Ironia e tédio em “Persée et Andromède”, de - SARE

Transcrição

Ironia e tédio em “Persée et Andromède”, de - SARE
Ironia e tédio em “Persée et Andromède”,
de Jules Laforgue
Andressa Cristina de Oliveira
Doutora em Letras - UNESP/FCL/Ar
Professora do Centro Universitário Anhanguera - Unidade Pirassununga
e-mail: [email protected]
Resumo
Abstract
Jules Laforgue é um poeta simbolista francês, autor de
Moralités Légendaires, obra em prosa que retoma mitos
pertencentes a patrimônios diversos e os parodia de forma
irônica e poética. Analisa-se, aqui, a novela intitulada “Persée
ou Andromède ou le plus heureux des trois”, na qual retoma o
mito grego de Perseu e Andrômeda, fazendo uma inversão
semântica, isto é, transformando ironicamente o herói grego
em dândi e, também, fazendo de Andrômeda uma jovem não
idealizada para o amor. O poeta insere Andrômeda e o Monstro,
um terceiro personagem que morre, ressuscita e se transforma
em um belo príncipe, em uma atmosfera carregada de monotonia,
tédio e melancolia, tão ao gosto dos poetas simbolistas
franceses. Ao parodiar esse mito grego de forma irônica,
percebe-se que Laforgue pretendia atingir os dândis e os
intelectuais e artistas franceses do final do século XIX,
juntamente com mitos, lendas e obras literárias que lhes eram
tão caros.
Jules Laforgue is a French Symbolist poet who wrote
the work on prose Moralités Légendaires. Here, he retakes
myths that belong to several traditions and do parody in an
ironic and poetic way. We analyze the narrative “Persée ou
Andromède ou le plus heureux des trois”, in which he retakes
Greek´s myth of Perseo and Andromeda by doing a semantic
inversion, changing ironically the Greek hero into a dandy and
Andromeda into a young lady that is not idealized for loving.
The poet puts her and the Monster, a third character that dies,
resuscitates and becomes a handsome prince, in an atmosphere
charged of monotony, spleen and melancholy, such as the
inclination of the French Symbolists poets. By paroding this
Greek myth in an ironic way, we see that Laforgue intended to
hit the dandy and the French artists and intellectuals from the
end of nineteenth century, besides the myths, legends and
literary works that they appreciated.
Palavras-chave: Jules Laforgue, Perseu, Andrômeda,
ironia, tédio.
Em “Persée et Andromède ou le plus heureux des
trois”, uma das novelas da obra Moralités Légendaires,
o poeta simbolista francês Jules Laforgue retoma a
tradição greco-romana para compor suas moralidades.
O século XIX foi um período de revivescência do
helenismo. Em crise de inventividade, muitos escritores
refugiaram-se nesses mitos, porém, empregando-os de
maneira pessoal. Segundo Rivière (apud BALAKIAN,
1985), “a Grécia dos poetas [de então] não tem nada
de clássica. É uma terra de sonho aonde vão brincar
com as ninfas”. Vemos, ainda, com Balakian (1985), que
os simbolistas os transformaram na população
ambígua de seus sonhos, enfatizando a
irrealidade deles no mundo diário, em vez de suas
mensagens sempre renováveis. Toda vez que
aparecia uma dessas personagens era sinal de
Key-words: Jules Laforgue, Perseo, Andromeda, irony,
spleen.
que o poeta havia abandonado o mundo em que
respirava e se transportara para a paisagem
imaginária e atemporal da mitologia, misturando
aí seus sentidos mortais com os sentidos
sobrenaturais dessas figuras.
Sabe-se que Laforgue queria ser original a
qualquer preço. Uma vez declarou que gostaria de tirar
“o sublime da eternidade”, isto é, retratar o atual, o
momentâneo, o instantâneo. Assim, confessa em carta à
irmã, Marie, que “não quer contar a história de um amor
entre dois seres como aconteceria em 1885, mas de um
casal de humanos insaciáveis, sagrados, ilógicos,
desinteressados e sozinhos na Terra” (apud DURRY,
1971). Seria o projeto de um romance que ele não
realizou, mas, a partir do qual, escreveu a novela “Persée
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et Andromède”.
O mito de Perseu e Andrômeda
Na mitologia grega, Perseu é filho de Dânae,
princesa de Argos, e de Zeus. O pai da princesa,
prevenido por um oráculo de que um dia seu neto iria
matá-lo, isolou sua única filha e a tornou prisioneira em
uma torre de seu castelo. Porém, Zeus apaixonou-se
pela princesa, transformou-se em chuva de ouro e, por
meio de uma estreita fenda do cárcere, a alcançou. Assim
foi gerado Perseu. Irado, o rei Acrísio jogou filha e neto
ao mar. Estes, por sua vez, foram salvos por um
pescador, Díctis, da ilha de Serifo. Até a juventude de
Perseu, todos viveram harmoniosamente junto do
pescador e de sua mulher. Um belo dia, o rei de Serifo,
Polidectes, apaixonou-se por Dânae, casou-se com ela
e teve de levar Perseu à corte. Não deixava de vigiá-lo
constantemente, pois temia que ele acabasse querendo
o trono da ilha. Após algum tempo, sabendo que Perseu
era ambicioso, o rei encontrou uma solução: organizar
uma expedição na qual cada homem que dela participasse
trouxesse o melhor que conseguisse. Em sua ingenuidade,
Perseu havia prometido trazer o que o rei pedisse,
mesmo que fosse a cabeça de uma Górgona. As
Górgonas são três irmãs monstruosas – Euríale, aquela
que caminha a passos largos, Estenó, a poderosa, e
Medusa, a rainha – filhas de Forcis e de Cetó, irmãs das
Graias e, portanto, divindades pré-olímpicas. As duas
primeiras eram imortais, enquanto Medusa, a mais famosa
das três, era mortal. Sua aparência era terrível: o rosto
emoldurado por serpentes, presas parecidas às de um
javali entre os dentes, asas de ouro e mãos de bronze.
