setor público. A segunda légua de
corrigir carências e estabalecer um ponto de
Belém teve suas glebas ocupadas correspon-
equilíbrio que destacasse as quatro dimensões
dendo ao limite das fazendas que a compu-
desse conceito mencionadas pela autora (éti-
nham (Ventura Neto, 2012), estruturadas pelo
ca, temporal, social e prática); Intervenções
percurso de um ramal da antiga estrada de
que articulem aspectos de engenharia e so-
ferro que conectava a cidade à vila de Icoaraci.
cioambientais, que se proponham resolver as
Esse ramal de ferrovia foi substituído por uma
carências de saneamento e os problemas de
rodovia (Rod. Augusto Montenegro), que teve
saúde pública, tratar cursos d’água de forma
a maior parte de seus lotes lindeiros reserva-
compatível com o ecossistema de várzea, po-
da e a construção de muitos conjuntos habita-
dem explorar a resiliência das configurações
cionais por trás desses lotes ou transversais à
criadas espontaneamente, tanto do ponto de
rodovia, até os anos 1980 sob financiamento
vista do balanço energético (proximidade)
do BNH.3 As terras lindeiras reservadas eram
quanto da capacidade de atender as deman-
constituídas por terrenos muito grandes (100
das da população (moradia, trabalho e renda,
x 500 m), que tiveram ocupação iniciada a
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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
partir dos anos 2000 por condomínios fechados
projeto Ver-o-Rio. Essas ações foram seguidas
horizontais de médio e alto padrão e grandes
por uma onda de investimentos do setor imobi-
estabelecimentos varejistas. No final dessa dé-
liário em torres de apartamento voltadas para
cada houve uma mudança de estratégia, com
a baía do Guajará no bairro do Umarizal. Esse
a associação de novos equipamentos aos con-
foi o bairro que sofreu mais intensa transfor-
domínios, como os grandes shopping centers,
mação desde a realização da já citada macro-
com o intuito de constituir novas centralidades,
drenagem do igarapé das Almas. A elevada
que resultaram na formação de uma nova fren-
concentração de torres de alto padrão viabili-
te de expansão imobiliária pelo setor privado
zou a retirada de usos produtivos antigos na
que se autointitulou Nova Belém, e assimilação
orla do bairro, tais como o moinho de trigo, que
de incorporadoras nacionais de capital aberto.
após ser demolido é substituído por quatro tor-
Nesse caso, a inspiração clara é a do subúrbio
res de apartamentos e escritórios localizados
norte-americano, que apesar de resultar de
na margem da baía do Guajará (Ventura Neto e
uma produção formal conta com claras limita-
Cardoso, 2012).
ções de desenho urbano, prevalecendo a frag-
Um exemplo de intervenção recente do
mentação, o espraiamento, a completa depen-
setor público nessa linha de ação é o aterro e
dência do transporte individual, a segregação
criação de uma via de contorno na orla do rio
socioespacial, além de existir carência de verde
Guamá, em área anteriormente ocupada por
e de áreas públicas.
palafitas. Observa-se que a articulação desse
A mais recente manifestação desse pro-
tipo de intervenção a novas ações de macro-
cesso foi a adoção da paisagem como um ati-
drenagem vem alterando significativamente o
vo para a valorização dos empreendimentos.
status das áreas de orla e de antiga várzea, nos
Essa linha teve início com a discussão sobre a
bairros em que a ocupação informal seguiu o
abertura de “janelas para o rio” no final dos
plano de alinhamento original da cidade; nes-
anos 1990, que negava a ocupação ribeirinha
ses casos há maior potencial de retorno do in-
tradicional como legítima ou adequada pa-
vestimento imobiliário na produção de novas
ra as orlas da cidade, sob clara influência das
tipologias, e tendência de gentrificação. Outra
experiências inglesas (Docklands em Londres),
subvertente da ocupação de orlas ocorre em
norte-americana (Boston e Baltimore, nos
outras áreas da RMB, afastadas da área cen-
EUA), e da escola do planejamento estratégico
tral onde existem grandes extensões de terras
de Barcelona (Ximenes, 2010).
vegetadas. Essas iniciativas incluem condomí-
Essa linha de ação foi apoiada por uma
nios de redes internacionais e de grupos como
série de intervenções do poder público nas
o Alphaville, que estão privatizando grandes
áreas de orla, de ocupação formal da cidade,
faixas de orla e cobertura vegetal na ilha de
tais como a região do Forte do Castelo, ou a
Caratateua (zona rural de Belém), sob o discur-
área portuária que deu origem ao complexo tu-
so da qualidade ambiental. A distância desses
rístico da Estação das Docas (Figura 5A), com
empreendimentos do centro metropolitano é
um caráter mais turístico, e por obras mais pon-
tão significativa que sua viabilidade dependerá
tuais de abertura de espaços públicos como o
da constituição de novos subcentros, internos
70
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
A evolução urbana de Belém
Figura 5
5A; 5B – Intervenções urbanas (waterfronts) realizadas pelo Governo do Estado (Estação das
Docas) e Prefeitura Municipal de Belém (Portal da Amazônia) na orla fluvial da cidade
5C; 5D – Empreendimentos de alto padrão que usam como mote publicitário
a “vista para a Baía do Guajará”
5D; 5E – Empreendimentos de alto padrão localizados fora da área central que estão
privatizando trechos da orla fluvial da área de expansão da Região Metropolitana de Belém
Fonte: http://www.estacaodasdocas.com.br/; http://www.flickr.com/photos/m_hermes/7567158512/; Mello (2009); Ximenes
(2010); http://belem.olx.com.br/alphaville-belem-iid-132263939; http://miritigolfemarina.com.br/marina.php.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
aos empreendimentos ou em áreas de grande
de terra firme. A expansão urbana associada
centralidade metropolitana, e de arranjos mul-
a processos de conversão de área rural não
timodais de acessibilidade. Destaque-se que a
planejados, à dependência do acesso rodoviá-
combinação de orla, desenho urbano de alto
rio e da ação do setor imobiliário de mercado,
padrão, atividades de lazer e controle privado
produz assentamentos pouco sustentáveis seja
do solo resulta em um novo relacionamento
pelo ponto de vista do atendimento da popula-
com as águas completamente diferente daque-
ção, seja pelo consumo energético necessário
le que caracterizou Belém como uma cidade
decorrente da distância entre moradia e local
ribeirinha no passado. A Figura 5 apresenta
de trabalho, e equipamentos urbanos em geral.
algumas dessas intervenções, junto com os em-
A produção de habitação voltada para o per-
preendimentos imobiliários que vem se apro-
fil de moradores semelhante ao das baixadas
priando da orla fluvial da cidade.
atualmente acontece nos municípios periféricos
à Região Metropolitana de Belém, determinada
pelo preço da terra, e intensa fragmentação da
Conclusão
configuração urbana.
A cidade pode ser solução, ou lugar onde os fatores positivos da aglomeração sejam
Em que pese a experiência de séculos de uma
potencializados, com impacto positivo sobre a
relação equilibrada com o bioma amazônico,
preservação do bioma, ou podem se tornar es-
observamos a forte concorrência das estraté-
paços de conflito, reproduzindo racionalidades
gias de uso e ocupação do solo impostas pelo
econômicas importadas que usam a natureza
capital imobiliário, diante da ambiguidade da
como slogan de propaganda e se superpõem e
atuação do setor público no que se refere à im-
agravam os conflitos já em curso há décadas
plementação de políticas urbanas comprometi-
na cidade e na região. O debate sobre a ocupa-
das com a sustentabilidade. Ao mesmo tempo
ção das margens dos rios e a transformação
em que Belém é apresentada como a capital
dos ecossistemas é ideologizado por relações
brasileira com maior extensão de assentamen-
de poder, o que dificulta a avaliação rigorosa
tos precários (Marques, 2007), que em grande
de quais sejam os melhores exemplos a seguir.
medida correspondem às áreas de baixada que
Pouco se conhece a respeito da relação entre
foram ocupadas informalmente, e que guar-
homem e natureza praticada há séculos na
dam uma articulação de origem com a tradi-
região, e identidade amazônica é difusa dian-
ção ribeirinha, tais assentamentos apresentam
te da ambiguidade da sociedade e do poder
grande potencial de atendimento de diretrizes
público local sobre qual trajetória abraçar. Os
relacionadas com as diversas interpretações do
consensos são estabelecidos a partir do uso de
conceito de sustentabilidade urbana.
marketing, sem considerar as demandas e ne-
A inação do setor público nessas áreas,
cessidades dos habitantes em desvantagem.
justificada pelo fato de elas serem irregulares
Por outro lado, as pressões sobre o meio
do ponto de vista fundiário, favoreceu a disse-
físico agora tendem a ser controladas por
minação do paradigma exógeno de ocupação
grupos externos à região e voltadas para o
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
A evolução urbana de Belém
segmento de alta renda, e uma discussão a res-
federais, que vem sendo agravados pelas estra-
peito das assimetrias entre recursos disponíveis
tégias do setor imobiliário e do posicionamen-
à população das diferentes áreas da cidade es-
to do setor público, que não valoriza o plane-
tá por acontecer. O reordenamento das redes
jamento, a democratização da informação, e
de infraestrutura e a distribuição dos serviços
a politização da discussão ambiental (para a
e equipamentos são um passivo a ser enfren-
região e para a cidade) na Amazônia. Por fim,
tado, desde a época dos fluxos migratórios dos
o interesse genuíno pelo debate da sustentabi-
anos 1980, decorrentes dos grandes projetos
lidade ainda é algo distante.
Ana Cláudia Duarte Cardoso
Graduada em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Planejamento Urbano e doutora em Arquitetura.
Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará e Pesquisadora do Instituto Tecnológico Vale.
Belém/PA, Brasil.
[email protected]
Raul da Silva Ventura Neto
Graduado em Arquitetura e Urbanismo, mestre em Arquitetura e Urbanismo, doutorando do Programa de Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Unicamp. Campinas/SP, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Tais como a doca do Ver-o-Peso e a Praça Frei Caetano Brandão, onde estão a Catedral
Metropolitana, a igreja jesuí ca de Santo Alexandre, o atual museu de arte sacra, e o Forte do
Castelo, marco de fundação da cidade.
(2) Define-se como Primeira Légua patrimonial de Belém, a porção de uma légua de terras doada
pela Coroa Portuguesa como fundiário patrimônio da cidade a contar do marco de fundação da
cidade.
(3) Os inters cios desses conjuntos foram ocupados por assentamentos informais a par r dos anos
1990, com condições de conexão com a cidade muito piores do que as ocupações das baixadas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
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Ana Cláudia Duarte Cardoso e Raul da Silva Ventura Neto
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Texto recebido em 28/set/2012
Texto aprovado em 31/out/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 55-75, jan/jun 2013
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Segregação territorial, conhecimento
estatístico e governação urbana.
Leitura foucaultiana dos casos
de França e de Portugal
Territorial segregation, statistical knowledge
and urban governance. A Foucauldian approach
to the cases of France and Portugal
Isabel Pato
Margarida Pereira
Resumo
O artigo resulta de uma reflexão sobre as estatísticas oficiais produzidas para o conhecimento da
segregação territorial, desenvolvidas nas últimas
décadas em França e Portugal. Parte-se da ideia de
que as preocupações de base e as metodologias
adotadas na produção do conhecimento estatístico
traduzem as mudanças epistemológicas e políticas
que caraterizam o planeamento e a intervenção
urbana. Primeiro discute-se o conceito de segregação territorial, e, em seguida, analisa-se, numa
abordagem foucaultiana, as relações entre o conhecimento estatístico e o exercício de poder. As
estatísticas são olhadas como uma tecnologia de
governabilidade ao serviço da governação urbana
dirigida a territórios urbanos segregados, que se
revela empenhada no controle e visibilidade como
estratégia política.
Abstract
This article is the result of a reflection on the official
statistics produced for a better understanding of
the territorial segregation that has developed in the
last decades in France and Portugal. The point of
departure is the idea that the main concerns and
the methods adopted in the construction of the
statistical knowledge reflect the epistemological
and political changes that characterize urban
intervention and planning. Firstly, the concept of
territorial segregation is discussed, and then, using
a Foucauldian approach, the relations between
statistical knowledge and the exercise of power are
analyzed. Statistics are perceived as a technology
of governability in the service of urban governance,
focusing on segregated urban territories. This
technology is deeply committed to control and
public visibility as political strategies.
Palavras-chave: segregação territorial; bairro social; estatística; governação urbana.
Keywords: territorial segregation; council states;
statistics; urban governance.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
Isabel Pato e Margarida Pereira
de segregação que revelam os diagnósticos
Introdução
estatísticos efetuados em cada um desses países? A segunda prende-se com a relação entre
No momento em que nos países da União
conhecimento estatístico, como um domínio
Europeia se formulam as escolhas na afeta-
do conhecimento político, cuja produção é
ção dos fundos financeiros comunitários para
atravessada por processos de governabilida-
2014-2020 e que as orientações da Comissão
de que arquitetam a governação. Nessa linha
Europeia reforçam a necessidade de direcionar
questiona-se: o que revela a evolução do co-
o investimento para a inclusão social e o com-
nhecimento estatístico produzido em cada um
bate à pobreza (CE, 2011), ganha importância
dos países sobre as formas de governação dos
a avaliação dos resultados da intervenção pú-
territórios segregados?
blica dirigida às famílias e aos cidadãos mais
O artigo está organizado em duas par-
desfavorecidos do ponto de vista econômico e,
tes. A primeira é dedicada à relevância da pro-
por isso, abrangidos no plano do direito pela
dução estatística na governação e às exigên-
proteção social em matéria de habitação.
cias que as transformações do funcionamento
Essa avaliação é tanto mais pertinente
do Estado (territorializado) colocam a essa
quanto mais cresce o interesse dos Estados
forma de conhecimento. Procura-se explicitar
pelas políticas territorializadas como resposta
em que medida as estatísticas podem reve-
à ineficácia dos sistemas clássicos de proteção
lar a contemporaneidade do diagnóstico de
social das populações mais pobres, relacionada
Foucault (2007) quando examina a evolução
com a retração do Estado social imposta pelas
do regime de governação centrado na disci-
1
políticas do défice (Delcourt, 2008).
plina, característico dos séculos XVII e XVIII,
Essa reflexão parte da ideia de que as
para o regime de governação que visa a se-
preocupações de base e as metodologias ado-
gurança, centrado nas técnicas de vigilância,
tadas na produção do conhecimento estatístico
de diagnóstico e de transformação dos indi-
para a determinação do “estado de segrega-
víduos incluídos numa série: a “população”.
ção” traduzem as mudanças epistemológicas
No essencial, trata-se, portanto, de identifi-
e políticas que caraterizam o planeamento e a
car no presente os “controlos reguladores”
intervenção urbana.
(Foucault, 1976, in Cunha, 2009) próprios da
Tendo como casos de estudo França e
governação das áreas urbanas segregadas em
Portugal, o artigo procura responder a duas
cada país. A segunda parte integra uma aná-
questões de partida. A primeira parte da pre-
lise da evolução das formulações do conceito
missa de que a classificação estatística é uma
de segregação, colocando a ênfase nos terri-
forma de definição do objeto a ser governa-
tórios marcados por processos de segregação
do, dentro de um campo próprio de poder e
do tipo filtering down. O intuito é demonstrar
política. Nesse sentido, se a designação pro-
as relações entre a produção do conhecimento
duz a categoria (categorias de pessoas, ca-
estatístico e as preocupações que marcam a
tegorias de territórios), quais as concepções
agenda política em cada país.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
Por fim, interpelam-se aquelas formu-
da inovação (Innerarity, 2002). Dessa forma, o
lações e os sentidos implícitos aos resultados
aparelho de Estado orienta-se para os “servi-
da produção estatística adotados em França e
ços de proximidade”, para a particularização, e
Portugal para a identificação e caraterização
chama a sociedade civil a ser parte ativa da sua
dos espaços segregados. Examina-se, em con-
própria governação. A consubstanciação das
creto, a evolução dos indicadores considerados
políticas sociais inspiradas nessas orientações
e divulgados, incluindo sua referenciação es-
implica uma transformação na forma de con-
pacial, seguindo a hipótese de que os indica-
dução da economia política, global e situada.
dores selecionados para o “retrato da segrega-
O processo de governação nas políticas
ção” servem e expressam uma racionalidade
territorializadas desafia o aparelho estatal
política específica na qual ganha importância
a encontrar formas de relação entre os sub-
o controlo das populações e a visibilidade da
sistemas parciais da governação. Segundo
própria intervenção.
Innerarity (2002), para realizar esta transição
o Estado deve ser capaz de empreender, pelo
menos, três mudanças nos processos de gover-
As estatísticas como
tecnologia de governabilidade
nação: passar de uma ordem hierárquica para
uma ordem heterárquica; promover a conexão
comunicativa ao invés da autoridade direta; e
definir e implementar a intervenção a partir de
A política contemporânea confronta-se com
uma composição policêntrica em alternativa a
uma complexidade de processos, problemas e
uma posição central.
projetos que impõem transformações no fun-
A territorialização da intervenção não
cionamento das redes e atores da intervenção
significa o declínio da política central de Es-
territorializada. As políticas econômicas, sociais
tado, mas o fim de uma forma específica de
e de segurança elaboram-se por referência
política que se vê substituída por outra. Os
a territórios específicos na natureza e escala
interesses dos Estados não desaparecem nes-
2
(os bairros problemáticos, as freguesias, as
se multiplicar de níveis de territorialidade, mas
áreas urbanas para a reconversão urbanística,
sofrem uma ampla modificação. As políticas
os bairros de realojamento…). A intervenção
territorializadas exigem um programa político
territorializada apela à responsabilização das
novo, no qual o exercício do princípio da “uni-
entidades estatais e parceiros de trabalho na
dade política” na governação passa a ser cen-
partilha alargada de estratégias e recursos de
tral e segue fundamentalmente duas vias: uma,
intervenção. É no território, no local, que os
fazendo uso das tecnologias de governabili-
problemas terão de ser resolvidos, e é próximo
dade que apelam à participação de múltiplos
das populações que se deve atuar, de modo
intervenientes que se introduzem na política
concertado, articulado e preventivo, preconi-
local para servir formas especificamente locais
zando-se, assim, os princípios da subsidiarieda-
de gestão.3 É, no fundo, a expressão da lógica
de, da transversalidade e complementaridade,
heterárquia e da policentralidade que carac-
da integração e da multidimensionalidade e
teriza a função política contemporânea num
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Isabel Pato e Margarida Pereira
crescente apelo à racionalização das opções e
especialistas do “social” pretenderam modelar
práticas. A outra via para o exercício do princí-
o comportamento fazendo uso das normas es-
pio da “unidade política” na governação mobi-
tatísticas e da intervenção, que trabalhavam ao
liza a coordenação e a supervisão estatal que,
nível societal.
sem seguir um sentido descendente clássico,
Com uma mesma linguagem (aparente-
tende a acentuar a centralização e a normali-
mente) neutra e conhecimento especializado,
zação, tirando partido de processos subtis “da
a estatística serve a avaliação da implemen-
técnica política” (Innerarity, 2002).
tação política pondo em prática as políticas
Na genealogia do estado moderno
auditáveis. A retração dos recursos dirigidos às
Foucault (1995, 2007) detém-se sobre o apare-
políticas sociais e urbanas, a generalização de
cimento, na viragem do século XVI para o sé-
formatos rígidos de contratualização público-
culo XVII, de uma descrição de conhecimento
-privado entre Estado e entidades e entre Es-
requerido pelos que governam completamente
tado e cidadão, ou ainda a tendência para o
nova. O soberano deve conhecer não apenas a
espartilhamento das macroinstituições estatais
lei, mas também os elementos que constituem
em “autonomização” surgem em estreita rela-
o estado. O conhecimento (savoir) necessário
ção com o crescente recurso à lógica atuarial.
é o conhecimento das coisas, que compreende
A política auditável rege-se pela avalia-
a “realidade do estado”, precisamente o que
ção mensurável dos inputs e outputs e sobres-
na época se chamou “estatísticas” (Foucault,
tima a consecução de objetivos mensuráveis
2007, p. 236).
(Strathern, 2000). A produção de categorias
Com o surgimento do Estado Moderno,
estatísticas não é independente das políticas
a “população” analisada com base nas séries
auditáveis, contribuindo as estatísticas para
estatísticas assume-se, em definitivo, como ob-
sustentar a ideia, comum entre os liberais, de
jeto político “unificador”. Porém, a partir da
que existem domínios autônomos que obede-
década de 1970, este objeto deixa de ser exclu-
cem a leis e tendências próprias.
sivamente pensado como objeto de governa-
Nos dois países, as políticas auditáveis
ção forjado nas séries estatísticas, para passar
tendem a atravessar todos os domínios da in-
a ser a base para a generalização das lógicas
tervenção pública, desde a ação social, ao en-
atuariais de gestão próprias das companhias
sino, passando pela saúde, segurança e outros
de seguros e de todas as instituições que recor-
domínios que extravasam o estritamente eco-
rem ao cálculo do risco.
nômico que esteve na sua gênese. São a base
As estatísticas assumem um papel “legis-
para a negociação de meios, incluindo os sim-
lativo intelectual” (Bauman, 1992, in Haggerty,
bólicos. A partir delas se constróem os rankings
2001, p. 44), uma capacidade que “envolve o
de escolas, se negociam e alocam meios, se
direito de ditar as regras a que o social deverá
promovem patentes, se sustenta a continuida-
obedecer”, e cuja autoridade “foi legitimada
de do financiamento de projetos.
pelo reconhecimento do melhor julgamento,
Como defende Foucault (2007) a propó-
de um conhecimento superior garantido pelo
sito das instituições, dos procedimentos, das
próprio método da produção estatística”. Os
análises e reflexões, dos cálculos e táticas que
80
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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
permitem exercer formas complexas de po-
quanto mais marcadas são as fronteiras espa-
der, os procedimentos que suportam a produ-
ciais que separam os diferentes grupos que a
ção e divulgação do conhecimento estatístico
constituem (Harvey, 1996). A relativa homo-
(sistemas teóricos, aparelho administrativo que
geneidade da composição social interna a ca-
realiza a coleta, meios de divulgação…) são
da área, e distinta das áreas envolventes, leva
parte do conjunto de tecnologias de governa-
a que muitas vezes o conceito de segregação
mentalidade que traduzem um regime especí-
seja adjetivado de social, projetando os efeitos
fico de governação (Foucault, 1995, 2007). A
da segregação e subestimando os processos
estatística apoia a generalização da lógica au-
que estão na base da organização espacial
ditável, base dos sistemas desenhados para a
que a gera.
supervisão e o controlo.
A evolução do sentido dado ao conceito
Antes de analisarmos o papel desem-
de segregação não pode ser desligada da dou-
penhado pelas estatísticas no plano da racio-
trina e da prática urbanística (Caldeira, 2000;
nalidade política e das práticas contemporâ-
Bauman, 2005). Assim se explica que no pós-
neas da governação liberal (Haggerty, 2001;
-guerra dominasse um corpo doutrinário empe-
Durão, 2008b), designadamente na unifica-
nhado no provimento das técnicas industriais
ção do poder e do Estado (territorializado),
e urbanísticas que sustentou o movimento
impõe-se uma análise das relações entre as
moderno, promotor de um modelo de urbaniza-
concetualizações académicas e políticas do
ção funcionalista do tipo zonal, enquanto hoje
conceito de segregação.
a segregação seja entendida também como o
resultado de uma intervenção mais pontual ligada aos processos de privatização e de espe-
Mensuração da segregação
territorial: da questão
acadêmica à questão política
cialização do espaço urbano (Barata Salgueiro,
1998, 2000, 2001).
No artigo Études sur la Banlieue, escrito
em 1950, Pierre George4 demonstra que o conhecimento geográfico participou ativamente
Na acepção geográfica, o conceito de segrega-
na construção do modelo de habitat do movi-
ção é acompanhado pelos adjetivos “espacial”
mento moderno. A geografia, como as restan-
ou “urbana”. A segregação é um processo e
tes ciências sociais, foi então impelida a contri-
estado de separação de grupos sociais distin-
buir para a sustentação da política voluntarista
tos que se manifesta na constituição de áreas
de um Estado empenhado num modo especí-
de fraca diversidade social, separadas por limi-
fico de provisão de habitação caracterizada
tes claros entre cada área e as que a envolvem
pela normalização e pela grande volumetria
(Ascher, 1998). Como um estado da condição
que marcaria desde então a periferia das cida-
urbana ou como processo, a segregação tem
des (Vieillard-Baron, 2001, p. 90). Em França,
sido sobretudo olhada como resultado das de-
os grands ensembles dos anos 1950 resultam
sigualdades sociais prévias, considerando-se
de uma política centralizada, fundada na ur-
que uma sociedade é tanto mais inigualitária
gência de responder a um défice habitacional
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
81
Isabel Pato e Margarida Pereira
premente e abraçada pelos grandes constru-
A partir dos finais dos anos 1970 o mo-
tores que, respeitando as exigências governa-
vimento moderno, como referência conceitual
mentais de quantidade, rapidez e economia em
e base programática da (re)construção da ci-
matéria de construção, prefiguraram a cidade
dade, passa a ser muito contestado. A crítica
do amanhã: a cidade fundada sobre a racio-
que geógrafos, arquitetos e urbanistas ende-
nalidade, a estandardização e os valores cole-
reçaram dirigia-se, num primeiro momento, à
tivos. A mesma relação entre o conhecimento
normalização dos modelos de habitat, em es-
científico produzido e o modelo progressista
pecial à arquitetura demasiado sumária,6 por-
pode ser ilustrada a partir do relatório Denvers
que resultante de empreendimentos confiados
(1958), da responsabilidade do ministério da
a um só promotor e à generalizada escassez
construção francês, que concebeu a políti-
no provimento de equipamentos. Fazia-se uso
ca de habitação como um ramo específico da
de modelos de determinação da segregação
política industrial – a construção civil – basea-
baseados na análise normativa e estatística e,
do no tríptico “industrialisation, typification,
consequentemente, na determinação da des-
répétitivité”.
É importante explicitar as condições nas
quais, em França, ocorreu a defesa desse modelo de habitat. Para acolher a mão de obra
convidada a reconstruir o potencial econômico
das grandes infraestruturas de um país destruído pela guerra, foram construídas soluções
provisórias para albergar essa mão de obra,
tanto pelo Estado como por iniciativa dos próprios, incluindo-se nesses últimos os célebres
bidonvilles dos emigrantes portugueses (ver a
esse propósito Carvalheiro, 2008). França sofreu
uma verdadeira política urbana de pós-guerra,
cujos resultados urbanísticos estão hoje incorporados nas cidades do país. Das 17 cidades
francesas com mais de 50.000 habitantes, 15
foram fortemente atingidas pelos bombardeamentos, deixando dezenas de milhares de famílias desalojadas. Às necessidades de realojamento colocadas pelos bombardeamentos,
acresceu um aumento da procura ligada à entrada de população imigrante. A aposta no alojamento no período do pós-guerra explica que
entre 1953 e 1965 se tenham construído 2/3
dos grands ensembles5 (Vieillard-Baron, 2001).
proporção entre equipamentos e quantitativos
82
populacionais a servir. Essa crítica começa a ter
impactos políticos, verificando-se ainda na década de 1970 um abrandamento da construção
de habitação social no ritmo e na escala volumétrica (Vieillard-Baron, 2001).
A partir dos anos 1980, à crítica formulada ao modelo zonal acresce outra, que resulta
da análise da gestão dos bairros de habitação
a custos controlados – HLM (Habitation à Loyer
Modéré). Em França, esses estudos estão na
base do que viria a constituir-se como a política de cidade7 que, apesar de direcionada para
a base construtiva (operações de demolição8 e
de reabilitação dos espaços públicos e de alojamentos em muitos bairros), se orientou também nessa fase para os processos de gestão.
Na mesma década, assiste-se à consolida ção de um discurso político e acadêmico
orientado para a “crise das periferias”. Para
responder à “crise das periferias” surge,
em 1982, a Commission nationale pour le
développement social des quartiers (CNDSQ)
que sucedeu ao dispositivo Habitat et Vie
Social de 1977 (Tissot, 2007). Nesse país, e de
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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
certo modo duas décadas depois em Portugal,
Nos últimos anos, a tônica tem sido co-
a produção científica orienta-se para méto-
locada na própria intervenção. Se a construção
dos de análise mais próximos dos contextos,
política dos bairros sociais em Portugal e dos
procurando aferir os efeitos dos dispositivos
bairros genericamente designados HLM ou
paliativos entretanto criados para territórios e
cités se revela diferente, possuindo França
uma formulação política muito mais elaborada e articulada, em ambos os países dominam
nesses espaços residenciais populações em
situações de desfavorecimento que têm justificado a continuidade de uma intervenção
pública territorializada. Entre os dispositivos
para a formulação das formas de intervenção,
as estatísticas são fundamentais para sustentar o processo decisório de definição dos “territórios” alvo de medidas de discriminação positiva e montar a máquina infraestrutural que
dê corpo àquela intervenção.
A natureza distinta e os níveis de formulação política e de intervenção nas áreas
urbanas segregadas nos dois países é, desde
logo, evidente na produção estatística que
envolve a caracterização dos territórios e
populações segregadas. Sem prejuízo dessa
diferenciação, em ambos os países a análise
da segregação ocorre através de uma combinação de duas das três análise propostas por
Lussault (2003) para determinar o “estado de
segregação”: a seleção de indicadores que
permitam a leitura “externa” e a avaliação e
quantificação da segregação “interna”. Mas
a seleção de indicadores (das leituras interna
e externa) seguem evoluções distintas e traduzem potencialidades e limitações específicas inerentes à própria tecnologia estatística,
indissociáveis das formulações políticas mais
comuns em cada país.
Comecemos pelo caso francês.
populações (a política de cidade).
De certo modo, essa viragem acompanhou a procura de novas formas de olhar e de
intervir sobre os bairros segregados. Num colóquio organizado em Bordéus pelos centros de
estudos associados à rede Perimetro (ver Pato,
2008), a geógrafa Marie-Christine Jaillet, participante ativa desse movimento, lembra que na
maioria dos encontros de investigadores sobre
as periferias urbanas organizados em França
nos anos 1980 se constatou a impossibilidade
de sustentar o modelo centro-periferia para explicar os processos geradores e perpetuadores
das desigualdades sociais.
A centragem na periferia9 reorientou o
estudo da polis no seu conjunto. A crescente
interdependência entre espaços ativada pela “compressão do espaço” (Harvey, 1989)
sustenta-se também na reestruturação e polinucleação metropolitana. O território perde o
atrito (Harvey, 1989; Ascher, 1998) e o modelo
centro-periferia, o significado explicativo. Em
alternativa, a geografia seguiu duas linhas explicativas: a que se debruça sobre as dinâmicas
de transformação metropolitana e destaca os
processos de autonomização da periferia; e a
que inscreve a segregação numa lógica de rede
assente na mobilidade (Lussault, 2003, p. 831).
A geografia passa a interessar-se já não apenas
pela produção urbana, mas também pela legitimação dessa produção através dos processos
de apropriação.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
83
Isabel Pato e Margarida Pereira
França: as estatísticas
na avaliação de uma política
de cidade (desenhada como)
integrada
produzidas duas monografias locais que, não
permitindo medir as desigualdades e compará-las com entidades idênticas (indivíduos e territórios), impulsionaram a mudança do objeto
central em análise, através da estatística da
segregação, que passa da “pobreza” para os
Desde o aparecimento, em 1945, do Institut
“territórios da pobreza”.
National de la Statistique et des Études
A trajetória da produção estatística sobre
Économiques (INSEE), a ligação entre essa
a segregação traduz, no caso francês, parte da
entidade e os ministérios foi uma realidade,
lógica política que acompanhou a reforma dos
mas só em 1991, com a criação do Ministério
bairros, inscrita na reforma do próprio Estado.
da Cidade, se configura dentro do INSEE o pro-
O militantismo “social”, ilustrado por associa-
grama “Villes”, especificamente voltado para
ções como a ATD-quart monde, é abandonado,
o estudo das áreas segregadas. Esse programa
para se encarar a produção estatística ao ser-
traduziu-se no lançamento de um inquérito de
viço da ação pública, agora em nome da “mo-
escala nacional sobre os bairros-alvo da políti-
dernização dos serviços públicos”. No quadro
ca de cidade. Através deste inquérito (financia-
dessa modernização, as delegações regionais
do pelo mundo da ciência e da administração),
do INSEE visaram adaptar a produção estatís-
pretendeu dotar-se a política de cidade de
tica às especificidades da procura de potenciais
uma legitimidade assente quer em convicções
clientes. A reforma da administração constituiu
sociais quer na autoridade administrativa. O
assim uma oportunidade para impor outras for-
inquérito beneficiou da experiência adquirida
mas de fazer mais “eficazes”, designadamente
ainda nos anos 1980 no âmbito de estudos
para as funções de supervisão e controle da in-
realizados nas aglomerações de Lyon, Reims e
tervenção polinucleada.
Orléans (Tissot, 2007).
As preocupações em foco levaram à se-
Esses estudos foram desencadeados
leção de indicadores tradutores de “deficiên-
após o lançamento, em 1984, do programa
cias cumulativas” e à progressiva referenciação
Développement Social des Quartiers, mas sua
espacial desses dados aos bairros do programa
gênese está ligada à iniciativa levada a cabo
Développement Social des Quartiers das aglo-
pela associação ATD-quart monde que pre-
merações atrás referidas. Esta análise cons-
tendeu recensear a “nova pobreza”. Essa ini-
tituiu a base para a legitimação política da
ciativa começou por incidir sobre a realização
seleção dos “bairros sensíveis”, uma vez que,
de fóruns regulares sobre o tema, alargando-
até aos anos 1990, esses territórios foram se-
-se posteriormente à produção estatística. De
lecionados em “função do conhecimento dos
fato, em 1991, essa associação conquista o
parceiros locais” (Tissot, 2007, p. 120).
apoio financeiro do Estado e das regiões, assim
Nesta trajetória, a produção estatística
como da Caisse d’Allocation Familiales (CAF),
reforça a categoria de “bairro” como objeto
do Commissariat Général du Plan (CGP) e da
e como método de estudo, ampliando a aná-
Direction Départementale de l’Équipement. São
lise quantitativa de indicadores econômicos e
84
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
sociais caracterizadores das respectivas popula-
Técnicos ou teóricos, os obstáculos à
ções. A utilização de indicadores referenciados
estandardização dos métodos de análise e se-
ao bairro e às aglomerações (progressivamente
leção dos territórios e do tratamento da infor-
estandardizada para a França metropolitana),
mação mantêm o conhecimento estatístico to-
realizada em 1996, resulta no destaque das es-
talizador12 ao nível dos grandes números, que
pecificidades daqueles territórios, em contraste
permitem legitimar a política de cidade e de
com os respectivos municípios e conurbações
algum modo contrapor as representações me-
urbanas.10 Nessa primeira fase, os indicadores
diáticas demasiado presas a sintomas (como
escolhidos resultam da aplicação dos dados
os motins). Os números, construídos para e a
do recenseamento de 1990 para os bairros da
partir da arte da governação (Foucault, 2007),
política de cidade, entretanto referenciados
acabaram por servir apenas como “ferramenta
nas cartas 1/25000 do Institut Géographique
de convicção” caraterizadora de uma “entida-
National (IGN).
de [que se pretende] objetiva” (Tissot, 2007).
Essa maneira de descrever os bairros de-
Ou seja, a produção estatística com a estan-
senha novas formas de interpretação, de diag-
dardização nacional possível acabou por não
nóstico e de ação sobre o território. Os bairros
servir para a delimitação de bairros, permitida
passam a ser um objeto de conhecimento para
apenas a avaliação quantitativa de uma polí-
destacar a amplitude das diferenças entre eles
tica concebida de maneira clássica para atuar
e o restante território, com implicações na le-
sobre objetos homogêneos. Nesse sentido, para
gitimação da política de cidade, que se afirma
alguns, a produção estatística é também ina-
definitivamente como política de Estado em
propriada para a pretendida avaliação da polí-
1991. A análise evolutiva, destacando o perío-
tica de cidade (Tissot, 2007).
do 1990 e 1999, é parte desse processo.
No que toca aos indicadores extraídos
Já neste milênio, equaciona-se pela pri-
dos dados coletados pelos recenseamentos
meira vez a possibilidade de delimitação de
gerais, esses traduzem os problemas julgados
novas áreas a integrar na política de cidade a
constitutivos na descrição administrativa dos
partir dos dados do INSEE. Ou seja, considera-
bairros: população e povoamento, pobreza e
-se a possibilidade de rever e/ou alargar o nú-
precaridade, habitat e mercado de alojamento,
mero de territórios abrangíveis pela política de
escolaridade e formação, emprego e vida cívica
cidade a partir de uma análise georreferencia-
(Tissot, 2007; Vieillard-Baron, 2001). Para além
da. Mas a dificuldade de contemplar na análi-
desses, o conjunto de indicadores especifica-
se os bairros não referenciados como îlot11 da
mente considerados para o desenvolvimento
política de cidade para os quais as delegações
dos “retratos de bairro” integra a percentagem
regionais do INSEE não procederam à desagre-
de estrangeiros. Esse indicador mostra que a
gação da informação, assim como a dificuldade
descrição estatística não foi indiferente à ênfa-
de utilizar os dados de outras administrações
se na fratura social e à orientação política para
com capacidade de coleta, colocou entraves a
a implementação de medidas para a coesão
essa opção.
social e territorial, muito ligadas à natureza
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Isabel Pato e Margarida Pereira
pretensamente problemática da “etnicização”
retorno do papel central dos Conseils locaux
dos “bairros sensíveis” (Benveniste, 2005,
de sécurité, a primeira entidade com competências de atuação territorializada na política
de cidade, apelidados de Conseils locaux de
sécurité et de prévention de la délinquance
(CLSPD) desde 2002 (Pato, 2011). Os bairros
voltam a ser olhados como territórios dotados
de problemas intrínsecos geradores de sentimentos ansiogénicos, desta feita ligados à
juventude em desvio.
A alternância entre a designação “bairro
sensível” e “bairro em dificuldade”, que marca
a literatura e o discurso político nos anos 1990,
evidencia a tensão que contrapõe a perspectiva que atribui ao território as “causas dos seus
défices” e a perspetiva que coloca a tônica nas
insuficiências estruturais reveladas nos contextos. Com a ênfase na delinquência juvenil e na
pequena criminalidade, legitima-se o recuo do
Estado social materializado no corte financeiro da ação social, fortemente baseada na ação
das associações locais, e no avanço de uma governação performativa de um regime de segurança (Foucault, 2007).
Vieillard-Baron, 2005; Body-Gendrot e Withol
de Wender, 2007).
O estudo desenvolvido em Lyon já considerava a presença de estrangeiros como uma
“deficiência cumulativa” dos bairros. Mas
é nos dados não publicados ( Fiches de profil
des quartiers de la Politique de la Ville ) que se
reflete a valorização política da estrutura étnica dos residentes dos bairros. Nessas a desagregação dos estrangeiros é apresentada por
grandes grupos (magrebinos, europeus da UE,
europeus de fora da UE, …). Todos os indicadores destas Fiches são desagregados por categorias de estrangeiros.
Em 2004, é criado o Observatoire
National des ZUS (Zones urbaines sensibles),
sob a alçada do Ministério da Cidade. O objetivo foi a avaliação da evolução das desigualdades sociais e diferenças entre as ZUS e outras
zonas da cidade, considerando as transformações residenciais e urbanísticas, na saúde, no
sucesso escolar e mobilização de políticas públicas. Esse organismo é responsável pela elaboração do relatório anual da política de cidade a
apresentar à Assembleia Nacional. Desde então,
nas estatísticas publicadas surgem novos indicadores ligados ao insucesso escolar e à delinquência juvenil, mantendo-se o desdobramento
dos indicadores por taxa de estrangeiros, com
exceção dos dados relativos ao insucesso escolar, para o qual se opta pela percentagem de
crianças com progenitores estrangeiros.
A inclusão desses novos indicadores
revela uma mudança de perspectiva diante da raiz dos problemas, com ressonâncias
na forma de intervenção. Os problemas da
escolaridade e da delinquência anunciam o
86
Portugal: significados políticos
de uma mensuração (setorial)
da segregação territorial
À luz da produção estatística para a leitura
da segregação desenvolvida em França, a definição estatística da segregação em Portugal
apresenta especificidades ligadas a dois fatores
fundamentais: a natureza dos territórios segregados e o cariz setorial que continua a dominar
ao nível do Estado central a perspetiva analítica e interventiva sobre esses territórios.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
No que respeita à realidade urbanística
de promoção de habitação tanto cooperativas
dos territórios segregados, é necessário consi-
como associações de moradores. Neste período
derar duas dinâmicas que têm sido estudadas,
implementam-se os Planos Integrados (áreas
ora em simultâneo ora individualmente, em
de expansão urbana de grande dimensão e
função de objetivos específicos dos seus im-
elevada densidade que configuravam “cida-
pulsionadores: os bairros sociais e os bairros de
des novas”), os empréstimos às Câmaras (que
habitação precária, ausentes nas publicações
devido a fortes constrangimentos financeiros
oficiais divulgadas. No que refere aos bairros
se revelaram mais uma medida de mudan-
sociais importa ter presente que a lógica do
ça política do que um efetivo instrumento de
realojamento que esteve na sua gênese dotou-
promoção habitacional) e o Programa de Auto-
-os de características diferentes dos bairros
-Construção (que concedia vantagens fiscais às
HLM em França, onde, apesar de tudo, desde os
famílias de fracos rendimentos que desejassem
anos 1970 se manteve uma maior diversidade
construir a habitação);
13
socio-ocupacional.
2) entre os anos 1980 e o início dos anos
Em Portugal, nem sempre a habitação
1990, a intervenção estatal adota uma lógica
social se destinou aos mais pobres. A inter-
keynesiana dirigida aos grupos mais desfavore-
venção do Estado Novo (1926-1974) preten-
cidos. Contudo, os resultados foram marcados
dia suprir tanto carências de habitação para
pela insuficiência quantitativa, com o peso re-
esse grupo (ainda que de forma residual), co-
lativo da habitação social no parque imobiliário
mo permitir a fixação de quadros médios em
português a baixar entre 1973 e 1993. A lógica
áreas específicas do país (com destaque para
de atuação que acabou por prevalecer foi a do
as atuais metrópoles de Lisboa e Porto), e para
incentivo à aquisição de casa própria no merca-
o povoamento de áreas rurais, através dos co-
do privado dirigida a famílias com capacidade
lonatos. Os diferentes programas de promoção
de recurso ao crédito;
de habitação social incrementados estão pro-
3) em 1993 surge o Programa Especial de
fundamente ligados às modificações políticas
Realojamento (PER) para as Áreas Metropolita-
e socioeconômicas que atravessaram a socie-
nas de Lisboa e do Porto, destinado a conceder
dade portuguesa no século passado. Guerra et
às autarquias apoio financeiro para construção
al. (2001) identificam quatro fases distintas na
ou aquisição de habitações dirigidas ao realo-
política de habitação social em Portugal, com
jamento de famílias residentes em habitações
lógicas e estratégias de intervenção diferentes.
precárias (barracas), sob a forma de benefí-
Dessas fases destacamos três ocorridas depois
cios fiscais e parafiscais e de financiamento
da “revolução” de abril de 1974 na sequência
bonificado.14
da qual se restaura a democracia:
Na base do desenho territorial e finan-
1) após o 25 de abril, o Estado intenta
ceiro do PER esteve o recenseamento das ne-
uma mudança através da substituição dos me-
cessidades de realojamento realizado junto dos
canismos de mercado por uma estatização da
municípios entre 1991 e 1992. Mas a morosi-
ação, tanto central como local. Em ambos os
dade na implementação do programa e a per-
casos, pela primeira vez, integra nas iniciativas
petuação das estratégias de fixação em bairros
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
87
Isabel Pato e Margarida Pereira
de habitação precária das famílias mais pobres
francesa, persistem até hoje lacunas no plano
tornou o PER desajustado às necessidades
da produção estatística para a caracterização
reais em cada bairro. Esse desajustamento ge-
da realidade sociourbanística aliada a essa
rou inúmeras ações de protesto e de resistência
forma de alojamento. Essa diferença não pode
15
ser dissociada da delegação nos municípios da
ao desalojamento.
A estrutura do PER colocou os municípios
função de formulação e priorização política de
no centro da ação, em contraste com a lógica
programas integrados capazes de pôr em rela-
centralizadora que caraterizou a política de ha-
ção as diferentes dimensões da vida das popu-
bitação social até então. Mas, no que mais dire-
lações.
tamente se refere à problemática em discussão,
De fato, enquanto em França, desde os
a lógica do realojamento revelou a prevalência
finais dos anos 1970, a política de cidade per-
de uma perspectiva setorial centrada na habi-
siste como política de Estado para a interven-
tação no plano da intervenção do Estado, mes-
ção territorializada em áreas de concentração
mo quando diversos autores continuam a ques-
de populações desfavorecidas, em Portugal só
tionar o teor “social” da política de habitação
em 2005, com a Intervenção “Bairros Críticos”,
social (Queiroz e Gros, 2002).
o Estado central assume uma política volun-
Até 1995, a produção estatística para a
tarista expressamente dirigida à componente
caracterização da habitação social seguia uma
sociourbanística. Essa política teve um caráter
lógica tecnocrática orientada para a inventa-
experimental (abrangendo apenas três bairros,
riação e o controle financeiro. Assim se explica
dois na área metropolitana de Lisboa e um na
em parte a degradação física a que chegaram
área metropolitana do Porto) e não foi capaz
alguns bairros propriedade do então Instituto
de impulsionar uma política de Estado assumi-
de Gestão e Alienação do Patrimônio Habita-
damente integrada.
cional do Estado (IGAPHE).16 Ou seja, o nível de
Porém, na sequência da Iniciativa “Bair-
degradação dalguns desses bairros, e de outros
ros Críticos”, em 2010, é lançado o Inquérito
propriedade de instituições de caráter público-
à Caracterização da Habitação Social (2009,
-privado, dão conta do fraco investimento polí-
2011) que introduz a categoria estatística de
tico e financeiro na habitação social.
“bairro social”. No documento metodológico
A partir de 1995 (e na sequência do PER)
que acompanha o referido inquérito pode ler-
dá-se uma ampliação da estatística produzida,
-se: “A presente operação estatística resulta
que passa a integrar novos indicadores, desa-
da colaboração entre o INE e o Instituto da
gregados à escala do concelho e capazes de
Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e tem
traduzir as dinâmicas de crescimento ocorridas
como principal objetivo a recolha de informa-
17
ção de base para a caracterização do parque
Já na primeira década do milênio, o conjunto
habitacional com vocação social em Portugal”.
de indicadores revela novas preocupações,
(Inquérito à Caracterização da Habitação So-
mais ligadas à monitorização das transações
cial, Documento Metodológico, 2010, p. 8).
financeiras entre o Estado, via autarquias, e
Esse inquérito resulta de uma operação-piloto
no final da década de 1990 nesta matéria.
18
as famílias. Porém, ao contrário da realidade
88
de levantamento do patrimônio público com
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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
vocação social lançado pelo IHRU, em 2008.
Em segundo lugar, o recenseamento de bairros
É iniciado em 2010, com uma periodicidade
classificados como Área Crítica de Recupera-
anual, e tem como ano de referência 2009.
ção e Reconversão Urbanística (ACRRU)19 nos
Destina-se a analisar a situação da habitação
diferentes municípios expressa a incorporação
social em Portugal, por município, no que se
política da preocupação com a realidade urba-
refere à:
nística ligada aos elementos de uso coletivo.
– caracterização do parque de habitação
Um e outro permitem reunir informação poten-
social que considera o número de bairros ou
cialmente sustentadora de uma priorização em
núcleos habitacionais, número e idade dos
termos de intervenção.
edifícios, e o número e tipologia dos fogos
existentes;
Por outro lado, a periodicidade anual
adotada revela uma estratégia de avaliação e
– forma de ocupação do parque de habitação
monitorização adaptada às aceleradas dinâmi-
social, descrita pelo tipo de ocupação, número
cas de transformação da oferta de habitação
de contratos existentes e efetuados e número de
social, tanto no que se refere aos alojamentos
fogos atribuídos por tipo de atribuição;
disponibilizados pelos municípios, como aos in-
– receita e despesa do parque de habitação
vestimentos financeiros associados ao PER.
social, incluída nas últimas a despesa com o
Ao contrário da realidade francesa, esse
edificado, a conservação de equipamentos e de
inquérito não permite nem a identificação no-
estabelecimentos comerciais e ainda nas inter-
minal nem a referenciação espacial, quer dos
venções nos espaços públicos envolventes;
bairros sociais quer dos casos específicos das
– reabilitação, que integra o número de fogos
áreas críticas de recuperação e reconversão
reabilitados, a despesa prevista e gastos efeti-
urbanística. Nas estatísticas oficiais, o bairro
vos, entre outros.
social individualiza-se, mas é mantido como
A incidência sobre os domínios físico e
indivíduo estatístico anônimo indexado a um
financeiro e a periodicidade da coleta revelam
concelho. À semelhança do que se passa nas
preocupações específicas com os bairros sociais
estatísticas da criminalidade recolhidas nas
que merecem uma análise. Em primeiro lugar,
esquadras, nas estatísticas oficiais produzidas
o inquérito representa a adoção de uma pers-
para caracterizar o “estado de segregação” a
pectiva que extravasa o domínio do edificado
informação não é tratada com a finalidade de
habitacional, considerando os equipamentos,
se transformar em conhecimento local, mas an-
comércio e espaço público. Encontramos aqui
tes como um “produto para consumo externo e
o eco do célebre artigo de Isabel Guerra “As
político” (Durão, 2008b).
pessoas não são coisas que se ponham em
Ainda em relação com a espacialização,
gavetas” (Guerra, 1994) que retrata o “gosto
e considerando as variáveis contempladas nos
pela casa e o desgosto pelo bairro” sentido pe-
recenseamentos gerais (em especial à popula-
los habitantes dos bairros sociais, assim como
ção e à habitação), a produção estatística em
das orientações para a construção de bairros
Portugal permite diagnósticos sociais e eco-
sociais avançadas por Fonseca Ferreira um ano
nômicos referenciáveis aos bairros sociais re-
após a criação do PER (Fonseca Ferreira, 1994).
lativamente detalhados, aglutinando os dados
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89
Isabel Pato e Margarida Pereira
sociodemográficos recolhidos à escala da sub20
Loures, 2004), a seleção de indicadores revela
seção estatística. Mas essa análise encerra
a integração de preocupações políticas seme-
limitações que nos afastam das possibilidades
lhantes às identificadas em França, designada-
do caso francês, pois não existe uma exata cor-
mente quando se questionam os habitantes so-
respondência entre os indicadores desagrega-
bre a conflitualidade entre grupos, os espaços
dos à subseção e os disponibilizados ao nível
de conflito, a evolução da conflitualidade e os
do concelho. Essa incompatibilidade analítica
grupos responsáveis. Do mesmo modo, a ques-
compromete a quantificação da segregação
tão étnica surge na caracterização da popula-
“interna” e “externa”. Em todo o caso, a in-
ção inquirida, demonstrando sua pertinência
vestigação urbanística e social, quer acadêmi-
política de fato, mesmo quando essa é delibe-
ca quer das instituições tutelares, não se tem
radamente subvalorizada no discurso político.
debruçado sobre as possibilidades que a infor-
A produção estatística mostra que a
mação caracterizadora dos défices estruturais
ampliação da ação social sobre a tutela das
ligados ao perfil socioeconômico das popula-
Comissões Locais de Freguesia ou do Alto Co-
ções residentes nos bairros sociais que as esta-
missariado para a Imigração e Diálogo Inter-
tísticas oficiais já hoje oferecem.
cultural (ACIDI) não tem contribuído para uma
O confronto entre a realidade da pro-
maior articulação da intervenção pública terri-
dução estatística portuguesa e francesa que
torializada como política de Estado. Porém, a
sustenta a identidade estatística dos bairros
prevalência na estatística da perspectiva seto-
sociais, como medida específica da segrega-
rial centrada na habitação não significa a ine-
ção, não ficaria completo sem uma referência
xistência de uma intervenção local tendencial-
à produção estatística local, por um lado, e às
mente mais integrada, pois essa ocorre com
estatísticas produzidas pelo ministério respon-
frequência à escala do município dentro da
sável pelas forças de segurança que integram
lógica das “novas políticas sociais” sustenta-
informação coletada ao nível local (esquadras
das em parcerias locais. A natureza da produ-
de polícia) e informação judicial, por outro.
ção estatística oficial significa que a avaliação
Começando pelas primeiras, em Portugal es-
dessas formas territorializadas de intervenção
tas são asseguradas pelos municípios e outras
não integra as prioridades políticas das últimas
entidades coletoras, nomeadamente no âmbito
duas décadas.
21
dos Diagnósticos Sociais de Freguesia ou de
Já atrás se referiu que a produção esta-
programas específicos desenvolvidos por “con-
tística local também incorpora a questão étni-
sórcios” de parceiros com intervenção na ação
ca, evitada nos grandes números das estatísti-
social nos bairros.
cas oficiais. Essa inclusão acompanha a amplia-
Nesses inquéritos levados a cabo a ní-
ção da intervenção pública e público-privada
vel local (do município e freguesias), de que
no domínio da ação social dirigida aos bairros.
é exemplo o questionário que esteve na base
Nessa intervenção ganha centralidade, desde
do estudo sobre os níveis de satisfação diante
2001, o ACIDI, contribuindo para a recorrente
do bairro desenvolvido há quase uma década
sobreposição entre bairros sociais e bairros de
no município de Loures (Câmara Municipal de
imigrantes. O peso da população com raízes na
90
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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
imigração explica esta tendência, mas as con-
raros, assim o bairro é classificado como de al-
sequências deste desenho institucional estão
to, médio ou baixo risco.
ainda por apurar, na medida em que o papel do
Esses estudos, apresentados através da
ACIDI tem contribuído para adiar o debate que
imprensa, dão conta de duas tendências que
urge sobre a necessidade de articular numa po-
marcam uma mudança da natureza da inter-
lítica de Estado a intervenção integrada sobre
venção do Estado nesses territórios, tornando-
os territórios (todos) segregados.
-se clara a prevalência da polícia como um dos
Isso porque a intervenção do programa
22
“parceiros” da territorialização da intervenção:
Escolhas dirigido aos “jovens dos bairros” da
por um lado, a territorialização seletiva da ação
responsabilidade do ACIDI se caracteriza por
policial, muito mais artilhada e aparatosa nos
uma arbitrariedade na seleção dos territórios-
bairros (Durão, 2008a, 2008b; Wacquant, 2004;
-alvo da discriminação positiva, na medida em
Cunha, 2008; Pato, 2011); por outro, o forte
que o incremento de projetos de intervenção
empenho da Polícia como macroinstituição
depende da capacidade de se formar no terre-
em dar visibilidade a essa intervenção, numa
no um consórcio para a intervenção.
lógica de mise-en-scène securitária revelado-
Finalmente, no que toca às estatísticas
ra da instauração de um regime de segurança
produzidas pelas forças de segurança, os re-
(Foucault, 2007) já estudada por outros autores
sultados de um estudo realizado pelo Minis-
a partir de outros quadros teóricos (Wacquant,
tério da Administração Interna (2005) levou
2004; Durão, 2008b).
à identificação no universo de bairros sociais
e de bairros de habitação precária dos “bairros perigosos”, sem que fossem divulgados os
critérios que sustentam a definição dos bairros
Notas conclusivas
inscritos na geografia do risco (Pato, 2011).
Posteriormente, um outro estudo da autoria
O artigo refletiu sobre as relações entre a pro-
do mesmo Ministério (MAI, 2007) apelida os
dução estatística caraterizadora das áreas ur-
territórios-alvo de uma atenção especial da
banas marcadas pela segregação territorial e a
polícia de “bairros em risco”. Nesse estudo,
natureza das políticas de discriminação positi-
os critérios subjacentes àquela classificação
va que caraterizam a governação urbana con-
são divulgados, resultando da combinação de
temporânea. Enquanto em França a produção
um conjunto de indicadores: condicionantes
estatística revela preocupações de avaliação da
arquitetônicas dos bairros, densidade popula-
política de cidade orientada para uma interven-
cional, número de residentes com anteceden-
ção territorial tendencialmente mais integrada,
tes criminais, número de casos de desordem
ao articular variáveis do domínio urbanístico
pública, número de agressões a elementos
e socioeconômico, em Portugal a produção
policiais e número de casos de crimes prati-
estatística centralizada mantém o caráter se-
cados por residentes (desses bairros) fora do
torial que tem marcado a intervenção públi-
bairro. Consoante esses valores são elevados/
ca definida a nível central. A centralidade da
preocupantes, médios/significativos ou baixos/
habitação na problematização da questão da
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Isabel Pato e Margarida Pereira
concentração da pobreza traduz a preocupação
Escola23…) mais orientada para o controle e
do controle por parte do Estado do processo de
a repressão; e empenho na elaboração de um
implementação do PER.
conhecimento estatístico totalizador que dá vi-
O conhecimento sobre a segregação es-
sibilidade ao aparatus estatal, e que se inscreve
pacial sustentado na análise de um conjunto
no jogo de transparência versus ocultação de
de indicadores potencialmente reveladores
informação para evitar a revelação pública de
dos contrastes entre os bairros e entre esses
matérias sensíveis.
e os espaços envolventes (as comunas e aglo-
Essas conclusões autorizam a colocação
merações urbanas) desenvolvida no caso fran-
de novas questões quando se pretende pers-
cês não se realiza em Portugal. Daqui decorre
pectivar formas de governação urbana capa-
que a análise estatística da intervenção em
zes de intervir sobre a redução e/ou a diluição
matéria de habitação não foi suficiente para
da segregação urbana. Uma primeira questão
permitir empreender uma efetiva análise ur-
prende-se com a criação de instrumentos geo-
banística, designadamente por descurar a re-
estatísticos que possam traduzir os efetivos dé-
ferenciação espacial dos bairros segregados.
fices estruturais que introduzem e perpetuam
Trata-se, assim, sobretudo de empreender
fragilidades nos territórios e populações segre-
um controle à distância, baseado nos grandes
gadas, diante de outros territórios. Em ligação
números, uma vez que o tratamento da infor-
com a primeira, uma segunda questão declina
mação publicada não permite a construção de
mais diretamente da relação entre a produ-
conhecimento local.
ção do conhecimento estatístico e o exercício
Simultaneamente, assiste-se ao aumento
do poder e remete para o aprofundamento do
do interesse pelas estatísticas locais capazes de
conhecimento sobre os efetivos modelos de
apoiar o processo de decisão política como res-
governação (da segregação) urbana à escala
posta à necessidade crescente de coordenação
local, num momento em que se coloca a ne-
e supervisão dos processos de intervenção ter-
cessidade de reforço da coordenação e super-
ritorializados, mas também como forma de dar
visão estatal.
visibilidade à intervenção municipal.
Enfim, num tempo em que é indispen-
Finalmente, a introdução de indicadores
sável gerir a tensão entre a desnacionalização
na classificação dos bairros segregados, ligados
dos territórios das cidades (Brenner, 2010) e
não ao retrato estrutural da segregação, mas
assegurar a equidade territorial (intra) urba-
às características (julgadas) intrínsecas aos
na, como construir o conhecimento estatístico
territórios em termos de composição étnica e
para a avaliação e a intervenção pública, asse-
(in)segurança, revela uma mudança no estilo
gurando que as estratégias de territorialização
de governação em ambos os países que segue
não passem de formas específicas de controle
duas tendências: instauração paulatina de um
e repressão e/ou de ferramentas de suporte
regime de segurança, tal como o conceitualiza
da transferência para a sociedade civil e par-
Foucault (2007), ou seja sustentador de uma a
ceiros sociais da função pública de garantia de
intervenção territorial seletiva (da Polícia, da
justiça social?
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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
Isabel Pato
Licenciada em Geografia e Planeamento Regional; Mestre em Planeamento Regional e Urbano; Professora Doutora em Geografia Humana; Investigadora do e-Geo – Centro de Estudos em Geografia e
Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal.
[email protected]
Margarida Pereira
Licenciada em Geografia; Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica em Geografia e
Planeamento Regional; Professora Doutora em Geografia e Planeamento Regional, especialidade
de Planeamento e Gestão do Território; Professora Associada do Departamento de Geografia e Planeamento Regional da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa;
Investigadora do e-Geo – Centro de Estudos em Geografia e Planeamento Regional da Universidade
Nova de Lisboa. Lisboa, Portugal
[email protected]
Notas
(1) No conjunto de casos analisados na obra supracitada, são sobretudo os Estados com regimes
de proteção universal menos fortes que mais territorializam a proteção social em territórios e
grupos alvo (Delcourt, 2008).
(2) Limite administra vo e polí co de menor dimensão em Portugal.
(3) Ainda que as normas e normalizações postas em prá ca numa economia de poder específica
tendam a sustentar-se nas organizações já existentes no terreno e/ou a gerar outras
organizações muito próximas das primeiras.
(4) XII Cahier de la Fonda on Na onal des Sciences Poli ques que o geógrafo dirigiu (Vieillard-Baron,
2001, p. 90).
(5) Em 1948, o número de alojamentos construídos para habitação social rondava os 40.000 e em
1959 os 320.000. A duração da construção por empreendimento médio passou no mesmo
período de cerca de 3.500 horas para menos de metade – cerca de 1.250 horas (Pinson, 1992,
in Vieillard-Baron, 2001). O mesmo autor cita vários estudos que ques onaram a construção
massiva de alojamentos diante da oferta de habitação a reabilitar e desocupada.
(6) Entre a Lei de Prorrogação das ZUP (Zones Urbaines Prioritaires), em 1959, e a lei de orientação
fundiária que ins tui as ZAC (Zones d’Aménagement Concerté), em 1967, a maioria dos grandes
conjuntos habitacionais resultou em construções massivas, de que é exemplo a “cité 4000” na
Commune de Courneuve, urbanização que veio alojar mais de 15.000 habitantes, cuja construção
se fez por processos experimentais de prefabricação pesada.
(7) A poli que de la ville (aqui designada de polí ca de cidade) não significa no sen do literal uma
atuação dirigida a toda a cidade. Trata-se de uma polí ca orientada para áreas específicas da
cidade: os “bairros sensíveis”, definidos em função de problemas de alojamento, problemas
ligados ao quadro sico, socioeconômico, de emprego, de escolaridade, de saúde, de segurança
pública e de equipamentos.
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(8) Desde 1988 es mam-se cerca de 5.000 alojamentos demolidos por ano, o que corresponde a uma
taxa de demolições (rela vamente aos existentes) de 0,5%. A região parisiense concentra ¼ do
total de demolições da França metropolitana. O Plan Na onal de Renouvellement Urbain (1999)
previu a aceleração dos processos de demolição. O ministro da Cidade propõe chegar na década
seguinte a valores entre os 10.000 e os 15.000. As demolições não são consideradas um “fim
em si mesmo” nem um “ato de urbanismo nega vo”, mas encaradas como a úl ma solução,
quando tudo o resto já tenha sido tentado sem sucesso (Vieillard-Baron, 2001).
(9) Ainda Vieillard-Baron (2001) ques ona a per nência da associação da problemá ca dos “bairros”
à periferia, alegando que, em 1994, antes da generalização dos contrats de ville da política
de cidade, à parte da região parisiense, mais de metade dos bairros considerados sensíveis
pertencem aos centros das cidades.
(10) Uma conurbação corresponde a uma aglomeração formada pela união de vários centros urbanos
inicialmente separados por espaços rurais (INSEE, Conceitos, h p://www.insee.fr/fr/methodes/
default.asp?page=defini ons/conurba on.htm, acessado em 24 de setembro de 2012).
(11) Unidade mínima territorial considerada na produção esta s ca em França.
(12) Foucault (1975) propõe a oposição entre conhecimento individualizador e conhecimento
agregador. Seguindo essa proposta, o primeiro preocupa-se com o conhecimento público acerca
do objeto e é dominantemente lido através dos comportamentos de indivíduos estatísticos
como en dades discretas, enquanto o segundo corresponde às esta s cas como contraponto
agrega vo necessário ao desenho das prá cas e das possibilidades da governação liberal, mas
também à reiteração da visão mundana da realidade dos bairros e dos modos de intervenção
sobre os bairros.
(13) Designadamente pela presença de profissionais de serviços beneficiaram de formação, tais como
trabalhadores do comércio, prestadores de serviços especializados da restauração, vigilantes e
trabalhadores em serviços pessoais de higiene e embelezamento. Essa tendência foi também
iden ficada na análise da organização social em quatro metrópoles brasileiras – São Paulo, Rio
de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre – a par r da pesquisa realizada durante quinze anos no
Observatório das Metrópoles (Lago e Mammarella, 2010).
(14) O financiamento estatal contemplou apoios des nados à aquisição de terrenos, infraestruturação
e construção. Dez anos mais tarde, em face do evidente desajustamento entre o PER e a
realidade do setor da habitação, o regime jurídico deste programa é revisto e passa a integrar
também a reabilitação.
(15) Ver a este propósito o documentário Via de Acesso, de autoria de Nathalie Mansoux (2008).
(16) Organismo que juntamento com o Instituto Nacional de Habitação (INH) compõem hoje o
Ins tuto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) com a tutela da habitação social.
(17) São exemplos desses indicadores o número de divisões, o número médio de divisões, a super cie
habitável das divisões, o número de pavimentos, entre outros. Para esses indicadores, passam a
considerar-se os valores para os fogos licenciados e fogos concluídos.
(18) Destacam-se os seguintes indicadores: número de contratos de compra e venda, montante
financeiro envolvidos nestes contratos, valor médio dos prédios hipotecados, entre outros,
todos desagregados por concelho.
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Segregação territorial, conhecimento estatístico e governação urbana
(19) As Áreas Crí cas de Recuperação e Reconversão Urbanís ca (ACRRU) são definidas como áreas
do parque de habitação social “em que a falta ou insuficiência de infraestruturas urbanís cas, de
equipamento social, de áreas livres e espaços verdes, ou as deficiências dos edi cios existentes,
no que se refere a condições de solidez, segurança ou salubridade, a njam uma gravidade tal,
que só a intervenção da Administração, através de providências expeditas, permita obviar,
eficazmente, aos inconvenientes e perigos inerentes às mencionadas situações.” (Inquérito à
Caracterização da Habitação Social, Documento Metodológico, 2010, p. 8).
(20) Unidade mínima espacial nas estatísticas portuguesas, usualmente coincidente com um
quarteirão urbano.
(21) Os Diagnósticos Locais de Freguesia são a base para a intervenção das Comissões Locais de
Freguesia, criadas em 2007. São compostas por um conjunto de en dades empenhadas na ação
social local que se comprometem dentro do quadro da Lei a trabalhar em Parceria. A criação
das Comissões Locais de Freguesia enquadra-se na tendência das novas políticas sociais de
envolvimento da sociedade civil nos processos de governação passíveis de subsidiariedade.
(22) Programa de âmbito nacional de incidência territorial, tutelado pela Presidência do Conselho de
Ministros, e fundido no Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI) que
visa promover a inclusão social de crianças e jovens provenientes de contextos socioeconômicos
mais vulneráveis, par cularmente dos descendentes de imigrantes e minorias étnicas, tendo em
vista a igualdade de oportunidades e o reforço da coesão social (h p://www.programaescolhas.
pt/apresentacao).
(23) Concre zada nos Territórios Educa vos de Intervenção Prioritária.
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Texto recebido em 26/set/2012
Texto aprovado em 5/nov/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 77-97, jan/jun 2013
97
Luces y sombras sobre el territorio.
Reflexiones en torno a los planteamientos
de la OPS/OMS en América Latina*
Lights and shadows on the territory. Reflections
on the planning performed by the PAHO/WHO in Latin America
Magdalena Chiara
Ana Ariovich
Resumen
La incidencia de las variables socio ambientales,
las condiciones de localización y los factores
m ov ili d a d , s o n p r o b l e mas q u e lla ma n a
aproximarnos a la salud desde un enfoque
territorial, buscando no sólo localizar los procesos
de salud-enfermedad sino también comprender
sus relaciones recíprocas. El trabajo recorre las
distintas propuestas de la OPS/OMS que orientaron
el diseño de política sanitaria en América Latina y
el Caribe en las últimas seis décadas destacando
sus contribuciones e insuficiencias para pensar
la cuestión territorial, haciendo referencia a las
políticas implementadas en Argentina y Brasil. El
trabajo echa luz sobre las nociones de territorio
implícitas en estos planteos bis a bis el papel que
cada una de ellas confiere a los actores, mostrando
la necesidad de construir un diálogo entre política
sanitaria, geografía y análisis de políticas.
Abstract
The impact of social-environmental variants,
of location and of mobility factors is a problem
that demands an analysis of health according
to a territorial approach, in an attempt not only
to locate the health-disease processes but also
to understand their mutual relations. The study
investigates the various proposals of the PAHO /
WHO that guided the design of the health policy
in Latin America and the Caribbean in the last
six decades, highlighting their contributions
and shortcomings to reflect on the territorial
issue, and referring to the policies implemented
in Argentina and Brazil. The study sheds light
on the notions of territory implied in these
proposals and on the role that each one of them
gives to the actors, showing the need to build a
dialogue between health policy, geography and
policy analysis.
Palabras clave: salud; política sanitaria; territorio;
OMS/OPS; actores.
Keywords: health; health policy; territory; WHO/
PAHO; actors.
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Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Introducción
las orientaciones de política sanitaria para
América Latina y el Caribe, con particulares
referencias a las políticas en Brasil y Argentina.
Aunque evidente en su materialidad, la relación
Finaliza el recorrido, con una
entre “salud” y “territorio” es una encrucijada
sistematización de los aportes de estos
que ha sido escasamente visibilizada desde
planteos y la identificación de aquellas
la mirada sectorial, enfrentando el riesgo de
insuficiencias que aler tan acerca de la
opacar matices y obturar nuevas preguntas.
necesidad de construir un diálogo entre política
Con el interés de echar luz sobre esta
sanitaria, geografía y análisis de políticas.
relación, este trabajo hace un recorrido “desde
adentro” de la política sanitaria interrogando
a las directrices de la OPS/OMS en relación a
cómo ha ido apareciendo la cuestión territorial
y cuáles han sido los actores jerarquizados
en esa construcción. La importancia de este
Estrategias y modelos:
principales hitos en los
planteos de OPS/OMS
análisis radica en que estas orientaciones
expresan modelos descriptivos y normativos
Hacia mediados del siglo XX, las Naciones
que dialogan con las lógicas profesionales
Unidas (ONU) creó la Organización Mundial
y académicas, legitimando prác ticas y
de la Salud (OMS), organismo responsable
aportando modos de analizar la política
de establecer la agenda de investigaciones
sanitaria y su contexto.
prioritarias en salud, articular opciones de
Una mirada apresurada podría concluir
política, prestar apoyo técnico a los países y
que el territorio ha estado ausente en la
vigilar las tendencias sanitarias mundiales,
mirada sectorial; sin embargo, el recorrido
estableciendo a la Organización Panamericana
realizado en este trabajo muestra la aparición
de la Salud (OPS) como su oficina regional en
de distintas nociones en estos planteamientos:
las Américas.
desde la imagen de “control militar” de
Desde entonces, ambos organismos
mediados del siglo pasado expresado en los
ocupan un lugar preponderante en la
programas de erradicación de la viruela y
conceptualización de la “cuestión sanitaria”,
la malaria, hasta conceptos más complejos
siendo responsables ( a través de sus
presentes en las propuestas de redes de
propuestas y directrices) de la reorganización
servicios de salud, dando cuenta de un proceso
de los sistemas de salud y de la formulación
de construcción histórica y conceptual que vale
de políticas en la región. El combate contra
la pena interrogar.
las enfermedades transmisibles a través de
El trabajo comienza presentando los
los “Programas Verticales”, el modelo de la
hitos más significativos de las propuestas
“Atención Primaria de la Salud”, la propuesta
de la OMS/OPS en los últimos sesenta años
de los “Sistemas Locales de Salud”, la
para, posteriormente, poner el foco en cómo
estrategia de los “Determinantes Sociales
fue emergiendo la cuestión territorial en
de la Salud”, la propuesta de “Municipios,
100
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013
Luces y sombras sobre el territorio
Ciudades y Comunidades Saludables” y el
Difenil Tricloroetano), animó la acción de la
modelo de “Redes Integradas de Servicios de
recientemente creada OPS, identificando a
Salud”, son los hitos principales en estas seis
éstas como enfermedades a ser erradicadas.
décadas (Figura 1). Se trata de propuestas,
En este contexto se forja el modelo de los
estrategias y/o modelos que presentaron
“programas verticales” que sigue vigente hasta
continuidades y rupturas en los modos como
la actualidad, conviviendo con otras formas
conceptualizar el proceso salud-enfermedad,
de concebir la política sanitaria, denominadas
en los instrumentos propuestos y en los actores
“horizontales” (Tobar et al., 2006, pp. 15-18).
privilegiados, que estuvieron y están presentes
Esta forma de organizar la política sanitaria
en la arena sectorial con distinta capacidad de
logró la eliminación de la viruela y la declaración
orientación de las políticas.
de su erradicación en la Asamblea Anual de la
Entre los años 1946 y 1958, el combate
Salud de 1980, dejando importantes huellas en
de las enfermedades transmisibles (viruela y
la institucionalidad del sector: la creación de las
malaria) organizó el modo de pensar y de hacer
unidades de epidemiología en los ministerios,
política sanitaria. La noción de “erradicación”,
las rutinas de vigilancia epidemiológica y
fundada en los adelantos científicos como el
la aplicación de programas de control de
descubrimiento de vacunas y del DDT (Dicloro
enfermedades transmisibles (OMS, 1974).
Figura 1 – Planteamientos de OPS/OMS (1950 a la actualidad)
Sistemas Locales
de Salud (SILOS)
(1988)
Atención Primaria
de la Salud
(1978, Declaración de
Alma Ata y
2005 Renovación de APS
para las Américas)
Municipios y
Ciudades Saludables
(1998 Declaración de Atenas)
Redes Integradas
de Servicios de
Salud
(2007)
Determinantes Sociales
de la salud
(2004/2008)
Programas Verticales
(Control de enfermedades
Transmisibles)
(1946/58)
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101
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Sin embargo, el combate de la malaria
los distintos enfoques: acceso y cobertura
fue menos exitoso; la reaparición de casos
universal; atención integral e integrada;
puso en evidencia otros factores asociados
promoción y prevención; orientación familiar
al mosquito, lo cual llevó a reemplazar la
y comunitaria; mecanismos de participación
política de erradicación por una política
activa; políticas y programas pro-equidad;
de control (Tobar et al., 2006, p. 18). La
primer contacto; recursos humanos
vigilancia epidemiológica focalizada en grupos
apropiado ; recursos físicos adecuados ;
y territorios en situación de vulnerabilidad,
acciones intersectoriales (OPS, 2005).
sentó las bases de las orientaciones que
Los ejemplos de iniciativas orientadas
reaparecerían (décadas más tarde) de la mano
al fortalecimiento de la APS en la región
de los organismos internacionales de crédito
son abundantes y diversos. En el marco
en los noventa con la focalización.
del Sistema Único de Salud (SUS) de Brasil,
Un nuevo planteo, el de las intervenciones
merece destacarse el Programa Salud de
horizontales se abrió paso con el modelo de
la Familia (PSF) 1 que fue desarrollándose
la Atención Primaria de la Salud (APS) en
desde 1994 de manera progresiva a partir de
un contexto caracterizado por el progresivo
experiencias pilotos dispersas, hasta llegar
crecimiento de la poblacional mundial y por
a convertirse en una propuesta de alcance
altas tasas de natalidad y de mortalidad
nacional bajo la órbita del Ministerio de Salud
infantil, acompañadas con una expectativa
(Suárez-Bustamante, 2010; Harzeim, 2011).
de vida bastante baja. En la Conferencia
Basado en Equipos Básicos con población
Internacional sobre la Atención Primaria de la
a cargo, el programa busca reorganizar la
Salud de Alma Ata desarrollada en el año 1978,
práctica asistencial centrando sus acciones
la OMS reconoció a la APS como estrategia
en la atención integral de la familia, con
de atención integral de la salud, basada
especial énfasis en la prevención y promoción
en la prevención de la enfermedad y en la
(Gomes-do-Espírito-Santo et al., 2008; Schillig
promoción de la salud (OMS, 1978, punto IV).
Mendoza, 2011).
En la amplitud del consenso con el que contó
En el caso argentino, la prioridad
esta estrategia desde aquella declaración,
sobre la atención primaria de la salud fue
convivieron enfoques diferentes de concebir la
establecida más recientemente a través del
APS (Rozenblat, 2007; Forti, 2009).
Plan Federal de Salud (PFS) (2003/7) y se
Dos décadas más tarde y en un intento
expresó de manera singular en el Programa
por consolidar una noción convergente
PROAPS/Remediar (posteriormente sucedido
de APS, la OPS propuso la “Renovación
por el FEASP/Remediar+Redes),2 el Programa
de la Atención Primaria de la Salud en las
Médicos Comunitarios y, más recientemente,
Américas”, como forma de afrontar los
el Plan Nacer (actualmente denominado
nuevos desafíos epidemiológicos y mejorar las
“Nacer/Sumar”). Los centros de atención
persistentes inequidades en la atención. Esta
primaria de la salud (CAPS) son para estas
concepción reformulada de APS, recupera
iniciativas efectores estratégicos a fortalecer
integralmente los contenidos presentes en
a través de la provisión de medicamentos
102
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Luces y sombras sobre el territorio
esenciales (Maceira, Apella y Barbieri, 2005),
proveyendo las bases técnicas y operativas
la incorporación y formación de recursos
sobre las cuales se organizó el SUS, en cuyo
humanos profesionales en APS (Rossen, 2006)
contexto la autonomía municipal sobre la
y el aporte de recursos financieros contra
atención ambulatoria (bajo ciertas condiciones
cumplimiento de metas sanitarias sobre
de regulación) pasó a tener un rol destacado
población en el Plan Nacer (Potenza, 2012).
(Arretche, 2003). En la estructura institucional
Si bien la APS fue enérgicamente
del SUS, los servicios básicos de salud son
sostenida hasta la actualidad, convive a su vez
gestionados por el municipio, mientras que los
con otras estrategias y modelos que fueron
niveles más complejos de asistencia se prestan
apareciendo a partir de mediados de la década
por contrato o convenio con la red privada o
de los ’80. En la década de los ochenta, el
estatal (Azevedo Mercadante et al., 1994).
modelo de los “Sistemas Locales de Salud
3
A diferencia de lo que sucede en Brasil,
(SILOS)” fue concebido por OPS como un
el caso argentino no presenta claridad en
camino complementario para alcanzar un
la distribución de funciones entre niveles
uso más eficiente de los recursos en un
de gobierno existiendo distintas realidades
escenario regional de fuerte crisis económica.
provinciales en cuyas historias se fueron
Estos sistemas han sido definidos como: “un
forjando estructuras sanitarias con distinta
conjunto interrelacionado de servicios de salud,
potestad de los municipios sobre los servicios
sectoriales y extrasectoriales, responsable
de salud. En algunos casos, esas diferencias se
de la salud de una población en una zona
deben a procesos de descentralización hacia
específica cuyos límites son casi siempre los de
los municipios; en otros, se trata de situación
una o varias unidades geopolíticas” (Gutiérrez,
de vieja data resultado de la provincialización o
1991, p. 618). En términos generales, los SILOS
municipalización de hospitales originariamente
planteaban la profundización de los principios
a cargo de instituciones de la beneficencia;
básicos establecidos por APS, pero enfatizando
las provincias de Córdoba, Corrientes, Buenos
la jerarquía de la acción local como instancia
Aires y más recientemente Santa Fe y Misiones
estratégica para lograr la adecuación de
son ejemplos de esta diversidad.
la atención a las demandas y necesidades
particulares de los territorios implicados.
Saltando las fronteras del sector, la
década de los ’80 albergó otra propuesta
La jerarquización de la arena local que
que jerarquizaba el nivel local, enfatizando
expresan estas orientaciones estructuró parte
el desafío de gobernabilidad con que se
de las reformas del sector en Brasil. Con el
enfrentaban las ciudades. La iniciativa
proceso de descentralización y municipalización
“Municipios, Ciudades y Comunidades
de la atención, los gobiernos locales se
Saludables” buscó aplicar la promoción de
convirtieron en actores fundamentales de
la salud a los contextos locales, adaptándose
la provisión universal de servicios sanitarios
favorablemente a los escenarios de la
básicos (Falleti, 2007; D'Ávila Viana et al.,
descentralización, proceso en curso en los
2009). Este proceso se inicio a comienzos de la
países de América Latina desde los ochenta y
década de los 80’ y se consolidó en el año 2000
que se profundizaría en la década siguiente de
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013
103
Magdalena Chiara e Ana Ariovich
la mano de las reformas neoliberales. Desde esta
en el análisis de las particularidades que
perspectiva, un municipio o comunidad puede
presentan los determinantes sociales en
ser “saludable” si presenta una estructura para
los entornos urbanos, haciendo eje en tres
trabajar por la salud o si comienza un proceso
cuestiones: la gobernabilidad, la métrica
para conseguirlo, promoviendo la adopción de
de los problemas sanitarios urbanos y los
estilos de vida saludables y creando entornos
determinantes de la salud y la equidad (OPS,
que los favorezcan. Sin duda, esta iniciativa
2008). Desde el concepto de “salud urbana”
demanda el desarrollo y fortalecimiento de
comienza a abrirse una nueva orientación
la acción intersectorial, la participación de la
en el enfoque de los determinantes sociales,
ciudadanía y la gobernanza (conformación
que pretende analizar cómo se manifiesta en
y fortalecimiento de las redes) para su
cada ciudad los determinantes de la salud,
implementación.
y cómo el estudio de estos determinantes
Pasado el decenio neoliberal, y habida
debe traducirse en acciones multisectoriales
cuenta del desplazamiento que sufrió la OPS/
y participativas vinculadas con la promoción
OMS por parte de los organismos multilaterales
de la salud y con la formulación de políticas
de crédito, emergió una nueva propuesta que
públicas en contextos urbanos (OPS/OMS,
colocó a la problemática de la salud en un
2011a).
contexto más amplio. Reconociendo como
Anidando en la propuesta de los
principal y más remoto antecedente el Informe
SILOS y en el marco de la ya mencionada
Lalonde de 1974, el planteamiento de los
“Renovación de la APS en las Américas” del
“Determinantes Sociales de la Salud (DSS)”
año 2005, comenzó a promoverse de forma
fue impulsado desde finales de la primera
sistemática el desarrollo y fortalecimiento de
década de este siglo, con el objetivo de lograr
redes de atención de salud como respuesta a
mejores impactos sobre las poblaciones.
la fragmentación que se profundizaba en los
Desde este abordaje, se buscaba integrar en
países de la región. En el marco de la de la XVII
la perspectiva sectorial a factores económicos,
Cumbre Iberoamericana de Ministros de Salud
educativos, ambientales, culturales y de
de 2007 se señaló la importancia y necesidad
género, tradicionalmente considerados como
de desarrollar redes basadas en la atención
externos al sector, como causas de parte de
primaria, financiadas por presupuesto público
las desigualdades sanitarias entre países
y que garantizaran una cobertura universal.
y dentro de cada país (Comisión sobre los
Recogiendo los problemas emergentes del
Determinantes Sociales de la Salud /OMS,
balance de las reformas neoliberales, se
2008, p. 1). Esta forma de concebir los
atribuía esta segmentación al predominio
problemas involucraba, necesariamente, a
de programas focalizados en enfermedades,
otros sectores cuyas acciones tienen impacto
riesgos y poblaciones específicas, la separación
directo sobre la situación de salud de una
de los niveles de atención como producto de
población determinada.
la descentralización de los servicios y a los
Contemporáneamente con estos
debates, la OPS/OMS recupera esta perspectiva
104
déficits en la cantidad, calidad y distribución
de los recursos.
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Luces y sombras sobre el territorio
Frente a estos problemas, la
acuerdo a las particularidades de cada estado
conformación de redes fue visualizada como
conforme los recursos disponibles (Dourado
una estrategia de integración de los servicios
y Mangeon Elías, 2011 y Dourado, 2010).
de salud. Aunque la noción de Redes Integradas
El caso argentino muestra experiencias
de Servicios de Salud (RISS) admite múltiples
que, recuperando el modelo de redes de
interpretaciones, la OMS (2008) ha formulado
servicios, desafían las complejidades de
una definición amplia, que comprende distintas
un sistema altamente fragmentado pero
modalidades de integración: “La gestión y
universal. Merecen destacarse la experiencia
entrega de servicios de salud de forma tal que
del Hospital El Cruce Alta Complejidad en
las personas reciban un continuo de servicios
Red, 4 el Programa Nacional de Cardiopatías
preventivos y curativos, de acuerdo a sus
Congénitas5 (incorporado desde hace más de
necesidades a lo largo del tiempo y a través
dos años al Plan Nacer) y el Programa FEASP
de los diferentes niveles del sistema de salud”
(Fortalecimiento de la Estrategia de Atención
(OPS/OMS, 2008, p. 9).
Primaria de la Salud)/ Remediar+Redes.
Nuevamente encontramos en
El recorrido realizado hasta aquí
Brasil y en Argentina ejemplos de esta
muestra distintos modelos y estrategias
perspectiva aunque con diferente nivel de
que han coexistido y continúan conviviendo
organicidad. Reconociendo los avances
en los planteos de la OPS / OMS. Estas
pero también las limitaciones que mostró
propuestas han interrogado y diagnosticado
la estructura municipalizada que resultó de
los problemas, delineando a su vez el diseño
la descentralización del SUS en Brasil, hacia
de posibles soluciones que se expresan en
principios de la década del 2000, a través de
distintas iniciativas en la región. Esta rápida
la Norma Operacional de Asistencia a la Salud
retrospectiva pone en evidencia continuidades,
(NOAS) se llevó adelante la regionalización
algunas rupturas e importantes núcleos de
como “estrategia necesaria para que el
complementariedad que podrían ser indagados
proceso de descentralización se profundizara
desde muy diferentes puntos de vista.
pari passu la organización de la red de
En este trabajo nos interesa
asistencia, dando mejor funcionalidad al
hacer foco en un aspecto que adquiere
sistema y permitiendo una provisión integral de
particular relevancia para el análisis de la
servicios a la población” (Dourado y Mangeon
implementación de la política de salud: las
Elías, 2011, p. 207). En ese nuevo contexto
distintas nociones de territorio que cobran
institucional, la esfera estadual pasó a ordenar
vida en estos planteos, los actores que se
el proceso de regionalización sanitaria con un
privilegian y que las sostienen y su capacidad
Plan Director de Regionalización, instrumento
de organizar desde las ideas la práctica en la
que traduciría la planificación regional de
implementación.
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Magdalena Chiara e Ana Ariovich
La emergencia de la
dimensión territorial
y sus actores
cómo ha ido apareciendo la cuestión territorial
y cuáles han sido los actores jerarquizados
en esa construcción. Retomamos, a modo
de ejemplo, algunas de las iniciativas de
Brasil y Argentina recuperando las nociones
Desde mediados del siglo pasado, las
de territorio implicadas en la práctica de las
directrices de la OPS/OMS han modelado
políticas.
la institucionalidad en salud, orientando
Los modos de conceptualizar la noción de
financiamientos, proponiendo formas de
territorio en el campo de las ciencias sociales
organización, apor tando instrumentos,
han ido progresivamente abandonando
definiendo competencias a desarrollar y
visiones espacialistas, moviéndose hacia otras
difundiendo modos de conceptualizar las
concepciones que dan cuenta de su carácter
políticas.
histórico (Dematteis y Governa, 2005 y Amin,
D e la s d is t in t a s a p r ox ima ci o n e s
2005). En esta última perspectiva, que destaca
posibles, retomamos una perspectiva del neo-
el carácter construido, dinámico, determinante
institucionalismo que enfatiza la relevancia que
y determinado del espacio por la acción de los
tienen los mapas cognitivos en el modelado de
actores,
las preferencias de los actores: concepciones
particulares del mundo que se encuentran
vinculada a los procesos culturales que dan
sentido a la acción. Desde esta interpretación,
[...] las instituciones son las convenciones
sociales ( comprendiendo en ést as
a los símbolos, ritos, costumbres y
significados) a partir de las cuales los
individuos interpretan el mundo que
los rodea y crean su concepción de
la realidad social. Los individuos son
socializados en una cierta perspectiva
del mundo, aprenden las convenciones
sociales y con ellas construyen una
forma aceptada de hacer las cosas; esto
uniforma el comportamiento y facilita la
interacción social. (Vergara, 2001, p. 2)
[...] la territorialidad [puede
entenderse]… como relación dinámica
entre los componentes sociales
( e conomía , cult ura , instit ucione s ,
poderes) y aquello que de material e
inmaterial es propio del territorio donde
se habita, se vive, se produce. (Dematteis
y Governa, 2005, p. 33)
Esta aproximación jerarquiza aquellos procesos
enlazados que se dan entre los actores (y sus
relaciones en el entramado) y el territorio, en
el seno de los cuales se inscribe el campo de la
política sanitaria.
Dado que el territorio es el escenario en el
que tiene lugar y se configura la fragmentación
y la inequidad de los sistemas sanitarios en
Desde esta perspectiva y retomando
América Latina, parece importante interrogar
conceptos de la geografía y del análisis
a las propuestas de la OPS / OMS en su
de políticas, resulta interesante interrogar
potencial para conceptualizar la cuestión
el derrotero que han seguido las
territorial, dando cuenta del alcance y de las
conceptualizaciones de la OPS/OMS acerca
insuficiencias que presentan para incorporar al
de la política sanitaria, poniendo el foco en
territorio en la agenda de salud.
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Luces y sombras sobre el territorio
La noción de control epidemiológico
en la región, jerarquizando a los Ministerios
nacionales.
