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número 02 | Setembro | 2014
TRATAMENTO DE
DOR NO ATLETA
por Dr. Leandro Gregorut Lima
Médico da seleção brasileira feminina de handebol
Uso associado de opioides e adjuvantes no
tratamento da dor crônica em Ortopedia
Por Dr. Rogério Teixeira da Silva
Vantagens no tratamento da dor
crônica com oxicodona
Por Dra. Mariana Palladini
TRATAMENTO
DE DOR NO ATLETA
por Dr. Leandro Gregorut Lima
4|
Dr. Leandro Gregorut Lima
CRM 104351-SP
Médico da seleção brasileira feminina de handebol. Diretor da equipe de Ortopedia
do Hospital e Maternidade São Camilo – Unidades Ipiranga e Santana; sócio da Clínica
Movité - Ortopedia e Medicina Esportiva
T
ratar atletas é um mundo à parte na Medicina. Cada paciente
novo acaba nos proporcionando
um desafio em termos de entendimento
da queixa, tipo de lesão, ansiedade do
atleta em relação ao retorno ao esporte,
momento em que ele está vivendo (fase
de treinamento, pré-competição, competição, férias), necessidades financeiras
em relação ao esporte, cobrança do técnico, empresário, clube, companheiros
de time e, por fim, do médico do clube,
que muitas vezes não se sente à vontade
quando o atleta procura uma segunda
opinião.
Ter praticado esportes em grande
parte da vida provavelmente foi o que
me motivou na Faculdade de Medicina
a optar pela Ortopedia, e depois estudar
para o título de Medicina Esportiva.
Ser parte integrante da Seleção Brasileira Feminina de Handebol e participar
dos principais campeonatos da modalidade, tais como o Pan-Americano de
Guadalajara, Campeonato Mundial do
Brasil, Olimpíadas de Londres e Campeonato Mundial da Sérvia, em que alcançamos o lugar mais alto do pódio,
proporcionou-me uma experiência única no entendimento das queixas e dores
dos atletas de elite.
No entanto, como me disse o diretor
de uma das melhores clínicas de Medicina Esportiva dos EUA, a Steadman
Hawkins Clinic, “O atendimento no
seu dia a dia é composto de 1% de atletas profissionais e 99% de atletas amadores”.
Temos visto nos
últimos anos um
aumento sem
precedentes da
prática esportiva
no Brasil, nas
academias, corridas
de rua, esportes de
aventura, piscinas,
tatames, ringues e
Box’s (academias) de
CrossFit
Temos visto nos últimos anos um
aumento sem precedentes da prática esportiva no Brasil, nas academias,
corridas de rua, esportes de aventura,
piscinas, tatames, ringues e Box’s (academias) de CrossFit.
Proporcionalmente, houve um aumento do número de pessoas que experimentaram os benefícios do esporte
regular, tais como a perda de peso, diminuição do colesterol, diminuição dos
índices glicêmicos, aumento da força
muscular, melhora do humor e sono.
Inúmeros trabalhos têm incentivado
a pratica de atividade física como um
método de tratamento para patologias
crônicas, tais como fibromialgia, síndromes miofasciais, depressão e artrite
reumatoide.
Gostaria de poder dividir este artigo
em tratamento de atletas profissionais e
amadores, mas há uma área ”cinzenta”
nesta definição.
Boa parte dos trabalhos define como
atleta “profissional” o indivíduo que
treina mais do que três horas por semana e aqui começa o problema. Quantas
pessoas vocês conhecem que treinam,
independente do esporte ou atividade,
mais do que três horas por semana? Outros definem um atleta profissional com
VO2Max>60ml/min*kg. Por esse critério, a maioria dos atletas das seleções
de vôlei, basquete, handebol e futebol
não se encaixariam. Portanto, a melhor
maneira seria esquecer momentaneamente essa definição e passar a falar
simplesmente do indivíduo que pratica
|5
atividade física constante, de intensidade variada e que se sente prejudicado e/
ou angustiado quando tem que parar
por causa de um quadro de dor, seja ela
aguda ou crônica.
