A luz natural e a percepção do espaço arquitetônico em

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A luz natural e a percepção do espaço arquitetônico em
A luz natural e a percepção do espaço arquitetônico em edifícios de caráter religioso
Dezembro/2013
A luz natural e a percepção do espaço arquitetônico em edifícios de
caráter religioso
Fabiane Castro Lopes de Paula - [email protected]
Pós-Graduação em Iluminação e Design de Interiores
Instituto de Pós Graduação – IPOG
Goiânia, GO, 5 de Abril de 2013
Resumo
Este artigo tem como tema a luz natural, entendida por alguns estudiosos como uma
dimensão da própria arquitetura, e tem por objetivo avaliar como a mesma é utilizada pelo
arquiteto e percebida pelo usuário nos edifícios de caráter religioso. Através de revisões
bibliográficas, apoiadas em referencial teórico, foram apresentados uma breve reflexão
sobre a percepção do espaço através da luz natural e uma retrospectiva da arquitetura
religiosa desde a antiguidade até a arquitetura moderna, considerando aspectos através dos
quais a luz do dia se apresenta diante dos olhos e transmite ao homem a noção do sagrado,
do local de culto, através do espaço edificado. Foram analisados também três exemplos de
projetos significativos: a capela de Romchamp, de Le Corbusier, a Catedral de Brasília, de
Oscar Niemeyer e a Igreja da Luz, de Tadao Ando, com o objetivo de ilustrar a maneira
como o arquiteto influencia a interação entre o homem e o edifício através da utilização da
luz natural. Concluiu-se que, mesmo partindo de um mesmo pressuposto, a luminosidade
dramática associada ao uso religioso, o arquiteto pode chegar a soluções as mais diversas
possíveis, transmitindo de forma peculiar, através da arquitetura, a espiritualidade e o
sobrenatural.
Palavras-chave: Luz natural. Percepção do espaço. Edifícios religiosos.
1. Introdução
Nossas vidas estão intimamente ligadas à luz. Literalmente, não podemos viver sem ela. É
uma das forças básicas e imutáveis da natureza. Na visão de Millet (1996), a luz é um
elemento primário, que anima a vida na terra. A criação do espaço é feita através da luz e a
luz é necessária para a percepção desse mesmo espaço. O espaço só pode ser compreendido
através da visão e a visão só existe pela ação da luz, que é o elemento orientador da vivência
humana.
A luz não pode ser tratada como um elemento a parte do projeto arquitetônico, mas como uma
nuance da arquitetura. Tem o poder de realçar volumes, evidenciar texturas, conduzir o olhar,
influenciar a percepção do espaço edificado e transmitir uma mensagem.
“É a luz que produz a sensação de espaço. O espaço é aniquilado pela obscuridade. A luz e o
espaço são inseparáveis. Se a luz é suprimida, o conteúdo emocional do espaço desaparece,
tornando-se impossível de perceber”(GIEDION, 1986:467).
Para Millet (1996), a arquitetura depende da luz. Da mesma maneira como a luz revela as
formas arquitetônicas e os espaços produzidos por ela, ela simultaneamente revela o
significado e as intenções que são liberadas através do processo de concepção, projeto e
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construção. Segundo o Manual do Curso Iluminação, Conceitos e Projetos, um dos objetivos
da iluminação é
a utilização da luz como principal instrumento de ambientação do espaço – na
criação de efeitos especiais com a própria luz ou no destaque de objetos e superfícies
ou do próprio espaço. Este objetivo está intimamente associado às atividades não
laborativas, não produtivas, de lazer, estar e religiosas – residências, restaurantes,
museus e galerias, igrejas etc. É a luz da emoção (OSRAM, 2012).
É sobre a luz da emoção, que influencia comportamentos, que queremos refletir, buscando
entender e exemplificar como, através da sua interação com a arquitetura, se faz a ponte entre
o concreto e o abstrato, a conecção entre o material e o espiritual, criando uma atmosfera
propícia à introspeccção e o recolhimento inerente ao ato de cultuar.
2. Percepção do espaço: a luz e a arquitetura
Segundo Lima (2010), a percepção pode ser definida como a função psíquica que permite ao
organismo, através dos sentidos, receber e elaborar a informação proveniente do seu entorno.
Entre os fatores que influenciam na percepção de um determinado objeto estão os estímulos
sensoriais, a localização do objeto no tempo e no espaço e a influência das experiências
prévias dos sujeitos, tais como a cultura e a educação. A percepção da luz ocorre, da mesma
forma, a partir das características fisiológicas, dos aspectos históricos e culturais, e da
memória pessoal.