El modelo denominado de “los programas
El territorio aparece en esta perspectiva
ver tic ales” es quizás uno de los más
como objeto de un control político y
cuestionados pero paradójicamente aquel que
epidemiológico en el contexto de la expansión
sobrevivió junto a otras orientaciones que se
y desarrollo de las instituciones centrales
sucedieron, denominadas – en oposición –
del Estado Social en la región; fundado
“aproximaciones horizontales”.
en diagnósticos que están asociados a la
Surgido en la postguerra en el periodo
tecnología disponible a difundir y en las
denominado llamamiento regional a las
normas que se deben aplicar. Con relación a
armas contra las enfermedades transmisibles,
esto último, un rasgo merece destacarse: la
el modelo de los programas verticales fue
construcción epidemiológica en función del
tributario de dos procesos: los adelantos
objetivo de erradicación de una enfermedad
científicos como el descubrimiento de las
tiene como consecuencia un territorio
vacunas y del DDT (Tobar et al, 2006, pp.
homogéneo, o bien la necesaria (en el
15-16) y el desarrollo de las instituciones del
contexto de esta forma de pensar la política)
Estado Social, caracterizado por la creación
simplificación de sus particularidades.
de una red pública subsidiada por y/o provista
Esta idea tiende a quebrarse con la
por el Estado, pero en el caso de América
reaparición de los casos de malaria y la
Latina con fuertes limitaciones territoriales
resistencia a las tecnologías conocidas,
(Andrenacci y Repetto, 2006, p. 10).
emergiendo entonces la heterogeneidad
Inscripto en una lógica top-down, este
del territorio y sus actores en las rutinas
modelo busca resolver (“erradicar” en el
y procedimientos. La realización de
planteo original y más extremo) un problema
diagnósticos y encuestas, la delimitación de
de salud a través de estrategias independientes
áreas/ problema, la aplicación de DDT para
que comprenden la fijación de normas de
interrumpir la transmisión, las campañas de
atención, la organización adecuada de los
prevención y el desarrollo de sistemas de
recursos y la racionalización del uso de la
vigilancia epidemiológica, son las rutinas e
tecnología, en el marco de un marco temporal
instrumentos que adoptan estos programas y a
adecuado (Tobar et al., 2006, p. 16).
través de los cuales se esbozan otras nociones
Estas ideas fuerza se traducen en una
fundadas en la complejidad y singularidad.
concepción mecanicista de la organización
sanitaria que jerarquiza el poder central,
en tanto responsable del entrenamiento
La participación como clave
y la gestión de los recursos humanos. La
posibilidad de disponer de la tecnología y la
Desde hace más de tres décadas y bajo el
vocación por hacerla accesible a la población
lema “salud para todos”, los organismos
afectada, convergen con el desarrollo de las
i n t e r na c i o n a l e s d e s al u d h a n v e n i d o
instituciones centralizadas del Estado social
sosteniendo que la Atención Primaria de la
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Salud (APS) es la herramienta primordial
a la participación activa de la familia, la
que disponen los gobiernos para mejorar la
comunidad, los referentes barriales, los agentes
accesibilidad a la atención y lograr la equidad
y promotores sanitarios, los organismos no
y la extensión de la cobertura de salud para
gubernamentales y las organizaciones sociales
todas las poblaciones de manera costo efectiva
para promover comportamientos y estilos
(OMS, 1978).
de vida saludables y mitigar los daños socio
Sin embargo, la im plement ación
ambientales sobre la salud.
eficiente o eficaz de esta estrategia supone,
Este entramado de actores se despliega
ya desde el documento de Alma Ata (1978)
en un “espacio de proximidad”, definido
en adelante, el desarrollo de ciertos requisitos
por la poblacional perteneciente al área
que van más allá de lo estric tamente
programática de inter vención. Se trata
tecnológico o vinculado con la infraestructura:
de un territorio vinculado a la noción de
un enfoque intersectorial y multidisciplinar de
“comunidad”; la APS se implementa y se
la atención, concebida de manera integral, y la
desarrolla como puerta de entrada con vínculo
participación de la comunidad con un enfoque
con la familia y la comunidad (OMS, 1978,
de derechos (OMS, 1978, punto IV).
punto VI): “un ámbito al que las personas
Varios años más tarde, La Renovación
de la Atención Primaria de la Salud en las
pueden llevar toda una serie de problemas de
salud” (OMS, 2008, p. 12)
Américas (2007) refuerza la necesidad de
Este “territorio de proximidad” se
dotar a la APS de una orientación familiar y
vuelve estratégico para la implementación,
comunitaria, acorde a las necesidades de salud
definiendo en simultáneo la demanda de
de una población definida, mecanismo para
prestaciones y creando posibilidades y
afrontar los nuevos desafíos epidemiológicos
condiciones en cuyo contexto cobran vida los
y mejorar las inequidades persistentes en la
procesos de atención integral.
atención de la población (OPS, 2007); la APS
Nuevamente, en la política sanitaria
reorienta la atención desde el tratamiento
d e B r a si l y A r g e n t i n a s e e n c u e n t r a n
de la enfermedad y la rehabilitación hacia
ejemplos de esta perspectiva. En el
procesos que contemplen también estrategias
Programa de Salud Familiar de Brasil,
de prevención y promoción de la salud.
subyace la noción de un territorio
En este marco, esta estrategia privilegia
“construido desde lo local”, de alcance
dos tipos de actores. Por una parte, jerarquiza
definido y cuya población está adscripta
el trabajo de los equipos multidisciplinarios
a un equipo básico sanitario responsable
del primer nivel, quienes adquieren
del desarrollo de actividades de promoción
responsabilidad sobre la población adscripta
y prevención (Suárez-Bustamante, 2010 ;
perteneciente a un territorio geográfico
H a r ze i m , 20 11) . U n e q u i p o d e s a l u d
delimitado por la proximidad (OMS, 2008).
integrado por profesionales y por agentes
Por otra parte, jerarquiza la colaboración
comunitarios es responsable activo (intra y
de nuevos actores en las dinámicas de la
extramuros de los servicios) de la situación
atención; desde el primer nivel se convoca
de salud del conjunto de las familias que
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Luces y sombras sobre el territorio
habitan ese territorio (Gomes-do-Espírito-
las propuestas de los “Sistemas Locales de
Santo et al., 2008; Schillig Mendoza, 2011).
Salud (SILOS)” y de “Municipios, Ciudades y
En el contexto argentino, la noción
Comunidades Saludables”, hicieron emerger
de “proximidad” está también presente en
el “territorio de lo local” trascendiendo así
distintas iniciativas enfatizando no sólo el
la noción de “proximidad” que jerarquizaba
fortalecimiento de los centros de atención
la APS.
primaria de la salud sino también las relaciones
L a propuest a de los SILOS es la
con otros actores. Distintos incentivos buscan
responsable de inaugurar en la región el
fortalecer la estrategia de APS en las distintas
ingreso de lo local al debate sanitario. En la
jurisdicciones a la vez que ordenar la práctica
XXXIII Reunión del Consejo Directivo de la
de los equipos municipales y estaduales
OPS del año 1991, se destacaba “la urgente
(provinciales en el caso argentino) hacia la
necesidad de acelerar la transformación de
responsabilización nominada de la población
los sistemas nacionales de salud, mediante el
en territorios delimitados. En aquellos
desarrollo y fortalecimiento de los sistemas
casos en que los servicios se encuentran
locales de salud (SILOS) como táctica operativa
municipalizados, el nivel local comienza a
de la estrategia de la atención primaria”
jugar en los procesos de gestión interpelando
(Paganini, 2008, p. 32). Su propósito principal
las fronteras de la proximidad y abriéndose a
fue impulsar la toma de decisiones en los
la lógica multi-escalar de la gestión.
sitios donde se generan los problemas y, por
consiguiente, propiciar la descentralización
de facultades y recursos hacia las instancias
La jerarquía del nivel local
periféricas. Recuperando trazos de los modelos
anteriores, una noción algo más compleja de
En las últimas décadas del siglo XX y principios
territorio está presente en la resolución de
del siguiente tuvo lugar en la región una
dicha reunión.6
revisión profunda de las competencias públicas
Una primera cuestión a destacar es
en el campo de la política social (Andrenacci y
que la noción del territorio delimitado desde
Repetto, 2007, p. 9), expresada en el sector
la epidemiologia se politiza poniendo el
salud por procesos de descentralización y
foco en la construcción de una “propuesta
de autarquía de los establecimientos que
geográfica poblacional (…) influenciada por
tuvieron lugar en un contexto caracterizado
las necesidades de la población definidas
por una franca expansión de la demanda
en términos de daños y riesgos” (Paganini,
(Almeida, 2002a y2002b; Fleury, 2001 y 2007;
2008, p. 21). El aspecto que diferencia más
Sojo, 2011).
claramente a los SILOS, es la invitación a dar
En el marco general de estas reformas,
las iniciativas para la reorganización de los
un “salto” hacia una escala más comprensiva,
el “territorio local”.
sistemas planteadas por la OPS delimitaron
A diferencia de la propue st a de
nuevos recortes espaciales para la política
“Municipios, Ciudades y Comunidades
sanitaria. Aunque con anclajes diferentes,
Saludables”, la iniciativa de los SILOS busca
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mantener la especificidad sectorial, con foco
desde múltiples dominios de la vida social:
en la atención. Pivoteando sobre el rol del
saneamiento, educación, trabajo, modos
Municipio como coordinador de distinto tipo
de vida, ambiente. En la complejidad de los
de articulaciones intrasectoriales entre niveles
factores comprendidos en esta perspectiva,
y con otros subsectores, e intersectoriales con
la acción intersectorial y la participación
otras áreas gubernamentales y con el sector
ciudadana son rasgos que distinguen el modo
privado (Paganini, 1999, p. 21). Aunque
de acción de la estrategia en el territorio local.
manteniendo un recor te sectorial, esta
En esta perspectiva, el territorio se construye
propuesta conceptualiza el territorio desde
política y socialmente con los ciudadanos,
otras dimensiones: la cuestión del poder, del
a través de la gestión democrática y del
Estado, del financiamiento y de la coordinación
fortalecimiento de la participación como
intergubernamental, se suman a la noción de
elementos esénciales.
“proximidad” y sus actores, complejizando así
el concepto de territorio.
En un esfuerzo por operacionalizar el
concepto de entorno saludable de cara a
Acorde al clima descentralizador de la
rescatar las contribuciones de esta estrategia
época en América Latina, la propuesta apuesta
para el cumplimiento de los Objetivos de
a que las instituciones locales asuman un papel
Desarrollo del Milenio (OPM),8 la propuesta de
estructurante de los SILOS. El territorio para
MCCS retorna a los espacios de proximidad y
esta propuesta es “o local; sin embargo, los
aparecen la vivienda, la escuela, los mercados
documentos refieren al espacio de actuación
y el trabajo, como entornos saludables desde
de los SILOS y llaman la atención acerca de
los cuales actuar e integrar sinérgicamente
la necesidad trascender las fronteras de lo
(OPS/OMS, 2006, p. 39).
municipal para dar cuenta de la densidad de
A diferencia de la propuesta de los SILOS,
los actores que juegan en esa arena (Paganini,
las referencias al contexto del sistema sanitario
2008, p. 33) así como la pertenencia orgánica
tanto nacional como de otros subsectores,
a un sistema nacional de salud como entidad
están ausentes en la estrategia MCCS; lo
global y la articulación en red de servicios
mismo sucede con los Estados nacionales. Los
interrelacionados (Paganini, 1999, p. 22)
actores jerarquizados son los gobiernos locales
Con el foco puesto en la gobernabilidad,
(con referencias explícitas a los alcaldes) y las
la iniciativa “Municipios , Ciudad e s y
Organizaciones No Gubernamentales (ONG) y
Comunidades Saludables” (MCCS) aporta
Organizaciones Sociales Comunitarias (OSC).
una noción de territorio más comprensiva
La delimitación de actores está hablando
tomando distancia de las cuestiones más duras
de una aproximación a la gobernanza de
7
del sector. Adaptándose a los escenarios de
las ciudades haciendo foco en el papel del
la descentralización en América Latina, la
municipio cooperando en redes con otros
propuesta busca aplicar la promoción de la
actores gubernamentales y de la sociedad.
salud a los contextos locales, jerarquizando
En ambas propuestas, el territorio
los procesos a través de los cuales es posible
ingresa a la agenda sanitaria jerarquizando lo
alcanzar una mejora en las condiciones de vida
local, aunque con recortes diferentes tanto en
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Luces y sombras sobre el territorio
relación a los dominios de la vida social como
a las escalas de análisis.
Delimitando desde
los problemas sociales
Estos planteos han permeado de
diferente modo a las políticas en los países
Las dinámicas sociales que caracterizan
de la región; los contrapuntos entre Brasil y
al nuevo siglo imprimen una complejidad
Argentina vuelven a mostrar diferencias. La
social, económica, demográfica y ambiental
descentralización y municipalización de la salud
sin precedentes, generando importantes
pública en Brasil da cuenta de la jerarquización
desafíos a la gestión de las políticas de
de los espacios locales, que comienzan a
salud, que se vuelven más dramáticos en
expresarse como territorios complejos y con
los países más pobres. Factores como el
mayores niveles de autonomía en articulación
envejecimiento de importantes sectores de
directa con los actores e instituciones
la población, el progresivo incremento de
sanitarias de la esfera regional. Se trata de
las enfermedades crónicas en detrimento
un territorio local fortalecido, pero cuya
de las infectocontagiosas, la incorporación
planificación y funcionamiento se ensambla –
de tecnologías diagnósticas y terapéuticas
intrasectorialmente – con el ámbito regional,
más sofisticadas y costosas, impac tan
a la vez que armoniza con los lineamientos
diferencialmente en los sistemas sanitarios
generales y las regulaciones que le confiere
de acuerdo a sus recursos, siendo fuente
la institucionalidad del federalismo en el
de importantes inequidades. Esta forma de
marco del SUS (Arretche, 2003; D'Ávila Viana
concebir el contexto en el cual la población
et al., 2009). En Argentina, las experiencias
experimenta sus problemas sanitarios,
de municipalización de los servicios de salud
abre una nueva perspectiva que enfatiza
muestran la complejidad del territorio local no
la influencia de los determinantes sociales
sólo en la dinámica política sino también en las
en la configuración del proceso de salud
dificultades para delimitar sus fronteras: desde
enfermedad (OMS, 2011, p. 2).
fuera del ámbito local, actores del subsector
Aunque los documentos relativos a la
público intervienen y condicionan las acciones
perspectiva de los Determinantes Sociales
de los denominados “actores locales” junto
de la Salud ( DSS) no hagan referencias
al sector privado y de la seguridad social. La
explícitas, el territorio se expresa a través
diversidad de experiencias descentralizadoras
de la enunciación de los factores sociales,
y la ausencia de una política ordenadora desde
económicos y políticos que impactan en los
el nivel nacional han dado lugar a importantes
perfiles epidemiológicos de las poblaciones. La
disparidades regionales, encontrándose una
preocupación por la desigualdad remite a un
multiplicación de respuestas locales de distinta
espacio donde se hacen visibles la desigualdad
calidad, eficiencia y equidad en el acceso a los
en las condiciones de vida de la población en
servicios (Chiara, Moro, Di Virgilio, Ariovich y
general y las condiciones de salud-enfermedad
Jiménez, 2011).
en particular, así como también la desigual
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Magdalena Chiara e Ana Ariovich
distribución de los recursos (Equipo de Equidad
Desde una visión topológica
en Salud de la Organización Mundial de la
Salud, 2005, p. 10)
Tras las reformas neoliberales, los primeros
Acorde con esta mirada estructural de
años de esta década renovaron en la región la
los problemas que demarcan y jerarquizan
expectativa acerca del rol de las instituciones
el territorio, los responsables de priorizar
estatales en los distintos sec tores ; la
estas recomendaciones son quienes formulan
intervención del Estado nacional a través de
e implementan políticas de salud a escala
políticas y programas con impacto en la calidad
nacional.
de vida de la población y destinadas a resolver
El núcleo de reflexiones, aportes y
las inequidades y desigualdades sociales, se
estudios en torno a la “salud urbana” avanza
hizo cada vez más frecuente en el conjunto de
de un modo más explícito en el análisis de las
los países latinoamericanos (Gudynas et al.,
particularidades que imprime el territorio en la
2008; Danani, 2009).
salud de los distintos entornos urbanos. Este
En este escenario, el desarrollo de
recorte historiza y localiza en el espacio el
Redes Integradas de Servicios de Salud
debate sobre la equidad, haciendo eje en las
(RISS) se introduce como un instrumento
brechas y en los circuitos de reproducción de
para que los Estados puedan asegurar una
la desigualdad en el territorio: “El enfoque de
atención más integrada, eficiente y equitativa
la equidad en salud urbana implica orientar
frente a los altos niveles de fragmentación
los esfuerzos hacia la reducción de las
de sus sistemas de salud. El diagnóstico de
diferencias en resultados y riesgos de salud
partida de estas propuestas avanzaba sobre
entre diferentes áreas urbanas y los grupos
distintos factores, pero básicamente hacía
humanos que las habitan” (OPS, 2008, p.
eje en las consecuencias de las reformas
40). Este enfoque recupera y problematiza
neoliberales: el predominio de programas
la dimensión política del territorio como
focalizados en enfermedades, riesgos y
determinante en la cuestión sanitaria e
poblaciones específicas; la segmentación de
incorpora a sus actores y a las relaciones
los niveles de atención como consecuencia
sociales que allí se despliegan:
de la descentralización de los servicios;
los problemas en la cantidad, calidad y
Estos marcos reconocen la complejidad
del proceso multinivel por medio del
cual los determinantes y los distintos
actores juegan un papel crítico en la
determinación de salud de los residentes
urbanos (…) Se incluye aquí la forma
en que los niveles de participación y
descentralización, las innovaciones
sociales y los intereses de los diversos
actores afectan la salud urbana. (OPS,
2008, p. 39)
112
distribución de los recursos; y la existencia
de culturas organizacionales contrarias a la
integración (OMS, 2007; OPS/OMS, 2008).
Este diagnóstico desafiaba a su vez las
autoridades sanitarias a resolver las tensiones
e ineficiencias resultantes de la coexistencia
(desarticulada) de las clásicas intervenciones
verticales con aquellas horizontales animadas
por el modelo de la APS.
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Luces y sombras sobre el territorio
Si bien las propuestas orientadas a la
de los servicios de salud es uno de los fines
conformación de redes alcanzan distintas
de la política que se ve condicionada por la
escalas, subyace en ellas una noción del
singularidad del sistema federal y la trama de
territorio orientada por propósitos casi
las relaciones intergubernamentales, factores
exclusivamente sanitarios, desde la cual
que configuran la complejidad del territorio
se integran (desde una lógica reticular)
desde el plano político institucional (Dourado
distintos ámbitos locales. Esta aproximación
y Mangeon Elías, 2011).
busca racionalizar y optimizar los recursos
Aún sin tener cobertura nacional, la
disponibles en cada región (frecuentemente
noción de “territorio en red” comienza a
escasos) para maximizar resultados.
permear distintas iniciativas de la política
Las redes de servicios dan lugar así a
sanitaria también en el caso argentino. Las
una nueva noción de territorio para diseñar
experiencias presentadas en el apartado
e implementar las intervenciones sanitarias
anterior abonan (desde la inversión en
que estructura en un mismo entramado
equipamiento, el pago por práctica médica,
a un conjunto disperso de efectores para
la mejora en infraestructura y el desarrollo
interrelacionar servicios con distinto nivel
de sistemas de información) a la articulación
de complejidad. Se trata de un territorio que
de los servicios de salud independientemente
presenta una lógica topológica, en donde
d e la ju r i s d i c c i ó n r e s p o n s a b l e d e la
los flujos y las redes de interacción surcan el
gestión ( nacional, est adual / provincial
espacio regional y conectan “a distancia”,
como municipal). El Hospital El Cruce Alta
permitiendo la continuidad de los recursos y las
Complejidad en Red coordina desde los
prestaciones en una escala mayor. Las redes
servicios de alta complejidad a cinco hospitales
posibilitan así – siguiendo a Dematteis (2002)–
y a 152 centros de salud en cuatro municipios
la coordinación, la colaboración y el diálogo
del sur del Gran Buenos Aires, mientras que,
con la globalidad, desde las coordenadas
con alcance nacional, los Programas de
propias y las necesidades específicas de cada
Cardiopatías Congénitas y Remediar+Redes
comunidad local.
buscan construir un territorio de la nodalidad
También en este caso las políticas
nacionales son caja de resonancia de
confiriendo distinta jerarquía al nivel estadual
(denominado provincial en el caso argentino).
estos planteos a la vez que espacios de
Este recorrido muestra que el territorio
reformulación desde la práctica. Partiendo de
ha estado y está presente en las orientaciones
una propuesta orgánica y con alcance nacional,
y prescripciones de la política sanitaria, aunque
la regionalización del SUS de Brasil supone
con ciertas insuficiencias para describir y
la necesidad de integración de los distintos
analizar la complejidad de la relación de mutuo
componentes del sector para garantizar el
condicionamiento que tiene lugar entre el
ejercicio efectivo del derecho a la salud en todo
territorio y los procesos de toma de decisiones
el país. En esta propuesta, la regionalización
de la política sanitaria.
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Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Un intento por recapitular
avances e insuficiencias
Los límites del esfuerzo
por simplificar la complejidad
Tal como se viene analizando, los distintos
El aspecto más destacado de esta forma
planteamientos que ha aportado la OPS/OMS
concebir el territorio de la acción sanitaria se
sobre los problemas de salud y las respuestas
relaciona con su capacidad para simplificar la
desde la política sanitaria, llevaron implícitas
complejidad. Dos caminos novedosos se abren
distintas nociones de territorio operando
desde esta perspectiva.
como “anteojos conceptuales” al momento de
su implementación.
El primero, tiene que ver con que la
política sanitaria deja de ser cuestión de
El recorrido realizado descompone
expertos para convertirse en un conjunto
la complejidad de la cuestión territorial
de procedimientos a ser cumplidos por
en distintos aspectos que son enfatizados
actores diversos ampliando así el alcance
diferencialmente por las estrategias y modelos:
territorial de la acción. En segundo lugar,
la noción de control epidemiológico presente en
esta forma de recuperar el territorio permite
los programas verticales, la participación como
construir y delimitar las fronteras a partir de
uno de los emergentes más evidentes de la crisis
un determinado problema sanitario, pasible
de aquel modelo y la constitución de la APS
de ser resuelto a través de la tecnología
como paradigma de intervención, la jerarquía
disponible.
del nivel local enfatizada en la propuesta
El p o t e n c i a l si m p l i f i c a d o r d e l a
de los SILOS y de Municipios, Ciudades y
complejidad del territorio que subyace a esta
Comunidades Saludables, la delimitación del
noción de territorio debe ser matizado en el
territorio desde los problemas expresado en el
plano empírico. Lo que es percibido como
enfoque de los determinantes sociales de salud
fortaleza desde el diseño en los niveles
y en las especificidades de la salud urbana y,
centrales con altos niveles de especialización,
más recientemente, la visión topológica del
re sult a insuf iciente en el nivel d e la
territorio, presente en la propuesta de Redes
implementación donde la especialización es
Integradas de Servicios de Salud.
mucho menor y la complejidad y multiplicidad
Estas nociones que devuelven las
orientaciones de la política sanitaria son
de actores y sectores involucrados se hace
evidente.
aportes que resulta necesario recuperar
En la implementación, los problemas
para pensar la relación entre política
“saltan las fronteras” del sector y ponen
sanitaria y territorio, detectando a su vez las
en cuestión a las variables epidemiológicas
insuficiencias que llaman a la necesidad de
como criterio exclusivo de delimitación de los
profundizar su conceptualización.
territorios objeto de políticas.
114
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 99-122, jan/jun 2013
Luces y sombras sobre el territorio
Sobre la necesidad de dar cuenta de
las distintas escalas de la participación
restringidas (caras al paradigma neoliberal)
que pueden conducir a una peligrosa auto
responsabilización de la población local acerca
En la atención primaria de la salud, el
territorio ingresa a la gestión de la política
sanitaria a partir de la delimitación de un
área programática que recoge, por un lado,
de los éxitos o fracasos en torno al acceso a
la atención, omitiendo otras escalas en las que
se despliegan importantes articulaciones del
entramado de actores.
las demandas particulares de las familias y,
por el otro, convoca a la participación activa
El desafío de politizar lo local
de la comunidad. El territorio se define como
un espacio físico de continuidad, donde los
Lo local aparece en la agenda sanitaria
vínculos se determinan por relaciones de
como una perspectiva que integra por
proximidad.
primera vez en las propuestas de OPS/OMS,
La escala espacial de lo local sobre
distintos aspectos de la cuestión territorial.
la que descansa esta propuesta es la que
Sin abandonar la especificidad sanitaria,
posibilita los contactos y la cooperación entre
la propuesta de los SILOS lleva de manera
los actores involucrados en los procesos de la
bastante explícita una noción de territorio
atención de la salud; la dimensión territorial
que parte de una mirada epidemiológica y
emerge como una herramienta que permite
la puebla de actores, jerarquizando el papel
a las comunidades definir sus necesidades y
de coordinación del gobierno local en un
derechos.
espacio que necesariamente debe trascender
No obstante su utilidad y pertinencia,
la escala de proximidad. La noción de territorio
un recorte circunscripto a lo próximo y que
implícita en la estrategia de Municipios,
presupone la interacción fluida entre actores
Ciudades y Comunidades Saludables (MCCS)
(o potenciales actores) en presencia de un
es más amplia y está asociada al concepto de
conjunto dado de recursos locales, corre el
promoción de la salud.
riesgo de aislar a la comunidad del contexto
Ambas propuestas comparten la noción
mayor y desatender a la incidencia de otros
de lo local como el lugar de realización
actores (cuya acción no necesariamente está
de las necesidades de la población y de
localizada en el territorio de proximidad) pero
consenso entre los actores. Sin embargo,
que también intervienen en el desenlace de la
una mirada atenta acerca del entramado que
política sanitaria.
constituye al territorio permite reconocer –
Cabe resaltar además, que si bien la
en estas propuestas – distintas formas de
inclusión de la familia y la comunidad como
conceptualizarlo. En un caso, la propuesta de
un actor clave del territorio en los procesos de
los SILOS pone el foco en la responsabilidad
atención primaria es – sin dudas – un aporte
sanitaria y establece un recorte sectorial
novedoso y valioso de la propuesta de la APS,
más preciso, recuperando la complejidad
esta premisa ha derivado en las versiones más
de las relaciones entre subsectores y con el
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Magdalena Chiara e Ana Ariovich
conjunto del sistema nacional de salud, que
sanitarias en los territorios particulares, no se
operan en un territorio. En el segundo caso,
jerarquiza el rol de los actores que intervienen
la noción de local que dibuja la estrategia de
más activamente. De los documentos se
MCCS es más comprensiva y menos sectorial
desprende una noción de territorio sin actores
al tiempo que se permite realizar un recorte
explícitos, ya que no hay mención específica a
más nítido de lo local y sus actores, con escasa
autoridades locales responsables o referencias
problematización de las otras escalas que
al sector salud y a sus efectores locales, como
operan en un territorio.
así tampoco a sujetos de la comunidad sino que
Sin desconocer la significativa
contribución de estas propuestas para pensar
la equidad sanitaria es una responsabilidad
compartida (OMS, 2011, p. 1).
la cuestión territorial en la política sanitaria,
Destacando el salto a la complejidad
quedan planteadas algunas cuestiones de las
que esta perspectiva supone para el análisis,
cuales dar cuenta en el análisis de lo local y
define una agenda demasiado abierta en la
que aluden a cómo se juegan las relaciones
que las responsabilidades de los distintos
intergubernamentales en el territorio, si la
actores del sector quedan diluidas en el
escala de los actores se corresponde con la
conjunto de los determinantes. Los desafíos
escala de la representación ciudadana, cuál es
pasan por la agenda de la coordinación,
el rol de las instituciones estatales por sobre el
interjurisdiccionalidad e intersectorialidad
municipio para garantizar el ejercicio efectivo
en tanto medios para una integralidad
del rol de coordinación. Sin duda se trata
de abordaje que la perspectiva de los
de preguntas que trascienden a la cuestión
determinantes demanda.
territorial pero que pueden ser ocultadas
por estereotipos excesivamente optimistas
que jerarquizan lo local sin problematizar las
complejas relaciones entre escalas que en
estos espacios tienen lugar.
La virtualidad del territorio
en la búsqueda de instrumentos
de políticas
La iniciativa en torno al establecimiento de
Actores difusos
en un escenario complejo
redes de servicios de salud adopta una visión
más sistémica y menos fragmentada del
territorio, donde distintos flujos de interacción
La propuesta de los determinantes sociales
y complementariedad vinculan y articulan un
focaliza su atención en las condiciones sociales
conjunto disperso de servicios y prestaciones
y estructurales que determinan la salud de las
de diferente complejidad y/o especialización
personas en los distintos territorios, dejando
en un mismo espacio, que esta vez alcanza una
en un segundo plano los factores de riesgo
escala regional.
individual.
En este esquema se resignifica la
Si bien desde este planteo se da cuenta
jerarquía del hospital en su papel para articular
de la complejidad inherente a las cuestiones
y articularse en el conjunto de la red, en cuya
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Luces y sombras sobre el territorio
dinámica se cualifica a un territorio más amplio
espacialistas, proponiendo concepciones
que recoge la existencia de distintas escalas.
que dan cuenta de su carácter histórico. Sin
La APS se convierte en la estrategia
embargo, la sola invitación a desnaturalizar
desde la cual las autoridades regionales y
el carácter meramente espacial y dado del
centrales pueden lograr una integración
territorio no parece ser suficiente para hacerlo
funcional del territorio para las intervenciones
operativo como dimensión en el análisis de la
sanitarias (OPS/OMS, 2011b).
política sanitaria.
En esta propuesta el territorio se
La revisión realizada en este trabajo
transforma – siguiendo a Brugué et al. (2002)
fue recuperando las nociones de territorio
– en un complejo espacio virtual y dinámico,
que subyacen a los planteos de la OPS /
flexible a los intercambios. Las distancias
OMS, organismo que orientó parte de las
físicas y operativas se relativizan, posibilitando
políticas en la región. Con distinto énfasis y
una continuidad adecuada a las necesidades
delimitación, estas nociones han buscado
de los procesos de atención de la salud y a
poner el foco en los procesos enlazados que
una mayor racionalización y optimización de
se dan entre los actores, la estructura social
los recursos disponibles.
y el territorio, en cuyo contexto se inscribe la
En esta propuesta los desafíos son
política sanitaria.
menos conceptuales que operativos. Pensar
Aún destacando el aporte de cada
las acciones en salud desde esta perspectiva
perspectiva, el recorrido realizado en este
supone orientar la implementación, el
trabajo muestra también las insuficiencias de
diseño de los instrumentos y las inversiones,
estos planteos y la necesidad de construir un
considerando al territorio configurado por las
marco conceptual que, abrevando también
redes como unidad de intervención.
en la geografía y en el análisis de políticas
Finalizando, los modos de conceptualizar
públicas, pueda dar cuenta de la especificidad
la noción de territorio en el campo de las
sanitaria de esta articulación entre actores,
ciencias sociales fue abandonando visiones
estructura social y territorio.
Magdalena Chiara
Licenciada en Ciencias Antropológicas y doctoranda en Ciencias Sociales. Docente Investigadora
Asociada del Área de Política Social del Instituto del Conurbano UNGS. Los Polvorines/Provincia
de Buenos Aires, Argentina.
[email protected]
Ana Ariovich
Mágister en Sociología Económica, Docente Investigadora Asistente del Área de Política Social del
Instituto del Conurbano – UNGS. Los Polvorines/Provincia de Buenos Aires, Argentina.
[email protected]
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Magdalena Chiara e Ana Ariovich
Notas
(*) El trabajo se realiza en el marco de la inves gación colec va “El territorio en la agenda sanitaria:
instrumentos y modos de ar culación en el subsector público en el Gran Buenos Aires” que
comenzó a desarrollarse en el Ins tuto del Conurbano de la UNGS en el año 2010.
(1) www.saude.gov.br/atencaoprimaria
(2) h p://www.remediar.gov.ar/
(3) La descripción de la propuesta de los Sistemas Locales de Salud está realizada con base a Paganini,
1999.
(4) h p://www.hospitalelcruce.org/pdf/planestrategico.pdf
(5) h p://www.plannacer.msal.gov.ar/index.php/pages/incorporacion-de-cirugias-de-cardiopa ascongenitas
(6) Resolución de la XXXIII Reunión del Consejo Directivo de OPS/OMS del año 1991, titulada
“Desarrollo y Fortalecimiento de los Sistemas Locales de Salud, SILOS-10”.
(7) Esta estrategia reconoce como antecedente el Movimiento Europeo de Ciudades Saludables
Mediados de mediados de la década de los 80, particularmente importante en el proceso
de recuperación de los Ayuntamientos Democráticos en España. Constituyó una forma de
operacionalizar la “Carta de Ottawa para la Promoción de la Salud” de 1984 y se formalizó
en 1998 en la Declaración de Atenas para las Ciudades Saludables. Declaración del Director
Regional de la OMS para Europa (Llorca, 2010).
(8) Se trata de un conjunto de ocho propósitos de desarrollo humano que en el año 2000, los 192
países miembros de las Naciones Unidas acordaron alcanzar para 2015. Dada la naturaleza del
acuerdo, interpelaron a los dis ntos organismos de las UN y a sus estrategias.
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Texto recebido em 14/set/2012
Texto aprovado em 20/nov/2012
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A insustentável natureza
da sustentabilidade. Da ambientalização
do planejamento às cidades sustentáveis
The unsustainable nature of sustainability. From the
environmentalization of planning to sustainable cities
Ester Limonad
Resumo
Nas duas últimas décadas, a questão ambiental e
da sustentabilidade passou a integrar e converteu-se em um fator emblemático de legitimação dos
discursos e práticas do planejamento urbano e regional. Uma das evidências mais palpáveis dessa
convergência do planejamento e da sustentabilidade é a proposta de cidades sustentáveis da Organização das Nações Unidas, que surgiu ao início
da década de 1990. Sua adoção por mais de trinta
países torna urgente uma leitura crítica do desenvolvimento sustentável e da natureza da ambientalização do discurso do planejamento, que contribua
para se avançar rumo à construção de uma economia política do espaço e a uma prática de planejamento, que instrumentalize a participação social
em uma perspectiva transformadora.
Abstract
During the last two decades, sustainability and
environmental issues have become an integral
part and an emblematic legitimating factor of
urban and regional planning discourses and
pratices. The United Nations’ sustainable cities
programme, created during the 1990s, is one of
the most tangible evidences of such convergence
between planning and sustainability. As it has
been adopted by more than thirty countries,
it is necessary and urgent to perform a critical
reading of sustainability and of the nature of the
environmentalization of the planning discourse, so
as to move towards the construction of a political
economy of space and of a territorial planning
pratice that aims at social transformation.
Palavras-chave: questão ambiental; política do
espaço; sustentabilidade; cidades sustentáveis;
planejamento.
Key words : environmental issues ; politics
of space ; sustainabilit y; sustainable cities;
planning.
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Ester Limonad
"O mundo pode ser mais sustentável!"
metrópoles sustentáveis e a preservação am-
"Insira a sustentabilidade no seu dia a dia com
biental. Sem dúvida, a sustentabilidade con-
1
o Santander". Quando lemas desse tipo apa-
verteu-se em uma obsessão generalizada, das
recem em sítios eletrônicos de bancos, de cor-
populações indígenas ao Banco Mundial, bem
porações multi e transnacionais, simultanea-
como uma ampla gama de grupos diversos
mente ao pipocar de testes em redes sociais
entre os quais se contam desde órgãos de go-
contemporâneas ( Facebook, Twitter, etc.)
verno a empresas multi e transnacionais: todos
e em revistas de negócios, esportes, moda
se declaram favoráveis em preservar a nature-
e, inclusive, eróticas, destinados a avaliar se
za e a lutar pelo desenvolvimento sustentável.
"você é sustentável?", pode-se concluir que
Sem embargo cada qual se proponha a fazê-lo
a ideia da sustentabilidade invadiu de forma
com base em agendas e interesses diferentes e
avassaladora o cotidiano e a reprodução das
por vezes totalmente contraditórios, sem che-
diferentes esferas sociais. Em todos lados, em
gar a explicitar claramente o que entendem por
todas partes, tornou-se lugar comum falar em
desenvolvimento e muito menos o que enten-
sustentabilidade. O termo, associado nas duas
dem por sustentabilidade. Partem, assim, mui-
últimas décadas do século XX à questão am-
tas vezes do pressuposto de que isso está claro
biental, por seu caráter aparentemente neu-
e subentendido em suas propostas.
tro, acrítico e acima de interesses de classe
Este ensaio tem por norte destacar as
(Rodrigues, 2006, p. 112) rapidamente se con-
contradições entre desenvolvimento, apropria-
verteu em um sucedâneo da ideia de um mun-
ção privada da natureza e os discursos sobre a
do melhor, um mundo sustentável. Em decor-
sustentabilidade, em particular os discursos re-
rência, passa a ser adotado, de forma indis-
lativos à sustentabilidade do desenvolvimento
criminada, para adjetivar propostas, práticas e
e do planejamento. Discursos que soem servir
coisas, como uma forma de legitimação e de
de suporte a questões relativas à gestão dos
reforço positivo. O corolário é a multiplicação
recursos hídricos, a bioengenharia de semen-
exponencial de práticas sustentáveis, de ati-
tes, ao crédito de carbono e a apropriação da
vidades de turismo sustentável, de propostas
biodiversidade por parte de alguns países do
de gestão sustentável de espaços naturais e
mundo em detrimento de outros (detentores
sociais e, como não poderia deixar de ser, de
ou não de biodiversidade e tecnologia). Insere-
cidades sustentáveis.
-se, portanto, em uma perspectiva crítica de
Embora as opiniões divirjam e permaneça
construção de uma economia política do espa-
obscuro o que seria a sustentabilidade, plane-
ço, que contribua para aclarar e compreender
jadores, arquitetos, urbanistas, ambientalistas,
as relações sociais de produção e as necessi-
geógrafos, advogados e outros profissionais
dades que se impõem para sua reprodução na
passaram a defender as cidades sustentáveis,
contemporaneidade.
124
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
A insustentável natureza da sustentabilidade
Algumas novas
velhas questões
capital e a reprodução de grupos sociais não
hegemônicos, entre a dominação e a apropriação social do espaço. Com base nessa contradição irrompem conflitos sociais diversos em
Desmatam-se florestas, em seu lugar plantam-
disputa pelos meios que garantam sua sobrevi-
-se outras árvores, eucaliptos, pinheiros ou mo-
vência e reprodução. Esses conflitos perpassam
noculturas alienígenas. Explora-se petróleo em
a questão ambiental contemporânea e permi-
alto mar em campos marítimos com nomes su-
tem vê-la como parte integrante da reprodução
gestivos como jubarte, garoupa, etc. Não se tra-
social e da produção social do espaço, como
tam de homenagens à fauna marinha, mas de
uma expressão da relação sociedade-natureza
justificar a exploração de petróleo ou gás na-
e das formas de apropriação social do espaço
tural em áreas de reprodução desses animais,
necessárias à reprodução de uma dada socie-
alguns ameaçados de extinção. No âmbito do
dade (Lefebvre, 1991). A questão ambiental,
agronegócio se comercializam a preços eleva-
assim, pode ser entendida em estreita relação
dos produtos orgânicos, isentos de produtos
com os processos sociais constitutivos de cada
nocivos, embora produtos transgênicos mais
sociedade e com a produção social do espaço
baratos vicejem em diversos lugares. Os quais
geográfico (Santos, 1985).
podem colocar em risco através da polinização
Neste contexto, parafraseando Rodrigues
a reprodução de plantas com sementes, apesar
(1998), a ideia de sustentabilidade ao ser as-
das proibições e interdições adotadas por al-
sociada sem critérios e de forma indiscrimina-
guns países.
da à questão ambiental contribui para “jogar
Essas ações, além de serem comprova-
uma cortina de fumaça sobre estas contradi-
damente desastrosas em termos ambientais
ções, pois não propõe alterações nos modos de
para a fauna e flora nativas, afetam as con-
produzir e de pensar do modelo dominante”.
dições necessárias à sobrevivência de popula-
Por outra parte, a sustentabilidade aparece
ções nativas. Pois, ao transformar-se suas pos-
como uma pedra de toque de caráter dúbio, à
sibilidades e formas de apropriação do espaço
medida que diferentes atores e agentes, desde
social altera-se a espacialidade das relações
intelectuais a técnicos de governo e de insti-
que esses grupos sociais estabelecem com o
tuições diversas, se propõem a defendê-la e
meio para se reproduzir e sobreviver. O consu-
passam a adotá-la quase que como epítome
mo crescente do espaço, ao mesmo tempo em
de uma sensibilidade ambiental. Um exemplo
que propicia a manutenção e sustentabilidade
nesse sentido encontra-se na esfera empresa-
do desenvolvimento do capitalismo na con-
rial e corporativa, que se manifesta no esforço
temporaneidade, contribui para destruir a base
de empresas de diversos ramos industriais, do
de subsistência e de reprodução de grupos na-
comércio e de serviços de conquistarem selos
tivos originários.
de certificação ambiental, que abrangem desde
Evidencia-se, assim, a contradição
os certificados ISO 140002 aos selos verdes ou
básica entre a produção de valores de tro-
outras rubricas encaradas como política e am-
ca e valores de uso, entre a reprodução do
bientalmente corretas.
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125
Ester Limonad
Jamais na História, os Estados nacionais,
a teoria social crítica (Lopes, 2006, p. 34), ao
as corporações multi e transnacionais estive-
envolver, a um só tempo, instituições interna-
ram tão preocupados em se mostrar ambiental-
cionais, Estados nacionais, diferentes esferas
mente sensíveis como na contemporaneidade.
de poder e distintos agentes e atores sociais,
Urge entender o caráter dessa preocupação.
cada qual com interesses e concepções pró-
Há que se explicitar que as certificações e ró-
prias, permite sua complexificação em diversas
tulos ambientais além de serem elementos
escalas. Um exemplo nesse sentido é o conflito
de competividade no âmbito do marketing
que perpassa hoje a proteção da biodiversida-
de marcas e produtos, são uma expressão da
de, campo de enfrentamento entre proposições
guerra de patentes e confrontos sociopolíticos
decorrentes do regime de proteção de patentes
travada em escala internacional entre corpo-
e as demandas sociais relativas ao "reconheci-
rações multinacionais, Estados nacionais e
mento da particularidade do estatuto de bem
diferentes grupos sociais. Evidenciam, dessa
comum para os saberes tradicionais e autócto-
maneira, o confronto clássico entre o saber fa-
nes" (Milani, 2008, p. 291).
zer (know-how, savoir faire) e o conhecimento
Nesse sentido, retomando Milton Santos
(knowledge, connaissance), entre formas arrai-
(1985, 1996) e Henri Lefebvre (1991), pode-se
gadas de apropriação social e formas capitalis-
dizer que a questão ambiental refere-se à ma-
tas de dominação e transformação do espaço
nifestação de um aspecto das diferentes esfe-
social. Confronto esse passível de ser entendi-
ras da reprodução social e das relações sociais
do, com base em Lefebvre (1991), como mais
de produção. Um aspecto que, embora estives-
um aspecto da materialização do conflito geral
se sempre presente, até a emergência da preo-
entre os domínios do vivido e do concebido,
cupação ambiental durante a década de 1980,
entre espaços de representação e representa-
foi pouco explicitado e explorado no âmbito de
ções do espaço, que tem por base a contradi-
alguns ramos das ciências humanas.
ção básica entre valor de uso e valor de troca.
Trata-se, então, da conformação de uma
Confronto que Boaventura de Sousa Santos
nova questão social? Essa indagação já preo-
(2006) define, por sua vez, como zonas de con-
cupou outros autores (Costa, 2000; Steinberger,
tato e de conflito intercultural.
2001). De uma perspectiva dialética pode-se
A adoção indiscriminada e sem discer-
dizer que sim, se se entender por novidade a
nimento no âmbito técnico-institucional, por
inserção da dimensão ambiental na reflexão
governos e empresas, da ideia de sustentabili-
sobre a questão social contemporânea. Ao
dade como um sinônimo ou sucedâneo isento
mesmo tempo, pode-se dizer que não, pelo fato
de contradições e conflitos da questão ambien-
de problemas e questões ambientais eventual-
tal, contribui para ideologizar a questão socio-
mente atravessarem os conflitos sociais, embo-
espacial (ver a respeito Rodrigues, 1998) e, ao
ra sem constituir propriamente o foco da refle-
mesmo tempo, faz com que se perca de vista
xão. Ignora-se, assim, pelo sim e pelo não, que
seu caráter complexo e transescalar. Pois, a am-
por seu próprio caráter e condição a questão
bientalização da questão social, entendida aqui
social desde sempre foi e é também uma ques-
como a incorporação da dimensão ambiental
tão ambiental. Seja por seu caráter espacial,
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
A insustentável natureza da sustentabilidade
pois as coisas sempre acontecem em algum
tecnológico, à eficiência econômica e ao cresci-
lugar, seja pelo fato de que a própria reprodu-
mento sem riscos" (Milani, 2008, p. 292).
ção social presume historicamente uma relação
Por conseguinte, além de se converter
sociedade-natureza e uma concepção de na-
em um fator emblemático de legitimação de
tureza, pois o espaço, o ambiente, a natureza
diferentes práticas sociais, a questão ambiental
sempre integraram e integram, desde sempre,
passa a integrar e a perpassar os discursos do
como base, suporte e meio, as diferentes esfe-
planejamento e do desenvolvimento urbano e
ras de reprodução social (Lefebvre, 1991), que
regional. Portanto, não só a produção teórica
presumem intrinsecamente, cada uma per se,
mas a prática de planejamento defrontam-se
uma concepção e forma de apropriação da na-
na contemporaneidade com um impasse em
tureza. Portanto, interpretar a incorporação e
que é necessário integrar a dimensão social e
institucionalização da problemática ambiental
ambiental – à medida que ambas integram a
como “a construção de uma nova questão so-
produção social do espaço (social).
cial e uma nova questão pública” (Lopes, 2006,
Cabe, portanto, uma leitura crítica da
pp. 34-35), implica ignorar que a ambientaliza-
incorporação da ideia de sustentabilidade ao
ção, ao invés de gerar uma nova questão so-
planejamento e seu desdobramento prático
cial, evidencia uma dimensão da problemática
em projetos de intervenção como as cidades
social relacionada desde sempre à reprodução
sustentáveis, de modos a termos elementos
social. Assim, a ambientalização da questão
que nos permitam avançar rumo à construção
social deve ser compreendida como uma ex-
de uma economia política do espaço e a uma
plicitação dos conflitos que hoje atravessam a
prática crítica de planejamento territorial, que
reprodução social em torno da relação socieda-
instrumentalize a participação social em uma
de-natureza, o que permite entendê-la como
perspectiva transformadora.
parte integrante das arenas de enfrentamento
entre capital e trabalho na contemporaneidade
(Offe, 1984).
A questão ambiental, ao impor dialeticamente limites ao desenvolvimento capitalis-
A ambientalização
do planejamento
ta, em nome da preservação da natureza, seja
para as gerações futuras ou como reserva de
Se a incorporação da dimensão ambiental apa-
valor para o próprio desenvolvimento futuro
rece como uma novidade no âmbito do pla-
do capitalismo, evidencia a contradição entre
nejamento, a preocupação com a gestão dos
interesses sociais localizados e interesses priva-
recursos naturais marca inclusive as primeiras
dos, entre reprodução social e acumulação de
tentativas de se definir o planejamento, de um
capital. A desconstrução da questão ambiental
ponto de vista técnico e neutro, na perspectiva
contribui, dessa maneira, para explicitar seu
de contribuir para o desenvolvimento social e
caráter geopolítico e estratégico para o desen-
econômico após a segunda guerra mundial.
volvimento do capitalismo, bem como eviden-
Em uma recuperação do papel do gru-
cia "numerosos mitos relativos ao progresso
po "Economia e Humanismo" do Padre Louis
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
127
Ester Limonad
Joseph Lebret e seus colaboradores, durante as
planejamento territorial contemporâneo, ao de-
tentativas de recomposição econômica e so-
finir que "o planejamento é um processo de or-
cial de Lyon, na França do pós-guerra, Olivier
denamento e previsão para conseguir, median-
Chatelan (2008, p. 108) aponta o surgimento
te a fixação de objetivos e por meio de uma
das primeiras evidências de um discurso vol-
ação racional, a utilização ótima dos recursos
tado para o planejamento do território. Dos
de uma sociedade em uma época determina-
embates latentes entre abordagens marxistas
da” (Cinva, 1960).
e o enfoque social humanista de especialistas
Essas definições pioneiras de planeja-
da Igreja católica é elaborada, entre 22 e 28
mento, além de serem portadoras de diferentes
de setembro de 1952, a Lettre de la Tourette.
visões e interesses, carregavam em si mesmas
Já, então, entre os colaboradores do grupo,
alguns problemas. A começar pela ideia de
destaca-se a contribuição da geografia aplica-
ação racional, que marcou várias propostas
da voluntarista de Jean Labasse (1973), bem
e práticas de planejamento daquele período
como seus estudos sobre a região de Lyon
(1950-1960).
(Chatelan, 2008, p. 117). De forma inovadora
Primeiro, pela inexistência de ações
para a época, esse documento propunha que
puramente racionais, por ser impossível elen-
o ordenamento territorial fosse pensado como
car a um só tempo todas as variáveis e suas
o resultado de uma reflexão-ação coletiva na
consequências como demanda a proposta ra-
perspectiva da transformação social, ao mesmo
cional; segundo, pelo fato de a realidade em
tempo em que se contrapunha à intervenção
estudo não permanecer estática e imutável
tecnocrática centralizada e às iniciativas de ca-
durante o processo de análise, diagnóstico
ráter estritamente local. O documento salienta-
e prognóstico, conforme requer a proposta
va, ainda, de forma pioneira, a necessidade de
do modelo racional-global de planejamento
um desenvolvimento que conjugasse as ques-
(Etzioni, 1973). Esse modelo racional-global
tões sociais e culturais às metas econômicas.
de planejamento, elaborado no Massachusetts
A intenção, então, era através de uma análise
Institute of Technology (MIT) durante o alvo-
racional prévia do território alcançar “a utiliza-
recer da Guerra Fria, no início da década de
ção ótima dos recursos, valorizar a terra, equi-
1950, embora relegado a um segundo plano
par o espaço de modo a possibilitar o desen-
nas práticas de planejamento, tem sido privi-
volvimento humano” (Chatelan, 2008, p. 108).
legiado nos estudos de impacto ambiental.
Anos mais tarde, em 1958, a Carta de
los Andes, elaborada no "Seminário de Técnicos e Funcionários em Planejamento Urbano",
realizado na cidade de Bogotá – Colômbia,
sob os auspícios do Centro Interamericano de
Vivenda e Planejamento – (Cinva, 1960), descartava os aspectos socioculturais almejados
pela Lettre de la Tourette e propunha uma das
primeiras definições oficiais sobre o que seria o
Seu caráter enciclopédico e multidisciplinar
128
possibilita incorporar diferentes conjuntos de
variáveis, mensuradas em uma matriz de dupla
entrada com ponderações tipo custo-benefício.
A matriz de Leopold e de seus colaboradores
(1971) constitui um exemplo paradigmático da
metodologia adotada em diversos estudos de
impacto ambiental no Brasil e em outros países. Embora a matriz procure contemplar todas
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A insustentável natureza da sustentabilidade
as variáveis, as atribuições de valor são feitas
Através de um discurso técnico concernente à
de forma mecânica com ponderações subjeti-
alocação adequada dos recursos escassos pa-
vas, muitas vezes relacionadas aos interesses
ra o bem-estar humano, se subsumia a domi-
em jogo. O que acarreta problemas e conflitos
nação da natureza à lógica do mercado. Esse
de diversas ordens ao se incorporar a variável
discurso, em aparência neutro e em nome de
humana e social, reduzida muitas vezes a uma
um pretenso bem comum, servia para mascarar
variável antrópica, como se os seres humanos
a dominação hegemônica exercida através das
fossem formigas.
relações de produção sobre os trabalhadores e
À complicação introduzida pela ação ra-
a natureza. Dominação necessária para garan-
cional soma-se a “utilização ótima” que, por si
tir a própria existência e de desenvolvimento
mesma, remete a outro problema: ótima para
do capitalismo.
quem, segundo quais critérios e segundo que
O que mudou de lá para cá?
interesses? Em síntese, a “utilização ótima”
Qual o segredo do sucesso da persistên-
depende dos objetivos, que por sua vez são
cia e sustentabilidade do desenvolvimento do
estabelecidos por quem promove o planeja-
capitalismo? O segredo do sucesso do capita-
mento. De fato, o processo de planejamento
lismo reside não apenas em sua constante rein-
é variável e depende de quem o promove: o
venção, como a mitológica fênix que sempre
Estado, as corporações ou grupos sociais com
ressurge de suas próprias cinzas, mas, também,
interesses específicos. Além disso, há que se
em sua capacidade de articular, organizar, su-
considerar, que muitas vezes mesmo a partici-
bordinar, controlar e gerir países diversos em
pação é planejada no processo de planejamen-
um único sistema global, em que as dimensões
to (Limonad, 1984).
econômicas, sociais e ambientais da reprodu-
Enfim, a proposta de utilização ótima dos
ção social se interpenetram e confundem, co-
recursos naturais no processo de planejamento
mo assinala Arturo Escobar (1995, p. 71). Insti-
pode ser vista como um vínculo precoce do pla-
tuições internacionais como o Banco Mundial,
nejamento com a questão ambiental, ainda mais
o Fundo Monetário Internacional, a Organiza-
ao se substituir o termo ótima por sustentável.
ção Mundial do Comércio, a Organização dos
Essas concepções e ideias orientaram
Países Produtores de Petróleo, a Organização
a prática de planejamento no Brasil ao longo
Econômica dos Países Desenvolvidos (OECD),
de quase quatro décadas, a partir da segunda
entre outras, contribuem para a manutenção
metade do século XX, quando o planejamento
e para o exercício desse controle por meio do
estatal sequer se preocupava com os aspectos
incentivo ou implementação de políticas de de-
sociais e muito menos com os atores e agentes
senvolvimento econômico e de industrialização
diretamente envolvidos (Lamparelli, 1982).
em diversos países (Escobar, 1995, p. 71).
No entanto, mesmo a ideia de uma ges-
Nessa perspectiva de exercício da hege-
tão ótima dos recursos naturais tem sua ori-
monia, obliteram-se as lutas e conflitos sociais
gem nas concepções liberais da economia polí-
que foram, em parte, responsáveis pelo surgi-
tica do capitalismo do século XIX, inspiradas no
mento da ideia de desenvolvimento susten-
pensamento de Locke (Harvey, 1996, p. 131).
tável. A visão que vigora e prevalece é que a
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129
Ester Limonad
origem da ideia de desenvolvimento susten-
outro, interesses corporativos e governamen-
tável residiria nas discussões iniciadas com a
tais que atendem à lógica de reprodução do
Conferência da Biosfera, promovida pela Unes-
capital em escala global.
co em 1968, a qual se seguiu o Relatório de
A noção de desenvolvimento sustentável
Dennis Meadows: “Os limites do crescimento”,
surge, dessa forma, da necessidade que essas
divulgado em 1972 na Conferência das Nações
lutas sociais e demandas de organizações não
Unidas em Estocolmo. Esse relatório foi finan-
governamentais e de comissões das Nações
ciado por um bloco de corporações industriais
Unidas impuseram de se rediscutir a concep-
(Fiat, Olivetti, Volkswagen, Ford), políticos e
ção, então vigente, de desenvolvimento (Mela
cientistas de vários países, que se formou em
et al., 2001, pp. 80-81).
1968 e ficou conhecido como Clube de Roma.
Esses conflitos e os mecanismos gerais
Desconsidera-se, assim, o fato de que a
de controle do sistema capitalista fizeram com
ideia do desenvolvimento sustentável e sua in-
que questões vistas, inicialmente, como especí-
corporação ao discurso do planejamento teria
ficas e localizadas, conquistassem outras esca-
suas raízes não nas ideias neo-malthusianas
las e saíssem do âmbito puramente local e con-
do Clube de Roma e relatório Meadows, mas
tribuíram para converter a questão ambiental
na emergência de conflitos sociais em diver-
em um problema global.
sas partes do mundo relacionados às formas
O Relatório Bruntland, elaborado pos-
de gestão e apropriação dos recursos naturais.
teriormente em 1987, durante a ascensão do
Disputas por água potável, por terras férteis,
neoliberalismo em escala mundial, veio coroar
por fontes combustíveis sempre existiram e são
os estudos do Clube de Roma e os que se se-
tão antigas quanto a humanidade. Qual a novi-
guiram, contribuindo para sacramentar a ne-
dade então?
cessidade de um desenvolvimento sustentável
A novidade do século XX estaria na re-
em nome de um futuro comum, ao chamar a
sistência à modernização e ao desenvolvimen-
atenção para a finitude dos recursos naturais.
to, ao direito à diferença por parte de grupos
Extirpou, assim, da noção de desenvolvimento
sociais compostos por indígenas, quilombolas
sustentável o caráter de luta dos conflitos so-
e camponeses. Distintos dos luditas do século
ciais que lhe deu origem. Ao esvaziar o sentido
XIX, pequenos produtores agrícolas, campone-
social da questão ambiental, viabilizou a ins-
ses e populações indígenas em diversos países
trumentalização da ideia de sustentabilidade
mobilizam-se em defesa da preservação de sua
para a preservação ambiental, em consonância
condição de existência contra a imposição de
com os interesses hegemônicos. Além disso,
uma modernização, muitas vezes incompleta
contribuiu para alimentar correntes ambienta-
e excludente, que se traduz pela expansão es-
listas de inspiração neomalthusiana, que em
pacial do capitalismo em escala global, e pela
nome de uma escassez dos recursos naturais
destruição das relações pretéritas de produção.
defendem exclusivamente a natureza em detri-
Confrontam-se, assim, de um lado grupos so-
mento de questões sociais. Releva-se, assim, o
ciais diversos mobilizados para preservar seu
fato de que a finitude e escassez dos recursos
modo de vida, sua condição de existência e, de
naturais são socialmente criadas e dependem
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A insustentável natureza da sustentabilidade
muitas vezes dos interesses em jogo, das alian-
como a solução para um capitalismo sadio.
ças existentes no nível da divisão internacional
Mesmo John Maynard Keynes, inspirador dos
do trabalho e do estágio de desenvolvimento
planos de ajustes macroeconômicos pós-1945,
das forças produtivas para que este ou aquele
ao tratar do desemprego estrutural também se
recurso seja considerado esgotável.
preocupa com a sustentabilidade do desenvol-
A noção de sustentabilidade, no con-
vimento do capitalismo.
texto neoliberal emergente, se propagou
A ideia, em si, portanto, não é nova. Po-
velozmente, porém com uma tradução equi-
rém é atraente e sedutora. Propostas, planos e
vocada em português, seguindo o trocadilho
práticas de diferentes matizes políticos, enga-
italiano traduttore, traditore (tradutor, trai-
jadas e críticas ao status quo, tendem a incor-
dor). A expressão sustainable development
porar valores capitalistas hegemônicos sem o
em inglês significa desenvolvimento durável,
perceber. Contribui para isso, o termo susten-
o que faz com que seja traduzido para o fran-
tabilidade remeter a possíveis cenários futuros
cês como développement durable e não como
desejáveis em contraposição a cenários catas-
développement soutenable, o que evidencia
a inadequação da tradução para o português
como desenvolvimento sustentável (Moraes,
2001, p. 54).
De fato, a noção de desenvolvimento
sustentável refere-se a teorias de desenvolvimento econômico, nas quais o desenvolvimento refere-se a uma mudança qualitativa nas
estratégias de reprodução social e nos vínculos
econômicos prevalecentes, relevando os limites do crescimento econômico. Não obstante a
noção de sustentabilidade do desenvolvimento
ostente ares de novidade, suas origens podem
ser localizadas em diversos autores do pensamento econômico. David Ricardo, em 1817,
já levanta a possibilidade de o crescimento
econômico se sustentar e prolongar ao longo
do tempo. Karl Marx, em A Ideologia Alemã,
questiona a duração do capitalismo diante
dos limites impostos pelas relações sociais de
produção ao desenvolvimento das forças produtivas e sua transformação em forças destrutivas. Por sua vez, a concepção de “destruição
criativa” de Joseph Schumpeter é inspiradora
para aqueles que veem a sustentabilidade
tróficos, somado ao fato de, segundo Acselrad
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
(1999, p. 80), os discursos da sustentabilidade
serem portadores de representações e valores
gerais, sem se preocupar em construir um conceito explicativo. Além da cooptação político-ideológica, a ausência de um esforço explicativo e o sentido vago do termo contribuem para
legitimar políticas diversas e articular diferentes discursos em torno de uma estratégia comum – em particular estratégias voltadas para
o desenvolvimento urbano e local ou regional
com a preocupação ambiental e sustentável.
Resulta daí, uma obstacularização aos movimentos sociais contrários a essas práticas e
políticas direcionadas à apropriação social do
espaço e que tendem a ameaçar suas condições de vida e reprodução. Primeiro, porque a
mera associação da noção de “sustentabilidade” à essas propostas implica admitir a existência de apenas uma forma adequada de uso:
a sustentável (Acselrad, 1999). Segundo, significa ignorar as diferenças existentes, relativas à
diversidade social e às formas de apropriação
social do espaço. E, terceiro, implica obliterar
que a ideia de sustentabilidade é forjada com
131
Ester Limonad
base em interesses específicos relacionados à
Desenvolvimento é olhar para o futuro. É ou-
apropriação material do espaço necessário his-
sar, é mudar o patamar de crescimento, superar
toricamente à reprodução das diferentes esfe-
os interesses de lobbies localizados. Cabe aqui
ras das relações sociais de produção (meios de
uma analogia com um bebê recém-nascido,
produção, força de trabalho e família).
que se apenas crescesse e não se desenvol-
De fato, o termo sustentabilidade sig-
vesse, ao fim de dezoito anos teríamos um ser
nifica coisas completamente diferentes para
instintivo, não pensante por onde entra comida
diferentes pessoas, mas de acordo com David
por um lado e sai merda do outro. Desenvol-
Harvey (1996, p. 148) “é muito difícil ser a fa-
vimento implica adaptabilidade, em mudanças
vor de práticas ‘insustentáveis’ assim o termo
qualitativas, em última instância implica avan-
cola como um reforço positivo de políticas e
çar e transformar a realidade vigente.
política conferindo-lhes a aura de serem ambientalmente sensíveis”.
Caberia, portanto, como assinala Lélé
(2002), uma rigorosa redefinição conceitual pa-
Organizações governamentais e não go-
ra se poder adotar essa expressão criticamen-
vernamentais encamparam o desenvolvimento
te e, em nosso entender, de forma passível de
sustentável como o novo paradigma do desen-
apropriação pelos grupos sociais envolvidos.
volvimento urbano e econômico, e isso se explica, em parte, por permitir uma ambientalização
de suas propostas e planos esvaziada de questões sociais e em nome de um futuro comum.
Enfim, embora o caráter abrangente e
atual do desenvolvimento sustentável lhe confira força política e contribua para legitimar
Da sustentabilidade
do desenvolvimento
ao desenvolvimento
urbano sustentável
distintas práticas, as formulações prevalecentes
indicam sua debilidade conceitual por sua per-
O documento do Habitat (UN, 2001) inicia-se
cepção incompleta da degradação ambiental e
com um prêambulo de Kofi Anann, que reco-
da pobreza bem como por sua falta de clareza
nhece que devido às forças da globalização
quanto à própria sustentabilidade, participação
o mundo ingressou no milênio urbano, pois
e emancipação social.
aproximadamente pouco mais da metade da
Além disso, passa desapercebida a pró-
população mundial se tornou urbana. Enten-
pria contradição de termos que perpassa a
de, ainda, que embora a globalização afete as
própria ideia de desenvolvimento e de susten-
áreas rurais, se faz mais presente nas cidades.
tabilidade. Existe desenvolvimento não susten-
Entende, assim, que o “desafio central para a
tável? Pois, se o desenvolvimento é insustentá-
comunidade internacional é claro: fazer com
vel, é apenas momentâneo. Então, merece ser
que ambas a urbanização e a globalização
chamado de desenvolvimento? De crescimen-
sirvam a todas as pessoas, ao invés de deixar
to? Mais uma vez, mais uma questão óbvia,
bilhões para trás ou nas margens”. Por conse-
crescimento e desenvolvimento são diferentes.
guinte defende que
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A insustentável natureza da sustentabilidade
As cidades devem promover a governança, planejar e agir estrategicamente para reduzir a pobreza urbana, a exclusão
social e promover o status econômico e
social de todos os cidadãos e proteger o
meio ambiente de forma sustentável. (UN,
2001 – Foreword)
articulação desses dois programas e define a
cidade sustentável como um lugar que dispõe
de um acervo durável de recursos naturais para
garantir a sustentabilidade (durabilidade) do
desenvolvimento social, econômico e físico, e
que conte com uma segurança durável contra
riscos ambientais que ameacem o seu desen-
Essa afirmação contribui para situar o
volvimento (UNCHS/Unep, 2005).
Programa de Cidades Sustentáveis (SCP) das
Um indicador do êxito desse programa
Nações Unidas como uma das evidências mais
é a dimensão que assumiu em menos de vinte
palpáveis da ambientalização do discurso do
anos. Atualmente opera em mais de trinta paí-
planejamento e da preocupação com um de-
ses de forma diferenciada, com participações
senvolvimento urbano sustentável. Esse pro-
diversificadas. Sua proposta geral é formar
grama, criado no início da década de 1990,
quadros de governo mediante a capacitação e
surge quase como uma decorrência do êxito
instrumentalização de autoridades locais e de
do desenvolvimento sustentável como fer-
seus parceiros para a gestão e planejamento
ramenta de legitimação de práticas urbanas
urbano ambiental sustentável das cidades.
neoliberais. Sua criação unificou as agendas
Da mesma forma que no caso do desen-
de desenvolvimento sustentável do Programa
volvimento sustentável, não há uma definição
Ambiental das Nações Unidas (United Nations
conceitual, precisa e rigorosa do que se enten-
Environment Programme – UNEP) e do Centro
de por uma cidade sustentável ou, lembrando
para os Assentamentos Humanos das Nações
os argumentos tratados antes, do que se po-
Unidas (United Nations Centre for Human
deria caracterizar como uma cidade durável.
Settlements – UNCHS).
No entanto, não o são todas, em sua maioria?
O Programa Ambiental das Nações Uni-
Então, por que falar em cidades sustentáveis?
das (UNEP), criado em 1972, enfatizava a im-
Ou mesmo duráveis? Ao invés de aceitar acri-
portância do planejamento e da gestão dos as-
ticamente uma definição ou programa mínimo
sentamentos humanos, em particular em áreas
do que se considera uma cidade sustentável,
urbanas, com uma preocupação indireta com
cabe entender criticamente a proposta de cida-
a qualidade ambiental desses assentamentos
des sustentáveis.
sociais. De certa forma, o Centro para Assen-
Grosso modo, os estudos e abordagens
tamentos Humanos, criado em 1978, converge
em geral sobre as questões ambientais rela-
para as preocupações do primeiro ao passar a
cionadas ao espaço urbano podem se dividir,
promover o que designa de padrões sustentá-
conforme a proposta de Whitehead (2003),
veis de vida em áreas urbanas e rurais, havendo
em dois grandes veios, o aporte técnico e o a
sido posteriormente designado de UN-Habitat
priori, ao qual acrescentamos aqui o reformista e o revolucionário ou subversivo.
O aporte técnico, para Whitehead (2003),
se caracteriza por interpretar o desenvolvimento
(United Nations Human Settlement Program).
O Programa das Cidades Sustentáveis
das Nações Unidas nasce assim como uma
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
133
Ester Limonad
urbano sustentável, pura e simplesmente, como
desenvolvimento urbano sustentável é reifica-
uma questão técnica relacionada ao planeja-
do como portador de algo positivo em si mes-
mento urbano, gerenciamento de tráfego, ado-
mo (Whitehead, 2003), servindo de panaceia
ção de tecnologias limpas e ao desenho urbano.
para todos os problemas, sociais, espaciais e
Resultam desse aporte propostas sustentáveis,
temporais. Essa fetichização da sustentabilida-
adotadas por arquitetos, urbanistas e técnicos
de, ao mesmo tempo que legitima as propostas
de prefeitura, que são vendidas e alardeadas
sustentáveis, lhes confere um caráter neutro e
como fórmulas mágicas de resolução dos pro-
apolítico, afinal quem é contra a sustentabilida-
blemas urbanos. Porém, a despeito de suas boas
de? Releva-se, assim, a existência de diferentes
intenções, essas propostas caracterizam-se pe-
interesses de classe, de desigualdades socioes-
lo exercício demiúrgico do saber técnico e por
paciais, bem como os conflitos e práticas es-
fazer tabula rasa do que existe. Ao adotar uma
paciais que produziram historicamente aquele
solução técnica, como por exemplo imprimir um
espaço, objeto de intervenção.
modelo ideal de cidade sustentável com adap-
Edward Jepson Jr. (2001, p. 506) assi-
tações a diferentes cidades, afinal cada caso é
nala que a conjunção planejamento sustenta-
um caso, se reduz a cidade a um conjunto de
bilidade, que se adota nesse enfoque para as
volumes construídos, de massas ambientais,
cidades sustentáveis, permite integrar, a um só
artérias de tráfego e de circulação, em que
tempo, campos disciplinares para produzir po-
prevalecem tecnologias limpas e áreas despo-
líticas públicas mais coerentes e abrangentes,
luídas. O que não for funcional, ou adaptável
atores sociais em um processo produtivo ou
esteticamente, tende a ser suprimido. Nesse
ambiental com foco na comunicação, valores e
sentido, como questão técnica, embora sejam
diferentes instituições de modo a alcançar uma
geograficamente localizadas, as intervenções
abordagem cooperativa e integrada. Tem-se,
aparecem como algo direcionado a atender
por conseguinte, que as propostas de cidades
um interesse geral comum. Pois, por princípio,
sustentáveis desde a perspectiva ontológica
todos teriam condições de usufruí-las. Porém,
partilham lógicas universalistas de integração,
via de regra, isso não ocorre. Em parte, em
inclusão e cooperação social, espacial e tem-
virtude das formas de regulação, apropriação
poral, entre atores e agentes sociais, entre cen-
social do espaço e das relações sociais de per-
tro e periferia, entre passado e presente, entre
tencimento, que contribuem para erigir barrei-
local e global (Acselrad, 2004). A solução dos
ras invisíveis na cidade (Sennet, 2001, p. 266).
problemas para as abordagens ontológicas ou
a priori estaria no nível da vontade política e
do engajamento da população por meio da
construção de um consenso social e de uma
identidade comunitária, de modo a reduzir ou
mesmo eliminar as possibilidades de confronto.
A cidade deixa, assim, de ser o lugar do debate,
da diferença e da possibilidade de transformação social.
Essas propostas arquitetônicas e urbanísticas
são, assim, implementadas ignorando o que
lhes antecede e sucede, alheias às diferenças
e desigualdades socioespaciais.
No enfoque a priori , ou ontológico,
as propostas e estudos assumem a existência a priori de uma cidade insustentável a ser transformada em sustentável. O
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A insustentável natureza da sustentabilidade
Os enfoques e estudos elaborados a par-
serem implementados de forma uniforme, de
tir da perspectiva crítica reformista tendem a
acordo com programas ou modelos mínimos
encarar o desenvolvimento sustentável e a pro-
pré-definidos para alcançar uma situação de
posta de cidades sustentáveis como uma pos-
sustentabilidade. Pelo contrário cada espaço,
sibilidade viável de imprimir mudanças, ainda
cada território e lugar, cada cidade possuem,
que limitadas. Conscientes das limitações das
cada um per se, uma história espaço-temporal
propostas de desenvolvimento sustentável dos
própria e uma articulação particular com ou-
dois veios anteriores, buscam imprimir soluções
tras escalas. No caso das cidades sustentáveis,
com um caráter transformador, com a observa-
as propostas não se limitam a ser apenas uma
ção de que “não vêem ser necessário ou sen-
outra alternativa de investimento para o capi-
sato assumir um compromisso exclusivamente
tal, mas constituem uma remodelação radical
com a transformação”, por entender que “a re-
de projetos neoliberais em áreas urbanas loca-
forma agora é melhor do que nada e a transfor-
lizadas (Whitehead, 2003, p. 1203). E, isso se
mação pode não ser imediatamente possível”
evidencia na feira de fórmulas sustentáveis de
(Hopwood, 2005, pp. 49-50). Propostas com
desenvolvimento expostas durante o Fórum
esse tipo de inspiração geralmente buscam
Mundial For a Better Future, promovido pelo
engajar governos e grupos sociais em torno de
Programa Habitat das Nações Unidas no Rio de
questões comuns, de modo a promover ações
Janeiro em 2010.
diretas. Não obstante tenham consciência das
Enfim, cabe apontar a perspectiva sub-
assimetrias de poder existentes e das nuances
versiva, ainda em construção. Essa subversão
do jogo político, buscam soluções de compro-
se pretende uma transformação do instituído
misso. Nutrem ativismos sociais em torno de
por meio das práticas socioespaciais, como
questões específicas e buscam articulá-los com
uma transgressão no campo da luta política,
ações de governo. O que, em última análise,
por se propor a subverter o instituído na pers-
acaba por contribuir para criar situações de
pectiva da mudança social. A subversão é en-
consenso ou de desmobilização social, à medi-
tendida, assim, aqui como expressão de atos
da que, muitas vezes, as reformas alcançadas
políticos de movimentos anti-hegemônicos e
contribuem mais para manter e conservar o
expressão de desejos latentes de mudança e de
status quo do que facultar a criação de uma
outra ordem social de caráter transformador.
Quanto às práticas, soluções e cidades
sustentáveis, há de se considerar, primeiro, que
a despeito do mote sustentável, essas soluções
não sustentam equanimemente todos os interesses envolvidos (Whitehead, 2003) e isso se
aplica às propostas de cidades sustentáveis.
Há de se considerar, ainda, que as chamadas
soluções sustentáveis tampouco constituem
objetos planejados genéricos, passíveis de
construção de uma outra ordem social.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
A insuficiência das estratégias de ação
consagradas de planejamento em solucionar
os problemas sociais evidenciam o notório
descompasso entre o projeto e a realização e
apontam para a necessidade de se subverter
radicalmente o processo de planejamento. Não
se trata tão somente de propor um planejamento insurgente como o querem alguns, mas
de incentivar a subversão do instituído. Nesse
sentido, Randolph e Gomes (2010) introduzem
135
Ester Limonad
três elementos como constituintes de um novo
de transformação social, de construção de uma
planejamento, a saber a comunicação, o es-
outra ordem, mediante a subversão da ordem
paço e o tempo. Esses três elementos, em seu
vigente, que não se traduz pelo incentivo à vio-
entender, referem-se às principais contradições
lência, à destruição. Trata-se de superar a visão
no mundo contemporâneo, que compreendem
do planejamento como monopólio do Estado
o consumo no espaço versus o consumo do
e passar da identificação de necessidades e
espaço (Lefebvre, 1991), a lógica instrumental
versus a lógica comunicativa (Habermas, 1981);
as práticas abstratas versus as práticas concretas; o pensamento indolente versus o pensamento cosmopolita (Souza Santos, 2003) que
ameaçam a própria convivência social.
O planejamento subversivo proposto por
Randolph (2007, 2008) pretende ser construtivo à medida que procura ser uma “mediação”
entre essas contradições, ou seja, se propõe,
nada mais e nada menos, a superá-las. Nesse
contexto, o planejador aparece como mediador,
que contribuiria para a superação de contradições. Por conseguinte, nesse caso, assume
funções da mais alta complexidade e converte-se, assim, em uma figura mediática da maior
importância para o avanço de uma transformação voltada para a racionalidade comunicativa,
para a construção de um espaço diferencial de
valores de uso e um pensamento cosmopolita
baseado nas experiências sociais das populações exploradas e oprimidas.
Um modo alternativo e subversivo de
planejar, segundo o autor, deve reconhecer as
contradições entre a cidadania formal e a cidadania substantiva, bem como trabalhar em nome da expansão de direitos de cidadania.
Não se trata, portanto, de propor meramente um planejamento insurgente no nível
da transgressão, da revolta contra a ordem
instituída, mas, sim, um planejamento que se
proponha a criar um espaço diferencial. Um
planejamento que permita abrir perspectivas
prioridades pelo Estado, para a identificação
136
de necessidade e prioridades por parte da população. Não no âmbito dos espaços de poder,
mas no âmbito dos espaços cotidianos das práticas sociais e espaciais que podem dar origem
a formas substantivas de exercício de cidadania, bem como do aproveitamento de outras
formas de apropriação dos recursos naturais e
das fontes de informação e de uma orientação
nova para práticas de planejamento.
A construção das mediações necessárias
prescindiria, assim, da autorização e concessão
de espaços de participação por parte do Estado, o que abriria nesse sentido uma outra perspectiva para a discussão da sustentabilidade
do desenvolvimento, mais próxima do caráter
da luta social que lhe deu origem.
Algumas considerações
finais, ou como ser contra
o desenvolvimento sustentável?
Sob o argumento de minimizar os impactos da
produção capitalista do espaço sobre o meio
ambiente, planejadores e técnicos de governo,
por sua vez, propugnam o desenvolvimento
urbano, ou mesmo o desenvolvimento sustentável, o turismo ecológico, a urbanização sustentável controlada, a agricultura ecológica, o
zoneamento econômico-ecológico em escala
regional, etc. Esses discursos de planejamento,
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A insustentável natureza da sustentabilidade
embora ambientalizados, vão de encontro às
de produção. A questão ambiental contempo-
próprias práticas de organização, regulação e
rânea e os conflitos sociais dela decorrentes,
produção do espaço. Práticas que se revelam,
assim, podem ser entendidas como a materia-
por assim dizer, ambíguas, no concernente à
lização da contradição entre a apropriação e a
sustentabilidade que se propõem a promover.
dominação social do espaço, que tem por base
Nesse sentido, as propostas de desenvolvimen-
a contradição entre valor de uso e valor de tro-
to sustentável e, por vezes, a ambientalização
ca, como apontamos ao início.
do planejamento têm um fundo comum, por
Com a diluição da diferenciação rural-
assim dizer, instrumental que contribui para
-urbano, avanço da urbanização, e industriali-
esvaziar em parte o sentido social da questão
zação da agricultura, o espaço como um todo
ambiental e para ocultar o caráter estratégico
se converte em objeto de disputa de diferentes
que o espaço social assume para a reprodução
lógicas e enfrentamentos sociais, que resul-
do capital na contemporaneidade.
tam em impactos ambientais diferenciados.
De fato, a produção social do espaço em
Por um lado expandem-se as áreas urbanas,
si, necessária às diferentes esferas da reprodu-
por outro criam-se extensos desertos verdes
ção social, envolve uma apropriação da natu-
de monoculturas como parte de complexas
reza e de espaços pré-existentes. Isto faz com
cadeias produtivas que articulam globalmente
que as contradições e conflitos fundamentais
diversos locais. Resultam daí crescentes pres-
das sociedades contemporâneas voltem-se pa-
sões pela ocupação e uso de áreas de preser-
ra disputas em torno do espaço social diante
vação e proteção ambiental, que se expressam
da reapropriação e ampliação espacial do do-
em conflitos entre a função social e ambiental
mínio da lógica capitalista.
do espaço.
A questão ambiental aparece, assim,
Tais conflitos decorrem, por um lado,
como mais uma expressão dos conflitos entre
do caráter excludente da produção capitalis-
diferentes formas de apropriação social (Porto-
ta do espaço, que ao mesmo tempo em que
-Gonçalves, 1992), tanto no nível das repre-
produz novos espaços urbanos, recupera es-
sentações como na própria materialidade dos
paços degradados, incorpora espaços a pro-
processos socioespaciais. A articulação entre
dução agroindustrial e alija desses espaços so-
ambas dimensões constitui o cerne da pro-
cialmente produzidos e equipados crescentes
blemática ambiental e é tanto condição como
contingentes de trabalhadores. A esses restam
resultado do processo de produção de transfor-
as periferias carentes de infraestruturas e equi-
mações no espaço social.
pamentos, ou ainda as orlas de rios, lagoas e
Na luta pela dominação do espaço social,
mananciais e as encostas de morros. Por outro,
aquilo que se pode, contemporaneamente, de-
esses conflitos decorrem, também, da ânsia do
signar de espaço natural, ou espaço absoluto
capital imobiliário em incorporar espaços com
(Lefebvre,1991), torna-se na lógica capitalista
amenidades naturais ao seu processo produti-
reserva de valor, objeto de cobiça e aparen-
vo, como um fator diferencial, particular e não
temente escasso em relação às necessidades
reprodutível, para maximizar sua captura de
capitalistas da reprodução das relações sociais
rendas diferenciais.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
137
Ester Limonad
Evidencia-se, assim, a interação ambiente “natural” e ambiente “construído”.
intervenção sobre o real – planejamento tecnocrático, urbano, regional e ambiental.
A partir do exposto até aqui, torna-se
De onde, se manifesta a importância
patente a conformação de um paradigma que
de uma economia política do espaço, que dê
combina e contrapõe dialeticamente diferentes
conta da relação espaço, sociedade e meios
processos e esferas de reprodução social, que
de produção, como um meio de superar os
podem ser entendidos como disputas e enfren-
aparentes hiatos em termos das escalas es-
tamentos pelo espaço necessário à reprodução
paciais, dos níveis de governo e das arenas
das diferentes esferas sociais (dos meios de
políticas (Brandão, 2007) que atravessam as
produção, da força de trabalho e da família).
relações entre os diferentes agentes e atores
A ambientalização do discurso do planejamento pode contribuir, em última análise para
relacionados à produção e apropriação social
do espaço.
viabilizar a regulação e dominação do espaço
Emergem, assim, diversas questões a se
pelo capital e pelo Estado, ao garantir a aloca-
considerar, que cabem ser apontadas como
ção de recursos naturais necessária à acumula-
perpectivas possíveis de trabalho. Destacam-
ção, bem como para manter e ampliar os siste-
-se entre elas o mapeamento, a qualificação
mas hegemônicos de poder. Dessa forma, essa
e a necessidade de um novo olhar sobre os
ambientalização estaria relacionada ao caráter
agentes institucionais, os global players e ato-
geopolítico que assume a questão ambiental
res sociais envolvidos na produção social do
contemporânea, uma vez que não se encon-
espaço. O que demanda voltar os olhos para o
tram mais em causa apenas os interesses locais
papel do Estado e do poder público, de modo
e regionais – tratar-se-ia, sim, de uma nova in-
a se ter meios de construir as mediações ne-
terface da inter-relação local-global, em que o
cessárias para superar o conflito latente entre
global busca interferir nos desígnios do local e
diferentes interesses articulados em distintas
criar reservas ambientais para exploração futu-
escalas, as necessidades locais e a afirmação
ra controlada pelas forças hegemônicas.
de marcações sociais e identitárias de diferen-
Diversos estudos e pesquisas apontam
tes grupos sociais.
para a existência de uma lógica geral, não
Disputas e conflitos em torno do espa-
transparente, que perpassa os diferentes pro-
ço social, antes localizados e demarcados,
cessos espaciais, que se manifestam como se
ganham agora outras escalas e significados
foram singulares e únicos, que marcam os lu-
com a globalização dos mercados, dos fluxos
gares de forma específica e particular, como se
e crescente complexificação da divisão espa-
algo novo estivesse emergindo (Carlos, 2010;
cial do trabalho, que perpassam as diferentes
Lencioni, 2010).
esferas de reprodução social. Isso contribui de
Por conseguinte, as mudanças que ora
forma dialética, em larga medida para o capi-
se impõem exigem novos cuidados metodoló-
talismo contemporâneo assumir, mais do que
gicos, e novos procedimentos de aproximação
nunca, um caráter civilizatório (Ianni, 1997),
ao real e à construção do objeto teórico, bem
pretensamente progressista e moderniza-
como tornam obsoletos os instrumentos de
dor, em nome da preservação ambiental e do
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A insustentável natureza da sustentabilidade
desenvolvimento econômico e social, em esca-
diversos e de governos locais em diversos paí-
la regional ou local. Por outro lado, a erupção
ses. Essa articulação em várias escalas emerge,
e multiplicação de conflitos sociais diversos em
assim, como um terreno propício de cooptação
torno do ambiente construído, dos ambientes
político-ideológica e de apaziguamento de
naturais, em síntese do espaço social, são uma
tensões sociais, em que em nome de um hipo-
tradução da espaço-materialidade contempo-
tético futuro comum se abandonam projetos
rânea da contradição capital-trabalho, cuja
de modernidade passados. A possibilidade de
marca hoje é a instabilidade e volatilidade de
construção de uma sociedade mais equânime,
fixos e fluxos (Santos, 1996) que se manifesta
a superação da exclusão social exige o reco-
e imiscue em todos os aspectos e esferas da
nhecimento do caráter instrumental e político
vida social contemporânea.
da ideia de sustentabilidade e de que, mais do
Enfim, não há como menosprezar a per-
que nunca, o espaço se tornou estratégico para
cepção do sistema capitalista, que vai muito
a reprodução das relações sociais de produção.
além das possibilidades de investimento finan-
Assim, a cidade, como espaço de convergên-
ceiro e do desenvolvimento local e regional,
cia, aglutinação e enfrentamento de diferen-
puro e simples em defesa da sustentabilidade
tes lógicas e interesses sociais, representa na
do desenvolvimento. A ideia de sustentabili-
contemporaneidade um terreno crucial para a
dade, por seu caráter aparentemente inócuo
construção de um espaço diferencial e de uma
e neutro, propicia a articulação de interesses
sociedade mais equânime.
Ester Limonad
Arquiteta. Doutorado em Planejamento Urbano e Regional. Professor Associado IV da Universidade
Federal Fluminense. Niterói/RJ, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Disponível em: <h p://sustentabilidade.bancoreal.com.br/default.aspx?utm_source=google&utm_
medium=cpc&utm_term=Sustentabilidade&utm_campaign=sustentabilidade>. Acesso em: 23
fev 2011.
(2) ISO 14000 são certificados criados na década de 1990 pela International Organization for
Standar za on (ISO) atribuídos a empresas e ins tuições. Esses cer ficados servem para atestar
o cumprimento de um conjunto de normas e diretrizes rela vas à gestão ambiental por parte
dessas empresas e ins tuições.
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Ester Limonad
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Texto recebido em 8/out/2012
Texto aprovado em 14/dez/2012
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 123-142, jan/jun 2013
500 anos em busca
da sustentabilidade urbana
500 years in search of urban sustainability
Klemens Laschefski
Resumo
Este artigo apresenta um resgate histórico do surgimento do termo desenvolvimento sustentável.
Mostra que a busca pela sustentabilidade sempre
esteve vinculada às diversas crises dos modos de
produção do espaço feudal e capitalista. As analogias em tempos recentes, demonstrado a partir da
aplicação do Estatuto da Cidade em Belo Horizonte, confirmam a condição de insustentabilidade social das cidades urbano-industrial-capitalistas. Isso,
porque são beneficiados empreendimentos imobiliários privados ditos sustentáveis que estimulam
a elitização do espaço. Propostas concretas para
as sociedades urbanas socialmente sustentáveis
apresentam elementos comuns à ilha Utopia, dos
escritos de Thomas Morus, de 500 anos atrás, reafirmando a necessidade de considerar a categoria
espaço como produto social e as relações de poder
sobre o território na conceituação da sustentabilidade urbana.
Abstract
This article presents a historical review of the
origins of the term sustainable development. It
shows that the search for sustainability has always
been connected with the several crises of the
modes of production of the feudal and capitalist
space. The analogies in recent times confirm
the condition of social unsustainability of the
urban-industrial-capitalist cities, which is shown
through the application of Brazil’s City Statute to
the municipality of Belo Horizonte. The reason for
this is that it benefits the so-called sustainable,
privately-owned real estate undertakings, which
stimulates the elitization of space. Concrete
proposals for socially sustainable urban societies
have similarities with the Island of Utopia, from
the writings of Thomas More 500 years ago,
reaffirming the need to consider the category
“space” as a social product, and the power
relations over territory within the conceptualization
of urban sustainability.
Palavras-chave: sustentabilidade urbana; desigualdade social; produção do espaço; empreendedorismo imobiliário; marginalização; justiça ambiental.
Keywords: urban sustainability; social inequality;
production of space; real estate undertakings;
marginalization; environmental justice.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013
Klemens Laschefski
Introdução
desenvolvimento sustentável, que mobilizaram
e mobilizam inúmeros agentes de instituições
públicas, entidades da sociedade civil, setor pri-
O documento final da Conferência das Nações
vado e academia, não foram produzidos resul-
Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, de-
tados significativos que indicam um caminho
nominada “Rio+20”, enfatiza a chamada eco-
claro para o “futuro que queremos”. Ao con-
nomia verde como uma ferramenta importante
para a “erradicação da pobreza” e a manutenção do “funcionamento saudável dos ecossistemas da Terra” (Nações Unidas, 2012, p. 9). Ao
nosso ver, a consagração do termo economia
verde consolida o discurso que concebe a sustentabilidade como um conjunto de problemas
técnicos e administrativos que visam solucionar
as questões sociais e ambientais contemporâneas adequando o sistema econômico atual.
Essa tendência é resultado da confluência das
políticas neoliberais e das políticas ambientais
internacionais, ocorrida nos anos 1990, referendadas, por um lado, pela Conferência das
Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida também
como Rio-92, e, por outro lado, pela fundação da Organização Mundial do Comércio em
1995. Assim, não surpreende que a economia
verde seja considerada, no documento final da
Rio+20, um meio para “[...] oferecer opções
para decisão política, sem ser um conjunto rígido de regras” (Nações Unidas, 2012, p. 9).
Entendemos que, com essa confluência das políticas ambientais e neoliberais, houve, de fato,
um afastamento do conteúdo político da crítica
ambiental que surgiu a partir dos anos 1960 e
que intensificou fortemente, na época, a busca
por alternativas para a sociedade dita moderna
diante da insustentabilidade dos modelos de
desenvolvimento baseadas na industrialização.
Porém, apesar do sucesso dos discursos
sobre soluções “pragmáticas” para alcançar o
trário, numa perspectiva global, nada indica o
144
fim do agravamento dos problemas ambientais
e da desigualdade social.
Diante disso, esse trabalho procura
retomar a crítica política às contradições
inerentes à sociedade urbano-industrial-capitalista, visando analisar o que chamamos
aqui crise da busca da sociedade sustentável.
