Utilização da barra transpalatina na correção da má

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Utilização da barra transpalatina na correção da má
Ortoclínica
Utilização da barra transpalatina na correção da
má-oclusão de Classe II durante a dentição mista
Angle Class II correction using the transpalatal arch during early treatment
Ewaldo Luiz de Andrade*
RESUMO – Este trabalho apresenta algumas características anatômicas da região que envolve o primeiro molar permanente superior e
que justificam a expansão do arco dentário superior e a correção da
má-oclusão de Classe II de Angle com a utilização da barra transpalatina
durante a dentição mista e início da permanente. Apresenta também
detalhes da confecção e instalação da BTP, ilustrando sua utilização
em três casos clínicos.
Unitermos – Ortodontia; Barra transpalatina; Classe II.
ABSTRACT – This paper presents some anatomical details from the
first permanent upper molar area that justify the use of the transpalatal
arch, during the early treatment, for the upper dental arch expansion
and the Angle Class II malocclusion correction. This paper also presents
details of the transpalatal construction and setting; and three clinical
cases using.
Key Words – Orthodontics; Palatal bar; Transpalatal lingual arch;
Class II.
*Especialista em Ortodontia, mestre e doutor em Diagnóstico Bucal – Fousp.
Recebido em mai/2013 Aprovado em mai/2013
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Os primeiros molares superiores, na oclusão normal, se
|| Introdução
encontram dentro da crista zigomática alveolar (Figura 2),
A barra transpalatina ou arco transpalatal de Goshgarian,
uma estrutura óssea volumosa onde está inserido o músculo
registrado por este autor no Departamento de Patentes do
zigomático maior. A região da crista zigomática alveolar está
Governo dos Estados Unidos da América em 19721, foi es-
adaptada para receber uma expansão na região dos primeiros
e, principalmente,
molares superiores permanentes, com menor risco de pres-
de uma maneira mais clínica em trabalhos sobre tratamento
sionar as raízes vestibulares contra a cortical óssea, o que
sem extrações . Esses autores
investigaram anatomica-
não ocorre na região dos segundos molares que, para serem
mente a região do primeiro molar superior permanente e sua
movimentados, os arcos devem ser contraídos, levando estes
posição ideal, pois cerca de 80% dos casos de Classe II de
dentes para uma região mais interna ao osso alveolar, dentro
Angle apresentavam molares superiores girados para mesial e
das corticais ósseas.
tudada em suas ações na biomecânica
2-7
8-9
2-9
atresia do arco superior . Durante a dentição mista, a maioria
8
das más-oclusões era caracterizada pela rotação mesial dos
molares superiores .
8-9
Confecção da BTP
Geralmente a BTP é confeccionada com fio de aço
A barra transpalatina (BTP)1 é um dispositivo fixo que
redondo de diâmetro de 0,8 mm ou 0,9 mm, iniciando as
contorna o palato e une os primeiros ou segundos molares
dobras a partir do dispositivo pré-dobrado fornecido por
de um lado ao outro da arcada dentária superior, e pode ser
diversos fabricantes. A medida do comprimento da BTP
usada inicialmente para rotacionar molares distalmente ao
é obtida com uma régua flexível contornando o palato no
redor da grande raiz palatina; simultaneamente, expansão
modelo inicial, tendo como referência os dois tubos linguais
e torque podem ser prontamente efetuados. Durante a den-
(Figura 3), descontando 2,0 mm no comprimento para uma
tição mista, é de grande vantagem a correção, com a BTP,
boa adaptação sem pressionar a mucosa palatina. Com o
da posição anatômica dos primeiros molares permanentes
alicate específico para BTP, com duas canaletas, devem ser
superiores, corrigindo a sua giroversão para mesial, bem
realizadas as dobras iniciais referentes ao torque lingual,
como a atresia do arco, promovendo uma expansão da maxila,
nos dois lados, conforme a Figura 4. O contorno ao palato
uma vez que a sutura palatina ainda não está consolidada. A
pode ser efetuado com o auxílio do dedo polegar, para uma
correção precoce da má-posição e giro dos primeiros molares
boa adaptação, respeitando as características anatômicas
superiores permanentes, na dentição mista, promove uma
individuais (Figura 5).
recuperação de espaço para os demais elementos dentários, facilitando o desenvolvimento de arcos dentários mais
amplos e melhor relacionados entre si e com a face, também
melhorando a estética quando elimina os fundos negros do
sorriso. Os ganhos permanentes de uma correção precoce
da má-oclusão de Classe II com a BTP serão de muito valor
no desenvolvimento posterior de uma oclusão normal estável
na dentição permanente.