Seu olhar era tão penetrante que petrificava quem a
olhasse de frente. Astucioso, Polidectes ordenou que
Perseu trouxesse a cabeça da mais temida das Górgonas,
Medusa, achando que se veria livre do jovem para
sempre. Vale ressaltar que, até então, ninguém havia se
salvado em um combate contra a Górgona.
Indiretamente, o rei ficaria livre de Perseu sem ter de
sujar suas próprias mãos ou arriscar sua reputação.
Mas Perseu foi ajudado pelos deuses. Hermes e
Atena forneceram–lhe os meios de cumprir a sua leviana
promessa. Conforme conselho desses deuses, ele
procurou as filhas de Forcis, Ênio, Pefredo e Dino, as
Gréias, que não tinham, para uso das três, mais do que
um olho e um dente. Desse olho e desse dente Perseu se
apoderou, não lhes entregou enquanto não lhes indicaram
o caminho para a casa das Ninfas que possuíam sandálias
com asas, um saco de formato especial, chamado kibisis
e o capacete de Hades, que tinha a propriedade de tornar
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invisível quem o usasse no momento. As ninfas lhe
entregaram tais objetos, e Hermes lhe deu uma espada
de aço muito resistente e cortante. Assim prevenido,
Perseu procurou as Górgonas, Esteno, Euríale e Medusa.
Elas dormiam. Perseu pairou acima delas, graças às
sandálias aladas. Atena segurou acima da cabeça de
Medusa um escudo polido de bronze, como se fosse
um espelho e, assim guiado, Perseu decapitou o monstro,
sem olhar diretamente para ele. Do peito de Medusa
saltou um cavalo de asas, Pégaso, e um gigante, Crisaor.
O herói colocou no saco a cabeça da Górgona e partiu.
As irmãs da morta perseguiram-no, mas em vão. O
capacete de Hades o tornava invisível (GUIMARÃES,
1999).
Ao voltar a Serifo para entregar seu troféu a
Polidectes, Perseu passa pela Etiópia e avista uma bela
jovem, inteiramente nua, acorrentada a um rochedo. Entre
soluços, a prisioneira explica-lhe que estava ali por ordem
do rei e aguardava a chegada de um monstro marinho
que iria devorá-la. Perseu quis saber mais sobre ela, que
revela ser a princesa Andrômeda, filha de Cefeu e
Cassiopéia. Esta era uma mulher extremamente bela,
vaidosa e orgulhosa que certo dia, comparou-se às
Nereidas as quais, indignadas, pediram a Netuno que
vingasse a ofensa. Assim, o deus mandou um monstro
marinho devastar o litoral da Etiópia, fazendo
embarcações naufragarem, casas e templos caírem,
exterminando plantações, animais e vidas humanas.
Assustado, o povo rebelou-se contra o rei, acusando-o
de ser o responsável por tantas misérias. Sem saber o
que fazer, Cefeu consultou o oráculo, que lhe disse que
deveria sacrificar sua filha Andrômeda, a mais bela virgem
do reino, para que tudo voltasse ao normal. O rei decidiu
entregar a vida de sua filha pelo bem-estar de seus súditos.
Perseu prometeu a Cefeu livrar-lhe a filha se ele
consentisse em dá-la como esposa. Cefeu concordou.
Perseu matou o monstro e desposou Andrômeda. No
entanto, Fineu, um irmão de Cefeu, que era noivo da
moça, sua sobrinha, conspirou contra o herói. Mas
Perseu, descobrindo a conspiração, voltou contra os
inimigos a cabeça da Górgona, e os transformou em
pedra. Quando se foi da Etiópia, Perseu levou
Andrômeda para Argos, depois para Tirinto onde lhes
nasceram diversos filhos e uma filha (GUIMARÃES,
1999).
“Persée et Andromède ou le plus heureux des
trois”, de Jules Laforgue.
Como nas outras novelas, o mito, aqui, é retomado
de forma paródica, irônica e poética. Acredita-se que
Laforgue a tenha escrito entre outubro de 1886 e março
de 1887, após ter conhecido Leah Lee.
A novela divide-se em três partes, das quais
podemos dizer que, na primeira, há o retrato de
Andromède entediando-se horrivelmente, desejando
conhecer outras pessoas, outros mundos e presa em uma
ilha com o Monstro que a criou. Na segunda parte, a
jovem refugia-se em um canto secreto, onde arrumou
um espelho aquático e, na terceira parte, surge um Persée
que possui armas divinas para raptar Andromède, e, ao
intervir, o Monstro acaba sendo morto. Triste por ter
perdido seu amigo, ela dispensa Persée. Após ela
arrepender-se de sua curiosidade e reconhecer seus
sentimentos pelo Monstro, o mesmo ressuscita,
transformado em príncipe. Assim, os dois partem juntos
para a Etiópia.
Laforgue retoma a lenda de Andromède de
maneira inusitada: não é dito por quê ela se encontra na
ilha deserta em companhia do Monstro. O que se vê,
desde o início, é a paisagem que remete ao tédio, tão ao
gosto de Baudelaire e dos simbolistas a uma situação
sem saída, reforçada pela presença do mar e pelas
ladainhas de Andromède. A repetição de “o patrie
monotone et immérité”, por exemplo, reforça esse
Ennui, esse desejo de escapar da realidade. O narrador
se questiona “Quand donc cela finira-t-il?”,
remetendo ao pessimismo, a uma existência sem saída.
