Acadêmico: Talvane Marins de Moraes (MEMÓRIA)

Transcrição

Acadêmico: Talvane Marins de Moraes (MEMÓRIA)
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CAPACIDADE CIVIL E DOENÇA MENTAL
UM ESTUDO PSIQUIÁTRICO-FORENSE DOS FATORES DETERMINANTES DA
INCAPACIDADE CIVIL NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
Talvane M. de Moraes
DEDICATÓRIA
A querida esposa Aranid, pois o enriquecimento de minha vida se
deveu ao amor que descobri em você.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Katia Mecler
Aos Excelentíssimos Senhores Juízes de Direito Cezar Augusto Rodrigues Costa e
Wagner Cinelli, pela viabilização da coleta de dados.
Ao Dr. Luiz Eduardo Drumond por me disponibilizar material imprescindível para a
pesquisa.
Às alunas, Renilma Coelho, Bruna Arkader Fragoso e Carolina Silva, pelo interesse
em participar da pesquisa através de discussões em grupo, coleta e criação do banco
de dados.
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EPÍGRAFE
“Triste época em que vivemos, na qual é
mais fácil desintegrar um átomo do que
quebrar um preconceito.”
Albert Einstein
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RESUMO
Interdição e curatela muito embora sejam instrumentos para a garantia de direitos do
doente mental, representam o cerceamento legal de direitos fundamentais de cidadania.
O presente trabalho focaliza a aplicação, no Brasil, dos institutos da interdição e
curatela.
A principal proposta do estudo é examinar, comparativamente, as legislações
internacionais nessa matéria, focalizando as do Brasil, França, Alemanha, Itália e
Estados Unidos.
Encontramos internacionalmente uma evolução desde um modelo de curatela
predominantemente paternalista, para outro no qual prevalecem os direitos individuais.
Também apresentamos diferentes achados obtidos a partir de um levantamento de dados
dos processos de interdição de quatro varas de órfãos e sucessões, localizadas no fórum
do Rio de Janeiro. As características predominantes entre os interditandos foram: sexo
masculino (51,1%), caucasianos (77,8%), solteiros (65,4%), com baixos níveis de
escolaridade (82,8%), qualificação profissional (63,6%) e situação socioeconômica
(73,8%), apresentando diagnósticos de Deficiência Mental (38,9%) ou Demência
(35,2%), e motivados, na grande maioria, por exigência administrativa de órgãos da
União e dos Estados no sentido de conseguirem acesso a benefício previdenciário em
decorrência de incapacidade para o trabalho por doença mental.
Quando a motivação foi a necessidade de administrar o patrimônio do interditando,
prevaleceram entre estes as mulheres, de nível sócio-econômico, escolaridade e
qualificação profissional mais elevados, e apresentando quadros demenciais. As
conclusões dos peritos foram acatadas pelos juízes em 100% dos processos, e a
interdição global de direitos civis foi a sentença em 95,8%. Quando a motivação foi
ligada a interesses patrimoniais, nossos dados concordaram com os dados genéricos das
interdições em países desenvolvidos, ou seja, predominância entre os interditandos de
mulheres, casadas ou viúvas, com patrimônio, e diagnóstico de Demência. Esta
semelhança deve refletir o fato de que este grupo no Brasil, sendo parte dos extratos
socioeconômicos mais elevados, aproxima-se das características sócio-econômicas
médias dos interditandos dos países desenvolvidos. Outros estudos brasileiros
encontraram semelhantes motivadores: acesso a direitos previdenciários ou à gerência
patrimonial – e não a garantia de meios legais para a prestação legítima da Civil
assistência necessária, nem a proteção dos direitos do mentalmente incapaz.
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ANEXOS
ANEXO I -
LEI Nº 3.071 - DE 1º DE JANEIRO DE 1916,
Antigo Código Civil Brasileiro. (Excertos)
ANEXO II - LEI No 5.869 - DE 11 DE JANEIRO DE 1973,
Antigo Código Civil Brasileiro.(Excertos)
ANEXO III - LEI Nº 10.406 - DE 10 DE JANEIRO DE 2002,
Novo Código Civil Brasileiro.(Excertos)
ANEXO IV - LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL – LOAS – LEI Nº 8.742
- DE 07 DE DEZEMBRO DE 1993. (Excertos)
ANEXO V -
Decreto Nº 3.048 - DE 6 DE MAIO DE 1999
- Diário Oficial da União, de 7/5/99. (Excertos)
ANEXO VI -
MEMORANDO CIRCULAR INSS/GEXRJC/GAB/nº 185/2006
ANEXO VII - Artigo publicado, traduzido para o português: “Guardianship in Brazil –
A Comparative Perspective”.
ANEXO VIII – Artigo publicado, traduzido para o português: “Incapacitated Adults in
Brazilian Law”.
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SUMÁRIO
Folha de rosto..............................................................................................................ii
Ficha catalográfica......................................................................................................iii
Dedicatória..................................................................................................................iv
Agradecimentos...........................................................................................................v
Epígrafe......................................................................................................................vi
Resumo.....................................................................................................................vii
Lista de anexos...........................................................................................................viii
Sumário.......................................................................................................................ix
Introdução................................................................................................................. 1
Artigo : Avaliação judicial da capacidade civil dos portadores de transtornos
mentais na comarca do Rio de Janeiro..................................................................... 31
Discussão/Conclusões.............................................................................................. 72
Referências bibliográficas........................................................................................ 77
Anexos...................................................................................................................... 81
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INTRODUÇÃO
O tema “Capacidade Civil e Doença Mental” vem despertando o nosso interesse
desde 2001, quando coordenávamos equipe de pesquisadores no Programa de Ética e
Psiquiatria Forense, do Instituto de Psiquiatria – IPUB- da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Nossas observações na pesquisa destacavam a importância de uma reflexão sobre
a prática pericial na área civil e sobre aspectos relacionados à aferição da capacidade
civil no Brasil, particularmente no estado do Rio de Janeiro.
Um dos aspectos que motivou o nosso interesse por este tema foi a escassez de
publicações sobre o mesmo na literatura nacional, até esta data. Até então, os poucos
trabalhos científicos na área de psiquiatria forense em geral versavam sobre temas na
área penal.
Na verdade, a nossa atenção por temas de natureza psiquiátrico-forense em um
primeiro momento esteve centrada na questão da responsabilidade penal, o que resultou,
no ano de 1996 na linha de pesquisa relacionada à dissertação de mestrado da Professora
Dra. Katia Mecler, da qual fui orientador – Periculosidade e Inimputabilidade – um
estudo dos fatores envolvidos na determinação da cessação da periculosidade do doente
mental infrator (Mecler, 1996). Foi possível inferir na literatura pesquisada que as
noções de periculosidade e incapacidade condicionaram historicamente a legislação e a
práxis psiquiátrica, constituindo o ponto crucial para as previsões que balizarão a atitude
da sociedade para com os doentes mentais.
Em outubro de 2001, a Dra. Katia Mecler venceu o prêmio Álvaro Rubim de
Pinho, com o trabalho Loucos de todo o gênero – revisando conceitos e implicações
médico-legais. Verificou-se que, em pleno ano de 2001, às vésperas da promulgação do
novo Código Civil, a persistência da normatização do ato jurídico na sociedade brasileira
por conceitos que já em 1916 eram combatidos, quando do lançamento da Lei 3.071 de
1916, do Código Civil Brasileiro. Diante desta leitura de nossa realidade histórica,
procuramos investigar as construções teóricas e doutrinárias que ampararam, na virada
do século XIX para o século XX, o estabelecimento dos conceitos vigentes acerca do
instituto da interdição civil e curatela no Código Civil brasileiro (Mecler et al., 2001).
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A interdição civil pode ser definida como o ato judicial que declara, por sentença,
a incapacidade de fato, real e efetiva, de pessoa maior, para a prática de alguns atos da
vida civil. No contexto deste debate, assumem fundamental importância as noções de
capacidade jurídica, capacidade de exercício e de incapacidade.
Segundo o art. 1o do Código Civil Brasileiro (Brasil, 2002, art. 1.º), “toda pessoa
é capaz de direitos e deveres na ordem civil”. Por personalidade, no mundo moderno e na
quase totalidade dos países, entende-se a mera circunstância de existir que confere ao
homem a possibilidade de ser titular de direitos.
Assim, afirmar que o homem tem personalidade é o mesmo que dizer que ele tem
capacidade para ser titular de direitos. A lei civil entende que a capacidade civil se inicia
com o nascimento com vida da pessoa e somente se extingue com a morte. Portanto,
capacidade de direito é a capacidade de a pessoa adquirir direitos e contrair obrigações.
Já a capacidade de exercício ou de fato é a possibilidade de praticar por si os atos da vida
civil, dependendo, portanto, sob o prisma jurídico, da correta apreciação que tenha da
realidade, de que consiga distinguir o lícito do ilícito e o conveniente do prejudicial
Incapacidade é, portanto, o reconhecimento da inexistência, numa pessoa, daqueles
requisitos necessários para agir por si, como sujeito ativo ou passivo de uma relação
jurídica (Rodrigues, 2007).
De acordo com o Código Civil em vigor, é considerada incapaz a pessoa que,
embora portadora da capacidade de direito, devido a alguma deficiência não está apta
para o exercício pessoal da atividade civil. É aquela pessoa que, por não ter
discernimento ou não poder expressar sua vontade de forma duradoura, não pode exercer
pessoalmente, com autonomia, os atos da vida jurídica, só podendo fazê-lo com a
assistência de outrem, ou por representação (Brasil, 2002).
Em relação a este aspecto, o Código Civil brasileiro estabelece em seu artigo
1.767, que estão sujeitos à curatela (cuja palavra ‘cura’+sufixo, do verbo ‘curare’,
significa cuidar, olhar e velar) aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil; aqueles que, por
outra causa transitória, não puderem exprimir a sua vontade; os deficientes
mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os excepcionais sem completo
desenvolvimento mental e os pródigos (Brasil, 2002).
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No Brasil, na hipótese de interdição absoluta, todos os atos do incapaz devem ser
praticados pela pessoa nomeada pelo juiz para substituir-lhe nas manifestações dos atos
da vida civil, que, em direito, recebe o nome de curador.
Nas hipóteses de interdição parcial, o curador também é responsável pela prática
de todos os atos do curatelado, dentro dos limites em que for decretada sua incapacidade.
Vale salientar que a principal finalidade da curatela é cuidar dos interesses da
pessoa que, por sua condição pessoal, não tem possibilidades de, sozinha, gerenciar seus
interesses e negócios. Seu pressuposto fático é, portanto, a incapacidade. Não pode haver
curatela senão deferida pelo juiz (Carvalho, 1995).
A primeira referência histórica a medidas de curatela é encontrada no Direito
Romano. A Lei das XII Tábuas, primeira lei escrita dos Romanos, foi elaborada no ano
450 e 440 a.C. (Moreira Alves, 2007). Em sua Tábua Quinta, continha disposições sobre
a curatela do alienado mental (“furiosi, demente e mentecapti”), cujo “curador”, entre os
parentes mais próximos, deveria esforçar-se pela cura, velar por ele, fazê-lo internar em
local seguro, além de guardar seus bens. Em relação à interdição do pródigo, designavase um “curador” para consentir em determinados atos praticados, bem como para gerirlhe os bens (negotium gerere) (Moreira Alves, 2007). Tal modelo, considerado uma
forma benigna de proteger pessoas com problemas mentais, tornou-se a base para a
legislação de interdição e curatela na maioria dos países ocidentais. No transcorrer do
século XX, o aumento da consciência mundial a respeito da importância da manutenção
da dignidade da pessoa humana levou a comunidade jurídica a novas reflexões a respeito
do instituto. Tal movimento trouxe profundas reformas jurídico-legislativas, nas medidas
de proteção ao adulto incapacitado (Blankman, 1997).
Nas últimas três décadas, a maioria das leis formuladas em países desenvolvidos,
passaram a incluir a possibilidade de delegar-se a um curador parcial um poder decisório
específico, respeitadas as necessidades, circunstâncias, bem como a dignidade e a
autonomia, de acordo com as competências preservadas do incapaz ou parcialmente
incapaz (Blankman, 1997; Carney & Tait, 1997; Kaap, 1998; Gordon, 2000, 2001;
Doron, 2002). Enfatizam que a decisão de limitar o exercício autônomo de direitos,
designando-se um curador, não deve repousar tão somente sobre a existência de um
diagnóstico psiquiátrico, mas deveria também levar em conta o nível de funcionamento
sócio-pragmático-adaptativo (Moye, 2003). Abre-se assim um leque inovador de
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recursos que permitem que indivíduos mentalmente prejudicados recebam assistência na
tomada de decisões, preservando-se assim, a essência de seus direitos.
No Brasil, entretanto, as alterações referentes à interdição civil e curatela só
foram efetivadas com a entrada em vigor do novo Código Civil (Brasil, 2002), que
passou a vigorar a partir de janeiro de 2003. Observamos que desde o século XIX os
debates legislativos acerca dos procedimentos de interdição e curatela não incorporaram
os progressos do conhecimento psiquiátrico nem tampouco as reformas conduzidas na
assistência psiquiátrica (Mecler, 2001). Parece-nos que um dos principais motivos pelos
quais nossos legisladores não conseguiram até agora formular leis adequadas à nossa
realidade foi a escassez de pesquisas empíricas que avaliem a execução da lei no
contexto social e institucional brasileiro.
Nos últimos anos tem havido algumas tentativas de coletar dados sobre como
previsões legais afetam, em termos práticos, a questão da curatela de adultos. Neste
aspecto, Carney & Tait (1998, p.143), afirmam: “comitês de reforma jurídica em todo o
mundo analisaram minuciosamente o que a Lei prevê e o que poderia acontecer na teoria.
O que acontece na prática, porém, não é tão bem determinado.”
Estudando a literatura nacional sobre o tema, encontramos estudos com amostras
e metodologias distintas (Delgado, 1992; Diaz, 2001; Vieira, 2003; Teixeira et al., 2003;
Medeiros, 2005). Delgado (1992) e Diaz (2001), em levantamentos de 692 registros
cartoriais de interdição no município do Rio de Janeiro, e de 39 processos de interdição
em Angra dos Reis, respectivamente, apontam a equivocada equiparação entre
incapacidade laborativa e incapacidade para todos os atos da vida civil, e sugerem que
as interdições vêm sendo conduzidas à revelia da verdadeira necessidade de limitar
o exercício dos direitos civis em razão de transtornos mentais graves.
Em 1996, um novo benefício passou a assistir pessoas idosas com mais de 65
anos, assim como portadores de deficiência incapacitados para a vida independente e
para o trabalho, cuja renda familiar per capita seja menor do que ¼ de salário mínimo: o
“Benefício de Prestação Continuada” (BPC) previsto na Lei Orgânica da Assistência
Social (LOAS) (Brasil, 1993, 1995). Desde então, segundo Medeiros (2005), cresceu
consideravelmente o número de interdições no Brasil entre a população de baixa renda.
Segundo a autora, um elevado número de pessoas tem sido interditadas como pré-
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condição para o gozo de benefícios da seguridade social. Embora este benefício seja
alcançável sem o requisito da interdição 1, na prática, esta parece estar sendo exigida.
Numa perspectiva internacional, desde os anos 80, investigações empíricas
conduzidas em países desenvolvidos têm produzido informações sobre interditandos e
requerentes, assim como acerca dos resultados dos processos de interdição. Alguns
autores têm encontrado que os interditados eram geralmente de cor branca (Lisi e
Hommel, 1992), do sexo feminino (Friedman e Savage, 1988; Bulcroft et al., 1989; Lisi
e Hommel, 1992), acima de sessenta anos (Friedman e Savage 1988; Bulcroft et al.,
1989; Lisi e Hommel, 1992; Doron, 2004), portadores de doenças mentais severas (Frank
& Degan, 1997; Melamed, 2000), e de níveis econômicos diversos (Lisi e Hommel,
1992). Outro achado foi que maioria dos curadores eram parentes próximos (Friedman e
Savage, 1988; Iris, 1988; Bulcroft et al., 1989).
No presente trabalho procuramos realizar estudos teóricos e de pesquisa de
campo com finalidade de compreender os atuais conceitos de interdição e curatela na
legislação brasileira, bem como de sua aplicação, no Brasil.
Examinamos, comparativamente, legislações internacionais concorrentes no
âmbito da interdição e curatela, sendo incluídos Brasil, França, Alemanha, Itália e
Estados Unidos. Também investigamos fatores preditivos das interdições civis no
município do Rio de Janeiro, comparando-os com a literatura científica nacional
disponível.
Buscou-se descrever o perfil sócio-demográfico, os motivos para os
requerimentos, as conclusões dos peritos, a concordância dos juízes e os resultados dos
processos de interdição, de 4 Varas de Órfãos e Sucessões, localizadas no fórum do Rio
de Janeiro, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2002. Correlacionamos os
resultados encontrados e analisamos suas eventuais implicações jurídico-administrativas.
No artigo III, de aspectos metodológicos semelhantes ao estudo anterior, o enfoque foi a
comparação dos nossos achados com estudos internacionais.
1
O Decreto nº. 5.699/2006 revogou os § 1º e 2º, do artigo 162, do Decreto 3.048/99, e, contém
orientações ao INSS que estabelecem os procedimentos a serem adotados em relação a exigência do
Termo de Curatela, sendo expressa e formalmente afastada a exigência de apresentação do respectivo
Termo, definitivo ou provisório, para concessão de quaisquer benefícios, previdenciário ou assistencial,
devido à indivíduos portadores de deficiência mental.
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No decorrer do século XX, importantes desenvolvimentos capacitaram à
psiquiatria a modificar seu padrão característico de intervenção, outrora centrado no
asilamento hospitalar, para um outro capaz, mesmo em casos graves, de ambicionar a
supressão de sintomas e a reabilitação social, reintegrando o doente nos espaços e
funções da vida cotidiana.
A doutrina de proteção aos direitos do cidadão, que se instalou
hegemonicamente internacionalmente após a 2ª Guerra Mundial, acompanhou-se
igualmente do desenvolvimento de instrumentos de proteção aos direitos do cidadão
portador de transtorno mental contra os maus-tratos e a negligência social e estatal. A
interdição total de quem não a necessita passou a ser vista como constrangedora ao
processo de reabilitação, e instrumento de cronificação.
Em anos recentes, alguns países têm adotado novas legislações que indicam
uma clara preferência por alternativas menos restritivas e intrusivas que buscam
minimizar as desvantagens do instituto da curatela (Doron, 2002; Blankman, 1997). A
maioria das leis revisadas passaram a incluir a possibilidade de delegar-se a um curador
parcial um poder decisório específico, limitado e sob medida, respeitadas as
necessidades, circunstâncias, bem como a dignidade e a autonomia, de acordo com as
competências preservadas do indivíduo que necessita da curatela (Carney e Tait, 1998;
Atkins, 1997; Moye, 2003). Enfatizam que a decisão de limitar o exercício autônomo
de direitos, designando-se um curador, não deve repousar tão somente sobre a
existência de um diagnóstico psiquiátrico, mas sim levar em conta o nível de
funcionamento sócio-pragmático-adaptativo (Kapp, 1998).