Um exemplo de como os estímulos sensoriais influenciam no processo perceptivo está na
percepção de espaço da pessoa com deficiência visual, que se dá a partir do apoio
fundamental das informações táteis e sonoras, em uma “visão” de mundo muito particular. A
mensagem transmitida pela luz natural só pode ser percebida e só pode influenciar a
percepção do espaço edificado naquele que vê, pois se revela através da visão e de nenhum
outro sentido.
“A percepção é uma atitude de extremo refinamento que recorre aos depósitos de informação
da memória” (LIMA, 2010:25). A atividade cerebral se utiliza de sutis classificações e
comparações, tomando uma série de decisões até que os dados armazenados através dos
sentidos se convertam em uma percepção consciente do espaço edificado.
O estado emocional do indivíduo afeta o processo receptivo, assim como seus valores éticos e
morais, sua herança cultural, sua personalidade e suas experiências individuais.
Hopkinson (1969), afirma que aquilo que vemos depende não somente da qualidade física da
luz ou da cor presente, mas também do estado de nossos olhos na hora da visão e da
quantidade de experiência visual da qual temos de lançar mão para nos ajudar em nosso
julgamento. “O processo de ver depende também da mente que interpreta os estímulos
luminosos, porque o ser humano olha o tempo todo, mas realmente vê somente aquilo que sua
mente está interessada em assimilar. Sua experiência de vida, desejos e aversões influenciam
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no ato de visualizar o que o rodeia” (BARNABÉ, 2007:8). Assim, aquilo que vemos depende
não só da imagem que é focada na retina, mas da mente que a interpreta.
No caso do edifício, esses fatores fazem com que o arquiteto, a partir da sua própria bagagem
cultural e sensorial imprima no ambiente edificado a sua própria forma de ver e sentir o
espaço, ao mesmo tempo em que fazem com que cada usuário perceba o espaço de formas
diferentes a partir da sua própria história particular.
A luz revela a edificação, suas intenções, seus espaços, suas formas e seus significados. “A
luz revela a arquitetura e, no melhor dos casos, arquitetura revela a luz” (MILLET, 1996:3).
De acordo com Lima (2010:109), “a iluminação tem a faculdade de mudar a percepção que
temos de um objeto”.
A luz é importante enquanto elemento arquitetônico, uma vez que a percepção do espaço
edificado é dependente da relação que a mesma estabelece entre a estrutura, o espaço e as suas
características físicas e materiais:
uma vez que a arquitetura trabalha com formas, a percepção destas formas será
revelada pela luz, da mesma maneira que a arquitetura será capaz de nos revelar a
luz, esculpindo-a. A relação entre cada parte no todo é importante para informar à
nossa percepção a construção visual do lugar, estabelecendo relações entre a luz e os
elementos arquitetônicos envolvidos. Planos diferenciados, ondulações, depressões,
relevos, texturas e materiais resultam em superfícies que se acentuam e se
diferenciam através de gradientes de luminosidade (TRAPANO e BASTOS,
2006:68).
A luz pode definir diferentes setores no espaço construído, pois a sua hierarquia acentua a
identificação de zonas distintas em um mesmo local, delimitando caminhos e diferenciando as
funções do lugar. Segundo Trapano e Bastos (2006:69), “fenômenos naturais, como a luz,
surgindo dentro de espaços que apresentam simplicidade das formas, estimulam e inspiram
nossa consciência e transformam o espaço uniforme em espaço dramático”. Tadao Ando em
Furuyama (1997:12), afirma que “luz e sombra concedem movimento, afrouxam sua tensão e
injetam corporalidade no espaço geométrico”.
Na visão de Millet (1996), a luz revela experiências, na medida em que pode nos conectar
com uma época, um local específico ou uma determinada atividade; revela formas, de acordo
com a maneira como interage com os materiais e os aspectos estruturais do edifício; revela o
espaço, uma vez que define limites entre interior e exterior, afeta a orientação espacial e provê
orientação; e revela significados, de acordo com o aspecto conceitual que assume. A luz
contemplativa valoriza a escuridão, a penumbra, criando uma atmosfera de recolhimento, de
introspecção. A luz teatral dramatiza um cenário, um espaço ou um evento. A luz metafórica
sugere a comparação com outro lugar ou conceito. A luz simbólica representa frequentemente
algo imaterial e a luz divina, aspecto especial da luz simbólica, representa o Deus.
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3. Retrospectiva histórica: a luz natural e o espaço religioso
Simbolicamente relacionada ao divino desde a Pérsia, o Egito e em todas as mitologias, e ao
belo e ao bem em toda a tradição filosófica, a luz tem sido, historicamente, um dos principais
elementos constitutivos da arquitetura religiosa. Para Zonno (2012:1), “é na relação poética
entre espaço e luz que o significado da arquitetura religiosa é construído nas suas mais
variadas manifestações em todos os tempos”.