Na década de 1970, foram feitos estudos sobre os efeitos analgésicos dos
peptídeos opioides (por exemplo, a morfina) sobre a função cerebral, relatando
que tais substâncias tinham efeitos neurotransmissores, e como alvo receptores
cerebrais, para opioides específicos. Com
esse achado, veio o conhecimento de
que talvez o próprio cérebro produzisse
substâncias endógenas capazes de alterar o humor. Uma evidência favorável à
existência e influência dessas substâncias
surgiu com o isolamento e purificação de
dois pentapeptídeos opioides, a metionina e a leucina encefalina. Esses opioides
fazem parte de uma molécula maior de
propiocortina produzida na hipófise
anterior. Outras substâncias opioides
incluem a β-lipotropina, β-endorfina e
dinorfina1.
As
concentrações
séricas
da
β-lipotropina e β-endorfina aumentam
com atividade física, de maneira geral,
similarmente nos homens e nas mulheres, apesar de variar de indivíduo para
indivíduo e de ser inversamente proporcional à intensidade do exercício,
acarretando um aumento de até 5 vezes
em relação ao nível de repouso, sendo
provavelmente muito maior no cérebro,
particularmente nos efeitos específicos
para cada região, nas áreas cerebrais
frontolímbicas que participam no processamento dos estados afetivos e de
humor1.
Aparentemente, os exercícios aeróbicos e os exercícios de resistência, com
maior número de repetições e intervalos
maiores, têm influencia maior na liberação da β-endorfina2,3.
Os efeitos fisiológicos dos corticoides
endógenos continuam em estudo e são
controversos. Vários estudos relacionam
esse efeito à “alegria do exercício”, ou
seja, sensação de bem-estar após à pratica esportiva, aumentando a tolerância à
dor, melhorando o controle do apetite,
reduzindo a ansiedade, tensão, raiva e
confusão, que são benéficos para o atleta do ponto de vista psicológico e de
auto- controle durante o treinamento e
as competições.
6|
O treinamento regular pode elevar a sensibilidade dos indivíduos aos
efeitos dos opioides, reduzindo assim
a quantidade de hormônio necessário
para produzir o efeito desejado, fazendo também com que sejam degradados
mais lentamente que na condição prétreinamento4, prolongando seu efeito e
melhorando a tolerância do individuo
à pratica física, causando um “vicio positivo”.
Além da liberação neuroendócrina
de opioides, estudos recentes com uma
melhor metodologia e elaboração têm
demonstrado que a atividade física
constante causa uma alteração da percepção de dor no atleta15.
Para se ter uma ideia da grande variedade de protocolos que são utilizados para se medir a tolerância e o limiar
de dor durante o exercício e durante
o repouso em atletas, uma metanálise
publicada em 20125 selecionou incialmente 1.333 estudos da literatura, sobrando somente 15 que se encaixavam
nos critérios e inclusão. Depois do le-
vantamento estatístico de 568 atletas,
J. Tesarz concluiu que há uma elevada
tolerância à dor dos atletas em relação
aos grupos controles, sendo que essa
tolerância é de caráter médio e mais
uniforme nos esportes de endurance, e
mais elevada e heterogênea nos esportes
de quadra.
No entanto, quando avaliado o limiar álgico, cinco estudos demonstraram uma resistência maior à dor nos
atletas e quatro estudos não demonstraram diferença em relação aos grupos
controle5.
Geva e Defrin demonstraram em um
estudo com triatletas que participam de
provas de Ironman, esporte com extremo desgaste físico e mental envolvendo
horas de esforço e de dor durante todo
o dia de prova, apresentam uma maior
tolerância, menores notas de percepção
e menor medo de sentir dor que o grupo controle, sugerindo que esses atletas
apresentam mecanismos de modulação
e percepção da dor, que os favorece a
perseverar para conclusão da prova6.