Partimos da hipótese que o surgimento dessas contradições não são processos recentes,
mas têm suas raízes em processos históricos
que transformaram as relações da sociedade com o meio físico. Tal observação parece
óbvia, já que é amplamente reconhecido que
os processos de industrialização e os novos
processos de urbanização induzidos por ela,
transformaram a “cara” do mundo. No entanto, embora muitos discursos se refiram às
questões espaciais de forma descritiva, não se
iniciou ainda um debate que problematize a
sociedade urbano-industrial no que diz respeito à sua espacialidade. Consequentemente, observamos que as relações socioespaciais
como elementos importantes para analisar o
“pano de fundo” da situação de não-sustentabilidade são negligenciadas. Nessa perspectiva, procuramos mostrar que as questões da
sustentabilidade estão, na verdade, relacionadas às formas contraditórias de produção
e reprodução do espaço na sociedade moderna. Trata-se, então, de acordo com Lefèbvre
(1994), de uma crise da atual produção política e social do espaço.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
Após uma breve reflexão sobre a origem
da política internacional, no relatório intitulado
e o atual significado do termo desenvolvi-
World Conservation Stratagy – Living resource
conservation for sustainable development ,
publicado em 1980 pela IUCN (International
Union for the Conservation of Nature). Esse relatório resume os principais pontos debatidos
na época em relação às falhas das políticas
para o desenvolvimento de países do então
chamado Terceiro Mundo. As discussões se concentraram em aspectos econômicos sem considerar os aspectos sociais e, sobretudo, os ecológicos. Diante das consequências de questões
como o agravamento da pobreza, os problemas ambientais e a depredação dos recursos
naturais, o relatório aponta como estratégia a
reformulação e ampliação dos objetivos do desenvolvimento, considerando a “limitação dos
recursos” e a “capacidade de carga” (carrying
capacity) dos ecossistemas. Além disso, os autores do relatório destacam as necessidades
das gerações futuras como parâmetro para
”[...] providenciar o bem-estar social e econômico. O objetivo da conservação é de segurar a
capacidade da Terra para sustentar o desenvolvimento e apoiar toda vida (IUCN, 1980, p. I,
tradução nossa). A argumentação faz referências às principais ameaças ao modelo de desenvolvimento, detectadas por Meadows et
al. (1972), entre as quais estão o crescimento
exponencial da população e da economia, que
deveriam ser limitados para evitar a sobrecarga do planeta. Os autores utilizaram também
o termo sustentável, mas referindo-se a um sistema mundo, no sentido físico, que fosse ”[...]
1) Sustentável, sem colapso súbito e incontrolável [...] [e] 2) [...] Capaz de satisfazer aos
requisitos materiais básicos de todos os seus
habitantes” (Meadows et al., 1972, p. 158).
Esse livro gerou muita polêmica nos debates
mento sustentável, mostramos que o adjetivo
sustentável já foi utilizado em discursos sobre a crise econômica do século XVII e XVIII
causada pela escassez de madeira (Carlowitz,
1713/2000), que apresentam semelhanças
com os debates atuais sobre a limitação de recursos naturais e o consumo de energia. Essa
crise ocorreu às vésperas da ascendência do
capitalismo industrial, sendo originada nos
conflitos socioterritoriais que marcaram a Idade Média tardia, os quais resultaram na reconfiguração dos direitos de uso e posse da terra.
Segundo Lefèbvre (2004), trata-se da mudança
funcional do modo de produção do espaço que
antes girava em torno da cidade comercial e
passa a girar em torno da cidade industrial.
Nesse processo, emergem novas formas de desigualdade social que permanecem até os dias
de hoje. Sobre essa base, analisamos processos
recentes de avanço do modo de produção do
espaço urbano-industrial-capitalista no Brasil,
traçando um paralelo com acontecimentos
históricos da Europa central. Finalmente, procuramos mostrar que os atuais discursos sobre
cidades sustentáveis apresentam elementos
já delineados por Thomas Morus há 500 anos
atrás, quando ele apresentou a sua ficção do
sistema espacial da sociedade Utopia.
As origens da noção
da sustentabilidade
De acordo com a maioria dos livros especializados, o termo desenvolvimento sustentável
foi empregado, pela primeira vez, no contexto
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013
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Klemens Laschefski
políticos internacionais devido à sua demanda
subsumidas na gestão ambiental. Tais medidas
pelo “crescimento zero” das curvas de cresci-
têm sua origem no conceito de modernização
mento econômico e populacional, pois colocou
ecológica, introduzido por Huber (1982), en-
em questão o modelo do desenvolvimento eco-
tendido como progresso tecnológico que ini-
nômico em vigor. O relatório da IUCN signifi-
ciaria uma fase de “superindustrialização” dos
cava, portanto, o esboço de um discurso mais
processos produtivos que, ao mesmo tempo,
ou menos consensual de resgate do termo
apresentariam soluções para os problemas am-
desenvolvimento, porém adjetivado como sus-
bientais. Além disso, houve um reconhecimen-
tentável. Dessa forma, o texto virou base para
to de que as políticas públicas deveriam ser
a definição do termo pela Comissão Mundial
elaboradas de forma participativa, a exemplo
sobre Meio Ambiente das Nações Unidas, que
das iniciativas de formular Agendas 21 nacio-
o define no chamado Relatório Brundtland, em
nais e locais que objetivam a definição de me-
1987, como "[...] o desenvolvimento que satis-
tas concretas para conciliar os interesses eco-
faz as necessidades atuais sem comprometer
nômicos, sociais e ambientais, na esperança de
a habilidade das futuras gerações em satisfa-
alcançar o consenso a respeito dos caminhos
zer suas necessidades" (CMMD, 1991, p. 9).
para a sustentabilidade. É nesse sentido que
Porém, chamamos atenção à continuação do
observamos as teses do Relatório Brundtland,
texto, em que consta:
produzido em 1987, reafirmadas no lema economia verde postulado na Conferência Rio+20
o conceito de desenvolvimento sustentável tem, é claro, limites – não limites
absolutos, mas limitações impostas pelo
estágio atual da tecnologia e da organização social, no tocante aos recursos
ambientais, e pela capacidade da biosfera de absorver os efeitos da atividade
humana. Mas tanto a tecnologia quanto
a organização social podem ser geridas e
aprimoradas a fim de proporcionar uma
nova era de crescimento econômico.
(CMMD, 1991, p. 9)
em 2012.
Apesar do surgimento de mercados bastante expressivos para algumas atividades que
podem ser encaixadas na economia verde, há,
como aludimos, um certo consenso de que estamos distante de solucionar questões como a
pobreza e a crise ambiental global, ou seja, estamos distante da justiça intra e intergeracional e do equilíbrio ecológico. Isso porque, seguindo o raciocínio de Sachs (2000), as estratégias supracitadas buscam consertar as falhas
Com esse resgate, a ideia de que o cres-
do modelo de desenvolvimento por intermédio
cimento econômico é o principal motor do
do próprio desenvolvimento, desviando-se,
desenvolvimento sustentável é amplamente
assim, das contradições inerentes à sociedade
aceita até os dias atuais. Para concretizar es-
urbano-industrial, principalmente no sistema
sas tarefas apostava-se em “ajustes” através
capitalista. Como indicamos, tais contradições
do progresso da ciência que possibilitasse o
não são um fenômeno recente, pois acompa-
desenvolvimento de técnicas limpas e estra-
nharam a história da ascendência da sociedade
tégias de mitigação e compensação de im-
urbano-industrial-capitalista, na inflexão do
pactos ambientais; estratégias administrativas
agrário para o urbano (Lefèbvre, 2004), que
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
induzia ao fim dos modos feudais de produção
senhores pertencentes à aristocracia, à igreja,
do espaço.
aos monastérios; donos da terra que também
ocupavam funções da administração e jurisdição. Assim, de certa forma, a proposta reflete
A crise da sustentabilidade
do feudalismo como berço
do capitalismo
as visões e desejos dos senhores de tornarem
as florestas mais produtivas. Já naquela época,
não se tratou apenas de um discurso técnico
embutido numa racionalidade econômica, mas
do resultado da luta conflituosa entre autori-
Como anunciamos, há autores que atribuem a
dade e súditos pela “hegemonia de opinião”
origem do termo sustentável a uma publicação
(Fetzer, 2002), que, afinal, contribuiu para a
alemã de Hans von Carlowitz do ano 1713.1
superação do modo de produção do espaço do
Nela, o autor se refere à necessidade do mane-
sistema feudal.
jo florestal racional para combater a carência
Os conflitos sobre o uso das florestas
de madeira da época, que, segundo ele, amea-
tiveram início na Idade Média e se multiplica-
çava a economia do país:
ram, sobretudo no século XVI, culminando na
Onde o dano surge da negligência do trabalho cresce a pobreza e a carência dos
humanos. Também não é possível a produção de madeira tão rápida como na
agricultura [...] Por isso, a arte, a ciência,
o desempenho e a organização mais perfeita é realizar uma conservação e uso da
madeira de tal maneira que se alcançasse
o seu uso durável, continuo e sustentável,
por que se trata de uma coisa indispensável, pois, sem isso, o país não conseguiria manter a sua existência. (Carlowitz,
1713/2000), pp. 105-106, grifo nosso)
Esse trecho é frequentemente citado como a primeira menção ao manejo sustentável
no ramo da economia florestal. Contudo, o que
nos interessa aqui é o contexto socioeconômico que serviu como justificativa para a apresentação dessa proposta.
Antes de entrar nessa temática, cabe
lembrar que a obra de Carlowitz representa
uma sistematização do conhecimento acumulado por vários séculos pelas autoridades –
Guerra dos Camponeses (1524-1525). De modo geral, a revolta é interpretada como uma
revolução contra a exploração econômica e a
opressão sobre os súditos, exercida de forma
cada vez mais abusada pelos senhores. As reivindicações dos camponeses foram resumidas
nos 12 Artigos de Memmingen, que pautaram
assuntos como a eleição livre dos padres, a
abolição da servidão, regulamentos relativos
ao décimo e aos serviços prestados aos senhores. Trata-se do primeiro documento conhecido
no qual os camponeses referiam-se a um discurso religioso; era influenciado pelo movimento reformista de Martinho Lutero, embora
o padre tenha se distanciado radicalmente dos
camponeses por causa da violência dos conflitos (Lutero, 1996). Por outro lado, um admirador de Lutero, o teólogo Thomas Münzer, padre
da cidade alemã Mühlhausen, se envolveu nas
guerras dos camponeses, inclusive justificando
a violência com palavras da Bíblia: “Não penseis que vim trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada”. De certa forma, essas
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influências contribuíram para que os campone-
território. Em outras palavras, a população rural
ses se apropriassem da Bíblia para reforçar as
defendia a sustentabilidade de suas formas de
suas reivindicações. O resultado foi o estímulo
vida, colocando o acesso à terra e aos recursos
ao debate sobre o assunto entre os senhores, já
naturais na perspectiva de direitos que garan-
que a Bíblia, naqueles tempos, legitimava um
tissem sua existência. De fato, os 12 artigos de
discurso hegemônico, que sustentava a ordem
Memmingen são considerados, hoje, como a
social da sociedade medieval e pós-medieval.
primeira manifestação escrita de reivindicação
Em função dos objetivos deste trabalho,
de direitos humanos universais (Blickle, 2004).
destacamos as reivindicações dos camponeses
Assim, podemos interpretar essa “revolução do
relativas aos direitos sobre o uso da terra:
homem comum” (Bickle, 2004) como luta por
4) Não é fraternal e compatível com a
palavra de Deus que o homem pobre não
obtém poder de capturar animais selvagens, aves e peixes. Pois, quando Deus o
Senhor criou o homem, ele deu a ele o poder sobre todos os animais, o pássaro e o
peixe na água.
5) Os senhores se apropriaram das florestas. Quando o homem pobre necessita
algo [das florestas] ele precisa comprá-lo
com o dobro de dinheiro. Por isso, todas
as florestas que não foram compradas [as
florestas anteriormente comuns, apropriadas pelos senhores] devem ser devolvidas
para a comunidade, para que todos possam satisfazer suas necessidades de madeira para a construção e lenha.
[...] 10) Muitos se apropriaram dos pastos
e das lavouras que eram posse da comunidade. Queremos essas de volta em nossas mãos. (Blickle, 2004, pp. 26-27, tradução nossa, resumido)
justiça ambiental.
Apesar de os camponeses, depois da
revolta, terem sido considerados derrotados,
nos anos subsequentes iniciaram-se reformas
que resultaram, em 1555, na formalização do
direito ao recurso individual ou coletivo dos
súditos contra as ações dos senhores, nas instâncias mais altas da ordem jurídica do então
denominado Sacro Império Romano da Nação
Germânica. Em consequência, surgiu um sistema complexo de jurisprudência sobre o uso das
florestas, constituído em dominium utilis (direitos de uso), dominium directum (direitos de
posse) e dominium pleno (direito pleno de uso
e posse). Nesse conjunto, os direitos das famílias de usufruir das florestas de forma a garantir o necessário para a sua existência tornou-se
um dos pontos mais disputados. Essa norma,
chamada Hausnotdurft (Fetzer, 2002, p. 251),
abrangeu, além do direito da retirada de lenha
Analisando a citação, observa-se que a
e de madeira para construir, entre outras coi-
luta dos camponeses não era apenas contra os
sas, casas e cercas, também sistemas combina-
abusos de poder pela nobreza. Um dos princi-
dos de pastagem e produção florestal (sistemas
pais focos era o restabelecimento e fortaleci-
silvipastoris). O direito da Hausnotdurft preva-
mento do modo de produção do espaço basea-
leceu sobre o uso particular pela autoridade,
do nos direitos de uso comum, que eram cada
como, por exemplo, para a produção do mer-
vez mais desrespeitados pela nobreza, amea-
cado. Assim, os usos particulares foram limi-
çando o sustento dos camponeses; era uma
tados pelo uso comum das florestas. Contudo,
luta em torno da distribuição do poder sobre o
em decorrência da degradação das florestas,
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
causada principalmente pelo crescimento po-
material do território durante o feudalismo.
pulacional, essa norma foi cada vez mais ques-
Também explicam por que esse sistema se
tionada pela nobreza, que alegava não se tra-
manteve por tanto tempo, elucidando o “de-
tar de um direito, mas apenas de uma permis-
senvolvimento tardio” de algumas regiões
são ou um ato de clemência nos seus domínios
alemãs. Numa outra leitura, a relativa estabi-
(Grundherrschaften). Os conflitos entre os súdi-
lidade do sistema feudal era fruto do aparelho
tos – que defendiam seus direitos comuns – e
jurídico desenhado para tratar e mediar os
os senhores – que reivindicavam seus direitos à
“conflitos dos súditos” ( Untertanenkonflikte ),
propriedade (Eigentum) – se estenderam até o
obrigando as partes de debater suas posições
século XVIII, quando ocorre a passagem do sis-
num espaço formalmente circunscrito. Tal fato
tema feudal para o capitalismo. Em decorrência
fornece uma explicação para a suposta falta
da ampliação das relações mercantis, tornou-se
de potencial revolucionário nos séculos pos-
frequente a venda dos direitos de uso das flo-
teriores à guerra dos camponeses. Porém, é
restas comunitárias ou de seus produtos (ma-
preciso destacar que a maioria dos processos
deira ou outros produtos florestais) para obter
jurídicos, que frequentemente duravam déca-
renda monetária – não apenas pela nobreza,
das, beneficiava os poderes hegemônicos, in-
mas também pelas próprias comunidades cam-
troduzindo, assim, as condições básicas para a
ponesas. Em consequência, a nobreza procurou
implementação do modo de produção capita-
sistematizar a contabilização, o destino do uso
lista do espaço.
das florestas, separando quantitativamente as
O que é interessante nesse contexto é
necessidades para a Hausnotdurft e para a co-
que os senhores, na sua argumentação para
mercialização. Como essa nova forma de ren-
derrubar os direitos comunitários, obliteraram
da monetária permitia sanar as necessidades
o crescimento populacional expressivo como
básicas dos camponeses por meio do mercado
uma das causas da superexploração das flo-
ao invés da produção própria, os limites entre
restas. Esse era, em princípio, um argumento
a produção para o autoconsumo e para a co-
relevante, pois a circulação restrita de merca-
mercialização ficaram cada vez menos claros.
dorias impossibilitava a troca à longa distância
Diante da crescente complexidade dos cálculos,
da maioria dos produtos. Consequentemente,
iniciou-se a busca pelo uso racional das flores-
o aumento da produtividade para a subsis-
tas baseado em métodos científicos, cujos re-
tência das famílias camponesas seria uma
sultados foram gradativamente utilizados para
contribuição importante para a consolidação
enfraquecer o direito à Hausnotdurft. Aos pou-
de uma sustentabilidade social. Contudo, ao
cos, aumentou também a venda das próprias
invés disso, os senhores enfatizavam, nas suas
florestas, gerando uma onda de processos jurí-
justificativas, o mau uso da Allmende (terras
dicos (Fetzer, 2002).
comum) pelos camponeses, reivindicando, as-
Essas breves considerações mostram
sim, a diminuição dos direitos e promovendo o
a complexidade das normas política e social-
manejo racional das florestas organizado pelos
mente construídas que determinaram o modo
estudiosos da elite, culminando na sistematiza-
de produção do espaço e, assim, a apropriação
ção desse conhecimento na obra de Carlowitz,
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escrita em 1713. O resultado foi a progressiva
devido à transformação de uma sociedade
apropriação das florestas pelos senhores como
agrária em sociedade urbano-industrial.
propriedade privada, com a finalidade de pro-
Considerando esse contexto socioeco-
duzir excedentes de madeira de boa qualidade,
nômico, o manejo sustentável defendido por
o que não era possível nos sistemas de uso
Carlowitz foi, possivelmente, a primeira propos-
múltiplo dos camponeses. Com o impedimento
ta de “modernização ecológica”, pois ele não
de outros usos, sobretudo os sistemas silvipas-
questionou os processos de industrialização e
toris, iniciou-se o processo que chamamos aqui
urbanização subjacente à crise detectada, mas
de monoculturização econômica das florestas.
apenas apresentou a possibilidade de resolver
Nesse contexto, as florestas são subordinadas
o problema por meios técnicos, aumentando a
ao valor de troca para atender à crescente de-
produção de madeira. Por outro lado, apontou
manda dos mercados externos por madeira,
o desencontro temporal entre os ciclos de cres-
perdendo sua função de sustentar as formas de
cimento das florestas e os ciclos econômicos,
vida no campo, guiadas pelos valores de uso.
reconhecendo, de certa forma, uma limitação
do crescimento da produção. Cabe lembrar que,
embora o centro da atenção fossem as cres-
O manejo florestal no contexto
da consolidação do sistema
urbano-industrial-capitalista
centes demandas industriais, quando fala da
necessidade do aumento da produtividade para garantir a Notdurft ou Hausnotdurft, o autor
lembrou-se da função social das florestas para
as finalidades existenciais comuns. Porém, a so-
A compreensão do papel do manejo susten-
lução do problema é apresentada como exclu-
tável no âmbito do surgimento da socieda-
sivamente técnica e administrativa, sem consi-
de urbano-industrial-capitalista fica mais
derar a questão do direito ao uso do território
clara quando analisamos as justificativas de
e os conflitos sobre a terra. Anunciavam-se,
Carlowitz (1713/2000) para a introdução do
então, as temáticas que ainda causam discor-
novo sistema. Para ele, as principais causas pa-
dâncias entre cornucopianos e malthusionos2
ra a escassez da madeira eram – além dos pon-
nos debates contemporâneos sobre justiça am-
tos já citados – a demanda da mineração de
biental e desenvolvimento sustentável.
prata nas montanhas do Erzgebirge (uma área
montanhosa na Alemanha central), a construção de navios, a quantidade elevada de madeira usada como material de construção nas crescentes cidades e o uso de carvão vegetal nos
vários ramos da metalurgia. De fato, Carlowitz
A insustentabilidade
do modo de produção
capitalista do espaço
(1713/2000) se referiu a uma crise energética
que, na época, afetava toda a vida social e eco-
Numa outra leitura, podemos interpretar que
nômica, cuja principal fonte de energia era a
o sistema de manejo florestal de Carlowitz
madeira. Era uma crise da escassez de recursos
foi adotado para fomentar o crescimento
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
econômico à custa da sustentabilidade das co-
dos países do centro oriunda de tais relações
munidades camponesas. Aparentemente, a es-
desiguais se apresenta ainda mais expressiva
tratégia teve sucesso. Inicialmente, foram plan-
quando consideramos a “mochila ecológica”,
tadas florestas mistas com espécies nativas,
ou seja, a quantidade de material e energia
substituídas por plantações de monoculturas
acumulada durante os processos de produ-
com espécies exóticas, como a conífera Picea
ção de bens para exportação (Schmidt-Bleek,
excelsa. Em consequência, a cobertura de flo-
1994). Para se ter uma ideia, 43% da produ-
restas na Alemanha, hoje, é maior do que nos
ção total de energia no Brasil são consumidos
tempos de Carlowitz (Schmidt, 2007).
nos processos produtivos de bens destinados
Contudo, tal fato não é consequência de
à exportação (Bermann, 2011). Essa forma
uma política que visava ajustar o desenvolvi-
do sobre-consumo dos países centrais à custa
mento ao ritmo da regeneração dos recursos
das nações periféricas pode ser quantificada
naturais. Na verdade, a floresta perdeu sua
com base em conceitos como espaço ambien-
impor tância como recurso, pois a madeira, co-
tal (Opschoor e Weterings, 1994) e pegada
mo fonte principal de energia, foi substituída
ecológica (Wacker-Nagel e Rees, 1996). Tais
por carvão mineral, petróleo, energia nuclear,
abordagens se referem à quantidade de solo,
entre outros, o que diminuiu a pressão pela
energia, água e matéria-prima não renovável
exploração das florestas. Além disso, com a
necessária para os padrões de consumo de
consolidação do colonialismo e do imperialis-
determinadas sociedades. Tais conceitos per-
mo em nível global, estava em plena expansão
mitem identificar desequilíbrios em relação à
o modo de produção capitalista do espaço,
equidade global, ideia normativa segundo a
com a ampliação das relações mercantis e da
qual todo cidadão do planeta tem o mesmo
subordinação de outros territórios. Posterior-
direito de usufruir os recursos naturais. A títu-
mente, na era pós-colonial, a apropriação terri-
lo de exemplo citamos os cálculos do Global
torial das sociedades industriais se intensificou
Footprint Network que indicam que seriam ne-
por meio de relações comerciais desiguais, que
cessárias 2,57 terras se toda a população glo-
tornaram as nações “em desenvolvimento”
bal tivesse a mesma pegada ecológica que os
fornecedores de matéria-prima e produtos se-
cidadãos alemães (Global Footprint Network,
mifabricados de baixo custo. A diferença da
2012a). No caso do Brasil, seriam apenas
produção de mais-valia desses produtos em
1,67 terras, contudo com tendência crescente
comparação com aqueles industrializados pe-
(Global Footprint Network, 2012b), indicando
los países de centro configurou uma situação
que existe uma injustiça entre os dois países,
de dependência econômica dos países peri-
com a ressalva de que ambos têm que redu-
féricos, que só podiam adquirir os produtos
zir o seu consumo per capita para alcançar a
industrializados por meio de endividamento
equidade global. Embora essas propostas utili-
externo. Essa troca desigual, a chamada tese
zem critérios que ainda estão causando inten-
de Singer-Prebisch, configurou um teorema
sos debates, elas estimulam a discussão sobre
central na corrente da teoria da dependência
a troca ecológica desigual (Rice, 2009), que
(Toye e Toye, 2003). A apropriação territorial
faz referência à tese da troca desigual citada
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Klemens Laschefski
acima. Nesse contexto, a dívida econômica
modelo de desenvolvimento, a dimensão es-
dos países periféricos é contraposta à dívida
pacial é tratada de forma abstrata. Por isso,
ecológica dos países do centro, sob a alegação
para ilustrar melhor as consequências da ex-
que o processo de crescimento econômico foi,
pansão do modo de produção espaço capita-
na verdade, subsidiado pela apropriação do
lista, focalizamos aqui sua materialização no
espaço ambiental. Essa interpretação justifica
espaço vivido. Não se pode negar que esse
as reivindicações para o perdão das dívidas
processo resultou numa forte reconfiguração
dos países periféricos ou para o pagamento de
territorial de abrangência global, caracteri-
compensações.
zada pela concentração de grande parte da
Entretanto, Pádua (2000) apontou a ina-
população nos centros urbanos. No entan-
dequação da associação da dívida ecológica ao
to, sua hinterlândia , denominado campo ou
consumo médio de países diante as desigual-
zona rural, geralmente é negligenciado na
dades sociais internas, já que em países emer-
discussão sobre a sustentabilidade urbana, fi-
gentes existem classes sociais com patamares
cando subordinado às diversas demandas das
de consumo equivalentes aos dos países do
cidades e se configurando como um mosaico
centro. Essa observação nos leva de volta às
de recortes espaciais uniformes para a pro-
desigualdades sociais presentes nas próprias
dução de alimentos e matéria-prima para as
cidades, onde as áreas urbanas são locais de
indústrias. A produção agrícola, nesse contex-
consumo elevado e o campo é transformado
to, segue a mesma lógica da produção indus-
em área de sustentação desse consumo, re-
trial, produzindo exclusivamente mercadorias
forçando o processo de produção capitalista
específicas com ajuda de novas tecnologias,
do espaço. Porém, não podemos esquecer os
agroquímicos e maquinário específico. Tais
espaços periféricos urbanos, onde se concentra
”paisagens industriais” passam a fazer siste-
a população que luta pelo acesso ao consumo
micamente parte do ”urbano” e perdem suas
e também ao território, como aprofundaremos
características, frequentemente subsumidas
mais adiante. Assim, é necessário ressaltar que
no termo ”rural”. Com a expansão das lavou-
a sustentabilidade social não se restringe ape-
ras extensas, por exemplo, foram extintos mo-
nas à questão de distribuição dos recursos, que
dos de produção do espaço de grupos rurais,
pode ser reduzida às formas de produção de
como camponeses, povos indígenas e outras
riquezas abstratas com base no valor de troca
populações tradicionais. Em consequência,
e, assim, aos debates clássicos entre a econo-
processos como o êxodo rural – estimulado,
mia de mercado e de estado. Ao invés disso, a
por um lado, pela perspectiva de emprego
busca pela sustentabilidade tem que considerar
remunerado e, por outro, pela apropriação de
outras formas sociais de apropriação material e
terras camponesas nas mais variadas formas,
simbólica da natureza e do meio ambiente, que
descritas por Marx como acumulação primiti-
foge dos princípios de produção do espaço das
va – resultam na monoculturização ecológica
sociedades modernas.
e social do campo. O termo monoculturização
Diante do exposto, podemos ver que,
também é usado aqui para se referir à subor-
na discussão sobre a insustentabilidade do
dinação de áreas de diversidade ecológica e
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
cultural a usos especializados de territórios,
renda e oportunidades de emprego. Esperava-
como o faz a mineração e as hidrelétricas.
-se que, dessa maneira, seria alcançada a in-
Com a ampliação das possibilidades de
serção social de todos os membros dessa no-
transporte e armazenagem, a globalização e a
va sociedade urbano-industrial-capitalista no
flexibilização dos mercados, a hinterlândia dos
mercado, estimulando o consumo em massa,
espaços urbanos se torna cada vez mais dis-
garantindo, assim, o crescimento “autossusten-
persa, fluida, impossível de ser relacionada a
tado” e o bem-estar da nação (Rostow, 1956).
territórios com limites concretos. Diante disso,
Esses princípios básicos do desenvolvi-
a territorialidade da cidade moderna apenas
mento ainda permeiam, de forma modificada,
pode ser entendida como elemento concen-
as políticas urbanas atuais, sobretudo no Bra-
trador de trocas em redes que abrangem o
sil. Isso, apesar dos debates sobre as limitações
espaço global como um todo, dominado, nas
dessa concepção para alcançar o mesmo nível
palavras de Santos (1996), pelo meio técnico-
de desenvolvimento dos países de centro dian-
-científico-informacional necessário para sua
te da situação de dependência provocada pela
organização. A cidade moderna, então, encon-
situação da troca desigual e da situação con-
tra-se numa situação de competição, não ape-
correncial na luta pelo espaço ambiental.
nas no que se refere à alocação de mercados,
Também em relação a outros aspectos,
mas também em relação à incorporação de
as visões idealizadas sobre o desenvolvimen-
espaço(s) ambiental(is).
to urbano-industrial negligenciam o processo
As grandes teorias de desenvolvimen-
histórico bastante contraditório da formação
to que surgiram na época da descolonização,
das cidades industriais europeias, com conse-
depois da Segunda Guerra Mundial, previram
quências hoje denominadas não sustentáveis,
a reproduzir o processo histórico de moder-
que se repetem, em parte, nos chamados paí-
nização urbano-industrial nos recém-criados
ses em desenvolvimento. Na Europa, a oferta
Estados-nação de forma planejada em poucas
de emprego na fase inicial da industrialização,
décadas. No Brasil, investiu-se na criação de
por exemplo, provocou um inchaço popula-
“polos de crescimento econômico” (Perroux,
cional nos centros urbanos, que, combinado
1967), estimulados por políticas de investimen-
com a exploração ilimitada dos trabalhadores
to em indústrias-chave. Esperava-se que, após
industriais, envolvendo até o trabalho infantil,
a chamada fase take off (deslanchamento), ini-
criou condições extremamente insalubres e
ciada pela geração de renda nessas indústrias
gerou profundas tensões sociais. Nos centros
e a inclusão de alguns segmentos sociais no
industriais de Londres e Hamburgo, por exem-
mercado, surgiria um processo “bola de neve”
plo, a construção de moradias, a infraestrutura
que beneficiaria a sociedade como um todo.
sanitária, os serviços sociais e os sistemas de
Isso porque os trabalhadores assalariados, por
saúde não acompanharam tais dinâmicas. As
sua vez, aqueceriam a economia em função da
condições de vida pioraram drasticamente, a
demanda por alimentos, roupas, entre outros.
ponto de o mau estado de saúde dos trabalha-
Consequentemente, outras indústrias e servi-
dores ameaçar a própria acumulação do capi-
ços seriam atraídas, os quais, de novo, gerariam
tal, sobretudo nos casos de epidemias. Exemplo
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Klemens Laschefski
disso foi a epidemia de cólera em Hamburgo,
seus arredores, com os setores de serviços ad-
em 1892, que matou 8.600 habitantes, com re-
ministrativos e de comércio para atrair investi-
flexos profundos na economia local. Segundo
dores internos e externos. De fato, foram prin-
Schubert (1993), a epidemia foi motivo para
cipalmente as mineradoras de países europeus
a adoção de políticas públicas para a reestru-
que se apropriaram de grandes terrenos, ex-
turação urbana, que envolveram, entre outras
plorando matéria-prima e produtos semifabri-
ações, a construção de moradias adequadas,
cados, enquanto a maior parte da produção de
um sistema eficiente de abastecimento de
mais-valia acontecia em seus países de origem.
água, postos de saúde e um programa de revi-
Apenas posteriormente se instalaram indús-
talização construtiva de bairros populares. Inte-
trias de fabricação de máquinas e automóveis
ressante notar que, já em publicações de 1906,
destinados ao mercado interno.
foi mencionado que tais medidas – que, nos
Contudo, como em muitas outras cida-
dias de hoje, são recorrentes no planejamento
des de países “em desenvolvimento”, a conse-
ambiental urbano –, propiciaram, além do me-
quência de tais políticas foi o desencadeamento
lhoramento da qualidade de vida para alguns, a
de processos incontroláveis, como a migração
especulação imobiliária e a concorrência entre
rural e a periferização do espaço urbano. Tais
edifícios comerciais e administrativos e prédios
fatos tornaram necessária a criação do Plambel
residenciais nos centros da cidade, processo
(Planejamento Metropolitano de Belo Horizon-
chamado em inglês de city building. Os bairros
te), pela Lei Estadual nº 6.303, em 1974, que
populares, em decorrência do melhoramento
assumiu, além das questões de desenvolvimen-
da infraestrutura dos meios de transporte de
to industrial, assuntos relativos à habitação. De
massa, foram construídos fora dos limites da
modo geral, segundo Motta (2011), as políticas
cidade, indicando um processo de aprofunda-
habitacionais se concentravam principalmente
mento da segregação social (Schubert, 1993).
na construção de novas moradias por meio de
Analisando o processo de urbanização
programas de financiamento direcionados para
de Belo Horizonte, podemos observar – mes-
a população de baixa renda, ao mesmo tempo
mo sem uma cisão tão impactante como aque-
em que se procurou, por meio de remoções ou
le gerada pela cólera em Hamburgo – pro-
intervenções urbanas, a extinção de áreas domi-
cessos semelhantes. Trata-se de um exemplo
nadas pela autoconstrução de habitações. Um
de cidade planejada na concepção moderna
exemplo é o Projeto Vila Viva, iniciado em Be-
urbano-industrial delineada acima. O espaço
lo Horizonte no ano de 2000, frequentemente
urbano era, inicialmente, planejado de acordo
apresentado como modelo de urbanização e
com determinadas funções sociais, econômi-
desfavelização. Apesar das aparentes melhorias
cas e administrativas, que ainda se refletem
na área – a custo de remoções e outros impac-
em nomes de bairros como Cidade industrial,
tos profundos nas relações socioespacias –,
Funcionários, entre outros. Os planejadores
instaurou-se um processo recorrente de valo-
focalizaram as “condições de produção” para
rização de imóveis, que se tornaram, assim,
indústrias-chave ligadas à siderurgia e meta-
inacessíveis para o grupo-alvo: as camadas so-
lurgia em função das riquezas de minério nos
ciais mais carentes. Motta (2011) destaca que
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
uma das principais causas desse descompasso
são os principais palcos de conflitos ambien-
é que todas as políticas habitacionais visaram o
tais. Tais conflitos ambientais podem ser: distri-
financiamento de moradias; com o efeito, as ha-
butivos, que ocorrem em torno da aplicação de
bitações foram concebidas como mercadorias.
recursos públicos para o acesso à água potá-
Consequentemente, os subsídios para os pro-
vel ou à instalação de equipamentos urbanos
gramas de habitação foram apropriados pelo
e infraestrutura de saneamento para melhorar
empresariado do ramo através de processos de
a qualidade de vida na região; espaciais, que
especulação imobiliária, direcionando-os a gru-
se referem à localização de fontes poluidoras,
pos com condições econômicas consolidadas
como fábricas, que afetam a população pelas
para liquidar as dívidas a médio e longo prazo
emissões gasosas, liquidas ou sonoras que se
(Motta, 2011; Costa, 2003). Assim, explica-se
espalham no espaço; territoriais, que giram em
a continuação das lutas pela moradia e o sur-
torno de como determinados grupos realizam
gimento de novas favelas em tempos atuais,
formas de vida que não correspondem aos sig-
evidenciando, assim, a insustentabilidade das
nificados atribuídos por outros grupos, como,
formas atuais de urbanização.
por exemplo, a ocupação de áreas de risco.
Ainda segundo Motta (2011), podemos,
Entendemos que essa diferenciação de con-
nesse contexto, diferenciar conflitos em torno
flitos torna-se necessária diante das possíveis
1) da permanência e acesso à moradia, que
respostas para sua resolução. As duas primeiras
envolve, além da construção de moradias e da
categorias, os distributivos e os espaciais po-
regularização fundiária de bairros existentes,
dem, em princípio, ser amenizados por meios
ocupações de terrenos e prédios abandona-
técnicos e administrativos e uma gestão ade-
dos; 2) de questões de infraestrutura, como
quada. Os conflitos ambientais territoriais, por
a implantação e/ou melhoria do sistema de
sua vez, indicam as contradições profundas do
saneamento (redes de abastecimento de água
próprio modo de produção capitalista do espa-
eficientes, redes coletoras de esgoto, cana-
ço e da distribuição de poder sobre o território
lização e recuperação de córregos devido a
(Zhouri e Laschefski, 2010), que apontam a ne-
enchentes constantes); dos transportes (asfal-
cessidade de repensar a configuração socioes-
tamento e abertura de vias, implantação ou
pacial como procuramos mostrar a seguir.
melhoria de linhas de ônibus); da instalação
Obviamente, os conflitos ambientais não
de rede elétrica, entre outros; e 3) de obras de
se restringem aos bairros populares; problemas
urbanização, geralmente realizadas pelo poder
ambientais como poluição, tráfico intenso, im-
público, que implicam remoções ou mudanças
permeabilização dos solos, enchentes, entre
no modo de vida.
outros, afetam a população urbana como um
Todos esses conflitos tangenciam ques-
todo, porém de forma desigual. Dessa forma,
tões da sustentabilidade urbana, tanto em rela-
os conflitos ambientais indicam também aspec-
ção à desigualdade social como aos problemas
tos da desigualdade social que, ao final, tem o
ambientais. Lembramos que os bairros popula-
seu reflexo na violência urbana. Por causa de-
res, sejam eles formais ou informais, são locais
la, muitos moradores com renda mais elevada
onde se manifestam injustiças ambientais, pois
consideram insustentável a vida urbana nessas
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Klemens Laschefski
condições e procuram sossego e segurança fora da cidade ou em loteamentos fechados com
aparência fortificada (Laschefski, 2006; Men-
O metabolismo socioambiental
e as relações do poder
donça, 2003; Costa, 2003). Enuncia-se, assim,
mais uma contradição: a urbanização promove
Diante do exposto, fica claro que a busca por
a aproximação espacial dos moradores das ci-
cidades sustentáveis tem que considerar o
dades, mas, diante da insegurança do cotidia-
metabolismo urbano, mostrado por Lefèbvre
no, eles fogem, optando pelo isolamento indi-
(1991) a partir do exemplo da relação de uma
vidual, pelo distanciamento no espaço social
casa com o contexto socioespacial:
nas mais variadas formas de guetos (além dos
empreendimentos imobiliários, podemos mencionar clubes e shopping centers com acesso
restrito, entre outros).
Se considerarmos que o espaço ambiental de Belo Horizonte ultrapassa os limites da
cidade construída, confirma-se a tendência à
monoculturização da hinterlândia, que se materializa na expansão do setor agropecuário
comercial e na instalação de grandes barragens como Furnas, Três Marias e Irapé. Nesse
contexto, destacam-se as áreas de mineração,
que formam, junto com as indústrias da siderurgia e extensas plantações de eucalipto e
Pode-se ver [a casa] como um epítome da
imobilidade com os seus contornos fortes,
frios e rígidos [...] Contudo, uma análise
crítica, sem dúvida, destruiria a aparência de solidez desta casa […] À luz dessa
análise imaginária nossa casa emergiria
como permeada por fluxos de energia de
todas as direções que passam para dentro
e fora através de todos os caminhos imagináveis: água, gás, eletricidade, linhas
de telefone, sinais de rádio e televisão,
entre outros […] a cidade [...] consome
quantidades colossais de energia, física e
humana, [...] é efetivamente uma fogueira constantemente flamejante. (Lefèbvre,
1991, pp. 92-93, tradução nossa)
pinus para produção de carvão vegetal, um
complexo agroindustrial que ocupa grande
Na citação, observamos que a estrutu-
parte das áreas centrais e da região norte de
ra espacial está intrinsecamente vinculada ao
Minas Gerais e do Vale do Jequitinhonha. Essa
consumo individual das pessoas. Mesmo um
situação gera inúmeros conflitos ambientais
cidadão “ecologicamente correto” tem pos-
territoriais junto às populações tradicionais,
sibilidades limitadas de reduzir seus padrões
com processos semelhantes aos que acon-
de consumo devido à estrutura socioespacial
teceram na Alemanha, como descrito acima
dispersa na qual organiza seu cotidiano. Os sis-
(Laschefski, 2010).
temas de água e esgoto, o tratamento do lixo,
Assim, o modo de produção capitalista
as linhas de transmissão de energia elétrica,
do espaço produz cidades que expressam a in-
a rede viária do comércio, seja para alimen-
sustentabilidade do atual modelo de desenvol-
tos ou bens duráveis, envolvem caminhos de
vimento, que gera as chamadas crises ambien-
transporte que abrangem todo o globo. As fun-
tais globais e desigualdade social.
ções sociais básicas como trabalho, compras,
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
educação, entre outros, acontecem a grandes
sociofísicos que incorporam relações metabóli-
distâncias, que só podem ser superadas por
cas e sociais específicas. O mundo, de acordo
meios de transportes motorizados. Em relação
esse autor, seria um ciborgo, parcialmente natu-
ao hinterlandia descrito acima, Freund (2010)
ral, parcialmente social, parcialmente técnico e
lembra que o espaço ambiental dos sistemas
parcialmente cultural, sem fronteiras, centros e
de transporte baseado em carros e dos siste-
limites claros. Assim, quaisquer mudança física
mas fast food como produto da agricultura in-
e ambiental ou modificação dos fluxos, redes e
dustrial e pecuária são insustentáveis em rela-
práticas socioambientais não podem ser enten-
ção à intensidade de energia e recursos, assim
didas independentes das condições históricas,
como em relação ao consumo de terras.
culturais, políticas ou econômicas e das institui-
Nessa perspectiva, revela-se o caráter
ções que as acompanham. Esses metabolismos
ilusório da interpretação da modernidade
socioambientais, frequentemente, abrangem
como a possibilidade de relativa libertação
tendências contraditórias e conflitantes, sobre-
dos constrangimentos ecológicos diante das
tudo quando qualidades socioambientais são
possibilidades da divisão do trabalho, da tro-
reforçadas em um lugar para alguns – huma-
ca mediada pelo mercado e da capacidade
nos e não humanos –, resultando na deteriora-
humana para transformar o mundo biofísico
ção das condições socioecológicas de um outro
(Goldblatt, 1996). A pegada ecológica da so-
lugar, como expresso, de forma abstrata, nos
ciedade moderna está mais alta do que nunca
conceitos espaço-ambiental ou pegada ecoló-
e os indivíduos, inseridos num sistema de pro-
gica, apresentados anteriormente. Dessa forma,
dução e reprodução de abrangência global,
os processos de mudança metabólica nunca
jamais foram tão dependentes dos recursos
são socialmente ou ecologicamente neutros.
materiais. Na verdade, o mercado leva à abs-
As redes socioecológicas são permeadas pelas
tração das relações socioespacias, ofuscan-
geometrias de poder, que decidem, finalmente,
do, assim, a base de reprodução material da
quem tem acesso aos recursos ou outros com-
sociedade moderna, tornando-a invisível aos
ponentes do meio ambiente e controle sobre
seus integrantes individuais. Iniciativas para a
eles e quem está excluído desses imbróglios
conscientização da população em relação aos
metabólicos (Swyngedouw, 2007).
seus padrões de consumo, como parte da edu-
Nesse contexto, o autor cita o direito à
cação ambiental, são, diante dessas relações
cidade, de Henri Lefébvre, que implicaria tam-
socioespaciais, insuficientes para alcançar al-
bém no direito ao metabolismo. Com respeito
guma forma de sustentabilidade.
a essa temática, Harvey (2008) afirma que o
Segundo Swyngedouw (2007), esse me-
direito à cidade abrange muito mais do que a
tabolismo socioambiental da sociedade globa-
liberdade individual para acessar os recursos
lizada, diante do seu conteúdo social e de suas
urbanos. Seria mais um direito comum do que
qualidades físico-ambientais, precisa ser enten-
um direito individual, pois essa transformação
dido como uma produção histórica. Qualquer
depende inevitavelmente do exercício do poder
parque urbano, arranha-céu ou reserva natural
coletivo para reformar os processos de urbani-
contém e expressa um conjunto de processos
zação. Trata-se, de acordo de Harvey (2008), de
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157
Klemens Laschefski
um dos direitos mais negligenciados entre os
direitos humanos.
Nessas afirmações, reflete-se a ideia de
que o primeiro passo para a superação dos impasses socioambientais do espaço urbano seria a verdadeira democratização da sociedade,
que implica também a aceitação de situações
de conflito ao invés de políticas participativas
que promovem consensos artificiais em cam-
ambiental, à infraestrutura urbana, ao
transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações
representativas dos vários segmentos da
comunidade na formulação, execução e
acompanhamento de planos, programas
e projetos de desenvolvimento urbano.
(Brasil, 2001)
pos caracterizados por assimetrias nas relações do poder.
Para realizar tais tarefas, essa lei prevê,
no seu Artigo 32º, a operação urbana consorciada, que é
Do Direito à Cidade
ao Estatuto da Cidade:
um caminho para a
sustentabilidade urbana?
Harvey (2008) menciona no seu artigo a conquista dos movimentos sociais urbanos no
Brasil, que conseguiram a consolidação legal
de reivindicações importantes no Estatuto da
Cidade do Brasil, definido pela lei 10.257, de
10 de julho de 2001. De modo geral, essa lei
é considerada um passo importante para a garantia do direito à cidade e a democratização
das políticas urbanas, devido à regulamentação
da função social da terra e da participação na
elaboração de planos diretores, entre outros.
Citamos o Artigo 2º:
A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade
urbana, mediante as seguintes diretrizes
gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
158
§ 1 [...] o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público
municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo
de alcançar em uma área transformações
urbanísticas estruturais, melhorias sociais
e a valorização ambiental. (Brasil, 2001)
As operações urbanas são executadas
principalmente por intermédio de Parcerias Público-Privadas (PPP). Como exemplo de implementação dessa lei, apresentamos aqui alguns
aspectos levantados em torno de uma pesquisa
em andamento sobre a Operação Urbana do
Isidoro, uma das últimas áreas verdes de Belo
Horizonte. Procuramos investigar como a gestão democrática é realizada na prática e em
qual sentido os discursos da sustentabilidade
social e ambiental são empregados pelos atores envolvidos.
Na leitura oficial, a área em questão
se caracteriza pela urbanização espontânea
e irregular. Para enfrentar essa situação, a
prefeitura de Belo Horizonte estabeleceu, no
âmbito da operação urbana, uma PPP com o
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013
500 anos em busca de sustentabilidade urbana
empreendimento Granja Werneck S/A. O proje-
Interessa analisar, então, como o empre-
to foi apresentado como uma inovação do pla-
endimento se relaciona com as comunidades
nejamento urbano sustentável e visa à constru-
já existentes no entorno da área prevista para
ção de 17.500 unidades habitacionais em áreas
sua construção, compostas por populações pri-
preservadas. O Estudo de Impacto Ambiental
vadas do direito à cidade, moradores de bairros
(EIA) do empreendimento propõe uma série de
informais, parcialmente localizados em áreas
medidas em relação à eficiência energética, tra-
de proteção ambiental e de risco geológico,
tamento de lixo, saneamento e equipamentos
ameaçados de remoção.
urbanos (MYR – Projetos Sustentáveis, 2011),
O fato é que o empreendimento Granja
que correspondem, de modo geral, a medidas
Werneck é destinado a atender, principalmente,
da modernização ecológica promovidas por re-
classes sociais com poder aquisitivo mais ele-
des de governos municipais como a Internatio-
vado. Contudo, de acordo com o regulamento
nal Council for Local Environmental Initiatives
(ICLEI),3 que já estão sendo amplamente inseridas em políticas públicas municipais. De certa
forma, seguem o modelo da cidade compacta,
visando à redução das relações socioespaciais
através de um setor de serviços, creches, escolas e um centro comercial na proximidade das
novas unidades habitacionais.
O que chama a atenção é que os empreendedores idealizaram o projeto como a construção de um novo “bairro”, apresentando o
centro de serviços e comércio como uma “[...]
aldeia [...] que proporcionará, acima de tudo,
a volta da vida em comunidade, a noção humanista de lugar e a vida em harmonia com o
meio ambiente” (MYR – Projetos Sustentáveis,
2011, p. 34, grifos nossos). O que surpreende
é a apropriação de termos que frequentemente
são relacionados às formas de vida no campo,
fruto de uma trajetória de convivência de gerações, consideradas “atrasadas” em relação à
sociedade moderna, ou seja, algo sujeito a um
processo evolutivo que dificilmente pode ser
”construído”. Nesse discurso, reflete-se o apelo
emocional a uma certa saudade direcionado a
possíveis compradores que procuram sossego
diante das ameaças urbanas supracitadas.
da Operação Urbana do Isodoro, 10% das habi-
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tações construídas na área interna desse novo
bairro deveriam ser destinadas à Política Municipal de Habitação, para atender famílias com
renda de 0 a 6 salários mínimos. Porém, no EIA,
consta que o empreendimento visa beneficiar o
segmento de 3 a 10 salários mínimos:
O empreendimento – Granja Werneck –
poderá contribuir com o programa – Minha Casa Minha Vida – atendendo a população com faixa salarial familiar acima
de três salários mínimos. Para a população que tem renda abaixo deste patamar
deverá ser inviável comercializar os imóveis, cujo valor será agregado de custos
como o alto valor dos terrenos, impostos,
contrapartidas e alta dos materiais de
construção. (MYR – Projetos Sustentáveis,
2011, p. 49)
Diante das exigências da política habitacional, os empreendedores procuram atender
aquele grupo que, segundo o programa governamental Minha Casa Minha Vida, tem acesso
ao financiamento de imóveis orçados entre
R$80 mil e R$130 mil. A justificativa de considerar apenas grupos com salários maiores é essencialmente baseada na perspectiva de obter,
159
Klemens Laschefski
entre as faixas salariais determinadas pelas
entendemos que a especulação acelerada, pro-
políticas habitacionais, o maior lucro possível.
movida por projetos como a Granja Werneck,
Como a Política Municipal de Habitação prevê
tem potencial de agravar a segregação socio-
o atendimento de populações com renda de 0
espacial em função da pressão direta ou indi-
a 3 salários mínimos, os empreendedores estão
reta para que os moradores atuais saiam da
negociando a construção de 1.750 unidades
região. Contudo, cabe lembrar que, de forma
habitacionais para esse público, mas fora dos
contraditória, empreendimentos desse porte
limites da área planejada. Verifica-se, assim, a
podem levar a um movimento inverso: a atra-
afirmação de Acselrad (2004) de que esse tipo
ção de um elevado contingente populacional
de “empreendedorismo urbano”, promovido
na busca de emprego nas residências desses
pelo próprio poder municipal, é pautado nas
empreendimentos imobiliários como jardinei-
vantagens econômicas, que subordinam as for-
ros e outros serviços domésticos, que se instala
mulações das políticas públicas, gerando novos
na região sem a devida infraestrutura urbana,
conflitos territoriais na área do entorno.
problemática já analisada em outros trabalhos
Durante as reuniões de comunicação
(Laschefski, 2006; Laschefski e Costa, 2008).
social às comunidades vizinhas – exigência do
Contudo, cabe lembrar que entidades
órgão licenciador para atender os requisitos
da sociedade civil organizada, como ONG am-
do Estatuto da Cidade com respeito à partici-
bientais, compartilham as preocupações em
pação –, estão sendo tratados apenas os pos-
relação aos futuros problemas do entorno, mas
síveis efeitos positivos indiretos oriundos da
não se posicionam contra essa forma de em-
dinamização econômica da região. No momen-
preendedorismo imobiliário. O coordenador do
to da conclusão deste artigo, o objetivo princi-
Projeto Manuelzão, Marcus Vinícius Polignano,
pal da comunicação social ainda não foi alcan-
alegou: “[...] o projeto tem aspectos positivos
çado: esclarecer como as comunidades serão
no que tange à área que vai ser ocupada, mas
impactadas pelos efeitos direitos e indiretos
falta ser discutido o que vai acontecer no en-
do empreendimento e discutir a viabilidade de
torno” (Manuelzão, 2011). Tal afirmação sur-
propostas de amenizar ou evitar os impactos
preende diante da possibilidade de supressão
negativos (Landes et al., 2012). Contudo, co-
da vegetação nativa por causa da construção
mo esse processo ainda estava em andamento,
dos edifícios e os impactos de aproximada-
não é possível uma avaliação final dele.
mente 200.000 novos moradores na bacia
Além disso, não há clareza sobre as reais
hidrográfica. Aparentemente, há certa acei-
consequências da supervalorização dos imóveis
tação da hipótese de que a preservação das
para a população carente. É bem provável que
áreas restantes pode ser alcançada por meio
será ainda mais difícil adquirir uma moradia
da agregação de valor aos imóveis, visando
naquela localidade, conquistar a documen-
compradores que procuram proximidade com
tação de titulação de propriedade dos lotea-
as belezas cênicas das paisagens da região. A
mentos antigos não regulamentados e, ainda,
estratégia da ONG, de acordo de Polignano, é
permanecer nesse espaço por causa da eleva-
discutir, junto com o poder público e outras li-
ção do custo de vida na região. Nesse sentido,
deranças comunitárias, propostas para resolver
160
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
as demandas em torno dos impactos do em-
Horizonte (Costa et al., 2011). A esperança é
preendimento. Assim, para solucionar proble-
que a valorização do território municipal evite
mas ambientais e sociais, essa ONG assume
a reterritorialização de grupos não desejados
um papel proativo e propositivo em relação a
oriundos de outros municípios.
assuntos técnicos e administrativos, mas sem
Entretanto, os municípios, ao apostar
tocar nos processos políticos que possibilitam
na atração de empreendimentos imobiliários
essa nova forma de apropriação do espaço jus-
privados, negligenciam que entram numa lu-
tificada com o discurso da sustentabilidade.
ta concorrencial no “mercado de cidades”
Tudo indica que o Estatuto da Cidade,
(Vainer, 2000), no qual valores relacionados à
na forma como está sendo implementado, in-
aparência da paisagem e à sensação de segu-
duz a um processo que Dagnino (2004) cha-
rança social são elementos de marketing. Tal
ma a confluência perversa da institucionali-
processo transforma não apenas os empreen-
zação da participação da sociedade civil e do
dimentos imobiliários, mas também as próprias
projeto neoliberal.
4
cidades em mercadoria.
Em resumo, o projeto Granja Werneck
Como esses municípios configuram a
está promovendo uma elitização do espaço
continuação territorial da área da Operação
urbano, adotando uma concepção de sustenta-
Isodoro, reduzem-se os espaços para solucio-
bilidade que visa, sobretudo, agregar valor de
nar o déficit habitacional generalizado. Costa
troca aos imóveis comercializados.
et al. (2011) também chamam atenção para
Costa et al. (2011) observaram que essa
a diminuição das áreas rurais nos municípios
versão da sustentabilidade urbana elitizada
estudados, com consequências em relação às
também permeia os Planos Diretores de muni-
atividades agrícolas e de segurança alimentar.
cípios do vetor Norte da Região Metropolitana
Obviamente, nessa realidade, não há espaço
de Belo Horizonte, particularmente aqueles
para a agricultura familiar ou da pequena pro-
integrados à APA Carste de Lagoa Santa, co-
priedade, pois a tendência geral é de elevação
mo Confins, Lagoa Santa, Matozinhos e Pedro
dos patamares de preço da terra. Finalmente,
Leopoldo. As políticas municipais procuram,
Costa et al. (2011) constatam que a política
claro, a regularização e urbanização dos bair-
de elitização do espaço urbano, com base na
ros populares existentes, mas há uma intenção
retórica da sustentabilidade ambiental, ne-
explícita de evitar que seus territórios conti-
gligencia o fato de que os moradores de alta
nuem sendo locais de extensão da urbanização
renda são geradores de intensos fluxos de veí-
periférica. Ao invés disso, pretendem promover
culos, de novas necessidades de consumo, de
atividades econômicas em torno do turismo e
sofisticada infraestrutura urbana e regional, o
loteamentos fechados, mimetizando, assim,
que configura novos desafios para o planeja-
a expansão elitizada da região Sul de Belo
mento urbano.
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Sustentabilidade versus
equidade: a ambientalização
de impasses sociais
poder público poderia investir para resolver os
problemas de habitação.
De fato, há uma tendência de as camadas da população com alta renda de, cada vez
mais, investir em edificações localizadas em
É bem provável que, contraditoriamente, as
áreas montanhosas que necessitam medidas
políticas para promover a sustentabilidade
construtivas sofisticadas. Tal fato mostra que
ambiental à custa da justiça social induzam
a definição de áreas de risco é uma construção
processos de urbanização “descontrolada” em
social; refere-se às pessoas que não têm re-
outros lugares, inclusive em áreas de risco e/ou
cursos suficientes para acessar as tecnologias
destinadas à preservação ambiental. Em prin-
adequadas para manter suas casas em decli-
cípio, esses recortes espaciais são áreas com
ves íngremes. Também não possuem o capital
pouco potencial de agregação de valor, confi-
social necessário para exigir o “direito de per-
gurando-se, no contexto de produção capitalis-
manência” em APP, algo admitido para outros.
ta do espaço, como “sobras”. Assim, constrói-
Exemplo disso é o Bairro Belvedere III, em Belo
-se, artificialmente, o conflito entre “o social” e
Horizonte, que já está ultrapassando a cumeei-
“o ambiental”.
ra da Serra de Curral, uma área tombada pelo
Frequentemente, os moradores dessas
IPHAN, que marca o limite entre os municípios
áreas enfrentam o estigma de “pouco esclare-
de Belo Horizonte e Nova Lima. Inicialmente,
cidos” por colocarem a própria vida em risco,
o bairro sofreu uma ocupação desordenada,
ou de “problema ambiental” por invadirem
promovida por fortes investidores do setor
áreas de alto valor ecológico, o que justifica
imobiliário, causando inúmeros impactos na
sua remoção.
vegetação natural, na situação hidrológica, no
Referimo-nos aqui à fala de um morador
clima e no trânsito, entre outros. Os problemas
de um bairro não formalizado, localizado numa
culminaram na ameaça de importantes ma-
área de APP bastante acidentada, na vizinhan-
nanciais em torno da Lagoa Seca e do Córrego
ça do projeto Granja Werneck. 5 O morador
Cercadinho, um afluente do Ribeirão Arrudas
defendeu que o poder público tem que consi-
que, por sua vez, pertence à bacia hidrográfica
derar que a ocupação da área não é fruto da
do Rio das Velhas. A área é de extrema impor-
ignorância dos moradores e que o risco como
tância para o abastecimento de água potável
morador de rua, exposto ao crime, seria bem
da população da zona sul de Belo Horizonte.
mais concreto do que a possibilidade de um
Mesmo assim, a urbanização promovida pe-
eventual deslizamento. Consequentemente, os
la especulação imobiliária foi posteriormente
moradores de bairros irregulares não devem
legalizada em desrespeito e subsequente fle-
ser considerados como “problema ambiental”,
xibilização da legislação ambiental (Amorim,
mas, sim, como “problema habitacional”. Con-
2007). Entretanto, as correções necessárias
tinuando, alegou que existem técnicas para
para manter a qualidade ambiental são rea-
diminuir os riscos naquelas áreas, nas quais o
lizadas pelo poder público. Vasconcelos et al.
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
(2011) mencionam, por exemplo, a instalação
que envolvem custos adicionais para os mora-
de um novo sistema de drenagem e captação
dores. A condição básica para sustentar a vida
de água de chuva ao redor da Lagoa Seca,
num prédio é a renda fixa e regular, algo raro,
para o qual o poder municipal disponibilizou
sobretudo entre as pessoas cuja faixa de renda
R$7 milhões. O Ministério das Cidades, por sua
é de 0 a 3 salários mínimos.
vez, prevê, no âmbito do Programa de Acele-
A partir do exposto, podemos tirar duas
ração do Crescimento (PAC 2), R$1,8 milhões
conclusões: por um lado, o discurso ambiental,
para um projeto de saneamento integrado em
não raramente, é utilizado para destacar a si-
torno do Córrego Cercadinho.
tuação de ilegalidade de moradores em áreas
O exemplo mostra que as camadas mais
de sensibilidade ambiental ou de risco. Trata-se,
abastadas estão cada vez mais disputando
então, da “ambientalização” de um problema
os morros – termo tradicionalmente utilizado
social: o déficit habitacional. Oblitera-se, assim,
como sinônimo de favelas – com as camadas
outra ilegalidade: a negligência do direito cons-
mais pobres. Obviamente, áreas ocupadas pe-
titucional à moradia digna, que, por sua vez, é
los primeiros dificilmente serão rotuladas como
baseado na Declaração Universal dos Direitos
áreas de risco, mesmo quando apresentam as
Humanos, de 1948.
mesmas características geofísicas e ecológicas
Por outro, o tratamento do déficit habi-
que os bairros irregulares, o que revela uma in-
tacional por meio de instrumentos do mercado
justiça ambiental.
impede que a parcela da população não inte-
No caso de remoções de bairros popula-
grada ou parcialmente integrada à economia
res de áreas consideradas inadequadas surgem
formal usufrua o direito à cidade. Para além
novas contradições com capacidade de provo-
da garantia desse direito em consequência,
car conflitos ambientais. As soluções propos-
entendemos que é preciso ampliar o Estatuto
tas pelo poder público para os removidos é a
da Cidade com a especificação de um “Direito
disponibilização de moradias em edificações
ao Território”.
verticais, em função da falta de espaços destinados a essa finalidade. Contudo, a troca de
um barraco por um apartamento pode provocar grandes transformações no modo de vida
dessas pessoas, já que determinadas ações
Na busca do espaço
sustentável e socialmente justo
não podem mais ser realizadas. Pensemos, por
exemplo, na criação de porcos, galinhas e ou-
Confirma-se, então, a afirmação de Hodson
tros animais, no cultivo de uma horta ou no uso
e Marvin (2008) de que as respostas neolibe-
de um fogão a lenha. Tais atividades não são
rais dominantes baseadas em tecnologias de
apenas um hábito específico; na verdade, com-
acordo com o modelo de cidade e coeficiente
plementam o sustento dessas pessoas, que, em
visam à construção de enclaves para usuá-
sua maioria, não têm emprego fixo. Além disso,
rios premium. Em contraste a essas propostas
morar num prédio significa a regulamentação
convencionais, os autores resumem algumas
do consumo de energia, água e outros serviços
condições básicas para alternativas menos
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direcionadas ao comércio e à tecnologia, com
proposta que permeia quase todos os discursos
o objetivo de pautar a necessidade de criar ci-
sobre cidades sustentáveis.
dades justas na agenda urbana. Isso envolve-
O que surpreende nas soluções propostas
ria principalmente o seguinte questionamento:
para alcançar a sustentabilidade com equida-
para que e para quem servem as respostas,
de é que, em princípio, não há nada de novo.
promovendo uma mudança sociotécnica que
Já no século XV, na época do cerceamento das
procura reformar as cidades existentes e não
terras camponesas na Inglaterra e da ascen-
a construção de novos enclaves e coeficien-
dência da industrialização e do capitalismo, foi
tes. Afinal, a sustentabilidade social tem que
Thomas Morus que apresentou o desenho da
garantir a segurança social, ecológica e ener-
ilha fictícia Utopia (derivado do latim, significa
gética para todos (e não apenas para alguns
“não lugar”) como um recorte espacial limi-
privilegiados), por intermédio de políticas que
tado, cujos moradores procuravam o consumo
procurem lidar com a interconectividade entre
equilibrado e distribuído de forma igualitária.
os processos sociais e a crise ecológica e social.
Morus (2001) – original publicado no início do
Perguntamo-nos: é possível criar um
século XVI, durante o reinado do Henrique VII –
espaço urbano sustentável? Para destacar a
acreditava que podiam ser criados sistemas de
necessidade de elaborar utopias concretas,
produção e consumo dos recursos naturais que
lembramos a crítica de Lefèbvre (1991) aos
permitissem uma vida em abundância para to-
planejadores urbanos soviéticos, que não pro-
dos os membros da sociedade, com o consumo
duziram um espaço socialista, mas apenas re-
se concentrando naquilo que fosse essencial,
produziram o projeto urbano dos países indus-
eliminando artigos de luxo. Nessa afirmação,
trializados, que ”[...] simplesmente continuaria
podemos identificar claramente a mesma críti-
no caminho de crescimento e acumulação [...]
ca feita às sociedades afluentes dos anos 1960
O processo do crescimento puramente quan-
(Marcuse, 1969).
titativo tem que ser colocado em questão”
A ilha Utopia era caracterizada por uma
(Lefèbvre, 1991, p. 357). Porém, ele admite que
organização socioespacial com estrutura urba-
não tinha uma visão concreta do que seria es-
na policêntrica, formada por 54 cidades dispos-
se espaço novo. Como se pode observar, essa
tas em torno da capital Amaurota, sede de um
problemática é ainda mais complexa quando
governo centralizado, mas com estrutura igual
pensamos no metabolismo socioambiental das
a todas as outras cidades. Tais núcleos seriam
sociedades urbano-industrial-capitalistas.
centros de artesanato, educação, ciência e ad-
Então, como seria concretamente a ex-
ministração. A necessidade de organização cen-
pressão espacial do metabolismo socioam-
tral do governo explica-se por causa da amea-
biental sustentável? Recorremos mais uma vez
ça de possíveis invasores e guerras. Contudo, o
a Lefèbvre (1991) que alega que a estratégia
príncipe não teria mais os privilégios da classe
para um projeto socialmente progressivo pode
aristocrática, que se destacou por seus bens
ser fundada em pequenos e médios empreendi-
materiais; seu papel seria mais o de um admi-
mentos em cidades compatíveis com esse foco,
nistrador do país. No entanto, Morus já previu
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500 anos em busca de sustentabilidade urbana
um sistema representativo de conselheiros que,
outros, fossem considerados coisas inúteis e
junto com o príncipe, formulariam as políticas
desnecessárias. Consequentemente, questio-
públicas. Tais representantes seriam designa-
nou profundamente as relações de poder em
dos pelos chamados filarcos ou sifograntes,
torno dessas supostas riquezas que fundamen-
que, por sua vez, formariam uma assembleia
tam a ganância e a corrupção. O resultado das
municipal democraticamente eleita. Na escrita
reflexões de Morus é um profundo questiona-
de Morus, destacam-se também as propostas
mento de relações de poder tão prejudiciais
para a política populacional e o planejamento
para o povo. Embora não abordando explicita-
familiar, cujo objetivo seria manter a população
mente a situação ecológica, ele entendeu que
estável. Cada membro da sociedade, inclusive
o consumo ilimitado de bens materiais e do
os conselheiros e o príncipe, são obrigados a
próprio espaço pelos príncipes, pela corte e pe-
trabalhar por dois anos no campo, o que ga-
los vassalos era a causa de conflitos territoriais,
rantiria a origem de toda prosperidade da so-
guerras e injustiça social.
ciedade. Assim, Morus considerava o trabalho
Nessa breve descrição da visão de Mo-
no campo tão nobre quanto as atividades nas
rus, refletem-se muitos elementos que mar-
cidades, mostrando, assim, que a cidade não
cam hoje a discussão sobre sustentabilidade
pode ser vista como um sistema de produção e
urbana pautada nos princípios do equilíbrio
reprodução independente da zona rural.
ecológico e da justiça ambiental. Também fica
O ponto de partida de Morus era a vida
claro que essas questões não podem ser tra-
parasitária e faustosa da corte numa época em
tadas sem pensar um novo modelo de produ-
que os príncipes e seus vassalos viviam num
ção do espaço, garantindo, além do consumo
luxo exuberante. Porém, abordou também o
equitativo e equilibrado dos recursos naturais,
enriquecimento da classe burguesa, enquanto
o direito ao território. O que surpreende é que
aqueles que produzem tais riquezas, sobre-
muitos aspectos das propostas e modelos das
tudo os homens no campo, eram submetidos
cidades sustentáveis atuais não se diferem em
à exploração desumana. Além disso, Morus
muito da visão de Morus, fechando, assim, o
propôs que os bens que simbolizavam a ri-
ciclo de 500 anos de busca pela sustentabili-
queza, tais como ouro, pedras preciosas, entre
dade urbana.
Klemens Laschefski
Doutor em Geografia pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Professor Adjunto no Programa
de Pós-Graduação em Geografia, Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais.
Belo Horizonte/MG, Brasil.
[email protected]
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Klemens Laschefski
Notas
(1) Carlowitz era o administrador principal de mineração no governo do Frederico Augusto I, o forte,
então Eleitor da Saxônia, Alemanha.
(2) Malthusiano: visão pessimista quanto à finitude dos recursos naturais para atender as demandas
oriundas do crescimento populacional e a elevação dos padrões de consumo. O termo se
refere a obra de Thomas Malthus (1798) sobre o princípio da população (Malthus, 1998).
Cornucopiano: visão otimista que acredita que as demandas futuras podem ser atendidas
pelo desenvolvimento de novas tecnologias que visem a o mização e a eficiência energé ca e
material de processos produ vos que resultem numa elevação da produ vidade no geral. É um
termo da mitologia grega e refere-se a um chifre da cabra Amalthea que amamentava o recémnascido deus Zeus. A criança ganhava força extraordinária e quebrava o chifre, acidentalmente,
durante uma brincadeira. O chifre possui um poder divino; é fonte ilimitada de tudo que for
desejado (Kerényi, 1994).
(3) Para mais informações: h p://www.iclei.org/index.php?id=804
(4) De fato, a lei foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso, que defendeu polí cas de
terceira via, que, segundo Giddens (1998), procuraram renovar o neoliberalismo radical e
retomar meios de intervenção política para evitar injustiças sociais. Nesse contexto, foram
promovidas estruturas e instituições da sociedade civil, que assumiram tarefas sociais para
as quais o estado reduzido não se responsabilizou. Em troca, as en dades da sociedade civil
ganharam o direito de par cipação na formulação de polí cas públicas.
(5) Apresentação durante um seminário realizado no dia 25 de novembro de 2011, no âmbito da
disciplina “Aulas Práticas Integradas de Campo”, do curso Ciências Socioambientais, com
par cipantes do projeto Granja Werneck, da comunidade quilombola Mangeiras e do bairro
Novo Lajedo.
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Texto recebido em 6/out/2012
Texto aprovado em 2/nov/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 143-169, jan/jun 2013
169
Urbanização, ambiente, risco
e vulnerabilidade: em busca
de uma construção interdisciplinar*
Urbanization, environment, risk and vulnerability:
in search of an interdisciplinary construction
Lúcia Cony Faria Cidade
Resumo
Nas cidades contemporâneas, ameaças naturais
e induzidas atingem de forma particularmente intensa populações em situação de precariedade social. Indo além de abordagens tradicionais sobre a
pobreza, estudos da vulnerabilidade reconhecem
processos complexos que reforçam a insegurança
desses grupos. Tendo em vista a variedade de questões envolvidas, nosso objetivo é examinar análises
sobre ameaças, riscos e vulnerabilidade, buscando
entender seus procedimentos, alcances e limites. O
texto consiste numa revisão bibliográfica de distintos enfoques sobre a vulnerabilidade. Mostra que
abordagens tradicionais na linha físico-ambiental
ou na social, com tratamentos quantitativos ou qualitativos, tendem a limitar-se a olhares específicos.
Abordagens interdisciplinares, integrando processos
sociais e ambientais e acrescentando um olhar espacial, representam uma necessária ampliação de
perspectiva nos estudos da vulnerabilidade.
Abstract
In contemporary cities, natural and induced
threats hit particularly hard populations in a state
of social insecurity. Extending beyond traditional
outlooks on poverty, vulnerability studies
acknowledge complex processes which reinforce
insecurity in these groups. In light of the variety
of issues involved, our objective is to examine
analyses on threats, risks and vulnerability,
while attempting to understand their procedures,
outreach and limits. The discussion dwells on
a bibliographic review of different lines on
vulnerability. It shows that traditional approaches,
either physical-environmental or social, adopting
quantitative or qualitative procedures, tend to
remain within specific focuses. Interdisciplinary
approaches integrating social and environmental
processes into a spatial outlook represent
a required enlargement of perspective in
vulnerability studies.
Palavras-chave: risco; vulnerabilidade; vulnerabilidade ambiental; vulnerabilidade social; vulnerabilidade socioambiental.
Keywords: risk; vulnerability; environmental
vulnerability; social vulnerability; social and
environmental vulnerability.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
Lúcia Cony Faria Cidade
Introdução
“modernização da modernização” tem como consequências inseguranças de toda uma
sociedade, de difícil delimitação, envolvendo
A imensa criação de riquezas que caracteriza
lutas entre diferentes facções. Essa fase seria
os sistemas sociais contemporâneos acompa-
caracterizada por uma dinamização do desen-
nha-se de crises econômicas, do crescimento
volvimento, que seria tensionado por uma po-
da pobreza e da intensificação dos efeitos de
tencialidade para provocar consequências con-
eventos perigosos. De forma crescente, a dinâ-
trárias às desejadas. Para o autor, em diferen-
mica do risco tende a se reproduzir em varia-
tes lugares e grupos culturais, esses traços se
dos graus e combinações em cidades de todos
combinam com o nacionalismo, a pobreza em
os continentes. O intenso crescimento urbano
grande escala, o fundamentalismo religioso, as
e usos inadequados do solo potencializam
crises econômicas, as crises ecológicas, guerras
ameaças advindas de eventos naturais, como
e revoluções e, ainda, estados de emergência
tempestades, enchentes e deslizamentos, ou
decorrentes de grandes catástrofes. Esse con-
de ocorrências induzidas, como certos tipos
junto caracterizaria o que o autor denominou
de contaminação e de doenças e a violência.
“o dinamismo do conflito da sociedade de ris-
Esses problemas são recorrentes em grandes
co” (Beck, 1997, p. 14).
cidades no mundo e, em particular, na Amé-
Na fase atual, a precariedade que atinge
rica Latina e no Brasil. Em áreas urbanas bra-
as condições de vida de certos grupos sociais
sileiras, a ocupação de áreas de risco, muitas
em muitas partes do mundo tende a perma-
vezes associada a condições socioeconômicas
necer e, em muitos casos, a se agravar. Em um
precárias, tende a aumentar, multiplicando os
cenário marcado por diferenças intergrupais e
agravos aos grupos sociais atingidos. A dificul-
interpessoais na capacidade de reação a ad-
dade de lidar com impactos negativos caracte-
versidades, nas últimas décadas têm aumen-
riza situações de vulnerabilidade a danos po-
tado o número de estudos da vulnerabilidade.
tenciais advindos de diferentes eventos. Assim,
Susan Cutter mostra que análises iniciais, al-
o texto pretende resgatar perspectivas, bases
gumas das quais alimentaram avanços poste-
metodológicas e procedimentos de pesquisa
riores sobre o tema, tendiam a preocupar-se
aplicáveis a análises da vulnerabilidade, com
com os efeitos de catástrofes naturais, dando
vistas a desvendar seus contornos. A discussão
particular atenção à vulnerabilidade de popu-
mostra que estudos sobre a temática tendem
lações a ameaças ambientais (Cutter, 1996).
a privilegiar ora enfoques físico-ambientais ora
Por outro lado, examinando estudos com um
perspectivas sociais, enquanto novas concep-
cunho social, Caroline Moser observa que al-
ções avançam em direção a uma visão integra-
guns autores consideraram estudos tradicio-
da, socioespacial.
nais da pobreza insuficientes para expressar
O quadro no qual a temática da vulne-
a diversidade de aspectos envolvidos. Além
rabilidade se inscreve tem sido equaciona-
disso, essas análises eram pouco operacionais
do como o de uma sociedade de risco. Para
para informar ações com vista à prevenção ou
Ulrich Beck, em termos políticos, a chamada
à mitigação de efeitos danosos da privação
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
(Moser, 1998, p. 3). Assim, vários pesquisado-
As dificuldades de sistematização da te-
res, inclusive alguns ligados a entidades finan-
mática surgem, ainda, do fato de o objeto de
ceiras internacionais, passaram a incorporar em
análise que se pretende construir – processos
seus enfoques a questão da vulnerabilidade em
que tenham expressão na vulnerabilidade e
áreas rurais e urbanas. Por outro lado, alguns
seus desdobramentos – tender a ser multifa-
analistas passaram a reconhecer ligações entre
cetado e complexo. Assim, óticas específicas,
processos físico-ambientais e processos sociais;
como a físico-ambiental ou a social, tenderiam
e a buscar procedimentos metodológicos que
a ganhar em aprofundamento e a perder em
permitissem uma visão integrada. A partir de
generalidade. Ao contrário, perspectivas mul-
uma variedade de abordagens, a grande reper-
tidisciplinares, como a que se poderia chamar
cussão de estudos sobre a vulnerabilidade ali-
de socioambiental, apesar de um discurso in-
mentou um número de críticas e debates, que
tegrador, tendem a perder em precisão, além
deram visibilidade ao assunto e desembocaram
de carecer de metodologias consolidadas. Em
em novos desdobramentos.
um terreno em que nem sempre os avanços
O entusiasmo com a temática da vulne-
são lineares ou progressivos, algumas propos-
rabilidade, no entanto, não obscureceu uma
tas buscam enriquecer o enfoque da vulne-
inegável dificuldade, que é a análise de um
rabilidade, incluindo nas análises o papel do
fenômeno ou de um conjunto de fenômenos
lugar e do contexto territorial nos processos
com a mesma designação, que se manifesta de
observados. Uma das formas de propiciar in-
formas diferenciadas e tem causalidades múlti-
terpretações que levem em conta essa com-
plas. Uma das manifestações desses complica-
plexidade são estudos da vulnerabilidade com
dores é a construção de uma base conceitual
uma ótica socioespacial.
comum. Na verdade, os pontos de partida são
A seleção de estudos para revisão baseia-
distintos: as ciências da natureza, no caso dos
-se não apenas nas diferentes óticas adotadas
desastres ambientais; e as ciências sociais, no
neste texto, mas também na disponibilidade
caso dos processos socioeconômicos com efei-
de informações sobre os conceitos e procedi-
tos sobre a pobreza. O ponto de convergência
mentos de pesquisa adotados. Assim, no te-
seria a vulnerabilidade ou suscetibilidade da
ma relativo à vulnerabilidade físico-ambiental
população para lidar com os impactos de ocor-
escolheu-se um estudo sobre deslizamento de
rências danosas, de origem físico-ambiental
encostas no Brasil. No tema sobre a vulnera-
ou social. A forma de enquadrar os processos
bilidade social, uma primeira análise envolveu
causais já deixa antever as primeiras dificulda-
comunidades em Zambia, no Equador, nas Fi-
des. Alguns estudos tendem a considerar essas
lipinas e na Hungria. Uma segunda análise diz
“ocorrências” como eventos pontuais – no
respeito a três cidades no Afeganistão, com
caso dos desastres ambientais, ainda que ma-
uma visão qualitativa abordando a pobreza.
tizados por ações da própria sociedade. Outros,
Para o tema da vulnerabilidade socioespacial,
diferentemente, consideram as “ocorrências”
o primeiro exemplo ilustrativo é sobre perigos
como parte de um andamento contínuo – no
naturais em condados nos Estados Unidos. O
caso dos processos socioeconômicos.
segundo exemplo trata de áreas urbanas no
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Lúcia Cony Faria Cidade
Afeganistão, distinguindo entre vulnerabilidade
acasos e eventos extremos, associando a gravi-
estrutural e vulnerabilidade inerente. No Brasil,
dade de seus efeitos à ação humana. Para Ken
são bastante conhecidos estudos nas diferen-
Gregory, esses pesquisadores interessavam-se
tes óticas, alguns dos quais constam das refe-
principalmente por prejuízos e danos, impactos
rências bibliográficas ao final deste texto.
econômicos e, ainda, pela percepção ambiental,
A organização das discussões neste tex-
considerando esses estudos como subsídios pa-
to reflete, assim, as dificuldades do próprio
ra o planejamento (Gregory, 1992, pp. 202-204).
campo de conhecimento. A próxima seção,
Um desdobramento dessa linha foram análises
que trata de aspectos conceituais, começa com
de risco, particularmente associadas a eventos
uma breve pontuação da evolução dos signifi-
perigosos e seus impactos ambientais. Somente
cados de vulnerabilidade; e, em seguida, bus-
a partir de 1980, estabeleceu-se uma conceitua-
ca as acepções mais utilizadas nos enfoques
ção mais explícita de vulnerabilidade, embora
físico-ambiental, social e socioespacial. A seção
marcada por uma variedade de acepções. Susan
subsequente volta-se para exemplos de aná-
Cutter, por meio de enunciados de diversos au-
lises aplicadas, sob a forma de interpretações
tores, ilustra diferentes meandros dessa evolu-
e procedimentos relativos à vulnerabilidade
ção (Cutter, 1996).
em áreas urbanas. Embora a organização dos
A autora resgata a contribuição de Gabor
temas também procure seguir uma divisão se-
e Griffith, de 1980, que definiam vulnerabi-
gundo as óticas físico-ambiental, social e socio-
lidade em relação à ameaça de exposição a
espacial, os estudos empíricos nem sempre se
materiais perigosos, considerando-a como o
apresentam de forma tão definida. Assim, os
contexto do risco. Por sua vez, Undro, em 1982,
exemplos apresentados podem, por um lado,
conceituava-a como o grau de perda por ele-
não preencher toda a acepção pretendida ou,
mentos em risco resultante da ocorrência de
por outro, transbordar as fronteiras delineadas,
um fenômeno natural. Com uma visão mais so-
contribuindo assim para a flexibilidade do es-
cial, Susman et al., em 1984, consideravam vul-
forço de sistematização aqui proposto.
nerabilidade como o grau pelo qual diferentes
classes da sociedade estão diferencialmente
em risco. Cutter mostra, ainda, que Liverman,
Aspectos conceituais:
evolução das acepções
de vulnerabilidade
em 1990, não apenas estabeleceu uma distinção entre vulnerabilidade biofísica e vulnerabilidade social como já adotava uma visão espacial. Assim, o autor acrescentou uma diferença,
entre vulnerabilidade no espaço geo gráfico
Multidimensionalidade do conceito
de vulnerabilidade e busca
de operacionalização
(onde pessoas e lugares vulneráveis estão localizados) e vulnerabilidade no espaço social
(quem naquele lugar é vulnerável) (cf. Cutter,
1996, p. 531).
Desde os anos de 1970, os geógrafos físicos
Em continuidade, para Cutter, em 1993,
reconheciam a relevância de análises sobre
vulnerabilidade dizia respeito à probabilidade
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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
de um indivíduo ou grupo ser exposto e afe-
estabelece distinções que incluem uma pers-
tado negativamente por um perigo; era a inte-
pectiva dinâmica e ampla. Para a autora, há
ração entre os perigos do lugar (risco e mitiga-
três temas expressivos nos estudos da vulnera-
ção) e o perfil social de comunidades. Blaikie
bilidade: 1) a vulnerabilidade como uma con-
et al. consideravam vulnerabilidade como as
dição pré-existente; 2) a vulnerabilidade como
características de uma pessoa ou grupo em
uma resposta matizada; e 3) a vulnerabilidade
termos de sua capacidade para antecipar, lidar,
como perigos do lugar. A primeira linha, que é
resistir e recuperar-se do impacto de um peri-
a da vulnerabilidade como uma condição pree-
go natural, considerando ainda o grau de risco
xistente volta-se para a fonte de perigos biofí-
causado. Dow e Downing, em 1995, conside-
sicos ou tecnológicos. Segundo a autora, esses
ravam vulnerabilidade como a suscetibilidade
estudos se caracterizam por: a) uma ênfase na
diferencial a determinadas circunstâncias. Para
distribuição de uma condição de perigo; b) a
esses estudiosos, fatores biofísicos, demográfi-
ocupação humana de uma zona de perigo; e
cos, econômicos, sociais e tecnológicos, como
c) o grau de perda associado com a ocorrência
idade da população, dependência econômica,
de um evento particular (Cutter, 1996, p. 532).
racismo e idade da infraestrutura, podiam estar
Essa perspectiva enquadra-se mais diretamen-
associados a perigos naturais (cf. Cutter, 1996,
te no enfoque tradicional, ligado a desastres
p. 532).
e eventos ambientais. Poderia ser considerada
A evolução do conceito de vulnerabilidade expressa a dificuldade de síntese associada
como relativa à vulnerabilidade sob uma ótica
físico-ambiental.
aos fenômenos observados que, a seu turno,
A segunda linha, da vulnerabilidade
tendem a refletir uma inerente multidimen-
como uma resposta matizada, destaca as
sionalidade. Além da atenção a aspectos am-
respostas e formas de lidar com os perigos,
bientais propriamente ditos, aparece em vários
incluindo-se a resistência e a resiliência.
autores o reconhecimento da relevância da
Considerando os eventos perigosos como
dinâmica social em um sentido amplo. Os as-
construções sociais, essa perspectiva exami-
pectos econômicos, sociais, culturais e políticos
na distúrbios crônicos, tais como as secas, a
passam a ser progressivamente considerados
fome, mudanças climáticas ou mudanças am-
e integrados nas conceituações e reflexões.
bientais. Para a autora, essa visão valoriza a
Isso ocorre na atenção não apenas à estrutu-
construção social da vulnerabilidade, uma
ra de causalidade, mas também às formas de
condição com origem em processos históricos
a população lidar com os efeitos de situações
e socioeconômicos que alteram a capacidade
e processos potencialmente danosos. No en-
de indivíduos ou da sociedade para lidar com
tanto, embora passando a considerar o que se
desastres e responder adequadamente a eles
poderia chamar de fatores complementares, os
(Cutter, 1996, pp. 532-533). Ao explicitar uma
estudos continuaram a se desenvolver dentro
causalidade social, essa linha ainda se volta
de enfoques disciplinares paralelos.
para eventos perigosos, de cunho ambiental,
No quadro de uma diversidade de li-
embora também esteja atenta para as formas
nhas, a sistematização feita por Susan Cutter
de a sociedade lidar com eles. Poderia ser
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Lúcia Cony Faria Cidade
considerada como relativa à vulnerabilidade
vulnerabilidade não seguem uma classificação
sob uma ótica social.
comum, para fins deste trabalho optou-se por
Ao lado da vulnerabilidade como uma
organizar a exposição conceitual segundo a
condição pré-existente e da vulnerabilidade
seguinte divisão, que admite análises quanti-
como uma resposta matizada, há uma ter-
tativas ou qualitativas: bases conceituais da
ceira vertente, chamada por Cutter de vulne-
vulnerabilidade físico-ambiental; bases con-
rabilidade como perigos do lugar. Essa visão
ceituais da vulnerabilidade social; e bases
combina as duas anteriores e acrescenta uma
conceituais da vulnerabilidade socioespacial.
visão geográfica. Assim, a vulnerabilidade estaria associada tanto a riscos biofísicos, como
a respostas sociais, mas em um domínio de
área ou domínio geográfico específico (Cutter,
Bases conceituais da vulnerabilidade
físico-ambiental
1996, p. 533). A autora propõe um refinamento da perspectiva que originou essa proposta,
O primeiro tipo de abordagem do conceito de
apresentando um modelo de vulnerabilidade
vulnerabilidade (que poderia ser identificado
que relaciona risco, mitigação, potencial de
com a visão de Cutter sobre a vulnerabilidade
perigo, tecido social, vulnerabilidade social,
como uma condição pré-existente) foi desen-
contexto geográfico e vulnerabilidade biofísica
volvido para os estudos de desastres ambien-
e tecnológica. A interseção e interação tanto
tais. Embora se tenha verificado um avanço no
da vulnerabilidade social como da vulnerabili-
registro de possibilidades que vão além de es-
dade biofísica e tecnológica é que criariam a
tudos específicos, algumas análises com obje-
vulnerabilidade de lugares, em um processo
tivos particulares mantêm uma ênfase discipli-
geral interativo (Cutter, 1996, p. 535). O tema
nar. Assim, a busca de conceituações precisas
da vulnerabilidade como perigos do lugar é in-
pode refletir, além de uma tentativa de esclare-
troduzido como uma expressão da articulação
cer adequadamente o tema, um interesse prá-
dos temas da vulnerabilidade de cunho am-
tico em obter definições operacionais. Análises
biental, social e espacial, com uma perspectiva
recentes, com foco na prevenção de desastres
de análise interdisciplinar. Poderia ser conside-
naturais, têm adotado o conceito de vulnerabi-
rada como relativa à vulnerabilidade sob uma
lidade com o objetivo de investigar os espaços
ótica socioespacial.
com maior risco de sofrerem consequências de
A utilidade do enfoque da vulnerabilidade para aplicação em políticas públicas levou
desastres naturais e, a partir daí, propor medidas de intervenção.
a uma busca de formas de operacionalização
Em estudo sobre deslizamentos de en-
das bases conceituais dessa perspectiva. Essa
costas e suas consequências indesejáveis, Ri-
busca de operacionalização se aplica tanto a
cardo Vedovello e Eduardo Macedo apontam
estudos que buscam uma ótica disciplinar,
como desdobramento analítico as avaliações
como aos que pretendem aprofundar o as-
de riscos. Indicam que a relação entre risco e
sunto segundo temas interdisciplinares. Dian-
vulnerabilidade não é simples, incluindo a com-
te de um quadro no qual os tratamentos da
binação de vários fatores. Assim, os autores
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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
apresentam inicialmente uma conceituação
Capacidade (C) de enfrentamento como uma
de risco, que seria a probabilidade de ocorrên-
variável independente, considera-se sua re-
cia de um acidente. De forma mais específica,
lação inversa com o grau de vulnerabilidade
Risco (R) seria o grau de perdas esperadas em
e dos danos esperados (Vedovello e Macedo,
decorrência de um evento perigoso, natural ou
2007, pp. 83-84).
induzido. Assim, apresenta-se uma situação
Em sintonia com outros pesquisadores,
envolvendo um Elemento em risco (E), que é
os autores observam a existência de várias
um indivíduo, população, propriedade, ativida-
conotações do conceito de vulnerabilidade.
de ou ambiente passível de ser afetado; uma
Levando em conta o interesse da análise, ado-
Ameaça ou Perigo (P), que é a probabilidade
tam o enunciado da Organização das Nações
de ocorrência de um evento perigoso (caracte-
Unidas – ONU, de 2004. Assim, a vulnerabili-
rizado também segundo a localização, área de
dade seria “... o conjunto de processos e con-
alcance e intensidade); a Vulnerabilidade (V),
dições resultantes de fatores físicos, sociais,
que é a suscetibilidade do elemento ao impac-
econômicos e ambientais, os quais determi-
to de eventos perigosos; e Danos (D), que são
nam quanto uma comunidade ou elemento em
consequências esperadas caso o evento ocorra
risco estão suscetíveis ao impacto dos even-
(incluindo-se estimativas da extensão das per-
tos perigosos” (Vedovello e Macedo, 2007,
das previstas em função do número de pessoas
pp. 83-84). Evidencia-se, nesse enunciado, o
ou do valor das propriedades, bens e ambien-
reconhecimento de uma combinação de dife-
tes naturais sob o risco) (Vedovello e Macedo,
rentes dinâmicas na configuração do que se
2007, p. 83).
tem chamado de vulnerabilidade.