No antigo Egito (2780 a.C.), o grande templo de Ammon, em Karnak (1530 a.C.) já
apresentava recursos engenhosos de captação da luz natural e dos raios solares.
O templo Egípcio divide-se em três partes ao longo de um eixo: pátio com colunas,
sala epístola e santuário. Orientado a Leste, tem na sua porta de entrada a metáfora
da porta para o céu, recebendo a luz nascente. A sala principal, que era utilizada
normalmente para conferências, era geralmente iluminada por uma clarabóia central.
À medida que se avançava pelo edifício, os espaços iam adquirindo dimensões cada
vez mais reduzidas, terminando o percurso na célula fechada do santuário. A luz
tinha essencialmente um carácter simbólico. À medida que se avançava, os
compartimentos iam escurecendo até chegar ao santuário, em penumbra
(MONTEIRO, 2009:19).
Figura 1 – Templo de Ammon, em Karnak. Esquemas de iluminação
Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP (2012:3)
A luz natural na Grécia Antiga (Séc. VI a IV) passa a ser utilizada essencialmente como meio
de definição da forma. Segundo Monteiro (2009:19), “a sua presença resulta do seu contato
com a massa construída”. O Parthenon, projetado por Ictino cerca de 450 a.C., tem a
intensidade da luz natural no seu interior suavizada pelo ritmo definido pelas suas colunas e
sua implantação no sítio permite que o sol da manhã ilumine as estátuas no interior da
edificação.
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Figura 2 – Parthenon Grego. Esquemas de orientação solar
Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP(2012:4)
Na Roma antiga (I a.C. a II d.C.), “os Romanos trataram o espaço como uma substância a
modelar e a articular. A luz realça formas e relações espaciais sem, de um modo geral, ser
exaltada ou mistificada” (MONTEIRO, 2009:17). Grandes especialistas na arte de construir
abóbodas, construíram o Panteão, ou templo de todos os deuses, em Roma por volta de 130
d.C.. Para Gombrich (1972:82), “seu interior é uma gigantesca rotunda com teto em abóboda
e uma abertura circular no topo, através da qual se vê o céu aberto”. A iluminação zenital
provê luz abundante e uniforme, difusa, vinda do alto e refletida nas paredes do templo. O
Panteão Romano
não tem janelas, mas todo o recinto recebe luz abundante e uniforme do alto.
Conheço poucos edifícios que transmitam semelhante impressão de serena
harmonia. Não há qualquer sensação de peso agressivo. O enorme zimbório parece
pairar livremente sobre nossas cabeças como uma segunda abóboda celeste
(GOMBRICH, 1972:82).
Figura 3 – Panteão Romano. Vista interna
Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP (2012:5)
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O primeiro espaço monumental da Cristandade Bizantina (330 a 1453 d.C.) é Hagia Sophia,
ou Sagrada Sabedoria, construída em Istambul por volta de 532 d.C., onde um anel de
quarenta janelas faz com que a enorme cúpula pareça flutuar. Hagia Sophia reflete
“o desejo de traduzir a grandiosidade religiosa e política (...) em uma experiência
espacial expansiva, dinâmica, inundada de luz espiritual”. Do alto da arrojada
cúpula, a luz, como mística emanação do divino, em tudo penetra, tudo transforma,
até mesmo, e principalmente, a emoção humana (ZONNO 2012:6).
Figuras 4 e 5 – Hagia Sophia – vista interna e esquema de iluminação
Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP (2012:9)
A arquitetura Românica (Séc. IX a XIV) exigia paredes maciças com pequenas aberturas para
a sustentação da cobertura. Assim,
as igrejas Românicas encerram uma escuridão quase absoluta no seu interior. A luz é
utilizada pontualmente para realçar determinadas formas. Colunas de luz que rasgam
a escuridão com o objetivo de realçar elementos ou superfícies.
Estes interiores de fraca luminosidade, que em muitos casos só poderiam receber os
fiéis à luz das velas, estavam plenos de um sentimento de fé e piedade. O
movimento em direção ao altar, símbolo de Cristo, é fundamental. Este movimento,
que empurrava o homem pela nave, desde o pórtico e o nartex, lugar de transição do
exterior para o espaço sagrado, até ao altar, determina a concepção do espaço
interior na igreja Românica, e a importância da luz neste movimento, transformando
o altar num espaço focal, iluminado pontualmente (MONTEIRO, 2009:18).
