Entrevista com Dr. Clésio Mello de Castro
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Entrevista com Dr. Clésio Mello de Castro
ENTREVISTA Urgência em rede ◗Gestão, capacitação e multiplicação são palavras-chave para a organização e fortalecimento das ações O desafio para 2009 e 2010 é desenhar na área de Emergência as redes de atenção às urgências. Os estados devem ajudar os municípios nessa organização para que, ao implantar uma central de regulação, já exista o desenho do hospital de referência, da unidade de prontoatendimento, das ambulâncias e do transporte para a região. Isso é um pouco do que pensa o coordenador da CGUE (Coordenação Geral de Urgência e Emergência) do Ministério da Saúde, o médico Clésio Mello de Castro. Para ele, o SUS (Sistema Único de COMO VEM OCORRENDO O FORTALECIMENTO DA REDE DE ATENÇÃO ÀS URGÊNCIAS E O QUE ISSO SIGNIFICA PARA O APH MÓVEL E FIXO? Depois que um paciente é atendido na via pública, na residência, no agravo à saúde, na ambulância, a questão é: para onde vamos levar esse paciente? Nesse exemplo, conseguimos entender que precisamos de uma rede para que esse atendimento seja feito. Desde 2002, toda unidade de saúde é uma porta de entrada do sistema para o acolhimento e atendimento de urgência. Existe a unidade básica de saúde, com a estratégia de saúde da família Saúde) deve funcionar em rede, se articular e se organizar com os níveis de complexidade em cada região. O trabalho do gestor municipal, do estadual e do federal é fazer essa organização das redes de atenção às urgências, efetivando o processo de regionalização do Samu e a implantação das UPA de forma sustentável. Nessa entrevista exclusiva para Emergência durante a Expo Emergência, o médico fala do que vem acontecendo na rede e o que precisa ser melhorado. Por Cristiane Reimberg que está próxima da população e que acompanha a sua saúde. É natural que a população, na hora do agravo à saúde, vá buscar atendimentos de urgência nessas unidades, que devem estar preparadas para dar o primeiro atendimento de suporte à vida. Da mesma forma, a unidade de prontoatendimento funciona 24 horas e é uma porta de entrada para o atendimento de urgência. Então, essa rede de urgência se configura nas várias unidades de saúde instituídas, de forma que todo paciente tenha assegurado o atendimento, independente do grau de complexidade. Eu posso ter um ferimento, precisar de uma sutura e PERFIL CLÉSIO MELLO DE CASTRO VALDIR LOPES Médico formado pela PUC de Campinas/ SP, Clésio Mello de Castro é especialista em Pediatria e Medicina de Tráfego. Foi gestor municipal na área de Urgência de Indaiatuba, Hortolândia e Sumaré e coordenador do Samu de Sumaré, no interior do estado de São Paulo. Também atuou como consultor do Ministério da Saúde. Desde abril de 2009, é o coordenador da CGUE (coordenação Geral de Urgência e Emergência), órgão responsável pela gestão do APH Móvel (Rede Samu 192), APH Fixo (UPA 24 Horas) e rede de emergência hospitalar (QualiSus). 8 Emergência realizar numa unidade básica de saúde, ou posso precisar de uma cirurgia de um trauma ou TCE (traumatismo cranioencefálico) e precisar ir para um hospital de alta complexidade. QUAL O RITMO DE IMPLANTAÇÃO DAS UPA E DO SAMU? O ritmo de implantação do Samu vai aumentar, porque, com a política de incentivar as UPA, colocamos como plano de fundo a exigência de uma Central de Regulação de Urgência. O Ministério enxerga que a UPA, como unidade voltada para uma localidade geográfica, por si só não resolve o problema. Então, temos que trabalhar em rede. A implantação de 500 UPAs até o final de 2010 está ligada à construção dessa rede. Não estamos apenas implantando mais uma unidade de UPA, uma central do Samu ou uma ambulância, estamos organizando a rede de atenção às urgências. QUAL A IMPORTÂNCIA DA CENTRAL DE REGULAÇÃO DE URGÊNCIA? A Central de Regulação monitora as urgências 24 horas por dia em uma região. A ideia é que ela consiga assegurar que todo cidadão daquela região seja atendido nos seus agravos à saúde na questão de