No Brasil, o processo de interdição dos direitos civis dos portadores de
transtornos mentais é prescrito no artigo 1.177 e seguintes do Código de Processo Civil
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(Brasil, 1973). O processo tem início quando uma pessoa interessada e legítima
apresenta ao juiz uma petição especificando os atos que a seu ver revelam a existência
de uma anomalia psíquica no interditando e sua incapacidade para gerir sua pessoa e/ou
seus bens. Diante deste pedido, o juiz mandará citar o paciente para uma audiência na
qual será interrogado acerca de sua vida, negócios e sobre qualquer outro fato que o
juiz considerar relevante para avaliar o seu estado mental. Deferido o pedido, o juiz
nomeará perito médico para proceder ao exame do interditando. Uma vez apresentado o
laudo, o juiz marcará audiência de instrução e julgamento, em que comparecerá o
representante do Ministério Publico (órgão cuja atuação se faz presente ao longo de
todo o processo). Decretada a interdição, é nomeado curador ao interdito.
O Código Civil de 1916 (Brasil, 1916), vigente até janeiro de 2003, estabelecia
entre os absolutamente incapazes “os loucos de todo o gênero” (Art. 5°, II). Tal
expressão, retomada do Código Criminal de 1830, já era na ocasião considerada
defasada, e nem mesmo o autor do projeto do código de 1916, Clóvis Beviláqua, a
defendeu, tendo sido, contudo, inserida à sua revelia pela comissão responsável pela
redação final. Na oportunidade, diversos eminentes juristas, psiquiatras e médicoslegistas criticaram a redação dos artigos 5° e 6° do Código Civil de 1916 (Mecler et al.,
2001). Criticou-se ainda a falta do instituto da interdição parcial para as enfermidades
mentais mais brandas. Registre-se, portanto, a existência de uma perturbante ineficácia
histórica deste debate, traduzida pela manutenção da legislação civil de 1916 até 2002,
a despeito da opinião hegemônica acerca da inexatidão e insuficiência dos institutos de
proteção aos doentes mentais.
O novo Código Civil, lei número 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (Brasil,
2002), em tramitação desde 1975, adotou em seu artigo 3°, o termo “enfermidade
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mental”, originalmente proposto em 1900 por Rui Barbosa, em resposta ao termo
“Alienação Mental” empregado por Beviláqua. No artigo 4°, utilizaram-se os termos
“ébrios habituais”, “viciados em tóxicos”, “deficiência mental”, “excepcionais”,
“desenvolvimento mental completo”, pródigos. O recurso a estas expressões
anacrônicas e imprecisas frente aos desenvolvimentos científicos da psiquiatria atual,
deixa claro o atraso com que nasce a legislação em vigor (Taborda et al., 2004).
Observamos que desde o século XIX os debates legislativos acerca dos
procedimentos de interdição e curatela não incorporaram os progressos do
conhecimento psiquiátrico nem tampouco as reformas conduzidas na assistência
psiquiátrica (Mecler et al., 2001). Acreditamos que um dos principais motivos pelos
quais nossos legisladores não conseguiram até agora formular uma lei realista foi a
escassez de pesquisas empíricas que avaliem a execução da lei no contexto social e
institucional brasileiro.
Na revisão da literatura nacional encontramos estudos com amostras e
metodologias distintas (Delgado, 1992; Vieira, 2003). Delgado (1992) e Diaz (2001),
em levantamentos, respectivamente, de 692 registros cartoriais de interdição no
município do Rio de Janeiro, e de 39 processos de interdição em Angra dos Reis,
apontam a equivocada equiparação entre incapacidade laborativa e incapacidade para
todos os atos da vida civil, e sugerem que as interdições vêm sendo conduzidas à
revelia da verdadeira necessidade de limitar o exercício dos direitos civis em razão de
transtornos mentais graves.
Instituído em 1996 e administrado através do INSS, um novo benefício passou a
assistir às pessoas idosas com mais de 65 anos, assim como aos portadores de
deficiência incapacitados para a vida independente e para o trabalho, cuja renda
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familiar per capita é menor do que ¼ de salário mínimo: o “Benefício de Prestação
Continuada” (BPC) previsto na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (Brasil,
1993 e 1995), Desde então, segundo Medeiros (2005), cresceu consideravelmente o
número de interdições no Brasil entre a população de baixa renda. O INSS, órgão
responsável pelo pagamento das pensões tem sido um agente motivador dos processos
de interdição ao exigi-la como garantia da regularização do recebimento de benefícios,
quando seu fundamento é a incapacidade por doença mental.
O presente estudo buscou descrever o perfil sócio-demográfico, os motivos para
os requerimentos, as conclusões dos peritos, a concordância dos juízes e os resultados
dos processos de interdição, de quatro varas de órfãos e sucessões, localizadas no
fórum do Rio de Janeiro, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2002,
correlacionando os fatores pesquisados, e analisando suas eventuais implicações
jurídico-administrativas.
Conduzimos um estudo dos fatores preditores da incapacidade civil por motivo
de doença mental, no município do Rio de Janeiro, no período compreendido entre 1°
de janeiro a 31 de dezembro de 2002. Os processos de interdição são distribuídos
aleatoriamente entre as doze Varas de Órfãos e Sucessões (VOS) deste município,
localizadas no Fórum do Rio de Janeiro. Durante o período de estudo, 796 processos de
interdição foram distribuídos aleatoriamente entre as referidas VOS. Os dados
coletados, porém, restringiram-se a quatro Varas, de acordo com a receptividade ao
presente estudo dos juízes por elas responsáveis, totalizando o acompanhamento de 283
processos, do momento da petição inicial até a sentença.
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Um instrumento de coleta de dados foi especialmente desenvolvido com as
seguintes variáveis: características sócio-demográficas; parentesco com o interditando
do responsável pelo pedido de interdição; patrimônio envolvido na causa; concessão ou
não da gratuidade de justiça; motivo da interdição; diagnósticos psiquiátricos
encontrados na documentação médica e pericial, anexada aos autos e classificada de
acordo com a Classificação Internacional de Doenças - 10a Edição (CID-10);
conclusões do perito; sentença judicial; extensão da interdição (parcial ou global).
Os dados contínuos foram descritos através de médias e desvios-padrão (DP) e as
variáveis categoriais foram descritas através de freqüências em percentuais. O teste de
Chi-quadrado foi usado na comparação entre as variáveis dos dois grupos.
A tabela 1 apresenta os dados sócio-demográficos da amostra estudada. O
gênero masculino (51,1%) preponderou levemente sobre o feminino (48,9%). As
características predominantes foram: caucasiano (77,8%), solteiro (65,4%), com baixo
nível de escolaridade (82,8%), sem qualificação profissional (63,6%), e sem patrimônio
(73,8%). A maior parte utilizou-se da justiça gratuita (72%) e teve pais, irmãos ou
filhos como requerentes (70,2%).
A idade media da amostra foi de 54 anos; o desvio padrão de 23 anos; a
mediana, 49 anos. Do exame dos dados, foi possível identificar uma série de
características discriminantes da amostra para os dois grupos etários modais. Assim,
entre os mais jovens, observou-se uma preponderância de interditandos do sexo
masculino, solteiros, de baixa escolaridade, com um diagnóstico prevalente de Retardo
Mental, de classe sócio-econômica mais baixa, que pretendia com a interdição ver
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regularizado seu acesso ao benefício social. No grupo modal mais velho, encontramos
características justamente opostas: interditandos por motivo de preservação e
administração do patrimônio, predominando o sexo feminino, casadas ou viúvas, com
maior prevalência de transtornos demenciais. A partir desta observação, acrescentamos
à nossa análise um estudo quantitativo comparativo entre estas duas categorias, às quais
nomeamos Grupo A, dos que buscavam na interdição, regularizar um acesso a
benefícios; e Grupo B, dos que buscavam regularizar o acesso e a administração
patrimonial (tabela 2).
Em 95,8% (n=271) a conclusão final foi pela interdição global dos direitos
civis. A interdição parcial ocorreu em apenas 1,1% (n=3) da amostra. Houve uma
situação (0,4%) em que o interditando foi declarado capaz de exercer todos os direitos
da vida civil. Oito casos foram desqualificados por óbito do interditando. As conclusões
periciais concernentes à capacidade do interditando foram aceitas em sua totalidade
pelo juízo.
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Tabela 1- Distribuição dos Interditandos de acordo com
as variáveis sócio-demográficas
Benefícios
Patrimonial
Escolaridade
n
%
Analfabeto
122
53,7%
1o. Grau incompleto
66
29,1%
1o. completo
17
7,5%
2o. completo
9
4,0%
Superior
13
5,7%
Profissão
Não
164
63,6%
Sim**
94
36,4%
**Incluídos "do lar" (n=21) e "pensionista" (n=1)
Estado Civil
Solteiro
178
65,4%
Casado
10
3,7%
Separado(a)
37
13,6%
Viúvo(a)
47
17,3%
Há Patrimônio?
Não
193
73,9%
Sim
68
26,1%
Justiça Gratuita
Não
68
28,0%
Sim
175
72,0%
Parentesco
Pais
82
30,3%
Cônjuges
23
8,5%
66
24,4%
Filhos
Irmãos
69
25,5%
Outros
31
11,4%
Gênero
Masculino
139
51,1%
Feminino
133
48,9%
Raça
Não caucasiano
50
22,2%
Caucasiano
175
77,8%
18
Gráfico 1. Distribuição dos interditandos por diagnóstico psiquiátrico (CID-10).
O Gráfico 1 indica a distribuição por transtornos mentais da amostra.
Deficiência Mental foi o principal diagnóstico entre esses casos (38,9%), sendo
relativamente mais freqüente em homens. O diagnóstico de Demência (35,2%) foi
relativamente comum, sendo mais freqüente entre mulheres. Os pacientes com
diagnóstico de demência foram significativamente mais velhos. No grupo Psicoses
(20,4%) foram incluídos os diagnósticos de Esquizofrenia, Transtorno Bipolar,
Transtorno Esquizoafetivo. Outros diagnósticos (5,6%) incluíram os diagnósticos de
Epilepsia, Transtorno de Personalidade e ausência de doença mental.
O Gráfico 2 e a Tabela 2 indicam que, em nossa amostra, o grupo de
interditandos por razões de regularização do recebimento de auxílios/pensões (Grupo
19
A), foi substancialmente maior (3:1) do que o grupo motivado por necessidades de
preservar e administrar o patrimônio dos interditandos (Grupo B).
Gráfico 2: Distribuição dos interditandos por motivo da interdição .
20
Tabela 2- Comparação entre grupos Benefícios e Patrimonial
Benefícios
n
121
56
0
0
0
Escolaridade
Analfabeto
1o. Grau incompleto
1o. completo
2o. completo
Superior
Profissão
Não
146
Sim**
52
**Incluídos "do lar" (n=21) e "pensionista" (n=1)
Estado Civil
Casado
22
Solteiro
157
Separado(a)
7
Viúvo(a)
22
Há Patrimônio?
Não
188
Sim
16
Justiça Gratuita
Não
24
Sim
165
Diagnóstico
Deficiência Mental
100
Demência
48
Psicose
49
Não Especificado
11
Parentesco
Pais
80
Cônjuges
14
Filhos
34
Irmãos
55
Outros
24
Gênero
Masculino
115
Feminino
93
Raça
Não caucasiano
120
Caucasiano
49
Patrimonial
n
1
10
17
9
13
p-valor*
< .001
18
42
< .001
15
21
3
25
< .001
5
52
< .001
44
10
< .001
5
47
6
4
< .001
2
9
32
14
7
< .001
24
40
< .013
55
1
*p-valor- teste x2
< .001
21
A Interdição Civil no Direito Comparado:
Nos anos 60, uma ampla onda de reformas legais nos países economicamente
desenvolvidos revolucionou os conceitos básicos nos campos da autonomia pessoal,
da capacidade para decidir e da curatela, trazendo um novo relevo para estes temas.
Os valores éticos centrais para o exercício da curatela entram amiúde em conflito:
Beneficência - o direito de um indivíduo à segurança e proteção pelo Estado "versus" Autonomia e Auto-Determinação. No Brasil, contudo, apenas mais
recentemente promoveram-se reformas nas leis referentes ao exercício da curatela. O
presente estudo propõe-se a examinar comparativamente as legislações internacionais
no âmbito da interdição e curatela, com foco especial nas do Brasil, da França, da
Alemanha, da Itália e dos Estados Unidos, ressaltando-se os elementos históricos e os
desenvolvimentos mais recentes. Encontramos na experiência legal internacional uma
evolução consistente a partir de um modelo de curatela predominantemente
paternalista, para outro no qual prevalecem os direitos individuais. Esta mudança
carece, entretanto, por ser mais amplamente implementada no Brasil.
Introdução
O instituto da curatela2 efetiva-se por meio de um processo legal através do
qual o juiz de direito encarrega um indivíduo (o curador) de zelar por um cidadão
total ou parcialmente incapaz de cuidar de si mesmo, de seus interesses e/ou de suas
2
Enquanto nos EUA e no Canadá curatela ("guardianship") é o termo legal mais comumente
empregado, outros países têm adotado termos alternativos para descrever o mesmo processo legal. No
Brasil, este procedimento é denominado interdição. Outros países empregam termos tais como
committeeship, conservatorship, trusteeship, curatelle, e outros.
22
necessidades. Embora o que se busque através deste instituto seja a proteção para
aqueles a quem falta a capacidade para cuidarem de si mesmos, a indicação de um
curador pode trazer sérias conseqüências para o curatelado. Este status legal pode
privar a pessoa do direito a escolhas importantes, como aquelas relacionadas aos atos
de casar-se, de votar e de educar crianças, aos cuidados com a saúde e a consentir
com tratamentos, à escolha do lugar de residência e a outros aspectos fundamentais
de uma vida comunitária. Além disso, devido ao poder considerável que uma pessoa
adquire sobre os mais importantes aspectos da vida de uma outra, estabelece-se uma
situação de particular vulnerabilidade ao abuso emocional e financeiro.
Em anos recentes, alguns países têm adotado leis novas que indicam uma
clara preferência por alternativas menos restritivas e intrusivas e que minimizem as
desvantagens do instituto da curatela. (Doron, 2002; Gordon 2001, 2000; Kaap, 1998;
Carney & Tait, 1997; Blankman, 1997) A maioria das legislações revisadas passaram
a incluir a possibilidade de delegar-se a um curador parcial um poder decisório
específico, limitado e sob medida que, levando em conta as competências preservadas
do curatelado, respeite suas circunstâncias e necessidades particulares e preserve ao
máximo sua dignidade e a autonomia. Estas leis enfatizam que a decisão de limitar o
exercício autônomo de direitos, designando-se um curador, não deve repousar tão
somente sobre a existência de um diagnóstico psiquiátrico, mas devem também levar
em conta o nível de funcionamento sócio-pragmático-adaptativo. (Grisso)
Em países tais como Alemanha, Áustria, Suécia e Noruega, a indicação de um
curador ou representante legal não mais implica na perda completa das capacidades
legais de um adulto. (Gordon, 2000; Blankman, 1997) O conceito de incapacidade, ou
mesmo de substituição na tomada de decisões pessoais, tem sido substituído pelo de
tomada assistida de decisões pessoais. (Gordon, 2000). Abre-se assim um leque
inovador de recursos que permitem que indivíduos cognitivamente prejudicados
recebam assistência na tomada de decisões, ao mesmo tempo em que se preserva a
essência de seus direitos fundamentais. Embora a lei brasileira referente à curatela
tenha sido recentemente reformada, poucos dentre os juristas e legisladores pátrios
parecem estar a par dos recentes desenvolvimentos no plano internacional. O objetivo
deste estudo foi o de examinar comparativamente legislações internacionais
23
concorrentes no âmbito da interdição e curatela, com foco especial nas do Brasil, da
França, da Alemanha, da Itália e dos Estados Unidos.
Metodologia
Excertos de códigos civis de diferentes países foram coletados, traduzidos e
comparados com a legislação brasileira no que concernem ao campo da curatela. O
critério para a seleção dos países, para fins desta comparação, foi o de terem exercido
influência técnico-doutrinária na história do ordenamento jurídico brasileiro, e/ou que
representarem um paradigma atual, internacionalmente aceito, de organização
jurídica democrática e efetiva. Buscamos igualmente contemplar textos das duas
principais tradições legais no direito mundial: as do Direito Civil e do
Consuetudinário (a "Common Sense Law").
As legislações da França e Alemanha foram escolhidas para análise por que
tiveram forte influência sobre o ordenamento jurídico brasileiro; a da Itália, da
mesma forma, influenciou a recente reforma do modelo brasileiro de assistência
psiquiátrica. (Tenório, 2002) Os EUA foram estudados enquanto representantes dos
sistemas legais estruturados em torno do Direito Consuetudinário e como paradigma
de estrutura jurídica democrática e efetiva.
Foram selecionadas as seguintes questões para comparação: 1) Como se
define a incapacidade? 2) Quem pode ser apontado curador? 3) Como é o processo
legal que conduz até a determinação judicial de incapacidade? 4) Quais as
conseqüências desta sentença?
Originam-se na Lei Romana as práticas jurídicas orientadas por uma Lei
Civil. 3 A estas se opõe, sociológica, doutrinária e tecnicamente, o Direito
Consuetudinário Inglês - "Common Sense Law".4 A primeira sustenta-se nos valores
da uniformidade, previsibilidade e hierarquia legislativo-estatal; na última,
prevalecem as influências do contexto moral e social imediatos à Corte, que pretende
3
Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Civil_law_(legal_system) (23/02/2007).
Também referida como lei Anglo-Americana, o corpo de leis costumeiras, com base julgados
anteriores, preferencialmente aos textos legais. Tem sido administrada pelas cortes consuetudinárias da
Inglaterra desde a Idade Média. Deste modelo derivou o sistema legal atualmente encontrado nos Estados
Unidos da América e na maioria dos Estados membros da Comunidade (Britânica) das Nações
(Commonwealth of Nations). Ver http://en.wikipedia.org/wiki/Common_law (23/02/2007).
4
24
ser assim mais democrática e aberta.5 Determinantes verticais e horizontais
harmonizam-se, entretanto, em ambos os sistemas legais, posto que não há lei civil
cujos julgados devam desprezar a jurisprudência e a doutrina, extrínsecas ao textolegal e consoantes com a evolução do bom-senso; nem regimes consuetudinários que
não se submetam, em alguma ordem ou grau, a normas e hierarquias verticalmente
incidentes.
Referida como "continental" - em oposição à insular, inglesa - a tradição
européia das Leis Civis não é, entretanto, uniforme, podendo ser dividida em três
diferentes tradições3: 1) a da Lei Civil Francesa, da qual são correlatas as práticas
legais belgas, holandesas, italianas, hispânicas, e as das respectivas ex-colônias, e a
de Luxemburgo; 2) a da Lei Civil Germânica, na Áustria, Suíça, Grécia, Portugal,
Turquia, Japão, Coréia do Sul e República da China; e 3) a Lei Civil Escandinava,
que prevalece na Dinamarca, Suécia e Noruega.