Entre as relações relevantes para a com-
Análises de riscos que considerem, de
preensão do risco, pode acrescentar-se outra
forma completa, os fatores presentes nas for-
dimensão, a Capacidade de enfrentamento, ou
mulações apresentadas são, no entanto, bas-
de mitigação (C), que é o conjunto de meca-
tante raras de se encontrar, particularmente
nismos para enfrentar as consequências de um
devido à necessidade de um elevado grau de
acidente, minimizando as perdas e permitindo
interdisciplinaridade. A literatura sobre desas-
o restabelecimento das condições anteriores ao
tres naturais tende a concentrar-se na variável
evento. A Capacidade de enfrentamento agiria
da ameaça ambiental, ou seja, os aspectos
no sentido de reduzir o grau de Vulnerabilidade
do meio físico relacionados à probabilidade
(Vedovello e Macedo, 2007, p. 83).
de ocorrência do evento. Vedovello e Macedo
Em síntese, o Risco de sofrer os efeitos
(2007) destacam alguns caminhos consagrados
de um desastre (o grau de perdas esperadas)
pela literatura cientifica para identificar, carac-
seria o resultado da interação entre: a) Peri-
terizar e gerenciar áreas em situações de risco.
go, ou probabilidade de ocorrência de evento
Dentre eles, o mais usado é a elaboração de
perigoso; b) Vulnerabilidade, ou grau de sus-
mapas de susceptibilidades que normalmente
cetibilidade ao impacto de eventos perigosos;
incluem a sobreposição de mapas de caracte-
e c) Danos, ou nível de impactos potenciais
rísticas do meio físico. Observe-se que esse mé-
dos eventos perigosos. Caso se visualize a
todo foi popularizado por Ian McHargh, em seu
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Lúcia Cony Faria Cidade
livro Design with Nature originalmente publica-
habitacional nas grandes metrópoles brasilei-
do em 1969 (McHargh, 1992).
ras revela que a luta pela terra urbanizada é
Apesar de adotar-se comumente a apli-
uma dimensão latente da questão ambiental
cação do termo “risco”, os mapas gerados a
urbana brasileira. Outros estudos em países do
partir da análise de aspectos do quadro na-
chamado terceiro mundo também tratam desse
tural, a rigor, não podem ser considerados
tema, apesar de não utilizarem explicitamente
mapas de risco na acepção apresentada. Não
o conceito de vulnerabilidade (Hsin-Huang e
apresentam o risco (grau de perdas esperadas)
Hwa-Jen, 2002). O caso da disputa pela terra
e não caracterizam a ameaça ou perigo (pro-
urbanizada revela como, em uma situação de
babilidade de ocorrência do evento perigoso).
escassez, os grupos socialmente vulneráveis
Abordam a vulnerabilidade (suscetibilidade do
são também mais atingidos pelas consequên-
elemento – indivíduo, população, propriedade,
cias da falta de determinado recurso ambien-
atividade ou ambiente) apenas parcialmente,
tal. Nesse caso, a pouca oferta de terra infraes-
ao levantar fragilidades ambientais; e não tra-
truturada voltada para o mercado habitacional
tam da capacidade de enfretamento (mecanis-
de baixa renda elevou seu preço, induzindo a
mos de mitigação) da população em questão;
ocupação irregular de áreas frágeis. Essa ques-
nem dos danos (impactos potenciais).
tão tangencia outras perspectivas teóricas inti-
Análises da vulnerabilidade físico-am-
mamente relacionadas aos estudos de vulnera-
biental que incorporam aspectos sociais cons-
bilidade socioambiental, como, por exemplo, a
tituiriam um desdobramento em direção a um
noção de justiça ambiental e desigualdade am-
enfoque de vulnerabilidade socioambiental.
biental e ecologismo dos pobres (Torres, 1997;
Estudos sobre vulnerabilidade socioambiental
Alier, 2007).
ganham corpo com a ascensão do ambienta-
A ênfase no papel da gestão urbana ao
lismo, que põe em questão a capacidade da
afetar o padrão de desigualdade socioeconô-
sociedade de dominar a natureza. Surge assim
mica informa uma série de estudos posteriores
a preocupação com a distribuição social dos
que buscam mensurar e mapear a vulnerabili-
bens ambientais, que não são mais percebi-
dade socioambiental em algumas metrópoles
dos como ilimitados. Tais estudos passam a
brasileiras. Assim, Humberto Alves define a
evidenciar a existência de conflitos em torno
vulnerabilidade socioambiental como “uma
da apropriação dos recursos ambientais, dos
categoria analítica que pode expressar os fe-
quais um exemplo são os recursos hídricos.
nômenos de interação e cumulatividade entre
Autores como Carmo e Hogan e também Men-
situações de risco e degradação ambiental
donça têm reconceituado essa situação de
(vulnerabilidade ambiental) e situações de
crescente escassez de recursos hídricos em ter-
pobreza e privação social (vulnerabilidade so-
mos de vulnerabilidade socioambiental (Carmo
cial)” (Alves, 2006, p. 47). Similarmente, Marley
e Hogan, 2006; Mendonça, 2004).
Deschamps defende a existência de espaços de
Outra importante questão socioam-
risco ou vulnerabilidade ambiental, nos quais
biental brasileira diz respeito à sub-habitação.
se concentram populações socialmente vulne-
A persistência de situações de precariedade
ráveis (Deschamps, 2008, p. 192).
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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
Uma linha de pensamento relacionada,
e normalmente implícita nas definições de
Bases conceituais
da vulnerabilidade social
vulnerabilidade socioambiental, busca responder em que medida a ação da sociedade pode
induzir a ocorrência de eventos negativos de
O segundo tipo de abordagem do conceito de
grande magnitude. Para Ian McHargh, exem-
vulnerabilidade (que poderia ser identificado
plos de indução humana a desastres naturais
com a visão de Cutter sobre a vulnerabilidade
seriam casos de inundações ou desmorona-
como uma resposta matizada) volta-se para
mentos provocados por modelos de ocupação
pressões socioeconômicas. A partir de uma lon-
do território que desconsideram as caracterís-
ga tradição e seguindo movimentos de reestru-
ticas biofísicas do terreno e sua capacidade de
turação da economia internacional, reformas
suporte (McHargh, 1992). Para Rozely Santos,
macroeconômicas e um expressivo aumento do
de acordo com essa acepção de desastres in-
número de pessoas carentes, renovaram-se os
duzidos, o que o senso comum entende co-
estudos da pobreza. Segundo Caroline Moser,
mo desastres naturais seria, na verdade, uma
essa atenção sobre o tema, por um lado, contri-
resposta de processos ecológicos a alterações
buiu para debates conceituais e metodológicos
realizadas pelo homem (Santos, 2007). Sob es-
sobre o significado e medidas de pobreza; por
sa ótica, os desastres ambientais seriam asse-
outro, criou o desafio de reavaliar ações para
melhados a desastres socialmente produzidos,
sua redução. A autora identifica um dualismo
como a violência, a fome e outros eventos rela-
entre medidas convencionais que identificam
cionados à pobreza.
pobreza com renda e consumo, levantadas por
Possíveis aberturas em direção a uma
meio de pesquisas domiciliares de larga escala;
perspectiva socioambiental ainda são relativa-
e medidas subjetivas que buscam indicadores
mente poucas. Em geral, a literatura que trata
de pobreza a partir da experiência dos pobres,
de vulnerabilidade físico-ambiental enfatiza
levantadas por técnicas participativas (Moser,
os aspectos físicos do quadro natural e não
1998, pp. 1-2).
se aprofunda sobre processos sociais que in-
Moser identifica quatro temas relevantes
teragem com o meio. Ainda assim, os estudos
no estudo da vulnerabilidade: a) a diferença
tendem a ser complexos e envolvem amplos
entre pobreza e vulnerabilidade; b) a distin-
levantamentos e tratamento de informações.
ção entre vulnerabilidade e capacidades; c) a
Entre as análises que podem oferecer pers-
relação entre vulnerabilidade e propriedade
pectivas complementares à da vulnerabilidade
de ativos; e d) a categorização de estratégias
físico-ambiental, estão as que conceituam a
de resposta e administração de ativos. Pode-se
vulnerabilidade sob o ponto de vista social.
considerar que essas perspectivas, orientadas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
179
Lúcia Cony Faria Cidade
para a consideração da vulnerabilidade social,
mudanças viriam risco e incertezas e uma decli-
buscam identificar caminhos para uma supera-
nante autoestima (Moser, 1998, p. 3).
ção dessa condição.
a) A diferença entre pobreza e vulnerabilidade
Em anos recentes, consolidou-se o reconhecimento de que a questão da pobreza
envolve múltiplos aspectos, entre os quais o
temporal; aumentou o interesse sobre estudos
A consideração de mudanças ambientais
que afetam o bem-estar, incluindo transformações no quadro externo – os aspectos econômicos, sociais e políticos –, expande o sentido
tradicional de ameaças para além dos desastres e eventos físico-ambientais. Além disso,
que envolvem eventos naturais ou induzidos;
a perspectiva inova quando trata dos efeitos
e cresceu a necessidade de informar a opera-
dessas ameaças, incluindo também os de na-
cionalização de políticas. A partir daí, surgiram
tureza psicossocial.
estudos que adotam um enfoque distinto ou
b) A distinção entre vulnerabilidade e capacidades
complementar ao da pobreza, que é a perspec-
Moser aponta a importante distinção
tiva da vulnerabilidade das populações ou de
entre vulnerabilidade e capacidades. Considera
grupos específicos.
importantes os recursos com que os pobres po-
Segundo Moser, qualquer definição de
dem contar como base para a recuperação de
vulnerabilidade necessita da identificação de
tempos difíceis. As capacidades de indivíduos
duas dimensões tomadas emprestadas da
e famílias seriam, dessa forma, profundamente
linguagem dos sistemas, a sensitividade e a
influenciadas por fatores tão diversos como as
resiliência. A sensitividade diz respeito à mag-
possibilidades de ganhar a vida, até os efeitos
nitude da resposta de um sistema a um even-
sociais e psicológicos da privação e da exclusão.
to externo; enquanto a resiliência refere-se à
Seriam consideradas as necessidades básicas,
facilidade e à rapidez de recuperação de um
emprego com salários razoáveis e equipamen-
sistema com relação ao estresse. Estudo ur-
tos de saúde e educação (Moser, 1998, p. 3).
bano relatado pela autora adota um conceito
de vulnerabilidade que leva em conta essas
c) A relação entre vulnerabilidade e propriedade
dimensões. Assim, define vulnerabilidade co-
de ativos
Segundo Moser, a análise da vulnerabilidade envolveria não apenas a parte relativa às
ameaças, mas também a resiliência, ou capacidade de resposta para explorar oportunidades
e para resistir ou recuperar-se de efeitos negativos de um ambiente em mudança. Os meios
de resistência são os ativos e direitos que os
indivíduos, famílias e comunidades podem
mobilizar em situações difíceis. Assim, para
Moser, a vulnerabilidade varia de forma inversa à quantidade de ativos. A autora apresenta
mo insegurança e sensitividade que atingem o
bem-estar de indivíduos, famílias e comunidades diante de um ambiente em mudança. Para
Moser, está implícita a capacidade de resposta
dessas pessoas e sua resiliência com relação a
riscos diante de tais mudanças. A autora especifica que as mudanças ambientais que ameaçam o bem-estar podem ser de natureza ecológica, econômica, social e política, podendo tomar a forma de choques repentinos, tendências
de longo prazo ou ciclos periódicos. Com essas
180
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
uma classificação de ativos utilizada no estu-
aspectos é que as famílias mais vulneráveis a
do urbano relatado em seu artigo: 1) traba-
crises econômicas, com maiores decréscimos
lho, ativo mais importante para os pobres; 2)
na renda ou no consumo doméstico, são as que
capital humano; estado de saúde, que define a
contam com uma alta proporção de crianças e
capacidade de trabalhar; e educação, que con-
velhos, com uma alta relação de dependência
diciona a remuneração do trabalho; 3) ativos
demográfica. Além disso, famílias pobres ten-
produtivos, que permitem renda, sendo para os
dem a uma maior probabilidade de elevados
pobres o mais importante a habitação; 4) rela-
níveis de fecundidade e mortalidade, o que
ções domésticas, um mecanismo para compar-
contribui para a reprodução da pobreza. As-
tilhar a renda e o consumo; e 5) capital social, a
sim, é possível analisar a dinâmica e os perfis
reciprocidade baseada na confiança advinda de
sociodemográficos das comunidades, famílias
vínculos sociais (Moser, 1998, p. 4).
e pessoas segundo um enfoque da vulnerabilidade (Cepal-Celade, 2002, p. 6). A vulnerabili-
d) A categorização de estratégias de resposta e
administração de ativos
Segundo Moser, para evitar ou reduzir a
vulnerabilidade, são importantes não apenas
os recursos disponíveis, mas também a capacidade de administrar os ativos de forma a transformá-los em renda, alimentos ou outras necessidades básicas. No contexto urbano, riscos
e incerteza decorrem de rendas reais menores,
preços elevados e infraestrutura social. Primeiro, há necessidade de distinguir entre dois tipos
de estratégias: a) estratégias de elevação de
renda, com o objetivo de adquirir alimentos; e
b) estratégias de modificação do consumo, com
o propósito de controlar a dilapidação de recursos alimentares e não alimentares. Segundo, é
preciso observar a importância do sequenciamento de estratégias, que buscam priorizar a
preservação dos ativos sobre o atendimento
imediato de necessidades alimentares (Moser,
1998, p. 5).
A evolução da perspectiva da vulnerabilidade social para uma ótica de vulnerabilidade
sociodemográfica se fez inicialmente a partir
da incorporação, em análises de vulnerabilidade social, de variáveis de população. Um dos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
dade demográfica seria, portanto, um conjunto
de elementos sociodemográficos articulados a
desvantagens sociais. O pressuposto seria de
que diferentes grupos sociais apresentam distintas dinâmicas e características demográficas
(Hogan e Marandola Jr., 2006, p. 27).
Alguns autores apontam a relevância do
contexto, ou fatores externos, para a compreensão da dinâmica da vulnerabilidade. A continuidade do debate propiciou, ainda, a expansão do enfoque para incluir aspectos relativos
ao papel do Estado e outros atores na oferta de
serviços e também à capacidade das populações para reagir às ameaças e recuperar-se de
seus efeitos (Moser, 1998; Cunha et al., 2006;
Katzman e Filgueira, 2006).
Análises da vulnerabilidade físico-ambiental desdobraram-se em uma ótica socioambiental, enquanto estudos da vulnerabilidade
social detalharam-se com a inclusão de uma
visão sociodemográfica. Essas ampliações, no
entanto, revelaram-se insuficientes para caracterizar, em processos complexos, o papel das
dinâmicas territoriais e dos lugares. A utilização de uma perspectiva convergente, que se
propõe a articular aspectos físico-ambientais e
181
Lúcia Cony Faria Cidade
sociais localizados, tem feito uso de uma ótica
em que dinâmicas ambientais como inunda-
de vulnerabilidade socioespacial.
ções, contaminações, deslizamentos e insalubridade tendem a ocorrer em lugares e regiões
específicas, estabelece-se uma necessária
Bases conceituais
da vulnerabilidade socioespacial
ligação dos fenômenos observados com delineamentos espaciais. Na medida em que a
vulnerabilidade pode atingir indivíduos, grupos,
O terceiro tipo de abordagem do conceito de
sistemas ou lugares, Cutter ressalta a impor-
vulnerabilidade (que poderia ser identificado
tância de aspectos como diferenças escalares
com a visão de Cutter sobre a vulnerabilida-
e, ainda, a capacidade de articulação entre di-
de como perigos do lugar) trata de processos
ferentes escalas geográficas. Para a autora, a
espaciais. Ao tratar de um campo emergente,
vulnerabilidade manifesta-se geograficamente
voltado para a compreensão de ocorrências
sob a forma de lugares perigosos, como áreas
que colocam em risco lugares e pessoas e de
sujeitas a enchentes e lixões, demandando, as-
situações que diminuem a capacidade de pes-
sim, soluções espaciais. Dessa forma, a autora
soas e lugares responderem a ameaças am-
menciona comparações dos níveis relativos de
bientais, Susan Cutter chega a identificar uma
vulnerabilidade entre lugares ou entre grupos
“ciência da vulnerabilidade”. Para a autora, es-
de pessoas que vivem ou trabalham nesses lu-
se campo de conhecimento informaria políticas
gares (Cutter, 2003, p. 6).
de redução de risco, de perigos e de desastres.
Um aspecto que pode contribuir para os
Ademais, articularia aspectos relacionados a
estudos sobre vulnerabilidade socioespacial é a
riscos, ameaças, resiliência, susceptibilidade di-
atenção dada à dimensão espacial de conflitos
ferencial e recuperação ou mitigação, em apli-
ambientais urbanos. No Brasil, essa perspectiva
cações localizadas. Para a estudiosa, longe dis-
tem sido divulgada a partir do trabalho de Ha-
so, os estudos em curso tendem, por um lado,
roldo Torres, que investiga os “aspectos distri-
a enfatizar as dinâmicas sociais locais ou, por
butivos dos fenômenos ambientais urbanos”.
outro lado, a explicitar exposições físicas. Entre
Para ele, “... os fenômenos ambientais não
as limitações dessas análises, estaria o fato de
podem ser plenamente entendidos – do ponto
terem aplicações excessivamente amplas, vol-
de vista das ciências sociais – sem uma com-
tadas para modelos de processos físicos e seus
preensão aprofundada de suas dimensões es-
impactos humanos regionais e globais; ou de
paciais. Fenômenos ambientais são fenômenos
serem dirigidas para riscos individuais, esque-
espaciais...” (Torres, 1997, p. 17). Para Freitas
cendo os riscos múltiplos (Cutter, 2003, p. 6).
e Cidade (2012), em análise sobre a ocupação
De forma crescente, estudos da vulne-
da Área de Proteção Ambiental do Rio São Bar-
rabilidade têm explicitado relações entre cir-
tolomeu, no Distrito Federal, a relação entre
cunstâncias ambientais e sociais. Além disso,
processos físico-ambientais, processos sociais
há o reconhecimento de que uma compreensão
e processos espaciais torna-se bastante evi-
mais completa dos processos envolvidos envol-
dente. Em estudo sobre a vulnerabilidade dos
ve também a dimensão espacial. Na medida
jovens e sua distribuição espacial em Brasília,
182
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
registra-se o papel de territórios de risco (Fer-
apresentando conceitos e tipos de deslizamen-
reira, Vasconcelos e Penna, 2008).
tos, causas e consequências, vulnerabilidade e
Em sintonia com a discussão relativa a
riscos associados aos deslizamentos. A segun-
bases conceituais e lembrando que a divisão
da parte trata da gestão de áreas suscetíveis
proposta busca sistematizar abordagens que,
a deslizamentos e situações de risco. Inclui co-
não sendo estanques, podem trazer superpo-
mentários sobre a avaliação de suscetibilidade,
sições, a próxima seção apresenta exemplos
avaliação de áreas e situações de risco, medi-
de análises aplicadas. Divide-se em: Análises
das de prevenção e de mitigação, instrumentos
sobre a vulnerabilidade físico-ambiental; Aná-
e mecanismos para a gestão de áreas suscetí-
lises sobre a vulnerabilidade social; e Análises
veis a deslizamentos. Entre esses instrumen-
sobre a vulnerabilidade socioespacial.
tos está a identificação de características dos
instrumentos técnicos, os recursos tecnológicos
para a gestão, os instrumentos e mecanismos
Interpretações e procedimentos
relativos à vulnerabilidade
em áreas urbanas
institucionais e a participação comunitária (Vedovello e Macedo, 2007).
A partir de uma discussão de caráter
técnico e disciplinar sobre a caracterização e
o diagnóstico de deslizamentos de encostas,
Análises sobre a vulnerabilidade
físico-ambiental
o texto introduz, na estrutura de causalidade, a ação humana. Enquanto mantém uma
perspectiva específica voltada para avalia-
Um exemplo ilustrativo de análises sobre a
ção de áreas sujeitas a risco, volta-se para a
vulnerabilidade físico-ambiental é um estudo
gestão de áreas suscetíveis a deslizamentos.
do Ministério do Meio Ambiente sobre desli-
Ultrapassa uma visão estritamente fisico-
zamento de encostas. Considera deslizamentos
-ambiental ao voltar-se para os instrumentos
como: “... fenômenos que ocorrem natural-
dessa gestão. Considera necessária a adoção
mente na superfície da terra como parte do
de um conjunto de atividades de base técnica
processo de modelagem do relevo, resultantes
acompanhadas de atividades de cunho políti-
da ação contínua do intemperismo e dos pro-
co, capitaneadas pela sociedade informada e
cessos erosivos” (cf. Vedovello e Macedo 2007,
organizada. Essa seria uma forma de evitar ou
p. 76). A primeira parte trata de conceitos, me-
reduzir os riscos naturais ou induzidos pelas
canismos e caracterização de deslizamentos de
ações humanas. Embora considerem ações hu-
encostas. O texto observa que os deslizamen-
manas, análises específicas sobre a vulnerabi-
tos também podem ocorrer em consequência
lidade físico-ambiental enfatizam seu papel na
de ações humanas que alteram as característi-
causalidade e na gestão, em contraste com es-
cas naturais dos terrenos, modificam suas con-
tudos na linha da vulnerabilidade social, que
dições de equilíbrio ou geram nas encostas for-
destacam riscos e recursos, conforme apre-
mas menos estáveis do que as originais. Segue
sentados a seguir.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
183
Lúcia Cony Faria Cidade
Análises sobre a vulnerabilidade social
populacionais diante do agravamento da pobreza, o texto aponta a relevância de medidas
O primeiro exemplo ilustrativo de análises so-
mais amplas do que as utilizadas. Identifica
bre a vulnerabilidade social é o estudo do Ban-
também a importância de uma visão dinâmica
co Mundial sobre Asset portfolio management
das relações envolvidas.
in an urban economic crisis context, apresentado por Caroline Moser. O estudo urbano foi
conduzido em 1992 e envolveu comunidades
em Chawama, em Lukasa, Zambia; Cisne Dos,
em Guaiaquil, no Equador; Commonwealth, na
área metropolitana de Manila, nas Filipinas; e
Angyaföld, em Budapeste, Hungria. Quanto a
tendências relativas à pobreza, mostrou indicações de que os pobres estavam se tornando
mais pobres nas áreas analisadas, com consequências sobre as estratégias de modificação
de consumo. As estratégias diante de situações
econômicas em deterioração apresentaram diferenças e semelhanças. Aspectos importantes foram: a) trabalho como ativo; b) capital
humano como ativo; c) ativos produtivos, tais
como a habitação; d) relações domésticas como ativo; e) capital social como ativo. O estudo confirmou a necessidade de utilização de
medidas mais completas do que as restritas à
renda e à pobreza para refletir tanto os complexos fatores externos afetando os pobres,
como suas respostas a dificuldades econômicas. Assim, o referencial baseado nos ativos
ultrapassaria uma medida estática da pobreza;
e avançaria na classificação das capacidades
da população pobre para utilizar seus recursos
como forma de reduzir sua vulnerabilidade (cf.
Moser, 1998, pp. 5-14).
O estudo comparativo indica que embora tenham sido encontradas diferenças
entre as comunidades, houve semelhanças
quanto a aspectos gerais. A partir de análises detalhadas sobre as estratégias de grupos
184
O segundo exemplo ilustrativo de análises sobre a vulnerabilidade social é o estudo
da Afghanistan Research and Evaluation Unit
sobre três cidades no Afeganistão. Análises como a de Stefan Schütte sobre três cidades no
Afeganistão abordam uma visão qualitativa,
voltada para o planejamento urbano e, de forma muito particular, para a pobreza. O termo
“vulnerabilidade” foi desenvolvido como uma
referência conceitual e analítica para tratar da
marginalidade e da pobreza de forma diferente
do enfoque apenas econômico. O artigo considera vulnerabilidade, a partir de R. Chambers,
como algo que tem “... dois lados: um lado externo de riscos, choques e stress aos quais um
indivíduo ou família está exposto; e um lado
interno que é a incapacidade de se defender,
significando uma falta de meios para lidar com
eles sem perdas que causam danos” (Schütte,
2004, p. 1).
O estudo busca compreender diferentes
formas de vulnerabilidade no Afeganistão; e
baseia-se em discussões de grupos focais em
três cidades: Kabul, Jalalabad e Herat. Busca ir
além da ampla categoria de “grupos vulneráveis”, para se concentrar em “vulnerabilidade
de recursos” de diferentes comunidades, famílias e indivíduos. O grupo de pesquisa também
buscou conhecer os maiores problemas e riscos
enfrentados pelos pobres urbanos (percepção
de riscos), como os indivíduos lidam com o
problema identificado (estratégia de enfrentamento – o que é feito diante do problema),
possíveis soluções (sugestões das próprias
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
pessoas afetadas) e modelos existentes de
qualitativa pode contribuir para informar de-
autoajuda e apoio mútuo. Os grupos focais
senvolvimentos posteriores. A primeira apro-
revelaram quatro formas inter-relacionadas de
ximação mostrou não apenas a percepção de
vulnerabilidade: a) vulnerabilidade ao fracas-
riscos, mas também as estratégias de enfren-
so na obtenção de renda; b) vulnerabilidade
tamento utilizadas pelas comunidades. Permi-
à insegurança alimentar; c) vulnerabilidade à
tiu, ainda, a identificação de um fator-chave, a
saúde precária; e d) vulnerabilidade à exclusão
vulnerabilidade de recursos que, por sua vez, se
social e à retirada de poder (disempowerment)
desdobra em diferentes componentes. Dessa
(Schütte, 2004, p. 1).
forma, propicia o aprofundamento da análise e
Entre os achados, está o fato de que há
a proposta de políticas públicas voltadas para
diferenças dentro de todos os grupos analisa-
o enfrentamento de problemas específicos por
dos, desfazendo a ideia de um “grupo vulne-
comunidades particulares. As análises apresen-
rável”. Segundo o autor, os achados sugerem
tadas neste item trataram de distintas formas
ainda que a vulnerabilidade, nos casos estuda-
de abordar a vulnerabilidade social. Uma com-
dos, tende a ser não espacial, uma vez que não
binação de aspectos físico-ambientais e sociais
se restringe a localidades específicas; e afeta
localizados remete a análises em uma perspec-
diferentes grupos sociais nas três cidades de
tiva socioespacial.
formas semelhantes. No entanto, há diferenças
dentro de certos grupos; assim, o que é vulnerável não é o grupo, mas certas famílias e indivíduos que pertencem a esses grupos (Schütte,
Análises sobre a vulnerabilidade
socioespacial
2004, p. 1).
O estudo foi além de uma perspectiva
O primeiro exemplo ilustrativo de análises so-
focalizada em grupos, para adotar um olhar
bre a vulnerabilidade socioespacial é o estudo
voltado para a vulnerabilidade de recursos,
sobre Social vulnerability to environmental
segundo o autor, capaz de oferecer uma visão
hazards dos condados nos Estados Unidos.
Cutter, Boruff e Shirley, em artigo que sintetiza
as principais contribuições sobre o tema, chamam a atenção para uma questão de fundo,
que é a relação entre os perigos naturais e o
potencial de perdas. Acrescentam que, uma
vez que as perdas variam com a geografia,
ao longo do tempo e entre diferentes grupos
sociais, a vulnerabilidade também varia com
o tempo e o espaço. Os autores observam
que, na literatura, vulnerabilidade tem diferentes conotações, a depender a orientação
e da perspectiva de pesquisa (Cutter, Boruff e
Shirley, 2003, p. 242).
mais realista. Essa perspectiva contempla fatores humanos, financeiros, sociais, físicos e ambientais e, ainda, estratégias de enfrentamento
e resultados potenciais positivos e negativos.
Os pesquisadores têm a expectativa de que a
perspectiva adotada possa ser um instrumento útil para melhorar o impacto de programas
voltados para as chamadas populações vulneráveis (Schütte, 2004, p. 1).
Embora com base em uma realidade
particular, os procedimentos de análise da
vulnerabilidade urbana no Afeganistão, no
exemplo apresentado, mostram como a análise
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
185
Lúcia Cony Faria Cidade
Cutter, Boruff e Shirley consideram que,
mitigação – medidas para diminuir os riscos ou
embora haja pesquisas sobre a vulnerabilidade
reduzir seu impacto – para produzir o poten-
biofísica e a vulnerabilidade do ambiente cons-
cial de perigo. O potencial de perigo pode ser
truído, sabe-se pouco sobre os aspectos sociais
moderado ou reforçado por um filtro geográ-
da vulnerabilidade. Para os autores, as vulnera-
fico, tal como o sítio e a situação do lugar e,
bilidades criadas pela sociedade tendem a ser
ainda, a proximidade, e também o tecido social
ignoradas, principalmente devido à dificuldade
do lugar. O tecido social inclui a experiência da
para quantificá-las. Os autores lembram que
comunidade com os perigos e também a capa-
a vulnerabilidade social é, em parte, produto
cidade da comunidade para responder, lidar,
de desigualdades sociais. Esses seriam, então,
recuperar-se de e adaptar-se aos perigos. Esses,
os fatores sociais que influenciam ou consti-
por sua vez, são influenciados por caracterís-
tuem a susceptibilidade de vários grupos se-
ticas econômicas, demográficas e residenciais.
rem atingidos e que também determinam sua
No modelo, as vulnerabilidades sociais e biofí-
capacidade de reagir. No entanto, lembram os
sicas interagem para produzir a vulnerabilidade
autores, a vulnerabilidade também inclui desi-
geral do lugar. O artigo apresentado examina
gualdades de lugar, como as características de
apenas a parte relativa à vulnerabilidade social
comunidades e do ambiente construído. Entre
(Cutter, Boruff e Shirley, 2003, p. 243).
elas estariam o nível de urbanização, as taxas
Para Cutter, Boruff e Shirley, há um rela-
de crescimento e a vitalidade econômica, que
tivo consenso na literatura sobre os principais
contribuem para a vulnerabilidade social dos
fatores que influenciam a vulnerabilidade so-
lugares. Os autores consideram que há poucas
cial. Entre eles estão: a) falta de acesso a re-
pesquisas comparando a vulnerabilidade social
cursos, incluindo informação, conhecimento e
de diferentes lugares. É isso o que a pesquisa
tecnologia; b) acesso limitado a poder político
em questão faz, trazendo uma análise compa-
e representação; c) capital social, incluindo re-
rativa de vulnerabilidade social, usando como
des sociais e conexões; d) crenças e costumes;
unidade de análise o condado (Cutter, Boruff e
e) estoque e idade das edificações; f) indivíduos
Shirley, 2003, p. 243).
debilitados e fisicamente limitados; e g) tipo e
O estudo utiliza o modelo de vulnerabi-
densidade de infraestrutura e linhas de vida.
lidade intitulado hazards-of-place (perigos do
Não há concordância sobre variáveis especí-
lugar) para analisar os componentes da vulne-
ficas para representar esses amplos conceitos
rabilidade social nos Estados Unidos, utilizan-
(Cutter, Boruff e Shirley, 2003, p. 245).
do dados socioeconômicos e demográficos do
Embora fossem utilizadas inicialmente
recorte territorial de condados. Com base em
mais do que 250 variáveis, ao longo da pesqui-
dados censitários de 1990, os pesquisadores
sa, essas foram reduzidas para 42 variáveis in-
construíram um Índice de Vulnerabilidade So-
dependentes, até reduzirem-se a onze fatores,
cial (Social Vulnerability Index – SoVI). Nesse
capazes de explicar 76% da variância entre os
referencial, “risco” – como uma medida obje-
condados. Esses fatores são: 1) riqueza pessoal;
tiva da possibilidade de um evento perigoso
2) idade; 3) densidade do ambiente construí-
( hazard event ) –, interage com medidas de
do; 4) dependência econômica de apenas um
186
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Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
setor; 5) estoque habitacional e aluguéis; 6) ra-
mulheres em idade reprodutiva, falta de ren-
ça – americana africana; 7) etnia – hispânica;
dimento regular ou acomodações de aluguel.
8) etnia – americana nativa; 9) raça – asiática;
O estudo utilizou-se de duas escalas de
10) ocupação; e 11) dependência de empregos
mapeamento em Cabul: 1) na escala urbana, a
em infraestrutura. Os resultados mostraram
identificação de zonas com condições de habi-
que a grande maioria de condados dos Estados
tabilidade semelhantes, além de nível de renda
Unidos apresenta níveis moderados de vulne-
e modo de resposta a insegurança alimentar;
rabilidade social. Mostra também que a maior
2) na escala de bairros, selecionou bairros com
parte dos condados vulneráveis se encontra na
alto grau de vulnerabilidade dentro de cada zo-
metade sul do país, indo do Sul da Flórida até a
na da cidade. A identificação das zonas foi feita
Califórnia, regiões com desigualdades étnicas e
a partir de dados quantitativos como acesso a
raciais elevadas, assim como rápido crescimen-
infraestrutura, centros de saúde, ruas e merca-
to populacional (Cutter, Boruff e Shirley, 2003,
dos. A escolha dos critérios de vulnerabilidade
pp. 251-254).
foi definida em um workshop com técnicos da
O exemplo mostra as possibilidades de
Organização Não Governamental Action Con-
utilização de dados censitários para desen-
tre la Faim em Cabul.
Após a identificação das zonas, e seleção
dos bairros, a pesquisa conduziu um estudo de
campo para coletar informações adicionais no
âmbito familiar, por meio da aplicação de questionários em 50 domicílios selecionados aleatoriamente; e seis grupos de discussão com mulheres e um com homens. Realizaram-se ainda
grupos focais e entrevistas semidiretivas.
Entre os resultados do estudo apresenta-se a questão espacial, sob a forma de áreas
que, embora destruídas, localizam-se próximas
a oportunidades de trabalho e, dessa forma,
não são tão vulneráveis. Verificou-se também
uma deficiência de serviços urbanos: 11 bairros
foram identificados com alto grau de vulnerabilidade. Desses, cinco estão também expostos
a fatores de risco relacionados ao quadro natural, como a localização em encostas ou em
áreas passíveis de alagamento.
O aspecto de vulnerabilidade social mais
significativo diagnosticado pelo estudo foi a
ocorrência de uma grande quantidade de famílias cuja única fonte de renda provinha de
volver uma análise espacial comparativa dos
Estados Unidos, segundo condados. O mapeamento resultante reflete a estrutura socioespacial do país, construída ao longo de sua
história e reforçada, ou modificada, pelas dinâmicas mais recentes. A análise resultante
pode subsidiar políticas públicas na escala regional ou nacional.
O segundo exemplo ilustrativo de análise sobre a vulnerabilidade socioespacial
é o estudo Vulnerability mapping in urban
Afghanistan, de Heloise Troc e Erin Grinnell
(2004). Em seu artigo, as autoras delineiam
dois tipos de vulnerabilidade: a estrutural e a
inerente. A primeira, a vulnerabilidade estrutural, é determinada geograficamente. Nesse
sentido, o lugar de residência de determinada
população afeta o acesso e a disponibilidade
de serviços urbanos como saúde, água potável, condições de habitabilidade. O segundo
tipo, a vulnerabilidade inerente, é determinado pelas condições socioeconômicas da família. Destaca em particular o fato de existirem
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
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Lúcia Cony Faria Cidade
trabalhos remunerados diariamente. Para as
e dos eventos perigosos parece ter sido mais
autoras, a insegurança de não conseguir uma
antiga. Tem analisado a ocupação humana das
fonte de renda regular representa a maior
áreas de incidência, as respostas da população
ameaça para as condições de vida de determi-
e a formas de mitigação dos impactos. Esses
nadas pessoas. As entrevistas revelaram que a
desastres, naturais ou induzidos, têm atingido
insegurança relativa à fonte de renda era mais
de forma crescente tanto países chamados de-
problemática que a baixa remuneração. As es-
senvolvidos como os denominados não desen-
tratégias para lidar com a questão também fo-
volvidos. As ameaças se fazem mais intensas
ram objeto de levantamentos pelo estudo (Troc
em áreas urbanas, que concentram grandes
e Grinnell, 2004).
massas populacionais. A linha que enfatiza a
No Brasil, análises integradas articulando
pobreza retrata a constatação de que, embora
aspectos físico-ambientais e sociais, em uma
as populações atingidas pertençam a diferen-
perspectiva socioambiental, têm mostrado co-
tes grupos sociais, em grande parte dos casos,
mo a estrutura urbana e metropolitana pode
quem mais sofre os efeitos desses perigos são
acentuar os efeitos da segregação socioespa-
as populações pobres. Análises dos danos ge-
cial. Essas análises, algumas das quais utilizam
rados por esses eventos, tendo em vista a ca-
Sistemas de Informação Geográfica (SIG), mos-
pacidade de resposta das populações, têm en-
tram como, em áreas consideradas de risco, há
contrado no enfoque da vulnerabilidade uma
manifestações particularmente acentuadas da
perspectiva bastante frutífera.
pobreza e da vulnerabilidade (Alves, 2006; Torres e Marques, 2001).
O texto examinou estudos sobre risco
e vulnerabilidade, identificando uma multi-
Estudos na linha da vulnerabilidade so-
plicidade de enfoques. A revisão assinalou
cioespacial têm buscado, a partir da disposição
dificuldades na formulação de conceitos uní-
geográfica, compreender como interage o qua-
vocos, adequados para operacionalização em
dro socioeconômico, os processos ambientais
distintas áreas de conhecimento. A análise
e, ainda, a oferta de equipamentos e serviços
buscou, ainda, assinalar os procedimentos
urbanos. Embora as dificuldades inerentes a
adotados em diferentes pesquisas, bem como
diagnósticos complexos limitem algumas pes-
seus alcances e limites. A discussão apresen-
quisas a resultados com ênfase descritiva, es-
tou, de forma breve, conceituações e mudan-
ses estudos representam avanços.
ças no tempo, que evoluíram no sentido de
uma abertura do conceito para incorporar,
além dos tradicionais riscos ambientais, tam-
Notas finais
bém considerações sobre a pobreza. Evidenciaram-se, assim, tentativas de incorporar às
Os estudos sobre a vulnerabilidade têm encon-
dimensões tradicionais aspectos distintos, que
trado repercussão em duas áreas principais, a
pudessem refletir as múltiplas facetas do te-
que trata de ameaças ambientais e a que abor-
ma e suas variações. A partir da ótica da vul-
da a pobreza. A linha dos desastres naturais
nerabilidade físico-ambiental e da visão da
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
Urbanização, ambiente, risco e vulnerabilidade
vulnerabilidade social, uma evolução em dire-
socioespacial, como uma expressão espacial
ção à interdisciplinaridade é a perspectiva da
dos variados processos em estudo, ainda esta-
vulnerabilidade socioespacial.
ria no início de um percurso.
Embora ainda em construção, a temática
No caso de grupos sociais que vivem em
da vulnerabilidade socioespacial oferece poten-
áreas de degradação ambiental, enfrentam os
cial para articular linhas de conhecimento até
efeitos da pobreza e contam com baixo aten-
então paralelas. Um ponto de partida é a visão
dimento de equipamentos e serviços públicos,
da interdisciplinaridade como uma combinação
a inclusão da dimensão espacial da vulnerabi-
integrada de conhecimentos disciplinares de
lidade pode subsidiar políticas públicas. Nesse
ponta com conhecimentos complementares ad-
sentido, uma contribuição para estudos am-
vindos de outras disciplinas. Nessa acepção, a
bientais urbanos integrados seria a identifica-
operacionalização da ótica da vulnerabilidade
ção e análise de territórios de risco.
Lúcia Cony Faria Cidade
Arquiteta. PhD em Planejamento Urbano e Regional. Professora Associada da Universidade de Brasília: Instituto de Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Geografia, Laboratório de Análises Territoriais e Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais. Brasília/DF, Brasil.
[email protected]
Nota
(*) Este artigo é uma versão atualizada e ampliada do texto Urbanização, ambiente, risco e
vulnerabilidade: interpretações e procedimentos, apresentado no XIII Enanpur – Encontro
Nacional da Anpur; Planejamento e gestão do território: escalas, conflitos e incertezas
Florianópolis, SC; Universidade Federal de Santa Catarina; 25 a 29 de maio de 2009. Sessão
Livre – SL 49: Dinâmicas socioespaciais da vulnerabilidade urbana e os territórios de risco.
Agradeço a colaboração e crí cas da Profa. Clarissa F. Sampaio Freitas, do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
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Lúcia Cony Faria Cidade
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Texto recebido em 4/nov/2010
Texto aprovado em 15/dez/2010
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 171-191, jan/jun 2013
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Espaço urbano, circulação e preservação
ambiental: impasses e perspectivas
na área de influência do Rodoanel
em São Bernardo do Campo, SP
Urban space, circulation and environmental preservation:
impasses and perspectives in the area of influence
of the Beltway in São Bernardo do Campo, SP
Carolina Bracco Delgado de Aguilar
Angélica Tanus Benatti Alvim
Resumo
Este artigo trata do processo de produção do espaço urbano e transformação da paisagem, por
meio da atuação de diversos atores, particularmente o Estado e o mercado imobiliário. Com base
na análise da relação entre as redes de circulação
e transporte, meio ambiente e uso e ocupação do
solo, discute-se a lógica da produção do espaço
urbano ao longo do Trecho Sul do Rodoanel Mário
Covas na bacia Billings, especificamente no trecho
que corta o município de São Bernardo do Campo,
Região Metropolitana de São Paulo.
Abstract
This article analyzes the process of production
of urban space and the transformation of the
landscape, resulting from (re) production of urban
space through the performance of various actors,
particularly the state and the real state market.
Based on the analysis of the relationship between
the networks of circulation and transport, use
and occupation of land and environment we
discuss the logic of the production of urban space
around of the South of Rodoanel Mario Covas, in
São Bernardo do Campo municipality, São Paulo
Metropolitan Area.
Palavras-chave: produção do espaço urbano;
transformação da paisagem; Rodoanel Mário Covas; represa Billings; São Bernardo do Campo.
Keywords: production of urban space; landscape’s
transformation; Rodoanel Mário Covas; Billings
Watershed; São Bernardo do Campo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Introducão
No caso específico da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), historicamente,
a implantação de um sistema de circula-
Este artigo1 trata do processo de produção do
ção compostos por ferrovias e rodovias, li-
espaço urbano e transformação da paisagem,
gando São Paulo ao interior do Estado, ao
por meio da atuação de diversos atores, parti-
litoral (porto) e outras regiões do país, foi
cularmente o Estado e o mercado imobiliário.
determinante para conformar sua centrali-
Com base na análise da relação entre
dade e importância nacional. No entanto, o
as redes de circulação e transporte (pessoas e
mesmo sistema de circulação, quando priori-
mercadorias), meio ambiente e uso e ocupa-
zou o modo de transportes sobre pneus, foi
ção do solo, pretende-se discutir a lógica da
responsável pela expansão da sua mancha
produção e reprodução do espaço urbano, as
urbana, em direção às áreas frágeis à ocupa-
intenções e os conflitos entre os atores que o
ção urbana, principalmente aquelas que
produzem, bem como identificar as recentes
abrigam impor tantes mananciais e áreas de
transformações da paisagem.
preser vação ambientais.
O objeto de estudo é o Trecho Sul do Ro-
O recente processo de implantação do
doanel, inserido na Área de Proteção e Recupe-
Rodoanel Mário Covas, via perimetral expressa
ração dos Mananciais Billings, particularmente
que visa equacionar a crescente crise na circula-
o Lote 2, trecho de 6.9 km de extensão, que
ção metropolitana, tem sido objeto de polêmi-
interliga as rodovias Anchieta e Imigrantes, no
cas, visto que dois dos seus quatro trechos, es-
município de São Bernardo do Campo. Busca-
pecificamente os trechos Sul e Norte (esse ainda
-se analisar a (re)produção do espaço urbano,
em projeto), atravessam importantes áreas de
os impactos ambientais e consequente a trans-
preservação ambiental que abrigam importan-
formação da paisagem, processos que ocorrem
tes reservatórios de água para abastecimento
por meio da atuação de diversos atores, parti-
público: as represas Guarapiranga e Billings e a
cularmente o Estado (representado pelos pode-
Serra da Cantareira, respectivamente.
res públicos estadual e municipal), o mercado
imobiliário e a sociedade civil.
São Bernardo do Campo (SBC), município
localizado na sub-bacia do reservatório Billings,
Nos últimos anos, diversos especialistas
região sudeste da metrópole, possui uma situa-
e estudiosos (Harvey, 2005; Lefebvre, 1999 e
ção peculiar nesse contexto: as duas ligações
2008; Gottdiener, 1993; Villaça, 2001; San-
viárias mais importantes do novo empreendi-
tos, 2008; Costa, 2006) vêm aprofundando a
mento – alças de acesso às rodovias Imigran-
discussão sobre produção do espaço urbano e
tes e Anchieta – localizam-se em seu território,
transformação da paisagem. Na abordagem da
proporcionando uma nova acessibilidade intra-
produção do espaço urbano, o sistema de cir-
-urbana e metropolitana.
culação é um elemento estruturante do espa-
Desde o início da construção do trecho
ço, pois, ao proporcionar acessibilidade, gera
que corta o município – Lote 2 do Trecho Sul
novas localidades e, ao mesmo tempo, trans-
do Rodoanel – em 2006, o governo municipal
forma a paisagem.
passou a implementar um conjunto de obras
194
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
de duplicação e repavimentação de estradas
Bernardo do Campo, busca-se com este arti-
que se interligam à alça de acesso do Rodoa-
go contribuir para explicitar os impasses e as
nel com a Rodovia dos Imigrantes, previstas no
perspectivas que se colocam sobre a produ-
Programa de Transporte Urbano (PTU) de 2002,
ção do espaço urbano e, consequentemente,
programa destinado à melhoria da infraestru-
transformação da paisagem que ocorrem em
tura urbana de circulação. Ao mesmo tempo,
áreas preservadas.
definiu, no Plano Diretor de 2006, zonas empresariais nessa região buscando atrair empreendimentos de uso industrial e de serviços logísticos, para além da ocupação de baixa renda
e de assentamentos precários já existentes nas
Produção do espaço urbano
e transformação da paisagem
áreas de mananciais.
A recente instituição da nova lei de pro-
A produção do espaço urbano é um processo
teção e recuperação dos mananciais – Lei Es-
social que envolve a participação de diversos
pecífica da Billings, n. 13.579 / 2009, ao mesmo
atores da sociedade, entre eles, o Estado, os
tempo que incorpora o Rodoanel como área
empresários, os construtores e os proprietários
de intervenção, definindo diretrizes que bus-
fundiários. Para Gottdiener (1993), o espaço é
cam orientar o uso e a ocupação desse espaço,
entendido como produto social – organizado e
exige do poder público municipal a adequação
estruturado, que ajuda a recriar ou reproduzir
dos instrumentos urbanísticos locais (Plano Di-
as relações sociais que o geraram.
retor e demais instrumentos de uso e ocupação
Paisagem é a expressão formal da pro-
do solo) e define instrumentos que possibilitam
dução do espaço urbano, constantemente
intervir e regularizar os assentamentos precá-
transformada de acordo com a dinâmica e os
rios existentes.
interesses dos atores que produzem o espaço
Além da melhoria de acessibilidade e cir-
urbano. Assim, espaço e paisagem têm rela-
culação, a conexão do Rodoanel com as rodo-
ções entrelaçadas, pois ao mesmo tempo que
vias Anchieta e Imigrantes, associada à presen-
o espaço é produzido, a paisagem é transfor-
ça dos mananciais da sub-bacia hidrográfica
mada. Isso pode ser observado na transição
Billings, e dos investimentos em infraestrutura
de um espaço periurbano, com uma paisagem
por parte do poder local na área de influência,
ainda “natural”, para um espaço urbano, com
indica um conjunto de conflitos e de interesses
a paisagem transformada e apropriada pelo
em relação à dinâmica urbana e imobiliária do
novo processo de produção socioeconômica
município, e ao mesmo tempo contribui para
que ali se instala (Aguilar, 2010).
exacerbar a segregação socioespacial da população de baixa renda que ali habita.
A compreensão adequada dessas questões requer a análise da relação espaço/tempo,
A partir da compreensão dos proces-
e paisagem/natureza, considerando-se a mu-
sos reais em curso, na área de influência do
tabilidade da percepção desses termos, como
Trecho Sul do Rodoanel, no município de São
explica Leite (2006, pp. 13-14):
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
195
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
[...] a percepção do tempo e da natureza
muda com a evolução cultural, o que exige a procura de novas formas de organização do território que melhor expressem
o universo contemporâneo, formas que
capturem o conhecimento, as crenças,
os propósitos e os valores da sociedade
[...]. [A] natureza e a cultura juntas, como
processos interagentes, conferem forma
e individualidade aos lugares. Os ritmos
de produção, transporte e consumo, por
exemplo, interagem com os ritmos climático, hidrológico e biológico para moldar
uma paisagem cujos padrões de produção
e utilização variam de acordo com o contexto específico da sociedade.
Para Carlos (1994), a paisagem urbana é
a manifestação formal do processo de produção do espaço urbano. É produzida e justificada pelo trabalho, considerado como atividade
transformadora do homem social, fruto de determinado momento de desenvolvimento das
forças produtivas.
Sendo o espaço o suporte das relações
sociais e das funções ecológicas, a relação
entre o aspecto simbólico da paisagem e a escolha do modelo de desenvolvimento urbano
interfere no processo de ordenamento do espaço urbano e da paisagem, como cenário físico, estético e emocional em que se processa a
atividade humana como explicado por Saraiva
(1999, p. 17). Ou seja, o modelo de desenvolvi-
enquanto espaço é a soma da sociedade e da
paisagem, sempre mudando de configuração
na medida da movimentação do social.
Uma vez que o espaço é o produto social, ou “expressão da sociedade” (Castells,
1999, p. 499), a produção do espaço pela
sociedade capitalista resulta em espaços de
contradições, representando na paisagem as
desigualdades sociais e as disputas pela apropriação do espaço.
A paisagem urbana contemporânea é o
resultado do modelo econômico globalizado,
da ambiguidade e dissolução das relações sociais e da fragmentação do território, interligado e ao mesmo tempo dividido pelas redes
de fluxo e comunicação, tanto físicas quanto
virtuais. O cenário da paisagem urbana pode
ser apreendido pela descrição da lavra, que
Bauman extrai de Schmitt (apud Bauman,
2003, p. 119):
Virtualmente todas as cidades do mundo
começam a apresentar espaços e zonas
poderosamente conectadas a outros espaços ‘valorizados’, cruzando a paisagem
urbana e as distâncias nacionais, internacionais e até mesmo globais. Ao mesmo
tempo, porém, muitas vezes há em tais
lugares um palpável e crescente senso
de desconexão local em relação a áreas e
pessoas fisicamente próximas, mas social
e economicamente distantes.
mento adotado e a forma como a sociedade se
De um modo geral, a produção do espaço
comporta interferem na produção do espaço,
urbano resulta na transformação da paisagem,
ao mesmo tempo em que sofrem interferência
comumente apropriada por aqueles que podem
dessa mesma produção de espaço, transfor-
comprá-la, num processo de “enobrecimento”2
mando a paisagem.
do espaço, enquanto a população de baixa
Relacionando espaço e paisagem, Mil-
renda participa da produção social do espaço,
ton Santos (2008) afirma que paisagem é a
em geral, por meio da apropriação irregular de
configuração geográfica ao alcance do olhar,
áreas não propícias à ocupação urbana.
196
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Assim, a produção social do espaço ma-
A forma como a sociedade é organizada
terializa os interesses dos agentes dominantes
determina como os grupos dominantes dentro
da sociedade capitalista, tendo como resul-
da mesma interferem nessa produção. Entre-
tado a transformação da paisagem, compro-
tanto, o próprio conceito de produção precisa
metendo assim a construção da cidade como
ser especificado, porque interfere no significado
prática social.
da expressão “produção do espaço” (Lefebvre,
ibid., pp. 53-55). Produzir, ensina o citado autor,
deve-se entender em sentido amplo, para além
Atores que (re)produzem
o espaço urbano
e transformam a paisagem
O crescimento dos centros urbanos faz o espaço natural ser consumido, produzindo o espaço
urbano. A ocupação do solo torna os espaços
remanescentes disputados e cada vez mais raros, principalmente em locais onde há interesse
de investimentos públicos, em infraestrutura,
aliados ao capital privado. A partir da valorização, pelo capitalismo, dos espaços livres, Martins classifica o próprio espaço como uma nova
raridade (2008, p. 9):
da mera produção de objetos e materiais trocáveis, mas englobando a produção de conhecimentos, obras, alegria e prazer; em resumo,
a produção tanto intelectual (mental), quanto
material (física).
A produção, do espaço, aparentemente
desarticulada, dominada (pela técnica e pelas normas), depende de interesses diversos e
de grupos distintos, que encontram no Estado
uma unidade. Essa produção depende de uma
encomenda e de uma demanda, muitas vezes
com a predominância (mesmo que oculta) de
alguns desses interesses. Não sendo o espaço
nem neutro nem inocente, uma das forças políticas responsáveis pela falta de neutralidade
[...] mobilizado pela valorização capitalista, o espaço passou a integrar as novas raridades. Se outrora o pão, os meios
de subsistência eram raros, “agora, não
em todos os países, mas virtualmente
à escala planetária, há uma produção
abundante desses bens; não obstante as
novas raridades, em torno das quais há
luta intensa, emergem: a água, o ar, a luz
e o espaço”.
do espaço é o Estado: “aparelho que organiza
Dessa forma, “o espaço inteiro torna-se
a articulação entre eles a ponto de o espaço
o lugar da reprodução das relações de produ-
ser produzido e a paisagem ser transformada
ção”. Diante do conceito de espaço como a
em pontos do território onde há concentração
soma da paisagem e da sociedade, “toda so-
de interesses comuns aos mesmos (Lefebvre,
ciedade produz ‘seu’ espaço, ou, caso seja pre-
1999, p. 119).
ferível, toda sociedade produz ‘um’ espaço”
(Lefebvre, 2008, p. 55).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
o espaço geográfico de modo a exercer seu poder sobre os homens” (Lipietz, 1988, p. 150).
Dentre os que intervêm no espaço, encontram-se proprietários fundiários, promotores imobiliários, poderes públicos, coletividades
locais, bancos e organismos de crédito, arquitetos, etc. A divisão do trabalho entre tais atores,
separando suas atividades e papéis, mascara
O papel do Estado é fundamental para
a produção do espaço urbano e na ação de
197
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
fazer convergir os interesses conflitantes dos
estatal no meio urbano através da legislação
grupos de poder, aos seus próprios interesses.
urbanística, uma vez que as leis de uso e
Lipietz ao tratar do espaço do capital, na mes-
ocupação do solo, por meio dos parâmetros ur-
ma linha de entendimento de Lefebvre, afirma
banísticos, condicionam as taxas de lucro obti-
que “à medida que o Estado se apresenta co-
das em cada fragmento do território.
mo ‘comunidade ilusória’ que funciona como
O espaço urbano, segundo Carlos (1999,
ditadura de uma classe, o espaço que ele do-
p. 83) “se produz na contradição entre os inte-
mina e organiza é o espaço do poder desta
resses do poder político, dos empreendedores
classe (ou coalisão de classes)” (Lipietz, 1988,
imobiliários e dos empresários, de um lado, e
p. 150).
do cidadão, do outro”. Bógus (1988) aponta
As formas de atuação de cada um dos
atores da produção do espaço urbano são
apontadas por Sposito (2006), que relaciona:
proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários, o Estado e grupos sociais excluídos. Para esse autor,
os proprietários dos meios de produção, “personificados pelos donos de grandes indústrias
e empresas comerciais”, pela conformação de
suas atividades, estabelecem dimensões de
ocupação na cidade e grande capacidade de
consumo do espaço urbano. Já os proprietários
fundiários têm o objetivo de extrair de forma
ampliada a renda fundiária de suas proprieda-
que o cidadão é o usuário final, um dos atores
da produção do espaço urbano.
Contribuindo para discussão, essa autora
esclarece que:
A determinação do valor de uso, do valor
de troca e da renda a ser auferida pelo
proprietário da terra dependerá dos diversos atores e grupos sociais, atuantes
no mercado imobiliário, seja como produtores de imóveis (empreiteiros, incorporadores, instituições governamentais
ligadas à produção de habitações), seja
como intermediários (corretores de imóveis) ou consumidores (os usuários).
(Ibid., p. 21)
des,3 buscando mais o valor de troca do que o
valor de uso (ibid., p. 24).
A figura, a seguir, sintetiza os princi-
O Estado tem o papel complexo de ge-
pais atores que produzem o espaço urbano. O
renciar os conflitos de interesses dos mem-
Estado, representa as diversas esferas de go-
bros da sociedade de classes, dentre os quais
verno – federal, estadual e municipal – envol-
se encontram os grupos sociais incluídos e os
vidas na produção do espaço por meio da for-
excluídos. Para Sposito (ibid.), o Estado atua
mulação/instituição das políticas públicas que
de forma complexa entre os “conflitos de in-
transformam e/ou valorizam o espaço urbano.
teresses dos diferentes membros da sociedade
Proprietários fundiários, empreendedores,
de classes, bem como pelas alianças entre eles,
construtores/incorporadores e financiadores,
tornando viável a existência simultânea de in-
cada qual atuando na cadeia de transforma-
teresses distintos de vários agentes produtores
ção da paisagem por meio da viabilização das
e consumidores do espaço urbano” [...]
condições técnico-financeiras da produção
Bógus (1988) reforça que deve ser consi-
do espaço urbano. Coletividades locais agre-
derada também a importância da intervenção
gam a participação dos diferentes grupos da
198
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
sociedade civil e classes sociais que atuam
Para fomentar o interesse dos atores da
de forma organizada ou não na produção do
produção do espaço urbano, a questão da locali-
espaço urbano. Já o usuário final, representa
zação é fator fundamental de atratividade, princi-
o(s) indivíduo(s) impactados pela produção
palmente para os empreendimentos imobiliários,
do espaço urbano, podendo inferir demandas
sendo o sistema de circulação (vias e transportes)
na paisagem transformada e/ou busca (resul-
essencial à produção de localidades, produção e
tante da oferta ou da exclusão) de novas op-
reprodução do espaço urbano e alteração da pai-
ções de paisagem.
sagem, como veremos no caso do Rodoanel.
Figura 1 – Produção social do espaço urbano: principais atores
Fonte: Aguilar (2010, p. 37).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
199
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Sistema de circulação,
produção de localidades
e segregação socioespacial
Para Villaça (1999), um dos elementos
determinantes para a estruturação e produção
do espaço urbano e consequente modificação
da paisagem são os sistemas de circulação, de transporte e de comunicação, que
Há uma diferença fundamental entre lugar e lo-
transformam determinados pontos do territó-
calização. Para Milton Santos (2008, pp. 21-23),
rio – pela sua capacidade de deslocamento e
o lugar pode ser o mesmo, mas as localizações
comunicação, integrando produtos e consu-
mudam: “[...] o lugar é o objeto ou conjunto de
midores em “localizações urbanas”. O autor
objetos. A localização é um feixe de forças so-
afirma que a “localização urbana” é determi-
ciais se exercendo em um lugar”. Nas palavras
nada por dois atributos: rede de infraestrutura
do geógrafo:
(vias, redes de água, esgotos, pavimentação,
Cada localização é, pois, um momento do
imenso movimento do mundo, apreendido
em um ponto geográfico, um lugar. Por isso mesmo, cada lugar está sempre mudando de significação, graças ao movimento
social: a cada instante as frações da sociedade que lhe cabem não são as mesmas.
energia, etc.); e, possibilidades de transporte
de produtos de um ponto para outro, de deslocamento de pessoas e de comunicação.
A acessibilidade é preponderante em
relação à presença de infraestrutura, sendo
essa “o valor de uso mais importante para a
terra urbana, embora toda e qualquer terra o
Castells (1999, p. 223) acresce que a lo-
tenha em maior ou menor grau” (Villaça, 2001,
calização é um valor que se manifesta no valor
p. 74). Esse autor enfatiza que a acessibilidade
da terra urbana, definida pela “capacidade que
é proporcionada pela implantação das redes
determinado ponto do território oferece, de
de circulação e transporte, entre elas, as vias
relacionar-se através de deslocamentos espa-
regionais, constituindo um elemento determi-
ciais, com todos os demais pontos da cidade”.
nante na expansão urbana.
A terra em si não tem valor, mas a terra como
Em áreas protegidas, a implementação
localização, sim. Sendo a produção do espaço
das redes de circulação e transporte provoca
urbano considerada como produção da locali-
transformações significativas e conflitantes.
zação, um dos investimentos mais disputados
Em alguns casos, o simples fato de uma deter-
entre as classes sociais é o sistema de circula-
minada área preservada adquirir acessibilidade
ção (vias e meios de transporte), pela sua ca-
poderá atrair formas irregulares de ocupação
pacidade de ligar uma localização a outra e de
urbana que, na maioria das vezes, o Estado
diminuir o tempo de deslocamento. Portanto, a
não consegue controlar. Por outro lado, de for-
infraestrutura de transporte é um tipo especí-
ma conivente com o próprio Estado e, muitas
fico de dominação que determina a produção
vezes, até imperceptível para a sociedade, tal
do espaço urbano. O principal ator na produ-
acessibilidade provoca significativas alterações
ção da mais-valia do transporte é o Estado, um
no valor da terra que, quando associada às be-
dos agentes responsáveis pela implantação das
lezas da paisagem preservada, geram um va-
vias como obra pública.
lor agregado a ser incorporado pelo mercado
200
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
imobiliário, resultando em importantes trans-
da circulação, para a acumulação ser mais efi-
formações no espaço.
ciente é preciso aumentar a velocidade de cir-
Para Harvey (2005), as relações de
culação do capital. Isso torna o fator distância
transporte, a integração espacial e a anulação
menos importante do que o fator velocidade.
do espaço pelo tempo referem-se, portanto, à
O transporte serve para anular o espaço pelo
produção do valor e à dinâmica da acumula-
tempo; daí a importância e a vantagem da
ção. Admitindo-se que a circulação do capital
aglomeração em centros urbanos. O esforço de
gera valor, a constante mudança de localiza-
criar novas oportunidades para a acumulação
ção (incentivada principalmente pela indústria
de capital envolve tanto a expansão quanto a
do transporte e comunicação) faz aumentar a
concentração geográficas, colocando em ques-
mais-valia decorrente da circulação do capital.
tão a relação entre centro e periferia. A expan-
Como o capitalismo visa a eliminar as barrei-
são geográfica possui forças para criar novas
ras espaciais, por meio da compressão do tem-
oportunidades e para a acumulação do capital.
po, são produzidos espaços fixos, subsidiados
Já a concentração geográfica propicia a inova-
pela construção de infraestruturas físicas fixas,
ção tecnológica. Harvey explica isso a seguir,
para facilitar os deslocamentos de pessoas e
enfatizando Marx (1972, p. 288, apud Harvey,
mercadorias, e dar suporte a atividades de
2005, p. 53):
produção, de troca, de distribuição e de consumo, como será visto por meio do objeto de
estudo: o espaço urbano ao redor do lote 2 do
Trecho Sul do Rodoanel, em São Bernardo do
Campo (SBC), na Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP).
O transporte é ao mesmo tempo produzido e consumido no momento do seu uso
(Harvey, 2005). Ele impacta a matéria-prima e
o produto final, pois, quanto menor o tempo do
Em geral, parece que o imperativo da
acumulação produz concentração da
produção e do capital, criando, ao mesmo tempo, uma ampliação do mercado
para realização. Em conseqüência, os
‘fluxos no espaço’ crescem de modo notável, enquanto os ‘mercados se expandem espacialmente, e a periferia em relação ao centro [...] fica circunscrita por
um raio constantemente em expansão’.
(Grafia original)
transporte, mais rápida é a entrega da mercadoria e menor é seu custo final; por outro lado,
De acordo com Villaça (1999), o Estado é
quanto maior o tempo de transporte, menor
o responsável pela localização de equipamen-
é a velocidade de circulação e mais caro é o
tos e infraestrutura urbana e pela regulação do
preço final da mercadoria. Assim, a diminuição
uso e ocupação do solo, enquanto o mercado
do custo da circulação e transporte do produto
imobiliário é responsável pela produção de
aumenta a acumulação do capital. Ao mesmo
novas localidades. A localização é um atributo
tempo, a melhoria do sistema de circulação e
fundamental para o solo urbanizado, e pas-
transporte propicia a redução do espaço pelo
sa a fazer parte do processo imobiliário. Daí
tempo e a expansão geográfica do capital.
a importância da presença de infraestrutura.
Sendo o tempo de giro do capital igual
Em relação ao vínculo do bem imobiliário com
à soma do tempo de produção, mais o tempo
o lugar e sua dependência da infraestrutura,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
201
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
principalmente da rede de circulação e transporte, Castro (2006, p. 23) enfatiza que:
O preço da propriedade imobiliária mantém uma relação direta com a sua localização em função do acesso e da apropriação dos benefícios públicos que essa
localização propicia. A concorrência pela
melhor localização por parte dos indivíduos e firmas é, segundo as abordagens
neoclássicas da economia urbana, o principal fator responsável pela formação dos
preços dos terrenos.
Lipietz (1988, p. 124), ao observar o espaço como superfície, destaca que é um bem
que tem um preço: preço do solo ou renda
fundiária, que pode ser chamado de tributo
fundiário, para “designar o fato de que este
preço mais tem a ver com uma taxa do que
com o valor da mercadoria”. Assim, a forma
como essa superfície é apropriada é fundamental para determinar o valor desse solo,
dessa localidade. Ou seja, o preço do solo está
diretamente ligado ao grau de localidade de
um determinado lugar e também aos usos im-
Para Lipietz (1988, p. 122), a consideração dos custos de transporte provoca “economias de aglomeração”. Esse autor enfatiza que,
uma vez efetuada a escolha de sua localização
por uma empresa (e a escolha que se segue por
parte das empresas levadas a tratar com ela),
não se pode mais conceber uma modificação
“sem custos” da localização, a menos que se
suponha que todas as empresas combinem
mudar ao mesmo tempo. Além do atributo localização, Gottdiener (1985, p. 127) indica o
outro atributo que define o valor do espaço: a
superfície. Nas palavras desse autor:
O espaço não pode ser reduzido apenas
a uma localização ou às relações sociais
da posse de propriedades – ele representa uma multiplicidade de preocupações
sociomateriais. O espaço é uma localização física, uma peça de bem imóvel, e
ao mesmo tempo uma liberdade existencial e uma expressão mental. O espaço é
ao mesmo tempo o local geográfico da
ação e a possibilidade social de engajar-se na ação. É ao mesmo tempo um meio
de produção como terra e parte das forças
sociais de produção como espaço. Como
propriedade, as relações sociais podem ser
consideradas parte das relações sociais de
produção, isto é, a base econômica.
202
plantados em sua superfície.
Lefebvre (2008, p. 51), reportando-se
ao capítulo final de O Capital, de Marx, intitulado “A fórmula trinitária”, aponta a análise
das relações de produção da sociedade segundo três elementos: 1) o capital e o lucro do
empreendedor (burguesia); 2) a propriedade
do solo e as rendas múltiplas: do subsolo, da
água, do solo edificado, etc.; 3) o trabalho e o
salário destinado à classe operária. Essa “classificação” implica uma aparente e intencional
separação, induzindo a interpretação de que
cada grupo recebe parte do “rendimento”
global da sociedade.
É a ilusão da separação numa unidade,
a da dominação, do poder econômico e
político da burguesia [...] os elementos
que aparecem separados aparecem como
fontes distintas da riqueza e da produção,
ao passo que é somente sua ação comum
que produz a riqueza.
Buscando articular renda e localização,
Lipietz (1988) analisa o custo dos transportes
somado ao custo do solo, valendo-se do pensamento de Alonso (1964, apud Lipietz, p. 125):
“A teoria da renda trata da competição pelo
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
uso do espaço e a teoria da localização não
do espaço, ligadas diretamente às discrepân-
[...]”. Em outros termos, trata-se de ver, no
cias de investimentos públicos em áreas dife-
solo localizado, um bem raro e, seu preço, um
rentes do território, que por sua vez atraem em
indicador fornecido pelo mercado: “A renda
maior intensidade o investimento privado, pro-
desempenharia, então, o papel de uma lei do
duzindo espaços de contradição. Nas palavras
valor do espaço”. Indo além, Bógus observa
de Carlos (1999, p. 81):
que a formação da renda não se dá a partir da
construção em si, mas do uso do solo viabilizado para as atividades urbanas (1988, p. 20):
Pode parecer numa primeira aproximação que o capital aplicado na construção
civil – cujo resultado é a produção de
casas e edifícios – é que permite a formação de rendas. Entretanto deve-se
lembrar que a construção de edificações
apenas viabiliza o uso do solo para as
atividades urbanas de produção, distribuição, consumo e reprodução, inclusive
da força de trabalho. Assim, não é a área
construída, em si, a base para a formação da renda. Essa base é dada pelo terreno e pela sua localização no tecido urbano, sendo seu preço e seus usos estabelecidos pelos mecanismos de mercado.
Essa autora aponta que o capital incorporador gera a segregação social no espaço. Nesse sentido, é importante destacar que a valorização de certas áreas decorre não da produção
de moradias em si, mas das alterações do uso
do solo urbano, resultantes da atuação desse
capital, possibilitando a criação ou ampliação
de rendas diferenciais (Lipietz, 1988, p. 30).
A segregação espacial das classes sociais, de acordo com Villaça (1999), entendida
como a localização predominante das altas
camadas sociais em determinada parcela do
espaço urbano, é produzida a partir da disputa pela apropriação das vantagens do espaço,
como pela implantação de infraestrutura de
transporte. Daí resulta parte das contradições
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
[...] o processo de apropriação privada do
espaço produz uma hierarquia espacial
coerente com uma hierarquia social, na
qual indivíduos, subordinados à divisão
do trabalho, hierarquizados socialmente,
apropriam-se de forma diferenciada da
cidade, e dado que o processo de apropriação é mediado pelo mercado, imposto
pela propriedade privada do solo urbano.
Esse fato é percebido de forma clara e
evidente nos usos da cidade, perceptíveis
na paisagem urbana marcada por diversas formas de segregação.
Pode-se afirmar que a segregação social
urbana, recriada nos diferentes momentos de
expansão da cidade, é um processo que organiza o espaço em zonas com alto grau de
homogeneidade social interna e com grandes
disparidades externas, de umas em relação às
outras, tanto por características distintas como
em hierarquia (Bógus, 1988, p. 37). Por fim,
Carlos, ao tratar dos conflitos e interesses entre os diversos atores da produção do espaço
urbano e da transformação da cidade, de valor de uso para valor de troca, afirma Carlos
(1999, p. 81):
O uso não se dá sem conflitos na medida
em que os interesses/necessidades são
contrapostos, contraditórios. De um lado
os interesses do Estado e dos empresários (muitas vezes coincidentes); de outro,
a população. Enquanto os primeiros têm
por objetivo a valorização e o poder, a população anseia por condições de vida em
203
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
dimensão plena. (...) Tal perspectiva envolve pensar o sentido da apropriação e
do uso dos lugares da metrópole. Envolve
pensar o processo que transforma, constantemente, a cidade, de valor de uso em
valor de troca.
interligadas, sintetizadas a seguir: 1) pesquisa
documental; 2) levantamento de campo associado a entrevistas qualitativas com técnicos
estaduais, municipais e sociedade civil; 3) análise dos resultados à luz do quadro conceitual
construído, por meio de produção de mapas e
A transformação da paisagem urbana
dados comparativos a fim de compreender a
que se expressa de forma complexa a partir
ocupação e o processo de transformação da
de interações e deslocamentos múltiplos é um
área de estudo.4
fator decisivo para compreender a necessidade
O Rodoanel Mário Covas da RMSP con-
de novas estruturas de circulação na metrópo-
siste em ligação perimetral projetada com o
le, tais como o Rodoanel. Esse novo sistema
objetivo de articular o sistema rodoviário regio-
de circulação e transporte busca otimizar flu-
nal que liga São Paulo a diversas localidades
xos econômicos, com o objetivo de atender às
do Estado e do país, evitando a circulação de
necessidades de uma logística de circulação e
veículos de carga e de passagem no espaço ur-
distribuição capaz de suprir as redes de consu-
bano da metrópole.
mo e produção, evitando que veículos pesados
A RMSP, desde o início do século XX, atrai
adentrem o espaço intraurbano da metrópole,
fluxos provenientes do interior do território es-
e ao mesmo tempo impacta um território frag-
tadual e de outras regiões do país em direção
mentado e ambientalmente frágil.
ao porto de Santos. A implantação das ferrovias e de importantes rodovias radiais para facilitar o deslocamento entre interior-metrópole
Rodoanel Mário Covas:
características e polêmicas
e metrópole-porto contribuiu, dentre outros fatores, para a expansão da ocupação urbana da
metrópole, gerando impactos ambientais em
suas áreas impróprias à urbanização e aumen-
Tendo como propósito analisar o processo de
tando ainda mais a necessidade de transporte
produção do espaço urbano e a transformação
de pessoas e de mercadorias.
da paisagem a partir da implantação de uma
Estudos sobre um grande anel viário cir-
obra viária de caráter regional que atravessa
cundando a metrópole paulista surgiram com
áreas protegidas, a pesquisa que dá origem
o aumento da frota automobilística a partir
a este artigo elegeu como objeto de estudo o
da segunda metade do século XX. Em 1952,
Rodoanel Mário Covas, em seu trecho sul, par-
foi feito um primeiro esboço que acabou dan-
ticularmente o Lote 2, porção que atravessa a
do origem às Avenidas Marginais do Tietê e
área de proteção dos mananciais da sub-bacia
Pinheiros (DERSA, 2004). Trinta anos depois,
Billings no município de São Bernardo do Cam-
com as marginais completamente congestio-
po e interliga as rodovias Anchieta e Imigran-
nadas, começou a ser construído o Mini-Anel
tes. Os procedimentos metodológicos definidos
Viário, circundando o centro expandido a partir
para essa etapa desenvolveram-se em fases
da Marginal Tietê, Marginal Pinheiros, Av. dos
204
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Bandeirantes, Av. Affonso Taunay, Complexo
dos reservatórios destinados à geração de
Viário Maria Maluf, Av. Tancredo Neves, Av.
energia elétrica e abastecimento público, foi
das Juntas Provisórias, Av. Prof Luís Inácio de
criado o Programa Rodoanel, com a divisão
Anhaia Melo, Av. Salim Farah Maluf e concebi-
da construção em quatro trechos, que seriam
do o Anel Metropolitano.
implantados no decorrer de 15 anos, a saber:
Em 1987, traçou-se nova proposta de in-
Trecho Oeste, com 32 km (em operação des-
terligação viária das rodovias radiais da metró-
de 2002); Trecho Sul, com 53 km (em opera-
pole: a Via Perimetral Metropolitana. Nessa, o
ção desde 2010); Trecho Leste, com 40 km
Trecho Norte passaria por trás da Serra da Can-
(em construção); Trecho Norte, com 48 km
tareira. No entanto, a distância do Trecho Norte
(em licenciamento).
em relação à metrópole, tendo como barreira
Segundo a Dersa (2004), simulações so-
física a Serra da Cantareira, contribuiu para in-
bre o tráfego previsto para o Rodoanel tendo
viabilizar também essa proposta.
como horizonte 2020 indicou que os maiores
O projeto é retomado pela Empresa de
carregamentos estariam no Trecho Oeste (180
Desenvolvimento Rodoviário S.A. – Dersa, em
mil veículos/dia), seguidos dos Trechos Sul (147
1995, que apresentou o Trecho Norte modifica-
mil veículos/dia), Leste (113 mil veículos/dia) e
do, mais próximo da mancha urbana, intercep-
Norte (95 mil veículos/dia).
tando a Serra da Cantareira. Em 1997, ocorre a
Por um lado, o Rodoanel foi apresentado
decisão política de implantação do empreendi-
pelo Estado como uma obra rodoviária primor-
mento acordada pelas três esferas de governo:
dial para a RMSP, cuja função é conectar as ro-
Prefeitura Municipal de São Paulo, Estado de
dovias radiais que chegam à metrópole e fun-
São Paulo e União.
cionar como elemento estruturador do tráfego
A proposta apresentada pela Dersa é o
interno da metrópole. Por outro, as restrições
Rodoanel, uma rodovia classificada como clas-
ambientais dos Trechos Sul (mananciais) e Nor-
se “0”, com acesso restrito, que contornará a
te (Serra da Cantareira) acabaram resultando
RMSP num distanciamento de 20 a 40 km do
em conflitos que ao longo do tempo dificultam
centro do município. Sua extensão total será de
sua construção.
170 km, interligando os dez grandes eixos ro-
A decisão de implantar inicialmente o
doviários de acesso à metrópole: Régis Bitten-
Trecho Oeste foi estratégica para indicar a ne-
court (acesso ao Vale do Ribeira e sul do país);
cessidade da via na RMSP. Tal decisão contribui,
Raposo Tavares; Castello Branco; Anhanguera;
no entanto, para reforçar o quadrante sudoeste
Bandeirantes (acesso a todo o interior do Esta-
da capital paulista, que, de acordo com Villaça
do de São Paulo e ao centro-oeste do país); Fer-
(1999), é privilegiado historicamente pelo Es-
não Dias (acesso a Minas Gerais); Presidente
tado, que, desde o inicio do século, concentra
Dutra; Ayrton Senna (acesso ao Vale do Paraíba
nessa região investimentos em infraestrutura,
e Rio de Janeiro); Anchieta e Imigrantes (acesso
principalmente vias de circulação e transporte,
ao Porto de Santos e cidades litorâneas).
contribuindo ainda mais para o processo de va-
Devido ao porte e custo do empreendimento, comparado apenas à implantação
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
lorização desse espaço urbano em relação ao
restante da metrópole.
205
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
A finalização do Trecho Oeste em 2002 e
ambientais decorrentes seriam pequenos; os
o aumento contínuo da frota de veículos parti-
ambientalistas, com expressiva representa-
culares da RMSP fizeram com que a atenção do
tividade da sociedade civil e universidades,
Estado se voltasse para a construção do Trecho
procuravam indicar que os efeitos ambientais
Sul, que conectado ao trecho já construído dimi-
e sociais advindos dos impactos da via seriam
nuiria o tráfego de passagem em vias internas
mais perversos do que os benefícios em relação
importantes da cidade, particularmente a Av.
à melhoria da mobilidade na metrópole.
dos Bandeirantes e Marginal do rio Pinheiros.
No âmbito desse debate, estudos impor-
O Trecho Sul, associado ao Trecho Oeste,
tantes foram realizados por especialistas contra-
foi construído para facilitar o escoamento de
tados pelo Estado, que defendia sua necessida-
cargas e canalizar os fluxos originários do inte-
de, e pelos ambientalistas, procurando barrá-lo.
rior do Estado de São Paulo e do Brasil Central
Biderman (2005), empregando um mo-
em direção ao Porto de Santos, sem a neces-
delo matemático, realizou um estudo enco-
sidade de utilizar o sistema viário urbano do
mendado pela Dersa (Estado) para estimar o
município de São Paulo.
impacto da implantação do Rodoanel na RMSP.
O Trecho Sul atravessa os municípios de
O autor argumenta que, devido à obra ter um
Embu, Itapecerica da Serra, São Paulo, São Ber-
número de acessos bastante reduzido, as zonas
nardo do Campo, Santo André, Ribeirão Pires, e
de seu entorno praticamente não receberiam
interligando com o Trecho Oeste, a partir da Ro-
vantagens diretas com sua construção, se man-
dovia Régis Bittencourt, às rodovias Anchieta e
tidas as então condições do sistema viário in-
Imigrantes e ao Município de Mauá, de onde
traurbano. O modelo indicou que somente em
partirá o Trecho Leste. Ao longo desse trecho,
alguns poucos trechos poderia ocorrer maior
encontram-se os reservatórios de abasteci-
atratividade em relação à novos usos, devido
mento de água Guarapiranga e Billings, o que
às conectividades importantes, com destaque
contribuiu significativamente para a discussão
para as ligações com as rodovias Imigrantes
do Rodoanel como possível elemento indutor
e Anchieta, em São Bernardo do Campo (Lote
da ocupação irregular em áreas de preservação
2). O autor recomendou atenção por parte das
dos mananciais, ampliando a polêmica entre
políticas públicas municipais e estaduais ao po-
acessibilidade urbana e proteção ambiental.
tenciais impactos naquele trecho.
Durante o processo de aprovação do pro-
Diferentemente dessa visão, Ferreira e
jeto nos setores competentes, principalmente
Smith (2005), por iniciativa do Instituto Sócio
nas audiências públicas do Conselho Estadual
Ambiental e da Universidade de São Paulo,
do Meio Ambiente – Consema, as polêmicas
realizaram um estudo sobre os reflexos da
sobre os impactos que a via geraria ao atraves-
construção do Trecho Oeste, para efeito com-
sar as áreas protegidas foram intensas. O Esta-
parativo. Os autores apontam que naquela re-
do, por meio dos setores de transporte, defen-
gião o Rodoanel foi um elemento catalizador
dia que a construção do Rodoanel viabilizaria
de novos empreendimentos, iniciando um pro-
a melhoria do tráfego na RMSP e os impactos
cesso de valorização fundiária e acarretando
206
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
o aumento dos assentamentos informais, e a
implantação de uma rodovia “Classe Zero”
não seria suficiente para evitar a criação de
acessos ilegais e conter o avanço populacional
no entorno. Assim, concluíram que efeitos de
São Bernardo do Campo
e o processo de produção
do espaço urbano no Trecho
Sul do Rodoanel
valorização imobiliária e consequente degradação ambiental poderiam também ocorrer
O município SBC, situado na microrregião do
nos mananciais sul após a construção do outro
ABC,5 sudeste da metrópole paulista, tem cer-
trecho da obra.
ca de dois terços do território situado em área
Assim, para o Estado o Rodoanel repre-
de proteção dos mananciais da represa Billings.
sentaria uma solução à acessibilidade e à me-
A área urbana concentrou-se inicialmente na
lhoria da circulação na RMSP, não sendo con-
porção norte do município, ao longo da via Ca-
siderado um elemento de indução da ocupa-
minho do Mar e nas proximidades da rodovia
ção irregular, devido às suas características
Anchieta, construída em 1953, que atraiu gran-
técnicas – via restrita sem passagem em nível
des indústrias, principalmente a automobilísti-
para ligação com viário local e conexão à rede
ca, por constituir um vetor de ligação entre o
regional. Para alguns especialistas e ambienta-
planalto paulista e o porto de Santos.
listas, a acessibilidade promovida pelo Trecho
A implantação de grandes indústrias
Sul do Rodoanel poderia acentuar o processo
em SBC atraiu grande fluxo migratório entre
de ocupação da população de baixa renda, de-
as décadas de 1960, 1970 e 1980, acentuan-
gradando cada vez mais as áreas protegidas.
do a ocupação desordenada do município em
De qualquer forma, consideramos que
direção às áreas de proteção dos mananciais.
tais estudos não se excluem. Se por um lado,
Em 1976, São Bernardo do Campo é atraves-
a melhoria da mobilidade da metrópole é na
sado longitudinalmente pela Rodovia dos
atualidade fato, por outro, os impactos de de-
Imigrantes, outra importante obra rodoviária
gradação ambiental, decorrente da acessibili-
de caráter estadual. Nesse mesmo ano foi
dade que a via promove, embora menos visí-
aprovada a Lei de Proteção dos Mananciais
veis, também ocorrem.
Billings, que restringiu ainda mais o limite da
Mas o processo de produção do espaço
expansão urbana de SBC, inibindo o parque
urbano dirigido pelo Estado em articulação
industrial que estava se formando ao redor da
com o capital imobiliário, em áreas com maior
Rodovia dos Imigrantes.
acessibilidade à via, são formas menos ex-
A crise econômica dos anos de 1980 e o
plícitas e também conflitantes que devem ser
contínuo crescimento populacional do municí-
examinadas, como veremos na área de influên-
pio fizeram com que a demanda por habitação
cia do trecho que corta o município de São
da população de baixa renda encontrasse es-
Bernardo do Campo.
paço nas áreas de preservação dos mananciais
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
207
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Billings, caracterizado pelo baixo valor da terra,
O Trecho Sul do Rodoanel de certa forma
pela disponibilidade, ainda que ilegal, de terre-
é uma terceira ruptura, dessa vez transversal,
nos vazios. Em 1990, o processo de descentra-
no território de São Bernardo do Campo. A área
lização industrial incentivado pelo então Go-
interceptada pela obra (Lote 2) caracteriza-se
verno Collor (1990-1993) impactou na estru-
pela ocupação de loteamentos irregulares ou
turação econômica de SBC, fundamentada no
clandestinos, além de significativa presença in-
setor industrial. O resultado foi o aumento do
dustrial nas proximidades da via Anchieta.
desemprego e contínuo aumento da ocupação
A partir de 2006, ao mesmo tempo, em
irregular de baixa renda em bairros situados
que era fundamental implementar ações de
nas áreas de mananciais, nas proximidades das
recuperação ambiental, determinados trechos
rodovias Anchieta (bairro Montanhão) e Imi-
das áreas de mananciais nas proximidades das
grantes (bairro Dos Alvarenga).
vias de conexão com o Rodoanel passaram a
Figura 2 – A abertura da faixa de domínio do lote 2
do Trecho Sul do Rodoanel, em SBC
Fonte: Google Earth (15 de dez de 2008) apud Aguilar (2010, p. 227).
208
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
ser vistos pelo poder local como uma possibili-
2006, os investimentos do PTU voltaram-se
dade de atrair novas empresas, principalmente
para a duplicação da Estrada Galvão Bueno
as ligadas ao setor logístico e, dessa forma, ge-
e da Estrada dos Alvarengas em seus trechos
rar empregos. Assim, as obras de melhoria das
que se ligam à Rodovia dos Imigrantes, espe-
ligações viárias que se interligam com o Ro-
cificamente no ponto em que era implantada
doanel, previstas pelo Programa de Transporte
a alça de acesso do Rodoanel, definido pelo
6
Urbano (PTU) do município, principalmente
Plano Diretor Municipal como zona empresa-
em trechos definidos como Zona Empresarial
rial estratégica.
Estraté gica (ZEE), zona definida pelo novo
Paralelamente à implantação do Rodoa-
7
nel, foi instituída pelo Estado a Lei Específica
passaram a ser prioritárias para a melhoria da
da Billings (Lei n. 13.579/2009), que regula-
mobilidade e integração das diversas regiões
menta uma nova Lei de Proteção e Recupera-
do município (Figura 3). Ou seja, com o início
ção dos Mananciais de Interesse Regional do
da construção do Trecho Sul do Rodoanel em
Estado de São Paulo (Lei n. 9.866/1997).8
Plano Diretor municipal (Lei n. 5.593/2006),
Figura 3 – Área de estudo – Obras viárias e Zoneamento
Limite da área de proteção
dos mananciais
Rodovias
Represa Billings
Limite da área
de estudo
Trecho sul do Rodoanel
(em construção)
Programa de
transporte urbano
Zonas
vocacionais
Limite do
município
Área de influência direta
do trecho sul do Rodoanel
Unidades de
planejamento e gestão
Bairros
Fonte: Aguilar (2010). Produção a partir do material cedido pela EMPLASA e pela PMSBC.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
209
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Segundo a nova lei, a sub-bacia Billings
foi dividida em “Áreas de Intervenção”, onde
definidos, prevalecendo os instrumentos definidos para a Área de Ocupação Dirigida.
foram definidas as diretrizes e normas ambien-
Assim, observa-se que se, por um lado,
tais e urbanísticas voltadas à garantia dos ob-
ambos os atores, Estado e município, imple-
jetivos de produção de água, com qualidade e
mentaram ações em relação às obras viárias
quantidade adequadas ao abastecimento pú-
e legislações urbanas que equacionariam os
blico, de preservação e recuperação ambien-
deflagrados problemas de circulação regional e
tal, a saber: Áreas de Restrição à Ocupação
local; por outro, a legislação ambiental instituí-
(ARO); Áreas de Ocupação Dirigida (AOD);
da pelo próprio Estado, embora inovadora uma
Áreas de Recuperação Ambiental (ARA);
vez que reconhece a necessidade de equacio-
Área de Estruturação Ambiental do Rodoanel
nar as preexistências por meio de ações de
(AER). Em trechos da AOD, a nova legislação
recuperação, não definiu parâmetros e normas
indica a possibilidade de regularização fundiá-
de orientação de usos e/ou restrições ao longo
ria, reconhecendo que a recuperação ambien-
da nova via, deixando lacunas que fragilizam
tal associa-se à urbanização de assentamen-
os interesses ambientais.
tos precários e regularização da moradia em
áreas protegidas.9
Em uma tentativa de fazer prevalecer
os interesses ambientais na área de influência
direta do Rodoanel, a Lei Específica define a
AER–Rodoanel, uma faixa na área de influên-
Reflexos das políticas públicas
na produção do espaço
urbano de SBC
cia direta da via, onde deveriam ser indicados
usos e atividades compatíveis com a melhoria,
A seguir, a pesquisa registrou os principais
proteção e conservação dos recursos hídricos;
aspectos do processo de produção do espaço
buscando conter a expansão de núcleos ur-
urbano em andamento entre 2007 e 2009 na
banos; incentivar a implantação de unidades
área de influência do Rodoanel em SBC.
de conservação com ações de educação e de
No momento em que o Governo Esta-
monitoramento ambiental bem como ações
dual confirmou a construção do Trecho Sul
de fiscalização para manutenção da tipolo-
do Rodoanel para o início do ano de 2007,
gia original da rodovia como classe zero. A
o setor imobiliário interessou-se por terre-
lei específica estabelece ainda que deverá ser
nos localizados estrategicamente nas áreas
elaborado, no âmbito do Plano de Desenvolvi-
de mananciais, deflagrando um processo de
mento e Proteção Ambiental do Reservatório
expectativa de valorização do preço da terra
Billings – PDPA, o Programa de Estruturação
(ainda que temporário).
Ambiental Rodoanel.
A título de exemplificação, nesta pes-
No entanto, apesar da explicitação de
quisa foram levantados os dados de seis ter-
tais diretrizes, tanto o limite da AER quan-
renos comercializados entre 2007 e 2010, e
to seus parâmetros urbanísticos não foram
de um núcleo habitacional, com metragens
210
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
e usos diversificados, na área definida como
10
Embora ainda não totalmente materia-
área de influência do rodoanel, conforme a
lizado, o processo de modificação do espa-
Tabela 1. Os dados coletados foram obtidos
ço urbano encontrava-se em curso durante a
por meio de uma pesquisa exploratória em
pesquisa que gerou este artigo. Os resultados
que foram entrevistados alguns proprietários
indicam que a região assistia a dois processos
desapropriados, proprietários de grandes gle-
concomitantes: 1) expectativa de valorização
bas comercializadas, empresários e imobiliá-
fundiária por parte daqueles que compraram
rias e levantados os seguintes dados: o valor
terrenos a preço baixo e encontravam-se à
de aquisição do terreno, o valor de desapro-
espera da valorização imobiliária (expectativa
priação (quando houve), o valor do IPTU e o
de valorização) para os venderem; ii) Desapro-
valor de expectativa de valorização (do pró-
priações na Área Diretamente Afetada (ADA)
prio terreno em comparação a outros terre-
pelo Trecho Sul, praticadas pelo Estado, acima
nos da região).
do valor venal dos terrenos.
Tabela 1 – Terrenos entre 2006 e 2009, em função do Rodoanel
Localização
Uso
1
Estrada dos Casa
serviços
2
Estrada Galvão Bueno*
vazio
3
Avenida Angelo Demarchi
serviço
4
Avenida Angelo Demarchi
recreativo
Área (m2)
Ano
Preço m2
(R$)
Total
(R$ mil)
Tipo de valor
58.306
2007
2009
100,00
500,00
5.830.600
29.153.000
Expectativa de venda
Expectativa de venda
249.926
2006
2007
2009
72,169
200,00
350,00
18.034.660
49.985.200
87.474.100
Desapropriação
Expectativa de venda
Expectativa de venda
40.000
2008
2008
10,00
50,00
400.000
2.000.000
312.000
2007
2009
50,00
150,00
IPTU
Desapropriação
15.600.000
46.800.000
Mercado
Expectativa de venda
5,00
10,00
10,00
100,00
20.000
40.000
40.000
400.000
IPTU
IPTU
Expectativa de venda
Expectativa de venda
5
Estrada Brasílio de Lima
residencial
4.000
2008
2008
2007
2009
6
Estrada Brasílio de Lima
residencial
12.000
2008
2008
5,00
15,00
60.000
180.000
IPTU
Desapropriação
7
Estrada Marco Polo**
núcleo
habitacional
5.625
2008
2008
8,00
–
45.000
–
IPTU
Desapropriação
* Em relação à área total do terreno, porém a área de desapropriação foi 15.330,43 m², totalizando R$1.106.187,47.