urgência. A Central de Regulação de Urgência vai medir as deficiências, contando com uma estrutura dinâmica e, o Samu, como uma estrutura móvel. Ela encaminha o paciente para várias unidades, recebe o chamado de várias unidades, desde a atenção primária, das UPA, das unidades hospitalares. Então, consegue aferir com indicadores onde estão as falhas do sistema. QUAL A ESTRUTURA EXISTENTE HOJE NO BRASIL QUANTO ÀS CENTRAIS DE REGULAÇÃO? Hoje, há 147 Centrais de Regulação de UrOUT/NOV / 2009 VALDIR LOPES ENTREVISTA exemplo são as motos, cujo objetivo é enfrentar o tráfego das grandes cidades. Para o transporte aéreo, cada estado vem colocando sua solução, pois cada região tem sua particularidade. Clésio destaca a articulação entre Samu e Bombeiros em São Paulo gências, cobrindo 1.273 municípios. Em cima dessas centrais, 112 milhões de brasileiros podem ser atendidos. É um número considerável. Evoluímos muito nos últimos anos para isso. Agora estamos trabalhando em dois movimentos. O primeiro deles é levar ao restante da população o acesso à atenção de urgência. O segundo, que, na verdade, ocorre simultaneamente, é qualificar essas centrais e estruturas já existentes como as que estão nascendo agora. COMO SE ENCONTRA A PREPARAÇÃO DA REDE DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA, ESPECIALMENTE DE APH MÓVEL, PARA EPIDEMIAS E PANDEMIAS COMO A H1N1? A questão da influenza H1N1 superou qualquer capacidade de atendimento de serviço. Houve uma grande mobilidade nacional para a padronização da assistência e da vigilância. O Samu tem acompanhando isso conforme as diretrizes construídas dentro do Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde. Então, todas as medidas para intervenção e para a convenção dos EPIs foram utilizadas. COMO TEM SIDO A ADOÇÃO DAS NOVAS TECNOLOGIAS NO SAMU E QUAIS AS PRETENSÕES FUTURAS QUANTO A ISSO? A adoção de novas tecnologias no SUS passa por um estudo que visa primeiro elementos científicos para a adoção e depois a medida do custo/benefício e sustentabilidade. Por exemplo: uma vacina deve ser considerada resolutiva primeiro em termos científicos e técnicos, avaliando se é eficaz e, depois, estudamos o custo. O valor deve possibilitar a aplicação a toda a população. A utilização de novas 10 Emergência tecnologias vem sendo estudada e é muito bem-vinda. Essa evolução, tanto em medicamentos quanto em equipamentos, considerando que a cada dia temos uma aplicação nova, passa pelo Ministério da Saúde. Muitas vezes, criam-se projetos de lei. Criamos uma massa crítica do Executivo e do Legislativo para a implantação dessas novas tecnologias. Nos últimos anos, temos evoluído muito com a implantação do DEA (Desfibrilador Externo Automático). Hoje, no Samu, isso é uma política. Em breve, todas as viaturas, as ambulâncias, as motos e as ambulanchas, terão o DEA. “ Não estamos apenas implantando mais uma unidade de UPA, uma central do Samu ou uma ambulância, estamos organizando a rede de atenção às urgências COMO ESTÃO AS METAS DE EXPANSÃO DE OUTRAS FERRAMENTAS DO SERVIÇO, COMO AMBULANCHAS, HELICÓPTEROS E AVIÕES? O primeiro transporte pensado foi a ambulância, que é o mais comum, via terrestre, no qual fazemos a maior parte da locomoção. Devido à diversidade do nosso País, algumas regiões têm o transporte fluvial ou marítimo como predominante, ou até exclusivo. Então, foi colocada a necessidade de implantação de ambulanchas. Para o ano de 2010, está prevista a ampliação de 20 unidades de ambulanchas. Tanto o investimento quanto o custeio estão dentro do orçamento e dos projetos estaduais. Outro COMO O MINISTÉRIO DA SAÚDE VEM DEBATENDO O RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE DE MEDICINA DE EMERGÊNCIA? A especialidade é um dos pontos que discutimos dentro da questão da urgência. Tanto o MEC (Ministério da Educação) quanto o Ministério da Saúde acreditam que fomentar a questão da urgência na graduação é fundamental. Precisamos dar uma base para todos os graduandos terem uma formação de urgência. O reconhecimento das especialidades