O grande problema metodológico de tal estudo, e que explica por que têm
sido tão raramente produzidos outros estudos deste tipo é a barreira da língua. Textos
legais ou doutrinários não são normalmente publicados em idiomas estrangeiros. Tal
dificuldade tem-se reduzido enormemente nos últimos anos, com o esforço de
integração jurídica empreendido pela Comunidade Européia, que se tem
acompanhado da tradução sistemática para diferentes línguas dos principais textos
jurídicos dos países europeus. Este esforço de tradução deve ser considerado,
entretanto, uma longa via que mal se iniciou a trilhar, posto que todo esforço de
tradução decorre, e, portanto, depende, de um difícil e incerto trabalho de
interpretação e sistematização que busca estabelecer as similaridades e as distinções
apropriadas. Por outro lado, enquanto se apreendem textos legais de outras culturas e
se lhes confrontam com os textos de referência, constrói-se um melhor entendimento
do sentido de ambos os textos, modificando retroativamente os parâmetros iniciais de
comparação e tradução. Ou seja, sendo o texto de referência nossos códigos
nacionais, o processo de tradução retroage sobre a compreensão de nossos próprios
textos legais, melhorando por comparação a compreensão de seus conceitos e
5
Gutzman KRC: Controlling the law: legal politics in early national New Hampshire, by J.P.Reid Northern Illinois University Press, 2004. Law and Politics Book Review, Vol. 14 No. 6 (June 2004),
pp.377-383.
25
normas, e modificando a forma como se as traduzem para a prática e como se
comparam aos termos estrangeiros homólogos, mas não análogos. Por isso, a
tradução/equivalência entre os textos legais internacionais merece a atenção de um
programa sistemático de pesquisas, raramente encontrado, em geral, mais ainda no
tocante ao tema específico da curatela do cidadão portador de transtornos mentais.
Optamos, estrategicamente, por manter os principais termos legais de
referência nas suas línguas de origem - entre aspas e em itálico - toda vez que, e
apenas quando, seu equivalente em português, tal como apresentado nos dicionários
leigos e jurídicos, guardar substanciais diferenças em sua aplicação e sentido técnicojurídico, ou seja, apresentar homologia (mesma raiz léxico-histórica), mas não
analogia (diferente função social precisa). Do contrário, em casos caracterizados pela
homologia e pela analogia, empregamos o termo nacional equivalente.
BRAZIL
O primeiro Código Civil Brasileiro (CC 1916) foi promulgado somente em
1916, 94 anos, portanto, após a emancipação política do país, em 1822, e 27 anos
após a proclamação da República, em 1889. E, ainda que tendo sido promulgado no
início do século XX, o CC 1916 foi considerado por muitos de seus críticos como
uma manifestação defasada do pensamento jurídico do século XIX (Araújo, 2000).
Nesse código, o processo de despojar o indivíduo declarado legalmente incapaz
de seus direitos civis é referido como interdição e a pessoa apontada pelo juiz para ser
responsável pelo interditado é denominada curador6. Nos artigos 5º e 6º, dispõe-se sobre
aqueles que devem ser declarados totalmente ou parcialmente incapazes de gerir
pessoalmente suas vidas e bens. A expressão “loucos de todo o gênero” (Tabela 1) se
refere em termos populares a todos os tipos de transtornos mentais, sem denotar seu
sentido no texto da lei. Entretanto, pelo contexto, permite-se conotar-lhe o sentido de
uma condição mental que determinava a perda global das faculdades mentais,
determinando uma incapacidade civil completa. Segundo Rodrigues (2007), são todos
aqueles que por defeito psíquico, não podem reger sua pessoa e bens. Tal expressão, que
6
Uma pessoa ou organização chamada juridicamente para administrar parcial ou totalmente os
poderes e direitos de outro sobre si ou seus bens.
26
fora tomada de empréstimo do Código Penal de 1830, era considerada inapropriada pela
maioria dos legisladores e psiquiatras de seu tempo. De acordo com o CC 1916, o
diagnóstico psiquiátrico de um transtorno mental era condição necessária e suficiente
para a determinação da incapacidade legal de um indivíduo. Contudo, apesar de ser
considerada absolutamente inapropriada, a expressão "loucos de todo o gênero" foi
mantida no Código Civil brasileiro até 2002. Juristas e psiquiatras também criticaram a
falta de provisões para interdição parcial nos casos de doença mental mais branda.
No CC 1916, em seu art. 6º, somente os pródigos seriam incluídos na
modalidade “parcialmente incapazes” (Tabela 1). O conceito de prodigalidade7 já se
fazia objeto de controvérsia no Código Civil, pois muitos críticos insistiam não se
tratar de um termo médico, mas juridico. Em 1934, por meio de um decreto, juristas
buscaram retificar a confusa terminologia do CC 1916, substituindo a restritiva e
inexata categoria "loucos de todo o gênero" por outra de maior abrangência, os
“psicopatas”8.
O atual Código Civil Brasileiro (CC 2002) foi promulgado em janeiro de
2003, mantendo a mesma definição de capacidade legal adotada pelo texto legislativo
anterior. Em seu art. 1º, dispõe-se que “toda pessoa é capaz de direitos e obrigações
na ordem civil”. Segundo o art. 6º,“a personalidade, que o indivíduo adquire ao
nascer com vida, termina com a morte”. Ainda de acordo com este diploma legal,
“incapacidade é o reconhecimento da inexistência, numa pessoa, daqueles requisitos
que a lei acha indispensável para que ela exerça os seus direitos” (Rodrigues, 2002,
pagina 32).
Na atual legislação brasileira, o juridicamente incapaz perde seus direitos à
autonomia e ao manejo de seus bens. Esses direitos são transferidos a uma pessoa
escolhida pelo tribunal. Uma pessoa que é considerada absolutamente incapaz não
possui a capacidade legal para entrar em qualquer tipo de relação contratual,
incluindo o direito ao matrimônio, a votar, às sucessões, a dirigir um veículo
motorizado, a consentir ou não seu tratamento médico e a participar da maior parte
das decisões referentes à sua vida.
Confome Cretella Jr. (2002), pródigo teria sido o que “dilapida, em prejuízo dos filhos, o
patrimônio recebido por sucessão legítima dos parentes paternos”.
8
Aqui entendidos no sentido etimológico do termo, ou seja, o de portador de uma doença (pathos)
do espírito (psique).
7
27
A nova legislação estabeleceu em seu artigo 3º, inciso II, que são
absolutamente incapazes de exercer os atos da vida civil os indivíduos que, por
enfermidade ou doença mental, “não tiverem o necessário discernimento para a
prática desses atos”. Percebemos, portanto, importantes mudanças no novo código:
além da substituição da inapropriada expressão “loucos de todo o gênero” e da
introdução do elemento cognitivo para o estabelecimento da incapacidade de um
adulto, a inclusão da categoria causa transitória, prevista no art. 3º, inciso III(Tabela
2).
A lei também possui previsões para interdição relativa. Nesse dispositivo, ao
curador é transferida autoridade sobre certas decisões, mas os direitos que não forem
especificamente concedidos ao curador permanecem com o indivíduo interditado. De
acordo com o CC 2002, em seu artigo 4º, estão incluídos nesta categoria os “ébrios
habituais”, os “viciados em tóxicos” e os que por “deficiência mental” tenham a
capacidade de discernimento reduzido (inciso II); “os excepcionais, sem
desenvolvimento mental completo” (inciso III), e “pródigos” (inciso IV). Nestes
casos, o juiz poderá atenuar ou limitar a capacidade legal do indivíduo. Atenuar a
capacidade legal traduz-se como o indivíduo não sendo absolutamente capaz de
exercer os atos da vida civil, incluindo os atos que seriam de seu próprio benefício.
Nesse caso, a abrangência da limitação da capacidade legal deve ser definida na
própria sentença do juiz.
Os procedimentos processuais para a interdição dos portadores de transtornos
mentais estão previstos nos artigos 1.177 e seguintes do Código Processual Civil
(CPC, Brasil, 1973). O processo inicia-se quando uma pessoa interessada apresenta
uma petição inicial, especificando os atos que, a seu ver, revelam a existência de uma
anomalia psíquica em alguém e apresentando provas preliminares de sua alegação.
Diante desse pedido, obedecendo aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o
juiz mandará citar o réu para uma audiência na qual será interrogado acerca de sua
vida, negócios e sobre qualquer outro fato considerado relevante para avaliação do
seu estado mental. Deferido o pedido, será nomeado o curador à lide e perito médico
para proceder ao exame. Caberá ao réu constituir advogado e (facultativamente)
assistente técnico para se defender no processo. Uma vez apresentado o laudo, o juiz
marcará audiência de instrução e julgamento, à qual comparecerá o representante do
28
Ministério Público. Após os exames técnico-periciais, tendo o magistrado formado
sua convicção favoravelmente ao pedido inicial, será declarada a incapacidade e
decretada a interdição por sentença, ocasião em que será nomeado curador para o
interdito.
Aos parcial ou totalmente incapazes, será atribuída curatela. Cabe ao curador dos
totalmente incapazes sua representação nos atos da vida civil, tomando as iniciativas
necessárias ao bem-estar e aos interesses do curatelado. Cabe ao curador dos
relativamente incapazes assisti-los nas decisões que tomarem, orientando-os quando
solicitado e vetando-as quando assim considerar apropriado.
FRANÇA
O capítulo do Código Civil Francês, "De la majorité et des majeurs qui sont
protégés par la loi", artigos de 488 a 514, introduzido em 1968 pela lei 68-5, de 3 de
janeiro de 1968, representou a reforma francesa do direito dos adultos incapazes e de
seus representantes, apresentando medidas suplementares de proteção e promoção
dos direitos individuais. 9 Esta lei determina-se que deve ser aplicado um regime de
proteção aos interesses de uma pessoa tão logo um médico haja estabelecido que suas
faculdades mentais foram alteradas por doença, enfermidade, deterioração devida à
idade, ou que ocorreu alteração da capacidade física impeditiva à livre expressão da
vontade.
Três são as medidas de proteção legal aos incapazes que se aplicam a cada
caso, de acordo com a gravidade de sua condição: "sauvegarde de justice", "tutelle" e
"curatelle".
As "sauvegarde de justice"10 não resultam em perda das capacidades legais,
mas facilitam a anulação de decisões prejudiciais aos interesses do paciente. 11 Esta
9
Artigo 490, Código Civil francês (Lei 68-5, 3/1/1968): "Lorsque les facultés mentales sont
altérées par une maladie, une infirmité ou un affaiblissement dû à l'âge, il est pourvu aux intérêts de la
personne par l'un des régimes de protection prévus aux chapitres suivants. Les mêmes régimes de
protection sont applicables à l'altération des facultés corporelles, si elle empêche l'expression de la
volonté. L'altération des facultés mentales ou corporelles doit être médicalement établie."
10
Código Civil Francês. "Chapitre II: Des majeurs sous la sauvegarde de justice", art. 491 ,
alíneas de 1 a 6; e "Chapitre Ier : Dispositions générales", art. 488 .
11
http://www.alzheimer-europe.org/upload/SPTUNFUYGGOM/downloads/4C8F7A471BB7.pdf
29
medida é aplicada a indivíduos portadores de transtornos mentais cujos sintomas
repercutem sobre o comportamento de modo contrário aos interesses do paciente, ou
que interferem com a afirmação de sua vontade. Uma pessoa sob este regime de
proteção poderá indicar um advogado para administrar seus bens. Esta poderá ser
também uma medida preliminar enquanto se avalia a necessidade de medidas mais
extensas de proteção, como a "curatelle" ou a "tutelle".
A "curatelle" ("Chapitre IV: Des majeurs en curatelle: 508-514; Chapitre Ier:
Dispositions générales: 488" - Código Civil francês)12 pode ser aplicada no benefício
de um indivíduo que não é completamente incapaz, mas que requer supervisão
próxima. Os indivíduos que podem se beneficiar deste tipo de medida usualmente
apresentam uma redução em sua capacidade mental ou física que interfere com a
afirmação de sua vontade. O sujeito preserva o direito de administrar seus
investimentos, embora suas decisões possam ser revisadas ou anuladas por um
curador, caso seja provável que no momento do ato seu transtorno mental estivesse
em atividade. Cabe ao juiz resgatar parcialmente a capacidade legal de uma pessoa
incapacitada e validar uma ou mais de suas decisões. 13 Embora o cônjuge seja
usualmente apontado como curador (a não ser quando não mais vivam juntos), o juiz
pode indicar uma outra pessoa em seu lugar, se houver para tanto alguma forte razão.
Uma pessoa colocada sob "curatelle" não pode, sem a assistência de seu curador,
participar de qualquer transação que, sob o regime de "curatelle", necessitaria
autorização de um comitê familiar.14
A "tutelle" ("Chapitre III : Des majeurs en tutelle: 492-507; e "Chapitre Ier:
Dispositions générales": art. 488 - Código Civil Francês) impõe uma proteção legal,
de acordo com a gravidade da desordem e o grau de incapacidade do paciente. Esta é
12
Art. 508, Código Civil francês (Lei 68-5, 3/1/1968): "Lorsqu'un majeur, pour l'une des causes
prévues à l'article 490, sans être hors d'état d'agir lui-même, a besoin d'être conseillé ou contrôlé dans les
actes de la vie civile, il peut être placé sous un régime de curatelle." Art. 508-1 (idem): "Peut pareillement
être placé sous le régime de la curatelle le majeur visé à l'alinéa 3 de l'article 488."
13
Art. 511 (idem): "En ouvrant la curatelle ou dans un jugement postérieur, le juge, sur l'avis du
médecin traitant, peut énumérer certains actes que la personne en curatelle aura la capacité de faire seule
par dérogation à l'article 510 ou, à l'inverse, ajouter d'autres actes à ceux pour lesquels cet article exige
l'assistance du curateur."
14
Art. 510, Código Civil francês (Lei 68-5, 3/1/1968): "Le majeur en curatelle ne peut, sans
l'assistance de son curateur, faire aucun acte qui, sous le régime de la tutelle des majeurs, requerrait une
autorisation du conseil de famille. Il ne peut non plus, sans cette assistance, recevoir des capitaux ni en
faire emploi. Si le curateur refuse son assistance à un acte, la personne en curatelle peut demander au
juge des tutelles une autorisation supplétive."
30
a opção adequada aos casos em que a pessoa necessita ser representada de um modo
contínuo para fazer frente às suas obrigações e interesses legais. 15 O cônjuge da
pessoa protegida é usualmente indicado como "tuteur", exceto quando são separados
ou quando o juiz tem alguma forte razão em contrário. 16 Com exceção do cônjuge,
descendentes e entidades de direito, ninguém deverá ser "tuteur" por mais do que 5
anos, ao fim dos quais poderá demandar e obter sua substituição. 17
Uma solicitação de "curatelle" ou "tutelle” pode ser promovida pela própria
pessoa, seu cônjuge (exceto quando separados), ascendentes ou descendentes, irmãos
ou irmãs, seu "curateur", ou um promotor. Outros parentes, amigos, o médico
assistente ou o diretor de uma instituição médica ou assistencial podem somente
informar ao juiz as razões pelas quais acreditam que estaria indicado um regime de
proteção. O juiz imporá um regime de proteção tão somente se o comprometimento
físico ou mental for reconhecido por um médico especialista escolhido dentre uma
lista organizada pela Promotoria de Justiça. Ao instituir uma "tutelle", o juiz poderá, a
conselho do médico assistente, listar os atos da vida civil em relação aos quais a
pessoa sob "tutelle" manterá sua capacidade plena ou exercerá apenas sob a
assistência do "tuteur" ou de outra pessoa atuando sob a responsabilidade deste. 18
ALEMANHA
Na Alemanha, com a introdução da “Betreuungsgesetz” – A Lei do Cuidado –
, de janeiro de 1992, houve um amplo conjunto de aprimoramentos nos dispositivos
anteriores para a proteção e o cuidado das pessoas portadoras de deficiências. Antes
disso, uma pessoa declarada legalmente incompetente teria automaticamente
suprimidos os direitos a votar, casar-se, testar, gerir um negócio, ou mesmo adquirir
legitimamente roupas ou comida.
15
Art. 492 (idem): "Une tutelle est ouverte quand un majeur, pour l'une des causes prévues à
l'article 490, a besoin d'être représenté d'une manière continue dans les actes de la vie civile."
16
Art. 496, Código Civil francês (Lei 68-5, 3/1/1968): "L'époux est tuteur de son conjoint, à moins
que la communauté de vie n'ait cessé entre eux ou que le juge n'estime qu'une autre cause interdit de lui
confier la tutelle. Tous autres tuteurs sont datifs. La tutelle d'un majeur peut être déférée à une personne
morale."
17
Art. 496-1 (idem): "Nul, à l'exception de l'époux, des descendants et des personnes morales, ne
sera tenu de conserver la tutelle d'un majeur au-delà de cinq ans. A l'expiration de ce délai, le tuteur
pourra demander et devra obtenir son remplacement."
18
http://www.alzheimer-europe.org/upload/SPTUNFUYGGOM/downloads/4C8F7A471BB7.pdf
31
Com a nova legislação, a declaração de incompetência legal passou a levar em
consideração a existência de dificuldades, riscos e habilidades específicas de cada
paciente e a valorizar, tanto quanto possível, suas capacidades e seu direito de autodeterminação.
O tema da proteção legal dos direitos civis dos adultos em desvantagem social
é tratado no “Bürgerliches Gesetzbuch” (BGB) - o Código Civil Alemão - Livro 4:
“Familienrecht” (Direito de Família), Seção 3: “Vormundschaft, Rechtliche
Betreuung, Pflegschaft” (respectivamente Curatela, Proteção Legal, Mantenimento),
mais especificamente, no Título 2: “Rechtliche Betreuung” (da Proteção Legal), que
se estende do artigo 1896 ao 1908k.
O
artigo
1898
(BGB)
permite
a
uma
Corte
de
Proteção
("Vormundschaftsgericht") decidir, mediante requerimento ou ex officio, a nomeação
de um responsável ("Betreuer"), em caráter parcial ou integral, para um adulto
portador de uma doença mental ("psychischen Krankheit") ou de dificuldades
("Behinderung") físicas, espirituais ou mentais ("körperlichen, geistigen oder
seelischen"). Permite, também, declarar um adulto incapaz para celebrar O emsmo
pode se dar no caso de deficiência física ("körperlichen behinderung") que impeça
um adulto de exprimir sua vontade.19
A alínea (1a) do mesmo artigo determina que não se poderá nomear um
responsável contra a vontade livre de um adulto ("Volljährigen").20
Assim, um curador é apontado somente para as atividades para as quais ele se
faz necessário, e somente se não houver outra alternativa efetiva que torne
dispensável a indicação de um representante legal. Como exemplo, podem ser citados
os casos nos quais uma pessoa necessita de ajuda somente com os cuidados
domésticos ou para uma mudança de residência. Caso necessário, contudo, a Corte de
Proteção pode nomear um curador capacitado para cuidar da pessoa e seus interesses.
Se a pessoa a ser colocada sob proteção indicar alguém em particular, a Corte deve
19
Art. 1896: (1) Kann ein Volljähriger auf Grund einer psychischen Krankheit oder einer
körperlichen, geistigen oder seelischen Behinderung seine Angelegenheiten ganz oder teilweise nicht
besorgen, so bestellt das Vormundschaftsgericht auf seinen Antrag oder von Amts wegen für ihn einen
Betreuer. Den Antrag kann auch ein Geschäftsunfähiger stellen. Soweit der Volljährige auf Grund einer
körperlichen Behinderung seine Angelegenheiten nicht besorgen kann, darf der Betreuer nur auf Antrag
des Volljährigen bestellt werden, es sei denn, dass dieser seinen Willen nicht kundtun kann.
20
Art. 1896: (1a) Gegen den freien Willen des Volljährigen darf ein Betreuer nicht bestellt werden.