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Figura 6 – Igreja de São Miguel, Pavia, Italia (1100 a 1160) – esquema de iluminação
Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP (2012:10)
O período Gótico (Séc. XII a XIV) foi o pioneiro no uso do vidro, conferindo à arquitetura o
sentido de transparência. De acordo com Lima (2010), o vão se converte em elemento
translúcido e colorido, tornando-se agente transformador da luz. Assim, o espaço por ela
penetrado passa a ser o ambiente do sagrado:
no período Gótico, a luz transforma-se num elemento cheio de força e potência,
elemento arrebatador da arquitectura e do seu espaço. Não era uma luz que
penetrava no interior com as suas características físicas originais, mas uma luz
modificada pela cor dos vitrais, que era comparada a uma luz sobrenatural. Dada a
natureza religiosa dos edifícios, a luz natural transformava o espaço físico num lugar
espiritual (MONTEIRO, 2009:19).
Na visão de Zonno (2012:7), “o efeito dos grandes vitrais somado à verticalidade transmitiria
a ideia de que somente através da condução da Igreja o homo fragilis poderia garantir a sua
salvação, sendo conduzido do mundo terrestre ao celeste”.
Figura 7 – Vitrais da Catedral de Chartres
Figura 8 – interiores da Catedral de São Vito (Praga)
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Fonte: Zonno (2012:7)
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Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP (2012:12)
A iluminação colorida desaparece na Renascença (Séc. XV a XVI), que valoriza a luz branca
indireta. Durante o Renascimento foi valorizada a luz natural sem filtros. O espaço interior é
caracterizado pela simplicidade das formas, e por uma luz difusa vinda de cima refletida nas
paredes brancas.
Conforme descreve Lima (2010), na basílica de São Lourenço, em Florença, a luz estabelece
uma hierarquia entre os espaços. A luz natural invade a nave principal a partir de grandes
janelas laterais localizadas na parte superior da igreja, enfatizando o espaço e destacando a
sua importância. Os corredores laterais recebem uma menor quantidade de luz, proveniente de
janelas pequenas e redondas, se apresentando como um caminho secundário. Os nichos
reservados às imagens não recebem iluminação natural e são iluminados apenas pelas velas
dos fiéis. São áreas destinadas ao recolhimento e à oração.
Figura 9 – Interiores da Basílica de São Lourenço, Florença
Fonte: LIMA (2010:113)
A basílica de São Pedro, em Roma, construída entre 1506 e 1626, possui numerosos e
intrincados recursos de captação da luz natural vinda do alto, que destacam o altar como
ponto central das atenções e enfatizam as obras de arte, ressaltando a magnitude e a grandeza
da igreja, em uma atmosfera de enlevo e arrebatamento.
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Figuras 10 e 11 – Catedral de São Pedro – esquema de iluminação e vista interna
Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP (2012:14)
No Barroco (Séc. XVII), a luminosidade se torna o ponto central do projeto e tudo passa a ser
idealizado através da luz.
Na Arquitetura Barroca, o controle da luz torna-se um dos temas presentes e
principais. A calibração dos seus efeitos começou a ser o produto de uma extrema
técnica, fundindo luz incidente e luz refletida num mesmo cenário espacial. A luz
natural é frequentemente horizontal e captada a grande altitude, ou muitas vezes
dissimulada por mecanismos engenhosos que refletindo a luz horizontal a
transformavam em luz vertical. Luz difusa e luz incidente são minuciosamente
trabalhadas e usadas em conjunto (MONTEIRO, 2009:21).
Figura 12 – Igreja Nossa Senhora do Carmo, Ouro Preto (1772 –1776)
Fonte: Laboratório de iluminação da UNICAMP (2012:16)
Na Arquitetura Moderna (Séc. XX), o advento das novas tecnologias trouxe uma grande
mudança na forma da utilização da luz. O uso do aço e vidro nos sistemas construtivos
revolucionou a indústria da construção e as atitudes diante da iluminação natural, trazendo
consigo a possibilidade de transparência e de abundância de luz.
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Frank Lloyd Wright elegeu também a transparência e a leveza do vidro para caracterizar o
espaço de uma sinagoga nomeada Sinai Transparente (Beth Shalon Sinagogue, Pennsylvania,
1954). O edifício, que parece uma montanha de luz, reúne a expressividade das linhas em
concreto à leveza do vidro.
A arquitetura de Wright é um ícone de grandeza e monumentalidade que traduz de
maneira forte e impactante a imagem do templo divino como casa da luz. É como
fenômeno de claridade que o potencial significado de vida, salvação e de presença
do próprio Deus que é luz se realiza. Tal é a abundância luminosa que,
sensivelmente, o homem se percebe por ela incluído (ZONNO, 2012:9).