Scheef, em um estudo usando
RNM cerebral e exames de sangue
para medir os níveis de β-endorfina
plasmática, comparou atletas antes e
depois de praticarem atividade física,
demonstrando que após as atividades,
especialmente a corrida, houve uma
diminuição da ativação dos sítios
cerebrais correspondentes à dor, correlacionando estes achados aos mecanismos de modulação da dor pela
produção endógena de opioides7.
Scheef, com exames de RNM, nos mostra as áreas cerebrais que são ativadas
antes e depois dos exercícios. As áreas cerebrais responsáveis pelos centros
de dor correspondem às áreas vermelhas. Notem que quanto maior a intensidade do exercício menor são as áreas ativadas.
10
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PreWalk
PostWalk
10
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PreRun
PostRun
Além da liberação neuroendócrina de opioides,
estudos recentes com uma melhor metodologia
e elaboração têm demonstrado que a atividade
física constante causa uma alteração da
percepção de dor no atleta
Inúmeros outros artigos citados na
literatura, relatam a produção serotoninérgica induzida pelo exercício, que
melhora o humor e o quadro álgico
em pacientes com as mais variadas
patologias, tais como fibromialgia8 e
depressão.
Quando o atleta procura ajuda médica, nós profissionais normalmente
ouviremos dois tipos de queixa. A primeira é quando ele se sente prejudicado
por algum tipo de dor, atrapalhando-o
para treinar e desenvolver sua melhor
performance- no entanto não o impede
de treinar.
A segunda será aquele atleta que interrompeu sua atividade física totalmente, por algum quadro de dor crônica, que piorou durante o treinamento
ou quadro de dor aguda, proveniente
de uma lesão.
O médico do esporte deverá ter em
mente tudo o que foi descrito acima,
principalmente com o segundo tipo
de queixa, pois é esse atleta que enfrentará uma “Síndrome de Abstinência” ao esporte.
Independente da patologia apresentada, suas consequências e sua evolução,
o atleta quase nunca pergunta se ficará
bom, mas sempre questiona quando
poderá retornar à atividade esportiva e
quando poderá competir.
Pensando nisso, o ideal é sempre
prescrever uma atividade física alternativa para o paciente tentar manter
seu nível de preparo aeróbico, produção de opioides endógenos e neurotransmissores em níveis aceitáveis,
concluindo o período de tratamento
sem entrar em “depressão” ou abandonar a terapia proposta. A famosa
frase “Você terá que ficar parado” não
deve ser aplicada a atletas. Reconheço
que é uma maneira fácil do médico
sempre acertar no tratamento das lesões ortopédicas e esportivas, mas é
exatamente o desafio de orientar os
exercícios alternativos, sem que haja
uma piora da lesão original, o diferencial do médico.
Tanto no consultório médico geral,
como na medicina esportiva, a queixa
mais comum é a de dor lombar baixa,
taxa de prevalência que pode chegar em
15% da população ativa9 e a 30% nos
atletas10,13.
Atleta lutador de Jiu Jitsu, com hérnia cervical C5-C6, tratado com repouso parcial, fisioterapia, pregabalina e oxicodona
Lembrando que, em atletas jovens,
devemos sempre pesquisar a espondilólise e espondilolistese, podendo chegar a
39% das lesões com dor lombar baixa.
Além da prescrição de exercícios
alternativos ao atleta, as terapias físicas são altamente recomendadas para
o tratamento das lesões esportivas,
tais como a fisioterapia, RPG, pilates, quiropraxia e acupuntura. Tudo
com devida orientação por escrito ao
profissional responsável, indicando a
necessidade, possibilidades e, principalmente, restrições que o atleta terá
na execução da terapia.
O tratamento medicamentoso é um
capítulo à parte.