No parágrafo inicial há um paralelismo entre as dunas e
o mar (“jaunes grises dunes” e “la mer bornant la
vue les cris”). Nota-se, também, o emprego abundante
de interjeições e apartes do narrador, reforçando o tom
irônico e dando musicalidade e ritmo ao texto (“Eh
quoi!” “Eh”). O advérbio “indifféremment” é
associado de maneira incomum à palavra “mer” (la mer
est illimitée ce qui provoque l´indifferénce). O tom,
aqui, é de queixa, tédio, monotonia, melancolia, como
vemos explícito no vocabulário utilizado (“monotone”,
“imméritée”, “indifféremment”, “indifférentes”,
“bouderie”, “mourir”, “plainte”, “gemissements”,
“gémir”...):
O Patrie monotone et imméritée!...
L’île seule, en jaunes grises dunes; sous des
ciels migrateurs; et puis partout la mer
bornant la vue les cris et l’espérance et la
mélancolie [...]
O patrie monotone et imméritée!... Quand
donc cela finira-t-il? – Eh quoi! em fait
d’infini: l’espace monopolisé par la seule mer
indifféremment illimitée, le temps exprime par
les seuls ciels em traversées indifférentes de
saisons avec migrations d’oiseaux gris,
criards et inapprivoisables! – Eh que
comprenons-nous à toute cette bouderie
brouillée et ineffable? Autant mourir tout de
suite alors, ayant reçu un bon coeur
sentimental de naissance. […]
Et c’est tout; ô patrie imméritée et monotone
Jusque dans la petite anse aux deux grottes
feutrées de duvets d’eider et de pales litières
de goëmons, la vaste et monotone mer vient
panteler et ruisseler. Mais sa plainte ne couvre
pas les petits gémissements, les petits
gémissements aigus e rauques d’Andromède
qui, là, à plat-ventre et accoudée face à
l’horizon, scrute sans y penser le mécanisme
des flots, des flots naissant et mourant à perte
de vue. Andromède gémit sur elle même. Elle
gémit; mais soudain elle s’avise que sa
plainte fait chorus avec celles de la mer et du
vent, deux êtres insociables… (LAFORGUE,
1996, pp. 211-213, grifos nossos).
Andromède e o Monstro estão presos em uma
ilha, onde não há nada para fazer a não ser contemplar o
céu e as ondas do mar. Diferentemente do mito grego, o
Monstro não está ali para devorá-la, mas é um amigo
que lhe faz companhia. Nada melhor que o mar e uma
ilha deserta para representarem os sentimentos reinantes
entre os decadentistas do século XIX: é o retrato do
desespero moderno, a idéia de desencantamento de
Laforgue e de seus contemporâneos face ao mundo. Os
decadentes rejeitavam o positivismo cientificista e sentiam
viver em uma época de grande perversidade. Muitas
vezes, esse desespero e desencantamento são traduzidos
na obra de Laforgue por meio do pessimismo e da ironia.
A fuga para isso está na busca de um mundo paralelo,
de um senso de refinamento extremo. Isso é manifestado,
sobretudo, por meio do emprego de uma linguagem
quase barroca e um estilo superornamentado, como
vemos nesse exemplo:
Le Monstre Dragon, accroupi à l´entrée de
sa grotte, l´arrière-train dans l´eau, se
retourne, en faisant chatoyer son échine riche
de toutes les joailleries des Golcondes sousmarines, soulève avec compassion ses
paupières frangées de cartilagineuses
passementeries multicolores, découvre deux
grosses prunelles d´un glauque aqueux, et dit
(d´une voix d´homme distingué qui a eu des
malheurs):
- Tu le vois, Bébé, je concasse et polis des
galets pour ta fronde ; nous aurons encore
des passages d´oiseaux avant le coucher du
soleil (LAFORGUE, 1996, p. 214).
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Essa atmosfera de tédio desesperado prevalece
ao longo da primeira parte. Há apartes irônicos do
narrador, sobretudo no que concerne à crítica em relação
à sociedade vigente: “- Si du moins tu voulais me
prendre sur ton dos et me transporter dans des pays
où l’on trouve de la société. (Ah, je voudrais tant me
lancer dans le monde!)” (LAFORGUE, 1996, p. 216);
e, também, quando o Monstro lamenta sua condição,
dizendo ser um Catoblepas, isto é, um animal fantástico:
“Mais laissons cela; je ne suis encore qu’un pauvre
monstre de Dragon, un infortuné Catoblepas”
(LAFORGUE, 1996, p. 216).
O tédio continua, sobretudo nas falas de
Andromède, como em: “- O vols migrateurs qui passez
sans me voir, ô hordes des flots toujours arrivant pour
mourir sans rien m’amener, que je m’ennuie! Ah! Je
suis bien malade cette fois-ci...” (LAFORGUE, 1996,
p. 214), ou em: “Andromède se rejette à plat-ventre
dans le sable qu’elle griffe et laboure le long de ses
deux flancs légitimement affamés, et puis
recommence ses petits gémissements, ses
gémissements aigus et rauques” (LAFORGUE, 1996,
p. 217).
A primeira parte termina com uma alusão a
Spinoza, quando o narrador compara o Monstro ao
filósofo: “Le Monstre sourit débonnairement, et se
remet à polir ses galets; - tel le sage Spinoza devait
polir ses verres de lunettes” (LAFORGUE, 1996, p.
218).
Lembremo-nos que a leitura da obra de Spinoza,
assim como as de Schopenhauer, Hartmman, Taine e
outros foi fundamental para a formação de Laforgue.
Em uma carta de 12 de maio de 1882, Laforgue
escreve a Charles Ephrussi: “Je possède une Imitation
de Jésus Christ et l’Éthique du grand Spinoza, et je
m’en nourris dans mon coeur solitaire, dédaignant
les splendeurs de ce Bade” (apud SCEPI, 2000, p.