Figuras 13 e 14 – Frank Lloyd Wright. Sinai Transparente, 1954, Pennsylvania
Fonte: ZONNO (2012:9)
4. A capela de Ronchamp
A capela de Notre-Dame-du-Haut (Nossa Senhora das Alturas), ou mais comumente
Ronchamp, foi projetada pelo arquiteto Le Corbusier e construída de 1950 a 1955 em
Ronchamp, a sudeste de Paris, no local onde existia uma capela neogótica em ruínas.
Segundo Fracalosi (2012), o sítio de Ronchamp era há muito tempo um lugar de peregrinação
que estava profundamente enraizado na tradição católica, porém, após a guerra, ele foi
destituído de seu principal símbolo de comunhão, sua igreja, atingida por um
bombardeamento alemão, no outono de 1944.
Para Baker (1998), a arquitetura adquire expressão através da forma, e Le Corbusier,
magistralmente, manipula as formas para relacioná-las com as condições do lugar. Ao analisar
o sítio, o arquiteto situou a capela em um local de fácil visualização - uma área plana, no topo
de uma colina - de forma que o movimento da peregrinação foi todo direcionado pela
topografia.
Com programa simples, com nave principal, três pequenas capelas e um altar externo para as
cerimônias campais,
o edifício é configurado por quatro muros, bem definidos em planta, que conformam
suas quatro fachadas e representam os quatro pontos cardiais. A grande, pesada e
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sinuosa coberta de concreto armado aparente é o que dá unidade ao conjunto e é o
que evidencia os dois escorços -mais que quatro fachadas- sob os quais o edifício foi
concebido: o escorço sudeste, formado por dois muros côncavos, com amplos
beirais, convidando o acesso à capela e criando os espaços de congregação; e o
escorço noroeste, formado por dois muros convexos, sem beirais, e demarcados
pelas três torres das capelas discretamente separadas dos muros adjacentes
(FRACALOSSI, 2012).
Figura 15 – Capela de Romchamp – vista externa
Fonte: Fracalossi (2012)
A capela de Ronchamp é um magnífico exemplo para compreender a interação entre o
observador, o espaço e a luz. Segundo Fracalossi (2012), uma faixa de luz entra no interior
por frestas horizontais no alto, fazendo flutuar a cobertura cujo peso, no espaço externo, é
reforçado pelo tom escuro e aparência tosca do concreto armado em contraste com os muros
brancos e espessos que a sustentam.
Le Corbusier, cujos projetos geralmente apresentam ambientes inundados pela luz diurna, em
Ronchamp apresenta uma ambientação baseada na penumbra e na iluminação indireta:
ao entrarmos na igreja, o que primeiro impressiona é o ambiente estar muito escuro.
Gradualmente, apercebemo-nos das paredes e começamos a notar que superfícies
planas e regularidades não serão mais encontradas no interior do que no exterior do
edifício. O próprio piso é como uma paisagem ondulada de lajes de pedra, num
padrão irregular. Um pequeno grupo de bancos sólidos para os fiéis forma um
palalelogramo a um lado do recinto, defronte do altar-mor e da imagem da Virgem
colocada bem acima dele. (...) No ângulo formado pela parede do lado sul e a parede
do fundo, que contém a Virgem, existe uma fissura estreita do piso ao teto com um
arranjo gigantesco de concreto, semelhante a uma tela ou cortina, que tem o objetivo
evidente de impedir a entrada de luz direta. Mas a luz que penetra é tanta que chega
a atrapalhar os fiéis que tentam concentrar-se em suas devoções. A penumbra da
igreja é fendida para raios de luz radiantes que jorram da fissura estreita. Com essa
única exceção, é muito pouca a luz que penetra no recinto. (...) O que do lado de fora
parecem torres – duas voltadas para leste e uma para oeste – são vistas do interior
como absides, ampliações recuadas do recinto. E o que parecem aberturas do
campanário são, na verdade, janelas que não podem ser vistas do interior, mas que,
acima do telhado, espalham uma luz mágica sobre as paredes curvas da ábside,
atraindo a atenção dos fiéis para o altar e mais para o alto, onde a luz é mais
brilhante (RASMUSSEN, 1959:202).
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Figura 16 – Capela de Romchamp – vista interna
Fonte: Fracalossi (2012)
A parede sul, com espessura superdimensionada, recebeu nichos piramidais com janelas de
diferentes formatos e tamanhos, com vitrais coloridos pelos quais penetra a luz do sol,
propiciando diferentes jogos de luz que se alternam ao longo do dia. Ao sentar no interior da
capela, sente-se um fluxo de luz cuidadosamente direcionado através dos vãos e dos planos
inclinados, que são a principal chave de iluminação da capela, compreendendo todo o espaço
interno. A luz em constante mudança não só enaltece a arquitetura, como estimula emoções e
sensações ao usuário (TEORIA DA ARQUITETURA, 2010).