Detalhes anatômicos
Observando indivíduos portadores de oclusão normal e que
nunca utilizaram aparelhos ortodônticos, notamos a excelente
amplitude do arco dentário superior e a ausência de rotação
para mesial dos primeiros molares superiores permanentes,
apresentando suas faces vestibulares paralelas entre si e amplas faces de contato com os segundos pré-molares superiores
(Figura 1). A observação por oclusal demonstra que no contorno
vestibular do arco superior encontramos a existência de um
significativo desvio molar.
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Figura 1
Arco superior na oclusão normal.
Ortoclínica
Figura 2
Crista zigomática alveolar oferecendo mais espaço ósseo para o primeiro molar superior.
Figura 3
Medida do comprimento da BTP.
Figura 4
Dobras iniciais bilaterais para controle do torque lingual.
Figura 2
Arco superior na oclusão normal.
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Caso clínico 2
Paciente do gênero masculino, com 11 anos de idade, apresentava má-oclusão de Classe II, atresia do arco superior, mordida
cruzada do lado direito e falta total de espaço para o primeiro
pré-molar superior direito (Figura 11). A utilização da BTP instalada
nos primeiros molares permanentes superiores proporcionou, após
Figura 6
Instalação passiva da BTP.
três ativações com intervalos de seis semanas, uma expressiva
expansão do arco superior, correção da giroversão destes dentes
(Figura 12) e, como consequência, a correção da Classe II de Angle
(Figura 13). Após este grande avanço na correção da má-oclusão,
o paciente estava em condições de receber recursos auxiliares
como a tração extrabucal acompanhada de aparatologia fixa.
Caso clínico 3
Paciente do gênero feminino, com 13 anos e dez meses
de idade, no início da instalação da dentição permanente, apreFigura 7
Ativação da BTP para os primeiros molares superiores.
sentava falta de espaço para os dentes caninos superiores,
causada pela má-oclusão de Classe II e atresia do arco superior
(Figura 14). Apresentava ainda, no sentido transversal, uma
relação topo a topo entre os primeiros molares superiores e
Um tubo lingual específico para BTP é soldado na banda
inferiores, e com os primeiros molares superiores rotados para
do primeiro molar permanente superior. O encaixe da BTP nos
mesial. A utilização da BTP instalada nos primeiros molares
tubos linguais, inicialmente, deve ser passivo (Figura 6) e, após
permanentes superiores proporcionou, após três ativações com
uma semana, deve ser ativado conforme ilustra a Figura 7,
intervalos de seis semanas, uma expressiva expansão do arco
controlando sempre três aspectos: a quantidade de torque
superior (Figura 15), correção da giroversão destes dentes e,
lingual, a expansão e o giro para distal. O intervalo ideal entre
como consequência, a correção da Classe II de Angle (Figura 16).
as ativações é de seis semanas.
Como a expansão do arco dentário superior é realizada
|| Discussão
sobre a coroa dos primeiros molares, o que promove uma tendência de inclinação para vestibular, é importante o incremento
de torque lingual significativo na BTP, a cada ativação.
Observamos os benefícios da utilização da BTP, tanto
durante a dentição mista como na dentição permanente;
pode ser empregada nos movimentos de molares para a
|| Relato de Caso Clínico
rotação, intrusão, torque e distalização, além de promover
a expansão ou constrição do arco superior, manutenção de
Caso clínico 1
espaço e, ainda, como recurso de ancoragem10-12. Devido à
Paciente do gênero feminino, com 11 anos de idade, apre-
grande frequência de giroversão para mesial dos molares8,
sentava má-oclusão, Classe II de Angle, com atresia do arco
principalmente nos casos de Classe II de Angle, temos como
superior e com os molares rotados para mesial (Figura 8). Foi
principal função da BTP a correção da rotação molar, levando
instalada a BTP nos primeiros molares permanentes superio-
a uma relação de Classe I. Este movimento de rotação ocorre
res, confeccionada com fio de aço com diâmetro de 0,8 mm.