32
respeitar sua decisão, a não ser que a julgue contrária aos interesses do indivíduo.
Uma solicitação de que determinada pessoa não seja indicada para esta função
também deve ser respeitada. Qualquer documento que expresse o desejo de uma
pessoa com respeito à escolha de seu curador deve ser apresentado imediatamente à
Corte de Proteção, tão logo se saiba que um processo de curatela está em curso ou
que um curador foi indicado.21
O médico poderá dar início ao processo de curatela de um paciente seu apenas
se este lhe der permissão, ou então se for da opinião de que o paciente poderá se ferir
caso não lhe seja nomeado um responsável.
Se a pessoa para a qual se considera a possibilidade de impor uma proteção
não sugerir ela própria alguém para esta função, a Corte geralmente considerará para
tal papel seu cônjuge ou seus filhos, tendo em mente, contudo, os eventuais conflitos
de interesse. O familiar indicado deverá declarar livremente que deseja o encargo.
Definida a pessoa do curador, este se obriga a assumir os deveres de proteção em
relação à família, à profissão e outras circunstâncias.
A Corte pode determinar que mais de uma pessoa exerça as funções de
curatela de um mesmo protegido, se isso for necessário para o gerenciamento mais
eficiente de seus assuntos pessoais. Neste caso, os deveres e responsabilidades de
cada curador são especificados. A Corte poderá também indicar um Curador
substituto, para o caso de impedimentos eventuais do titular, necessidade prolongada
de afastamento, ou se houver por bem transferir lhe permanentemente as funções.
Se a proteção não puder ser garantida ao se apontar um ou mais indivíduos, a
Corte poderá indicar para a função uma associação civil (uma pessoa jurídica) - e, se
isto novamente falhar, uma autoridade. A associação escolhida, por sua vez, poderá
transferir para indivíduos por ela selecionados os deveres de promover a proteção do
interditando.
21
Art. 1896: (2) Ein Betreuer darf nur für Aufgabenkreise bestellt werden, in denen die Betreuung
erforderlich ist. Die Betreuung ist nicht erforderlich, soweit die Angelegenheiten des Volljährigen durch
einen Bevollmächtigten, der nicht zu den in § 1897 Abs. 3 bezeichneten Personen gehört, oder durch
andere Hilfen, bei denen kein gesetzlicher Vertreter bestellt wird, ebenso gut wie durch einen Betreuer
besorgt werden können.
33
A duração da proteção é determinada pela Corte, e não pode ultrapassar o
prazo máximo de 5 anos. Os deveres do Curador estão estipulados no artigo 1901
(BGB): Extensão da Responsabilidade, Deveres do Responsável ("Umfang der
Betreuung, Pflichten des Betreuers").
O responsável ("Betreuung") cuidará dos interesses da pessoa protegida
("Betreuten"), de acordo com os requerimentos de seu bem-estar. Isto inclui o
encargo de organizar a vida da pessoa protegida dentro do âmbito de suas
capacidades, e de acordo com seus desejos e idéias. O guardião cooperará com os
desejos do protegido desde que não se oponham ao bem-estar deste. Isto inclui os
desejos que o protegido expressou anteriormente à determinação da proteção, a não
ser que demonstre que não mais pretende manter o referido desejo. O guardião
discutirá as decisões importantes, antes de desincumbir-se delas, com o próprio
protegido, no limite em que não entrem em conflito com seu bem estar. (Art. 1901
(3), BGB)
Entre seus deveres, cabe ao guardião assegurar que cada oportunidade seja
aproveitada no sentido de remover ou mitigar o impedimento do protegido, de
prevenir sua deterioração ou atenuar suas conseqüências. Neste sentido, o responsável
deve apresentar, no início de suas funções, um plano de intervenções. (Art. 1901 (4),
BGB)
Havendo atenuação, expansão ou mera modificação das necessidades de
proteção, é dever do responsável levar o fato ao conhecimento da Corte de Proteção.
(Art. 1901 (5), BGB) O guardião deve submeter relatórios sobre a situação financeira,
condições pessoais e a saúde do protegido, sobre a freqüência dos contatos que o
responsável manteve com ele e com seu lugar de moradia e informar se o regime de
proteção deve ser aumentado ou diminuído.
Se uma pessoa sob proteção que não perdeu totalmente suas competências
legais discordar de alguma decisão tomada pelo responsável, poderá acionar a Corte
no sentido de apelar contra a referida decisão. Nos raros casos em que o protegido
parecer colocar em perigo a si mesmo ou às suas propriedades, a Corte de Proteção
pode determinar uma "Reserva de Consentimento". Isto significa que ele poderá
somente fazer uma declaração de vontade com o consentimento de seu guardião. Esta
34
medida de proteção é semelhante às medidas criadas para proteger menores de idade
quando conduzem transações comerciais e negócios.
Uma pessoa que se encontra sob proteção retém o direito de votar em todos os
assuntos, a não ser quando estiver sob proteção completa. 22
Há uma cláusula no "Betreuungsgesetz" (Art. 1907, BGB) que estabelece que
um guardião necessita obter autorização antes de encerrar o contrato de aluguel das
acomodações do protegido. Esta medida destina-se a protegê-lo dos efeitos adversos
da perda de um ambiente no qual se sente seguro e de seu círculo de relacionamentos.
Se o “cuidador” tiver a responsabilidade de administrar os interesses
financeiros do protegido, deverá prover a Corte com uma lista completa das finanças
e bens do protegido. A corte decide quando e com que freqüência isto deve ser
realizado. Se os guardiões forem parentes, só deverão prover as provas da situação
financeira do protegido quando a Corte o requerer, mesmo assim, pelo menos a cada
2 anos. O protegido tem o direito de ver esta lista quando quer que assim o deseje.
O dinheiro deverá ser depositado numa conta que só se poderá acessar com
autorização da Corte de Proteção. Os investimentos financeiros só poderão ser
realizados com a aprovação da Corte.
Se houver uma conta corrente, o “cuidador” poderá retirar dinheiro sem
autorização específica da corte, desde que não haja mais do que uma determinada
quantia na conta (5,000 marcos alemães, em 1999). Se o “cuidador” for o cônjuge ou
um familiar do protegido, retiradas mesmo além deste limite podem ser feitas sem
autorização específica.
ITÁLIA
A proteção especial italiana aos indivíduos portadores de desvantagens
mentais encontra-se prevista no Código Civil Italiano (CCI)23, Título XII:
"Dell'Infermitá di Menti, Dell'Interdizione e Dell'Inabilitazione", artigos de 414 a
http://www.alzheimereurope.org/upload/SPTUNFUYGGOM/downloads/4C8F7A471BB7.pdf
23
Il Códice Civile Italiano, de 16/3/1942.
22
35
432. "Interdizione" e "inabilitazione" (arts. 414 e 415) são, respectivamente, os
remédios legais apresentados para "aqueles que se encontram em condição de
habitual enfermidade mental que os torna incapazes para prover seus próprios
interesses" (art. 414)24 e para o "enfermo mental, cujo estado não é de tal modo grave
a ponto de promover-se imediatamente a interdição" (art. 415)25. Incluem-se nos
casos mais leves, do art. 415, a prodigalidade e o abuso habitual de bebidas alcoólicas
ou estupefacientes, que os expõe e à sua família a graves prejuízos econômicos. A
"Interdizione" exige, portanto, conjugadamente: 1) doença mental crônica; e 2)
incapacidade para gerir os próprios interesses (art. 414). Já a Inabilitazione aplica-se,
alternadamente, a: 1) pessoas mentalmente perturbadas de modo crônico, menos
graves do que as consideradas no artigo anterior; 2) pessoas que dão mostras de não
perceberem o valor do dinheiro através de seu comportamento extravagante; 3) os
que utilizam de forma abusiva substâncias psicoativas e que, como conseqüência,
causam a si mesmos e/ou a sua família grave dano econômico; e 4) os nascidos
surdos ou cegos, e que não foram suficientemente bem treinados para lidar com
assuntos de ordem econômica. (art. 415)
As disposições aplicáveis à "tutela" de menores, bem como à "curatela" de
menores emancipados, são igualmente aplicáveis à "tutela" do "interdetto", bem
como à "curatela" do "inabilitato".26
O "tutore", assim como o "curatore", deve ser escolhido pelo juiz tutelar,
preferindo o "cônjuge maior de idade que não seja separado legalmente, o pai, a mãe,
Art. 414 (CCI): "…in condizioni di abituale infermità di mente che li rende incapaci di
provvedere ai propri interessi, devono essere interditti."
25
Art. 415 (CCI): "Il…infermo di mente, lo stato del quale non è talmente grave da far luogo
all'interdizione, può essere inabilitato. Possono anche essere inabilitati coloro che, per prodigalità (776) o
per abuso abituale di bevande alcoliche o di stupefacenti, espongono sé e la loro famiglia a gravi
pregiudizi economici.(...) "
26
Art. 424 (CCI): "(i) Le disposizioni sulla tutela dei minori e quelle sulla curatela dei minori
emancipati si applicano rispettivamente alla tutela degli interdetti e alla curatela degli inabilitati. (ii) Le
stesse disposizioni si applicano rispettivamente anche nei casi di nomina del tutore provvisorio
dell'interdicendo e del curatore provvisorio dell'inabilitando a norma dell'art. 419. (iii)Per l'interdicendo
non si nomina il protutore provvisorio. (iv) Nella scelta del tutore dell'interdetto e del curatore
dell'inabilitato il giudice tutelare deve preferire il coniuge maggiore di età che non sia separato
legalmente, il padre, la madre, un figlio maggiore di età o la persona eventualmente designata dal
genitore superstite con testamento, atto pubblico o scrittura privata autenticata".
24
36
um filho maior de idade ou pessoa expressamente designada pelo genitor
sobrevivente" (art. 424-iv, CCI).
Apenas em situações muito bem delimitadas o CCI permite isentar a pessoa
indicada pela lei de assumir as funções de "tutore" ou de "curatore" - liminarmente
ou mediante solicitação. (arts. 424-i; 351; 352; 353)
O juramento de que exercerá a "tutela" com fidelidade e diligência é exigido
do "tutore" de menores (art. 349) e, por extensão (art. 424-i e ii), também dos
"tutores" de "interdetto", de "inabilitato", de "interdiccendo" e de "inabilitando"
(provisórios).
São responsabilidades do "tutore" e do "curatore", mesmo os provisórios: os
cuidados com a pessoa, sua representação nos atos da vida civil, a administração de
seus bens, devendo prestar contas periodicamente ao juiz-da-tutela pela devida
administração dos mesmos, podendo mesmo responder por faltas culposas. Incluemse diversas responsabilidades, como as de prover autorização para casamento e para
procedimentos de saúde (inclusive internação em instituição destinada a tratamento
de saúde mental ou física), elaboração de testamento e o gerenciamento de bens,
investimentos e recursos. O juiz-da-tutela poderá instituir revisor da prestação de
contas do "tutore" ou do "curatore" entre os familiares do paciente ou um oficial
revisor (art.424-i e ii; "Sezione III, Dell´esercizio della tutela", arts. 357-382). 27
Havendo conflitos de interesse entre a pessoa protegida e seu responsável,
este deverá ser substituído por um agente oficial responsável. Da mesma forma, se o
responsável se torna insolvente, negligente, comete abusos de poder ou se mostra
inadequado para com suas responsabilidades, poderá ser removido de sua função.
O processo de "Interdizione" ou "Inabilitazione" é conduzido por um juiz-deinterdições, que não é o mesmo que o juiz-da-tutela. A assistência de um advogado é
necessária e o réu (o paciente) tem o direito de apresentar sua defensa. Antes do
julgamento, ele deverá ser examinado por um especialista em psiquiatria, pois
atestados médicos de que a pessoa apresenta uma doença mental não são por si
suficientes. O juiz precisa também produzir sua própria avaliação pessoal do
Alzheimer Europe – Country Report Italy at http://www.alzheimereurope.org/upload/SPTUNFUYGGOM/downloads/FC105433B23B.pdf (23/02/2007)
27
37
indivíduo, e é livre para julgar de acordo com sua convicção. Após seu exame
pessoal, o juiz poderá apontar um responsável provisório até a decisão final.
ESTADOS UNIDOS
Com base na Lei Civil Romana e na “Common Law” Inglesa, a maioria dos
estados federados apresenta suas próprias leis com respeito à guarda de menores e de
incapazes (Horstman, 1975), as quais têm sido revisadas nos últimos 20 anos. (Wood,
Directions, 2006)
A "Uniform Guardianship and Protective Proceedings Act", de 1997 - Lei
Processual Uniforme de Guarda e Proteção - substituiu o texto legal anterior, de nome
semelhante, que havia sido aprovado pela Conferência Nacional de Comissários para
Leis Estaduais Uniformes (1982). A lei revisada baseia-se na lei antiga e em outras
revisões promovidas pelos estados, ao estabelecer que a “guardianship” (guarda,
proteção) e a “conservatorship” (curadoria) sejam indicadas apenas quando inexistir
alternativa menos constrangedora, inclusive através do emprego de meios
tecnológicos de auxílio 28, que seja efetiva para as necessidades identificadas do réu.
Existem duas formas básicas de “guardianship”, as quais dependem da
capacidade para tomar decisões da pessoa deficiente (“disabled”): a “Guarda da
Pessoa” e a “Guarda dos Bens”. A corte pode determinar uma guarda limitada, que se
aplica tão somente a certas decisões financeiras ou sobre cuidados pessoais. A corte
poderá ainda optar por uma guarda mais ampla, geralmente com poder para tomar
todo tipo de decisões sobre cuidados pessoais e/ou financeiros da pessoa deficiente.
Uma “Guarda da Pessoa” é adotada pela corte quando um indivíduo deficiente
está incapacitado para tomar ou comunicar decisões responsáveis em relação às suas
necessidades pessoais. Este guardião decidirá acerca de tratamentos médicos, lugar de
moradia, serviços sociais e outras necessidades.
A corte determina um “guardião de bens” ou um “curador de propriedades”
(“conservator over properties”) quando uma pessoa deficiente é incapaz de tomar ou
comunicar decisões responsáveis em relação à administração de seus bens ou de suas
28
Uniform Guardianship And Protective Proceedings Act (1997), section 311 (B).
38
finanças. A prolação de uma sentença protetora não determina a incapacidade da
pessoa protegida29. O guardião subordinará à supervisão da corte suas decisões sobre
as finanças do protegido e as cautelas tomadas quanto à sua renda e seus
investimentos.
Segundo o "Uniform Guardianship and Protective Proceedings Act" (1997),
“pessoa incapaz” refere-se ao indivíduo que, por razões outras do que ser um menor de
idade, encontra-se incapaz de receber e avaliar informações, tomar ou comunicar
decisões, com uma tal gravidade que falta ao indivíduo a capacidade de prover-se as
necessidades essenciais para sua saúde física, segurança ou auto-cuidado, mesmo com
a assistência tecnológica apropriada.
Qualquer pessoa interessada no bem-estar do adulto presumidamente incapaz
pode requerer a sua guarda30. A petição deve ser completa e abrangente, contendo as
informações pessoais tanto do requerente como do interditando 31. Se algum guardião
ou representante for sugerido, suas informações pessoais e as razões pelas quais foi
recomendado devem ser igualmente adicionadas 32. Devem constar ainda as razões e o
tipo de proteção sugerida (se limitada ou ilimitada). Justificações suplementares, por
meio de uma breve descrição da natureza e da gravidade da suposta incapacidade do
réu, podem também ser acrescentadas. 33 Um membro da família pode peticionar para
ser nomeado guardião ou para ter prioridade na escolha, caso o juiz decida pela
necessidade de proteção. Contudo, o juiz é livre para escolher o melhor guardião
possível para os interesses e necessidades do protegido, independentemente de
vínculos familiares ou sociais. 34
O juiz indicará, preliminarmente, uma data e horário para que um examinador
treinado avalie o réu em sua moradia. Nesta visita, será verificada a suposta
incapacidade - limitada aos elementos alegados na petição - e a consistência do
requerimento de guarda, se é necessária uma avaliação profissional suplementar e se
o réu tem os meios para contratar um advogado 35.
29
30
31
32
33
34
35
Ibid, section 409 (d).
Section 304 (a)
ibid, (b), (1), (2), (A), (B)
ibid, (5).
Ibid, (7).
Ibid, section 310 (7b).
Ibid, 305 (a)
39
Se o juiz determinar uma avaliação forense, o réu terá de ser examinado por
um médico, psicólogo, ou outro profissional indicado pela corte que seja qualificado
para avaliar a suposta deficiência do réu.
Para fins de se estabelecer os limites de uma curatela, um expert apresentará
um relatório com uma descrição da natureza, tipo e extensão das limitações
cognitivas e funcionais específicas do réu, uma avaliação de suas condições físicas e
mentais, de suas habilidades sociais bem como, se apropriado, dos seus potenciais
educacionais e adaptativos, do seu prognóstico e da recomendação de um plano de
tratamento ou reabilitação apropriado.36
A assistência de um advogado pode ser instituída para o indivíduo, se requerida
por ele próprio, pelo “expert” ou, ex officio, pelo juiz37. Um guardião temporário
poderá ser nomeado pela corte durante o período do requerimento da guarda
até a conclusão do processo, quando se decidirá sobre a necessidade da
manutenção da proteção.
São anuláveis quaisquer transações conflitantes envolvendo a proteção dos
interesses pessoais ou econômicos do protegido, a não ser quando expressamente
autorizadas pela corte, após notificação às pessoas interessadas. 38
A globalização tem trazido as legislações e culturas jurídicas de diferentes
povos a um contato mais direto, freqüente e íntimo, mas também mais complicado e
tenso. Naturalmente, encoraja a produção de estudos de direito comparado e ao
usufruito do potencial deste para ampliar substancialmente os horizontes das práticas
jurídicas, produzindo soluções sociais, éticas e técnicas inovadoras, a serviço do bem
estar e da dignidade dos cidadãos" (Doron, 2004, página 45) - razão de ser do Estado
democrático.39
Estudos comparados das legislações de diferentes países facultam-nos
considerar soluções legais que nossos próprios sistemas não haviam anteriormente
contemplado, sopesar vantagens e desvantagens do nosso sistema jurídico frente a
36
ibid, section 306 (1), (2) and (3).
Ibid, section 305 (a), (b), (1), (2), (3).
38
ibid, section 423.
39
Brasil: Constituição Federal, 1988 - Preâmbulo; Art. 1o, III; Art. 230; Art. 23, X e §único; Art.
193, Art. 219. e outros.
37
40
outros, e melhor compreender nosso próprio sistema. A publicação de pesquisas
comparadas torna possível o diálogo entre sociedades, culturas legais e, até certo
ponto, encoraja a cooperação e mútua compreensão internacional. Infelizmente, até o
momento, é escassa a literatura que faz uso dos métodos do Direito Comparado no
campo das leis referentes à curatela.
Alemanha, França e Estados Unidos, mesmo com as recentes e profundas
reformas conduzidas em suas legislações sobre a guarda de adultos (curatela), têm
evitado enfrentar a espinhosa tarefa de definir quais são os cidadãos que deverão se
beneficiar dos institutos de proteção especial do Estado, em detrimento de seus
direitos básicos, em meio aos conflitos de interesses e necessidades paradoxais que
ocorrem costumeiramente no seio da sociedade. De fato, suas legislações detalham os
critérios para se definir quem deve, pode, escusa-se ou se impede de assumir as
responsabilidades pelo cidadão sob proteção, mas não os critérios precisos que
delimitam quem deve ou não ser protegido.