Segundo Baker (1998), considerando a obra sem os seus elementos sacros, como o altar, o
púlpito e a Madonna emoldurada na parede leste, o significado não é específico, e a existência
é definida por meio da forma e da luz. É a luz que confere à capela a dimensão espiritual,
criando uma aura de mistério, com sua variedade de cores e seus contrastes modulando o
espaço:
A meticulosa exploração da luz transmite uma forte monumentalidade espacial. As
composições lineares que as sombras e os raios solares projetam no interior da
capela vivificam a atmosfera do espaço, formando jogos de luz e sombra
diferenciados, intensificando a aura do lugar, tornando assim a percepção do
ambiente única. Desta forma, o interior da capela transforma-se num espaço de
projeção, onde a parede já não é um limite, mas sim uma fonte de luz que oferece,
através das mutações lumínicas, novos momentos dentro do mesmo espaço
(TEORIA DA ARQUITETURA, 2010).
Quando se fala em arquitetura e iluminação, é quase um consenso que seja citada a capela de
Ronchamp. Esse projeto de Le Corbusier diverge dos seus antecessores, onde a luz do sol é
abundante, estabelecendo uma nova tipologia, baseada na luz e sombra, no contraste.
Conforme o pensamento de Rasmussen (1986), Le Corbusier, através desse templo notável,
deu uma nova contribuição para a arquitetura e mostrou de maneira impressionante como a
luz do dia e sua distribuição constituem um maravilhoso meio de expressão para o artista.
5. A Catedral de Brasília
Parte do conjunto inicial de edifícios que compõem o Eixo Monumental da capital brasileira,
a Catedral de Brasília, ou Catedral Metropolitana de Nossa Senhora Aparecida, foi projetada
por Oscar Niemeyer e construída entre 1959 e 1970.
O edifício possui planta circular de setenta metros de diâmetro, com dezesseis pilares de
concreto que se inclinam até tocar uns aos outros. O acesso é demarcado por quatro
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esculturas, representando os evangelistas, que remetem à obra de Aleijadinho na igreja de
Congonhas do Campo, em Minas Gerais, e, como a nave está um nível abaixo do plano de
acesso, se dá através de uma rampa descendente, estreita e escura, em uma galeria
subterrânea.
Figuras 17 e 18 – Catedral de Brasília – nave e túnel de acesso
Fonte: Zonno (2012:10)
Sobre essa solução singular, comenta Niemeyer (1992:36): “evitei as soluções usuais, as
velhas catedrais escuras, lembrando o pecado. E, ao contrário, fiz escura a galeria de acesso à
nave, e esta toda iluminada, colorida, voltada com seus belos vitrais transparentes para os
espaços infinitos.” E ainda:
A Catedral de Brasília é um dos prédios que mais me agradam na arquitetura da
Nova Capital. É diferente de todas as Catedrais construídas.
Com a galeria de acesso em sombra e a nave colorida ela estabelece um jogo, um
contraste de luz que a todos surpreendem: cria com a nave transparente uma ligação
visual inovadora entre ela e os espaços infinitos (NIEMEYER, 1992:65).
Figura 19 – Catedral de Brasília – croquis de Niemeyer enfatizando o contraste entre a nave e o túnel de acesso
Fonte: Muller (2003:19)
Para Barnabé (2002:3), “Niemeyer utiliza a luz natural como instrumento de qualificação de
espaços e formas, e como quesito de forte expressão e significado”. Sobre a Catedral, ele
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afirma: “Niemeyer utiliza declaradamente a luz e a sombra como tema materializado em
arquitetura, através de um contraste absoluto entre o túnel de acesso descendente escuro
valorizando a nave com uma luz manipulada brilhante se ascendendo aos céus (BARNABÉ,
2002:13)”.
Também sobre o acesso à nave da Catedral, escreveu Fabio Muller:
A solução dada ao acesso é recurso original que proporciona um dos mais poderosos
efeitos plásticos e psicológicos proporcionados pela arquitetura para a
experimentação do sagrado em todos os tempos. Para adentrar em tão belo templo,
Niemeyer não poderia lançar soluções que declinassem a já comentada unidade
interna e externa. Dessa maneira, descartou, deliberadamente, recursos tradicionais
como nártex, átrio e a própria porta maciça e visível dos templos de antanho, para
construir túnel subterrâneo que faz gradual e surpreendente aproximação desde fora
ao interior do templo. Seguindo o caminho ladeado pelas estátuas dos evangelistas,
feitas por Ceschiatti, postas em eixo perpendicular com a Esplanada, o fiel toma
contato com o túnel estreito e escuro, onde uma rampa, com piso de granito preto,
leva-o abaixo para, depois de alguns metros de caminhada, atingir o recinto
esplendorosamente transbordante de luz e cor (MULLER, 2003:18).