que trabalham com urgência, como Cirurgia do Trauma, a questão da especialidade e da residência médica em urgência também são importantes para validar esse profissional e criar um espaço para a capacitação. HÁ PREVISÃO DE QUANDO ESSA DISCUSSÃO SERÁ CONCLUÍDA? Essa discussão depende de um consenso que envolve os órgãos de classe, como o Conselho Federal de Medicina, a Associação Médica Brasileira, a Comissão Nacional de Residência Médica, o MEC e o Ministério da Saúde. Não é uma discussão pontual que depende apenas de normatização do SUS. Mas há um consenso de que a urgência precisa ser estimulada tanto na graduação quanto na pós-graduação. ESTÃO PREVISTAS BOLSAS VOLTADAS PARA A ÁREA? Uma das ideias para que a urgência seja estimulada na formação do profissional, o que é uma necessidade para o País, é o incremento de bolsas de residência médica. Isso tem sido discutido junto ao MEC. Estamos avaliando os parâmetros que podemos utilizar para aumentar o número de vagas para os residentes e isso depende do incentivo de bolsas para o financiamento desses profissionais. COMO O SENHOR AVALIA A CAPACITAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE APH NO PAÍS? A capacitação no APH é complexa porque é multidisciplinar. São vários profissionais: médico, enfermeiro, técnico em Enfermagem, motorista, bombeiro. Ainda abrange diferentes especialidades, como a Cardiologia, a Neurologia, a Psiquiatria, a Obstetrícia. A ideia é que o profissional realmente esteja apto a atender o OUT/NOV / 2009 paciente como um todo, da mesma forma que ocorre com o médico da família, o qual atende todos os problemas de saúde da população e é formado para atender várias disciplinas. No APH, na rede Samu 192, o profissional deve ser formado de maneira integral para que possa ver o paciente também integralmente. QUAIS AS ESTRATÉGIAS DO MINISTÉRIO PARA FOMENTAR ESSA CAPACITAÇÃO? Temos algumas iniciativas de capacitação com hospitais referências. No Sírio Libanês, por exemplo, há um projeto do Ministério da Saúde de gestão do paciente crítico. Iniciou esse ano e está em andamento. Trabalhamos a visão que o paciente é o mesmo no atendimento da via pública, na residência, passando pela emergência de um hospital, pela UTI. Essa é uma experiência exitosa de capacitação em urgência, na qual você coloca profissionais de todas as áreas - do Prontossocorro, da UTI, do Samu - para discutir sobre o mesmo caso, o mesmo paciente. Outro projeto de capacitação da rede Samu 192 ocorre com o Hospital Oswaldo Cruz. Começou em setembro e capacita profissionais multiplicadores para o ensino da regulação médica. Ainda temos metas do governo federal para a redução da mortalidade infantil na região da Amazônia Legal e do Nordeste. Outra área que estamos estudando junto com a Sociedade Brasileira de Pediatria é a capacitação do transporte e atendimento do embrionado e da gestante. QUAL O PAPEL DOS NÚCLEOS DE EDUCAÇÃO PERMANENTE E DE EDUCAÇÃO EM URGÊNCIAS NA QUALIFICAÇÃO DOS ATENDIMENTOS? Em cada estado, em cada Samu, junto com a estrutura da Central de Regulação, surgem iniciativas de núcleos de educação. Acreditamos que a sustentabilidade e a qualificação dos atendimentos de emergência parte do pressuposto de que o ensino é continuado e que se trabalhe com a pesquisa. Esses núcleos são um pouco da alma, da sustentabilidade do Samu 192. Temos experiências muito boas de núcleos formadores que evoluíram de 2003 para cá, com um grau de expertise muito grande. O que o Ministério da Saúde vem fazendo nesses últimos meses é reunir as experiências exitosas de cada núcleo para fazer um desenho do que é hoje a rede Samu 192 e o que é a educação continuada em urgência no País. Isso para que não criemos nada novo que seja cartorial, da cabeça de poucos, mas que possamos aproveitar as experiências de todos os profissionais que trabalham com a educação em urgência. OUT/NOV / 2009 OS MULTIPLICADORES CAPACITADOS EM PARCERIAS COM OS HOSPITAIS, COMO O SENHOR CITOU, LEVAM O CONHECIMENTO PARA OS NÚCLEOS? Sim. O governo federal