Encontra-se em curso um movimento gradual na direção de um melhor
entendimento da natureza jurídica do instituto da incapacidade. Termos tais como
"incompetente" têm sido abandonados e substituídos por expressões menos
estigmatizantes, com a vantagem de evitar a rotulação de adultos de um modo
absoluto e preconceituoso.
Alemanha, EUA e França adotaram textos legais mais flexíveis em seus
sistemas de curatela, com medidas de intervenção graduais e tipos diferentes de
supervisão e limitação ao exercício autônomo de direitos, de acordo com o grau e a
classe de competências faltantes à pessoa a quem se pretende impor proteções
especiais.
Na Alemanha, a prática de declarar uma pessoa legalmente incapacitada foi
abolida, substituída por uma medida notadamente flexível, capaz de modular-se com
as mudanças nas necessidades da pessoa. Na França, diferentes medidas refletem o
grau e o tipo de assistência necessitada pela pessoa, assim como suas capacidades,
determinadas no processo de direito.
Mesmo assim, não se poderá negar que os códigos legais destes países
continuam a ser inspirados no Código Napoleônico, para o qual a curatela existe para
41
proteger a família contra as decisões tomadas por um de seus membros - aquele a
quem se pretende "supervisionar". Esta não é uma situação diferente da guarda de
menores, cujo paralelo com a incapacidade legal de um adulto poderá ser encontrada
na expressão "enfraquecimento (mental) devido à 'idade'".
Nos EUA, antes de se aplicar uma solução do tipo curatela, preconiza-se que
sejam considerados modos menos restritivos de apoio às decisões. A curatela só se
deverá recomendar quando as alternativas revelarem-se ineficazes. Esta abordagem
aceita que algumas pessoas certamente necessitarão de auxílio para tomarem algumas
decisões mais delicadas, mas que o curador deve ter seus poderes limitados pela lei, e
esta deve prover instrumentos de proteção efetivos para o adulto sujeito a um
requerimento de proteção.
No Brasil e na Itália, as medidas de curatela adotadas são dependentes da
natureza e do grau de incapacidade, que se devem determinar no processo de justiça.
Com respeito ao tema da curatela, o código civil italiano apresenta mais pontos de
contato com o brasileiro do que os códigos francês e alemão.
Embora as doutrinas francesa e germânica sejam reconhecidas como as mais
influentes no pensamento jurídico brasileiro, o Código Civil Brasileiro de 2002
parece ter sido mais influenciado no tema da interdição e curatela pelo doutrinador
italiano, guardadas as distâncias que favorecem ao italiano, no que se refere à
especificação das patologias e medidas protetoras. A influência da reforma da
assistência psiquiátrica italiana, entretanto, não se manifesta diretamente no CC 2002,
mas sim, na Lei 10.216, de 06.04.2001, "De proteção e direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais e do modelo assistencial em saúde mental". Esta
lei, embora sua data de aprovação preceda à do CC 2002, é em essência bem mais
recente e atual, posto que este teve sua redação proposta desde 1975. Neste sentido,
há quem defenda que o CC 2002 já tenha nascido velho.
Ao se comparar a Lei Italiana com a brasileira com respeito ao que prevêem
para os completa e para o parcialmente incapacitados, encontra-se, entretanto,
similaridades. O art. 414 ("interdizione") do CCI, por exemplo, é semelhante ao art.
30 do CC 2002. Uma pessoa com grave doença mental a quem falta a compreensão
dos fatos, é considerada completamente incapacitada em ambas as legislações. As
42
maiores diferenças se encontram nas provisões para a incapacitação parcial. Além das
provisões legais para as pessoas parcialmente incapacitadas, entre as quais se incluem
os viciados em tóxicos, os portadores de embriaguez habitual, os pródigos, os
"excepcionais" com desenvolvimento mental incompleto, como se vêem em ambas
legislações, a nosso ver o Código Civil Italiano segue um passo além, quando prevê,
na classificação dos indivíduos parcialmente incapazes, a inclusão de "pessoas com
doença mental menos grave" (art. 415). O CC 2002, tampouco prevê encontros
separados entre o curador de uma pessoa sob proteção e um curador do Estado
(defensor público ou procurador). De acordo com Blankman, o sistema brasileiro de
curatela delimita-se com poucas palavras, é claro, preciso e inflexível. Faltariam a
estes sistemas, o brasileiro e o italiano, soluções ajustáveis caso a caso. Além disso,
não existiria qualquer reconhecimento da autonomia de um adulto, uma vez colocado
estes aos cuidados de um curador.
No Brasil, Itália e França a legislação enfatiza o papel dos familiares,
preferindo escolher entre estes os indicados para os encargos da curatela. O adulto
protegido pelo instituto da Betreuung, como também se dá na legislação norteamericana, é mais respeitado em sua autonomia e competências, inclusive ao poder
indicar o melhor curador para suas necessidades. A corte escolherá o curador somente
se o paciente não puder ele mesmo indicá-lo ou se não puder expressar livremente sua
vontade. Em todas as jurisdições aqui analisadas, autoridades do Estado poderão ser
judicialmente indicadas como responsáveis por um adulto incapacitado.
Conclusões
O código civil alemão parece hoje aquele que tem sabido valorizar ao máximo
o respeito à autonomia e à dignidade do indivíduo portador de um transtorno mental.
Já o Código Civil Brasileiro tem-se mostrado o mais atrasado neste sentido.
O
texto legal brasileiro segue com 100 anos de atraso em relação à nomenclatura
empregada, à sistematização dos casos, e suas implicações psico-sociais e técnicojurídicas, traduzindo negligência em relação aos desenvolvimentos recentes nos
domínios da patologia, terapêutica e cuidados sociais no campo da saúde mental, e,
principalmente, no campo da bioética.
43
Valores éticos centrais conflitam entre si no campo da curatela, no que
concerne aos direitos de segurança e proteção, de um lado, e de autonomia e
autodeterminação, de outro. O CC 2002, especificamente, ao adotar uma solução
legal do tipo "tudo ou nada" para os indivíduos que apresentam transtornos mentais
menos graves falhou em reconhecer que adultos vulneráveis podem reter
competências para tomar adequadamente certo tipo de decisões, mesmo que estas
faltem para outra classe de escolhas.
O novo código civil brasileiro, apesar de avançar em muitos sentidos, pode ser
criticado por não levar em consideração os recentes avanços sociais, legais e
terapêuticos e por manter um foco sobre as questões de controle e de proteção que é
mais ambivalente do que dual.
No Brasil, atualmente, a imposição de interdição civil traz sérias dificuldades de
ordem prática, civil e legal para a sociedade em geral, e em particular para a
comunidade dos direitos civis. Durante as últimas duas décadas vários países têm
revisto suas leis de interdição ou desenvolvido novas e abrangentes legislações. Este
estudo investiga o processo de interdição na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, pela
analise de procedimentos judiciais, com atenção especial ao perfil dos interditandos,
assim como aos motivos pelos quais são feitos os pedidos de interdição e aos
resultados finais dos processos.
O estudo consiste de uma análise quantitativa, baseada em uma
amostragem aleatória de 283 processos de interdição civil de adultos, devido a uma
provável diminuição de suas capacidades de exercício autônomo de seus direitos. Os
documentos desses casos procedem de quatro Varas de Órfãos e Sucessões (VOS) no
Fórum do Rio de Janeiro, Brasil, especializadas no atendimento de casos de curatela,
relativos ao período entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2002. Os resultados
revelam que a interdição e curatela de incapazes no Rio de Janeiro é geralmente
imposta à subgrupos vulneráveis da população, tais como os adultos solteiros, de
baixo poder aquisitivo, apresentando diagnóstico de transtornos mentais ou demência,
e que necessitam de pensões da Previdência Social para prover sua subsistência
básica.
44
O instituto da curatela40 efetiva-se por meio de um processo legal
através do qual o juiz de direito encarrega um indivíduo (o curador) de zelar por um
cidadão total ou parcialmente incapaz de cuidar de si mesmo, de seus interesses e/ou
de suas necessidades. A maioria dos países tem previsões legais que habilitam a
nomeação de um curador41 em situações específicas (Gove & Georges,1992).
Legislações nacionais ou estaduais podem variar dentro de um amplo espectro, tanto
nas suas definições de incapacitação e responsabilidades do curador, quanto nas
terminologias, assim como nas características processuais jurídicas, e outras áreas
essenciais relacionadas ao processo de curatela.
No decorrer do século XX, importantes reformas no campo jurídico buscaram
modificar o padrão característico de intervenção, outrora centrado em práticas
jurídicas simplísticas no sentido de anular o exercício autônomo dos direitos civis de
pacientes incapazes, para o estabelecimento de um meio termo entre a proteção dos
indivíduos (de si mesmos e de terceiros) e a preservação da sua autonomia. Em anos
recentes, alguns países têm adotado novas legislações que indicam uma clara
preferência por alternativas menos restritivas e intrusivas que buscam minimizar as
desvantagens do instituto da curatela (Carney & Tait, 1997). A maioria das leis
revisadas passaram a incluir a possibilidade de delegar-se a um curador parcial um
poder decisório específico, limitado e sob medida, respeitadas as necessidades,
circunstâncias, bem como a dignidade e a autonomia, de acordo com as competências
preservadas do indivíduo que necessita da curatela (Carney & Tait, 1998; Atkins,
1997; Moye, 2003). Enfatizam que a decisão de limitar o exercício autônomo de
direitos, designando-se um curador, não deve repousar tão somente sobre a existência
de um diagnóstico psiquiátrico, mas sim levar em conta o nível de funcionamento
sócio-pragmático-adaptativo (Gordon, 2000; Blankman, 1997; Kapp, 1998).
Recentemente, medidas de proteção orientadas a necessidades não relacionadas a
interesses financeiros tem recebido especial atenção (Blankman, 1997). Tais
necessidades incluem saúde, higiene, nutrição, habitação, promoção de integração
comunitária, e outros. Tal tendência se reflete nas iniciativas de reforma jurídicas na
40
Nos EUA guardianship é o termo legal mais largamente utilizado, em outros países são adotados
outros termos alternativos como conservatorship, trusteeship e curatelle para descrever a mesma
instituição jurídica. No Brasil, é utilizado o termo interdição.
41
Curador é todo o cidadão que tem a incumbência de tratar dos bens ou negócios daqueles que
estão incapacitados de o fazer, como órfãos menores, toxicómanos, doentes mentais ou inválidos.
45
Austrália (Carney & Tait, 1997), Canadá (Gordon,1995, 2000, 2001), Alemanha
(Blankman, 1997; Doron, 2002), Estados Unidos (Kaap,1998), Holanda (Blankman,
1997), Nova Zelândia (Atkin, 1988) e nos países Escandinavos (Blankman, 1997;
Doron, 2002).
No Brasil, entretanto, o conceito de curatela ainda permanece
intimamente associado com o procedimento para se declarar a incapacidade em um
indivíduo. O Código Civil de 1916 42 em vigor a partir de janeiro daquele ano, isto é,
94 anos após a emancipação política do Brasil (1822) e 27 anos após a proclamação
da República Brasileira (1889) foi fortemente influenciado pelas doutrinas jurídicas
da França e Alemanha, as quais, por sua vez, têm suas raízes nas leis civis Romanas.
Apesar de promulgada no começo do século XX, o CC 1916 foi considerado por
muitos de seus críticos como uma versão defasada do pensamento jurídico do século
XIX (Araújo, 2000). O processo de eliminação dos direitos civis de um paciente
incapaz foi regulado inicialmente pelo art. 5° do CC 1916, o qual estabelecia que os
“loucos de todo o gênero” eram totalmente incapazes de administrar seus negócios e
afazeres. A expressão “loucos de todo o gênero” se refere em termos populares a
todos os tipos de transtornos mentais, sem denotar seu sentido no texto da lei.
Entretanto, pelo contexto, permite-se conotar-lhe o sentido de uma condição mental
que determinava a perda global das faculdades mentais, determinando uma
incapacidade civil completa. Segundo Rodrigues (2007), são todos aqueles que por
defeito psíquico, não podem reger sua pessoa e bens. Tal expressão, retomada do
Código Criminal Brasileiro de 1830, já era na ocasião considerada defasada, e nem
mesmo o autor do projeto do código de 1916, Clóvis Beviláqua, a defendeu, tendo
sido, contudo, inserida à sua revelia pela comissão responsável pela redação final. Na
oportunidade, diversos eminentes juristas, psiquiatras e médicos-legistas criticaram a
redação dos artigos 5° e 6° do Código Civil de 1916
Criticou-se ainda a falta do
instituto da interdição parcial para as enfermidades mentais mais brandas. Registrese, portanto, a existência de uma perturbante ineficácia histórica deste debate,
traduzida pela manutenção da legislação civil de 1916 até 2002, a despeito da opinião
hegemônica acerca da inexatidão e insuficiência dos institutos de proteção aos
42
Brasil. Lei n° 3.071/16.Código Civil. Diário Oficial da União, 05 de jan. de 1916.
46
doentes mentais. Apesar de todas as críticas, o sistema de interdição do CC 1916
manteve-se vigente sem alterações até 2002.
O novo Código Civil, lei número 10.406 de 10 de janeiro de 2002 43,
em tramitação desde 1975, adotou em seu artigo 3°, o termo “enfermidade mental”,
originalmente proposto em 1900 por Rui Barbosa, em resposta ao termo “Alienação
Mental” empregado por Beviláqua. No artigo 4°, utilizaram-se os termos “ébrios
habituais”,
“viciados
em
tóxicos”,
“deficiência
mental”,
“excepcionais”,
“desenvolvimento mental completo”, pródigos. O recurso a estas expressões
anacrônicas e imprecisas frente aos desenvolvimentos científicos da psiquiatria atual,
deixa claro o atraso com que nasce a legislação em vigor (Taborda et al., 2004).
Observamos que desde o século XIX os debates legislativos acerca dos
procedimentos de interdição e curatela não incorporaram os progressos do
conhecimento psiquiátrico nem tampouco as reformas conduzidas na assistência
psiquiátrica (Mecler et al., 2001)44. Acreditamos que um dos principais motivos pelos
quais nossos legisladores não conseguiram até agora formular uma lei realista foi a
escassez de pesquisas empíricas que avaliem a execução da lei no contexto social e
institucional brasileiro (Vieira, 2002; Mecler et al., 2001; Diaz, 2001; Delgado,
1992).
A partir da década de 80, pesquisas empíricas conduzidas em países
desenvolvidos produziram uma grande quantidade de dados acerca das características
dos curadores, dos interditandos e dos resultados do processo de interdição. Os
autores concluíram que os interditandos eram na sua maioria caucasianos (Lisi &
Hommel, 1992), de sexo feminino ((Lisi & Hommel, 1992; Bulcroft et al., 1989;
Friedman & Savage, 1988), com mais de 60 anos (Doron, 2004; Lisi & Hommel,
1992; Bulcroft et al., 1989; Friedman & Savage, 1988), sofrendo de severas
desordens mentais (Melamed, 2000; Frank & Degan, 1997), e com situação
econômica instável (Lisi & Hommel, 1992). A maioria dos curadores eram parentes
próximos.
43
Brasil. Lei n° 10.046, de 10 de jan. de 2002 – Código Civil Brasileiro – Diário Oficial da Rep.
Fed. do Brasil – pág.01, 11 de jan. de 2002, Diário Oficial da União.
44
Em 2001, a Lei n° 10.216 foi aprovada após 11 anos de discussão no congresso. Este estatuto,
além de outras regulamentações a respeito da assistência de saúde mental, tem acelerado a implementação
de serviços de saúde que representam alternativas viáveis a hospitalização,como por exemplo os centros de
atenção psicossocial e os serviços terapêuticos domiciliares.
47
Nos últimos anos, poucos foram os estudos realizados no
levantamento de como as provisões legais afetam os atuais procedimentos de
interdição e curatela. Parafraseando Carney & Tait (1998, pág.143), “comissões de
reforma legal ao redor do mundo atualizaram em detalhes aquilo que a lei prevê, e o
que pode acontecer em teoria. O que acontece na realidade é mais importante e
menos provável”.
No Brasil, o processo de interdição dos direitos civis dos portadores de
transtornos mentais é prescrito no artigo 1.177 e seguintes do Código de Processo
Civil45. O processo tem início quando uma pessoa interessada e legítima apresenta ao
juiz uma petição especificando os atos que a seu ver revelam a existência de uma
anomalia psíquica no interditando e sua incapacidade para gerir sua pessoa e/ou seus
bens. Diante deste pedido, o juiz mandará citar o paciente para uma audiência na qual
será interrogado acerca de sua vida, negócios e sobre qualquer outro fato que o juiz
considerar relevante para avaliar o seu estado mental. Deferido o pedido, o juiz
nomeará perito médico para proceder ao exame do interditando. Uma vez apresentado
o laudo, o juiz marcará audiência de instrução e julgamento, em que comparecerá o
representante do Ministério Publico (órgão cuja atuação se faz presente ao longo de
todo o processo). Decretada a interdição, é nomeado curador ao interdito.
Em 1996, um novo benefício passou a assistir às pessoas idosas com
mais de 65 anos, assim como aos portadores de deficiência incapacitados para a vida
independente e para o trabalho, cuja renda familiar per capita é menor do que ¼ de
salário mínimo (então cerca de US$25,00, hoje ao redor de US$ 50,00): o “Benefício
de Prestação Continuada” (BPC) previsto na Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS)46,47. Apesar da LOAS não incluir formalmente a intervenção como um
requisito de elegibilidade para a obtenção de benefícios da Previdência Social, uma
interpretação equivocada das leis da previdência torna obrigatória a certificação de
intervenção quando a incapacidade para trabalho e sobrevivência autônoma resultam
de
doenças
mentais.
Desde
então,
segundo
Medeiros
(2005),
cresceu
consideravelmente o número de interdições no Brasil entre a população de baixa
renda. Ressalta-se que antes da introdução da LOAS o motivo principal para as
45
46
47
___. Lei n. 5.869/73. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, 17 jan. 1973.
___. Decreto nº 1.744. Código Civil. Diário Oficial da União, 08 dez 1995.
___. LOAS Lei nº 8.742/93. Código Civil. Diário Oficial da União, 07 dez 1993.
48
petições no Brasil era a preocupação com a capacidade do interditando de administrar
suas finanças (Taborda, 2004).
O presente estudo buscou descrever o perfil sócio-demográfico, os
motivos para os requerimentos, as conclusões dos peritos, a concordância dos juízes e
os resultados dos processos de interdição, de quatro varas de órfãos e sucessões,
localizadas no fórum do Rio de Janeiro, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro
de 2002, correlacionando os fatores pesquisados, e analisando suas eventuais
implicações jurídico-administrativas. Os dados por nós arrolados permitiram
apresentar duas populações de interditandos diferentes, com peculiaridades sóciodemográficas contrastantes: os casos cuja a petição foi motivada por aspectos de bens
e interesses financeiros; e aqueles nos quais o motivo principal foi a obtenção de uma
pensão da Previdência Social.
Foi possível confirmar nossa expectativa inicial, de que, o perfil do
primeiro grupo vai se assemelhar ao descrito na literatura internacional, enquanto que
o segundo grupo vai apresentar uma condição sócio-demográfica menos afortunada,
aliada a transtornos mentais mais brandos.