ao redor da grande raiz palatina, e pode não só promover a
Foram efetuadas duas ativações, observando o intervalo de
correção da relação molar, mas também aumentar o com-
seis semanas entre elas. Observou-se a completa correção da
primento do arco em algo próximo de 2 mm de cada lado9.
má-oclusão de Classe II, com os primeiros molares superiores
Para a correção da rotação molar, sugerimos que as faces
ocluindo em oclusão normal (Figura 9). A correção da Classe II
vestibulares dos primeiros molares superiores estejam para-
pode ser efetuada sem do uso de aparelho extrabucal, que
lelas entre si ao final da movimentação, pois se trata de uma
necessitaria de grande colaboração da paciente (Figura 10).
característica anatômica de uma oclusão normal8. Pode-se
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Figuras 8
Fotos iniciais.
Figura 9
Fotos antes e após a
ativação da BTP.
Figura 10
Fotos após a
correção da
Classe II.
Figuras 11
Fotos iniciais.
Figuras 12
Três estágios
de ativação da BTP.
Figuras 13
Fotos após a correção
da Classe II com a BTP.
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Figura 14
Fotos iniciais.
Figura 15
Antes e após
ativação da BTP.
Figura 16
Fotos finais.
obter simultaneamente rotação e movimento de distalização
dos molares; nestes casos, a ativação deve ser unilateral,
|| Conclusão
para que de um lado ocorra rotação e do outro distalização.
Observou-se que nos casos de má-oclusão de Classe II na
Além da função de manutenção do espaço livre de Nance
dentição mista, a utilização da BTP corrige a atresia do arco
na arcada superior, a BTP tem sido empregada em várias
superior promovendo uma expansão e corrige a giroversão le-
mecânicas ortodônticas, como recurso auxiliar de ancoragem,
vando o primeiro molar para distal girando sobre a raiz palatina,
apesar de não haver trabalhos clínicos que comprovem a sua
possibilitando a correção da má-oclusão de Classe II com con-
efetividade. Durante a dentição mista é vantajosa a correção,
fortável sobrecorreção, o que será uma grande referência na
com o auxílio da BTP, do posicionamento dos primeiros mo-
instalação de uma excelente oclusão na dentição permanente.
lares, pois estes servem como guia de erupção dos dentes
permanentes adjacentes. O emprego na correção precoce de
giroversões, mesializações, ou mesmo atresia maxilar, torna
valioso este recurso ortodôntico para um crescimento harmonioso da face, pois uma boa oclusão adquirida é o melhor guia
para o desenvolvimento final da maxila e mandíbula.
A correção da má-oclusão de Classe II com a BTP é um
fenômeno ortodôntico e ortopédico (expansão) com a vantagem
de não necessitar da cooperação do paciente para a obtenção
dos movimentos dentários e objetivos ortopédicos desejados.
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Nota de esclarecimento
Nós, os autores deste trabalho, não recebemos apoio financeiro para pesquisa dado por
organizações que possam ter ganho ou perda com a publicação deste trabalho. Nós, ou os
membros de nossas famílias, não recebemos honorários de consultoria ou fomos pagos como
avaliadores por organizações que possam ter ganho ou perda com a publicação deste trabalho,
não possuímos ações ou investimentos em organizações que também possam ter ganho ou
perda com a publicação deste trabalho. Não recebemos honorários de apresentações vindos
de organizações que com fins lucrativos possam ter ganho ou perda com a publicação deste
trabalho, não estamos empregados pela entidade comercial que patrocinou o estudo e também
não possuímos patentes ou royalties, nem trabalhamos como testemunha especializada, ou
realizamos atividades para uma entidade com interesse financeiro nesta área.
Endereço para correspondência:
Ewaldo Luiz de Andrade
Av. Brig. Faria Lima, 2.152 – Cjs. 1c e 1d
01452-000 – São Paulo – SP
[email protected]
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