14). Alguns meses antes havia declarado ao mesmo
correspondente: “Je lis une page de Spinoza ou de
Hartmman, et je suis à mille lieues de toutes ces
dorures. Il n’y a que l’Art” (SCEPI, 2000, p. 14).
Dessa maneira, percebe-se que a antropologia
crítica de Spinoza coloca o homem sob a dependência
necessária de um Deus que é a Natureza. Sua filosofia
baseia-se na ética cristã da renúncia. Em “Persée et
Andromède”, Laforgue serve-se dessa ética e a transpõe
livremente no terreno da moral existencial e da filosofia
profana, resumindo suas leituras, como disse a Charles
Henry em uma carta de maio de 1882, a uma “antologia
da renúncia” e os assuntos de conversação possíveis à
seguinte trindade, segundo outra carta escrita ao mesmo
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amigo: “Causons vers – femmes - et renoncement”
(apud SCEPI, 2000, grifos nossos).
Se Laforgue compara seu Monstro a Spinoza, é
para remeter, de antemão, à questão da aparência e da
essência, visto que, externamente, o Monstro é feio e
repugnante, mas, em sua essência, é bondoso e
compreensivo e vai, na terceira parte da novela, tornarse um belo príncipe. Assim, percebe-se a alusão às
teorias de Spinoza, que julgava que a essência estava
além das aparências.
Lembremo-nos, ainda, que o Monstro é um
dragão, animal que faz parte do bestiário lunar. Segundo
Durand (1969, pp. 359-360),
L´animal lunaire par excellence sera donc
l´animal polymorphe par excellence: le
Dragon. Le mythe agro-lunaire réhabilite et
euphémise le Dragon lui-même. Ce dernier
est l´archétype fondamental qui résume le
Bestiaire de la lune: ailé et valorisé
positivement comme puissance ouranienne
par son vol, aquatique et nocturne par ses
écailles, il est le sphynx, le serpent à plumes,
le serpent cornu ou le « coquatrix ». Le
« monstre » est en effet symbole de
totalisation, de recensement complet des
possibilités naturelles, et à ce point de vue
tout animal lunaire, même le plus humble, est
assemblage monstrueux. On peut dire que tout
merveilleux tératologique est merveilleux
totalisant et que cette totalité symbolise
toujours la puissance faste et néfaste du
devenir [...]. En l´animalité l´imagination du
devenir cyclique va chercher un triple
symbolisme : celui de la renaissance
périodique, celui de l´immortalité ou de
l´inépuisable fécondité, gage de la
renaissance, enfin quelquefois celui de la
douceur résignée au sacrifice.
Na segunda parte da novela, há uma longa
descrição da aparência de Andromède, que é mais uma
heroína de Laforgue que não se ajusta à Beleza Ideal.
Para os decadentes, o sofrimento e o desespero
permanecem, sobretudo, na impressão de que o Ideal
se tornou impossível de encontrar. Além dos usuais
apartes do narrador, vemos associações incomuns em
“espadrilles de lichen” e “hanches droites et fières”
e uma comparação inusitada dos olhos de Andromède
com os pássaros e com as águas. Vemos, também, que
Andromède tem “deux soupçons de seins”.
Ses pieds parfaits dans des espadrilles de
lichen, un collier de coraux bruts enfilés
d’une fibre d’algue au cou [...]. Elle n’a pas
la face et les mains plus ou moins blanches
que le reste du corps ; toute sa petite
personne, à la chevelure roux soyeux
tombant jusqu’aux genoux, est du même ton
terre cuite lavée. (Oh, ces bonds ! ces bonds !)
Tout armature et tout ressort et toute hâlée,
cette puberté sauvageonne, avec ses jambes
étrangement longues et fines, ses hanches
droites et fières s’amincissant en taille juste
au-dessous des seins, une poitrine enfantine,
deux soupçons des seins, si insuffisants que
la respiration au galop les soulève à peine
[...] et ce long cou, et cette petite tête de bébé,
toute hagarde dans sa toison rousse, avec ses
yeux tantôt perçants comme ceux des oiseaux
de mer, tantôt ternes comme les eaux
quotidiennes. Bref une jeune fille accomplie
(LAFORGUE, 1996, pp. 219-220).
Andromède admira-se em um espelho d’água, e
esse é seu único segredo. É um raro momento no qual o
tédio e o desespero dão lugar à leveza, à diversão, à
satisfação, à alegria e, sobretudo, ao tom irônico da
descrição.
Au milieu de cette plate-forme les pluies ont
creusé une cuvette, Andromède l’a pavée de
galets d’ivoire noir et y entretient une eau
pure; et c’est là son miroir, depuis un
printemps, et son unique secret au monde.
Pour la troisième fois aujourd’hui, elle revient
s’y mirer. Elle ne s’y sourit pas, elle boude,
elle cherche à approfondir le sérieux de ses
yeux; et ses yeux ne se départent pas de leur
profondeur.[…]
Alors elle se prend à sa rousse toison, elle
essaye vingt combinaisons de coiffure, mais
qui n’aboutissent qu’à des choses surchargés
pour sa petite tête (LAFORGUE, 1996, pp. 220222).
Percebe-se, aqui, que o espelho d’água remete
ao mito de Narciso, tão caro aos simbolistas e
decadentes, já que é uma representação deles mesmos,
de seu individualismo, do egotismo e da fuga da
brutalidade da vida cotidiana. Narciso remete à imagem
do homem que se volta para si mesmo, em um gesto
introspectivo e de isolamento, tal qual Laforgue e seus
contemporâneos em suas ‘torres de marfim’.