Conduzimos um estudo dos fatores preditivos da incapacidade civil
por motivo de doença mental, no município do Rio de Janeiro, no período
compreendido entre 1° de janeiro a 31 de dezembro de 2002. Os processos de
interdição são distribuídos aleatoriamente entre as doze Varas de Órfãos e Sucessões
(VOS) deste município, localizadas no Fórum do Rio de Janeiro. Durante o período
de estudo, 796 processos de interdição foram distribuídos aleatoriamente entre as
referidas VOS. Os dados coletados, porém, restringiram-se a quatro Varas, de acordo
com a receptividade ao presente estudo dos juízes por elas responsáveis, totalizando o
acompanhamento de 283 processos, do momento da petição inicial até a sentença.
Um instrumento de coleta de dados foi especialmente desenvolvido
com as seguintes variáveis: características sócio-demográficas; parentesco com o
interditando do responsável pelo pedido de interdição; patrimônio envolvido na
causa; concessão ou não da gratuidade de justiça; motivo da interdição; diagnósticos
psiquiátricos encontrados na documentação médica e pericial, anexada aos autos e
49
classificada de acordo com a Classificação Internacional de Doenças - 10a Edição;
conclusões do perito; sentença judicial; extensão da interdição (parcial ou global).
Os dados contínuos foram descritos através de médias e desviospadrão (DP) e as variáveis categoriais foram descritas através de frequências e
percentis. Testes de Chi-quadrado de Pearson e exato de Fisher foram usados na
avaliação das variáveis categoriais e testes t de Student foram usados nas variáveis
contínuas. As análises foram realizadas utilizando-se o sistema SAS (Statistical
Analysis System).
A tabela 1 apresenta os dados sócio-demográficos da amostra
estudada. O gênero masculino (51,1%) preponderou levemente sobre o feminino
(48,9%). As características predominantes entre foram: caucasiano (77,8%), solteiro
(65,4%), com baixo nível de escolaridade (82,8%), sem qualificação profissional
(63,6%), e sem patrimônio (73,8%). A maior parte utilizou-se da justiça gratuita
(72%) e teve pais, irmãos ou filhos como requerentes (70,2%).
A idade média da amostra foi de 54 anos, o desvio padrão de 22.8 anos; a
mediana, 49 anos; (homens = 46.4, DP = 20.6; mulheres = 61.9, DP = 22.7). Do
exame dos dados, foi possível identificar uma série de características
discriminantes da amostra para os dois grupos etários modais. Assim, entre os
mais jovens, observou-se uma preponderância de interditandos do sexo
masculino, solteiros (65.4%, n=178), de baixa escolaridade, com um diagnóstico
prevalente de Retardo Mental, de classe sócio-econômica mais baixa, que
pretendia com a interdição ver regularizado seu acesso ao benefício social. No
grupo modal mais velho, encontramos características justamente opostas:
interditandos por motivo de preservação e administração do patrimônio,
predominando o sexo feminino, casadas ou viúvas, com maior prevalência de
transtornos demenciais. A partir desta observação, acrescentamos à nossa
análise um estudo quantitativo comparativo entre estas duas categorias, às quais
nomeamos Grupo A, dos que buscavam na interdição, regularizar um acesso a
benefícios; e Grupo B, dos que buscavam regularizar o acesso e a administração
patrimonial (tabela 2). As conclusões periciais concernentes à capacidade do
interditando foram aceitas em sua totalidade pelo juízo.
50
Tabela 1- Distribuição dos Interditandos de acordo com as
variáveis sócio-demográficas
Benefícios
Escolaridade
N
Analfabeto
122
1o. Grau incompleto
66
1o. completo
17
2o. completo
9
Superior
13
Profissão
Não
164
Sim**
94
**Incluídos "do lar" (n=21) e "pensionista"
(n=1)
Estado Civil
Solteiro
178
Casado
10
Separado(a)
37
Viúvo(a)
47
Há Patrimônio?
Casado
Não
193
Sim
68
Justiça Gratuita
Não
68
Sim
175
Parentesco
Pais
82
Cônjuges
23
66
Filhos
Irmãos
69
Outros
31
Gênero
Masculino
139
Feminino
133
Raça
Não caucasiano
50
Caucasiano
175
Patrimonial
%
53,7%
29,1%
7,5%
4,0%
5,7%
63,6%
36,4%
65,4%
3,7%
13,6%
17,3
73,9%
26,1%
28,0%
72,0%
30,3%
8,5%
24,4%
25,5%
11,4%
51,1%
48,9%
22,2%
77,8%
Gráfico 1. Distribuição dos interditandos por diagnóstico psiquiátrico (CID-10).
51
O gráfico 1 indica a distribuição por transtornos mentais da amostra.
Deficiência Mental foi o principal diagnóstico entre esses casos (38,9%), sendo
relativamente mais freqüente em homens. O diagnóstico de Demência (35,2%) foi
relativamente comum, sendo mais freqüente entre mulheres. Os pacientes com
diagnóstico de demência foram significativamente mais velhos. No grupo Psicoses
(20,4%) foram incluídos os diagnósticos de Esquizofrenia, Transtorno Bipolar,
Transtorno Esquizoafetivo. Outros diagnósticos (5,6%) incluíram os diagnósticos de
Epilepsia, Transtorno de Personalidade e ausência de doença mental.
O Gráfico 2 e a Tabela 2 indicam que, em nossa amostra, o grupo de
interditandos por razões de regularização do recebimento de auxílios/pensões (Grupo
A), foi substancialmente maior (3:1) do que o grupo motivado por necessidades de
preservar e administrar o patrimônio dos interditandos (Grupo B).
52
Tabela 2- Comparação entre grupos Benefícios e Patrimonial
Benefícios
Escolaridade
n
Analfabeto
121
1o. Grau incompleto
56
1o. completo
0
2o. completo
0
Superior
0
Profissão
Não
146
Sim**
52
**Incluídos "do lar" (n=21) e "pensionista" (n=1)
Estado Civil
Casado
22
Solteiro
157
Separado(a)
7
Viúvo(a)
22
Há Patrimônio?
Não
188
Sim
16
Justiça Gratuita
Não
24
Sim
165
Diagnóstico
Deficiência Mental
100
Demência
48
Psicose
49
Não Especificado
11
Patrimonial
n
1
10
17
9
13
p-valor*
< .001
18
42
< .001
15
21
3
25
< .001
5
52
< .001
44
10
< .001
5
47
6
4
< .001
53
Parentesco
Pais
Cônjuges
Filhos
Irmãos
Outros
Gênero
Masculino
Feminino
Raça
Não caucasiano
Caucasiano
80
14
34
55
24
2
9
32
14
7
< .001
115
93
24
40
< .013
120
49
55
1
< .001
*p-valor obtido através do teste x2
Dos 283 processos estudados, o juiz concluiu pela interdição global dos
direitos civis do interditando em 271 casos (95,8%). Apenas três casos (1,1%) resultaram
em interdição parcial, e em 1 caso (0,4%) o interditando foi declarado capaz de exercer
todos os seus direitos civis. 10 casos foram desqualificados por motivo de óbitos.
A comparação entre os grupos (recebimento de benefícios VS.
Administração de patrimônio) revela diferenças estatísticas significativas. Notamos as
seguintes características no “grupo de recebimento de benefícios”: indivíduos mais
jovens, com predominância do gênero masculino, menor nível de escolaridade e maior
freqüência de retardo mental; enquanto que o “grupo de administração de patrimônio”
ficou caracterizado por um nível mais alto de qualificação profissional, menor demanda
de assistência legal gratuita, maior número de interditandos casados ou viúvos e maior
presença de diagnostico de demência. Também notamos que independente do motivo dos
diagnósticos que precipitaram o encaminhamento das petições, a interdição total foi
determinada em 95,8% dos casos.
Em relação ao “grupo recebimento de benefícios”, existe apenas uma
quantidade limitada de pesquisa empírica, particularmente em relação a casos de
deficiência mental em indivíduos mais jovens. Em contraste com o nosso estudo, as
pesquisas de Millar & Renzaglia (2002) e de Carney & Tait (1997) dão maior destaque
ao processo de preservação total da autonomia do interditando. O estudo de Carney &
54
Tait (1997), que consistiu de entrevistas com participantes em procedimentos de
interdição infantil e adulta em quatro estados da Austrália, concluiu que existe um
reconhecimento cada vez maior que a “alternativa de menores restrições” deve ser o
princípio básico na prestação de serviços para indivíduo portadores de deficiências.
O Brasil é um vasto país em desenvolvimento que apresenta enormes
contrastes sociais, nos quais aqueles que sofrem de transtornos mentais são vulneráveis a
exclusão social. Os resultados da nossa pesquisa diferem em grande parte dos resultados
de estudos efetuados em países desenvolvidos.
A observação de que os requerentes e os interditandos na maior parte
apresentam relacionamentos familiares é consistente com descobertas similares de outras
pesquisas (Millar & Renzaglia, 2002; Carney & Tait, 1997; Lisi et al., 1991; Friedman &
Savage, 1988).
O baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional contido na
amostra pode ser explicado pelo fato de que pessoas com retardo mental ou
freqüentemente interrompem seus estudos nos níveis elementares. O atual estudo
também revelou que o motivo principal para as petições tem sido, dado o baixo nível
sócio-econômico da amostra, o recebimento de benefícios da Previdência do governo
brasileiro. Vários requerentes encaminharam petições em prol de seus parentes com o
objetivo único de garantir a sua subsistência. Desde a criação do LOAS em 1996, o
número total de interdições teve aumento acentuado. Nos parece que varias dessas
pessoas deveriam poder ter a alternativa de acesso ao benefício previdenciário sem a
necessidade de renuncia a seus direitos de escolha em relação a assuntos como
casamento, direito de voto, reprodução, tratamento médico, moradia e outros
componentes básicos da vida em comunidade.
O fato de que o processo de curatela força o requerente e o interditando a tomar
este caminho preocupante não pode ser subestimado. Os benefícios derivados do LOAS
deveriam poder ser obtidos através de maneiras menos ardorosas do que o processo de
interdição, e na verdade outros países oferecem medidas legais substitutas. Nos EUA,
por exemplo 48, nos estados que adotaram o UPC (Uniform Probate Code), um curador
48
O UPB foi adotado,pelo recebimento de benefícios parcialmente, em 18 estados. recebimento de
benefícios são: Alasca, Arizona, Colorado, Florida, Havaí, Idaho, Maine, Michigan, Minnesota, Montana,
Nebraska, Novo México, Dakota do Norte, Carolina do Sul, Dakota do Sul e Utah. Vários outros estados
adotaram o UPB em uma versão parcial.
55
parcial pode ser apontado para proteger aqueles incapazes de administrar suas finanças
devido a deficiências físicas ou mentais. De acordo com o Social Security Act,
benefícios podem ser recebidos e administrados por um indivíduo ou organização agindo
em prol do beneficiado.
O estudo de Millar & Renzaglia (2002) descreve os resultados de uma
revisão de processos judiciais de 221 petições de curatela para indivíduo com
deficiências no estado de Michigan. Aproximadamente 40% dos recebimentos de
benefícios resultaram na interdição global ou parcial do interditando, enquanto que 16%
requereram curatela global do interditando e de seu patrimônio 49. A fonte de renda de
aproximadamente metade dos interditandos era a verba complementar da previdência.
Mais de 70% moravam com suas mães ou outros parentes próximos. Indivíduos com
transtornos mentais brandos tinham uma probabilidade maior de receber um curador
parcial, enquanto que aqueles com transtornos severos normalmente receberam uma
curatela global. No nosso estudo, todos os casos resultaram na nomeação de um curador
global. É possível que a maior parte desses indivíduos realmente necessitem de curatela
global devido a severidade de suas condições clínicas.
Observamos que atualmente no Brasil as interdições têm sido amplamente
conduzidas na medida da existência de motivadores de ordem econômica – recebimento
de benefícios ou interesses patrimoniais – e não de ordem assistencial.
É interessante notar que algumas características dos indivíduos no “grupo
administração de patrimônio” na nossa amostra são semelhantes as dos interditandos nos
países desenvolvidos (Lisi et al., 1994; Bulcroft et al., 1991; Friedman & Savage, 1988):
predominância do gênero feminino, idade acima dos 60 anos, casado(a)s ou viúvo(a)s,
posse de patrimônio, e uma freqüência maior de casos de demência. Esta semelhança
pode refletir o fato de que este grupo faz parte da população que vive na camada de
melhores condições sociais e econômicas do Brasil. Além disso, a população idosa do
Brasil possui uma relevância cada vez maior em termos absolutos e proporcionais. No
período entre os censos nacionais de 1990 e 2000 a população do país cresceu em 15,6%
(aprox. 23 milhões), enquanto que a população acima de 60 anos aumentou em 3,5%
O termo “curatela” se refere tradicionalmente a guarda de uma recebimento de benefícios, no
sentido que a corte aponta um indivíduo (ou agência) para supervisionar e tomar decisões a respeito de
aspectos da sua vida cotidiana, incluindo assuntos como condições de moradia, saúde, finanças e outras
necessidades básicas (Grisso, 2003)
49
56
(aprox. 3,9 milhões). Este aumento da população idosa já afeta as nossas necessidades
sociais nas áreas de saúde e previdência social.
Lisi & Hommel (992) estudaram sistemas de curatela nos EUA. Dados
foram coletados em 563 audições, 726 processos e 228 petições para curatela entre 1989
e 1992 em 10 estados. O estudo foi conduzido pelo Centro Nacional de Gerontologia
Social. Os autores concluíram que os interditandos eram geralmente caucasianos (83%),
do gênero feminino (67%), com idade acima de 60 anos e de diversos níveis econômicos.
A maior parte dos curadores possuía parentesco familiar.
Bulcroft et al. (1991) examinaram o perfil demográfico dos interditandos
de idade mais avançada, e de seus curadores, nos estados de Ohio e Washington, e
observaram que a idade média dos interditandos era de 76 anos, com uma predominância
do sexo feminino. Outra descoberta interessante foi a de que a maioria dos interditandos
eram viúvos e residindo em instituições hospitalares. No nosso estudo descobrimos um
perfil diferente, no qual o gênero feminino suplantou o masculino em 2 por 1, e a maioria
residia com parentes ou terceiros.
Friedman & Savage (1988) revisaram documentos das cortes do condado
de San Mateo, Califórnia. Foram investigados os indivíduos que requereram as petições,
assim como o valor do patrimônio em questão e o gênero dos interditandos. 84% dos
interditandos tinha acima de 60 anos de idade, e ⅔ eram mulheres. Curadores públicos
estavam presentes em 45 de um total de 178, como os motivos mais comuns dos
requerimentos foram a falta de capacidade para administrar situações financeiras e a falta
de habilidade para tomar decisões competentes. Nossos resultados são semelhantes,
exceto pela falta de curadores públicos em nossa pesquisa.
Em Israel, de acordo com Doron (2004), a curatela de adultos é utilizada
principalmente em subgrupos especialmente vulneráveis da população idosa, como
aqueles com mais de 74 anos, vivendo desacompanhados (solteiros, divorciados, viúvos,
etc.) ou em instituições hospitalares (hospitais, asilos, hospícios), ou extremamente
pobres (e portanto dependentes de recebimento de benefícios da previdência como sua
única fonte de renda). Doron descobriu que os motivos principais para as requisições de
curatela eram a deterioração física ou mental (em 46,5% dos recebimentos de
benefícios), ou a necessidade de se obter permissão para um procedimento médico
(36,8%). Os resultados de Doron são diferentes dos nossos.
57
Apesar do fato de que o método de amostragem usado neste estudo não
produz uma amostra realmente significativa da população do Rio, ele serve como um
ponto de partida para o desenvolvimento de um perfil mais compreensivo dos indivíduos
com deficiências que tenham tido um curador designado para si. Outra limitação é o fato
de que como nós não tivemos a chance de conduzir um exame psiquiátrico dos
interditandos, foi necessário nos basear nas informações contidas nos processos. No
grupo de demência e retardo mental por exemplo, os autos processuais não incluíram
muitas vezes um levantamento da severidade dos casos.
Pode-se inferir que o Código Civil Brasileiro tem sido criticado pela sua visão
ultrapassada da necessidade de intervenção oficial para a proteção daqueles considerados
incompetentes. A política do “tudo ou nada” na legislação relativa à interdição civil falha
em deixar de reconhecer que adultos possam ter competência na tomada de certas
decisões, ainda que incapazes de outras. A histórica ênfase paternalista acerca do
patrimônio ainda está presente na legislação brasileira atual. No momento, a criação de
medidas de proteção direcionadas especificamente em relação a interesses não
financeiros ainda não está sendo considerada no país.
Nos últimos anos tem havido algumas tentativas de coletar dados sobre como
estatutos legais afetam na prática o campo da curatela. Segundo Carney e Tait (1997),
“comitês de reforma jurídica em todo o mundo têm analisado bastante detalhadamente
o que a Lei prevê e o que poderia acontecer na teoria. O que acontece na prática,
entretanto, não é tão bem determinado.” Neste sentido, entendemos que a principal
contribuição pretendida pela presente pesquisa foi a de estabelecer de forma descritiva
um perfil sócio-demográfico e clínico para os indivíduos interditados, em decorrência
dos processos que tramitaram no ano de 2002, em quatro varas de órfãos e sucessões do
município do Rio de Janeiro.
58
Os dados por nós arrolados permitiram apresentar duas populações de
interditandos diferentes, com peculiaridades sócio-demográficas contrastantes. Assim,
um grupo composto por indivíduos mais velhos, mulheres, com melhor nível
educacional e financeiro, apresentando quadros demenciais, cuja interdição foi movida
pelo interesse do gerenciamento patrimonial. O outro grupo por nós identificado foi o
de indivíduos mais jovens, homens, de nível educacional e econômico baixos,
apresentando quadros de retardo mental ou esquizofrenia, cuja interdição foi movida
pelo interesse da obtenção de benefício social.
Foi possível confirmar nossa expectativa inicial, de que, em função das
exigências ilegítimas de órgãos da administração pública - que têm o dever legal de
dispensarem benefícios sociais para doentes mentais incapazes para o trabalho - e não
por efetivos problemas na proteção jurídica dos direitos civis destes pacientes, um
grande número de processos de interdição tem curso. É o que evidencia o fato de que
três vezes mais pessoas parecem ter suas interdições movidas por este tipo de
exigências, do que por iniciativa espontânea das famílias no afã de protegerem os
direitos e os bens do interditando.
Os estudos nacionais revisados, mesmo que assinalando o constrangimento
ilegítimo que freqüentemente induz a busca do instituto da interdição para a obtenção
de benefícios sociais de direito, tal como aqui apontamos, não têm apresentado dados
sócio-demográficos diferenciais, concernentes aos que se encontram nesta situação. Ao
contrário, as médias sócio-demográficas apresentadas representam, via de regra o
conjunto total dos casos, autos ou registros, sem cuja diferenciação, comparações entre
diferentes populações e realidades não podem ser adequadamente realizadas (Delgado,
1992; Vieira, 2003).