Todos nós já ouvimos falar da alta
incidência do uso de anti-inflamatórios não hormonais (AINH) entre os
atletas12,13,14 com suas consequências renais, gástricas, hepáticas e intestinais.
Muitos atletas de elite treinam e jogam somente com injeções intramusculares de AINH.
Temos sempre que ter em mente as
necessidades do atleta, pensando em
sua fisiologia neuroendócrina.
8|
Está comprovada
a produção
neuroendócrina de
opioides, que são
responsáveis pela
sensação de bem
estar pós-exercício
Devemos dar preferencia à prescrição
de AINH específicos para inibição da
Cox2, tais como o etoricoxibe ou o celecoxibe, concomitante com analgésicos
de média a alta potência, que exercerão
um efeito na modulação central, fundamental para atletas que param abruptamente a atividade física.
Podemos utilizar o tramadol e a codeína como opções de média potência
e a oxicodona como opção de média
e alta potência, dependendo da dose
utilizada, iniciando o uso com a dose
mínima recomendada e titulando-a de
acordo com os sintomas adversos ou a
manutenção da dor do paciente.
Tenho obtido excelentes resultados
com este último, pois, na minha prática com atletas de alta performance, é o
mais eficaz em dores agudas de média e
alta intensidade e dores crônicas.
Caso seja necessário, podemos associar
os antidepressivos tricíclicos e os inibidores de recaptação de serotonina quando
o tratamento for prolongado. Lembrando que o médico deverá ter uma ótima
interação com o atleta e perspicácia para
perceber os sintomas provenientes da
“abstinência” ao exercício.
O uso da pregabalina também é recomendada no controle da dor neuropática
e em casos de ansiedade, lembrando que
alcançamos o efeito desejado somente
após uma semana de tratamento.
Sempre que participo de uma competição, há a preocupação com o antidoping. Segundo as regras da World Anti
Doping Agency (WADA) para 2014, os
Devemos prescrever
uma atividade
física alternativa ao
atleta que está em
tratamento, evitando
sua parada total e a
diminuição dos efeitos
neuroendócrinos do
exercício
AINH, a pregabalina, a codeína e o tramadol, estão liberados em períodos fora e
dentro de competição. A oxicodona está
proibida em períodos de competição, ou
seja, pode ser usada desde que não apareça no antidoping realizado após o jogo
e que como tem uma meia vida de 6 a 7
horas, em 24 horas não apresentará mais
efeito ou traços de liberação na urina.
Em resumo
Nos dias atuais, fica muito difícil estabelecer critérios para diferenciação de
atletas profissionais e amadores baseados em níveis de atividade física.
Os atletas de endurance (exercícios
aeróbicos) têm tendência a ter uma percepção alterada da dor e com isso, uma
maior tolerância que os outros atletas.
Está comprovada a produção neuroendócrina de opioides, que são responsáveis
pela sensação de bem estar pós-exercício.
Está comprovada a melhora do estado de humor pelo estímulo da produção de serotonina com o exercício
físico regular.
Devemos prescrever uma atividade
física alternativa ao atleta que está em
tratamento, evitando sua parada total e
a diminuição dos efeitos neuroendócrinos do exercício.
Os tratamentos como a fisioterapia,
RPG, acupuntura e quiropraxia devem
ser recomendados.
Devemos preferencialmente prescrever AINH seletivos ou específicos
para Cox2.
Iniciar o tratamento com analgésicos de média e forte intensidade pelos seus efeitos de modulação central
auxiliam a redução dos efeitos neuroendócrinos, causados pela diminuição
da atividade física.
Referências
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Hans H. Schild e, Andreas Zimmer c, Henning Boecker. PAIN_ 153 (2012) 1702–1714.
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rbr.2013.02.001.
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15- Alterations in endogenous pain modulation in endurance athletes: An experimental study using quantitative sensory testing and the
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