As nuvens que prenunciam a chuva que vai
estragar o prazer da personagem chegam e Andromède
canta de maneira melancólica. A ironia aqui é
caracterizada, sobretudo, por meio de uma linguagem
carregada de símbolos e hermética, pois a palavra
“bobo” nos remete à leitura do hipotexto, evidenciando,
mais uma vez, como é importante a participação do
receptor para que esse tipo de significação aconteça. A
palavra “nuées” é repetida para reforçar a volta do tédio
no personagem:
Les nuées arrivent, les nuées crèvent dans
une grande rumeur de déluge. Andromède
dégringole la falaise, et reprend son galop
vers la mer, et piaule dans l’averse:
Ah! qu’il fût un remède
Au bobo d’Andromède!
Hissaô!
Au bobo.
Des larmes lui ruissellent sur sa poitrine
enfantine, tant cet air est triste. Et l’averse
est déjà loin, et le vent ébouriffe ses cheveux,
et tout est rafales[…] (LAFORGUE, 1996, p.
222, grifos nossos).
Segundo Durry (1971), na versão original da
novela constava a palavra “sexe” no lugar de “bobo”.
Literalmente, “bobo” é uma onomatopéia para uma
pequena dor, um pequeno machucado, o diminutivo que
caracteriza a linguagem infantil. Talvez, aqui, o poeta faça
uma referência indireta a Perseu, que ainda não foi
abordado na novela. Lembremos que Dânae, sua mãe,
foi fecundada por Zeus sob a forma de chuva de ouro,
dando à luz, assim, a Perseu. Porém, percebe-se que
Laforgue vai além da simples alusão ao mito grego: ao
longo da novela, o narrador, quando fala de Andromède,
repete “ô puberté, puberté” para evidenciar ao leitor
que a mesma ainda é jovem, enfim, uma adolescente
que acaba de chegar à puberdade. É uma neurótica que
se agita sem cessar ou contorcendo-se na areia ou
percorrendo febrilmente os caminhos de sua ilha. É uma
presa do desejo desconhecido, difuso, que não tem
contato com outros seres além do Monstro e o instinto
natural já se propaga em seu ser. Então, para ela, admirarse no espelho d’água era uma pequena dor, era ver o
reflexo de sua ânsia por algo novo, de conhecer pessoas
e lugares diferentes.
A chuva havia estragado seu espelho d’água, o
que faz com que Andromède voltasse ao estado de tédio,
de desespero e de melancolia ao contemplar o mar. Há,
várias vezes, a repetição da palavra “mer” e palavras
incomuns associadas a ela. Podemos, ainda, mais uma
vez, fazer uma associação à relação entre Zeus e Danae
na frase “mais la vilaine pluie a troublé la pureté de
son triste miroir”.
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Mais la vilaine pluie a troublé la pureté de
son triste miroir [...]
Que faire? Sinon recontempler la mer si
bornée et cependant si seule ouverte à
l’espérance... Et encore, que son tourment à
elle est petite fille, en face de cette solitude à
perte de vue! D’une lame, la mer peut
l’assouvir à mort; mais elle, petite chair grele,
apaiser et réchauffer la mer! [...]
(LAFORGUE, 1996, p. 225-226, grifos nossos).
Ressaltemos, aqui, as numerosas referências à
água. Vemos, com Chevalier e Gheerbrant (2004, pp.
15-22), que
as águas [representam] a infinidade dos
possíveis, contêm todo o virtual, todas as
promessas de desenvolvimento, mas também
todas as ameaças de reabsorção. Mergulhar nas
águas, para delas sair sem se dissolver
totalmente, salvo por uma morte simbólica, é
retornar às origens, carregar-se, de novo, num
imenso reservatório de energia e nele beber uma
força mova: fase passageira de regressão e
desintegração, condicionando uma fase
progressiva de reintegração e regenerescência.
[...] A água é o símbolo das energias
inconscientes, das virtudes informes da alma, das
motivações secretas e desconhecidas.
Para Durand (1969), a água é o símbolo da
inversão e da intimidade, do retorno dos valores. Dessa
maneira, analisando as posições desses dois estudiosos,
podemos ver o papel que a água desempenha nessa
novela de Laforgue, já que, no desfecho, o Dragão vai
ressuscitar, transformar-se em belo príncipe, voltar a ser
o que fora outrora.
Com a chuva, a cabecinha de Andromède é
preenchida por ritmos maternais que o Monstro cantava
em sua infância, a lenda La Vérité sur le cas de Tout,
pequeno poema sagrado que remete às leituras de
Laforgue sobre a teoria do Inconsciente de Hartmman,
ao Amor, ao Ideal. Vê-se, aqui, uma referência explícita
ao capítulo 1 do Evangelho de São João, no qual está
escrito “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus” (BÍBLIA SAGRADA, 1986,
p.232). Laforgue associa, ironicamente, o “Verbo” à idéia
de Amor, Ideal e Inconsciente. Se para o apóstolo João
tudo foi feito por meio do Verbo, para Laforgue essa
função é desempenhada por meio da tríade Amor - Ideal
- Inconsciente, principalmente por este último. O poeta
crê que o Inconsciente é um ‘anjo da guarda’, aquilo
que rege o mundo sem que nada possa escapar dele
(DURRY, 1971, p. 89).
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Au commencement était l’Amour, loi
organisatrice universelle, inconsciente,
infaillible. Et c’est immanente aux tourbillons
solidaires des phénomènes, l’aspiration
infinie à l’Idéal […]
L’impulsion d’Idéal est donnée depuis
toujours et depuis toujours, dans l’espace
infini, va s’objectivant en innombrables
mondes qui se forment […]
L’inconscient initial, lui, n’a à s’occuper que
de monter plus haut, il a ses travaux
particuliers, qu’il surveille sur quelques
mondes plus vivaces, plus sérieux;[…]
(LAFORGUE, 1996, p. 227).
De acordo com Peyre (1974, p. 173), Laforgue
nutriu-se [...] da filosofia de Hartmman de uma maneira
bem exagerada, mas, isso, pelo menos, o conduziu à
melancolia menos egocêntrica, ao lamento, ao
inconsciente metafísico do qual o gênio se faz intérprete.