59
Assim, Delgado, em 1992, entrevistando serventuários de justiça e examinando
registros civis de interdições, também sugeriu uma relação entre a necessidade de
benefícios sociais e processos de interdição. Não chegou a publicar a composição
sócio-demográfica deste grupo específico, ou daquele com que com este contrasta. Seus
dados não distinguiram entre si os dois grupos, e sugeriram uma pequena
predominância de homens, do emprego da justiça gratuita e da busca da
“autonomização de dispositivos burocráticos” – ou seja, condição para a obtenção de
um benefício social. Apontou a ausência, em seus dados, de casos de interdição parcial.
Continuando a estudar o mesmo tema, Diaz (2001), em 2001, examinou 39
processos de interdição no município de Angra dos Reis, identificou entre os
interditandos, como em nosso estudo, uma prevalência de sexo masculino, baixa
escolaridade e qualificação profissional, e a predominante motivação de obter, por meio
da interdição, as condições para pleitear o benefício social de direito. Não houve um
levantamento e análise discriminada de grupos com motivações distintas, como aqui
fizemos. Apontou, a ausência, em seus dados, de casos de interdição parcial,
virtualmente da mesma forma como em nosso trabalho.
Em estudo conduzido em Porto Alegre, com 672 processos cadastrados no
Banco de Dados do Projeto Interdição da Promotoria de Justiça de Família e Sucessões
de Porto Alegre, com sentenças de interdição proferidas entre os anos de 2000 a 2002,
Medeiros (2005), em contraste com nossos dados, verificou uma leve predominância do
gênero feminino entre os interditados; como aqui, os índices de escolaridade e o nível
socioeconômico foram em média baixos. Tal como aqui, identificou, entre as mulheres,
uma média de idade mais alta à interdição do que entre os homens – 60 e 45 anos,
respectivamente. Encontrou também as mulheres mais representadas entre os viúvos e,
60
os homens, mais entre os casados; como em nosso estudo, nas primeiras, predominou a
Demência como transtorno psiquiátrico determinante, enquanto nos últimos, o Retardo
Mental. Apontou também a necessidade de obtenção de benefício social como um
motivador de grande importância na promoção de ações de interdição, e indicou que
observou em apenas 1,5% dos casos a interdição parcial, tal como em nosso estudo.
Embora apontasse uma prevalência de mulheres na amostra, com predomínio de
demências, a média geral consagrou, mesmo assim, o retardo mental como causa
prevalente de interdições. Não apresentou análise discriminada e integrada destas
categorias sociais de análise.
Em outro estudo, Teixeira et al. (2003), publicaram que, de um total de 41
perícias psiquiátricas realizadas entre setembro e outubro de 2001, na grande
Campinas, SP (solicitadas tanto pela Justiça Gratuita quanto por particulares),
observaram uma maior prevalência de casos de Retardo Mental (n=26), como em nosso
estudo. Os demais quadros psiquiátricos observados foram Demência (n=9), Psicoses
Crônicas (n=7) e Epilepsia (n=1) – coincidindo também com nossos dados. Dirigem-se
igualmente os autores à relevância da imposição administrativa da interdição como
condição de acesso ao benefício social. Das 41 perícias, 39 foram de Justiça Gratuita,
dente as quais 36 destinaram-se ao recebimento de benefícios previdenciários, 31
envolviam interditandos ente 20 e 30 anos de idade. Dois casos foram motivados pela
necessidade de amparo judicial para a administração de bens, os quais não recorreram à
justiça gratuita e seus interditandos apresentavam mais de 60 anos de idade.
Através do levantamento de 1183 registros de interdição civil, lavrados perante
o 1º cartório de registro civil de São Paulo, durante o período de janeiro a dezembro de
2001, Vieira (2003) identificou, uma prevalência de homens (53,8%); média de idade
61
um pouco maior de 47anos; solteiros (64,3%); portadores de Retardo Mental (33,3%),
ou portadores de transtornos orgâno-mentais (sic – 26,7%) – mais provavelmente
Demências associadas a Alzheimer, Isquemias e Parkinson; 9,8% relacionados a
Esquizofrenia; ou sem registro de patologia mental, em 28,5% dos casos. Os
transtornos registrados seguiram igualmente a ordem por nós identificada. As mulheres
preponderaram entre os portadores de quadros Demenciais, e os homens entre os
portadores de Retardo Mental e de Esquizofrenia, o que novamente concordou com
nossos achados.
Numa perspectiva internacional, desde os anos 80, investigações empíricas
conduzidas em países desenvolvidos têm produzido informações sobre o perfil sóciodemográfico dos interditandos e requerentes, assim como acerca dos resultados dos
processos de interdição (Friedman & Savage, 1988; Bulkroft et al., 1991; Lisi et al.
1994). Nossos dados acerca do grupo interditado por motivo relacionado a interesses
patrimoniais concordam com algumas das características dos interditos nos países
desenvolvidos: predominância de mulheres, casadas ou viúvas, posse de patrimônio,
com diagnóstico de demência. Isto deve refletir o fato de que este grupo no Brasil é
parte da população que pertence aos extratos socioeconômicos mais elevados. Nossa
observação de que os requerentes e curadores foram mais freqüentemente familiares
próximos do paciente foi consistente com achados similares em estudos internacionais
anteriores (Bulkroft et al., 1991; Friedman & Savage, 1988; Lisi et al. 1994; Millar &
Renzaglia, 2002).
É igualmente um consenso entre os autores a impressão de que poderá ser
perversa a não aplicação do instituto da interdição parcial. Sobre isso lemos no artigo 1º
da Declaração de Direitos da Pessoa Mentalmente Deficiente, de 20/12/1971, que “A
62
pessoa mentalmente deficiente deve gozar, no máximo possível, dos mesmos direitos
dos demais seres humanos.” (ONU, 1971). Neste sentido, as recomendações da ONU
(1991) e das legislações européias (Blankman, 1997; Atkins, 1997; Carney & Tait,
1998; Gordon, 2000) mais recentes apontam no sentido da necessidade de limitar a
redução de direitos representada pelas “medidas especiais de proteção” assim como
controlar sua duração temporal. Os documentos legais mais modernos (OMS/ OPS,
1990) têm enfatizado a necessidade de preservar nos pacientes o exercício autônomo de
seus direitos, dentro de seu universo de competências; e que não é indispensável que
um cidadão esteja globalmente interditado, para que seus direitos de proteção sejam
legalmente assegurados.
Nossos dados concordam com os dos estudos nacionais citados, no sentido de
que as interdições têm sido amplamente conduzidas na medida da existência de
motivadores de ordem econômica – recebimento de benefícios ou interesses
patrimoniais – e não de ordem assistencial. Esta seria essencial como um instrumento
de proteção no tocante a uma exigência ao curador de cuidar dos indivíduos
gravemente comprometidos. É essencial que a questão da interdição continue sendo
estudada e pesquisada, tanto no âmbito da psiquiatria quanto no do direito, de forma a
se procurar mecanismos menos restritivos de interdição, respeitando os direitos do
doente mental e preservando o máximo possível o seu exercício de cidadania.
A interdição dos direitos civis tem se revelado um tema de fundamental
importância no âmbito da psiquiatria forense. Em nossa pesquisa constatamos uma
carência de estudos empíricos na área psiquiátrico-forense em geral, e no tema de
interdição dos direitos civis em particular. A relevância do tema pode ser destacada por
63
aspectos como as recentes modificações nos dispositivos de interdição e curatela com a
entrada em vigor, em 2003, do novo Código Civil brasileiro (Brasil, 2002).
Outro aspecto é a relação deste tema com o movimento de reforma da assistência
psiquiátrica, que objetiva a promoção da cidadania das pessoas com transtornos mentais.
Nas últimas décadas, importantes avanços do conhecimento da medicina em geral e da
psiquiatria em particular têm possibilitado a manutenção de pessoas gravemente
enfermas por maior tempo em seu meio social, alargando os períodos livres de sintomas
e obtendo maior êxito em reabilitação.
A cada ano, temos presenciado uma diminuição considerável no número de leitos
psiquiátricos, enquanto cresce o número de centros e núcleos de atenção psicossocial
(CAPS/NAPS), assim como hospitais-dia e oficinas terapêuticas. No ano de 2001, após
12 anos de tramitação no Congresso Nacional, foi aprovada a Lei Federal 10.216 (Brasil,
2001) que redireciona a assistência da saúde mental, privilegiando o oferecimento de
tratamento em serviços de base comunitária e dispõe sobre a proteção e os direitos das
pessoas com transtornos mentais. Percebemos porém, até o momento, que a influência do
movimento de reforma tem sido muito mais evidente nas práticas de atendimento do que
nos dispositivos contidos na legislação penal e civil.
A avaliação da capacidade civil tem sido debatida ao longo dos últimos anos na
literatura internacional (Appelbaum & Grisso, 1988; Lidz et al.,1988, Moye, 2003).
Existem valores éticos centrais para o exercício da curatela que se encontram, porém, em
conflito: “Beneficência” - o direito de um indivíduo à segurança e proteção pelo Estado –
versus “Autonomia e Auto-Determinação”.
Embora a previsão legal da interdição possibilite e garanta ao interdito, a proteção
de sua pessoa e de seus bens através do reconhecimento da incapacidade civil que resulta
da doença mental, corremos o risco por vezes, de restringir por vezes de forma não
justificada a liberdade de exercício de sua cidadania.
De acordo com Fé (2001), o paternalismo benévolo que marcou a atuação médica
desde os tempos hipocráticos, vem perdendo espaço, particularmente nas últimas três
décadas. As legislações internacionais pesquisadas em nosso trabalho refletem esta
tendência.
Países como Alemanha, França (Blankman, 1997; Gove & George, 2001) e EUA
(Grisso, Frank & Degan, 1997) adotaram textos legais mais flexíveis em seus sistemas de
64
curatela, com medidas de intervenção graduais e tipos diferentes de supervisão e
limitação ao exercício autônomo de direitos, de acordo com o grau e a classe de
competências faltantes à pessoa a quem se pretende atribuir proteções especiais da
cidadania.
Embora as doutrinas francesa e germânica sejam reconhecidas como as mais
influentes no pensamento jurídico brasileiro, o Código Civil Brasileiro de 2002 parece
ser mais influenciado no tema da interdição e curatela pelo doutrinador italiano. A
reforma da assistência psiquiátrica italiana, entretanto, não aparece diretamente no
Código Civil de 2002, mas sim, na Lei 10.216, de 06.04.2001, "De proteção e direitos
das pessoas portadoras de transtornos mentais e do modelo assistencial em saúde mental"
( Brasil, 2001).
A legislação brasileira sobre interdição, modificada somente em 2002, é bem
menos flexível em relação às pesquisadas em nosso trabalho. De acordo com o Código
Civil de 2002 (Brasil, 2002), em seu artigo 4º, quanto à regulamentação da incapacidade
relativa de pessoas que potencialmente são inseridas nesta categoria, estão relacionadas
os “ébrios habituais”, os “viciados em tóxicos”, os que por “deficiência mental” tenham
a capacidade de discernimento reduzido (inciso II); “os excepcionais, sem
desenvolvimento mental completo” (inciso III), e os “pródigos” (inciso IV). Nestes
casos, o juiz poderá limitar a capacidade legal do indivíduo. Com tal dispositivo, o
legislador, dentre as enfermidades mentais, restringe-se apenas às relacionadas ao
capitulo das dependências químicas por substância lícita (álcool) ou ilícitas (drogas).
Fecha a possibilidade, portanto, de que pessoas com outros transtornos mentais possam
ser protegidas, porém com restrições parciais de sua autonomia. Para elas, continuará a
valer a regra de 1916 – ou tudo ou nada. Desta forma, podemos concluir que a aplicação
do próprio Código traz limitações à aplicação parcial da interdição. Além da maioria
destas expressões serem inadequadas, pouco precisas e desatualizadas, elas não
acompanharam o desenvolvimento da nosologia e terapêutica psiquiátrica modernas. É
sabido que mesmo indivíduos com transtornos mentais graves podem estar inteiramente
aptos para o exercício de atos cíveis de sua vida, desde que sob acompanhamento
psiquiátrico regular.
O novo Código Civil , apesar de avançar em muitos sentidos, pode ser criticado
por não levar em consideração os recentes avanços científicos, legais e sociais no campo
65
da psiquiatria (Taborda et al., 2004). Certamente estes aspectos reforçam a
estigmatização social do doente mental como um indivíduo necessariamente incapaz,
tornando-os mais vulneráveis a exclusão social.
Os achados de nossa pesquisa mostraram que a interdição no Brasil é fortemente
orientada em relação à necessidade de recebimento de benefícios de seguridade social.
Desta forma, encontramos que os fatores econômicos são atualmente as principais razões
de interdição civil no Brasil. É o que evidencia o fato de que, em nossa pesquisa, três
vezes mais pessoas parecem ter sua interdição motivadas por este tipo de exigências, do
que por iniciativa espontânea das famílias por necessidade de proteger os direitos e os
bens do interditando.
Em nossa pesquisa, encontramos duas populações de interditandos com diferentes
peculiaridades sócio-demográficas e epidemiológicas. Assim, um grupo foi aqui definido
como composto por indivíduos mais velhos, mulheres, com melhor nível educacional e
financeiro, apresentando quadros demenciais, cuja interdição é movida no interesse do
gerenciamento patrimonial.O outro grupo foi composto de indivíduos mais jovens,
homens, de nível educacional e econômico baixo, apresentando quadros de Retardo
Mental ou Esquizofrenia, cuja interdição foi movida no interesse da obtenção de
benefício social.
Nossos dados acerca do grupo interditado por motivo relacionado a interesses
patrimoniais concordam com algumas das características dos interditos nos países
desenvolvidos: predominância de mulheres, casadas ou viúvas, posse de patrimônio, com
diagnóstico de demência. Esta semelhança deve refletir o fato de que este grupo no
Brasil, sendo parte dos extratos socioeconômicos mais elevados, aproxima-se das
características sócio-econômicas médias dos interditandos dos países desenvolvidos.
Entretanto, a comparação com estudos internacionais é dificultada pela diferença da
legislação e conseqüentemente da terminologia. Os estudos nacionais são poucos e com
abordagens diferentes. A maioria privilegia a metodologia qualitativa.
Constatamos nos estudos nacionais revisados, mesmo que assinalando o
constrangimento ilegítimo que freqüentemente induz a busca do instituto da interdição
para a obtenção de benefícios sociais de direito, tal como aqui apontamos, não têm
apresentado dados sócio-demográficos diferenciais, concernentes aos que se encontram
nesta situação. Ao contrário, as médias sócio-demográficas apresentadas representam,
66
via de regra o conjunto total dos casos, autos ou registros, sem cuja diferenciação,
comparações entre diferentes populações e realidades não podem ser adequadamente
realizadas (Delgado, 1992; Diaz, 2001; Vieira, 2003; Teixeira et al. 2003; Medeiros,
2005).
Certamente a interdição total leva a um prejuízo na qualidade de vida do
indivíduo, que perde a capacidade de tomar decisões relativas a questões básicas de sua
própria existência. Um aspecto a ser levantado, é que uma vez realizada a interdição
(total na maioria dos casos examinados), isso não é mais revisto, quase sempre
prolongando-se a mesma por toda a vida do doente mental. A própria Declaração de
Direitos da Pessoa Mentalmente Deficiente (ONU, 1975) afirma que o procedimento que
leva a uma limitação ou abolição de exercícios de direitos civis deverá ficar sujeito a
revisões periódicas, o que efetivamente não acontece em nosso meio. Claramente se
observa que os mais importantes princípios da reforma de saúde mental, tais como acima
mencionados, não são respeitados, no que diz respeito à interdição. Os portadores de
transtornos mentais interditados deveriam ser periodicamente reavaliados para que se
constate a real condição de capacidade ou incapacidade civil e não se corra o risco de
perpetuar a interdição. Cabe lembrar que a legislação assegura a possibilidade de que a
interdição seja revista. O desempenho do curador também deveria ser freqüentemente
avaliado. Campanhas também devem ser promovidas pelo Governo Federal, sobre o
benefício assistencial da prestação continuada, tendo elas como objetivo, inclusive,
esclarecer que, para a concessão do benefício, não se faz necessária a interdição.
Embora o critério adotado pelo Código Civil para interdição civil fosse o
biológico (Código Civil de 1916) até o ano de 2003, ou atualmente, o biopsicológico
(Código Civil de 2002), na prática observamos que as questões econômicas e sociais
representaram um componente de peso na interdição civil em nossos achados.
O recebimento de benefícios poderia ter um caminho mais simples que não a
interdição propriamente dita. Um laudo psiquiátrico realizado por perito oficial do estado
que atestasse a incapacidade laborativa decorrente de um transtorno mental já bastaria
como instrumento de informação para o julgamento por parte da autoridade competente.
Conforme ressalta Moraes (2005), a incapacidade laborativa é determinada por perícia
previdenciária ou trabalhista, pois representa um prejuízo para o exercício do trabalho. A
finalidade desse tipo de incapacidade é proteção de direito. Já a incapacidade civil,
67
determinada por ação judicial e estabelecida por perícia psiquiátrica forense, é um
prejuízo para os atos de cidadania e traz limitação de direitos. É importante ressaltar que
o uso excessivo, abusivo e danoso das interdições por conta da previdência social vai
contra os objetivos da reforma psiquiátrica, que busca reinserir na sociedade o portador
de transtorno mental.
Estudando as leis que regem a interdição civil no Brasil e outros países,
verificamos não haver uma definição de critérios claros para aferição da capacidade civil
dos indivíduos com transtornos mentais. É essencial que pesquisas futuras se preocupem
mais com este aspecto, mantendo uma boa comunicação com os juristas interessados
neste tema. Também são necessárias pesquisas que estudem a questão das interdições
acontecidas já na vigência do novo Código Civil de 2002 (critério biopsicológico),
comparando com resultados das interdições acontecidas na vigência do Código Civil de
1916 (critério biológico), de forma a permitir uma análise do impacto nas mudanças no
Novo Código Civil sobre os direitos dos doentes mentais.
O direito do cidadão portador de doença mental deve ser revisado dentro de uma
perspectiva atualizada, com o intuito de estabelecer conceitos claros e bem definidos,
romovendo a proteção ao cidadão que realmente dela necessita, pelo tempo que
realmente necessitar.
ANEXOS:
Código Civil Brasileiro - LEI Nº 3.071 - DE 1º DE JANEIRO DE 1916
LIVRO I
Das pessoas
TÍTULO I
Da divisão das pessoas
CAPÍTULO I
Das pessoas naturais
Art. 2º Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil.
Art. 3º A lei não distingue entre nacionais e estrangeiros quanto à aquisição e ao gozo
dos direitos civis.
68
Art. 4º A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei
põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.
Art. 5º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de 16 (dezesseis) anos;
II - os loucos de todo o gênero;
III - os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade;
IV - os ausentes, declarados tais por ato do juiz.
Art. 6º São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, I), ou à maneira de os
exercer:
I - os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 21 (vinte e um) anos (arts. 154 a
156);
II - os pródigos;
III - os silvícolas.
Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis
e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se forem adaptando à
civilização do País.
Art. 7º Supre-se a incapacidade, absoluta, ou relativa, pelo modo instituído neste
Código, Parte Especial.
Art. 8º Na proteção que o Código Civil confere aos incapazes não se compreende o
benefício de restituição.
Art. 9º Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o
indivíduo para todos os atos da vida civil.
§ 1º Cessará, para os menores, a incapacidade: (Parágrafo único renumerado pelo
Decreto nº 20.330, de 27.8.1931)
I - por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o
tutor, se o menor tiver 18 (dezoito) anos cumpridos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau científico em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria.