** Área calculada com base na multiplicação de 45 lotes pela área padrão do lote (125m²).
O cálculo do valor de desapropriação é variável em função das benfeitorias.
Fonte: Entrevistas com proprietários particulares in loco e contato com as construtoras e empresários, por meio da imobiliária
PRIME ABC.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
211
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Por um lado, a acessibilidade propor-
A questão central levantada pelos mora-
cionada pelo Rodoanel integrada às demais
dores foi a seguinte: por que uma obra como
obras e legislações urbanas definidas para a
o Rodoanel, com tamanho impacto ambiental,
área contribuía para a valorização do solo, on-
pode ser construída nas áreas de mananciais
de assistia-se a um processo de expectativa de
com a conivência do Estado (provedor da
valorização fundiária por parte daqueles que
obra), e esse mesmo Estado é severo em rela-
compraram terrenos a preço baixo nessa área e
ção à regularização da ocupação irregular?
encontravam-se à espera da valorização imobi-
Para além do processo de valorização
liária para os venderem àqueles que realmente
imobiliária resultante das obras de acessibili-
“produziriam” o espaço urbano, e transforma-
dade articuladas ao Rodoanel, está a dificul-
riam a paisagem. A acessibilidade proporciona-
dade de transposição e isolamento de alguns
da pelo Rodoanel integrada às demais obras e
núcleos urbanos de baixa renda localizados
legislações urbanas definidas para a área vinha
ao sul da obra viária, nas proximidades da
contribuindo para a valorização do solo, para
represa Billings, fato que contribui para a
além do preço real praticado pelo mercado, in-
segregação socioespacial da população e
do ao encontro das ideias de Villaça (1999).
consequentemente para acirrar os conflitos
Por outro observou-se que a sociedade
ambientais.
civil organizada e instruída, ciente das suas
Assim, o Trecho Sul do Rodoanel po-
obrigações e de seus direitos, durante as ne-
de ser visto tanto como articulador quanto
gociações pressionou o Estado a pagar pelos
desarticulador do espaço intraurbano, contri-
terrenos desapropriados o valor de mercado,
buindo para (re)produção do espaço urbano e
avaliado pelos técnicos especializados, naquele
transformação da paisagem em áreas protegi-
período, e não pelo valor venal, prática comum
das ambientalmente.
do poder público, computando ao valor dos
Atuam na produção do espaço urbano a
terrenos as benfeitorias no custo final da desa-
população residente nas áreas de mananciais,
propriação. Ao mesmo tempo, tudo indica que
em busca da regularização fundiária, e os pro-
essa também foi uma estratégia utilizada pe-
prietários fundiários, empresários, incorporado-
lo Estado para agilizar o início das obras, visto
res e construtores por meio da divulgação de
que a Dersa vinha realizando diversas palestras
suas expectativas de valorização das áreas ao
sobre os benefícios do Rodoanel envolvendo as
redor do Rodoanel, em busca do aumento da
comunidade de baixa renda.
mais-valia. Os atores da produção do espaço
As entrevistas com moradores de baixa
urbano, representantes dos interesses do capi-
renda apontaram que a valorização dos terre-
tal articulados entre si, influenciaram a decisão
nos ocorreram somente naqueles já edificados.
dos investimentos públicos, na porção norte
Ao mesmo tempo, os próprios moradores pas-
do Rodoanel, na continuidade da área de ex-
saram a coibir a ocupação de terrenos vazios,
pansão urbana. Em pouco tempo, boa parte
cientes de que se fossem permissivos com o
dos terrenos lindeiros nessa área que esta-
avanço da ocupação, correriam o risco de se-
vam à venda seria adquirida num processo de
rem removidos, sem retorno financeiro.
especulação imobiliária.
212
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
Nota-se que a produção do espaço ur-
espraiamento da mancha urbana e consequen-
bano para atender aos interesses do capital
te ocupação de suas áreas ambientalmente
suplantam as questões ambientais, que são ao
mais frágeis, as áreas de preservação dos ma-
mesmo tempo cobradas daqueles que tiveram
nanciais, transformando assim sua paisagem.
como única alternativa de moradia as áreas de
A implantação do Trecho Sul do Rodoa-
mananciais, fruto da lógica da produção social
nel Mário Covas é objeto de polêmica visto que
do espaço, condicionada pelo interesse do ca-
seu traçado corta as represas Guarapiranga e
pital, promovendo a segregação socioespacial.
Billings, responsável pelo abastecimento de
Essas tensões sugerem a necessidade de
água potável de parte da RMSP. Porém, para o
que políticas públicas sejam articuladas de ma-
Governo do Estado trata-se de uma importan-
neira a atender os interesses coletivos, diante
te infraestrutura que contribui para melhorar
das prioridades representadas tanto pela pre-
a mobilidade da metrópole, perante ao risco
servação ambiental quanto pela implementa-
crescente de imobilidade urbana.
ção de acessibilidade e fluxos resultantes possibilitados pela nova conexão viária.
Enquanto o Governo Estadual preocupou-se em apresentar o Rodoanel como
Enfim, como perspectiva necessária e
uma obra que contribuiria para o ordenamento
possível, as políticas públicas em áreas pro-
do espaço protegido e funcionaria como uma
tegidas devem ser parte de um processo de
“barreira” à expansão da ocupação das áreas
gestão compartilhada entre Estado, municípios
de mananciais, o poder local criou uma expec-
e sociedade civil. A definição de consensos pa-
tativa de atração de novas empresas e “de-
ra implementação de uma gestão integrada é
senvolvimento” em função da acessibilidade
aspecto fundamental, que aflora e é parte de
propiciada pelo Trecho Sul, implantado e me-
uma dinâmica de negociações que exige contí-
lhorando as vias de conexão do meio urbano
nuo aperfeiçoamento.11
com a nova via.
Durante a construção da obra, foi ao longo do Lote 2, no trecho de ligação com as ro-
Considerações finais
dovias Anchieta e Imigrantes, que as atenções
do mercado imobiliário e da política municipal
As redes de infraestrutura urbana, especialmen-
se voltaram, iniciando um processo de valori-
te aquelas ligadas à circulação e transporte, in-
zação do espaço urbano, por meio da trans-
terferem consideravelmente na produção de no-
formação da paisagem na área de proteção e
vas localidades, tendo como base a articulação
recuperação dos mananciais Billings.
entre os atores que produzem o espaço urbano,
Nesse trecho, a transformação da pai-
particularmente o Estado e o capital imobiliário.
sagem se materializou com maior velocidade,
No caso específico da RMSP, historica-
onde é possível averiguar os distintos impas-
mente a implantação do sistema de circula-
ses entre os atores que produzem o espaço
ção – ferrovia e rodovias – condicionou o
urbano: Estado – responsável pela obra do Ro-
processo de produção do espaço urbano, ao
doanel e legislação pela proteção ambiental;
mesmo tempo que determinou também o
município responsável pelo desenvolvimento
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
213
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
urbano, legislações e instrumentos de planeja-
e sua efetiva implantação), o simples fato de
mento urbano e uso do solo, bem como pelas
esse cortar o espaço urbano de SBC não de-
infraestruturas locais; proprietário e empreen-
veria induzir à ocupação de seu entorno de
dedores imobiliários, interessados em lucrar
modo significativo. A ocupação ao longo do
com a valorização do solo, sociedade civil,
Rodoanel e em pontos estratégicos é na ver-
representada pela população moradora em
dade derivada de um conjunto de fatores que
loteamentos ilegais e favelas na região .
contribuem, por um lado, para definir a atrati-
A pesquisa em questão evidenciou ou-
vidade de novas formas de ocupação de em-
tras formas de produção de espaço, menos
preendimentos ligados ao setor de logística
explícitas, para além da ocupação irregular,
nas proximidades do meio urbano, por outro,
mas alvo do mercado imobiliário, que vêm
para a consolidação de habitação de baixa
agregando o valor ambiental articulado à
renda e/ou o isolamento dos núcleos existen-
nova acessibilidade e com isso induzindo um
tes. Tais fatores são: a) conexões do Rodoanel
novo processo de produção social do espaço.
com as duas importantes rodovias de ligação
Em pouco tempo, boa parte dos terrenos lin-
entre Santos e São Paulo – vias Anchieta e Imi-
deiros nesta área que estavam à venda foram
grantes; b) melhorias das ligações viárias de
adquiridos, num processo de especulação
acessibilidade com essas rodovias, promovidas
imobiliária
pelo governo local; c) instituição da nova lei de
Por outro lado, observa-se também a difi-
proteção e recuperação dos mananciais indi-
culdade de transposição e isolamento de alguns
cando possiblidades de regularização fundiária
núcleos urbanos de baixa renda localizados ao
para as ocupações irregulares. Esses fatores
sul da obra viária, nas proximidades da represa
são decorrentes de ações muitas vezes desarti-
Billings, fato que contribui para a segregação
culadas, que visam interesses próprios, contri-
socioespacial da população e consequentemen-
buindo para produzir um novo espaço urbano
te para acirrar os conflitos ambientais.
e transformar a paisagem, reforçando aspectos
Assim, o Trecho Sul do Rodoanel pode
ser visto tanto como articulador quanto desar-
de segregação socioespacial historicamente
existentes.
ticulador do espaço intraurbano, contribuindo
Os atores que produzem o espaço urba-
para (re)produção do espaço urbano e trans-
no, representantes dos interesses do capital,
formação da paisagem em áreas protegidas
articulam-se entre si e influenciam a decisão
ambientalmente. A obra do Trecho Sul do Ro-
dos investimentos públicos, na porção norte do
doanel traz maior acessibilidade regional para
Rodoanel, área de expansão urbana. Entre to-
o município; porém, na prática, tem-se mostra-
dos os atores envolvidos (empresários, constru-
do como novo elemento de divisão do espaço
tores, proprietários fundiários, usuários finais,
urbano de São Bernardo do Campo, assim co-
etc.), o Estado – representado pelo Governo
mo foram, em momentos anteriores, as cons-
estadual e município – desempenha papel fun-
truções das rodovias Anchieta e Imigrantes.
damental, pois cabe a ele articular os demais
Embora o Rodoanel isoladamente trans-
atores, muitas vezes em função dos seus pró-
forme a paisagem (devido ao impacto da obra
prios interesses ou em função daqueles que o
214
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
influenciam. É o Estado quem define as obras
As perspectivas acenadas com a im-
de infraestrutura, determina as legislações,
plantação do Rodoanel colocam o município
normas e regras que orientarão a produção do
diante de um processo que deve ser sistema-
espaço urbano e as ações que os demais ato-
ticamente negociado e acompanhado, diante
res podem realizar sobre esse mesmo espaço.
das incertezas e em prol da produção social
Isso fica evidente ao analisarmos o processo de
de seu espaço urbano. Para tanto, apesar do
ocupação que vem se dando ao longo do Ro-
importante papel do poder público municipal,
doanel, pois embora esse seja fruto da atuação
enfatiza-se a necessidade da instituição de um
de diversos atores, o Estado tem papel decisivo
sistema de gestão metropolitano capaz de co-
nesse processo. Ao implementar obras com-
ordenar o conjunto de políticas públicas – ur-
plementares de infraestrutura e instituir novas
banas, ambientais e setoriais – em curso.
legislações ambientais e urbanas, o Estado dá
Enfim, recomenda-se a construção de
início a novas formas de (re)produção e apro-
uma agenda urbana e ambiental gerida de
priação do espaço e, consequente, transforma-
forma negociada e compartilhada pelos repre-
ção da paisagem.
sentantes dos três segmentos – Estado, Muni-
Os conflitos aqui evidenciados indicam
cípio e Sociedade Civil – que oriente políticas
que as políticas públicas não se apresentam
públicas e investimentos públicos e privados
como mediações neutras, e, sim, são pensa-
ao longo do Rodoanel, contribuindo para um
das de forma heterogênea, num marco que
processo de produção social do espaço urba-
aprofunda as divergências entre os atores
no equilibrado e socialmente justo, em prol do
que produzem o espaço urbano.
interesse público.
Carolina Bracco Delgado de Aguilar
Arquiteta-urbanista, Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Coordenadora de Sistemas de Informações
Geográficas na empresa Hatch Engenharia. São Paulo/SP, Brasil.
[email protected]
Angélica Tanus Benatti Alvim
Arquiteta-urbanista, Mestre e Doutora em Estruturas Ambientais e Urbanas, docente e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismos da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo/SP, Brasil.
[email protected]
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
215
Carolina Bracco Delgado de Aguilar e Angélica Tanus Benatti Alvim
Notas
(1) Este artigo é parte das reflexões da Dissertação de Mestrado intitulada Produção do espaço
urbano a par r do Trecho Sul do Rodoanel, em São Bernardo do Campo: impasses e perspec vas,
de autoria de Carolina Bracco Delgado de Aguilar (bolsista Capes) sob a orientação da Profa.
Dra. Angélica Tanus Bena Alvim, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
(2) O termo “enobrecimento” vem subs tuindo o termo “gentrificação” (do inglês gentrifica on),
para não caracterizar uma tradução literal do termo que, segundo Arantes (2000), significa
a expulsão da população original de certa parte do território, quando essa é valorizada e as
condições de vida são encarecidas.
(3) Conforme Sposito (2006, p. 24), a renda fundiária, também chamada de renda da terra, refere-se à capacidade que as pessoas têm de se apropriar, sob a forma de dinheiro, de tudo o que é
produzido.
(4) Vale dizer que o recorte temporal da pesquisa foi o período entre 2005 (aprovação e anúncio da
obra) e 2009, evidenciando processos que ocorreram durante a fase de construção da rodovia.
Portanto, a pesquisa avaliou um processo em curso, indicando seus impasses e perspec vas
naquele momento. Para maior aprofundamento ver Aguilar, 2010. A metodologia empregada
na pesquisa de campo será explanada mais adiante.
(5) A microrregião do ABC era inicialmente formada por Santo André, São Bernardo do Campo e
São Caetano do Sul, e depois acrescida dos municípios de Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio
Grande da Serra.
(6) O Programa de Transporte Urbano de SBC foi aprovado em 4 de setembro de 2002 pelo Governo
Federal. Por meio da Lei Municipal n. 5.085, de 26/9/2002, a Câmara Municipal autorizou o
Execu vo a manter trata vas junto ao Bando Internacional de Desenvolvimento (BID), rela vas
ao Programa de Transporte Urbano de SBC, que integra um programa maior intitulado
“Programa São Bernardo Moderna”.
(7) O Plano Diretor municipal (Lei n. 5.593/2006) definiu para a porção norte do Rodoanel três zonas
de uso: Zona Empresarial Estratégica (ZEE); Zona de Reestruturação Urbana e Ambiental (ZRUA);
e Zona de Recuperação Ambiental (ZRA).
(8) A legislação de proteção dos mananciais da década de 1970 (Leis n. 898/75 e n. 1.172/7613) foi
subs tuída pela Nova Lei de Proteção e Recuperação aos Mananciais, Lei Estadual n. 9.866, de
28 de novembro de 1997. Essa lei ins tui diretrizes de uso e ocupação do solo para cada sub-bacia que só serão validas mediante legislação específica. A sub-bacia Billings é a segunda a ter
lei específica, posterior à APRM – Guarapiranga (Lei n. 12.233/2006).
(9) Para maior aprofundamento ver Alvim et al., 2010.
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Espaço urbano, circulação e preservação ambiental
(10) A área de influência que definimos para a pesquisa levou em consideração os seguintes limites –
a Área de Influência Direta para o Trecho Sul do Rodoanel, especificada pelo Programa Rodoanel
da Dersa (AID – porção do território que corresponde a uma faixa de 500 m ao longo de cada
lado da rodovia); o lote 2, definido pela ligação entre as rodovias Anchieta e Imigrantes; os
limites das Zonas Vocacionais e das Unidades de Planejamento e Gestão definidos no Plano
Diretor de São Bernardo do Campo, os limites dos bairros, o limite da área de proteção dos
mananciais; e, as obras do Programa de Transporte Urbanos. As análises foram produzidas com
recursos do so ware SIG sobrepondo imagens e dados.
(11) Ressalta-se que a RMSP carece de uma instância de gestão metropolitana. Na sub-região
sudeste, que emvolve os municípios do ABCD, alguns arranjos inovadores despontaram
no final dos anos de 1990 buscando solucionar problemas comuns, com destaque para o
Consórcio Intermunicipal do ABC e o subcomitê de bacia Billings – Tamanduateí. Para maior
aprofundamento ver Alvim et al., 2010.
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Texto recebido em 6/out/2012
Texto aprovado em 22/nov/2012
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 193-218, jan/jun 2013
São Paulo metrópole insustentável –
como superar esta realidade?
São Paulo, the unsustainable Metropolis –
how can we overcome this reality?
Pedro Roberto Jacobi
Resumo
A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), com
39 municípios e uma população de mais de 19 milhões de habitantes, é um ecossistema complexo
e frágil. A “insustentabilidade” que caracteriza o
padrão de urbanização metropolitano se caracteriza pela prevalência de um processo de expansão e ocupação dos espaços intraurbanos que, na
maior parte dos casos, configura uma dramática
realidade: baixa qualidade de vida para parcelas
significativas da população. A dualidade das cidades é marcada exponencialmente pelo crescimento
da ilegalidade urbana que a constitui, exacerba os
problemas socioambientais que se concentram nos
espaços urbanos em condições muito precárias de
urbanização, com acesso diferenciado aos investimentos públicos. Caracteriza-se por uma ocupação
desordenada resultante da falta de uma lógica de
governança colaborativa e de despreparo das autoridades para enfrentar situações complexas, como
é o caso de regiões muito populosas e conurbadas.
Abstract
The Metropolitan Region of São Paulo, composed
of 39 municipalities and with a population of
more than 19 million inhabitants, is a fragile
and complex ecosystem. The “unsustainability”
that characterizes the pattern of metropolitan
urbanization features the prevalence of a process
of expansion and occupation of intra-urban
spaces that, in most cases, represents a dramatic
reality: low quality of life for large sectors of the
population. The duality of the cities is expressed by
the growth of the urban illegality that constitutes
it, exacerbating the socio-environmental problems
that are concentrated in urban spaces with
precarious urbanization and differentiated access
to public investments. It is also characterized by
a disorderly occupation resulting from the lack of
a logic of collaborative governance and from the
unpreparedness of public officials to face complex
situations, as is the case in very populated and
conurbated regions within the metropolis.
Palavras-chave: áreas metropolitanas; sustentabilidade; justiça socioambiental; desigualdade social; desastres ambientais; Brasil.
Keywords : metropolitan areas; sustainability;
socio-environmental justice; social inequality;
environmental disasters; Brazil.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
Pedro Roberto Jacobi
Introdução
Cidades e desastres
urbanos no Brasil
No contexto urbano metropolitano brasileiro,
os problemas ambientais têm se avolumado
As cidades brasileiras e notadamente as gran-
em virtude da concentração de urbanização
des metrópoles configuram uma realidade na
combinada com desigualdade social e seus im-
qual os riscos contemporâneos explicitam os
pactos no cotidiano da sua população.
limites e as consequências das práticas sociais,
A “insustentabilidade” do padrão de
trazendo consigo um novo elemento a “reflexi-
urbanização metropolitano se caracteriza pe-
vidade”. A sociedade, produtora de riscos, se
la prevalência de um processo de expansão e
torna crescentemente reflexiva, o que significa
ocupação dos espaços intraurbanos que, na
dizer que ela se torna um tema e um proble-
maior parte dos casos, configura uma dra-
ma para si (Beck, 1992, 2009). A sociedade se
mática realidade: baixa qualidade de vida
torna cada vez mais autocrítica e, ao mesmo
para parcelas significativas da população. A
tempo em que a humanidade põe a si em pe-
dualidade das cidades é marcada exponen-
rigo, reconhece os riscos que produz e reage
cialmente pelo crescimento da ilegalidade ur-
diante disso. A sociedade global “reflexiva” se
bana que a constitui, exacerba os problemas
vê obrigada a autoconfrontar-se, e isto implica
socioambientais que se concentram nos es-
um constante processo de pensar e refletir so-
paços urbanos em condições muito precárias
bre uma sociedade que produz riscos (Giddens,
de urbanização, com acesso diferenciado aos
1997), mas também com os riscos que são es-
investimentos públicos.
camoteados ou negados (Beck, 2009; Irwin,
Introduz-se aqui a preocupação com a
2001), apesar das evidências. Atualmente
sustentabilidade urbana, uma dimensão do
além dos aspectos associados com os avanços
desenvolvimento sustentável, que representa
da ciência e tecnologia que criam, surgem no-
a possibilidade de garantir mudanças socio-
vas situações de risco diferentes das existen-
políticas que não comprometam os sistemas
tes, muitas das quais imensuráveis. Entretanto,
ecológicos e sociais nos quais se sustentam as
os riscos socioambientais urbanos configuram
comunidades. Onde a insustentabilidade urba-
a produção de riscos associados à pobreza, às
na reflete a incapacidade da produtividade e
desigualdades e à lógica de desenvolvimento
dos investimentos urbanos de acompanhar o
urbano que ainda prevalece. Historicamen-
crescimento das demandas sociais e gera um
te, até meados do século XX, os processos
conjunto de problemas que se refletem na de-
de ocupação de muitas metrópoles brasilei-
gradação da qualidade de vida urbana.
ras evitaram os terrenos mais problemáticos /
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
vulneráveis à ocupação (altas declividades,
e o que define a dinâmica que prevalece é que
solos frágeis e suscetíveis à erosão), que se
a prevenção e minimização das consequências
encontravam mais distantes das áreas centrais,
dependerão das medidas políticas no contexto
onde a pressão pela ocupação era menos in-
de cada território.
tensa. Entretanto, a partir dos anos 50, com a
A literatura sobre desastres ambientais,
exacerbação dos processos de “periferização”,
notadamente sobre inundações e deslizamen-
e mais intensamente nos últimos 30 anos,
tos, envolve os temas da segurança e da vulne-
ocorrem dois movimentos simultâneos: a in-
rabilidade (Marandola, 2009). Essa se configu-
tensificação das intervenções na rede de dre-
ra pela exposição da população residente em
nagem, com obras de retificação e canalização
assentamentos humanos precários expostos a
dos rios, o aterramento das planícies de inun-
risco socioambiental (sujeitos a inundações e
dação (áreas de várzea) e sua incorporação à
deslizamentos) e que, em virtude situações cli-
malha urbana, e a explosão na abertura de lo-
máticas severas, se confrontam com a necessi-
teamentos de periferia. A função normativa de
dade de suportar os impactos do perigo.
uso e ocupação na instalação dos processos de
Warner (2010) mostra que, em situações
urbanização subordinou-se aos interesses das
como inundações, os desastres mais comuns e
classes de renda alta e média alta.
devastadores, os problemas gerados após um
À medida que o processo de urbanização
evento expõem a falta de planejamento de uso
se intensifica para as áreas mais periféricas, o
e ocupação do solo, o despreparo das autori-
quadro se agrava. Pela falta de planejamento
dades e a falta de um ethos de prevenção na
de uso e ocupação do solo, as ocupações pe-
sociedade. Além disso, não se pode desconside-
riféricas ocorrem em áreas de risco, aumen-
rar os agravantes associados às desigualdades
tando o número de pessoas vulneráveis aos
sociais e à precariedade da estrutura urbana,
processos naturais (Maricato et al., 2010). A
que se tornam vetores da multiplicação de
redução da capacidade de escoamento das
tragédias urbanas recorrentes, causadas pelo
águas, associada à impermeabilização e pre-
descontrole do processo histórico de ocupação
cária infraestrutura de drenagem urbana, po-
urbana não devidamente planejada pelos po-
tencializa transbordamentos, deslizamentos e
deres competentes.
outros efeitos erosivos. Todo esse elenco de
Esta reflexão está pautada pela noção de
problemas, que podem ser evitados ou pelo
risco e segurança como componentes analíticos
menos neutralizados ou reduzidos, só poten-
de uma realidade socioambiental caracterizada
cializa as catástrofes.
pela fragilidade na capacidade de respostas
Existe uma forte dimensão social no ris-
das sociedades com menos recursos, assim co-
co, e esse é agravado pela vulnerabilidade das
mo pela falta de ações intersetoriais em virtude
populações (Ojima, 2009; Marandola, 2009) e
da cultura política institucional pautada pelas
do contexto físico onde se localizam. A questão
ações setoriais e também por aquelas voltadas
que se coloca, portanto, é sobre a gestão dos
para interesses de grupos econômicos e políti-
riscos (Veyret, 2007; Irwin, 2001; Howe, 2005),
cos (Warner et al., 2002)
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Pedro Roberto Jacobi
Cabe enfatizar que, na sociedade de ris-
horizontalmente e configuram grande parte
co, os “desastres anunciados” não podem ser
das áreas periféricas são construídas, basi-
vistos como fatalidades, mas na maioria dos
camente, a partir das ocupações de terras
casos podem ser previstos e evitados. Nas cida-
vazias realizadas por grupos de baixa renda;
des brasileiras, configura-se uma lógica perver-
da implantação de loteamentos clandestinos
sa de distribuição de riscos, que afeta desigual-
construídos e comercializados irregularmente,
mente a população. No Brasil metropolitano,
dos conjuntos habitacionais para a população
incluem-se quase 450 municípios, onde vivem
de baixa renda produzidos pelo poder públi-
mais de 70 milhões de habitantes. Os desafios
co; e de assentamentos precários e informais,
metropolitanos nos dias de hoje é que as ci-
como as favelas e muitos bairros populares
dades criem as condições para assegurar uma
que compõem as imensas periferias urbanas
qualidade de vida que possa ser considerada
(Nakano, 2011). E a falta de infraestrutura de
aceitável, não interferindo negativamente no
saneamento e de equipamentos comunitários
meio ambiente e agindo preventivamente para
de educação, saúde, lazer, entre outros, é o
evitar a continuidade do nível de degradação,
traço comum à maioria desses assentamentos,
notadamente nas regiões habitadas pelos se-
estigmatizados pela precariedade. A tônica do-
tores mais carentes. Trata-se de uma realidade
minante de produção desses espaços urbanos
complexa e heterogênea, na qual as cidades
irregulares decorre de omissões históricas do
convivem simultaneamente com os problemas
poder público, tanto no tangente às ações re-
que caracterizam uma realidade de pobreza –
gulatórias e de fiscalização, quanto à provisão
ocupações irregulares de áreas ambientalmen-
de urbanização adequada. A maioria desses
te frágeis que se multiplicam pelas cidades, tais
assentamentos é construída com pouco ou ne-
como encostas e áreas alagáveis, e problemas
nhum acompanhamento técnico, encontra-se
de saneamento ambiental decorrentes do bai-
em áreas ilegais a invasão e ocupação irregu-
xo índice de coleta e tratamento de esgotos; e
lar, áreas que apresentam risco de deslizamen-
os problemas relacionados com padrões eleva-
to. Encontra-se também em várzeas inundáveis
dos de consumo – poluição do ar e aumento do
e áreas de proteção aos mananciais. Nos últi-
volume de resíduos sólidos.
mos anos, a variabilidade climática e seu efeito
As consequências desse modelo urbano
na intensificação das chuvas, os desastres têm
estão à vista, e a explicação da emergência dos
se multiplicado em virtude dos deslizamentos
problemas é recorrente: população que mora
nos quais toneladas de terra e rochas rolam
em áreas inapropriadas e de grande risco; solo
sobre moradias e bairros inteiros, predominan-
ocupado erroneamente, reduzindo a capacida-
temente ocupados por famílias pobres, pro-
de de escoamento das águas; e fluxos hídricos
vocando verdadeiras tragédias urbanas. Mas
que não recebem cuidado ambiental.
cabe lembrar também que as águas invadem
Para Bonduki (2011), a desigualdade ur-
ruas e edificações provocando perda de bens,
bana, funcional e social tem se aprofundado, e
saúde e vidas. Essas notícias e ocorrências se
o resultado é uma metrópole partida e segre-
repetem ano após ano. Nas cidades, os desas-
gada. As manchas urbanas que se expandem
tres naturais nas áreas mais pobres provocam
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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
impactos maiores em virtude de sua vulnerabi-
maior complexidade para a formulação de po-
lidade em relação aos recursos hídricos, à falta
líticas ambientais centradas no espaço urbano,
de saneamento e ao contato com doenças de
onde se destaca a problemática da ocupação
veiculação hídrica.
do solo. As ocupações irregulares em áreas
Mas quais os aspectos que devem ser
de mananciais e encostas refletem a falta de
enfatizados ao abordar o tema da sustentabili-
opções para os pobres urbanos. Em virtude da
dade urbana? A noção de sustentabilidade im-
sobreposição dos interesses privados às de-
plica uma necessária inter-relação entre justiça
mandas sociais na distribuição de terras nas
social, qualidade de vida, equilíbrio ambiental
grandes cidades, sem recursos para construir
e necessidade de desenvolvimento. Isso repre-
ou comprar imóveis em terrenos seguros e
senta a possibilidade de garantir mudanças
mais próximos do centro, a população pobre
sociopolíticas que não comprometam os siste-
se vê obrigada a habitar regiões de difícil aces-
mas ecológicos e sociais. Observa-se um cres-
so, sem estrutura urbana consolidada e, muitas
cente agravamento dos problemas ambientais
vezes, em áreas de risco.
nas metrópoles: o modelo de apropriação do
Observa-se que eventos extremos têm
espaço reflete as desigualdades socioeconômi-
se tornado mais frequentes, ameaçando cada
cas imperantes, o período sendo marcado pela
vez mais a precária infraestrutura das cidades.
ineficácia ou mesmo ausência total de políticas
A própria expansão das metrópoles e, conse-
públicas para o enfrentamento desses proble-
quentemente, das ilhas de calor provocadas
mas, predominando a inércia da administra-
pela impermeabilização do solo favorece o au-
ção pública na detecção, coerção, correção e
mento das precipitações.
proposição de medidas visando ordenar o ter-
As inundações e deslizamentos que têm
ritório do município e garantir a melhoria da
ocorrido nos grandes centros urbanos do país
qualidade de vida.
já são consequência das mudanças climáticas.
Para as metrópoles, a denominação “ris-
Segundo as previsões do IPCC, esses eventos
cos ambientais urbanos” pode englobar uma
extremos devem se tornar cada vez mais fre-
grande variedade de acidentes, em diversifica-
quentes nas regiões Sul e Sudeste.
da dimensão e produzidos socialmente. Não
No Brasil, os números de perdas huma-
há como negar a estreita relação entre riscos
nas no verão de 2011 trouxeram à tona o custo
urbanos e a questão do uso e ocupação do so-
social das tragédias relacionadas com catás-
lo, que, entre as questões determinantes das
trofes naturais. A forma desordenada de como
condições ambientais da cidade, é aquela em
as cidades cresceram nos últimos 50 anos tem
que se delineiam os problemas ambientais de
sido a principal causa das tragédias.
maior dificuldade de enfrentamento e, contra-
Os cenários de risco e as fatalidades
ditoriamente, na qual mais se identificam com-
urbanas criados pelas ações antrópicas es-
petências de âmbito municipal. A tensão per-
tão predominantemente associados à forma
manente, que se opera no espaço urbano entre
de ocupação de terrenos, empreendimen-
o interesse público e os interesses privados,
tos regulares e aos assentamentos habita-
tem se configurado como um dos aspectos de
dos por população de baixa renda em áreas
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Pedro Roberto Jacobi
invadidas. Nas cidades brasileiras, muitas
As autoridades públicas explicam tais tra-
pessoas moram em áreas inapropriadas e de
gédias, geralmente, como as consequências
grande risco, e a ocupação inadequada do so-
de eventos climáticos incomuns, fora dos pa-
lo, com a construção de moradias em terrenos
drões previstos, e da suposta irracionalidade
de encostas, em margens de cursos d´água,
do comportamento da população que aceita
áreas de risco de deslizamento, inundações
morar em áreas sujeitas a evidentes riscos am-
e inundações, é reflexo dessa ocupação
bientais e não cuida adequadamente dos seus
desordenada que reflete a falta de uma lógica
lixos. Apesar da multiplicação das tragédias,
de governança colaborativa.
o Brasil investe muito pouco em prevenção.
Os planos diretores das cidades preve-
Segundo a Comissão Especial de Medidas Pre-
em instrumentos para enfrentar os desafios
ventivas e Saneadoras de Catástrofes Climá-
de promover uma urbanização com mais jus-
ticas da Câmara dos Deputados, uma análise
tiça socioambiental; entretanto, o que se ob-
do histórico de tragédias naturais no Brasil
servam são desvirtuamentos constantes, e os
mostra que pouco se fez para evitar a ação
governos municipais, em sua maioria, cedem,
da natureza. Entre os anos de 2000 e 2010,
aos interesses econômicos e reforçam proces-
pelo menos duas mil pessoas morreram em
sos, estimulando a ocupação desordenada do
acidentes climáticos. Somente em 2010 foram
solo. Cabe ainda incluir a incapacidade das
comunicadas à Secretaria Nacional de Defesa
políticas urbanas na gestão do uso do solo, a
Civil ocorrências em 883 municípios. Somado
setorialidade na aplicação das políticas am-
ao número de mortos registrado na enxurrada
bientais com repercussão no planejamento dos
de 2011 que devastou áreas de municípios da
territórios. Diversos instrumentos permitiriam
Região Serrana do Rio, o total de vítimas fatais
identificar áreas vulneráveis e estratégias para
sobe para quase três mil (Eco Debate – Cida-
prevenção, mitigação e adaptação diante de
dania e Meio Ambiente, 12/1/2012).
eventos extremos em unidades tais como áre-
Os maiores desafios da governança do
as costeiras e bacias hidrográficas (Steinberg,
espaço urbano são a integração intergoverna-
2006; Schult et al., 2010).
mental, o aperfeiçoamento da gestão munici-
Para Ribeiro (2011), o que se pode obser-
pal, que demanda gestores qualificados apoia-
var é que mais do que um fenômeno natural, os
dos por uma administração que desenvolva
desastres são consequência de décadas de des-
planejamento estratégico dos municípios, para
caso do poder público com o planejamento ur-
que eles possam ter uma visão de longo prazo
bano e com as políticas setoriais relacionadas,
e uma gestão baseada mais na prevenção do
e as cidades brasileiras apresentam a marca da
que na ação emergencial e curativa.
desigualdade até na distribuição social dos riscos decorrentes da precariedade urbana.
No atual quadro urbano brasileiro, é inquestionável a necessidade de implementar
Mas os desastres também mostram o
políticas públicas orientadas para tornar as
despreparo das autoridades para, em situações
cidades social e ambientalmente sustentáveis,
de calamidade, alertar, remover e garantir abri-
como uma forma de se contrapor ao quadro de
go à população diante de ameaças iminentes.
deterioração crescente das condições de vida.
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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
Dilemas socioambientais
na RMSP – uma realidade
emblemática
em suas periferias a vulnerabilidade em suas
dimensões ambiental e social.
A dinâmica da urbanização pela expansão de áreas periféricas produziu um ambiente
urbano segregado e altamente degradado, com
A RMSP está localizada na região Sudeste do
efeitos muito graves sobre a qualidade de vida
Brasil e é o terceiro maior conglomerado urba-
de sua população. Não há como negar a estrei-
no do mundo, com 39 municípios, totalizando
ta relação entre riscos urbanos e a questão do
2
uma área de 7.944 km . Essa região abriga
uso e ocupação do solo, que, entre as questões
uma população de 19.667.558 de habitantes
determinantes das condições ambientais da ci-
(IBGE, 2010), e mais de 11 milhões de pessoas
dade, é aquela onde se delineiam os problemas
vivem na cidade de São Paulo, em uma área de
ambientais de maior dificuldade de enfrenta-
2
1.530 km . A taxa de crescimento na RMSP en-
mento, notadamente os recursos hídricos.
tre os anos de 2000 e 2010 foi de 0,96% ao
A ausência de saneamento em muitos
ano, e, apesar da diminuição do crescimento
loteamentos e favelas, além de poluir direta-
populacional na última década, a elevada pres-
mente as águas dos rios e córregos, constitui
são demográfica e a urbanização acelerada
um problema de saúde e de baixa qualidade de
desprovida de planejamento, avançando em
vida para a população residente, assim como a
direção aos mananciais, são fatores que contri-
perda do valor das águas.
buíram diretamente para a impermeabilização
Uma análise dos principais indicadores
do solo e a consequente redução da recarga
da qualidade ambiental no município indica o
do aquífero, além de sua poluição e redução
quadro atual e os impactos sobre a população
da disponibilidade dos mananciais superficiais
da cidade.
(Silva, Mello Junior e Porto, 2011).
Inicialmente em relação à qualidade do
A dinâmica de expansão da metrópole
ar, segundo a Cetesb na Região Metropolitana
tem provocado um processo de concentração
de São Paulo, o padrão foi ultrapassado em 96
de população de baixa renda em suas áreas
dias ao longo de 2011, contra 61 dias em 2010.
periféricas, enquanto as áreas centrais são re-
A poluição do ar é causada, principalmente,
novadas e adensadas, a um preço crescente da
pela grande emissão proveniente dos 9,2 mi-
terra urbana. Esse padrão de ocupação promo-
lhões de veículos automotores leves e pesados
ve a expansão da mancha urbana junto às áre-
e, secundariamente, por emissões originadas
as de proteção ambiental, em especial às áreas
em processos de cerca de 2000 indústrias com
de proteção aos mananciais, definidas pela Lei
alto potencial poluidor (Cetesb, 2011). Essa fro-
9866/97. A dificuldade para a implementação
ta gigantesca de veículos constitui a principal
de mecanismos efetivos para a proteção dessas
fonte de emissão dos poluentes que, em deter-
áreas faz com que estas sofram enorme pres-
minadas condições meteorológicas, formam o
são de ocupação. Esse processo de produção
buraco na camada de ozônio, e cabe enfatizar
do espaço metropolitano concentra e articula
que se trata principalmente dos automóveis
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particulares. O resultado é o aumento de pes-
sobre a qualidade das águas para abasteci-
soas afetadas que demandam internação hos-
mento público. Além da falta de esgoto trata-
pitalar por enfermidades associadas à poluição
do, os problemas decorrentes de conexões cru-
atmosférica; e as respostas públicas têm sido
zadas entre o sistema de esgoto e os sistemas
muito limitadas e demoradas. Cabe, portanto,
de drenagem natural e de águas pluviais se
enfatizar o déficit de transporte público na re-
refletem na grande quantidade de córregos e
gião e o aumento dos níveis de congestiona-
rios poluídos. Os principais problemas se veri-
mento, não apenas na cidade de São Paulo,
ficam junto às populações que ocupam favelas
mas na região como um todo. A RMSP vive
e loteamentos irregulares, na medida em que
uma profunda crise de mobilidade, e alguns
muito frequentemente os cursos d´água são
indicadores permitem observar a verdadeira
o local de lançamento de esgoto. A poluição
dimensão do problema. Segundo Pesquisa Ori-
hídrica na bacia hidrográfica está relacionada
gem e Destino (apud Rolnik e Klintowitz, 2011),
com o despejo de substâncias poluentes e resí-
o tempo médio de viagem em transporte co-
duos sólidos diretamente nos corpos d’água e
letivo é 2,13 vezes superior ao do transporte
nas galerias de drenagem de águas pluviais ou
individual motorizado. E pelo fato de 74% das
sobre as áreas impermeabilizadas e desmata-
viagens motorizadas da população com renda
das decorrentes das atividades urbanas.
de até quatro salários mínimos serem feitas por
Em São Paulo, no caso específico de
modo coletivo, e que, na renda até 15 salários
áreas de proteção aos mananciais (36% do
mínimos, cai para 21%, a crise de mobilidade
território municipal), a legislação de proteção
afeta muito mais a população de renda mais
ambiental, datada de 1977, impôs intensas
baixa, que só tem essa opção. A lógica pre-
restrições ao uso e ocupação do solo e gerou
valecente tem sido no geral a intervenção na
uma ocupação desordenada do solo, provo-
ampliação física e modernização do sistema
cando uma desvalorização no preço da terra.
viário em detrimento da ampliação efetiva e
Em 1997, é aprovada uma nova legislação es-
modernização dos transportes coletivos (Rolnik
tadual que busca compatibilizar as ações de
e Klintowitz, 2011).
proteção e preservação dos mananciais com
Em relação ao abastecimento de água,
a proteção ambiental, o uso e a ocupação do
praticamente 100% da população que vive na
solo e o desenvolvimento socioeconômico das
área urbana da cidade é abastecida com um
áreas protegidas, pelo estabelecimento de
3
volume por habitante/ano de 65m . Entretanto,
diretrizes gerais para as áreas de proteção e
o aumento do número de consumidores, assim
recuperação que devem ser regulamentadas
como a escassez de novas fontes e a queda na
em todas as áreas de mananciais. Cerca de
qualidade das águas dos mananciais revelam
48% da população que habita as áreas de
uma crescente pressão sobre o abastecimento
proteção aos mananciais nos dois maiores
de água potável no município. A falta de cole-
reservatórios residem em favelas e loteamen-
ta de esgoto para mais de 20% da população,
tos. Isso dá uma dimensão do problema e do
somada à falta de rede coletora em áreas de
comprometimento e deterioração dessas fon-
mananciais, se constitui num fator de pressão
tes hídricas.
226
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
A problemática das inundações tem
urbanização (Silva e Galvão, 2011). A amplia-
causado um quadro cada vez mais complexo
ção da mancha urbana metropolitana tem pro-
de problemas que causam prejuízos de ordem
vocado a perda de cobertura florestal na RMSP,
econômica, assim como danos sociais e de saú-
notadamente nas áreas mais periféricas. En-
de pública. As situações de risco e de pontos
quanto a cidade consolidada apresentava ape-
sujeitos a inundação e alagamentos aumen-
nas 4% de seu território recoberto por áreas
tam, e o número de episódios é alarmante, am-
florestadas no ano 2000, na fronteira urbana
pliando a situação de vulnerabilidades urbanas.
esse índice era de 50% (Torres et al., 2007).
Em 2012, segundo o IPT, estimam-se mais de
A remoção da cobertura vegetal tem
500 pontos de inundação e alagamento que
impactos ambientais: exposição de solos, pro-
afetam a qualidade de vida urbana e outras
dução de sedimentos, diminuição de áreas de
500 áreas sujeitas a deslizamentos.1 Outros
infiltração de chuvas, aumento do escoamento
componentes da vulnerabilidade urbana das
superficial de água e da temperatura urbana. A
populações de ocupações irregulares, na me-
ocupação de áreas vulneráveis do ponto de vista
dida em que há riscos associados a processos
geológico e geotécnico com relevos de alta de-
hidrológicos, envolvem principalmente os mo-
clividade provoca problemas ambientais cumu-
radores de assentamentos precários sujeitos
lativos de grande magnitude, principalmente
ao impacto direto das águas ou a processos
deslizamentos, desabamentos e inundações.
de erosão, o que reforça o perigo de pessoas
A problemática dos resíduos sólidos tam-
serem levadas por enxurradas durante eventos
bém se inclui devido à escala de geração e à
de chuvas intensas, além de perdas materiais e
sua disposição em virtude de saturação e de
danos às moradias.
limitadas possibilidades de expansão, em virtu-
Um aspecto que também não pode ser
de da forte pressão urbana no seu entorno. O
desconsiderado na metrópole é a perda de bio-
principal efeito é a multiplicação de impactos
diversidade e cobertura vegetal, e a perda de
ambientais negativos associados aos locais de
cobertura vegetal tem provocado alterações
disposição inadequada de resíduos, o que di-
microclimáticas associadas aos impactos plu-
ficulta de forma significativa o avanço rumo a
viais, responsáveis diretas das inundações na
uma gestão sustentável.
área urbana.
A RMSP apresenta declínio de crescimento populacional anual desde a década de
1970, enquanto as áreas centrais perdem população, a periferia do município de São Paulo
Desastres ambientais
na RMSP
e os municípios periféricos da RMSP apresentam um expressivo crescimento demográfico.
Na RMSP, os eventos são relacionados a fenô-
Entre 1986 e 2008, a área urbanizada da RMSP
menos climáticos, os quais se agravam com a
passou de 1.473,70 km² para 1.766,50, perdeu
falta de planejamento e infraestrutura urba-
113,10 km² de áreas vegetadas, especialmente
na presente nas cidades paulistas (Nobre et
nas porções territoriais situadas nas franjas da
al., 2010). A RMSP tem características físicas
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
227
Pedro Roberto Jacobi
que contribuem para a ocorrência de inunda-
no clima da região, tais como diminuição do
ções, tais como elevado grau de pluviosidade
nevoeiro no centro da cidade de São Paulo e
e conformação geomorfológica dessa área.
diminuição da garoa típica. Esse fenômeno,
Os temporais são frequentes na primavera e,
além de possivelmente incrementar a formação
especialmente, no verão, e uma das principais
de chuvas nos locais onde atuam (Ribeiro et al.,
consequências são os alagamentos e enchen-
2010), também prejudica a dispersão de po-
tes “relâmpagos” que lideram as estatísticas
luentes atmosféricos, podendo causar impacto
como o segundo maior causador de perda de
na saúde da população (Nobre et al., 2010).
vida. A gravidade dos temporais depende,
Estudos sobre o fenômeno de ilhas de ca-
além de outros fatores, do tempo de ocorrên-
lor na cidade de São Paulo apontam para dife-
cia e da intensidade da chuva. Segundo Olivei-
renças de até 10°C no gradiente de temperatu-
ra (2011), observa-se um aumento da ocorrên-
ra, podendo se observar temperaturas mais ele-
cia de eventos extremos entre 70 e 90mm nos
vadas nas regiões centrais e mais densamente
últimos 20 anos.
urbanizadas e as mais baixas temperaturas na
Por outro lado, o aumento da frota de
periferia serrana e em locais próximos a reser-
veículos em circulação na RMSP e a expansão
vatórios de água (Sepe e Gomes, 2008). Nesse
das vias em áreas de várzea para atender ao
sentido, Ribeiro et al. (2010) indicam que, na
aumento de tráfego tendem a aumentar o grau
maioria dos episódios de chuva, a maior con-
de veículos e pessoas expostas aos riscos de
centração pluvial formou-se sobre a cidade de
inundações, o que implica incremento de vul-
São Paulo e, em alguns casos, só ocorreu nos
nerabilidade (Nobre et al., 2010).
bairro centrais, ou seja, em locais onde a tem-
Além de as inundações explicitarem a
peratura é mais alta devido ao fenômeno da
falta de planejamento de uso e ocupação do
ilha de calor. Outro ponto relevante a ser con-
solo e o despreparo das autoridades, não se
siderado diz respeito ao alcance da brisa marí-
pode desconsiderar os agravantes associados
tima ao centro da cidade. Assim, possivelmen-
às desigualdades regionais, sociais, e à falta de
te, a interação entre as brisas e a ilha de calor
possibilidades de acesso à moradia adequada
deve aumentar o transporte de vapor de água,
que se torna vetor da multiplicação de tragé-
incrementando a formação de chuvas.
dias urbanas recorrentes, causadas pelo des-
Desse modo, na RMSP, a incidência de
controle do processo histórico de adensamento
fortes chuvas provoca deslizamentos de en-
urbano não devidamente planejado e controla-
costas e inundações em terrenos de baixadas
do pelos poderes competentes, o que implica
fluviais, o que, associado ao processo histó-
desafios em sua gestão (Nobre et al., 2010).
rico de adensamento urbano não planejado,
Estudos mostram também que, devido ao
agrava ainda mais os impactos. Assim, ações
desenvolvimento urbano acelerado na região
antrópicas – desmatamento, má disposição
a partir dos anos 1950, junto com condições
de resíduos sólidos, compactação e imper-
de tráfego, falta de vegetação e intensa polui-
meabilização do solo – levam a modificações
ção do ar, iniciou-se processo de formação de
nas condições do solo, elevando sua susceti-
ilhas de calor, que têm provocado alterações
bilidade aos processos naturais, como erosão,
228
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
deslizamentos, assoreamento e inundações
(Maricato et al., 2010).
Em estudo realizado em 2011, o IPT ma-
Dilemas socioambientais
e a resposta pública
peou 407 áreas na cidade de São Paulo e identificou 1.179 setores de risco, sendo 57% corres-
Apesar de existir um quadro que preocupa pela
pondentes a áreas de encosta e 43% à margem
sua complexidade e pelas dificuldades de gerar
de córregos.2 Desse total, 14% apresentou pro-
respostas mais efetivas, observam-se algumas
babilidade muito alta de ocorrência de proces-
ações do poder público na formulação e im-
sos destrutivos, 38% apresentou probabilidade
plementação de políticas, planos, programas e
alta, enquanto os setores com probabilida-
projetos que enfatizam a neutralização e redu-
de média e baixa de ocorrência de processos
ção da degradação ambiental.
destrutivos totalizaram 48%. Ainda, nas áreas
No tangente ao transporte público, a
de risco identificadas no estudo, foram conta-
expansão do sistema metroviário e a moder-
bilizadas 105.816 moradias, das quais 28.933
nização do sistema ferroviário na região pra-
foram classificadas em situação de risco muito
ticamente estagnaram. No caso do Metrô, nos
alto e alto.
últimos 18 anos, foram estendidos apenas 27
A obsolescência de todo o sistema de
quilômetros de trilhos, totalizando menos de
drenagem urbana diante do crescimento da
75 km. Quanto ao controle de emissão de po-
cidade, o assoreamento dos rios e córregos,
luentes, a cidade de São Paulo implantou uma
problemas pontuais de drenagem, somados
política desde 2008, mas, apesar de seu impac-
ao pouco controle e monitoramento de áreas
to como instrumento de controle, a poluição
de risco, contribuem para eventos que causam
está mais presente no ar devido aos aumentos
prejuízos para toda a sociedade.
da frota de carros e do trânsito – mais carros
Segundo Maricato et al. (2010), os ce-
por mais tempo nas ruas.
nários de risco e as fatalidades urbanas, re-
A retirada de vegetação e a impermeabi-
gistradas todos os anos na RMSP, estão pre-
lização do solo nas cidades reduzem drastica-
dominantemente associados ao descaso ou
mente a infiltração das águas de chuva no solo.
imprudência na forma de ocupação dos ter-
Os problemas de inundações, alagamen-
renos, tanto em empreendimentos regulares,
tos e deslizamentos, embora decorram das
como em áreas invadidas. Nesse sentido, fica
características geomorfológicas e climáticas,
demonstrada a importância do poder público,
na macrometrópole de São Paulo estão muito
no que tange o controle e as restrições de uso
relacionados com o padrão de crescimento e
e ocupação do solo, diminuindo a vulnerabili-
de ocupação urbana pouco controlado. Nesse
dade a desastres naturais.
sentido, medidas estruturais realizadas com
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Pedro Roberto Jacobi
objetivo de mitigar o problema são geralmente
Em 1998, foi criado o Plano Diretor de
relacionadas com infraestrutura urbana ou com
Macrodrenagem da bacia hidrográfica do Alto
zoneamento urbano. Têm sido implementa-
Tietê, objetivando combater as enchentes da
das ações em nível estadual e dos municípios.
RMSP com a construção de piscinões, rebai-
Técnicos e pesquisadores indicam ser necessá-
xamento da calha do rio Tietê, canalização de
ria uma política de ocupação do solo que não
afluentes e construção de barragens. Os reser-
agrave a questão da impermeabilização, e di-
vatórios de controle de cheias, os “piscinões”,
versas técnicas de intervenção de uso do solo
alteram a forma de projetar o manejo das
podem minimizar o impacto da impermeabili-
águas pluviais, buscando retardar o escoamen-
zação. A impermeabilização adquiriu tal dimen-
to das águas durante os episódios de chuvas
são que mesmo a aplicação de medidas com-
intensas. Entretanto, tratam-se os sintomas e
pensatórias pode reverter totalmente o efeito
não as causas. Os 45 piscinões na RMSP, sen-
negativo da impermeabilização. Cabe registrar
do 24 de responsabilidade estadual e 21 sob
que as obras de drenagem trabalham com um
a gestão de prefeituras, sejam superficiais ou
determinado critério de segurança em relação
subterrâneos, cumprem uma das funções das
ao nível de chuva. Mas se houver um volume
várzeas – amortecimento do pico das cheias –
maior de chuvas do que a previsão adotada no
liberando de forma controlada, aos poucos, as
projeto, surgem problemas de gestão. E como
águas após o final da chuva. Diferentemente
no geral se projeta supondo um determinado
das várzeas, não podem ser deixados sem ma-
nível de ocupação do solo e da bacia, o incre-
nutenção, pois rapidamente viram criadouros
mento de impermeabilização tornará as obras
de mosquitos, depósitos de lixo carreado pela
de drenagem cada vez mais insuficientes.
chuva. Os piscinões sem manutenção transfor-
Desde a década de 1960, ações voltadas
mam-se de solução em um novo problema de
para o controle de inundações têm sido desen-
poluição difusa, podem, inclusive, assorear e,
volvidas na RMSP. Tais ações ganharam mais
ao invés de conter as cheias, provocar inunda-
força na década de 1980 por meio de diversos
ções (Rutkowski et al., 2010).
estudos nos quais as inundações eram vistas
Além dessas medidas estruturais – pis-
como uma questão a ser tratada intersetorial-
cinões, barragens, rebaixamento e retificação
mente, com foco no uso do solo, considerando
de calhas –, as soluções não estruturais ou
as políticas de transporte, habitacional, de con-
preventivas estão sendo introduzidas, como o
trole de poluição, de esgotos e de preservação
Sistema de Alerta a Inundações de São Paulo,
dos recursos naturais. Os resultados têm sido
baseado num sistema de monitoramento em
pouco satisfatórios, apesar das medidas de re-
tempo real para processar modelos de previ-
baixamento de nível de água e desobstrução
são meteorológica e hidrológica que produzem
de rios e córregos e de ações emergenciais (mi-
alertas em condições críticas.
crodrenagem e planos de drenagem), de médio
Apesar da alta probabilidade de en-
e longo prazo, prevendo novamente ações vol-
chentes na RMSP, a mitigação dos impactos
tadas para o disciplinamento do uso e ocupa-
desses eventos depende de uma densa re-
ção do solo.
de de monitoramento de superfície, radares
230
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
meteorológicos com maior sensibilidade para
interesse regional do Estado de São Paulo. As
a detecção dos estágios iniciais de formação
Áreas de Proteção e Recuperação aos Manan-
dos sistemas precipitantes e, ainda, a utilização
ciais – APRM são territorialmente delimitadas
de modelos numéricos de altíssima resolução
por áreas de drenagem de corpos de água
espacial para uma maior antecipação desses
superficiais utilizados para o abastecimento
eventos (Pereira et al., 2004).
público, sendo assim, sua preservação é impor-
Em 1995, deu-se início a um grande
tante e vital. A nova legislação enfatiza a im-
projeto de despoluição dos corpos de água da
portância dos mananciais para abastecimento
RMSP, o Projeto Tietê, atualmente na terceira
público para a sociedade, e as atividades rea-
etapa, mas aspectos como a descontinuidade
lizadas nessas áreas devem ser controladas, de
das obras durante as sucessões administrati-
maneira a minimizar os riscos ambientais de
vas, o descaso com o saneamento básico e a
eventos que levam à poluição e possível con-
falta de transparência na gestão do programa
taminação dos reservatórios. A Lei dos Manan-
configuram uma realidade que protela a solu-
ciais agrega os instrumentos relativos ao uso e
ção de um dos maiores problemas da região,
ocupação do solo tendo uma visão de gestão
o atendimento da população com esgoto cole-
descentralizada e participativa. Uma nova pro-
tado e seu tratamento. Apesar de 99,42% da
posta de zoneamento também surge nessa Lei
população da RMSP estar abastecida por água
com a criação de áreas de intervenção, quais
potável, segundo dados de 2008 da Cetesb,
sejam: áreas de restrição à ocupação; áreas de
somente 84% dos esgotos gerados são coleta-
ocupação dirigida; e as áreas de recuperação
dos, e 44% sofrem algum tipo de tratamento.
ambiental. Cada área de intervenção permite a
Avalia-se que 30% da carga poluidora total é
realização de atividades antrópicas de acordo
lançada diretamente nos corpos d´água.
com sua fragilidade ambiental. O zoneamen-
Além dos programas estruturais, algu-
to dessas áreas demanda fiscalização do uso
mas políticas públicas estão estreitamente
do solo e medidas que impeçam a invasão de
relacionadas com a questão das inundações,
áreas de restrição à ocupação, porém, a ausên-
notadamente a legislação sobre proteção aos
cia de políticas públicas habitacionais muitas
mananciais, que tem como principal instrumen-
vezes induz a ocupação clandestina das áreas
to o zoneamento urbano em áreas de manan-
de preservação aos mananciais. O que tem sido
ciais – áreas de vulnerabilidade ambiental onde
encontrado na RMSP é a insuficiência no con-
há invasões urbanas recorrentes; e os planos de
trole dessas ocupações, que são mais intensas
bacia, que tratam, dentre outras questões, de
em áreas de mananciais que eu outras regiões
recursos hídricos na bacia hidrográfica, de me-
da RMSP (CBH-AT, 2007).
tas e ações para a drenagem urbana.
No caso da RMSP, o instrumento mais
Tendo incorporado os princípios das le-
importante é a lei específica para cada APRM,
gislações estaduais e federais sobre recursos
também prevista na Lei 9.866/97. Essas leis
hídricos, a Lei dos Mananciais (Lei Estadual
devem se basear nas diretrizes da referida
9.866/97) estabelece diretrizes e normas para
Lei, considerando, porém, as peculiaridades
a proteção e recuperação de mananciais de
de cada bacia hidrográfica. A complexidade
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
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Pedro Roberto Jacobi
e diversidade do sistema socioambiental na
e outros seis municípios compram dela água
RMSP entre as bacias de drenagem dos diver-
por atacado. Os principais desafios hídricos
sos sistemas produtores de água justificam a
na RMSP são a escassez de água, a expansão
importância de especificar para cada APRM
urbana e a pobreza, causa e consequência da
quais as ações mais necessárias, adequadas,
poluição hídrica, além dos problemas de ma-
eficazes; e de que maneira as ações, interven-
nejo das águas pluviais e os altos níveis de
ções e o controle das atividades antrópicas
perda de receita por desperdício de água potá-
devem ser efetuados, considerando em cada
vel (Rutkowski et al., 2010). Os mananciais da
bacia todos os aspectos de suas característi-
RMSP e do município de São Paulo estão su-
cas ambientais.
jeitos a inúmeros impactos, aumentando a sua
Embora os problemas decorram de sua
vulnerabilidade e risco para a saúde da popu-
aplicação, principalmente pela falta de uma ar-
lação. Os problemas associados com o estresse
ticulação com os poderes públicos municipais
hídrico na RMSP, se associam à dependência da
integrantes da Região Metropolitana de São
água de bacias colindantes em virtude da in-
Paulo, o sistema normativo permitiu aliar uma
suficiência da bacia do Alto Tietê para garantir
estratégia de proteção ambiental, com caráter
o abastecimento. Além da escassez de água, a
preventivo, assim como a cooperação intergo-
expansão urbana e a pobreza tem se configura-
vernamental em matéria de uso do solo, em
do como fatores de poluição hídrica além dos
uma convergência de competências estadual e
problemas de manejo de águas pluviais e dos
municipal. Sua baixa efetividade criou as condi-
altos níveis de perda de receita por desperdício
ções para revisão e formulação de nova legis-
de água potável (Rutkowski et al., 2010). Se-
lação estadual de proteção aos mananciais – a
gundo a FUSP (2009), o total de água da bacia
Lei 9.866/97 – que passou a incorporar princí-
excede, em muito, sua própria produção hídri-
pios do sistema de gerenciamento de recursos
ca. A produção de água para abastecimento
hídricos em sua estratégia de execução. Seu
público está hoje em 67,7 m3/s, e 31 m3/s são
diferencial é que as medidas específicas apli-
importados da Bacia do rio Piracicaba.
cáveis às áreas de proteção e recuperação de
mananciais são definidas de forma descentralizada nos respectivos planos de desenvolvimento e proteção ambiental. A ênfase é em medidas voltadas ao disciplinamento da qualidade
ambiental, com foco em restrição à ocupação,
ocupa ção dirigida e recuperação ambiental
Caminhos para
a sustentabilidade urbana –
o enfrentamento sociopolítico
dos dilemas socioambientais
(Silva e Porto, 2003).
Trinta e cinco municípios da bacia do Alto
A reflexão sobre as práticas sociais, em um
Tietê, 29 representando 79% da população ur-
contexto urbano marcado pela degrada-
bana da RMSP, recebem seus sistemas de água
ção permanente do meio ambiente e do seu
e esgoto diretamente da Companhia de Sanea-
ecossistema, não pode omitir a análise do
mento Básico Estado de São Paulo (Sabesp)
determinante do processo, nem os atores
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
envolvidos e as formas de organização social
diante do aumento na intensidade das chu-
que aumentam o poder das ações alternativas
vas. Se o processo de expansão urbana man-
de um novo desenvolvimento, em uma pers-
tiver continuidade como o padrão atual, com a
pectiva de sustentabilidade.
ocupação dos anéis periféricos cada vez mais
A preocupação com o tema do desen-
distantes, os arruamentos penetrararão em
volvimento sustentável introduz não apenas
áreas de solo frágeis, com declividade mais
a questão controversa sobre a capacidade de
acentuada e com condições impróprias para ur-
suporte, mas também o alcance e limites das
banização, onde geralmente ocorre perda signi-
ações para reduzir o impacto dos danos na vida
ficativa de vegetação, o que potencializa novas
urbana cotidiana e as respostas baseadas na
situações de risco. A necessária reflexão sobre
mudança do modus operandi e do que se con-
as possibilidades de tornar nossas cidades mais
vencionou denominar business as usual.
sustentáveis mostra o desafio teórico colocado
No atual quadro urbano brasileiro, é in-
em relação à formulação de propostas que con-
questionável a necessidade de implementar
tribuam para alcançar objetivos de sustentabi-
políticas públicas orientadas para tornar as
lidade nas cidades.
cidades social e ambientalmente sustentáveis
Coloca-se para a RMSP, e portanto pa-
como uma forma de se contrapor ao quadro de
ra os 39 municípios, a necessidade de criar as
deterioração crescente das condições de vida.
condições para assegurar uma qualidade de vi-
Uma agenda para a sustentabilidade urbana
da que possa ser considerada aceitável, não in-
ampliaria o nível de consciência ambiental
terferindo negativamente no meio ambiente e
estimulando a população a participar mais in-
agindo preventivamente para evitar a continui-
tensamente nos processos decisórios como um
dade do nível de degradação, notadamente nas
meio de fortalecer a sua corresponsabilização
regiões habitadas pelos setores mais carentes.
no monitoramento dos agentes responsáveis
Sua inclusão na esfera da sustentabili-
pela degradação socioambiental. Torna-se im-
dade ambiental implica uma transformação
portante observar que, segundo estudo (Nobre
paradigmática, constituindo-se num elemento
et al., 2010), a RMSP poderá ter um aumento
complementar para atingir um desenvolvi-
de temperatura entre 2ºC e 3ºC neste século,
mento econômico compatível com a busca de
e isso poderá provocar uma mudança signifi-
equidade. Também é importante que se reforce
cativa no regime de chuvas, o que dobraria o
a importância de uma gestão compartilhada,
número de dias com chuvas intensas. Como
com ênfase na corresponsabilização na gestão
consequência, inundações serão cada vez mais
do espaço público e na qualidade de vida ur-
frequentes e com crescente abrangência terri-
bana, e que se estimulem cada vez mais ações
torial na capital paulista. O estudo alerta que,
preventivas, não descuidando da necessidade
somente na cidade de São Paulo, há cerca de
de lidar com as ações corretivas.
1,6 milhão de pessoas morando em favelas,
A participação assume um papel cada
concentradas principalmente em áreas de ris-
vez mais relevante na denúncia das contradi-
co de escorregamento ou inundações, pessoas
ções entre os interesses privados e os interes-
essas que sofrerão os impactos mais intensos
ses públicos, entre os bens públicos e os bens
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
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Pedro Roberto Jacobi
privados, entre uma cultura da desesperança
equivocado de intervenções sobre o meio am-
que busca benefício atual e desvaloriza o futu-
biente que potencializa os efeitos de eventos
ro diante da construção de uma cidadania am-
extremos. As consequências do desrespeito ao
biental que supere a crise de valores e identida-
meio ambiente nas ocupações urbanas são no-
de e proponha outra, com base em valores de
tórias. E o principal desafio que se apresenta
sustentabilidade. Isso potencializa a ampliação
é que, como as cidades brasileiras não conse-
da consciência ambiental e sua tradução em
guem acompanhar os problemas gerados pelo
ações efetivas de uma população organizada
volume das chuvas atuais, é necessário repen-
e informada de maneira correta, preparada pa-
sar a governança do espaço urbano tanto na
ra conhecer, entender, reclamar seus direitos e
prevenção e alerta de desastres, como na sua
também de exercer sua responsabilidade.
atuação pós-desastre. Também é necessário,
A modernização dos instrumentos requer
sobretudo, se prevenir contra propostas que
uma engenharia socioinstitucional complexa
abram caminho para uma degradação ainda
para garantir condições de acesso dos diver-
mais intensa de áreas frágeis e de relevância
sos atores sociais envolvidos, notadamente dos
ecológica para o equilíbrio dos sistemas na-
grupos sociais mais vulneráveis.
turais. Essa prevenção e ação responsável só
Trata-se, portanto, de reforçar políticas
poderão ser alcançadas em uma perspectiva de
socioambientais que se articulem com as ou-
atuação compartilhada e interescalar entre os
tras esferas governamentais e possibilitem a
diferentes setores da sociedade (Berkes, 2002).
transversalidade, reforçando a necessidade de
A problemática ambiental urbana repre-
formular políticas ambientais pautadas pela
senta, por um lado, um tema muito propício
dimensão dos problemas em nível metropolita-
para aprofundar a reflexão em torno do restrito
no. Mas também cabe enfatizar a contribuição
impacto das práticas de resistência e de ex-
que a área ambiental deve ter na articulação
pressão de demandas da população em áreas
com políticas de emprego, renda e desenvolvi-
mais afetadas pelos constantes e crescentes
mento econômico, reforçando principalmente
agravos ambientais.
a importância de uma gestão compartilhada
Por outro, representa a possibilidade de
com ênfase na coresponsabilização na gestão
abertura de estimulantes espaços para imple-
do espaço público e na qualidade de vida ur-
mentar alternativas diversificadas de democra-
bana, o que se busca através da constituição
cia participativa, notadamente a garantia do
de consórcios intermunicipais.
acesso à informação e consolidação de canais
Na Região Metropolitana de São Paulo, é
abertos para uma participação plural.
inquestionável a necessidade de implementar
Sob o foco do grau de exposição dos gru-
políticas públicas orientadas para tornar a cida-
pos sociais aos riscos ambientais, a realidade
de social e ambientalmente sustentável como
socioambiental na RMSP configura um quadro
forma de se contrapor ao quadro de deteriora-
no qual a continuidade da omissão e/ou insu-
ção crescente das condições de vida.
ficiência e/ou impropriedade das ações públi-
Segundo Ribeiro (2011), a reprodução
cas no tratamento dos gravíssimos problemas
das cidades tende a perpetuar um modelo
associados à ocorrência de eventos extremos
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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
tenderá a ampliar as tragédias em sua intensi-
assinaram documentos centrados no plane-
dade, frequência e letalidade. Isso implica rom-
jamento da ação local pelo clima. Em 2010,
per com o círculo vicioso que tem como conse-
prefeitos assinaram o Pacto Global das Ci-
quência direta a incapacidade e/ou descompro-
dades sobre Clima e se comprometeram com
misso para se tomar decisões que reduzem ou
ações e responsabilidades voluntárias pelo
eliminem os erros essenciais que estão na ori-
clima. Em 2011, os prefeitos assinaram a Car-
gem desses graves fenômenos. Nesse sentido,
ta de Adaptação de Durban, estabelecendo
coloca-se a necessidade de fortalecer políticas
assim compromissos com a ação para adap-
públicas que, sob a égide da justiça ambiental,
tação às mudanças climáticas.
promovam estratégias de redução de risco, e
São exemplos de como as cidades podem
de a construção de infraestrutura ser orientada
enfrentar questões estratégicas em direção à
a partir de uma abordagem preventiva, cuja
sustentabilidade local, os governos locais que
base é a participação social, o empoderamento
conseguem promover ações sustentáveis a par-
das comunidades, a cooperação intersetorial e
tir de premissas articuladoras da inovação, com
interinstitucional e a colaboração entre os seto-
a superação das lógicas recorrentes pautadas
res público e privado.
na manutenção dos padrões tradicionais de
Na Conferência Rio+20, apesar da falta
uso e ocupação do solo, da ênfase em modelos
de definições e metas pelos governos quanto
urbanísticos centrados no transporte individual,
aos principais temas – o desenvolvimento de
e com expansão de mancha urbana que se ex-
uma economia verde e inclusiva, o estabeleci-
pande horizontalmente destruindo áreas de
mento de uma arquitetura institucional global
proteção ambiental.
dotada de competências e poderes para garan-
Após a conferência de Johannesburgo
tir a salvaguarda das condições de vida huma-
em 2002, os governos locais comprometeram-
na e os serviços dos ecossistemas –, foi enfati-
-se em ir mais adiante, além do planejamento
zada a importância da inovação na governança
do desenvolvimento, e abordar fatores especí-
dos governos locais e da disseminação das
ficos que impedem que muitas cidades e co-
“boas práticas” desenvolvidas por algumas ci-
munidades alcancem a sustentabilidade: temas
dades. Nessa direção, as cidades têm mostrado
como pobreza, injustiça, exclusão e conflito;
respostas e abordado em alguns casos ques-
ambientes insalubres e insegurança.
tões de futuro que revelam um compromisso
As ênfases propostas para que as cida-
com a sustentabilidade local, um dos maiores
des avançassem na direção da sustentabilida-
desafios do século XXI.
de focaram nos conceitos de economias locais
Há mais de vinte anos, a Agenda 21
foi adotada pelos Chefes de Estado e gover-
viáveis, cidades ecoeficientes e comunidades e
cidades resilientes.
nos nacionais na Cúpula da Terra no Rio, por
Quando se analisam algumas experiên-
algu mas ONGs globais, como é o caso do
cias locais que avançaram quanto à sustenta-
ICLEI – Associação Internacional Governos
bilidade, o que se observa é que os governos
Locais pela Sustentabilidade (2012), e, mais
locais se convertem em incubadoras de inova-
recentemente, por algumas coa lizões que
ção e implementação em escala, agentes de
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Pedro Roberto Jacobi
mudança, e esfera de governo mais próxima
lógica que prevalece nos sistemas de limpeza
das pessoas, podendo enfrentar os problemas
urbana – redução do lixo, reciclagem e coleta
globais com soluções sistêmicas localizadas
seletiva, políticas de destinação de resíduos. A
(ICLEI, 2012). Nesse sentido, as cidades podem
palavra-chave “qualidade de vida”, mais in-
ter um rol decisivo a partir do fortalecimento
ternalizada pelas políticas públicas, tem como
de modelos de cooperação descentralizada; do
elemento determinante a intersetorialidade
apoio à criação de apropriados quadros regu-
das ações para criar condições de implementa-
latórios locais que permitam soluções urbanas
ção de políticas orientadas para a sustentabi-
integradas: fortalecer o desenvolvimento de
lidade urbana, assim diminuindo os riscos am-
ações pautadas pela resiliência e adaptação
bientais e a pressão sobre os recursos naturais.
às mudanças climáticas; criar novos mercados
O principal desafio nos dias atuais é que
para economias urbanas verdes inclusivas;
as cidades da RMSP e das demais metrópoles
promover rupturas estruturais na lógica da mo-
brasileiras criem condições para assegurar uma
bilidade urbana, do fortalecimento de redes e
qualidade de vida que possa ser considerada
associações que conectam os líderes locais, de
aceitável, não interferindo negativamente no
modo a facilitar o intercâmbio de conhecimen-
meio ambiente e agindo preventivamente pa-
tos, capacitar e promover a ação colaborativa;
ra evitar a continuidade do nível de degrada-
e criar oportunidades para conduzir a transição
ção, notadamente nas regiões habitadas pelos
para uma economia urbana verde vigorosa e
setores mais carentes. Destaque-se também
inclusiva, que aborda a necessidade de redução
a importância de uma gestão compartilhada
da pobreza e a justiça ambiental.
com ênfase na corresponsabilização na gestão
No caso da RMSP, a ênfase deve ser cada
do espaço público e na qualidade de vida ur-
vez mais na intersetorialidade das políticas no
bana, e o estímulo crescente às ações preven-
âmbito municipal e regional, em que a dimen-
tivas, com definição de políticas que avancem
são socioambiental estimula uma perspectiva
na direção da expansão do transporte público
de sustentabilidade e implica mudanças na
em âmbito metropolitano, reduzindo o tempo
cultura política urbana, enfatizando lógicas
de deslocamentos, de utilização de fontes de
cooperativas de governança e fortalecendo a
energia renováveis. Também se deve atentar
participação pública.
para as mudanças necessárias, tanto no plano
Os temas urbanos, que por excelência
da construção e de infraestruturas diante de
estão relacionados com o da sustentabili-
um quadro que configura mudanças climáticas;
dade, são as opções de transporte, planeja-
e a promoção de formas combinadas de ges-
mento e uso do solo, e acesso aos serviços
tão dos resíduos sólidos. A RMSP, assim como
de saneamento e infraestrutura básica, todos
as demais metrópoles brasileiras, se confronta
vinculados com a potencialização de riscos
com o desafio de promover economias de bai-
ambientais. Isso impõe mudanças profundas
xo carbono, e isso representa a adesão a um
na questão da ocupação indevida de áreas de
novo paradigma que promova a mitigação e a
risco, na priorização do transporte público e na
adaptação às mudanças climáticas.
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São Paulo metrópole insustentável – como superar esta realidade?
À guisa de conclusão, destaca-se a
ensino, em seus diversos níveis, assumirem a
importância de multiplicar ações pautadas
liderança no compartilhamento de melhores
pelo conceito de aprendizagem social, que
práticas e ações propositivas para a sustenta-
afirmam a importância de as instituições de
bilidade metropolitana.
Pedro Roberto Jacobi
Professor Titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Ambiental
da Universidade de São Paulo. Coordenador do Laboratório de Governança Ambiental (GovAmb/
PROCAM/IEE/USP). Editor da Revista Ambiente e Sociedade. São Paulo/SP, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Informação ob da diretamente de técnico do IPT em outubro de 2012.
(2) Informação ob da de técnico do IPT em outubro de 2012.
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Texto recebido em 6/nov/2012
Texto aprovado em 2/dez/2012
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 219-239, jan/jun 2013
239
Ocupação de encostas urbanas:
algumas considerações sobre
resiliência e sustentabilidade
Occupation of urban hillsides: some
considerations about resilience and sustainability
Mônica Bahia Schlee
Resumo
A ocupação das encostas em cidades das regiões
Sudeste, Nordeste e Sul do Brasil apresenta implicações diretas para a resiliência e a sustentabilidade da paisagem urbana nessas regiões. Este
artigo reflete sobre a situação atual da ocupação
das encostas em algumas cidades dessas regiões,
com foco no Rio de Janeiro, e identifica padrões
morfológicos, processos e lógicas que lhes deram
origem. A pesquisa realizada fundamentou-se em
contribuições da ecologia da paisagem e da morfologia urbana e se desenvolveu em três escalas complementares de análise, do suporte geo-biofisico
ao suporte construído, da escala regional ao lote
urbano. Defende-se que os espaços livres localizados nas encostas são fundamentais para fortalecer
a proteção das florestas e a capacidade de suporte, de amortecimento e de adaptação a impactos e
transformações nas encostas urbanas, contribuindo
para fortalecer a resiliência e a sustentabilidade
destes sistemas paisagísticos.
Abstract
The occupation of urban hillsides in the Southeast,
Northeast and South regions of Brazil has direct
implications for the resilience and sustainability
of the urban landscape in these regions. This
article reflects on the current situation of the
urban occupation of hillsides in some cities of
these regions, focusing on Rio de Janeiro, and
identifies morphological patterns, underlying
processes and the logics that originated them.
The research was based on contributions from
landscape ecology and urban morphology, and
unfolded in three complementary scales of
analysis, from geo-biophysical support to the
built support, from regional scale to the urban
lot. It is argued that the open spaces located on
the slopes are critical to strengthen the protection
of forests, and the capacity to support, buffer and
adapt to impacts and transformations on urban
slopes, helping to strengthen the resilience and
sustainability of these landscape systems.
Palavras-chave: paisagem; ocupação de encostas;
espaços livres; resiliência; sustentabilidade.
Keywords: landscape; hillside settlement; open
spaces; resilience; sustainability.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Mônica Bahia Schlee
Introdução
é uma estratégia fundamental para alcançar a
sustentabilidade. Os danos ambientais muitas
vezes ocorrem de forma abrupta e não são
O desenvolvimento sustentável tem sido objeto
reversíveis. Mas, como apontaram Arrow et
de discussão em todo o mundo desde a déca-
al. (1995), as mudanças bruscas podem ser
da de 1980. Desde que o termo “sustentabili-
antecipadas se os efeitos dinâmicos das trans-
dade” foi adotado pela Comissão Brundtland
formações forem considerados e se medidas
(Brundtland e Khalid, 1987), críticas têm de-
adequadas de proteção das paisagens forem
safiado sua ênfase no crescimento econômico,
tomadas. A compreensão do comportamen-
progresso tecnológico e economia de energia
to de sistemas sociais e ecológicos e de como
como meio de perpetuar a hegemonia capita-
esses respondem a transformações e perturba-
lista (Arrow et al., 1995; Acselrad, 1999 e 2010;
ções é fundamental para a construção de es-
Ehrlich et al., 2012). Como argumentado por
tratégias adequadas de gestão e manutenção
Acselrad (1999, 2010), Folke (2006), Holdren
da resiliência, da capacidade regenerativa e do
(2008) e Ehrlich et al. (2012), o desenvolvimen-
desenvolvimento sustentável em bacias hidro-
to sustentável deveria buscar a compatibiliza-
gráficas urbanas. Em outras palavras, as fases
ção entre desenvolvimento econômico, mode-
de avaliação e monitoramento são etapas fun-
rado e equânime, e a promoção da saúde, in-
damentais para a compreensão das condições
tegridade e justiça socioambientais para o bem
ambientais e socioculturais e dos limites de re-
comum das gerações presentes e futuras.
siliência das paisagens.
As lógicas do crescimento econômico e
O planejamento para a sustentabilidade,
da segregação espacial, que fomentam e ex-
como argumentado por Forman (1995), re-
pressam as desigualdades sociais e ambien-
quer o reconhecimento da estrutura, da fun-
tais, ainda estão indelevelmente impressas nas
ção, da dinâmica e do comportamento tran-
políticas e práticas governamentais em todo o
sitório dos sistemas paisagísticos, bem como
mundo e revelam-se de diferentes maneiras lo-
da interação entre as atividades humanas e a
calmente. Nas cidades brasileiras, e em especial
resiliência das paisagens, como fatores inter-
no Rio de Janeiro, essa questão merece uma
dependentes. Mais recentemente, a interação
atenção particular. Pressões imobiliárias e de
entre a resiliência e a sustentabilidade das
uso da terra sobre as franjas da floresta tropi-
paisagens tem sido sublinhada por diversos
cal urbana e os corpos d'água situados sobre
autores (Holling, 2001; Leitão e Ahern, 2002;
as encostas da cidade são contínuas, especial-
Folke, 2006; Ahern, 2010 e 2011; Ehrlich et
mente no Maciço da Tijuca, onde se localiza o
al., 2012, entre outros). Resiliência, segundo
Parque Nacional da Tijuca (PNT), dividido em
esses autores, é a capacidade de um sistema
quatro setores não contíguos.
para absorver impactos e adaptar-se diante
Este artigo enfoca a dimensão física da
das transformações, e a capacidade de recupe-
sustentabilidade, relativa à paisagem urbana,
rar-se ou reorganizar-se a fim de manter sua
e argumenta que entender a realidade urbana,
estrutura, função e identidade. Em relação
como argumentado por Johnson e Hill (2002),
a sistemas paisagísticos, a resiliência alude a
242
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
dinâmicas não lineares e se baseia na inter-
dissociações entre o ambiente natural e o am-
-relação entre sistemas sociais e ambientais
biente construído.
(Folke, 2006; Ehrlich et al., 2012). Para Arrow
A metodologia aplicada e desenvolvida
et al. (1995), Holling (2001), Folke (2006) e
nesta pesquisa (Schlee, 2011) fundamentou-
Wang (2012), um aspecto fundamental na
-se em contribuições da ecologia da paisa-
avaliação da resiliência é a compreensão das
gem e da morfologia urbana (Mcharg, 1969;
condições e funções dos sistemas de paisagem
Forman, 1986 e 1995; Turner, 1989; Turner
e de seus desempenhos, limites e dinâmicas. A
e Gardner, 2001; Weins, 2005; Kostof, 1991;
diversidade e a heterogeneidade dos sistemas
Lamas, 1992; Panerai et al., 1999; Geoheco,
paisagísticos urbanos, tanto espacial quanto
2000; Tangari, 1999; Afonso, 1999) e se de-
sociocultural, são, de acordo com Pickett et
senvolveu em três escalas complementares de
al. (2004), Colding (2007) and Saavedra et al.
análise do suporte geobiofisico e do suporte
(2012), elementos que contribuem diretamen-
construído, a partir de uma leitura sistêmica e
te para garantir e fortalecer a resiliência desses
matricial. Dessa forma, as estratégias metodo-
sistemas. Desse modo, tanto o planejamento
lógicas se estruturaram em três níveis sob três
como a gestão em busca de cidades resilientes
eixos de análise: 1) morfologia da paisagem;
e sustentáveis devem integrar processos e fun-
2) processos e agentes de formação e trans-
ções ecológicos, culturais e socioeconômicos.
formação; 3) legislação.
A dimensão espacial urbana da susten-
O primeiro nível de análise correspondeu
tabilidade requer a compreensão dos proces-
à contextualização do Rio de Janeiro, em rela-
sos e as relações entre os ecossistemas (ou
ção à região onde se localiza, em comparação
sistemas naturais) e os sistemas socioculturais
a outras quatro cidades brasileiras − Florianó-
em diferentes escalas ao longo do tempo. Re-
polis, Vitória, São Paulo e Belo Horizonte, à
conhecer a importância da configuração, da
luz dos aspectos geobiofísicos, paisagísticos,
transformação e da interação transescalar da
de regulação da ocupação e de proteção das
paisagem é fundamental para o planejamento
encostas. O segundo nível, à caracterização
da sustentabilidade das paisagens. Como será
da ocupação nos maciços e morros isolados
demonstrado neste trabalho, as etapas de aná-
no contexto intraurbano do Rio de Janeiro.
lise, avaliação e monitoramento da paisagem
O terceiro nível, à ocupação das encostas no
são etapas-chave e devem ser executadas em
Maciço da Tijuca, com foco em três áreas de
diferentes escalas, usando métricas em termos
maior detalhamento, localizadas em áreas su-
comparativos, de modo a fornecer uma com-
jeitas a intensa pressão urbana decorrente da
preensão sólida sobre os padrões, processos
progressiva valorização imobiliária em bacias
e relações de perturbação e de resiliência. O
hidrográficas localizadas respectivamente em
cruzamento de investigações biofísicas, paisa-
suas vertentes sul, leste e oeste. As sínteses fo-
gísticas e socioculturais levado a cabo nesta
ram geradas pelas conexões entre os quadros
pesquisa revela os efeitos dos padrões atuais
e matrizes de análise e o mapeamento reali-
e processos em curso de desenvolvimento ur-
zado em aplicativo de sistema de informações
bano e indica interdependências, interações e
geográficas (GIS).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
243
Mônica Bahia Schlee
Este artigo enfatiza a correlação entre
da paisagem e sua interface com a legislação,
os padrões de ocupação, a dinâmica das trans-
assim como das análises realizadas nas bacias
formações e a vulnerabilidade da paisagem
hidrográficas e recortes espaciais no Rio de
nas encostas urbanas brasileiras à luz das re-
Janeiro, quanto às condições geomorfológicas
centes discussões sobre sustentabilidade e
de encosta, das bacias hidrográficas; do uso
resiliência das paisagens. O encaminhamento
e cobertura do solo; da situação e regulação
das propostas esboçadas, com vistas à rever-
fundiária e edilícia; das condições de parcela-
são dos processos e padrões aqui descritos, e
mento; implantação; altura das edificações e
os resultados integrais das análises realizadas
tipos construtivos serão discutidos em detalhe
nas cidades estudadas, relativas à morfologia
em outras publicações.
Figura 1 – Cidades brasileiras analisadas
Fonte: Schlee (2011).
244
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
Figura 2 – Perfil montanhoso da região Sudeste do Brasil mostra a gradação de
altura dos três conjuntos montanhosos que caracterizam o relevo desta região
Serra da Mantiqueira
Serra do Mar
Maciços Costeiros
Fonte: Schlee (2011), a partir do aplicativo Google Earth, acesso em 25/5/2011.
A paisagem das encostas urbanas do
relações entre esses sistemas, através das len-
Rio de Janeiro e seus corpos d’água qualifi-
tes da morfologia da paisagem, é necessário
cam-se como sistemas socioecológicos com-
investigar e avaliar diversos parâmetros, entre
plexos (Holling, 2001; Wang et al., 2012).
os quais as condições geomorfológicas de en-
Questões relacionadas à resiliência em áreas
costa, da bacia hidrográfica; uso e cobertura
montanhosas urbanas e periurbanas envolvem
do solo; situação e regulação fundiária e edilí-
múltiplas variáveis. Daí a importância de fun-
cia; condições de parcelamento; implantação;
dir as contribuições da ecologia da paisagem
altura das edificações; tipos construtivos e es-
e da morfologia urbana. Para esclarecer as
paços livres.
Figura 3 – Recortes espaciais e bacias hidrográficas analisadas no Rio de Janeiro
Fonte: Schlee (2011).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
245
Mônica Bahia Schlee
Padrões da paisagem
de encostas em algumas
cidades brasileiras
sociedade brasileira. A permanência de favelas
nas áreas valorizadas do Rio de Janeiro e das
demais cidades e suas relações de complementaridade e de interdependência com o tecido
urbano formal fazem parte desta lógica. Em
O processo de apropriação e ocupação das en-
relação ao padrão atual de estratificação so-
costas no Brasil, inicialmente atrelado à função
cial, três cidades se distinguem pela forte po-
utilitarista, a serviço da exploração ou do uso
larização social entre ricos e pobres nas encos-
produtivo dos recursos naturais, ancora-se no
tas: Rio (onde o fenômeno é mais expressivo),
desenvolvimento da política, da gestão e do
Belo Horizonte e São Paulo. São Paulo e Belo
estabelecimento da estrutura fundiária urba-
Horizonte apresentam padrão de urbanização
nas levadas a cabo desde o período colonial. As
médio-alto a alto e ocorrência de favelas e lo-
montanhas, serras e morros desempenharam
teamentos irregulares. Em Belo Horizonte, con-
funções diversas nos processos de urbaniza-
vivem nas encostas um bairro de alto padrão e
ção das cidades brasileiras ao longo do tempo:
favelas conurbadas, formando um contínuo ex-
defesa e controle do território, abastecimento
tenso. Em Florianópolis, encontram-se estratos
de água, lenha e carvão, atividades agrícolas e
sociais alto, médio e baixo. Nessa última cida-
pecuárias, exploração mineral e alternativa de
de, o padrão difere-se das demais pela dispo-
moradia como forma de evitar as áreas alagá-
sição linear da ocupação, perpendicularmente
veis foram algumas delas.
às curvas de nível, pela presença de edifícios
A ocupação das encostas nas cidades li-
verticalizados nos morros isolados ao longo da
torâneas e nas cidades localizadas no interior
costa e pela localização predominante das fa-
do Brasil nas regiões Sudeste e Sul apresenta
velas na base das encostas.
características diversas. A ocupação ao longo
Nas cidades litorâneas, os fundos de
dos maciços e serras não é contínua nem apre-
vale e as principais linhas de drenagem na-
senta um padrão único de segregação socioes-
tural (rios, riachos e córregos) atuaram como
pacial por região. Núcleos de ocupação formal
indutores da ocupação, ao longo dos quais
e informal apresentam relação de contiguidade
se estabeleceram os primeiros eixos de pene-
espacial, que varia em função do nível de va-
tração e a ligação entre diferentes áreas das
lorização do solo nas encostas das respectivas
cidades. Nas cidades localizadas no interior,
cidades, e entremeiam-se à vegetação arbórea
onde a amplitude do relevo não é significati-
remanescente. De modo geral, a densidade em
va, esses eixos tendem a instalar-se sobre os
ambas as formas de ocupação rarefaz-se à me-
divisores e linhas de cumea da, espraiando-
dida que a topografia se torna mais acentuada.
-se posteriormente em direção à jusante. Nas
A lógica da regulação da paisagem mon-
regiões Sudeste e Sul do Brasil, os percursos
tanhosa no Rio de Janeiro e na maior parte
de cumeada foram os precursores nas cida-
das cidades analisadas seguiu o princípio da
des situadas no interior (Belo Horizonte e São
polarização social e da segregação espacial,
Paulo), onde o relevo montanhoso dominante
derivadas da estrutura social e econômica da
apresenta declividades mais baixas; enquanto
246
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
nas cidades litorâneas (Rio de Janeiro, Floria-
Sendo assim, nas cidades litorâneas a ocupa-
nópolis e Vitória), onde as vertentes são mais
ção urbana nas encostas tendeu a se iniciar a
íngremes e as declividades são mais expres-
partir dos fundos de vale, ao passo que nas
sivas, os percursos ao longo dos talvegues
cidades localizadas no interior houve uma ten-
e fundos de vale foram os pioneiros e ainda
dência de ocupação a partir dos divisores. O
predominam. Essa predominância decorre do
padrão descrito não se configura como regra
fato de que a ocupação nas cidades litorâneas
geral, aplicável indistintamente a todas as ci-
analisadas, ainda que possa ter se iniciado em
dades brasileiras, apesar de ser útil na análise
elevações e promontórios, se espraiou inicial-
do processo de ocupação das cinco cidades
mente ao longo da costa, onde se situavam
mencionadas acima. Em Salvador e Maceió,
as funções comerciais e portuárias, seguin-
por exemplo, cidades localizadas na região
do posteriormente em direção ao montante
nordeste do Brasil, a ocupação espraiou-se
dos maciços e serras pelos fundos de vale e
em suas partes altas, inicialmente ao longo
talvegues, guiados pela presença da água e
dos percursos de cumeada, em detrimento dos
pela maior facilidade de acesso e locomoção.
vales e grotões, ocupados só posteriormente.