nunca vai conseguir capacitar um a um todos os profissionais da rede Samu 192 e nem tem essa pretensão. Capacitar mais de 40 mil pessoas hoje atuantes nessa rede, de forma centralizada, seria uma manobra impossível. Então, a ideia é formar multiplicadores para que, atuando nos estados, sejam capacitadores dos núcleos. “ Há um consenso de que a urgência precisa ser estimulada tanto na graduação quanto na pós-graduação COMO A CGUE ENTENDE QUE A QUESTÃO DOS TROTES PODE SER COMBATIDA? São dois movimentos que temos nessa área. Um seria a sensibilização da população para que entenda o prejuízo que um trote pode causar por uma falta de atendimento, por um deslocamento desnecessário e pelo gasto do dinheiro público. Isso inclui todas as faixas etárias, inclusive os adultos, que realizam os trotes mais elaborados, com simulações de casos que não existem. Há o deslocamento desnecessário de uma viatura, que, muitas vezes, seria a mesma que atenderia um chamado real. Então, essa sensibilização é importante. Um segundo ponto é a evolução tecnológica. Hoje, a gente tem metas de coibir isso, uma vez que você tem identificação de chamada. COMO O SENHOR VÊ A ARTICULAÇÃO ENTRE SAMU E BOMBEIROS NO APH? Temos vários profissionais que atuam num mesmo objetivo. Essa sinergia, essa pactuação, essa gestão compartilhada é inerente a situação. De 2003 para cá, algumas regiões evoluíram muito nesse aspecto. Por exemplo, o município de São Paulo evoluiu muito na gestão compartilhada para a utilização de recurso público. Esse é o foco. Você tem economia do dinheiro público e o atendimento qualificado. O SENHOR ENTENDE QUE HÁ NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO OU ALTERAÇÃO DA PORTARIA 2048 PARA CORRIGIR DEFICIÊNCIAS ATUAIS? O fato é que as normas e as leis existem no papel como um primeiro passo e a aplicação dessas leis precisa ser o passo definitivo para que haja impacto. A Portaria 2048 foi assinada em 2002 e nosso trabalho tem sido árduo para conseguir fazer esses desenhos. Antes de querer substituir ou criar novas iniciativas, temos que trabalhar com os princípios dela. O cumprimento dessa normatização é o primeiro passo para depois pensar em melhorar. Sem dúvida, as normatizações passam por análises, por melhorias, e temos que preencher as lacunas existentes periodicamente, mas o princípio da Portaria 2048 é realmente as pessoas começarem a aplicação. ALGUMAS NOTÍCIAS EXPÕEM UMA PROBLEMÁTICA NA ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO COMO A IMPLANTAÇÃO DO SAMU ANTES DA CAPACITAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS, IMPOSSIBILITANDO QUE O SERVIÇO INICIE. COMO A COORDENAÇÃO ENXERGA ISSO? A gestão na implantação do Samu é muito importante para que seja criada uma rede de atenção às urgências organizada. O gestor tem o papel de fazer essa organização com o desenho da rede, a contratação e o treinamento de profissionais. A implantação e a inauguração de um serviço novo devem estar conectadas. Uma vez que não respeitamos essa organização, falhamos em algum desses aspectos. Isso não é sustentável, nem aconselhável. A ideia é nos organizarmos para que, antes de adotar o serviço, tenhamos todos os profissionais treinados e qualificados. NO RIO DE JANEIRO, CIVIS FORAM SUBSTITUÍDOS POR BOMBEIROS MILITARES NO SAMU, CAUSANDO POLÊMICA SOBRE O ASSUNTO. QUAL A POSIÇÃO DA CGUE SOBRE A QUESTÃO? O Rio de Janeiro tem uma situação peculiar. A Secretaria de Saúde e a de Segurança funcionam em torno do mesmo secretário. Essa particularidade fez com que, dentro do desenho do Samu 192, dos princípios da regulação médica e do atendimento de suporte médico avançado, o Rio de Janeiro colocasse profissionais bombeiros nas ambulâncias. O controle social e os princípios do SUS estão sendo respeitados. Agora, realmente, em termos trabalhistas, os funcionários que foram demitidos do serviço estão reivindicando direitos, pleiteando um espaço dentro do Samu 192. Uma vez que esses profissionais eram qualificados e trabalhavam há algum tempo, é digna essa luta. Emergência 11