§ 2º Para efeito do alistamento e do sorteio militar cessará a incapacidade do menor
que houver completado 18 (dezoito) anos de idade.
Art. 10. A existência da pessoa natural termina com a morte. Presume-se esta, quanto
aos ausentes, nos casos dos arts. 481 e 482.
69
Art. 11. Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo
averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão
simultaneamente mortos.
Art. 12. Serão inscritos em registro público:
I - os nascimentos, casamentos, separações judiciais, divórcios e óbitos;
II - a emancipação por outorga do pai ou mãe, ou por sentença do juiz (art. 9º,§ 1º, I);
III - a interdição dos loucos, dos surdos-mudos e dos pródigos;
LIVRO I
Do direito de Família
TÍTULO VI
Da Tutela, da Curatela e da Ausência
CAPÍTULO II
Da Curatela
Seção I
Disposições Gerais
Art. 446. Estão sujeitos à curatela:
I - os loucos de todo o gênero (arts. 448, I, 450 e 457);
II - os surdos-mudos, sem educação que os habilite a enunciar precisamente a sua
vontade (arts. 451 e 456);
III - os pródigos (arts. 459 e 461).
Art. 447. A interdição deve ser promovida:
I - pelo pai, mãe, ou tutor;
II - pelo cônjuge, ou algum parente próximo;
III - pelo Ministério Público.
Art. 448. O Ministério Público só promoverá a interdição: (Redação dada pelo
Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)
I - no caso da loucura furiosa;
II - se não existir, ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas no
artigo antecedente, ns. I e II;
III - se, existindo, forem menores, ou incapazes.
Art. 449. Nos casos em que a interdição for promovida pelo Ministério Público, o juiz
nomeará defensor ao suposto incapaz. Nos demais casos o Ministério Público será
defensor.
70
Art. 450. Antes de se pronunciar acerca da interdição, examinará pessoalmente o juiz
o argüido de incapacidade, ouvindo profissionais.
Art. 451. Pronunciada a interdição do surdo-mudo, o juiz assinará, segundo o
desenvolvimento mental do interdito, os limites da curatela.
Art. 452. A sentença que declara a interdição produz efeitos, desde logo, embora
sujeita a recurso.
Art. 453. Decretada a interdição, fica o interdito sujeito à curatela, à qual se aplica o
disposto no capítulo antecedente, com a restrição do art. 451 e as modificações dos
artigos seguintes.
Art. 454. O cônjuge, não separado judicialmente, é, de direito, curador do outro,
quando interdito (art. 455).
§ 1º Na falta do cônjuge, é curador legítimo o pai; na falta deste, a mãe; e, na desta, o
descendente maior.
§ 2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos, e, dentre
os do mesmo grau, os varões às mulheres.
§ 3º Na falta das pessoas mencionadas, compete ao juiz a escolha do curador.
Art. 455. Quando o curador for o cônjuge, não será obrigado a apresentar os balanços
anuais, nem a fazer inventário, se o regime do casamento for o da comunhão, ou se os
bens do incapaz se acharem descritos em instrumento público, qualquer que seja o
regime do casamento.
§ 1º Se o curador for o marido, observar-se-á o disposto nos arts. 233 a 239.
§ 2º Se for a mulher a curadora, observar-se-á o disposto no art. 251, Parágrafo único.
§ 3º Se for o pai, ou mãe, não terá aplicação o disposto no art. 435.
Art. 456. Havendo meio de educar o surdo-mudo, o curador promover-lhe-á o
ingresso em estabelecimento apropriado.
Art. 457. Os loucos, sempre que parecer inconveniente conservá-los em casa, ou o
exigir o seu tratamento, serão também recolhidos em estabelecimento adequado.
Art. 458. A autoridade do curador estende-se à pessoa e bens dos filhos do
curatelado, nascidos ou nascituros (art. 462, Parágrafo único). (Redação dada pelo
Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)Seção II
Dos Pródigos
Art. 459. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, de emprestar,
transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em
geral, atos que não sejam de mera administração.
Art. 460. O pródigo só incorrerá em interdição, havendo cônjuge, ou tendo
ascendentes ou descendentes legítimos, que a promovam.
71
Art. 461. Levantar-se-á a interdição, cessando a incapacidade, que a determinou, ou
não existindo mais os parentes designados no artigo anterior.
Parágrafo único. Só o mesmo pródigo e as pessoas designadas no art. 460 poderão
argüir a nulidade dos atos do interdito durante a interdição.
Seção III
Da Curatela do Nascituro
Art. 462. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer, estando a mulher gravida, e
não tendo o pátrio poder.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro (art.
458).
LEI No 5.869 - DE 11 DE JANEIRO DE 1973 - DOU DE 17/01/1973
LIVRO IV
DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS
TÍTULO II
DOS PROCEDIMENTOS ESPECIAIS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CAPÍTULO VIII
DA CURATELA DOS INTERDITOS
Art. 1.177. A interdição pode ser promovida:
I - pelo pai, mãe ou tutor;
II - pelo cônjuge ou algum parente próximo;
III - pelo órgão do Ministério Público.
Art. 1.178. O órgão do Ministério Público só requererá a interdição:
I - no caso de anomalia psíquica;
II - se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas no
artigo antecedente, ns. I e II;
III - se, existindo, forem menores ou incapazes.
Art. 1.179. Quando a interdição for requerida pelo órgão do Ministério Público, o juiz
nomeará ao interditando curador à lide (art. 9o).
Art. 1.180. Na petição inicial, o interessado provará a sua legitimidade, especificará
os fatos que revelam a anomalia psíquica e assinalará a incapacidade do interditando
para reger a sua pessoa e administrar os seus bens.
72
Art. 1.181. O interditando será citado para, em dia designado, comparecer perante o
juiz, que o examinará, interrogando-o minuciosamente acerca de sua vida, negócios,
bens e do mais que Ihe parecer necessário para ajuizar do seu estado mental,
reduzidas a auto as perguntas e respostas.
Art. 1.182. Dentro do prazo de 5 (cinco) dias contados da audiência de interrogatório,
poderá o interditando impugnar o pedido.
§ 1o Representará o interditando nos autos do procedimento o órgão do Ministério
Público ou, quando for este o requerente, o curador à lide.
§ 2o Poderá o interditando constituir advogado para defender-se.
§ 3o Qualquer parente sucessível poderá constituir-lhe advogado com os poderes
judiciais que teria se nomeado pelo interditando, respondendo pelos honorários.
Art. 1.183. Decorrido o prazo a que se refere o artigo antecedente, o juiz nomeará
perito para proceder ao exame do interditando. Apresentado o laudo, o juiz designará
audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único. Decretando a interdição, o juiz nomeará curador ao interdito.
Art. 1.184. A sentença de interdição produz efeito desde logo, embora sujeita a
apelação. Será inscrita no Registro de Pessoas Naturais e publicada pela imprensa
local e pelo órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do
edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição e os limites da
curatela.
Art. 1.185. Obedecerá às disposições dos artigos antecedentes, no que for aplicável, a
interdição do pródigo, a do surdo-mudo sem educação que o habilite a enunciar
precisamente a sua vontade e a dos viciados pelo uso de substâncias entorpecentes
quando acometidos de perturbações mentais.
Art. 1.186. Levantar-se-á a interdição, cessando a causa que a determinou.
§ 1o O pedido de levantamento poderá ser feito pelo interditado e será apensado aos
autos da interdição. O juiz nomeará perito para proceder ao exame de sanidade no
interditado e após a apresentação do laudo designará audiência de instrução e
julgamento.
§ 2o Acolhido o pedido, o juiz decretará o levantamento da interdição e mandará
publicar a sentença, após o transito em julgado, pela imprensa local e órgão oficial
por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no Registro
de Pessoas Naturais.
CAPÍTULO IX
DAS DISPOSIÇÕES COMUNS À TUTELA E À CURATELA
Seção I
Da Nomeação do Tutor ou Curador
73
Art. 1.187. O tutor ou curador será intimado a prestar compromisso no prazo de 5
(cinco) dias contados:
I - da nomeação feita na conformidade da lei civil;
II - da intimação do despacho que mandar cumprir o testamento ou o instrumento
público que o houver instituído.
Art. 1.188. Prestado o compromisso por termo em livro próprio rubricado pelo juiz, o
tutor ou curador, antes de entrar em exercício, requererá, dentro em 10 (dez) dias, a
especialização em hipoteca legal de imóveis necessários para acautelar os bens que
serão confiados à sua administração.
Parágrafo único. Incumbe ao órgão do Ministério Público promover a especialização
de hipoteca legal, se o tutor ou curador não a tiver requerido no prazo assinado neste
artigo.
Art. 1.189. Enquanto não for julgada a especialização, incumbirá ao órgão do
Ministério Público reger a pessoa do incapaz e administrar-lhe os bens.
Art. 1.190. Se o tutor ou curador for de reconhecida idoneidade, poderá o juiz admitir
que entre em exercício, prestando depois a garantia, ou dispensando-a desde logo.
Art. 1.191. Ressalvado o disposto no artigo antecedente, a nomeação ficará sem efeito
se o tutor ou curador não puder garantir a sua gestão.
Art. 1.192. O tutor ou curador poderá eximir-se do encargo, apresentando escusa ao
juiz no prazo de 5 (cinco) dias. Contar-se-á o prazo:
I - antes de aceitar o encargo, da intimação para prestar compromisso;
II - depois de entrar em exercício, do dia em que sobrevier o motivo da escusa.
Parágrafo único. Não sendo requerida a escusa no prazo estabelecido neste artigo,
reputar-se-á renunciado o direito de alegá-la.
Art. 1.193. O juiz decidirá de plano o pedido de escusa. Se não a admitir, exercerá o
nomeado a tutela ou curatela enquanto não for dispensado por sentença transitada em
julgado.
Seção II
Da Remoção e Dispensa de Tutor ou Curador
Art. 1.194. Incumbe ao órgão do Ministério Público, ou a quem tenha legítimo
interesse, requerer, nos casos previstos na lei civil, a remoção do tutor ou curador.
Art. 1.195. O tutor ou curador será citado para contestar a argüição no prazo de 5
(cinco) dias.
74
Art. 1.196. Findo o prazo, observar-se-á o disposto no art. 803.
Art. 1.197. Em caso de extrema gravidade, poderá o juiz suspender do exercício de
suas funções o tutor ou curador, nomeando-lhe interinamente substituto.
Art. 1.198. Cessando as funções do tutor ou curador pelo decurso do prazo em que
era obrigado a servir, ser-lhe-á lícito requerer a exoneração do encargo; não o fazendo
dentro dos 10 (dez) dias seguintes à expiração do termo, entender-se-á reconduzido,
salvo se o juiz o dispensar.
75
Código Civil Brasileiro - LEI Nº 10.406 - DE 10 DE JANEIRO DE 2002.
LIVRO I
DAS PESSOAS
TÍTULO I
DAS PESSOAS NATURAIS
CAPÍTULO I
DA PERSONALIDADE E DA CAPACIDADE
Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei
põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,
tenham o discernimento reduzido;
III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil.
Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:
I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento
público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido
o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;
II - pelo casamento;
III - pelo exercício de emprego público efetivo;
IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;
V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de
emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha
economia própria.
76
Art. 6º A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto
aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I - se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II - se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até
dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser
requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a
data provável do falecimento.
Art. 8º Se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se podendo
averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-ão
simultaneamente mortos.
Art. 9o Serão registrados em registro público:
I - os nascimentos, casamentos e óbitos;
II - a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz;
III - a interdição por incapacidade absoluta ou relativa;
IV - a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:
I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a
separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;
II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação;
III - dos atos judiciais ou extrajudiciais de adoção.
LIVRO IV
DO DIREITO DA FAMÍLIA
TÍTULO IV
Da Tutela e da Curatela
CAPÍTULO II
Da Curatela
SEÇÃO I
Dos Interditos
Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:
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I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para os atos da vida civil;
II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V - os pródigos.
Art. 1.768. A interdição deve ser promovida:
I - pelos pais ou tutores;
II - pelo cônjuge, ou por qualquer parente;
III - pelo Ministério Público.
Art. 1.769. O Ministério Público só promoverá interdição:
I - em caso de doença mental grave;
II - se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos
incisos I e II do artigo antecedente;
III - se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente.
Art. 1.770. Nos casos em que a interdição for promovida pelo Ministério Público, o
juiz nomeará defensor ao suposto incapaz; nos demais casos o Ministério Público será
o defensor.
Art. 1.771. Antes de pronunciar-se acerca da interdição, o juiz, assistido por
especialistas, examinará pessoalmente o argüido de incapacidade.
Art. 1.772. Pronunciada a interdição das pessoas a que se referem os incisos III e IV
do art. 1.767, o juiz assinará, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do
interdito, os limites da curatela, que poderão circunscrever-se às restrições constantes
do art. 1.782.
Art. 1.773. A sentença que declara a interdição produz efeitos desde logo, embora
sujeita a recurso.
Art. 1.774. Aplicam-se à curatela as disposições concernentes à tutela, com as
modificações dos artigos seguintes.
Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de
direito, curador do outro, quando interdito.
§1º Na falta do cônjuge ou companheiro, é curador legítimo o pai ou a mãe; na falta
destes, o descendente que se demonstrar mais apto.
§ 2º Entre os descendentes, os mais próximos precedem aos mais remotos.
§ 3º Na falta das pessoas mencionadas neste artigo, compete ao juiz a escolha do
curador.
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Art. 1.776. Havendo meio de recuperar o interdito, o curador promover-lhe-á o
tratamento em estabelecimento apropriado.
Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão recolhidos
em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao convívio doméstico.
Art. 1.778. A autoridade do curador estende-se à pessoa e aos bens dos filhos do
curatelado, observado o art. 5º.
SEÇÃO II
Da Curatela do Nascituro e do Enfermo ou Portador de Deficiência Física
Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e
não tendo o poder familiar.
Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.
Art. 1.780. A requerimento do enfermo ou portador de deficiência física, ou, na
impossibilidade de fazê-lo, de qualquer das pessoas a que se refere o art. 1.768, darse-lhe-á curador para cuidar de todos ou alguns de seus negócios ou bens.
SEÇÃO III
Do Exercício da Curatela
Art. 1.781. As regras a respeito do exercício da tutela aplicam-se ao da curatela, com
a restrição do art. 1.772 e as desta Seção.
Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir,
dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os
atos que não sejam de mera administração.
Art. 1.783. Quando o curador for o cônjuge e o regime de bens do casamento for de
comunhão universal, não será obrigado à prestação de contas, salvo determinação
judicial.
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LEI Nº 8.742 - DE 07 DE DEZEMBRO DE 1993 - DOU DE 08/12/93 - ALTERADA
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL
CAPÍTULO IV –
DOS BENEFÍCIOS, DOS SERVIÇOS, DOS PROGRAMAS E DOS
PROJETOS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
SEÇÃO I –
DOS BENEFÍCIOS DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário
mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos
ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e
nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de
pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que
vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
Texto anterior
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput,
entende-se por família a unidade mononuclear,
vivendo sob o mesmo teto, cuja economia é
mantida pela contribuição de seus integrantes.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é
aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de
deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um
quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário
com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da
assistência média.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do Idoso ou do portador de
deficiência ao benefício.
§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo
realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social
- INSS. (Redação dada pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
Texto anterior
§ 6º A deficiência será comprovada através de
avaliação e laudo expedido por serviço que conte
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com equipe multiprofissional do Sistema Único
de Saúde (SUS) ou do Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS), credenciados para esse
fim pelo Conselho Municipal de Assistência
Social.
§ 7º Na hipótese de não existirem serviços
credenciados no Município de residência do
beneficiário, fica assegurado o seu
encaminhamento ao Município mais próximo
que contar com tal estrutura.
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do
beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu
encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
(Redação dada pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo
requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos
previstos no regulamento para o deferimento do pedido(Redação dada pela Lei
nº 9.720, de 30.11.1998
DECRETO Nº 3.048 - DE 06 DE MAIO DE 1999 - DOU DE 7/5/99 - Republicado em
12/05/99
Atualização OUTUBRO/2007
RELAÇÃO DE LEGISLAÇÃO CORRELATA E SUAS ALTERAÇÕES
LIVRO I
LIVRO II
LIVRO III
LIVRO IV
LIVRO V
LIVRO VI
ANEXOS
DA FINALIDADE E DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS
(Art. 1º ao 5º)
DOS BENEFÍCIOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL
(Art. 6º ao 193)
DO CUSTEIO DA SEGURIDADE SOCIAL
(Art. 194 a 278-A)
DAS PENALIDADES EM GERAL
(Art. 279 ao 293)
DA ORGANIZAÇÃO DA SEGURIDADE SOCIAL
(Art. 294 a 335)
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
(Art. 336 a 382)
Aprova o Regulamento da Previdência Social, e dá outras providências.
Art.162. O benefício devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz será
pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por
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período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante
termo de compromisso firmado no ato do recebimento.
§ 1º.(Revogado pelo Decreto nº 5.699, de 13/02/2006 - DOU DE 14/2/2006)
§ 2º.(Revogado pelo Decreto nº 5.699, de 13/02/2006 - DOU DE 14/2/2006)
Redação anterior
§ 1º É obrigatória a apresentação do termo
de curatela, ainda que provisória, para a
concessão de aposentadoria por invalidez
decorrente de doença mental. (Parágrafo
acrescentado pelo Decreto nº 4.729, de
9/06/2003)
§ 2º Verificada, administrativamente, a
recuperação da capacidade para o trabalho
do curatelado de que trata o § 1º, a
aposentadoria será encerrada. (Parágrafo
acrescentado pelo Decreto nº 4.729, de
9/06/2003)
Parágrafo Único: O período a que se refere o caput poderá ser prorrogado por
iguais períodos, desde que comprovado o andamento regular do processo legal de
tutela ou curatela.(Acrescentado pelo Decreto nº 6214 de 26 de setembro de
2007-DOU de 29/09/2007)
PREVIDÊNCIA SOCIAL
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL
GERÊNCIA-EXECUTIVA/RJ – CENTRO
(Transcrição de Memorando da Previdência Social)
MEMORANDO CIRCULAR INSS/GEXRJC/GAB/nº 185/2006
Rio de Janeiro, 27 de novembro de 2006
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A todos os Chefes de Agências vinculadas a esta Gerência
Assunto: Recomendação do Ministério Público Federal
INEXIGIBILIDADE DO TERMO DE CURATELA
PARA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS TITULARIZADOS POR INDIVÍDUOS PORTADORES DE
DEFICIÊNCIA MENTAL.
Considerando recomendação emanada do Ministério Público Federal, solicito a
todos os Chefes de Agências vinculadas a esta Gerência, a adoção das providências
resultantes das orientações internas contidas no Memorando-Circular
nº 09
INSS/DIRBEN, de 23.02.2006, à luz das regras estabelecidas no Decreto nº 5.699/2006,
de 13.02.2006 (Cópias anexas), as quais dispõem (sic) sobre os procedimentos a
serem adotados em relação ao TERMO DE CURATELA, ficando afastada, de
forma expressa, a exigência para a apresentação do mesmo, quer definitivo ou
provisório, na concessão de quaisquer benefícios, previdenciário ou assistencial,
devidos a indivíduos portadores de deficiência mental.
Lívia Azevedo Aprígio
Gerente Executiva
INSS-RJ/Centro

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