Figura 4 – Exemplos de padrões de ocupação nas cidades analisadas
(Rio de Janeiro, Florianópolis, Belo Horizonte e São Paulo)
Fotos: Acervo QUAPA-SEL/SP (2008).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
247
Mônica Bahia Schlee
Impactos dos padrões
de ocupação urbana na
vulnerabilidade das encostas
implantadas pelo poder público, bem como a
proliferação de redes informais de abastecimento de água implantadas pelas associações
de moradores das favelas ou pelos próprios
moradores, compostas por um emaranhado
A influência do componente geológico ou na-
de mangueiras de plástico com vazamentos
tural na vulnerabilidade das encostas a desli-
permanentes, ou ainda o despejo direto de
zamentos varia muito, embora seja consenso
efluentes sanitários nas encostas, ocasionam a
que as intervenções antrópicas, por meio da
infiltração direcionada de fluxos subterrâneos,
supressão da cobertura vegetal, cortes e ater-
gerando a concentração pontual e a saturação
ros, despejo de lixo e alteração das linhas de
do solo, contribuindo para a desestabilização
drenagem natural potencializam a instabilida-
das encostas. Do mesmo modo, os cortes e
de, fazendo com que, nas áreas ocupadas, a
aterros indiscriminados; o despejo de lixo e
suscetibilidade a esses processos se transfor-
entulho, que armazenam grande quantidade
me em risco potencial com ocorrência de víti-
de água nos eventos de chuva, com o aumen-
mas fatais.
to de carga sobre as encostas; e a supressão
Como demonstram os estudos do La-
da vegetação arbórea ou sua substituição por
boratório GEOHECO-UFRJ (GEOHECO-UFRJ/
bananeiras e gramíneas, potencializam a insta-
SMAC-RJ, 2000), as políticas de proteção am-
bilidade e a ocorrência dos deslizamentos.
biental implementadas a partir de meados da
Os parâmetros fixados pela legislação
década de 1980 ainda não foram suficientes
das cidades analisadas (seja para os loteamen-
para ajustar as difíceis relações entre a cidade
tos destinados a estratos sociais altos ou bai-
e a Floresta Atlântica nas encostas dos maci-
xos da população) são insuficientes para lidar e
ços cariocas, em especial do Maciço da Tiju-
responder à complexa geomorfologia das áreas
ca. Ainda não existem medidas e dispositivos
montanhosas onde essas se implantaram. Nas
adequados na legislação para mitigação ou
legislações dos municípios estudados, o parâ-
solução dos recorrentes problemas ambientais
metro declividade das encostas vem substituin-
causados pela associação entre a ocorrência
do o parâmetro cota altimétrica na limitação
de deslizamentos e a supressão da vegetação
ou restrição de parcelamentos. Entretanto, a
nativa ou a execução de cortes, aterros, esca-
simples substituição de um parâmetro pelo
vações e fugas d’água (vazamentos nas redes
outro implica a necessidade de avaliações ca-
de abastecimento e drenagem) para implan-
so a caso. De modo geral, observa-se que, em
tação de estradas e edificações, demonstrada
sua maioria, as normativas tendem a replicar
por Amaral (1996) e Coelho Netto (2005 e
parâmetros estabelecidos em outras cidades
2007), por exemplo.
ou instituídos nas normativas federais (Lei
Além da supressão da vegetação, os
4771/1965, Lei 6766/1979 e Resoluções Co-
vazamentos constantes nas redes de abas-
nama 302/2002 e 303/2002), restringindo-se a
tecimento que atravessam as encostas e as
indicar a necessidade da avaliação dos órgãos
falhas na execução das redes de drenagem
responsáveis pela estabilização das encostas.
248
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
Figura 5 – Os impactos do desenvolvimento urbano
nas encostas do Rio de Janeiro e de Vitoria e as cicatrizes deixadas
pela exploração mineral nas encostas próximas a Belo Horizonte e Florianópolis
Fotos: Acervo QUAPA-SEL/SP (2008).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
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Mônica Bahia Schlee
Dinâmica da paisagem:
as ligações entre a configuração
da paisagem atual,
as configurações pretéritas
e seus processos de origem
pelo mercado em sentido amplo (fundiário,
imobiliário e de trabalho). Nesse sentido, como
afirmam Maricato (2001) e Abramo (2003), a
estrutura montada no contexto brasileiro contou com as invasões (espontâneas ou organizadas) como alternativa de provisão de acesso
a terra urbana. Segundo Maricato (2003), a to-
Os imbricados processos de formação e trans-
lerância para com a ocupação não legalizada
formação da paisagem das encostas do Rio de
do solo é coerente com a lógica do mercado
Janeiro foram guiados por fatores e agentes
fundiário capitalista, restrito, especulativo e
aparentemente antagônicos que atuaram, ao
discriminatório e com a concentração de in-
longo do tempo, como elementos-chave da
vestimentos públicos nas áreas valorizadas.
estrutura urbana: o suporte geo-biofísico; os
Por outro lado, segundo Villaça, as invasões
padrões de habitação impostos pelas classes
são uma forma de os estratos sociais mais bai-
abastadas; o modelo econômico e o mercado,
xos da população participarem das vantagens
em sentido amplo, englobando o mercado de
usufruídas pelas classes abastadas nas áreas
terras, os mercados imobiliário e da construção
segregadas (Villaça, 1998).
civil e o mercado de trabalho em geral; o patri-
No Rio de Janeiro, o surgimento dos
mônio de terras da Igreja Católica; os conflitos
primeiros núcleos de assentamentos formais
entre a legislação urbanística e ambiental e a
e informais foi simultâneo e gerou relações
falta de uma política habitacional. As relações
socioespaciais interdependentes. Os primei-
de interdependência entre os agentes envolvi-
ros núcleos urbanos nas encostas tiveram sua
dos e o poder político, condicionadas pela dis-
origem com o declínio da agricultura e com a
tribuição espacial não equilibrada do mercado
abertura de estradas e ruas nas encostas. Os
de trabalho e de terras e pela limitada e ten-
processos que originaram as favelas guardam
denciosa mobilidade intraurbana, perpetuada
estreita relação com os processos que gera-
pela inexistência de uma rede de transportes
ram a ocupação formal nas encostas do Rio
públicos de massa, moldaram a morfologia das
de Janeiro. Seu surgimento vinculou-se a uma
encostas urbanas brasileiras.
variada gama de situações, atreladas ao pro-
Villaça (1998) destacou a tendência à
cesso de formação e transformação do mer-
organização hierárquica do espaço urbano
cado imobiliário; a realização de obras públi-
brasileiro, chamando a atenção para as formas
cas; a implantação e localização da atividade
peculiares de configuração da segregação es-
industrial; a autorização de permanência no
pacial intraurbana brasileira, cuja composição
local mediante cobrança de taxas ou aluguéis
não impede a presença nem a proliferação de
pelos proprietários originais; a autorização de
outras classes no mesmo espaço. Conforme de-
permanência por instituições privadas, religio-
monstrado pelo autor, entre outros, a estrutura
sas ou públicas, como as forças armadas; as
de dominação social e de segregação espacial
invasões organizadas por políticos; a doação
recorrente nas cidades brasileiras foi forjada
de áreas à igreja por proprietários fundiários
250
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
interessados em manter estoques de mão de
As razões que levaram as favelas a surgir,
obra sob a tutela da igreja nas proximidades
se expandir e proliferar na paisagem urbana do
de suas propriedades ou a implantação de
Rio de Janeiro são variadas e convergentes, em
loteamentos que não tiveram o processo de
função das conjunturas políticas e econômicas.
legalização concluído, conforme foi apontado
Como é possível perceber a partir das contri-
por Marx (1991), Abreu (1994 e 2001) e Silva
buições de Valladares (1978 e 2005), Bohadana
(2005a e 2005b), e indicado na presente pes-
(1983), Abreu (1994 e 2001), Bonduki (1998),
quisa. Os primeiros núcleos das favelas estuda-
Vaz (2002), Silva (2005a e 2005b) e Leitão
das nas encostas do Cosme Velho e da Gávea,
(2009), as relações entre a população favelada
por exemplo, foram aparentemente autoriza-
e o poder público se estabeleceram de forma
dos pelos antigos proprietários das fazendas
cíclica, com aproximações (tolerância, aceita-
e chácaras, ou pela Igreja Católica (Bohadana,
ção e relativo acolhimento das reivindicações
1983; Marx, 1991; Abreu, 1994; Dantas e Sen-
dos favelados) nos períodos políticos mais
ra, 1994; Abreu, 2001).
progressistas ou populistas, e afastamentos
Esta pesquisa, embasada em trabalhos
(preconceito, indiferença, omissão, negação,
anteriores (Bohadana, 1983; Abreu, 1994;
marginalização e confronto), de forma geral.
Abreu, 2001; Silva, 2005a e 2005b), entre
Sua expansão e proliferação foram frutos da
outros), mostrou que a maioria das terras
indiferença conivente manifestada pelos pode-
ocupadas pelas favelas situadas nas encostas
res públicos e pela sociedade com a dificuldade
analisadas no Rio de Janeiro ocupou áreas
em arranjar um lugar para os mais pobres na
originalmente de domínio privado. Um dispo-
cidade e mesmo com a aceitação tácita desse
sitivo recorrente durante o início do processo
passivo ambiental e social urbano, pela cren-
de parcelamento do solo nas encostas foi a
ça de que seria uma situação provisória, a ser
alocação de áreas destinadas a reservas flores-
resolvida naturalmente pelo mercado ou que
tais sem registro no cadastro municipal como
caberia ao Estado resolver.
propriedade pública. Essas terras, que, dessa
À medida que o tempo passava e a situa-
forma, servem essencialmente como estoque
ção se agravava, razões políticas vinculadas
de terras de propriedade privada, permanecem
aos interesses de diferentes setores da socieda-
à espera de ser exploradas para uso privado,
de (a política da bica d’água, os currais eleito-
constituindo-se como fator de pressão para
rais, o ônus político de medidas impopulares, a
mudanças na legislação, principalmente no Rio
falta de vontade política, desarticulação entre
de Janeiro, onde parte das florestas de encos-
as esferas de poder e escassez de recursos para
tas é protegida exclusivamente pela legislação
planejar a produção habitacional de interesse
urbanística. No entanto, quando essas áreas
social em âmbito nacional e municipal) e ra-
são invadidas por favelas, seus proprietários
zões econômicas (as sucessivas crises, o tra-
se apressam em abandonar suas terras (já com
tamento da questão habitacional sob a ótica
ocupantes), doando-as ou permutando-as com
econômica e o surgimento de mercados alter-
o setor público.
nativos aos oficiais) foram agregadas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
251
Mônica Bahia Schlee
O potencial dos espaços livres
na estruturação de zonas
de amortecimento
demonstra a Figura 6, esses espaços formam
corredores lineares de vegetação arbórea, que
aumentam a conectividade ecológica com a
área protegida pelo Parque Nacional da Tijuca,
e podem servir para estruturar a zona de amor-
Como argumentado por Ehrlich et al. (2012), a
tecimento do parque na interface floresta-cida-
capacidade de suporte, apesar de um conceito
de. Além disso, espaços livres podem funcionar
fundamental para caracterizar e a dinâmica da
como elo entre os tecidos segregados.
resiliência das paisagens, ainda é muito difícil
O cruzamento de parâmetros biofísicos,
de mensurar. O processo gradual de fragmenta-
ecológicos e urbanísticos avaliados nesta pes-
ção progressivo das manchas residuais de flo-
quisa, revelou os efeitos dos padrões atuais
restas em torno do Parque Nacional da Tijuca
e processos de desenvolvimento urbano em
causa impactos diversos, contribuindo inclusive
curso, identificou interações entre o ambiente
para o declínio da qualidade da água dos rios
natural e o ambiente construído nas encostas
que nascem em seu território, conforme de-
das cidades brasileiras e apontou algumas cau-
monstrou Schlee (2002).
sas da fragmentação ecológica nas fronteiras
O sistema de espaços livres nas encostas
das áreas protegidas localizadas em encostas
do Rio de Janeiro é amplo e complexo. Especial-
urbanas. As análises realizadas nas bacias
mente no Maciço da Tijuca, como identificado
hidrográficas estudadas no Rio de Janeiro e
na presente pesquisa, existem reservas flores-
a correlação com as outras quatro cidades
tais públicas e privadas ainda não incorporadas
brasileiras ajudaram a esclarecer processos
ao Parque Nacional da Tijuca; espaços livres
de formação e transformação da paisagem e
que ainda mantêm uma cobertura vegetal den-
a refutar certos dogmas relativos à ocupação
sa nos fundos dos lotes privados; espaços livres
das encostas urbanas no Brasil. O processo de
associados ao uso institucional e espaços livres
transformação da paisagem e de sua gestão
em torno das favelas que desempenham um
descreve ciclos que se entrelaçam no tempo e
papel importante para manter a qualidade am-
relações que condicionaram – e continuam a
biental nos recortes espaciais analisados e para
influenciar – as atuais condições ambientais
fortalecer a capacidade de suporte e adaptação
locais e a sustentabilidade da paisagem das
das encostas à ocupação urbana; e, portanto,
encostas. Neste artigo, destacamos alguns
merecem atenção especial.
fatores-chave que ajudam a explicar o pro-
Embora transitórios, os lotes vazios nos
cesso de transformação da paisagem nas en-
loteamentos formais e condomínios fechados
costas urbanas no Rio de Janeiro, a partir de
representam um estoque significativo de terras,
sua urbanização, e podem contribuir para ca-
que, com manejo adequado, também pode con-
racterizar a natureza dos desafios relativos à
tribuir para estruturar a zona de amortecimen-
resiliência da paisagem de encostas e embasar
to entre a floresta e o tecido urbano. Conforme
futuros esforços de regeneração:
252
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
Figura 6 – Espaços livres de domínio privado delineiam
uma envoltória em torno dos núcleos de ocupação.
Reservas florestais, fundos de lotes e terrenos não ocupados
contribuem para formar corredores de cobertura vegetal arbórea
na interface com a área protegida pelo Parque Nacional da Tijuca
Fonte: Schlee (2011) sobre base cadastral 1:2.000 e ortofotos (2009), PCRJ/IPP/Armazém de Dados, PCRJ/SMU/CGT
e levantamentos de campo.
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Mônica Bahia Schlee
Fotos: Schlee (2008 e 2010).
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Ocupação de encostas urbanas
1) Estrutura e função da paisagem : a
3) A propriedade da terra e ilegalidade:
ocupação de encostas no Rio de Janeiro se ex-
atualmente a maioria da terra urbana locali-
pandiu pelos fundos de vale, ao longo das prin-
zada nas encostas do Rio de Janeiro está nas
cipais linhas de drenagem natural, que atuam
mãos de poucos proprietários, constituindo la-
como vetores de indução da ocupação urbana
tifúndios urbanos dispersos na paisagem. Algu-
e tendem a concentrar os processos de con-
mas dessas grandes glebas não estão sequer
solidação e crescimento vertical da ocupação.
registradas no cadastro municipal. Quanto ao
Os fundos de vale são, como demonstraram os
aspecto legal da propriedade, as favelas não
eventos de chuva de grande intensidade ocor-
são totalmente ilegais. Parte dos assenta-
ridos em 2010 e 2011, áreas especialmente
mentos foi coletivamente adquirida dos pro-
suscetíveis a deslizamentos. Segundo Schaffer
prietários anteriores, teve lotes legalizados
et al. (2011), os deslizamentos ocorridos na Re-
individualmente ao longo do tempo, ou per-
gião Serrana do Estado do Rio de Janeiro em
maneceu em uso das associações de morado-
2011, por exemplo, foram fortemente potencia-
res por permissão de instituições como a Igreja
lizados pela ocupação antrópica. Tanto nas re-
Católica ou as forças armadas. A configuração
giões urbanas, quanto nas rurais, as áreas mais
espacial, no entanto, é irregular, na medida
severamente atingidas pelos efeitos das chuvas
em que não segue o ordenamento, o zonea-
foram: a) margens de rios, córregos e nascen-
mento e códigos de construção e padrões de
tes, definidas pelo Código Florestal como Áreas
desenvolvimento urbano estabelecidos para
de Preservação Permanente – APPs; b) domí-
outras áreas da cidade. Na verdade, só recen-
nios montanhosos com declividade acima de
temente a administração municipal do Rio de
25º; c) áreas na base dos morros, montanhas
Janeiro definiu regulamentos para essas áreas,
ou serras; d) áreas localizadas nos fundos de
os quais são comuns, de modo geral, a todas
vale, em especial junto a curvas, obstruções e
as Áreas de Especial Interesse Social, como se
desvios dos cursos d’água.
essas fossem homogêneas, e dizem respeito
2) Relação entre padrões e processos:
a restrições quanto ao gabarito e à proibição
assentamentos formais e informais nas bacias
de usos e atividades como a armazenagem de
hidrográficas estudadas apresentam uma re-
ferro velho, produtos inflamáveis e explosivos,
lação de contiguidade, ligados pelo rio, pelas
gás liquefeito de petróleo e armas e munições.
estradas sinuosas que os conectam e pela in-
Por sua vez, os bairros de alta renda situados
terdependência nas relações sociais, induzidas
nas encostas também não cumprem integral-
pelo modelo econômico e pelos mercados fun-
mente a legislação vigente. Conflitos entre
diário, imobiliário e de trabalho. A estratégia
os limites das propriedades privadas e terras
concebida pelo poder público para minimizar
públicas, acréscimos construtivos horizontal e
os conflitos gerados pela polarização social
vertical, impermeabilidade excessiva da cober-
que caracteriza a ocupação das encostas da ci-
tura do solo e remoção de vegetação arbórea
dade do Rio de Janeiro ainda está centrada na
existente também ocorrem nos bairros formais
flexibilização dos limites legais e na liberação
e condomínios fechados localizados nas encos-
das restrições estabelecidas na legislação.
tas. Tanto as propriedades particulares quanto
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
255
Mônica Bahia Schlee
os assentamentos informais se sobrepõem
contribuindo para a valorização imobiliária em
sobre áreas de florestas adjacentes, prote-
certos casos e refletindo a preocupação com a
gidas pelas instâncias federal, estadual ou
desvalorização em outros. Apesar dos avanços
municipal, formando uma colcha de retalhos
obtidos, critérios, dispositivos e parâmetros
entrelaçados. O modelo social forjado no Rio
para sua proteção poderiam ser aplicados de
de Janeiro e as configurações espaciais dele
forma mais articulada e integrada. O caráter
resultantes nas encostas do Maciço da Tiju-
diverso e plural das favelas, em termos de sua
ca foram baseados na antiga crença de que
configuração interna, de sua dinâmica socio-
as forças do mercado imobiliário que favore-
espacial, de estratificação socioeconômica, de
cem as classes média e alta teriam o poder de
tipologias e padrões construtivos, de situação e
remover e substituir as favelas. Este estudo
uso da terra, ainda não foi compreendido nem
aponta uma realidade diferente.
assimilado pelas políticas públicas. A perspec-
4) Espaços livres: os espaços livres nas
tiva descontextualizada da atuação do poder
encostas desempenham múltiplas funções. Eles
público nas favelas e em suas franjas, desconsi-
atuam como corredores de vegetação que pe-
derando a diversidade e a complementaridade
netram e cruzam as áreas ocupadas, fazem a
das relações entre as favelas e bairros formais
conexão ecológica entre a floresta protegida
ao seu redor, mina o potencial das políticas
dentro dos limites do Parque Nacional da Tiju-
públicas para promover a sustentabilidade e
ca e os fragmentos florestais situados em suas
a inclusão social nas encostas urbanas do Rio
bordas e ajudam a manter a capacidade de su-
de Janeiro. Além disso, a tolerância em relação
porte das áreas montanhosas. Esses espaços in-
à ilegalidade e as anistias periódicas para le-
cluem as reservas florestais, os fundos dos lotes
galização de situações a rigor não legalizáveis,
residenciais, os espaços florestados localizados
somadas ao caráter discricionário atribuído aos
ao longo das bordas das favelas e os lotes va-
órgãos de licenciamento, comprometem os es-
zios, entre outros. Todas as formas de espaços
forços de regulação e controle, evidenciando
livres localizadas nas encostas nas partes supe-
o conflito de interesses entre a proteção das
riores das bacias hidrográficas merecem espe-
encostas e a sistemática disposição do poder
cial atenção, salvaguarda e proteção, devido à
público em viabilizar sua ocupação.
sua natureza heterogênea e multifuncional. No
Fundamentada em trabalhos anteriores
entanto, a negligência, a privatização e a subs-
(Ruhe, 1975; Avelar, 1996 e 2003; Avelar e
tituição gradual desses espaços livres pelos
Lacerda, 1997; Geoheco, 2000; Coelho Netto
espaços construídos ocorrem continuamente
et al., 2007; Valeriano, 2008), a presente
tanto em assentamentos formais, quanto em
pesquisa demonstra a necessidade de asso-
assentamentos informais.
ciar altimetria (já aplicada pela legislação
5) Regulação: a legislação aplicada às
de planejamento urbano no Rio de Janeiro),
encostas gerou respostas espaciais diferencia-
declividade (já aplicada de forma genérica
das nas cidades analisadas, potencializadas
pela legislação de planejamento urbano em
pelos investimentos municipais historicamente
outras cidades brasileiras), forma da encos-
orientados ao sabor dos interesses do mercado,
ta, e a configuração, distribuição e gestão de
256
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Ocupação de encostas urbanas
espaços abertos e presença e qualidade da
de planejamento urbano com a finalidade de
vegetação nativa como parâmetros adicionais
formulação de um zoneamento integrado e,
fundamentais para promover a resiliência e
no caso do Rio de Janeiro, reformular parâme-
o planejamento sustentável da paisagem de
tros pré-estabelecidos indiscriminadamente,
encostas. Como demonstrado por trabalhos
restringindo e monitorando cortes e aterros
anteriores (Avelar, 1996 e 2003; Avelar e La-
em áreas a partir de 15° (aproximadamente
cerda, 1997; Coelho Netto et al., 2007), esta
25%) de inclinação e evitando a ocupação
pesquisa sugere que não somente as áreas de
entre 15° e 25° (aproximadamente entre 25%
encostas mais íngremes estão sujeitas a des-
e 35%) em áreas côncavo-convergentes e aci-
lizamentos de terra. Assim, é imperativo es-
ma de 35° (aproximadamente 70%) em áreas
tabelecer a bacia hidrográfica como unidade
convexas/divergentes.
Figura 7 – Além da altimetria, a declividade, a forma da encosta,
a extensão da encosta, o tamanho da área de contribuição e as características
da sub-bacia e da cobertura vegetal também devem ser considerados
na definição de áreas de restrição à ocupação
Fonte: Schlee (2011), sobre base cadastral 1:2.000 e ortofotos (2009), PCRJ/IPP/Armazém de Dados.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
257
Mônica Bahia Schlee
Conclusões
altos da população, argumentando que esse ti-
Os métodos desenvolvidos e os resultados obti-
poder de restringir e gradualmente eliminar a
dos na presente pesquisa contribuem para uma
ocupação informal. Como foi demonstrado por
compreensão dos processos que produziram e
este estudo (Schlee 2011), a realidade demons-
moldaram a paisagem montanhosa do Rio de
tra que esse não é o caso.
po de ocupação é mais "sustentável" e teria o
Janeiro ao longo do tempo. A análise desses
As formas oficiais e informais de ocupa-
processos é fundamental para a formulação
ção sobre as encostas funcionam como exten-
de estratégias e instrumentos para a efetiva
são uma da outra. Quando considerados atra-
proteção e garantia de sustentabilidade das
vés dos processos de estruturação, densidade,
encostas urbanas, corredores ripários e cor-
tipos arquitetônicos, nível educacional, relação
pos d’águas, tanto no Rio de Janeiro quanto
com os espaços livres, com os mercados imobi-
em outras cidades montanhosas brasileiras.
liários e os mercados de trabalho, apresentam
Os processos de transformação da paisagem,
sinais de complementaridade. Ambas as formas
o quadro de polarização social e segregação
de ocupação também apresentam similaridades
espacial, a regulação e a fiscalização inade-
em termos das relações entre o espaço público
quadas para controlar a ocupação urbana e os
e o espaço privado. Em ambos os casos, há uma
padrões espaciais fragmentados têm contribuí-
separação bem marcada entre os espaços pú-
do para gerar os conflitos socioambientais que
blicos ou coletivos (desvalorizados e negligen-
caracterizam as encostas do Rio de Janeiro e
ciados) e os domínios privados (enfatizados,
das outras cidades brasileiras analisadas.
fetichizados e priorizados), demarcados com
Como argumentou Colding (2007), a
muros, cercas e grades nos bairros formais e
complementaridade entre diferentes usos do
nas favelas, que se expressa pela superposição
solo e a existência, a conexão e a integração
do domínio privado sobre o domínio público.
de gestão entre diferentes tipos de espaços li-
A avaliação da morfologia da paisa-
vres, tanto os de domínio público quanto os de
gem e dos processos de transformação da
domínio privado, podem contribuir fortemente
paisagem das encostas do Rio de Janeiro in-
para garantir a resiliência e a conservação da
dicou que os espaços livres contribuem forte-
diversidade da paisagem em contextos urba-
mente para a resiliência da floresta nas encos-
nos. Esses são conceitos cruciais que devem
tas da cidade e para a estruturação da zona de
embasar políticas e programas para a efetiva
amortecimento na transição entre os espaços
proteção das encostas urbanas brasileiras.
urbanizados e o patrimônio natural ou cultu-
Um dos principais entraves à assimilação
ral protegidos, uma vez que podem auxiliar na
e à prática da ocupação resiliente e sustentável
absorção de impactos, na adaptação às trans-
nas encostas brasileiras deve-se à perpetuação
formações e na interface entre a proteção do
do discurso dominante que ainda defende a le-
sistema ecológico e a apropriação sociocultural
gitimidade da ocupação das encostas por um
das encostas. Esta pesquisa empiricizou e dire-
único tipo de uso e pelos estratos sociais mais
cionou o foco do planejamento sustentável em
258
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
áreas montanhosas urbanas para seus espaços
água-comunidade-cidade como uma rede de
livres, demonstrando a necessidade de asse-
regeneração, um contraponto essencial à forma
gurar a heterogeneidade, multifuncionalidade,
construída e uma fonte de suporte, convívio,
flexibilidade, adaptabilidade e conectividade
inspiração e inclusão para a vida nas cidades.
entre os espaços livres de forma a contribuir
A abordagem metodológica e os resulta-
para garantir a capacidade de suporte e a sus-
dos obtidos nesta pesquisa se alinham e empi-
tentabilidade das florestas e promover a rege-
ricizam algumas das teorias emergentes sobre
neração do sistema paisagístico nas encostas
sustentabilidade e resiliência que se aplicam
urbanas do Rio de Janeiro e demais cidades
à paisagem das cidades brasileiras. Revelam
brasileiras analisadas. Ao mesmo tempo, o ma-
também algumas das interações entre natureza
nejo do uso da terra e os padrões de ocupação
e cidade. A principal contribuição da presente
podem e devem ser reorganizados para fortale-
pesquisa documentada neste artigo centra-se
cer e restaurar as funções ecológicas da floresta
na investigação das interações entre os com-
através da gradação entre as áreas urbanizadas
ponentes ambientais e culturais da paisagem
e as áreas protegidas, da integração de fatores
em diversas escalas de análise, desde a esca-
ambientais, sociais, econômicos e culturais e da
la regional a escala do lote urbano. Métodos
implantação de transportes urbanos de massa
integrados e complementares de análise dos
que integrem as cidades como um todo. Tam-
processos de ocupação e de transformação
bém é fundamental enfrentar os obstáculos
da paisagem nas encostas do Rio de Janeiro
institucionais, tais como falta de amplos, inclu-
foram aplicados, desenvolvidos e contextuali-
sivos e bem-definidos direitos de propriedade.
zados em relação aos processos ocorridos em
O relatório Our Common Journey: A
outras cidades brasileiras situadas nas regiões
Transition Toward Sustainability (National
Research Council Board on Sustainable
Development, 1999) e outros relatórios que o
seguiram têm enfatizado que o planejamento
sustentável requer a conciliação entre o
patrimônio ambiental e as demandas sociais
e econômicas. A diminuição das desigualdades
econômicas, sociais e espaciais é fundamental
para aumentar a capacidade de regeneração
econômica, paisagística e ambiental no Rio de
Janeiro e em outras cidades montanhosas no
Brasil. Esta pesquisa contribui para delinear as
bases de um urbanismo regenerador (Schlee
et al., 2012) que busca entrelaçar funções
e dinâmicas urbanas e hidro-ecológicas,
celebrando a interface encosta-floresta-
Sudeste e Sul do país e aos processos intraur-
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
banos ocorridos em diferentes áreas da cidade.
A compreensão do comportamento de sistemas
sociais e ecológicos e de como esses respondem a transformações e impactos é fundamental para a construção de estratégias adequadas
de gestão e promoção da resiliência, da capacidade regenerativa e do desenvolvimento sustentável em bacias hidrográficas urbanas. Ao
fornecer um quadro abrangente dos vários fatores que influenciam a capacidade de suporte
e de resiliência das encostas como um sistema
integrado de paisagem urbana, este trabalho
sublinha as potencialidades dos espaços livres
na estruturação e no desenvolvimento da capacidade de adaptação, conexão, amortecimento
259
Mônica Bahia Schlee
dos impactos, e, consequentemente, da busca
Nas encostas urbanas brasileiras, os
por cidades resilientes, social e ambientalmen-
espaços livres são fundamentais para for-
te mais justas e acolhedoras.
talecer a proteção das florestas urbanas e
Processos de investigação transdiscipli-
estruturar zonas de amortecimento, tanto
nar, que apliquem metodologias de campos
no Rio de Janeiro, quanto nas demais cida-
disciplinares afins como a morfologia urbana
des estudadas. Ressaltamos que os métodos
e a ecologia da paisagem em ambientes tro-
aplicados e desenvolvidos nesta pesquisa se
picais de encostas urbanas ainda são poucos.
fundem em uma metodologia integrada que
Resiliência significa capacidade de absorção de
pode vir a ser empregada para embasar o
impactos, conexão, adaptação a mudanças e
planejamento sustentável e a regeneração
regeneração. Os espaços livres são os lugares-
da paisagem montanhosa em contextos ur-
-chave onde essas interações se manifestam e
banos e auxiliar voluntários das comunida-
se potencializam. A abordagem multifacetada
des, planejadores e tomadores de decisão a
aplicada neste estudo pode auxiliar o plane-
promover ações de regeneração que rever-
jamento, a proteção e a gestão da paisagem,
tam eventos de perturbação e incentivem
com vistas ao fortalecimento de sua diversida-
transformações que conduzam à sustentabi-
de, resiliência e sustentabilidade.
lidade da paisagem.
Mônica Bahia Schlee
Arquiteta-paisagista e urbanista, trabalha na Coordenadoria de Macro Planejamento, Secretaria
Municipal de Urbanismo da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro – CMP/SMU/PCRJ. Doutora em
Arquitetura, Mestre em Arquitetura da Paisagem e Mestre em Estruturas Ambientais Urbanas. Rio de
Janeiro/RJ, Brasil.
[email protected]
Agradecimentos
À Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Ins tuto Municipal de Urbanismo Pereira Passos, Secretaria
Municipal de Urbanismo e Sub-Secretaria Municipal de Patrimônio Cultural pelo apoio e pelo
acesso às bases cadastrais, ortofotos e cadastro de loteamentos u lizados nesta pesquisa.
A Antonio Bernardo de Carvalho, Vera Regina Tangari, Ana Luisa Coelho Ne o, Kenneth Tamminga,
Jonathas Magalhães Pereira da Silva, Maria Paula Albernaz, Silvio Soares Macedo, Sonia Afonso,
Stael de Alvarenga Costa, Marieta Maciel, Eneida Mendonça, Aruane Garzedin, André Avelar,
Henri Acselrad, Maria Rosália Guerreiro, Valdinam dos Santos, Raphael Urbano de Andrade,
Ana Lúcia Costa Mendes, Marco Zambelli, Murilo Santos de Medeiros, Gustavo Peres Lopes,
Alice Amaral dos Reis, Claudia Muricy, Daniel Mancebo, Antonio Barboza Correia, Carla Cabral,
Fernando Cavallieri, Paula Serrano e aos revisores anônimos pelos comentários constru vos.
260
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Ocupação de encostas urbanas
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Texto recebido em 31/ago/2012
Texto aprovado em 3/dez/2012
264
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 241-264, jan/jun 2013
Conflitos ambientais urbanos
e processos de urbanização na Ressaca
Lagoa dos Índios em Macapá/AP
Urban environmental conflicts and urbanization
processes at Ressaca Lagoa dos Índios, Macapá/AP
Gloria Maria Vargas
Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Resumo
O estudo aborda os conflitos ambientais resultantes do processo de urbanização do território da
Ressaca Lagoa dos Índios em Macapá/Amapá,
ocorrido nas últimas décadas do século XX. O
objetivo é analisar e avaliar as formas de ocupação do território, considerando o histórico desse
processo; os agentes transformadores do espaço;
os impactos ambientais; e os conflitos desencadeados, a partir das diferentes visões e usos dados ao território. Utilizou-se como metodologia:
pesquisa documental, observação participante na
área e conversas informais com os agentes políticos institucionais, econômicos e sociais. Concluiu-se que na luta em torno do território da Lagoa,
cada grupo tenta impor sua visão de mundo
procurando legitimar suas representações para
garantir a continuidade da sua forma de apropriação dos recursos.
Abstract
This paper approaches the environmental conflicts
that have resulted from the urbanization process of
the Lagoa dos Índios territory in the city of Macapá
(Northern Brazil), which occurred during the last
decades of the twentieth century. The purpose is
to analyze and evaluate the forms of occupation
of the territory, considering the history of that
process, the agents that transform the space, the
environmental impacts and the conflicts that stem
from different views and uses of the territory. The
methodology was: documentary survey, participant
observation in the area and informal conversations
with political-institutional, economic and social
agents. We concluded that in the dispute for the
territory of the Lagoa, all the groups involved try to
impose their worldview in order to legitimate their
representations and guarantee the continuity of
their own way of resource appropriation.
Palavras-chave: conflitos ambientais; urbanização; território; Lagoa dos Índios; Ressaca.
Keywords: : environmental conflicts, urbanization,
territory, Lagoa dos Índios, undertow.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013
Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Introdução
estaduais e municipais; 2) observação par-
A Lagoa dos Índios é uma das muitas áreas
3) conversas informais com os agentes polí-
úmidas do município de Macapá, denominada
ticos institucionais, os agentes econômicos
Ressaca.1 É uma área marcada pelo crescente
locais e os agentes sociais.
ticipante realizada durante visitas à área; e
e desordenado processo de crescimento urbano
do estado do Amapá, ocorrido, principalmente,
a partir das duas últimas décadas do século
XX. Situada na bacia do igarapé da Fortaleza,
Conflitos ambientais
urbanos e território
a oeste do núcleo urbano de Macapá, próxima
à fronteira com o município de Santana, essa
O campo dos conflitos ambientais tem possi-
área comporta uma comunidade que se con-
bilitado relacionar questões que envolvem o
sidera remanescente de quilombo há mais de
urbano e seu ambiente. Essa possibilidade é
dois séculos.
constituída à medida que a análise dos con-
Há, no território da Ressaca Lagoa dos
flitos ambientais permite avaliar as diferentes
Índios, o enfrentamento entre cultura tradicio-
formas de uso, de apropriação e de significação
nal e vetores da modernidade, o que tem impli-
de um determinado território urbano e seus
cado danos tanto para o ambiente como para a
recursos, considerando-se as práticas políticas,
comunidade negra. Nesse território, o uso dos
socioeconômicas e culturais estabelecidas pelo
recursos naturais mudou de sentido, deixou de
grupo social que ali reside.
ser somente para a sobrevivência da comuni-
Paul Little (2001) é um dos estudiosos
dade, para converter-se em bem de usufruto
que aponta a abordagem dos “conflitos so-
econômico privado e construções de diversas
cioambientais” como um importante campo
ordens, demarcando, cada vez mais, o processo
de estudo e de ação política. Segundo o autor,
de invisibilidade expropriadora a que foi sub-
esses conflitos são produzidos pelo embate en-
metida a comunidade negra, desde o século
tre grupos sociais, em função de seus distintos
XVIII (Bandeira, 1990).
modos de inter-relacionamento ecológico, que
A partir desse contexto, a pesquisa pro-
envolve o meio social e natural. Essa definição
curou analisar e avaliar as formas de ocupação
focaliza o relacionamento dinâmico e interde-
do território, considerando o histórico desse
pendente entre o mundo biofísico e o mundo
processo; os agentes transformadores do es-
social e identifica as novas realidades socioam-
paço; os impactos ambientais; e os conflitos
bientais que surgem da interação entre esses
desencadeados, a partir das diferentes visões e
dois mundos. Conforme Little, os conflitos re-
usos dados ao território.
lacionados aos recursos naturais geralmente
A pesquisa foi desenvolvida entre os
são sobre as terras que contêm tais recursos
anos de 2004 e 2006 e como procedimento
e, portanto, entre os grupos humanos que
metodológico adotou três instrumentos: 1)
reivindicam essas terras como seu território
coleta de documentos em órgãos federais,
de moradia e vivência. Por isso é interessante
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
situar os conflitos sobre as terras a partir das
mesmo tempo, é modificado. Conforme Little
dimensões políticas, socioeconômicas e cultu-
(2001), o conceito de território surge, assim,
rais (Little, 2001).
como um produto histórico de processos so-
Henri Acselrad (2004) é outro autor
ciais e políticos.
que avança na discussão sobre “conflitos
Na mesma direção, Haesbaert (2004)
ambientais”, colocando-os como aqueles que
considera que o território é produto da apro-
envolvem grupos sociais que têm modos dife-
priação de um dado segmento do espaço, por
renciados de apropriação, uso e significação
um dado segmento social, nele estabelecendo-
dos recursos naturais. Esses conflitos têm ori-
-se relações políticas de controle ou relações
gem quando, pelo menos, um dos grupos tem
afetivas identitárias e de pertencimento.
a continuidade das formas sociais de apro-
Dessa forma, pode-se dizer que o territó-
priação do meio, ameaçadas por impactos
rio da Lagoa dos Índios é resultado de ações
indesejáveis – seja no solo, na água, no ar ou
acumuladas através do tempo, tornando-se o
nos sistemas vivos –, decorrentes do exercí-
produto de uma construção social que inclui
cio das práticas de outros grupos que passam
o regime de propriedade, os vínculos simbóli-
a interagir no território. Acselrad afirma que
cos que se reproduzem no espaço apropriado
essas práticas são, antes de tudo, condicio-
específico, a história da ocupação plasmada e
nadas pelas formas sociais e culturais, ou se-
guardada na memória coletiva, os usos a ele
ja, pelas opções de sociedade e pelos modos
designados e as formas da sua defesa.
culturais prevalecentes.
Considera-se, então, que a produção dos
Considerando os pressupostos dos au-
conflitos ambientais urbanos na Ressaca La-
tores acima, o campo dos conflitos estrutura-
goa dos Índios diz respeito a um movimento
dos em torno da questão urbano-ambiental se
simultâneo das condições territoriais e ecoló-
estabelece a partir da dinâmica intricada de
gicas, estimulada pelos impulsos das relações
relações e disputas de poder que se traduzem
entre forças externas e internas à unidade
em ações diferenciadas pelo acesso e uso dos
territorial, ecológica, histórica ou socialmente
recursos do meio urbano. Para Costa e Braga
determinada. Segundo Coelho (2005), é a par-
(2004), as cidades convivem com diferentes ló-
tir desse movimento que os conflitos gerados
gicas de apropriação e uso do espaço urbano,
por impactos ambientais constituem processos
configurando o modo como se organizam as
de mudanças territoriais e ecológicas causa-
relações socioespaciais e as formas de apro-
das por “perturbações” diversas no ambiente,
priação do território e seus recursos.
a exemplo das ações modernizantes como a
A construção do território, nesse sentido, se faz no processo da interação contínua
construção de um objeto novo, uma estrada ou
uma indústria no ambiente.
entre uma sociedade em movimento e um es-
Diante dessa percepção, Acselrad (2004)
paço físico particular que se modifica perma-
considera que os objetos que constituem o
nentemente de acordo com as condutas dos
“ambiente” não são redutíveis a meras quan-
grupos sociais. No processo de construção
tidades de matéria e energia, pois eles também
do território, o ambiente modifica-se e, ao
são culturais e históricos. Todos os objetos do
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
ambiente, todas as práticas sociais e culturais
de construção da Fortaleza São José de Maca-
desenvolvidas nos territórios e todos os usos e
pá, ou originários da vila de Mazagão edifica-
sentidos atribuídos ao meio interagem e conec-
da no mesmo período.
tam-se material e socialmente.
O local onde os negros da Lagoa dos Ín-
Essa forma de compreender o conceito de
dios se fixaram é conformado por rios, furos,
território demarca, cada vez mais, a íntima re-
igarapés e lagos, constituintes da floresta tro-
lação entre a questão urbana e a questão am-
pical de áreas úmidas e de terra firme, o que
biental (Monte-Mor, 1997), pois não é possível
lhes permitiu progressivamente constituir-se
separar a sociedade de seu ambiente físico, já
como grupo relativamente isolado e protegido
que as duas dimensões constituem um mundo
dos interesses escravagistas no período co-
material socializado e dotado de significados.
lonial. No recurso à fuga e à procura de uma
Nesse estudo os conceitos de conflitos
existência livre como estratégia de sobrevi-
ambientais e território são essenciais para a
vência, encontraram na bacia hidrográfica do
análise das práticas humanas no ambiente ur-
igarapé da Fortaleza condições favoráveis para
bano. Assim, de acordo com a abordagem con-
a realização de sua existência, o que explica,
ceitual procedeu-se à identificação das princi-
possivelmente, a forma como os moradores fo-
pais mudanças no espaço urbano da área da
ram construindo modos de vida e de trabalho
Ressaca Lagoa dos Índios, de maneira a verifi-
na região (Gomes, 1999).
car as diferentes formas históricas de apropria-
No memorial descritivo da comunidade
ção, ocupação e organização social do territó-
existe uma carta, de 1802, que refere a partilha
rio estudado, conforme a seguir.
das terras para a comunidade com o nome São
Pedro dos Bois. E que, a partir dessa partilha,
outras vilas se formavam com várias famílias
Processo de ocupação
da Lagoa dos Índios
que vieram para a região da Lagoa. Porém, no
decorrer do século XX, essas vilas se separaram, se desfizeram. De uma única partilha, que
era a posse São Pedro, surgiu a Lagoa de Fora,
A Ressaca Lagoa dos Índios, segundo seus
o Coração, o Porto do Céu. Consta também no
moradores, inicialmente foi habitada por indí-
memorial que em 1962 foi emitida, pela Divi-
genas e em seguida pelos negros que ocupa-
são de Terras e Colonização, Carta de Adjudica-
ram a região após o término do projeto colo-
ção2 em favor dos herdeiros Antonio Guardiano
nial português, na segunda metade do século
da Silva, José Raimundo da Silva, Auta Maria
XVIII. Contudo, é difícil saber como índios e
da Conceição, Raimundo Cândido da Silva e
negros estabeleceram relações na Lagoa e que
Manoel Joaquim dos Santos, dando-lhes direito
processos “adaptativos” vivenciaram (Little,
à posse das terras.
2001). Consta na memória de seus habitantes
Ao longo dos séculos XIX e XX, os mora-
que, provavelmente, os negros que se instala-
dores se estabeleceram na região e iniciaram
ram na região são provenientes das relações
um processo de intervenção no ambiente, con-
escravagistas, estabelecidas durante o projeto
figurado pela construção de moradias e pelas
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
atividades de pesca, pequenas plantações e
Nesse local há o Centro de Convivência, a Igre-
criação de gado. Por muitos anos, a forma de
ja Católica Nossa Senhora do Carmo, a Escola
vida e de trabalho caracterizado pelas ações
Estadual Lagoa dos Índios, as casas dos mora-
do grupo pouco pressionou os recursos natu-
dores e alguns terrenos de particulares.
rais da região. Assim, presentemente, percebe-
2) Casas de moradores e mansões ao longo
-se que, durante muito tempo, as alterações
do ramal Lagoa dos Índios – local de acesso à
provocadas pela presença dos moradores ne-
rodovia Duque de Caxias3 (atualmente rodovia
gros foram tímidas e quase não modificaram o
Duca Serra);
ambiente da Lagoa.
O território pertencente aos primeiros
3) Conjuntos residenciais Cabralzinho, Buriti
e Cajari e empreendimentos comerciais;
habitantes negros era de difícil acesso e cons-
4) Complexo penitenciário e órgãos de apoio
tituía uma área bastante grande que acompa-
ao transporte – Serviço Social de Transporte
nhava, praticamente, todo o entorno da Lagoa
(SEST) e Serviço Nacional de Apoio ao Transpor-
dos Índios. Na época, a área explorada por eles
te (SENAT);
era de uso comunal, e as primeiras moradias
5) Bairros Marabaixo I e II, III e IV; e
foram feitas às margens do igarapé da Fortale-
6) Grandes terrenos deixados por herança e
za, por ser ambiente propício para a agricultura
titulados pelo Instituto Nacional de Colonização
e aquisição de alimentação.
e Reforma Agrária (Incra), tanto para pessoas
No presente, a expansão urbana, pro-
de fora do grupo como para moradores negros.
vocada pelo crescimento demográfico – que
O acesso a esses terrenos se dá pelo chamado
se deu de forma horizontal – e pelas constru-
Ramal do Goiabal e por ramais secundários.
ções de novos empreendimentos no território,
Nesses terrenos existem pequenos igarapés que
desarticulou a forma de vida e as atividades
deságuam no igarapé da Fortaleza.
desenvolvidas pela comunidade. As novas di-
As novas dinâmicas de ocupação do
nâmicas ocorridas no território da Lagoa dos
território da Ressaca são evidenciadas pelas
Índios, corroboradas pelo processo de urbani-
ações de grupos privados e do poder público
zação da cidade de Macapá, levaram a comu-
que exercem pressão sobre o território da Res-
nidade negra a viver uma situação de conflitos
saca e, consequentemente, sobre a área da
e confrontos com novos agentes que vêm
comunidade negra.4
transformando o território.
A seguir descrevem-se os agentes e
No decorrer das visitas à área, foi possí-
impactos ambientais que vêm sendo dese-
vel perceber a presença dos novos agentes no
nhados na área da Lagoa e que se contra-
espaço da Lagoa dos Índios, conforme abaixo:
põem ao modo como a comunidade rema-
1) Vila comunitária – local onde reside a
maioria dos membros da comunidade negra.
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nescente de quilombo vinha convivendo com
aquele território.
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Impactos ambientais
decorrentes do processo
de urbanização
e especulação imobiliária
erigidas nos mais diversos locais da cidade,
loteamentos foram criados e conjuntos habitacionais foram construídos, sem os mínimos
critérios de uso e ocupação do solo.
É interessante observar que até 1980 a
comunidade negra não havia se preocupado
A área Lagoa dos Índios – bem como as demais
com o processo de especulação imobiliária tra-
Ressacas de Macapá e Santana – foi tombada
zida pela acelerada urbanização da Lagoa nem
como patrimônio natural pela Lei n. 0455/1999.
com a questão das demarcações de suas ter-
Entretanto, essa Lei não foi suficientemente efi-
ras. Assim, até o final dos anos de 1990, os ob-
caz para combater às diversas agressões verifi-
jetivos do Estatuto da Associação dos Morado-
cadas na Ressaca.
res da Comunidade Lagoa dos Índios (AMCLI),
O território da comunidade quilombola
fundada em 28 de julho de 1995, reafirmavam
da Lagoa dos Índios se destaca por ser, ainda,
as características rurais da comunidade, esbo-
um local que abriga uma paisagem natural
çando apenas uma preocupação com a “de-
relativamente exuberante dentro da cidade
vastação da área”.
de Macapá. Em função de sua preservação
O território quilombola sentiu os efeitos
e de sua localização, próxima ao centro da
da instalação de empreendimentos governa-
cidade, a Ressaca representa, hoje, no mu-
mentais (como a construção da rodovia Duque
nicípio, uma das áreas mais cobiçadas pela
de Caxias e do Complexo Penitenciário) e de
especulação imobiliária com a presença de
empresas diversas, constituição de conjuntos
empresas de prestação de serviços, bairros,
habitacionais e loteamentos, edificações que
conjuntos residenciais e loteamentos instala-
foram redesenhando o território da Ressaca.
dos recentemente, conforme caracterização
Atualmente, a comunidade negra vivencia di-
no item anterior.
versos impactos relacionados às novas dinâ-
As políticas traçadas pelos governos fe-
micas impostas ao seu território, dentre elas
deral, estadual e municipal para a economia
a perda de legitimidade de parte significativa
amapaense, por meio de grandes projetos
de suas terras, aliada à forte antropização da
agro-industriais – desde os anos 1950 – e a re-
área, evidenciando a perda dos recursos natu-
cente implantação da Área de Livre Comércio
rais que, até bem pouco tempo, constituíam a
de Macapá e Santana (ALCMS) foram respon-
base de sua sobrevivência.
sáveis pela atração de um número elevado de
Portanto, essas novas práticas urbanas
pessoas para a região que vieram em busca de
configuradas no espaço da Lagoa dos Índios
uma perspectiva econômica e social (Porto e
vêm motivando situações conflituosas em rela-
Costa, 1999). Isso contribuiu mais ainda para
ção ao modo de vida e de trabalho do segmen-
o crescimento acelerado da cidade, principal-
to quilombola dentro do ecossistema Ressaca.
mente durante as décadas de 1980 e 1990,
Contudo, decorrente do processo de
onde ruas foram abertas sem nenhum crité-
urbanização e especulação imobiliária, a pró-
rio, empresas de diversas naturezas foram
pria comunidade negra foi vendendo seus
270
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
terrenos deixados por herança e titulados pelo
ser avaliada: os agentes agressores do meio
Incra-AP. Esse órgão, em novembro de 2005,
ambiente urbano podem ser tanto agentes es-
fez um levantamento das propriedades com
pecíficos – empresas prestadoras de serviço –
títulos definitivos localizados na área contesta-
quanto agentes difusos – conjunto de proprie-
da. O levantamento destacou que no território
tários de residências, banhistas. Porém, quan-
reivindicado pela comunidade existem, atual-
to aos agentes afetados pela degradação,
mente, vinte posses. Desse número, dez têm
esses são específicos – grupo quilombola em-
recibo de compra e uma está em processo de
pobrecido que sofre os efeitos de forma mais
regularização fundiária tramitando no Incra.
imediata, habitantes do local afetados pela
Os títulos definitivos concedidos pelo Incra-AP
poluição da Lagoa. Por isso, é primordial iden-
aos proprietários, datados entre 1978 e 1999,
tificar a problemática da intermediação de in-
correspondem a um total de 379,6604 hecta-
teresses que envolvem atores plurais e difusos
res. Vale ressaltar que entre proprietários com
nessa questão, inclusive o Estado.
título definitivo estão pessoas descendentes
da comunidade e pessoas que adquiriram terrenos ao comprarem de descendentes de mo-
Descrição dos impactos
radores negros (terras deixadas por herança).
Há, também, terrenos com título definiti-
1) Alterações causadas pelo avanço do espaço
vo que ficam próximos ao território reivindica-
transformado sobre o espaço natural da Ressaca Lagoa dos Índios
A atratividade da Lagoa, por sua beleza
natural e estética, acelerou o processo de crescimento urbano da sua área, com a presença
crescente de novos moradores, o que tem trazido problemas variados. Problemas causados
principalmente pela falta de planejamento institucional para o uso do território da Ressaca.
A ausência de planejamento por parte
dos órgãos responsáveis pelo ordenamento
territorial e urbano, os aqui chamados agentes
político-institucionais, possibilitou o aumento
do número de construções e atividades comerciais no território da Lagoa que, a cada dia, sofre de forma mais contundente com a pressão
antrópica sobre os recursos naturais, alterando
a paisagem local. A Lagoa, há cerca de duas
décadas, era considerada no planejamento do
município como zona rural de Macapá; porém,
com o crescimento populacional da cidade,
do pela comunidade negra, mas que exercem
pressão sobre o ecossistema Ressaca. Os técnicos do Incra localizaram quatro terrenos titulados, entre 1982 e 1984, com extensão variada.
Portanto, os riscos atuais aos quais está
exposta a área da Ressaca Lagoa dos Índios
decorrem principalmente de conflitos em torno da ocupação do território urbano e de seu
planejamento. A preocupação, desse modo, não
recai apenas sobre os aspectos físicos e naturais, mas também sobre a implantação de infraestrutura funcional; a organização socioeconômica e cultural; a preservação do patrimônio
histórico e natural; a melhoria da qualidade de
vida dos moradores. Aspectos que os responsáveis pelo planejamento da cidade e pela sociedade em geral devem considerar.
Observando-se as situações que evidenciam problemas socioambientais na área
da Lagoa, uma questão importante deve
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
hoje, ela se encontra dentro da área urbana na
ambientais, mas, sobretudo, pela quase au-
parte oeste do município. Atualmente, é como
sência de infraestrutura urbana do município
se existisse outra cidade composta pelos con-
que não oferece serviços de saneamento bási-
juntos residenciais, pelos bairros e loteamentos
co para a cidade e, consequentemente, para a
que formam um enorme conglomerado urbano
área estudada.
(Veiga, 2003). Isso significa que a parte oeste
Observa-se que o Instituto de Administra-
da cidade sofreu um forte processo de antro-
ção Penitenciária do Estado do Amapá (Iapen),
pização, passando a crescer, então, para o en-
agente político institucional, segundo nossa ca-
torno da Lagoa, processo que vem deixando
racterização, é um dos maiores poluidores da
visíveis os problemas ambientais na área.
área. O Iapen é responsável pela presença de
A falta de planejamento e de políticas
águas residuais e dejetos humanos que lenta-
públicas urbanas tem possibilitado a autoriza-
mente polui e degrada a área da Lagoa, pois
ção de construções de porte variado, sem levar
a rede de esgoto não é suficiente para atender
em conta as atuais limitações infraestruturais
toda a demanda da penitenciária. O Instituto
da Ressaca. Desse modo, o aumento do núme-
despeja os efluentes líquidos e demais detritos
ro de residências e de atividades na área, e a
sob o solo, que aos poucos se infiltra nos cor-
falta de saneamento básico concorrem para a
pos hídricos.
saturação do ecossistema da Lagoa.
A falta de saneamento básico, responsa-
As empresas pesquisadas foram unâ-
bilidade do poder público e, portanto, a cargo
nimes em afirmar que sempre utilizaram tra-
do agente político institucional; o aumento in-
tamento de esgoto próprio, aprovado pelos
discriminado de construções, provocadas pelas
órgãos ambientais. Já os representantes dos
ações dos agentes econômicos; e a abertura de
conjuntos habitacionais garantiram que têm
ruas e avenidas sem pavimentação têm acen-
lixo coletado pela Prefeitura Municipal de Ma-
tuado o processo de erosão do solo e carrea-
capá (PMM) e água tratada em poço tubular,
mento de sedimentos para o leito dos cursos de
mas não tem tratamento de esgoto.
água da Ressaca.
Quanto aos bairros ou loteamentos mais
Também, contribui para a contaminação
novos localizados do entorno da Lagoa não
e degradação da área a presença de banhis-
possuem coleta de lixo nem tratamento dos
tas e pescadores que jogam diretamente na
resíduos sólidos e líquidos. Assim, percebe-se
Lagoa, entre outras coisas, garrafas de vidro e
que o esgoto proveniente das instalações mais
resíduos sintéticos (plásticos), configurando a
recentes é diretamente lançado in natura no
problemática da ação de agentes sociais. Essa
solo ou dentro da parte alagada da Ressaca. É
poluição é provocada pela atividade constante
visível o descarte dos efluentes líquidos e dos
de pessoas que utilizam ou simplesmente pas-
detritos domésticos dentro dos corpos hídricos
sam pelo local. Um dos lugares mais afetados
do ecossistema, produzidos pela presença de
por essas atividades é a área localizada ao
atividades de órgãos públicos e das habita-
longo da rodovia Duque de Caxias – que atra-
ções. Essa prática está relacionada à falta de
vessa a Ressaca e liga Macapá ao município
monitoramento e fiscalização pelos órgãos
de Santana. Algumas pessoas utilizam a ponte
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
da rodovia, nos dias de semana e, principal-
espaço transformado sobre o espaço natural
mente nos finais de semana, para o lazer e a
fizeram com que o impacto degradante das
pesca. Os resíduos decorrentes destas ativi-
ações humanas afetasse diretamente a Ressa-
dades – garrafas de bebidas alcoólicas, sacos
ca Lagoa dos Índios, deteriorando o ambiente
e garrafas plásticas, além do fogo usado para
urbano nas suas características físicas, naturais
assar o peixe apanhado no local – são deixa-
e socioculturais. Por isso, em relação a esse
dos pelos pescadores e banhistas dentro ou na
aspecto, Oliveira e Hermann (2005) lembram
borda da Lagoa.
que nas cidades a noção de ambiente deve ser
Em decorrência dessas atividades, dois
vista de maneira mais ampla, incorporando
diagnósticos foram realizados na Ressaca
aspectos naturais, infraestruturais e paisagís-
Lagoa dos Índios: um elaborado por Maciel
ticos, indispensáveis ao seu funcionamento co-
(2001), a partir da solicitação da Secretaria de
mo habitat humano.
Meio Ambiente do Estado do Amapá (Sema), e
outro por Takiyma e Silva (2003), por meio do
2) Alterações caracterizadas pela supressão da
Instituto de Estudos e Pesquisa do Estado do
mata ciliar
Com a pressão imobiliária exercida sobre
a Ressaca pelos agentes econômicos locais, a
mata ciliar da Lagoa está quase extinta em boa
parte de sua borda. A instalação da rodovia Duque de Caxias pelos agentes políticos institucionais e as diversas construções provocaram a
retirada da mata ciliar da Ressaca e, como consequência, o deslocamento da fauna, decorrente da extinção de seu habitat e da redução das
áreas de refúgio e alimentação das espécies;
além disso, provocaram erosão e assoreamento
da Lagoa (Takiyama e Silva, 2003).
Dentre as edificações que contribuem para a retirada da mata ciliar está o complexo comercial de propriedade particular (casa noturna
Choperia da Lagoa), o supermercado Y Yamada
e a Faculdade de Macapá FAMA). Todos esses
empreendimentos localizados no espaço do antigo supermercado Casa das Carnes. Esse complexo vem ocupando completamente a borda
da Ressaca, lugar de mata ciliar, no lado direito
da rodovia Duque de Caxias.
Para o complexo comercial, a Sema exigiu em 1997 o Plano de Controle Ambiental
Amapá (Iepa). Os diagnósticos apontaram que
existe um processo de eutrofização artificial da
Lagoa, causado pela intensa ocupação no seu
entorno e pela emissão constante de detritos,
o que tem provocado aumento significativo de
matéria orgânica, facilitando formação de gases venenosos (metano e enxofre), causando a
morte dos peixes e tornando a água proibitiva
ao consumo humano. A imensa sedimentação
na Lagoa provocada pela ação antrópica, pelo
aterramento e pela presença de vegetação macrófita, dificulta a penetração dos raios solares
na água. Devido a esse processo, há quebra da
estabilidade do ecossistema, ocasionando um
desequilíbrio entre a produção da matéria orgânica, o consumo e a deposição de lixos de
toda natureza.
Assim, observa-se que a implosão demográfica dos agentes sociais, a explosão
das atividades socioeconômicas dos agentes
econômicos locais e a negligência e falta da
ação dos agentes político-institucionais têm
transformado os espaços urbanos da Ressaca. As alterações causadas pelo avanço do
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
intitulado “Urbanização da margem adjacente
os interesses do complexo comercial do agente
da Lagoa dos Índios a Casa das Carnes”. O ob-
econômico local e as intervenções dos agentes
jetivo do plano era conter o elevado grau de
político institucionais, em particular da Sema,
degradação ocasionado pela retirada da mata
que, a princípio, deveria proteger a qualidade
ciliar, pelo despejo de lixo e pela ocupação de-
dos recursos ambientais, impedindo dessa for-
sordenada da área. Naquela época, o documen-
ma, a expansão das obras.
to referia-se ao fato de que o Supermercado
Do lado esquerdo da rodovia Duque de
Casa das Carnes estava “implantado e desen-
Caxias (sentido leste-oeste), na margem da
volvendo suas atividades próxima a uma área
Lagoa, existe a empresa revendedora de bebi-
de Ressaca, mesmo sendo considerada área de
da Skol, seguida por várias concessionárias de
Preservação Permanente, mencionada no Art.
veículos, todos agentes econômicos locais, que,
18 da Lei n. 6.938/81” (1997, p. 4). A justifica-
apesar de não serem focos de questionamen-
tiva dessa intervenção era “harmonizar as edi-
tos, também não respeitam os limites para pro-
ficações ali implantadas através de suas áreas
teção da mata ciliar. A revendedora de bebida
de lazer, com contemplação visual que a Lagoa
também já construiu calçada e implantou pro-
oferece, facilitando através de acessos urbani-
jeto de ambientação, ocupando a área reserva-
zados, a aproximação das pessoas com a na-
da para proteção da vegetação. As concessio-
tureza”. O plano evidenciava a implantação de
nárias de veículos têm inclusive um restaurante
uma barreira de contenção que visava conter
para atender aos funcionários nos limites da
futuros processos de erosões naturais, bem co-
área de proteção permanente. É interessante
mo a degradação pela interferência humana, já
verificar, ainda, que ao mesmo tempo em que
que a área ficaria sob vigilância constante dos
há a retirada da mata ciliar ocorre a deposição
órgãos ambientais.
de entulhos e restos de material provenientes
Contudo, o jornal Folha do Amapá (26/8/05)
refere-se às obras de ampliação das instalações
como sendo “um crime ambiental” praticado
contra a Lagoa dos Índios. E acrescenta:
As obras de ampliação [da Fama] estão
invadindo a Lagoa, aterrando aquela área
de Ressaca já tão maltratada pelas mãos,
não de invasores comuns, mas de gente
esclarecida que a princípio teria de dar
em primeiro lugar o exemplo.
No final questiona se esse tipo de obra tem li-
das construções e das atividades executadas
naquele espaço da Lagoa.
O que se verifica, então, é a falta de
atuação eficiente dos agentes político-institucionais e, portanto, o avanço das atividades
dos agentes econômicos locais que transformam o território para suas atividades econômicas, sem considerar os danos ambientais ao
ambiente urbano e as populações que vivem
dos recursos do ecossistema da Lagoa.
3) Modificação do relevo da Lagoa
cença ambiental. E se tem, “é no mínimo estra-
As cavas para extração da argila para
nho que as autoridades ambientais do Estado
produção de tijolos e a disposição inadequada
e do município a tenham liberado”. Com isso,
de rejeito estão modificando o relevo de algu-
confirma-se a questionável convergência entre
mas partes da Lagoa dos Índios. Atualmente,
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
a Lagoa tem sido poluída em decorrência das
4) Destruição do ecossistema Ressaca
atividades das empresas produtoras de tijolos
pelas queimadas
A seca, principalmente no verão, ocasiona focos de queimadas na Ressaca, provocando
a morte de animais e a redução da vegetação
na área. A Associação de Mulheres Negras da
Comunicada Lagoa dos Índios (AMNCLI) vem
afirmando que desconhecem a origem dos incêndios que ocorrem na Ressaca e que as queimadas constantes trazem perdas para a comunidade, principalmente porque elas estão relacionadas diretamente com a extinção da fauna
aquática (peixe, tartaruga, etc.). É interessante
ressaltar que a pesca é uma das poucas atividades ainda existentes na comunidade.
Para o Corpo de Bombeiros do Amapá
(CBA), as queimadas na Lagoa dos Índios ocorrem geralmente no verão, quando a temperatura está muito elevada. O CBA aponta que os
motivos para o início de uma queimada podem
estar associados ao ciclista que passa na rua
e joga uma “bituca” de cigarro na vegetação
seca; ao morador que pesca e faz fogo nas
margens da lagoa para assar o peixe – algo
comum na área – deixando vestígios de fogo,
muitas vezes potencializado pelo vento constante no local; ou, também, pela existência de
garrafas de vidro que entram em contato com
o sol intenso, sofrendo processo de combustão
no local.
A forma de controle do fogo, em geral, é
feita com abafadores, mas quando não é possível sua utilização, os bombeiros recorrem à
água, método antigo e pouco econômico. Também, algumas vezes, o CBA utiliza o método
dos aceiros nos incêndios de grande proporção.
Contudo, apesar da ação de fiscalização e monitoramento da área os órgãos ambientais não
e telhas (olarias) e das atividades realizadas
por barcos e voadeiras de pequeno porte, que
transportam os mais variados produtos e materiais, ao longo dos canais que se ligam ao Igarapé da Fortaleza.
Como consequência desse impacto, os
sedimentos finos (argila, silte e areia fina) são
transportados para os corpos hídricos locais,
ocorrendo o assoreamento da Lagoa e alterando a morfologia das drenagens. O assoreamento altera também a qualidade das águas
(sólidos em suspensão) e a vazão em determinada época do ano (período seco ou chuvoso),
interferindo na vida das espécies da flora e da
fauna aquáticas (Takiyama e Silva, 2003) e,
consequentemente, das atividades de pesca da
comunidade quilombola.
Dessa forma, as empresas – agentes
econômicos locais – que extraem material, recursos naturais de dentro da lagoa, produzem
um dano ambiental muito grave, às vezes irreversível, com essas atividades. No entanto,
apesar dos agentes sociais da região terem
tentado negociar medidas compensatórias e
reparadoras para evitar a degradação da Lagoa pelas atividades econômicas, as empresas
não têm tido sensibilidade para tais negociações, conforme relato do presidente da ONG,
Amigos em Ação. Mais uma vez, a falta de
ação e a negligência dos agentes político-institucionais e das ações dos agentes econômicos
locais parecem caminhar juntas, produzindo
como resultado a degradação da Lagoa e a diminuição do bem-estar e das possibilidades de
reprodução social dos agentes sociais que dela
e nela vivem.
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
têm conseguido evitar as constantes queima-
condicionada pelas ações de bens comuns,
das no local.
também no âmbito local. Assim, os agentes so-
A respeito das queimadas, os gestores
ciais são constituídos pelo grupo que se formou
da Sema afirmam que o fogo é provocado pela
a partir das práticas sociais e da construção de
pesca e consumo de lazer que deixa resquícios.
uma identidade que faz referência a sentimen-
Outra causa apontada é a queima do lixo dos
tos de pertencimento do lugar, a um estilo de
moradores do entorno que não verificam a ex-
vida diferenciado daquele imposto pela lógica
tinção total do fogo após a queima. Em geral,
de mercado – o caso do grupo quilombola.
constata-se que são os agentes sociais os mais
Cabe acrescentar nessa caracterização os
responsáveis pelas queimadas e os seus impac-
agentes político-institucionais. Esses agentes
tos na Lagoa.
são aqueles constituídos pelo poder público e
por suas instituições que, por ação, omissão ou
negligência, impõem ou desencadeiam um uso
Considerações sobre os agentes
do território a partir do modo como estabelecem suas políticas, sendo considerados, portan-
Em decorrência dos impactos ocorridos na La-
to, também como produtores de espaço.
goa dos Índios, observaram-se três tipos de
Por meio do trabalho de campo, da ob-
agentes presentes no plano local: econômicos,
servação participativa no local e de conversas
sociais e político-institucionais.
informais com moradores e representantes das
Seguindo Costa e Braga (2004), os agen-
instituições pesquisadas, os agentes apontados
tes econômicos são aqueles constituídos por
pela pesquisa foram identificados. A análise
um agrupamento de setores empresariais, com
dos seus papéis na região permitiu fazer al-
interesses comuns, cujas atividades econômi-
gumas inferências sobre suas ações e sua im-
cas estão condicionadas pelas ações de regu-
portância no desencadeamento da degradação
lamentação e provisão de condições gerais de
ambiental e dos conflitos da Ressaca Lagoa
produção no âmbito local. Os agentes econô-
dos Índios, expostos a seguir.
micos locais são, portanto, as empresas que
dependem diretamente das regulamentações
1) Agentes políticos institucionais: o poder
feitas pelo governo, como é o caso das em-
público
O Estado é considerado pela literatura
sobre conflitos socioambientais como aquele
que tem maior peso nas ações que envolvem
os interesses dos diferentes agentes em âmbito
local. Enquanto produtor de espaço, o Estado
é visto como um dos elementos centrais para
a definição do valor de uma localidade. Contudo, conforme Penna (2003, p. 57) deve-se levar
em consideração uma interpretação do sentido
da produção social do espaço que ultrapasse
presas prestadoras de serviços e de produção,
das incorporadoras imobiliárias e do setor de
diversão pública. Inclui-se dentre esses agentes
econômicos, as empresas cuja instalação ou
ampliação estão sujeitas a restrições impostas
pela lei de uso e ocupação do solo.
Ainda segundo os autores supracitados, agente social é aquele agrupamento de
instituições e/ou grupo social com interesses
comuns, cuja atividade de reprodução está
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
“uma análise simplesmente política do papel
não responde pela ocupação do solo nem pelo
do Estado na reprodução e na crise da cidade
saneamento. Já o órgão responsável pelo uso
para compreender a produção das relações so-
e ocupação do solo não responde pelas áreas
ciais a partir da sua própria ação”.
verdes. Assim, também, ocorre com os órgãos
Assim, em função de reverter tendên-
responsáveis pela demarcação das terras qui-
cias de ocupações, de gerar novas perspec-
lombolas, o Ministério de Desenvolvimento
tivas de uso, de mobilizar áreas por meio de
Agrário (MDA), o Incra e a Fundação Cultural
seu tombamento, de instalar grandes equipa-
Palmares (FCP) que não dialogam com os res-
mentos e de criar infraestrutura, o Estado é o
ponsáveis pelas demais questões que envol-
principal agente na valoração e na valoriza-
vem a comunidade negra.
ção do espaço.
No caso do estado do Amapá, existe a Se-
Considerando-se as questões descritas
cretaria Extraordinária dos Afro-Descendentes
anteriormente, com relação ao papel dos agen-
do Amapá (Seafro) que mantém parceria com a
tes político-institucionais, o poder público, nos
FCP e a Secretaria Especial de Políticas de Pro-
conflitos ambientais, se define a partir da ten-
moção da Igualdade Racial (Seppir) que atua
são entre desempenhar um papel de mediação
em parceria como o MDA. A Seafro não recebe
do conflito ou definir-se como parte interessada
financiamento do governo do Amapá para suas
nele (Sabatini, apud Costa e Braga, 2004). No
funções, e fica, dessa maneira, mais vinculada
âmbito local, as instituições públicas são extre-
aos órgãos federais, o que dificulta suas funções
mamente vulneráveis às pressões de agentes
administrativas, processuais e de execução.
econômicos, como foi confirmado no local de
Ademais, cabe chamar atenção para o
estudo. As políticas habitacionais tendem, por-
fato de que, nos níveis municipal, estadual e
tanto, a abrir obras de infraestrutura urbana
federal de governo, a cargo da Secretaria de
para novas localizações para o mercado imobi-
Meio Ambiente e Turismo (Semat), Sema-AP,
liário que sustenta a especulação, relegando os
e o Ministério do Meio Ambiente (MMA),
moradores a uma invisibilidade expropriadora.
respectivamente, a política ambiental está
Além disso, na esfera pública local ocorrem as
desvinculada das demais políticas públicas e
disputas de interesses específicos existentes
das políticas econômicas, pois ela não é con-
entre os diversos setores do poder, no que se
siderada nem uma política social, nem uma
refere aos objetivos das políticas ambientais
política de desenvolvimento. Da mesma forma,
urbanas. Essas disputas provocam conflitos en-
a responsabilidade dos órgãos ambientais se
tre poderes quanto às políticas ambientais, ou
restringe à gestão dos espaços verdes urbanos
pela ausência delas.
e a fiscalização das fontes fixas de poluição.
Há, constantemente, uma fragmentação
Costa e Braga (2004) afirmam que a forma de
político-administrativa da questão urbano-
considerar as questões voltadas para a políti-
-ambiental, pois as políticas são implantadas
ca ambiental não tem possibilitado que essa
de forma setorizada havendo pouco diálo-
política esteja vinculada a questões como sa-
go entre os diversos órgãos governamentais.
neamento, sistema de transporte e regulação
Desse modo, quem cuida da questão ambiental
do uso e ocupação do solo, pois são questões
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
que, no mais, ficam a cargo de órgãos não
integrados, dotados de lógicas distintas e
atuação pontual.
2) Agentes econômicos locais
Conforme Santos e Silveira (2001), as
grandes empresas organizam suas atividades
Há, também, contradição entre os obje-
criando circuitos espaciais de produção. Para
tivos e as diretrizes voltadas para as políticas
funcionar, elas devem regular seus processos
urbanas, muito frequente entre as ações do
produtivos – hoje dispersos no território nacio-
executivo, legislativo e judiciário e os órgãos
nal –, sua circulação e sua contabilidade. Isso
executores. Existem casos em que o legislativo
significa, de um lado, a existência de impera-
elabora e aprova uma determinada lei, mas os
tivos microeconômicos, internos à firma, capa-
órgãos do governo não se encontram prepara-
zes de vincular, por exemplo, áreas de cultivo
dos técnica ou financeiramente para executá-la.
e lugares de elaboração dos seus produtos e
Outra questão que envolve o poder
das embalagens necessárias, e, de outro, a exis-
público é o distanciamento entre as políticas
tência de imperativos macroeconômicos, como
propostas e a realidade dos processos de pro-
sua participação mais ou menos explícita na
dução do espaço urbano. É o caso da política
fixação de tarifas de serviços e insumos. Esses
de uso e ocupação do solo e de proteção de
imperativos supõem a permanente negociação
áreas verdes. Muitas vezes, essa política fica
da empresa com o poder público e com outras
meramente no plano discursivo – é o caso da
empresas, para redefinir seu comportamento
Lei 0455/1999 sobre as Ressacas – e do Pla-
político e os setores e lugares que lhe interes-
no Diretor da cidade de Macapá, concebidos
sam. É desse modo que se definem e redefinem
a partir de uma lógica normativa distante dos
as localizações, as topologias de empresas.
rumos já tomados pela produção do espaço
As empresas privadas – concessionárias
urbano, no qual o aparato regulatório rígido
de veículos, revendedora de bebida e par-
contrapõe-se à realidade de produção do es-
te do complexo empresarial de propriedade
paço mais flexível.
particular (FAMA e Supermercado) –, entendi-
No próprio poder público ocorrem con-
das aqui como todas as empresas que prestam
flitos, como aqueles entre a agência ambien-
serviços, direta ou indiretamente na área e ca-
tal e os órgãos do poder local, responsáveis
racterizadas como agente econômicos locais,
pela realização de obras públicas. As obras
vêm sendo alvo de críticas no tocante às res-
do Instituto Penitenciário são emblemáticas
ponsabilidades na Lagoa dos Índios.
nesse caso. A própria administração municipal
Os impactos negativos ao meio ambiente
provoca impacto sobre o meio ambiente, com
e à comunidade são comumente atribuídos a
obras de canalização de rios, implantação de
essas empresas. Interessadas nos lucros ime-
aterros sanitários e depósitos de resíduos. Há,
diatos, com avidez pelo solo urbano para am-
também, a ausência de continuidade admi-
pliação de seus empreendimentos e até para
nistrativa, o que emperra as negociações dos
a especulação imobiliária, usam os recursos
problemas ambientais, feitas de forma lenta e
naturais e produzem lixo, poluição, dejetos des-
por etapas de longo prazo.
pejados no meio em detrimento da melhoria da
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
qualidade de vida da população local e da me-
entendimento dessas responsabilidades, con-
lhoria do ambiente. Dessa forma, as empresas
forme preveem os órgãos do estado.
privadas aparecem no território como agentes
produtores de impactos ambientais negativos
ao invés de potenciais parceiros locais no desenvolvimento da área.
3) Agentes sociais
A comunidade local, aqui representada
por duas associações, é importante protago-
Os próprios órgãos estaduais e muni-
nista na situação ambiental da Ressaca. Como
cipais explicitam que não existem iniciativas
agente social, não constitui um bloco monolí-
dessas empresas para a minimização dos im-
tico de interesses, estruturando-se em grupos
pactos ambientais, produzidos por resíduos
diferenciados e particulares. Portanto, não se
sólidos e líquidos, nem se percebem trabalhos
trata de um único grupo de agentes sociais e,
educativos junto aos clientes, nem códigos de
também, não existem bases consensuais, no
conduta, que mostrem que as mesmas podem
que se refere a seus anseios e desejos, diante
regulamentar seus próprios comportamentos,
do destino da comunidade.
afastando assim a necessidade de interven-
As duas associações representantes dos
ção governamental. Assim, muitas críticas são
remanescentes de quilombo existentes na La-
feitas à ausência de ações e à falta de respon-
goa dos Índios diferenciam-se pelo papel que
sabilidade desses agentes. A questão está no
vêm desempenhando junto aos moradores e
fato de, na maioria das vezes, as empresas não
pelos projetos requeridos para a comunida-
estarem preocupadas nem com o meio ambien-
de. Nesse sentido, pode-se dizer que há dois
te – sustentáculo de seus investimentos –, nem
grupos de interesses: os da Associação de
com a socialização dos benefícios gerados por
Moradores da Comunidade Lagoa dos Índios
elas junto à comunidade.
(AMCLI), com cerca de 300 moradores asso-
Estariam sob responsabilidade dessas
ciados, e da Associação de Mulheres Negras
empresas: a implantação de técnicas para auxi-
da Lagoa dos Índios (AMNCLI), com 376 mu-
liar o uso, de forma sustentável, dos solos, das
lheres associadas.
águas e das florestas; a redução do lixo e da
A disputa de poder entre as associações
destinação final adequada do mesmo; o uso de
tem emperrado, em alguns momentos, o pro-
forma adequada da energia; a proteção à co-
cesso de decisão sobre as demandas da comu-
munidade quanto ao seu patrimônio cultural e
nidade. Assim, elas, muitas vezes têm tido o pa-
a projetos sociais; o respeito à herança cultural
pel de meras consultoras de políticas públicas,
da comunidade local, o investimento na con-
muitas vezes já preestabelecidas pelo poder
servação e recuperação de patrimônios natu-
público. Isso ocasiona a falta de participação
rais degradados e a minimização de impactos
da comunidade em todas as etapas de plane-
gerados pelo uso de materiais biodegradáveis.
jamento para a gestão ambiental e do território
As responsabilidades das empresas, co-
e das ações empreendidas pelos atores pre-
mo atores sociais, no desenvolvimento de ati-
sentes na área. Além disso, essas associações
vidades em escala local são, em tese, muitas,
não têm cumprindo o papel de vencer etapas
mas o desafio atual está em aproximá-las do
como: elaboração de inventários dos recursos
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
naturais; estudos de potencialidades da área; e
identificação daquilo que é considerado como
Critérios de definição e tipologia
dos conflitos ambientais
herança numa comunidade, patrimônios que
possam permanecer para as gerações futuras
Por meio de documentos coletados e do re-
(inclusive o cultural).
ferencial teórico baseado em Little (2001) e
A visível instalação de empreendimentos
Acselrad (2004), buscou-se evidenciar dois
comerciais e imobiliários tem se constituído em
critérios de análise, de acordo com as novas
um dos principais problemas para as famílias
dinâmicas socioespaciais e ecológicas presen-
da Lagoa dos Índios. O frenético crescimento
tes na Lagoa dos Índios e a constituição e/ou
urbano-industrial na região comprime o terri-
participação dos agentes no local: os usos do
tório quilombola, e calcula-se que nos últimos
território e as representações ou as visões de
vinte anos a comunidade perdeu aproximada-
mundo e/ou significados dados a ele.
mente 10 mil hectares de terras para empresas
e demais empreendimentos comerciais.
Os usos do território referem-se à forma como são apropriados, modificados e/ou
construídos os objetos (Santos, 1994) presentes nele pelas práticas sociais específicas dos
Conflitos ambientais
no território da Ressaca
Lagoa dos Índios
No espaço da Lagoa dos Índios, os agentes político-institucionais, econômicos locais e sociais
estão dotados de possibilidades diferenciadas
para fazer significar suas ações e suas respectivas visões de mundo. Assim, na busca de formas de apropriação e uso do território e dos
agentes. Acselrad (2004) afirma que há uma interface entre mundo social e sua base material.
Assim, aquilo que as sociedades fazem com
seu meio material
[...] não se resume a satisfazer carências
e superar restrições materiais, mas consiste também em projetar no mundo diferentes significados – construir paisagens,
democratizar ou segregar espaços, padronizar ou diversificar territórios sociais,
etc. (p. 15)
seus recursos, esses agentes enfrentam-se no
terreno, medindo forças entre a imposição de
É nesse sentido, então, que é importante
novas condicionalidades econômicas e ambien-
salientar também a dimensão das representa-
tais e a manutenção de atividades tradicionais.
ções ou visões de mundo, já que incide direta-
Considerando-se essa questão, foram definidos
mente na forma como o território é usado pe-
alguns conflitos socioambientais representati-
los agentes. A variedade de visões de mundo
vos na área.
ou representações compõe diversos usos que
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013
Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
se materializam no território da Lagoa e, por-
de titulação, não reconhecia o território negro,
tanto, define formatos de relações com a natu-
e que, por isso viabilizou, no passado, a conces-
reza ou com o ambiente construído.
são de uso da terra a proprietários não perten-
De acordo com a definição dos dois cri-
centes ao grupo negro.
térios acima, apresenta-se uma tipologia dos
As ações da Seafro são feitas em par-
conflitos ambientais baseados nas informações
ceria com a FCP, a Seppir e o Incra. A Seafro
coletadas para o estudo.
apóia o processo de titulação e a elaboração
de projetos baseados na “sustentabilidade”
1) Conflito pela definição político-institucional
econômica (artesanato e criação de peixe) co-
do território
Este conflito é provocado por interesses
divergentes entre os órgãos responsáveis pela demarcação do território como patrimônio
cultural (FCP, Seppir, Incra e Seafro) e órgãos
ambientais que demarcam o território como
área de preservação permanente (Sema e
Iepa). As posições divergentes quanto à definição do território proporcionam uma fragmentação político-administrativa em torno de
seu uso.
A FCP, a Seppir e o Incra realizam estudos para viabilizar o processo de demarcação
e titulação das terras da comunidade negra.
As ações dessas instituições voltam-se, principalmente, para: realização do Diagnóstico
Socioeconômico da Comunidade Quilombola;
elaboração e manutenção de projetos econômicos, objetivando o estudo dos aspectos da
situação fundiária da área ocupada tanto pela
comunidade como por outros agentes; além de
avaliar o processo de urbanização e especulação imobiliária exercida na comunidade Lagoa
dos Índios. Esses órgãos têm como prioridade
a titulação do território da comunidade como
área remanescente de quilombo.
O Incra enfrenta dificuldades na empreitada a que está designado – demarcar e
titular a área da comunidade – por falha da
própria instituição que, até o início do processo
mo forma de reverter o quadro de quase mi-
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 265-288, jan/jun 2013
séria que a comunidade enfrenta. Essas instituições significam o território como espaço de
reprodução cultural.
A Sema, considerando a urbanização
desordenada da área, traçou um diagnóstico
para recuperação, preservação e uso sustentado da Ressaca (Maciel, 2001). Diagnóstico
elaborado após a aprovação da Lei 455, de 22
de julho de 1999, que dispõe sobre a delimitação e o tombamento das áreas de Ressacas
como patrimônio natural. Contudo, em tal
diagnóstico não consta referências à comunidade negra, pois ele tem a finalidade, tão
somente, de evidenciar a necessidade de preservação do local pelo seu valor paisagístico
e como forma de encaminhar propostas para
proteger o meio ambiente.
O Iepa, em parceria com a Sema lançou,
em 2003, o “Diagnóstico das Ressacas do Estado do Amapá: Bacias do Igarapé da Fortaleza
e Rio Curiaú”. O objetivo desse diagnóstico foi
pesquisar os problemas sociais e ambientais,
que direta ou indiretamente estão relacionados
ao modelo de ocupação da Ressaca e, sobretudo, proporcionar “ações públicas integradas”
dentro de uma gestão ambiental planejada
(Takiyma e Silva, 2003). Contudo, não consta
nenhuma informação sobre o território da comunidade negra.
281
Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
A Sema e o Iepa trabalham com a visão
interesses divergentes entre a AMNCLI e AMCLI
de que a Ressaca é patrimônio natural, desco-
por terem divergentes visões sobre o regime de
nhecendo ou ignorando a possibilidade da co-
propriedade do território.
munidade negra guardar tradições fundadas na
Primeiramente, o conflito instaurado
ancestralidade. Por isso eles viabilizam ações e
entre as duas entidades baseou-se no discurso
projetos que, de certo modo, passam desperce-
da legitimidade de quem poderia movimentar o
bidos pela comunidade, pois não a estimulam
processo de demarcação e titulação das terras
para o diálogo.
da comunidade. Como decorrência, observou-
O conflito pela definição político-insti-
se que existem dois processos encaminhados
tucional do território coloca a Seppir, a Seafro
ao Incra, desde 2002: o processo encaminhado
e o Incra como responsáveis pela garantia do
pela AMNCLI (nº 01420.000072/2002-49)
direito étnico e pela demarcação e titulação do
e processo em tramitação na Procuradoria
território remanescente de quilombo e a Sema,
da República no Estado do Amapá e na
ao lado do Iepa, como responsáveis pela po-
Procuradoria Geral da República em Brasília
lítica ambiental e pelos estudos, com espaços
(nº 1.1200000025/2003-98).
de interferência delimitados e com critérios de
A AMNCLI, a partir de orientações da
competências diferentes. A posição de cada
FCP, organizou e encaminhou a documentação
segmento, de certa forma, freia o processo de
exigida para o processo de Identificação, Reco-
demarcação do território quilombola e inviabi-
nhecimento, Delimitação e Titulação das Terras
liza a definição dos limites da área da Ressaca.
Ocupadas em Território Quilombola da Comuni-
Processo que corrobora para o avanço da espe-
dade Lagoa dos Índios. Dessa forma, a AMNCLI
culação imobiliária e da degradação da Lagoa.
reivindicou sua legitimidade para movimentar
Isso demonstra na prática um descompasso
o processo de demarcação e para dialogar com:
entre as ações do próprio Estado nos níveis es-
grupos e entidades do movimento negro; ór-
tadual e federal e na forma e desconhecimento
gãos públicos (FCP, Incra, Sema, Seafro, Seppir);
da ação de ambos.
empresas (em especial aquelas instaladas ao
Dessa forma, trata-se de uma divergência quanto aos usos do território que implica
longo da rodovia Duque de Caxias) e com proprietários de terrenos dentro da comunidade.
diferentes critérios de demarcação. Abrange
Contudo, a AMCLI não se sente represen-
também divergências quanto às representa-
tada e não concorda com as ações da Associa-
ções e significados dados ao território, que são
ção de Mulheres Negras. Esse conflito coloca
diferentes para os agentes político-institucio-
em antagonismos os presidentes das duas as-
nais envolvidos.
sociações, dividindo os moradores sobre qual
associação tem legitimidades para encaminhar
2) Conflito pelo regime de propriedade
o processo de demarcação das terras da comu-
do território
Na Comunidade Lagoa dos Índios, percebe-se o conflito relacionado à disputa de poder, provocado pelas desconfianças e defesa de
nidade. Isso contribui para acirrar “diferenças”,
282
tensões e conflitos que atravessam o grupo.
Percebe-se que as posições antagônicas das
duas associações estabelecem claramente a
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
disputa pelo poder dentro da comunidade, di-
aumento de atividades modernizantes no local
vidindo os moradores.
por parte de agentes econômicos.
Há interesses divergentes entre os dois
As contradições entre as atividades das
grupos, com claras diferenças sobre o regime
empresas, dos conjuntos residenciais e as prá-
de propriedade desejado no território: os que
ticas tradicionais da comunidade negra, no en-
querem o uso comunal e os que preferem uma
tanto, têm sua face mais expressiva quando se
forma de propriedade individual. A disputa de
trata da degradação da Lagoa, principalmente
poder é para efetivar uma dessas alternativas
na área reservada para proteção da mata ciliar
que vai incidir na organização territorial do gru-
e disponível para pesca; e a deposição de lixo
po, nas suas práticas socioterritoriais e na pos-
(residual), aterramento e erosão, visíveis a par-
sibilidade de acesso e uso dos recursos naturais.
tir das práticas cotidianas. A forma de utiliza-
O efeito da disputa de poder tem refle-
ção dos recursos na Lagoa dos Índios obedece
xo direto nos mecanismos de alianças entre
à lógica de valorização do capital, refletindo-se
a AMNCLI e AMCLI e, de certa forma, gera
sobre a qualidade de vida do grupo quilombo-
fissuras internas, assim como quebra de soli-
la, retificando e reproduzindo desigualdades,
dariedade e mobilização da comunidade para
conflitos e contradições. Os empreendimentos
reverter o quadro adverso em que está inseri-
empresariais e mobiliários investem em lucros
da, influenciando a falta de desenvolvimento
imediatos, porém, despreocupam-se com a
local e a resolução dos conflitos no território
possibilidade de gerar recursos duradouros por
da comunidade.
meio da valorização do enorme potencial am-
Evidencia-se que o conflito diz respeito
a diferentes visões do uso do território, uma
biental e cultural da área, além de não gerar
emprego e renda para a comunidade local.
vez que existe uma estratégia coletivista e ou-
As empresas subtraíram espaços que
tra mais individualista. Cada uma tem impli-
eram de domínio comunitário há mais de dois
cações quanto à maneira como se organiza a
séculos, introduzindo mudanças nos padrões,
comunidade em termos materiais e repercute
práticas e estratégias de sobrevivência tradicio-
na construção simbólica das práticas sociais a
nais e estabeleceram como alternativa a venda
serem reproduzidas, já que se trata da forma
de terrenos para terceiros, na perspectiva da
como se representa e materializa a vida social
especulação imobiliária.
no território.