A sombra representa o terreno e leva ao recolhimento, ao silêncio, prepara para a experiência
da luz que inunda a nave – uma ligação com o céu, com as coisas espirituais. Nas palavras de
Niemeyer:
Não desejava repetir o contraste habitual, o exterior luminoso e o interior em
penumbra (…) que infundem um senso de penitência e de castigo. Preferi fazer o
contrário, para que os fiéis, tendo percorrido a galeria obscura, experimentassem, ao
entrar na nave, no contraste de luz e de cores, uma sensação de paz e de esperança
(NIEMEYER, 1998:106).
No comentário de Barnabé (2002), as trevas são deixadas no corredor de acesso, ficando a
nave plena de luz, alegria e transparência, conectada com os céus, a matéria arquitetônica
transformando-se em elemento imaterial pelo banho de luz celestial.
“Nesse espaço de luz cristalina entremeada por cores, a atração pela altura é tão irresistível
como em uma ossatura de catedral gótica, mesmo o espaço sendo configurado de forma
diferente” (BARNABÉ, 2007:18). De forma semelhante, Zonno (20012:9), expressa seu
pensamento: “produz-se, por contraste, um efeito sensível e dramático como se pode
interpretar a partir do croqui do arquiteto. A sensação no interior do espaço sagrado é de
expansão e direcionamento ao alto, criando uma atmosfera completamente diversa: leve e de
enlevo”.
Pode-se concluir que, na Catedral de Brasília, a luz e a sombra são utilizadas declaradamente,
assim como o concreto e o vidro, como matéria prima da arquitetura:
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A luz natural e a percepção do espaço arquitetônico em edifícios de caráter religioso
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disso tudo decorre que uma visita à catedral faz permanecer, na memória das
pessoas, a forma expressiva e as experiências proporcionadas pela manipulação da
luz como diretriz de projeto, tanto em relação à luminosidade quanto aos ambientes
mais escuros. A simplicidade na proposta simbólica conduz o usuário a refletir sobre
o sagrado, curvar-se ao descer por uma rampa em penumbra, visualizar uma
possibilidade de redenção no final do túnel e entrar em um espaço de luz mágica.
Enfim, uma boa iluminação molda e modifica a realidade, condicionando o estado
de ânimo das pessoas e sua percepção geral dos ambientes que vivenciam
(BARNABÉ, 2007:18).
6. A Igreja da Luz
A Igreja da Luz, projetada por Tadao Ando, pertence à Igreja Unida de Cristo no Japão e está
situada num subúrbio residencial a 40 quilômetros de Osaka.
A igreja, construída quase em sua totalidade em concreto armado com detalhes em vidro, foi
executada entre 1988 e 1989, com orçamento bastante restrito.
Na descrição do projeto pelo arquiteto:
Preparei uma caixa com grossas paredes de concreto – uma construção da escuridão.
Então produzi uma fenda na parede permitindo a penetração da luz – sob condições
de severa constrição. Naquele momento, um facho de luz fratura incisivamente a
escuridão. Parede, chão e teto cada qual intercepta a luz e sua existência é revelada,
enquanto simultaneamente a luz refletida vai e vem entre eles, iniciando complexas
inter-relações. O espaço nasce. Contudo, com cada incremento ou mudança de
ângulo na penetração da luz, o ser das coisas e suas relações são recriadas. O espaço,
em outras palavras, nunca está amadurecido, mas se torna continuamente novo.
Neste espaço de continuo renascimento, as pessoas estarão aptas a evocar as
implicações da vida ressonantes (ANDO Apud. DAL CO, 1997:471).
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Figuras 20 e 21 – Igreja da Luz – vista interna e modelo
Fonte: Zonno (2012:14)
Para Monteiro (2009), Tadao Ando usa frequentemente a luz da emoção, a luz que evidencia
os objetos ou espaço em que incide. É o tipo de luz frequente na arquitetura até ao final do
Românico, no século XIII, mas que tem sido usada ao longo dos tempos por estar associada a
um forte efeito plástico.
Para Monteiro (2009:82), “A Capela da Luz é o exemplo de como Tadao Ando usa a luz
natural com uma intenção plástica e simbólica muito forte, através da redução da quantidade
de luz no interior do edifício, diminuindo as aberturas ao mínimo”.