Há um curioso e belo artigo, publicado cinco anos após
a morte do poeta, nas Entretiens politiques et
littéraires, em fevereiro de 1892, no qual ele fala das
teorias de Hartmman sobre o inconsciente como
“l’Afrique intérieur [...] où il imagine de mines riches,
des gisements, des mondes sous-marins qui
fermentent inconnus. Ah! C’est là que je voudrais
vivre, c’est là que voudrais mourir!” (apud PEYRE,
1974, p. 174).
Na terceira parte da novela, a atmosfera permeada
pelo tédio ainda permanece. De acordo com Durry
(1971), para Laforgue, o tédio não era um acidente, mas
um estado de espírito, a vida desnudada, vista de maneira
clara. Esse é um mal das pessoas extremamente cultas e
inteligentes, tal como era o poeta. Esse Ennui é uma
experiência fundamental, pois suscita a criação poética.
De essência metafísica, ele provém de um excesso de
inteligência. O pensamento/espírito toma consciência da
natureza de maneira muito rápida, analisa o tempo e o
espaço com muita acuidade e tem conclusões
desesperadoras. O tempo passa com monotonia, não
há momentos privilegiados. Ele é uma sucessão de
momentos que se repetem, sempre idênticos, e não
permite nenhum progresso, nenhum amadurecimento,
nenhuma realização interior. Ele faz com que a falta de
esperança predomine. As palavras “silence et horizon”
são repetidas à exaustão para remeter ao tédio, ao
desespero, a uma existência sem saída, sem perspectiva,
sem acontecimentos diferentes.
Silence et horizon; l’horizon des mers est tout
déblayé pour le couchant.
- Si nous jouions aux dames, soupire
Andromède visiblemente énervée. [...]
Silence et horizon! Après toutes les folies de
cette après-midi, l’air est dans l’accalmie et
se recueille devant la retraite classique de
l’Astre. […]
Là-bas, à l’horizon miroitant où les sirènes
retiennent leur respiration. (LAFORGUE,
1996, p. 232, grifos nossos).
De repente, eis que chega o terceiro personagem,
Persée. Suas intenções não são edificantes como no mito
grego, mas sua chegada faz cessar momentaneamente a
atmosfera entediante e desesperadora que prevalece ao
longo da novela. O Monstro prevê que ele tem a intenção
de matá-lo e de levar Andromède consigo.
[...] Oh! Bénis soient les dieux qui envoient,
juste au moment voulu, un troisième
personnage.
Il arrive comme une fusée, le héros de diamant
sur un Pégase de neige dont les ailes teintes
de couchants frémissent, et nettement réfléchi
dans l’immense miroir mélancolique de
l’atlantique des beaux soirs!...
Plus de doute, c’est Persée! […]
C’est Persée, fils de Danaé d’Argos et de
Jupiter changé en pluie d’or. Il va me tuer et
t’emmener.
Mais non, il ne te tuera pas! (LAFORGUE,
1996, pp. 234-235).
O grande Perseu é retratado, ironicamente, pois,
como um homem risível, um sedutor cínico de gosto
terrivelmente vulgar. Não é caracterizado como herói e,
aqui, há uso abundante de particípios presentes para
caracterizar a inação do personagem, que é, talvez, assim
como Hamlet, uma caricatura dos decadentistas
contemporâneos de Laforgue.
O interessante, aqui, é notar o que Laforgue faz
com o herói mítico: o personagem fora do comum, que
é capaz de realizar façanhas sobre-humanas, geralmente
de grande valentia, torna-se um afetado, um dândi.
Para Baudelaire (1980, p. 806, tradução nossa),
o dandismo é, antes de mais nada, a necessidade
ardente de constituir uma originalidade contida
nos limites exteriores das conveniências. É uma
espécie de culto de si mesmo, que pode
sobreviver à busca da felicidade que deve se
achar no outro, na mulher, por exemplo; que pode
sobreviver até mesmo a tudo o que chamamos
de ilusões. Enfim, é o prazer de surpreender e a
satisfação orgulhosa de nunca se surpreender.
Um dândi pode ser um eterno entediado, um
homem sofredor [...] O caráter de beleza do
dândi consiste sobretudo no ar frio que se origina
na firme resolução de não se emocionar; dir-seia um fogo latente que se faz adivinhar, que
poderia mas que não quer brilhar.
Lembremos que, no mito grego, Persée liberta
Andromède, decapita a Medusa, é descrito como um
herói valente, corajoso e grandioso. Ele é desmitificado,
dessacralizado no momento em que Laforgue faz uma
abordagem caricata e irônica, sobretudo no que concerne
à ironia verbal, como vimos anteriormente com Muecke
(1995), visto que caracteriza a inversão semântica, isto
é, dizer uma coisa para significar outra. Somente seu
nome permanece o mesmo, pois o poeta o usa para
criticar os modelos estéticos vigentes em sua
contemporaneidade:
Miraculeux et plein de chic, Persée approche,
les ailes de son hippogriffe battent plus
lentement; - et plus il approche, plus
Andromède se sent provinciale, et ne sait que
faire de ses bras tout charmants. […]
Mais le voilà qui repart sans un mot et, ayant
pris du champ, s’élance et se met à décrire
des ovales en passant et repassant devant elle,
caracolant au ras de la mer miraculeusement
miroir, rétrécissant de plus en plus ses orbes
vers Andromède, comme pour donner à cette
petite vierge le temps de l’admirer et de le
desirer. Singulier spectacle, en vérité!...
“[...] il est imberbe, sa bouche rose et
souriante peut être qualifiée de grenade
ouverte, le creux de sa poitrine est laqué
d’une rose, ses bras sont tatoués d’un coeur
percé d’une fleche, il a un lys peint sur le
gras des mollets, il porte un monocle
d’émeraude, nombre de bagues et de
bracelets; de son baudrier doré pend une
petite épée à poignée de nacre (LAFORGUE,
1996, pp. 236-237, grifos nossos).