Assim, o conflito é pelas divergentes
formas de apropriação do território e uso dos
3) Conflito pela ocupação do território
seus recursos, entre os agentes econômicos e
O conflito é produto da ocupação das
sociais. A comunidade vê seus espaços reduzi-
áreas pertencentes aos remanescentes de qui-
dos e substituídos por espaços privados, e os
lombo; por invasão da área de matas ciliares
investidores a consideram um “obstáculo” a
da Ressaca (cuja vegetação serve de refúgio
ser removido, mas a comunidade se nega ao
para a biodiversidade e compõe a cadeia tró-
deslocamento pelas pressões da ocupação de
fica da região), pelas constantes queimadas e
seu território reafirmando sua identidade qui-
destruição do espaço pelas edificações e pelo
lombola e redefinindo a relação que institui
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
com o local. A dimensão simbólica da luta fica
mercado exerce sua hegemonia sem ser sub-
evidente nos diferentes sentidos atribuídos ao
metida ao controle público. Com isso ocorreu
objeto dessa disputa de hegemonia – o territó-
um agravamento da desigualdade na provisão
rio da Ressaca – e explicitados pelos agentes.
de moradias e na distribuição territorial de
Para as empresas, a Lagoa dos Índios é espaço
equipamentos e serviços. Na Lagoa, a exclu-
de empreendimento, e o debate sobre seu uso
são da comunidade negra é visível pela falta
envolve “problemas de custo”. Diferente dessa,
de acesso a serviços urbanos e sociais básicos
é a visão de mundo construída pelos morado-
como saneamento e saúde. Essa questão de-
res remanescentes de quilombos. Na luta sim-
monstra que existe uma tensão entre a garan-
bólica pela legitimidade da posse do território,
tia de acesso aos recursos do local e os objeti-
os moradores (re)criam o mundo (e as relações)
vos econômicos privados.
e conferem uma nova dimensão (e qualidade) à
A falta de gestão territorial provocou um
disputa pela forma socialmente reconhecida (e
intenso processo de especulação imobiliária
aceita) de apropriação da Lagoa. Para a comu-
desde o início dos anos 80 do século XX e favo-
nidade, a Lagoa é parte componente da própria
receu as ações dos agentes econômicos locais
identidade cultural, associada à sua forma de
(o capital privado) que expropriaram gradativa-
vida. Assim, qualquer percepção diferente des-
mente a comunidade negra das suas terras e
sa desqualifica sua significação original e des-
instalaram novos empreendimentos e conjun-
loca o sentido histórico que tem a Lagoa para
tos habitacionais.
essa população.
A polêmica que se estabelece sobre o
processo de expansão urbana e o impacto
4) Conflito pelas falhas na gestão territorial
dos agentes político-institucionais
Esse tipo de conflito é motivado pela ausência de planejamento por parte dos órgãos
responsáveis pelo ordenamento territorial e pela fiscalização e monitoramento ambiental. As
ações de órgãos como a prefeitura são quase
ausentes, tanto para a comunidade negra como
para a população de seu entorno.
A falta de planejamento institucional
e de políticas urbanas para o território da
Ressaca, pelo órgão municipal, possibilitou o
aumento do número de construções e atividades comerciais, isso contribuiu para fragilizar
o ambiente.
Nas políticas urbanas voltadas para a
Ressaca, o balanço entre o uso público e o privado pende para o lado privado, e a lógica de
284
ambiental causado a Lagoa suscitam duas lógicas opostas: uma instrumentalizada pelos
empreendimentos com aquiescência dos órgãos ambientais e, a outra, a lógica da vivência cotidiana da comunidade que presencia a
invasão de seu território e os danos constantes
provocados pela poluição da área, inclusive depósito de esgoto doméstico e das empresas e
de órgãos do Estado.
5) Conflito por divergências entre os agentes
político-institucionais e sociais
Esse conflito ocorre em torno da disputa
pela legitimidade de intervenção no território
da Ressaca, provocado pelos interesses divergentes entre sociedade civil e poder público. A
ONG “Amigos em Ação”, considera-se uma força capaz de contribuir para o aperfeiçoamento
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
da democracia relacionada com as ações rea-
dos costumes e tradições da comunidade. Con-
lizadas na Ressaca e para o atendimento real
tudo, o presidente não refere à forma como
dos anseios da comunidade, apontando a gran-
conciliar interesses tão divergentes quanto ao
de dificuldade que o Estado tem para cumprir
uso do território.
seu papel naquele espaço. A ONG coloca-se
Os conflitos tipificados, portanto, apon-
como a entidade que tem possibilidade de dis-
tam para os embates entre diversos agentes
cutir abertamente as questões socioambientais
dotados de possibilidades diferenciadas para
da Ressaca, seja com o poder público, seja com
fazer valer suas respectivas visões de mundo e
o setor econômico ou com a comunidade.
práticas materiais decorrentes, que definem os
É nesse sentido que o órgão ambienta-
usos que efetivamente se fazem do território.
lista se posiciona, ao procurar mobilizar a sociedade civil, diante dos órgãos do governo e
empresas em torno da necessidade de discutir,
Considerações finais
de forma mais sistemática, os problemas verificados na Ressaca. Nesse sentido, a ONG tem
A ocupação da área da Ressaca Lagoa dos Ín-
se articulado com órgãos do governo municipal
dios, pelo menos há 20 anos, tem-se tornado
(Semat) e com empresas (Fama), mas ressente-
um problema crítico para a comunidade negra
-se pela falta de um diálogo mais profundo
ali residente, pois os danos não são apenas
com o Estado para reverter o quadro apresen-
ambientais, mas também culturais. Os novos
tado pelas ações de diversos agentes causa-
agentes presentes na área da Ressaca trazem
dores de danos ambientais. A ONG defende a
consigo os vetores da chamada modernidade
legitimidade de uma intervenção, com base na
que, pela sua intensidade, causam transpo-
ideia de preservação do patrimônio natural, em
sições e deslocamentos culturais e materiais,
nome da conservação do lugar, da preservação
bem como conflitos sobre o uso e acesso aos
de espécies ameaçadas, no âmbito de um pro-
recursos naturais. Portanto, a imposição de es-
cesso de gestão.
tratégias territoriais, visíveis a partir dos vários
A ONG coloca-se, também, como o único
problemas socioambientais enfrentados, tem
ator que combate qualquer tipo de atividade de
constituído uma grande ameaça para a área da
degradação na área. Por isso, o presidente da
Ressaca e para a continuidade da comunidade
ONG estabelece a caracterização de cada gru-
negra no seu território.
po envolvido na discussão sobre a legitimidade
Atualmente, essas questões têm sido
ou não das práticas efetivadas na Lagoa, colo-
motivo de debate entre diversos agentes: de
cando no centro da polêmica as visões sobre o
um lado, órgãos governamentais, responsá-
uso e significados do território, da seguinte for-
veis pela preservação ambiental e cultural da
ma: local de beleza cênica que ajuda a garantir
área da comunidade negra (agentes político-
a realização dos empreendimentos dos agentes
-institucionais); de outro, ONG’s e a própria
econômicos do capital privado; local de apre-
comunidade (agentes sociais) e os agentes
ciação estética e de qualidade de vida para os
econômicos, com seus empreendimentos
conjuntos habitacionais; e local de preservação
e negócios, assim como os especuladores
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Gloria Maria Vargas e Cecília Maria Chaves Brito Bastos
imobiliários. Essa classificação possibilita
de apropriação dos recursos e, portanto, de uso
identificar as ações e as visões de mundo que
do território. Contudo, é interessante frisar que
giram em torno dos elementos que constituem
os grupos possuem formas de ação diferentes e
a disputa pela mesma base territorial dos re-
que cada um procura utilizar a seu favor os ele-
cursos (Acselrad, 2004).
mentos materiais e simbólicos à sua disposição,
Dessa forma, o conflito ambiental urbano
de acordo com o lugar que ocupam no espaço
expresso a partir das ações apresentadas pelos
dessas relações. Só que as assimetrias de poder
diferentes agentes presentes na área da Lagoa
e os interesses conjunturais determinam o ru-
expõe uma dada compreensão do mundo. Per-
mo e, até, o desfecho das ações que, dessa ma-
cebem-se nitidamente diferenças de poder no
neira, favorecem os agentes mais poderosos.
interior do campo em que estão inseridos. Na
Portanto, considera-se que as políticas públicas
luta em torno do território da Lagoa, cada gru-
urbanas e ambientais e os agentes institucio-
po tenta impor sua visão de mundo procurando
nais devem assumir posições menos omissas e
legitimar suas representações da realidade, pa-
mais justas para com os agentes sociais com
ra assim garantir a continuidade da sua forma
direitos legítimos sobre esses territórios.
Gloria Maria Vargas
Doutora em Geografia, Professora Adjunta da Universidade de Brasília. Brasília/DF, Brasil.
[email protected]
Cecília Maria Chaves Brito Bastos
Formada em História, mestre em Desenvolvimento Sustentável, professora da Universidade Federal
do Amapá. Macapá/AP, Brasil
[email protected]
Notas
(1) Denominação regional para ecossistema pico das zonas costeiras nos municípios de Macapá
e Santana. É uma bacia natural de acumulação hídrica para onde se des nam as drenagens
pluviais; dominada pela vegetação de buritizais e pela floresta de várzea ao logo do curso
d’água; serve como corredor natural de vento e influencia o microclima da cidade (Takiyama e
Silva, 2003).
(2) Esta Carta encontra-se nos autos do processo nº 54350.000348/2004-98, no INCRA/AP, que prevê
a “Iden ficação, Reconhecimento, Delimitação, Demarcação e Titulação de Terras Ocupadas”.
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Conflitos ambientais urbanos e processos de urbanização...
(3) O acesso à área da comunidade é feito pela rodovia Duque de Caxias (km 9 da AP 20), próximo
ao Ins tuto Penitenciário do Amapá (Iapen), na altura do km 4. Nesse local inicia-se o ramal do
Goiabal, como é popularmente conhecido pelos moradores.
(4) Conforme Penna (2003), a ação presente, os interesses, a cobiça e mesmo as representações
atribuídas a essa parte do território têm relação com o valor dado ao que está ali presente.
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Texto recebido em 30/ago/2012
Texto aprovado em 8/out/2012
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Recuperação socioambiental de fundos
de vale urbanos na cidade de São Paulo,
entre transformações e permanências
The socio-environmental recovery of urban valley bottoms
in the city of São Paulo, between transformation and permanence
Luciana Travassos
Sandra Irene Momm Schult
Resumo
O artigo trata da falta de integração das políticas
públicas de urbanização de fundos de vale na cidade de São Paulo, com foco na implantação de parques lineares e de infraestrutura de saneamento e
na urbanização de favelas. Mostra como a evolução nas práticas dos órgãos envolvidos não é suficiente para dar respostas adequadas às questões
socioambientais ensejadas pelo tratamento dessas
áreas e como permanece um descompasso entre o
discurso e as práticas no tratamento das questões
urbano-ambientais, principalmente pela falta de
coordenação intersetorial e territorial. Permanecem, então, intervenções incompletas e desiguais:
o saneamento fica restrito às áreas consolidadas,
resta um passivo socioambiental na urbanização
de favelas, enquanto a criação de áreas verdes
intraurbanas segue desconsiderando as duas primeiras questões.
Abstract
The article deals with the lack of integration
among the public policies concerning valley bottom
urbanization in the city of São Paulo, focusing on
the implementation of linear parks and sanitation
infrastructure, and also on slum urbanization.
It shows that the progress in the practices of
the agencies involved is not sufficient to give
adequate answers to the socio-environmental
issues that emerge with the treatment of these
areas, and that a gap remains between discourse
and practice in addressing urban-environmental
issues, mainly due to the lack of intersectoral and
territorial coordination. Therefore, interventions are
incomplete and unequal: sanitation is restricted to
consolidated areas, socio-environmental liabilities
remain in slum urbanization, and the establishment
of intra-urban green areas continues to disregard
the first two questions.
Palavras-chave: fundos de vale; política ambiental;
política urbana; integração de políticas; São Paulo.
Keywords: valley bottoms; environmental policy;
urban policy; policy integration; São Paulo.
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Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Introdução
formais que surgem frequentemente de mudanças políticas que concorrem com outros interesses da organização (Mitchell, 1990 apud
A importância das questões relacionadas ao
Moss, 2004).
meio ambiente global, em especial a agen-
Em uma visão integrada, é reconhecido
da climática, tem demandado dos estados
que a efetiva proteção, por exemplo, dos recur-
nacionais políticas objetivando o alcance de
sos hídricos, não depende exclusivamente de
metas acordadas interna e externamente. O
instituições de gestão da água. Os aspectos de
atendimento de metas, tais como a redução
qualidade e quantidade da água são afetados
de emissões e das vulnerabilidades, exige, de
por um amplo espectro de atividades humanas,
outra parte, dos governos locais, o estabeleci-
cada uma delas estruturada em seus próprios
mento de ações intersetoriais e interescalares
arranjos institucionais. Dentre as diversas inte-
articulando diferentes instrumentos de planeja-
rações, um dos problemas é o frequente vácuo
mento e gestão em um contexto de crescente
entre a gestão da água e o planejamento do
governança urbana ambiental.
uso e ocupação do solo (Newson, 1997; Moss,
Termos como gestão integrada (Godard,
2004), representado pela inexistência de víncu-
1997) e integração de políticas ambientais
lo formal entre as políticas de água – que têm
(Jordan e Lenschow, 2010) têm sido objeto
a bacia hidrográfica como unidade de planeja-
de discussão nas áreas de governança e ges-
mento – e as de ordenamento territorial – que
tão ambiental como uma necessária evolução
têm o município como lócus.
dos processos de gestão de recursos naturais
Elmore (1985, apud Moss, 2004) tam-
e de recursos comuns. Abordagens como o
bém observa que existe uma tendência para
cross-scale institutional linkages são entendidas como necessárias para atingir condições
de sustentabilidade entre sistemas sociais e
ecológicos (Berkes, 2002; Cash et al., 2006;
Young, 2002).
O desafio da interação institucional parte da ideia básica de que a “eficácia” de instituições específicas depende não apenas de
sua própria feição, mas também da interação
com outras instituições. No entanto, a interação institucional apresenta limites. Os limites
não se vinculam somente aos territórios físicos, mas sim às responsabilidades políticas e
esferas sociais de influência. Avançar sobre
esses limites, onde a jurisdição e o interesse
de atores organizados se sobrepõem, pressupõe a existência de conflitos entre instituições
políticas e programas se acumularem em torno
290
de alguns problemas, gerando assim trabalho
extraordinário. Isso é certamente verdade na
arena ambiental em que, nos últimos 25 anos,
existe uma concentração no desenvolvimento
de uma sofisticada estrutura institucional para gerenciar problemas ambientais, definindo
programas no nível federal, estadual, regional
e local (Moss, 2004).
No Brasil, a partir da década de 1980,
diversas políticas são propostas com o objetivo de gerenciar de forma participativa e
descentralizada os recursos naturais e o território. Essa é a essência da Política Nacional
do Meio Ambiente que criou o Sisnama – Sistema Nacional de Meio Ambiente (Lei Federal
6.938/81) articulando órgãos e funções nos
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Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
níveis federal, estadual e municipal, e crian-
e da qualidade de vida urbana. Compõem tais
do a figura dos Conselhos de Meio Ambiente,
espaços várias categorias de áreas verdes, que
estâncias participativas e deliberativas nesses
em conjunto conformam o que vem sendo
três níveis. Dentre os instrumentos da PNMA
designado por infraestrutura verde. Eminente-
está a criação de espaços territorialmente pro-
mente multifuncional, a infraestrutura verde
tegidos, que encontra replicabilidade e con-
deve contribuir para a manutenção e criação
sonância nas políticas florestais (Código Flo-
de valores sociais, ambientais e econômicos e
restal, Sistema Nacional de Unidades de Con-
para a minoração dos riscos relacionados à vul-
servação e Lei da Mata Atlântica), na Política
nerabilidade física nas cidades.
Nacional de Recursos Hídricos e no Estatuto
Nas cidades brasileiras, uma parcela im-
da Cidade (Plano Diretor, zoneamento terri-
portante dessa infraestrutura hoje se encon-
torial) entre outras. Tais instrumentos devem
tra nos fundos de vale, ao longo dos cursos
ter como premissa a proteção e o controle da
d’água, que se tornaram locais-chave para a
ocupação de áreas frágeis e vulneráveis, tanto
implementação de uma série de intervenções
do ponto de vista do equilíbrio do ecossistema
públicas: para a continuidade de sistemas de
como da ocupação humana.
esgoto, para reurbanizar os assentamentos
Cada política, naquilo que lhe compete,
precários, que em grande parte aí se localizam,
define estruturas administrativas, produz nor-
para proteger as áreas urbanas dos proces-
mas e resoluções, permite e estimula a criação
sos de inundação e para a implementação de
de programas e projetos, e, principalmente,
áreas verdes públicas.
estabelece instrumentos de gestão e gerencia-
No caso da cidade de São Paulo, a falta
mento. Porém, a articulação entre essas políti-
de integração das políticas públicas relaciona-
cas e esses instrumentos não é uma realidade,
das à urbanização de fundos de vale, com foco
gerando em grande parte a sobreposição e o
na implantação de parques lineares e de infra-
conflito de ações. Para Almeida (2007), existem
estrutura de saneamento e na urbanização de
obstáculos na implementação dos instrumen-
favelas; mostra como a evolução nas práticas
tos, desde aqueles do ponto de vista da escas-
de cada um dos órgãos envolvidos ainda não
sez dos recursos públicos (humanos, materiais
é suficiente para dar respostas adequadas às
e financeiros), assim como algumas legislações
questões socioambientais ensejadas pelo tra-
específicas são genéricas ou restritivas de for-
tamento dessas áreas, principalmente por sua
ma a não compatibilizar sua aplicabilidade e
falta de coordenação intersetorial e territorial.
interação institucional.
Desde o final do século XVIII, em São
Ganham importância, nesse contexto,
Paulo, rios e córregos foram objeto de inter-
as abordagens do planejamento territorial que
venções de saneamento, geração de energia
visam o ganho de quantidade e de qualidade
e drenagem. A partir da década de 1970, po-
dos espaços protegidos em áreas urbanas. Tal
rém, começam a se configurar, de forma mais
iniciativa incorpora metas que alcançam ações
abrangente, os problemas sociais e ambientais
no âmbito da política das águas, do clima, de
das várzeas em conflito com a urbanização,
recuperação e proteção dos recursos naturais
pela crescente ocupação dessas áreas por
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Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
assentamentos habitacionais de baixa renda,
Mesmo condicionantes territoriais legais diver-
pela multiplicação de áreas de inundação e de
sas influenciam pouco no desenho final dos
suas consequências e pela generalização da ca-
projetos urbanos.
nalização de córregos e construção de avenidas
Diante desse quadro das práticas de ges-
de fundo de vale como modelo hegemônico de
tão do ambiente urbano, complexificado pelas
intervenção urbanística. Além disso, a pequena
demandas da construção de um espaço mais
abrangência dos sistemas coletores e de trata-
resiliente, e considerando a intersetoraliedade
mento de efluentes, comum às áreas urbanas
e a governança urbana, discute-se o caso da
brasileiras, originou uma imagem negativa de
recuperação socioambiental de fundos de va-
rios e córregos e, consequentemente, das áreas
le urbanos na cidade de São Paulo. Para tanto,
lindeiras aos mesmos.
abordam-se a evolução das políticas de urbani-
Tanto na gestão pública, como no meio
acadêmico, a questão afeta a forma que ga-
zação de fundos de vale e o desafio da integração de planos e programas.
nhava a urbanificação de fundos de vale que
não apresentava crítica relevante, situação
que se altera a partir de meados da década de
1990, mas principalmente no começo do século
XXI. A atuação do Ministério Público ensejan-
Politicas de urbanização
de fundos de vale
do a aplicação das regras do Código Florestal
às áreas urbanas e também um aumento ex-
A primeira década do século XXI viu alterações
pressivo nos debates acerca das questões am-
significativas nas políticas de drenagem urbana
bientais em meio urbano, na mídia e no meio
e urbanificação de fundos de vale em São Paulo.
acadêmico, têm como consequência a dissemi-
Em termos de drenagem, após 100 anos
nação de novas práticas de urbanificação de
de programas que visavam o aumento da con-
fundos de vale.
dutividade hidráulica, ou a expulsão rápida das
No entanto, tais práticas ainda apre-
águas precipitadas em meio urbano para ju-
sentam inadequações urbanas, ambientais e
sante, começou-se a pensar em diversas alter-
sociais. A falta de interlocução entre os diver-
nativas de reservação dessas águas, a partir
sos órgãos públicos envolvidos com a questão
da constatação que as intervenções anteriores
redundam frequentemente em intervenções
não foram efetivas na minoração dos riscos e
incompletas: parques lineares com rio poluído,
prejuízos das inundações em meio urbano e
urbanização de favelas em áreas de risco de
seus impactos eram muito grandes nos cursos
enchente, remoção de população sem oferta de
d’água à jusante. Assim, passou-se da ideia
moradias, entre outros. Desde a remoção com-
de retificar e canalizar cursos-d’água, com o
pleta de moradias localizadas nas áreas lindei-
objetivo de expulsar rapidamente toda a água
ras aos cursos d’água até sua manutenção em
precipitada, para a elaboração de formas de re-
faixas muito próximas dos mesmos, os critérios
tardamento dessa água.
técnicos, principalmente aqueles relativos à
Reservar água, entretanto, significou,
geomorfologia e à hidrologia importam pouco.
principalmente, a construção de reservatórios,
292
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Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
e, no entanto, mesmo essas medidas não têm
aplicado. A segunda é tratar a questão com
sido – e nem serão – suficientes para eliminar
realismo: não é possível eliminar por completo
as inundações,
o risco de extravasamento dos corpos-d’água.
it must be borne in mind that river
channelization and reservoir construction
may eliminate small or medium-sized
flood events but cannot always hold back
large floods. (EEA, 2001, p. 20)
Essa premissa gera a terceira: transparência, ou
seja, é preciso esclarecer para as comunidades
os riscos que continuam presentes em cada
medida tomada para mitigar inundações. Por
último, mas não menos importante, é preciso
considerar a questão ambiental relacionada às
Em outras cidades do mundo, algumas
inundações, que nos ambientes naturais possui
décadas depois do início da construção de re-
a função de renovação do substrato, ao carrear
servatórios para reter águas de chuva, tornou-
mais sedimentos que a vazão de períodos nor-
-se cada vez mais evidente a necessidade de
mais. Nesse sentido, muitas das ações em curso
criar outros mecanismos para a proteção da vi-
nas áreas urbanas têm como objetivo “dar es-
da e do patrimônio urbano. Warner (2008) de-
paço para o rio respirar” (EEA, 2001, p. 78, tra-
monstrou como as enchentes são os desastres
dução e grifo nosso).
mais comuns e devastadores e como os proble-
Tais mecanismos estão expressos nos
mas gerados após um evento expõem a falta
planos de prevenção ao risco em diversos paí-
de um planejamento do uso e da ocupação do
ses europeus, como na França, cujo primeiro
solo, o despreparo das autoridades e a falta de
plano dessa natureza se iniciou em 1994, na
um ethos de prevenção na sociedade. Assim, de
bacia do Rio do Loire, Plan Loire Grandeur
uma forma geral, os planos passaram a consi-
Nature (WWF, Loire Vivant, 1994; http://www.
derar uma série de atividades: o mapeamento
inondation-loire.fr/, acessado em 2010).
de áreas de risco de inundação, a proibição de
Vários Estados-Membros da União Eu-
novas construções nessas áreas e a retirada de
ropeia apresentam planos próprios de gestão
estruturas existentes, a instalação e melhoria
e mitigação de riscos de inundação. Porém,
de sistemas de previsão e alerta de inunda-
as inundações do final da década de 1990 e,
ção, a restauração dos rios e a manutenção de
principalmente, as inundações de 2002, nas
barragens, entre outros. A implantação dessas
bacias dos Rios Elba e Danúbio, que provo-
ações implicou também a criação de institui-
caram cerca de 700 vítimas e exigiram que
ções e linhas de financiamento, também desti-
aproximadamente 25 bilhões de euros fossem
nadas à prestação de socorro e às indenizações
pagos em seguros, tornaram premente uma
(EEA, 2001).
tomada de ação coordenada entre os países.
Em termos de políticas públicas, surgem
Entre os resultados, foi elaborado um manual
premissas importantes para a drenagem urba-
de boas práticas e também aprovada uma di-
na. A primeira é a necessidade de coordenação
retriz europeia específica para gerir e atenuar
dos diversos órgãos envolvidos com o tema,
as inundações.
a fim de que suas ações sejam integradas e
A Diretiva 2007/60/CE, relativa à ava-
que um rol amplo de tipos de intervenção seja
liação e gestão dos riscos de inundação,
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
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Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
reconhece a inevitabilidade das inundações e
eventos extremos em unidades tais como áreas
o papel do uso do solo e das mudanças climá-
costeiras e bacias hidrográficas, porém não
ticas no acirramento de seu impacto negativo
são levados em consideração pelo município
e a necessidade de tratar as inundações no
quando do processo de tomada de decisão na
âmbito da bacia hidrográfica como um todo. A
gestão do solo urbano. Tal disfunção decisional
diretiva dá aos Estados-Membros a responsa-
impacta o ambiente natural urbano, com a sim-
bilidade pela elaboração dos planos de gestão
plificação e a inadequação da escala de traba-
dos riscos de inundação, colocando algumas
lho adotada, bem como pela não observação
diretrizes metodológicas, como a necessidade
de determinadas exigências metodológicas,
de mapeamento de áreas inundáveis, e con-
tais como: 1) adaptação dos usos às potenciali-
ceituais, como “dar mais espaço aos rios” por
dades locais, 2) melhor gestão das obras e dos
meio da manutenção e recuperação das planí-
espaços existentes, não apenas sob um ponto
cies aluviais, sempre que possível, bem como a
de vista técnico (artificialização), mas também
adoção de medidas de proteção às pessoas e
sob um ponto de vista organizacional e regula-
ao patrimônio.
mentar; 3) representação, diagnóstico e avalia-
No caso brasileiro, os planos diretores
ção dos projetos locais a partir de um sistema
das cidades, com base no Estatuto da Cidade,
mais amplo (bacia hidrográfica) sobre o qual
preveem instrumentos para enfrentar esses
pesam as consequências da tomada de deci-
desafios como a criação de zonas de interesse
são, mas também no qual pode se situar a fon-
social e áreas protegidas, transferência do di-
te do problema local e sua solução (Agences de
reito de construir, entre outros. Porém, a reali-
L’eau, 1999).
dade da aplicação de tais instrumentos esbarra
No começo de 2010, o município de Belo
em interesses de grupos econômicos e políticos
Horizonte, apoiado em sua Carta de Inunda-
que têm influência na aprovação e deliberações
ções – instrumento do Plano de Recuperação
de ações municipais, mesmo as de base técni-
Ambiental de Belo Horizonte –, tomou algumas
ca (Almeida, 2007). Alia-se às dificuldades de
ações nesse sentido: criou Núcleos de Alerta de
implementação das políticas urbanas na ges-
Chuvas e implantou placas de aviso em áreas
tão do uso do solo, a setorialidade na aplica-
inundáveis, que somam 82 “manchas de inun-
ção das políticas ambientais com repercussão
dação” (Cobrape, 2010). As cartas de inunda-
no planejamento do território. Instrumentos
ção estão disponíveis no Portal da Prefeitura
das políticas ambientais, como o zoneamento
(http://www.pbh.gov.br).
ecológico-econômico ou ambiental e o plano
O plano de drenagem de Belo Horizonte
de bacia hidrográfica ou de recursos hídricos,
se insere no projeto Switch – Managing Water
não constituem, de fato, macrodiretrizes para o
for the City of the Future, projeto coordenado pela United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization, Unesco, e mantido
pela Comunidade Europeia em seu Sexto Programa Estrutural. Reúne uma rede de pesquisadores, planejadores e consultores, visando à
ordenamento da ocupação e uso do solo urbano (Steinberger, 2006; Schult et al., 2009).
Os instrumentos citados permitem identificar áreas vulneráveis e estratégias para
prevenção, mitigação e adaptação diante de
294
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
cooperação técnica, de pesquisa e ação, para
verdes públicos, consubstanciados naquilo que
inovação em gestão e manejo das águas em
a literatura chama de caminhos verdes, origi-
diversas cidades do mundo, com condições
nalmente greenways, atende adequadamente a
diferentes de desenvolvimento e de questões
essa dupla função.
a serem tratadas.1 As questões relacionadas à
O planejamento de espaços abertos
drenagem urbana e risco de inundações são
apresenta uma rica bibliografia conceitual e
consideradas em Birmingham, Hamburgo e
empírica sobre os caminhos verdes. Apesar da
Belo Horizonte (http://www.switchurbanwater.
manutenção do termo historicamente cons-
eu/, acesso em dezembro de 2009).
truí do, recentemente o conceito evoluiu da
De forma geral, é possível concluir que as
ideia de caminhos verdes para a de corredores
mudanças conceituais na forma de lidar com as
verdes e, mais recentemente ainda, passando a
inundações têm redundado em novas políticas
integrar uma nova categoria: a infraestrutura
de gestão desses eventos. As ações de planeja-
verde. No Brasil, usualmente dá-se o nome de
mento territorial e intervenção contemporâneas
parques lineares às áreas verdes lindeiras aos
recaem principalmente em planejamento do
rios ou a outras estruturas lineares nos espaços
uso do solo, com remoção paulatina da popu-
urbanos, ou corredores ecológicos, quando no
lação que vive em áreas inundáveis e em políti-
âmbito regional e fora de malhas urbanas.
cas de “dar espaço para o rio”, protagonizadas
Ahern (1995) conceitua os caminhos ver-
pelo poder público, como na parcela holandesa
des como redes de terrenos que contêm ele-
do Rio Reno (Netherlands Water Partnership,
mentos planejados, desenhados e geridos para
2010), o Projeto “Make room for the river”,
múltiplos objetivos, inclusos aí o ecológico, o
também na Holanda (fonte: Room for the river,
recreacional, o cultural, o estético, entre outros.
http://www.topos.de/, acesso em dez de 2009),
Segundo Searns (1995), a palavra “caminho”
ou pela comunidade e outros tipos de institui-
indica movimento – de água, de pessoas, de
ções, como as discussões em curso na bacia
animais, de sementes – o que distingue esses
do Danúbio, encabeçadas pela World Wildlife
espaços livres de outros na cidade, sugerin-
Foundation, WWF (Beckmann, 2006).
do uma vocação de suporte a deslocamentos.
Frischenbruder e Pellegrino (2006) consideram
que, por vincular o desenho ou o projeto urbano
Criação de áreas verdes urbanas
ao longo dos cursos de água
como estratégia multifuncional
à ecologia, os caminhos verdes podem contribuir eficazmente para a construção de cidades
onde se viva melhor, possibilitando o contato
entre a população e a natureza e fazendo uma
ponte entre os processos sociais e naturais.
Nas áreas urbanas, a política de criar espaço
O avanço conceitual e metodológico
para o rio tem como uma de suas principais
no planejamento de caminhos verdes se deu
estratégias a criação de áreas que atendam às
com sua vinculação à infraestrutura verde co-
demandas sociais, mas que possam conviver
mo um de seus componentes, no final da dé-
com cheias periódicas. A criação de espaços
cada de 1990, o que deu ainda mais ênfase
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
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Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
na utilização da Ecologia da Paisagem como
metodologia para a análise do território e a
proposição de projetos. Benedict e McMahon
(2002) definem infraestrutura verde como uma
Políticas de recuperação
socioambiental de fundo
de vale em São Paulo
rede de áreas verdes que conservam os valores
e funções dos ecossistemas, trazendo benefí-
Em meados da década de 2000, começaram a
cios para a sociedade. O foco na conservação
ser idealizadas novas políticas públicas que tra-
em consonância com o planejamento territo-
tam as várzeas e rios urbanos no Município de
rial e de infraestrutura é, segundo os autores,
São Paulo, cujo pano de fundo é formado pelo
a diferença entre planejar utilizando o conceito
Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2002, bem
de infraestrutura verde e o tradicional planeja-
como os Planos Regionais Estratégicos de 2004.
mento de áreas verdes.
As águas superficiais ganharam um
Nas cidades, a infraestrutura verde tem
status importante no PDE; nesse, a rede de
como objetivo organizar o espaço urbano para
águas superficiais foi considerada como um
que esse dê suporte a diversas funções ecoló-
dos quatro elementos estruturadores do terri-
gicas e culturais. Embora os aspectos bióticos
tório municipal e recebeu a denominação Rede
e abióticos predominem nas funções buscadas
Hídrica Estrutural. 2 Essa rede é composta pe-
por meio da introdução da infraestrutura ver-
los rios, córregos e talvegues,3 e ao longo dela
de, ela também deve ser vista como uma es-
devem ser propostas intervenções urbanas de
tratégia para que objetivos sociais e culturais
recuperação ambiental, drenagem, recompo-
sejam alcançados (Ahern, 2007). Dessa forma,
sição da vegetação e saneamento. Para tanto,
a infraestrutura verde é composta por uma sé-
o PDE instituiu o Programa de Recuperação
rie de elementos, em ecossistemas naturais ou
Ambiental de Cursos de Água e Fundos de Va-
restaurados, que conformam nós e conexões,
le, que deveria compreender um conjunto de
criando uma estrutura para o desenvolvimento
ações coordenadas pela Secretaria Municipal
territorial (Benedict e McMahon, 2002).
de Planejamento (Sempla), pela Secretaria
Finalmente, a implantação da infraestru-
Municipal do Meio Ambiente (SMMA) e pela
tura verde, principalmente dos corredores ver-
Secretaria Municipal de Habitação (Sehab)
des e parques lineares, pode ser considerada
com a participação da sociedade e o apoio da
como política pública adequada para o trata-
iniciativa privada.4
mento de fundos de vale urbanos, uma vez que
A implementação desse programa teria
atende aos objetivos de drenagem detalhados
como objetivo promover progressivamente a
acima. No entanto, no contexto das cidades
implantação dos parques lineares e dos cami-
brasileiras, a questão se torna complexa, prin-
nhos verdes, de modo a aumentar a permeabi-
cipalmente pelo padrão e forma que se deu à
lidade nas várzeas, a ampliar as áreas de lazer,
urbanização dessas áreas.
a integrar as áreas de vegetação significativa
296
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Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
e de interesse paisagístico, a ampliar e arti-
A manutenção dos fundos de vale livres de
cular os espaços públicos (preferencialmente
ocupação densa e preferencialmente como
os arborizados) de circulação e bem-estar dos
parques urbanos atende ambos os objetivos;
pedestres e construir pistas de caminhada e
portanto, a inclusão dos parques lineares idea-
corrida ao longo dos vales. Por fim, implantar
lizados no PDE e nos PREs é uma tática impor-
sistemas de retenção de águas pluviais, quando
tante para o programa.
necessário. O programa também pretendia re-
Para a consecução de suas metas, o pro-
cuperar áreas degradadas, promover o reassen-
grama estabelece algumas regiões para concen-
tamento da população que vive às margens de
trar ações: a borda da Cantareira, área limite de
rios e córregos, melhorar o sistema viário local,
expansão da mancha urbana ao norte, a área
promover ações de saneamento ambiental e
de proteção aos mananciais sul, nas bacias das
localizar os equipamentos sociais nas proximi-
represas Billings e Guarapiranga, e nas nascen-
dades dos parques. O programa não foi criado;
tes do rio Aricanduva, ao leste. As intervenções
se houvesse sido, o conjunto das ações previs-
do programa nessas regiões devem se dar a
tas no plano, se coordenadas, caracterizar-se-ia
partir de três critérios: a identificação de proje-
como um verdadeiro projeto urbano ambiental,
tos de parques lineares, a identificação de im-
podendo avançar na solução da desarticulação
portantes áreas de produção de água para os
entre as ações setoriais.
mananciais e a criação de um sistema de áreas
A partir dos parques definidos no Plano
verdes que possibilite a consolidação de cor-
Diretor Estratégico e nos Planos Regionais Es-
redores ecológicos (Devecchi, 2008). Por outro
tratégicos, e na ausência de um programa que
lado, a secretaria atende às subprefeituras que
congregasse os diversos órgãos do poder pú-
demandam a construção de parques lineares
blico, a Secretaria do Verde e do Meio Ambien-
em seus territórios.
te, por sua atribuição setorial, tinha em suas
A análise do universo dos primeiros par-
mãos um plano ambicioso do ponto de vista
ques lineares em projeto ou em construção
da quantidade de parques que lá estavam gra-
atualmente, no entanto, não evidencia o crité-
vados. Cabia a esse órgão, então, estabelecer
rio realmente utilizado para sua escolha. É pos-
critérios para implantar um número expressivo
sível perceber, no entanto, que a recuperação
de intervenções que integravam a Política Am-
de áreas públicas, um dos parâmetros do pro-
biental do município.
grama “100 Parques para São Paulo”, é uma
A secretaria criou, então, o Progra-
questão importante na escolha dos perímetros
ma “100 Parques para São Paulo”. Segundo
que vêm se efetivando como parques. A quase
Devecchi (2008), a estratégia adotada foi a de
totalidade das áreas inseridas nesses é de pro-
criar um banco de terras público, adequado à
priedade do poder público, o que elimina um
prestação de serviços ambientais, e construir
grande entrave à consecução dos parques: a
um plano de adaptação às mudanças climá-
desapropriação de terras. Resta, no entanto, a
ticas globais, ainda que não tenham sido de-
questão da remoção e realocação dos domicí-
talhados, a priori, os parâmetros para tanto.
lios que se localizam nessas áreas.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
297
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Não há, na seleção dos perímetros, parâmetros relacionados às áreas de maior risco à
inundação, mesmo porque o município ainda
não conta com um plano de drenagem, nem
foram levantadas as manchas de inundação,
a despeito dos inúmeros problemas que vive
o município no manejo de suas águas superficiais. O plano de drenagem que está em elaboração atualmente considera somente uma
parcela do território municipal, seis sub-bacias.
O Plano Municipal de Habitação (São
articular as ações de diferentes programas habitacionais para integrar a urbanização e regularização de assentamentos
precários ao saneamento de bacias hidrográficas, visando sua recuperação ambiental, contribuindo para a recuperação
de toda a Bacia do Alto Tietê;
• estimular a diversidade de soluções e
a adequação dos projetos aos condicionantes do meio físico, visando a melhoria
da qualidade paisagística e ambiental do
empreendimento habitacional. (São Paulo
(Município), Sehab, 2009a, p. 10)
•
Paulo (Município), Sehab, 2009a) – cuja elaboração foi uma exigência do PDE – coloca
Um dos principais instrumentos para
para a política habitacional cinco princípios
subsidiar as ações da secretaria na consecução
fundamentais: moradia digna, justiça social,
do Plano Municipal de Habitação é o Sistema
sustentabilidade ambiental como direito à ci-
de Priorização de Intervenções, uma vez que a
dade, gestão democrática e gestão eficiente
distância entre a demanda por regularização e
dos recursos públicos. A moradia digna está
atendimento habitacional e os recursos dispo-
relacionada tanto com as questões fundiárias
níveis para tanto no âmbito do município, exi-
e edilícias do domicílio quanto com o contexto
gem que se procedam escolhas sobre em quais
urbano e de infraestrutura, que precisa atender
áreas intervir.
às demandas, o que se vincula imediatamente
Um primeiro parâmetro da classifica-
com a questão da justiça social, a ideia de que
ção estabelece a possibilidade de atuação na
a propriedade e a cidade devem cumprir sua
própria área, ou seja, se os assentamentos,
função social. A sustentabilidade ambiental é
loteamentos ou favelas são passíveis de urba-
entendida como a garantia do direito à cidade,
nização, ainda que parcialmente, ou se devem
que suscita a integração entre a política habi-
ser removidos. A partir daí, a classificação se
tacional e aquelas de desenvolvimento social e
dá por critérios de precariedade, e as ações,
econômico, mobilidade, saneamento e preser-
por tipo de intervenção: remoção, urbaniza-
vação ambiental. A gestão democrática reúne
ção, regularização fundiária e regularização
as estratégias para garantia do controle social
registrária. As variáveis utilizadas para medir
da política, enquanto a gestão dos recursos vi-
a precariedade são agregadas em três grandes
sa universalizar o atendimento às famílias de
dimensões: infraestrutura, risco de solapamen-
renda até seis salários mínimos.Tais premissas
to ou escorregamento e saúde – que se agrupa
levam a um rol bastante amplo de diretrizes,
com uma quarta dimensão, o Índice Paulista
dentre as quais se destacam, aqui:
de Vulnerabilidade Social. A partir desses cri-
articular as políticas municipais de desenvolvimento urbano, de promoção social
e de recuperação e preservação ambiental;
•
298
térios, estabelecem-se aqueles núcleos mais
precários onde devem prioritariamente ocorrer
as intervenções.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
Um avanço da metodologia de prioriza-
de favelas em muitos casos tem significado a
ção é seu agrupamento por bacias hidrográ-
criação de um novo passivo, que precisará ser
ficas dos afluentes do Rio Tietê, ou por suas
novamente objeto de políticas públicas futura-
sub-bacias. A ideia então é requalificar todo o
mente. Tal prática cada vez mais suportada
território dessas bacias a partir do trabalho em
pela flexibilização do Código Florestal em
seus assentamentos precários. Assim, a priori-
áreas urbanas, notadamente pela Lei Federal
zação por bacia ou sub-bacia leva em conta a
n. 11.977, de 2009, que instituiu o Minha Casa
relação entre a área ocupada em determinada
Minha Vida, que serve agora como modelo pa-
bacia por assentamentos precários e a priori-
ra a revisão desse Código.
dade de intervenção expressa no índice. Com
Com relação ao saneamento, o Progra-
a aplicação desse procedimento, as bacias em
ma Córrego Limpo, um acordo entre a Prefeitu-
pior situação socioambiental serão as primeiras
ra Municipal de São Paulo e a Sabesp foi criado
focadas pelos trabalhos de urbanização.
em 2007 com o objetivo de, por meio de ações
Do universo de 1.637 favelas no muni-
integradas nas bacias hidrográficas, sanear 300
cípio de São Paulo, há 569 que se encontram
córregos no município. A primeira etapa do
total ou parcialmente sobre áreas de várzea
programa, que terminou em 2009, abrangeu 42
ou sobre o leito de rios, somando aproximada-
córregos, e a segunda etapa, 58. As interven-
mente 224 mil domicílios. Dessas, 40 se encon-
ções programadas são executadas pela Sabesp
tram totalmente sobre essas áreas, com quase
e pelos diversos órgãos da prefeitura muni-
13 mil domicílios e, de acordo com os critérios
cipal. As ações a cargo da empresa estadual
da Sehab, elas não são urbanizáveis (São Paulo
são relacionadas à eliminação das ligações
(Município), Sehab, 2009b). Dentre as restan-
clandestinas ou inadequadas, manutenção das
tes, há somente duas que não podem ser urba-
redes, elaboração de projetos, licenciamento e
nizadas, e as demais são passíveis de reurbani-
execução de ligações, coletores e estações ele-
zação, ainda que sofram algumas remoções de
vatórias, monitoramento da qualidade da água
áreas de risco ou para desadensamento.
e informação ambiental à população local. As
5
Com o imenso e crescente contingente
ações municipais são de limpeza de margens e
de assentamentos precários em fundo de vale,
leitos de córrego, manutenção da rede pluvial,
os programas de urbanização de favelas têm
contenção de margens e remoção de popula-
se pautado pela manutenção dos assentamen-
ção das áreas ribeirinhas por onde deve passar
tos, por meio da implantação de infraestrutura,
a infraestrutura, reurbanização de favelas, im-
evitando ao máximo as remoções, o que, em
plementação de parques lineares, sempre que
determinados casos, pode representar a manu-
possível, e notificação de proprietários para
tenção de uma situação de risco, em locais vul-
que regularizem suas conexões (www.corrego-
neráveis à inundação. Ou seja, a urbanização
limpo.com.br, acessado em janeiro de 2009).
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
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Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
Figura 1 – Urbanização de favela no Recanto do Paraíso,
Zona Norte do município de São Paulo
Fonte: Foto de Luciana Travassos (2009).
300
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
A meta referencial para os rios é a rela-
os trabalhos pudessem ser realizados em curto
tiva à classe 3 da Resolução 357 do Conama,
prazo (dois anos). Além disso, estabeleceu-se
uma água que possa ser convertida em potá-
que seriam priorizados os córregos a céu aber-
vel a partir de um tratamento convencional ou
to e que os trabalhos seriam feitos de forma
avançado, o que exige bastante controle da
integrada entre os dois órgãos, em suas atribui-
recepção de efluentes no corpo d’água. Esse
ções. No entanto, ao observar o rol de ações a
padrão possibilita também a recreação secun-
cargo de cada instituição, fica patente a impos-
dária, a irrigação e a pesca, uma vez que exi-
sibilidade de cumprimento de todas as ações
ge a ausência de substâncias tóxicas na água
no horizonte de dois anos, principalmente ao
(São Paulo (Estado), Sabesp, São Paulo (Mu-
se levar em conta a questão habitacional, uma
nicípio), 2007).
vez que as remoções e reurbanizações dificil-
O Programa Córrego Limpo parte de uma
mente acontecem de forma adequada em um
constatação inicial de que, mesmo em bacias
curto horizonte de tempo. O critério tempo
onde foi completada a rede de esgotamento
restringe também a consecução de ações às
sanitário, permaneceu algum nível de poluição
bacias localizadas nas áreas mais consolidadas
nos rios, pelo lançamento clandestino de es-
do município, onde boa parte das questões de
goto, pela disposição inadequada de resíduos
saneamento já se encontra resolvida.
sólidos, pela falta de manutenção da rede de
Nesse contexto, os córregos em que não
coleta ou por descontinuidades temporárias na
seria viável a implementação das obras no pe-
mesma, em razão da execução de obras. Assim,
ríodo estimado foram substituídos por outros,
ao lado das obras estruturais, devem ser consi-
o que possibilitou que, conforme publicado pe-
deradas as ações operacionais, como elimina-
lo Programa, ao final do primeiro período, 42
ção de conexões clandestinas, manutenção e
córregos tivessem sido limpos, ao menos em
programas de educação ambiental, ações que,
algum trecho. No final de 2011, era anunciada
pela sua natureza, são ainda mais efetivas se
a conclusão das intervenções em 106 córregos
realizadas em parceria com as prefeituras. Uma
do município (www.corregolimpo.com.br, aces-
das maiores dificuldades na consecução do sa-
sado em novembro de 2012).
neamento ambiental, segundo o relatório de
A questão reside no fato que, embora o
apresentação do programa, é a existência de
saneamento ambiental, dado o imenso passivo
ocupações precárias nas áreas de fundo de va-
colocado, seja uma atividade primordial mes-
le, uma vez que, como o afastamento de esgo-
mo nas áreas mais estruturadas, seu potencial
tos é feito por gravidade, nessas áreas devem
de transformação urbana e ambiental é mais
ser implantados os coletores-tronco.
significativo quando colocado em áreas mais
Os critérios de priorização para a escolha
precárias e em conjunto com outras iniciativas,
dos córregos que seriam despoluídos na pri-
sejam elas da prefeitura ou do Estado. Confor-
meira fase do programa foram estabelecidos
me encaminhado, o Programa Córrego Limpo
em diversas reuniões entre a PMSP e a Sabesp.
acaba restrito às suas atribuições setoriais de
Um dos primeiros critérios, e o principal, é que
saneamento ambiental.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
301
Luciana Travassos e Sandra Irene Momm Schult
O desafio da integração
de planos e programas para
recuperação socioambiental
dos fundos de vale
as ações e os recursos alocados dos principais
órgãos vinculados a cada um deles acabem
sendo aplicados a regiões diferentes do território, mantendo o caráter setorial das ações
do poder público. Embora o passivo urbano-ambiental, de ordenação territorial e de sa-
A análise desses planos e programas eviden-
neamento ambiental, bem como a ausência
cia a importância estratégica que os fundos
de áreas verdes públicas por toda a mancha
de vale, rios e várzeas adquiriram para a solu-
urbana, pudesse ratificar a atuação do poder
ção de uma série de questões de cunho social
público em qualquer região, a integração en-
e ambiental na cidade de São Paulo. Há, nos
tre as ações – considerando ainda que cada
textos, o reconhecimento de que nessas áreas
órgão possui competências não concorrentes
se encontra a população mais pobre, vivendo
entre si –, a partir da definição de áreas em
em situação mais precária. É ali também que
comum para as intervenções, possui uma ca-
a vulnerabilidade social encontra a fragilidade
pacidade de transformação mais expressiva
ambiental, de forma mais eloquente. Por outro
do tecido urbano e, portanto, pode contribuir
lado, é nos fundos de vale que se deve imple-
de forma mais efetiva para a melhoria da qua-
mentar uma parcela importante das estruturas
lidade de vida.
de esgotamento sanitário. São, então, locais-
O mapa a seguir ilustra essa questão,
-chave para projetos urbanos de habitação,
mostrando as áreas de atuação prioritária dos
áreas verdes, saneamento e drenagem.
programas 100 Parques, Córrego Limpo e Mi-
Como resposta às questões colocadas,
crobacias Prioritárias e Favelas Complemen-
os planos trazem diversas inovações técnicas
tares, as ações realizadas ou em andamento
e certamente expõem uma nova abordagem
até 2009.
com relação ao tratamento a ser dado para os
Enquanto a metodologia de escolha
fundos de vale urbanos, indicando inclusive a
do Plano Municipal de Habitação prioriza as
necessidade de articulação entre os diversos
ocupa ções mais precárias e, portanto, mais
órgãos públicos envolvidos no tema, tanto de
vulneráveis, o Programa Córrego Limpo possui
âmbito municipal como estadual. Mais do que
como premissa a conclusão das intervenções
isso, do ponto de vista da observação da rea-
em curto prazo de tempo, dois anos. Por outro
lidade e das premissas para a intervenção, os
lado, o Programa 100 Parques, da SVMA, em-
planos possuem abordagens convergentes. Al-
bora tenha atendido a algumas subprefeituras
gumas questões, porém, merecem discussão.
em sua demanda por parques lineares, tem
A primeira delas está diretamente re-
como política enfatizar a implantação de par-
lacionada às diferenças entre as diretrizes de
ques em áreas livres de ocupação, na Macrozo-
cada plano ou programa – apesar da análise
na de Proteção Ambiental,6 principalmente na
da problemática e das premissas de interven-
Área de Proteção aos Mananciais e na Zona de
ção serem semelhantes – o que implica que
Amortecimento da Cantareira.
302
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
Mapa 1 – Parques lineares, favelas urbanizadas e córregos saneados
Fontes:
Metrô, ferrovia e estações: Guia Mapograf (2001); www,cptm.sp.gov.br (2004); www.metro.sp.gov.br (2004); Lume (2004).
Município de São Paulo: Logit, s.d. Rios principais e represas: São Paulo (Estado), SMA (2000).
Município de São Paulo, Distritos MSP e municípios RMSP: Logit, s.d.
Urbanizações concluídas: elaborado pela autora.
Córrego Limpo concluído: elaborado pela autora.
Parques lineares concluídos ou em fase final: elaborado pela autora.
Sub-bacias: São Paulo (Município), Sehab (2009).
Mancha urbana 2010: Fontan (2010).
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Assim, é possível dizer que, enquanto os
para que surta um impacto regional positi-
programas da Sehab começam pelas áreas de
vo, principalmente quando se trata de dre-
maior conflito, o Programa 100 Parques (com
nagem, do aumento de áreas verdes e da
exceções) e o Programa Córrego Limpo optam
qualidade da água. Quando se analisam as
por áreas onde os conflitos são menores, no
questões habitacionais, a esfera regional
intuito de realizar mais ações em um espaço
também não possui indicadores satisfatórios,
de tempo mais curto e aproveitar as oportu-
principalmente porque em algumas reurbani-
nidades. Esse desencontro faz com que as in-
zações a quantidade de remoções é muito su-
tervenções em áreas de habitação precária nos
perior à quantidade de unidades habitacionais
fundos de vale, especialmente no que concerne
construídas. Assim, embora a precariedade
ao saneamento, à drenagem e à criação de es-
seja resolvida no âmbito local, ela permane-
paços públicos, sejam restritas.
ce para uma parcela significativa das famílias,
Como consequência, observam-se ina-
que provavelmente vão habitar outro assenta-
dequações em todos os programas. A criação
mento precário, no próprio município ou nos
de parques lineares muitas vezes encerra-se
outros municípios da Região Metropolitana.
nas áreas onde não existem habitações pre-
Ao menos até o final da década de 2000,
cárias e que não estão vinculadas diretamente
em nenhum dos casos as intervenções foram
ao saneamento ambiental, resultando muitas
implantadas ao longo de um curso d’água intei-
vezes em um parque linear com o rio sujo e de-
ro, mesmo nas áreas de maior fragilidade am-
gradado. Do mesmo modo, as urbanizações de
biental, como é o caso das Áreas de Proteção
favela, embora implantem sistemas de esgota-
e Recuperação de Mananciais. Nessas áreas,
mento sanitário em áreas públicas lindeiras aos
contudo, já é possível observar uma aproxima-
rios, frequentemente não têm um sistema pú-
ção entre as obras do Programa Córrego Limpo
blico de esgotamento no qual possam conectar
e aquelas de urbanização de favelas. E, apesar
sua rede criada e não conseguem recuperar a
dos planos descritos no capítulo anterior des-
paisagem relacionada ao rio, mantendo-o co-
tacarem a necessidade de coordenar as ações
mo um problema sanitário e urbanístico, ou
entre órgãos públicos, a observação das inter-
simplesmente tratando-o de forma tradicional.
venções programadas no Plano de Metas para
Já o Programa Córrego Limpo, por ser implan-
2012 e na segunda fase do Programa Córrego
tado principalmente em áreas já estruturadas
Limpo, expostas no mapa da página seguinte,
e consolidadas, mantém a abordagem setorial
mostra que tal coordenação ainda não aconte-
do saneamento.
cerá em um curto prazo.
Uma primeira análise necessária à im-
Ao lado disso, observa-se que, à exce-
plantação das intervenções na rede de rios
ção do Plano Municipal de Saneamento, que
e córregos e suas várzeas deve passar pela
possui um conselho gestor intersecretarial
escala dessas intervenções. De uma forma
para o Fundo de Saneamento Ambiental e In-
geral, embora as secretarias estejam em-
fraestrutura ali estabelecido, os demais planos
penhadas em seus programas, a escala das
não estabelecem uma forma institucional nas
intervenções realizadas é ainda pequena
quais tais diretrizes poderiam ser integradas,
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Recuperação socioambiental de fundos de vale urbanos...
não resolvendo um dos principais desafios à
Adicionalmente, ainda que possamos
integração das políticas públicas, que é de
considerar relevante o montante de recursos
gestão. É possível que a força do montante
destinados às diversas intervenções, sua com-
de recursos colocado no fundo promova inter-
paração com outras políticas coloca a importân-
venções compartilhadas, mas, sob a mesma
cia dada ao tema em perspectiva: o montante
estrutura administrativa compartimentada, há
de recursos para a canalização de córregos no
pouca garantia de mudanças expressivas e de
período de 2007 a 2009 é quase cinco vezes o
tomadas de ação intersetoriais.
valor destinado à criação de parques lineares,
A governança é pouco estimulada nos
considerando as verbas da Secretaria do Verde
planos, considerando principalmente a falta
e do Meio Ambiente – SVMA, da Secretaria de
de participação da população nas tomadas de
Infraestrutura Urbana – Siurb, e o Fundo Mu-
decisão. A grande questão aqui é que, mesmo
nicipal de Desenvolvimento Urbano – Fundurb
que os planos estejam corretos do ponto de
(São Paulo, Sempla, 2010).
vista técnico, é o controle social que os pode
Se por um lado a não integração das
legitimar, por um lado, e garantir que sejam
ações redunda em políticas que não conse-
executados, por outro. Do contrário, aumentam
guem romper o caráter setorial, por outro,
as chances de que os planos não sejam ple-
fazem com que haja um atendimento mais
namente utilizados e que os critérios políticos
abrangente, com maior distribuição de recursos
continuem sobrepujando os técnicos na defini-
públicos pelo território. Por conseguinte, nos
ção das intervenções.
mais diversos locais e contextos socioeconô-
Além disso, os planos não consideram de
micos da cidade observam-se ações que visam
forma expressiva os níveis administrativos mais
à melhoria da qualidade ambiental urbana. Tal
locais, ou seja, as subprefeituras. Como esses
fato demonstra também a importância adquiri-
órgãos são também aqueles que estão mais
da pela dimensão ambiental, que permeia to-
próximos da população, sua presença poderia
das as intervenções em curso. Nas áreas mais
ser estratégica na discussão, implementação e,
consolidadas, essas ações vêm completar a
principalmente, na gestão das intervenções e
infraestrutura sanitária, o que é necessário.
dos espaços criados.
Porém, em um contexto em que é imprescindí-
Esse último item, monitoramento e ges-
vel priorizar a destinação das verbas públicas,
tão pós-intervenção, também está em grande
seria interessante que essas se destinassem às
medida ausente dos planos, e muitas vezes
regiões onde esse recurso é mais urgente e on-
também, do orçamento municipal, o que ge-
de houve, historicamente, menor investimento
ra uma série de problemas de pós-ocupação
do poder público. Além do mais, nas áreas con-
e manutenção e, portanto, precisa ser levado
solidadas, poder-se-ia enfatizar as parcerias pú-
em consideração.
blico-privadas para a realização dessas obras.
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Figura 2 – Trecho do Parque Linear do Ribeirão Itaim: a não completude
do sistema de coleta de esgotos mantém a degradação do curso d’água
Fonte: Foto de Luciana Travassos (2008).
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Figura 3 – Canalização de córrego em galeria no Jardim Guarani
Fonte: Foto de Luciana Travassos (2009).
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Considerações finais
que essas articulações não se manifestam nem
na definição de diretrizes de planejamento e
ação, nem como base para um arranjo institu-
Do ponto de vista teórico e da agenda am-
cional inovador. A governança e o compartilha-
biental, as políticas de recuperação de fundo
mento e a corresponsabilização em conexões
de vale e ao longo de cursos de água conver-
institucionais não estão claramente objetiva-
gem na perspectiva da recuperação socioam-
dos nas estratégias e metas dos planos e pro-
biental urbana na medida em que ressaltam
gramas. Para Berkes (2005) a cooperação de
a importância da adoção de novas abordagens
multi-stakeholders, a classe emergente de instituições para a promoção da “ciência cidadã”
e as redes de movimento sociais podem favorecer a melhoria na gestão dos recursos naturais
e do espaço urbano. Para tanto, é necessário
que haja um programa intersetorial que, considerando as funções múltiplas das várzeas e dos
rios urbanos e os diversos problemas ambientais, sociais e urbanos neles encontrados, priorize as regiões e as sub-bacias da cidade onde
as intervenções devem ocorrer, com objetivos e
horizontes temporais diversos.
O Plano Diretor Estratégico criou as bases legais para um programa que pode cumprir
essa função, indicando inclusive seus objetivos
e atividades, ao propor o Plano de Recuperação
Ambiental de Cursos-d’Água e Fundos de Vale,
vinculado à Rede Hídrica Estrutural. Contudo,
deixou em aberto quais órgãos participariam
da concepção de tal plano e quaisquer procedimentos para sua instituição.
Além disso, para que um programa intersetorial seja estabelecido, é preciso que haja
um grupo com as mesmas características que
o sustente. Esse deve contar com uma equipe
técnica composta por funcionários dos diversos
órgãos públicos participantes, conformando
um verdadeiro grupo de trabalho, com dedicação exclusiva ao tema da recuperação dos
fundos de vale. Como os objetivos e demandas para cada intervenção são diferentes, seria
em drenagem urbana e do atendimento às demandas por áreas verdes, de lazer e serviços
ambientais nas cidades, ou seja, sua importância para a implantação de uma infraestrutura verde. No entanto, no caso analisado no
município de São Paulo, bem como nas grandes cidades brasileiras, adotar essas políticas
significa ainda lidar com os assentamentos
precários que têm ali uma de suas localizações
principais, reconhecendo a cidade que ocupa
hoje os fundos de vale e resolvendo as questões afetas a essa ocupação. Assim, para além
das políticas de drenagem, saneamento e criação de áreas verdes, ganham importância no
contexto brasileiro as políticas de urbanização
de assentamentos precários e habitação de interesse social.
Um dos principais desafios colocados à
eficiência, à consolidação e à ampliação dessas políticas é sua integração, o que passa pela
interação institucional e sua necessária coordenação, em um ambiente de crescente governança. A integração e articulação institucional
podem ser favorecidas com instrumentos multiescalares como o plano de bacia hidrográfica,
o plano regional ou metropolitano multisetorial, o zoneamento ecológico-econômico ou,
ainda, um programa que considerasse ao menos as bacias onde as intervenções estão acontecendo. O que se observa, no caso analisado, é
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interessante que um órgão de planejamento,
a Sabesp e o DAEE), de Habitação e do Meio
como a Secretaria Municipal de Desenvolvi-
Ambiente.
mento Urbano, no caso de São Paulo, fosse pro-
A partir do trabalho técnico coletivo, o
tagonista em tal grupo de trabalho, assumindo
Plano de Recuperação Ambiental de Cursos-
um papel de coordenação das ações. O grupo
-d’Água e Fundos de Vale proporia um conjun-
também deveria contar, no mínimo, com as se-
to de estratégias que serão utilizadas em cada
cretarias do Verde e do Meio Ambiente, de Ha-
caso, para responder às demandas colocadas:
bitação, de Infraestrutura Urbana, de Coorde-
redução de inundações, aumento de permeabi-
nação das Subprefeituras, de Segurança Pública
lidade na várzea ou na bacia, urbanização de
(em sua divisão de Defesa Civil), de Saúde, de
favelas, remoção de famílias de áreas de risco,
Assistência Social, de Esportes e de Educação,
desafetação de áreas públicas, desapropriação,
uma vez que as ações em voga têm relação
revegetação e implementação de infraestrutura
direta com seus temas de trabalho. De forma
de esgotamento sanitário. O plano assim con-
mais ampliada, o grupo poderia ser formado
cebido deverá servir de diretriz para a prioriza-
por diferentes instâncias de governo, contando
ção das ações setoriais de cada órgão, com re-
também com a participação de órgãos esta-
lação às suas políticas para os fundos de vale,
duais importantes às obras, como as secreta-
e redundaria em intervenções mais completas e
rias de Saneamento e Energia (especialmente
menos desiguais pelo território.
Luciana Travassos
Arquiteta urbanista, doutora em Ciência Ambiental, professora contratada da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, Brasil.
[email protected]
Sandra Irene Momm Schult
Arquiteta urbanista, doutora em Ciência Ambiental, professora adjunta da Universidade Federal do
ABC. Santo André/SP, Brasil.
[email protected]
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Notas
(1) As cidades são Acra (Gana), Alexandria (Egito), Pequim e Chongqing (China), Lima (Peru), Cali
(Colômbia), Belo Horizonte (Brasil), Birmingham (Grã-Bretanha), Hamburgo e a região do
Emscher (Alemanha), Lodz (Polônia), TelAviv (Israel) e Zaragoza (Espanha).
(2) Além dela, são elementos estruturadores: a Rede Viária Estrutural, a Rede Estrutural de
Transporte Público Cole vo e a Rede Estrutural de Eixos e Polos de Centralidade. Permeando
os elementos estruturadores, estão os elementos integradores, a habitação, os equipamentos
sociais, as áreas verdes e os espaços públicos.
(3) Talvegue é o ponto de encontro entre duas vertentes de morro, podendo conter ou não um curso
d’água perene, é usado no PDE provavelmente para incluir as linhas de drenagem que não são
permanentemente atravessadas por um curso d’água. No entanto, os talvegues não são de fato
considerados nos mapas ou quadros da lei, assim como não o são todos os rios e córregos.
(4) Assim está expresso no PDE: a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, durante a gestão de
Marta Suplicy (2001 a 2004) teve sua nomenclatura alterada para Secretaria Municipal do
Meio Ambiente, voltando posteriormente ao seu nome de origem, enquanto as atribuições
relacionadas à urbanização saíram da Sempla e passaram, mais recentemente, à Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Urbano, SMDU.
(5) Diversos trabalhos mostram, no município de São Paulo, a relação entre o crescimento
populacional nos fundos de vale, fora deles e os padrões de renda de cada um: nessas áreas
a população cresce a taxas maiores que em outros trechos das bacias e possui renda inferior
(Travassos, 2004; Alves e Torres, 2006).
(6) O Plano Diretor Estratégico definiu duas Macrozonas: de Estruturação e Qualificação Urbana e de
Proteção Ambiental. Esta abrange as Áreas de Proteção aos Mananciais, além das Unidades de
Conservação de Uso Restrito e as bordas municipais ao leste, oeste e norte.
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Texto recebido em 26/set/2012
Texto aprovado em 5/nov/2012
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 289-312, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad:
turismo cultural en la región sur de Jalisco
Regional development and sustainability:
cultural tourism in Southern Jalisco
José G. Vargas Hernández
Resumen
Este estudio tiene como objetivo determinar el
potencial del turismo cultural en los municipios
que conforman la región 6 del Estado de Jalisco,
territorialmente delimitado en el Sur de Jalisco.
Primeramente se identifica la demanda de
turismo cultural para conocer el perfil del turista
cultural bajo los supuestos de que los turistas
especialmente motivados por la cultura tienden
a viajar distancias más largas que la mayoría
de los turistas. Se analizan las motivaciones y
satisfacciones de los turistas culturales con el fin de
establecer el potencial de mercado de acuerdo con
las características del mercado meta en la región
Sur de Jalisco. Cualquier operación de las empresas
de turismo cultural debe hacer el diagnóstico
estratégico, lo que explica el uso del análisis
FODA como una herramienta para la planificación
estratégica de las empresas de turismo cultural.
Por último, se proponen algunas estrategias de
desarrollo del turismo cultural en esta región del
Sur de Jalisco.
Abstract
This study aims to determine the potential
of cultural tourism in the municipalities that
comprise region 6 of the State of Jalisco,
Mexico, territorially delimited in the South of
Jalisco. First, the demand for cultural tourism is
identified to determine the profile of the cultural
tourist, under the assumption that such tourists,
especially motivated by culture, tend to travel
longer distances than most tourists. Then, the
motivations and satisfactions of cultural tourists
are analyzed in order to establish the market
potential in accordance with the characteristics
of the target market in the Southern region of
Jalisco. Any operation performed by cultural
tourism companies should undergo a strategic
diagnosis, which explains the use of SWOT
analysis, a tool for the strategic planning of
cultural tourism enterprises. Finally, some
strategies for the development of cultural
tourism in the region of Southern Jalisco are
proposed.
Palabras clave: desarrollo regional; empresas de
turismo; Sur de Jalisco; turismo cultural.
Keywords: regional development, tourism
companies, Southern Jalisco, Cultural Tourism.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
José G. Vargas Hernández
Introducción
datos e información sobre la práctica de
actividades de turismo cultural. Los cambios
sociales dinámicos que ocurren en la Región
Hay una conciencia creciente de la importancia
Sur de Jalisco, hacen que sea difícil obtener
de la cultura, las artes, festivales, sitios de
información útil como insumo confiable para
patrimonio natural y cultural y el folclore.
el diseño, la aplicación y la eficacia de las
La diversidad cultural es la base del turismo
políticas de turismo cultural.
cultural y patrimonial. El turismo cultural
El objetivo de este estudio es hacer
ha estado en el centro de la industria del
frente a la falta de actividades de turismo
turismo en Europa y ahora otros países
cultural y de infraestructura en la Región Sur
están empezando a desarrollar sus propias
de Jalisco. Uno de los objetivos de este estudio
actividades (Nzama, Reyes Magos y Ngcobo
exploratorio es recoger aportaciones sobre si
2005). El turismo cultural es un producto
la Región Sur de Jalisco se puede transformar
turístico en sí mismo y puede dar importantes
en un destino de turismo cultural. El concepto
contribuciones al desarrollo económico
de turismo cultural puede ser formulado
regional. El desarrollo implica el diseño, la
después de entender las actividades culturales
comercialización y la promoción de nuevos
que ofrece la comunidad, considerada como
productos del patrimonio cultural turístico y las
un activo para el desarrollo económico
actividades durante la creación de un ambiente
regional. El turismo cultural es una opción
seguro y de fácil manejo para los visitantes y
para crear empleo, mejorar la calidad de vida
las comunidades locales.
y poner en práctica iniciativas de erradicación
A pesar de que la Región Sur del Estado
de la pobreza.
de Jalisco en México es considerado uno de las
Como estrategia de marketing, el turismo
más ricas culturalmente en las manifestaciones
cultural es una de las últimas palabras de moda
y expresiones de la literatura latinoamericana,
para atraer a los visitantes a lugares de interés
la pintura, etc., el turismo cultural es casi
cultural. Destinos de turismo cultural que
inexistente. Las comunidades locales no
ofrecen productos y servicios culturales ligados
suelen estar activamente interesados en temas
por la geografía, pueblos, folclore, historia,
relacionados con el turismo cultural y no
fiestas, experiencias de arte y de rendimiento
entienden cuáles podrían ser los beneficios. Por
pueden ser comercializados a los visitantes
otra parte, existe una falta de datos fiables sobre
locales y extranjeros. El turismo cultural en la
el turismo cultural para la Región Sur de Jalisco.
Región Sur de Jalisco puede ofrecer beneficios
El turismo cultural no es ni común
potenciales para el desarrollo económico
ni universal. Aunque las organizaciones,
regional y para los visitantes, así, debido a la
gobiernos y comunidades no deben
presencia de recursos adecuados. Un enfoque
considerarse el turismo cultural como parte de
integrado que incluya a todos los interesados
sus intereses principales, aprecian y entienden
debe ser inclusivo y participativo para asegurar
las consecuencias y posibilidades de turismo
emprendimientos culturales sostenibles y
(Jamieson, 1998). También hay escasez de
sustentables, integrales y eficientes de turismo.
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
La duración del turismo cultural está
es el turismo vivencial se relaciona con la
fuertemente influenciada por enfoques
visita de paisajes preferidos, lugares históricos,
profesionales que se refieren a un concepto más
edificios o monumentos y buscan el encuentro,
bien que a un determinado conjunto de objetos,
la participación y la estimulación con la
artículos o productos. La Organización Mundial
naturaleza o sentirse parte de la historia de un
del Turismo (OMT) define el turismo como
lugar (Hall y Zeppel, 1990).
el concepto que comprende las actividades
Un turista cultural es una persona que se
de personas que viajan y permanecen en
va más allá de 40 kilómetros de distancia de su
lugares distintos al de su entorno habitual,
hogar por lo menos una noche y ha asistido a
por no más de un año consecutivo por ocio,
un centro cultural, que incluyen la visita a una
negocios y otros motivos (WTO – World Tourism
galería de arte, museo, biblioteca, concierto de
Organization, 2000, p. 4). El turismo cultural se
música, la ópera y el cine (Australian Bureau
define como el movimiento de personas por
of Estadísticas, 1997). Hall (1998) define
motivaciones esencialmente culturales, que
el turismo cultural como el turismo que se
incluyen viajes de estudio, las artes escénicas,
centra en la cultura de un destino, la vida, el
visitas culturales, viajes a festivales, visitas
patrimonio, las industrias de las artes y el ocio
a sitios históricos y monumentos, folklore y
de la población local.
peregrinaciones (WTO, 1985).
El turismo cultural está relacionado
El concepto de turismo cultural abarca
con los aspectos culturales que incluyen las
una amplia gama de puntos de vista que
costumbres y tradiciones de las personas,
reúnen un conjunto completo expresiones
su patrimonio, historia y forma de vida. El
humanas y manifestaciones que realizan los
Consejo Internacional de Monumentos y
visitantes a experimentar el patrimonio, las
Sitios (Icomos) define el turismo cultural como
artes, estilos de vida, etc., de las personas que
"un nombre que significa muchas cosas para
viven en los destinos culturales. Patrimonio
muchas personas y aquí radica su fuerza y su
turístico se considera generalmente como
debilidad" (McKercher y Cros, 2002, p. 24). La
el turismo cultural. Patrimonio turístico se
teoría del turismo cultural está comenzando
refiere a los lugares que visitan los turistas de
a debatir temas de especialización de género
importancia tradicional, histórica y cultural, con
(Aitchson, 2003).
el objetivo de aprender, prestar respecto a fines
recreativos (Nzama et al., 2005).
El turismo cultural se refiere a los viajes
que se dirige a proporcionar oportunidades
El turismo cultural es un término que
y el acceso a los visitantes para disfrutar de
abarca los sitios históricos, las artes, las ferias
las artes y oficios, museos, patrimonio, fiestas,
artesanales, festivales, museos de todo tipo,
música, danza, teatro, literatura, sitios y
las artes escénicas, las artes visuales y otros
edificios históricos, paisajes, barrios y el carácter
sitios del patrimonio que los turistas disfrutan
especial de las comunidades locales. El turismo
de visitar en la búsqueda de experiencias
cultural se relaciona con los movimientos
culturales (Tighe, 1985). El patrimonio como
temporales o a corto plazo de personas a
turismo es un sinónimo de turismo cultural,
destinos culturales fuera del lugar de residencia
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315
José G. Vargas Hernández
y de trabajo, y donde sus actividades en estos
a otros segmentos turísticos (Centro de
destinos o instalaciones son las de atender a
Estudios de la Secretaria de Turismo –
sus necesidades de recreación (Keyser, 2002).
Cestur). Un programa especial de incentivos
El turismo cultural asocia la palabra "atracción
para el turismo relacionado con la cultura o
turística y cultural" con el patrimonio cultural
valores deben reconocer las contribuciones
tangible e intangible. Es también la asistencia
que el turismo puede tener para la cultura y
de los visitantes entrantes a uno o varios
viceversa, para sacar provecho de los aspectos
lugares de interés cultural como festivales,
positivos y generar sinergias para el desarrollo
ferias, museos, galerías de arte, edificios de
de ambos sectores.
la historia y talleres de artesanía (Bureau of
Tourism Research, 2004).
Dentro del proceso de diseño y
desarrollo, el turismo cultural puede tomar
Ivanovic (2008 ) y Cooper, Fletcher,
muchas formas. Sharma (2004) se suma al
Fyall, Gilbert y Shepherd (2008) sostienen
debate de recursos culturales para defender
que la mayor motivación para el viaje es
los beneficios económicos del desarrollo
conocer la cultura y el patrimonio, tanto
de programas, recursos y servicios para el
emergentes como contribuyentes al desarrollo
beneficio de las comunidades locales, creando
económico. Ivanovic (2008) sostiene que
un equilibrio entre los imperativos económicos
el turismo cultural y el patrimonio es un
y los impactos positivos y negativos.
desarrollo reciente en la actividad turística y,
Las actividades culturales del turismo
junto con el ecoturismo se están convirtiendo
pueden tener un impacto económico sobre
en las formas predominantes de turismo
el desarrollo regional mediante la creación
sustituyendo así al turismo masivo de sol-
de empleo y mejora de los niveles de vida.
lujuria. Las atracciones culturales y eventos
Hanekom y Thornhill (1983, p. 110) describen
juegan un papel clave en el turismo cultural
las actividades del turismo cultural como
y la hospitalidad de los destinos para atraer
un conjunto de fenómenos tales como la
a los visitantes (George, 2001). El turismo
formulación de la política, la planificación
cultural es estar viajando para experimentar y
y organización de la estruc tura de los
participar en los estilos de vida en extinción
métodos y procedimientos de selección,
que se encuentran dentro de la memoria
formación, desarrollo y motivación del
humana (Goeldner y Ritchie, 2009).
personal, el presupuesto y las operaciones
El objetivo de la política de turismo
de financiación. Los principios filosóficos
cultural es influenciar y atraer a los visitantes
de la disciplina del turismo deben ser
(Williams y Shaw, 1991, p. 263). Los turistas
examinados de nuevo para volver a evaluar
con interés especial en la cultura corresponden
los fundamentos del turismo cultural.
al segmento de "turismo cultural", es decir.,
Turismo cultural y patrimonial puede
tamaño y valor son directamente atribuibles
ser considerado como una actividad dinámica
a los valores culturales del país, que animen a
desarrollada a través de las experiencias
los turistas a hacer un viaje. Los turistas con
físicas, la búsqueda y la celebración de lo que
interés ocasional en la cultura pertenecen
es único y hermoso, representada por nuestros
316
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
propios valores y atributos que son dignos de
meta (Easton, 1965, pp. 128-129; Ferreira,
conservar y transmitir a los descendientes de
1996, p. 404; Cloete y Wissink, 2000, p. 39).
tal manera que las comunidades puedan estar
Un argumento opuesto subyace para conservar
orgullosos de ellos.
y proteger la integridad de los recursos
turísticos culturales, mediante el control del
excesivo hacinamiento, de los recursos y la
Marco teórico y revisión
de la literatura
contaminación ambiental (McDonald, 1999).
Turismo cultural y patrimonial trae
importantes beneficios económicos y de
desarrollo para sitios de patrimonio cultural,
La construcción de la teoría y el desarrollo
municipios y comunidades. Una investigación
son necesarios para poder ser utilizados como
empírica llevada a cabo por Besculides, Lee
base para la explicación y la comprensión
y McCormick (2002) utilizando un enfoque
del modelo normativo de turismo cultural
basado en los beneficios para examinar las
para la Región del Sur de Jalisco. La teoría
percepciones de turismo cultural por los
para el turismo cultural se ha desarrollado
residentes hispanos y no hispanos, mostró
para explicar, analizar, evaluar y predecir los
que los hispanos cree firmemente que viven
fenómenos relacionados (Moulin, 1989 e
a lo largo de un camino paralelo del turismo
1990). Sin embargo, un marco teórico para
cultural que ofrece beneficios culturales
el turismo cultural y sustentar la práctica
y tienen una mayor preocupación por su
actividades requiere disponibilidad de datos
gestión.
sobre infraestructura, recursos y habilidades.
El enfoque filosófico de turismo cultural
Easton (1979) desarrolló un modelo
de los grupos de interés, los proveedores y los
normativo de turismo cultural haciendo
responsables políticos da forma a los valores
hincapié en los entornos externos al servicio de
y normas de la modelo normativo orientado
los parámetros que pueden influir en el logro
a desarrollar políticas efectivas en torno al
de objetivos, tales como políticos, económicos,
turismo cultural. Las comunidades locales que
socio-culturales, legales, ambientales,
desarrollan y promueven el turismo cultural
educativos, de salud, las políticas legales, la
y patrimonial pueden necesitar que tengan
demografía y el entorno tecnológico, aunque
un marco de referencia para la aplicación
el número y tipos de entornos posibles pueden
efectiva de las políticas locales y nacionales.
ser ilimitadas (Ferreira, 1996, p. 403). Cada
El desarrollo y promoción de los productos y
entorno requiere la adaptación del mecanismo
servicios del turismo cultural y de patrimonio
de conversión (Easton, 1965, pp. 131-132;
requieren de una planificación y ejecución
Ferreira, 1996, p. 403).
sobre la base de las políticas. Los principios
Después de que el objetivo se logra, las
filosóficos del turismo cultural son necesarios
entradas formadas por el ambiente externo
para mantener el diseño e implementación de
original generan nuevas necesidades que
un modelo normativo destinado a promover las
deberá satisfacer por alcanzar una nueva
políticas regionales de desarrollo económico. La
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José G. Vargas Hernández
literatura sobre la política de turismo cultural
enfoque del desarrollo sostenible, sustentable
es relevante en el desarrollo de un marco
y el desarrollo del turismo de patrimonios
normativo. Existe la necesidad de desarrollar
culturales tiene como objetivo mejorar el
un marco de políticas públicas para el turismo
medio ambiente mediante la satisfacción de las
de patrimonio cultural.
necesidades de las comunidades presentes sin
La teoría de turismo cultural "ciudades
comprometer la capacidad de las generaciones
creativas" recomienda invertir en bienes
futuras para satisfacer sus propias necesidades
culturales y el patrimonio. Ximba (2009) analizó
(WCED, 1987, p. 8).
y examinó las variables y principios como la
El desarrollo de turismo de patrimonio
comprensión del turismo cultural, el desarrollo
cultural sustentable y sostenible requiere
y la conservación de la cultura, la provisión
de las mejores prácticas (Magi y Nzama,
de equipamientos culturales, la participación
2002) para satisfacer las necesidades de
en el turismo cultural, la aplicación de las
los visitantes invitados presentes y las
políticas y prácticas de turismo, y los beneficios
comunidades anfitrionas locales, mientras que
del turismo cultural y patrimonial . El turismo
requiere la protección y el fomento de mejores
cultural se basa en la participación en las
oportunidades para las generaciones futuras.
profundas experiencias culturales, ya sea
Un turismo cultural sustentable contribuye
intelectual, psicológica, estética o emocional
al desarrollo de la comunidad si los agentes
(Russo, y Van der Borg, 2002) y, como el turismo
del turismo y las empresas son eficientes,
cultural especializado se centra en un pequeño
equitativos y orientados al medio ambiente.
número de sitios geográficos, municipios,
MacDonald y Lee (2003) examinaron el turismo
unidades y entidades culturales.
rural cultural en un marco de referencia
El modelo normativo permite la
teniendo en cuenta el papel de la cultura
disposición de los datos y la información
en las asociaciones de base comunitaria.
sobre las actividades de turismo cultural, de
Sus hallazgos sugieren que la cultura en el
tal forma que proporcionen las bases para
desarrollo del turismo rural es un recurso
desarrollar un marco teórico para el turismo
valioso y las asociaciones de base comunitaria
cultural. La teoría normativa se ocupa de los
pueden ser muy eficaces.
fenómenos y preguntas sobre el papel asumido
El turismo cultural refuerza la identidad
por el gobierno y, en general, el sector público
y estima de la comunidad local. Brinda la
(Hanekom y Thornhill, 1983, p. 71).
oportunidad de una mayor comprensión y
Un modelo normativo del turismo
comunicación entre personas de orígenes
cultural sostenible desarrollado por Ismail
diversos (Lubbe, 2003). El desarrollo del
(2008) propone un modelo de entrada-salida
turismo de patrimonio cultural sustentable se
(input-output) con un mecanismo de aplicación
basa en la suposición de que los recursos y las
para garantizar que el turismo cultural
instalaciones son finitos, limitados, algunos de
sostenible y sustentable facilite las iniciativas
los cuales no son renovables, experimentan
para el desarrollo regional mediante la
la degradación y el agotamiento, no pueden
creación de empleo y el alivio de la pobreza. El
seguir creciendo para satisfacer las necesidades
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
del turismo de masas y una población en
es el eje del encuentro, la experiencia y el
crecimiento (SARDC, 1994).
disfrute de los recursos y las oportunidades
La práctica del desarrollo sustentable
disponibles para el buscador turístico o de
del turismo cultural y patrimonial, requiere
ocio (Torkildsen 2007). Turismo cultural y
compartir los beneficios entre los visitantes y
patrimonial puede ser una herramienta para
residentes de las comunidades locales sobre
preservar la cultura de las comunidades
una base permanente. Para superar algunos
anfitrionas. Las políticas turísticas culturales
de los problemas asociados con el desarrollo
y patrimoniales sustentables deben enfocar
del turismo cultural, es necesario aprovechar
y regular las actividades y mejores prácticas
todas las oportunidades, los conocimientos
orientadas a la restauración, mejora y
té cnico s , el a p oyo f inancie r o, la co -
conservación de los recursos para su uso
participación de la comunidad, etc., con el fin
presente y futuro continuado y el disfrute
de maximizar los beneficios. La participación
por los visitantes y la población local (Keyser,
comunitaria en el desarrollo del patrimonio
2002). El nivel de mantenimiento, conservación
cultural y el turismo debe convertirse en una
y preservación de los recursos está relacionado
práctica fundamental de un enfoque centrado
con el nivel de la infraestructura de turismo
en las personas, para incorporarlas en el
cultural y las instalaciones.
proceso de toma de decisiones en el desarrollo
En la investigación se lleva a cabo una
de los recursos culturales y patrimoniales y
búsqueda bibliográfica de profundidad para
para compartir todos los beneficios (Magi y
extraer un conjunto de criterios normativos
Nzama, 2008).
para el turismo cultural y se lleva a cabo un
Los participantes en las actividades
estudio cualitativo empírico. De los resultados
turísticas culturales esperan obtener placer,
de esta investigación, por último, se diseña
satisfacción o cumplimiento de la experiencia
un modelo normativo de turismo cultural. El
(Shivers 1981). McKercher y Du Cros (2003)
objetivo del modelo normativo para el turismo
evalúan una tipología de turismo cultural que
cultural sustentable es el de facilitar el análisis,
representan los cinco beneficios basados en
diseño y formulación de iniciativas culturales de
segmentos probados contra una variedad
política turística. La teoría del turismo cultural,
de variables, tales como las demográficas,
basada en criterios normativos se centra en
motivaciones del viaje, actividad preferida, la
la formulación, diseño e implementación de
conciencia, la distancia cultural y la actividad.
las políticas de turismo cultural. El entorno
Se encontraron diferencias entre los grupos y
político externo influye en la política turística
sugirieron que el modelo presentado puede
del gobierno la que a su vez, puede tener
ser eficaz en la segmentación del mercado de
un impacto en el desarrollo de un modelo
turismo cultural.
normativo para el turismo cultural. La teoría de
La co-participación en la toma de
turismo cultural, basada en criterios normativos
decisiones, la propiedad y los beneficios de
es necesaria para la formulación de políticas
todos los actores involucrados en el desarrollo
de turismo cultural orientadas a la mejora del
sustentable del turismo de patrimonio cultural
desarrollo económico regional.
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José G. Vargas Hernández
El objetivo de cualquier política de
desarrollar estrategias y formular políticas para
turismo cultural orientado al desarrollo regional
enmarcar la ejecución de algunas propuestas
es influenciar y atraer a los visitantes (Williams
al respecto, recomendaciones y proyectos. Un
and Shaw 1991, pp. 263-264) a través de la
modelo normativo para el turismo cultural en
generación de la demanda y la prestación de
el sur de Jalisco, flexible y dinámica como una
servicios turísticos. Richards (1996) realizó una
herramienta, ayuda a proporcionar los criterios
investigación internacional sobre la demanda y
metodológicos y de procedimientos, políticas
la oferta de turismo cultural, y encontraron un
y estrategias para promover el desarrollo
incremento rápido en la producción y consumo
económico regional.
de los bienes culturales y lugares de interés y
atractivos turísticos del patrimonio cultural.
Los criterios normativos incorporados
Métodos
en el modelo puede ser el marco de referencia
del entorno macroeconómico externo, el que
La investigación sobre el marco normativo para
a su vez puede influir en la política social del
el turismo cultural se considera necesaria para
turismo cultural. Los factores sociales que
hacer frente al actual desarrollo económico
influyen en el turismo cultural del entorno
disfuncional de la Región Sur de Jalisco. El
externo se pueden determinar mediante la
enfoque de sistemas puede ser utilizado para
aplicación de un sistema de evaluación que
el propósito de analizar y desarrollar el marco
beneficia a todas las partes interesadas.
normativo para el turismo cultural (Bayat
La aplicación del marco normativo para el
y Meyer, 1994, pp. 83-10). El objetivo del
turismo cultural depende del compromiso de
modelo normativo para el turismo cultural es
los agentes del turismo, agencias de gobierno,
analizar las fortalezas, debilidades, amenazas y
comunidades, etc., para que desempeñen sus
oportunidades en todos los factores tales como
funciones correspondientes.
la infraestructura, las instalaciones, habilidades,
Así, los interesados en el turismo
c u l t u r a l , l a s c o m u n i d a d e s, a g e n c i a s
etc., y sobre todo el diseño e implementación de
políticas de turismo cultural en el sur de Jalisco.
gubernamentales, gobiernos municipales, etc.
El marco normativo está diseñado como
tienen la responsabilidad de implementar
una herramienta para el objetivo de cambiar
iniciativas para desarrollar la infraestructura,
la situación actual, las políticas y estrategias
instalaciones culturales, atracciones de
en una forma más dinámica, y una propuesta
turismo cultural, alojamiento, etc. El modelo
funcional y flexible para el desarrollo económico
normativo es adecuado para describir, explicar
regional. El uso de un modelo normativo
y analizar las actividades de turismo cultural
para el turismo cultural requiere de métodos
con el fin de diseñar, desarrollar, promover e
cualitativos y cuantitativos de análisis como un
implementar políticas orientadas a la creación
enfoque para llevar a cabo la investigación. Un
de empleo y mejorar las condiciones de una
análisis del entorno incluye el macro externo
mejor calidad de vida. Un modelo normativo
y el microambiente, el medio ambiente y el
de turismo cultural puede ser útil para
entorno macro marketing, que representa las
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Desarrollo regional y sustentabilidad
fuerzas externas que influyen en la toma de
deficiencia y desviación de los resultados
decisiones y el logro de objetivos tales como
continuos provenientes del modelo normativo
las políticas públicas, económicas, sociales,
de turismo cultural en relación con la macro y
políticas, demográficas, tecnológicas legal, etc.
micro variables ambientales y factores.
El microambiente interno de un marco
normativo para el desarrollo y la promoción del
turismo cultural influye en los proveedores, los
canales de distribución, clientes, competidores,
los valores comunitarios, políticas locales,
La determinación de la
demanda de turismo cultural
requisitos legales, etc. Los principios rectores
y las políticas desarrolladas por el gobierno
federal y los gobiernos locales pueden ser los
Turismo mexicano en la jerarquía de
los países del mundo en el año 2010
criterios básicos para el diseño y desarrollo del
marco normativo de referencia para el turismo
Cuando se inicia con el siglo XXI, se puede
cultural en el Sur de Jalisco.
observar que el turismo es de suma importancia
El objetivo del modelo normativo para el
para el desarrollo económico y la piedra
turismo cultural es alcanzar criterios eficaces
angular para el desarrollo de servicios con un
y eficientes de desempeño para diseñar,
valor estimado en 476 000 millones de dólares
desarrollar, mantener, promover y fortalecer el
(ver Cuadro 1). Por tanto, es una herramienta
desarrollo del turismo cultural. El mecanismo
poderosa para promover el desarrollo de los
de retroalimentación censa cualquier posible
pueblos en términos de apalancamiento.
Cuadro 1 – Información relacionada con el turismo de México
México
Crecimiento – 2004 (1)
Crecimiento – 2014 (2)
Relativo
Absoluto
Crecimiento
Relativo
Absoluto
Crecimiento
Viajes y turismo personal
17
130
133
16
137
124
Viajes de negocios
14
---
131
12
---
39
Gasto público
12
58
168
11
62
145
Inversiones de capital
11
93
2
7
94
3
Exportaciones de visitantes
16
113
9
12
115
15
Otras exportaciones
11
15
27
9
15
19
Demanda de viajes y turismo
12
---
34
10
---
13
Industria del turismo y viajes
14
108
91
11
103
68
Turismo económico
11
99
52
10
70
14
Empleo de la industria del turismo
22
115
89
19
110
68
Empleo de turismo económico
14
75
42
8
52
4
(1) 2004 Crecimiento real ajustado por inflación.
(2) 2005-2014 Crecimiento real anualizado ajustado por inflación.
Total 174 países y 13 regiones (la más larga / la más alta / la más grande) es número uno, (el más pequeño / el más bajo / el
peor) es número 174. 13 son regiones agregadas sin jerarquía.