Já na visão de Zonno (2012:13), “para Ando, o potencial evocativo do espaço está na
visibilidade ou no sentido de presença da luz justamente porque ela irrompe em meio à
escuridão. Isto através de um singular recorte em uma das superfícies criando o signo
simbólico da cruz entre a luz e a sombra”.
Segundo Paiva (2010), a propósito da luz utilizada, o arquiteto esclareceu que esta só se
converte num elemento maravilhoso a partir do momento em que o fundo é totalmente
sombrio. “O espaço se altera a partir das relações fenomênicas da luz. A transformação da
aparência da luz nos planos geométricos parece afirmar que a instabilidade é parte da
natureza, ela mesma um campo de incertezas, do qual também o homem faz parte” (Zonno,
2012:14). Na visão de Paiva (2010:72), “as alterações que a luz sofre ao longo do dia
refletem, uma vez mais, a relação do homem com a natureza, e desta com a arquitetura (que é
de carácter purificador, segundo a tradição japonesa)”.
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Apesar de podermos observar esses efeitos luminosos relacionados à alteração da luz no
decorrer do dia no Panteão Romano ou mesmo na capela de Ronchamp, nesse sentido, a igreja
da Luz não tem paralelo com nenhuma outra.
Contrariando a tendência da arte moderna - de inferiorização do poder da
obscuridade - o arquiteto reconhece-lhe qualidades indispensáveis para a formulação
dos seus projetos: a noção de profundidade, austeridade, silêncio, serenidade, que,
conjugadas, transmitem um ambiente místico e religioso (aos quais não é indiferente
a monocromia do betão, cuja capacidade reflectora não chega aos 30%, o que
acentua o carácter sombrio do espaço), como se pretende para uma igreja deste
gênero. Segundo o próprio Ando, “embora atualmente tudo esteja envolvido por
uma luz homogênea, a minha atenção é atraída pelas relações que subsistem entre
luz e obscuridade; na obscuridade, a luz é como uma jóia que se pode ter na mão”…
Imaginava um espaço assim desse gênero quando construí a igreja da luz, uma caixa
fechada com paredes em betão, uma construção da obscuridade (PAIVA, 2010:74).
A sensação de profundidade, austeridade, silêncio e serenidade são obtidas através da
manipulação da luz natural. A luz imanada pela abertura em forma de cruz, representação
simbólica do Divino, confere sacralidade ao templo e dá vida ao espaço através de sua
constante alteração ao longo do dia. Para Paiva (2010), a iluminação diminuta, gerada não só
pela pequena dimensão das aberturas, mas também pelo concreto que pouco a reflete, resulta
em um espaço sombrio, mas curiosamente tranquilo e propício à meditação.
7. Conclusão
A arquitetura e a luz natural são temas intimamente ligados. Ambas percorreram ao longo dos
séculos, e hoje ainda percorrem, um caminho trilhado lado a lado. Tal fato de dá por ser a luz
natural um elemento fundamental e necessário à arquitetura.
Como foi visto, a cada período da história da arquitetura corresponde uma forma particular de
utilização da luz. Assim, na medida em que foram utilizados novos materiais ou
desenvolvidos novos sistemas construtivos, de forma a atender os novos programas, a luz
passa a ser utilizada de forma diferente.
Foi percebido que a cada momento da arquitetura através dos séculos a luz vem sendo
utilizada de uma forma característica. Tal como o tijolo, o concreto ou o vidro, a luz é matéria
prima do projeto arquitetônico e acompanha a evolução da técnica e as necessidades do seu
tempo.
No caso dos programas religiosos, a luz é um recurso de infinitas possibilidades. De acordo
com a vontade do arquiteto, a forma como a luz interage com o ambiente pode expressar
diferentes significados.
O processo de concepção em arquitetura é extremamente complexo. Podem-se gerar, a partir
de um projeto, emoções tão diversas como introspecção, enlevo, êxtase, fascínio, ou
deslumbramento. A luz determina a percepção das texturas e das formas, criando um efeito e
uma disposição psicológica em relação ao espaço construído.
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Mesmo partindo de diretrizes semelhantes, ligadas à luminosidade dramática que o tema
religioso exige, arquitetos podem chegar a resultados diversos. Isso pode ser percebido nas
cores e na constante transformação da luz de Ronchamp, na abundância de luz e nos
contrastes da Catedral de Brasília, na penumbra da Igreja da Luz e em tantos outros projetos
onde a luz associada à arquitetura religiosa se torna uma luz repleta de significados.
Mais do que um aspecto técnico-construtivo, a utilização da luz natural pode, portanto,
ultrapassar seus aspectos funcionais e dar ao arquiteto, intermediário entre a arte e a função,
ferramentas para transcender a técnica e alcançar a emoção.
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