Lembrando Scepi (2000), na obra de Laforgue,
mais uma vez, o discurso da ironia ‘brinca com as
entidades’ e conspira para liquidar o mito. Persée,
retratado como grande herói na mitologia grega, aqui, é
reduzido a um príncipe “miraculeux et plein de chic”,
que traja um “monocle d’émeraude, nombre de bagues
et de bracelets”. Ele é o protótipo do artifício, do dândi.
Vemos, ainda, um aparte irônico do narrador, quando
diz “singulier spectacle, en vérité!”, referindo-se ao
comportamento artificial de Persée. A grande
119
originalidade da obra de Laforgue deve muito à sua
curiosa mistura de afetação e sinceridade, ao uso de
máscaras, ao jogo de palhaço. É o que faz com seu
Persée - que é a representação de uma de suas máscaras.
Ce jeune héros arrête son hippogriffe devant
Andromède et, sans cesser de sourire de sa
bouche de grenade ouverte, il se met à
exécuter des moulinets de son épée
adamantine
[...] le jeune Chevalier noue ses mains en
étrier et, les inclinant devant la jeune captive,
dit avec um grasseyement incurablement
affecté:
- Allez, hop! à Cythère! (LAFORGUE, 1996,
p. 237, grifos nossos).
Perseu, além de ser caracterizado ironicamente
como dândi no exemplo acima, deseja partir para Cítera,
que foi uma ilha dedicada a Vênus, ao amor, portanto.
Quando Andromède vai se despedir do Monstro,
ele intervém, lançando uma labareda de fogo em Persée.
Este, por sua vez, diz que não vai matá-lo, mas petrificálo. No entanto, o encanto não se realiza: a Górgona
Medusa fecha os olhos, pois reconheceu o Monstro dos
tempos de outrora:
Ah! je ne te ferai pas le plaisir de te tuer
devant elle [...] Je vais te... méduser! [...]
Persée l’empoigne par cette chevelure dont
les noeuds bleus jaspes d’or lui font de
nouveaux bracelets et la présente au Dragon,
en criant à Andromède: Vous, baissez les
yeux!
Mais, ô prodige! Le charme n’opère pas
Il ne veut pas opérer, le charme!
Par un effort inouï, en effet, la Gorgone a
fermé ses yeux pétrificateurs. [...]
Persée attend toujours, le bras tendu, ne
s’apercevant de rien. (LAFORGUE, 1996, p.
239)
Persée mata o Monstro e, em um gesto cruel e
totalmente afetado, anda em cima de seu cadáver até
que Andromède decide intervir. Na intervenção do
narrador, há a presença da lua para reforçar o glossário
simbolista.
[...] il pique des deux (oh! tandis que justement
là-bas la pleine lune se lève sur le miraculeux
miroir atlantique!) et fond sur le Dragon,
pauvre masse sans ailes. [...] Il le pique à
gauche, il le pique à droite, [...] lui enfonce
si merveilleusement son épée au milieu du
120
front, que le pauvre Dragon s’affaisse et,
expirant, n’a que le temps de râler:
- Adieu, noble Andromède [...]
Le monstre est mort. Mais Persée est trop
excité, malgré l’infaillibilité de sa victoire, et
il faut qu’il s’acharne sur le défunt! Et le larde
de balafres! Et lui crève les yeux! Et le
massacre, jusqu’à ce qu’Andromède l’arrête.
- Assez, assez; vous voyez bien qu’il est mort
(LAFORGUE, 1996, p. 240-241).
Para Persée, Andromède não possui a Beleza
Ideal, pois ele diz “Ah! par exemple, il faudra que
nous nous fassions belle!”, sugerindo que ela não se
cuida, que não é bela. Andromède, sentindo-se culpada
da morte do Dragão e percebendo que sentiria falta de
seu convívio, rejeita Persée, dizendo “- Allez-vous en!
Allez-vous en! Vous me faites horreur! J’aime mieux
mourir seule, allez-vous en, vous vous êtes trompé
d’adresse” (LAFORGUE, 1996, p. 243).
Vemos, assim, mais uma vez, a busca do Eterno
Feminino, da mulher ideal nas novelas de Laforgue. E
vemos, também, a paródia e a ironia recaindo sobre a
figura do dândi. Ressaltemos que no final do século XIX,
a figura do dândi já estava em decadência, não tinha o
mesmo valor estético da primeira metade do século.
Com a partida de Persée, Andromède volta a viver
em uma atmosfera de tédio: a presença do mar e do
horizonte mais uma vez reforça essa existência
melancólica e monótona: “Andromède reste là, tête
basse, hébétée devant l’horizon, l’horizon magique
dont elle n’a pas voulu, dont elle n’a pu vouloir [...]”.
Esse desespero, esse Ennui que permeia todas as
moralidades de Laforgue, lembra o fato de o poeta não
aceitar os valores de sua contemporaneidade, dominada
por uma sociedade cientificista, positivista, mecanicista
e burguesa.
Andromède lamenta a perda do Monstro e
amaldiçoa sua curiosidade, seu desejo de conhecer
pessoas e lugares diferentes. Poderíamos dizer que é
uma representação de Eva, tentada a provar do fruto
proibido. Após a morte do Monstro, reconhece que tinha
uma vida perfeita, que tinha um grande companheiro:
Elle se souvient comme il lui fut un bon ami,
gentleman accompli, savant industrieux,
poète dissert. Et son petit coeur se tord sous
le menton inerte du Monstre méconnu [...] Tu
devais bien voir que ce n’était chez moi
qu’une crise passagère, cette langueur et cette
curiosité fatale. Oh, curiosité très funeste!