Fuente: World Travel and Tourism Council. Mexico travel and tourism merging ahead.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
321
José G. Vargas Hernández
Tabla 1 – Lugar de México en la lista de 212 países
Índice
Lugar
Apertura turística
54
Precios
66
Recursos humanos
70
Tecnología
71
Social
72
Turismo humano
89
Medio ambiente
92
México ocupa el séptimo lugar entre los
principales receptores de turismo internacional,
Impacto económico del sector
turismo en México
después de Francia, España, Estados Unidos,
Italia, China, Reino Unido y Austria (véase el
De acuerdo con la última información oficial
Tabla 1).
disponible del Gobierno de México (Turismo
Un estudio realizado por el Consejo
Boletín Trimestral) el número de turistas
Mundial de V iajes y Turismo ( W T TC ) ,
internacionales a México en 2003 mostró tasas
basado en ocho indicadores de Monitor de
de crecimiento ligeramente inferiores a los
Competitividad Turística (Financial Infosel,
que se registraron durante el año anterior, lo
2004) y se aplicó a 212 países, pone a México
que representa una reducción significativa del
en el lugar 70. Los ocho indicadores son los
indicador en 2003. La consideración de que
precios, turismo humano, infraestructura,
el número total de turistas internacionales en
medio ambiente, tecnología de apertura al
2003 (más la colocación de frontera) se observa
turismo, los recursos sociales y humanos. El
una contracción (-5,1%) como resultado de la
índice de precios considera que los costos que
caída de turistas fronterizos, pasando de 9,8
pagan los consumidores por los productos y
millones de turistas en 2002 hasta 8,3 millones
servicios del hotel... los impuestos sobre las
de turistas en 2003, una reducción del 15 %.
compras de bienes y la utilización de servicios.
En 2010, el país recibió 18,7 millones de
El índice de turismo humano tiene en cuenta
turistas internacionales, con un descenso del
"la participación del pueblo en las actividades
5,1% respecto a 2002. El motivo principal por
turísticas”.
el saldo negativo en el número de turistas se
322
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
debe a la aplicación de la creciente inmigración
$3,204 millones en 2003, un 14.5% más que
en la frontera con Estados Unidos, causados
en 2002. En 2003, se registró una cifra de 47,9
por factores exógenos, como los recientes
millones de turistas que llegaron a cuartos de
conflictos en el Medio Oriente, la narco-guerra
hotel nacionales, lo que significa un aumento
mexicana y el síndrome respiratorio severo
del 1.3% con respecto al año anterior. En
agudo. Aunque hubo un menor número de
2003 el turismo nacional se incrementó hasta
turistas internacionales, con respecto a 2002, el
el 8.2%, con la estancia media de los turistas
ingreso de divisas recibidas en 2003 permitió
durante la noche, apuntando especialmente
grabar figuras históricas como el resultado
a los destinos de playa, mientras que el
alcanzado en 2003 el nivel más alto observado
destino de las ciudades registra menores
en los anteriores últimos cuatro años.
tasas de ocupación. Las ciudades del interior
Los turistas en medicina y hospitales, son
y las grandes ciudades, respectivamente,
los que generan más divisas para nuestro país,
mostraron una contracción de 2.8 y 1.5 puntos
por lo que el turismo transfronterizo fronterizo
porcentuales en comparación con los niveles
en bienes y servicios médicos presentó un
registrados en 2002, mientras que las ciudades
cambio positivo que condujo a la entrada de
fronterizas mostró un buen desempeño al
divisas para crecer, al aumentar el gasto total
registrar una ocupación media del 60.2%, que
de los visitantes internacionales a México,
es 6,3 puntos porcentuales superior a la de un
lo que resulta en un aumento significativo
año antes.
en el exceso de pasajeros. El segmento de
En 2004, los viajes y el turismo generaron
entradas turísticas terminó en el año 2003 con
en México 8.40.200 millones de pesos
10,4 millones, un 4,8% superior a los niveles
equivalentes a $73,3 mil millones dólares en
presentados en 2002. El gasto aumentó de 8,
actividad económica (demanda total). Los
858 millones de dólares desde 2002 hasta 9,
impactos directos de esta industria fueron:
457 millones de dólares en 2003, un nivel que
681,354 puestos de trabajo, lo que representa
representa un aumento del 6,8%. Dentro de
el 2.4% del total. 186.800 millones de pesos
este segmento, el turismo interno contribuyó
mexicanos equivalentes a EE.UU. $16.3 mil
con el 70% de los depósitos totales, el 23%
millones del producto interno bruto, lo que
de los excursionistas y el 6% restante se
equivale al 2.7% del total. Sin embargo, ya
registraron como transfronterizos turistas
que el turismo afecta a todos los sectores de la
(Boletín Trimestral de Turismo).
economía, su impacto real es mayor.
El segmento de cruceros registró un
La economía de este sector directa e
aumento del efectivo en 2003 a 35,9 en el
indirectamente representa: 2,865,740 puestos
año anterior. También hubo una reducción en
de trabajo que representan el 10.0% del
el flujo de turistas y visitantes-Tras fronterizos
total. 643.200 millones de pesos de producto
internacionales fuera de México que en 2003,
interno bruto, lo que equivale al 9,4% del
acumulando una caída de 18.6%. El gasto
total. 299.900 millones de pesos mexicanos
total realizado por los mexicanos en el exterior
equivalentes a EE.UU. 26,2 mil millones
registró un superávit en la balanza turística de
dólares de las exportaciones, bienes o servicios
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323
José G. Vargas Hernández
y el 13,8% de las exportaciones totales. 168
y el 5.8% a 5.029.550 puestos de trabajo
300 millones de pesos mexicanos equivalentes
en la economía del turismo en general para
a un 14.7% millones de dólares de inversiones
el año 2014; 7.9% en las exportaciones de
de capital o 10.7% de las inversiones totales.
los visitantes se elevan a 382 300 millones
40.300 millones de pesos equivalentes a EE.UU.
de pesos, lo que equivale a 27,3 millones de
$35,5 mil millones del gasto público o el 5.1%
dólares para el año 2014; 9.9% en términos de
de participación.
inversión de capital que aumente a 604.700
millones de pesos, equivalentes a 43,2 billones
de dólares en el año 2014. 2.3% en términos
Crecimiento
de aumento del gasto público para llegar a
70,6 mil millones de pesos, equivalentes a US
Para el 2004, el turismo en México alcanzó los
$ 5 mil millones en 2014.
siguientes resultados proyectados: Crecimiento
En México, las cifras de turismo cultural
real del 11.1% de la demanda total; 9.3% del
no se han determinado con precisión. Sólo el
producto interno del sector de la industria del
Instituto Nacional de Antropología e Historia
turismo, 186 800 millones de pesos mexicanos
(INAH) ha estimado que han atraído a los
equivalentes a $16,3 mil millones de dólares
espacios bajo su custodia 16.4 millones de
del producto interno bruto para la industria
visitantes en 2002. Los visitantes nacionales
directamente y 10.7%, 643,2 mil millones de
representaron alrededor de las cuatro quintas
pesos de producto interno bruto, lo que equivale
partes con un total de 13.2 millones de
al 9,4% del total, para la economía del turismo
turistas y los internacionales representaron
en general (costos directos e indirectos); 8%
un quinto con 3.2 millones de dólares. Figuras
del empleo en el sector turístico con un impacto
más recientes reportan que los turistas
directo solamente, o de 681,354 trabajos, y el
internacionales que visitan los centros del INAH
9.9% o 2.865.740 millones de empleos en la
van en aumento sin embargo, entre visitantes
economía del turismo en general, con impacto
nacionales no hacen distinción entre turistas
directo e indirecto.
nacionales y residentes nacionales de las
Para el año 2014, el turismo en México
ciudades en las que los sitios están ubicados.
se espera que alcance un crecimiento real
La cultura está en el sexto lugar como
anual: 7.1% de la demanda turística total para
la principal motivación para el turismo interno
lograr lo que equivale a 340 000 millones de
y el cuarto para el turismo internacional.
pesos o su equivalente en $ 167,4 millones de
Se estima que el turismo especialmente
dólares en 2014. 55% del total del producto
motivado por la cultura en México representa
nacional total del sector turismo hasta 422
el 5.5% de los pasajeros nacionales y el 3%
900 millones de pesos equivalentes a EE.UU;
para los internacionales. En 2011 había casi
$124,6 mil millones de dólares a la economía
120 millones de turistas con actividades
del turismo en general; 3.1% en el empleo
relacionadas con la cultura en México. El
en el sector turístico para llegar a 921, 832,
gasto por viajes relacionados con la demanda
los que trabajan directamente en la industria
de turismo cultural es mayor que el promedio
324
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
nacional, debido a un aumento de su ingesta
patrimonio intangible, prefieren ver las
diaria basada en las actividades en torno al
tradiciones y costumbres de las comunidades
patrimonio cultural y estancias largas hoteles
solo el 9%. Por su parte, los mexicanos
y por lo tanto mayor que en otros segmentos
prefieren asistir a las actividades relacionadas
del turismo.
con los activos intangibles (52%) entre todo el
sabor excepcional de la cocina regional (13%).
La actividad relacionada con el patrimonio
Perfil de los turistas
con la declaración de culturales
material preferido por los turistas mexicanos
es la observación de los monumentos
arquitectónicos (18%). Esto se relaciona con
el interés, más que la apreciación estética
Los turistas motivados especialmente por la
de la didáctica de la mayoría de los viajeros
cultura, tienden a viajar distancias más largas
culturales (Cestur, 2011).
que la mayoría de los turistas. Para llevar a cabo
una incursión cultural, la inversión personal
que se necesita por parte de los turistas que
expresan mayor interés en el aprendizaje y se
involucran en la vida del lugar visitado, lo que
requiere más tiempo que un viaje escénico.
Las motivaciones
y la satisfacción
de los turistas culturales
Cuanto más se visita los espacios culturales de
los demás son visitados, los efectos sobre los
Ta n t o p a r a l o s t u r i s t a s n a c i o n a l e s e
turistas son más de curiosidad.
internacionales, los atributos relacionados con
Las principales actividades de turismo
la arquitectura y la cultura viva son motivadores
cultural son aquellas relacionados con el
clave. El lugar de estos factores entre los
patrimonio tangible, muy popular entre los
nacionales y los extranjeros se invierte, con los
turistas motivados especialmente por la
temas relacionados con la cultura viva de los
cultura, que representa el 48% de todas las
de más interés para los turistas internacionales
actividades turísticas nacionales y el 63% de
y los relacionados con los activos materiales
todas las actividades turísticas internacionales.
son más importantes para el turista nacional.
Los elementos intangibles son por su propia
El turista interesado en la cultura, también
naturaleza, más difíciles de identificar aunque
está buscando precio, el clima, el paisaje y
su influencia se manifiesta en un sentido
las actividades que pueden satisfacer las
general, por impregnación de la cultura por el
necesidades y deseos de los miembros que
turista visitante.
viajan del grupo.
En el caso de las actividades de
Los turistas culturales mexicanos son
patrimonio tangible e intangible, los sitios
sensibles a los efectos de costo-beneficio. Los
arqueológicos (27%) son las favoritas de
destinos de valor son considerados alrededor
los turistas internacionales especialmente
de la variedad y calidad de las actividades que
motivados por la cultura. En cuanto al
se ofrecen, y están dispuestos a gastar en las
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
325
José G. Vargas Hernández
experiencias, pero no en los servicios que no
condición de desarrollo y comercialización
ofrecen claras diferencias con respecto a los
de la oferta adecuada. México ya está
que tienen un estilo interesante. Factores tales
involucrado con 8.4% en la participación de
como los costos económicos, emocionales y
mercado llegando a 7.2 millones de turistas.
experiencias físicas son cruciales. La relación
Los turistas con un interés ocasional en la
entre estos costos y sus beneficios deben ser
cultura representan un total de 84.9 millones
proporcionadas. Un destino turístico cultural
de turistas que viajan al exterior son el 35%
con actividades culturales que ofrecen
del total. México ya está involucrado en la
comodidad y opciones adicionales para el
participación de mercado con 8.4%, llegando a
ocio y el entretenimiento, es más probable
7.2 millones de turistas.
que atraiga turistas y ocasionales visitas
especializadas que otros destinos. Turistas
culturales en general creen que las ofertas
culturales agradables y atractivas son escasas
para los niños y adolescentes, y además
carecen de la necesaria instrucción necesaria
para apreciar las culturas locales.
Características de la oferta
de destinos turísticos culturales
El tamaño y la competitividad de la oferta
turística y cultural no pueden ser evaluados
a partir de los recursos culturales de manera
Mercado potencial
aislada sino en relación con su ubicación
geográfica y los distintos elementos que
convergen para hacer posible la visita. Los
Las encuestas para estimar y caracterizar el
criterios utilizados para la selección de los
volumen actual de la demanda de turismo
lugares de destino son:
cultural en el mercado nacional indican que
a) el papel que desempeñan en el sistema
sólo el 5.5% de los turistas nacionales se
turístico;
consideran particularmente motivados por la
b) las características principales que tiene el
cultura y el 35.7% tenían un interés casual. En
patrimonio cultural;
todo el mundo el 37% de los turistas realiza
c) las condiciones de infraestructura y servicios
alguna actividad cultural durante su viaje y la
para la uso turístico, y
tasa de crecimiento anual ha sido del 12% en
d) características de la población local.
promedio desde 2000 hasta el 2010 (Cestur
de 2011).
La diferencia en la percepción entre
los nacionales y los extranjeros se hace
México participa actualmente con los
más evidente. Como algunos ejemplos de la
554,233 turistas que equivale al 1.8% del
diversidad de los recursos turísticos culturales
mercado que representan los países de origen,
se pueden mencionar los siguientes:
Estados Unidos, Canadá, Alemania, Francia,
a) las ciudades y pueblos con formas
España e Inglaterra, lo que significa que hay
arquitectónicas, entornos históricos y
un enorme potencial para la penetración, a
particulares;
326
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
b) los grupos indígenas con su propia
significativamente involucradas también, como
producción y técnicas de intercambio,
el desarrollo urbano y el sector servicios en
costumbres, historias, leyendas, rituales,
general que son importantes áreas de soporte
celebraciones, comida, etc.;
del turismo cultural.
c) sitios arqueológicos que están abiertos al
público (INAH);
d) sitios que marcan el valor histórico desde el
Sectores del turismo cultural
siglo XVI hasta el siglo XX (Conaculta, 2000);
e) objetos: históricos, artísticos y de uso diario,
El sector del turismo cultural incluye
que se muestran en los museos registrados por
organizaciones públicas, privadas y sociales
el INAH, Casas de Cultura, museos privados,
e instituciones. Esta diversidad de actores
estatales, municipales y comunitarios;
determina el hecho de que la administración
f) eventos y festivales, eventos teatrales,
tiene una complejidad mayor que en otros
conciertos, cine, danza, etc.
campos del turismo. En áreas específicas
En cuanto a la infraestructura y los
del turismo cultural sobresalen algunas
servicios, los turistas interesados en la cultura
organizaciones cuya presencia es muy
pueden ser alentados a utilizar los segmentos
importante en aquellos lugares donde se
del turismo, tales como:
desarrolla la actividad: hoteles, operadores
a) los establecimientos de alimentos y bebidas,
turísticos, museos, tiendas de artesanía,
agencias de viajes, guías de viajes y alquiler de
restaurantes, guías turísticos, centros culturales
coches.
gestionados por el INAH, etc.
b) carreteras que unen las principales ciudades
Dentro de las interacciones entre los
y carreteras que conectan las ciudades
diversos actores en el sistema de turismo
pequeñas y los aeropuertos, que para el caso
cultural, la estructura básica de comercialización
de la región Sur de Jalisco, 3 de los cuales son
genera una relación armoniosa entre los
internacionales.
agentes privados y los actores públicos.
Además de estos actores clave, el turismo
cultural tiene otros, tales como los agentes
Operaciones de la empresa
de turismo cultural
turísticos culturales, autoridades municipales,
estatales y federales, órganos promotores
culturales, organismos de la administración
de sitios y monumentos, las organizaciones
En el turismo cultural, las actividades de las
no gubernamentales, universidades, escuelas
empresas de diversos sectores de la producción
e institutos, empresas de entretenimiento, los
están involucradas. Además del sector del
transportistas, guías de turistas, agencias de
turismo cultural, las empresas e instituciones
viajes independientes, promotores de viajes,
de otros sectores económicos están
asociaciones y clubes, etc.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
327
José G. Vargas Hernández
Análisis Fortalezas,
Oportunidades, Debilidades,
Amenazas (FODA) corporativo
Un análisis corporativo de planeación
estratégica (Cuadro 2) muestra que, en general,
las perspectivas de negocios son favorables
para el desarrollo del turismo cultural, pero
requiere un mejor uso de los recursos culturales
a cabo las mejoras necesarias para aumentar
el desarrollo de estas comunidades y las
empresas turísticas en sí.
Se reconocen seis áreas de acción
para proponer una serie de orientaciones
estratégicas y planteamientos tácticos
que fortalecen y mejoran la relación de las
actividades turísticas en su vertiente cultural:
1) revalorización de la relación entre la cultura
para fortalecer la identidad de los destinos
y el turismo;
y del país, ya que hay más fortalezas que
2) sistematización de los instrumentos de
debilidades.
planificación y control;
Hay una necesidad de una mayor
3) fortalecimiento de la organización;
certeza sobre el camino a seguir con el fin
4) optimización de la gestión del patrimonio
de aprovechar los activos necesarios para
cultural;
construir sobre el patrimonio cultural y
5) enriquecimiento de la oferta de turismo
mejorar la participación de las empresas de
cultural;
turismo cultural. Existe la voluntad para llevar
6) repensando la promoción y comercialización.
Cuadro 2 – Análisis corporativo FODA
Externo/interno
Fortaleza
Debilidad
Interno/externo
Surgimiento de empresas en el
proceso de modernización que
valoran la cultura
Predominio de firmas con
acercamientos convencionales a
la cultura y el turismo y la falta de
oferta adecuada
Oportunidades
El reconocimiento de la cultura
como el valor de la diferenciación y
de la identidad y de su importancia
para la competitividad de las
empresas
Firmas y productos competitivos
en valor de cultura patrimonial y
participación en el fortalecimiento
de las culturas locales
Desarrollo y uso simulado
de espacios y propiedades
convencionales en turismo
Amenazas
Visión de negocios a corto plazo y
predominio de grandes negocios
(modelo de masas) como un
paradigma
La creación de enclaves de
negocios sin beneficios locales y
regionales
El uso del patrimonio cultural
limitado al entretenimiento.
Competencia de precios y pérdida
de rentabilidad, negocios y destinos
Fuente: Elaboración propia con base en el análisis de tendencias de varias organizaciones.
328
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
Diseño de circuitos turísticos
culturales en el Sur de Jalisco
lugares referidos, Centro Histórico y portales
de Sayula; visita al Centro parroquial de la
Inmaculada Concepción y ex Convento; visita al
Museo y Casa de la Cultura Juan Rulfo; visita
Turismo cultural circuito "Tras las
huellas en la tierra de los grandes
artistas....”
a la casa de las Artesanías; visita al taller de
cuchillería de Ojeda; casa donde nació Juan
Rulfo; arquitectura y pinturas del Santuario
de Guadalupe y ex Convento Franciscano. El
carnaval se escenifica el martes de carnaval
Los municipios que integran la ruta cultural:
para concluir el miércoles de ceniza (tiempo
Zapotlán El Grande, Sayula, San Gabriel
estimado: 4 horas)
Tolimán, Zapotitlán de Vadillo.
Se sugiere la cena con comida típica y
pernoctar en Sayula en La Casa de los Patios.
1) Escenarios culturales para el primer día
a) Recorrido Centro Histórico de Cd. Guzmán
Pintura y Escultura Presidencia Municipal,
Columnario de hombres ilustres de Zapotlán el
Grande; casa donde nació Juan José Arreola en
la calle Lázaro Cárdenas, arquitectura del Portal
de Mendoza; arquitectura y escultura templo
del Sagrario; pintura, escultura y arquitectura
templo de la Tercera Orden y ex convento;
pintura, arquitectura y escultura de la catedral;
mercado Paulino Navarro; Portales; lugar de
nacimiento del pintor José Clemente Orozco;
arquitectura Casa Consistorial; arquitectura
Palacio de los Olotes; refrigerio restaurant
arriba del Portal Hidalgo; vista a patios de
casas del Portal Hidalgo (tiempo estimado: 4
horas). Del 12 al 23 de octubre se puede visitar
la Feria con todas sus tradiciones y costumbres,
que culmina con los carros alegóricos o andas.
Se sugiere la comida típica en algunos de los
excelentes restaurantes de Cd. Guzmán
b) Recorrido en Sayula: Leyenda del poema del
ánima de Sayula y ubicación de los principales
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
2) Escenarios culturales para el segundo día
Se sugiere desayuno típico en Sayula.
a) Recorrido en San Gabriel: en el recorrido de
Sayula a San Gabriel se sugieren referencias
a lugares mencionados en las obras de Juan
Rulfo: Apango, Apulco, etc.; visita a Apango.
Vista del Llano Grande, vista a Puerto Los
Colimotes, visita al Centro Histórico de San
Gabriel, pinturas de Enrique Trujillo y esculturas
del Señor de la Misericordia de Amula; visita
a la casa donde vivió Juan Rulfo; visita casa
donde vivió José Mojica, sacerdote, compositor
y cantante; visita a las piedras con petroglifos;
visita a Telcampana; visita a la ex hacienda
de Apulco donde Juan Rulfo vivió parte de su
infancia. Se pueden visitar si se coincide en
tiempo, las Fiestas del Señor de Amula que se
celebra del 11 al 19 de Enero de cada año, las
fiestas del Señor de la Misericordia (tiempo
estimado: 6 horas).
Se sugiere comer y cenar la comida típica
del lugar, así como pernoctar en San Gabriel.
329
José G. Vargas Hernández
3) Escenarios culturales para el tercer día
barrocos y bizantinos. Si se coincide en tiempos,
a) Recorrido por Tolimán, y Zapotitlán de Vadillo
se puede participar de las fiestas religiosas en
Se sugiere desayunar en Tolimán.
honor de la Virgen de Guadalupe se celebran
Visita al Cerro Encantado y al Petacal; vista
del 3 al 12 de diciembre, en la cabecera
de la Media Luna; visita al Museo en Tolimán;
municipal y en San Marcos (tiempo estimado:
visita a los Murales del Templo de la Asunción.
tres horas).
Si se coincide del 6 al 15 de Agosto, se
Recorrido por el municipio de Túxpan: visita
puede participar la fiesta de Nuestra Señora
al Centro Histórico de Túxpan; vista de la Cruz
de la Asunción, para apreciar sus danzas y
Atrial que data de Siglo XVI y visita al templo
tradiciones. Se sugiere comida típica.
parroquial; visita a la Casa Indígena, muestra
Visita al Centro Histórico de Zapotitlán de
de comida típica de Túxpan (La Cuaxala);
Vadillo. Se sugiere presentación de poemas y
celebración de la boda indígena en la que los
leyendas que abundan en el folclore de este
contrayentes visten hermosa y complicada
lugar, como la del Cerro Chino. Si se coincide
indumentaria; presentaciones de danzas
en tiempo se puede participar de la Fiestas a la
indígenas de Chayacates y Paixtles; por la
Virgen de Guadalupe del 1 al 15 de Enero y las
tarde visita al Museo Melquiades Rubalcaba.
fiestas de María Magdalena celebrada el 22 de
Si coincide en fechas, los visitantes podrán
julio, el día de la festividad religiosa sacan en
participar en el Concurso Regional de Sonajeros
procesión la imagen por las calles adornadas
que se efectúa del 23 al 31 de mayo y que
del pueblo, desfilan carros alegóricos, música y
coincide con las fiestas patronales del Señor
danza.
del Perdón (tiempo estimado: 4 horas).
Regreso a Cd. Guzmán, termina circuito
turístico cultural.
Recorrido por el municipio de Zapotiltic: visita
al Centro Histórico de Zapotiltic; visita al
templo de la ex hacienda de Huescalapa. Si
Circuito de turismo cultural
“En la fiesta eterna”
coinciden las fechas con las fiestas del Señor
del Perdón en las primeras dos semanas del
mes de mayo, los visitantes pueden participar.
Municipios que comprende el recorrido: Tonila,
Túxpan y Zapotiltic.
Circuito Turístico Cultural
1) Escenarios culturales
Recorrido por el municipio de Tonila: Desayuno
y visita en la Ex hacienda La Esperanza, visita
Templo Parroquial de Tonila que es una réplica
de estilo colonial utilizándose cantera labrada
para su construcción; cuenta con reloj suizo
considerado entre los pocos de su género;
templo de San Marcos, modernista con motivos
330
Municipios que comprende el recorrido:
Gómez Farías, Atoyac, Teocuitatlán, Techaluta,
Amacueca.
1) Escenarios culturales
Municipio de Gómez Farías: visita al Centro
Histórico de San Sebastián; visita a la Casa del
Artesano (artesanías del tule); participación
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
en talleres artesanales. Los visitantes pueden
cada mes de mayo aproximadamente del 8 al
participar si coinciden con las fiestas de la
15 (tiempo estimado: una hora).
Candelaria el 2 de febrero, las Fiestas de San
Andrés del 20 al 30 de noviembre y las fiestas
de la Virgen de la Refugio el 4 de julio (tiempo
estimado: 1 hora).
Municipio de Amacueca: visita al Centro
Histórico de Amacueca; visita a las ruinas del
convento franciscano, construcción del siglo
XVII con fachada de columnas salomónicas y
Municipio de Atoyac: visita al Centro Histórico
retablo dorado. Visita al Dulce Nombre de Jesús,
y vista a las pinturas de Pintura. Cuadro de
escultura tallada en madera del Siglo XVI. Si
Antonio Castellón, pintado por Zamarripa
se coincide en las fechas se puede participar
en 1968. Visitas a Centros Artesanales
en las ferias taurinas en el tercer domingo de
de cinturones, participación en talleres
enero, las fiestas del Dulce Nombre de Jesús el
artesanales... Si coincide en fechas, los
8 de enero y el carnaval que se lleva a cabo en
visitantes pueden presenciar la Fiesta de la
el mes de febrero.
Salud celebrada el viernes de Cuaresma, y el
Carnaval que se realiza en el mes de febrero
(visita estimada en una hora).
Circuito turístico cultural
Municipio de Teocuitatlán de Corona: visita
Municipios que comprende el recorrido:
a la ex hacienda de San José de Gracia y
Zacoalco de Torres, Atemajac de Brizuela,
el Panteón Indígena. Se recomiendan dar a
Tapalpa.
conocer las leyendas en torno a estos dos
escenarios. Visita al Centro Histórico de
1) Escenarios culturales
Teocuitatlán, visita a centros de artesanías de
Zacoalco de Torres: visita al Centro Histórico de
sarapes y a coleccionista de antigüedades. Si
Zacoalco de Torres; visita a centros artesanales
coincide en las fechas en que se visita el lugar,
de equipales, participación en talleres
se puede presenciar las Fiestas de la Virgen de
artesanales, representación de boda indígena.
Guadalupe del 1 al 12 de diciembre (tiempo
Si hay coincidencia en las fechas, los visitantes
estimado: 3 horas).
pueden presenciar las Fiestas a la Virgen de
Se sugiere la comida típica en algún
restaurant de Teocuitatlán.
Municipio de Techaluta: visita al Palacio
Municipal que data de 1878. Si se coincide
Guadalupe el 12 de enero, al Señor de la Salud
el 6 de agosto, y las fiestas de san Francisco de
Asís el 14 de octubre (tiempo estimado: tres
horas).
en tiempo, los visitantes pueden presenciar
Atemajac de Brizuela: visita al Centro Histórico
y participar en los festejos más importantes
de Atemajac de Brizuela. Si hay coincidencia de
en el municipio que son la feria taurina
fechas, los visitantes pueden participar en las
que se celebra del 9 al 16 de septiembre;
fiestas de Nuestra Señora de la Defensa del
las festividades religiosas en honor a San
6 al 9 de septiembre, la romería de la Virgen
Sebastián Mártir que tienen lugar del 11 al 20
de la Defensa el 7 y 8 de octubre y las fiestas
de enero; y la Feria Anual de la Pitaya durante
patronales de San Bartolomé el 24 de agosto.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
331
José G. Vargas Hernández
Se sugiere comer en este lugar la comida típica,
el cuidado del patrimonio y el respeto por las
borrego al pastor con ponche y dulces de
costumbres locales;
conservas de frutas.
6) promover y utilizar el turismo cultural
Tapalpa: visita al Centro Histórico de Tapalpa,
población típica de montaña; visita a la Capilla
de la Soledad; visita a la Casa de la Cultura
(Parroquia de San Antonio de Tapalpa); templo
de Juanacatlán y Templo de Nuestra Señora
de la Merced; visita al centro de artesanías de
papel maché; visita al Hostal de la Casona del
Manzano; visita a la Casa del Agua; visita a la
Capilla de la Purísima; visita a la capilla de la
Soledad.
para diferenciar las instalaciones turísticas
existentes, la apertura de nuevas oportunidades
de mercado;
7) diversificar los mecanismos de promoción
y segmentos de mercado con un interés en la
cultura;
8) el aprovechamiento de los elementos de
identificación cultural de cada región para
aumentar la diferenciación de las empresas
mexicanas en los mercados nacionales e
internacionales;
9) promover el uso de tecnología sostenible
Estrategias de desarrollo
empresarial del turismo
cultural
(energías alternativas, reciclaje, etc.).
Conclusiones
y recomendaciones
1) Mejorar la coordinación de los diferentes
factores que intervienen en la actividad de los
L a Re g ió n Sur d e Jalis co cue nt a co n
programas de desarrollo, la comercialización, la
importantes elementos y recursos potenciales
participación en la conservación y mejora del
identificados como oportunidades y fortalezas
patrimonio cultural en las áreas: intersectorial
para facilitar el desarrollo y la promoción como
e interdisciplinario;
destino turístico cultural. Este documento
2) mejorar los mecanismos de formación de
identifica la necesidad de un marco teórico
recursos humanos;
para el diseño de un modelo normativo de
3) facilitar el desarrollo de las pequeñas y
la política de turismo cultural sostenible en
medianas empresas y servicios de alimentos
la Región Sur del Estado de Jalisco, México.
para fortalecer el sistema en su conjunto;
Los grupos de interés en el turismo cultural
4) fortalecer el vínculo de la acción de las
y proveedores en el Sur de Jalisco se pueden
empresas con la conservación y mejora del
beneficiar de la aplicación de un modelo
patrimonio cultural;
normativo para promover el desarrollo
5) alentar a las empresas a proporcionar
económico regional a través de la creación de
información a los turistas sobre las actividades
empleo y alivio de la pobreza.
culturales que existen en el destino, y
Un modelo normativo para el turismo
establecer programas de sensibilización para
cultural requiere de la participación activa
332
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
de los actores turísticos, las empresas, los
comunidades locales. El turismo cultural trae
organismos gubernamentales y la comunidad,
los mejores beneficios para el desarrollo
desde la fase inicial hasta la implementación
de una comunidad local después de una
de un programa para el desarrollo del potencial
implementación efectiva de las políticas de
como destino de turismo cultural. El diseño e
turismo cultural. La eficacia de las políticas
implementación de programas de patrimonio
de turismo cultural debe ser evaluada. Las
cultural y turismo deben promover, preservar
comunidades locales deben tratar de gestionar
y mejorar la cultura de las comunidades,
los recursos de turismo cultural, mientras que
folclore, artes, artefactos, etc. La participación
se busca su vinculación con el desarrollo y el
activa de todos los interesados en el turismo
crecimiento económico.
cultural, las agencias gubernamentales y las
El gobierno local y municipal juega un
comunidades locales en los procesos de toma
papel importante en cuanto al turismo cultural
de decisiones, no sólo legitima las actividades,
para la Región del Sur de Jalisco. Por otra parte,
sino que proporciona la experiencia y de
la planificación, el desarrollo, la promoción,
puesta a tierra para diseñar e implementar las
la comercialización y la aplicación de estos
estrategias para perseguir la eficacia de las
productos y servicios se pueden sostener el
políticas de turismo cultural (Blench, 1999)
turismo cultural como una actividad económica
y promover el turismo cultural responsable,
sustentable que puede mejorar el nivel de vida
sostenible y sustentable.
de los habitantes del Sur de Jalisco.
El modelo normativo establece una
El diseño y desarrollo de un modelo
serie de criterios normativos como un enfoque
normativo es concomitante a un conjunto
funcional para lograr un turismo cultural en
de recomendaciones para la implementación
el Sur de Jalisco. Las variables identificadas
de un turismo cultural en el Sur de Jalisco. El
en el modelo normativo como debilidades,
turismo cultural debe ofrecer un valor intrínseco
fortalezas, oportunidades y amenazas pueden
para el consumo turístico al tiempo que añade
ayudar a los agentes del turismo, agencias de
valor a los recursos locales de turismo cultural.
gobierno, las empresas y la comunidad en su
El turismo cultural debe ofrecer soluciones para
conjunto, para diseñar y desarrollar productos
satisfacer las expectativas de los turistas con
culturales y servicios turísticos y las ofertas
experiencias memorables. El turismo cultural
para los turistas nacionales e internacionales
en el Sur de Jalisco puede ser una herramienta
que participan en la vida cultural mercado.
de desarrollo para la creación de mejores
Cualquier desarrollo o promoción de un
condiciones de empleo, las oportunidades para
producto de turismo cultural tiene que estar
el desarrollo económico y el mejoramiento de
bien diseñado y ejecutado sobre la base de las
los estándares de vida de las personas que viven
políticas de turismo cultural existentes.
en las comunidades. Las recomendaciones que
Un enfoque permanente hacia la práctica
aquí se ofrecen son sólo un intento de cambiar
del desarrollo sustentable del patrimonio
la situación disfuncional actual en un sistema
cultural y el desarrollo es un requisito para
eficiente de gestión del turismo cultural basado
derramar los beneficios sobre y para las
en un modelo normativo.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
333
José G. Vargas Hernández
El desarrollo del turismo cultural
y con responsabilidades significativas para
requiere atracciones de patrimonio cultural
compartir con los guías y operadores turísticos.
con el fin de alcanzar los objetivos y la
Además de las funciones desempeñadas
preservación del patrimonio cultural tangible
por las comunidades, los propietarios de
e intangible. El ámbito de turismo cultural
las instalaciones, y los demás agentes
para el Sur de Jalisco puede incluir el turismo
económicos y actores sociales y políticos son
étnico y el turismo histórico, que comprenden
de vital importancia que se involucren en
la o b s e r va ció n , la p a r t ici p a ció n y e l
estos asuntos. Con respecto al desarrollo,
intercambio de expresiones culturales y estilos
mantenimiento, promoción y comercialización
de vida, la danza y la interpretación musical,
del turismo cultural en la Región Sur de
ceremonias religiosas, exposiciones de artes
Jalisco, es vital para diseñar, formular y aplicar
visuales, monumentos, sitios para visitar y
una política pública de decisiones.
edificios, etc. Iniciativas de turismo cultural
Este trabajo sobre el turismo cultural
que puede tener éxito en la consolidación
se ocupa de la escasez crítica de recursos,
de la "mirada" de la etnografía si se diseña
la infraestructura y las habilidades entre los
y desarrolla itinerarios turísticos relacionados
agentes del turismo, negocios, profesionales,
con experiencias de vida e interactiva en la
comunidades, y ofrece algunas estrategias
vida real en los municipios y casas de cultura
como recomendaciones para mejorar el
o centros.
mercado regional con nuevos productos
El turismo cultural en el Sur de Jalisco
y servicios culturales. Una diferenciación
puede ser una oportunidad para que las
entre el turismo cultural y el desarrollo
comunidades locales puedan comercializar
de los recursos de producción cultural es
y promocionar en el extranjero períodos de
esencial para el diseño e implementación de
experiencia, fiestas para compartir y asimilar
estrategias de turismo cultural.
los valores culturales y experiencias de vida
L a implementación de un modelo
aprovechando las condiciones favorables del
normativo conduce al desarrollo de la
clima y el paisaje natural de gran belleza.
infraestructura turística cultural, la mejora
El diseño de las rutas de turismo cultural es
de las capacidades empresariales de la
importante, con el apoyo de la necesidad de
comunidad, la creación de oportunidades
mejorar la infraestructura. Para facilitar la
para atraer a los inversores extranjeros y los
promoción y comercialización del turismo
organismos de financiación, el diseño y la
cultural en el Sur de Jalisco, se requiere el
implementación de estrategias de marketing
fácil acceso a un sistema de gestión de la
y promoción, todos ellos lo cual puede
información turística.
contribuir al desarrollo económico regional del
Los centros locales de información
Sur de Jalisco.
turística en los municipios tienen un papel
El fomento del turismo cultural en el
importante en la difusión, orientación y
Sur de Jalisco tiene un impacto positivo en
asistencia a los visitantes, haciendo que
el desarrollo de la infraestructura, la oferta
los productos y servicios sean disponibles
de productos y servicios diversificados en
334
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Desarrollo regional y sustentabilidad
el mercado del turismo cultural, la creación
desarrollo económico de las comunidades,
de empleo, el desarrollo de las capacidades
y por lo tanto con la creación de empleo y
empresariales de la comunidad, la mejora
mejorar los niveles de vida de la gente.
de las condiciones de vida, pero lo más
Este análisis puede ser el punto de
importante, el modelo normativo del turismo
partida para futuras investigaciones sobre el
cultural tiene un impacto en el marco espacial
patrimonio cultural y el desarrollo del turismo,
para la sostenibilidad del turismo cultural
el marketing y la promoción en la Región del
en los sitios y atracciones culturales y el
Sur de Jalisco.
José G. Vargas Hernández
Centro Universitario de Ciencias Económico Administrativas da Universidad Guadalajara. Jalisco,
México.
[email protected]
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Texto recebido em 4/nov/2010
Texto aprovado em 15/dez/2010
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Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 313-338, jan/jun 2013
Sustentabilidade e justiça ambiental
na Baixada Fluminense: identificando
problemas ambientais a partir
das demandas ao Ministério Público
Sustainability and environmental justice
at Baixada Fluminense: identifying environmental
problems based on the demands to the Public Prosecutor
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Resumo
O presente artigo pretende demonstrar, através
do resultado de levantamento de pesquisa desenvolvida no âmbito do Ministério Público de Nova
Iguaçu, que a região da Baixada Fluminense, já
reconhecida como uma zona de sacrifício dentro
da metrópole do Rio de Janeiro, tem uma população que sente seus problemas ambientais a partir
de questões ligadas justamente à pobreza, à falta
de condições básicas de infraestrutura urbana, e
ao acúmulo de atividades econômicas poluentes
naquele território. E que este sentir da população
parece demonstrar a inju stiça ambiental que incide
naquele espaço territorial, fruto de políticas públicas mais relacionadas a omissões do que a ações.
Nesse quadro, para que haja sustentabilidade socioambiental, é preciso urgentemente reverter tal
situação.
Abstract
The present article intends to demonstrate,
through the result of research developed with
the Public Prosecutor of the municipality of Nova
Iguaçu, that the Baixada Fluminense region,
already recognized as a sacrifice area within the
metropolis of Rio de Janeiro, has a population
that feels its environmental problems based on
issues related to poverty, to absence of basic
conditions of urban infrastructure, and to the
accumulation of pollutant economic activiti es
in that territory. This feeling of the population
seems to demonstrate the environmental injustice
that occurs in that territorial space as a result of
public policies that are more related to omissions
than actions. In this scenario, in order to have
environmental sustainability, this situation must
be reversed urgently.
Palavras-chave: problemas ambientais; Baixada
Fluminense; justiça ambiental; Ministério Público;
sustentabilidade socioambiental.
Keywords: environmental problems; Baixada
Fluminense Region; environmental justice; Public
Prosecutor; social and environmental sustainability.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Introdução
processo novo; data de início do processo;
matéria; local de ocorrência do fato; descrição;
qual(ais) era(m) a(s) parte(s) investigada(s); as
O que aqui se apresenta são resultados da
irregularidades; os pedidos; a maneira como os
pesquisa Identificando os problemas ambientais da Baixada Fluminense, desenvolvida no
grupo de pesquisa Direito e Justiça Ambiental
no âmbito do curso de Direito da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, em sua sede no
município de Seropédica. O projeto de pesquisa
teve como objetivo levantar e mapear os principais problemas ambientais de parte da Baixada
Fluminense, tendo como referência para análise os processos administrativos de natureza
ambiental que tramitam no Ministério Público
de Nova Iguaçu (MPNI), na 2ª Promotoria de
Tutela Coletiva, entidade responsável pela fiscalização da aplicação e respeito à legislação
ambiental dos municípios de Nova Iguaçu,
Seropédica, Nilópolis, Japeri, Mesquita e Queimados. O município de Itaguaí deixou de ser
competência da 2ª Promotoria de Nova Iguaçu
em março desse ano, sendo transferida para o
Ministério Público de Angra dos Reis, mas acesso a alguns processos antes dessa transferência foi possível.
Dessa forma, a pesquisa adotou metodologia primordialmente quantitativa, e a técnica
aplicada foi a de levantamento documental:
semanalmente duas graduandas do curso de
Direito da UFRRJ passavam uma tarde na sede
do Parquet,1 anotando os principais dados dos
processos.2 Os resultados são facilmente identificáveis a partir de alguns gráficos e mapas,
nos quais se pode visualizar as demandas ambientais da região.
Para atingir nossos objetivos, os itens
levantados nos processos foram os seguintes: número do processo antigo; número do
pedidos eram fundamentados, segundo a legis-
340
lação em vigor; observações; e o resultado até
o momento.
Cumpre ressaltar que o levantamento de processos na seara administrativa – os
chamados inquéritos civis (IC) – se deu por
ser de mais fácil acesso dentro da instituição
do que os processos judiciais que estariam em
andamento nas Varas Judiciais de cada um dos
municípios estudados. Essa opção traz duas
consequências de natureza metodológica e influi diretamente nos resultados que a pesquisa
apresenta. Primeiramente, o levantamento é
feito enquanto o problema está sendo apurado,
em fase ainda inicial, o que significa que não
há uma preocupação com os resultados dos
processos,3 mas com os problemas em si, tal
como são percebidos pela população que vem
ao MPNI denunciá-los. Nesse sentido, tomamos como referência a afirmação de Le Prestre
(2000, p. 24) de que “(...) a noção de problema
ambiental se coloca no âmbito da escolha. Um
problema ambiental não existe senão através
do impacto que provoca em certos grupos ou
atores. Ou seja, através da maneira como é
percebido por estes (...)”. Dessa forma, o que
chamamos aqui de “problema ambiental” se
caracteriza mais num sentir da população acerca de seu drama ambiental.
Logo, em segundo lugar, por conta do
levantamento estar sendo feito em autos que
ainda tramitam, corremos o risco de que essa percepção, esse sentir, não ser realmente
um problema pelo viés jurídico. Queremos dizer com isso que a percepção dos malefícios
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
ambientais pode não ser necessariamente
justiça ambiental). Dessa forma, elegemos três
uma irregularidade jurídica. Tomemos como
categorias para análise: numa primeira verten-
exemplo o caso da poluição sonora: para o
te, os problemas podem ser definidos como
Direito, a emissão de ruídos somente é ilegal
“conservacionistas”, quando o problema se dá
se superior aos níveis aceitáveis pela norma
em ambientes naturais, como rios, águas, ma-
NBR 10151. Ou seja, a população pode estar
nanciais, Áreas de Proteção Ambiental (APAs),
incomodada com determinado ruído que, pe-
Áreas de Preservação Permanente (APPs), Re-
la norma jurídica, é um padrão aceitável. Há
serva Legal (RLs), ainda que por interferência
nisso, portanto, um risco: de o sentir não ser
da ação humana. Uma segunda natureza seria
necessariamente ilegal.
de “problemas relacionados ao desenvolvi-
Como primeira referência de análise,
mento de atividades econômicas”, incidente
adotamos a distinção que a doutrina jurídica
em casos em que a legislação ambiental ou
faz sobre as diferentes categorias constitu-
urbanística é descumprida, ou ignorada, pelo
cionais de “meio ambiente”. A primeira a ser
empresariado, consumidores ou proprietários,
constatada é o meio ambiente denominado
ou seja, desde que haja uma forte conotação
físico ou natural, que é constituído pela flo-
econômica/patrimonial em jogo. Criamos a
ra, fauna, solo, água, atmosfera, incluindo os
categoria “outros” quando não conseguimos
ecossistemas. Tal categoria encontra escopo
enquadrar o problema levantado em nenhuma
no art. 225, §1º, I, VII da Constituição Federal.
das duas anteriores.
A segunda forma pela qual o meio ambiente é
classificado é em âmbito cultural, constituído
pelo patrimônio cultural, artístico, arqueológi-
O uso do solo na Baixada Fluminense
co, paisagístico, manifestações culturais, populares, tendo por base o art. 215, §1º e §2º da
A Baixada Fluminense compõe-se dos se-
Carta Magna da República. Há ainda o meio
guintes municípios: Duque de Caxias, Nova
ambiente artificial ou urbano, que é o conjunto
Iguaçu, São João de Meriti, Nilópolis, Belford
de edificações particulares ou públicas, prin-
Roxo, Queimados e Mesquita, todos ao norte
cipalmente urbanas, cuja base constitucional
da cidade do Rio de Janeiro. Alguns estudiosos
está nos art. 182, 21, XX e o art. 5º, XXIII. Por
também incluem Magé e Guapimirim (a leste),
fim, o meio ambiente do trabalho, que é consi-
Japeri, Paracambi, Seropédica e Itaguaí (a oeste
derado o conjunto de condições existentes no
e noroeste).
local de trabalho relativos à qualidade de vida
A ocupação da localidade se dá partir
do trabalhador, e que encontra referência na
do século XVIII, mas somente no início do sé-
Constituição Federal em seu art. 7º, XXXIII e
culo XX, com obras de drenagem realizadas
art. 200.
4
em toda a região, é que os migrantes, bus-
Outra referência é a divisão dos proble-
cando melhores condições de vida na capital
mas ambientais por sua natureza, adotando a
Rio de Janeiro, ocuparão aquele espaço, que
referência que Alier faz aos movimentos am-
se caracterizará como periférico dentro da Re-
bientalistas (conservacionismo, ecoeficiência e
gião Metropolitana.
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
341
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
A área tem uma concentração industrial
No entanto, a localidade se caracteriza
maciça, com a presença de grandes e polui-
também por suas áreas verdes. Podemos de-
doras empresas em toda a região. Somen-
monstrar tal afirmativa pela presença da Re-
te para citar algumas, Duque de Caxias tem
serva Biológica do Tinguá, em Nova Iguaçu, a
o maior parque industrial do Estado, tendo
Floresta Nacional Mário Xavier em Seropédi-
empresas cadastradas como Texaco, Shell, Es-
ca, Parques Municipais da Taquara (Duque de
so, Ipiranga, White Martins, IBF, Transportes
Caxias), de Nova Iguaçu, APA de Guapimirim,
Carvalhão, Sadia, Ciferal, entre outras, além
Parque Natural Municipal do Curió (Paracam-
de uma das maiores refinarias da Petrobrás,
bi), APAs da Bacia do Guandu, Caixa d´água
a Reduc. O município de Queimados conta
e Gericinó-Mendanha. Existem ainda trinta e
com um distrito industrial (DI), assim como
cinco rios que deságuam na Baía de Guanaba-
Xerém, em Caxias. Nova Iguaçu tem fábricas
ra, aquíferos, mananciais hídricos e mesmo a
como a Granfino, Embelleze, muitas indústrias
maior estação de tratamento de água do mun-
químicas e indústrias que trabalham com aço
do, que fica em Seropédica.
e metal. As pedreiras e a extração de areia
Dessa forma, a questão ambiental na re-
também foram e são as principais atividades
gião aparece tanto em ações conservacionistas,
econômicas da região, sobretudo em Itaguaí
relacionadas a espaços protegidos, como em
e Seropédica. Por conta desse uso industrial
conflitos oriundos da atuação das empresas
do solo, a Baixada é conhecida como zona
poluidoras de rios, solos e ar, afetando a saúde
de sacrifício, expressão “utilizada pelos mo-
e a qualidade de vida da população do entorno,
vimentos de justiça ambiental para designar
ou numa atuação tipicamente contrária às nor-
localidades em que se observa uma super-
mas jurídicas ambientais.
posição de empreendimentos e instalações
Adotando essa linha de ideias como pre-
responsáveis por danos e riscos ambientais”
missa, o presente artigo pretende demonstrar
(Viega, 2006, p. 4). Além disso, o Distrito In-
que a região da Baixada Fluminense, já reco-
dustrial de Santa Cruz, bairro da cidade do Rio
nhecida como uma zona de sacrifício dentro da
de Janeiro, maior área industrial da capital, é
metrópole do Rio de Janeiro, tem uma popu-
vizinho a Itaguaí e Seropédica.
lação que sente seus problemas ambientais a
É nessa área também que se localizava
partir de questões ligadas justamente à pobre-
o lixão de Jardim Gramacho (Duque de Ca-
za, à falta de condições básicas de infraestru-
xias); outros lixões existiam também em di-
tura urbana, e que tal posição parece ser refor-
versos outros municípios da região (Itaguaí,
çada neste momento a partir de algumas obras
Seropédica, Japeri, Nova Iguaçu), onde agora
que têm reconfigurado todo o espaço metro-
se constroem diversos aterros sanitários, re-
politano e que tendem a jogar para a Baixada
forçando a lógica do sacrifício ambiental por
mais poluição e degradação, reforçando a in-
parte da população residente.
justiça ambiental já configurada naquela área.
342
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
Principais referências
conceituais
Desenvolvimento Sustentável
A crise ambiental tem levado as sociedades a
repensarem seus padrões de produção e consumo. A perspectiva de falta de recursos naturais
para a continuação do modelo de desenvolvimento e progresso adotado pela maioria dos
países ricos nos conduziu à criação de novos
paradigmas, sendo o desenvolvimento sustentável o principal deles.
O desenvolvimento sustentável, um dos
princípios mais importantes do Direito Ambiental, é o marco referencial, início e fim de toda
política pública num Estado de Direito Ambiental. O relatório Brundtland, produzido após a
Conferência de Estocolmo (1972) pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, presidida pela primeira-ministra da
Noruega, foi o primeiro documento que divulgou e instituiu o conceito de desenvolvimento
sustentável:
O desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual,
sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades, significa possibilitar
que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização
humana e cultural, fazendo, ao mesmo
tempo, um uso razoável dos recursos da
terra e preservando as espécies e os habitats naturais.
interpretado por diferentes atores sociais, segundo suas respectivas imagens e interesses.
Portanto, ambientalistas numa linha preservacionista tendem a defender uma quase paralisação de exploração da natureza, enquanto ecocapitalistas querem conciliar desenvolvimento
econômico com equilíbrio ambiental, vendo no
surgimento do problema ambiental um novo
mercado de atuação, propondo mecanismos de
produção mais “limpos”, reduzindo as “externalidades”, mas, inevitavelmente, explorando a
natureza, ainda que “racionalmente”.
Num enfoque jurídico, a interpretação
do conceito tem sido no sentido de que ele
procura agregar dois direitos fundamentais dos
povos: o direito ao desenvolvimento econômico e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, visando garantir que as futuras
gerações tenham meios de sobrevivência tanto
quanto as gerações atuais. Essa leitura é bastante dogmática e pouco crítica, uma vez que
não define que nível de desenvolvimento econômico se almeja (pois não pode ser o dos países capitalistas ricos, responsáveis pela escassez dos recursos naturais), tampouco aponta
como efetivamente chegar lá.
Na verdade, para que haja desenvolvimento sustentável, da maneira que for, o próprio
Relatório Brundtland reconhece a necessidade
da construção de uma nova ordem econômica
mundial, baseada numa consciência ecológica e
numa postura ética da sociedade diante da produção e do consumo. Como nos ensina Herculano (1992, p. 22), o desenvolvimento sustentável
pressupõe “um conjunto de mudanças-chave
na estrutura de produção e consumo, inverten-
Como o conceito é muito aberto, e pretende ser prático, operacional, ele tem sido
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
do o quadro de degradação ambiental e miséria
social a partir de suas causas”.
343
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Logo, em termos de discurso das áreas
forma como as relações sociais são produzidas
Humanas e Sociais, o desenvolvimento sus-
no sistema capitalista. No entanto, é essa visão
tentável torna-se também uma bandeira pe-
que tem sido consolidada e em torno da qual
lo reconhecimento de direitos até então não
vem girando o consenso social, fazendo com
concretizados em muitos países pobres e para
que diversas áreas científicas reformulem seus
muitas pessoas: desenvolvimento econômico
projetos e visões de mundo, pois a sustentabi-
para todos pode, afinal, significar alimentação,
lidade se tornou “uma nova crença destinada
saúde, educação, moradia, trabalho e renda
a substituir a ideia de progresso” (Acselrad,
dignos, aliados à vida num ambiente saudá-
1997, p. 1922)
vel e garantidos para todos (inclusive para as
Desta forma, a proteção ao meio am-
gerações futuras). Contudo, é claro que essa é
biente se tornou uma das principais referências
uma interpretação extensiva do conceito, uma
no debate de construção de diversas políticas
vez que uma das críticas possíveis de se fazer
públicas, tanto no nível da Comunidade Inter-
a ele é justamente o fato de não incorporar a
nacional quanto internamente. Nesse sentido,
questão da desigualdade social. Nesse sentido,
o Brasil é considerado um país com uma das
vale citar a perspectiva colocada por Coutinho
legislações mais avançadas do mundo, sendo
(2004, p. 18):
referência na área da proteção ambiental.
A Constituição Federal de 1988, a primei-
A proposta de uma alternativa econômica compatível com a preservação de um
meio ambiente ecologicamente equilibrado tem os seus pressupostos em princípios físicos (termodinâmica), o seu ponto
nodal no desenvolvimento sustentável, o
seu sujeito numa genérica e abstrata “humanidade” e coloca a ética no lugar da
política ou, na melhor hipótese, a política
centrada numa ética universal que dependeria, para se efetivar, de a “consciência
ecológica” individual assumir a dimensão de “cidadania coletiva”. Não se deve
estranhar, portanto, a primazia analítica
atribuída à “crise ambiental” e sua desconexão das condições concretas da sua
própria produção.
ra Constituição brasileira a dedicar um capítulo inteiro ao tema meio ambiente, tem como
objetivo a promoção do bem de todos e se
fundamenta na dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, a Constituição tem como meta
criar uma sociedade livre, justa e solidária, o
que não será possível enquanto todas as pessoas não tiverem qualidade de vida. Portanto,
a defesa e a preservação do meio ambiente são
essenciais para que possamos atingir os objetivos constitucionais. Dessa forma, a preservação
do meio ambiente é prioridade para a Constituição Cidadã.
Assim, a questão do desenvolvimento
regular das atividades econômicas na Baixada
Logo, há nessa concepção, como aponta
Fluminense, levantadas pelo grupo de pes-
o autor, uma boa dose de ingenuidade, uma
quisa, demonstra como o desenvolvimento
vez que acredita na redenção da humanidade
sustentável é um conceito que nada tem de
pela ética e em uma tomada de consciência
prático, e que ele não concilia, pelo menos até
como condições suficientes para a mudança na
aqui, o desenvolvimento econômico e a preser-
exploração do meio ambiente, abstraindo da
vação da natureza, mesmo porque a prática
344
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
industrial é historicamente agressiva ao meio
ambiente e, no momento histórico em que vivemos, a ideia de sustentabilidade ainda precisa ser mais bem incorporada ao imaginário
coletivo, e a prática sustentável precisa ser empiricamente construída.
Justiça ambiental
parcela desproporcional das consequências ambientais negativas resultantes de
operações industriais, comerciais e municipais, da execução de políticas e programas federais, estaduais, locais ou tribais,
bem como das consequências resultantes
da ausência ou omissão dessas políticas.
(Bullard apud Acselrad, 2004, p. 9)
Dessa forma, a percepção de que alguns
grupos sociais – como negros e pobres – con-
Além da questão das práticas sociais a serem
vivem com indústrias poluidoras e depósitos
criadas para que se alcance o desenvolvimento
de lixo, enquanto os brancos e ricos têm como
sustentável, o movimento por Justiça Ambien-
vizinhos parques e áreas de consumo dotadas
tal também tem sido uma referência sobre a
de equipamentos coletivos, sempre com toda
crise ambiental na perspectiva das áreas Hu-
infraestrutura urbana necessária, deu origem,
manas e Sociais. Isso porque o conhecimento
nos Estados Unidos, ao movimento por maior
nessas áreas tem como objeto central o ser hu-
igualdade na distribuição espacial desses ris-
mano em suas relações, e a preocupação com
cos. O que se propõe é, na verdade, a incorpo-
uma sociedade mais justa e equânime tende a
ração da problemática dos riscos ambientais na
ser um dos principais problemas para os profis-
agenda política. Nesse sentido, o movimento
sionais da área.
acrescenta ao problema da desigualdade so-
Assim, o movimento social e o conceito
cioespacial o enfoque ambiental, buscando
normativo de Justiça Ambiental (Swyngedouw
demonstrar que diversas lutas ao redor do
e Cook) nos auxiliaram a fazer uma leitura crí-
mundo, e muito mais antigas que o próprio mo-
tica sobre a natureza dos problemas ambien-
vimento, são lutas por justiça ambiental.5 Não
tais em uma zona de sacrifício, permitindo-nos
significa, portanto, a construção de uma nova
perceber que muitas vezes tais problemas não
bandeira, mas, sim, que a questão da distribui-
são os mesmos das áreas privilegiadas da cida-
ção desigual dos riscos e malefícios ambientais
de (ou da Região Metropolitana). O conceito de
deve ser levada em conta na formulação de di-
justiça ambiental se constitui na
versas políticas públicas, sobretudo as sociais.
[...] busca do tratamento justo e do envolvimento significativo de todas as pessoas, independentemente de sua raça,
cor, origem ou renda no que diz respeito
à elaboração, desenvolvimento, implementação e reforço de políticas, leis e
regulações ambientais. Por tratamento
justo entenda-se que nenhum grupo de
pessoas, incluindo-se aí grupos étnicos,
raciais ou de classe, deve suportar uma
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
O movimento não se resume, entretanto, apenas à luta por maior igualdade na
ocupação do espaço urbano saudável e estruturado, demandando também: a) uma real
participação, justa e democrática, das comunidades atingidas pelos malefícios ambientais no processo decisório, ou seja, é preciso
superar formalismos (como as Audiências Públicas) e garantir que todos sejam realmente
345
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
ouvidos e tenham suas posições levadas em
conta; b) o reconhecimento de que as políticas
urbanas e ambientais são formuladas em desrespeito a determinados grupos, tais como ne-
objetos geográficos), e cada forma encerra uma fração do conteúdo. O espaço,
por conseguinte, é isto: um conjunto de
formas contendo cada qual frações da
sociedade em movimento.
gros, pobres ou mulheres, provavelmente por
conta de sua ausência de voz e peso político,
Dessa forma, o espaço é resultado da in-
entre outros fatores, reconhecendo que são
tervenção humana, e a intervenção humana é
esses grupos minoritários que suportam as in-
sempre em certo espaço, e isso não foi esque-
justiças ambientais; c) o restabelecimento dos
cido pelo grupo de pesquisa. Ao pesquisarmos
recursos e das capacidades necessárias para
o espaço da Baixada Fluminense, temos como
formar e manter uma comunidade saudável,
premissa de que ele é permanentemente cons-
e, quem sabe, sustentável, superando os im-
truído através e a partir de um jogo de interes-
pactos ambientais negativos que muitas vezes
ses, nem sempre claro e transparente, em que o
destroem comunidades de pescadores, índios,
sistema capitalista e sua racionalidade atuam
etc. (Pereira, 2012).
como mola propulsora. Ao mesmo tempo, ele
é fruto das atividades que ali se desenvolvem,
Outras duas categorias: o espaço
e os conflitos socioambientais
O espaço, como categoria da Geografia, é entendido como produto das atividades humanas
em suas relações intersociais e também na interação com a natureza. O espaço, que para o
Direito é solo, lugar onde se desenvolve toda
forma de vida, é percebido como resultado
material e simbólico dos desejos, sonhos, políticas e técnicas que o homem aplica em sua
atuação cotidiana. Assim o conceitua Santos
(1991, p. 58):
O espaço deve ser considerado como um
conjunto indissociável de que participam,
de um lado, certo arranjo de objetos
geográficos, objetos naturais e objetos
espaciais, e, de outro, a vida que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade
em movimento. O conteúdo (da sociedade) não é independente da forma (os
346
e assim, a alta densidade industrial, a pobreza
urbana e os riscos ambientais presentes nesse
espaço não são fortuitos, mas consequências
do agir humano.
Nesse sentido, pensamos a Região Metropolitana do Rio de Janeiro como um território: um espaço onde os grupos sociais se organizam, ocupando-o e utilizando-o, construindo
suas próprias percepções subjetivas. Há no
espaço do território uma série de territorialidades, na medida em que o sentido e a percepção desse variam em suas dimensões políticas,
econômicas, culturais, sociais e simbólicas para
cada grupo social.
Também não perdemos de vista o fato de que em tempos de globalização, vem
ocorrendo sistematicamente novos arranjos e
reconfigurações dos espaços metropolitanos,
com atores que decidem o uso do território às
vezes muito distantes desse, conforme explicita
Harvey (2005, p. 171):
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
[...] o poder real de reorganização da
vida urbana muitas vezes está em outra
parte, ou, pelo menos, numa coalizão de
forças mais ampla, em que o governo e
a administração urbana desempenham
apenas papel facilitador e coordenador.
O poder de organizar o espaço se origina
em um conjunto complexo de forças mobilizado por diversos agentes sociais. É
um processo conflituoso, ainda mais nos
espaços ecológicos de densidade social
muito diversificada.
Em nosso caso, sabemos que a produção
do espaço metropolitano fluminense gerou
uma série de periferias, de cidades-dormitório,
de zonas de sacrifício. Estudos apontam que
cerca de 800 mil pessoas trafegam diariamente
pelos municípios da região, que têm alto grau
de integração, indo e voltando do trabalho ou
estudo, fazendo um movimento pendular periferia – núcleo urbano – periferia.
Ocorre que, com a frequente competição entre as cidades para atrair investimentos
e gerar empregos nessa sociedade global, os
governos abandonaram o administrativismo e
aderiram a “uma postura empreendedora em
relação ao desenvolvimento econômico” (Harvey, 2005, p. 167). Como explica Harvey (2005,
p. 170):
reflexivos de tal mudança através dos
impactos sobre as instituições urbanas,
assim como sobre os ambientes urbanos
construídos.
Portanto, o espaço das cidades e regiões
metropolitanas sofre influências políticas, econômicas e sociais cotidianamente, sendo alvo
de planejamento, mas também de ações não
planejadas, sendo construído e reconstruído
todos os dias (Santos, 2009). Esse fenômeno
de reconstrução pode ser claramente percebido na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ), que sofre um processo de requalificação de seu território a partir de algumas políticas públicas que visam melhorar a mobilidade
e a integração entre os diversos municípios da
região, sobretudo por conta da cidade vir a sediar alguns jogos da Copa do Mundo (2014) e
as Olimpíadas (2016).
Assim, a Região Metropolitana do Rio
de Janeiro amplia sua zona de influência e expande suas fronteiras metropolitanas. Hoje, a
região metropolitana do Rio de Janeiro é composta, segundo a Lei Complementar 105/02,
atualizada pela Lei Complementar 133/09 por
19 municípios, que são: Rio de Janeiro, Belford
Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis,
A condição capitalista é tão universal
que a concepção do urbano e da “cidade” também se torna instável, não por
causa de alguma definição conceitual
deficiente, mas exatamente porque o próprio conceito tem de refletir as relações
mutáveis entre forma e processo, entre
atividade e coisa, entre sujeitos e objetos.
Assim, quando falamos da transição do
administrativismo urbano para o empreendedorismo urbano nessas últimas duas
décadas, temos de reconhecer os efeitos
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados,
São Gonçalo, São João de Meriti, Seropédica,
Tanguá e Itaguaí. Desses municípios, nenhum é
considerado rural, embora Guapimirim e Seropédica apresentassem, em 2000, um percentual
de pessoas em domicílios rurais ainda significativo – 33% e 21%, respectivamente.
Logo, o que temos assistido é o traçado
de um novo desenho urbano para o centro do
Rio de Janeiro, a partir de projetos urbanos
347
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
como o Porto Maravilha, que tem como um
maneiras menos agressivas e mais limpas (e
de seus objetivos tornar o porto central mais
caras) de explorar a natureza. E os trabalhado-
ligado ao comércio e ao turismo, jogando para
res precisam manter seus empregos, muitas ve-
o porto de Itaguaí (antigo Sepetiba) as ativida-
zes identificando políticas e fiscais ambientais
des portuárias típicas. Está sendo construído o
como inimigos. A própria sociedade tem tam-
Arco Metropolitano do Rio de Janeiro (AMRJ),
bém demonstrado essa percepção em diversos
com 145 km, maior obra financiada pelo PAC,
casos famosos: a preservação ambiental, ou a
na nítida intenção de ligar o porto de Itaguaí
prática sustentável (embora, em nosso sentir,
ao polo petroquímico de Itaboraí (também em
ainda não evidenciada), é uma prática vista
construção) e desafogar vias da cidade do Rio
como impedimento ao “progresso”. Confome
por quem não precisa passar por ela.
ressalta Antunes (2004, p. 36):
E é nesse espaço que também surgem
os chamados conflitos socioambientais. O entrelaçamento dos direitos ao desenvolvimento
econômico e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é bastante justificável em função
do atual estágio da sociedade de consumo, e
pode ser facilmente compreendido pela maioria das pessoas. No entanto, sua prática não é
tão fácil, conforme já relatado. Isso porque é
A ambiguidade das normas jurídicas
destinadas à proteção do meio ambiente decorre, em grande parte, do fato de
que elas existem como um compromisso
entre o desenvolvimento das atividades
econômicas que se utilizam de recursos
ambientais – bens dotados de valor econômico – e a sua preservação que, em
última análise, busca reservá-los para
posterior utilização.
imprescindível, para que haja sustentabilidade,
uma mudança significativa no modo de produ-
Portanto, os conflitos socioambientais
ção: as empresas e os países devem procurar se
são uma realidade mundial, e, embora não se-
desenvolver de maneira sustentada, utilizando
ja teórico, o grupo da pesquisa esteve atento a
os recursos naturais, mas preocupando-se em
essa questão também.
repô-los, se possível, ou preservá-los, se a reposição não for possível.
Contudo, a maioria dos países (e das
empresas) ainda não conseguiu equacionar tal
Resultados obtidos
questão, pois a legislação ambiental, por sua
natureza preventiva e protetiva, muitas vezes
Em um ano de pesquisa foi possível o levan-
freia o desenvolvimento normal das atividades
tamento e a sistematização de 105 processos,
industriais, fazendo com que se coloque um
sendo 101 inquéritos civis, três procedimentos
conflito inevitável entre a preservação do meio
preparatórios e uma ação civil pública.6 O nú-
ambiente e a atividade produtiva, o que en-
mero pode parecer pequeno; contudo, é im-
globa, além do empresariado, a própria classe
portante ressaltar que a enorme maioria dos
trabalhadora. Ora, os empresários querem con-
processos é extremamente volumosa, tendo em
tinuar produzindo e lucrando, e assim resistem
média oito volumes, e que as visitas ao Parquet
às exigências da legislação, que estabelecem
são feitas apenas uma vez por semana por
348
Cad. Metrop., São Paulo, v. 15, n. 29, pp. 339-358, jan/jun 2013
Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
duas alunas de graduação que, até então, não
a partir do depósito irregular de resíduos da
tinham intimidade no manuseio dos autos.
construção civil na Bacia Hidrográfica do Sarapuí. Também há um caso de terraplanagem em
uma APA, como também devastação de vege-
Categoria Constitucional
de Meio Ambiente
tação para extração mineral irregular.
Achamos dois casos de danos ao meio
ambiente cultural, que estão relacionados,
Dos 105 processos, apenas dez podem ser ca-
ironicamente, ao próprio desconhecimento
tegorizados como problemas relacionados ao
das prefeituras. No município de Mesquita a
meio ambiente natural.
parte investigada é justamente o município
Assim, por exemplo, foi denunciada a
que pretendia construir o Fórum da cidade
possibilidade de maus tratos a animais, duran-
demolindo a Caixa D´Água da Fábrica Bras-
te a atividade de rodeio ocorrida durante a Ex-
ferro, que parecia ser tombada pelo próprio
poSeropédica, no município de Seropédica, em
município, em uma aparente confusão admi-
ofensa a diversas normas constitucionais e in-
nistrativa. O outro caso partiu da denúncia de
fraconstitucionais, sobretudo o art. 225, caput,
professores de História de Nova Iguaçu, que
§1º,II e §4º da CF/88 e a Lei 10.519/02.
viram a possibilidade de destruição de uma
Outros dois casos referem-se a desmatamento/poluição em áreas de APP, um no muni-
torre da antiga Igreja Nossa Senhora da Piedade, conjunto urbano tombado.
cípio de Nova Iguaçu, em que a faixa marginal
Todos os outros processos – noventa e
de proteção e de represamento do rio Véu da
três – podem ser classificados como perten-
Noiva era desmatada dentro de propriedade
centes à categoria meio ambiente urbano, uma
particular. O outro caso se referia a possível
vez que são problemas relacionados à vida nas
dano ambiental, no município de Mesquita,
cidades e ao modo de vida urbanos.
Categoria constitucional de meio ambiente
Cultural
1%
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349
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
desenvolvimento de atividades econômicas”.
Problemas ambientais
por sua natureza
Além destes, enquadramos nessa categoria os
casos de devastação de vegetação e de minera-
Sob este enfoque, entendemos que apenas qua-
ção em Área de Proteção Ambiental.
tro processos podem ser categorizados como
Em “outros” categorizamos 37 proces-
“conservacionistas”. O primeiro é o referente à
sos. Muitos têm relação com ocupação irregu-
possibilidade de maus tratos aos animais par-
lar do solo para fins de moradia por parte da
ticipantes de rodeio em Seropédica, uma vez
população pobre, não podendo tal ação ser
que, embora haja atividade econômica, a pre-
relacionada com atividade econômica. Há tam-
ocupação externada é com a saúde do animal,
bém muitas denúncias ligadas a omissões ou
não havendo uma condenação moral àquela
irregularidades do poder público na gestão de
atividade econômica. Outro seria o desmata-
obras, ou em processos de licenciamento, além
mento, em área particular, de faixa marginal
da característica marcante da Baixada Flumi-
de rio, conforme relatado acima. Embora seja
nense, que é categoria em outra classificação:
possível que o desmatamento tenha ocorrido
a falta de infraestrutura administrativa das
para a realização de atividade econômica, não
prefeituras municipais. Exemplos típicos são os
é possível afirmar isso apenas pelos fatos nar-
seis inquéritos que investigam a estrutura da
rados nos autos. No processo em que há depó-
Secretaria de Meio Ambiente em cada municí-
sito irregular de resíduos da construção civil na
pio ou outros sete que interrogam acerca da
Bacia Hidrográfica do Sarapuí fica claro que o
elaboração de Plano Municipal de Gestão de
problema se dá a partir da atividade econômica
Resíduos Sólidos, o que acaba por levar à falta
de construção civil, e, por isso, optamos por in-
de infraestrutura urbana adequada. Assim, po-
cluí-lo na categoria “problemas relacionados ao
demos apontar:
Problemas segundo natureza ambiental
(ALIER)
Conservacionistas
4%
Relacionados
ao desenvolvimento
econômico
59%
350
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Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
Principais problemas ambientais
Ao mesmo tempo, o Parquet abriu seis
inquéritos civis para apurar se os municípios de
Identificar os problemas ambientais de maneira
Seropédica, Nova Iguaçu, Nilópolis, Mesquita,
específica consistiu em uma tarefa difícil, pois,
Queimados e Japeri elaboraram e implemen-
em geral, o problema ambiental se apresenta
taram o Plano Municipal de Gestão Integrada
de maneira complexa e integrada, sendo difícil
de Resíduos Sólidos, o que é um dos serviços
localizá-los em uma única categoria.
públicos de saneamento básico.
Tomemos como exemplo a questão da
Além disso, existem dois casos de lotea-
ausência de saneamento básico. O Ministério
mentos sem infraestrutura alguma, inclusive
Público abriu três inquéritos civis para apurar
abastecimento de água. Todos esses casos fo-
se os municípios de Mesquita, Nilópolis e Ita-
ram colocados como problemas de infraestru-
guaí dispunham de sistema de saneamento bá-
tura urbana.
sico, solicitando aos mesmos que informassem
O mesmo ocorre na investigação do ex-
ao órgão, por meio de planilhas individualiza-
cesso de poluição atmosférica lançada por uma
das por
pedreira em Nova Iguaçu: além do lançamento
áreas ou bairros integralmente dotados
de sistema de saneamento básico, incluída a prestação de serviços de abastecimento de água potável, esgotamento
sanitário, limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos, drenagem e manejo de
águas pluviais, consoante art. 3º da Lei
11445/07.
de partículas no ar, investigou-se se a empresa
possuía licença ambiental para tal extração, e,
ainda, se ela estava de acordo com o zoneamento urbano. Assim, acaba ocorrendo a incidência de mais de um problema.
Dessa forma, é possível apontar os seguintes problemas ambientais:
Problemas ambientais
Falta de infraestrutura urbana – 29%
Poluição –31%
Funcionamento de empresa sem licença ambiental – 12%
Uso indevido do espaço público – 8%
Desmatamento de áreas protegidas – 5%
Falta de infraestrutura administrativa – 15%
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351
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Como “poluição” pode ser de diversos tipos, apontamos:
Poluição
3%
Atmosférica
Sonora
Por resíduos lançados no solo
Por resíduos lançados em águas/esgotos
E, numa relação dos problemas com os municípios investigados:
Mapa – Principais problemas por município
Uso indevido do espaço público – 58%
Falta de infraestrutura urbana – 16%
Funcionamento de empresas sem licença – 37%
Falta de infraestrutura administrativa – 27%
Falta de infraestrutura urbana e poluição – 23%
Desmatamento e falta de infraestrutura administrativa – 15% cada
Falta de infraestrutura admnistrativa – 40%
Falta de infraestrutura urbana e outros – 30% cada
Poluição – 37%
Falta de infraestrutura urbana – 21%
Falta de infraestrutura urbana – 33%
Falta de infraestrutura urbana, poluição e funcionamento
de empresas sem licença – 17% cada
Poluição – 41%
Outros – 15%
LEGENDA
Seropédica
Nilópolis
Nova Iguaçu
Itaguaí
Japeri
Mesquita
Queimados
Fonte: desenho de Camila Borghezan.
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Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
A partir dos quadros, é possível levantar
O despejo de resíduos é uma questão
algumas conclusões. Primeiramente, é interes-
vital do século XXI, pois nosso modelo de con-
sante notar que os problemas relacionados à
sumo acaba por produzir lixo em excesso: só
poluição ocorrem nos municípios com maior
o município do Rio de Janeiro produz 9,5 mil
atividade industrial, sobretudo Nova Iguaçu. As
toneladas diárias, e dessas, 7,5 mil vão para
denúncias estão relacionadas, em sua maioria,
o aterro sanitário de Seropédica. Não é à toa
a atividades industriais ou comerciais. Relata-
que a Política Nacional de Resíduos Sólidos
mos algumas a seguir, apenas para ilustrar.
(Lei 12305/10) e a Lei Nacional de Saneamento
Em termos de poluição atmosférica, há
Básico (Lei 11445/07) foram sancionadas: pre-
denúncia contra uma antiga pedreira que, em
cisamos equacionar essas questões. Na pesqui-
sua atividade, lança um pó fino no ar, que entra
sa, os resíduos aparecem em muitos casos. Há,
nos pulmões das crianças e adultos do entorno,
por exemplo, lançamento de óleo e resíduos
provocando diversas doenças respiratórias. Em
de limpeza de fossa em galerias de drenagem
Nova Iguaçu, há também o caso de uma usi-
por uma Viação em Mesquita; despejo irregu-
na de concreto que é vizinha à pedreira, fun-
lar de resíduos químicos, tanto em Nova Iguaçu
cionando sem licença ambiental e gerando um
quanto Seropédica, por empresas de casas pré-
ar poluído que detona problemas respiratórios,
-fabricadas e químicas. Há ainda inquérito para
coceira e irritações nos moradores e na escola
apurar se a empresa responsável pelo aterro
municipal vizinha. O abaixo-assinado chegou
sanitário de Seropédica (em funcionamento há
ao MP com 140 assinaturas. O detalhe é que
pouco mais de um ano, recebendo atualmente
tanto a pedreira quanto a usina de concreto
8 mil toneladas de resíduos domésticos por dia)
estão em área não permitida pelo zoneamen-
implantou um sistema de captação e tratamen-
to municipal, junto com uma usina de asfalto
to de biogás, que era uma das condicionantes
mais duas de concreto.
de sua Licença. Há caso também de armazena-
Já a poluição sonora se relaciona a ativi-
mento irregular de resíduos em um restaurante
dades comerciais. Em Seropédica, temos quatro
em Nova Iguaçu, gerando proliferação de veto-
quiosques que foram investigados devido ao
res e fortes odores na vizinhança.
som alto durante a noite. Contudo, os donos
Outra categoria de muita incidência é
informaram que são os clientes que, durante o
a “falta de infraestrutura urbana”. Nesses
consumo de álcool, ligam o som de seus car-
casos, aparecem principalmente situações
ros, fato que eles entendem não poder impedir.
relacionadas à ausência de saneamento bá-
Relatam inclusive que a polícia é sempre cha-
sico, em seu sentido amplo. O Ministério Pú-
mada, mas os consumidores abaixam o som e
blico cobra que os municípios elaborem Plano
voltam a aumentá-lo depois. Em Nova Iguaçu,
Municipal de Saneamento Básico e também
a denúncia é semelhante: barulho em uma
Plano Municipal de Gestão Integrada de Re-
Piscina Bar, agravada a situação por questões
síduos Sólidos. Há também caso de um lo-
relacionadas ao armazenamento e acondicio-
teamento clandestino em Queimados sem
namento dos alimentos e pelo descarte inade-
nenhum tipo de equipamento urbano: escoa-
quado dos resíduos sólidos do restaurante.
mento de águas pluviais, iluminação pública,
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353
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
esgotamento sanitário, abastecimento de
problemas ambientais estão relacionados a
água potável, energia elétrica pública, vias de
questões de cunho sociais. Nesse sentido, vale
circulação. A energia residencial, os morado-
a pena citar o relatório do Brasil para a Confe-
res providenciaram. Em outro loteamento em
rência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
Nova Iguaçu, esse irregular e não clandestino,
e Desenvolvimento:
não havia luz, água e nem asfalto.
Um caso que chama a atenção pela forma como o MP relata a situação ocorre em
Seropédica. O Parquet define o caso como
“omissão do poder público”. Trata-se de falta
de saneamento, mas que gera risco de enchentes e transbordamento de esgoto, ocorrendo a
proliferação de vetores, colocando em risco a
saúde da população. Outro caso curioso é a no-
[...] as duas causas básicas da crise ambiental são a pobreza e o mau uso da
riqueza: os pobres são compelidos a
destruir, no curto prazo, precisamente os
recursos nos quais se baseiam as suas
perspectivas de subsistência a longo prazo, enquanto a minoria rica provoca demandas à base de recursos que em última
instância são insustentáveis, transferindo
os custos uma vez mais aos pobres.
tícia de desmoronamento de um muro, em Nova Iguaçu, cujos escombros ainda estariam no
Cumpre ainda ressaltar que cabe ao Po-
local, obstruindo a livre circulação de veículos e
der Público se estruturar para efetivar a pro-
pedestres da rua, impedindo o restabelecimen-
teção ambiental definida constitucionalmen-
to da rede elétrica e a avaliação de danos a veí-
te. Nesse sentido, embora contemos com leis
culos particulares. A questão é que o muro caiu
boas, os municípios da Baixada Fluminense
porque estava em local instável, não resistindo
investigados não têm arrecadação suficiente
à chuva forte.
para constituir seu próprio órgão ambiental,
Dessa forma, podemos perceber que
bem como não têm empresa de limpeza pró-
muitas vezes é a ausência de condições básicas
pria (à exceção de Nova Iguaçu), e seus ater-
de vida que gera o “problema ambiental”. A
ros estão sendo construídos em regime de
ausência de saneamento básico gera doenças
consórcio e com parceiros privados. Nos seis
como desidratação e leptospirose, além da con-
casos categorizados como “falta de infraes-
vivência com odores e animais transmissores
trutura administrativa”, todos são inquéritos
de diversos tipos de doença. O desmatamento
em que o MP questiona os municípios acerca
de áreas de maneira precária, com queima-
da organização do sistema municipal do meio
das e sem o mínimo de preservação, é que vai
ambiente, que deve “ser composto, no míni-
gerar a erosão do solo, o desaparecimento de
mo por conselho municipal do meio ambiente,
córregos e os desmoronamentos em época de
fundo municipal do meio ambiente, órgão ad-
grandes chuvas. A concentração de empresas
ministrativo executor da política publica muni-
poluidoras em determinados municípios (zo-
cipal e guarda municipal ambiental”. Nenhum
nas de sacrifício) gera doenças respiratórias e
município tem essa estrutura dentre os seis in-
alérgicas pela poluição do ar, contaminação da
vestigados: a) Seropédica tem apenas secreta-
água e do solo, enfim, baixa qualidade de vida.
ria de meio ambiente; b) Japeri tem secretaria
Não há dúvida: nos países pobres, os grandes
de meio ambiente e agricultura e fez concurso
354
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Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
para guarda municipal; c) Nilópolis tem a se-
Nesse sentido, equacionar a questão am-
cretaria de obras, meio ambiente e agricultura,
biental parece exigir, de fato, novos modelos
fez concurso para guarda municipal e tem fun-
de produção, novos modos de agir e de pensar
do, mas sem conta e sem indicação de adminis-
o ambiente e mesmo o desenvolvimento, não
trador; d) Queimados não tem nem secretaria,
podendo esse ser entendido meramente como
o meio ambiente é tratado pela secretaria de
desenvolvimento econômico, sem incorporar
fazenda; e) Nova Iguaçu tem secretaria de meio
maior distribuição da renda, do conhecimento
ambiente e agricultura, guarda municipal, fun-
e dos riscos ambientais.
do, conta, faltando nomear o administrador do
fundo; f) Itaguaí tem guarda municipal ambiental, mas como cargo comissionado, e o órgão
executor é a secretaria de agricultura, meio
Conclusão
ambiente e pesca. Não tem fundo, nem conta,
nem administrador. Ressalte-se que o questio-
É possível relacionar espacialmente pobreza e
namento da Promotoria é com a intenção de
maior concentração de atividades poluentes,
averiguar se esses municípios estariam rece-
que atingem a saúde e o bem-estar da popu-
bendo repasse do ICMS verde, de acordo como
lação ocupante daquele espaço geográfico, tal
art. 3º da Lei 5100/07. Ou seja, a falta de estru-
qual propõe o conceito/movimento de Justiça
tura define a falta do repasse.
Ambiental. Nesse sentido, o Desenvolvimento
Dessa forma, parece-nos que a pobreza,
Sustentável é incorporado como a grande refe-
seja da população, seja do próprio município,
rência discursiva da nova ordem mundial, em
gera injustiças ambientais e zonas de sacrifício
que o Poder Público, as empresas e as pessoas
que devem ser reconhecidas como consequên-
devem assumir novas posturas e novas cren-
cia de políticas públicas perversas, e, por isso,
ças acerca de seus modos de vida, reduzindo
modificadas, sob pena de não alcançarmos
a produção e o consumo para a sustentabili-
nenhum tipo de sustentabilidade ambiental,
dade e manutenção da qualidade de vida para
sustentando o que já existe, ou seja, desigual-
as gerações futuras, ainda que não esteja claro
dades socioambientais e espaciais. Como escla-
se a ideia de sustentabilidade incorpora uma
rece Vieira (2009, p. 102):
dimensão socioambiental em sua implementa-
Na realidade, não se trata de escolher
entre meio ambiente e desenvolvimento, mas sim entre diferentes formas de
desenvolvimento, algumas das quais se
preo cupam com o meio ambiente, enquanto outras não. Os esforços internacionais para a preservação ecológica do
planeta só serão bem-sucedidos se atenderem ao pré-requisito de mais justiça
econômica para os países pobres.
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ção. Contudo, sem essa dimensão manteremos
a produção de injustiças, num círculo vicioso.
Portanto, compatibilizar o desenvolvimento e a preservação de um ambiente saudável é um dos grandes desafios da humanidade,
e o processo histórico demonstra que, até aqui,
as minorias políticas sofreram mais as consequências dessas práticas, trabalhando e vivendo próximas a locais poluídos ou degradantes.
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Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Ainda que esteja ocorrendo uma reconfigura-
Metropolitana do Rio de Janeiro, a Baixada
ção da região metropolitana do Rio de Janei-
Fluminense é reconhecida como uma área in-
ro, com novos usos e funções para o centro e
dustrial, poluída e mais pobre do que a capi-
periferias, podemos observar pelos processos
tal. Os casos levantados em pesquisa desen-
apurados, que a população da Baixada Flumi-
volvida na Universidade Federal Rural do Rio
nense tem uma percepção de seus problemas
de Janeiro apontam para uma correlação entre
ambientais numa linha claramente vinculada
a falta de infraestrutura urbana e a produção
ao desenvolvimento de atividades econômicas
de intensa poluição em espaços vulneráveis,
no meio urbano, ou seja, é ela que paga o ônus
como os principais problemas ambientais sen-
do desenvolvimento.
tidos pela população, contribuindo com a te-
Portanto, a formação de zonas de sa-
se que identifica a crise ambiental como uma
crifício é uma demonstração da distribuição
consequência do nosso modelo de desenvolvi-
desigual dos riscos ambientais, seja entre paí-
mento, e que joga para determinadas minorias
ses, seja em um país. No espaço da Região
os riscos ambientais.
Tatiana Cotta Gonçalves Pereira
Graduada em Direito, Mestre em Direito da Cidade e doutoranda em Sociologia e Direito.
Professora Assistente de Direito Ambiental e de Direito Urbanístico do Departamento de Ciências
Jurídicas, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro. Seropédica/RJ, Brasil.
[email protected]
Notas
(1) Expressão em francês que significa Ministério Público. Tal expressão é bastante utilizada no
Direito pátrio.
(2) As alunas, por serem graduandas e estarem no meio do curso, apresentaram dificuldades no
manuseio e compreensão dos processos que levantaram, e talvez esse seja um dos fatores de,
ao fim de um ano, termos pouco mais de 100 processos catalogados. Mas, além de elas fazerem
o levantamento sem ter do ainda disciplinas como Direito Ambiental e Direito Processual Civil,
que facilitaria a compreensão dos termos técnicos, também nham que manusear processos
muito volumosos, em média com seis volumes. Nossa avaliação, entretanto, é que muito se
aprendeu nesse caminho, o que é, enfim, uma das principais funções de uma pesquisa em nível
de graduação.
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Sustentabilidade e justiça ambiental na Baixada Fluminense
(3) Um inquérito civil é um procedimento administra vo inves gatório, inquisi vo, instaurado e
presidido pelo próprio Parquet, cujo obje vo é a coleta de elementos de prova e de convicção
para futuras atuações processuais (Ação Civil Pública) ou extraprocessuais (facilitando
conciliações extrajudiciais em conflitos ambientais como Termos de Ajustamento de Conduta),
se a Promotoria assim entender, podendo também ser arquivado, se nada for apurado como
irregular.
(4) É preciso esclarecer que essa referência nos pareceu muito di cil de ser u lizada, sobretudo
essa dis nção entre meio ambiente natural e meio ambiente urbano, posto que nos dias de
hoje não é possível perceber uma natureza intocada, imune à ação humana, ni damente de
conotação urbana. De fato, nos parece que as grandes questões ambientais estão no contexto
urbano. Assim, só foi classificado como meio ambiente natural o inquérito civil que inves gasse
problemas diretamente relacionados à fauna e à flora, em que a intervenção humana exis a,
mas não foi alvo da denúncia.
(5) “O pulmão preto produzido no local de trabalho, os folheados de amianto em casa, e a carga de
fumaça nos parques infan s” fazem parte da temá ca ambiental, segundo Swyngedouw e Cook
(p. 17).
(6) Procedimentos preparatórios é o estágio inicial, quando se recebe a denúncia; a fase seguinte
é o inquérito civil e, se necessário, pode ocorrer a propositura de ação civil pública. Os dois
primeiros procedimentos são administra vos, o úl mo judicial.
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Texto recebido em 31/ago/2012
Texto aprovado em 29/set/2012
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A revista Cadernos Metrópole, de periodicidade semestral, tem como enfoque o debate de
questões ligadas aos processos de urbanização e à questão urbana, nas diferentes formas que assume
na realidade contemporânea. Trata-se de periódico dirigido à comunidade acadêmica em geral,
especialmente, às áreas de Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografia,
Demografia e Ciências Sociais.
A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos da temática urbana, que dialogam
com o debate sobre os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema
político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão baseados na
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CASTELLS, M. (1983). A questão urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra.
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(org.). Título do livro. Cidade de edição, Editora.
Exemplo:
BRANDÃO, M. D. de A. (1981). “O último dia da criação: mercado, propriedade e uso do solo em Salvador”. In: VALLADARES, L. do P. (org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro, Zahar.
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número do periódico, páginas inicial e final do artigo.
Exemplo:
TOURAINE, A. (2006). Na fronteira dos movimentos sociais. Sociedade e Estado. Dossiê Movimentos
Sociais. Brasília, v. 21, n. 1, pp. 17-28.
Trabalhos apresentados em eventos científicos
AUTOR DO TRABALHO (ano de publicação). Título do trabalho. In: NOME DO CONGRESSO, número, ano,
local de realização. Título da publicação. Cidade, Editora, páginas inicial e final.
Exemplo:
SALGADO, M. A. (1996). Políticas sociais na perspectiva da sociedade civil: mecanismos de controle
social, monitoramento e execução, parceiras e financiamento. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENVELHECIMENTO POPULACIONAL: UMA AGENDA PARA O FINAL DO SÉCULO. Anais. Brasília, MPAS/SAS,
pp. 193-207.
Teses, dissertações e monografias
AUTOR (ano de publicação). Título. Tese de doutorado ou Dissertação de mestrado. Cidade, Instituição.
Exemplo:
FUJIMOTO, N. (1994). A produção monopolista do espaço urbano e a desconcentração do terciário de
gestão na cidade de São Paulo. O caso da avenida Engenheiro Luís Carlos Berrini. Dissertação de
mestrado. São Paulo, FFLCH.
Textos retirados de Internet
AUTOR (ano de publicação). Título do texto. Disponível em. Data de acesso.
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