(LAFORGUE, 1996, p. 244).
Andromède reconhece os sentimentos que nutre
pelo Monstro. A ressurreição e a transformação deste
traz-nos, de modo irônico, a lembrança do conto
maravilhoso A Bela e a Fera, pois o monstro se torna
um belo homem, decidido a “rendre heureuse qu’il n’y
aura ni mot ni minute pour nommer son bonheur”
(LAFORGUE, 1996, p. 248). O Monstro ascendia da
raça maldita de Cadmo, o qual era filho de Agenor, rei
da Fenícia, e irmão de Europa; matou a serpente
consagrada a Marte e, com isso, fez com que ele mesmo
e seus descendentes passassem por todo tipo de
infortúnio: os deuses o condenaram a ser um Dragão de
três cabeças para proteger os tesouros da terra até que
uma virgem o amasse de verdade, da maneira como ele
era.
[...] O dieux de justice, prenez la moitié de la
vie d’Andromède [sic], prenez la moitié de ma
vie et rendez-moi la sienne, afin que je l’aime
et le serve désormais avec fidélité et
gentillesse. O dieux, faites cela pour moi, vous
qui lisez dans mon coeur et savez combien
au fond, je l’aimais [...]
En achevant ces mots mirifiques, le Dragon,
sans crier gare! s’est changé en un jeune
homme accompli (LAFORGUE, 1996, pp. 245247).
Esta passagem contém alguns anacronismos que
produzem a sensação de absurdo e provocam o riso: “Oh! pauvre, pauvre Monstre [...] ce vilain héros
d´Opéra comique”. Também, quando o Monstro e
Andromède partem em viagem de núpcias, comenta o
narrador: “Ils voguèrent, évitant les côtes semées de
casinos. Oh! Voyage de noces sous le soleil comme à
la belle étoile!” (LAFORGUE, 1996, p. 248). E ele
conclui sua história declarando que os personagens
chegaram no terceiro dia à Etiópia, terra natal de
Andromède. Nesse momento há um inesperado aparte,
no qual intervém um diálogo entre duas personagens,
M. Amyot de l’Epinal e a princesa d’U.E, pelo qual se
percebe que o narrador é M. de l´Epinal.. O leitor se dá
conta de que essa história de Persée e Andromède acaba
de ser contada e que ambos refletem sobre ela e sobre
as constelações de Persée et Andromède e le Cygne,
que é a constelação de Lohengrin e Parsifal.
Ah! Ça, mon cher monsieur Amyot de l’Epinal,
vous nous la baillez belle avec votre histoire!
s’écria la princesse d’U.E. (en ramenant un
peu son châle, car cette splendide nuit était
fraîche). Moi qui avais donné tout autrement
mon coeur à cette aventure de Persée et
Andromède!” [...]
Et puis, cher monsieur Amyot [...]. Ce couple
de nébuleuses, là-bas, près de Cassiopée, ne
l’appelle-t-on pas Persée et Andromède? [...]
- Chère U..., cela ne prouve rien. [...] près de
la Lyre, qui est ma constellation, n’est-ce pas
le Cygne qui est la constellation de Lohengrin
et [...] Parsifal? (LAFORGUE, 1996, pp. 248249).
E o texto se fecha com a questão da princesa de
U.E. sobre a moralidade, e o interesse disso reside no
fato de que esta é a única novela da obra Moralités
Légendaires na qual essa questão é abordada. A
moralidade é um gênero dramático semi-religioso dos
fins da Idade Média, que se desenvolveu na seqüência
dos mistérios e milagres, e é caracterizado por maiores
qualidades de abstração e de elaboração de caracteres.
Sabemos que a intenção de Laforgue não é cotejar a
literatura desse período, muito menos os contos morais
do século XVIII. Ele se apropria do conceito de
moralidade e transforma seu propósito e seu efeito,
transpondo-o burlescamente ao servir-se do mito grego.
Eis a abordagem da moralidade em “Persée et
Andromède”: “[...] Allons, rentrons prendre le thé.
Ah! À propos, et la moralité? J’oublie toujours la
moralité...” (LAFORGUE, 1996, p. 249).
Apesar de Laforgue não ter a intenção de retomar
o gênero dramático medieval, a pergunta sobre a
moralidade é respondida com um mote irônico,
destacando-se que tal como no título da novela, o mais
feliz dos três era o Monstro, pois teve paciência, resignouse, obteve o amor sincero de uma virgem e transformouse em um belo homem, pronto para reconquistar o que
lhe era de direito. O mesmo não podemos dizer de
Persée, que chegou todo cheio de si e de pompa,
achando que tinha conquistado Andromède, que já a
tinha para si, apesar de a mesma não corresponder aos
seus ideais de Beleza. Eis a moralidade, que também
remete ao mito da Bela e da Fera:
Jeunes filles, regardez-y à deux fois
Avant de dédaigner un pauvre monstre.
Ainsi que cette histoire vous le montre,
Celui-ci était digne d’être le plus heureux des
trois (LAFORGUE, 1996, p. 250).
Dessa maneira, com a leitura da novela “Pan et la
Syrinx ou le plus heureux des trois”, podemos concluir
que o poeta francês Jules Laforgue serve-se de um mito
grego - o de Perseu e Andrômeda - para parodiá-lo,
dessacralizá-lo, retratá-lo com ironia e colocá-lo em uma
atmosfera plena de tédio, melancolia e monotonia. Com
esse tipo de retomada, sua intenção é zombar dos dândis
121
parisienses do século XIX, de seus contemporâneos
intelectuais e artistas ironizando mitos e gêneros que lhes
eram caros e destituindo a mulher de sua posição
idealizada.
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Bonifácio A. Caldas. São Paulo: Editora Perspectiva,
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Recebido em 29 de junho de 2007 e aprovado em
01 de agosto 2007.
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